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1 PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO KRIKATI: DINÂMICA DE EXPANSÃO E RETRAÇÃO Kátia Núbia Ferreira Corrêa- Doutoranda em Ciências Sociais, UFMA, São Luís MA. Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. GRUPO DE TRABALHO Cultura, Etnicidade e Modos de Significação: Narrativas, Memórias e Tradições Natal, 2014

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PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO KRIKATI: DINÂMICA DE

EXPANSÃO E RETRAÇÃO

Kátia Núbia Ferreira Corrêa- Doutoranda em Ciências Sociais, UFMA, São Luís MA.

Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre

os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

GRUPO DE TRABALHO

Cultura, Etnicidade e Modos de Significação: Narrativas, Memórias e Tradições

Natal, 2014

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PROCESSO DE TERRITORIALIZAÇÃO KRIKATI: DINÂMICA

DE EXPANSÃO E RETRAÇÃO1

Kátia Núbia Ferreira Corrêa- Doutoranda em Ciências Sociais, UFMA, São Luís MA.

RESUMO

Este artigo pretende analisar como está se construindo o processo de dispersão e fusão do povo

Krikati após a demarcação da sua terra, ocorrida em 1997. Toma como referência a noção de

territorialização proposta por Oliveira (1998), buscando perceber o processo de reorganização

social desse povo através de seus mecanismos políticos para redefinir o controle social sobre os

recursos ambientais e reelaboração de sua cultura e sua relação com o passado. O povo Krikati

foi classificado por Nimuendaju (1946) entre os Timbira Orientais. Anteriormente ao processo

de demarcação de sua terra movimentavam-se nos limites de sua área de ocupação histórica,

numa dinâmica de criação de novas aldeias e junção em uma única aldeia em momentos de

realização de grandes cerimônias(LADEIRA, 1989). Essa dinâmica foi suspensa por um período

de vinte anos, quando todos permaneceram na aldeia São José e protagonizaram a demarcação

oficial de sua terra. Para tanto, manipularam intencionalmente as regras de dominação impostas

pelo grupo ou agência dominante (OLIVEIRA, 1988). A partir de então, esse povo tem

retomado as práticas socioculturais que regulavam o uso de seu espaço e criado novas aldeias.

Discuto como os Krikati passaram a se deslocar/movimentar/fragmentar/cindir dentro desses

limites fixos e arbitrados pelo Estado brasileiro e passaram a gerenciar o sentido (HOWARD,

2002) desse deslocamento em uma territorialidade limitada (GALLOIS, 2004).

Palavras-chave: Terra Indígena; Territorialização; Etnicidade; Povo Krikati.

1. Introdução

Os Krikati como Timbira2foram classificados por Nimuendajú (1944) entre os

Timbira Orientais (no Grupo Meridional ). Esse povo nunca deixou suas antigas sedes

localizadas:

Ao leste do Tocantins, onde este rio muda successivamente a

sua direção de Sul-Norte para Leste-Oeste. Alli já estavam

localizados nos tempos da viagem de Castelnau (1844) que os

qualificou de „perigosos‟, sendo informado que elles tornavam

inseguro a margem direita do Tocantins, de Bôa Vista para

1Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

Agosto de 2014, Natal/RN. 2Timbira é como são denominados os povos que até o século XIX ocuparam a região limitada ao norte

pelo curso do rio Gurupi, a leste pelo curso médio do Itapecuru e seus afluentes, ao sul pelo rio Balsas e a

oeste pelo rio Tocantins, desde a desembocadura do rio Manoel Alves Grande até bem abaixo da

desembocadura do Araguaia. A área de ocupação dos 15 povos Timbira abrangia toda a porção dos

cerrados do Maranhão, central e meridional (NIMUENDAJU, 1944, §1,p.1)

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cima, enquanto os Gaviões a inquietavam entre Bôa Vista e São

João do Araguaya(NIMUENDAJU, 1944,§ 50, p.18).

Os Krikati se autodenominam Krikateyê que significa “os da aldeia”

(NIMUENDAJU, 1944). Essa autodenominação tem relação direta com o Mito da

Aldeia Grande onde no qual reclamam para si o parentesco com o dono da ema morta.

Dizem os Krikati que foram eles que permaneceram nessa “aldeia grande” quando os

demais grupos Timbira se dispersaram.Esse mito é uma narrativa sobre o povo Timbira

que explica sua unidade e ao mesmo tempo sua fragmentação:

quando todos os Timbira ainda habitavam numa só aldeia

grande havia nesta uma ema mansa. Um dia um menino,

brincando, matou a ave com uma flechada. Foi a causa de uma

briga, primeiro entre a família do menino e a do dono do

animal, mas que logo degenerou em lucta sangrenta na qual a

aldeia toda se envolveu, havendo muito mortos. Finalmente,

para evitar a continuação do derramamento de sangue,

resolveram separar-se. Um grupo tomou este, outro aquele

rumo, cada um adoptando um novo nome próprio que elle

mesmo se attribuia. O grupo do dono da ema morta ficou

habitando na aldeia antiga e tomou o nome de tribu da ema”

(NIMUENDAJU, 1944,§ 36, p.12)3

Os Apinajé, outro povo Timbira, classificado por Nimuendaju (1944) como

Timbira Ocidental4,reconhecem ser os Krikati [Krikateye] a “tribu original da qual se

ramificaram todas as demais tribus Timbira” (NIMUENDAJU, 1944, § 39, p.13-14).

Por isso entre os Apinayê os Krikati são denominados “Ma-kra-yã= tribu da ema”

(NIMUENDAJU, 1946, § 39,p.14).

Cada grupo que se destacou da “Aldeia Grande”se transformou em unidade

autônoma segundo Azanha (1984). Essa autonomia “se expressa na capacidade de um

grupo qualquer reproduzir a „forma Timbira‟5

sem se deixar absorver por outro

grupo”(AZANHA, 1984, p.15). O modo de reprodução do todo pela dispersão e

autonomia das partes leva expansão da forma Timbira:

cada nova unidade resultante do processo de cisão que se impõe

como tal – cada novo grupo que alcança a sua autonomia –

3Essa versão do mito da Aldeia Grande foi contada a Nimuendaju pelos Krahô. Existem também outras

versões contadas pelos grupos que formam hoje o povo Timbira 4Os Apinajé são considerados pela literatura etnográfica (Azanha Apud Da Matta 1984) como os Timbira

Ocidentais por ser os únicos a estarem em terras situadas à esquerda do rio Tocantins 5

A “Forma Timbira” diz respeito ao fato de esses grupos compartilharem elementos de sua organização

social comum.

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impõe ao mesmo tempo esta forma Timbira nos limites do

território, a expõe perante o cupen, e deste modo a Forma

„Timbira‟ se alastra.É neste sentido que podemos falar em

expansão dos grupos Timbira. (AZANHA, 1984, p.16).

Clastres afirma que “em seu ser, a sociedade primitiva quer a dispersão”

(CLASTRES, 1984, p.233). Nesse sentido, a movimentação das aldeias Krikati dentro

do território considerado como de ocupação histórica desse povo retrata essa

necessidade de dispersão para assegurar a autonomia das unidades sociais que a

acionam. Segundo Lave (1967) tais unidades seriam os grupos domésticos. A condição

de expansão dos Krikati, enquanto Timbira é possibilitada pelas disputas

intracomunidades, baseadas nos grupos domésticos, que são formados por um grupo de

irmãs, seus maridos e filhos e os pais delas. Os grupos domésticos se constituem como

unidades dissidentes, a base das divisões. Nesse sentido, o tipo mais frequente de cisão

em uma aldeia Krikati ocorre quando um grupo doméstico deixa a aldeia depois de um

conflito e forma uma aldeia separada num local proximo (LAVE, 1967, p.38). A

consolidação do grupo doméstico pode ser observada na composição de facções

(LAVE, 1967, p.119-20). Aponta também que, tradicionalmente, esse povo se

movimenta dentro de seu território em intervalos regulares, formando novas aldeias por

conta da diminuição da caça, do aparecimento de formigas e pedras que machucam os

pés e, pelo medo dos espíritos dos mortos(LAVE, 1967).

2. A movimentação dos Krikati pelos Krikati

Ladeira (1989) ao traçar a movimentação das aldeias Krikati, cruzando os relatos

do próprio povo com informações obtidas de fontes históricas, afirma que a memória

dos Krikati alcança a sua primeira aldeia no rio Batalha, a aldeia denominada Cutoi.

Desse local, se deslocaram até a serra Hutéxãmxã, nas extremidades da serra do

Cocalinho. Contam os Krikati mais velhos, segundo Ladeira, que foi nessa época que

“os portugueses chegaram” e passaram a incomodar e interferir no processo de

movimentação das aldeias dentro do território de ocupação histórica dos Krikati.

Da serra do Cocalinho, formaram uma aldeia em uma cabeceira do rio Pindaré,

próximo de onde foi construído o povoado Quiosque6. Das cabeceiras do rio Pindaré,

desceram as águas do São Gregório e formaram a aldeia Hõcrécaixô. Contam os

6Esse povoado foi formado no momento em que se construiu a MA-280, estrada que liga o município de

Montes Altos a Sítio Novo em 1975.

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Krikati que quando estavam nesta última aldeia tiveram algumas crianças roubadas

pelos brancos e para terem as suas crianças de volta invadiram a fazenda Salto7.

Imediatamente após o ataque à fazenda se dispersaram, tendo “um grupo se refugiado

na serra da Desordem”, onde formaram uma nova aldeia nas proximidades da Colônia

de Santa Tereza (atual município de Imperatriz-MA). Como se percebe, o contato com o

cupen passa a fazer parte da lógica de dispersão e movimentação das aldeias Krikati.

Apesar de Lave não fazer referência ao fato de que doenças seriam também

motivo de deslocamento para novas aldeias, Ladeira (1989) relata uma situação

vivenciada pelos Krikati quando estavam na aldeia Taboquinha (Grifo meu),que aponta

a doença como fator de dispersão. Dizem os Krikati:

[quando estávamos na aldeia taboquinha ] foi a época que deu

muita epidemia brava, o povo botava sangue pela boca e

começou a morrer, morria logo; o povo começou de novo a

espalhar (grifo meu), era muito fuxico e muito feitiço; até que

mataram o feiticeiro (....) mas aí o povo já tinha espalhado: um

grupo de três a quatro famílias, o povo do finado Dominguinho,

foi formar uma aldeia num lugar chamado Boi de Carro. E o

grupo do finado Agostinho foi fazer aldeia no lugar chamado

Piquizeiro mais tarde esse grupo se desloca para a Baixa Funda

formando ali uma nova aldeia ( Apud LADEIRA, 1989, p.36).

Foi na aldeia Canto da Aldeia que os “atuais Krikati”, formados pela junção

“dos Põcatejê e dos Pihácamekra”, segundo Ladeira (1989) se juntaram no início do

século XX. Essa fusão resultou em “relações mais sistemáticas entre esses povos,

através de ligações matrimoniais, da procura por curadores, ou mesmo através dos

convites para a participação nos rituais” (LADEIRA, 1989, p.30). Os Timbira valorizam

grandes aldeias pela necessidade de um grande número de pessoas para realizar

cerimônias, tornando-as mais prazerosas (LAVE, 1969). Uma das lideranças mais

velhas dos Krikati, atualmente, membro do Conselho de Anciãos da Escola na aldeia

São José me informou que os Krikati tinham o hábito de se juntar em uma só aldeia

somente em épocas de festas cerimoniais. Fora desse período, permaneciam em aldeias

separadas. Essa informação é reforçada pelo relato de outra liderança, Seu Francisco

Milhomen Krikati, feito a Ladeira (1989). Ele refere-se à dispersão quando saíram da

7Ladeira (1989, p.27) não tem uma data precisa do “assalto à fazenda Salto”. Ela diz que provavelmente

foi em 1861. A antropóloga presume a localização da referida fazenda entre as águas do Ribeirão Salto,

do Ribeirão Tapuio e do São Gregório, que juntos são os formadores do Rio Arraia.

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serra da Desordem e formaram as aldeias Fortaleza, Caldeirão, Faveira8 e São Gregório.

Após essa dispersão só foram se juntar, temporariamente, na aldeia Canto da Aldeia

para a realização da festa do Wy‟ty do Newton, irmão mais velho dele.

Conta ainda Seu Francisco que foi nessa mesma época, quando estavam “no

arremate da festa do Wyty do Neutro”, que o Serviço de Proteção aos Índios (SPI),

tentou transferi-los, em 1929 para Barra do Corda, em virtude da iminência de um

conflito com os fazendeiros, que alegavam às autoridades locais que os Krikati estavam

matando seus gados. Quanto à transferência, acrescentou que os Krikati que foram

conduzidos pelo funcionário do SPI “aqui e acolá ia pendendo e quando chegaram lá

[no lugar de destino] só tinha mesmo quinze índios” (...). Conta ainda que “o povo que

foi pendendo no caminho” formou uma nova aldeia, a Estraíra, localizada na beira do

córrego Traíra (formador do rio Arraia) onde ficaram até o término da festa do Wyty9,

que havia começado na Canto da Aldeia(LADEIRA, 1989,§51, p.33-35).

De acordo com Nimuendaju (1944), até o ano de 1927 os Krikati habitavam três

(03) aldeias: Engenho velho, Canto da Aldeia e Caldeirão. Um ano após, quando esteve

com os Krikati, eles estavam concentrados em uma aldeia, Canto da Aldeia. Nesta

aldeia, Nimuendaju encontrou somente oitenta (80) Krikati “que alli viviam pobres e em

muito más condições de vida” devido à pressão exercida pelos fazendeiros sobre esse

povo. Aqueles “já tinham usurpado todas as terras da tribu, deixando aos índios a

escolha entre o abandono da sua ultima aldeia (Canto da Aldeia) e o massacre”

(NIMUENDAJU, 1944, §51, p.18-19). É importante lembrar, como foi dito acima, que

a transferência realizada pelo SPI ocorreu quando estavam nesta última aldeia. Foi por

essa época que Nimuendaju considerou os Krikati, enquanto um grupo organizado,

como extinto.

Como relatou seu Francisco a Ladeira (1989), nessa transferência os Krikati

foram “pendendo no caminho” e formando novas aldeias. A primeira nesse contexto foi

a Estraíra que se fragmentou e formou posteriormente a aldeia Taboquinha. Sobre a

aldeia Taboquinha, conforme me relatou uma liderança da aldeia São José (que faz

8 A aldeia Faveira foi construída onde mais tarde foi construído o povoado Quiosque. Esse povoado foi

formado no momento em que se construiu a MA- 280, estrada que liga o município de Montes Altos a

sítio Novo em 1975. 9Wu’tu é a cerimônia mais complexa e elaborada do repertório Krikati. O começo é marcado por uma

pequena cerimônia em que todos da aldeia vão à casa da menina Wu‟tu e solicitam aos pais dela que

deixem a cerimônia acontecer (LAVE, 1967, p.267). Atualmente os Krikati usam a grafia Wy‟ty.

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parte do conselho de anciãos da Escola) essa aldeia se constitui como o “tronco” do

povo Krikati. Lá estavam todos concentrados quando um Krikati foi assinado por um

membro de uma determinada família. Essa morte gerou conflito nessa aldeia e as

famílias começaram a se dispersar novamente. Em 1963 Lave (1967) cita a existência

da aldeia São Gregório com cinco (05) casas e a aldeia São José com sessenta (60)

casas. Nesta última, em cada tinha cerca de nove (09) habitantes.

Depois dessa dispersão da aldeia Taboquinha, só foram se juntar novamente na

atual aldeia São José. Segundo a liderança do Conselho de Anciões da Escola, essa

junção na aldeia São José foi coordenada pelo Frei Aristides, missionário italiano que

andou de aldeia em aldeia convencendo os caciques a estabelecerem a paz entre eles e

se juntarem novamente com vistas a terem acesso à escola que estava construindo na

referida aldeia. Essa versão é reforçada pelas informações contidas em relatos mais

antigos dos Krikati a Ladeira (1989) sobre como se deu a fusão dos Krikati na aldeia

São José10

.Como coloca Ladeira (1989, p.37), “a escola foi o mecanismo principal

utilizado pelos políticos regionais para que os Krikati deixassem de habitar

simultaneamente vários pontos de seu território”.

Entretanto, a persistência do padre em alcançar seu objetivo não minimiza a

pressão sofrida pelos Krikati por fazendeiros e pelo então prefeito de Montes Altos para

os índios se concentrarem na aldeia São José. Essa pressão se deu em virtude de o

conflito entre Krikati e fazendeiros ter se acirrado por conta do roubo do gado pelos

Krikati, que levou os fazendeiros a cobrar providências mais eficazes do prefeito de

Montes Altos, já que a transferência feita pelo SPI não tinha cumprido na totalidade seu

objetivo: retirar os Krikati de sua área de ocupação histórica. O prefeito, como forma de

solucionar o conflito, mediou um acordo entre Krikati e fazendeiros, pelo qual os

fazendeiros dariam uma cabeça de gado para ser consumida pelos índios que assim

deixariam de matar o gado. Além dessa proposta, o prefeito de Montes Altos

aconselhou os Krikati a viverem juntos em uma só aldeia, uma forma de facilitar a

assistência que poderia dar aos índios(LADEIRA, 1989).

O processo de fusão desse povo na aldeia, a partir de 1962, foi se dando

gradualmente, visto até1979 alguns Krikati da aldeia Batéia (em um total de 11 pessoas)

10

Cf. Ladeira, Maria Elisa (1989). Perícia antropológica referente a ação de demarcação que Leon Délix

Milhomen que e outros movem contra a Fundação nacional do Índio.

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terem se recusado residir na aldeia São José (MELATTI, 1980). Por essa época, os

Krikati habitavam quatro aldeias distintas: Batéia, Dalgado, Areia e São José

(MELATTI, 1980). Essa resistência à fusão, a não ser em situações temporárias quando

era para realizar grandes cerimônias demonstra a necessidade dos Krikati em manter a

dispersão.

3. O processo de retração na aldeia São José e a luta pela demarcação da

Terra Indígena Krikati

Ladeira (1989) aponta a escola como um mecanismo que possibilitou a fusão

dos Krikati em uma só aldeia, bem como afirma que a construção de um Posto de

Assistência da FUNAI na mesma aldeia, em 1971, foi o ponto de partida para os Krikati

pensarem em demarcar um território específico para eles. Nesse momento, o movimento

de alternância entre dispersão e concentração (este último somente em momentos de

realização de grandes cerimônias), que delineava os limites de uso do espaço e dos

recursos naturais, foi suspenso pela demanda de demarcação de um terra específica para

eles. Até a demarcação de seu território em 1997, eles permaneceram somente na aldeia

São José11

.

A tentativa oficial de demarcar um território específico para os Krikati data de

1977, quando a FUNAI delimita uma área de 62.350ha para esse povo. Esta primeira e

reduzida delimitação já aponta para a atuação da FUNAI durante o decorrer do processo

de demarcação do território Krikati: apesar de ser o órgão indigenista oficial, a FUNAI

oscila em decorrência ora da pressão dos fazendeiros, ora dos Krikati. Nesse momento,

a referida delimitação, já é fruto de pressões dos fazendeiros localizados no território

Krikati12

. Esse primeiro limite oficial, se não agradou aos fazendeiros13

, tampouco aos

Krikati por desconsiderar as reivindicações apresentadas por eles à antropóloga Dolores

11

Com pequenas exceções devido a algumas mulheres Krikati casadas com Tentehar/ Guajajara que

mantém uma aldeia dentro das Terras Krikati, a aldeia Recanto dos Cocais. Pela época da demarcação ela

já existia e permanece até hoje. 12

Esses fazendeiros desde 1976 já apresentavam propostas ao Presidente da República e ao Presidente da

FUNAI com intuito de que não fosse demarcada área para os Krikati alegando uma harmoniosa

convivência com os mesmos. Em 1977 os brancos se reúnem e compõem a Comissão Tríplice (Comissão

de moradores e proprietários) com a qual passam a se manifestar oficialmente contra a demarcação da

terra nos limites postos pela FUNAI. Chegam a propor através da Comissão ao Ministro do Interior e ao

presidente da FUNAI que a terra a ser demarcada fosse de dez a vinte mil hectares 13

A proposta de tamanho de terra dos fazendeiros para os Krikati estava entre os limites de 10 a 20.000ha,

logo que saiu a primeira delimitação. (1977). Anterior a esse período os fazendeiros alegavam não ser

preciso demarcar terra especifica para os Krikati em vista da “harmoniosa convivência com os habitantes

da região”.

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Newton14

para que FUNAI garantisse espaços do território considerados importantes

para sua sobrevivência física e cultural.

Entretanto, o ápice dessa disputa ocorre em dezembro de 1980 quando “Leon

Délix Milhomen e mais 120 Litisconsortes” entram com uma Ação coletiva na justiça

contra os limites propostos pela FUNAI de 136.000 ha da qual participou a antropóloga

Delvair Melatti15

. Os impetrantes da ação reivindicam por conta desse limite proposto,

uma demarcação judicial das divisas existentes entre a terra indígena em Montes Altos e

a propriedades deles e acusam a FUNAI de estar usurpando perímetros para beneficiar

os Krikati. Com o clima de tensão na área, o juiz em questão, defere o pedido de

suspensão da demarcação administrativa que iria ser promovida pela FUNAI.

A decisão do juiz faz o jogo da disputa virar a favor dos fazendeiros e

moradores. A FUNAI, sentindo-se pressionada por aqueles, começa a pressionar os

Krikati a reduzir o tamanho de suas terras, a abrir mão de espaços considerados

importantes para sua autonomia como povo. Aqui, os fazendeiros e a FUNAI, enquanto

“pólo dominante”, constroem ações e representações que traduzem seus próprios

interesses junto ao grupo dominado (OLIVEIRA, 1988, p.59). Se os fazendeiros

requerem a demarcação judicial, a FUNAI acusa os Krikati de quererem terra demais e

que por conta da “ganância” estavam correndo o risco de ficar sem nenhuma terra. Os

Krikati, assustados com a postura incisiva do órgão indigenista oficial (FUNAI), cedem

à pressão do órgão, e este cria novo GT para redução da área a ser demarcada. Nesse

momento são os fazendeiros e a FUNAI quem ditam as regras do jogo.

A FUNAI arbitrariamente reduz a área de 136.000 ha, até então, delimitada

como T.I. Krikati para um perímetro de 85.000ha, excluindo para chegar a esse tamanho

o povoado Quiosque e o rio Arraias16

. Entretanto, foi a exclusão desse povoado e do rio

Arraias na delimitação de 1980 (de 85.500) da T.I. Krikati que fez com que os Krikati

recusassem essa última proposta e pressionassem a FUNAI para elaboração de novos

14

A antropóloga Dolores Newton, em 1975, apresentou à FUNAI pontos fundamentais do território

Krikati que eles gostariam de ver assegurados por uma demarcação (pontos: Serra do Cipó, aldeia

Caboclo Velho e o Cocal do rio Arraias). 15

De acordo com Melatti (1980), os pontos do território Krikati apresentados por Dolores Newton à

FUNAI (em 1975) se comparados com o Memorial Descritivo fornecido pelo seu Grupo de Trabalho

(que previu uma área de 136.000) mostraria diferenças mínimas entre as duas proposições. 16

De acordo com Wilma Marques Leitão, antropóloga da FUNAI, a importância da área onde estava

incrustrado o povoado Quiosque para os Krikati é porque essa é uma área de mata contínua e é onde os

índios encontram o pau-roxo utilizado na confecção de arcos, bordunas, pontas de flechas e chocalhos.

Quanto ao rio Arraias, a sua importância é porque essa área serve aos Krikati para arranchamentos para

caça, pesca, coleta de babaçu, etc; Também é um local sagrado onde se realiza rituais. Tradicionalmente,

os Krikati se reúnem anualmente no rio Arraias para a realização da „tinguizada‟.

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estudos de identificação da área.É nesse momento que a FUNAI fica acuada entre as

pressões dos fazendeiros e dos Krikati que a acusam de estar sendo arbitrária em suas

delimitações.

Com a suspensão da demarcação administrativa por conta da ação judicial, o

então, Juiz Federal encarregado do processo solicita à Associação Brasileira de

Antropologia um parecer definitivo sobre a situação da área em litígio, uma perícia

antropológica dos limites da terra Krikati. A partir desse reestudo da área17

, esta ficou

delimitada em 146.000 ha. A partir de então, o juiz julga improcedente a ação judicial

movida pelos fazendeiros, dando parecer favorável aos Krikati. Nesse sentido, a

FUNAI, em 1992, encaminha a proposta de 146.000 ha ao Ministério da Justiça para

fazer proceder a demarcação da T.I.Krikati . A FUNAI passa a ter 45 dias para iniciar

a demarcação da terra indígena a contar da data de expedição da Portaria nº328 de

07.07.199218

.

Entretanto, quando a FUNAI se dispõe a iniciar o processo, mais de um ano após

a expedição da Portaria, sai o resultado da Apelação Cívil de nº 92.01.067550, movida

pelos fazendeiros, onde estes apresentavam títulos de propriedade da terra. A sentença

favorável aos fazendeiros torna nula a sentença de 1991 dada aos Krikati de posse

permanente das terras (146.000ha) e novamente a demarcação da terra Krikati é

suspensa.

Até nesse momento os Krikati vinham sendo representados pela FUNAI, e

quando se manifestavam, era através de abaixo-assinados19

. Entretanto, essa estratégia

de emissão de abaixo-assinados enviados às diversas instâncias do poder legislativo e

judiciário, denunciando a situação de tensão na área e solicitando a resolução do caso,

cessa. Eles rompem o diálogo. A partir de então, suas ações não são mais intermediadas

pela FUNAI. Tornam-se agentes de sua história, desempenhando uma função ativa,

reinterpretando, selecionando e remanejando as pressões que recebem do pólo

dominante” (OLIVEIRA, 1988, p.10). Já se percebe, a necessidade de se afastar de

17

Elaborado pela antropóloga Maria Elisa Ladeira 18

Essa Portaria designa como de posse indígena um território de 146mil hectares. 19

Um dos abaixo-assinados foi endereçado ao então Procurador da República no Maranhão, Nicolau

Jorge Dino, onde faziam chamam atenção para as várias suspensões da demarcação do território em

virtude das ações dos fazendeiros e políticos. Nele alertam para a possibilidade de mortes de índios em do

clima de tensão na área e por fim, dizem que estão dispostos a adotar novas estratégias no processo de

demarcação: eles iriam partir para a autodemarcação. Em outro abaixo-assinado, agora para o Presidente

da República, em 1995, ameaçam atear fogo nas torres de transmissão da ELETRONORTE caso a

demarcação não fosse concluída.

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concepções reducionistas, que veriam o processo de dominação como uma relação de

sujeição absoluta do pólo dominado.

A primeira ação dos Krikati como protagonistas (sem intermediação da FUNAI)

na definição de ações que levariam à demarcação de seu território foi a derrubada das

torres distribuição de energia da Eletronorte20

, que atravessam suas terras21

.A partir

dessa ação, os Krikati começam a ter visibilidade na mídia impressa (Jornal O

imparcial) através do posicionamento do cacique da aldeia São José: João Piauí. Na

edição do dia 13 de fevereiro de 1997, João Piauí afirma que eles não iriam deixar

ninguém entrar na área para consertar as torres e tampouco aceitariam a redução da área

delimitada. A única negociação possível com eles, diz o cacique, seria começar a

demarcação da terra. O aparelho judicial passaria a conviver com “a justiça feita pelas

próprias mãos” (COELHO, 2002, p.274). As estratégias judiciais utilizadas pelos vários

atores não excluem outras estratégias de luta “não regulamentadas” (COELHO, 2002,

p.274).

O cacique João Piauí avisa que as pressões22

dos fazendeiros para reduzir a terra

não teriam efeito: “não tem acordo. O tamanho da reserva tem que ser este [146.000

ha]”. Logo em seguida a essa fala, alerta: “eles [os brancos] sabem que não estamos

fazendo graça, mas lutando pelo direito de nosso povo”. (O ESTADO DO

MARANHÃO).

A derrubada das torres de transmissão de energia fez com que a Eletronorte e o

Governo do Estado fizessem pressão para que se resolvesse a questão da demarcação da

terra Krikati. Por solicitação dos Krikati, a Procuradoria Geral da República entra com

um mandato contra a FUNAI, obrigando-a a demarcar fisicamente a terra delimitada,

em acordo com o disposto pela Portaria interministerial de nº. 328, de julho de 1992, já

referida anteriormente. Apesar da resistência dos brancos em aceitar os limites

propostos para a demarcação física da T.I. Krikati em 146.000 ha, ela foi realizada ainda

no ano de 1997. Os trabalhos demarcatórios foram concluídos em três meses e contaram

com a segurança de agentes da Polícia Federal.

20

Dentro da terra Krikati passam linhas de transmissão de energia elétrica, ligando a barragem do Tucuruí

-PA com São Luís -Ma 21

É importante lembrar que os Krikati já vinham ameaçando derrubar as torres desde 1993, uma vez que

em 1991 a Justiça mandou demarcar as suas terras e a FUNAI não acatou, cedendo às pressões dos

fazendeiros 22

Em março de 1997 os índios Raimundo Tomete e João Taubaté foram baleados na proximidade do

povoado Quiosque.

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4. A demarcação da Terra Indígena e a reorganização sociocultural do povo

Krikati

A atribuição a uma sociedade de uma base territorial fixa é um ponto-chave para

se apreender as mudanças pelas quais ela passa. Essa territorialização afeta

“profundamente o funcionamento de suas instituições e a significação de suas

manifestações culturais”(OLIVEIRA, 1998, p.55).

Os Krikati, após a demarcação de seu território, intensificam a dinâmica de

afirmação do modo de ser Krikati. A retomada do orgulho étnico pode ser observada a

partir de algumas atitudes desse povo revitalizadas no contexto pós demarcação. É

importante ressaltar que muito embora o Ministro da Justiça tenha declarado a terra

como de ocupação tradicional desses povos e tenha determinado o procedimento da

materialização dos limites da Terra Indígena Krikati, essa demarcação não garantiu, de

imediato, a homologação da terra e tampouco a sua desintrusão23

. Entretanto, a

demarcação se constituiu em um momento em que os Krikati compreenderam a

importância de se afirmar enquanto povo para completar o processo legal de segurança

territorial que se deu somente em 2004 com a homologação da terra.

Os Krikati retomaram alguns rituais, bem como alguns sinais diacríticos, em

virtude da expectativa externa do que era considerado “ser índio”. Os Krikati acionam

identidades étnicas para categorizar a si mesmos e os outros com objetivos de interação.

As características que são levadas em consideração são aquelas que os próprios atores

consideram significantes, não se podendo prever quais traços serão realçados e tornados

organizacionalmente relevantes pelos atores (BARTH, 1998, p.194). As características

étnicas consideradas relevantes para os Krikati, naquele momento, foram o estilo do

cabelo, mantendo-os longos, e a retomada de certos aspectos cerimoniais como a

perfuração dos lóbulos auriculares dos meninos entre 12 e 15 anos para introduzir os

cilindros auriculares (cöj). O sentido desse ritual, conforme o cacique da aldeia onde ele

foi realizado era distinguir os meninos Krikati dos membros da sociedade não indígena.

Geralmente quem faz a perfuração da orelha dos meninos é um homem mais velho, que

detém o conhecimento de todo o processo ritualístico. O ritual é para instituir o menino

23

A proposta de demarcação encaminhada ao Presidente da FUNAI em 1997 pelos Krikati pleiteava que

aquela fosse demarcada em módulos. A terra foi dividida em cinco (05) módulos(A,B,C,D,E). Essa

metodologia possibilitaria que ao se demarcar um módulo fosse realizada a indenização das benfeitorias

de boa fé. Entretanto, até hoje o módulo “E” ainda não foi totalmente desintrusado. Este módulo abrange

o rio Arraias, mais importante rio para os Krikati, onde eles praticam a caça coletiva. Também é o local

onde a maioria dos fazendeiros se concentra.

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como um verdadeiro Krikati, mas na conjuntura que esse povo estava vivendo, também

se constituiu como uma imposição dos mais velhos para instituir o “ser Krikati” perante

a sociedade brasileira, visto esses meninos estarem estudando na cidade e já não

apresentarem alguns sinais diacríticos que poderiam identificá-los como Krikati/índio.

É importante ressaltar que esse ritual não vinha sendo praticado24

. A retomada

de antigos costumes vem no bojo de uma preocupação em manter sinais diacríticos que

reforcem a identidade Krikati, afinal a terra Krikati ainda não havia sido homologada.

Era preciso estabelecer as fronteiras que definissem o povo: “grupos étnicos persistem

como unidades significativas apenas se implicarem marcadas diferenças no

comportamento” (BARTH, 1998, p.196).

O mesmo estava acontecendo com relação ao corte dos cabelos.

Tradicionalmente os Krikati usavam o cabelo comprido. Entretanto, o uso de cabelos

compridos na aldeia São José, no período em que estava se travando a luta pela terra,

era uma prática feita somente pelos homens mais velhos. Os mais novos usavam o

cabelo à moda dos sertanejos. Logo depois da demarcação, observei na aldeia São José,

que até os jovens estavam usando os cabelos compridos. Quando perguntei o porquê da

mudança, os mais velhos me falaram que “índio usa cabelo é comprido!”. Entendo esse

uso generalizado de cabelos compridos como mais um sinal diacrítico para estabelecer

fronteiras étnicas, ou seja, se diferenciarem dos brancos (cupen).Outra justificativa dada

na ocasião vem reforçar a minha percepção. Segundo uma das antigas lideranças, um

funcionário da FUNAI havia lhes dito que precisavam “se apresentar” como índio para

assegurar o direito à terra. Segundo esse funcionário, eles precisavam apresentar traços

culturais indígenas, imutáveis, para garantir a homologação de sua terra. A redução da

terra pelos brancos não estava descartada25

, apesar da demarcação. Isto implicava na

necessidade de fortalecer a representação do que é ser índio para a sociedade brasileira,

que percebe a identidade como redutível à posse de uma herança cultural. As

características distintivas que Weber (1992), denomina “reflexos externos” tem por

função a “afixação” pública de uma identidade reivindicada porque, na realidade, eles

24

Entre os Krikati mais velhos à medida que esses cilindros auriculares ia se tornando folgado no furo

auricular, ele iria sendo substituído por um de diâmetro maior, até o furo ficar bem distendido. A

concepção é que o uso desses cilindros nos lóbulos perfurados estimulem a audição e, portanto, a

sabedoria. 25

Decreto 1775 de 1996 que institui o contraditório, ou seja, direito das partes que se considerarem

prejudicadas passarem a manifestar-se no processo, apresentando suas provas e contestações. Prazo de 90

dias para contestação.

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possuem uma dupla característica: são manipuláveis à vontade e facilmente decifráveis

como símbolos de pertença.

Outra situação que observei, que se relacionava ao “resgate”da forma

“tradicional” de ser Krikat, foi relativa às atribuições de cacique. O cacique da aldeia

São José à época da luta pela demarcação da terra era um jovem de 28 anos, e sua

impetuosidade e juventude foi a representação ideal de cacique para

enfrentar/confrontar os brancos e o Estado: falava português e aparentava ter um

relativo domínio sobre os mecanismos legais que poderia acionar para garantir a posse

permanente da terra.Entretanto, logo após a demarcação o jovem cacique foi retirado

dessa função sob a justificativa, dada por uma das lideranças mais velhas da aldeia São

José, de que não cumpria, depois da demarcação da terra, algumas tarefas consideradas

como próprias a um cacique, como por exemplo, a realização das reuniões diárias no

pátio, o que estava causando um descontentamento na comunidade.

O pátio (cýy) para os Krikati, como para os demais Timbira, se constitui como

espaço da vida ritual. Ele é o lugar por excelência dos homens. É o lugar onde estes se

reúnem para discutir as atividades do dia e para deliberar sobre assuntos internos e

externos. Portanto, a atitude da comunidade liderada pelos mais velhos, de retirar o

então cacique dessa função, aponta para o interesse em zelar pelas suas tradições, visto

as lideranças serem escolhidas de acordo com os critérios culturais do próprio povo.

Aponta também para a forma como os Krikati vão manipulando sua identidade

situcionalmente, bem como exemplifica quais traços são realçados e tornados

organizacionalmente relevantes para eles. A impetuosidade e a juventude,

características do jovem cacique, fundamentais para garantir a demarcação, no momento

posterior, já não eram suficientes para mantê-lo na função.

O referido cacique, quando a terra foi demarcada, fundou em 1999 uma nova

aldeia, a aldeia Raiz. Até então todos os Krikati estavam concentrados na aldeia São

José. Havia outra aldeia, a Recanto dos Cocais, mas a maioria dos seus habitantes, são

Tentehar-Guajajara, casados com brancos, e alguns Krikati. Ladeira (1989) já apontava

para esse fato da criação de novas aldeias. Afirmou que se a demarcação levasse em

consideração os fundamentos antropológicos expostos no relatório, podia-se esperar o

desmembramento da aldeia São José26

. Essa autora está fazendo referência ao modo

26

A fundação de novas aldeias é um modo “tradicional” de reprodução do povo Timbira, a partir do

processo de cisão política “que se desdobra no domínio autônomo de uma porção territorial” (LADEIRA,

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“tradicional” de reprodução do povo Timbira, a partir do processo de cisão política “que

se desdobra no domínio autônomo de uma porção territorial” (LADEIRA, 1989) por

grupos de um mesmo povo.

À medida que a segurança territorial foi se consolidando, foram sendo

construídas mais aldeias, estas últimas, em lugares estratégicos da terra Krikati. São

elas: Nova Jerusalém, Arraia e Campo Alegre. Todas as aldeias construídas após a

demarcação, com exceção da aldeia Campo Alegre, foram construídas nos limites da

terra como aponta o mapa abaixo.

Figura 1: Mapa da Terra Indígena Krikati

Fonte: Mapa cedido por Silvia Puxcwyj Krikati

A princípio, tudo indica que tais aldeias foram construídas com uma única

intenção: fazer a vigilância para impedir a invasão do branco (cupen). Mas se for levado

em conta que a divisão das aldeias acontecia por conflitos sociopolíticos internos, se

percebe que tais conflitos ocasionam, também, essas novas divisões. As lideranças que

saíram da aldeia São José e formaram novas aldeias estavam em conflitos com a

“comunidade” da aldeia São José.

O discurso da vigilância da terra para justificar a construção de novas aldeias

atualmente se alterna com o discurso de que a terra Krikati é propriedade da UNIÃO e

1989) por grupos de um mesmo povo. No período da conquista colonial os Krikati estavam distribuídos

em quatro aldeias: Engenho Velho, Canto da Aldeia, Caldeirões e Taboquinha (NIMUENDAJU, 1976)

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que eles só têm a posse da terra. Portanto, entendem que seria prerrogativa da UNIÃO

fazer a fiscalização da mesma e não função dos Krikati.

Atualmente a maior parte da população desse povo encontra-se na aldeia São

José. De uma população de 1066 Krikati27

, 788 permanecem nessa aldeia28

. Os Krikati

que moram em outras aldeias, em sua maioria mantêm a casa na aldeia São José e

participa ativamente da vida política e cerimonial da mesma.

O espaço que a instituição escola29

, enquanto um elemento “externo” à cultura

Krikati passa a ocupar na comunidade, após a demarcação da terra, aponta para a forma

como eles conduziram o processo de demarcação, ou seja, com autonomia,

protagonizando as ações. Estão se apropriando dessa instituição, imprimindo à escola

uma pedagogia para formar o “ser Krikati”, processando-a segundo a trama social de

sua cultura, nos moldes de processo caracterizado por Howard (2002, p.35) como:

é um ato de socialização, uma metamorfose que transforma coisas

estranhas, soltas e sem sentido em artefatos culturais, domesticados e

significativos que replicam e simbolizam a densa rede de relações

sociais pela qual circulam.

Essa apropriação, “processamento”, “domesticação” pode ser observado na

forma como eles passam a construir um modelo educacional específico para o seu povo.

A escola da aldeia, que até então só funcionava com a 1ª a 4ª séries do Ensino

Fundamental30

, passa a funcionar primeiramente, a título experimental, com a 5ª e 6ª

séries e, posteriormente, com a 7ª e 8ª séries. A iniciativa de implantar o Ensino

fundamental na aldeia foi dos Krikati, uma vez que não queriam mais que os jovens

estudassem na cidade de Imperatriz31

. A alegação era que esses jovens quando

27

FUNASA/ ABRIl/2014 28

Aldeias: Nova Jerusálem com 100 habitantes; Recanto dos Cocais com 70; Raiz com 44 e Campo

Alegre com 64 habitantes (FUNASA/ABRIL/2014) 29

A escola na aldeia São José Foi introduzida pelo padre de Montes Altos, Frei Aristides. Entretanto, em

menos de um ano essa escola foi desativada por conta da acusação feita ao frade por um índio Xerente de

ele estar roubando a comunidade Krikati (LAVE, 1967). A escola só foi novamente reintroduzida na

aldeia São José em 1978 pela FUNAI. Os princípios vinculados por essa escola implementada pela

FUNAI seguia os propósitos da política indigenista da época focada na integração dos povos indígenas à

sociedade brasileira. 30

Essas nomenclaturas do Ensino Fundamental foram mudadas pela Resolução de nº. 7/2010/CNE/CEB

que fixou as Diretrizes Curriculares nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. A 5ª. série

recebe a nova nomenclatura de 6º. ano do ensino Fundamental.Sendo assim o Primeiro Ciclo do

Ensino Fundamental vai do 1º ao 5º ano. 31

Após o término do ensino de primeira a quarta série, ministrado nas aldeias, os Krikati continuavam

seus estudos em escolas públicas municipais em Imperatriz. As lideranças Krikati em conjunto com a

Associação de Pais e Mestres exigiram do estado que comprasse um casa em Imperatriz para que os

Krikati pudessem estudar na cidade, visto o Estado não ofertar todas as séries na aldeia. A exigência da casa

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retornavam para a aldeia, começavam a “negar” seus costumes, privilegiando os

costumes da cidade. Dentro desse contexto, os Krikati, iniciam um processo de

negociação com a Secretaria de Estado da Educação para que fosse ofertado na aldeia

o2º. Ciclo do Ensino Fundamental (5ª. 8ª série).É interessante ressaltar que os Krikati, a

título experimental, implementaram logo a 5ª e 6ª série e somente depois começaram a

discutir juntamente com técnicos da Secretaria de Educação do Estado a proposta

curricular dessas séries, juntamente com a 7ª e 8ª.

O segundo Ciclo do Ensino Fundamental foi discutido em reuniões pedagógicas

que se iniciaram em abril de 2002 entre Krikati e técnicos da Secretaria da Educação32

.

A perspectiva dos Krikati era que a proposta curricular do Ensino fundamental fosse

construída a partir da demanda do próprio povo. As discussões nas reuniões giravam em

torno de questionamentos como: Por que escolas nas aldeias? Como deve ser essa

escola? Como deve ser gerenciada? Quais as pessoas que vão trabalhar na escola? O que

deve ser ensinado (conteúdos)? Como trabalhar esse conteúdo? Material didático a ser

utilizado? Como avaliar?

Como resultado dessas reuniões os Krikati construíram uma proposta curricular

de acordo com as necessidades apontadas por eles do que uma escola específica e

diferenciada deve ensinar para formar as crianças e adolescentes Krikati tanto para viver

na comunidade, com o seu povo, como para ter domínio dos códigos linguísticos e

culturais da sociedade brasileira.

A estrutura curricular da Escola Krikati das séries que estavam em processo de

construção compreende as seguintes disciplinas: Língua Krikati, Língua Portuguesa,

Matemática, Ciências, Arte e Cultura Indígena, Ética e Cidadania33

, Língua Inglesa,

Geografia, História e Direitos Indígenas34

. Sobre as normas de organização da escola, as

deliberações tiradas e aplicadas pela comunidade foi que a escola deveria ser

administrada por um Conselho- composto por caciques e lideranças, presidentes de também era uma forma de os Krikati que estudavam na cidade não retornarem todo o dia para aldeia por

conta do perigo de acidente que esse deslocamento apresentava para eles. Além do fato de as lideranças e

os pais poderem ter controle sobre seus filhos em um só local. 32

Essas reuniões pedagógicas foram fruto de uma parceria firmada entre os Krikati, o Setor de Educação

da Gerência Desenvolvimento Regional de Imperatriz (GEDRIM), atual Unidade Regional de Educação

(URE), Gerência de Desenvolvimento Humano (GDH), atual Secretaria de Estado da Educação

(SEEDUC) e Setor de Educação da FUNAI- Brasília. As competências de cada órgão ficaram

assim distribuídas: a FUNAI se responsabilizaria pela assessoria pedagógica, a SEEDUC pelo

pagamento dos salários dos professores e a GEDRIM pelo acompanhamento das atividades da

escola. 33

A disciplina Ética e Cidadania, Arte e Cultura Indígena substituíram as disciplinas da Base Nacional

Comum, respectivamente, Religião, Educação Física. 34

Esta última mais recentemente.

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associações, representantes dos pais, representantes dos alunos, representantes dos

professores- que teria a função de garantir a opinião da comunidade nas decisões

tomadas para o funcionamento técnico-pedagógico da escola Krikati.

É importante registrar que uma característica marcante na estrutura curricular

dos Krikati no ensino de 5ª a 8ª série, atualmente 6º ao 9º ano, é a língua materna. Ela

perpassa toda a estrutura curricular da Escola Krikati. O conteúdo ensinado na

disciplina Língua Krikati não diz respeito somente à estrutura da língua (com as suas

normas gramaticais). São trabalhados conteúdos referentes ao cotidiano da vida na

aldeia, aos mitos, passando pelos conhecimentos de uso terapêutico de plantas,

envolvendo os cantos, bem como as atividades produtivas, como a roça, artesanato, caça

e pesca. Na disciplina arte e cultura indígena são estudados atualmente a cultura

material Krikati a partir da história social de cada artefato cultural35

.

Atualmente a Escola da aldeia São José (Centro de Ensino Indígena Krikati-

CEIK) conta com um corpo docente de 27 e sete (27) professores, sendo nove (09)

professores brancos moradores do município de Montes Altos e dezoito (18) professores

índios. Desses dezoito, três professores Krikati ensinam a língua materna, distribuídos

no Ensino Fundamental e Médio.

Nas escolas das novas aldeias36

o ensino é somente até a 4ª série (5º ano) do

Ensino Fundamental e no caso, específico das aldeias Campo Alegre e Recanto, os

alunos do 2º Ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio se deslocam para a

escola da aldeia São José. Quanto aos alunos das aldeias Raiz e Nova Jerusálem, para

cursarem o restante do Ensino se deslocam para o município mais próximo das aldeias,

respectivamente Lajeado Novo e Sítio Novo. Essa situação, fomentada pelas referidas

aldeias, de enviar seus alunos para escolas do município próximo às aldeias, está

gerando conflitos internos entre as lideranças dessas aldeias e as lideranças da aldeia

São José. Estas últimas entendem que as outras não estão trabalhando na perspectiva de

um povo só, de fortalecimento da escola da aldeia São José, que funciona em todos os

35

O que contribuiu bastante para essa nova roupagem dessa disciplina está sendo os estágios

extraescolares que os professores-cursistas da graduação intercultural (UFG) estão fazendo nas aldeias.

As pesquisas desenvolvidas estão permitindo revitalizar alguns artefatos não mais fabricados e contar a

história social dos mesmos. Os professores-cursistas se utilizam dos conhecimentos dos mais velhos para

revitalizarem esse conhecimento. 36

O número de professores dessas aldeias são cinco (05), assim distribuídos: 01 na aldeia campo Alegre;

01 na aldeia Recanto dos Cocais; 01 na aldeia Raiz; 02 na aldeia nova Jerusalém. Todos os professores

são Krikati.

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níveis do ensino Básico. Ao matricularem seus alunos nas escolas municipais os

recursos em vez de irem para a referida escola são “desviados” para o município.

Considerações Finais

A dispersão entre os Krikati se configura em uma forma de ocupação tradicional

de seu território de ocupação histórica. Essa territorialidade é ressignificada no

momento em que o Estado brasileiro negocia a transformação desse território em Terra

Indígena. A fusão, concentração em um espaço fixo, que só acontecia em momentos de

festas cerimoniais passa a ser a forma como os Krikati ocupam essa terra ainda em

processo de demarcação. Os conflitos internos que geravam a dispersão e a ocupação de

espaços estratégicos do território como forma de dirimir os conflitos, passaram a ser

negociados em um mesmo espaço, em uma mesma aldeia. Em vez de se dispersarem,

passaram a gerenciar os conflitos internos através de uma noção de “um coletivo

Krikati” criado pelo Estado e incorporado por eles para garantir a posse da terra. Esse

era o principal objetivo.

Uma vez demarcada a terra, retomaram mecanismos de sua forma de

organização social, agora já ressignificados pela interferência do Estado, mas

gerenciado por eles. Criam novas aldeias. Ao mesmo tempo em que estão se

dispersando por conta de conflitos de interesses, passam a construir essas aldeias em

lugares estratégicos da terra indígena. As novas aldeias criam situações novas.

Demandam por recursos que antes estavam concentrados em uma só aldeia, o que na

concepção de algumas lideranças facilitava a garantia desses recursos pelo Estado. São

elementos novos introduzidos pela estrutura da sociedade nacional entre esse povo.

Antes se dispersavam e não dependiam dessa estrutura. Hoje a dispersão leva consigo

essa necessidade e muitas vezes a dispersão é gerada pela própria necessidade de

ampliar esses recursos do estado.

Entretanto, é necessário considerar que o fato de os Krikati acionarem

mecanismos políticos para ter acesso a uma educação escolarizada e a um território

específico não se resume somente a uma competição por recursos de valor utilitário.

Essa ação política envolve também a luta para gerenciar o sentido (grifo meu) desses

recursos e definir o contexto dentro do qual eles devem circular dentro de sua

comunidade (HOWARD, 2002). Portanto, o fato de os Krikati reivindicarem uma área

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demarcada, educação escolarizada pode até dar a impressão de quererem imitar a

cultura dominante, “mas a resistência é sempre uma questão híbrida e contraditória,

tanto na forma como no conteúdo. Na verdade, essa qualidade mimética costuma ser

parte de sua eficiência” (HOWARD, 2002, p.28).

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