Problemas no Ressarcimento do Investidor Prejudicado no Direito Brasileiro - TCC Direito Societário...

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS DIREITO SP (GVLAW) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM DIREITO SOCIETÁRIO PEDRO MARTINS DE BARROS NETO PROBLEMAS NO RESSARCIMENTO DO INVESTIDOR PREJUDICADO NO DIREITO BRASILEIRO São Paulo 2015 PEDRO MARTINS DE BARROS NETO

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS DIREITO SP (GVLAW)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU EM DIREITO SOCIETÁRIO

PEDRO MARTINS DE BARROS NETO

PROBLEMAS NO RESSARCIMENTO DO INVESTIDOR PREJUDICADO NO DIREITO

BRASILEIRO

São Paulo

2015

PEDRO MARTINS DE BARROS NETO

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PROBLEMAS NO RESSARCIMENTO DO INVESTIDOR NO MERCADO DE VALORES

MOBILIÁRIOS

Trabalho de Conclusão de curso do Programa

de Pós-Graduação Latu Sensu da Direito FGV –

Direito Societário, sob a orientação do Professor

Renato Vilela.

São Paulo

2015

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Este trabalho dedico ao meu amigo,

professor Renato Vilela, que, com

seu bom humor, acessibilidade e

conhecimento, contribuiu substancial-

mente para esta conclusão.

Dedico, também, especialmente, à

minha família: à minha irmã, que

sempre me apoiou e esteve ao meu

lado; ao meu pai que, incondicional-

mente, esteve sempre de acordo

com minhas decisões; e à minha

mãe, que me fortaleceu nos

momentos em que já não tinha mais

energia para seguir em frente.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os instrumentos atuais dos mecanismos de

ressarcimento do investidor no ordenamento jurídico brasileiro. Apresentam-se, inicialmente,

alguns casos notórios de prejuízo ao investidor. Em sequência, o estudo aborda a

responsabilidade civil e o dever de indenizar institutos do Direito Civil, mecanismos de

ressarcimento atribuídos pelo legislador brasileiro à Comissão de Valores Mobiliários e às

entidades autorreguladoras. Discorre-se brevemente sobre a evolução tecnológica que o

capitalismo sofreu e aponta-se, finalmente, proposta de alteração legislativa para o

reenquadramento da lei, a fim de que esta reflita a nova realidade globalizada.

Palavra-chave: Mercado de capitais; Ressarcimento do Investidor; Comissão de Valores

Mobiliários - CVM

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ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze how effective are the available tools in the Brazilian legal

system at the disposal to the investor. This study first presents some of the notorious cases of

damages to the investors. Second, the study approaches the legal liability and the duty to

indemnify, all institutes of Brazilian civil code. Then the study approaches the tools for

reimbursement provided by Brazilian lawmakers to eh Brazilian Securities and Exchange

Commission (“CVM”), as well to the self-regulatory entities and investors. This study presents

the technological revolution that the Capitalism have been constantly submitted since the law

passing. The study also present legislation amendment to the actual law, so that it reflects better

the new World economic order.

Key words: Capital Markets; Investor Reimbursement; Brazilian Securities and Exchange

Commission

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

ADR - American Depositary Receipt

BACEN - Banco Central do Brasil

BDR - Brazilian Depositary Receitps

BSM - BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados

CMN - Conselho Monetário Nacional

CRFB - Constituição da República Federativa do Brasil

CRSFN - Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional

CVM - Comissão de Valores Mobiliários

MPF - Ministério Público Federal

MP/SP - Ministério Público do Estado de São Paulo

SEC - Securities and Exchange Commission

SRF - Secretaria da Receita Federal

TAG ALONG - Artigo 254-A da Lei 6.404/76, que confere aos

acionistas minoritários o direito de aderirem à venda de suas ações

por no mínimo 80% do preço recebido pelo acionista majoritário.

FATO RELEVANTE - Considera-se ATO OU FATO

RELEVANTE qualquer decisão de acionista controlador,

deliberação da assembleia geral ou dos órgãos de administração da

companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-

administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido

ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo

ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da

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companhia aberta ou a eles referenciados; na decisão dos

investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores

mobiliários; ou na decisão dos investidores de exercer quaisquer

direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários

emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 5

1. CASOS NOTÓRIOS DE PREJUÍZO AO INVESTIDOR ...................................................................... 8

2. DEVER DE RESSARCIR ...................................................................................................................... 11

3. DOS ATUAIS MECANISMOS DE RESSARCIMENTO .................................................................... 15

3.1. DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO ÂMBITO DO MERCADO DE CAPITAIS. .............................16

3.2. DA CELEBRAÇÃO DE TERMO DE COMPROMISSO NA CVM ..............................................22

3.3. MECANISMO DE RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS .............................................................25

3.4. ÚLTIMA GRANDE REFORMA LEGAL SOCIETÁRIA E OS MECANISMOS DE

RESSARCIMENTO ................................................................................................................................27

4. DO CAPITALISMO ELETRÔNICO INFORMÁTICO ........................................................................ 29

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................................................... 32

6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 34

7. DECLARAÇÃO DE REGULARIDADE .............................................................................................. 38

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva discorrer sobre a atual forma do ressarcimento do investidor

lesado no mercado de valores mobiliários, trazendo exemplos de casos já julgados, o

relacionamento do tema com o direito civil, mecanismos atuais de ressarcimento e proposições

de melhorias.

No primeiro capítulo, o trabalho traçará uma visão ampla, de modo a mostrar alguns

casos notórios de deliberadas fraudes em Companhias de capital aberto, tanto internacionalmente

quanto no cenário Brasileiro, ilustrando, desse modo, os danos que podem macular o âmbito

institucional do mercado de capitais como pilar chave na estrutura de financiamento empresarial

nas economias desenvolvidas. O interesse público no mercado de capitais está consubstanciado

na esfera do desenvolvimento de atividades econômicas individuais que, no longo prazo, se

mostra peça fundamental no desenvolvimento econômico para o bem-estar geral de todos os

cidadãos.

Já no segundo capítulo, aborda-se o dever de ressarcir ou indenizar, preocupação do

direito Civil, consubstanciado nos dispositivos dos artigos 186 e 927 do Código Civil. O texto

trabalhará noções doutrinárias da área, as quais elucidam, com contribuições, o argumento que se

levanta sobre a responsabilização dos agentes do mercado que cometem malfeitos, no sentido de

propor o ressarcimento da forma menos burocrática possível ao investidor lesado.

No capítulo terceiro, é mostrado o panorama atual dos mecanismos à disposição do

investidor brasileiro para poder se ressarcir quando ocorrem fraudes, crimes e abusos com seu

capital, originariamente empregado para o empenho do empreendedor na atividade da empresa, e

não para que o mesmo cometa crimes, desvios, fraudes, golpes financeiros, desviando, portanto,

o valor investido, tendo em vista apenas vantagem própria. Foi estipulada uma subdivisão entre

os atuais mecanismos à disposição, com seus principais entraves ao acesso para o investidor que,

como é demonstrado, acaba sendo fortemente prejudicado.

Aborda-se a Ação Civil Pública (ACP), dado que, como já se mencionou, será tratado ao

longo do texto, o mercado de valores mobiliários que guarda interesse público à nação como

estímulo da atividade empreendedora e da economia. A ACP pode se mostrar uma opção, porém

bastante demorada para proteger o patrimônio do investidor lesado, tendo em vista que

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somente um rol restrito de pessoas pode se utilizar desse direito de ação. Tal procedimento já no

começo inviabiliza, por exemplo, que o investidor, sabendo de indícios de condutas suspeitas,

acautele-se e evite maiores danos. Por essa ótica, a do investidor, esse mecanismo torna-se muito

burocrático e lento.

No segundo subcapítulo trataremos da recuperação dos recursos do investidor, mediante a

celebração do termo de compromisso, que tem galgado espaço no mercado de capitais desde

1997, com a promulgação da Lei 9.547/97, que disponibilizou legislação para que a Comissão

de Valores Mobiliários se investisse de maior poder regulatório, de modo a fazer com que as

Companhias se comprometam a, de fato, ressarcir os danos que causaram, pela via de

composição.

No terceiro subcapítulo dos mecanismos de ressarcimento, o texto trata do Mecanismo de

Ressarcimento de Prejuízo (MRP), que está à disposição do investidor com o intuito de

resguardar seus eventuais prejuízos. Comumente, esse mecanismo tem o condão de manter o

bom volume e liquidez do mercado secundário e é instituído pela própria Bolsa de Valores,

Mercadorias e Futuros, como autorregulação. Apesar de ressarcir prejuízos ocasionados ao

investidor no importe de até setenta mil reais, ele objetiva casos pequenos e pontuais, como má

execução de ordens nas negociações e outras hipóteses ligadas a malfeitos dos intermediários,

como será detalhado mais à frente. Em que pese o pequeno limite abrangido por esse

instrumento autorregulador e do escopo não abranger fraudes, crimes ou desvios de finalidade

dos administradores das Companhias abertas, ele se propõe a ser bastante eficaz.

No último subcapítulo, o texto relembra a última grande reforma legislativa que visou

criar mecanismos de proteção aos investidores, entretanto não assegurou efetivo ressarcimento.

No último capítulo se discorre brevemente apenas para recapitular que o Mercado de

Valores Mobiliários evoluiu e continua evoluindo muito desde sua concepção, a tal ponto que

várias firmas, agentes de custódia, corretoras e distribuidoras de valores mobiliários, bancos de

investimento estão se consolidando paulatinamente através de transações eletrônicas. Os

pregões, aos quais estávamos acostumados, com vários homens segurando ao telefone, blocos de

notas, registrando rapidamente ordens de compra e venda de clientes nos pregões, nos lendários

trade floors, são eventos e fatos históricos pertencentes ao passado.

Atualmente, o pregão de Bolsa no Brasil é eletrônico, e essa é a grande tendência que

vem para se consolidar em todos os tipos de mercado. Sendo assim, fica muito mais fácil manter

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os registros e controles das transações, justamente em vista da maciça e constante evolução

tecnológica pela qual o mercado de valores mobiliários se submete.

O fechamento do trabalho é o desfecho dos capítulos citados anteriormente, em que o

texto cuida da exposição de casos de abusos, fraudes dos administradores de Companhia aberta,

que em nenhuma hipótese poderiam praticar os atos narrados. Com o suporte da doutrina

civilista, argumenta-se que, quando essas pessoas agem desta forma, praticando o ato ilícito,

incorrem em responsabilidade civil de indenizar os investidores lesados.

Então o trabalho caminha através dos atuais mecanismos disponíveis no cenário

brasileiro, ou seja, a Ação Civil Pública, o Termo de Compromisso celebrado pela CVM.

Brevemente o texto pincela que o mercado de valores mobiliários passa constantemente por

revoluções tecnológicas através das quais tende a ser cem por cento digital. Com todos os

elementos narrados, seria possível a alteração legislativa, de modo a permitir que o investidor

tenha a chance de ser facilmente ressarcido. Ora, a Internet não é mais incipiente como na época

do advento da Lei da ACP, por exemplo, muito pelo contrário, a Internet literalmente mudou o

mundo e vai continuar mudando, por isso acredita-se que o caminho lógico é a revisão e

atualização da lei para esse mecanismo de ressarcimento do investidor.

A atualização da Lei 7.913/89 se operaria através de projeto de lei, propondo que em seu

artigo 2°, §1° e §2° as importâncias da condenação sejam revertidas automaticamente ao

investidor lesado, e não por habilitação em até dois anos, como o é no texto atual, sob pena de

decadência e consequente reversão ao Fundo de Direitos Difusos.

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1. CASOS NOTÓRIOS DE PREJUÍZO AO INVESTIDOR

Nos últimos anos ocorreram várias práticas corporativas não equitativas e fraudes no

mercado de valores mobiliários. A título de ilustração, lembramos casos norte-americanos de

empresas como a Enron1 e a auditoria Arthur Andersen; no Brasil o das Fazendas Reunidas Boi

Gordo2 – como leading case, devido à grande repercussão na mídia, envolvendo o sucesso e o

timming da novela Rei do Gado da Rede Globo, onde até mesmo celebridades como Marisa Orth

e Luis Felipe Scolari3 participaram do investimento e tiveram seus recursos desviados. De tais

casos adviram prejuízos econômicos vultosos aos investidores, manchando a imagem

institucional no mercado de valores mobiliários e enfraquecendo sua credibilidade perante a

sociedade.

Os desvios de finalidade corporativos estão sendo mais rapidamente expostos, devido

ao trabalho da Polícia Federal4, Ministério Público Federal5, CVM6 e outras agências, no intuito

de fiscalizar e punir atos de corrupção no cenário brasileiro, como a recente operação Lava-Jato,

com repercussão internacional7.

Algumas consequências dessas más práticas corporativas são o reforço e o

aprimoramento da governança corporativa das Companhias, como forma de autotutela, de modo

proativo a prevenir ruptura em sua imagem mercadológica, objetivando o zelo de sua reputação.

Considerando a veloz dinâmica do mercado de valores mobiliários, é sabido que as decisões

relacionadas à gestão financeira de qualquer Companhia podem causar impacto no mercado.

“Em maior ou menor grau, conforme o caso, por essa variável8”.

1 http://www.economist.com/node/940091, acesso em 15/08/2015. 2 http://www.bahianegocios.com.br/justica/credores-da-falencia-das-fazendas-reunidas-boi-gordo-podem-ficar-com-

fazendas-e-criar-empresas/, http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/lotes-das-fazendas-reunidas-boi-gordo-vao-

a-leilao, acesso em 15/08/2015. 3 http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/o-boi-gordo-ataca-novamente/, acesso em 16/08/2015. 4 http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/operacao-lava-jato/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato, acesso em 11/08/15. 5 http://lavajato.mpf.mp.br/ acesso em 11/08/15. 6 http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN0JQ22A20141212, acesso em 11/08/15. 7http://www.diplomatique.org.br/editorial.php?edicao=92,

http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150620_repercute_internacional_odebrecht_lab, acesso em

11/08/2015. 8 CHAGASTELLES, D. Adriana. A Influência da Estrutura Acionária no Desempenho das Empresas: estudo

de caso da Perdigão S.A. 2007, 84f. Trabalho de Conclusão de Curso. Mestrado Profissionalizante. Programa de

Pós-Graduação em Administração das Faculdades Ibmec. Rio de Janeiro, 2007.

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“No Brasil, o modelo societário predominante caracteriza-se pela concentração

acionária, sendo a maioria das Companhias de origem familiar9”, diametralmente oposto ao

mercado norte-americano, onde se consolidou o acesso ao capital e pulverização do controle.

Comparativamente, no Brasil há cerca de 51410 empresas listadas e nos EUA existem mais de

4000 empresas11.

Essa característica da concentração do capital social das Companhias brasileiras faz

com que o panorama empresarial no Brasil seja marcado por conflitos no decorrer de sua

história, em que as questões societárias predominantemente versam sobre discussões no âmbito

entre acionistas controladores e minoritários.

A pulverização da participação acionária das Companhias abertas demanda maior

participação ativa dos investidores, o que gera o debate internacional sobre o controle

minoritário ou ainda o controle gerencial, pois ocorre a separação entre a propriedade e a gestão.

Nessa lógica, “A teoria contratual da firma prevê o fortalecimento da contabilidade como

relatório de prestação de contas dos gestores, informando os acionistas do dia a dia da

empresa12”.

Essa dinâmica do mercado formado por Companhias com o controle pulverizado

implica na necessidade de publicações transparentes, uniformes e ágeis atinentes às mesmas e,

principalmente, a eficaz reparação do dano patrimonial do investidor lesado caso ele ocorra, em

prol da confiança e higidez do mercado de valores mobiliários.

Em relação à lógica oposta, da concentração acionária do mercado brasileiro, a

constituição de conselhos fiscais ou estruturas formais equivalentes em Companhias abertas

aparenta ser insuficiente, haja vista que em muitos casos práticos existe um conflito de interesses

na formação do órgão, notadamente entre a indicação do conselheiro e a pessoa que o indicou13.

As preocupações em torno da governança corporativa vêm para tentar contornar tais problemas.

9 CHAGASTELLES, D. Adriana. A Influência da Estrutura Acionária no Desempenho das Empresas: estudo

de caso da Perdigão S.A. 2007, 84f. Trabalho de Conclusão de Curso. Mestrado Profissionalizante. Programa de

Pós-Graduação em Administração das Faculdades Ibmec. Rio de Janeiro, 2007. 10 http://www.bmfbovespa.com.br/capitalizacao-bursatil/ResumoBursatilHistorico.aspx?idioma=pt-br, acesso em

28/08/15. 11 http://www.world-exchanges.org/statistics/time-series/number-listed-companies, acesso em 01/08/15. 12 FERNANDES, Edison. Governança corporativa vai muito além da transparência. Revista Contábil &

Empresarial Fiscolegis. Belo Horizonte, ed. 22 set. 2009. 13 GELMAN, Marina Oehling. O Conceito de Conselheiro Independente Vigente na Regulamentação dos

Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da BM&FBOVESPA, 253f. Dissertação de Mestrado. Escola

de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. 2012.

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A conscientização da importância da Governança Corporativa no Brasil foi considerada

uma adaptação aos problemas entre conselho de administração, diretoria, investidores

minoritários e colaboradores, clientes e até mesmo o meio ambiente, pois toda atividade

empresarial possui custos implícitos. Isso está relacionado com a transparência da gestão de uma

Companhia, que vai desde a relação com os shareholders, bem como os stakeholders14 em

aderência ao princípio de função social da empresa15, uma típica evolução dos direitos, no

sentido de manter a organização viva, como fonte geradora de recursos, riquezas, emprego,

tributos, e não apenas o lucro, isoladamente.

A implementação de boas práticas de governança corporativa possibilita uma gestão

mais eficiente, uma vez que privilegia a transparência e celeridade na prestação de contas pelos

administradores, possibilitando que o investidor possa tomar medidas mais assertivas e em

tempo hábil, caso ele mesmo julgue necessário.

Nesse sentido Márcia Tanji:

“[...] Não basta ao mercado de capitais a divulgação de informações confiáveis. A

simetria que deve permear esta divulgação compõe este núcleo protetivo, que se

desenvolve por meio de inúmeros dispositivos legais e normativos, inclusive penais, a

preverem diversas obrigações de fazer para os produtores e detentores de

informações16”.

Todavia esse movimento da governança corporativa corre o risco de ser apenas

superficial, e oustide to inside, uma vez que deveria haver conscientização da cultura da empresa

para ocorrer de modo inside to outside, em termos de longo prazo, considerando a finalidade da

Companhia, a perpetuidade de suas atividades.

14 https://en.wikipedia.org/wiki/Stakeholder_(corporate); http://www.investopedia.com/terms/s/stakeholder.asp;

http://www.businessdictionary.com/definition/stakeholder.html; http://stakeholdermap.com/stakeholder-

definition.html, acesso em 11/08/15. 15 http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10318&revista_caderno=16,

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8936,

http://www.conjur.com.br/2012-out-25/henrique-ricci-funcao-social-empresa-valor-nao-norma-juridica, acesso em

16/08/15. 16 TANJI, Márcia. Mercado de Capitais Brasileiro e Tutela Coletiva dos Interesses. 203f. Dissertação de

Mestrado. Faculdade de direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.

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2. DEVER DE RESSARCIR

Neste capítulo o trabalho aborda o dever de ressarcir ou indenizar, preocupação do direito

civil, consubstanciado nos dispositivos dos artigos 186 e 927 do Novo Código Civil. O texto

trabalhará noções doutrinárias da área, as quais elucidam com contribuições ao argumento que se

levanta sobre a responsabilização dos agentes do mercado que cometem malfeitos, no sentido de

propor o ressarcimento de forma menos burocrática possível ao investidor lesado.

O dever de reparação é objeto da responsabilidade civil, que deriva da transgressão de

uma norma jurídica já existente, tendo por resultado, ao infrator, a obrigação de reparação, se

possível retornando ao status quo à transgressão, como se dano algum tivesse corrido, ou quando

não for possível, na obrigação de indenizar os prejuízos sofridos.

Os elementos básicos de toda responsabilidade civil são, (i) a ação ou ato humano do

infrator, que realiza conduta ilícita, (ii) o dano ou prejuízo sofrido por uma pessoa e (iii) o nexo

causal, que pode ser interpretado como o liame que une a ação e o dano produzido. Neste mesmo

sentido, a Prof.ª Maria Helena Diniz conceitua ação como “(...) o ato humano, comissivo ou

omissivo, ilícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiros, ou de

fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os

direitos do lesado (...)”17, o dano como “(...) a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um

certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico,

patrimonial ou moral (...)”18

Cumpre ressaltar que ainda há importante elemento da responsabilidade civil: a existência

ou não de culpa, em sentido amplo, isto é, abrangendo dolo (intencionalidade) e culpa em

sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), por parte daquele que causou dano a

outrem.

“Quando o agente pratica ato volitivo, quer especificamente para atingir efeitos

jurídicos, quer não, estamos no campo já estudado dos negócios jurídicos.

Se o agente dos negócios e atos jurídicos, por ação ou omissão, pratica ato contra o

Direito, com ou sem intenção manifesta de prejudicar, mas ocasiona prejuízo, dano a

outrem, estamos no campo dos atos ilícitos. O ato ilícito pode constituir-se de ato único,

ou de série de atos, ou de conduta ilícita. A ação ou omissão ilícita pode acarretar dano

indenizável. Essa mesma conduta pode ser punível no campo penal”.

17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 16. ed. atual. De acordo com o

novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002). São Paulo: Saraiva, 2002. Vol. 7. P. 105. 18 Idem, p. 108.

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Por esse racional, o presente trabalho entende, também, que o administrador que pratica

os atos civis ilícitos contra a Companhia, o mercado em geral e os investidores está também

cometendo conduta punível no campo penal, devido à magnitude dos danos que pode vir a

causar, bem como ao fato do dano que é causado ao investidor, tanto material, quanto moral, que

muitas vezes, se esse não for profissional, pode gerar consequências devastadoras em sua vida

pessoal.

No Direito Civil, importa saber quais os reflexos dessa conduta ilícita. No crime de

lesões corporais, a vítima pode ter sofrido prejuízos, tais como despesas hospitalares,

faltas ao trabalho e até prejuízos de ordem moral, se foi submetido a chacota social ou

se ficou com cicatriz que prejudique seu trânsito social. No campo civil, só interessa o

ato ilícito à medida que exista dano a ser indenizado. O Direito Civil, embora tenha

compartimentos não patrimoniais, como os direitos de família puros, é essencialmente

patrimonial. Quando se fala da existência de ato ilícito no campo privado, o que se tem

em vista é exclusivamente a reparação do dano, a recomposição patrimonial. Quando se

condena o agente causador de lesões corporais a pagar determinada quantia à vítima,

objetiva-se o reequilíbrio patrimonial, desestabilizado pela conduta do causador do

dano.

Não há, no campo civil, em princípio, ao contrário do que vulgarmente podemos pensar,

sentido de punir o culpado, mas o de se indenizar vítima. Essa última afirmação, quase

um dogma no passado, tem sofrido modificações modernamente, pois muito da

indenização de dano exclusivamente moral possui uma conotação primordialmente

punitiva.

O presente trabalho busca delinear a aplicabilidade efetiva depreendida da lição da

doutrina, que é o dever de indenizar a vítima e recompor o dano ao seu patrimônio. Entretanto,

deveria enfocar-se, nesse caso, também a aplicação da conotação de punibilidade ao causador do

dano.

Desses artigos decorrem todas as consequências atinentes à responsabilidade

extracontratual entre nós. Na responsabilidade extracontratual ou extra negocial,

também denominada aquiliana, em razão de sua origem romana, não preexiste um

contrato. É o caso de alguém que ocasiona acidente de trânsito agindo com culpa e

provocando prejuízo indenizável. Antes do acidente, não havia relação contratual ou

negocial alguma. Tal fato difere do que ocorre no descumprimento, ou cumprimento

defeituoso, de um contrato no qual a culpa decorre de vínculo contratual. Por vezes, não

será fácil definir se a responsabilidade é contratual ou não. O ato ilícito, portanto, tanto

pode decorrer de contrato ou negócio jurídico em geral como de relação extracontratual.

O atual Código atualiza o conceito de responsabilidade negocial no art. 389: “Não

cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e

atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e

honorários de advogado”.

Extrai-se da lição doutrinária que a responsabilidade extracontratual originária do direito

romano se mantém extremamente atual e pertinente ao presente trabalho, devido à boa-fé que se

espera haver da Companhia até mesmo durante a fase do roadshow, das apresentações aos

investidores, consubstanciada no prospecto. Entende-se que, nessa fase do prospecto, ainda não

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há o contrato formado, como promessa - vinculante ou não - de compra e venda de ações, ou

boletim de subscrição firmado.

Entretanto, essa responsabilização extracontratual já existe desde o momento da

veiculação do prospecto ao mercado, que começa desde então a formar sua tese de investimento

e sua manifestação de vontade, que não podem ser induzidas a erro.

Nesse raciocínio se traz ao presente trabalho o argumento exarado pelo Juiz de Direito

Marcelo Barbosa Sacramone19 “(...) Todos os dados utilizados para o cálculo desses resultados

devem ser obtidos nos prospectos emitidos pela própria falida, em seus balancetes, nos contratos

de arrendamento firmados pelos réus com a Massa Falida e em dados de mercado”. No caso das

Fazendas Reunidas Boi Gordo, depreende-se acertadamente que o Judiciário entendeu o correto

momento da aplicação da responsabilidade extracontratual, no caso concreto. O Juiz,

acertadamente, entendeu que o ressarcimento deveria ocorrer desde o momento do prospecto,

onde os atos ilícitos contra o mercado foram veiculados.

Desse modo, está claro que aquele que praticar: (i) operação fraudulenta, prática não

equitativa, manipulação de preços ou criação de condições artificiais de procura, oferta ou preço

de valores mobiliários; (ii) compra ou venda de valores mobiliários, por parte dos

administradores e acionistas controladores de Companhia aberta, utilizando-se de informação

relevante, ainda não divulgada para conhecimento do mercado ou a mesma operação realizada

por quem a detenha em razão de sua profissão ou função, ou por quem quer que a tenha obtido

por intermédio dessas pessoas; (iii) omissão de informação relevante por parte de quem estava

obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação de forma incompleta, falsa ou tendenciosa20,

incorreu em ato ilícito devendo, portanto, indenizar.

O ressarcimento do investidor lesado no direito brasileiro funciona de maneira indireta,

isto é, faz-se necessário o uso de veículo representativo, que burocratiza e o impede de buscar

diretamente o seu ressarcimento. Juridicamente, o investidor lesado não possui diretamente

legitimidade ativa processual. É necessário que se faça por meio de uma Associação Civil

constituída há mais de um ano, ou do Ministério Público, ou da CVM.

Apesar de que a mens legis reza pelo princípio da celeridade processual, a lei deveria ser

atualizada, permitindo que fossem ajuizadas diretamente por intermédio dos atingidos pelos

19 http://www.massafalidaboigordo.com.br/arquivos/news/SENTENCAEXTENSAO290615.pdf, acesso em

15/09/15 20 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7913.htm, acesso em 09/09/15

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danos, como assim são chamadas as securities class actions, utilizadas no sistema norte

americano.

Essa ação coletiva americana visa proteger os investidores no mercado de capitais contra

“fraud on the market”, tendo objetivo bastante simples e efetivo e, uma vez preenchidos seus

requisitos e formalidades para sua propositura, a ação será aproveitada pelos demais acionistas

prejudicados. Por oportuno, é com esta base legal que os detentores de ADRs da Petróleo

Brasileiro estão buscando o seu ressarcimento na Justiça americana.21 Tais Class Actions,

possuem embasamento legal na Rule 23 of the Federal Rules of Civil Procedure22.

Nesse espectro, a legislação estadunidense mostra maior avanço, inclusive conforme

observado por Márcia Tanji, considerando que o mercado de capitais americano é mais maduro

do que o brasileiro, sobretudo em razão de mais de duzentos anos de existência de intensa

atividade empresarial e bursátil desde a sua concepção, nos Estados Unidos da América:

“O direito americano moderno percebeu que a forma mais eficiente de controlar o

cumprimento (enforcement) de alguns tipos e leis com dimensões sociais (como lei do

consumidor, antitruste, civil rights, securities, etc.) é atribuir tal controle diretamente às

pessoas interessadas, e não somente através do controle monopolístico do Estado. Essa

concepção deu origem à private attorney general litigation, ações de interesse social

(cuja legitimidade, no Brasil seria tendencialmente atribuída ao Ministério Público),

propostas de forma privada diretamente pelas pessoas cujos direitos foram violados23”.

Devido a isso, a maior proteção positivada pelos norte-americanos se deu devido ao

extenso número de casos e fatos que aconteceram. Consequentemente, houve mais espaço para a

valoração e com resultado as normas, na esteira do raciocínio jurídico inaugurado por Miguel

Reale, consubstanciado em sua teoria Fato-Valor-Norma24, isto é, maior arcabouço fático e mais

cases por consequência.

Nessa esteira, procura-se desenvolver a teoria inaugurada por Reale via melhoria da

normatização vigente, objetivando simplificação do procedimento atual, tornando-o mais

acessível aos investidores, possibilitando o ressarcimento do dano e a efetiva prestação

jurisdicional do Estado, além de fortalecer a imagem institucional do mercado de valores

mobiliários e da livre iniciativa econômica.

21 http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI213081,91041-Litigios+contra+a+Petrobras+nos+EUA, acesso em

10/09/15 22 http://www.ilnd.uscourts.gov/LEGAL/frcpweb/FRC00024.HTM, acesso em 10/09/15 23 “GIDI, Antônio, in A class action: como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em

uma perspectiva comparada”. cit. P. 34-35. 24 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

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3. DOS ATUAIS MECANISMOS DE RESSARCIMENTO

Traçaremos, neste capítulo, o panorama atual de mecanismos judiciais e extrajudiciais à

disposição do investidor de valores mobiliários no Brasil.

Inicialmente temos a Ação Civil Pública (ACP) no âmbito do mercado de capitais,

promulgada em 7 de dezembro de 1989, forma de processo coletivo disponível ao investidor

brasileiro que pode ser impetrada pelo Ministério Público, ou ainda por Associação dos

Investidores, formada há no mínimo um ano. Essa legitimidade que a lei outorgou é o alvo de

crítica do presente trabalho, tendo em vista que não permite ao investidor manejar

individualmente a ação judicial.

Em continuidade, temos o Termo de Compromisso (TC), meio outorgado para a CVM

através da Lei 9.457, de 05 de maio de 1997, que procedeu a alteração de dispositivos da Lei das

Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), bem como da Lei que instituiu a Comissão de Valores

Mobiliários (Lei 6.385/76), que autoriza em âmbito administrativo a Autarquia a firmar aludido

termo, com o objetivo cessar a prática e de reaver valores aos investidores. Todavia, esse

mecanismo ainda é falho, em função do fato investigado não abrir a participação do interessado

na negociação.

Na sequência, tratamos do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízo, ou MRP, que é

instituído pela própria Bovespa, como meio de autorregulação. Ele é bastante célere, o que já o

torna mais eficiente que os outros dois meios – ACP e TC. . Entretanto, falta-lhe maior gama de

possibilidades de aplicação, além da limitação do valor ser de apenas setenta mil reais de

ressarcimento ao investidor.

O presente trabalho tratará, no próximo capítulo, da grande última reforma legislativa,

instituída pela Lei nº 10.303, de 2001, que outorgou direitos aos acionistas minoritários, tais

como tag along, em caso de oferta pública de aquisição de ações, entretanto se imiscuiu no

tratamento de ressarcimento do investidor, que deveria merecer mais enfoque.

E, por último, o trabalho debruçará sobre a nova era da Internet que é atual e comum a

todos nós, apontando caminhos para que a lei possa se aproveitar da tecnologia de maneira mais

prática, produzindo melhor resultado, com menor burocracia e impedimentos ao investidor.

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3.1. – DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO ÂMBITO DO MERCADO DE

CAPITAIS

Ao risco da mera governança formal, conforme pode se depreender em cases como o

da Sadia, Aracruz Celulose, CSN25, notadamente se constava que a Companhia estaria realizando

o hedge financeiro, para sua proteção em face de intensas e inesperadas volatilidades cambiais.

Tal procedimento é saudável e recomendável, com a finalidade de proteção a empresas que

possuem muita exposição a moedas estrangeiras, como foi o caso, em 2008, da Sadia, atual BRF,

Companhia resultante da incorporação entre Sadia e Perdigão.

A Companhia, com grande exposição no mercado global, comunicava ao mercado que

estava se valendo do hedge cambial, ou seja, operando no mercado de derivativos com uma

posição igual a sua real dívida em dólar.

Aconteceu que, na época, o Conselho de Administração havia autorizado somente

contratos de câmbio com duração de 6 meses, e o dólar orbitava entre R$ 1,65 e R$1,70 em

2008. Entretanto, com a crise que se desencadeou na sequência e a consequente disparada do

dólar na casa de R$ 2,00, a Companhia resolveu comunicar aos acionistas o prejuízo da ordem

de R$ 760.000.00026, o que, além do óbvio prejuízo financeiro, fez com que o conselho de

administração demitisse, à época, o Diretor Financeiro da Companhia. Ficou evidente que a

Companhia estava realizando operações de câmbio de forma descoberta, no jargão do mercado

financeiro, contrariando a disposição expressa do Conselho de Administração.

Esse é um dos exemplos típicos de mera governança formal, que teve claramente seu

código de conduta interna desobedecido, já que a Companhia comunicou um fato ao mercado e

aos investidores, mas na realidade fática estava praticando outra conduta.

A Companhia, que possui como principal atividade e negócio a produção de alimentos,

extrapolou de forma inaceitável sua atividade, realizando operações típicas das instituições

financeiras e atinentes a elas.

O resultado dessa imprudente tomada de risco com os recursos da tesouraria da

Companhia produziram efeitos muito profundos para seus acionistas e investidores, bem como

ao mercado de valores mobiliários em geral. Isto porque a Companhia era a líder de mercado e,

na época, especulava-se que ela teria condições de incorporar sua concorrente -,a Perdigão.

25 http://www.terra.com.br/istoedinheiro-temp/edicoes/575/imprime104474.htm, acesso em: 20/09/15 26 http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/sadia-temia-perder-mais-ainda-com-derivativos-dizem-analistas-

m0168377, acesso em 20/09/15

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Aconteceu que o valor destruído foi tão grande, a tal ponto que quem na verdade acabou

invertendo o jogo foi a Perdigão a qual, após tal erro da Sadia, acabou sendo incorporada por sua

concorrente. Em função disso, o caso se tornou tão notório.

Outro recente acontecimento que se pode utilizar como referência no presente trabalho

foi o da OGX. Essa empresa estimou aos investidores que seus recursos seriam investidos com

base nas prospecções de campos de petróleo, as quais haviam sido elaboradas por certificadora

de notada reputação no segmento. Tal fato gerou enorme frenesi, dando origem a uma das

maiores demandas de mercado e aporte de recursos em uma das grandes aberturas de capital de

empresas pré-operacionais da história do mercado brasileiro. Foi no ano de 2008, em oferta

coordenada pelo então UBS Pactual, que captou 6,7 bilhões de reais27.

Uma das grandes lições que podemos extrair desse case foi que a própria administração

da Companhia, ao interpretar o relatório da certificadora DeGolyer & MacNaughton de 201128,

com um viés demasiado otimista e de curto prazo, teve sua visão fora da realidade.

O próprio Eike Batista, acionista majoritário e controlador da Companhia, e um dos

principais fomentadores da visão interpretativa demasiado otimista do aludido relatório,

posteriormente veio a admitir que, com o intuito de não incorrer nesse viés, deveria ter, no

primeiro momento, desenvolvido a Companhia através de Private Equities, similarmente ao

realizado durante os leilões das concessões de direitos exploratórios de petróleo nas rodadas da

ANP, mediante oferta restrita, para, num segundo momento, com a Companhia mais madura e

possuindo mais previsíveis e estáveis fluxos de caixa, acessar o mercado de capitais em oferta

pública de ações.

Posto essas considerações sobre os riscos da mera governança formal que pode levar

investidores ao erro e às perdas no mercado de capitais, seja por maquiar uma situação fática ou

por criar informações e incentivos imprecisos dos investimentos, o presente trabalho adiciona a

falta de legitimidade ativa unipessoal do investidor lesado na busca do ressarcimento de danos

como um dos problemas à ACP, como meio de ressarcimento. Lesado no mercado, o investidor

prejudicado não encontra guarida na ACP que resta adstrita às hipóteses em números clausus29 -

Ministério Público, na qualidade de custus legis ou Associação Sem Fins Lucrativos.

27 http://exame.abril.com.br/mercados/noticias/ogx-faz-o-maior-ipo-da-historia-da-bolsa-brasileira-m0161973,

acesso em 20/09/15 28 http://www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista/3238532/todos-os-problemas-da-ogx-se-resumem-um,

acesso em 20/09/15 29 São as pessoas do Art. 5 da L. 7.347/85

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Além disso, a forma indireta do ressarcimento dos danos e prejuízos, através de

habilitação processual provocada pelo investidor em até dois anos30, sob pena de decadência,

torna-se burocrática.

Desse modo, o amadurecimento do mercado de capitais no Brasil não pode limitar-se

apenas à busca por boas práticas de governança, mas deve também perseguir o ressarcimento

efetivo dos danos sofridos no âmbito desse mercado.

Portanto, o mero cumprimento de requisitos formais a que as Companhias abertas estão

sujeitas, devido ao acesso à poupança popular ou à divulgação de informações duvidosas por

meio da publicação de relatórios na Internet, não garante o ressarcimento ao investidor lesado.

Ademais, a morosidade judiciária para eventual pedido judicial coloca em risco a credibilidade

do mercado de capitais31, visto que nessa fase do processo já houve grande esvaimento do

patrimônio e do valor.

O instrumento processual judicial disponível ao investidor brasileiro está previsto na Lei

da Ação Civil Pública no Mercado de Capitais, Lei 7.913/89, subsidiária da Ação Civil Pública

Lei 7.347/85.

Um dos pontos processuais obsoletos da lei é a falta da previsão de legitimidade ativa

unipessoal do investidor lesado e de procedimento disponível para que se dê o ressarcimento dos

danos. Tal devolução se dá de forma indireta, esperando a habilitação para o recebimento da sua

parcela devida em até dois anos, sob pena de reversão ao fundo do artigo 13 da Lei 7.347/85,

através do instituto da decadência, conforme dispõe o artigo 2º da Lei 7.913/8932, procedimentos

que, com o advento da Internet, não fariam mais sentido.

30 Art. 2 § 1º e § 2º Lei 7.913/89 31 Para mais detalhes sobre o tema, vide: http://jus.com.br/artigos/4306/o-poder-judiciario-morosidade;

https://www1.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/corregedoria_geral_da_justica/colecao_adminis

tracao_judiciaria/doc/CAJ02.pdf; http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI133618,51045-

Morosidade+no+Judiciario+afinal+de+quem+e+a+culpa; http://abdir.jusbrasil.com.br/noticias/557309/o-custo-

brasil-e-a-morosidade-do-poder-judiciario, acesso em 17/08/2015. 32 Art. 2º As importâncias decorrentes da condenação, na ação de que trata esta Lei, reverterão aos investidores

lesados, na proporção de seu prejuízo. §1º As importâncias a que se refere este artigo ficarão depositadas em conta

remunerada, à disposição do juízo, até que o investidor, convocado mediante edital, habilite-se ao recebimento da

parcela que lhe couber.

§ 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no prazo de 2 (dois) anos, contado da data da

publicação do edital a que alude o parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser recolhida como receita

da União.

§ 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no prazo de dois anos, contado da data da

publicação do edital a que alude o parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser recolhida ao Fundo a

que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 1995).

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Isto porque, tendo em vista a global e acelerada disseminação dos meios eletrônicos de

comunicação, bem como a paulatina informatização dos sistemas de informação, a criação do

processo judicial eletrônico, apenas a título exemplificativo, poderia ser base para dinamizar o

procedimento. Apenas exemplificando, a ideia é que quando da sentença condenatória em sede

de ACP no mercado de Capitais, impetrada pelo Ministério Público, o pedido, ou a sentença,

poderia oficiar o Agente Custodiante33, para que esse, diretamente, informasse na data do dano o

número de ações da Companhia de propriedade do investidor. Tudo transcorreria sem que

houvesse a necessidade do próprio investidor ter de habilitar seu crédito em até dois anos, sob

pena de decadência e de ficar sem nada. Esse argumento hoje é viável de ser implementado,

devido ao advento da Internet, conforme será abordado em mais detalhes no capítulo quatro.

A atual dinâmica processual de ressarcimento indireto, que legitima o parquet ou

associação civil com mais de um ano de existência, pode vir a fazer com que o investidor lesado

nem sequer tenha ciência de que exista ação indenizatória em curso e, possivelmente, quando do

eventual êxito, que o mesmo tenha algum crédito a recuperar. Tudo ocorreria por falta de

ciência de ação em curso que pode ter levado a ter seu direito obliterado pelo instituto da

decadência.

Por essa razão, faz-se necessária uma revisão, no sentido de permitir ainda mais

legitimados para a propositura da ação, com o intuito de obstar de modo mais eficaz e eficiente

os danos causados aos investidores. Isso é dizer que aquele investidor que tomar conhecimento

dos danos ao patrimônio social first hand, tenha condições de salvaguardar o máximo possível

de patrimônio da Companhia, através das medidas processuais de arresto, sequestro e outros

procedimentos cautelares da lei de ritos, assim trazendo efetividade necessária para o tratamento

da questão.

Da data de sua promulgação até os dias de hoje, vinte e seis anos transcorreram, e o

mundo passou mudanças estruturais velozes e disruptivas, estreitando cada vez mais as

distâncias. O melhor exemplo disso é a Internet, onde a velocidade e o volume de mensagens

informativas originadas num dia supera com folga o total de informações produzidas durante um

ano inteiro no século 1934,35 e 36.

33 www.bmfbovespa.com.br/cei - Canal Eletrônico do Investidor 34 DIMENSTEIN, Gilberto. Mal do século: síndrome do excesso de informação. Folha Online, Imprescindível da

semana, 03 set. 2001. Disponível em: <

http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/imprescindivel/semana/gd020901a090901.htm > Acesso em: 06 jun.

2014

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A lei merece, portanto, revisão e atualização, de modo a permitir que não somente seus

legitimados clássicos acionem o Poder Judiciário, notadamente o Ministério Público, ou

Associação existente há mais de um ano. A demora procedimental, por vezes, é demasiadamente

longa para a recuperação das riquezas e recursos econômicos, motivo pelo qual o próprio

investidor poderia iniciar a ação, e o juiz, se entender, realizar a conexão.

O Fundo de Defesa dos Direitos Difusos abrange os direitos transindividuais divisíveis

(individual homogêneo) também e, nos casos em que houver condenação, a quantia será

repartida entre os lesados, nas devidas proporções de seus danos.

O Fundo de Direitos Difusos, que é decorrente da indenização por dano moral difuso,

objetiva destinar, de maneira adequada, o produto relacionado à condenação. “Esse problema da

destinação do produto da condenação foi por muito tempo um dos maiores obstáculos ao

surgimento do processo coletivo37”.

O Decreto n.º 1.306, de 9 de novembro de 1994, objetivou normatizar o Fundo de Defesa

de Direitos Difusos, instituído pelo artigo 1338 da Lei da ACP (Lei n.º 7.347 de 24 de julho de

1985), com a finalidade de corrigir a preocupação da destinação do produto da condenação com

relação às ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais oriundas de interesses

difusos e coletivos, objetivando a condenação em dinheiro, ou fazer cumprir uma obrigação de

fazer ou não fazer.

Portanto, no caso de o produto da indenização tratar de danos indivisíveis, esse será

destinado ao fundo onde será empregado o valor devido, tendo como característica a

flexibilidade em benefício do bem lesado, para reconstituição.

O valor destinado ao Fundo será depositado em conta especial junto à Instituição

Financeira Banco do Brasil S.A., com sede em Brasília (DF), denominada ‘Ministério da Justiça

(CFDD) – Fundo’.

35 GUGELMIN, Felipe. Infográfico mostra a quantidade de informações enviadas para a internet a cada

minuto. Tecmundo, 22 jun. 2012. Disponível em: http://www.tecmundo.com.br/internet/25502-infografico-mostra-

a-quantidade-de-informacoes-enviadas-para-a-internet-a-cada-minuto.htm. Acesso em: 06/06/2014 36 MOUTINHO, Sofia. Quanta informação há no Mundo? Ciência hoje, 10 fev. 2011. Disponível em: <

http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/02/quanta-informacao-ha-no-mundo >. Acesso em: 06 jun. 2014 37 MAZZILI, H. Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 496 38 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um

Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e os

representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.

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“O Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos Difusos anualmente comunica à

sociedade as principais ações, prioridades e quantifica resultados atingidos”39.

Em que pese a atual formatação da ACP ter sido bastante profícua, bem como de se tratar

da proteção de direitos transindividuais, ela acaba por ser um instrumento bastante “engessado”,

devido à pouca aplicabilidade prática e pouca incidência. Até hoje, são apenas três ações de

investidores que buscaram reparação de danos40, desde a concepção da Lei em 1989, conforme

constata Viviane Prado, professora da FGV Direito em São Paulo, “A jurisprudência escassa e

um Judiciário pouco especializado no tema são desestímulos para o acionista iniciar um

processo”.

39 MATOS, K. Noronha de. Dano Moral no Direito Difuso. Ensaio Jurídico. Patos de Minas: UNIPAM, vol. 1, p.

102‐114, nov. 2010, p. 113. 40 http://www.gazetadopovo.com.br/economia/justica-ainda-da-pouco-respaldo-a-minoritarios-

1k6s80ffqynvom6t18q6bsamu, acesso em 27/09/2015.

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3.2. DA CELEBRAÇÃO DE TERMO DE COMPROMISSO NA CVM

Por meio da Lei nº 9.457, de 05 de maio de 1997, foi introduzido o sistema de regulação

e fiscalização do mercado de valores mobiliários nacional, com o propósito de oferecer uma

solução consensual para os litígios administrativos, por meio do Termo de Compromisso (TC)

que é celebrado a critério da CVM e deve contemplar as condições legais adiante discorridas.

Portanto, em relação ao referido instituto, percebe-se a influência do sistema

estadunidense em sua formulação, pois se assemelha ao consent decree, instituto desenvolvido

pela congênere norte-americana da CVM e aplicada abrangentemente pela SEC, com a devida

autonomia e poder para firmar com os possíveis infratores da legislação, com base nas análises

identificadas na qualidade de fiscalizador, acordos para anular qualquer prática considerada

ilícita no mercado de valores mobiliários.

No Brasil, a Lei nº 9.457/97 inseriu no ordenamento jurídico nacional mais um instituto,

com a finalidade de tentar solucionar de forma consensual as questões administrativas que, com

o advento da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, repreendeu o abuso de poder econômico,

assim como a possibilidade de um Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) atuar

com a parte interessada “compromisso de cessação da prática sob investigação, que não

importará em confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta

analisada”41. Isto é dizer que o compromitente não adentra no mérito de ter chegado ou não a

cometer conduta ou ato ilícito, apenas tendo, portanto, o compromisso firme de ressarcimento

pecuniário da investigação.

A Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976, com as alterações consolidadas na Lei nº

9.457/97, e pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001 e o Decreto nº 3.995, também de 2001,

41 A atual redação do art. 53 da Lei nº 8.884/94, conforme alteração produzida pela Lei nº 11.482/07, é a seguinte:

“Em qualquer das espécies de processo administrativo, o CADE poderá tomar do representado compromisso de

cessação da prática sob investigação ou dos seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e

oportunidade, entender que atende aos interesses protegidos por lei”.

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investiu a CVM de poder para celebrar, no âmbito do mercado de capitais, acordo para

ajustamento de conduta42.

Com base nos dispositivos legais apresentados, o termo de compromisso é um

instrumento celebrado em qualquer momento do procedimento no âmbito da CVM. Sem

impedimento, visa à aplicação da efetiva e da celeridade ao procedimento para cumprir o

disposto na regra legal, observando que “faz-se obrigatório que o investigado ou acusado se

obrigue a: (i) cessar a prática das atividades ou atos considerados ilícitos e (ii) corrigir as

irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos”.

Em estudo pertinente e afim ao objetivo do presente, intitulado Indenização de

Investidores por Termo de Compromisso, Renato Vilela e Viviane Muller Prado analisaram mais

de 430 termos de compromisso celebrados pela CVM, em mais de 16 anos de período amostral

estatístico, em que se conseguiu efetivamente ressarcir danos apenas em 30 dos 430 termos totais

celebrados.

A pesquisa, ora mencionada, que se debruçou sobre o universo de 430 casos, trouxe um

relevante argumento ao presente trabalho, que é de que a CVM celebrou um índice de apenas

6,97% de Termos de Compromisso (30 de 430) que garantem efetivo ressarcimento ao

investidor, número estatisticamente muito baixo.

Destes 30 casos, temos o detalhamento da seguinte forma: 8 Termos de Compromisso

beneficiando Acionistas, 7 Termos de Compromisso beneficiando cotistas de Fundo de

Investimentos, 6 beneficiando Fundos de Investimentos, 3 Termos firmados para beneficiar a

Companhia emissora, 3 outros Termos que beneficiam instituição relacionada ao Mercado e

outros 2 Termos firmados que beneficiam Instituição financeira administradora de investimentos.

Desse modo, depreendemos que somente, e tão somente, 21 Termos de Compromisso

foram celebrados no intuito de ressarcir efetivamente investidores, sendo 8 de acionistas, 7 de

cotistas de fundos de investimentos e 6 de fundos de investimentos.

Isso reduz ainda mais o espaço amostral para 21 casos de ressarcimento do investidor no

mercado de valores mobiliários no Brasil, minguando a estatística em 34 pontos porcentuais,

trazendo-a para 4,88%.

Tal número demonstra que o Termo de Compromisso firmado no âmbito da CVM passou

a trazer avanços ao ressarcimento do investidor no mercado de valores mobiliários, mas ainda

42 BRASIL. Decreto nº 3.995, de 31 de outubro de 2001. Altera e acresce dispositivos à Lei nº 6.385, de 7 de

dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários, nas matérias reservadas a decreto. Brasília,

2001.

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estamos muito distantes de um meio eficiente. Posto isso, considera-se que, de fato, a CVM não

tem sido uma eficiente esfera para ressarcimento do investidor.

Outra crítica a esse instrumento ora vigente é de que somente a Autarquia federal tem a

legitimidade para propô-lo aos futuros compromitentes, isto é, de forma análoga ao problema já

apontado no subcapítulo anterior, qual seja a falta de legitimidade do investidor lesado para a

proposição de ACP, no caso do TC, já que somente a CVM tem poder para tal.

Ora, novamente constata-se que o investidor fica sem o devido meio de ver seus direitos

patrimoniais e de propriedade garantidos, outorgados por lei à Autarquia federal, que

supostamente trabalha em prol da defesa do mercado.

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25

3.3. MECANISMO DE RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS

Aos investidores participantes da BM&F Bovespa é disponibilizado o Mecanismo de

Ressarcimento de Prejuízos (MRP)43, instrumento utilizado como indenização nos casos em que

ocorrer a ação ou omissão aos participantes, administradores, empregados ou prepostos, ou seja,

seu objetivo é assegurar o ressarcimento de prejuízos em relação à intermediação de negociações

na bolsa ou aos serviços de custódia44.

O MRP deve ser utilizado sob as seguintes hipóteses:

1. Inexecução ou infiel execução de ordens;

2. Uso inadequado de numerário, de títulos ou de valores mobiliários,

inclusive em relação a operações de financiamento ou de empréstimos de

valores mobiliários;

3. Entrega ao investidor de valores mobiliários ou outros ativos

ilegítimos ou de circulação restrita;

4. Inautenticidade de endosso em valores mobiliários ou outros ativos,

ou ilegitimidade de procuração ou documento necessário à sua

transferência;

5. Encerramento das atividades.

O ressarcimento dos prejuízos por meio do instrumento MRP é um procedimento

simples, sem a necessidade de recolher taxas, cobranças ou de utilizar um advogado. A

reclamação pode ser apresentada até 18 meses do fato (prejuízo) e limita-se ao valor de R$

70.000,00 por ocorrência. O MRP não pode ser acionado para as transações realizadas no

Mercado de Balcão Organizado, bem como quando as oscilações de preços impactarem

negativamente o valor da ação, acarretando prejuízos.

Entretanto, o MRP padece de maior aplicabilidade ao investidor, pois pode ser requerido

nos casos que envolvam Agentes Autônomos, ou Corretoras e ou Distribuidoras de Títulos de

Valores Mobiliários, nas cinco hipóteses elencadas. Quando das práticas não equitativas de

mercado, fraudes e outros, não há previsão de incidência desse mecanismo.

43 Ressarcimento de Prejuízos - BM&FBovespa - www.bmfbovespa.com.br/pt-br/...de.../ressarcimento-de-

prejuizos.aspx. Acesso em 10/09/2015. 44 BRASIL. O Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos. Comissão de Valores Mobiliários - Portal do

Investidor. Rio de Janeiro, s/d. Disponível em: <

http://www.portaldoinvestidor.gov.br/menu/Menu_Investidor/funcionamento_mercado/Mecanismo_ressarcimento.h

tml >. Acesso em: 10/09/2015.

Page 30: Problemas no Ressarcimento do Investidor Prejudicado no Direito Brasileiro - TCC Direito Societário - FGV - revisto 08MAR2016

26

O investidor pode solicitar o ressarcimento diretamente na Bovespa Supervisão de

Mercado (BSM), por meio de documentação que apresente o nome da instituição que causou o

prejuízo, de seus responsáveis, fato gerador do prejuízo, valor do prejuízo e a opção pelo

ressarcimento dos recursos, acompanhado dos documentos autenticados. A solicitação do MRP

não garante o ressarcimento do prejuízo ao investidor.

Através do site da Bovespa Supervisão de Mercado, ao acessar os dados estatísticos

disponibilizados para o período de 2009 a 201545, consegue-se concluir que, não obstante esse

mecanismo ser apenas aplicável a poucos casos, como já explanado anteriormente, foi o que

mais ressarciu o investidor no mercado de valores mobiliários.

Dos 603 processos que chegaram à fase de julgamento, o índice de procedência ao

investidor chegou à marca de 52%, ou seja, 316 casos julgados parcial ou totalmente

procedentes. Tal número demonstra, portanto, a sua notável efetividade, se comparado aos

demais mecanismos.

45 http://www.bsm-autorregulacao.com.br/InstDownload/MRP-Estatisticas-20150831.zip, acesso em 10/09/2015

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3.4. ÚLTIMA GRANDE REFORMA LEGAL SOCIETÁRIA E OS

MECANISMOS DE RESSARCIMENTO

Através da promulgação da Lei nº 10.303/01, sendo a última grande reforma da Lei

6.404/76 e da regulamentação da CVM, foram estabelecidos os mecanismos de proteção, e não

ressarcimento, que visam apenas de forma singela que o investidor lesado, no intuito de garantir

seus direitos, bem como, estimular a entrada de investidores no capital das companhias de capital

aberto negociadas em bolsa de valores, o que de modo geral no longo prazo fortalece a ordem

econômica.

Além dos direitos e garantias oferecidos aos acionistas, a Bovespa possui um Código de

Conduta com a finalidade de assegurar ao investidor a qualidade e a segurança com as

informações às pessoas que lá prestam os seus serviços, pois existe o risco de serem obtidas

informações privilegiadas. Portanto, há um Estatuto Social para regular as Práticas

Anticorrupção, cujo objetivo é não colocar em risco a credibilidade da instituição46.

Como pôde ser analisado, existem mecanismos e instrumentos regulamentadores e

fiscalizadores criados pela CVM e Bovespa no Brasil com a finalidade de garantir a

transparência e a veracidade das informações publicadas pelas entidades detentoras de ações

negociadas na Bolsa de Valores, tendo como princípio a igualdade entre os investidores -

minoritários ou não. Mas, ainda há dúvidas em relação ao uso das informações privilegiadas

(vazamento) por parte dos funcionários das instituições para o benefício de grupos de

investidores, em detrimento a outros que deveriam ter tratamento igualitário..

As referidas mudanças legislativas objetivam a proteção do investidor, principalmente

nos casos de negociação do controle acionário majoritário, visando à preservação dos interesses

dos investidores minoritários. Alguns fatos tais como: “tag along, dividendos, ações

preferenciais e dividendos, direito de fiscalização e informação, preferência de subscrição,

direito de recesso ou retirada, direito de voto, convocação de assembleias47”, são medidas

previstas na legislação, com o condão de equalizar os direitos dos minoritários em face aos

interesses majoritários.

O tag along, por exemplo, é um mecanismo utilizado nos casos em que as negociações

envolvam o controle acionário, para que os acionistas minoritários ordinaristas tenham

46 ALQUINI, Marlis. Proteção dos Investidores no Mercado de Capitais. 90 f. Trabalho de Conclusão de Curso.

Bacharel em Direito. Faculdade de Ciências Jurídicas - Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba 2010, p. 29. 47 TANOUE, Luciana. Uma questão de valores. Capital Aberto, out. 2009, p. 24.

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assegurado o pagamento mínimo concernente ao valor pago aos controladores da Companhia.

Conforme a Lei n. 6.404/76 (art. 254), o tag along era um direito dos acionistas minoritários que

desejassem vender em oferta as ações com direito a voto, quando ocorria a alteração do controle

de capital da Companhia, desde que o preço fosse o mesmo negociado pelos controladores.

“O advento da Lei n. 10.303/01, o direito de tag along obriga o controlador adquirente a

realizar uma oferta de compra aos acionistas ordinários (com direito a voto)

minoritários das ações remanescentes ao preço mínimo de 80% do valor pago por ação

ao grupo controlador. Com isso, os acionistas minoritários ordinaristas têm na

legislação uma garantia de alienar suas ações a um preço próximo ao recebido pelos

controladores. O pagamento ao acionista minoritário do valor mínimo estabelecido é de

responsabilidade do adquirente do controle48”.

Todavia, depreende-se que faltou à Lei a positivação de mecanismos de ressarcimento do

investidor, tendo em vista que, no ordenamento jurídico brasileiro, ele ficou resguardado através

dos direitos já supramencionados, que são efetivos apenas no plano abstrato das leis, como bem

seu espírito suscita e foi proposta e elaborada pelo legislador, consubstanciando excelente mens

legis. Entretanto, a prática do mercado ficou vazia de meios e mecanismos que tratassem do

ressarcimento do investidor de forma mais simples e menos dispendiosa, bem como dando a ele

a merecida e necessária proteção e seu ressarcimento, como vimos abordando através deste

trabalho.

Apesar de 2001 ter sido o ano da substancial reforma legislativa societária, como o

presente capítulo trouxe à tona, a mencionada reforma pode ser considerada bastante

inconsistente em termos práticos, do ponto de vista do investidor, considerando que

consequências práticas que a aludida reforma pôde produzir no mundo jurídico poderiam ter sido

objeto de maior escopo do legislador.

48 SILVA, A. Couto. Responsabilidade dos Administradores de S/A: business judgment rule. Rio de Janeiro:

Elsevier, 2007, p. 67-68.

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4. DO CAPITALISMO ELETRÔNICO INFORMÁTICO

É notório que na era do capitalismo eletrônico, as relações bursáteis são cada vez mais

instantâneas e globais. A lei vigente deve urgentemente se adequar à nova realidade globalizada

das informações.

A interposição de uma Ação Civil Pública face à Companhia Aberta é Fato Relevante.

Com a percepção acurada do dinamismo atual e a importante relevância e seriedade do assunto, a

Comissão dos Valores Mobiliários se mostrou proativa e editou uma nova redação para a

instrução 358, com relação à divulgação e ao uso de informações sobre ato ou fato relevante,

bem como o regime de divulgação dos dados sobre ato ou fato relevante, tendo como plataforma

a Internet, no sentido de facilitar, bem como tornar mais ágil a disseminação dos fatos em portais

de notícias.

A Instrução CVM 358 objetiva o cumprimento do princípio do full and fair disclosure. O

full disclosure é oriundo do princípio da boa-fé objetiva do Código Civil (artigo 422 e seguintes

da Lei 10.406/2002). Já o fair disclosure tem como objetivo a garantia da saúde, higidez, solidez

do mercado de capitais, que é condição sine qua non e princípio pétreo para economias bem

desenvolvidas49.

Esse princípio também está relacionado com a proibição da prática de insider trading.

Isto é, o diretor, membro do conselho, ou quem quer que seja que tenha posse de um Fato

Relevante dos negócios da Companhia não pode se valer dessas informações para comprar ou

vender ações em Bolsa, aproveitando-se dessa informação à custa do investidor. Houve

recentemente a punição de brasileiros, que compraram calls – opções de compra de um ativo

subjacente – da empresa de molho de tomate Heinz Inc. após saberem que esta ia ser alvo de

uma aquisição50.

Nesse caso específico de insider trading, aludido aqui apenas a título ilustrativo, o diretor

do escritório regional da SEC em Nova York, Sanjay Wadhwa, afirmou em comunicado oficial

que: ‘Rodrigo e Michel Terpins (os players) tiveram informações confidenciais sobre a

negociação envolvendo a Heinz antes de qualquer anúncio público (Fato Relevante) e fizeram

49 SANTIAGO. M. Andrade. A Responsabilidade do Administrador de Sociedade Anônima. Revista da

Faculdade de Direito UFPR; v. 37, n. 0. Paraná, 2002. 50 VALOR. SEC multa acionistas da Lojas Marisa. Valor Econômico, 11 out. 2013. Disponível em

http://www.valor.com.br/empresas/3301148/sec-multa-acionistas-da-lojas-marisa. Acesso em: 01/09/2014.

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uso disso em detrimento de todos os outros que negociaram no mercado’ (ferindo o princípio do

full and fair disclosure)51.

Como explica o doutrinador Rodolfo de Camargo Mancuso: “[...] o interesse é

‘metaindividual’ quando além de perpassar o círculo de atributividade individual, correspondente

à síntese dos valores predominantes num determinado segmento ou categoria social”52. Ora,

ultrapassar aos interesses individuais dos players desse caso, atingiu, inclusive, todos os

stakeholders.

Nesse sentido, é imprescindível que o mercado de capitais se mantenha saudável na sua

inteireza, pois é uma importante ferramenta para a economia como um todo, sendo evidente o

interesse público em manter sua confiabilidade e higidez.

E, assim sendo, a consulta pública realizada pela CVM, minutada e convertida em

alteração das Instruções 358 e 480, fizeram com que a Autarquia iniciasse alterações

importantes, substanciais e acertadas mudanças nas normas que regem a respeito dos fatos

relevantes da Companhia. Afinal de contas, os fatos relevantes têm o condão de ser uma forma

preventiva de eventuais recuperações de danos.

No caso em que o investidor, ao saber que a Companhia cometeu determinado ato com

consequência direta na operação da mesma por meio dos princípios do Full and Fair Disclosure

e, devido à acertada redação das instruções que foram discutidas, a Companhia tem a

possibilidade de fazer uso da rede mundial de computadores ou, inclusive de redes sociais, na

garantia de atingir um número maior de stakeholders.

O investidor, consciente do que vem ocorrendo, tem como se desfazer de sua participação

em tempo hábil, nos casos em que as informações foram disponibilizadas pelas Companhias e

apresentadas para serem analisadas pelo investidor que, se não se sentir confortável com a

direção dos negócios da Companhia, poderá desfazer-se de sua participação rapidamente.

Como já delineado, explanado, discutido e exposto durante o argumento central do

presente trabalho, considera-se que na atual dinâmica global que proporciona amplo acesso à

informação, em grande escala e paulatinamente, através da crescente utilização da Internet,

podem-se considerar os benefícios e vantagens que a velocidade das informações podem trafegar

e ser transmitidas, praticamente em tempo real.

51 CARNEIRO, Gilmar. Brasileiros tentam golpe nos USA e se dão mal. Blog Gilmar Carneiro, 11/10/2013.

Disponível em: http://www.gilmarcarneiro.com/2013/10/brasileiros-tentam-golpe-nos-usa-e-se.html. Acesso em:

3/08/2014. 52 MANCUSO, R. Camargo de. Interesses Difusos: conceito e legitimação para agir. 3ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1994, p. 44.

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Desse modo, o presente trabalho entende que é possível utilizar essa tecnologia atual de

forma bastante prática, de modo a permitir, facilitar e propiciar a maior agilidade de informação

ao investidor no âmbito do mercado de valores mobiliários, possibilitando que este tenha melhor

efetividade na busca de seu ressarcimento.

Com a digitalização das bases de dados dos quase 555 mil investidores na Bolsa de São

Paulo (Bovespa), por exemplo, já seria viável em sede do pedido da ACP para que as Câmaras

de Liquidação e Agentes de Custódia sejam oficiadas para apresentar ao Juízo a posição do

investidor. Isso desburocratizaria muito o procedimento previsto no artigo 2º, § 2º, da Lei

7.913/89, gerando maior sensação de segurança jurídica.

Também através da Internet é bastante viável que as Associações não necessitem ter um

ano de constituição para poderem propor ACP. Com a atual dinâmica e agilidade, é possível que

o tempo seja bastante reduzido e que os investidores se organizem, reduzindo o periculum in

mora, substancialmente.

Essa é, portanto, uma das grandes vantagens da Internet - a redução substancial do

periculum in mora que ela pode proporcionar. Não pode haver esse descompasso do processo, da

ação, etc., quando se tem notícia de prática não equitativa.

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5. CONCLUSÃO

A ACP, na via da Justiça Comum, torna-se inacessível na prática, devido aos já expostos

argumentos que demonstram seu engessamento processual, bem como o irrisório histórico de

casos no cenário brasileiro, em mais de 26 anos da promulgação da referida lei.

De outra senda, o Termo de Compromisso, que já é um avanço do ponto de vista de

celeridade vis-à-vis a ACP, permanece ainda com algumas melhorias a serem implementadas, a

saber: (i) a possibilidade de admissão de amicus curiae; (ii) ou ainda de outro legítimo que

assista aos interesses dos investidores, e não somente a CVM controlar, direcionar e coordenar

como única legítima detentora de direitos para fazer frente aos interesses de investidores, papel

esse constitucionalmente reservado a advogados, que são fundamentais à administração da

justiça, e não uma Autarquia federal.

O MRP torna-se o mais célere de todos, já que visa à proteção do investidor sim,

entretanto cinge-se apenas a pequenos casos, envolvendo as CTVMs e DTVMs, ou, ainda, os

Agentes Autônomos de investimento, o que também, na casuística do cenário brasileiro, torna-se

bastante ínfimo, em termos de número de casos propriamente ditos.

Explorados todos os argumentos do presente trabalho, vemos que, na realidade fática e

prática do mercado e no cenário brasileiro, o investidor, que acreditou no esforço do

empreendedor, ao captar da poupança popular e não da tomada de dívidas com bancos, deveria

então ter seus mecanismos de ressarcimento bem mais eficazes.

Vimos também que, no cenário atual, o investidor fica sem nenhum tipo de proteção.

Ademais, a Justiça comum, como um todo, é muito pouco especializada no universo do mercado

de capitais, a ponto de haver magistrados que, data vênia, erroneamente julgam improcedentes

pedidos de certos investidores que acessam o Judiciário para serem ressarcidos, com alegações

como afirmar que se trata do risco de mercado dos investimentos. É tamanho o absurdo que o

Doutor Magistrado esqueceu-se do dever de indenizar, já lembrado contundentemente no

presente trabalho.

Fundamentalmente, o investidor não possui de forma prática a devida proteção, que era

merecedor de possuir. Hoje, com a atual dinâmica do mercado e a rápida consulta de dados da

Internet, a lei, com uma revisão e uma atualização passaria a ser mais eficaz de acordo com os

argumentos deste trabalho.

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O Presente trabalho propõe, portanto, que a Lei 7.913/89 passe a ter a redação transcrita

abaixo:

Art. 2º As importâncias decorrentes da condenação, na ação de que trata

esta Lei, reverterão aos investidores lesados, na proporção de seu

prejuízo.

§ 1º As importâncias a que se referem este artigo ficarão depositadas em

conta remunerada, à disposição do juízo, até que o investidor, convocado

mediante edital, habilite-se ao recebimento da parcela que lhe couber.

§ 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no

prazo de dois anos, contado da data da publicação do edital a que alude o

parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser recolhida ao

Fundo a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

(Redação dada pela Lei nº 9.008, de 1995)

Art. 3º À ação de que trata esta Lei aplica-se, no que couber, o disposto

na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

A PARTIR DAQUI, NÃO ENTENDI O QUE VOCÊ QUIS

DIZER. VAMOS CONVERSAR...

Passasse a vigorar da seguinte forma, com os nossos grifos oportunos.

§ 1º As importâncias a que se refere este artigo ficarão depositadas em

conta remunerada, à disposição do juízo, até que automaticamente sua

posição acionária na data do ressarcimento, seja informada ao juízo,

através de notificação da Companhia Brasileira de Liquidação e

Custódia.

§ 2º Decairá do direito à habilitação o investidor que não o exercer no

prazo de dois anos, contado da data da notificação recebida da

Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia. publicação do edital

a que alude o parágrafo anterior, devendo a quantia correspondente ser

recolhida ao Fundo a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de

julho de 1985. (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 1995).

Quando alterada a Lei, nos termos do parágrafo primeiro, de grifo do presente trabalho,

não se faz mais necessário o teor que se encontra em strike out, ou seja, a reversão do montante

de ressarcimento não reclamado em dois anos que se reverteria ao Fundo que a Lei 7.347 de

1985, dispõe no artigo 13.

Art. 3º À ação de que trata esta Lei aplica-se, no que couber, o disposto

na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

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6. BIBLIOGRAFIA

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http://www.conjur.com.br/2012-out-25/henrique-ricci-funcao-social-empresa-valor-nao-norma-

juridica, acesso em 16/08/15.

http://www.massafalidaboigordo.com.br/arquivos/news/SENTENCAEXTENSAO290615.pdf,

acesso em 15/09/15

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7913.htm, acesso em 09/09/15

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37

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L7345.htm, acesso em 16/09/15

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/leis/L8884.htm, acesso em 20/09/15

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI213081,91041-

Litigios+contra+a+Petrobras+nos+EUA, acesso em 10/09/151

http://www.ilnd.uscourts.gov/LEGAL/frcpweb/FRC00024.HTM, acesso em 10/09/15

http://www.terra.com.br/istoedinheiro-temp/edicoes/575/imprime104474.htm, acesso em:

20/09/15

http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/sadia-temia-perder-mais-ainda-com-derivativos-

dizem-analistas-m0168377, acesso em 20/09/15

http://exame.abril.com.br/mercados/noticias/ogx-faz-o-maior-ipo-da-historia-da-bolsa-brasileira-

m0161973, acesso em 20/09/15

http://www.valor.com.br/valor-investe/o-estrategista/3238532/todos-os-problemas-da-ogx-se-

resumem-um, acesso em 20/09/15

Para mais detalhes sobre o tema, vide: http://jus.com.br/artigos/4306/o-poder-judiciario-

morosidade;

https://www1.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/tribunal_de_justica/corregedoria_geral_da_justi

ca/colecao_administracao_judiciaria/doc/CAJ02.pdf;

http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI133618,51045-

Morosidade+no+Judiciario+afinal+de+quem+e+a+culpa;

http://abdir.jusbrasil.com.br/noticias/557309/o-custo-brasil-e-a-morosidade-do-poder-judiciario,

acesso em 17/08/2015.

www.bmfbovespa.com.br/cei - Canal Eletrônico do Investidor, acesso em 18/10/2015

http://www.gazetadopovo.com.br/economia/justica-ainda-da-pouco-respaldo-a-minoritarios-

1k6s80ffqynvom6t18q6bsamu, acesso em 27/09/2015.

Ressarcimento de Prejuízos - BM&FBovespa - www.bmfbovespa.com.br/pt-

br/...de.../ressarcimento-de-prejuizos.aspx. Acesso em 10/09/2015.

http://www.bsm-autorregulacao.com.br/InstDownload/MRP-Estatisticas-20150831.zip, acesso

em 10/09/2015

Page 42: Problemas no Ressarcimento do Investidor Prejudicado no Direito Brasileiro - TCC Direito Societário - FGV - revisto 08MAR2016

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7. DECLARAÇÃO DE REGULARIDADE

Eu, Pedro Martins de Barros Neto, aluno do Curso de Direito Societário, do

Programa de Pós Graduação Latu Sensu da Direito GV, declaro para os devidos fins que o

trabalho intitulado PROBLEMAS NO RESSARCIMENTO DO INVESTIDOR PREJUDICADO

NO DIREITO BRASILEIRO não constitui plágio ou autoplágio, tal como definidos pela

legislação de direitos autorais em vigor no Brasil e no Código de Ética da Direito GV.

Declaro ainda estar ciente de que, conforme descrito em mencionado Código de

Ética, na hipótese de ficar em evidência qualquer forma de plágio ou autoplágio, assegurada a

oportunidade de defesa, fico sujeito às sanções definidas pelo referido Regulamento, incluindo

a possibilidade de desligamento compulsório da instituição sem qualquer restituição.

São Paulo, 30 de setembro de 2015.

Pedro Martins de Barros Neto

Código do aluno: 315884