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DISSERTAÇÃO INAUGURAL
P a r a acto grande na escola medico cirúrgica do Porto
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PORTO Typ. de Antonio José da Silva
Rua do Calvário n.0 36 1877
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^Eschola não responde pelasífloutrinas expendidas'na^r'** ,S ' '^*^ ertaçSo e enunciadas nas proposições.
(Regulamento da Eschola de 23 de abril de 1840, art. 155.»
E S l l i IDICO-iifiGIGA 00 PORÍO DIRECTOR
O ILL.™ E m . ™ Still. CONSEIBEIRO, MANOEl HAltIA H COSTA LEITE SECRETARIO
O I H , ™ E E K . m » SUR. ANTONIO D'AZEVEDO MAIA
OORPO O A T H E D R A T I C O
LENTES CATHEDRAT1COS
Os III.»0' e Exc.0"8 Snrs. 1." cadeira—Anatomia descri-
ptiva e geral João Pereira Dias Lebre. 2.a cadeira—Physiolngia . . Dr. José Carlos Lopes. 3.a cadeira—Historia natural
dos medicamentos. Materia medica João Xavier d'Oliveira Barros.
i:'° cadeira—Pathologia externa e therapeutica externa Antonio Joaquim de Moraes Caldas.
5.3 cadeira—Medicina operatória Pedro Augusto Dias.
6.a cadeira—Partos, moléstias das mulheres de partos e dos recem-nascidos . . Dr. Agostinho Antonio do Souto.
7.a cadeira—Pathologia interna e therapeutica interna. . Antonio d'Oliveira Monteiro.
8.a cadeira—Clinica medica . Manoel Rodrigues da Silva Pinto. 9.a cadeira—Clinica cirúrgica. Eduardo Pereira Pimenta. I0.a cadeira—Anatomiapatho-
logica Manoel de Jesus Antunes Lemos. ll .a cadeira—Medicina legal,
hygiene privada e publica e toxicologia geral . . Dr. José F. Ayres de Gouvêa Osório.
12.a cadeira—Pathologia geral, semeiologia e historia medica Illidio Ayres Pereira do Valle.
Pharmacia Felix da Fonseca Moura.
LENTES JUBILADOS
Secção medica.
Secção cirúrgica
Secção medica.
Os IU.mM e Exc.,nM Snrs.
ÍDr. José Pereira Reis. Dr. Francisco Velloso da Cruz. Visconde de Macedo Pinto. José de Andrade Gramaxo.
í Antonio Bernardino d'Almeida. ! Luiz Pereira da Fonseca. ' Conselheiro, Manoel M. da Costa Leite.
LENTES SUBSTITUTOS
l Antonio d'Azevedo Maia. " j Vago.
Secção cirúrgica . í f g u s t o H e n r i ( I u e d ' A l m e i d a B r a n d a o -} Vago.
LENTE DEMONSTBADOR
Secção cirúrgica . Vago.
Na historia do espirito humano o momento actual offerece um espectáculo único de enorme crise e de grave interesse philosophico.
Duas grandes questões encaradas na sua maxima generalidade absorvem todas as faculdades e actividade de que o homem pode dispor : é por um lado a questão scientiflca levantando todos os problemas da intelligencia, todas as mysteriosas revelações da natureza, todas as incognitas do presente e do passado, e applicando-lhes para as resolver a frieza inexorável d'uma critica systematica e forte ; é pelo outro a questão religiosa, debatendo-se nas convulsões d'uma agonia immensa, e procurando salvar d'aquella terrível demolição o thesouro das crenças em que a humanidade tinha concentrado o trabalho de muitos séculos. Entre uma e outra não medeia um palmo só de terreno aonde o espirito se acolha á espera da luz que ha de illumi-nar os horizontes d'essa arena pejada de ruinas, porque nem sequer é permittida a indifferença.
Eram dois mundos muito distinctos, o das scien-cias naturaes e o das sciencias moraes, históricas e lit-terarias. Tmha cada um seus astros : Newton, Galileu, Bichat, Lamarck, para o primeiro, Chateaubriand, Fe-nelon, Bossuet para o segundo. Mas um dia as suas
orbitas principiaram a approximar-se, e, no momento em que se penetraram, os que haviam chegado até aos confins d'um e d'outro sentiram brotar uma multidão de consonancias e accordes que até ahi não tinham pressentido: era que uma mesma força vibrava em ambos elles harmonias cuja combinação se tornava estranhamente sublime. Uma fatalidade os tinha separado primeiro, outra os approximava agora : era mister que se fundissem para que o espirito que pairava sobre um voasse livremente atravez do outro.
D'aqui a lucta que se tem ferido entre ambos para decidir qual d'elles teria maior parte na obra de regeneração a que se ia proceder.
No que até hoje se tem passado a victoria cabe sem contestação ás sciencias naturaes que dispunham sobretudo d'uma arma muito mais forte e exclusivamente sua ; —o methodo. Venceram, é certo ; e, quando um diaellas apontarem á humanidade as paginas da nova Biblia que a esta hora se está escrevendo, o futuro , dirá se usaram prudentemente d'aquella vantagm ras-Vx gando despiedadamente a antiga.
Nenhum dos domínios da intelligencia ficou estranho ao movimento de renovação que a concepção nova da natureza ia operando : a historia, as artes, as lin-
guas, as lettras, a economia social, a philosophia tiveram de reformar completamente os seus mojdes. Em todos os pontos da circumferencia se repercutiu, partindo do centro, o impulso unitário que, propagan-do-se de camada em camada, as ia successivamente demolindo para deixar apoz si a pacificação e a harmonia. ^ !!** U- 1
Filho d'uma Escola onde as grandes ideas biológicas modernas teem encontrado sábios interpretes e sectários convictos cedo tive o prazer de ser iniciado n'aquelle movimento ; e desde então o tempo que me crescia dos estudos e applicações practicas indispensáveis votava-o a retemperar o espirito no conhecimento dos princípios que deviam completar, defimndo-a, a minha educação scientiflca.
É um d'esses estudos de confecção intentado sobre as ideias dos auctores adiante mencionados que tenho a honra de submetter como prova final á appreciaçao dos meus illustres professores ; e a mão que traça estas linhas, noviça de mais para deixar de ser atten-dida, não desdenha eslender-se e pedir a benevolência que merecer.
Porto 14 de Junho de 1877.
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Para comprehender o principio da heretarieda-de em toda a plenitude do seu immenso e mysterioso poder o espirito precisa remontar na serie das gerações, seguindo pecientemente a linha das causas, visto que dos elementos que compõem o animal não ha um só que não tenha um passado mais ou menos remoto e, portanto, uma historia de que cada um dos antepassados escreveu uma pagina.
Isolado dos que o precederam na scena da vida o ser actual seria perante o espirito philosophico e a analyse scientifica uma entidade inconsistente e verdadeiramente enigmática, uma emergência incomprehen-sivel na unidade phenomenal da natureza. O segredo da sua existência, a sua razão de ser tal qual é será
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forçoso pedil-a ás gerações que passaram, porque foram ellas que, accumulando progressivamente o pro-ducto do seu trabalho lento e muitas vezes inconsciente e transmittindo-o d'umas ás outras, talharam o molde em que se vasaram as formas do seu ultimo representante e orientaram as funcções d'um organismo que, como veremos, é apenas a continuação do seu.
No fundo de toda a existência individual não podemos deixar de reconhecer que existe como factor de primeira ordem um elemento hereditário. Esta verdade, que é hoje familiar áquelles mesmos que são medianamente versados em sciencias naturaes, adquiriu todo o relevo e importância que merece desde que a biologia entrou no novo caminho de theorisação a que a conduziram as grandes concepções formuladas no decurso do século actual. Em quanto a hypothèse das creações especiaes dominou na sciencia, cada espécie animal representava a incarnação d'um pensamento creador, e a origem das formas orgânicas era explicada por processos sobrenaturaes, em cuja contextura não entrava um único facto positivo. É de ver que em tal concepção a hereditariedade tinha um papel extremamente insignificante a representar, sendo antes olhada como uma curiosidade mysteriosa sobre que se exercia o sentimentalismo, do que como um agente natu-.ral de primeira importância. Contrariamente a esta opinião e theoria mecânica, olhando as formas da na--tureza orgânica ou anorganica como productos necessários das forças naturaes.. dá uma ideia profundamente verdadeira do phenomeno de que nos occupa-mos.
Em virtude d'uma necessidade d'adaptaçao a um
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certo meio uma particularidade orgânica surge n'um ou mais indivíduos d'uma geração. É indecisa, rude, grosseira, imperfeita na forma e no trabalho que executa, mas, constituindo já para o animal uma certa superioridade, elle dar-lhe-ha um largo uso, aperfei-çoando-a. A geração seguinte recebe-a em herança moditicada por todo o trabalho d'organisaçao que a geração precedente exerceu sobre ella, e, continuando a viver no meio que a necessitara, aperfeiçoal-a-ha ainda. Volvidas mais algumas gerações o que na primeira era vago e sem expressão ter-se-ha tornado preciso e caracteristico : o desenho é ni tido e firme, e a fancção, desenvolvendo-se em especialisação progressiva e correspondente com o estado orgânico, é perfeita e exclusiva. .
As modificações assim accumuladas durante esta evolução que um órgão percorre, progredindo no sentido d'uma maior especialisação e complexidade, operam muitas vezes uma verdadeira transformação, por forma que á primeira vista seria impossível considerar as foimas extremas como membros d'uma progressão, de que allas são effectivamente os termos últimos. D'aqui a necessidade evidente de empregar no estudo d'um órgão todos os recursos da analyse para descobrir os vestígios da sua profissão atravez das eda-des, para decifrar todos os signaes que a vida lhe gra* vou.
Foi esta noção fundamental que serviu de base á afflrmação em que a biologia moderna condensa os resultados obtidos por um trabalho infatigável no campo da embryogenia, da paleontologia, da philologia, e que acará sendo uma das conquistas mais assombro-
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sas da intelligencia, a saber ; todas as espécies orgânicas foram produzidas pela acção combinada de duas grandes actividades vitaes, — e adaptação e aheredita-ricedade. Encarada debaixo d'esté ponto de vista a hereditariedade deixa de ser um facto vulgar e sem importância momentosa para se tornar um dos prin-cipaes factores da lei d'evoluçâo ; a força que accumu-lando as pequenas differenças produz effeitos em desproporção apparente com as causas primitivas.
Fixemos o sentido d'estas palavras. Em que consiste a lei d'evoluçâo ? O que deve entender-se por especialisação e cemplexidade crescentes? Como inter-veem estes princípios na formação do elemento hereditário?
A lei d'evoluçâo pode reputar-se hoje diíinitiva-mente estabelecida e universalmente acceite como uma das grandes concepções philosophicas do século XIX. Esboçada por Goethe, Oken e Treviranus, elevada depois por Lamarck á cathegoria d'uma verdadeira theoria scientifica independente, alla attingiuo seumais elevado grau de generalisação e rigor lógico quandoDar-win, formulando a theoria da selecção, poz em relevo a sua causa principal, isto é, demonstrou quaes eram as causas efficientes das modificações invocadas até então somente o titulo de factos.
D'uma maneira geral a lei d'evoluçâo pode for-mular-se assim : — toda a força produzindo mais d'um eííeito, quando actua sobre um aggregado material, este tende a passar d"um estado simples, homogéneo, incohérente, indefinido, a um estado mais complexo, mais heterogéneo, mais cohérente, mais definido. Toda a evolução é portanto uma integração. Tal é, na ordem
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astronómica a passagem da nebulosa primitiva quasi homogénea ao nosso systema solar com os seus pla
netas e satellites, tão diversos em densidade, em ve
locidade, em distancia ao centro ; na ordem geológica a passagem da massa ignea primitiva, relativamente homogenia, á terra actual, cuja superfície por si só nos parece tão heterogénea ; na ordem biológica, a passa
gem da organisação inferior das edades primitivas ás floras e faunas multiformes da edade actual ; na or
dem psychologica, a passagem das formas syntheticas e embryonarias do espirito a estados cada vez mais analyticos e complexos ; na ordem social, a passagem das sociedades simples dos primeiros tempos às so
ciedades tão complicadas e heterogéneas da nossa epo
cha ; na ordem histórica, o desenvolvimento das lín
guas, das artes mecânicas, das bellas artes, e a sua subdivisão em géneros cada vez mais numerosos.
É, como se vê, uma theoria grandiosa que abran
ge n'uma concepção única o domínio inteiro dos conhe
cimentos humanos. O seu mérito, porém, não consiste somente cm abranger um grande numero de factos e douctrinas parciaes; o que verdadeiramente lhe dá um caracter irresistível de legitimidade lógica é ter toma
do para base um princípio experimental, seguindo pos
teriormente nas suas operações um methodo objecti
vo, scíentífico, — o dos naturalistas. O princípio que a theoria da evolução adopta para
base do seu systema é o da conservação da energia, ou, expresso por outras palavras, da persistência da força, Os princípios de uniformidade de lei e equiva
lência das forças, os de rhythmo constante de movi
mento e direcção d'esté no sentido da mais fraca re
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sistencia, os de continuidade de movimento e indestru-ctibilidade da materia, que, ou dimanam d'aquelle como consequências, ou o representam debaixo d'outra forma, constituem com elle os alicerces de todo o conhecimento geral, os primeiros principies de todos os phénomènes especiaes, como da uniformidade geral de suecessão manifestada pelo conjuncto geral da natureza, a expressão mais profunda, emflm, da lei de casualidade. (1)
A simples enumeração d'estes principies revela desde logo o ponto de vista mecânico debaixo de que é concebida a theoria, e, n'este sentido ainda, importa observar que elles, dominando as mudanças dos objectos e suas partes, as quaes são reconhecidamente constituídas por novas combinações da materia que os compõe e por uma destribuição nova das forças que os animam, imprimem-lhe uma direcção necessária e fatal. Esta direcção, por ultimo, ou é n'um sentido de progresso, isto e, de natureza a produzir uma integração com augmente do numero e diversidade das partes, ou de degradação motivada por uma desintegração com diminuição do numero e diversidade das partes, segundo as força externas são ou não de natureza a destruir a cohesão do aggregado, restituin-do-as á sua independência primitiva. A constituição do aggregado, portanto, e a sua conservação são soberanamente dominadas pelas forças incidentes. Ou as partes que o compõem, recebem d'ellas um impulso egual.
(1) A. Bain — Logique inductive et deductive -- Tom. il pig. 33.
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uma orientação commum em velocidade e movimento, e se grupam n'um todo homogéneo, isto é, se integram, ou são animadas de movimentos dissimilhantes em direcção e intensidade, e se separam em grupos heterogéneos, isto é, se desintegram.
No domínio da biologia, onde a theoria da evolução é já agora uma conquista indiscutível, a revolução operada por um tal systema philosophico agitou desde os alicerces a sciencia da vida. A dependência, que acabo de consignar entre o aggregado e as forças externas, adquire aqui uma importância capital, fazendo do aggregado vivo uma funcção das condições ambientes ; por forma que esta única consideração basta a caracterisar o phenomeno essencial da biologia. M. H. Spencer defme-o assim : — a vida é um conjuncto de mudanças simultâneas ou successivas, organisadas em vista d'um íim determinado e correspondentes ás cir-cumstancias externas; ou, mais resumidamente, — é a adaptação continua das relações internas ás relações externas. (1) O modo como até aqui se encarava este phenomeno tão importante, a concepção que d'elle se fazia, concepção que umas vezes era de todo inadmissível por envolver idêas extra-scienlificas, outras demasiadamente incompleta, porque não attingia a essência do phenomeno, e sempre incapaz de prestrar um solido apoio á sciencia de que era, por assim dizer, a pedra angular, foi completamente derrocada. Toda a intervenção de agentes subrenaturaes de qualquer ordem foi banida, todo o elemento incognoscível supprl-
(1 ) H. Spencer — Principes be Biologie. Tom. i, cap. iv e v. 2
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mido,toda a idea de finalidade proscripta. E, revestin-do-se assim d'um caracter de positividade, o único que pôde convir ao espirito scientiflco, a theoria evolutiva consegue dar da vida uma definição que, longe de apresentar um caracter abstracto e systemalicamente forçado, é pelo contrario o resultado legitimo e único a que pôde conduzir a analyse guiada até ás suas ultimas consequências pelas regras seguras da lógica.
Na formula, que precede, o philosophe inglez exprime o mais nitidamente que é possível as duas idéas culminantes do phénomène vital: —a evolução que faz entrar esse phénomène no conjuncto geral do universo, e a adaptação que, dependendo essencialmente da nutrição, é constituída por uma operação d'equili-bração entre as relações internas e as influencias externas, extremamente característica da flexibilidade e mutabilidade vitaes. Applicada ao individuo ou á espécie ella dá a lei do cyciod'existencia que nós associamos nas nossas concepções á idea d'individualidade, suppondo que todo o individuo vivo provém de outro da mesma natureza, e que toda a existência individual tem um fim necessário apôz uma carreira determinada. Exprimindo uma successão d'estados de equilíbrio movei que tendem ao equilíbrio completo, dá a chave da infinita variedade de gradações sob o ponto de vista de volume, de complexidade e de structura que os seres vivos atravessam no curto espaço da sua existência individual, ou durante os longos séculos da sua existência especifica.
Na exposição que precede era minha intenção mostrar até que ponto um estado do organismo tem por condição d'existencia um estado anterior de que
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diffère por um grau mais elevado de desenvolvimento com differenciação, e como, em virtude da acção reciproca dos órgãos e das funcçoes, um augmento d'es-tas sollicitado por uma excitação externa é favorecido pela capacidade que teem aquelles de crescerem e des-envolverem-se. A cada modificação adaptiva corresponde, por assim dizer, uma reconstrucção geral da structura interna com uma polarisação nova das forças que a manteem, a qual persistirá em quanto persistirem as condições que a determinaram. Conformemen-., te á sua definição de vida M. Spencer considera o individuo como um todo concreto realisando per si próprio o accordo das suas relações internas com as suas relaçães externas, de maneira a manter a propria existência. Á hereditariedade pertence fixar as mudanças successivas correspondentes a novos estados d'equili-brio das unidades physiologicas, dando a um organismo novo uma forma impressa de uma modificação nova.
D'aqui a intima connexão que prende a evolução e a hereditariedade como factores necessários de toda a transformação orgânica persistente. Uma sem outra, ou não se comprehende, ou perde todo o valor scien-tiflco.
Imagine-se a evolução sem a hereditariedade. As modificações orgânicas ou dynamicas que se vão suc-cedendo no individuo, embora o habito as fixe, desap-parecem com elle : os seus descendentes terão de recomeçar ao nascer um trabalho de accommodação que pode prolongar-se durante toda a sua existência, mas que não aproveitará a mais ninguém. A vida consu-mir-se-hia assim n'uma lucta improfícua e sem tre-
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guas, e o cyclo das gerações offereceria, em vez do progresso que nos assombra, uma estabilidade inquebrantável que nem mesmo podemos comprehender.
lmagine-se a hereditariedade sem a evolução. Os mesmos typos reproduzir-se-hiam indefinidamente. Organismo e funcções, offerecendo a mesma estabilidade passariam de pães a filhos immodificados e sempre os mesmos. Em vez da multiplico variedade de formas e aptidões uma uniformidade geral e monótona.
Bastarão estas considerações para fazer comprehender o papel que na historia da vida desempenha o elemento hereditário. Para o descobrir seria forçoso seguir em meandos inextricáveis esta actividade, cujas vibrações diminuindo progressivamente de amplitude produzem accordes cada vez mais puros; seria necessário discriminar no seu materialismo subtil este laço que prende as gerações ás gerações, fazendo commún-gar a ultima da vida obscura ou ruidosa de primeira.
É n'este trabalho Ímprobo de critica paleontolo-gica que se acha empenhada a biologia moderna desde que o darwinismo fez derivar a unidade e continuidade do mundo orgânico da mutabilidade e da selecção natural, da adaptação e da hereditariedade. E com tal rapidez se teem succedido os estudos e averiguações positivas que a theoria da selecção natural, apresentando sob a forma de leis as series de phenomenos, nos faz conhecer desde já as causas e effeitos da hereditariedade e da adaptação. Desde que o naturalista guiado pelo principio da hereditariedade seguiu nos différentes typos de desenvolvimento o legado hereditário, o campo da biologia foi illuminado por uma nova luz, e uma grande parte dos phenomenos até ahi inexplica-
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dos encontraram uma triuraphante interpretação. Para não recordar senão os principaes eu citarei apenas os órgãos rudimentares, que por muito tempo foram o desespero de todas as lheorias teleológicas, e os factos de desenvolvimento sem metamorphoses, de transformações e de alternâncias de geração, que todos se referem mais particularmente ás funcções de reproduc-ção e desenvolvimento.
Eu não me proponho estudar o elemento hereditário, seguindo o desenvolvimento historico-paleonto-logico do homem : além de ser um propósito louco da minha parte, seria totalmente alheio ao meu fim. Eu desejo simplesmente accentuar a sua importância na vida do individuo, pol-o em relevo, tornal-o bem distincte, e, se não me engano, os elementos que coordenei são sufiBcientes para isso. Vejamos. O individuo é o producto do meio em que vive, e como este obedece á lei geral d'evoluçao, aquelle bade necessariamente acompanhal-o n'este movimento de variação, collocando-se em equilíbrio com as novas influencias que se vão succedendo. Ou a adaptação, ou a morte, diz Gazelles. Cada uma das novas variações produzirá uma nova destribuição das forças incidentes no interior do organismo: da parte d'esté,portanto, ha uma reacção funccional equivalente, que se manifesta e é assegurada por uma funcção e um apparelho especiaes. Mas, por mais rápido que seja este movimento d'equi-libração, nunca a vida d'um individuo será sufliciente para o realisar completamente, e, para que não se perdesse o trabalho adquirido era necessário que interviesse uma actividade différente da que elle havia
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utilisado para conseguir a adatapçao ; uma actividade em virtude da qual elle transmittisse e fixasse.
Só com esta condição se realisará a lei do progresso, de que o elemento hereditário é condição essencial, fornecendo de geração em geração uma causa physica d'aperfeiçamento. Para subir na hierarclna da evolução o ser vivo precisa apoiar-se em degraus cada vez mais sólidos: a linha que o representa na historia, antes de attingir o colorido reforçado das ultimas eda-des, tem de passar por todos, os cambiantes indecisos das primeiras.
Para adduzir um exemplo da importância que no estudo de qualquer manifestação vital merece o subs-tatum hereditário, eu tomo uma das hypotheses mais palpitantes da actualidade, a da génese do pensamento, professada em Inglaterra por MM. H. Spencer, Lewes e Murphy, hypothèse a que os estudos de MM. Maudsley, Carpenter e Bain, em Inglaterra, de Wundt e Helmholtz, na Allemanha, de Taine, em França, e tantos outros, fornecem de dia para dia uma confirmação a mais. É uma das questões mais delicadas que se lêem suscitado no campo das investigações modernas e que empenha para o fim d'uma resolução definitiva a actividade dos homens mais eminentes da nossa época. Por outro lado ainda é certo que, tendo-a por verdadeira, ella concede á hereditariedade um papel tão culminante, que eu, estudando o elemento hereditário na historia da vida, pensei dever apresental-a, ainda que mui succintamente.
Estabeleçamos em primeiro logar as bases do raciocínio.
Dos estudos e observações de M. Wundt, Peisse
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e Moreau (de Tours) resulta como verdade incontestável que todo o estado psychologico, qualquer que seja, tem sempre por condição e antecedente um estado physiologico. «A necessidade lógica e a necessidade mecânica différera, não na essência, mas simplesmente na forma porque as consideramos. O que é dado pela analyse psychologica como uma continuidade de operações lógicas, è dado pela analyse physiologica como uma continuidade d'effeitos mecânicos... O mecanismo e a lógica são idênticos. Um e outro não são mais do que formas d'ura conteúdo idêntico na essência.»(1) Esta aflirmação, porém, tão pouco duvidosa eraquanto se refere aos phénomènes de percepção, de memoria e d'imaginaçâo, offerece, quando se tracta dos phe-noraenos superiores do pensamento, — comparação, abstracção, generalisação, juizo, raciocínio, etc., algumas difflculdades. M. Maudsley parece ter resolvido definitivamente a questão, observando que nós não podemos pensar sera as palavras, isto é, sera o signal; e d'esta forma, sendo o signal uma espécie d'imagem dependente do cérebro, as reflexões mais abstractas, desde que carecera necessariamente d'elle, suppoem um estado cerebral correspondente.
Por outro lado os trabalhos dos Drs. Laycock,(2)
(1) Wundt — Menschen und Thiersede ^ c i t . por M. Bi-bot.
(2) Veja-se sobre todo este assumpto um interessante artigo publicado por M. T. Laycock na Revue scientifique de 1876 n.0 6 e 8 sob a épigraphe «Les lois de la mémoire peisonelle et ances-trale», onde além de numerosas -vistas theoricas se encontram frequentes applicações á pathologia mental.
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Carpenter, (1) e Luys (2) estabeleceram que o cérebro possue também uma actividade automática que lhe é propria e que elles designaram sob o nome de «cere-bração inconsciente», d'onde resulta que todos os phe-nomenos psycliicos de qualquer cathegoria, quer os phenomenos de sensibilidade, quer os modos de ser intellectuaes (percepção, memoria etc.), quer as operações lógicas (juizo, raciocinio), podem exercer-se sem a intervenção da vontade ou da consciência, constituindo verdadeiras acções reflexas que Huxley chama artificiaes em opposição ás que são proprias da espinal-medulla, que elle denomina naturaes. Interpretando a expressão de reflexos artificiaes Huxley diz: (3) a-c'est-à-dire qu'une action peut exiger tout no-pre attention et toute notre force de volonté quand nous l'exécutons pour le première, la seconde ou la troisième fois; mais si elle est souvent répétée, elle finit par faire, pour ainsi dire, partie de notre organisation, et s'accomplit sans intervention de la volonté, sans même que nous en ayons conscience». O mesmo acontece nos estados mentaes : si deux états mentaux quelconques sont provoqués simultanément ou successivement un certain nombre de fois et avec une certaine vivacité, il suffit plus tard que l'un d'eux se produise pour provoquer l'autre, et cela indépendement de notre volonté». Sem me demorar na apreciação d'estes phenomonos inconscientes e do papel que elles desempenham na vida
(1) W. Carpenter — Principles of human physiology — 6.' edição, cap. xi, § 430 e seguintes.
(2) Luys — Le cerveau — cap. m. (3) Huxluy = Physiologie élémentaire — pag. 285.
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do homem, assumpto que foi ainda ha pouco tra-ctado a uma grande altura, (1) eu direi simplesmente que esta transformação de movimentos e estados men-taes, que primeiro eram voluntários, em movimentos e estados mentaes automáticos secundários, como lhes chama Hartley, ao mesmo tempo que constituem uma superioridade para o animal, por que dão logar a uma actividade mais coordenada e portanto mais perfeita, só podem ser devidos a um trabalho gradual d'orga-nisação, attestando sempre uma accumulação de poder. Por esla forma as duas asserções, que acabo de enunciar, completam-se mutuamente.
Posto isto vejamos como se formula a hypothèse; e, para ter a certeza de me exprimir convenientemente, eu tomo as palavras do próprio auctor.
Para M. Spencer (2) as faculdades geralmente admittidas, — instinclo, memoria, razão, etc., são apenas um meio commodo de grupar e designar os phénomènes, mas não correspondem a diflerença alguma real: verdadeiramente essas faculdades constituem uma série, apresentando d'uma para outra classe transições insensíveis. Para chegar ao estado actual o espirito teve de percorrer todos os degraus que constituem essa série, progredindo n'uma evolução ascendente de que o instincto representa um dos primeiros momentos.
Para o instincto não ha que duvidar; resulta evidentemente d'uma somma d'habitos hereditários. To-
(*) É, d'Hartman — Philosophie de l'incouseient. (2) Herbeit Spencer — Principes de psychologie.
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memos, diz M. Spencer, um animal aquático d'ordem inferior, munido d'olhos rudimentares. Esta visão nascente, sendo apenas um toque antecipado, não permit-tirá ao animal apreciar a passagem dos corpos opacos na agua senão quando elles estiverem muito perto dos olhos. Por consequência, na maior parte dos casos, esses corpos serão postos em contado com o seu organismo e produzirão assim uma sensação tactil, que será seguida de contracções. Assim nos animaes d'esta espécie haverá constantemente esta successão: uma impressão visual, uma impressão tactil, uma contracção. Se agora admittirmos que estados psychicos, que se seguem constantemente um ao outro, n'uma certa ordem, se prendem cada vez mais estreitamente n'essa mesma ordem de maneira a tornarem-se inseparáveis, segue-se que, se na experiência d'uma raça inteira .d'organismos, uma impressão visual, uma impressão tactil e uma contracção forem continuamente repetidas debaixo d'esta forma successiva, os diversos estados nervosos serão tão solidamente relacionados que o primeiro não poderá produzir-se sem que os outros o sigam necessariamente.
Supponhamos agora no animal uma visão mais perfeita. Os mesmos corpos serão vistos a maior distancia e os mais pequenos quando estiverem mais próximos. Ou não haverá collisão, ou será muito ligeira, sendo produzida pelo objecto mais pequeno que está mais proximo, e por consequência não haverá uma contracção forte, mas uma tensão parcial dos músculos, como a do animal que vae agarrar a presa. Assim — uma impressão visual, uma tensão dos músculos. O ultimo çstado permitte ao animal ou apoderar-se de
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um objecto pequeno, se está proximo, ou entrar na concha,- ou produzir movimentos convulsivos para escapar a um inimigo.
Por ultimo supponhamos um desenvolvimento mais completo da visão e o habito de mover-se na agua. De todos os corpos que giram em torno d'elle os que lhe fazem maior impressão são os que vêem de face : primeiro vê-os, depois toca-os, e esse contacto traz-lhe muitas vezes para perto da cabeça ou dos órgãos tácteis alguns pequenos corpos, que podem servir d'alimento. Excitação dos nervos da retina, excitação dos nervos dos órgãos de prehensão, excitação d'um conjuncto especial de músculos, eis a ordem da suecessão d'esses três estados psychicos. Pela sua repetição em gerações sem numero elles devem relacio-nar-se tão intimamente que o primeiro evoca necessariamente os outros.
«Jd donc, nous voyons comment un instinct des plus simples, sous les conditions requises, s'établira par me accumulation d'expériences.... qu'on accorde que cette tendence est héritée qoique à un degré très-faible, de sorte que, si les expériences restent les mêmes, chaque génération successive legue um tendance quelque pen augmentée, il en résulte que, dans les cas semblables à celui que précède, il doit s'établir une connexion automatique d'actions nerveuses correspondant aux relations externes perpétuellement expérimentées. (1)
(1) Herbert Spencer — Principes de psychologie = § 198.
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Para as formas superiores do pensamento um raciocínio análogo conduz aos mesmos resultados. O attribute de duração encontra-se no fundo de todos os grupos de phenomenos, o de extensão no de quasi todos, a relação de causalidade no do maior numero, e, sendo assim, devem repetir-se milhões de vezes na vida d'um individuo/e por conseguitite tender pela experiência a tornarem-se orgânicos. «De même que l'établissement de ces actions reflexes composées, que nous appelons instincts, est explicable, par ce principe que des relations internes s'organisent par une perpétuelle répétition, de façon a correspondre à des relations externes, de même l'établissement de ces relations mentales instinctives qui constituent nos idées de temps et d'espace, est explicable par le même principe. Si, même pour des relations externes qu'un seid organisme a éprouvées, il s'établit des relations internes qui sont presque automatiques... alors, il doit arriver que, s'il y a certaines relations qui ont été expirementées par tous les organismes quels qu'ils soient; relations éprouvées en même temps que toute autre expérience; relations qui sont absolument constantes, absolument universelles, — il s'établira graduellement dans l'organisme des relations qui sont absolument constantes, absolument universelles. Telles sont les relations d'espace et de temps Étant les elements constants et infiniment répétées de toute pensée, ils doivent devenir les elements automatiques de tout pensée, — les elements de la pensée dont il est impos-
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sible de se défaire, — les formes de l'intuition.» (1) As formas do pensamento, como as formas da
vida são evoluções, não preformações. Se é certo que constituem as leis da experiência, é certo também que são o resultado da experiência; — são o resultado da experiência da raça e não da experiência individual ; são emíim o producto da hereditariedade.
Não lia muito que um pbysiologista notável disse que se um dia fôr permiltido a um ser humano penetrar e comprebender as incognitas desesperadoras que se lhe deparam, esse ser, herdeiro dos progressos ac-
(1) H. Spencer — Principes de psychologiá — pag. 208. Para mais auctorisar eata idea cuja exposição eu tive de fazer o mais resumidamente possível seja-me permiltido citar as palavras de dois escriptores de provada competência. «Seres vouloir affirmer que l'espace et le temps sont en eux-mêmes de pures f<lrmes> conçues par l'esprit sans aucune rapport avec les choses particulières qui sont étendues et qui durent, M. Spencer prétend que ces notions ont acquis ce caractère abstrait par suite d'une transmission héréditaire.» Bain — Logique deductive et inductive —vol. i, pag. 340. 0 auctor admitte completa-nente este modo de vêr.
« Tout le monde admet que les connaissances ne peuvent se transmettre d'une génération à l'autre, mais on reeonnait qu'il est possible d'hériter d'une aptitude plus grande à acquérir soit les connaissances en général, soit un certain genre de connaissances. Ces tendances et ces aptitudes prendront plus de force, d'expansion et de durée à chaque génération nouvelle, par l'habitude de s'exercer sur les matières que leur fournira une experience toujours croissante, et ainsi les habitudes acquises, produits par la culture intellectuelle des siècles, deviendront une seconde nature pour tous ceux qui en hériteront' M.Carpenter—Discours présidentiel dans l'associSt'ion britannique. Congrès de 1872—Revue scientifique — 1872-73, pag. 199.
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cumulados durante milhares d'annos deverá ser infinitamente superior a nós mesmos e viverá sem duvida n'uma edade em que o pó de todas as raças actuaes estiver de ha muito disperso. Talvez assim seja. O que é certo é que ao nascer o homem não é a estatua virgem d'impressôes de que fallava Condillac, não é uma folha de papel em branco onde a experiência venha gravar as suas acquisições. Não; no seu organismo dormita a experiência de gerações sem numero ; o seu todo é o resumo d'um vasto conjuncto d'associaçôes, cuja historia não deve ser olvidada.
O grande mérito da escola evolucionista consiste em não acceitar o individuo como um typo creado de uma vez para sempre com lodos os seus attributos pbysicos e moraes: partindo d'esté principio o seu grande empenho é submettel-o a um processo minucioso d'analyse, desfazel-o camada por camada para reconstituir a sua historia.
O que d'esta grande obra se acha realisado basta a fazer comprehender o largo papel que coube á hereditariedade.
II
Toda a modalidade statica ou dynarmca, physio-lógica ou patliologica, innala ou adquirida, que affecta um organismo durante toda ou uma grande parte da sua existúacia, é susceptivel de se reproduzir nos seus descendentes. Abundam em numerosos livros, e principalmente nos de P. Lucas (1) e Darwin (2) factos em apoio d'esta asserção.
D'aqui resulta para o principio hereditário um primeiro caracter, que é ao mesmo tempo um dos mais salientes, — o de universalidade d'acçao. (3)
(t) P. Lucas — Traité de l'hérédité naturelle. (2) Ch. Derwin — De la variation des animaux et des plan
tes — Cap. XII e seguintes. (3) H. Spencer — Principes de biologie — pag. 288.
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Em quanto que um exame attente dos phénomènes hereditários e o conhecimento das leis biológicas não tinham illucidado sufficientemente a natureza dos legados e a linha de transmissão, que haviam seguido, muitos naturalistas circumscreveram notavelmente o poder da hereditariedade, chegando alguns até negar completamente a sua intervenção. Foi assim que tomaram corpo e vogaram até ha muito pouco tempo as opiniões que, ou admittiam que a hereditariedade se applicava somente aos principaes caracteres e não aos pormenores de structura, ou sustentavam que, appli-cando-se aos pormenores que constituem as differen-ças especificas, não se applica aos que são menos salientes. Para nós, que estamos habilitados a apreciar as ligeiras restricções que soffre a hereditariedade, concedendo á tendência que o organismo tem para variar, á acção do meio, á acção dos sexos, a parte que lhes cabe na resultante geral do organismo, o principio d'hereditariedade tem um império verdadeiramente illimitado : admittimos sem hezitação que, não sendo annuliada por outras influencias naturaes, a tendência para a repetição se exerce sobre todas as manifestações vitaes.
Importa porém, não perder de vista que é a esta tendência para a repetição, e nada mais que se applica o principio d'hereditariedade. Imagine-se um typo qualquer mórbido ou physiologico assaz preponderante para determinar a direcção d'um movimento organi-sador parallèle em toda a economia. Goncebe-se que a infinita variedade de reacções vitaes assim motivadas desorientaria dentro em pouco o impulso inicial, fazendo surgir do embate de circumstancias fortuitas
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um novo typo, se uma força egualmente poderosa não mantivesse, dominando-a, a linha de direcção d'aquelle movimento. Essa força é a hereditariedade, e a linha que ella traça seria constituída na sua forma ideal por uma successão de pontos idênticos, se a acção d'outras forças a não obrigassem a algumas concessões. Ainda assim cumpre reconhecer que ella domina soberanamente todas as manifestações, que entram na sua as-phera d'acçâo, e, por mais variadas que ellas se nos afigurem na successão dos indivíduos, sempre è certo que todas se acham invencívelmente prezas a uma forma typica. Muitas vezes mesmo a hereditariedade, livre de todas as outras influencias, ou porque as supplan-tou, ou porque ellas deixaram d'actuar, readquire todo o seu império e então aquella forma reproduz-se depois de muitas gerações exactamente com os mesmos caracteres, que tinha quando appareceu, constituindo os numerosos factos d'atavismo. Foi attendendo a esta circumstancia que Goethe designou o poder interno de hereditariedade que mantém a unidade do typo por vis centrípeta. (1)
Quando, decorridas cem gerações, nós vemos reap-parecerem os mesmos caracteres, o espirito pasma deante do enorme poder de fixação e de tenacidade de
. que esta força dispõe, recordando ao mesmo tempo as conceituosas palavras de Virchow a propósito d'um assumpto muito similhante : «se, á imitação do hes-toriador e do pregador, o naturalista costumasse ex
il) Goethe cit. por Haeckel — Histoire de la creation naturelle — pag. 80.
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primir por uma vã ostentação de grandes palavras sonoras phenomenos prodigiosos e únicos na sua espécie, seria occasião de o fazer. » É assmi que a hereditariedade réalisa a seu modo o—nada se perde — que a sciencia d'hoje proclama. Na lucta sem tréguas, que tem a sustentar no campo da vida, ella retra-he-se por vezes, parecendo ter-se aniquilado, mas, no momento opportuno de readquirir os seus direitos) apparece com o caracter de solidez invencível e de persistência obstinada que a distinguem e que, na phrase elegante e profundamente verdadeira de Ribot, a fazem considerar como um d'esses numerosos laços inflexíveis, pelos quaes a omnipotente Natureza nos vincula na corrente da necessidade.
O empenho, que todos os que se teem occupado d'esté assumpto manifestam em fazer sobresahir o caracter de poder essencialmente conservador, indica bem quanta importância elle tem e quão perigoso seria es-quecel-o. A hereditariedade não cria coisa alguma, conserva apenas. Se no decurso da vida nós vemos um caracter ou modalidade qualquer modificar-se progressivamente, caminhando n'um sentido de maior especi-alisação, isso significa simplesmente que a heredita-riedade não é a Única força que actua sobre o organismo. Tudo o que vive tende a variar, realisando uma evolução que lhe é propria, e basta recordar o que eu disse no primeiro capitulo d'esté trabalho acerca das relações da hereditariedade com a evolução para apreciar o que cabe a uma e a outra. É tanto mais para attender esta consideração, quanto que nós sabemos que um certo numero de modificações accumuladas, e tornando-se com o decorrer do tempo orgânicas, são
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a condição de novas modificações, por forma que o confronto d'estas com aquelias faz pensar n'uma potencia creadora. Existe de facto essa potencia, mas è muito différente da hereditariedade ; é a sua antagonista.
No que hei escripto até aqui parece-rae ter definido mais ou menos explicitamente o segundo termo do antagonismo que acabo de apontar: no entanto, como a expressão que empreguei tem sido por mais d'uma vez adoptada para exprimir idèas muito différentes, é de toda a necessidade que eu me explique mais d'es-paço.
P. Lucas, (1) deduzindo a lei d'hereditariedade de considerações metaphysicas, chega á conclusão de que no acto primeiro da creação, e ainda hoje em toda a natureza, existem duas leis que presidem a todo o acto creador, dominando os attributos do objecto creado ; — a lei d'invençao, d'onde resulta o diverso, e a lei d'imitaçao, d'onde resulta o similhante. Referidas uma e outra é procreação, isto é, ao facto do nascimento e ao acto orgânico da geração, ellas devem necessariamente, ao passar por esta fonte, participar d'eila, e, mudando de relações, mudar de nome. «Dans cette transition de la création á la procréation, la loi d'invention devient l'inneité, qui représenté ce qu'il y a d'originalité, d'imagination et de liberté de la vie dans la génération mediate de l'être. La loi d'imitation devient l'hérédité qui represente ce qu'il y a de répétition et de
(1) P. Lucas. — Traite de l'hérédité naturelle. Tom l. s pag-21 e seguintes.
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mémoire de la vie dans la même nature de génération.» (i) No entender pois d'esté auctor a verdadeira antagonista da lei d'hereditariedade é a inneidade, a que elle attribue egualmente o caracter de lei.
Não me demorarei em combater este modo de pensar, a cuja elaboração eu não posso deixar de reconhecer que presidiu um saber profundo guiado pelo desejo de dar uma solução satisfatória a um dos problemas que na edade media agitou mais fortemente a escholastica, e que ainda no século XIX se impunha ao espirito eminentemente philósophico de Lucas; — o problema da individuação. Não só o ponto de vista em que me colloque!, que é o da evolução biológica, me não permitte acceitar como factor de qualquer transformação uma lei différente das de hereditariedade e adaptação, e que além d'isso é nada menos que hypothetica e metaphysicamente deduzida, mas também os argumentos de Lemoine, Ribot e Lorin, demasiadamente conhecidos.são assaz concludentes para não deixar duvida a tal respeito. Comtudo não passarei adeante sem apontar a antinomia que existe entre a noção de lei, que exprime a relação invariável de causa paia effeito, e a inneidade tal como Lucas a intende, isto é, a variação caprichosa e irregrada da natureza. De resto a seguinte passagem de Lemoine (Psychologie morbide) citada por Lorin e Ribot (2) encerra uma apreciação muito exacta d'esté emprego de duas leis, uma d'hereditariedade, outra d'inneidade que se
(1) P. Lucas. O. C. tom. I. pag. 96. (2) Ribot— L'Hérédité — pag. 296.
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supprem mutuamente com uma complacência inexgo-tavel. a Quand l'une est en défaut> et fait courir au système le risque de couler bas, vite on fait intervenir l'autre que sauve tout avec un mot. Un aliéné, est fils d'aliéné, on invoque la loi d'hérédité pour expliquer sa folie. Un idiot nait de parents et descend d'ancêtres tous sains de corps et d'esprit, on invoque Vinnéité. Nous croyons, accrescenta Ribot, avec lui que l'innéité ainsi entendue est une qualité occulte, une explication qui n'explique rien, comme le Quia est in eo virtus dormi-tiva.»
Concluindo eu direi, pois, que universalidade de acção, conservação absoluta, tenaz e indefinida são os attributos essenciaes do principio de hereditariedade, os caracteres com que elle se exerce em qualquer das suas formulas d'acçâo.
As duas classificações, que até hoje se teem feito d'essas formulas, verdadeiras leis empíricas a que se referem os factos d'hereditariedade, revelam nas dif-ferenças, que as separam, os progressos realisados, já pelas investigações experimentaes, já pelas concepções theoricas, no campo dos phénomènes hereditários. A primeira d'essas classificações é exposta por Lucas, 'da maneira seguinte :
I Hireditariedade directa, quando os indivíduos representados são os auctores immédiates;
A — Ambos os pães são egualmente representados
B •—• Um d'elles é-o mais particularmente, e então
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a — a hereditariedade exerce-se entre os sexos do mesmo nome; do pae ao filho, da mãe á filha.
b — a hereditariedade tem logar entre os sexos de nome contrario; do pae á filha, da mãe ao filho.
II Hereditariedade indirecta, quando os individues representados são ascendentes collateraes.
IH Atavismo, quando o individuo reproduz as qualidades d'antepassados remotos.
IV Hereditariedade de influencia, quando reproduz as qualidades de cônjuges anteriores.
A classificação de M. Lucas toma, pois, para base a linha de transmissão do legado, e debaixo d'esté ponto de vista não ha duvida que satisfaz completamente, visto que encerra a formula de todas as direcções. No entanto o seu quadro é por demais circum-scripto, precisamente porque a base que adoptou é li-mitadissima. No estudo do phenomeno hereditário não ha só a attender á relação de parentesco entre o representante e o representado: é um dos elementos de estudo por certo, mas outros ha que sobrelevam em importância para o fim de uma boa classificação, e esses, exprimindo mais de perto a natureza do legado, não só alargam notavelmente a área de classificação, mas ainda fornecem esclarecimentos precisos acerca dos principaes caracteres do phenomeno em si. Uma classificação é tanto mais perfeita quanto mais largo é o circulo que abrange e quanto mais bem determina-
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do é o numero de divisões irreductiveis que encerra. Ora, na classificação que precede, seria desde já pos-sivel fazer uma reducção importante, referindo a dois casos principaes todos os phenomenos de hereditariedade : — hereditariedade immediata e mediata. Comparando ainda os casos d'hereditariedade mediata com certos phenomenos de reproducção conhecidos sob o nome de gerações alternantes, não seria difficil fazel-a entrar nos casos d'hereditariedade immediata, reali-sando assim uma ultima simplificação tendente a fazer considerar a hereditariedade como um cyclo, de que apenas restaria estudar as phases d'evoluçao. Assim, ao passo que se foram restringindo as divisões, a concepção do phenomeno foi ganhando em amplidão, al-tingindo por ultimo uma grande generalidade.
Não é ainda hoje possível codificar em verdadeiras leis de historia natural lodos os casos d'hereditariedade, porque, apesar de numerosos estudos, a complexidade dos phenomenos por um lado, e por outro a ausência d'esclarecimentos sobre assumptos, de que este depende, o não consentem. Dirigindo-se aos seus ouvintes Haeckel dizia-lhes a este respeito : «Je n'aurai donc à vous communiquer au sujet des diverses lois de hérédité que quelques fragments empruntés au trésor, d'une richesse infinie, qui s'ouvre ici avant le savoir humain.-» (1) Não obstante, a melhor exposição, que, quanto a mim, se tem feito até hoje das leis d'here-
(1) E. Hacekel — Histoire dela création naturelle — pag 183.
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ditariedade, é a que este auctor apresenta na sua nona conferencia e que eu adopto n'este trabalho.
Todos os phénomènes d'hereditariedade podem ser hoje referidos a dois grupos muito geraes, desde que se demonstrou que o individuo pode transmittir ao seu immediate descendente as particularidades adquiridas durante a sua vida. Ao primeiro grupo pertencem todos os casos em que a hereditariedade preside á transmissão das qualidades que o individuo recebeu dos ascendentes, ao segundo aquelles em que ella dá logar á de qualidades adquiridas pelo individuo; por forma que o mesmo principio domina phénomènes, que, idênticos na essência, são oppostos quanto ao seu destino ulterior. Expliquemo-nos. Não é certo que a lei d'especialisaçao e complexidade crescente domina todos os phénomènes biológicos ou a sua resultante immediata ? Não é certo ainda que a confirmação d'esta lei depende antes da revolução de muitas gerações, do que de toda a duração da existência individual? Não é certo, por ultimo, que, para que esta condição se realise, é necessário que as gerações comprehendidas dentro do cyclo d'evoluçâo do phénomène particular, sobre que está actuando a lei de es-pecialisação, transmittam d'umas ás outras os progressos realisados n'esse sentido por cada uma d'ellas?A hereditariedade, portanto, desde que assegura a transmissão de qualidades adquiridas, é uma condição de progresso.
Imagine-se agora que, passadas cinco, seis ou mais gerações, em que a lei d'hereditariedade se exerceu em condições favoráveis á lei d'especialisaçao, o phenemeno sobre que se ia operando o movimento
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progressivo surge exactamente como nos primeiros momentos da evolução ou em grau pouco adiantado d'esta. Todo o progresso cessou, ou foi momentaneamente interrompido, e n'este caso a hereditariedade reveste o caracter inflexivel, que já lhe reconhecemos, de principio conservador.
N'um como n'outro caso o principio é o mesmo: os resultados é que variam, e a hereditaridade cha-ma-se no primeiro progressiva, no segundo conservadora.
Occupemo-nos em primeiro logar d'esta ultima. A hereditariedade conservadora encerra como leis
de maior generalidade— 1.° a lei de hereditariedade ininterrompida, — 2.° a lei de hereditariedade intermittente, que também se pôde chamar hereditariedade latente ou alternante,—3.° a lei de hereditariedade sexual, — 4.° a lei de hereditariedade bilateral, — 5.° a lei de hereditariedade abreviada.
A lei d'hereditariedade ininterrompida é de certo a mais geral, dando mesmo logar ao axioma, que é ao mesmo tempo o facto capital da hereditariedade, — o similhante, — ou, como Hajfckel corrige, — o análogo produz o análogo. Em virtude d'ella o pae pa-rece-se egualmente com os avós e com os filhos.
Outro tanto não acontece nos casos d'hereditariedade intermittente, em virtude da qual, como o nome indica, o legado parece saltar por cima d'uma ou mais gerações: o filho, longe de se parecer com o pae, as-similha-se a um membro da segunda, terceira ou mais longínqua geração, por forma que esta lei se apresenta á primeira vista em perfeito antagonismo com a precedente. Não é assim que eu a considero: e era
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outra parte d'esté capitulo, quando esta mesma idêa se me apresentou debaixo d'oulra forma, já eu me pronunciei sobre o sentido, que se lhe devia ligar. A lei d'hereditariedade intermittente, á qual se referem os casos d'atavismo, de gerações alternantes e talvez os d'hereditariedade em epochas correspondentes da vida, poder-sé-ha reduzir á lei d'hereditariedade ininterrom-pida desde o momento em que se prove que o individuo pode reter durante toda a sua vida como caracteres latentes todos aquelles, que pela sua ausência o tornam dissimilhante dos progenitores, e que esses caracteres podem apresentar-se na terceira geração sem alteração alguma, de maneira a dar á progressão hereditaria a forma seguinte A - C — E ou outra equivalente. Depois d'isto restaria apenas que na formula que encerra a lei se exprimisse a duração do cy-clo hereditário. Ora está com effeito averiguado que os caracteres d'uma geração se podem conservar em estado latente nas immediatas, prestes a manifestarem-se em certas condições, sem que nos seja possível descobrir vestígio algum da sua presença ; e um dos exemplos mais palpitantes encontra-se, segundo Darwin, (1) nos caracteres sexuaes secundários : — em cada fêmea existem no estado latente todos os caracteres masculinos, em cada macho todos os caracteres femininos. Entre muitos factos, que o demonstram, nós vemos dar-se, por exemplo, a transmissão d'um hydrocele do avô ao neto por intermédio da filha. Foi
(1) Ch. Darwin — Variation des animaux et des plantes. — Tom. ii, pag. S3 e seguintes.
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por isso que esta lei foi designada também pelo nome d'hereditariedade latente, e é força confessar que assim desenvolvida ella aniquilla a idêa de que os factos de atavismo sejam devidos á combinação de circumstan-cias raras ou accidentaes. Para certos casos de doença Sedgwik mostrou mesmo que o atavismo é quasi invariavelmente a regra.
Toda esta douctrina dos caracteres latentes, cujo desenvolvimento se pode 1er no livro de Darwin, tem em hereditariedade uma importância summa. Além dos numerosos casos que é destinada a illucidar, a sua applicação immediata ás leis d'hereditariedade intermittente e d'hereditaridade sexual bastariam a fazel-a considerar como um precioso recurso d'interpretaçâo scientiflca. A lei d'hereditariedade spxual realisa-se todas as vezes que cada sexo transmitte á sua posteridade caracteres particulares, que não lega aos descendentes do outro sexo. Um dos exemplos mais frisantes é, como acaba de ver-so, a transmissão dos caracteres sexuaes secundários.
A quarta lei applica-se aos casos em que o individuo recebe de cada um dos progenitores caracteres particulares.
Quanto á quinta lei, finalmente, eis como Haeckel se exprime : — «L'ontogenie ou l'histoire du devollope-ment de l'individu, est simplement um recapitulation courte, rapide, conforme aux lois de l'hérédité et de la adaption, de la phylogénie, c'-est-â-dire de l'évolution paléontologique de toute la tribu organique, á l'aquelle appartient l'individu examiné... Mais le parallélisme ou la eoncordance de deux séries évolutives ne sont jamais rigoureusement exactes. Toujours il y a dans l'on-
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togênie des lacunes, des sauts repondant à l'absence de quelques stades phylogeniques». São essas lacunas, é essa abreviação que são umas e outra dividas á lei de hereditariedade abreviada.
As leis comprehendidas no segundo grupo, e que portanto se appiicam aos casos d'hereditariedada progressiva, recebem da sua frequente applicação e da importância dos resultados, que dominara, uma confirmação não menos accentuada que as do grupo precedente, as únicas que até ha pouco eram conhecidas. Antes dos trabalhos de Darwin eu não sei que alguém se aventurasse n'este terreno, onde de mais a mais faltava a luz d'uma theoria para dirigir os exforços da observação. De pouco serviria corn effeito o conhecimento da hereditariedade de particularidades adquiridas se o observador, munido d'um núcleo d'idêas directrizes, as não podesse afferir por ellas com o fim de lhes dar uma interpretação cathegorica. Fora d'isto permaneceriam como outros tantos factos isolados a complicar os resultados da experiência sem alargarem por forma nenhuma a esphera das acquisições intel-lectuaes. Para proceder logicamente na deducção das leis d'hereditariedade progressiva importava sobretudo averiguar até que ponto se realisava a transmissão das particularidades adquiridas ; e foi assim que, só depois de demorada observação, o facto primordial e característico, sobre que assentara todas as considerações relativas á investigação dos princípios por que se regera os phenoraenos incluídos n'este grupo, foi elevado á altura d'uraa verdadeira lei, que em virtude da sua generalidade se acha á frente de todas as outras. É a lei de hereditariedade adaptada ou adquirida
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e exprime a idea de que em circumstancias dadas o organismo pode transiniltir á sua descendência todas as propriedades, que adquiriu durante a vida. Apesar da sua generalidade, porém, esta lei conta algumas excepções, cujas condições determinantes nós infelizmente não podemos precisar. O que sabemos é que de todas as modificações orgânicas adquiridas nem todas sãoegualmente transmissíveis: taes são entre outras a maior parte dos casos de mutilação por motivo de feridas. Esses casos, no entanto, não bastam para invalidar a lei, visto que por outro lado é egualmente certo que alterações de forma violentamente produzidas, bem como numerosas doenças, podem lornar-se hereditárias. (1)
Até q^e ponto devem ser fixadas para se trans-mittirem as qualidades adquiridas? É o que a segunda lei d'hereditariedade progressiva procura determinar, affirmando que as propriedades adquiridas são com tanto maior certeza transraittidas quanto maior foi o espaço de tempo durante o qual o individuo esteve submettido ás causas modificadoras, e que, por outro lado, essas propriedades são tanto mais hereditárias atravez da série das gerações quanto maior foi também o espaço de tempo durante que essas gerações se acharam sob a influencia das mesmas causas. Não vemos nós a cada passo que a phthisica, por exemplo, que n'uma geração apenas se manifesta num dos membros da família, vae nas gerações seguintes au-gmentande o numero das suas victimas, por tal modo
'(1) E. Haeckel — 0. G. pag. 192.
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que a qnarta ou quinta é totalmente sacrificada por este flagello a ponto de muitos, em vista d'isso, a considerarem como uma espécie de voragem destinada a fazer desapparecer as raças viciadas e a limpar assim a humanidade do que poderíamos considerar como verdadeiras fezes? O mesmo acontece com a gotta, com o rheumatismo, com as doenças mentaes, etc. A lei, a que obedecem estes casos, enunciada como foi, pode denominar-se lei de hereditariedade fixada ou constituida.
Resta finalmente, para concluir o estudo das leis pertencentes a este grupo, apresentar duas ultimas, que na pathoiogia das doenças hereditárias se podem considerar fundamentaes.
A lei de hereditariedade homochrona, que Darwin chama — lei d'hereditariedade nas idades correspondentes,— faz com que uma doença appareça nos descendentes no mesmo período da vida em que o organismo paterno a adquiriu. As doenças hereditárias dos pulmões, do fígado, dos dentes, do cérebro, da pelle conflrmam-a a cada passo.
A lei de hereditariedade homotopica, ou, segundo Darwin, lei de hereditariedade nas mesmas regiões, não menos evidente que a precedente nos casos d'hereditariedade pathologica, applica-se nos casos em que, por exemplo, largas manchas hepáticas (pityriaris versicolor), manchas pigmentares, tumores cutâneos, etc., apparecem durante uma série de gerações não só nas mesmas epochas da vida, mas em pontos correspondentes do corpo.
Taes são os modos d'acçao genéricos do principio d'hereditariedade que me propuz estudar n'este
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capitulo. Acho inutil insistir sobre o caracter empírico d'estas leis: quando no estudo d'um phenomeno não se pode attender a todas as variáveis, ou parque se ignora o modo de ser de cada uma d'ellas, ou porque-conhecendo-o, o numero e a complicação das suas relações se oppoem á descoberta da lei ultima, o espirito recorre ás formulas empíricas que, sendo d'uma generalidade secundaria, lhe servem de degrau para generalidades mais elevadas. Todas as que acabo de enumerar estão n'esse caso.
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Um dos progressos mais notáveis realisados modernamente no campo da pathologia consiste na rápida mudança d'opiniôes a respeito da antiga divisão das doenças em agudas e chronicas e no modo d'encarar a etiologia d'umas e d'outras. E esta mudança toca tão de perto no coração do assumpto, que nos propomos tractar n'este capitulo, que não podemos deixar de lhe consagrar algumas palavras.
Um distincto professor inglez, M. Samuel Wilks, presidente da secção de medicina no congresso dé 1872 da associação medica britannica, discorrendo sobre os progressos de medicina referia-se nos seguintes termos aquella questão : Une des méthodes usuelles d'enseignement était autrefois la description d'une inflammation
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aiguë survenant chez des sujets sains : or le désappointement que j'éprouvai et qui était partagé por tmsmes camarades, à m pas trouver ces càs-là dans les salles d'hôpital, me convainquit bientôt qu'il y avait là quel-
• que chose de faux. Nom voyons une. grande quantité / C d'affeéions chroniques et accidentellermnt une maladie
aiguë, de sorte que il devient évident pour nous qu'à l'exception des affections aiguës de m poitrine dues aux changements de température extérieure, une inflammation aiguë survenant chez une personne saine était ce qu'il y avait de plus rare. (1) A affirmaçao de M. Wil-ks não tem nada de gratuita, e os estudos pathologi-eos especiaes proseguidos com infatigável canceira tendem a dar-llie ama confirmação absoluta. É, pois, certo que a grande maioria das doenças agudas é devida, como todas as doenças chronicas, á persistência d'um estado geral mórbido da economia, de que a doença, que se nos apresenta, é apenas uma manifestação ou symptoma, e, ou se admitta que os progressos do bem-estar e melhoramento de todas as condições devidos á mais frequente applicação dos recursos d'hygiène publica e privada tenham prolongado a vida de pessoas valetudinárias, que sem isso teriam succumbido desde a juventude, e lhe permittam assim chegar a uma edade avançada, multiplicando pela propagação o numero das victimas designadas das diatheses hereditárias, ou se façam intervir n'aquelle resultado outras causas, ou ainda se considere como uma asserção, a que conduziram processos mais bem dirigidos d'ana-
(1) Revue scientifique—1872-73 pag. 353.
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lyse e observação medicas, nem por isso deixa de ser geralmente admittido que a causa de taes doenças ó mixta, e que é necessário para as produzir a concorrência d'uma certa predisposição orgânica e de cir-cumstancias atmosphencas favoráveis. O que d'esta mudança d'opiniâo resultou para a etiologia é fácil de prever : primeiramente a doença deixou de ser considerada como uma entidade distincta caindo de golpe sobre o individuo ; em segundo logar o quadro etiológico foi consideravelmente alargado, e a hereditariedade collocada á frente das causas mais frequentes de doença. Desde que se cenceba uma doença como chronica na sua causa, quando mesmo os symptomas sejam agudos, a primeira necessidade medica a satisfazer ó conhecer as condições pathologlcas intrínsecas em que um individuo se acha, e para isso importa principalmente estudal-o nos seus antepassados.
É por este lado que o assumpto se prende ao que annunciamos na nossa épigraphe. Antes porem de passar adiante eu julgo de toda a necessidade precisar o sentido das palavras, que emprego, visto que algumas d'ellas teem sido tomadas para exprmir idêas différentes.
Eu considero diathese : — o estado mórbido geral sob cuja influencia se produzem atfecções conslltucio-naes.
Chamo affecções constituclonaes—os estados mórbidos, que affectam todos os processos vltaes, acom-panhando-se de manifestações locaes particulares.
Por constituição entendo — o estado orgânico individual e especial, que mede a intensidade diathesica.
Admittir que uma tendência ou predisposição
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constitucional, a principio minima, não comprometten-do por forma alguma a saúde individual, não se manifestando por signal algum apreciável, se vai progressivamente accentuando, trahindo-se em graus cada vez mais adiantados por lesões que indicam já uma constituição mórbida, e termina por fim na doença constitucional completa e evidente com as suas manifestações locaes características, ó suppor no fundo do processo pathologico uma evolução de todo o ponto análoga á que se dá no estado physiologico, evolução em que o principio d'hereditariedade se revela com todos os caracteres e modos d'acçao que temos estudado até aqui.
Ha n'este raciocínio uma primeira proposição a demonstrar, e vem a ser a realidade d'estas mudanças progressivas que se operam no processo pathologico. Muitas d'ellas, é certo, são a maior parte das vezes inapreciáveis, principalmente quando affectam a constituição em grau pouco elevado : no entanto pode affir-mar-se que n'um grande numero de casos se observam entre os primeiros signaes que denotam uma viciação do organismo e as affecções locaes pathogno-moniás de cada um dos estados diathesicos lesões secundarias mais ou menos importantes, expressivas do grau d'intensidade d'esses estados. A escrófula, por exemplo, tem por affecção local pathognomonica o en-gorgitamento ou suppuração dos ganglios lymphaticos, com corrimento d'um pus especial, com pouca tendência para a cicatrisação, deixando por ultimo cicatrises irregulares e raiadas de vermelho. Mas, antes de chegar a esta manifestação, o individuo apresenta em différentes períodos da vida entumescimento da mucosa
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que cobre os cornetos, tumefacções do periosseo das phalanges, otorrhea, pústulas no bordo livre da cornea,
-impetigocomentumescunentoganglionar,etc. que, existindo isoladamente ou successivamente não caracteri-sariara por si a affecção escrofulosa, sendo comtudo preliminares ou stadios da diathese. O mesmo acontece com a gotta, da qual uma dyspepsia mais ou menos incommoda, frequentes depósitos d'uratos, ligeiras erupções eczematozas de tempos .a tempos, dores anor-raaes nos diversos músculos, estalidos na região cervical do rachis nos movimentos pouco extensos do pescoço, etc, podem ser igualmente considerados como provas das mudanças que vai realisando até attingir o estado de climax. Sir J. Paget, que me serve de guia em tal assumpto, não admitte a menor duvida a este respeito. On peut être sur de la réalité des changements progressifs par lesquelles ce que nous appelons une prédisposition ou tendance constitutionelle, devient une maladie constitutiomlle, de même que les deux noms de garçon e d'homme signifient la même chose á des périodes différents, (1) Baumes, mesmo depois de ter exprimido a mesma opinião nos seguintes termos : — M diatheses préludent déjà dans le jeune age au rôle prépondérant qu'elles joueront plus tard (2) apresenta em seguida a marcha ordinária dos signaes precursores. das diatheses dartrosa, catarrhal, tuberculosa, e outras.
Se por um lado a experiência confirma a realida-
(1) Sir James Paget— Leçons de clinique chirurgicale (clinical lectures and essays) pag. 70.
(2) Baumes—Précis théorique et pratique sur les diatheses.
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de d'esta evolução, os princípios, que temos exposto no decurso d'esté trabalho, illucidam a natureza do processo. Ninguém hoje admitte que as diatheses sejam devidas a virus particulares introduzidos no sangue, posto que o sangue seja realmente um dos elementos viciados : o que todos admittem, e o que parece incontestável, é que em virtude de más condições hygienicas, desfavoráveis a um estado orgânico normal e a um exercido regular das funcções, condições que actuaram sobre os nossos antepassados ou sobre nós, se foi estabelecendo uma disposição viciosa da materia que constituo o aggregado humano, dando origem a perturbações funccionaes correspondentes. Debaixo da acção continuada das mesmas causas os resultados deveram seguir a lei geral d'evoluçao e portanto caminhar em especialisação e complexidade crescentes ; porque de facto a modalidade pathologica, por não se apresentar favorável á economia, nem por isso deixa de ser constituída por uma mudança das partes, que a compõem, e nova distribuição das forças que a animam, o que representa o caso typico exigido para a realisa-ção absoluta da lei devolução. Não é pnr certn um movimento adaptativo, porque a causa que o produz é uma condição anómala; mas ainda assim não são raros os casos em que elle pode conduzir a uma adaptação mais ou menos completa, e tanto basta para demonstrar a identidade do processo. Não é este porem o caso mais frequente: o que de ordinário acontece é que o equilíbrio orgânico alterado vai perdendo gradualmente a sua força de resistência, e, a cada passo que este recua, desconcertando-se, e a doença avança, deflnin-
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do-se, uma manifestação mórbida se produz que representa a intensidade da diathese n'esse momento.
N'estas circurastancias o principio d'hereditariedade intervém ainda, servindo sempre a lei d'evoluçao com admirável regularidade. A evolução pathologica operou-se lentamente durante a vida do individuo ? A hereditariedade fixará nos filhos o grau que ella attingiu e permittir-lhe-ha continuar o seu caminho. Elevou-se pelo contrario a uma diathese completa ? Transmittil-a-ha n'esse estado. D'um e doutro d'estes casos são numerosos os exemplos : assim vemos que o pae pode transmittir ao filho uma tendência para a gotta, para a phthisica, para outra qualquer affecção hereditaria constitucional muito tempo antes de ella se manifestar n'elle ; pode mesmo morrer sem ter apresentado nenhum dos signaes d'essa affecção muito tempo depois de ter transmittido aos descendentes tendências para ella, e n'um caso como n'outro seria inexplicável, se não se admittisse que a alteração orgânica e funccio-nal, que constitue a doença, foi fixada hereditariamente no grau que attingira. Quanto á transmissão da diathese completa é isso tão frequente que dispensa demonstrações.
Se a hereditariedade estivesse absolutamente subordinada á evolução, se estivesse exclusivamente ao seu serviço, não é permittido duvidar de que as coisas se passariam sempre assim ; mas nem a primeira condição se dá, porque o principio hereditário tem a sua autonomia, de que não abdica, nem, quando tenha de submetter-se, pode desattender outras influencias. Uma e outra d'estas asserções discutidas já no capitulo pre-cedidente encontram no domínio da pathologia nume-
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rosos factos comprovativos, e, uma vez admittidas, dão a razão de phénomènes que não só se distanceiam dos casos typicos que figuramos, mas até parece desmentirem a influencia hereditaria.
O principio d'hereditariedade é quanto possivel autonómico, disse ea ; e a sua tenacidade de conservação manifestada nos casos d'atavismo, quando um enorme conjuncto de leis e outras influencias afrouxam, deixando de conspirar energicamente contra elle, prova-o de sobejo. Em alguns casos de doença os mesmos phénomènes d'atavismo teem logar, e ainda bem, que então são d'um resultado estremamente benéfico e salutar, porque os caracteres que a hereditariedade tende a fazer, reapparecer são os da saúde. Está provado que é no embryão que essa tendência existe em mais elevado grau, mas, se bem que vá diminuindo com os progressos da edade, nunca desappa-rece completamente, e a m medicatrix naturae, que tão fortemente se impoz sempre aos medicos de todos os tempos, se não é o producto exclusivo da hereditariedade, tem n'ella pelo menos as suas raizes mais solidas e profundas. É desde já possivel antever o alcance d'esté facto : quantas famílias não seriam totalmente destruídas pelo cancro, pela tuberculose, pela escrófula se não fora o poder que tem a hereditariedade de resuscitar caracteres antigos, e portanto os de saúde também, travando assim a marcha progressiva da diathese e fazendo mesmo retrogradal-a ? Mas ha mais. Ambos os sexos teem direito a ser representados no producto. Ora, quando um só dos pães está affectado d'uma doença constitucional, o legado here-
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ditario do outro contrabalança a influencia d'esté, como que diluindo-a.
Eis aqui como a evolução mórbida, longe de ser favorecida em todos os casos pela interferência do principio hereditário, encontra n'elle muitas vezes um obstáculo invencível. Era mesmo necessário que assim fosse, nem isto deroga a lei d'evoluçao, porque esta tem duas faces, conduz por dous caminhos oppostos. O progresso suppõe um termo correlativo, o retrocesso: um e outro estão sob a alçada da mesma lei. No estado physiologico todo o retrocesso é uma causa de degradação ; no estado pathologico constitue uma vantagem para o individuo.
Os estudos até hoje feitos debaixo d'esté ponto de vista são demasiadamente restrictos e incompletos para permittirem um grande numero d'inducçoes par-ciaes, e esclarecerem todos os pontos de classificação e practica clinica, que poderiam ser grandemente illu-cidados por um modo de ver tão largo e tão verdadeiro, pelo menos nos seus lineamentos geraes. Os resultados obtidos cm todos os ramos do sabei' humano e principalmente em sciencias naturaes onde a tlieoria da evolução tem sido applicada a cada grupo de phénomènes fazem-nos prever o que em patholo-gia seria permittido esperar. Nós acabamos de ver como uma diathese, antes de se elevar á sua manifestação typica, affectava um grande numero de formas, que á primeira vista se poderiam tomar por doenças perfeitamente autonómicas e idopathicas. Mas, uma vez realisada essa forma typica, a evolução suspender-se-ha?
J'ai actuellement sous les yeux trois malades traités por moi il y a vingt ans au plus, d'une ou plusi-
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mrs attaques de rhumatisme articulaire génêra'isée et atteiuts aujourd'hui de gravelle et de nephrite calculeuse. (Pidoux.) Un père est atteint fréquement de rhumatisme articulaire, et a presque constament quelques douleurs par ci par là, depuis me fièvre typhoide grave qui lui a laissé cette diathese sans aucune trace directe ou indirecte préalable d'etat morbide dans l'économie ; il se marie et a une petite fille, qui est atteinte à quinze mots de paralysie essentielle de l'enfance. (Vacher) La chorée est soeur du rhumatisme, lequel s'allie d'autre part aux affections du coeur et même a une certaine forme de folie. (Sée.) E como estes cem exemplos em que a diathese, desenrolando-se durante a vida do individuo ou atra-vez da linhagem, se transforma : não porque mude de naturesa, mas porque, muda de manifestação. Simi-Ihante e différente, proteiforme, difficil de surprehen-der muitas vezes, ella chega mesmo a illudir os ex-forços mais persistentes e mais bem dirigidos do medico. Quem poderá n'um grande numero de casos descobrir a gotta do pae ou do avô na cephalalgia, na asthma, na nevralgia, na névrose, de que, segundo Marchai (de Calvi) o filho pode ser affectado ? É muito possível que essas transformações sejam determinadas simplesmente por uma differença d'idade, de constituição, de temperamento, mas também não me parece difflcil demonstrar que o seu movei principal é a lei d'evoluçao.
A hypothèse formulada por Sir J. Paget (1) a respeito da origem do cancro exprime n'uma synthèse
(1) Sir J. Paget—Leçons de clinique chirurgicale—pag. 77.
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claríssima tudo o que tenho dito até aqui e indica ao mesmo tempo o methodo a seguir no estudo da evolução das doenças. Resurail-a-hei.
Principiemos pelos casos de monstruosidades por excesso, como são os de dedos supranumerários mal conformados, alguns dos quaes repullulam uma e muitas vezes depois da ablação e são hereditários. Entre elles e as excrescências gordurosas glandulares e car-tilagineas, que, affastando-se do typo normal, não teem comtudo contornos deíinidos nem crescimento illimi-tado, não se pode traçar linha divisória bem definida, e podemos consideral-os, como o segundo stadio. O terceiro comprehende um certo numero de lesões separadas das precedentes apenas por definições verbaes arbitrarias : são os tumores compostos d'elementos si-milhantes, excrescências separadas e circumscriptas, raras vezes comprehendidas em tecidos différentes do seu, que mais raras ainda recidivam ou se multiplicam por intermédio dos vasos sanguíneos ou lymphalicos. As differenças graduaes, que separam estas produc-ções hereditárias entre si e da forma subsequente, não são mais extranhas do que as variações das formas especificas nas plantas e animaes domésticos.
Entre os tumores benignos e os tumores que recidivam, que são compostos dos mesmos elementos na forma embryonaria, que penetram nos vasos sanguíneos e lymphaticos onde as suas collulas se destacara, infectando o sangue e levando o fermento da generalisação, não ha uma grande distancia. D'uma affecção sirailhante a estas nós podemos suppor que variações ulteriores em muitas transmissões hereditárias farão sair o cancro apto para se reproduzir em
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qualquer região, constituído por elementos mais primitivos que os elementos embryonarios dos tumores recidivados, recidivando elle mesmo, e infectando a lympha e o sangue.
Inspirando-se ainda na mesma idêa e seguindo o rumo d'outra hypothèse relativamente á syphilis o eminente professor de Guy's hospital (nomeado ha poucos dias cirurgião effectivo da rainha Victoria) affirma não poder duvidar de que certas doenças geralmente agrupadas com a escrófula são formas de syphilis transformadas por hereditariedade, as quaes podem variar de novo n'uma outra direcção, quer para um grau mórbido mais elevado, quer para a saúde.
Será este emfim o limite* da evolução pathologi-ca? As espécies nosologicas, afirmava Bordeu, são . immutaveis como as espécies zoológicas, como as espécies botânicas e suas. sementes. Pode a doença dos pães deixar de reproduzir-sc nos filhos com os mesmos symptomas, pode a diathese affectar formas différentes, mas o que não pode é perder a sua identidade, tornar-se uma outra diathese.
Se entre as espécies naturaes e as espécies nosologicas ha a analogia que o illustre pathologista estabelece, os resultados scientificos até hoje obtidos au-ctorisam-nos a afirmar desde já que estas ultimas não são immutaveis, como elle pretende : se é verdadeira tal analogia nós poderemos mesmo adiantar que não só ellas não foram immutaveis na série das idades, mas que ainda hoje podem resuscitar todas as formas por que passaram na série evolutiva, as quaes, seguindo outra linha de desenvolvimento, nos apparecem como outras tantas espécies áistinctas. Se a opinião, que
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acabamos de apresentar, formulada debaixo do ponto de vista da theoria da evolução, não passa d'uma hypothèse que, á falta de estudos especiaes dirigidos n'esse sentido, não pode invocar em seu abono senão um pequenissimo numero de factos, sob o ponto de vista da unidade clinica das diatheses é nada menos que uma realidade.
Não reproduzirei todos os argumentos com que os partidários da unidade diathesica fizeram trium-phar a sua ideia, porque essa exposição levar-me-hia longé: apresentarei simplesmente alguns casos clini-cos que mais particularmente servem ao meu fim e que ao mesmo tempo resumem a longa série d'obser-vações em que se apoiavSm Marchai (de Calvi), Pidoux, Gigot-Suard, Vacher e outros. Um velho de 75 annos, que apresenta um typo de gottoso e tem ainda vestígios evidentes de manifestações escrofulosas na infância, é pae de quatro filhas, três das quaes morreram phthisicas depois dos vinte annos. (Em virtude da hereditariedade crusada as filhas herdam do pae). Um homem de 58 annos morre subitamente de ruptura do coração em consequência d'uma hypertrophia excêntrica d'esté órgão, e deixou um filho e três filhas. Uma d'estas teve em creança uma affecção escrofulosa no joelho e tibia esquerdas, que deixou a perna completamente deformada, e o filho morreu aos 19 annos de phthisica pulmonar. Portanto diathese tuberculosa no filho, diathese escrofulosa na filha, diathese ancu-rismal no pae. O herpetismo e a arthritis terminam muitas vezes no cancro, diz Bazin. As affecções terciárias da syphilis não se transmittem por hereditariedade, diz Ricord, senão determinando no organismo
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alterações que se podem referir á escrófula. A gotta e o rheumatisrao derivam um do outro, diz Vacher, e ambos da escrófula.
A primeira conclusão a tirar de todos estes factos é a necessidade impreterível de reformar a opinião, que ainda ha alguns annos vogava, de que as doenças diathesicas eram espécies tão bem determinadas como a espécie cão, por exemplo, e que não admittia, portanto, que um gottoso deixasse de produzir um got-toso e não produzisse antes um individuo affectado de rheumatismo ou de escrófula, como o cavallo não podia dar origem senão a um cavallo e não a um cão.
Se uma diathese pode transformar-se n'uma outra o que sobretudo importa é descobrir a lei d'essa transformação, porque só assim nos habilitaremos a comprehender a natureza do processo que a determina : ora até hoje essa lei não foi sequer entrevista, e os pathologistas veem-se obrigados a recorrer ás expressões demasiadamente vagas de edade, constituição, temperamento, para darem uma explicação dos phe-nomeuoi. Nada nos assegura, porém, que taes expressões não são feitas para encobrir uma incognita e agora, como ha pouco, eu repetirei a mesma duvida : — não será a lei d'evoluçao o principal motor d'aquellas transformações ?
Provada a variabilidade das espécies nosologicas está dado, creio eu, o primeiro passo no caminho que ha de conduzir ao conhecimento da evolução das doenças. É uma senda inexplorada de que a luz de uma vastíssima theoria nos veio mostrar a direcção : para a percorrer precisamos apenas munir-nos de um instrumento que nos guie precisamente ao longo das nu-
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merosas curvas que ella descreve n'um terreno em grande parte desconhecido. Esse instrumento, essa bússola é o methodo. «La meilleure chance de trouver la vérité touchant l'évolution des maladies est de s'efforcer de distinguer les relations qui existent entre les variétés de forme sous les quelles les mêmes maladies ou celles qui leur sont alliées se manifestent chez les différents membres d'une famille,, soit dans la même génération, soit dans des generations successives.-D (1)
(1) Sir J. Paget. — 0. C. — pag. 76-
IV
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No estado actual da Biologia será possível estabelecer uma relação entre todos os phenomenos hereditários e um facto ou proposição mais geral que os explique? Será possível comprehendel-os n'uma verdadeira theoria positiva? Todos os auetores, que se teem oceupado d'esté assumpto, são concordes em responder negativamente, e M. Lucas, o único que pretende ter explicado, referindo-o a sua causa primaria, o principio de hereditariedade, é aquelle cujas idêas menos se nos impõem, porque, como já tive occasião de observar, são metaphysicamente deduzidas d'uma
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base extra-scientiflca. Não é assim que comprehende-mos a theoria : para ser legitima é strictamente indispensável que siga o único methodo que pode conduzir ás verdades inductivas, — a observação e comparação de casos particulares. Se, porém, não é possível aspirar a uma theoria, ha comtudo um certo numero d'inducçoes particulares, que tornam os plienomenos muito mais intelligiveis e que nós devemos portanto acceitar como degraus d'uma explicação mais avançada. É d'essas inducções, bem como das hypotheses que, apoiando-se n'ellaSj, se propõem dar uma interpretação de todos os phénomènes hereditários, que eu julguei opportune dever fazer uma exposição succinta.
Quando o espirito se acha collocado em frente de um ou mais phénomènes, que pretende submetter a um trabalho d'elaboraçâo scientitica, a primeira necessidade, que se lhe impõe, é a de analisar com exactidão as suas condições de existência. Applicando esta. regra de methodo ao caso particular, de que estamos tractando, vejamos a que resultados nos conduz.
O phénomène essencial da hereditariedade consiste, como disse, na reproducção no filho da mesma estructura geral que possuía o pae: ora, para que tal phénomène se realise, ê absolutamente indispensável que preceda um acto de reproducção orgânica. Seria occasião de considerar os différentes modos de reproducção na série animal, visto que d'esse estudo resultam esclarecimentos preciosos para a intelligencia do phenorao hereditário; mas, receando prolongar demasiadamente esta exposição, eu contento-rae com resu-
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ruir n'um quadro a classificação de M. Haeckel, que é a seguinte: (1)
Archigonia (gcneralio spontanea) , . . | Scissiparidade — o organisme
/ diride-se em duas metades. j l Gemmação — uma parte ape-
\ nas se separa. 1 monogonia— IPoljsporogonia—A reproduc-I (geração assemadaj \ m faz-se por meio de um I I pequeno grupo de cellulas. 1 J Monosporogonia — A reproduc-
ção faz-se por uma cellula j 1 só.
Toeogonia(generatio parentalis)\ — forma trausitoria — parthenogenosis — a cellula reproduclora deseuTolve-se com ou sem o concurso da fecundação.
1 Hermaproditismo — o mesmo i imlividuo produz a cellula \ oTular e a cellula fecundante.
ampfcigonia — < Gonocborismo — a cellula OÏU-1 (geração sesual) / lar e a cellula fecundante i f eiistem em indÍTÍduos diffe-
V rentes.
Pela simples inspecção de todos estes processos reconhece-se ã primeira vista que ha sempre como vehiculo da reproducção, e portanto da hereditariedade, uma porção maior ou menor de materia separada do organismo reproduetor ; e, coisa notável, ao passo que se vai subindo na escala dos seres, essa porção é cada vez mais pequena, a ponto de ficar reduzida nos animaes superiores a um elemento quasi minimo. Seja porém qual fôr o seu volume e quantidade, é certo
(1) E. Haeckel — Histoire de la création naturelle — 8.' lição.
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que disgregada do organismo a que pertencia, os movimentos moleculares, que constituem a sua vida, não podem deixar de ser idênticos aos que constituem a vida d'aquelle ; tendo feito parte d'um systema especial de forças não seria rasoavel suppor que houvesse deixado de soffrer pelo menos uma certa orientação. Assim considerado o elemento reproductor oííerece.já uma solida base á hereditariedade. Desde que uma porção de materia se destaca d'uma massa mais considerável animada d'uma certa ordem d"energias não repugna admittir que ella, tornando-se a seu turno centro de desenvolvimento, reproduza os mesmos pheno-menos que o todo d'onde proveio, e se, pelo que toca aos seres vivos, examinarmos um pouco mais de perto os phénomènes de desenvolvimento, esta asserção adquire, se é possível, maior evidencia. Qual é o primeiro d'esses phenomenos que se manifesta no ovulo? a segmentação em duas partes, isto é, a reproducção de um organismo por scissiparidade, precisamente aquelia em que não pode deixar d'admittir-se que os dois organismos, em que se scindiu' o organismopae, apresentem formas e phenomenos vilães eguaes aos d'esté e eguaes entre si. Cada um d'estes organismos reproduz-se ainda do mesmo modo, os seus productos também, e assim successivaraente até que no individuo adulto é ainda o phenomeno mais geral de reproducção cellular. Por esta forma a energia concentrada nas primeiras raolôculas do ser não perdeu uma só das suas vibraçõesj e, longe de nos surprehender o facto de que o individuo apresente apenas uma simi-Ihança geral com o que lhe deu origem, nós deveria-
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mos antes extranhar que o não reproduzisse completamente.
Tomando por fundamento d'inducçao os primeiros principies que dimanam do da conservação da energia que. como já disse, rege a uniformidade geral de suecessão precisemos um pouco mais a natureza d'es-tes phénomènes.
O acto essencial de toda a reproducção sexuada é sem duvida a conjuneção de dois centres ou cellu-las produzidos por organismos différentes. A primeira coisa que occorre perguntar, em vista dos phénomènes singulares a que n'estas circumstancias dão origem, è se qualquer d'elles possue particularidades que o distingam pronunciadamente das outras cellulas ou porções de substancia orgânica em geral. Quem tivesse examinado uma d'essas cellulas ne curso de seu des-envolvimente e visse as numerosas faculdades complexas, per que se revelia a sua vitalidade, a custe se furtaria do deseje de acreditar que ella é dotada de propriedades muito especiaes, ou que á sua elaboração presidiram circumstancias insólitas. Nada mais próprio para fazer pensar e confundir mesmo a intel-ligencia de que a maravilha de desenvolvimento em-bryonarie. O prestigio d'esté phenemene bastaria até para per si só sustentar- todo o ediíicio d'um systema philesephice, e seria necessário demenstrar-se que muitas vezes se passa no organismo alguma coisa que lhe é essencialmente análoga para que, deixando de ser único, elle perdesse muito de seu caracter d'im-penetrabilidade raystoriesa. É o que me parece ter
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conseguido M. Spencer, (1) comparando o que se passa no germe fecundado com o que se passa na regeneração de um membro perdido, na reproducção de certos tecidos, na cicatrisação das feridas, etc., e concluindo pela identidade fundamental de todos elles. Tendo de voltar um pouco mais tarde sobre esta idêa, eu addio para então as considerações, que tendem a fazer admittil-a, e apenas farei notar que, desde o momento em que assim seja, o ovulo deixa de ser considerado como uma cellula especialisada, visto que phe-nomenos similhantes aos de que elle é sede se mostram em quasi todas as partes do organismo. Em muitos vegetaes e animaes inferiores este processo chega a ir muito mais além, e não são raros aquelles em que um pequeno fragmento de tecido ligeiramente diffe-renciado é capaz de reproduzir todo o organismo de que foi tirado. Concluindo d'ahi para os animaes superiores, em que os phenomenos da vida são fundamentalmente os mesmos, uma convicção se nos impõe, que abala qualquer opinião preconcebida de propriedades especiaes nos elementos reproductores.
O estudo das circumstancias da sua producção não é ainda mais adequado a fazel-a prevalecer, porque não só nos différentes seres da escala, mas, até nos animaes superiores, os tecidos, em que elles teem origem, se não são dos mais rudimentares, não são também dos mais avançados em organisação, e bastará 1er em qualquer traclado d'histologia a estructura do ovário e do testículo para não restar duvida a tal res-
(1) H. Spencer — Principes de biologie — Tom. i, § 65.
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peito. Não é para isso que eu invoco as circumstan-cias de producção: o que sobretudo me parece sobre-sahir debaixo d'esté ponto de vista é a sua origem epitlielial. (1) O ovulo como a cellula spermatica são cellulas epitheiiaes modificadas: eis o que resulta da disposição do ovário e do testiculo. eis ahi que baste para provar que as cellulas spermatica e germinativa não possuem propriedades différentes das que se manifestam em outras cellulas, e que a única dissimilhan-ça, que as separa da maior parte d'estas, é o grau pouco adiantado da sua organisação, que nos leva a con-sideral-as como cellulas não especialisadas por qualquer exigência mecânica de trabalho particular, e por conseguinte mais aptas para serem promplamente me-tamorphoseadas.
Tomemos agora duas d'estas cellulas, o ovulo e a cellula spermatica de um animal superior. São apenas perceptíveis; no entanto vivem, e o seu grau de vida é exactamente medido pela intensidade dos movimentos moleculares extremamente complexos que lhes foram communicados. Ao passo que o systema de forças, que se debatem n'essa arena microscópica, vai encontrando um estado de maior equilíbrio a que fatalmente tende, a vitalidade do elemento vai decrescendo proporcionalmente até que de todo se extingue, quando o systema attinge o seu completo equilíbrio estável. É a sorte que espera cada um d'elles, se por acaso não se encontram, fecundando-se. Quando^ po
il) A Koelliker — Elements d'histologie humaine — pag. 703.— Ktiss — Physiologie — 2.* edição, pag. 568.
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rem, este encontro se réalisa, o que então se passa é extremamente característico: o systema de forças d'uni e d'outro, completamente desconcertado pela interferência de forças extranhas, volta a uma instabilidade manifesta e as operações vitaes que, em virtude do estado d'equilibcio relativo a que o elemento tinha chegado, eram pouco activas, recomeçam com uma intensidade extraordinária e proporcional á differença de energias que possuem os dois elementos que se combinaram. O exagero da nutrição, que então se observa, é o resultado e a prova d'essa sobreactividade vital que termina pela formação d'um novo organismo.
Tal é a natureza dos phénomènes que se observam em todo o germe fecundado ; tal seria também a inducção'particular completa, que a exprime, se n'ella se encontrasse a força directriz, que conduz o desenvolvimento debaixo d'um plano determinado até uma estructura e dynamisme especiaes. De ha muito que a sciencia abandonou a doutrina que admittia no germe a miniatura do organismo que ia desenvolver-se ; da lucta em que Lemery e Winslow despenderam a maior parte da sua vida a geração moderna somente aproveita a ideia d'esté ultimo sem sequer se importar com a profundeza e lealdade com que o primeiro entrou no combate. A epigenese era a verdadeira dou-ctrina; restava encontrar a força que a dirigia. Vejamos o que a analyse d'alguns phenomenos nos permitte concluir.
Quando os virus da variola ou da escarlatina, diz Paget, introduzidos no organismo vão affectar toda a massa sanguínea, a doença segue o seu curso, e, uma vez estabelecida a cura, parece que o sangue recupe-
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rou as condições primitivas. Não é assim porem : d'ora avante pode-se-ihe inocular o mesmo virus impunemente, e esta circumstancia persiste muitas vezes durante toda a vida : alravez das numerosas transformações, porque a nutrição faz passar a cada momento o elemento orgânico, uma alteração, minima a ponto de não se revellar por signal algum externo, conserva-se immodificavel durante muitos annos. Que significa isto ? que as moléculas compostas do sangue teem o poder de vasar no seu próprio molde as substancias que absorvem como alimento; que todos os elementos, que se formam posteriormente, seguem um modelo alterado ; que as partículas alteradas teem a faculdade de communicar ás que as substituem, essa mesma alteração. E o que se dá com o sangue não pode deixar de dar-se com as moléculas mais ou menos espe-cialisadas de cada órgão. Por outro lado é de observação quotidiana que em muitos animaes o corpo decapitado regenera a cabeça, que a cabeça regenera o corpo, que o menor dos fragmentos, em que se tenha dividido um polypo, continua a viver e torna-se um animal completo : factos, em frente dos quaes não pode deixar de concluir-se que as unidades, que constituem um d'esses fragmentos, teem uma tendência nativa a disporem-se sob a forma do animal, a que pertencem.
Se não me engano, as duas ordens de phenome-nos, que acabo de citar, encerram elementos para um reciocinio, cuja conclusão nos interessa sobremaneira. Com effeito, a interpretação mais racional d'estes factos consiste em supppor que cada unidade especial inlegrando-se á custa das substancias, que a rodeiam,
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lhes communica uma orientação estrada ral e funccional, que as faz entrar na sua communidade d'acçao ; uma verdadeira polaridade, em virtude da qual as moléculas vitalisadas manifestam uma tendência quer para completar a forma do animal quando ella foi compro-mettida por qualquer circumstancia (traumatismo, gasto funccional, etc), quer para a reproduzir completamente, quando se encontram em condições favoráveis. Por consequência, desde a simples reparação das perdas, que arrasta o exercício funccional, até á repro-ducção completa d'um novo organismo, a polaridade das unidades physiologicas é a força sempre activa destinada a mover a alavanca individual na direcção e com a intensidade, que lhes communicaram as unidades, que as precederam na linha da existência, ou as forças do meio em que vivem ; é o laço subtil e indissolúvel, que faz commungar o ser vivo na unidade dynamica da natureza, na alma do mundo. Para nos acharmos no mais intimo dos phenomenos d'heredi-tariedade resta determinar a natureza d'essas unidades.
(.dl, n' y a aucune raison de croire que l'opération de composition et de recomposition par laquelle nous passons des subslances organiques les plus simples aux plus complexes se termine à la formation des colloides complexes qui caractérisent la matière organique. Il est plus probable qu' aux dépens des atomes colloides complexes se dévollopent par une integration encore plus avancée des atomes encore plus Mtérogônes et de genres plus nombreux. (1)
(1) H. Spencer — Principes de Biologie — pag. 350.
V
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As unidades physiologicas não são, portanto, nem as unidades chymicas, nem as unidades morphologicas ou anatómicas. Nem umas nem outras podem ser a sede da polaridade, de que falíamos : não são os átomos chymicos, porque n'esse caso seria inexplicável a variedade infinita de formas ; não são as cellulas, por que não só estas são até certo ponto uma manifestação d'aquella propriedade, mas até porque nem sempre as encontramos onde quer que se manifeste uma , actividade vital, como acontece nos casos em que um tecido fibroso se forma n'um blastema sem estructura. como acontece ainda nos rhizopodos que não são formados de cellulas e apezar d'isso vivem e transmittem dis- , tincções especificas. As unidades physiologicas occupam antes um logar intermédio entre umas e outras : formadas por uma integração mais adiantada á custa dos átomos colloides já de si complexos, heterogéneos e instáveis as suas propriedades são exactamente as mesmas levadas a um grau muito mais avançado.
Só em unidades assim constituídas se podem encontrar as condições indispensáveis ao exercido da vida, porque o que n'esta ha de verdadeiramente essencial è essa serie de mudanças ao mesmo tempo simultâneas e successivas, que difficilmente se comprehende-riam sem a estabilidade e heterogeneidade dos elementos a que devem applicar-se as forças.
Se um grande numero de phénomènes biológicos, por um lado, e, por outro, a lei d'evoluçâo nos não levassem a admittir a existência de taes unidades, os phénomènes d'hereditariedade bastariam a insinuar-nos a convicção de sua realidade. É, e não podia deixar de ser esta a base de todas as hypotheses que buscam
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uma explicação d'esses phenoinenos, e a insistência mesmo, com que esta idêa tem sido aproveitada para ponto de partida, mostra bem o conceito que ella merece aos homens da sciencia. M. M. Spencer, Darwin, Galton e Schmidt são os que mais particularmente se lêem occupado d'esté assumpto : bastaria o nome d'elles para nos impor a obrigação de examinar atten-tamente as hypotheses que propozeram, e que, quando mais não fosse, representavam o esforço d'intelligen-cias esclarecidissimas para attingir a verdade. Ainda que fundamentalmenle idênticas as hypotheses de M., M. Spencer e Darwin différera em alguns pontos acci-dentaes : expol-as-hei resumidamente, mencionando os pontos essenciaes, e pondo de lado mais amplos desenvolvimentos que,muito bem cabidos nos livros d'aquelles auctores, difficilmente poderiam ser aqui explanados-
Para M. Spencer a similhança d'um organismo cora seus pães não é mais de que o resultado das tendências especiaes das unidades physiologicas derivadas d'estes e accumuladas no ovulo e sperraa em quantidade innumeravel. Depois da fecundação o germe liça sendo constituído por dois grupos d'unidades com propriedades communs e propriedades différentes, com polaridades tão deslindas, eralira, quanto são distinc-los os organismos dê que provêem. Desde que o ovulo entra na nova phase de vida, que principia no momento em que a sua substancia se combina com a do sperraa, uma nutrição exuberante se manifesta que revela a actividade das unidades physiologicas.
Em virtude da propriedade que cada uma d'ellas tem de assimilar e moldar as substancias nutritivas, que a rodeiam, em breve se acharão multiplicadas,
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entrando abertamente n'utn caminho d'evoluçao. Ambos os grupos d'unidades se parecem na sua polaridade e na forma debaixo de que tendem a dispor-se, e por este lado trabalham unisonas para produzirem um organismo da espécie a que pertencem ; mas, como ao lado d'essas propriedades communs existem differenças secundarias, as unidades que as possuem impol-as-hão às suas derivadas,e o conjuncto será assaz preponderante para ser representado no ser que concorrem a formar. Assim de par com a reproducção de particularidades especificas marcha a de particularidades individuaes, e, quando no jogo d'aquellas polaridades não tenha havido um desequilíbrio notável, o organismo dos pães deve ser integralmente reproduzido no filho.
A applicação d'estas ideas geraes aos casos particulares d'hereditariedade torna-os perfeitamente in-telligiveis e apenas algumas necessidades d'interpre-tação parcial obrigavam a accrescentar á hypothèse ligeiras modificações que a completassem. Foi esta circumstancia que deu origem á hypothèse de M. Darwin, e, posto que este auctor não pareça disposto a admittir entre as suas idêas e as de M. Spencer uma perfeita identidade, é certo que ás duas hypotheses concordam fundamentalmente. M. Galton (1) adopta integralmente a hypothèse da pangenese, diffe-rindo apenas de M. Darwin na applicação das idêas aos différentes casos particulares com o fim de os interpretar.
(1) Para mais esclarecimentos veja-se — Revue scientifique —1873-76 pag. 198.
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Para explicar différentes phénomènes e entre elles os d'hereditariedade M. Darwin (1) suppõe: 1.° que as cellulas antes da sua conversão em materiaes formados e completamente passivos, e depois em todos os períodos e estados de desenvolvimento, emittem átomos ou gemmulas que circulam livremente em todo o systema ; 2.° que, quando essas gemmulas recebem uma nutrição sufficiente, se multiplicam por divisão e se desenvolvem ulteriormente em cellulas similhantes áquellas de que derivam ; 3.° que são transmittidas pelos pães aos seus descendentes para se desenvolverem ordinariamente na geração immediata, o que não impede que muitas vezes se transmittam durante muitas gerações em estado dormente e se desenvolvam mais tarde; 4.° finalmente, que no estado dormente as gemmulas, teem umas pelas outras uma afflnidade mutua, d'onde resulta a sua aggregação em botões ou elementos sexuaes.
0. que são n'esta hypothèse as gemmulas senão as unidades physiologicas de M. Spencer? Que outra coisa é aquella sua affinidade senão a polaridade de que falíamos? Não obstante a pangenese encerra mais recursos d'explicaçâo, e eis ahi o motivo porque a reputo uma ampliação da theoria de M. Spencer sem a qual não me parece que se podesse comprehender muito bem a natureza das gemmulas. No systema de philosophia natural, que este auctor adoptou, ou antes creou, as unidades physiologicas deparam-sc-nos
(1) Ch. Darwin — Variation des animaux et des plantes. — Tom. ii, pag. 398.
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como um producto de evolução, as suas propriedades deduzem-se a priori do processo, que conduziu até ellas, e os phénomènes mais excepcionaes de génese, de variedade e de variação estudados á luz dos primeiros principios reunem-se por um laço commum n'aquelle foco d'interpretaçâo: na pangenese as gem-mulas, seja qual fôr o seu valor explicativo, impoem-se como entidades arbitrarias, tendo por antecedentes simples factos d'analogia.
Julgo inutil encarecer o alcance d'esta hypothèse. Desde que nós venqos uma grande massa de phénomènes apparenteraente excepcionaes tomarem o seu logar entre os resultados das leis geraes da evolução, possuímos razões de sobra para admittir a hypothèse, que nos fornece essa interpretação.
FIM
PEOPOSIÇÕES
Anatomia — O ovulo, como a celluia spermatica, são cellulas epitheliaes modificadas.
Physioiogia — A substancia orgânica goza da propriedade de transmittir por simples contacto com substancias de outra espécie em condições adequadas o estado molecular que possue.
Tlierapeníica — A vis medicatrix naturae è em grande parte um producto da hereditariedade.
PatUologia geral —Admitto a unidade diatbesjcai medecint» operatória — As operações em muitos
tempos, se são menos brilhantes, offerecem em muitos casos vantagens incontestáveis.
Pathoiogia externa — Quando n'um caso de hernia se apresentam signaes de estrangulamento, e a reducção pelos meios ordinários se não pode fazer, a operação deve ser praticada immedialamente.
Pathoiogia interna — Em todos os estados mórbidos geraes, adynamicos, que se revelam por um esgotamento de forças, a hydrotherapia é o meio mais efficaz de traclamento.
Anatomia pathologiea ~- A maior parte das in-flammações do systema ósseo, apezar de se revelarem em clinica por processos muito différentes, apresentam em anatomia pathologiea uma uniformidade extrema.
Parto»— Nos casos era que a bacia è deformada por osteomalacia, e os diâmetros do canal se apresentam pouco inferiores a seis centímetros e meio, é permittido esperar o parto natural.
Medicina legai—A causa, a lei e a condição da rigidez cadavérica e da putrefacção formulam-se assim :— a rigidez cadavérica apparece tanto mais tarde e dura tanto mais tempo, e egualmente a putrefacção ó tanto mais tardia e mais lenta, quanto a irritabilidade muscular era maior no momento da morte.
Approvada. Pode imprimir-se Dr. J. Carlos O conselheiro Director
Costa Leite