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  • UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO (UFRRJ)

    INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS

    DEPARTAMENTO DE MATEMTICA

    MESTRADO PROFISSIONAL EM MATEMTICA EM REDE

    NACIONAL (PROFMAT)

    DISSERTAO

    NMEROS PRIMOS E CRIPTOGRAFIA: DA RELAO COM A EDUCAO AO SISTEMA RSA

    KELLY CRISTINA SANTOS ALEXANDRE DE LIMA DAINEZE

    2013

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    UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS

    DEPARTAMENTO DE MATEMTICA MESTRADO PROFISSIONAL EM MATEMTICA EM REDE

    NACIONAL (PROFMAT)

    NMEROS PRIMOS E CRIPTOGRAFIA: DA RELAO COM A EDUCAO AO SISTEMA RSA

    KELLY CRISTINA SANTOS ALEXANDRE DE LIMA DAINEZE

    Sob a Orientao do Professor

    Douglas Monsres de Melo Santos

    Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Matemtica, no Programa de Mestrado Profissional em Matemtica em Rede Nacional.

    Seropdica, RJ

    Abril/2013

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    Ao tringulo que sustenta minha vida: Julia (minha pequena), Diogo

    (meu amor) e Vnia (a melhor me do mundo)...

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, que me permitiu chegar to longe e me amparou em todos os momentos

    difceis.

    minha preciosa filha Julia, que mesmo to pequena, foi o incentivo para concluir

    este trabalho. E ao meu amado esposo Diogo, que sempre est ao meu lado, me apoiando, me

    ajudando, me encorajando. Obrigada por terem compreendido a minha ausncia em muitos

    momentos.

    minha me Vania, que mesmo depois de ter criado a filha, assistiu aulas de

    matemtica comigo, logo aps o nascimento da minha pequena, para que eu no perdesse

    aulas e pudesse amamentar.

    minha sogra (segunda me) Marly, por cuidar de tudo para que eu pudesse estudar.

    Ao meu pai Joel, que lutou muito para propiciar a formao que alcancei.

    Ao meu orientador Douglas: pela pacincia, pela fora, pela ajuda. E, tambm, a sua

    esposa, por abrir as portas de sua casa para que pudssemos discutir o trabalho nos fins de

    semana.

    Aos colegas de curso pela amizade, pelo carinho, pelas risadas, por fazer nossos

    sbados mais divertidos e, claro, pela troca de experincias e conhecimentos. Em especial,

    ao nosso representante, Jorge, que manteve este grupo unido e perseverante.

    Aos colegas professores por acreditarem que conseguiramos.

    Aos amigos e familiares, que nestes dois anos, desculparam o meu sumio.

    E a todos aqueles, que com suas oraes e pensamentos, estavam torcendo para o meu

    sucesso.

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    Nunca ser um verdadeiro matemtico aquele

    que no for um pouco de poeta.

    (Karl Weierstrass)

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    RESUMO

    Este trabalho visa estabelecer uma discusso sobre os conceitos envolvendo criptografia, atravs de sua aplicao dos nmeros primos, e as possveis relaes com a educao. O critrio utilizado para optar por este ou aquele sistema criptogrfico foi subjetivo; muitos sistemas no foram abordados, mesmo contendo relaes intrnsecas com a temtica. A necessidade de troca de informaes sigilosas instigou o surgimento da arte de codificar mensagens; a rede virtual e seus milhes de usurios apontou a necessidade de um sistema utilizando chave pblica e, ao mesmo tempo, seguro. O RSA veio para suprir as necessidades de uma sociedade que, cada vez mais, realiza suas transaes bancrias, comerciais e sociais via web. Uma questo que carece ser pensada diz respeito maneira como os contedos da chamada Teoria dos Nmeros tm sido apresentados e trabalhados na escola. Algo que tradicionalmente consagrado como enfadonho e sem sentido. A arte da criptografia traz consigo temas relevantes para se pensar nos conceitos matemticos, propiciando um ensino por Resoluo de Problemas. Os caminhos percorridos, a partir da, propiciam experincias significativas para o sujeito, numa educao emancipatria, como propuseram Adorno e Rancire. As atividades sugeridas a partir de diferentes sistemas de codificao pretendem instigar os educandos e os educadores a repensar as diferentes possibilidades de um problema, suscitando a sensibilidade do pensar e de buscar maneiras para resolver e no repetir os mecanismos de um algoritmo matemtico, para que o ato educativo perpasse as circunstncias complexas que se apresentam na atualidade. Palavras-chave: Criptografia. Nmeros Primos. RSA.

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    ABSTRACT

    This study aims to provide a discussion of the concepts involving encryption, through its application of prime numbers, and possible links with education. The criterion used to choose one or other cryptographic system was subjective, many systems have not been addressed, even containing intrinsic relations with the theme. The necessity to exchange confidential information urged the rise of art to encode messages, the virtual network and its millions of users identified the need for a system using public key and at the same time, safe. RSA came to supply the needs of a society that increasingly conducts its banking, commercial and social web. One issue which needs to be thought concerning the way how the contents of the called Number Theory have been presented and learned at school. Something that is traditionally consecrated as boring and meaningless. The art of cryptography brings relevant topics to think about mathematical concepts, providing an education for Troubleshooting. The paths taken, thereafter, provide meaningful experiences for the subject, in emancipatory education, as suggested by Adorno and Rancire. Suggested activities from different coding systems intend to instigate students and educators to reconsider the different possibilities of a problem, raising the sensitivity of thinking and find ways to solve and not repeat the mechanisms of a mathematical algorithm, so that the educational act passes by the complex circumstances that present themselves today.

    Keywords: Cryptography. Prime Numbers. RSA.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Tempo para quebrar o RSA ................................................................................... 17 Tabela 2- Valor numrico de cada letra utilizada na criptografia para funo ....................... 34 Tabela 3 Tabela de Chaves .................................................................................................. 36 Tabela 4 - Valor numrico de cada letra utilizada na criptografia RSA ................................. 36

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Anlise da frequncia de letras em portugus ......................................................... 13 Figura 2 Cifra utilizada pelos Templrios ............................................................................ 14 Figura 3 Disco de Cifras criado por Thomas Jefferson ....................................................... 14 Figura 4 Mquina Enigma .................................................................................................... 15 Figura 5 Mdias de Proficincia em matemtica Brasil 1995 2005 ........................... 20 Figura 6 A igualdade da educao .................................................................................... 21 Figura 7 Criptografia aleatria do Grupo 1........................................................................... 26 Figura 8 Criptografia aleatria do Grupo 7 .......................................................................... 26 Figura 9 Criptografia relacionada do Grupo 5 ..................................................................... 26 Figura 10 Criptografia aleatria do Grupo 2 ........................................................................ 27 Figura 11 Mensagens codificadas ........................................................................................ 27 Figura 12 Sistema Braille ..................................................................................................... 28 Figura 13- Embalagem de cosmtico com escrita Braille ....................................................... 29 Figura 14- Embalagem de remdio com escrita Braille .......................................................... 29 Figura 15- Embalagem de bala com escrita Braille ................................................................ 29 Figura 16 Cdigo Morse ...................................................................................................... 30 Figura 17 Relgio do mdulo 7............................................................................................ 31 Figura 18 Rgua de SaintCyr .............................................................................................. 32 Figura19 Quadro de Vigenre .............................................................................................. 33

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    SUMRIO

    1-INTRODUO...................................................................................................................... 1

    1.1 Apresentao........................................................................................................................ 1

    1.2 Organizao da Dissertao................................................................................................. 1

    2- OS NMEROS NATURAIS E OS NMEROS PRIMOS ................................................. 3

    2.1 A histria dos nmeros ....................................................................................................... 3

    2.2 Resultados sobre Nmeros Primos ..................................................................................... 4

    2.3 Ensino da Matemtica: onde foram parar os Nmeros Primos? ......................................... 8

    3- TEORIA DOS NMEROS E CRIPTOGRAFIA ............................................................... 12

    3.1 O Caminho da Criptografia................................................................................................ 12

    3.2 O Mtodo RSA................................................................................................................... 16

    4 EDUCAO MATEMTICA COMO FORMAO PARA O PENSAR .................... 19

    4.1 A Troca de Experincias: por um ensino emancipatrio .................................................. 19

    4.2 Resolvendo Problemas da matemtica .............................................................................. 22

    4.3 Histria da Matemtica nos Parmetros Curriculares Nacionais: uma relao com o

    Ensinar e o Aprender ............................................................................................................... 24

    5- CRIPTOGRAFIA NA ESCOLA ........................................................................................ 25

    5.1 A Criptografia Intuitiva...................................................................................................... 26

    5.2 Criptografando com a Escrita Braile.................................................................................. 27

    5.3 A Cifra de Csar................................................................................................................. 30

    5.4 Aparatos de Criptografia.................................................................................................... 32

    5.5 Criptografando com Funes Invertveis........................................................................... 34

    5.6 Criptografando com Matrizes............................................................................................ 35

    5.7 Criptografando com Computadores .................................................................................. 35

    6- CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 38

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.................................................................................... 39

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ........................................................................................ 42

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    INTRODUO

    1.1 Apresentao

    Os Nmeros Primos so parte importante da chamada Teoria dos Nmeros; a eles esto agregados grandes problemas matemticos que percorrem sculos. A Criptografia um estudo de mtodos, cada vez mais sofisticados, para enviar mensagens secretas.

    Este trabalho consiste em um estudo sobre os nmeros primos, trazendo teoremas e resultados importantes a eles relacionados e questionando a maneira como so apresentados na escola. Os diferentes mtodos de codificar uma mensagem tambm fazem parte desse trabalho, onde se prope um ensino pela resoluo de problemas. Apresenta-se, inclusive, a relao entre as duas temticas, resultando no sistema RSA.

    Os nmeros tm um papel significativo na Matemtica e na Histria da Matemtica, eles tm tambm grande importncia na Matemtica escolar nos anos iniciais, principalmente os nmeros naturais. Questes envolvendo os nmeros primos se colocam a todo tempo na Matemtica: o que um nmero primo? Quantos primos existem? Como testar a primalidade de um nmero?

    Dessa teia de reflexes que surgem sobre a temtica resultou este texto, que tem como proposta metodolgica a pesquisa bibliogrfica sobre a Teoria dos Nmeros e Criptografia e o dilogo entre estes conhecimentos e as aulas de Matemtica. Pretendeu-se apresentar uma sntese dos conceitos envolvendo nmeros primos, pensar como tem se dado o ensino dos nmeros primos na educao bsica, compreender o sistema de criptografia RSA como uma aplicao dos nmeros primos e criar atividades de criptografia para serem realizadas na sala de aula.

    Este trabalho pretende contribuir para uma reflexo sobre as transformaes necessrias no modo como as atividades so apresentadas aos alunos, abordando questes relacionadas ao ensino de nmeros primos e de problemas envolvendo a criptografia. Estas discusses trazem ao debate as dificuldades na qualidade da educao matemtica, j mostradas pelos resultados dos diferentes sistemas de avaliaes, ou seja, aulas que estimulem a reflexo, a crtica e o aprendizado mais amplo do aluno.

    1.2 Organizao da Dissertao

    Para melhor compreender o presente se fez necessrio conhecer as peculiaridades do passado. Assim, o segundo captulo deste trabalho, Os Nmeros Naturais e os Nmeros Primos, traz uma retrospectiva histrica de como surgiram os nmeros e a evoluo nos estudos tericos sobre nmeros primos; traz, ainda, um compndio sobre resultados importantes envolvendo estes nmeros e uma discusso sobre o lugar que os nmeros primos ocupam na matemtica escolar de hoje.

    Tambm se faz necessrio compreender como se originou a Criptografia. Teoria dos Nmeros e Criptografia apresenta como diversos momentos e movimentos influenciaram e desenvolveram esta rea: as cifras da Antiguidade, a cifra de Csar, dos Templrios, at o mtodo RSA. Um breve histrico dos sistemas de codificao mostra que a segurana de um mtodo depende do quo difcil quebra-lo; a anlises de frequncia permite codificar

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    rapidamente determinadas cifras. Assim, este mesmo captulo traz aspectos particulares do RSA, explicando seu funcionamento e o porqu de sua segurana, baseada na impossibilidade de se fatorar primos muito grandes.

    Em Educao Matemtica como formao para o Pensar, so apresentadas as reflexes dos tericos Rancire e Adorno, sobre aspectos que, contemplados no ensino de matemtica, podem servir para auxiliar um processo de ensino-aprendizagem que ao invs de focar contedos, vise resoluo de problemas, processos histricos, troca de experincias, resultando em uma educao que forma cidados crticos e emancipados.

    Atividades envolvendo cifras antigas e sistema Braille, relacionado criptografia com funes e matrizes e apresentando aos alunos da Educao Bsica o sistema RSA so tratadas em Criptografia na Escola. Uma experincia com criptografia intuitiva feita em uma turma da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro aparece neste captulo.

    A reviso das razes conteudistas da escola depende de uma revoluo conceitual e metodolgica capaz de integrar educao e ensino, desenvolvimento e aprendizagem. Este trabalho se prope a situar historicamente a criptografia, verificando como se relaciona com a Teoria dos Nmeros e repensando em novas prticas para a sala de aula, onde diferentes contedos so interligados.

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    CAPTULO 2 - OS NMEROS NATURAIS E OS NMEROS PRIMOS

    O conceito de nmero desenvolveu-se antes da escrita, de modo que, no possvel precisar como e quando isso aconteceu. A representao dos nmeros que utilizamos hoje foi encontrada em colunas de pedras na ndia que datam de 250 a.C. Os nmeros primos foram estudados pelos antigos matemticos gregos que eliminavam o 1 do conjunto dos primos porque no o consideravam como nmero. Eratstenes (276 a.C. 196 a.C.) nascido em Cirene, cidade grega ao norte da frica, que escreveu sobre matemtica, astronomia, geografia, histria e fez crticas literrias, desenvolveu o primeiro mtodo sistemtico para verificar se um nmero primo e muitos outros matemticos desenvolveram teoremas relacionados a estes nmeros to enigmticos. 2.1 A Histria dos Nmeros

    Os processos de contagem so muito antigos. As primeiras formas de contagem associavam a quantidade de objetos com os dedos das mos, dos ps, pedras. As tcnicas primitivas de contagem possibilitaram ao homem praticar a aritmtica mesmo sem saber o que o nmero. O homem primitivo sabia somente o que representava muitos:

    No pastoreio, o pastor, usava vrias formas para controlar o seu rebanho. Pela manh, ele soltava os seus carneiros e analisava ao final da tarde, se algum tinha sido roubado, fugido, se perdido do rebanho ou se havia sido acrescentado um novo carneiro. Assim eles tinham a correspondncia um a um, onde cada carneiro correspondia a uma pedrinha que era armazenada em um saco. No caso das pedrinhas, cada animal que saia para o pasto de manh correspondia a uma pedra que era guardada em um saco de couro. No final do dia, quando os animais voltavam do pasto, era feita a correspondncia inversa, onde, para cada animal que retornava, era retirada uma pedra do saco. Se no final do dia sobrasse alguma pedra, porque faltava algum dos animais e se algum fosse acrescentado ao rebanho (no caso de nascimento de algum carneiro), era s acrescentar mais uma pedra ao saco. (GONGORA, 2005).

    Com a necessidade de contar grandes quantidades, surgiu a representao destas contagens por smbolos. Os primeiros sistemas de numerao, em sua maioria, tinham por regra formar os numerais pela repetio de smbolos bsicos e pela soma de seus valores. De acordo com Ifrah (2005), a regio do planeta onde aconteceu o desenvolvimento do uso dos nmeros est nas proximidades das margens do mediterrneo e no Oriente Mdio, onde se localizavam as civilizaes dos sumrios, babilnios, egpcios, gregos, romanos, hebreus e hindus.

    A ideia de base para um sistema de numerao (ou contagem) surgiu da necessidade de efetuar contagens mais extensas e elaboradas. O zero s foi inserido tempos depois e o sistema posicional estabeleceu o que hoje conhecemos como valor absoluto e valor relativo de um nmero.

    Devido grande importncia na composio dos nmeros inteiros, os nmeros primos sempre foram objeto de estudo entre matemticos. possvel que as primeiras descobertas sobre estes instigantes nmeros tenham sido feitas pela Escola Pitagrica, que j entendia a ideia de primalidade e comeava o estudo dos nmeros perfeitos e dos nmeros amigveis.

    Sautoy (2007, p.13) escreveu que os primos so as prolas que adornam a vastido infinita do universo de nmeros que os matemticos exploraram ao longo dos sculos. J em 300 a. C., Euclides trouxe muitos resultados importantes sobre nmeros primos que j tinham sido provados por diferentes estudiosos. No livro IX aparece a prova de que existem infinitos

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    nmeros primos (Proposio 20: Existem mais nmeros primos que qualquer quantidade dada de nmeros primos) e uma demonstrao parcial do Teorema Fundamental da Aritmtica (Proposio 14: Se um nmero o menor que medido por nmeros primos, ento ele no medido por nenhum outro primo exceto aqueles que o mediam desde o princpio). Pode-se dizer que os nmeros primos so as partculas que formam os demais nmeros.

    Segundo Gundlach, (1992, p. 49), Euclides deu uma das primeiras contribuies significativas teoria dos nmeros primos ao provar que o conjunto destes nmeros infinito; alis, a demonstrao desse fato a primeira demonstrao por reduo ao absurdo que se tem notcia. O Crivo de Eratstenes, apresentado em 200 a.C., um dos primeiros algoritmos para calcular nmeros primos. Fermat, no incio do sculo XVII, provou que todo o nmero primo da forma 4n+1 pode ser escrito de um s modo como soma de dois quadrados e provou o que hoje conhecido como Pequeno Teorema de Fermat (cf. Teorema 1.2.3).

    Euler tem uma grande importncia na Teoria dos Nmeros Primos, pois desdobrou o Pequeno Teorema de Fermat e introduziu a funo-fi de Euler. Legendre e Gauss fizeram clculos sobre a densidade dos nmeros primos e chegaram conjectura de que para um nmero natural grande a densidade de nmeros primos perto desse mesmo semelhante a 1 log , conhecida como o Teorema dos Nmeros Primos.

    Os nmeros primos suscitam uma srie de questes interessantes e, por isso, aparecem em vrios problemas ilustres ainda sem soluo. Um deles a chamada hiptese de Riemann (cf. def. 1.2.3), um dos sete problemas do milnio, considerado atualmente o mais importante problema da Matemtica Pura. Um outro, a Conjectura de Goldbach (cf. def. 1.2.2). 2.2 Resultados sobre Nmeros Primos

    A pergunta que se faz necessria : afinal, o que um nmero primo? Dizemos que

    um natural p maior que 1 dito primo quando impossvel escrever p como o produto de dois nmeros naturais a e b com 1e 1. Consequentemente, os nicos divisores naturais de um nmero primo so a unidade e ele prprio.

    Uma das primeiras questes interessantes que se pode notar sobre nmeros primos a falta de regularidade na distribuio de sua sequncia, podemos ter primos muito prximos, mais afastados e outros muito distantes dentro de um intervalo, como 2 e 3 (que so consecutivos) ou 577 e 587 (que distam dez unidades, sem nenhum primo entre eles). Outro ponto curioso a existncia de intervalos, to grande quanto quisermos, onde no existem nmeros primos, os chamados desertos de nmeros primos. Para encontrarmos estes desertos basta tomarmos um nmero natural n suficientemente grande e considerarmos os nmeros ! 2, ! 3, , ! . O intervalo ! 2, ! possui apenas nmeros compostos e quanto maior o n escolhido, maior o intervalo.

    Antes de descrevermos como estes nmeros esto sendo abordados na escola, estabeleceremos alguns resultados que sero usados para entender os mistrios que envolvem estes nmeros e, tambm, para explicar como o cdigo RSA (um sistema criptogrfico que utiliza nmeros primos) funciona. As demonstraes desses resultados so baseadas naquelas encontradas em Hefez (2006) e em Coutinho (2005).

    O primeiro resultado ser utilizado na demonstrao do teorema fundamental da aritmtica.

    Proposio 2.2.1 (Lema de Euclides): Sejam , , , , com p primo. Se |. ,

    ento | ou |.

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    Demonstrao: suficiente provar que se |. e ento |. Suponhamos que no divide , da , 1. Pelo Algoritmo de Euclides estendido, existem , tais que . . 1

    e . . . . Como |. (pela hiptese) e |, ento |. Teorema 2.2.1 (Teorema Fundamental da Aritmtica): Todo nmero natural maior do

    que 1 ou primo ou se escreve de modo nico (a menos da ordem dos fatores) como um

    produto de nmeros primos. Demonstrao: Usaremos o Segundo Princpio da Induo para demonstrarmos o

    teorema. (Existncia) Se 2 verifica-se que o resultado valido, pois 2 primo.

    Suponhamos a afirmao verdadeira para todo ! tal que 2 " ! # e provemos que vale para . Se primo, ento a afirmao valida. Seja um numero natural composto, da existem $, % , tais que $. %, ento 1 # $ # e 1 # % # . Pela hiptese de induo, existem primos $, %, , & , '$, '%, . . ., '( tais que $ $. %. . & e % '$. '%. . '(. Logo, $. %. . & . '$. '%. . '(, ou seja, produto de nmeros primos.

    (Unicidade) Seja )$.)%, , )* +$, +%, , +,, com )$.)%, , )*, +$, +%, , +, primos. Ento )$|+$. +% +,, da, pela proposio 1.2.1, )$|+-, para algum 1 " " .. Podemos supor, sem perda de generalidade que 1. Como )$ e +$ so primos, )$ +$. Cancelando )$e +$ na igualdade )$.)%, . )* +$. +%. . +,, segue que )%)* +%+,. Repetindo esse procedimento, temos que / . e os )0 e +- so iguais, aos pares.

    Teorema 2.2.2: Existem Infinitos Nmeros Primos. Demonstrao: Suponha, por absurdo, que exista um nmero finito de primos $,%, , &. Tomemos o numero natural $,%, , & 1. Pelo Teorema Fundamental da

    Aritmtica, possui, ao menos, um fator primo , que deve ser algum *, com 1 " / " ). *|$. %& e *|, logo *|1 , o que absurdo, pois 1 no tem divisores maiores que ele mesmo. Logo, existem infinitos primos.

    Mtodo 2.2.1 (Crivo de Eratstenes): Utilizado para encontrar os nmeros primos ou determinar se um nmero primo,

    baseia-se na eliminao dos mltiplos dos primos anteriores ao nmero que se deseja caracterizar como primo ou no. Para simplificar o mtodo, basta eliminar os mltiplos dos nmeros primos cujo quadrado no supere o nmero que desejamos testar a primalidade, com base no seguinte resultado.

    Proposio 2.2.2: Se um nmero natural 1 no divisvel por nenhum nmero

    primo p tal que % " , ento ele primo. Demonstrao: Suponha, para um absurdo, que no seja divisvel por nenhum

    primo , com % " . Seja ' o menor primo que divide , ento '. ! e ' # !. Da, '% '. ' " '. ! '% " , o que absurdo, pois divisvel por um primo ' tal que '% " . Logo, primo.

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    Como exemplo, vamos utilizar o Crivo de Eratstenes para determinar todos os

    nmeros primos menores que 197. Construmos uma tabela contendo todos os nmeros naturais de 2 a 197. Comeando pelo primeiro nmero (o nmero 2), descartamos da tabela todos os mltiplos de 2 que so maiores que 2. Aps fazer esse descarte, o prximo nmero da lista aps o 2 (o nmero 3, no caso) ser primo. Repetimos o processo removendo da tabela os mltiplos de 3 que so maiores que 3. Procedemos dessa forma at realizar todas as remoes possveis. Os nmeros que no foram descartados da tabela so os primos menores ou iguais a 197. Note que, pela Proposio 2.2.2, caso desejssemos apenas saber se 197 primo, seria necessrio eliminar apenas os mltiplos dos nmeros primos 13, pois o quadrado do primo 17 supera 197.

    2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

    16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 131 132 133 134 135 136 137 138 139 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149 150 151 152 153 154 155 156 157 158 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172 173 174 175 176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 188 189 190 191 192 193 194 195 196 197

    Lema 2.2.1: Seja p um nmero primo. Os nmeros 23*4, onde 0 # / # , so todos

    divisveis por p.

    Demonstrao: Se / 1, temos que 617 e . Tomemos ento 1 # / # . Como 6/ 7 3!*!39*! 3.39$3:$9*.39**!39*! 3.39$.....3:$9**!

    Temos que /! ; 1 1 ; / . Mas, o mximo divisor comum entre /! e 1; da /! | ; 1 1 ; /. Logo, 6/ 7 . , onde 39$..3:$9**! , e | 6/ 7.

    Teorema 2.2.3 (Pequeno Teorema de Fermat): Dado um nmero primo p, tem-se que

    p divide o nmero 3 ; , para todo . Demonstrao: Utilizemos o principio da induo sobre . Para 1 temos 3 ; 0, da |0, que verdade. Suponha que o resultado valido para e provemos para 1. Temos: 13 ; 1 3 617 39$ 627 39% 6 ; 17 1 ; 1 3 ; 6/ 7 39$ 627 39% 6 ; 17

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    Pela hiptese de induo, 3 ; e pelo lema acima 6/ 7 , 0 # / # ; 1, da 13 ; 1. Corolrio: Se p um nmero primo e se um nmero natural no divisvel por p,

    ento p divide 39$ ; 1.

    Demonstrao: Temos pelo Pequeno Teorema de Fermat que |3 ; , ento |39$ ; 1. Pela hiptese , ento |39$ ; 1. Conjectura de Goldbach: Todo nmero inteiro par maior que 2 pode ser

    representado como a soma de dois nmeros primos.

    A Conjectura de Goldbach foi pela primeira vez enunciada numa carta que Christian Goldbach enviou a Eler no dia 7 de Julho de 1742. At hoje, diversos matemticos tentam demonstr-la, mas apenas conseguiu-se verificar sua validade para nmeros da ordem de 10 elevado a 14. (CABETTE et al, 2008)

    Hiptese de Riemann: Em 1859, Bernhard Riemann, entregou Academia das

    Cincias de Berli um relatrio (de apenas oito pginas) que tinha por ttulo Sobre o nmero de nmeros primos que no excedem uma grandeza dada. ali que surge a hiptese de Riemann, que provavelmente o mais famoso problema em aberto da Matemtica.

    A Hiptese de Riemann busca entender o comportamento dos nmeros primos, atravs da funo zeta, uma funo proposta por Euler

    =+ 1 12( 13( > 1(?@A$ B

    (( ; 1?3C%,33&*-D

    Riemman trabalhou na funo Zeta como uma funo de uma varivel complexa z.

    Neste caso, se EFG H 1, a funo no possui zeros; se EFG " 0, ela possui os zeros triviais ;2,;4,;6, e se 0 # EFG # 1, existem infinitos zeros no triviais. Segundo a hiptese de Riemann, todos os zeros no triviais estariam sobre a reta EFG $%. A demonstrao da hiptese de Riemann poderia revelar a maneira como os primos se distribuem (veja ALVITES, 2012).

    Definio 2.2.2 (Funo K de Euler): A funo K de Euler de um natural n definida

    como o nmero de naturais menores ou iguais a n que so relativamente primos com n, ou

    seja, K #N1 " " /, 1P.

    Quando n primo, K ; 1. Proposio 2.2.3: Sejam , , primos e distintos. Ento K KK. Demonstrao: Temos que K ; 1 e K' ' ; 1, pois e ' so primos.

    Faa, sem perda de generalidade, # '. Considere o conjunto dos naturais que vo de 1 at . ' e dele vamos descartar todos os nmeros que so divisveis por e os que so divisveis por '.

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    Os nmeros divisveis por so: . 1, . 2, , . '. E os divisveis por ' so: '. 1, '. 2, , . '. Observe que . ' aparece nos dois conjuntos, ento devemos repor um

    elemento. Da: K. ' . ' ; ; ' 1 ' ; 1 ; ' ; 1 ; 1' ; 1 KK'.

    Observao 2.2.1: A Proposio 2.2.3 vlida, mais geralmente, para dois nmeros

    naturais e que sejam primos entre si. Para a demonstrao dessa verso mais geral, veja Hefez (2006, p.132, Prop.10.1.3).

    Definio 2.2.3: Congruncia mdulo m Seja m um natural diferente de zero, os naturais a e b so congruentes mdulo m

    ( S) se os restos da diviso euclidiana por m so iguais. Teorema 2.2.4 (Euler): Se um inteiro positivo e um inteiro tal que , 1, ento T@ 1S. Demonstrao: Temos que todo inteiro que primo com tem um inverso mdulo . De fato, pelo Algoritmo de Euclides Estendido, se , 1, ento existem inteiros +

    e U tais que + U 1; assim, 1 ; + U 0S, ou seja, + 1S, como queramos.

    Sejam 1 $ # % # # T@ " ; 1 os K inteiros entre 1 e que tem 1 com . Pelo Teorema Fundamental da Aritmtica, 2$. %T@, 4 1. Da, $. %T@ tem inverso mdulo , que denotaremos por V. Seja agora um inteiro qualquer com , 1. Para cada / 1, 2, , K, temos que . *, 1. Segue que . * , S para algum ..Alm disso, se . & . (S, multiplicando ambos os lados da congruncia pelo inverso de mdulo , temos que & (S, o que s possvel para & (. Podemos concluir que cada inteiro do conjunto W. $, , . T@X congruente a um nico inteiro do conjunto W$, , T@X. Portanto, pela propriedade multiplicativa das congruncias: Y. $. . 2. T@4Z $T@S Assim, YT@. 2$T@4Z $T@S. Multiplicando os dois lados da congruncia por V, obtemos T@ 1S. 2.3. Ensino de Matemtica - onde foram parar os Nmeros Primos?

    A preocupao com o ensino da matemtica histrica. Na Grcia antiga a

    matemtica era ensinada na escola pitagrica, como um conhecimento necessrio para a formao dos filsofos e dos futuros governantes. Com Plato ocorre implantao definitiva da disciplina matemtica, estendida at ao nvel das crianas.

    Um recorte da histria do ensino no Brasil mostra que a matemtica inicialmente foi considerada como uma rea do conhecimento de pouco valor pelos padres da companhia de Jesus no perodo colonial. A partir da repblica, com os novos padres do mundo do capital, passa a ser, como componente curricular, uma das principais referncias para o conhecimento.

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    DAmbrosio (2008, p. 43) afirma que, ainda no perodo da colnia, pode ser evidenciada, a necessidade de conhecimentos matemticos para:

    A fundao de cidades, na costa e no interior, exigiu a construo de grandes igrejas e edifcios pblicos, a urbanizao e o traado de estradas, a construo de pontes, e outras tantas atividades que revelam considerveis conhecimentos matemticos. [...] Desde os primeiros tempos da colnia, a construo de fortes era prioridade. Nessa perspectiva, o ensino de matemtica consistiria basicamente em transladar, de alguma forma, parte dos saberes canonizados do campo filosfico ao mundo profano dos estudantes.

    Essas necessidades emergentes deram matemtica um status inexistente, at ento, na colnia. Valente (1999) apresenta que o ensino da matemtica no Brasil se deu para a preparao militar, com aulas de artilharia e fortificaes e para atender a essa necessidade foram contratados professores estrangeiros para desenvolver atividades. Mesmo com essa necessidade to explcita, pouco foi realizado para ampliar a abrangncia dos estudos em matemtica, pela precariedade material e pelas medidas de controle emitidas pela coroa portuguesa durante o perodo colonial. No perodo das aulas rgias o desinteresse pelas aulas de matemtica foi to intenso, que se instituiu, por meio de edital, penalidades aos alunos que no alcanassem o rendimento esperado ou no comparecesse s aulas (MIORIM, 1998). Com a proclamao da repblica em 1889, organizou-se a educao brasileira aos moldes da escola francesa, onde a matemtica foi considerada como uma das principais e essenciais disciplinas do currculo. A partir da Reforma Campos, a matemtica nasce como disciplina escolar, unificando os ramos da matemtica representados pela aritmtica, lgebra e geometria que, at ento, eram tidas como disciplinas independentes.

    Atualmente, a matemtica est presente na escola desde a Educao Infantil. J nos primeiros anos de escolarizao nos vemos diante de atividades de arme e efetue, contagem ou exerccios sem significados e distantes da realidade. A matemtica apresentada na escola soa vazia, pouco ou quase nenhum espao tem-se para o pensar. O pensar com liberdade, este pensar que encontrar, desencontrar e reencontrar.

    A matemtica vista por muitos como um contedo pronto, acabado e incontestvel. Para estes, fazer matemtica o mesmo que resolver listas de exerccios em que frmulas so aplicadas, sem nenhum sentido. Todos os alunos aprendem a memorizar e repetir operaes, tabuadas e contas consagradas ou no. Constatando ser esse o caminho mais curto, tranquilo e seguro os alunos vo passando pela escola sem que realmente faam uso do que a educao se prope a fornecer. Uma vez iniciado esse processo de faz-de-conta, esse ciclo se perpetua pelo ensino fundamental, mdio e, em algumas vezes, vergonhosamente no ambiente acadmico. Mas ora, se a escola tem como um de seus objetivos formar cidados crticos e participativos, como possvel a essa instituio imputar averso ao importante requisito de crtica e participao social que o pensar? Como afirma Freire (1980),

    [...] o educador ou a educadora crtica, exigente, coerente, no exerccio de sua reflexo sobre a prtica educativa ou no exerccio da prpria prtica, sempre a entende em sua totalidade. No centra a prtica educativa, por exemplo, nem no educando, nem no educador, nem no contedo, nem nos mtodos, mas a compreende nas relaes de seus vrios componentes, no uso coerente por parte do educador ou da educadora dos materiais, dos mtodos, das tcnicas. (p. 110)

    Todos os professores de matemtica enfrentam, anualmente, a tarefa de comear as aulas para um pblico novo. Quando necessrio comear do zero, o desafio ainda maior. Isto porque se sabe que preciso estar preparado para enfrentar algumas perguntas que inevitavelmente chegaro: o que matemtica?, para que serve?, o que fazem os matemticos?.

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    Segundo Resende (2007), o nmero primo um conceito fundamental na Teoria Elementar dos Nmeros. Desde a dcada de 1990, estudos e pesquisas vem sendo realizados com questes relacionadas ao ensino e aprendizagem da lgebra, tanto nos Ensinos Fundamental e Mdio, como no Ensino Superior, apontando para a relevncia de se definir o papel da Aritmtica no ensino da matemtica, no que diz respeito a Teoria Elementar dos Nmeros. Machado et al. (2005) afirmam que ela tem um potencial formador que vem sendo negligenciado em todos os nveis de escolarizao e apontam alguns objetivos para seu ensino:

    [] auxiliar a reconhecer e compensar limitaes de estudantes em seu entendimento conceitual da aritmtica dos nmeros inteiros; criar oportunidades, atravs da abordagem de tpicos como decomposio em primos e divisibilidade, para propor problemas fecundos que desenvolvam a compreenso conceitual da matemtica; instigar as habilidades de estudantes para generalizar e fazer conjecturas e para encontrar maneiras de justificar essas conjecturas; promover o desenvolvimento de estratgias de prova indutivas e dedutivas. (MACHADO; MARANHO; COELHO, 2005, p. 2).

    Sobre a aprendizagem dos nmeros primos, as investigaes vm mostrando que ela no se completa nos anos iniciais do Ensino Fundamental; a Teoria dos Nmeros Primos tem um papel central na Matemtica e na Histria da Matemtica, e que pouco enfatizada nos currculos. Moreira (2004, p. 85) afirma que a aritmtica dos naturais um tema complexo, cuja apreenso, em nveis considerados satisfatrios, no se esgota no processo que se desenvolve ao longo das sries iniciais.

    O primeiro contato que o aluno tem com o contedo de nmeros primos a definio errada dada pelo professor do primeiro segmento do ensino fundamental: o nmero que s divisvel por 1 e por ele mesmo, alm disso, o nico nmero par que primo o 2. Da passa-se a exerccios de teste de primalidade a partir de divises exaustivas, onde testa-se quais nmeros so primos; devido ao mtodo primitivo, geralmente, contenta-se em conhecer os primos compreendidos entre 1 e 30 ou ainda recomenda-se que os alunos devem tentar memorizar nmeros primos, pelo menos os nmeros primos abaixo do 50 ou do 100.

    Esta poderia ser uma apresentao inocente, se no trouxesse precipitaes j em sua definio; o fato do nmero 2 ser o nico par que primo uma consequncia e no uma definio. Alm disso, no se faz relao com o contedo j aprendido, qual seja, paridade de um nmero a esta altura os alunos j sabem (ou deveriam saber?) que um nmero par mltiplo de 2 e assim, todo nmero par (exceto o 2) j apresenta um divisor diferente de um e dele mesmo. Sem contar que, existem autores que dizem que um nmero natural primo se for divisvel apenas por 1 e por ele mesmo. Seguindo a ideia dessa frase, 1 seria considerado primo!

    J no incio do segundo segmento do ensino fundamental, apresentamos a fatorao de um nmero em fatores primos, para uso no clculo do Mnimo Mltiplo Comum (MMC) e Mximo Divisor Comum (MDC). Em uma verso escolarizada do Teorema Fundamental da Aritmtica, os alunos utilizam a tcnica da fatorao para resolver problemas que envolvem estes contedos, como o abaixo, que emprega o MDC:

    Trs peas de tecido medem respectivamente, 180m, 252m e 324m. Pretende-se dividir

    em retalhos de igual comprimento. Qual dever ser esse comprimento de modo que o nmero

    de retalhos seja o menor possvel? Em quantos pedaos as peas sero dividas?

    Primeiro preciso calcular o MDC entre 180, 252 e 324, fatorando os nmeros

    simultaneamente:

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    180 252 32490 126 1624515563217

    81279 __ 223336

    A fatorao produz como resultado o comprimento do tecido, 36 metros, e quantos

    pedaos sero obtidos: 5 da primeira pea, 7 da segunda e 9 da ltima.

    O problema que esta maneira de calcular o MDC entre os nmeros no faz nenhuma relao com o que o aluno fazia at ento (listar os mltiplos ou divisores dos nmeros e comparar), nem mesmo fazem referncia aos critrios de divisibilidade, que em alguns casos so estudados depois, ou nem chegam a ser conhecido pelos educandos. A ideia de que a meta principal da escola no o ensino dos contedos disciplinares, mas sim o desenvolvimento das competncias, est atualmente no centro das atenes. preciso apresentar o contedo de modo que os alunos possam fazer descobertas significativas para o seu aprendizado.

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    CAPTULO 3 - TEORIA DOS NMEROS E CRIPTOGRAFIA O uso da criptografia j se fazia presente no sistema egpcio de escrita hieroglfica; em

    diferentes pocas e lugares, sistemas para ocultar de terceiros certas informaes compartilhadas e importantes, foram criados. Na Palestina foram usadas as cifras hebraicas. Jlio Csar usava um cifrrio para comunicar seus planos de batalha aos generais de seu exrcito. Hoje contamos com sofisticados sistemas criptogrficos que utilizam a matemtica dos nmeros primos para que possamos estar seguros em nossas transaes bancrias e troca de informaes pela rede virtual.

    3.1 O Caminho da Criptografia

    A palavra criptografia deriva do grego, onde cryptos significa oculto, secreto, escondido e grapho significa escrita, grafia. A criptografia pode ser entendida como o estudo de mtodos para transformar uma mensagem em algo incompreensvel para todos (codificao), exceto para o destinatrio da mensagem que a tornar legvel (decodificao).

    Os hebreus, desde a Antiguidade, tinham interesse em ocultar informaes. Para tal utilizavam, pelo menos, trs tipos de cifras atbash, albam e atbah, que consistiam em substituir umas letras pelas outras. Na cifra atbash, a primeira letra do alfabeto substituda pela ltima, a segunda letra pela penltima e assim sucessivamente. Na cifra albam, a substituio feita da seguinte maneira: a primeira letra substituda pela que ocupa 14 posio, a segunda letra pela que ocupa a 15, at a 13 letra ser substituda pela 26, de modo que o sistema fica da seguinte maneira:

    A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M

    A cifra atbah tinham a seguinte substituio:

    A B C D J K L M E S T U V I H G F R Q P O N Z Y X W

    Os espartanos usavam o scytale ou basto de Licurgo para transmitir mensagens

    confidenciais. Trata-se de uma cifra de transposio onde era enrolada uma tira de couro ou papiro num cilindro, escrevia-se uma mensagem no sentido do seu comprimento, em seguida desenrolava-se a tira e era transportada at o destinatrio, que por sua vez enrolava a tira num basto de igual dimetro e decodificava a mensagem.

    A cifra de Polbio data de 200 a.C e consiste no uso da tabela abaixo em que cada letra passa a ter como representao duas outras, duplicando a extenso da mensagem original:

    A B C D E A A B C D E B F G H I/J K C L M N O P D Q R S T U E V W X Y Z

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    H ainda uma outra verso desta mesma cifra em que as letras A, B, C, D, E utilizadas para codificar as mensagens so trocadas pelos nmeros 0, 1, 2, 3 e 4; desta forma, a mensagem poderia ser enviada por meio escrito ou utilizando as mos ao segurar tochas de fogo (dois grupos de 5) representando os nmeros e transmitindo a mensagem letra a letra (FIARRESGA,2010).

    O famoso Julio Csar (por volta de 60 a.C.) usava um cifrrio para comunicar seus planos de batalha aos generais de seu exrcito. Suetnio, escritor romano que viveu no incio da era crist (69 d.C.), em Vida dos Doze Csares, conta que Jlio Csar usava na sua correspondncia particular um cdigo de substituio no qual transladava as letras do alfabeto trs casas adiante. Aps um tempo, a denominao de Cdigo de Csar passou a designar qualquer cifra na qual cada letra da mensagem seja substituda por outra deslocada um nmero fixo de posies.

    As cifras utilizadas durante muito tempo eram cifras monoalfabticas, por isso em 855 d.C., no livro Um Manuscrito sobre a Decifrao de Mensagens Criptogrficas (al-Kindi), descrito um mtodo para decifrar mensagens, utilizando a anlise de frequncias. Quando contamos a frequncia com que as letras aparecem em um texto longo (figura 1), em qualquer idioma, descobrimos uma frequncia relativa; a partir deste fato, foi possvel decifrar diversas mensagens e quebrar vrios cdigos monoalfabticos; isto ocorre porque, geralmente, as letras mais frequentes no texto cifrado representam as letras mais comuns do idioma mesmo que no siga a mesma ordem. Um texto cifrado em nosso idioma dever conter mais cifras que representem as letras A, E, O, que so as mais frequentes em portugus, podendo acontecer da cifra da letra E se repetir mais vezes que a da letra A e, mesmo assim, reduzir as possibilidades de decodificao.

    Fonte: COUTINHO, 2012. Aritmtica I, material de disciplina. Figura 1- Anlise da frequncia de letras em portugus

    Os Templrios utilizaram a criptografia para comunicao e para codificar letras de

    cmbio e outros documentos financeiros e comerciais. A cifra (figura 2) foi retirada da Cruz das Oito Beatitudes, que era o emblema da Ordem dos Templrios e se utilizava de smbolos, no apenas de permutaes de letras.

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    Fonte: FIARRESGA, 2012. Criptografia e Matemtica, p.11

    Figura 2 Cifra utilizada pelos Templrios

    Em 1411, surgem as primeiras cifras homofnicas. Para dificultar a anlise de frequncias, so introduzidos os homfonos e os nulos. Os primeiros consistiam de smbolos diferentes para representar a mesma letra e os ltimos eram colocados aleatoriamente ao longo do texto cifrado para confundir qualquer um que fizesse uma anlise de frequncias do texto. Em uma cifra de substituio homofnica, cada letra substituda por uma variedade de smbolos, proporcional frequncia da letra. Por exemplo, a letra A corresponde a 14% de todas as letras que aparecem num texto em portugus, da, deve-se criar 14 smbolos para representa-lo e a cada vez que a letra A aparecer no texto original, substitumos por um dos 14 smbolos criados. Desta forma, a frequncia dos smbolos fica mais equilibrada no texto cifrado, diminuindo a possibilidade da mensagem ser decodificada por algum a quem a mensagem no se destina.

    O primeiro sistema polialfabtico conhecido surge em 1466, o disco de cifra era constitudo por dois discos concntricos, divididos em vinte e quatro setores. No disco maior, que era fixo, se escrevia cada uma das letras do alfabeto (exceto H, J, K, U, W e Y) e os algarismos 1, 2, 3 e 4. O disco menor, mvel, continha de forma aleatria as letras do alfabeto. Para cifrar uma mensagem com o disco de cifra escolhe-se uma letra chave e uma palavra-chave, de forma que se tem uma cifra polialfabtica, onde o nmero de alfabetos de cifra utilizados depende da quantidade de letras da palavra-chave escolhida. O disco de cifras do sculo XV inspirou outros: em 1795, o ento secretrio de estado norte americano Thomas Jefferson criou uma mquina de codificao (figura 3) que consistia de 25 discos de madeira os quais giram em torno de um eixo comum. Para torna-los individuais, em cada disco de madeira as 26 letras do alfabeto foram gravadas de forma aleatria.

    Fonte: Cipher Machines. Disponvel em:< http://ciphermachines.com/jefferson>. Acesso em 5 mar 2013.

    Figura 3 Disco de Cifras criado por Thomas Jefferson

    Em 1563, Della Porta utilizou onze alfabetos distintos para criar uma cifra. No sculo XVI, o filsofo ingls Francis Bacon criou um cdigo, utilizando apenas as letras A e B, em

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    que cada letra substituda por uma combinao com cinco itens; tal codificao pode servir para escrever cada uma das letras em cdigo binrio, bastando substituir A e B por 0 e 1.

    Foi o matemtico alemo, Gottfried Wilhelm Von Leibniz, quem inventou a mquina de calcular e descreveu o sistema binrio. J Gilbert Sandford Vernam, utilizando uma chave aleatria, inventou uma mquina de cifragem polialfabtica. Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, o exrcito alemo inventou e usou a cifra ADFGVX, que era simultaneamente de substituio (semelhante cifra de Polbio) e transposio (escolhia-se uma palavra-chave e escrevia-se a mensagem que j estava cifrada, em seguida ordenavam-se as letras da palavra-chave por ordem alfabtica). As mensagens eram transmitidas em Cdigo Morse.

    Em 1929 surge um texto codificado atravs de uma operao de matrizes. Aps a Primeira Guerra Mundial, cria-se a mquina Enigma (figura 4), devido ao elevado nmero de chaves utilizadas e sua complexidade foi empregada para fins militares pelos alemes.

    Fonte: Redes. Disponvel em: . Acesso em 05 mar 2013.

    Figura 4 Mquina Enigma

    Em meados do sculo XX, o computador trouxe consigo um problema para a criptografia: como as empresas poderiam trocar mensagens com um grande nmero de informaes de forma segura e eficiente? Alm disso, a necessidade da troca de chave entre emissor e destinatrio tornava a tarefa vulnervel (a chave poderia ser interceptada) e impossibilitava o envio de mensagens codificadas a quem no tivesse conhecimento da chave.

    At o final do sculo XX, as chaves criptogrficas eram funes injetivas, que permitam a sua decodificao atravs da sua funo inversa; ou seja, letras distintas resultavam em smbolos distintos e para decodificar bastava usar o processo inverso daquele feito na codificao. Em 1976, Whitfied Diffie e Martin Hellman encontraram uma forma de poder haver uma troca segura de chaves, sem as pessoas se encontrarem, atravs da aritmtica modular e da cifra assimtrica. A ideia era usar uma chave para codificar a mensagem e outra para decodificar. Foram Ronald Rivest, Adi Shamir, e Leonard Adleman que, em Abril de 1977, criaram a cifra assimtrica RSA. As funes de codificao e de decodificao utilizadas neste sistema so unidirecionais, ou seja, uma funo computacionalmente vivel de se calcular f(x) dado x e computacionalmente invivel determinar x tal que f(x) = y dado y.

    Depois desta, outras cifras assimtricas foram criadas: em 1984, Taher ELGamal cria uma baseado no Problema do Logaritmo Discreto; em 1986, Miller introduz na criptografia as curvas elpticas; os anos 90 trouxeram os estudos dos computadores qunticos e criptografia quntica.

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    3.2 O Mtodo RSA

    O RSA um mtodo criptogrfico assimtrico muito usado em aplicaes comerciais. De modo geral, para codificar uma mensagem usando o RSA preciso obter dois primos grandes e para decifrar seria necessrio fatorar o produto destes primos. Neste mtodo quem tem a chave de codificao no tem necessariamente a chave de decodificao. Apresentaremos agora o modo como o mtodo funciona. Em primeiro lugar, cada letra do alfabeto deve estar associada a um valor numrico, alm de uma numerao especfica para o espao entre palavras. Esta associao feita de acordo com a escolha de quem deseja criptografar a mensagem, tomando-se o cuidado de associar cada letra a um nmero que tem sempre a mesma quantidade de algarismos, para que no haja um agrupamento errado. Computacionalmente utilizamos a tabela ASCII1. necessrio escolher dois nmeros primos p e q (com ` ') que sero usados para obter as chaves de codificao e decodificao; uma parte obtida pela multiplicao dos primos p e q ( . ').

    Outra parte da chave de codificao obtida pela funo K de Euler de n. Temos: K K. ' KK' ; 1' ; 1, pois, , ' 1.

    Ao calcularmos K devemos procurar o nmero F, tal que, 2F, K4 1. Desta forma, a chave ser o par , F. Obtida a chave, passa-se codificao da mensagem, atravs de sistema de congruncias. Para tal, dividimos a mensagem numrica, gerando uma sequncia que quebrada em blocos de diferentes tamanhos, que representam inteiros m no intervalo 0, . Ento cada bloco A codificado.

    Para cada bloco, usa-se a congruncia: ab ES,

    Aps a codificao destes blocos no poderemos mais agrup-los, para que possamos

    decifrar os dados. Para a decodificao dos dados, determina-se tal que F 1SK, ou seja, o inverso multiplicativo de F mdulo K; e fazemos para cada bloco codificado E, Ec dS. O usurio do sistema RSA publica a chave de codificao F, e mantm em segredo a chave de decodificao , .

    Observemos que todo o processo de codificao usa a Teoria dos Nmeros para criar a chave e que a multiplicao de dois primos grandes facilmente calculada (com o auxlio dos computadores), mas que dado o produto de dois primos grandes obter a fatorao do produto no tarefa simples. Para decodificar a mensagem necessrio saber quais so os nmeros primos e ' tais que '. A segurana do RSA baseada na impossibilidade de se fatorar um nmero grande rapidamente (Tabela 1). E precisamos da fatorao de para calcular K.

    Talvez, uma pergunta intrigante seja: se to difcil fatorar um nmero grande, como encontrar primos enormes para gerar minha chave de codificao? A resposta que existe uma diferena considervel entre detectar se um nmero primo e fator-lo. Testes como o de Monte Carlo (veja BERNSTEIN, 2002) identificam a primalidade de um nmero com milhes de casas decimais em tempo muito rpido, sem a necessidade de usar fatorao. H tambm testes de primalidade determinsticos como o AKS, um pequeno algoritmo de 14 linhas onde possvel identificar a primalidade de um nmero em tempo polinomial (veja BRAGA, 2002 e COUTINHO, 2004).

    1 Na tabela ASCII (American Standard Code for Information Interchange) cada caracter representado por um cdigo de 8 bits (um byte), ou seja, combinaes numricas de 0s e 1s, com oito algarismos.

  • 17

    n de algarismos de n Tempo necessrio para quebrar o RSA

    50 3,9 horas 75 104 dias 100 74 anos 200 3,8 x 107 sculos 300 4,9 x 1013 sculos 500 4,2 x 1023 sculos

    Tabela 1 Tempo para quebrar o RSA. Adaptada de: Criptografia e a importncia das suas aplicaes. RPM 12. Suponha, para fins de exemplo, que queremos codificar a mensagem SOU ME DA

    JULIA utilizando o sistema RSA. Primeiro, associamos cada letra do alfabeto um nmero natural:

    A B C D E F G H I J K L M

    11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23

    N O P Q R S T U V W X Y Z

    24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36

    O espao ser associado ao nmero 37. Observe que s usamos nmeros naturais com

    2 dgitos: 11, 12, ..., 37. Se tivssemos escolhido valores de 1 a 27 no saberamos se 25 corresponde letra Y ou slaba BE. Nossa mensagem numrica ser

    29253137231115371411372031221911

    Agora, escolhemos dois nmeros primos distintos. Usaremos os nmeros 5 e 11, para

    facilitar os clculos (observando que na aplicao real, escolhemos primos muito grandes), temos 5 e ' 11, da 5.11 55 e K 4.10 40 e podemos tomar F 3. A prxima etapa dividir a sequencia acima em blocos com nmeros menores que 55 (valor de n), obtemos, por exemplo:

    29 2 - 53 13 7 23 1- 1- 1-53 - 7 - 20 3 12 21 9 11

    Aplicamos a cada bloco a congruncia ae ES55. Desta forma, temos: 29e 24S55. 2e 8S55. 53e 47S55. 13e 52S55. 7e 13S55. 23e 12S55. 1e 1S55. 20e 25S55. 3e 27S55. 12e 23S55. 21e 21S55. 9e 14S55. 11e 16S55.

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    Nossa mensagem ser:

    24 8 47 52 13 12 1- 1- 1- 47 13 - 25 27 23 21 14 16

    Para encontrarmos o valor , podemos utilizar o Algoritmo Euclidiano Estendido, onde teremos 1 27.3 ; 40.2, e a chave privada ser 55,27. Dizemos que o RSA um criptossistema cujo alfabeto de entrada o alfabeto binrio, e provaremos agora que o sistema funciona.

    Teorema 3.2.1. A decodificao do RSA funciona. Queremos provar que ao codificar um bloco da mensagem, poderemos decodifica-lo

    depois voltando ao bloco original. Demonstrao: Seja E, o bloco codificado, queremos provar que Ec aS.

    Como ab ES, ento, basta provar que ab.c aS. Temos que F. 1SK, ento ! g tal que F. 1 !. K. Logo, ab.c a$:0.T@ 2aT@40. aS. Se a, 1, podemos usar o Teorema de Euler: ab.c 2aT@40. a aS

    Se a, , temos: ab.c 2a39$40.h9$. aS. Se a, 1, pelo Teorema de Fermat, ab.c aS; caso contrrio, temos que |a e, portanto, ab.c 0 aS. Prosseguindo, de modo anlogo, quando a, ', obtemos ab.c aS'. Portanto, como . ', iabc aSabc aS' abc ; a !' abc aS' ab.c aS

    Para que o sistema RSA possa manter-se seguro necessrio que os nmeros p e q no estejam prximos um do outro, seno, ambos os primos estaro prximos de e da, possvel mostrar que n pode ser fatorado facilmente, atravs de um algoritmo devido a Fermat. Para mais detalhes, veja Coutinho (2005, Sees 2.4 e 2.5).

    Os mtodos de fatorao existentes ainda no do conta de fatorar nmeros inteiros

    to grandes quanto os utilizados nos RSA, por isso, este sistema criptogrfico muito utilizado e seguro.

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    CAPTULO 4 - EDUCAO MATEMTICA COMO FORMAO PARA O PENSAR

    Neste captulo sero abordadas as teorias sobre as quais as atividades propostas ao final desse trabalho foram pensadas, aes que no visam a aplicao de exerccios sobre determinados contedos, mas que se utilizam de conhecimentos matemticos para criptografar mensagens. Trouxemos as contribuies feitas por Jacques Rancire a partir de sua defesa da igualdade das inteligncias, quando recupera e experincia de Jacotot, no incio do sculo XIX, e as contribuies de Theodor Adorno sobre a relao educao-emancipao, fazendo um contraponto com os resultados dos alunos nas avaliaes em escalas nacionais. Depois so discutidas as ideias de Polya sobre a aprendizagem por Resoluo de Problemas, tambm presente nos Parmetros Curriculares Nacionais, que refora ainda a Histria da Matemtica como ferramenta de ensino-aprendizagem. 4.1 A troca de experincias: por um ensino emancipatrio

    A ideia de que a educao por si conduzir o aprendiz a um existir atravessado pelo

    pensamento est ultrapassada. O exerccio do pensamento algo que ningum pode fazer por ns: ensinar matemtica no pode significar mais que organizar e dispor atentamente os elementos que supomos contribuir para a iniciao do pensar.

    Viver a experincia do pensamento nos exerccios de matemtica experimentar uma desconstruo do tempo-espao que conhecemos na escola. Para Rancire, a igualdade necessria para a emancipao no possvel nos moldes de uma escola como a que temos, com prticas pedagogizadas, com seus fins predeterminados, que subordina uma inteligncia a outra inteligncia. Nesses termos, a igualdade um fim a ser alcanado pela escola, enquanto para o autor, a igualdade deve ser um princpio, invertendo completamente a lgica defendida pelo discurso hegemnico.

    No possvel, oferecer uma grade curricular com disciplinas desarticuladas que no visam a uma ligao efetiva entre teoria e prtica, e aspirar a um perfil de aluno capaz de questionar sua ao, propor solues e experiment-las.

    Hoje em dia, o Brasil consegue matricular quase todas as crianas (97%) no ensino fundamental. No entanto, os resultados das avaliaes da aprendizagem de matemtica no Brasil mostram que a melhoria, identificada no campo das pesquisas tericas e aplicada em Matemtica, no alcanou as atividades escolares. A matemtica no a nica matria em que os jovens se deparam com dificuldades, mas a matria em que so maiores as limitaes dos alunos. Os dados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica) mostram, alarmantemente, que o desempenho dos alunos est diminuindo: as informaes identificam 13 pontos a menos no desempenho dos alunos do ltimo ano do Ensino Fundamental em um perodo de apenas 10 anos (figura 5).

    Isto significa que os alunos do 9 ano do Ensino Fundamental (antiga 8 srie) no so capazes de identificar a localizao de nmeros inteiros na reta numrica ou resolver problemas utilizando diviso com resto diferente de zero ou, ainda, resolver equaes do 1 grau com uma incgnita. J os alunos do 5 ano do Ensino Fundamental (antiga 4 srie) no adquiriram habilidades consideradas bsicas, tais como: ler informaes e dados apresentados em tabela, identificar a localizao/movimentao de objeto em mapas (desenhado em malha quadriculada), identificar a diviso como a operao que resolve uma dada situao-problema.

    O caso no diferente no 3 ano do Ensino Mdio. Identificar em um grfico de funo o comportamento de crescimento/decrescimento, resolver problemas com uma equao de primeiro grau que requeira manipulao algbrica ou calcular o volume de slidos

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    simples (como o cubo) so problemas que eles no conseguem solucionar. Esses alunos esto em um nvel de conhecimento esperado para quem ingressa no Ensino Mdio.

    Fonte: Inep

    Figura 5 Mdias de Proficincia em matemtica Brasil 1995 2005 Tal realidade leva as seguintes indagaes: o que ocorre com aqueles para os quais a

    matemtica algo alheio e que acabam de entrar em contato com ela? possvel ensinar, possvel transmitir ou contagiar este interesse em problematizar? Em ltima instncia, possvel ensinar o desejo de fazer matemtica?

    H um senso-comum que atribui construo do pensamento um papel secundrio nos Ensinos Fundamental e Mdio, como se no fosse importante formao do educando. Trocar experincias com as crianas provoca a ao de pr em movimento o que estava parado. O professor deve incentivar a troca entre os alunos como forma de aprendizagem, respeitando o pensamento e a produo de todos e, assim, desenvolver um trabalho livre do preconceito de que Matemtica um conhecimento direcionado apenas para poucos.

    Nesse sentido, a educao teria mais do que uma dimenso adaptativa; Costa (2005, p. 61) nos auxilia nessa compreenso, afirmando que:

    A educao para a adaptao, como j destacado por Adorno (1995), tem a funo de preparar os homens para se orientarem no mundo. Ou seja, a questo da adaptao importante e a educao deve t-la como meta, mas deve ir alm dela, no sentido da emancipao.

    Pensar em escola democrtica possibilita a reflexo sobre a escola que se tem e a

    escola que se almeja. Sabe-se que a primeira segregadora, ou seja, no d conta de atender diversidade humana, educa para a homogeneizao, uma vez que desconsidera as diferenas e hierarquiza os indivduos. A sociedade comea a se mobilizar pela mudana e reorientao da escola que no se contenta mais em reproduzir a lgica da marginalizao, demasiadamente evidente na sociedade intolerante.

    Encontramos em Rancire (2002) um caminho para pensar na temporalidade das experincias de aprendizado a partir do que o autor trata como forma-escola. Escola aqui no como um lugar ou uma funo definida por uma finalidade social, mas escola como cio. Rancire traz os sentidos da schol grega, no como um lugar de transmisso de saberes com objetivo de preparar as crianas para as atividades a serem realizadas numa vida adulta, seno como um lugar fora das demandas dos trabalhos, um lugar onde se aprende por aprender, um

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    lugar de igualdade por excelncia. Onde uma habilidade no pode se destacar da outra, ao contrrio do que mostra a figura 6.

    Fonte: Filosofia Hoje. Disponvel em: < http://www.filosofiahoje.com/2012/09/o-nosso-sistema-educacional-em-uma.html >.

    Acesso em 03 abr 2013. Figura 6 A igualdade da educao

    No pensamento de Adorno, est presente a ideia de que democratizar significa formar

    indivduos com autonomia. Sem a constituio das subjetividades, o que temos a massificao, ou seja, alguns poucos indivduos pensam por uma maioria, e se impe o que os primeiros exigem, independente das necessidades da totalidade dos indivduos. Sobre a educao, Adorno (1995, p. 141) acrescenta que Eu diria que atualmente a educao tem muito mais a declarar acerca do comportamento no mundo do que intermediar para ns alguns modelos ideais preestabelecidos.

    A questo do ensino de matemtica pode ser compreendida como um problema filosfico tentando superar a contraposio produo-reproduo que condena a didtica da matemtica a no ser mais que um conjunto de tcnicas facilitadoras da compreenso de alguns contedos. Discutir a relao que mantm entre si os saberes matemticos canonizados e os realmente ensinados um caminho possvel para compreender as dificuldades encontradas no processo ensinar/aprender matemtica.

    Tem-se, por um lado, o universo dos matemticos e investigadores profissionais em questes da rea e, por outro, o dos leigos e aprendizes, os estudantes. Os professores ocupam o lugar da mediao entre os dois mundos e sua funo tentar aproximar ou transformar os segundos nos primeiros. O problema ensinar e aprender uma disciplina que carrega tantos preconceitos e esteretipos como a matemtica.

    A questo que se apresenta que qualquer um poderia colocar determinados tipos de perguntas e tentar, em alguma medida, respond-las. Claro que o grau de profundidade, de enquadramento terico ou de erudio ser diferente ao de um especialista. Porm no as tornam menos prprias, ao contrrio, permitem e potencializam o pensar, uma atitude produtora e criadora, no meramente uma reproduo ou repetio do que h. Desta forma, transmitir ideias j elaboradas no significa, obviamente, ensinar a pensar.

    O hbito de pensar vem do prazer da descoberta, se nossas experincias com a prtica so verdadeiramente prazerosas, elas nos fazem significado e gostamos de repeti-las, transformando-as em um hbito. Se nos trazem momentos ruins, se tornam verdadeiros martrios.

    Notemos que o fim da educao no ativar o pensamento, fazer com que usemos a razo, mas, sim, proporcionar as condies para que estejamos livres para usar e expandir o pensamento. Assim, embora a educao no possa esperar que todos faam uso de suas

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    prprias potncias do pensamento todo o tempo e, por esse motivo, impe laos de obedincia, a ela tampouco convm impedir que os educandos pensem por si s.

    4.2 Resolvendo problemas da Matemtica

    Atualmente, tem-se buscado, sem sucesso, uma aprendizagem em Matemtica pelo caminho da reproduo de procedimentos e da acumulao de informaes; subestimando a capacidade dos alunos, sem reconhecer que resolvem problemas, lanando mo de seus conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer relaes entre o j conhecido e o novo. A questo da resoluo problemas na sala de aula foi abordada pela primeira vez de modo consistente por Polya, em 1995.

    Atravs da resoluo de problemas, inserida num ambiente propcio e favorvel, o aluno verifica a validade dos conceitos matemticos, realiza conjecturas, relaciona os conceitos, generaliza, estimula os procedimentos num contexto significativo, toma uma atitude reflexiva e desenvolve a capacidade de raciocnio e o pensamento matemtico.

    Um problema matemtico toda situao requerendo a descoberta de informaes desconhecidas para a pessoa que tenta solucion-lo, ou seja, preciso inventar estratgias e criar ideias. Kantowski (1997) considera que um problema uma situao com que uma pessoa se depara e para a realizao da qual no tem um procedimento ou algoritmo que conduza soluo; o que problema para um indivduo poder ser exerccio para outro ou ainda uma frustrao para um terceiro.

    Polya (1995), sugere quatro etapas de resoluo de problemas: 1 etapa: Compreender o problema consiste em identificar qual a incgnita do

    problema, verificar quais so os dados e quais so as condies, levantar hipteses; 2 etapa: Construo de uma estratgia de resoluo - encontrar as conexes entre o

    que temos (dados) e o que queremos (incgnita); 3 etapa: Execuo da estratgia - utilizar os algoritmos para solucionar o problema; 4 etapa: Revisando a soluo - verificao dos resultados e dos argumentos utilizados.

    Somente aps estudar e compreender com alguma profundidade os problemas matemticos e desafios trazidos pelos professores que os alunos comeam a construir possveis solues. Mas o processo no termina a. Os professores devem coletar as produes de seus alunos e abrir espao para a discusso, para ento intervir.

    O papel do professor consiste em apoiar os alunos, com vista ao desenvolvimento progressivo da autonomia destes e construo da competncia de resoluo de problemas, questionando e fornecendo-lhes sugestes. A compreenso dos princpios cientficos deve estar associada a problemas que o aluno se prope a solucionar. Para isso, interessante que o professor apresente situaes reais ou simuladas nas quais o aluno possa aplicar esses princpios. preciso experenciar para perceber o saber matemtico como algo prazeroso na formao do cidado.

    O desafio de ensinar (e de aprender) deve ser visto a cada dia como algo novo: um recomear, uma escalada a um ponto mais alto que ainda no se alcanou, uma troca de papis o mestre que sempre ensina, de repente tambm aprendiz; no h conhecimento absoluto, pois tudo est em constante transformao.

    Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, o exerccio da induo e da deduo em Matemtica reveste-se de importncia no desenvolvimento da capacidade de resolver problemas, o que assegura um papel de relevo ao aprendizado dessa cincia em todos os nveis de ensino. Smullyan (2000), em seu livro Alice no Pas dos Enigmas, traz circunstncias em que um problema uma situao que demanda a realizao de uma sequncia de aes ou operaes para obter um resultado. O enigma a seguir, a ttulo de exemplificao, a terceira historia do segundo

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    capitulo, intitulado Quem roubou as tortas?. As duas primeiras historias fazem referencia as tentativas frustradas da Rainha de Copas de preparar saborosas tortas, a pedido do rei. A cada tentativa, percebia-se que algum dos ingredientes havia sido roubado. Uma terceira tentativa de fazer as tortas compe a terceira historia:

    Bem, aqui est sua farinha disse o Rei, satisfeito , de modo que agora voc pode fazer as tortas.

    - Fazer as tortas sem pimenta? perguntou a Rainha. - Pimenta! exclamou o Rei, incrdulo. Quer dizer que voc usa pimenta

    em suas tortas? - No muita respondeu a Rainha. - E suponho que ela tenha sido roubada! - claro! disse a Rainha. Encontre a pimenta e, quando descobrir quem a

    roubou, corte-lhe... - Vamos, vamos! disse o Rei. Bem, a pimenta tinha que ser encontrada, claro. Agora, como todos vocs

    sabem, as pessoas que roubam pimenta nunca dizem a verdade. (...) Ento, continuando a historia, o suspeito mais obvio era a cozinheira da

    duquesa. No juramento ela fez apenas uma declarao: Eu sei quem roubou a pimenta!

    Supondo que a pessoa que roubou a pimenta sempre mente, a cozinheira culpada ou inocente?

    PORTANTO QUEM ROUBOU A PIMENTA? Bem os suspeitos seguintes do Rei foram a Lebre de Maro, o Chapeleiro Louco e o Leiro. Os soldados foram mandados as casas deles, mas nenhuma pimenta foi encontrada. Mesmo assim, eles poderiam estar escondendo-a em algum lugar, de modo que foram detidos, com base nos princpios gerais.

    No julgamento, a Lebre afirmou que o Chapeleiro era inocente e o Chapeleiro afirmou que o Leiro era inocente. O Leiro resmungou uma declarao qualquer enquanto dormia, mas ela no foi registrada.

    Como se constatou, nenhum inocente fizera uma afirmao falsa, e (como estamos lembrando) as pessoas que roubam pimenta nunca fazem afirmaes verdadeiras. Alm disso, a pimenta foi roubada por apenas uma criatura. Qual dos trs o culpado, se que foi um deles?

    Ento quem roubou a pimenta? ora, ora, esse realmente um caso difcil! disse o Rei.

    Os suspeitos seguintes, curiosamente, foram o Grifo, a Falsa Tartaruga e a Lagosta. No julgamento, o Grifo afirmou que a Falsa Tartaruga era inocente, e a Falsa Tartaruga disse que a Lagosta era culpada.

    Mas uma vez, nenhum inocente mentiu e nenhum culpado disse a verdade. Quem roubou a pimenta? (Smullyan, 2000, p.21-23)

    Neste problema, o resolvedor dever pensar em uma srie de pensamentos lgicos

    encadeados que levam concluso de quem roubou a pimenta: a Lagosta. Na resoluo, far uso de uma importante ferramenta matemtica, qual seja a demonstrao por reduo ao absurdo, pois deve considerar cada personagem culpado para que possa provar sua inocncia, a partir da anlise dos dados e hipteses.

    O conhecimento matemtico ganha significado quando os alunos tm situaes desafiadoras para resolver e trabalham para desenvolver estratgias de resoluo. Ou seja, a soluo no est disponvel de incio, mas possvel constru-la. Resolver um problema no se resume em compreender o que foi proposto e em dar respostas aplicando procedimentos adequados. Aprender a dar uma resposta correta, que tenha sentido, pode ser suficiente para que ela seja aceita e at seja convincente, mas no garantia de apropriao do conhecimento envolvido.

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    4.3 Histria da Matemtica nos Parmetros Curriculares Nacionais: Uma Relao com o Ensinar e o Aprender

    No texto de introduo dos Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica dos

    ciclos finais do Ensino Fundamental, lanado no final dos anos noventa, a matemtica aparece como um forte filtro social na seleo dos alunos que vo concluir, ou no, o Ensino Fundamental ou o Ensino Mdio. A matemtica, ento, apresentada sob a marca de uma crise que se estende a todos os nveis da educao, como numa aflio generalizada. Segundo os PCNs de Matemtica para o Ensino Fundamental (1997), a Histria da Matemtica pode oferecer uma importante contribuio ao processo de ensino e aprendizagem dessa rea do conhecimento. Conhecer como se deu a construo de determinado conceito matemtico pode ser um aliado til na hora de resolver determinadas questes e situaes que se lanam ao aluno.

    Entender uma questo, muitas vezes, depende de saber a historia da ideia. A Histria da Matemtica pode oferecer uma importante contribuio ao processo de ensino e aprendizagem dessa rea do conhecimento. Ao abordar-se a Histria da Matemtica no se deve focar na reproduo dos textos escritos, com a finalidade de perpetuar a historia de uns, deixando no anonimato outros sujeitos que construram o cotidiano das relaes socioculturais, econmicas e polticas. No processo pedaggico importante que o professor possibilite ao aluno o entendimento de que as sociedades nem sempre adotam o mesmo modo de resoluo de um problema, como tambm h mudanas significativas nas tcnicas de clculo e que estas foram elaboradas, ao longo das eras histricas, de acordo com as necessidades da humanidade.

    Ao revelar a Matemtica como uma criao humana, ao mostrar necessidades e preocupaes de diferentes culturas, em diferentes momentos histricos, ao estabelecer comparaes entre os conceitos e processos matemticos do passado e do presente, o professor cria condies para que o aluno desenvolva atitudes e valores mais favorveis diante desse conhecimento. Alm disso, conceitos abordados em conexo com sua histria constituem veculos de informao cultural, sociolgica e antropolgica de grande valor formativo.

    Berlinghoff e Gouva (2010) discutem como a histria da matemtica se relaciona com o ensinar-aprender tal disciplina na escola:

    Ento, qual uma boa maneira de usar a histria da matemtica na sala de aula? A primeira resposta que vem mente provavelmente contar histrias episdios histricos ou, mais comumente, informao biogrfica. (...) Uma maneira de usar histria fornecer uma viso mais ampla. muito comum que os estudantes pensem na matemtica da escola como uma coleo arbitrria de pedaos de informao. Mas no assim que a matemtica criada. (...) A histria, muitas vezes, ajuda fornecendo contexto. A matemtica, afinal, um produto cultural. criada por pessoas em um momento e lugar dados e frequentemente afetada por esse contexto. Saber mais sobre isso ajuda a entender como a matemtica se ajusta a outras atividades humanas (p. 1 e 3)

    Em muitas situaes, o recurso Histria da Matemtica pode esclarecer ideias matemticas que esto sendo construdas pelo aluno, especialmente para dar respostas a alguns porqus e, desse modo, contribuir para a constituio de um olhar mais crtico sobre os objetos de conhecimento. Numa educao que visa autonomia do pensamento.

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    CAPTULO 5 - CRIPTOGRAFIA NA ESCOLA A matemtica na escola pode, e deve, ser uma experincia significativa, do tipo que

    possibilita novos aprendizados. A lei da sala de aula como o lugar onde se impe a cultura do silncio, o silncio do exerccio, no que diz respeito a fazer e no discutir as solues, a ler e no entender nada, a refletir e no encontrar respostas, nem formular perguntas, incabvel numa perspectiva de Educao emancipadora.

    As atividades a seguir so pautadas nas ideias de que possvel e preciso resolver e criar problemas. A criptografia pode ser utilizada para isso, ajudando o aluno a desenvolver um raciocnio lgico.

    Os problemas matemticos no precisam ser obrigatrios para serem resolvidos, eles precisam ser bem recomendados e bem apresentados. Talvez, a propaganda ainda seja a alma do negcio. Com efeito, muitas vezes, um conhecimento no precisa ser explicado, precisa ser sentido: antes de ser o ato do pedagogo, a explicao o mito da pedagogia (RANCIRE, 2002, p.20). a falta de densidade, de materialidade, de concreo, de significao para os outros, que faz da prtica matemtica um caos educativo:

    Quantos estudantes, por exemplo, se tornaram insensveis s ideias e quantos perdem o mpeto por aprender, devido ao modo por que experimentam o ato de aprender? [...] Quantos acabam por associar o processo de aprendizagem com algo de enfadonho e tedioso? (DEWEY, 1979, p.15).

    Segundo Rancire (2002), pode-se ensinar qualquer coisa mesmo sendo ignorante no assunto, mas preciso emancipar o aluno, ou seja, permitir que use sua prpria inteligncia. O que realmente importante que os alunos aprendam a aprender. No necessrio ter explicaes para haver aprendizagem. Ao contrrio, a palavra do mestre emudece a matria dada, pois condiciona o aprendiz explicao. Os alunos podem aprender atravs da pesquisa e desta maneira, no preciso saber o contedo, mas sim, como aprend-lo.

    Precisamos primeiro entender porque ensinamos matemtica em nossas escolas e o verdadeiro papel deste conhecimento na formao do aluno; mais do que um item necessrio em atividades prticas que envolvem questes quantitativas ou no desenvolvimento do raciocnio lgico, a matemtica importante porque foi (e ainda ) a base da construo de inmeros conhecimentos, seja na prpria inveno da escrita, na organizao do tempo histrico, na representao dos territrios geogrficos, seja no desenvolvimento de teorias e conceitos dentro do prprio universo dos nmeros.

    Neste captulo, sero apresentadas sugestes de atividades que envolvem a criptografia. Essas atividades faro uso dos nmeros primos e outros conceitos matemticos que os estudantes aprendem em sua jornada escolar. Somente a primeira atividade foi aplicada durante a pesquisa. Os demais, so problemas que vo dos mais simples aos mais elaborados (que envolvem contedos de anos finais do Ensino Mdio). Considerando-se que a educao quando usa o pensar como instrumento deve lembrar que a matemtica, bem como as demais disciplinas, caracteriza-se pela construo de sentidos:

    Quem sabe consegussemos ver poeticamente o aprender e o ensinar. Estar em estado de poesia nos levaria a perceber a dimenso potica da matemtica, da histria, da biologia, das cincias como um todo. Preocupar-nos-amos no apenas com o ensinar, mas com o deixar aprender antecipado por Heidegger (LEAL, 2004, p. 29).

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    5.1 A criptografia intuitiva A primeira noo de criptografia parece ser natural aos nossos jovens, eles criam um

    cdigo para escrever mensagens em seus dirios e/ou para trocarem mensagens entre si. Geralmente, estes cdigos costumam serem smbolos que representam letras. O docente pode utilizar esta ideia para introduzir a noo de criptografia e seus elementos, assim como a necessidade de um cdigo seguro para evitar a decodificao.

    A atividade a seguir foi aplicada em uma turma de 6 ano do Ensino Fundamental da rede pblica municipal do Rio de Janeiro, na escola municipal Prefeito Juarez Antunes, situado em Bangu, zona oeste. A turma composta por 42 alunos, com faixa etria de 11 a 13 anos. A organizao da atividade no encontrou problemas, pois a sala de aula estruturada de maneira que as carteiras estejam agrupadas de dois em dois, alm de no ter sido necessrio recursos materiais ou tecnolgicos, apenas lpis/caneta e papel.

    Inicialmente foi proposto que os alunos criassem cdigos em duplas para as 26 letras do nosso alfabeto e os dez algarismos, alguns utilizaram smbolos diversos aleatrios (figuras 7 e 8), outros utilizaram figuram relacionadas a letras, onde cada smbolo tinha como inicial do nome a letra correspondente (figura 9) e outros associaram a cada letra, nmeros, em um processo prximo as primeiras criptografias (figura 10).

    Figura 7 Criptografia aleatria do Grupo 1

    Figura 8 Criptografia aleatria do Grupo 7

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    Figura 9 Criptografia relacionada do Grupo 5

    Figura 10 Criptografia aleatria do Grupo 2

    O objetivo desta atividade foi apresentar a criptografia aos alunos e tentar responder,

    ainda que parcialmente, a grande indagao de nossos educandos (para que serve a matemtica?). Em seguida, cada dupla, escreveu uma mensagem usando seu cdigo e depois trocou com outra para que tentassem quebrar o cdigo. No decorrer da atividade, eles perceberam que quanto mais aleatrio era o cdigo criado, mais difcil se tornava a sua leitura e quanto maior a mensagem escrita, mais smbolos eles conseguiam associar s letras e nmeros, em uma noo intuitiva da anlise de frequncia das letras nas palavras da Lngua Portuguesa.

    Ao fim, concluram que se eu no possuo a chave de decodificao, no consigo ler a mensagem ou, at conseguiria, se conseguisse saber como o cdigo foi pensado. Abaixo, as mensagens escritas com base nos cdigos anteriores (figura 11).

    Figura 11 Mensagens codificadas

    5.2 Criptografando com a Escrita Braille

    O objetivo desta atividade tentar compreender como possvel relacionar diferentes representaes de uma mesma ideia, como os nmeros e as letras, para tanto faremos um estudo da escrita Braille, utilizada pelos deficientes visuais, compreendendo-a como uma maneira de criptografar uma mensagem/texto.

    O Sistema Braille formado pelo arranjo de seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas de trs pontos. Os seis pontos formam o que se convencionou chamar "cela Braille". Para facilitar sua identificao, os pontos so numerados da seguinte forma, do alto para baixo: coluna da esquerda, pontos 1, 2, 3, coluna da direita, pontos 4, 5, 6. As diferentes

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    disposies desses seis pontos permitem a formao de 63 combinaes, ou smbolos Braille (figura 12).

    Fonte: Projeto Nova Viso. Disponvel em:< http://projetonovavisao.spaceblog.com.br/1231591/O-QUE-E-O-

    METODO-BRAILLE/>. Acesso em 25 mar 2013 Figura 12 Sistema Braille

    As dez primeiras letras do alfabeto (a j) so formadas pelas diversas combinaes

    possveis dos quatro pontos superiores (1, 2, 4, 5); as dez letras seguintes so as combinaes das dez primeiras letras, acrescidas do ponto 3, e formam a segunda linha de sinais. A terceira linha formada pelo acrscimo dos pontos 3 e 6 s combinaes da primeira linha. Os mesmos sinais da primeira linha, na mesma ordem, assumem caractersticas de valores numricos 1-0, quando precedidas do sinal do nmero (formado pelos pontos 3456).

    A escrita Braille um cdigo que possibilita a comunicao entre as pessoas que conhecem seu funcionamento; como atividade a ser realizada com a turma prope-se que seja apresentado aos alunos o sistema Braille, alm de um exerccio de aprendizado de criptografia, tal atividade ter um carter conscientizador, possibilitando que os alunos compreendam a importncia de se criar recursos para os portadores de necessidades especiais. Pode-se criar textos em Braille que envolvam conceitos matemticos e trabalhar com comunicaes deste tipo.

    Deve-se iniciar a atividade com a apresentao de um texto em Braille, utilizando o esquema da figura 12. Algumas embalagens descartveis (figuras 13, 14 e 15) possuem a inscrio em Braille, interessante lev-las para a sala de aula e pedir que os alunos decifrem. Esta atividade servir para os alunos compreenderem o conceito de criptografar uma mensagem, qual seja, escrever um texto em que apenas as pessoas que conhecem a maneira como feito pode ler.

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    Fonte: Revista poca

    Figura 13- Embalagem de cosmtico com escrita Braille

    Fonte: Conselho Regional de Farmcia do Paran. Disponvel em: < http://www.crf-

    pr.org.br/site/noticia/visualizar/id/3891/?Anvisa_quer_receita_para_remedio_tarja_vermelha.html>. Acesso em 25 mar 2013. Figura 14- Embalagem de remdio com escrita Braille

    Fonte: Portal do Professor

    Figura 15- Embalagem de bala com escrita Braille

    Quando os alunos estiverem familiarizados com o sistema Braille, pode-se escrever textos; para tanto, uma alternativa recortar fichas retangulares e perfurar os crculos marcados em preto com um furador de papel, depois, eles trocam as mensagens. Esta uma noo que pode ser tambm apresentada atravs do Cdigo Morse (figura 16), visualmente (com pontos e traos) ou auditivamente (com batidas curtas e longas).

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    Fonte: O Livro dos Cdigos, p. 80.

    Figura 16 Cdigo Morse

    5.3 A cifra de Csar

    Pensamos, normalmente, a criptografia inserida na informtica, pensamos a informtica antes da criptografia. Pensamos at mesmo que a criptografia foi inventada para a era digital. Escrever mensagens cifradas, utilizando os mtodos que deram origem criptografia um importante fator de ensino-aprendizagem de algo que tornou possvel trocar as informaes da maneira que fazemos hoje, que j guiou exrcitos e escondeu frases romnticas de adolescentes; por no poder expressar seu amor publicamente, os jovens apaixonados da Inglaterra vitoriana comearam a trocar mensagens codificadas atravs dos jornais, em colunas dedicadas s mensagens dos leitores. Essas colunas ficaram conhecidas como colunas de bito (SINGH, 2003).

    Como experincia de pensamento com outros, essas atividades entram na escola para dar espao criao, para gerar tempo de pensamento que suspende o no-pensar em prol da atividade livre. A Cifra de Cesar consiste em deslocar as letras do alfabeto em trs posies:

    Discutivelmente, o esquema de criptografia mais antigo a Cifra de Cesar, que recebeu esse nome em homenagem a Jlio Cesar, que usou este esquema para proteger importantes mensagens militares (todas as mensagens de Csar eram escritas em Latim, naturalmente, o que as tornava incompreensveis para a maioria das pessoas). A Cifra de Cesar uma maneira simples de confundir uma mensagem escrita em linguagem que forma palavras a partir de um alfabeto. (GOODRICH, 2004. Pag. 112)

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    Na Cifra de Csar, para dificultar a decodificao, caso a mensagem seja interceptada por um inimigo, comum remover os espaos entre as letras no texto cifrado. Importante ressaltar, que ao inserir atividades com a Cifra de Csar (assim, como nas atividades dos itens anteriores e do prximo) no estamos fazendo, propriamente, o ensino de uma matemtica formal, de algum contedo pr-estabelecido nos currculos escolares, e, sim, um exerccio prtico de raciocnio e matemtica criptogrfica em situao educativa.

    Nesta atividade, interessante que o aluno faa outros deslocamentos para codificar uma mensagem, assim vai compreender o funcionamento da Rgua de SaintCyr e do Quadrado de Vigenre (que sero descritos na seo 5.4), pois, o sistema de encriptao de uma cifra de Csar serve frequentemente de base ou incorporado como parte de esquemas mais complexos (como a cifra de Vigenre) e continua tendo aplicaes, como no sistema ROT132.

    Para aqueles que no acreditam que uma atividade possa ter finalidade em si mesma, a Cifra de Cesar tambm pode ser representada usando aritmtica modular. No preciso utilizar a representao que conhecemos. A ideia trabalhar com os restos; para tal, podemos utilizar a aritmtica dos relgios, onde os possveis restos da diviso por um nmero so dispostos como no mostrador do relgio (figura 17) ou utilizar a diviso euclidiana.

    Fonte: O Livro dos Cdigos, p. 288. Figura 17 Relgio do mdulo 7

    O primeiro passo transformar as letras em nmeros, de acordo com o esquema: a 1, d 2, k 3, l 4, , m 24, n 25, o 26, termos tambm a represe