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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
HEITOR TOGNOLI
PRÁTICAS CURRICULARES
EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA
UM ESTUDO DE CASO
Itajaí - SC
2006
HEITOR TOGNOLI
PRÁTICAS CURRICULARES
EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA
UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho - Área de Concentração em Saúde da Família da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.
Orientador: Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo
Itajaí - SC
2006
HEITOR TOGNOLI
PRÁTICAS CURRICULARES
EM MEDICINA NA ATENÇÃO BÁSICA
UM ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho - Área de Concentração em Saúde da Família da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Luiz Roberto Agea Cutolo Universidade do Vale do Itajaí
Prof. Dr. Marco Aurélio Da Ros Universidade Federal de Santa Catarina
Profª. Drª. Rosita Saupe Universidade do Vale do Itajaí
Itajaí, 12 de dezembro de 2006.
iii
MUDE Mas comece devagar, comece na sua velocidade.
Sente-se diferente, em outra cadeira, no outro lado da mesa.
Mais tarde, mude de mesa. Quando sair, ande pelo outro lado da rua, depois mude de caminho,
ande por outras ruas, mais devagar, observando os lugares por onde passa. Tome outros ônibus, se for o caso.
Mude por uns tempos o estilo das roupas, dê os seus sapatos velhos, procure andar descalço por uns dias. Tire uma tarde livre para passear no parque ou na praia.
Saia sozinho para ouvir o canto dos pássaros.
Veja o mundo de outras perspectivas. Abra gavetas e portas com a mão esquerda.
Durma no outro lado da cama. Depois, de ponta-cabeça.
Assista a outros programas de tv, compre outros jornais, leia outros livros, viva outros romances. Troque de carro.
Não faça do hábito um estilo de vida. - Ame a novidade.
Corrija a postura, faça ginástica, durma mais tarde, ou acorde mais cedo. Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Escolha novas comidas, temperos, cores, diferentes delícias. Experimente a gostosura da pouca quantidade.
- Tente o novo todo dia.
O novo lado, o novo método, o novo jeito, o novo sabor, o novo prazer, o novo amor. - A nova vida.
Faça novos amigos, mantenha novas relações, almoce em outros lugares, vá a outros restaurantes, tome outros tipos de bebida,
compre pão em outra padaria. Almoce mais cedo, jante mais tarde - ou vice-versa.
Escolha outro mercado, outra marca de sabão, novos cremes. Tome banho em horários variáveis.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
(Comece agora uma viagem para bem longe do aqui.) Faça amor de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas. Compre novos óculos, escreva outras poesias, jogue fora o despertador.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, novos cabeleireiros, outros teatros.
Visite novos museus.
- Mude. Você conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas,
mas não é isso o que importa. O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.
Dessa forma, apenas dessa forma - você viverá. - Só o que está morto não muda!
(Edson Marques)
iv
AGRADECIMENTOS
Aproveito o momento para agradecer a algumas pessoas que
fizeram parte de minha vida, e, portanto, direta ou indiretamente contribuíram para
que eu cumprisse mais essa etapa em minha vida.
Primeiramente agradeço aos meus pais, pelos primeiros e mais
importantes valores de vida, por me proporcionarem condições de chegar até aqui, e
pelo eterno amor, carinho e preocupação, os quais são recíprocos!
A minha irmã, por ter sido minha amiga e companheira por todos
esses anos, e por ter me auxiliado na correção gramatical dessa dissertação.
A minha querida esposa, companheira de todas as horas, luz que
ilumina meus caminhos, meu apoio, minha amiga, minha amante, dona do meu
coração.
Aos professores do mestrado, por ajudar a pensar e a construir
novos caminhos e novas jornadas juntos, especialmente a Profª. Rosita Saupe, meu
carinho e admiração.
A todos meus colegas de mestrado, por terem sido tão
companheiros e sinceros durante a nossa jornada, mas especialmente a um, Marcos
Aurélio Maeyama, que além de colega se tornou um companheiro, um amigo, um
irmão.
v
Aos meus amigos de todas as horas, Eduardo Goulart Schlup,
Jackson Eduardo Germer, Rodrigo Cristiano Bigolin e João Caetano Carpeggiani,
obrigado pelo apoio e suporte.
Aos meus alunos queridos, André Viriato e Cintia Tamellini, pessoas
brilhantes e que, assim como eu, estamos descobrindo que é possível sim fazer a
Medicina que sonhamos, obrigado pelo acolhimento e pelo carinho.
Ao meu outro grande amigo, Filipe Siqueira Gomes, pessoa
fundamental no início do meu mestrado, obrigado pelo companheirismo.
Ao Professor Márcio Vieira Ângelo, por ter apostado desde o
começo suas fichas em mim.
A Professora Arlete Soprano, minha admiração e respeito.
As assistentes da Coordenação do Mestrado, especialmente Rosélia
e Vânia, e da Coordenação do curso de Medicina, Marilisa e Flávia, pela simpatia
sincera e constante e pela prontidão em auxiliar a qualquer hora.
A Profª. Zulmira Pezzini Paes, minha colega de trabalho, parceira de
todas as horas, pessoa que confio e admiro demais.
A Dra. Leonice Terezinha Tobias, um ser humano raro e
maravilhoso, de fundamental importância na minha vida pessoal e acadêmica.
Ao Prof. Marco Aurélio Da Ros, por ter me ajudado a encontrar o
caminho, minha eterna admiração.
vi
Ao Dr. Álvaro José de Oliveira, por ter me apoiado durante a
graduação e por sua sincera amizade.
Ao Prof. João Carlos Xikota, um dos responsáveis pela minha nova
visão do mundo, obrigado por fazer parte dessa jornada.
E, finalmente, minha admiração profunda e meu mais sincero
agradecimento ao Prof. Cutolo, pela paciência e maestria de suas orientações e por
ter me permitido alcançar tantas coisas boas em minha vida, meu professor de
teatro, professor de graduação, professor de mestrado, colega de profissão,
orientador, amigo, companheiro, compadre, meu verdadeiro MESTRE!!!
vii
TOGNOLI, Heitor. Práticas curriculares em Medicina na Atenção Básica: um
estudo de caso. 2006. Dissertação (Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho.
Área de concentração: Saúde da Família) – Universidade do Vale do Itajaí.
RESUMO
A partir do pressuposto de que um dos maiores problemas da consolidação do SUS consiste na formação de profissionais com perfil inadequado para atuar no sistema, e principalmente na Atenção Básica. Foi realizado um estudo de caso – Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) – com intuito de conhecer como o curso de Medicina, por meio da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, está preparando o aluno para atuação na Atenção Básica. A investigação foi baseada na análise das práticas curriculares encontradas na disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, utilizando-se de duas fontes de informação: 1. projeto pedagógico do curso; 2. planos de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária ao longo do curso. Para utilizar como referencial da análise dessas fontes foi realizada uma análise de conteúdo de documentos da literatura internacional e nacional que abordam a questão das características necessárias no perfil profissional de um médico com atuação na Atenção Básica, com o estabelecimento de categorias e subcategorias dessas características. Os resultados permitiram observar a pouca representatividade de conteúdos relacionados à Saúde Coletiva dentro do curso, e dentro da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, a qual tem concentrado seus assuntos apenas nos aspectos clínicos, e, portanto, com uma proposta diferente de formação quando comparada à análise dos documentos da literatura. Sugestões preliminares foram propostas com vistas a suscitar o desencadeamento do processo de discussão das práticas curriculares no curso de Medicina da UNIVALI.
Palavras-chave: Educação Médica; Currículo; Atenção Primária à Saúde.
viii
TOGNOLI, Heitor. Curricular practices for the professional training of graduate
medical students in Primary Health Care: a case study. 2006. Dissertation (Msc
in Health and Management of Work: Area of specialization: Family and Community
Health) – University of Vale do Itajaí.
ABSTRACT
This study is based on the premise that one of the major challenges facing the SUS (Brazilian national health system) is the training of health professionals with an adequate profile for practice in the health System, and in particular, Primary Health Care. A case study was carried out at the University of Vale do Itajaí (UNIVALI) to determine whether the discipline in Family and Community Medicine of the Medicine Program, is preparing students with the necessary skills to work in the area of Primary Health. The investigation was based on a curricular analysis of the discipline in Family and Community Medicine, using two sources of information: 1. the course syllabus; and 2. the Family and Community Medicine syllabus, over the duration of the course. Content analysis was carried out of the international and natural literature which addresses the necessary characteristics of the professional profile of medical practitioners in the area of Primary Health, establishing categories and subcategories of these characteristics. The results reveal a lack of course content related to the area of Public Health, and in the discipline in Family and Community Medicine, where subjects are focused mainly on clinical aspects, resulting in a course proposal that is different, in terms of professional training, from that found in the analysis of the literature. Some preliminary modifications are suggested, that will promote discussion of curricular practices in the Medicine Program of UNIVALI.
Keywords: Medical Education; Curriculum; Primary Health Care
ix
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
2 MODELO DE ATENÇÃO E POLÍTICAS DE SAÚDE ......................................... 18
2.1 República Velha ....................................................................................................... 18
2.2 A Reforma “Carlos Chagas” ..................................................................................... 21
2.3 O nascimento da Previdência Social ........................................................................ 23
2.4 A Era Vargas ............................................................................................................ 24
2.5 Autoritarismo ............................................................................................................ 30
2.6 Crise Político Ideológica e o nascimento do Sistema Único de Saúde ..................... 35
2.7 O porquê de um Sistema de Saúde voltado para a Atenção Primária ...................... 39
3 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO MÉDICA ....................................................... 44
3.1 Aproximação das teorias de currículo ...................................................................... 44
3.2 Inconsistências da Educação Médica ...................................................................... 51
3.3 Resgate histórico da formação médica e a influência do modelo biomédico ............ 55
3.4 Novos tempos da Educação Médica ........................................................................ 62
4 PROPOSTA DE FORMAÇÃO MÉDICA PARA ATUAÇÃO NA ATENÇÃO BÁSICA
.............................................................................................................................. 71
4.1 Análise Inferencial .................................................................................................... 116
5 A DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DA UNIVALI DENTRO
DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI - ESTUDO DE CASO ........................... 130
5.1 Projeto Pedagógico do curso de Medicina da UNIVALI ........................................... 131
5.1.1 Contexto Geral do Projeto Pedagógico ................................................................. 131
5.1.2 A disciplina de Medicina Familiar e Comunitária e o Projeto Pedagógico .............. 138
5.1.3 A Saúde Coletiva no curso de Medicina da UNIVALI ............................................ 140
x
5.2 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 5º período ...... 141
5.3 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 6º período ...... 145
5.4 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 7º período ...... 147
5.5 Plano de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária – 8º período ...... 148
5.6 Planos de ensinos da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do
internato médico ............................................................................................................ 149
5.7 Confrontação entre os documentos e os planos de ensino ...................................... 150
5.7.1 Integralidade ......................................................................................................... 151
5.7.2 Participação .......................................................................................................... 151
5.7.3 Processo de trabalho ............................................................................................ 151
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 153
6.1 Estudo de caso ........................................................................................................ 154
6.2 Limitações e intencionalidade da proposta ............................................................... 156
7 Referências ................................................................................................................. 157
1 INTRODUÇÃO
A busca por um “algo a mais” durante o meu curso de graduação em
Medicina foi uma constante. Sempre sentia que algo estava errado em minha
formação, a Medicina a mim apresentada era muito diferente daquela com a qual eu
sonhava.
O jeito de se compreender o outro ser humano parecia “limitado”,
tanto que o primeiro ser humano apresentado como objeto de estudo nem vida tinha,
era um cadáver.
Logo na primeira matéria, a com maior carga horária, e conhecida
como uma das mais difíceis, anatomia humana, duas coisas incompatíveis com
meus ideais saltaram aos olhos, a competitividade entre meus colegas e uma
“obsessão” em decorar informações para reproduzir dias mais tarde na prova e
depois 80% delas “caírem no esquecimento”.
O primeiro paciente apresentado estava em um leito hospitalar,
rodeado por uns 8 alunos e um professor de semiologia, em uma situação de
fragilidade por sua doença. Começava a obsessão pela busca de uma anamnese
completa, com um novo vocabulário, em que o roteiro a ser seguido parecia ser mais
importante que a pessoa que estava do outro lado.
Algo estava errado e, assim, iniciei uma busca pessoal para
descobrir o que era, passando por vários estágios curriculares e extra-curriculares e
realizando atividades não acadêmicas.
12
Essa busca parecia chegar ao fim no décimo período do curso,
quando, pela primeira vez no curso, tive um contato continuado em uma
comunidade, em um Programa Docente Assistencial de uma Unidade Básica de
Saúde.
Pela primeira vez no curso, comecei a entender o papel social que
um médico tinha e que as necessidades das pessoas eram diferentes do que estava
sendo ensinado para mim até então.
As pessoas, além da cura de uma doença, também buscavam afeto,
carinho e atenção e isso fazia parte do cuidado. Estavam inseridas em um meio
social que influenciava o estado de saúde delas, assim como o contexto familiar e
cultural.
Comecei a perceber que a formação que havia recebido até então
não era suficiente para me capacitar a atender às necessidades dessas pessoas,
tanto individual, quanto coletivamente.
Dessa forma, a Saúde Pública, mais especificamente a Atenção
Básica, passou a se tornar meu campo operativo e, no semestre seguinte a esse
estágio na comunidade, assumi a monitoria da disciplina de Saúde Pública,
permanecendo até o final do curso.
Ao final do curso escolhi, como pós-graduação, o Mestrado em
Saúde e Gestão do Trabalho, área de concentração em Saúde da Família, e
comecei a dar sustentação teórica para o “algo a mais” que sempre busquei durante
o curso, a partir do estudo mais profundo de políticas de saúde e o SUS
13
(principalmente da integralidade), de epistemologia e de abordagens qualitativas de
pesquisa.
A partir desses estudos, somados à influência de grandes
professores estudiosos do tema e da busca por algo que parecia tão difícil de se
encontrar, a paixão pela Educação Médica começou a florescer.
A escolha desse tema, relacionando à Atenção Básica, para a
dissertação do mestrado, surgiu do meu cotidiano de trabalho da assistência
(médico da Atenção Básica) e, principalmente, do meu cotidiano de docente da
disciplina do internato em Medicina Familiar e Comunitária. Somado ao contexto
atual, de estruturação de um modelo de atenção voltado para Atenção Básica em
nível nacional, em franca expansão.
O Ministério da Saúde apóia essa estruturação por meio de várias
iniciativas, como por exemplo: as portarias 648, 649 e 650 que definem e
regulamentam a Política Nacional de Atenção Básica, o PROESF (Programa de
Expansão e Consolidação Saúde da Família), ou a AMQ (Avaliação para Melhoria
da Qualidade da Estratégia Saúde da Família) (BRASIL, 2006b).
Além disso, os números mostram essa expansão, pois a cobertura
da população brasileira, pela Estratégia Saúde da Família, após os primeiros quatro
anos de implantação, era apenas de 3,51%, para atingir, em agosto de 2006, 45,4%,
ou seja, 84,2 milhões de pessoas assistidas, com 26,3 mil equipes implantadas em
5.093 municípios (BRASIL, 2006a).
14
Todos esses avanços estão em contraponto à formação de recursos
humanos na saúde, uma vez que não possuem perfil adequado para atuar nessa
nova lógica.
O profissional egresso pela maioria das universidades atualmente,
segundo Amorretti (2005), possui características como: enfoque essencialmente
positivista e biologicista fortemente centrado em sua especialidade; tende a
medicalizar o processo saúde/doença; posição marcadamente individualista,
altamente coorporativista e crítico do SUS; e defensor de uma visão liberal e
autônoma da profissão.
Esses dados concretos de franca expansão do mercado de trabalho
médico na Atenção Básica, confrontados com o tipo de profissional oferecido pelas
universidades, fazem com que eu parta do seguinte pressuposto para iniciar minha
investigação:
Um dos maiores problemas da consolidação do SUS consiste
na formação de profissionais com perfil inadequado para atuar no sistema, e
principalmente na Atenção Básica.
Sustento esse pressuposto a partir de algumas prerrogativas que
regem um modelo de formação voltado para a atuação na Atenção Básica com foco
generalista:
1) maior adequação às necessidades básicas de saúde da população oferecendo o
embasamento necessário para a continuidade do ensino na pós-graduação;
2) tendência a direcionar menos estudantes a uma especialidade em fases precoces
do curso;
15
3) maior sincronia com as propostas das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais e
do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (PRÓ-
SAÚDE) (BRASIL, 2005);
4) contexto atual dos serviços de saúde necessitando de profissionais mais
humanizados;
5) o fato de apenas 3% dos médicos da Atenção Básica ter formação para atuar
adequadamente1;
6) visão mais ampliada do processo saúde/doença e, por conseguinte, melhor
preparo dos profissionais para a promoção de saúde;
7) vivência de outras racionalidades terapêuticas, das quais grande parte da
população faz uso;
8) contextualização das especialidades no contexto geral dos serviços de saúde;
9) vivência de cenários com oportunidade para trabalhar multiprofissionalmente; e
10) um número de médicos formados incompatível com o número de vagas de
residência, e o trabalho na Atenção Básica torna-se uma opção cada vez mais
prevalente entre os recém-formados;
Dessa forma, delimito o meu problema de pesquisa:
Como o curso de Medicina da Universidade do Vale do Itajaí
(UNIVALI), por meio da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, está
preparando o aluno para atuação na Atenção Básica.
1 F e u e r w e r k e r , L . C . M . O d e s c o m p a s s o e n t r e a o f e r t a d e p r o f i s s i o n a i s e a s n e c e s s i d a d e s d o S U S . P a l e s t r a p r o f e r i d a e m C a m p i n a s . O u t . 2 0 0 5 .
16
Como militante do processo de Reforma Sanitária, mestrando em
Saúde e Gestão do Trabalho, professor de Medicina Familiar e Comunitária, médico
da Atenção Básica, especialista em Ativação de Processos de Mudança na
Formação Superior da Área da Saúde, responsável socialmente pela construção de
melhores condições de saúde para a população brasileira e, conseqüentemente,
melhor qualidade de vida, publico esse estudo, o qual se materializa como uma
pequena contribuição e sugestão para o processo de readequação do currículo do
curso de Medicina da UNIVALI de acordo com as diretrizes curriculares que recebem
incentivo do PRÓ-SAÚDE.
A Educação Médica para mim, portanto, tornou-se mais que um
objeto de estudo, tornou-se uma maneira de exercício de cidadania com
responsabilidade social para a construção de um país melhor.
No capítulo dois, situo historicamente as políticas de saúde no
Brasil. A importância desse percurso histórico se apóia em dois pontos principais a
serem notados: a nítida diferença da assistência à saúde antes e depois da
implantação do SUS, e a enorme influência da economia no rumo das políticas de
saúde.
No capítulo três, apresento uma visão geral sobre o estudo do
currículo, demonstrando como ele não é um empreendimento neutro, mas
economicamente e ideologicamente marcado; e demonstro a distinção entre os
currículos, dentro do âmbito da Educação Médica, de base flexneriana e de base na
Medicina Integral.
No capítulo quatro, faço uma análise de documentos oficiais que
estão relacionados à descrição das características que um médico de família deve
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possuir e, portanto, que devem constar nas práticas curriculares dos cursos de
graduação em Medicina.
No capítulo cinco, no estudo de caso, analiso o projeto pedagógico
do curso e os planos de ensino das disciplinas de Medicina Familiar e Comunitária
durante o curso de graduação da UNIVALI.
No último capítulo, realizo as considerações iniciais com intuito de
suscitar discussões a respeito do processo de readequação do currículo da UNIVALI
ao contexto atual.
2 MODELOS DE ATENÇÃO E POLÍTICAS DE SAÚDE
Antes da proposta de uma oferta de serviços de saúde universal,
com eqüidade no acesso e integralidade das ações, nosso país viveu um período
em que a influência econômica sobre as políticas de saúde era mais evidente e
excludente.
Para contextualizar esse momento histórico e entender um pouco
melhor a atual proposta de construção de um perfil profissional adequado a uma
nova conjuntura, ou seja, da Atenção Primária como base do atual modelo de
atenção, o presente capítulo busca retratar o quadro das políticas públicas de saúde
no Brasil desde o início do século XX, coincidindo com o período republicano, que
teve seu início em 1889.
2.1 REPÚBLICA VELHA
No início do século XX, politicamente, o país encontrava-se em um
período conhecido como Primeira República, ou República do “Café-com-Leite”, já
que o eixo econômico brasileiro estava centrado na monocultura cafeeira de
exportação, concentrado no sudeste brasileiro, e os presidentes eleitos
alternadamente eram paulistas e mineiros (GROISMAN; MORAES, 2005).
O foco de atenção do governo brasileiro, na época, estava voltado
para essa região, principalmente nas “rotas de mercadorias”, representadas pelas
zonas de produção do café, São Paulo e Minas Gerais, e pelos locais de
escoamento da produção e de importação de produtos, principalmente os portos de
19
Santos e do Rio de Janeiro (CARVALHO; MARTIN, 2001; GROISMAN; MORAES,
2005).
Enquanto a economia brasileira esteve dominada por um modelo agroexportador, assentado na monocultura cafeeira, o que se exigia do sistema de saúde era, sobretudo, uma política de saneamento dos espaços de circulação das mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação (MENDES, 1996, p.66).
Apesar de o Brasil se encontrar em um período de expansão da
economia, o quadro sanitário não acompanhava esse crescimento, pois uma série
de epidemias assolava o país, o que, conseqüentemente, tornava as condições de
saúde da população, na época, precárias (POLIGNANO, 2005). Para o governo, pior
que o problema social, era o grave impasse na economia, o qual demandava
medidas políticas urgentes.
As grandes epidemias como a cólera, a malária, a febre amarela e a
varíola estavam dizimando tanto a população do campo, como a da cidade,
reduzindo a força da mão-de-obra e ameaçando a vida das elites sociais. Além
disso, essas epidemias tornavam os portos insalubres, o que prejudicava a nossa
imagem internacional e forçava os navios estrangeiros a se recusarem a atracar em
nossos portos, inibindo, assim, a vinda de imigrantes para substituir a mão-de-obra
escrava e prejudicando as exportações (POLIGNANO, 2005).
Diante dessa situação caótica, teve início a primeira das três
tendências das políticas de saúde do Brasil do século passado, o chamado
“sanitarismo campanhista”, o qual possuía, como estratégia de atuação o modelo
das campanhas sanitárias. Essa política, com inspiração militar, tinha como meta a
quebra da relação entre agente e hospedeiro por meio da interposição de barreiras,
20
utilizando-se da força e da autoridade como os instrumentos de ação (MENDES,
1996; POLIGNANO, 2005).
As campanhas sanitárias da época, assim como as ações militares,
dividiam as cidades em distritos e encarceravam os portadores de doenças
contagiosas, impondo à força as práticas sanitárias.
Essas ações iniciaram no governo do presidente Rodrigues Alves
que, em 1902, lança o “Programa de Saneamento da Cidade do Rio de Janeiro e de
São Paulo” (GROISMAN; MORAES, 2005). E, no mesmo ano, lança também o
“Combate à Febre Amarela Urbana”, contando com um exército de 1500 pessoas,
lideradas pelo Diretor do Departamento Geral de Saúde Pública (órgão vinculado ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores), o médico sanitarista Oswaldo Cruz.
Esse exército de “guardas sanitários” exercia atividades de desinfecção no combate
ao mosquito da febre amarela, de maneira impositiva, cometendo arbitrariedades
que revoltavam a população (POLIGNANO, 2005).
Essa onda de insatisfação da população culminou na “revolta da
vacina”, um grande movimento popular, no Rio de Janeiro, que contrariava a
vacinação obrigatória anti-varíola, imposta pela lei federal n. 1261, de 31 de outubro
de 1904 (POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).
Iniciados no dia 10 de novembro, os tumultos de rua progrediram em escala geométrica. No dia 15 de novembro, ironicamente a data de aniversário da República, turbas infestavam toda a cidade. Os quebra-quebras tinham se alastrado e já alcançavam os bairros mais distantes – Méier, Engenho de Dentro, Encantado, Catumbi, Vila Isabel, Andaraí, Matadouro e Aldeia Campista. Segundo o conservador Jornal do Commercio, as “multidões amotinadas” nesses subúrbios, armadas com “barras de ferro, paus e paralelepípedos” haviam destruído postes de iluminação e de telefone e incendiado bondes da Cia. Vila Izabel e da Carris Urbanos. Mas era a violência ocorrida nas áreas centrais da cidade que ocupava as manchetes. Nas ruas do Sacramento, Regente e
21
imediações foram erguidas as primeiras barricadas, com pedaços de trilhos de bondes arrancados das ruas e muitas tábuas e pedras retiradas de canteiros de obras próximos à Avenida Central. Comentando o saldo do dia 15 no Centro, o mesmo jornal nos fala dos mortos e feridos pelo chão manchando as ruas de sangue (PAMPLONA, 2002, p. 72)
Enquanto as ações sanitárias estavam dirigidas para o combate às
epidemias na região sudeste, as outras regiões, sem importância econômica para o
país, estavam literalmente abandonadas pelo Estado. Outro setor que estava
abandonado era o da saúde individual da população, o qual dependia, ou da
assistência privada, ou da assistência hospitalar pública, que na época tinha um
caráter de assistência social, abrigando os portadores de psicoses, hanseníase e
tuberculose, ou ainda das entidades de caridades para os indigentes sanitários
(CARVALHO; MARTIN, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).
Apesar de todas as arbitrariedades e revoltas causadas na
população, o modelo campanhista obteve importantes conquistas ao controlar
doenças epidêmicas, como a erradicação da febre amarela do Rio de Janeiro, que
acabou por fortalecer esse tipo de política de saúde durante décadas (POLIGNANO,
2005).
2.2 A REFORMA “CARLOS CHAGAS”
Na década de 20, com o crescimento econômico impulsionado pela
exportação do café, iniciciaram-se a industrialização e o desenvolvimento do
comércio nos grandes centros exportadores, que começaram a atrair imigrantes de
outras regiões do país, especialmente do nordeste, que traziam também doenças
22
que antes estavam restritas àquela região, como esquistossomose e doença de
Chagas (SOUZA, 2004).
O combate às doenças, mudou seu foco das epidêmicas para as
endêmicas, que diferem na forma de atuação ao exigir, além das medidas de
alcance coletivo, o atendimento individual, a conscientização sanitária e a
colaboração do doente (SOUZA, 2004).
No ano de 1919, em meio a uma crise sanitária gerada pela
epidemia de gripe espanhola, foi indicado o cientista Carlos Chagas, oriundo do
Instituto Oswaldo Cruz, para suceder o seu mentor, o próprio Oswaldo Cruz (falecido
em 1917), para assumir o Departamento Geral de Saúde Pública (SCLIAR, 2002).
Carlos Chagas iniciou, então, uma reforma sanitária, conhecida
como “Reforma Carlos Chagas” (1920-1923), ao reestruturar esse Departamento,
criando no ano seguinte (1920) o Departamento Nacional de Saúde Pública, que
passou a incorporar novas atribuições como a propaganda e a educação sanitária,
as quais substituem a técnica utilizada por Oswaldo Cruz, puramente fiscal e policial
(POLIGNANO, 2005; SCLIAR, 2002).
Com a reforma, três novas diretorias foram implantadas: Serviços
Sanitários Terrestres, Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e Saneamento e Profilaxia
Rural; e foram criados órgãos especializados contra tuberculose, lepra e doenças
venéreas. A assistência hospitalar, infantil e a higiene industrial passaram a ser
vistas de maneira individualizada, as atividades de saneamento foram levadas
também a outros estados, e foram criados cursos de formação de Recursos
Humanos para a saúde, como a Escola de Enfermagem Ana Nery (BRAGA; PAULA,
1981; LIMA; PINTO, 2003; POLIGNANO, 2005).
23
2.3 O NASCIMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
As condições de trabalho da época, assim como o salário, tanto no
campo, como na indústria, eram péssimas, o que fazia a rotatividade dos
trabalhadores ser alta. Como estratégia de conter a revolta dos funcionários, as
grandes empresas agro-exportadoras ofereciam aos seus funcionários alguns
atrativos como: creches, moradia, refeições, pensões, enterros. Exigiam, com isso, o
bom comportamento, ou seja, o não envolvimento nas freqüentes agitações
grevistas lideradas pelos politizados imigrantes estrangeiros. Porém, todos esses
“benefícios” tinham um custo, expresso em pequenas porcentagens do salário
(SOUZA, 2004).
Essas péssimas condições de trabalho, associadas à falta de
garantias trabalhistas a todos trabalhadores, como férias, jornada de trabalho
definida, pensão ou aposentadoria, acabaram por culminar em duas grandes greves
gerais que pararam o país, uma em 1917 e outra em 1919 (POLIGNANO, 2005).
Em 24 de janeiro de 1923, em decorrência dessas agitações sociais,
foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Lei Elói Chaves (Lei 4682), surgindo,
assim, a Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP), o embrião da Previdência Social
no país (CUNHA; CUNHA, 1998; POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).
A CAP era organizada por empresas, de natureza civil e privada, e
tinha financiamento dos empregados e dos empregadores, cabendo à União apenas
a resolução de conflitos (CUNHA; CUNHA, 1998). Os benefícios previstos eram:
assistência médica curativa, fornecimento de medicamentos, aposentadoria por
tempo de serviço, velhice e invalidez, pensões para dependentes e auxílio funeral
24
(LIMA; PINTO, 2003). No entanto, essa lei era limitada e excludente ao somente
poder ser aplicada ao operariado urbano e ao ser organizada pelas empresas e não
pelas categorias profissionais; além disso, não era automática, o que dependia da
mobilização dos trabalhadores de determinada empresa para reinvidicar sua criação.
Como conseqüência dessas características, as primeiras CAPs
criadas foram a dos ferroviários (1923) e dos marítimos (1926), pela importância
desses setores para a economia da época (POLIGNANO, 2005). Em 1930, o
sistema passou a contar com 47 Caixas, 142.464 assegurados, pagando benefícios
a 8.006 aposentados e 7.013 pensionistas. No entanto, os trabalhadores rurais e
informais continuavam sem acesso a esses benefícios (SOUZA, 2004).
Entre 1922 e 1930, instalou-se uma crise financeira internacional
que influenciou diretamente a economia nacional, chegando ao extremo em 1929
com a quebra da bolsa de valores de Nova York, a qual imobilizou temporariamente
o setor agro-exportador e, conseqüentemente, toda a economia nacional, baseada
na agro-exportação do café.
2. 4 A ERA VARGAS
A crise econômica estendeu-se a uma crise política e, em 1930,
liderada por Getúlio Vargas, foi instalada uma revolução que toma o poder e rompe
com a política do “Café com Leite”, uma vez que os grandes fazendeiros de café
enfraquecidos perderam a hegemonia que, até então, exerciam na indicação dos
presidentes oriundos somente dos estados de São Paulo e Minas Gerais.
25
Getúlio Vargas, apoiado pela crescente massa de trabalhadores,
tomou o poder em 3 de novembro de 1930 e deu início a uma série de reformas
sociais para atender suas reinvidicações (POLIGNANO, 2005; SOUZA, 2004).
Uma de suas primeiras iniciativas foi a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro do mesmo ano. O "Ministério da
Revolução" - como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta -
surgiu para concretizar o projeto do novo regime de interferir sistematicamente no
conflito entre capital e trabalho, e aprofundar na legislação trabalhista. Até então, no
Brasil, as questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da
Agricultura, sendo, na realidade, praticamente ignoradas pelo governo (Fundação
Getúlio Vargas, 2005).
O novo Ministério do Trabalho incorporou essas questões e passou
a tomar providências para que a garantia trabalhista fosse estendida a um número
significativo de trabalhadores. Sendo assim, em 1933, a previdência social ampliou
sua cobertura para todas as categorias do operariado urbano, organizando os
benefícios por meio da substituição da antiga CAP, pelo Instituto de Aposentadoria e
Pensão (IAP), cuja organização passou a ser por categorias profissionais e não mais
por empresas (CARVALHO; MARTIN, 2001).
A administração previdenciária passou, a partir disso, a ser
dependente do governo federal, regulamentada pela constituição de 1934. Os
conselhos administrativos eram compostos por representantes de empregados e
empregadores, com função de assessoria e fiscalização, e dirigidos por um
presidente nomeado diretamente pelo Presidente da República (CARVALHO;
MARTIN, 2001).
26
O financiamento, antes bipartite (empregados e empregadores),
passou a ser tripartite com a participação também do Estado, o qual também
centralizava os recursos e que passou a controlar as despesas, se preocupando
mais com o acúmulo de reservas financeiras que com a ampla prestação de serviços
(OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).
O primeiro IAP criado foi o dos Marítimos (IAPM), em 29 de junho de
1933, e abrangia os trabalhadores de todas as empresas que exerciam atividades
de marinha mercante no país. Os seguintes foram o dos Comerciários (IAPC), em
maio de 1934, o dos Bancários (IAPB), em julho de 1934, o dos Industriários (IAPI),
em dezembro de 1936 e, em fevereiro de 1938, o Instituto de Previdência e
Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). Nos anos seguintes, os institutos de
outras categorias profissionais foram sendo criados (Fundação Getúlio Vargas,
2005; POLIGNANO, 2005).
Embora os institutos proporcionassem cobertura a uma grande
parcela dos trabalhadores urbanos, as disparidades entre os planos de benefícios
oferecidos permaneceram motivadas, principalmente pelas diferenças na
capacidade financeira de cada instituição. Como a contribuição era feita, tendo como
base o salário dos empregados, os institutos que representavam categorias de
profissionais mais abonadas obtinham maiores recursos (OLIVEIRA; TEIXEIRA,
1986).
Outro ministério criado na época foi o dos Negócios da Educação e
Saúde Pública, em 14 de novembro de 1930, pelo decreto 19.402, e essas duas
áreas, antes subordinadas ao antigo Ministério da Justiça e Negócios Interiores,
passaram a ter pasta própria. O artigo 4º desse decreto dispunha que “poderão ser
27
transferidos para o novo ministério serviços e estabelecimentos de qualquer
natureza...”, permitindo, assim, a agregação do Departamento Nacional de Saúde
Pública (DNSP) ao novo ministério, que passou a chamar Departamento Nacional de
Saúde e Assistência Médico-Social. E, em 1934, depois da reforma administrativa,
transformou-se em Departamento Nacional de Saúde (DNS) (LIMA; PINTO, 2003).
O DNS desenvolveu os chamados Serviços Nacionais de Saúde,
entre eles, o Serviço Nacional de Febre Amarela, em 1937, primeiro serviço de
saúde pública de dimensão nacional; e o Serviço de Malária do Nordeste, em 1939,
ambos em convênio com a Fundação Rockefeller, que estreitava sua cooperação
com o governo brasileiro naquele momento (LIMA; PINTO, 2003).
Em 1942, para atuar nas áreas não cobertas pelos serviços
tradicionais, principalmente na área de extração da borracha na Amazônia, foi criado
o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), também em parceria com a Fundação
Rockfeller, baseado no modelo norte-americano de organização vertical. O SESP
possuía unidades sanitárias extremamente dispendiosas, chamadas Unidades
Integradas de Saúde; foram implantadas na zona rural para prestar atendimento à
saúde dos trabalhadores nos seringais, focando, inicialmente, o combate à malária e
à febre amarela, as quais dizimavam essa população (CUNHA; CUNHA, 1998;
LIMA; PINTO, 2003; SOUZA, 2004).
Nos anos 50, as atividades do SESP foram ampliadas para além da
região norte, atingindo também a região nordeste, e seus serviços foram também
expandidos, passando a prover assistência médica, educação sanitária,
saneamento, controle de doenças transmissíveis e desenvolvimento de pesquisas
de Medicina tropical, em convênio com o Instituo Evandro Chagas. Em 1960, o
28
órgão passou à categoria de fundação e vinculou-se ao Ministério da Saúde, através
da lei 3.750 (LIMA; PINTO, 2003; SOUZA, 2004).
O Ministério da Saúde foi criado no ano de 1953, o que na prática
resultou apenas na separação do antigo Ministério da Saúde e Educação, pois não
houve por parte do governo brasileiro uma postura diferenciada com relação aos
problemas de saúde pública enfrentados na ocasião (POLIGNANO, 2005).
Na década de 50, o modelo de sanitarismo campanhista ainda era
claramente visível. Representado, na época, pelo Departamento Nacional de
Endemias Rurais (DNERu), criado em 1956 e vinculado ao Ministério da Saúde, se
responsabilizava tanto pelo combate a enfermidades endêmicas, quanto epidêmicas,
ainda presentes, como a febre amarela, malária e peste (LIMA; PINTO, 2003;
POLIGNANO, 2005).
Após a 2ª Grande Guerra, aconteceu um estopim de
desenvolvimento tecnológico, inclusive na atenção médica, a qual, ao mesmo tempo
em que se tornou mais eficiente, ficou mais onerosa. Os hospitais passaram a ser o
centro do sistema público de saúde ao abrigar as inovações tecnológicas,
impulsionando o início do lucrativo e florescente complexo médico-industrial no
Brasil, que estava dividido entre a indústria dos equipamentos médicos, os
laboratórios e os recursos medicamentosos (SOUZA, 2004).
O desenvolvimento tecnológico no pós-guerra esteve presente
também na aceleração da industrialização na década de 50, que acabou por gerar
um êxodo rural e, conseqüentemente, aumentou a massa de assalariados nas
cidades. Essa crescente parcela da população, representada por seus respectivos
sindicatos, começou a pressionar o governo por uma assistência médica individual,
29
que passou a ser moeda de troca por votos junto aos políticos populistas pós Vargas
(CARVALHO; MARTIN, 2001). Esse processo beneficiava diretamente o complexo
médico-industrial, uma vez que essa ampliação de assistência médica implicava na
contratação de serviços de hospitais privados (SOUZA, 2004).
Paralelamente a esse processo, a assistência sanitária passou a ser
garantida constitucionalmente em 1946 ao ser incorporada à Previdência Social e,
em 1953, foi promulgado o “Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadoria e
Pensão”, formalizando a responsabilidade com a assistência médica. Em 1960,
reforçando a mudança do papel pecuniário, foi promulgada a Lei Orgânica da
Previdência Social (LOPS), a qual rompeu com o conceito de contribuição tripartite,
cabendo à União apenas os gastos com administração e pessoal, assim como
uniformizou os direitos dos segurados de diferentes institutos, agravando as
dificuldades financeiras vividas pela Previdência (CUNHA; CUNHA, 1998).
Sendo assim, a privilegiada situação financeira em que se
encontrava o sistema previdenciário antes da década de 50 estava com seus dias
contados. Os institutos iniciaram um intenso processo de descapitalização,
desequilibrando a balança despesa/receita. A inadequada administração dos
recursos arrecadados, com investimento irracional, sem planejamento na intensa
construção e compra de hospitais, ambulatórios e equipamentos médicos e,
também, com o desvio de recursos para outros setores públicos, tornou impossível
atender adequadamente as necessidades de saúde da época. Acontecia também
nesse período a celebração de convênios para prestação de assistência médico-
hospitalar aos segurados (CUNHA; CUNHA, 1998; SOUZA, 2004).
30
Jânio Quadros assumiu em 1961, mas ficou apenas sete meses no
governo, renunciando para João Goulart assumir a presidência pelo PTB, quando o
presidencialismo foi substituído pelo parlamentarismo. Em 1963, porém, Goulart
recuperou poderes presidencialistas e as reformas sociais foram intensificadas, a
inflação chegou a quase 100% e as diferenças sociais foram aguçadas (SOUZA,
2004).
Paralelamente, existia uma crescente preocupação internacional
com o aumento da força comunista e socialista no mundo, especialmente na
América Latina, o que afetaria a hegemonia do capitalismo, principalmente da
hegemonia americana nessa região (POLIGNANO, 2005).
2. 5 AUTORITARISMO
A crise, então, explodiu. Em nome da eliminação da “subversão” e
corrupção, e com o aval dos Estados Unidos, em 1964, o golpe militar suprimiu a
democracia. Instalou-se o período da ditadura militar, com caráter ditatorial e
repressivo, utilizando-se de forças policiais e de atos de exceção para se impor. O
poder executivo aumentou, o legislativo foi quase anulado e os atos institucionais,
principalmente o nº. 5 de 1968, limitaram as liberdades individuais e constitucionais
(POLIGNANO, 2005).
O longo programa ideológico do movimento foi acionado com a retirada dos estudantes, especialmente os de nível universitário, de qualquer autonomia representativa e mantendo-os afastados de uma participação ativa nas transformações políticas. Posteriormente, o processo prosseguiria pelo afastamento de professores, a partir de 1969, pela repressão brutal às manifestações estudantis, articuladas ou não a organizações políticas clandestinas. O enquadramento ideológico completou-se pelo esvaziamento dos estudos sociais, negando-se reconhecimento à profissão de sociólogo e pela instauração de novas disciplinas como a Educação Moral e Cívica e
31
OSPB, e, no âmbito superior, Estudo de Problemas Brasileiros, todas de filiação historicamente fascista missionária (POLIGNANO, 2005, p. 13).
Seguindo a linha autoritária do governo militar, os seis IAPs, mais o
Serviço de Assistência Médica e Domiciliar de Urgência (SAMDU) e a
Superintendência dos Serviços de Reabilitação da Previdência Social foram fundidos
em uma Previdência unificada em 1967, o Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), com a justificativa de racionalidade, eficácia e saneamento financeiro.
Todavia, os trabalhadores e empregadores foram novamente excluídos da gestão,
aumentando, assim, o papel regulador do Estado (POLIGNANO, 2005). Segundo
Malloy (apud OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986, p.70):
[...] desmobilização das forças políticas estimuladas no período populista, para excluir a classe trabalhadora organizada como uma força política, e para diminuir seu papel como mecanismo articulador e de pressão na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Além da extinção da gestão tripartite, iniciou uma forte influência de
três grandes grupos na direção da previdência: a indústria farmacêutica, a indústria
de equipamentos médico-hospitalares e os proprietários de hospitais, ou seja, o
complexo médico-industrial assumiu de vez o seu papel de protagonista. Como
exemplo claro dessa influência, em 1973, o Brasil ocupava o 8º lugar no mercado
internacional de consumo de medicamentos e a importação de produtos da indústria
de equipamentos médicos, entre 1961 e 1970, obteve um acréscimo de 599,9%
(OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).
Aos poucos, a tendência de ampliação da cobertura foi se
efetivando. Em 1967 ocorreu a integração ao INPS dos seguros relativos a acidentes
de trabalho, em 1972, os benefícios previdenciários se estenderam às empregadas
32
domésticas e, em 1973, aos trabalhadores autônomos. Os trabalhadores informais
foram os únicos que acabaram excluídos dos benefícios (OLIVEIRA; TEIXEIRA,
1986).
A saúde coletiva, entre as décadas de 60 e 70, foi deixada em
segundo plano, tanto que o Ministério da Saúde, órgão responsável na época, sofreu
decréscimos progressivos em seu orçamento, de 8% para 0,8% (LIMA; PINTO,
2003).
Junto a esse processo de mudança política e econômica, o perfil
nosológico da população também estava em transição, já que os processos de
industrialização e urbanização, associados às péssimas condições sanitárias e de
trabalho, tornaram as doenças de massa um problema mais importante que as
doenças pestilenciais. Conseqüentemente, um novo modelo de atenção à saúde se
esboçava, o modelo médico-assistencial privatista (CARVALHO; MARTIN, 2001).
Conforme afirma Mendes (1995a, p. 102, meu grifo):
[...] o sanitarismo campanhista, por não responder às necessidades de uma economia industrializada, deveria ser substituído por um outro, propositadamente concebido e que se foi construindo concomitantemente com o crescimento e a mudança qualitativa da previdência social brasileira.
O novo modelo de atenção que se consolidava e passava a ser
hegemônico na década de 70 e segundo Mendes (1995a, p. 109), estava assentado
no seguinte tripé:
a) o Estado como financiador do sistema, por meio da Previdência Social; b) o setor privado nacional como maior prestador de serviços de assistência médica; c) o setor privado internacional como o mais significativo produtor de insumos, em especial equipamentos médicos e medicamentos.
33
O modelo assistencial-privatista tinha como principal característica
ser voltado para o atendimento de doentes (demanda espontânea ou induzida pela
oferta, ou seja, aos indivíduos que procuram os serviços de saúde), com ênfase na
assistência ambulatorial e hospitalar de alto custo, prestada principalmente pela rede
contratada e conveniada com o INPS, a qual não estava comprometida com a
efetividade e a integralidade do atendimento. Ainda que em casos isolados pudesse
prestar uma assistência de qualidade, era claro o seu caráter excludente (PAIM,
1998; TEIXEIRA, 2002). Portanto, era um modelo que privilegiava a prática médica
curativa, individual, assistencialista e especializada.
O modelo de seguridade social adotado nesse período tangia a
quase universalização dos serviços ao expandir o atendimento médico
previdenciário associado à inclusão de novas categorias sociais. E, ao mesmo
tempo em que privilegiava o produto privado de serviços em detrimento dos próprios
recursos da previdência, somado ainda à falta de controle sobre as contas dos
serviços contratados, criava um ambiente propício para a corrupção, o que levou à
crise do sistema previdenciário brasileiro (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986). Além disso,
instaurou-se uma crise política e econômica que levou o Estado ao banco dos réus
(CARVALHO; MARTIN, 2001).
Sendo assim, com o intuito de contornar esses problemas, em 1974,
o Sistema Previdenciário se desvinculou do Ministério do Trabalho e se consolidou
em um Ministério próprio, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e
passou com o tempo a ser vinculado às entidades a seguir: o Instituto Nacional de
Previdência Social (INPS); o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência
Social (INAMPS); A Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); a Empresa de
Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV); e o Instituto de
34
Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) (OLIVEIRA;
TEIXEIRA, 1986).
Juntamente ao MPAS, criou-se o Fundo de Apoio ao
Desenvolvimento Social (FAS), que proporcionou a remodelação e ampliação dos
hospitais da rede privada, através de empréstimos com juros subsidiados,
favorecendo ainda mais o complexo médico-industrial (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1986).
A partir de 1974, o governo começou a perceber a sua deficiente
atenção às questões sociais, principalmente pela deterioração da distribuição de
renda, pela elevação dos níveis de mortalidade infantil e a necessidade de reduzir a
miséria da população brasileira para permitir que o país se tornasse uma potência.
Era necessário ampliar o poder político, conquistando as classes baixas via políticas
sociais (BRAGA; PAULA, 1981).
Vários programas criados a partir de 1974 e implantados pelo INPS
e pelo INAMPS, e também pelo Ministério da Saúde, permitiram que uma nova
camada da população, que antes não era assistida pela Previdência Social,
passasse a ter acesso aos serviços. A atitude do governo federal em relação às
políticas sociais foi tomando diferentes formas ao longo do período de governo
militar no país (BRAGA; PAULA, 1981).
Em 1974, foi criado o Plano de Pronta Ação (PPA), que tinha o
objetivo de universalizar os atendimentos em casos de emergência, sendo
importante por iniciar o processo de universalização do atendimento com recursos
previdenciários (CUNHA; CUNHA, 1998).
35
Apesar de todas essas iniciativas do governo para tentar conter a
crise do sistema previdenciário, a sucessão de erros demonstrava-se mais forte e a
ferida ficou exposta conforme resume Polignano (2005, p. 17):
Por ter priorizado a Medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar os principais problemas de saúde coletiva, como as endemias, as epidemias, e os indicadores de saúde (mortalidade infantil, por exemplo); aumentos constantes dos custos da Medicina curativa, centrada na atenção médico-hospitalar de complexidade crescente; diminuição do crescimento econômico com a respectiva repercussão na arrecadação do sistema previdenciário reduzindo as suas receitas; incapacidade do sistema em atender a uma população cada vez maior de marginalizados, que sem carteira assinada e contribuição previdenciária, se viam excluídos do sistema; desvios de verba do sistema previdenciário para cobrir despesas de outros setores e para realização de obras por parte do governo federal; o não repasse pela união de recursos do tesouro nacional para o sistema previdenciário.
2. 6 CRISE POLÍTICO IDEOLÓGICA E O NASCIMENTO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Com a crise do sistema anterior, o movimento contra-hegemônico
começou a ganhar força e, nos anos 80, consolidou-se como o projeto da Reforma
Sanitária, que segundo Da Ros (1991, p. 70):
Contra esta política que privilegiava o setor privado, em detrimento ao setor público, iniciava-se um movimento de intelectuais da saúde nas universidades, defendendo um modelo democrático e socializado e que não privilegiasse o capital; um movimento estudantil que reivindicava o fim da ditadura militar e o fim da ingerência do setor privado no recurso público; um movimento popular de saúde, trabalhando junto com a igreja progressista, reivindicando a utilização de Medicina natural e por último, a partir de 1976, um movimento chamado de saúde comunitária, defendendo um modelo que integrasse a Medicina curativa com a preventiva.
Esse movimento sanitário foi a base político-ideológica da Reforma
Sanitária que, segundo a OPAS (1997 apud MENDES, 2001, p. 22), significa:
Um processo orientado a introduzir mudanças substantivas nas diversas instâncias e funções do setor, com o propósito de aumentar
36
a eqüidade na prestação de serviços, a eficiência na gestão e a efetividade de suas ações, para obter a satisfação das necessidades da população. Trata-se de uma fase intensificada de transformação dos sistemas de saúde, realizada durante um determinado período de tempo e a partir de conjunturas que a justificam e a viabilizam.
Contemporaneamente ao movimento da Reforma Sanitária, era
realizada, em 1978, a Conferência de Alma-Ata, que tinha como principal meta
social “’a obtenção por parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde
no ano 2000 que lhes permitirá levar vida social e economicamente produtiva’, hoje
conhecida como ‘Saúde para Todos no Ano 2000’” (UNICEF-Brasil, 1979, art. VI),
em que foi definido o termo “cuidados primários em saúde”:
Os cuidados primários de saúde são cuidados essencialmente de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua pela participação e a um custo que a comunidade e o país pode manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e autodeterminação. Fazem parte integrante do sistema de saúde do país, do qual é função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde pelo qual são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.
Diante desse novo panorama mundial, que tinha como meta a
mudança do modelo de atenção, em 1986 foi convocada a VIII Conferência Nacional
de Saúde para discutir uma nova proposta de estrutura e de política da saúde
nacional. Essa conferência diferiu das demais, até então realizadas, devido às
seguintes características: a) caráter democrático, contando com a presença de
milhares de delegados de todo o país, representado todas as forças sociais ligadas
ao tópico saúde; e b) dinâmica processual, partindo de conferências municipais,
estaduais até ao âmbito nacional (MENDES, 1995b).
37
O relatório final dessa conferência passou a constituir o projeto da
Reforma Sanitária Brasileira, que se materializou juridicamente na criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), na Seção da Saúde da Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988), juntamente com as leis orgânicas de Saúde, a lei nº 8080, de
19 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990a) e a lei nº 8142 de 28 de dezembro de
1990 (BRASIL, 1990b).
A partir de então, o SUS pôde ser definido como:
Um conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta das fundações mantidas pelo poder público e complementarmente pela iniciativa privada (BRASIL, 1990a, art. IV).
E pode ser entendido, também, como uma nova formulação política
organizacional para o reordenamento dos serviços e das ações de saúde, ainda em
construção, que tem como princípios doutrinários:
a) universalidade dos serviços: a saúde passa a ser um direito de
cidadania de todas as pessoas, garantindo-se o acesso às ações e aos serviços de
saúde independentemente de sexo, cor, raça, religião, local de moradia, situação de
emprego, ocupação, renda, ou outras características sociais ou pessoais. É um
dever do Estado (governos municipal, estadual e federal) (ALMEIDA; CHIORO,
2001; CUNHA; CUNHA, 1998).
b) eqüidade do acesso: apesar de todos terem direito aos serviços,
as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades diferentes. Sendo assim,
eqüidade significa tratar desigualmente os desiguais, investindo mais onde a
carência é maior (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).
38
c) integralidade da assistência: as pessoas devem ser consideradas
em todos os aspectos e, assim, ser atendidas em todas as suas necessidades. Para
isso, é importante a integração de ações, incluindo a promoção da saúde (que
envolve também ações em outras áreas como: habitação, ambiente e educação); a
proteção (por ex.: saneamento básico, imunizações, ações coletivas e preventivas,
vigilância à saúde e sanitária); e a recuperação (atendimento médico, tratamento e
reabilitação para os doentes) (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA; CUNHA, 1998).
E como princípios organizativos:
a) regionalização e hierarquização da rede: os serviços devem ser
organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos à determinada
área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos, e com definição e
conhecimento da clientela a ser atendida, favorecendo, assim, as ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, o controle de vetores, a educação em saúde, além das
ações de atenção ambulatorial e hospitalar (ALMEIDA; CHIORO, 2001; CUNHA;
CUNHA, 1998).
b) descentralização dos serviços: descentralizar é redistribuir poder
e responsabilidade entre os três níveis de governo. Na saúde, a descentralização
tem como objetivo prestar serviços com maior qualidade e garantir o controle e a
fiscalização pelos cidadãos. Quanto mais perto estiver a decisão, maior a chance de
acerto (CUNHA; CUNHA, 1998).
c) participação social: é a garantia constitucional de que a
população, por meio de suas entidades representativas, poderá participar do
processo de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução em
todos os níveis, desde o federal até o local. Essa participação deve dar-se nos
39
conselhos de saúde, com representação paritária de usuários, governo, profissionais
de saúde e prestadores de serviços, com poder deliberativo (ALMEIDA; CHIORO,
2001).
d) complementaridade do setor privado: quando houver insuficiência
do setor público, devem-se contratar serviços privados (ALMEIDA; CHIORO, 2001).
A estratégia adotada pelo sistema de saúde, para que esses
princípios pudessem ser executados, consiste na orientação do modelo de atenção
para a Atenção Primária. No Brasil, essa estratégia ficou conhecida como Programa
Saúde da Família, que posteriormente foi denominada Estratégia Saúde da Família
e que, recentemente, foi incluída na Política Nacional de Atenção Básica com
caráter substitutivo em relação à Atenção Básica Tradicional.
2. 7 O PORQUÊ DE UM SISTEMA DE SAÚDE VOLTADO PARA A ATENÇÃO PRIMÁRIA
Antes de iniciar esse tópico, com relação a terminologia, esclarece-
se que será utilizado o termo Atenção Primária, quando se referir ao contexto
internacional, e Atenção Básica ao contexto nacional.
Diferentemente da idéia que se tem, na qual a primeira definição de
Atenção Primária aconteceu somente na I Conferência Internacional sobre os
Cuidados Primários em Saúde em Alma-Ata de 1978; um dos primeiros relatos
históricos sobre a definição de Atenção Primária data de 1920, quando o Ministro de
Saúde da Inglaterra, Lord Dawson of Penn, divulgou um “texto” retratando a
organização do sistema de serviços de saúde (STARFIELD, 2004).
40
O texto diferenciava três níveis principais de serviços de saúde: os
centros de saúde primários, centros de saúde secundários e hospitais-escola
(STARFIELD, 2004). Segundo Lago & Cruz (2001, p.7, meu grifo), Dawson definiu
Atenção Primária em Saúde (APS) da seguinte maneira:
O Centro de Saúde Primário é a instituição equipada com serviços de Medicina preventiva e curativa, conduzida por um médico generalista do distrito. O Centro de Saúde Primário deveria modificar-se de acordo com o tamanho e complexidade das necessidades locais, assim como da situação da cidade. Os pacientes se atenderão majoritariamente com médicos generalistas de seu distrito e manterão os serviços de seus próprios médicos.
Nesse trecho existem dois aspectos bastante interessantes para a
época: a importância do médico generalista e o cuidado continuado com atividades
curativas e preventivas, além de citar também a questão da regionalização para
melhor atender as necessidades locais.
Essa proposta de arranjo dos sistemas de serviços de saúde acabou
servindo de base para a reorganização dos serviços de saúde em muitos países
(STARFIELD, 2004).
Quatro décadas depois, em 1966, surgiu outro conceito sobre APS,
pelo informe da Comissão Millis nos Estados Unidos: [...] oferta do primeiro contato,
a adoção da responsabilidade longitudinal pelo paciente independentemente da
presença ou ausência de doença e a integração dos aspectos físicos, psicológicos e
sociais da saúde (ROSEN, 1994, p. 372).
Mas é de 1978, a definição mais conhecida sobre APS, surgida da
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em Alma-Ata,
conforme já citado anteriormente.
41
Segundo Starfield (2004), todo sistema de serviços de saúde deve
ter duas principais metas: 1) maximizar o nível de saúde da população; e 2)
minimizar as disparidades existentes entre as diferentes classes sociais, oferecendo
acesso uniforme aos serviços de saúde a todas elas.
A Organização Mundial de Saúde, em 1996, a partir da experiência
européia nas reformas dos sistemas de saúde, com o intuito de melhorar a saúde e
a qualidade de vida das pessoas, elaborou uma carta com um conjunto de princípios
para dar suporte à construção solidificada da Atenção Primária. Esses princípios são
conhecidos como “Ljubljana Charter” (Carta de Lubliana) e propõe que os sistemas
de saúde deveriam ser:
a) governados pelos princípios de dignidade humana, eqüidade, solidariedade e
ética profissional;
b) focados na saúde com a proteção e a promoção da saúde como conceito
primordial em toda sociedade;
c) centrados nas pessoas, levando em conta suas expectativas sobre saúde e
sistema de saúde, assegurando a voz ativa dos cidadãos no rumo que os serviços
de saúde são desenhados e operacionalizados e, ao mesmo tempo, compartilhando
da responsabilidade sobre sua própria saúde;
d) focados na qualidade, com melhora inclusive da relação custo-efetividade;
e) baseados no financiamento sustentável, garantindo, assim, acesso universal e
eqüitativo; e
42
f) orientados para a Atenção Primária à Saúde (The Ljubljana Charter on reforming
health care, 1996).
Além do exposto acima, existe uma premissa básica que deve ser
reforçada quando se fala em sistema público de saúde, que é a de que nenhuma
sociedade ou país possui recursos financeiros ilimitados para fornecer serviços de
saúde.
Dessa forma, quando uma sociedade, ou seus representantes,
orientam sua atenção pública à saúde, com bases na superespecialização, os
objetivos da eqüidade passam a ser ameaçados, uma vez que a saúde
superespecialzada é muito mais onerosa que a Atenção Primária. E, ainda, a
superespecialização foca o tratamento das enfermidades, restringindo a atuação na
prevenção e na promoção da saúde.
Já a Atenção Primária envolve outros aspectos na oferta de
serviços, pois lida não só com as pessoas com enfermidades explícitas, mas
também com aquelas que apresentam queixas confusas e que às vezes não
possuem um diagnóstico conhecido, se responsabilizando pelo cuidado longitudinal
de todas elas. O olhar de cuidado é ampliado ao conseguir visualizar e manejar os
outros determinantes do processo saúde/doença e, portanto, consegue efetivamente
atuar em outros aspectos que não o tratamento apenas, mas a prevenção e a
promoção da saúde.
Segundo Gribel (2005, p. 25):
A concepção de Atenção Básica pauta-se na integralidade das ações de promoção, diagnóstico, tratamento e reabilitação à saúde, assumindo um importante papel na organização do sistema de saúde do Brasil. Desenvolve-se por meio de processos de trabalho em
43
equipe interdisciplinares, democráticos e participativos, com utilização de tecnologias de alta complexidade e baixa densidade. Seu objeto de trabalho é considerado na dimensão coletiva e na singularidade do sujeito, tendo por finalidade a resolubilidade dos problemas de saúde da população mais freqüentes e relevantes.
Como estratégia para implementação do SUS e da reorientação do
modelo assistencial, surgiu o Programa Saúde da Família (PSF), que prioriza as
ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família,
do recém-nascido ao idoso, sadios ou doentes, de forma integral e contínua
(BRASIL, 1997).
O objetivo do PSF é a reorganização da prática assistencial em
novas bases e novos critérios em substituição ao modelo tradicional de assistência,
que era orientado para a cura de doenças e realizado especialmente em hospitais. A
atenção agora está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu
ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes de saúde da família
uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de
intervenções que vão além das práticas curativas (BRASIL, 1997).
Além dessa reorganização da prática, o PSF funciona também como
estratégia de consolidação da Atenção Básica em nosso país, e, portanto, passou a
ser denominado de Estratégia Saúde da Família que, a partir da Política Nacional de
Atenção Básica através da publicação das portarias números 648, 649 e 650 de
28/03/2006 (BRASIL, 2006b), passou a se tornar uma política de Estado.
3 O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO MÉDICA
3.1 APROXIMAÇÃO DAS TEORIAS DE CURRÍCULO
A intenção de apresentar uma reflexão sobre as teorias de currículo
remonta da proposta desse trabalho em se avaliar práticas curriculares da
graduação, e do meu posicionamento em considerar o currículo como um
empreendimento marcado ideologicamente por influências culturais, econômicas e
políticas.
O termo currículo, com origem da palavra latina scurrere, que
significa correr e refere-se a percurso (caminho, ou carro de corrida), foi utilizado
pela primeira vez na história para relatar os conteúdos ensinados no período
clássico da civilização grega por Platão e Aristóteles (GOODSON, 1995; LAMPERT,
2001).
No entanto, conforme os estudos apontam, a origem do currículo
como campo de estudo surgiu apenas na segunda década do século XX, com a
publicação do livro “The curriculum”, de Bobbitt em 1918 (BRIANI, 2003).
Esse livro foi escrito em uma época conflituosa, em que a imigração
aos Estados Unidos aumentava e os americanos tentavam manter uma identidade
cultural e, ao mesmo tempo, ocorria uma massificação do ensino, tanto em níveis
básicos, quanto em níveis mais avançados (SILVA, 2005b).
Paralelamente, o capitalismo começava a crescer simultaneamente
ao processo de industrialização, e questões sobre os objetivos da educação
começavam a surgir, tentando descobrir se o principal deles era o de formar o
45
trabalhador especializado ou o de oferecer uma educação geral e acadêmica
(SILVA, 2005b).
Bobbit respondia a esses questionamentos de forma conservadora,
pois sua proposta era a de que as escolas funcionassem como empresas,
especificando resultados esperados de aprendizado e, através de uma avaliação
precisa, verificassem se cada um desses resultados havia sido alcançado. Ou seja,
o sistema educacional deveria ser capaz de desenvolver habilidades específicas
para ocupações também específicas (SILVA, 2005b).
A proposta de Bobbit se baseava nos princípios científicos da
administração de Taylor, e “eficiência” era a sua palavra-chave, sendo o currículo
apenas uma ferramenta utilizada para esse propósito (SILVA, 2005b).
Em 1949, Ralph Tyler publica “Princípios básicos de currículo e
ensino” (TYLER, 1974), consolidando a perspectiva tecnológica do desenho
curricular proposto por Bobbitt, e propõe que, no desenvolvimento do currículo,
deveriam constar quatro questões básicas:
1. que objetivos educacionais a escola procurar atingir?; 2. que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?; 3. como organizar eficientemente essas experiências educacionais?; 4. como podemos ter a certeza de que esses objetivos estão a ser alcançados? Tyler apud (SILVA, 2005b, p. 25)
Esses modelos tradicionais não tinham o objetivo de levantar
questionamentos aos contextos educacionais existentes, às formas hegemônicas de
conhecimento ou às formas sociais dominantes, preocupavam-se apenas com os
processos de planejamento, implantação e avaliação dos currículos, e se restringiam
à atividade técnica, especialmente com os elementos ditos substantivos dos
46
currículos, ou seja, objetivos, conteúdos, métodos e procedimentos de avaliação.
Portanto, o objetivo dos desenhos curriculares era a eficácia e a eficiência
(KOIFMAN, 2001; SILVA, 2005b).
Conclui-se, assim, que esses modelos de currículo são apenas
teorias de aceitação, ajuste ou adaptação, e permeavam uma perspectiva tecnicista
e fiscalizadora, porém, serviram de base para as ações dos gestores da educação
nos Estados Unidos até a década de 70 (BRIANI, 2003).
A rejeição aos parâmetros tecnocráticos estabelecidos por Bobbit e
Tyler crescia como movimento, tanto na Europa, principalmente França e Inglaterra,
quanto nos Estados Unidos e Canadá, no final dos anos 60 (MOREIRA; SILVA,
2002). Tanto que, em 1973, acontece a I Conferência sobre Currículo, na
Universidade de Rochester, Nova York, organizada pelo grupo/movimento de
reconceituação, liderado por William Pinar (MOREIRA; SILVA, 2002).
Esse grupo, cuja intenção era identificar e erradicar os aspectos que
oprimiam a liberdade dos indivíduos e seus grupos sociais, percebia que o currículo
não era uma atividade meramente técnica e administrativa (MOREIRA; SILVA,
2002).
As teorias críticas, em oposição aos modelos tradicionais, são
guiadas por questões ideológicas, políticas e epistemológicas (MOREIRA; SILVA,
2002) e questionam os pressupostos dos arranjos sociais e educacionais,
desconfiando do status quo, e o culpando pela injustiça e desigualdade social
(SILVA, 2005c).
47
Sendo assim, as novas teorias interrogam por onde se inicia o
currículo, ou seja, que ele deve ser elaborado a partir das demandas da sociedade,
como as desigualdades sociais, trazendo, dessa maneira, o papel da escola, que
estaria representado pelo que ela faz por intermédio do currículo. O currículo passa
então a não ser mais visto como um empreendimento neutro, mas socialmente
determinado e ideologicamente marcado (BRIANI, 2003), como podemos notar a
partir da definição de Apple (1982, p. 59):
O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.
Ainda que a preocupação com relação ao “como fazer” o currículo
continue sendo importante, essa questão só possui sentido sob a óptica do
questionamento das formas do conhecimento escolar (MOREIRA; SILVA, 2002).
Após a I Conferência sobre Currículo, surgiram duas grandes
correntes: uma com fundamentação teórica fenomenológica ligada à Universidade
de Ohio; e outra com fundamentação neomarxista, associada à Universidade de
Wisconsin e Columbia (MOREIRA; SILVA, 2002).
A “corrente fenomenológica”, liderada por William Pinnar, contava
com intelectuais como Max Van Mannen, Ted Aoki e Madeleine Grumet. E, segundo
Silva (2005a, p.40):
A perspectiva fenomenológica de currículo é, em termos epistemológicos, a mais radical das perspectivas críticas, na medida em que representa um rompimento fundamental com a epistemologia tradicional. A tradição fenomenológica de análise de currículo é aquela que talvez menos reconhece a estruturação tradicional do
48
currículo em disciplinas ou matérias. Para a perspectiva fenomenológica, com sua ênfase na experiência, no mundo vivido, nos significados subjetivos e intersubjetivos, pouco sentido fazem as formas de compreensão técnica e científica implicadas na organização e estruturação do currículo em torno de disciplinas. As disciplinas tradicionais estão concebidas em torno de conceitos científicos, instrumentais, isto é, do mundo de segunda ordem dos conceitos e não do mundo de primeira ordem das experiências diretas. No máximo, as disciplinas e matérias tradicionais aparecem como categorias a serem questionadas, a serem “colocadas entre parênteses”.
Mas é a corrente neomarxista que constrói uma crítica mais
fundamentada, fazendo ligações entre currículo, ideologia, política e cultura. Os
primeiros trabalhos de Altusser e Bourdieu, ambos de 1970, deram início a uma
crítica radical à educação liberal, mas sem tomar como foco do seu questionamento
o currículo e o conhecimento escolar (BRIANI, 2003).
Michael Apple, efetivamente, é o autor que dá início às críticas
neomarxisitas, às teorias tradicionais de currículo e seu papel ideológico. Esse autor
parte da essência da crítica marxista à sociedade, da luta de classes, em que a
classe dominante detém o controle e a propriedade dos recursos materiais e,
portanto, possui influência de poder sobre a classe detentora apenas da força de
trabalho (SILVA, 2005a).
Para Apple (1982), a vida cultural (as escolas, com seu ensino e
seus currículos) é controlada por programas estruturais predominantes e alienantes
(formas de organização e gerência das instituições, das pessoas e dos modos de
produção, distribuição e consumo) e, portanto, a relação entre as estruturas
econômicas e sociais, educação e currículo, uma vez que são mediadas pela ação
humana, não pode ser simples e direta (SILVA, 2005a).
49
Para entender essa relação, é preciso abordar as questões de
preservação e de controle de determinadas formas de ideologia, ou seja, o esforço
permanente das classes dominantes de convencimento ideológico, para manter a
dominação econômica, transforma-se em hegemonia cultural e atinge sua máxima
eficácia quando se torna senso comum (APPLE, 1982).
Hegemonia, para Apple (1982, p. 14), é um conceito que se refere a:
[...] um conjunto organizado de significados e práticas, ao sistema central, efetivo e
dominante de significados valores e ações que são vividos. Mas, o autor recorre ao
conceito formulado por Gramsci e desenvolvido por Raymond Williams para melhor
explicar a relação econômica e cultural:
[hegemonia] é todo um corpo de práticas e expectativas; nossas tarefas, nossa compreensão comum do homem e de seu mundo. É um conjunto de significados e valores que, à medida que são experienciados como práticas, apresentam-se como se confirmando reciprocamente. [...] só podemos compreender uma cultura efetiva e dominante se entendermos o processo social real que ela depende: refiro-me ao processo de incorporação. Os modos de incorporação são de grande significado, e incidentalmente em nosso tipo de sociedade apresentam considerável importância econômica. As instituições educacionais são em geral os principais agentes de transmissão de uma cultura dominante efetiva, e esta é agora uma importante atividade econômica bem como cultural; na verdade, são as duas simultaneamente (APPLE, 1982, p. 14).
No entanto, Apple (1982) ressalta a importância de se compreender
que a hegemonia é produzida e reproduzida pelo corpus formal do conhecimento
escolar, assim como pelo ensino oculto, ou currículo oculto, ou seja, nas normas e
nos valores que são implícitos, porém, efetivamente transmitidos pelas escolas e
que habitualmente não são mencionados na apresentação feita pelos professores
dos fins ou objetivos.
50
Para compreender o conhecimento realmente transmitido nas
escolas, Apple (1982, p. 17) levanta questões acerca da tradição seletiva de grande
importância para a tomada de consciência de posição cultural, econômica e política
da escola: A quem pertence esse conhecimento? Quem selecionou? Por que é
organizado e transmitido dessa forma? E para esse grupo determinado?
Esses questionamentos apontam para o início de uma investigação
das relações entre o poder econômico e político e o conhecimento que é tornado
acessível, ou não, aos estudantes, e, assim, desmascarar o conteúdo ideológico
latente nas escolas (APPLE, 1982).
Outro autor de grande destaque na elaboração de uma teoria crítica
sobre currículo é Henry Giroux, norte-americano, que lança suas idéias no início da
década de 80, um pouco depois de Michael Apple (SILVA, 2005a).
Giroux também inicia seus trabalhos fazendo uma crítica às
questões técnica, positivista e empírica, nas quais estavam focadas as teorias de
currículo até o momento. Suas idéias estavam vinculadas aos conceitos
desenvolvidos pela Escola de Frankfurt, que segundo Briani (2003, p. 57):
Essa escola de pensamento originou-se de um grupo de intelectuais alemães marxistas não ortodoxos que se propunha, entre outros aspectos, a revitalizar o materialismo dialético, denunciar o caráter de exploração do capitalismo e questionar a instrumentalização da razão. As principais idéias desta teoria foram lançadas na obra “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, de 1937, onde Horkheimer questionou o conceito de objetividade e de neutralidade científica no processo do conhecimento. Para ele, o raciocínio lógico-formal de Descartes não conseguiu captar a dinâmica histórica dos indivíduos e da sociedade, somente possível por meio do método dialético. Em outro texto, “Dialética do Esclarecimento”, partindo da análise de um artigo de Kant, Adorno e Horkheimer questionaram a direção em que a razão conduziu a humanidade. Para eles, a razão kantiana conduziu a um saber técnico e científico que produziu a alienação, a repressão e a dominação.
51
Em sua análise crítica, portanto, Giroux ressalta a importância de se
levar em consideração o caráter histórico, ético e político das ações humanas.
Ele acredita que é possível canalizar o potencial demonstrado por estudantes e professores para desenvolver uma pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo claramente político e que seja crítico das crenças e dos arranjos sociais dominantes (SILVA, 2000, p. 54)
Em síntese, Giroux analisa a questão do currículo sob a perspectiva
de política cultural, que envolve a construção de significados e valores culturais,
produzindo significados sociais.
3.2 INCONSISTÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MÉDICA
O currículo entendido como uma construção social das escolas, no
âmbito do projeto político-pedagógico, está sujeito, na sua elaboração, a um
contexto de conflitos de interesses e poder (MAIA, 2004).
Por exemplo, no Brasil, como caracterizado anteriormente, em um
dado momento da história, com o favorecimento do complexo médico industrial,
ocorreu o crescimento de determinados serviços hospitalares, os quais buscaram
uma inserção da área nos currículos das instituições. O resultado foi a inclusão de
diversas disciplinas de superespecialidades, ou métodos específicos de diagnóstico,
na graduação dos cursos da saúde (MAIA, 2004).
Esse movimento científico a caminho da especialização, com a
criação de disciplinas, as quais se constituem como elementos isolados dentro da
matriz curricular, reflete-se na fragmentação da formação acadêmica e na
52
possibilidade de o estudante privilegiar determinados conteúdos em detrimento de
outros, resultando na especialização precoce (MAIA, 2004).
A fragmentação também se dá na dissociação que os cursos da
saúde têm ao definir dois momentos isolados de formação, o ciclo básico e o ciclo
profissional (MAIA, 2004).
Além disso, o processo de avaliação está baseado, conforme
denomina Paulo Freire, na “pedagogia bancária”, em que os conteúdos são
“depositados” nos estudantes, os quais estudam por livros-textos ou anotações de
aulas, em detrimento ao estímulo do desenvolvimento de habilidades de raciocínio e
aplicabilidade do conhecimento. Parece existir uma “regra positivista”, de que
primeiro precisa-se saber, para só depois poder fazer (MAIA, 2004).
Essa perspectiva tradicional do ensino na educação superior não
opera com estratégias didático-pedagógicas, com modos de ensinar
problematizadores, construtivistas ou com protagonismo ativo dos estudantes
(FEUERWERKER, 2002).
Em suma, nessa abordagem clássica da formação em saúde, o
ensino é tecnicista e preocupado com a sofisticação dos procedimentos e do
conhecimento dos equipamentos auxiliares do diagnóstico, tratamento e cuidado,
planejado segundo o referencial técnico-científico acumulado pelos docentes em
suas respectivas áreas de especialidade ou dedicação profissional.
Contemporaneamente, vários autores têm questionado a qualidade
da educação médica oferecida pelas universidades brasileiras, até então baseadas
nesse modelo fragmentado e mecanicista de se ensinar Medicina, cujas
53
características são a abordagem biologicista, médico-centrada e procedimento-
centrada na qualificação para o trabalho, com modelo pedagógico de ensino em
saúde centrado em conteúdos, organizado de maneira compartimentada e isolada.
Como conseqüência disso, os indivíduos se fragmentam em especialidades da
clínica, dissociando conhecimentos das áreas básicas e conhecimentos da área
clínica, centram as oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital
universitário, adotam sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação
técnico-científica padronizada, e acabam sendo incentivados, com esse sistema, à
precoce especialização, perpetuando, assim, modelos tradicionais de prática em
saúde (FEUERWERKER, 2002)
Cutolo (2003), ao discutir as principais características das práticas
curriculares hegemônicas dos cursos de graduação em Medicina, analisa o núcleo
da educação médica partindo de uma questão epistemológica centrada na
concepção de saúde doença. E ao definir as características da escola médica,
reforça a crítica à Educação Médica: a formação dos professores/médicos é a
superespecialidade; a abordagem é tecnicista e não humanista; a postura do
docente é a do médico que dá aula, e não a do professor de Medicina; a prática em
sala de aula é empirista; o local de ensino é, fundamentalmente, desenvolvido no
hospital; a estrutura é essencialmente disciplinar; não há articulação entre os ciclos
básico e clínico; e os conteúdos são desconectados da realidade nacional.
Lisboa (1999) também aponta defeitos da educação médica como:
ausência de critérios para criação de escolas e de mecanismos de fiscalização de
seu funcionamento; falta de articulação ensino-serviço; desapreço pelo curso de
graduação; número excessivo de disciplinas curriculares e desarticulação entre elas;
fragmentação do ensino da clínica médica; internato seletivo; falta de incentivo à
54
cultura de avaliação educacional; inadequação dos critérios para seleção e
promoção de professores; insuficiente preparo pedagógico dos docentes; e
desatenção aos professores no campo da ética.
Além desses autores, Lampert (2002), em seu livro fruto de sua tese
de doutorado, aponta características semelhantes às apresentadas até aqui:
predominância de aulas teóricas, enfocando a doença e o conhecimento
fragmentado em disciplinas; processo de ensino-aprendizagem centrado no
professor, em aulas expositivas e demonstrativas; prática desenvolvida
predominantemente no hospital; capacitação docente centrada unicamente na
competência técnico-científica; e mercado de trabalho referido apenas pelo
tradicional consultório, onde o médico domina os instrumentos diagnósticos e os
encaminhamentos, e cobra seus honorários sem intervenções de terceiros.
Todas as críticas ao modelo atual de ensino apresentadas por esses
autores de renome nacional na temática de Educação Médica são oriundas do
modelo biomédico de formação. Através de uma caricatura, Da Ros (2004, p. 238-9)
exemplifica um profissional que atua nessa lógica:
Tomemos um médico, que trabalha como professor vinte horas por semana num hospital-escola e outras vinte horas semanais em seu consultório privado, numa policlínica, em sua especialidade. Faz dois plantões em emergências por semana. Fez sua especialidade num hospital em Ohio (E.U.A.), tendo morado lá durante quatro anos. É professor há dois anos, e seu salário como tal beira o ridículo. Um de seus alunos na décima terceira fase do curso pergunta sobre um detalhe anatômico raro num músculo que só uma cirurgia especializada consegue visualizar. O professor sabe a resposta, estudou muito sobre aquilo (aquele pedaço do corpo), já salvou vidas em função disto, ganha dinheiro com este saber, fez um curso recente de atualização e aprendeu novos exames e medicamentos a recomendar. Ele não lembra o nome de seu paciente, também não sabe se tem família ou em que trabalha; refere-se a ele como “o do leito 14”. Lembra que suas aulas (quando ainda era aluno) eram pra cem alunos, e ele tinha que estudar muito em casa para decorar novas inserções musculares (era isso que caía na prova); teve de
55
“ralar” muito para conseguir fazer sua residência; teve de copiar o discurso de seus professores (estudando por cadernos), se não “rodava”. Lembra quando o professor disse que, se não usasse as palavras científicas, não seria aceito no coletivo. Lembra também de quando ouviu o “rolar protodiastólico” no leito 37, que o professor de semiologia tanto valorizou; seus colegas não ouviram (Ah! Que satisfação tão grande ganhar uma competição de conhecimentos...). Portanto, aprendeu um jeito de falar, teve reforço psicológico por ouvir determinada forma, tirou notas boas por decorar técnicas, e em função disso foi aceito num coletivo.
Para entender melhor a importância do modelo biomédico na
determinação das práticas médicas e, conseqüentemente, do ensino médico no
Brasil, será apresentado um breve resgate histórico, procurando demonstrar a
incompatibilidade desse modelo de formação com o rumo da reforma sanitária
brasileira e com as discussões internacionais sobre saúde e educação médica.
3.3 RESGATE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO MÉDICA E A INFLUÊNCIA DO MODELO BIOMÉDICO
A partir da transferência da Família Real portuguesa para o Brasil
em 1808, e a necessidade de a colônia se adequar para essa mudança, são criadas
várias instituições que passaram a prover a formação de quadros para a Nova Corte.
Dentro desse contexto, surgiu a primeira escola médica no Brasil, quando o doutor
José Correia Picanço obteve autorização para a criação do “Curso Médico-Cirúrgico
da Bahia” no antigo Hospital Militar da Bahia em Salvador. No ano seguinte, foi
criada, também, a Escola de Anatomia e Cirurgia do Rio de Janeiro (BRIANI, 2003;
HADDAD; PIERANTONI, 2006).
Esses dois cursos tinham a duração de 4 anos, com enfoque no
ensino da Anatomia e Cirurgia, porém, em 1813, a duração desses cursos foi
ampliada para 5 anos (BRIANI, 2003).
56
Em 1832, as Escolas passaram a ser denominadas de Faculdades
de Medicina, ampliaram seu tempo de estudo para 6 anos e enfatizaram a formação
em Ciências Acessórias, o equivalente às Ciências Básicas, além das Ciências
Médicas e Cirúrgicas, seguindo as normas e programas da Escola Médica de Paris,
fatos ocorridos por reinvidicações da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. A
inspiração da escola francesa perdurou até o final da Segunda Grande Guerra,
quando passou a prevalecer o modelo norte-americano ou flexneriano (BRIANI,
2003; HADDAD; PIERANTONI, 2006).
Após a criação desses dois cursos, percorreu-se uma fase longa e
lenta de expansão dos cursos de Medicina no país até 1959, sendo criados apenas
27 no total (HADDAD; PIERANTONI, 2006).
A partir da década de 60, com o “milagre econômico” e a
possibilidade de mobilidade social, a demanda pela qualificação profissional
começou a crescer rápido e, para suprir essa necessidade, novas instituições de
ensino foram criadas e o número de cursos oferecidos aumentou. No entanto, esse
crescimento foi baseado nas faculdades privadas, sem controle de abertura e,
logicamente, houve concentração na região sudeste, a mais rica do país (BRIANI,
2003).
Essa nova fase, ao contrário da anterior, caracterizou-se por uma
expansão acelerada e, em 44 anos, foram criados 113 novos cursos. Desta forma,
os 27 cursos iniciais representam 19,3% num período de 196 anos, o que dá um
índice de 0,18 curso/ano. Por outro lado, de 1960 a 2004, os 113 (80,7%) cursos
criados em 44 anos representam um índice de 2,57 cursos/ano (HADDAD;
PIERANTONI, 2006).
57
A grande maioria das novas escolas que foram abertas a partir de
1960 não estava mais baseada no modelo francês, mas no modelo americano, ou
flexneriano (devido ao fato de o pesquisador que realizou o relatório se chamar
Abraham Flexner), que surgiu a partir de um relatório originalmente chamado
”Medical Education in the United States and Canada – A Report to the Carnegie
Foundation for the Advancement of Teaching". Esse relatório foi criado para
regularizar a situação das Escolas Médicas nos EUA, a qual era caótica, pois havia
aproximadamente 150 escolas sem critérios de abertura e que não necessariamente
estavam vinculadas a instituições universitárias e, ainda, a admissão dos alunos e o
tempo de duração dos cursos eram totalmente irregulares (MENDES, 1985).
O contexto histórico americano na época desse relatório nos permite
pensar que seu surgimento e sua repercussão em larga escala não são aleatórios,
pois, na primeira década do século XX, o capitalismo monopolista já estava em
franca ascensão nos Estados Unidos (MENDES, 1985).
O capitalismo monopolista, entretanto, confrontava com duas
exigências básicas para continuar sua expansão: aumentar a acumulação de capital
e legitimar a ordem social (MENDES, 1985)
Para esses fins, a Medicina passou a assumir o papel de proteção e
restauração do corpo humano, focando a atenção no indivíduo a fim de maximizar a
produção, e assume também papel no controle social (MENDES, 1985)
Além disso, é imprescindível citar o interesse coorporativo da
Associação Médica Americana no relatório. Criada em 1847, tem o intuito de
fortalecer a Medicina alopática, ameaçada até então pela Medicina homeopática e
que, no início do século XX, se fortaleceu com o capital industrial (MENDES, 1985)
58
O Relatório Flexner, dessa forma, determinou rigorosas diretrizes
que hierarquizaram a educação médica, resultando em uma estrutura
discriminatória, privilegiadora de homens, brancos e classe média alta e acabou por
fechar 124 das 155 escolas médicas americanas que não podiam cumprir com sua
proposta de ensino (KOIFMAN, 2001; MENDES, 1985).
Seus elementos estruturantes são (MENDES, 1985):
Mecanicismo: o mecanicismo influencia-se pelo modelo cartesiano
e pela analogia do corpo humano com a máquina, fragmentando seu estudo em
órgãos e sistemas. Desse modo, ocorre um rompimento na imagem da totalidade
corporal, permitindo-se que os “homens-máquina” (os médicos), por meio de
“máquinas” (instrumentos), portanto, atuem sobre as “máquinas-homem” (os
pacientes), reparando seus defeitos.
Biologismo: o biologismo pressupõe o reconhecimento, exclusivo e
crescente, da natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências.
Desta forma, procura-se excluir ou minimizar os fatores determinantes de natureza
econômica e social na geração de enfermidades.
Individualismo: característica duplamente marcada, pois,
primeiramente, elege o indivíduo como seu objeto de estudo e, posteriormente, o
aliena, excluindo de sua vida os aspectos sociais.
Especialização: resulta da troca da globalidade do objeto da prática
médica pela profundidade do conhecimento de suas dimensões específicas, em
detrimento do conhecimento holístico.
59
Exclusão de práticas alternativas: As práticas médicas
alternativas começaram a ser vistas como “seitas” médicas devido a sua “suposta”
ineficácia. Procurou-se anular ou restringir as formas populares da Medicina mágica
ou religiosa e mesmo outras formas como a homeopatia.
Tecnificação do ato médico: a engenharia biomédica, calcada na
tecnificação do ato médico, surge como nova forma de mediação entre o homem e
as doenças. A supervalorização da tecnologia no meio médico promoveu a idéia de
que qualquer problema de saúde pode ser resolvido, fator que ajudou a legitimar o
novo modelo. A tecnificação da Medicina estabeleceu como parâmetro de qualidade,
por razões ideológicas e econômicas, o grau de densidade tecnológica da prática
médica em detrimento das práticas de promoção e reestruturação de saúde e
prevenção de doenças.
Ênfase na Medicina curativa: O novo modelo concentrou sua
atuação na Medicina curativa, sendo este o setor da Medicina mais susceptível à
incorporação de tecnologia. Prestigiando o processo fisiopatológico em detrimento
da causa, provoca, em todos os níveis de promoção e proteção da saúde, um
processo de “fisiopatologização”.
Concentração de recursos (hospitalocentrismo): O hospital
torna-se o “locus” privilegiado da prática e formação médica, tendo em vista que é a
única instituição que pode abrigar o número crescente de equipamentos exigidos
pela Medicina científica, também gerando e difundindo a nova tecnologia médica.
No Brasil, essa “Era Flexneriana” iniciada a partir da década de 60
se deu juntamente com o desenvolvimento do Complexo Médico-Industrial
(construção de hospitais em ritmo acelerado, superespecialização médica,
60
tecnologia de ponta), o qual tinha influência do interesse comercial americano e
apoio do governo do período militar.
Esse favorecimento ao Complexo era nítido, tanto que, em 1968, foi
realizada uma reforma universitária pela Lei Federal nº 5.540 de 28/11/1968 (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Superior) em que os cursos de Medicina passaram
a adotar oficialmente o modelo americano, modificando a lógica dos currículos ao
separar e desarticular o ensino em dois ciclos, o básico e o das disciplinas ditas
profissionalizantes (corresponde às especialidades, conhecido como internato
médico); foi gerada uma grade de conteúdos seqüenciais, mas desvinculados entre
si; e foi implantado um sistema de avaliação baseado na memorização da
informação complementar (ALMEIDA, 2001; DA ROS, 1991; KOIFMAN, 2001;
LAMPERT, 2002)
É Importante ressaltar nesse momento que, até 1968, predominava
no Brasil a formação de práticos, com locus de ensino em laboratórios ou em
serviços que prestavam aquela assistência alvo da formação (CECCIM;
CARVALHO, 2005). Não havia, até então, um currículo mínimo, nem diretrizes
curriculares nacionais, sendo o currículo e a pedagogia universitária auto-
regulamentados (CECCIM; CARVALHO, 2005).
A autorização para o funcionamento dos cursos de graduação
somente se deu após a instalação do Conselho Federal de Educação e, com a já
citada Lei nº5540, ficou definido o conceito de currículo mínimo.
Nesse mesmo período, a Organização Pan-Americana da Saúde
(OPAS), a Fundação Rockefeller e a Fundação Kellogg se tornaram protagonistas
no cenário das políticas educacionais na formação dos profissionais da saúde na
61
América Latina, influenciando os governos e promovendo diversos encontros com os
ministérios da saúde e entidades educacionais no sentido de introduzirem a nova
lógica de expansão do número de médicos (FEUERWERKER, 1998).
Um dos terrenos de atuação dessas organizações foi o apoio à
introdução do modelo flexneriano nas escolas médicas (como na USP de Ribeirão
Preto, no Brasil, e da Universidad del Valle, na Colômbia) baseando-se na sólida
base científica e na prática de investigação (BRIANI, 2003; FEUERWERKER, 1998).
Entretanto, ao mesmo tempo em que o modelo biomédico começava
a se solidificar no Brasil, surgiu uma corrente de movimento conhecida como
“movimento preventivista”, que apontava a formação de recursos humanos como
estratégia para a transformação das práticas de saúde, focando o atendimento das
necessidades de saúde da população (CECCIM; CARVALHO, 2005).
Dentro desse contexto, a Organização Pan-Americana de Saúde,
com relação à educação médica, direcionava seus esforços ao desenvolvimento das
disciplinas básicas, ao estímulo do ensino de aspectos preventivos e sociais e à
criação de departamentos de Medicina Preventiva, o que também ocorreu em várias
escolas brasileiras, além da introdução de disciplinas como Medicina comunitária e
familiar. Porém, modificações substanciais no conteúdo e na reorientação da prática
médica não foram observadas (KOIFMAN, 2001).
A fim de verificar o impacto dos primeiros dez anos de implantação
dos diversos departamentos de Medicina preventiva na América Latina, a OPAS
patrocinou um estudo que foi realizado por um médico, e um dos mais importantes
teóricos da Medicina social latino-americano, Juan César García. O estudo foi
publicado em 1970, e 107 das 135 escolas de Medicina da região foram incluídas, e
62
acabou se tornando um dos maiores estudos sobre educação médica realizado na
América Latina até hoje (ALMEIDA, 2001; FEUERWERKER, 1998).
Neste trabalho, foram apontados problemas fundamentais da
educação médica latino-americana dos quais merecem destaque: separação do
saber em áreas estanques, professores em escassez com pouco comprometimento
com a universidade, transmissão de conteúdos eminentemente teóricos de forma
vertical e dissociação entre os planos nacionais de saúde e necessidades da
comunidade com o processo de formação (FEUERWERKER, 1998).
Como conclusão do estudo, García considerou que:
Os problemas de educação médica na América Latina eram de natureza tal que não poderiam ser resolvidos satisfatoriamente sem levar em conta o sistema educacional pré-universitário, o sistema de atenção médica e a formação dos demais profissionais que compõem as equipes médicas. Como conseqüência, o planejamento da formação dos recursos humanos em saúde deveria constituir parte importante dos planos nacionais de saúde e refletir os esforços coordenados de todas as instituições que tenham a ver com formação e utilização do pessoal de saúde (GARCIA, 1970, apud (FEUERWERKER, 1998, p. 59).
Esse estudo de Garcia tem grande importância histórica, uma vez
que foi um dos primeiros a questionar o modelo flexneriano que, até então, parecia
soberano e perfeito (CUTOLO, 2001).
3.4 NOVOS TEMPOS DA EDUCAÇÃO MÉDICA
A partir da década de 70, juntamente com o crescimento do
movimento da reforma sanitária, começaram a surgir algumas propostas que
começavam a caminhar em direção contrária ao favorecimento do modelo
biomédico. Como, por exemplo, a proposta de mudança na formação ao preconizar
63
a multiplicação e ativação de unidades de saúde instrumentalizadas para atender às
doenças comuns e contar com médicos generalistas que tentavam compreender os
contextos culturais locais, voltando a atenção para os territórios de vida conhecido
como Medicina Comunitária (CECCIM; CARVALHO, 2005; FARIAS, 2003).
Ainda na década de 70, também tem início a estratégia de
Integração Docente Assistencial (projeto IDA), com projetos incentivadores em toda
a América Latina (ALMEIDA, 2001; CECCIM; CARVALHO, 2005).
Essa integração do ensino com o serviço foi fundamental para se
avançar no sentido de uma formação mais integral, uma vez que: se apresentava
como forma efetiva de racionalizar o uso de recursos, contribuía para a formação de
líderes com senso crítico na saúde e na educação, estimulava e facilitava o trabalho
em equipe e desmistificava a oferta de serviços de saúde exclusivamente no âmbito
hospitalar (ALMEIDA, 2001).
E em 1976, surgem três projetos destinados a formar médicos
generalistas: o Programa de Residência em Saúde Comunitária da Unidade
Sanitária São José do Murialdo da Secretaria de Saúde e Meio
Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, o Subprograma de Internato e
Residência em Hospital Regional Rural do Programa de Saúde Comunitária do
Projeto Vitória da Universidade Federal de Pernambuco e o Programa de Medicina
Integral da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (FARIAS, 2003).
Junto a esse movimento, internacionalmente começavam a ser
definidos os Cuidados Primários de Saúde (UNICEF-Brasil, 1979) e o novo conceito
de Promoção da Saúde (Carta de Ottawa, 1986), conforme discutido anteriormente.
64
Na década de 90, os Projetos UNI (Uma Nova Iniciativa da educação
dos profissionais da saúde) ampliam a integração do ensino com o serviço para a
integração também com a comunidade, por meio de uma saúde comunitária
participativa, desafiando a mudança dos conteúdos para além da saúde pública
preventivista (CECCIM; CARVALHO, 2005).
Outro projeto de trabalho que merece destaque na década de 90 foi
a criação, em 1991, da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino
Médico (CINAEM), composta por onze entidades, a qual inovou na avaliação por
propor uma reforma da educação nas Ciências da Saúde, aproximando a formação
de recursos humanos na saúde às necessidades das pessoas (CECCIM;
CARVALHO, 2005; CUTOLO, 2001).
Essa comissão tinha os seguintes objetivos:
a) avaliar o Ensino Médico brasileiro, visando à sua qualidade para atender às
necessidades médico-sociais da população;
b) propor medidas a curto, médio e longo prazos que venham a sanar as
deficiências hoje encontradas;
c) criar mecanismos permanentes de avaliação das Escolas Médicas; e
d) criar mecanismos para desenvolver programas de Educação Médica Continuada.
E as seguintes estratégias:
a) A avaliação será universal e utilizará como instrumento básico um protocolo
único, cujo modelo se baseará em outros oficiais existentes e de acordo com os
membros da Comissão.
65
b) Utilizará a organização das entidades que compõem a Comissão Interinstitucional
Nacional de Avaliação do Ensino Médico e de entidades que integrem o Sistema de
Saúde2.
Todavia, foi devido à reestruturação do modelo de atenção do nosso
país, com a criação do SUS, que o dever do Estado com a educação tornou-se
saliente.
Sendo assim, passa a ser estabelecida pela Constituição Federal de
1988, a ordenação para formação de recursos humanos na área da saúde à
competência do SUS, conforme o artigo 200 do Título VII, Capítulo II, Seção II da
Saúde (Constituição Federal de 1988).
E, em 1996, o Ministério da Educação promulgou a atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei Federal nº 9394, de 20/12/1996,
conhecida também como Lei Darci Ribeiro, extinguindo o “currículo mínimo”,
substituído posteriormente pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e propiciando,
assim, a oportunidade para a flexibilização dos currículos e para mudanças
(CECCIM; CARVALHO, 2005; CUTOLO, 2001).
O avanço no sentido de se adequar a formação à realidade nacional
e, portanto, às necessidades de saúde da população e, ainda, com essa
flexibilização proporcionada pela LDB, pode ser notado em alguns de seus artigos
como no art. 1º, §2: A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e
à prática social; no art. 9º I – elaborar Plano Nacional de Educação em colaboração
com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e VII – baixar normas gerais
sobre cursos de graduação e pós-graduação.; e no art. 53: No exercício de sua
2 Ata da 1ª Reunião CINAEM (04/3/1991).
66
autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes
atribuições: [...] II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as
diretrizes gerais pertinentes. (meu grifo)
Esse último inciso abriu espaço para o Ministério da Educação e do
Desporto (MEC), por intermédio de sua Secretaria de Educação Superior (SESu),
convocar as Instituições de Ensino Superior a apresentar propostas para as novas
Diretrizes Curriculares dos cursos superiores, que seriam sistematizadas pelas
Comissões de Especialistas de cada área da SESu/MEC.
No edital nº4/97, constava a seguinte orientação geral para a
organização das Diretrizes Curriculares:
As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES [Instituições de Ensino Superior] na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda a denominação de diferentes formações e habilitações para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e demandas existentes na sociedade.
A partir desse edital, foram encaminhadas aproximadamente 1200
propostas, provenientes de várias parcelas da comunidade acadêmica e profissional.
Vários encontros e seminários para debate foram promovidos, contando com a
participação tanto do setor público como do privado, e com a presença da
SESu/MEC. Vale destacar o papel importante desempenhado pelo Fórum Nacional
de Pró-Reitores de Graduação (ForGrad) junto às propostas enviadas pelas
universidades.
67
Até 2001, antes das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
de graduação em saúde, a desarticulação entre as definições políticas dos
Ministérios da Saúde e da Educação contribuiu para aumentar o distanciamento
entre a formação dos profissionais da saúde e as necessidades do SUS.
Sendo assim, o Ministério da Saúde passou a assumir papel ativo na
formação de recursos humanos para trabalhar no Sistema Nacional de Saúde, antes
delegado ao Ministério da Educação, ao participar da elaboração das Diretrizes
Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em saúde que, aprovadas entre
2001 e 2004, afirmaram que a formação do profissional de saúde deve contemplar o
sistema de saúde vigente no país, o trabalho em equipe e a atenção integral à saúde
(CUTOLO, 2003).
Facilmente notou-se a compatibilidade entre as novas Diretrizes
Curriculares do curso de Medicina, com a formação de um profissional médico
habilitado a trabalhar segundo as propostas do SUS, como por exemplo, em seu
artigo terceiro, que indica uma prática curricular que possibilite ao médico uma:
Formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos, no processo saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).
A parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação, após o
lançamento das diretrizes curriculares, passou a se estreitar e novas iniciativas com
intuito de mudar e adequar a formação dos recursos humanos em saúde foram
lançadas. Em dezembro de 2001, como resultado da parceria desses dois
68
ministérios com a OPAS, surge, então, o Programa de Incentivo às Mudanças
Curriculares das Escolas Médicas (BRASIL, 2005).
Além de diretrizes conceituais, o incentivo se tornou financeiro e, em
um primeiro momento, esse recurso foi direcionado apenas a 19 escolas médicas do
país, para que essas adequassem seus currículos, sua produção de conhecimento e
os programas de educação permanente à realidade social e de saúde da população
brasileira e, desta forma, contribuíssem na consolidação do Sistema Único de Saúde
(SUS) (BRASIL, 2005).
Esse incentivo ministerial começou a ampliar seu escopo, e dois
novos cursos começaram a fazer parte do alvo de mudança na formação: a
odontologia e a enfermagem. Assim, em novembro de 2005, com a assinatura de
outra Portaria Interministerial do Ministério da Saúde e Ministério da Educação,
surgiu o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde -
PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005).
Conforme consta do projeto do PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005, p.5-6):
Esta iniciativa visa a aproximação entre a formação de graduação no país e as necessidades da Atenção Básica, que se traduzem no Brasil pela estratégia de saúde da família. O distanciamento entre os mundos acadêmico e o da prestação real dos serviços de saúde vem sendo apontado em todo mundo como um dos responsáveis pela crise do setor da saúde. No momento em que a comunidade global toma consciência da importância dos trabalhadores de saúde e se prepara para uma década em que os recursos humanos serão valorizados, a formação de profissionais mais capazes de desenvolverem uma assistência humanizada e de alta qualidade e resolutividade será impactante até mesmo para os custos do SUS. A experiência internacional aponta que profissionais gerais são capazes de resolver custos relacionados a quatro quintos dos casos sem recorrer a propedêutica complementar, cada dia mais custosa.
69
O Estado passou a assumir definitivamente o compromisso de
reorientar a formação dos profissionais da saúde em direção a um modelo integral e
compatível com as necessidades da população.
O programa terá o papel indutor na formatação do ensino em saúde no Brasil, tanto para os três tipos de cursos [Medicina, enfermagem e odontologia] como para todos os outros da área da Saúde, pois, a partir da criação de modelos de reorientação, poder-se-á construir uma nova etapa na formação profissional em saúde (BRASIL, 2005, p.11)
A reorientação do processo de formação proposto pelo PRÓ-SAÚDE
está baseado em três eixos, e cada eixo é composto por três vetores: eixo A –
ORIENTAÇÃO TEÓRICA (vetor 1: determinantes de saúde e doença; vetor 2:
produção de conhecimentos segundo as necessidades do SUS; vetor 3: pós-
graduação e educação permanente); eixo B – CENÁRIOS DE PRÁTICA (vetor 4:
integração docente-assistencial; vetor 5: diversificação dos cenários do processo de
ensino; vetor 6: articulação dos serviços universitários com o SUS); e eixo C –
ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA (vetor 7: análise crítica da Atenção Básica; vetor 8:
integração do ciclo básico/ciclo profissional; vetor 9: mudança metodológica)
(BRASIL, 2005).
Em suma, a LDB de 1996 iniciou o processo de flexibilização dos
currículos que anteriormente, pela imposição fechada dos “currículos mínimos”, a
mudança na graduação era inviável. Além disso, essa lei abriu espaço para a
criação das Diretrizes Curriculares Nacionais, as quais são amplamente discutidas.
Para a operacionalização dessas diretrizes, os Ministérios da
Educação e da Saúde incentivaram as mudanças com recursos financeiros,
PROMED e PRÓ-SAÚDE (BRASIL, 2005; BRASIL, 2005).
70
Diante desse contexto, é possível afirmar que a formação médica
precisa sofrer mudanças, assim como o perfil profissional deve estar mais adequado
com a atuação na Atenção Básica.
O curso de Medicina da UNIVALI, como sendo um dos 38 cursos do
país a ser contemplado com o incentivo do PRÓ-SAÚDE, precisa rever suas práticas
curriculares, conforme já expõe no projeto enviado para o recebimento do incentivo.
A proposta deste trabalho, portanto, é discutir o papel e os objetivos
educacionais da disciplina Medicina Familiar e Comunitária, uma das mais ligadas
ao processo de formação do aluno para atuação na Atenção Básica, no contexto
internacional e nacional e dentro do curso, para realizar uma síntese propositiva de
mudança como proposta de implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais.
4. PROPOSTA DE FORMAÇÃO MÉDICA PARA ATUAÇÃO NA ATENÇÃO
BÁSICA
Atualmente, existe uma demanda social pela formação de recursos
humanos da área da saúde para a organização do Sistema Único de Saúde. O novo
perfil de profissional médico deve, portanto, levar em conta a conjuntura nacional e
internacional de reorientação dos sistemas de saúde para a Atenção Primária.
Esse perfil, segundo Amorretti (2005), inclui: visão crítica e reflexiva
da sua profissão e práticas; ampliação dos conhecimentos humanísticos;
manutenção e renovação permanente dos conhecimentos científico-tecnológicos
para serem aplicados com senso crítico e racionalidade; maior conhecimento de
epidemiologia para a assistência resolutiva; maior envolvimento na gestão do
sistema público de saúde; conhecimento de comunidade, família e técnicas de
grupo; práticas inter e multidisciplinares; maior conhecimento de saúde mental;
maior conhecimento de saúde coletiva; educação para a promoção da saúde;
conhecimentos sobre cuidado e responsabilização; aplicação dos conhecimentos
conforme as necessidades da população; inclusão da bioética em suas práticas.
A não ser pelo complexo médico industrial, que ainda hoje continua
exercendo forte influência sobre as políticas de saúde, não há quem não se
beneficie de um sistema de saúde baseado na Atenção Primária. Ganham os
gestores, que proporcionam maior efetividade e qualidade do serviço a um custo
mais baixo; os usuários, que ganham não só na resolução de problemas de saúde,
mas também têm a oportunidade de melhoria da qualidade de vida; bem como os
médicos, pois precisam ser formados de uma forma mais humana e integral.
72
No entanto, como tem acontecido no Brasil, apesar de todas as
mudanças ocorridas, não há profissionais suficientes no mercado de trabalho com o
perfil esperado para atuar nessa nova lógica de se prestar serviços de saúde.
Somada a esse contexto, existe a missão social de se direcionar a
prestação de serviços conforme as necessidades da população, fato que fortalece a
implementação de currículos que apontem para a terminalidade dos cursos de
graduação na formação do médico generalista (LAMPERT, 2001).
Não deve-se minimizar, entretanto, a importância de pós-graduação
na especialidade de Medicina de Família e Comunidade, pois a mesma é de
extrema relevância e qualifica o processo de trabalho na Atenção Básica, haja vista
sua complexidade. Starfield (2004, p. 52-3), ao comparar os médicos da Atenção
Primária aos especialistas, nos dá uma idéia dessa complexidade:
[...] os médicos de Atenção Primária, quando comparados com especialistas, lidam com uma variedade mais ampla de problemas, tanto com pacientes individuais como com a população com a qual trabalham. Como estão mais próximos do ambiente do paciente do que os especialistas estão em uma posição melhor para avaliar o papel dos múltiplos e interativos determinantes da doença e da saúde.
Além disso, vivemos em uma realidade de déficit de vagas de
residência para os médicos formados. Em 2004, o déficit era de 1695 vagas, e a
projeção para 2009 é que esse número chegue a 4413. Um dos motivos dessa
diferença é o investimento, pela iniciativa privada, na abertura de cursos de
graduação mais do que especializações, e também devido à oferta atual de
73
oportunidades de especialização não estar orientada nem pelo perfil epidemiológico,
nem pelas políticas de organização da atenção à saúde3.
Quando focamos apenas nas vagas para Medicina Familiar e
Comunitária, o quadro se torna ainda mais assustador: observamos que em 2004,
existiam apenas 248 vagas de residência médica e que somente 122 dessas vagas
foram preenchidas³.
No Brasil, porém, existem hoje cerca de 26,3 mil equipes de Saúde
da Família implantadas e, portanto, cerca de 26,3 mil médicos na Atenção Básica.
Com o aumento progressivo desse número, que hoje cobre quase metade da
população (não se levando em consideração a demanda reprimida existente), abre-
se margem para, no mínimo, dobrar o número de equipes, considerando uma
cobertura de 100% da população (BRASIL, 2006a).
Ou seja, a demanda por profissionais médicos com perfil adequado
é muito maior do que as oportunidades oferecidas, e assim mesmo não usadas,
para uma formação pós-graduada. Sendo assim, a graduação passa a ter um papel
essencial na formação de profissionais preparados para atuação dentro da lógica da
Atenção Básica (BRASIL, 2006a).
Devido a esse contexto, existem várias iniciativas de mudanças
sendo construídas na formação dos profissionais de saúde por parte de órgãos
importantes: tanto os governamentais, como Ministérios da Saúde e da Educação,
quanto os não governamentais como a Rede UNIDA e a Associação Brasileira de
Educação Médica (com relação à área médica).
3 F e u e r w e r k e r , L . C . M . O d e s c o m p a s s o e n t r e a o f e r t a d e p r o f i s s i o n a i s e a s n e c e s s i d a d e s d o S U S . P a l e s t r a p r o f e r i d a e m C a m p i n a s . O u t . 2 0 0 5 .
74
Essas propostas e incentivos de mudança, como diretrizes
curriculares, PROMED, PRÓ-SAÚDE, estão se estabelecendo aos poucos. E
algumas das principais barreiras encontradas são: a falta de profissionais
formadores desse novo profissional desejado; a falta de entendimento ou apoio
necessário dos gestores, tanto os da saúde, quanto das universidades; e a falta de
uma sistematização das práticas curriculares dentro da disciplina de Medicina
Familiar e Comunitária ou de Saúde Coletiva, para o trabalho na Atenção Básica.
A literatura – tanto internacional, quanto nacional – descreve várias
características necessárias, nos conteúdos programáticos ou nas práticas, para a
formação desse profissional. No entanto, cada uma delas isoladamente, não dá
conta de sistematizar todas as características relacionadas ao processo de trabalho
da Atenção Básica.
Portanto, será apresentada como proposta de trabalho neste
momento, uma análise de conteúdo documental dessa literatura, apresentando as
categorias encontradas em cada documento para, posteriormente, realizar uma
avaliação inferencial dessas categorias em conjunto.
A opção pela análise individual de cada documento visa aprofundar
sua descrição, demonstrando o contexto e sua importância no meio acadêmico e,
também, destacar as categorias apresentadas separadamente, conotando a ênfase
dada a essas.
Na pesquisa documental, a coleta de dados se dá de uma forma
articulada com a análise e, para realizar a mesma, utilizou-se a técnica proposta por
Olabuénaga e Spiuza (1989).
75
Esses autores afirmam que a leitura desses documentos, para ser
científica, deve ser total e completa e, sendo assim, não basta captar apenas o
conteúdo manifesto do texto, deve-se levar em conta seu conteúdo latente
(OLABUÉNAGA; SPIUZA, 1989).
Para tal, a proposta dos autores, modificada por Cutolo, é a análise
do texto a partir de blocos de informação, os quais têm as seguintes características:
1) autor (características do emissor, institucional ou não);
2) a quem se destina, a quem interessa, a quem legisla, a quem se aplica;
3) como se destina, veicula, torna acessível, torna conhecido;
4) conteúdo geral: conteúdo propriamente dito, do que se trata, o que aborda;
5) conteúdo explícito do texto: o que é dito objetivamente, no detalhe, no específico;
6) conteúdo simbólico: significado, valores (ideologia), texto, o oculto;
7) em que se baseia conceitualmente, fundamentação teórica (OLABUÉNAGA;
SPIUZA, 1989).
Foi utilizado o método de análise de conteúdo documental, por meio
de categorias com relação às características profissionais do médico para o trabalho
na Atenção Primária. Análise de conteúdo segundo Bardin (1977 apud TRIVIÑOS,
1987, p. 160) é:
[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.
76
Segundo Minayo (1998) e Triviños (1987), a análise de conteúdo
é composta por três etapas básicas:
1) Pré-análise: na qual ocorre a organização do material ou
documentos a serem analisados: para tal deve-se retomar as hipóteses iniciais da
pesquisa sob a luz do referencial teórico escolhido e elaborar indicadores que
orientem a interpretação final. A partir de uma leitura flutuante, o pesquisador tem
um contato exaustivo com o conjunto das comunicações, a fim de deixar-se
impregnar pelo conteúdo. Desta forma, são geradas hipóteses mais amplas de
pesquisa, a partir dos pressupostos iniciais, constituindo-se o corpus da investigação
(MINAYO, 1998; TRIVIÑOS, 1987).
2) Exploração do material ou descrição analítica: consiste no
estudo aprofundado do material analisado, com a transformação dos dados brutos
visando alcançar o núcleo da compreensão do texto, para tanto, se utiliza como guia
as hipóteses e referenciais teóricos. Nesta fase, determinam-se ainda a unidade de
registro (palavra-chave ou frase), a unidade de contexto (delimitação do contexto de
compreensão da unidade de registro), os recortes, a categorização, a modalidade de
codificação e os conceitos teóricos que irão orientar a análise. A categorização se dá
em três momentos: a) categorização; b) agrupamento de categorias ou classificação;
c) subcategorização que representa matizes ou elementos das categorias (MINAYO,
1998; TRIVIÑOS, 1987).
3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação
referencial: última parte da análise, que alcança a maior intensidade, pois o
pesquisador deve, baseado nos dados obtidos a partir das etapas anteriores, fazer
um reflexão profunda, intuitiva, que permita estabelecer relações e gerar propostas
77
transformadoras, transcendendo os objetivos iniciais. Para tanto, o pesquisador
deve-se aprofundar não somente no conteúdo manifesto dos dados, mas tentar
revelar seu conteúdo latente, descobrindo simbolismos, tendências, posições
políticas, etc. Lembrando que essa técnica transcende as bases positivistas da
análise de conteúdo tradicional (MINAYO, 1998; TRIVIÑOS, 1987).
O estabelecimento das categorias, obtidas após a análise de todos
os documentos, foi realizado de maneira indutiva, por meio de similaridade das
informações. Algumas categorias foram divididas em subcategorias, uma vez que
algumas informações similares possuem diferentes significados. E as categorias que
estavam inter-relacionadas foram agrupadas em grupos de categorias.
Antes de apresentar a análise dos documentos, serão apresentados
os grupos de categorias e subcategorias encontradas para melhor situar o leitor na
leitura das análises.
Durante a análise, foram destacadas, em itálico, as citações na
íntegra dos trechos dos documentos, grifando-se algumas passagens com a
intenção de chamar a atenção do leitor para determinadas palavras ou expressões.
Com relação aos títulos dos documentos, estão apresentados em sua versão
original, acrescentando-se uma nota de rodapé com a tradução quando estiver em
outra língua.
78
Tabela 1 – Grupo de categorias.
Grupo Categoria Subcategoria
A)
INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas ---
A.2) Conceito ampliado do
processo saúde doença ---
A.3) Integralidade da atenção
A.3.1) Atendimento universal
A.3.2) Cuidado contínuo
A.3.3) Referência e
contra-referência
A.4) Papel social do médico
A.4.1) Responsabilidade legal
A.4.2) Responsabilidade
social
B)
PARTICIPAÇÃO
B.1) Educação em saúde B.1.1) Empoderamento
B.2) Participação B.2.1) Autonomia
B.2.2) Participação popular
C)
PROCESSO DE
TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.1) Acessibilidade
C.1.2) Conduta inicial
C.1.3) Relação médico-
paciente
C.2) Educação permanente ---
C.3) Educação em saúde C.3.1) Educação Sanitária
C.4) Planejamento das ações
C.4.1) Adstrição da clientela
C.4.2) Gerenciamento local
C.4.3) Planejamento local
C.4.4) Vigilância em saúde
C.5) Trabalho em equipe ---
C.6) Trabalho individual
generalista
C.6.1) Ética Profissional
C.6.2) Prática Clínica
79
Na ausência de um grupo de categoria, uma categoria ou
subcategoria a numeração do restante não será alterada e se manterá conforme a
tabela 1 acima.
Por “ações integradas” entende-se ações de promoção, prevenção,
tratamento e reabilitação. E com relação à categoria “educação em saúde”, pelo fato
de as suas subcategorias se adequarem cada uma a um grupo de categoria
(“empoderamento” ao grupo “participação” e “educação sanitária” ao “processo de
trabalho”), essa categoria aparecerá em dois grupos.
Inicia-se a avaliação pelos documentos internacionais – dos mais
antigos para os mais recentes, todos de origem européia – nos quais os sistemas de
saúde voltados para a Atenção Primária estão há mais tempo solidificados, bem
como as discussões das características que um profissional da área deve possuir.
Em seguida, realiza-se a análise de documentos nacionais, uma vez
que a Atenção Básica no Brasil está baseada na estratégia Saúde da Família, a qual
possui características peculiares, diferentes em alguns aspectos com relação à
Atenção Primária estabelecida na Europa.
Abaixo, são realizadas a categorização dos documentos, a
subcategorização e a classificação, para posteriormente efetuar a análise inferencial
de todos os documentos.
Os documentos analisados seguem a seguinte ordem:
1) The General Practitioner in Europe: A Statement by the working party appointed
by the Second European Conference on the teaching of General Practice
(Leuwenhorst, Netherlands 1974);
80
2) The European Definiton of General Practice / Family Medicine (WONCA, 2002);
3) MCWHINNEY, I. R. Os princípios da Medicina Familiar. In: MCWHINNEY, I. R.
Manual de Medicina Familiar. Lisboa: Seleprinter, 1994. 11-22 p.
4) A Medicina de Família e Comunidade, a Atenção Primária à Saúde e o ensino de
graduação: recomendações e potencialidades (SBMFC, 2005);
5) Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (MEC,
2001);
6) Cadernos de Atenção Básica: Programa Saúde da Família: caderno 1: a
implantação da unidade de saúde da família (Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria
de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica, 2000);
7) Competências para o trabalho em uma Unidade Básica de Saúde sob a
Estratégia de Saúde da Família: Médico e Enfermeiro (Ministério da Saúde.
Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica). Organização
de Milton Menezes da Costa Neto. Brasília, 2001.
THE GENERAL PRACTITIONER IN EUROPE: A STATEMENT BY THE WORKING PARTY
APPOINTED BY THE SECOND EUROPEAN CONFERENCE ON THE TEACHING OF GENERAL
PRACTICE (LEUWENHORST, NETHERLANDS 1974)4
Em 1970, aconteceu em Bruxelas, a primeira conferência européia
no ensino da prática geral, organizada por professores de Medicina da Bélgica.
4 O Clínico Geral na Europa: uma Declaração do grupo de trabalho apontado pela Segunda Conferência Européia sobre o ensino da Prática Geral (Leuwenhorst, Holanda 1974).
81
Quatro anos mais tarde, a faculdade holandesa organizou a segunda conferência
em Noordwijkerhout, no centro de Leeuwenhorst.
Na primeira conferência um livro foi publicado e a segunda
conferência não resultou em publicação, mas partes dela foram publicadas em
holandês e em inglês no “Huisarts en Wetenschap”, o jornal da escola holandesa.
Em Leeuwenhorst, dois professores tomaram a iniciativa de criar um
grupo de trabalho europeu, e a conferência apontou 15 membros para trabalhar
naquele grupo, conhecido como “Grupo de Leeuwenhorst”. Os objetivos eram: trocar
informações, pontos de vista e experiências, entre os professores de Medicina da
Europa, que foram confrontados com uma tarefa completamente nova; tentar
desenvolver um pensamento sobre a clínica geral e como ensiná-la; e incentivar os
participantes a perseguir seus objetivos em seus próprios países, e suportá-los com
um difícil esforço dentro de suas faculdades.
No mesmo ano da segunda conferência, o grupo produziu um
documento apontando uma definição do clínico geral/médico de família,
relacionando suas características e descreveu, ainda, os alvos educacionais que a
disciplina de clínica geral/Medicina de família deveria atingir, dividindo-os em
conhecimentos, habilidades e atitudes.
O documento, apesar de sucinto, é muito rico na descrição das
características profissionais e a sua validade se torna ainda maior se considerarmos
que, na época em que foi apresentado, a Medicina Geral e Familiar (Clínica
Geral/Medicina Familiar) estava começando a se estabelecer enquanto disciplina,
principalmente em relação à sua base de ensino e investigação.
82
O acesso a esse documento pode ser encontrado principalmente no
endereço eletrônico da EURACT5 (European Academy of Teachers in General
Practice).
A categorização do documento foi realizada a partir da definição do
clínico geral e dos alvos educacionais.
A) INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas
Prevenção, diagnóstico precoce e condutas em Atenção
Primária
Várias formas de intervenção disponíveis
Saberá como e quando intervir no tratamento, na prevenção e
na educação para promover a saúde
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Como as relações familiares podem causar problemas de
saúde
Como a doença influencia a dinâmica familiar
Compreender as circunstâncias do ambiente social e ambiental
de seus pacientes
Firmar diagnósticos que levem em conta os aspectos físicos e
psicológicos, bem como os fatores sociais
Integrará fatores físicos, psicológicos e sociais em suas
considerações sobre a saúde
5 http://www.euract.org/html/doc015.shtml
83
Reconhecimento do paciente como um indivíduo único
A.3) Integralidade da atenção
A.3.1) Atendimento universal
Cuidado pessoal, primário e continuado aos indivíduos, às
famílias e a uma determinada comunidade, independentemente da idade, do sexo e
da doença
A.3.2) Cuidado contínuo
Cuidado pessoal, primário e continuado aos indivíduos, às
famílias e a uma determinada comunidade, independentemente da idade, do sexo e
da doença
A.3.3) Referência e contra-referência
Capacidade de cooperar com a equipe de saúde e outros
subespecialistas
A.4) Papel social do médico
A.4.1) Responsabilidade legal
Conhecer a legislação sanitária
A.4.2) Responsabilidade social
Realizar contribuições profissionais para uma comunidade mais
ampla
Responsabilidade profissional junto à comunidade
84
B) PARTICIPAÇÃO
B.2) Participação
B.2.1) Autonomia
Ajudar os pacientes a resolverem seus próprios problemas
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.2) Conduta inicial
Tomar decisões relevantes iniciais a respeito de todo e
qualquer problema apresentado
Decisão inicial sobre cada problema que lhe seja apresentado
C.1.3) Relação médico-paciente
Estabelecer empatia, buscando uma relação com os pacientes
efetiva e específica, desenvolvendo alto grau de auto-entendimento
Apesar de a ferramenta do acolhimento como proposta de
organização do processo de trabalho ser recente, nota-se que, naquela época, já se
salientava a preocupação por decisões iniciais na resolução dos problemas e a
palavra “empatia” aparece conotando o sentido de vínculo da relação médico-
paciente.
85
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação sanitária
Educação para promover a saúde
Nesse trecho, notamos que a promoção da saúde citada pelo autor
está ligada ao antigo conceito de promoção, mais relacionado à prevenção de
doenças, pois as discussões sobre o novo conceito de promoção, enfatizadas na I
Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde (Carta de Ottawa), só viriam a
acontecer em 1986.
C.2) Educação permanente
Disposição e capacidade de avaliar criticamente seu próprio
trabalho
Necessidade de educação continuada e leitura crítica de
informação médica
C.4) Planejamento das ações
C.4.3) Planejamento local
Uso da epidemiologia no dia-a-dia
Identificar pessoas portadoras ou em situação de risco e
desenvolver ações apropriadas
C.5) Trabalho em equipe
Capacidade de cooperar com a equipe de saúde e outros
subespecialistas
86
Atuará na cooperação com outros colegas, médicos e não-
médicos
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.1) Ética profissional
Compreensão da ética profissional
C.6.2) Prática clínica
Métodos básicos de pesquisa aplicada à área
Uso do fator “tempo” como ferramenta para diagnóstico, terapia
e organização
Utilizar apropriadamente e com toda destreza e perícia as
oportunidades da prática clínica
Conhecer o processo de adoecimento, particularmente das
doenças comuns, crônicas, ou com risco para sérias complicações
Atenderá a seus pacientes em seu consultório e em seus lares
A questão da visita domiciliar médica, ferramenta de trabalho
presente em toda equipe da Estratégia Saúde da Família, já surgia como proposta
de atividade do clínico geral.
A grandiosidade desse documento reside no fato de ser um dos
primeiros a definir as características do clínico geral, em uma época anterior às
discussões internacionais sobre os Cuidados Primários de Saúde (Conferência de
Alma-Ata, 1978) e sobre Promoção da Saúde (Conferência de Ottawa, 1986).
87
E, apesar de ser um dos primeiros, já abrange muitas características
desejáveis no novo perfil de profissional médico, detalhando, inclusive, o processo
de trabalho do médico de Atenção Primária no Brasil, como a visita domiciliar e o
acolhimento (mesmo que não definido ainda dessa maneira).
THE EUROPEAN DEFINITON OF GENERAL PRACTICE / FAMILY MEDICINE (WONCA, 2002)6
A WONCA (World Organization of National Colleges, Academies and
Academic Associations of General Practitioners/Family Physicians) ou também
conhecida como World Organization of Family Doctors é composta por faculdades,
instituições acadêmicas, ou organizações preocupadas com aspectos acadêmicos
da prática da Medicina familiar. Representa seus membros, em nível internacional,
defendendo seus interesses e interagindo com membros mundiais como a
Organização Mundial de Saúde.
Inicialmente, em 1972, contava com 18 membros e hoje já possui 97
membros em 79 países, incluindo oito organizações em relações colaborativas. No
total, existem mais de 20.000 médicos gerais ou médicos de família que são
membros.
Em 2002, com apoio e colaboração da Organização Mundial de
Saúde – Europa (Barcelona, Espanha), a WONCA publicou um consenso que define
tanto a disciplina de Medicina Geral e Familiar (Clínica Geral/Medicina Familiar),
como as respectivas funções profissionais, e descreve ainda as competências
nucleares dos médicos de família.
6 A Definição Européia de Medicina Familiar e Comunitária (WONCA, 2002) (tradução do autor)
88
O documento surge em meio à reforma dos sistemas de saúde
nacionais, sob o eixo da Atenção Primária, um aspecto comum na Europa e no
mundo, na qual se procura novas formas de garantir e prestar cuidados de saúde,
levando-se em conta as mudanças demográficas, os avanços médicos, a economia
da saúde e as necessidades e expectativas dos pacientes.
Além disso, a instituição também tem o intuito de clarificar o papel
complexo e essencial dos médicos de família no seio dos sistemas de saúde para a
comunidade médica, bem como para as profissões aliadas à Medicina, pelos
planejadores de cuidados de saúde, economistas, políticos e público em geral.
O texto pode ser acessado na versão original, ou já traduzido para o
português, tanto no site da Sociedade Brasileira de Medicina Familiar e Comunitária
(SBMFC)7, como no site da WONCA8. O documento é dividido em três partes: 1)
características da disciplina de clínica geral/Medicina de família; 2) a especialidade
de clínica geral/Medicina de família; 3) as competências nucleares do clínico
geral/médico de família.
A primeira parte constitui-se na de maior interesse para essa
pesquisa, uma vez que está diretamente relacionada ao ensino da graduação; a
segunda parte possui características muito semelhantes, e está dirigida à
especialidade médica; e a terceira parte, apresenta uma sistematização das
características da primeira parte em competências nucleares.
Esses núcleos de competências são, na verdade, grupos de
categorias sistematizados pelo próprio documento, o qual não clarifica o método
7 http://www.sbmfc.org.br 8 http://www.globalfamilydoctors.org
89
utilizado para essa categorização, nem aprofunda sua análise, e, portanto, serão
apenas citados: gestão de cuidados primários, cuidados centrados na pessoa,
aptidões específicas de resolução de problemas, abordagem abrangente, orientação
comunitária e modelagem holística.
A partir da análise do documento, encontraram-se os seguintes
grupos de categorias:
A) INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas
Promover saúde e bem estar
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Lidar com os problemas de saúde em sua dimensão física,
psicológica, social, cultural e existencial
Prestação de cuidados continuados conforme as necessidades
do paciente
A.3) Integralidade da atenção
A.3.2) Cuidado contínuo
Prestação de cuidados continuados conforme as necessidades
do paciente
A.3.3) Referência e contra-referência
Manejar a interface com as outras especialidades
90
A.4) Papel social do médico
A.4.2) Responsabilidade social
Promover saúde e bem estar
Responsabilidade pela saúde da comunidade
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.1) Acessibilidade
Primeiro contato médico
C.1.3) Relação médico-paciente
Relação ao longo do tempo, através de uma comunicação
efetiva entre médico e paciente
C.4) Planejamento das ações
C.4.3) Planejamento local
Processo de tomada de decisão determinado pela prevalência
e incidência de doença na comunidade
C.5) Trabalho em equipe
Trabalho com outros profissionais no contexto dos cuidados de
saúde primários
91
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.2) Prática clínica
Lidar com todos os problemas de saúde independentemente da
idade, sexo, ou outra característica da pessoa em questão
Manejar problemas de saúde simultaneamente, tanto agudos
como crônicos
Manejar doenças indiferenciadas em um estágio inicial e que
podem precisar de uma intervenção urgente
O documento é pouco descritivo e bastante objetivo, abordando
apenas as características gerais que a disciplina de Medicina familiar deve possuir.
Não devemos esquecer que o documento versa sobre
características baseadas nos sistemas de saúde europeus. Mas, apesar dessa
conotação internacional, as características apontadas são pertinentes ao perfil de
médico desejado para atuação na Atenção Primária em nível nacional, uma vez que
o mesmo, ainda que de uma maneira muito pontual, aborda questões da
integralidade e do processo de trabalho. No entanto, o documento omite algumas
questões de suma importância, como o grupo de categorias relacionadas com
participação e empoderamento.
A participação social representa tamanha importância no âmbito do
SUS, que consta como um dos princípios organizativos. Portanto, um profissional
não pode deixar de contemplar características que forneçam estratégias para o
estímulo da participação social.
92
O documento também não versa sobre ações integradas dentro do
grupo da integralidade e não cita nenhuma categoria relacionada ao processo de
educação permanente.
MCWHINNEY, I. R. OS PRINCÍPIOS DA MEDICINA FAMILIAR. IN: MCWHINNEY, I. R.
MANUAL DE MEDICINA FAMILIAR. LISBOA: SELEPRINTER, 1994. 11-22 P.
O documento analisado a seguir, trata-se de um capítulo de livro. No
entanto, sua importância deve-se, principalmente, à notoriedade no meio acadêmico
que seu autor possui. O britânico Ian R. McWhinney é considerado um dos maiores
estudiosos da Medicina familiar, atualmente professor emérito de Medicina Familiar
do Centro de Estudos em Medicina Familiar da “University of Western Ontário”.
A acessibilidade ao documento é facilitada, pois o mesmo está
disponível em bibliotecas científicas de todo país e do mundo.
O livro inteiro é de autoria de McWhinney, e foi dividido em 4 partes:
1) princípios básicos; 2) problemas clínicos; 3) o exercício da Medicina familiar; 4)
educação e investigação. O foco aqui será dado ao segundo capítulo da primeira
parte, o qual trata dos princípios e das competências da Medicina de familiar.
A) INTEGRALIDADE
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
O médico de família procura compreender o contexto da
doença
Contexto pessoal, familiar e social
93
O médico de família atribui importância aos aspectos subjetivos
da Medicina
A.3) Integralidade da atenção
A.3.1) Atendimento universal
O médico de família está disponível para qualquer problema de
saúde numa pessoa de qualquer dos sexos e de qualquer idade
A.3.2) Cuidado contínuo
Não termina com a cura de uma doença, o fim de um
tratamento, ou a incurabilidade de uma doença
A.4) Papel social do médico
A.4.2) Responsabilidade social
O médico de família compromete-se com a pessoa e não com
um conjunto de conhecimentos, grupo de doenças, ou a técnica especial
O médico de família considera-se como parte de uma rede
comunitária de centros de apoio e prestação de cuidados de saúde
Os médicos de família compreendem que os seus próprios
valores, atitudes e sentimentos, são determinantes importantes do modo como
exercem Medicina
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.1) Acessibilidade
O médico de família está disponível para qualquer problema de
saúde numa pessoa de qualquer dos sexos e de qualquer idade
94
C.1.3) Relação médico-paciente
A primazia dada à pessoa
A natureza duradoura do compromisso também torna a relação
médico-doente especialmente importante na Medicina familiar
Relação continuada com indivíduos e famílias
Utilização da relação médico-doente para potenciar o efeito de
qualquer tipo de terapia
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação Sanitária
O médico de família encara todo o contato com doentes como
uma oportunidade para prevenção ou educação sanitária
C.4) Planejamento das ações
C.4.2) Gerenciamento local
O médico de família é um gestor de recursos
Utilização dos recursos comunitários e do sistema de cuidados
de saúde para benefício dos doentes
C.4.3) Planejamento local
A identificação de riscos e primeiros desvios da normalidade,
em doentes
C.4.4) Vigilância em saúde
Empenho em manter os seus doentes saudáveis, quer venham
à consulta ou não
95
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.2) Prática Clínica
O médico de família vê os doentes no consultório, nas suas
casas e no hospital
A MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE, A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E O ENSINO DE
GRADUAÇÃO: RECOMENDAÇÕES E POTENCIALIDADES (SBMFC, 2005)
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
(SBMFC) fundada em 1981, nos últimos anos vem ganhando destaque no contexto
nacional e até internacional, tanto do meio científico quanto do meio político. Esse
crescimento, em parte é devido ao direcionamento das políticas nacionais de saúde
à Atenção Primária.
Essa sociedade é uma entidade nacional que congrega os médicos
nos serviços de Atenção Primária, incluindo a Estratégia Saúde da Família (ESF) e
também professores, preceptores, pesquisadores e outros profissionais que atuam
ou estão interessados nesta área.
Eventos de importância nacional têm sido promovidos por essa
sociedade, os quais valem destacar: os congressos nacionais de Medicina familiar e
comunitária e mostras nacionais de Medicina de família e comunidade na
graduação.
Esse documento, conforme consta na sua própria apresentação tem
por objetivo (p.3):
96
[...] apresentar a importância e as potencialidades da Medicina de Família e Comunidade (MFC) e, conseqüentemente, da Atenção Primária à Saúde, no curso de graduação em Medicina, em especial no momento de reforma do ensino médico brasileiro, à luz das diretrizes curriculares.
E está disponibilizado sob a forma impressa, distribuído pela própria
sociedade em eventos, ou eletronicamente pelo endereço da SBMFC9.
Sob o título “A MFC e a graduação em Medicina – recomendações
internacionais”, o documento traz uma sistematização das recomendações
internacionais10, 11, 12 dos conteúdos programáticos da especialidade na graduação
em Medicina.
A escolha em realizar a análise documental desse documento e não
das fontes originais (também consultados), com exceção do documento da WONCA,
o qual também sofreu análise documental nessa pesquisa, foi devido a três razões:
1) o documento trazido pela SBMFC está mais bem sistematizado que os
documentos originais, o que facilita a categorização; 2) o documento adapta as
recomendações internacionais à realidade nacional; 3) a importância em analisar um
documento de uma entidade nacional de tal importância dentro do contexto nacional
de políticas de saúde e educação médica.
Em seguida, apresento a categorização do documento:
9 http://www.sbmfc.org.br 10 Organização Mundial de Saúde (http://www.who.int) 11 Justin Allen, et al. Definição Européia de Clínica Geral e Medicina Familiar. Wonca. Europa, 2002. 12 John R. Bucholtz et al. The FMCR Project´s FM Clership/Post Clerkship Workgrooup. Future of Family Medicina (FFM) Project. Annals of Family Medicine; Supplement, March, 2004.
97
A) INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas
Complementaridade e integralidade das ações médicas e de
saúde
Promoção, proteção e educação em saúde da população
Resolução de problemas de saúde e promoção da saúde
Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e
integrado para as pessoas
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Reconhecimento do papel e da influência da família no estado
de saúde de seus componentes
Diagnóstico biopsicossocial
Sensibilidade e responsabilidade para com o paciente, sua
cultura, idade, gênero e desabilidades
Entendimento da complexidade do diagnóstico
A.3) Integralidade da atenção
A.3.2) Cuidado contínuo
Reflexão e discussão sobre o cuidado integral, contínuo e
integrado para as pessoas
Reconhecimento das barreiras físicas, culturais e
administrativas para o cuidado integral e adequado às pessoas
A.3.3) Referência e contra-referência
Coordenar e advogar pelo cuidado adequado à população
dentro do sistema de saúde nacional
98
A.4) Papel social do médico
A.4.1) Responsabilidade legal
Conceituação e reconhecimento da importância da Atenção
Primária à Saúde, da Medicina Ambulatorial e da Medicina de Família e Comunidade
nos Sistemas Nacionais de Saúde
Reconhecimento e interpretação das leis públicas mais
relevantes referentes à promoção de saúde das populações
A.4.2) Responsabilidade social
Compromisso ético e profissional com a saúde da população
do próprio país, racionalizando recursos e ações e melhorando os indicadores de
saúde populacionais
Prática voltada ao sistema nacional de saúde
B) PARTICIPAÇÃO
B.2) Participação
B.2.1) Autonomia
Participação do paciente e de sua família, informando-os
apropriadamente e envolvendo-os no processo
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
99
C.1.2) Conduta inicial
Acolhimento e resolutividade aos agravos agudos e crônicos
mais comuns
C.1.3) Relação médico-paciente
Comunicação e relação médico-paciente-família-comunidade
Cuidado humanizado e efetivo aos pacientes e suas famílias
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação Sanitária
Educação em saúde da população
Educação em saúde dos pacientes, suas famílias e
comunidade
Educação e informação em saúde dos pacientes e familiares
C.4) Planejamento das ações
C.4.1) Adstrição da clientela
Conhecimento do cadastro familiar e comunitário
C.4.3) Planejamento local
Diagnóstico de saúde biopsicossocial da família e da
comunidade
Identificação dos vários níveis de prevenção e aplicação das
ações preventivas em cada nível
Desenvolvimento de ações de saúde orientadas pelas
necessidades e demandas percebidas através do contato com as famílias e
comunidade
100
Descrição da prevalência e história natural dos problemas de
saúde mais comuns
Estudo de problemas de saúde que mais afetam às pessoas e
às populações
C.5) Trabalho em equipe
Convivência e colaboração com profissionais de outras
profissões e especialidades
Abordagem multiprofissional e interdisciplinar
Técnicas de comunicação adequadas para trabalho em equipe
multiprofissional
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.2) Prática Clínica
Práticas e metodologias próprias da clínica da Medicina
Ambulatorial
Manejo adequado da tecnologia de informação em saúde
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA (MEC,
2001)
A orientação dessas diretrizes está vinculada a Câmara de
Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, com envolvimento e apoio
do Ministério da Saúde.
Essas propostas foram apresentadas em audiência pública, no ano
de 2001, em Brasília, onde estavam presentes representantes do Ministério da
101
Saúde, do Conselho Nacional de Educação, da Secretaria de Educação Superior do
Ministério da Educação, do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades
Brasileiras, dos Presidentes dos Conselhos Profissionais, dos Presidentes de
Associações de Ensino e dos Presidentes das Comissões de Especialistas de
Ensino da SESu/MEC e outras entidades organizadas da sociedade civil.
O documento pode ser acessado através de vários endereços
eletrônicos na internet, como no site da ABEM13 (Associação Brasileira de Educação
Médica) ou da Rede Unida14, ou ainda sob forma impressa, através do livro
“Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos Universitários da Área da
Saúde”15, com duas edições lançadas pela Rede Unida.
As diretrizes surgem no contexto de mudança na atenção à saúde
do país, com direcionamento para Atenção Básica, o que exige a readequação do
perfil profissional para atuar nessa nova lógica (BRASIL, 2001).
Ao realizar a análise do documento, nota-se que o mesmo denota as
características gerais desejáveis ao novo perfil de um médico, e a seguir são
descritas as categorias relacionadas ao trabalho na Atenção Básica:
A) INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas
Estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção,
proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo de forma
integrada e contínua com as demais instâncias do sistema
13 http://www.abem-educmed.org.br 14 http://www.redeunida.org.br 15 ALMEIDA, M. (Coord.). Diretrizes curriculares nacionais para os cursos universitários da área da saúde. 2ª ed. Londrina: Rede UNIDA, 2005.
102
Atuar na proteção e na promoção da saúde e na prevenção de
doenças, bem como no tratamento e reabilitação dos problemas de saúde
Garantir a integralidade da assistência entendida como
conjunto articulado e contínuo de ações e serviços preventivos e curativos,
individuais e coletivos
Prática realizada de forma integrada e contínua com as demais
instâncias do sistema de saúde
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Dominar conhecimentos científicos básicos da natureza
biopsicosocio-ambiental subjacentes à prática médica
Levar em contas as reais necessidades da população
Compreensão dos determinantes sociais, culturais,
comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e
coletivo, do processo saúde doença
Abordagem do processo saúde-doença do indivíduo e da
população, em seus múltiplos aspectos de determinação
A.3) Integralidade da atenção
A.3.2) Cuidado contínuo
Utilizar recursos adequadamente para atenção integral à
saúde, no primeiro, segundo e terceiro níveis de atenção
Atuar nos diferentes níveis de atendimento à saúde, com
ênfase nos atendimentos primário e secundário
A.3.3) Referência e contra-referência
Encaminhar adequadamente pacientes portadores de
problemas que fujam ao alcance da sua formação geral
103
Obedecer aos princípios técnicos e éticos de referência e
contra-referência
A.4) Papel social do médico
A.4.1) Responsabilidade legal
Reconhecer a saúde como direito e atuar de forma a garantir a
integralidade
Lidar criticamente com a dinâmica do mercado de trabalho e
com as políticas de saúde
Manter-se atualizado com a legislação pertinente à saúde
A.4.2) Responsabilidade social
Ter visão do papel social do médico
Promover estilos de vida saudáveis, atuando como agente de
transformação social
O grupo de categorias relacionado à integralidade está muito
evidente nesse documento, demonstrando sua importância como eixo de orientação
da mudança tanto da assistência à saúde como da formação de recursos humanos
para a saúde. Percebe-se isto, principalmente, na categoria de ações integradas,
demonstrando a influência do Ministério da Saúde, interessado em um profissional
que saiba articular de maneira adequada e efetiva as ações de saúde.
104
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.1) Acessibilidade
Ser acessível e manter a confidencialidade das informações a
ele confiadas
C.1.3) Relação médico-paciente
Capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e
humanística da relação médico-paciente
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação Sanitária
Informar e educar seus pacientes, familiares e comunidade
C.2) Educação permanente
Os profissionais devem ser capazes de aprender
continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática;
Leitura crítica de artigos técnicos científicos e a participação na
produção de conhecimentos
C.4) Planejamento das ações
C.4.2) Gerenciamento local
Gerenciamento de forma eficaz e efetiva
Fazer gerenciamento e administração tanto da força de
trabalho quanto dos recursos físicos e materiais e de informação
105
C.4.3) Planejamento local
Analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções
para os mesmos
C.5) Trabalho em equipe
No trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais da
saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança
Comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho
atuar em equipe multiprofissional
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.2) Prática Clínica
Diagnosticar e tratar corretamente as principais doenças tendo
como critérios a prevalência e o potencial mórbido das doenças
Avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas,
baseadas em evidências científicas
Compreensão e domínio da propedêutica médica
Realizar procedimentos clínico-cirúrgicos indispensáveis para o
atendimento ambulatorial
Nas atividades clínicas do médico, o documento denota o caráter
generalista que a formação deve ter ao apontar diagnóstico de tratamento das
doenças principais e procedimentos indispensáveis, não mencionando, portanto, a
necessidade do ensino de procedimentos especializados.
Pode-se notar na descrição das categorias, que as mesmas estão
relacionadas às competências gerais que o médico deve possuir na Atenção Básica,
106
mas não deixa claro quanto às específicas, visto que não era o objetivo do
documento.
No entanto, pode-se inferir que, para a formação do profissional com
o perfil sugerido pelas diretrizes, ou seja, que atenda as necessidades de saúde dos
indivíduos e das populações, um curso de graduação com práticas curriculares
voltadas principalmente para Atenção Básica se torna essencial.
E os conteúdos essenciais devem estar dispostos não como
disciplinas, mas como conhecimentos integrados e que versem, de um lado, sobre
os determinantes biológicos, sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, éticos
e legais do processo saúde-doença; e, por outro lado, desenvolvam a compreensão
e o domínio da propedêutica médica, da conduta terapêutica, e da promoção da
saúde (BRASIL, 2001).
As Diretrizes Curriculares (BRASIL, 2001), em seu art. 12º, ao
orientar a estrutura do curso de graduação em Medicina, propõem, entre outros, que
o curso deve ter: “eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos
indivíduos e das populações; promover integração e interdisciplinaridade; integrar as
dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais; inserir o aluno
precocemente em atividades práticas relevantes para a sua futura vida profissional;
utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem; e vincular através da integração
ensino-serviço, a formação médico-acadêmica às necessidades sociais da saúde,
com ênfase no SUS”.
Ou seja, o local de prática junto à comunidade se torna mais
favorável para contemplar todas essas características, do que o ensino centrado no
hospital de forma transversal no curso.
107
CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA: PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA: CADERNO 1: A
IMPLANTAÇÃO DA UNIDADE DE SAÚDE DA FAMÍLIA (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE.
SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA, 2000)
O Departamento de Atenção Básica compõe um dos 05
Departamentos da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
É composto por 05 Coordenações: Gestão da Atenção Básica, Alimentação e
Nutrição, Saúde Bucal, Hipertensão e Diabetes, Acompanhamento e Avaliação.
Também coordena as ações nacionais do PROESF.
Conforme a definição do próprio departamento da portaria 648, de
28 de março de 2006 (BRASIL, 2006b, meu grifo):
A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social.
Na definição acima, nota-se a presença de várias categorias
discutidas nessa pesquisa, reafirmando as características profissionais necessárias
ao médico que atua na Atenção Básica.
O documento em questão, na sua apresentação, salienta a
necessidade, dos profissionais das equipes de Saúde da Família, por programas e
108
conteúdos que os possibilitem desempenhar suas atribuições cada vez mais
próximas das necessidades de saúde da população.
No entanto, a acessibilidade a esse documento é prejudicada, por se
tratar de um documento de circulação acadêmica e do serviço, e por não estar
disponível em nenhum endereço eletrônico na internet.
O documento é dividido em duas partes: I) Definições conceituais; e
II) Definições operacionais. Na primeira parte, são definidas as atribuições básicas
de uma equipe e as específicas de cada profissional da equipe básica, servindo as
atribuições da equipe e do médico como objeto da análise.
A) INTEGRALIDADE
A.1) Ações integradas
Executar procedimentos de vigilância à saúde e vigilância
epidemiológica
Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações
formais e informais
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Conhecer as realidades das famílias com ênfase nas suas
características sócio-econômicas, psico-culturais, demográficas e epidemiológicas
Conhecer mais sobre os aspectos de suas vidas particular,
familiar e social
109
A.3) Integralidade da atenção
A.3.1) Atendimento universal
Atender todos os membros das famílias, independente do sexo
e idade
Assistir todas as pessoas em todas as fases e especificidades
da vida
A.3.2) Cuidado contínuo
Prestar assistência integral
A.3.3) Referência e contra-referência
Resolver a maior parte dos problemas detectados e garantir a
continuidade do tratamento, através da adequada referência
A.4) Papel social do médico
A.4.2) Responsabilidade social
Comprometer-se com as pessoas
B) PARTICIPAÇÃO
B.2) Participação
B.2.2) Participação popular
Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local
Incentivar a formação e/ou participação ativa nos Conselhos
Locais de Saúde e no Conselho Municipal de Saúde
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
110
C.1.3) Relação médico-paciente
Criação de vínculo de confiança
Vínculo de responsabilidade
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação Sanitária
Promover a saúde através da educação sanitária
Promover, através da educação continuada, a qualidade de
vida
C.4) Planejamento das ações
C.4.3) Planejamento local
Elaborar plano local para o enfrentamento dos fatores que
colocam em risco a saúde
Programar as atividades
O conhecimento aprofundado da realidade local deve levar à
identificação das doenças mais comuns e seus determinantes
Identificar os problemas de saúde mais comuns
C.4.4) Vigilância em saúde
Executar procedimentos de vigilância à saúde e vigilância
epidemiológica
C.6) Trabalho individual generalista
111
C.6.2) Prática Clínica
Atendimentos de primeiros cuidados nas urgências
Realizar pequenas cirurgias ambulatoriais e partos, se as
condições locais o permitem
Realizar visita domiciliar
Controle das doenças transmissíveis
COMPETÊNCIAS PARA O TRABALHO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE SOB A
ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: MÉDICO E ENFERMEIRO (MINISTÉRIO DA SAÚDE.
SECRETARIA DE POLÍTICAS DE SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA).
ORGANIZAÇÃO DE MILTON MENEZES DA COSTA NETO. BRASÍLIA, 2001.
Nesse outro documento técnico, do Departamento de Atenção
Básica do Ministério da Saúde, encontra-se mais definida a imagem de perfil de
profissional desejado para a Atenção Básica, tanto na abordagem coletiva, quanto
na abordagem individual. O documento também versa sobre as competências gerais
e específicas:
O documento faz uma definição inicial do perfil profissional:
[...] profissionais capazes de trabalhar com a maioria das necessidades de saúde do indivíduo, desenvolvendo com ele uma relação sustentada e participativa, sempre contextualizando-o na família e na comunidade. (meu grifo)
Esse trecho já salienta que o alicerce desse profissional deve ser a
integralidade, uma vez que trabalha com o conceito ampliado de saúde e com o
vínculo.
112
A acessibilidade ao documento, da mesma maneira que o outro
documento do Ministério da Saúde, é bastante restrita e também não está disponível
na internet.
O documento é bastante detalhado, inclusive descreve, além das
competências gerais, competências específicas de cada profissional em cada grupo
de atenção à saúde. Mas o foco da análise está nas competências de caráter geral e
organizacional.
A) INTEGRALIDADE
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
Sincronizar os conhecimentos populares e científicos
Conhecer a realidade das famílias nos aspectos físicos,
mentais, demográficos e sociais
Detectar situações de vulnerabilidade familiar
Contexto biológico, psicológico, social e ambiental
Não se limitar ao conjunto de conhecimentos especializados ou
com um grupo de doenças
Compreender a família de forma integral e sistêmica
A organização e a dinâmica familiar
Os aspectos biopsicossociais da abordagem familiar sistêmica
Conhecer teoria sistêmica e sua abordagem
Conhecer alternativas de recursos sociais
113
A teoria sistêmica e a abordagem familiar são enfatizadas, sendo o
único documento a ressaltar a importância desse conhecimento que, de fato, torna o
trabalho na Atenção Básica mais elaborado.
A.4) Papel social do médico
A.4.1) Responsabilidade legal
Compreender o papel do estado na implementação de políticas
públicas e na promoção da saúde
Compreender as relações existentes entre o setor saúde e os
demais setores e o papel dos diferentes setores na determinação e solução de
problemas de saúde
Conhecer a regulamentação profissional das categorias que
compõem a equipe
Conhecer aspectos legais ligados à violência e aos direitos
humanos
A.4.2) Responsabilidade social
Participar dos interesses, da cultura, das condições de vida e
da forma de atuação da comunidade
Inserção ou reinserção familiar e social de pessoas acometidas
por transtornos físicos, mentais ou sociais
B. PARTICIPAÇÃO
B.1) Educação em saúde
B.1.1) Empoderamento
Capacitar pessoas da comunidade
114
Estímulo de desenvolvimento de habilidades e atitudes
pessoais favoráveis à saúde
B.2) Participação
B.2.1) Autonomia
Compreender o indivíduo como agente co-responsável no
equilíbrio entre relação saúde-doença
B.2.2) Participação popular
Participação da comunidade no planejamento, execução e
avaliação das ações
Discutir com a população informações relativas ao seu perfil de
morbi-mortalidade
Organizar grupos para discussão das necessidades da
população
Atuar em conjunto com os movimentos populares e as
lideranças comunitárias
C) PROCESSO DE TRABALHO
C.1) Acolhimento e vínculo
C.1.3) Relação médico-paciente
Valorizar as relações profissional-indivíduo e profissional-
família
Processo dinâmico terapêutico e de confiança
Comprometer-se com a pessoa de forma integral
115
C.3) Educação em saúde
C.3.1) Educação Sanitária
Coordenar, participar e/ou nuclear grupos de educação para a
saúde
Elaboração de materiais informativos e educativos
Ações educativas com abordagem crítica, interativa e
construtiva
C.2) Educação permanente
Participar da formação e do treinamento de pessoal auxiliar,
voluntários e estagiários
C.4) Planejamento das ações
C.4.2) Gerenciamento local
Organização de arquivos, prontuários e agendamento
Encaminhar mapas e relatórios do SIAB
Conhecer a característica organizacional da UBS
C.4.3) Planejamento local
Conhecer a realidade local
Conhecer metodologias de planejamento e avaliação,
planejamento estratégico e SIAB
Leitura e análise do cotidiano
Perfil cultural e epidemiológico da comunidade
Identificar grupos de risco
116
Programar ações segundo perfil epidemiológico
Planejamento estratégico
Avaliação permanente
Programação das atividades
C.5) Trabalho em equipe
Conhecer as crises na família, e a prática interdisciplinar e
multisetorial para abordar esse tipo de problema
C.6) Trabalho individual generalista
C.6.1) Ética Profissional
Conhecer os princípios éticos da relação profissional
4.1 ANÁLISE INFERENCIAL
A) INTEGRALIDADE
A questão da integralidade tem sido exaustivamente discutida em
seus vários sentidos, nos últimos anos, por se tratar, como afirma Mattos (2001), de
uma “bandeira de luta”, ou parte de uma imagem objetivo em busca de uma
sociedade mais justa e solidária.
Ela se tornou o eixo das propostas de mudança tanto da assistência
à saúde, quanto da formação de recursos humanos. E, portanto, o conceito de
integralidade está diretamente e fortemente ligado à discussão do processo de
trabalho e formação de recursos humanos para a Atenção Básica.
117
Nos documentos analisados, a integralidade foi agrupada em quatro
categorias que serão discutidas a seguir.
A.1) Ações integradas
O sentido da integralidade das ações integradas em saúde
corresponde à proposta contrária ao que ocorria no sistema de saúde brasileiro
antes do SUS, no qual havia uma dissociação entre as práticas de saúde pública e
as práticas assistenciais (MATTOS, 2001).
As necessidades de saúde da população não são dissociadas e,
além das demandas explícitas relacionadas ao sofrimento humano provocado por
doenças (tratamento e reabilitação), existem ações ligadas ao diagnóstico precoce e
à redução dos fatores de risco (prevenção), e à melhoria da qualidade de vida
(promoção) (MATTOS, 2001).
Essas demandas fazem parte de um processo dinâmico e, em uma
comunidade, o médico e o restante da equipe de saúde devem estar aptos a integrar
essas ações para dar conta do cuidado em saúde.
Em vários documentos analisados, essa categoria aparece, o que
demonstra sua importância no contexto das ações do médico na Atenção Básica.
Mas, o que chama a atenção é o fato de que, no documento das Diretrizes
Curriculares, essa categoria está enfatizada, o que salienta ainda mais a importância
de se trabalhar com ações integradas em saúde no contexto nacional. E, portanto, é
essencial que se oportunize ao aluno da graduação, momentos em que ele vivencie
essas ações em conjunto.
118
Dessa forma, a Atenção Básica se torna espaço privilegiado para
oportunizar esse aprendizado já que, em outros âmbitos, como hospital-escola ou
clínicas, não é possível se trabalhar essas ações em conjunto, no máximo se
trabalham tratamento e reabilitação.
Como as ações em saúde dependem da concepção saúde/doença
dos profissionais, torna-se fundamental, portanto, uma formação adequada para se
ampliar essa concepção, o que está favorecido no espaço junto à comunidade,
conhecendo-se as reais necessidades de determinada população, e com a
possibilidade de integrá-las.
Outro ponto que chama atenção reside no fato de se trabalhar o
conceito de promoção à saúde. Esse enfoque deve ser dado, pois no meio
acadêmico e também na assistência, ainda prevalece o conceito de promoção ligado
à prevenção, enfocando-se grupos de risco apenas. E o novo conceito de promoção
à saúde está relacionado a outros conteúdos como a intersetorialidade, a
participação popular e o conceito ampliado do processo saúde-doença.
Inclusive, o documento “Cadernos de Atenção Básica: Programa
Saúde da Família: caderno 1: a implantação da unidade de saúde da família” traz
nessa categoria o conceito de promoção de ações intersetoriais e de parcerias com
organizações formais e informais, ampliando, assim, o entendimento sobre ações
integradas.
A.2) Conceito ampliado do processo saúde doença
O modo de pensar conforme o modelo biomédico, ainda predomina
na maioria dos profissionais da área da saúde, que se recusa em reconhecer o ser
119
humano como algo além de um conjunto de órgãos que apresenta lesões ou
disfunções, as quais podem ser resolvidas com auxílio de outros recursos diferentes
dos tecnológicos.
Porém, este modelo é incompatível com as necessidades de saúde
da população, pois cada ser humano faz parte de uma família, que mora em uma
comunidade com certo ambiente, com determinados hábitos e costumes, que possui
um credo, uma raça, uma profissão ou não, um jeito de ser, angústias, medos,
paixões etc. E cada uma dessas características faz parte da pessoa, e, portanto, da
necessidade de saúde das pessoas e de suas comunidades, e o profissional que
não reconhecer isso em seu processo de trabalho, estará fadado ao insucesso.
Todos os documentos analisados apresentam essa categoria, que é
o ponto de partida de qualquer trabalho em saúde, não só na Atenção Básica, mas
em todos os níveis de atenção. E, se o profissional não possuir um conceito
ampliado do processo saúde-doença, todas as outras ações se tornam inviáveis.
A.3) Integralidade da atenção
Duas subcategorias encontradas nessa categoria ― cuidado
contínuo e referência e contra-referência ― estão interligadas ao processo de
manejo do cuidado que o médico assume ao se vincular com as pessoas de uma
comunidade, e deve, portanto, ser o mediador de possíveis encaminhamentos que o
usuário terá dentro do sistema.
Quando se fala de cuidado, o vínculo consiste no ponto de partida, o
qual necessariamente transpassa pela capacidade de ouvir o usuário, e tratá-lo
como um sujeito com desejos, crenças e temores, para, então, se acolher a sua
120
demanda (SILVA JR.; MERHY, 2003). E são o interesse e a responsabilização pelo
usuário e sua demanda, que irão determinar a linha de cuidado e as possíveis
ações.
A continuidade do cuidado, por meio de possíveis encaminhamentos
do usuário dentro do sistema, precisa estar apoiada no estabelecimento de um
profissional de referência, para não ocorrer a simples transferência de problema de
um profissional para o outro.
Além disso, seria importante também o estabelecimento de núcleos
comuns de discussão de casos entre as especialidades, na tentativa de produzir
visões menos fragmentadas das pessoas (SILVA JR.; MERHY, 2003).
A.4) Papel social do médico
Quando pensamos em uma atitude de atenção à saúde sob a
perspectiva da integralidade, se torna inconcebível um profissional com a
importância social de um médico se eximir de sua responsabilidade.
Devido ao modelo de ensino biomédico centrado em hospitais, longe
da realidade social, e focado eminentemente nos aspectos da doença, o papel social
que o médico deve ocupar na sociedade se torna algo muito distante dos futuros
profissionais.
Como um médico de família deve ser um gerenciador do cuidado,
conhecer a legislação e auxiliar nos direitos dos usuários passa a ser um dever
profissional. Dentro de uma comunidade a qual o médico se vincula, ele passa a ser
um importante ator social, capaz de influenciar o modo de viver e de agir dessa
121
comunidade. E, portanto, ser consciente e responsabilizado por cumprir
corretamente esse papel, é fundamental.
Sendo assim, as atividades curriculares que dão conta das questões
legais e de políticas públicas de saúde, precisam aproximar o aluno de graduação
da comunidade, para que possam ser demonstrados os aspectos legais na práxis.
B) PARTICIPAÇÃO
O grupo das categorias relacionadas à questão da participação não
se mostra muito evidente nos documentos, principalmente nos documentos
internacionais e, quando aparece, está relacionado apenas com a autonomia dos
usuários.
Essa constatação com relação aos documentos internacionais pode
estar ligada ao fato de os europeus possuírem o exercício da democracia mais
solidificado e a interferência nas políticas públicas ser um direito de cidadania
mínimo, sem, portanto, necessitarem dessa explicitação nas políticas de saúde, e
nem da intervenção dos profissionais da saúde.
Já no Brasil, a participação é um dos princípios organizativos do
SUS, ou seja, a organização do sistema de saúde conta com a participação popular,
e o médico, na ponta desse sistema, se torna ator fundamental de vinculação e
facilitador dessa participação, podendo utilizar a educação em saúde como
empoderamento dos usuários.
A OMS (WHO, 1998), elaborou um documento definindo os sete
princípios da promoção da saúde, sendo a participação e o empoderamento, dois
desses princípios. Dessa forma, ao trabalharmos sob a perspectiva integral, com um
122
conceito ampliado do processo saúde-doença, a questão da participação se torna
fundamental.
B.1) Educação em saúde (Empoderamento)
Ao se caracterizar uma prática educativa em saúde, com relação ao
tipo de ação realizada, devem-se levar em conta dois aspectos, o pedagógico, ou
seja, a metodologia de ensino utilizada, e o da saúde, a partir da concepção do
processo saúde-doença.
A educação em saúde para o empoderamento, para o reforço da
ação comunitária e para o estímulo de desenvolvimento de habilidades emocionais,
deve ser entendida como uma ferramenta na construção de propostas de ações em
promoção da saúde.
Sendo assim, parte-se de um conceito de saúde com ênfase na
determinação social e de uma prática pedagógica baseada na construção de novos
saberes a partir da problematização, em uma relação de troca entre educador é
educando, que gera, portanto, um conhecimento crítico e reflexivo (FREIRE, 2005).
Essa categoria parece ainda não possuir importância nos
documentos oficiais, face à magnitude que possui dentro do contexto do sistema
nacional de saúde.
Os profissionais da saúde são apenas alguns dos atores sociais
responsáveis pela promoção da saúde, no entanto, possuem papel fundamental no
estímulo e no gerenciamento de atividades que promovam saúde. Esse papel se
torna ainda mais relevante quando focamos as comunidades locais, uma vez que os
profissionais da Atenção Básica, por possuírem um vínculo e conhecerem a
123
realidade local, além de hábitos e culturas, têm condições de influenciar
positivamente na construção de propostas intersetoriais com a participação popular,
utilizando-se da educação em saúde.
B.2) Participação
Um modelo de atenção à saúde no qual o usuário é meramente um
coadjuvante nos planos terapêuticos, não possui responsabilidade pela sua saúde e
apenas acata sem questionamentos as condutas do médico, que é o detentor de
todo conhecimento, são direcionamentos contrários à proposta do SUS.
Os profissionais da saúde, apesar de não serem os únicos
responsáveis pelo empoderamento da população, nem pela criação de conselhos de
saúde, podem facilitar e contribuir para ambos os processos.
Porém, os documentos analisados levantam a questão da
participação da população muito singelamente, e, portanto, estão pouco associados
à idéia de que o médico possui papel fundamental no estabelecimento dessa
participação.
O estímulo da participação popular, além de importante, não se
constitui em tarefa simples de se alcançar. Para tal, são necessárias estratégias e
ferramentas de trabalho fundamentais de serem trabalhadas na graduação, como
parte do perfil médico para atuar na Atenção Básica.
C) PROCESSO DE TRABALHO
O processo de trabalho na Atenção Básica possui uma lógica
diferente de outros níveis de atenção à saúde, relacionada às características que
124
singularizam essa forma de atuação, dentre elas: o vínculo da equipe com a
comunidade; a responsabilização da equipe com as condições de saúde da
população, e, portanto, aplicação de ferramentas de trabalho com o acolhimento
para não haver exclusão social, negligência de situações de risco e estímulo a co-
participação do usuário; envolvimento no gerenciamento e planejamento, os quais
influenciam diretamente na rotina de trabalho; e o trabalho em equipe, constante e
dinâmico.
Portanto, somente o envolvimento prático e teórico do aluno com
essas atividades, ao longo do curso de graduação, possibilitará que o mesmo
adquira conhecimentos e habilidades para manejar uma rotina de trabalho na
Atenção Básica que prime pela qualidade e efetividades das ações em saúde.
C.1) Acolhimento e vínculo
No encontro entre profissionais da saúde e usuário, numa relação
intersubjetiva, deve ocorrer uma negociação, na qual o profissional tenta identificar
as necessidades do usuário e buscar a produção de um vínculo, com o objetivo de
estimular a autonomia quanto à saúde.
O encontro, em si, já se constitui em um valioso potencial
terapêutico, o qual precisa ser apreendido pelos profissionais de saúde, no processo
de trabalho cotidiano da equipe (TOGNOLI; BORGES, 2006).
Todavia, além do relacionamento humano, uma proposta de
acolhimento envolve também outros aspectos essenciais, como: postura ética e
profissional no contato com o usuário, tanto em seu processo de trabalho individual
quanto coletivo; ação gerencial da reorganização do processo de trabalho da
125
Unidade de Saúde, para se melhorar o atendimento aos usuários; e ampliação da
capacidade de identificar e resolver as demandas individuais e coletivas
apresentadas pelos usuários (TOGNOLI; BORGES, 2006).
Essas demandas, individuais ou coletivas, explícitas ou não, inicia-
se bem antes do encontro entre o trabalhador da saúde e o usuário, ou da chegada
do usuário à Unidade de Saúde, uma vez que o acesso à Unidade de Saúde pelo
usuário é o primeiro passo para o estabelecimento de um acolhimento de qualidade
(RAMOS; LIMA, 2003).
Portanto, questões como eqüidade, satisfação do usuário e cuidado
longitudinal precisam estar incorporadas à prática cotidiana. E para tanto, os
profissionais devem estar capacitados a reorganizar as práticas dos serviços de
saúde, a partir da reflexão e problematização dos processos de trabalho junto à
equipe, negociação com gestores locais e elaboração de projetos terapêuticos
individuais e coletivos.
Os documentos descrevem o acolhimento de uma maneira geral,
sem serem específicos e, também, apontam direcionamentos sem objetividade com
relação às características que o profissional deve ter incorporadas em sua prática
para efetivar questões que envolvem o acolhimento e facilitam o vínculo.
C.2) Educação Permanente
Conforme discutido anteriormente, existe uma escassez no mercado
de trabalho de profissionais da saúde com perfil apropriado para atuar no Sistema
Único de Saúde, o que justifica a implantação de uma política de educação
permanente.
126
Tanto que, em 13/02/2004, o Ministério da Saúde lançou a portaria
nº 198, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como
estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de
trabalhadores para o setor.
O objetivo central da educação permanente é a transformação do
processo de trabalho, buscando-se sempre uma melhoria da qualidade das ações e
serviços de saúde.
A educação permanente desempenha sua função, quando está envolvida numa prática de transformação, que traduz uma teoria dialética do conhecimento, como um processo de criação e recriação, desenvolvendo a reflexão crítica sobre sua prática/trabalho. A produção de conhecimentos em saúde caracteriza-se, então, como um processo gerado no trabalho, fundamentalmente participativo, já que resulta da confrontação de diferentes e complementares experiências entre a equipe de saúde e a comunidade (COSTA NETO, 2000, p.11).
A questão da educação permanente está abordada apenas por
alguns documentos e de forma muito geral, contraditoriamente à importância que o
Ministério tem procurado dar a essa pauta.
Todavia, o aprendizado contínuo e a atualização de conhecimentos
são fundamentais para qualquer profissional da saúde.
C.3) Educação em Saúde (Educação Sanitária)
As ações de promoção de saúde e os conhecimentos e habilidades
para executar essas ações pelos profissionais da saúde foram discutidas
previamente nesse capítulo.
Por outro lado, além das ações de promoção, os profissionais de
saúde possuem a responsabilidade também da educação sanitária, ou seja, a
127
responsabilidade da prevenção de doenças específicas e manejo de grupos de
risco.
Uma das ferramentas para se realizar prevenção de doenças é a
educação sanitária que, conforme citada por quase todos os documentos, faz parte
também das ações de um médico na Atenção Básica.
E, portanto, um curso de graduação deve instrumentalizar seus
alunos para realizar práticas educativas sanitárias, estimulando-se o uso de uma
pedagogia problematizadora e participativa que incentive a autonomia dos usuários,
e não a tradicional educação bancária.
C.4) Planejamento das ações
Com a regionalização do sistema de saúde, as ações em saúde
passaram a ser mais específicas e de acordo com a realidade local. Cada equipe da
Estratégia Saúde da Família fica responsável por certo território, que pode ser
entendido como a área de abrangência, determinada por critérios de acessibilidade
geográfica e de fluxo da população.
Como o estado de saúde e doença da população não é estanque ou
isolado e está determinado por vários fatores, como já discutido, as ações de saúde
que serão executadas em uma comunidade precisam ser baseados em dados e
informações coletados através de um diagnóstico comunitário.
Todos os documentos analisados mostram como característico do
médico de família o planejamento das ações, o que torna fundamental a exploração
desse tema na graduação. E alguns, como os documentos do Ministério da Saúde,
128
inclusive trazem conhecimentos e habilidades específicas com relação ao
planejamento.
C.5) Trabalho em equipe
Trabalhar na Atenção Básica implica no trabalho em equipe, apesar
de notar-se que, muitas vezes, diferentes profissionais compartilham do mesmo
espaço físico, mas executam suas ações isoladamente, com perda da noção de uma
abordagem integral do usuário.
O conhecimento produzido em qualquer área do saber, por mais
vasto que seja, representa de maneira parcial e limitada a realidade; o trabalho em
equipe, por outro lado, supõe, necessariamente, a superação dos limites colocados
pela visão disciplinar. Sendo assim, os profissionais que conseguem transcender o
trabalho disciplinar para o trabalho em equipe oportunizam, com maior facilidade, a
realização de diagnósticos comunitários, planejamento das ações, atendimento
integral e educação em saúde.
Portanto, o denominador comum para se trabalhar em equipe é a
comunicação entre os profissionais, uma comunicação que seja permanente e
efetiva. Na avaliação periódica desses padrões de comunicação pela equipe, é que
se pode identificar as dificuldades e procurar soluções conjuntas, como um espaço
de pactuação permanente.
A mudança para se criar espaços interdisciplinares, em que a
comunicação entre os diferentes profissionais esteja facilitada, deve iniciar na
graduação e de forma longitudinal durante o curso, para que essa prática fique
impregnada na rotina profissional. Torna-se muito mais difícil modificar a postura de
129
um profissional habituado a atuar isoladamente, para atuar em conjunto, pois se
trata de reaprender a prestar seus serviços de uma forma diferente e também mais
integral.
C.6) Trabalho individual generalista
Todas as características discutidas até aqui fariam parte,
justamente, da nova proposta de atuação do profissional médico na Atenção Básica.
Até o momento, as propostas são, de alguma forma, inovadoras.
Já o trabalho individual parece não trazer muitas novidades com
relação ao que já se vem trabalhando na graduação e na atuação dos médicos em
geral. As únicas especificidades que podemos notar é a noção de se trabalhar com
diagnósticos apenas baseados na prevalência da população, dispensando-se
conhecimentos muito aprofundados ou especializados no âmbito da graduação. E
também, a incorporação da visita domiciliar como papel do médico da Atenção
Básica, que pode ser considerada como uma atitude integral e acolhedora.
5 A DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DA UNIVALI
DENTRO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI - ESTUDO DE CASO
Com o intuito de avaliar quais são as práticas curriculares
desenvolvidas pela disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do curso de
Medicina da UNIVALI, por meio de seus planos de ensino, e sua inserção na matriz
curricular do curso, realizo uma análise de conteúdo documental, conforme
metodologia demonstrada no capítulo anterior, dos seguintes documentos:
1. Projeto pedagógico do curso de Medicina da UNIVALI/CCS
(2006), no qual foram encontrados os objetivos do curso e o perfil do profissional
egresso, matriz curricular, ementas e bibliografia de todas as disciplinas, e
características pedagógicas.
2. Planos de ensino da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária
do 5º ao 11º período do curso, nos quais analiso o objetivo geral, a ementa, os
conteúdos programáticos e a bibliografia básica recomendada.
Primeiramente apresento dados do projeto pedagógico do curso que
auxiliam o entendimento do contexto em que a disciplina de Medicina Familiar e
Comunitária está localizada no curso, e algumas características do modelo
biomédico presentes no currículo do curso.
131
5.1 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE MEDICINA DA UNIVALI
5.1.1 Contexto Geral do Projeto Pedagógico
A última edição do projeto pedagógico do curso de Medicina da
UNIVALI, datado de 2006, descreve aspectos gerais e específicos do curso: a
questão ética, a missão do curso, objetivos gerais e específicos, perfil do profissional
egresso, os referenciais educacionais, pedagógicos e metodológicos utilizados, os
programas de integração entre os ciclos básico e clínico, e as atividades
multidisciplinares.
O projeto também contextualiza o curso citando as condições do
mercado de trabalho, informações gerais sobre os discentes e os docentes, a
organização curricular, as atividades complementares e os eventos acadêmicos.
A produção do projeto é realizada por uma comissão, e editado
como documento de uso interno do curso. E, portanto, não tem veiculação externa,
estando disponível na coordenação do curso para consulta.
O curso de Medicina da UNIVALI, criado a partir da Resolução
nº008/CEPE/97, de 11 de março de 1997 e Resolução 007/CUn/97, de 7 de abril de
1997, foi implantado no dia 23 de março de 1999 nas dependências do Campus I
(Itajaí) (UNIVALI, 2006).
O objetivo geral do curso, conforme consta na pág. 22 do projeto
pedagógico (UNIVALI, 2006)16, é:
16 N a s p r ó x i m a s c i t a ç õe s o s g r i f o s s ã o d a d o s t o d o s pe l o a u t o r .
132
Formar o médico generalista e policlínico, capaz de atuar na investigação, na prevenção e no tratamento das doenças, promovendo a saúde de pessoas e comunidade, voltado especialmente para as atividades do “médico de família”.
E um dos objetivos específicos é:
Formar médicos generalistas com capacidade para a prevenção, investigação e tratamento das doenças, promovendo a saúde individual e coletiva, voltado especialmente para a Atenção Primária da saúde e integrado nos programas de “saúde da família”.
Portanto, o perfil do profissional egresso:
O profissional médico generalista e policlínico tem sua formação embasada numa concepção integral de saúde, competente, técnica, científica e politicamente para atuar na promoção de saúde integral do cidadão.
Como se pode perceber no delineamento dos objetivos e do perfil do
profissional egresso, a formação do aluno de graduação em Medicina na UNIVALI
está direcionada para uma abordagem generalista e da Medicina Familiar,
envolvendo o conceito de integralidade e promoção da saúde com ênfase de
atuação na Atenção Básica.
A matriz curricular do curso é composta por 12 semestres letivos,
divididos em 8 semestres básicos e pré-clínicos e 4 semestres de Internato Médico,
totalizando 8.250 horas/aula (550 créditos) em regime de tempo integral. A seguir,
apresento a disposição dessas disciplinas e a matriz curricular correspondente a
cada ciclo para facilitar a visualização pelo leitor.
O projeto pedagógico do curso demonstra que as disciplinas do
curso são distribuídas em três grandes ciclos: Estudo do Homem Sadio (ciclo
133
básico), Estudo dos Mecanismos de Agressão e Defesa do Organismo Humano
(ciclo pré-clínico) e o Estudo do Homem Doente (ciclo clínico ou pré-clínico).
O ciclo básico com duração de 2 anos (1.740 horas) agrupa,
segundo o projeto pedagógico do curso:
[...] disciplinas com conteúdos básicos específicos, necessários ao conhecimento do homem normal como Anatomia Humana, Citologia, Histologia, Fisiologia, Biologia Molecular e Embriologia, mas já introduz conhecimentos de atenção à saúde (Organização dos Serviços de Saúde) e disciplinas clínicas (Genética Médica, Semiologia Médica), além das disciplinas de Crescimento e Desenvolvimento Humano (que também abordam situações de anormalidade no desenvolvimento e o processo de envelhecimento)
Para o “Estudo dos Mecanismos de Agressão e Defesa do
Organismo Humano” a matriz curricular está disposta pelas disciplinas do ciclo pré-
clínico com duração também de dois anos (1.980 horas) que são: Anatomia
Patológica, Microbiologia Médica, Parasitologia Médica, Epidemiologia e
Bioestatística, Doenças Infecciosas e Parasitárias.
Nesse ciclo pré-clínico, também integram as disciplinas necessárias
para a compreensão da Clínica Geral e da Medicina Familiar e Comunitária:
Medicina Preventiva, Medicina Familiar e Comunitária, Medicina Ocupacional,
Diagnóstico por Imagens, Clínica Médica e Clínica Cirúrgica, Pediatria e Ginecologia
e Obstetrícia.
As disciplinas com os conteúdos necessários à formação
humanística do médico são: Antropologia, Sociologia e História da Medicina, no
primeiro período, Psicologia Médica, no sexto período, e a disciplina de Ética
Médica, ofertada do primeiro ao oitavo período.
134
O Internato Médico é composto por cinco estágios obrigatórios,
Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia e Medicina
Familiar e Comunitária, desenvolvido em dois anos e com 4.500 horas se acrescidos
os plantões.
Para situar melhor como as disciplinas estão distribuídas ao longo
do curso, e a carga horária destinada a cada uma, apresento a seguir a matriz
curricular do curso de Medicina na Tabela 2.
Tabela 2 – Matriz curricular do curso de Medicina.
Períodos Disciplinas Créditos C/H
1
Anatomia Humana 12 180 Histologia 06 090 Embriologia Humana 04 060 Antropologia 02 030 Sociologia 02 030 Ética Médica 01 015 Total carga horária 1º período 27 405
2
Anatomia Humana 12 180 Histologia 08 120 Metodologia Científica 02 030 Crescimento e Desenvolvimento Humano 02 030 Ética Médica 01 015 História da Medicina 01 015 Total carga horária 2º período 26 390
3
Imunologia Básica 04 060 Genética Médica 03 045 Fisiologia Humana e Biofísica 08 120 Organização dos Serviços de Saúde 02 030 Anatomia Humana 08 120 Química Fisiológica 04 060 Ética Médica 01 015 Total carga horária 3º período 30 450
4
Biologia Molecular 04 060 Epidemiologia e Bioestatística 03 045 Ética Médica 01 015 Fisiologia Humana e Biofísica 06 090 Imunopatologia 03 045 Microbiologia Médica 04 060 Parasitologia Médica 04 060 Patologia Geral 04 060
135
Semiologia Médica 04 060 Total carga horária 4º período 33 495
5
Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Doenças Infecciosas e Parasitárias 02 030 Diagnóstico por Imagens 03 045 Ética Médica 01 015 Farmacologia e Terapêutica 06 090 Medicina Preventiva 03 045 Medicina Familiar e Comunitária 02 030 Patologia Clínica 02 030 Total carga horária 5º período 33 495
6
Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética Médica 01 015 Medicina Familiar e Comunitária 04 060 Medicina Legal 02 030 Medicina Ocupacional 02 030 Pediatria 06 090 Psicologia Médica 02 030 Total carga horária 6º período 33 495
7
Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 06 090 Clínica Cirúrgica 06 090 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética Médica 01 015 Ginecologia 04 060 Medicina Familiar e Comunitária 04 060 Pediatria 04 060 Psiquiatria 04 060 Total carga horária 7º período 33 495
8
Anatomia Patológica 02 030 Clínica Médica 05 075 Clínica Cirúrgica 05 075 Diagnóstico por Imagens 02 030 Ética e Bioética 02 030 Geriatria 02 030 Medicina Familiar e Comunitária 03 045 Obstetrícia e Medicina Fetal 06 090 Pediatria 02 030 Pediatria (Cirúrgica) 02 030 Nutrição 02 030 Total carga horária 8º período 33 495
136
9
Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Ginecologia e Obstetrícia 25 375 Pediatria 25 375 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) 02 030 Total carga horária 9º período 77 1155
10 Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Clínica Médica 25 375 Clínica Cirúrgica 25 375 Total carga horária 10º período 75 1125
11 Medicina Familiar e Comunitária 25 375 Ginecologia e Obstetrícia 25 375 Pediatria 25 375 Total carga horária 11º período 75 1125
12 Clínica Médica 25 375 Clínica Cirúrgica 25 375 Estágio Optativo Obrigatório 25 375 Total carga horária 10º período 75 1125 Total geral da carga horária 550 8250
Fonte: UNIVALI, 2006.
Essa divisão da estrutura da matriz curricular em três ciclos provém
do Relatório Flexner de 1910, que, por exemplo, ao descrever o ciclo básico,
chamado de laboratorial, sugere a inclusão das seguintes disciplinas: anatomia,
incluindo histologia e embriologia; e fisiologia, incluindo bioquímica para o primeiro
ano; e farmacologia, patologia, bacteriologia e diagnóstico físico para o segundo ano
(CUTOLO, 2001).
Das 22 disciplinas que compõe o ciclo básico, apenas 4 estão
direcionadas à formação ética e social do aluno, representada pela Antropologia,
Sociologia, Ética Médica e História da Medicina. O restante (18) está voltado para a
formação biológica e clínica, conforme demonstra a tabela 3 a seguir:
137
Tabela 3 – Distribuição das disciplinas do ciclo básico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo seus objetivos.
Objetivo da disciplina Quantidade de disciplinas Porcentagem Formação biológica/clínica 18 81,82 % Formação ética e social 4 18,18 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
Quando analisamos a distribuição da carga horária destinada a cada
uma delas, notamos com maior nitidez a predominância da formação
biológica/clínica, conforme a tabela 4 a seguir:
Tabela 4 – Distribuição das disciplinas do ciclo básico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo a distribuição da carga horária.
Objetivo da disciplina Quantidade de horas Porcentagem Formação biológica/clínica 1605 92,24 % Formação ética e social 135 7,76 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
Nas disciplinas do ciclo pré-clínico, do 5º ao 8º período, a tendência
se mantém, conforme demonstrado nas tabelas 5 e 6 a seguir:
Tabela 5 – Distribuição das disciplinas do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo seus objetivos.
Objetivo da disciplina Quantidade de disciplinas Porcentagem Formação biológica/clínica 18 90 % Formação ética e social 2 10 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
Tabela 6 – Distribuição das disciplinas do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI, segundo a distribuição da carga horária.
Objetivo da disciplina Quantidade de horas Porcentagem Formação biológica/clínica 1875 93,9 % Formação ética e social 120 6,1 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
Outro fato importante de se notar encontra-se na carga horária
destinada a disciplina de Ética Médica, uma das disciplinas destinadas à formação
138
humanística e social do aluno, que apesar de a mesma estar presente na matriz
curricular do 1º ao 8º período, com exceção do 8º período, no qual a disciplina
possui dois créditos, no restante dos períodos destina-se apenas um crédito.
Por exemplo, se somarmos a carga horária destinada a essa
disciplina durante todo o curso, que perfazem 135 horas/aula, o resultado é menor
que a carga horária da disciplina de Anatomia Humana só do 1º período (180
horas/aula).
Ou seja, apesar da importância que parece ser dada pelo curso para
as disciplinas voltadas à formação ética e social do aluno, quando demonstrada sua
real representatividade dentro do curso, a característica do biologismo pode ser
inferida, a qual representa um dos elementos estruturantes do modelo biomédico.
5.1.2 A disciplina de Medicina Familiar e Comunitária e o Projeto Pedagógico
Com relação à disciplina de Medicina Familiar e Comunitária,
podemos fazer inferências semelhantes às apresentas com relação às disciplinas
voltadas à formação ética e social.
A primeira vez que a disciplina aparece na matriz curricular é no 5º
período, e desse momento até o 11º está presente em todos os períodos, sendo que
no 12º aparece dentre uma das opções de estágio obrigatório optativo, a qual não
será incluída na análise, por se tratar de um estágio optativo, e portanto não
realizado por todos alunos.
As tabelas 7 e 8 a seguir demonstram comparativamente a carga
horária destinada à disciplina de Medicina Familiar e Comunitária com relação às
139
outras quatro disciplinas que representam a grandes áreas da Medicina, no ciclo
pré-clínico, e no internato médico.
Tabela 7 – Apresentação das cinco disciplinas que representam as cinco grandes áreas da Medicina no ciclo pré-clínico, segundo a distribuição da carga horária.
Disciplina Quantidade de horas Porcentagem Ginecologia e Obstetrícia 150 7,57% Medicina Familiar e Comunitária 195 9,84% Pediatria 210 10,61% Clínica Médica 345 17,43% Clínica Cirúrgica 345 17,43% Restante das disciplinas 735 37,12% Total de disciplinas 1980 100%
Fonte: UNIVALI, 2006.
Tabela 8 – Apresentação das cinco disciplinas que representam as cinco grandes áreas da Medicina no internato médico, excluindo a disciplina do TCC e do estágio optativo obrigatório, segundo a distribuição da carga horária.
Disciplina Quantidade de horas Porcentagem Clínica Médica 750 18,18% Clínica Cirúrgica 750 18,18% Pediatria 750 18,18% Ginecologia e Obstetrícia 750 18,18% Medicina Familiar e Comunitária 1125 27,28%
Total de disciplinas 4125 100% Fonte: UNIVALI, 2006.
A partir dessas comparações, podemos notar a diferença na
distribuição de carga horária no ciclo pré-clínico e no internato médico para a
disciplina de Medicina Familiar e Comunitária, uma vez que no internato a maior
dedicação de carga horária está compatível com a proposta do curso.
Contudo, no ciclo pré-clínico essa observação não acontece, já que
a disciplina de Medicina Familiar e Comunitária somente possui maior carga horária
que a disciplina de Ginecologia e Obstetrícia, e possui quase a metade, se
comparada às disciplinas de Clínica Médica e Clínica Cirúrgica.
140
Dessa forma, a ênfase destinada à formação do “[...] médico
generalista [...] voltado especialmente para as atividades do médico de família”,
quando analisada sob a óptica da representatividade da disciplina de Medicina
Familiar e Comunitária no curso, pode ser constatada no internato médico, mas não
no ciclo pré-clínico.
E, apesar de quase a metade da carga horária (90 das 195 horas)
dentro da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária estar destinada a atividades
práticas, o que está de acordo com as recomendações das Diretrizes Curriculares
Nacionais, sobram apenas 105 horas para se contemplar toda a parte teórica.
5.1.3 A Saúde Coletiva no curso de Medicina da UNIVALI
Com relação aos conteúdos de Saúde Coletiva, na matriz curricular
encontram-se as seguintes disciplinas relacionadas a esse campo de estudo:
Antropologia, Sociologia, Organização dos Serviços de Saúde, Medicina Preventiva
e Medicina Familiar e Comunitária. E, quando analisamos comparativamente a carga
horária destinada a essas disciplinas nos ciclo básico e pré-clínico, podemos
verificar a pouca ênfase dada ao curso para a Saúde Coletiva, conforme a tabela 9 a
seguir.
Tabela 9 – Distribuição da carga horária dos conteúdos relacionados ao campo saúde coletiva em comparação ao restante dos conteúdos nos ciclos básico e pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI.
Disciplinas Carga horária Porcentagem Restante 3390 91,13 % Saúde Coletiva 330 8,87 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
141
Voltando agora apenas para a disciplina de Medicina Familiar e
Comunitária, a qual deveriam estar destinados assuntos de Saúde Coletiva, uma vez
que essa disciplina não existe formalmente na matriz curricular, podemos notar outra
inconsistência: quando analisamos os conteúdos teóricos, a partir dos planos de
ensino dessa disciplina, que são destinados ao campo da Saúde Coletiva no ciclo
pré-clínico, conforme demonstrado na tabela 10 a seguir, podemos notar a pouca
representatividade desse campo dentro da disciplina.
Tabela 10 – Distribuição da carga horária dos conteúdos clínicos e de saúde coletiva na disciplina de Medicina Familiar e Comunitária do ciclo pré-clínico do curso de graduação em Medicina da UNIVALI.
Conteúdo Carga horária Porcentagem Clínico 71 67,62 % Saúde Coletiva 34 32,38 %
Fonte: UNIVALI, 2006.
Em suma, as características do perfil desejado em um médico
generalista, com atuação na Atenção Básica, conforme demonstrado na análise dos
documentos oficiais, e os objetivos propostos pelo projeto pedagógico do curso,
necessitam tanto de conteúdos teóricos quanto práticos relacionados à Saúde
Coletiva, incompatíveis com a carga horária destinada ao estudo dessa área.
E com relação ao internato médico, o curso demonstra dar ênfase à
Saúde Coletiva, todavia, nos ciclos básico e pré-clínico não, o que nos parece
dificultar ao curso alcançar os objetivos de formação ao qual se propõe.
5.2 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 5º PERÍODO
O plano de ensino tem como objetivo geral:
142
Conhecer os princípios básicos da Medicina de Família e Comunidade; discutir seu exercício enquanto proposta de Atenção Primária à Saúde e especificidades relativas a seu modelo.
E a seguinte ementa:
Aspectos históricos e princípios da Medicina Familiar e Comunitária (MFC). Doença e a Comunidade. Método e raciocínio clínico em MFC. Medicina ambulatorial.
Tanto o objetivo geral, quanto a ementa da disciplina contemplam o
conhecimento dos princípios básicos da Medicina de Família e Comunidade e sua
relação com a Atenção Primária, essenciais para iniciar a abordagem do assunto.
Entretanto, de acordo com o Projeto Pedagógico do curso, a Medicina Familiar é o
eixo estruturante do curso, e para um curso com 12 semestres, e 8 de parte teórica,
a inserção e apresentação desses conteúdos parece ser um pouco tarde.
Outro aspecto que podemos notar é que devido a pouca carga-
horária destinada a essa disciplina ao longo do curso, há uma sobrecarga de
assuntos importantes para um curto espaço de tempo. Como exemplo, podemos
observar a Unidade 1 de conteúdos da disciplina desse período:
Aspectos históricos e princípios da Medicina Familiar e Comunitária (MFC); apresentação da Medicina de Família e Comunidade e seu contexto histórico, Atenção Primária e SUS; rede de laços sociais na comunidade; determinantes do processo saúde doença; doença, sofrimento e cura; vivência prática na comunidade dos conteúdos teóricos.
Essa unidade está prevista para ser abordada com apenas 8 horas-
aula (h.a.). Ou seja, cada um dos itens apresentado merece discussões profundas e
de maneira transversal ao longo do curso, e não apenas em 8 h.a. e em apenas uma
disciplina.
143
Notamos no trecho acima também um pequeno erro de disposição.
A parte “vivência prática na comunidade dos conteúdos teóricos” deveria estar
contemplada nas estratégias. Mas, mesmo assim, o plano não especifica como é
realizada a vivência prática, por exemplo, se é realizada em unidades básicas de
saúde, com interação das equipes, ou se é apenas acompanhada pelos professores.
O número de professores responsáveis pela disciplina é de três, e as
turmas possuem em torno de 30 alunos. Dessa forma, essa interação ficaria
prejudicada sem a colaboração de outros profissionais.
No cronograma aparece a turma dividida em duas, e com 4 h.a. de
atividade na comunidade cada, divididas em dois dias. Essa carga horária é irrisória
quando pensamos na importância desses assuntos dentro do curso. Mas, frente à
disponibilidade que a disciplina possui, de 30 h.a., não há como ser diferente.
Com relação à bibliografia de apoio, o plano de ensino aponta um
livro para essa unidade: “Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em Atenção
Primária baseadas em evidências.”17 Esse livro dedica-se eminentemente à
apresentação de doenças prevalentes e suas condutas no âmbito da Atenção
Primária.
Das treze seções que possui, separa uma aos aspectos teóricos da
Atenção Primária, chamado “Fundamentos e práticas em Atenção Primária à
Saúde”, e nessa seção, dos treze capítulos, dedica quatro para alguns dos assuntos
da unidade 1 do plano de ensino: “Aspectos históricos e princípios da Medicina
Familiar e Comunitária (MFC); apresentação da Medicina de Família e Comunidade
17 DUNCAN, B. e col. Medicina Ambulatorial: condutas clínicas em Atenção Primária baseadas em evidências. Editora Artmed, 2004.
144
e seu contexto histórico, Atenção Primária e SUS”. Sendo que a abordagem é feita
de maneira introdutória e sem aprofundamento, até por que não é a proposta do
livro. Por exemplo, no capítulo “O Sistema de Saúde no Brasil”, após breve
introdução, o autor trabalha apenas com as diretrizes doutrinárias e organizativas do
SUS.
E o livro não aborda os seguintes assuntos: “rede de laços sociais
na comunidade; determinantes do processo saúde doença; doença, sofrimento e
cura”, referidos no plano de ensino.
Com relação à bibliografia, o plano não aponta outros livros além do
citado anteriormente, que está especificamente ligado à unidade 1. As outras
unidades não possuem referência.
Na bibliografia básica, estão apontadas outras quatro referências,
dentre elas, uma aprofunda um dos assuntos da primeira unidade, a “rede de laços
sociais na comunidade”: A rede social na prática sistêmica: alternativas
terapêuticas18. O livro trabalha com conceitos gerais e específicos sobre o tema,
abordando também as relações familiares. Entretanto, esses assuntos não podem
ser abordados de maneira tão profunda diante de uma carga horária de 8 h.a. para a
unidade em que apenas um dos assuntos é esse.
As outras três unidades apresentadas pelo plano de ensino, apesar
de não possuírem a densidade de conteúdos da primeira, são pertinentes com
relação à proposta de ensino da Saúde Coletiva. Os títulos das unidades são:
doença e comunidade, método e raciocínio clínico em MFC e Medicina Ambulatorial.
18 SLUZKI, C. E. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
145
5.3 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 6º PERÍODO
O plano de ensino tem como objetivo geral:
Discutir a atenção materno-infantil, dentro da ótica da Medicina Familiar, abordando e enfatizando os aspectos curativos, preventivos e reabilitadores em nível domiciliar, escolar e comunitário, para o bom desenvolvimento da criança e do adolescente.
E a seguinte ementa:
Linhas de cuidado de atenção integral à saúde da criança. Instrumentos de gestão dos serviços de saúde. Crescimento e desenvolvimento. Atenção integral à saúde bucal. Violência infantil. Atenção à criança portadora de necessidades especiais. Prevenção de acidentes. Saúde Mental. Atividades em saúde escolar. Atendimento ambulatorial de Medicina Familiar e Comunitária. Atividades de vigilância à saúde na comunidade.
A partir da observação dessa ementa, podemos inferir que os
conteúdos abordados por essa disciplina mesclam assuntos relacionados à Saúde
da Criança e assuntos de Saúde Coletiva.
Os assuntos de saúde coletiva são: instrumentos de gestão dos
serviços de saúde, e atividades de vigilância à saúde na comunidade.
Com exceção dos assuntos de violência infantil e atenção à criança
portadora de necessidades especiais, os quais, a partir do conteúdo trabalhado
ampliam o conceito do processo saúde-doença, o restante dos assuntos está mais
relacionado ao ensino da pediatria.
Inclusive, ao consultar o cronograma de atividades da Pediatria do
6º período, e observarmos a ementa dessa disciplina, podemos notar uma
sobreposição de alguns assuntos:
146
Aspectos gerais da assistência à criança e ao adolescente. Crescimento e desenvolvimento. Alimentação da criança e do adolescente. Semiologia pediátrica. Prevenção de infecções e enfermidades infecto-contagiosas. Carências nutricionais. Infecção das vias aéreas. Adolescência.
A sobreposição se torna mais notável ao observarmos alguns
conteúdos abordados pelas unidades do conteúdo programático
Unidade 1 – Linhas de cuidado de atenção integral à saúde da criança: 1.1 ações de saúde da mulher; 1.2 ações de saúde da gestante/RN; 1.3 primeira semana da saúde integral da criança; 1.4 alimentação saudável; 1.5 atenção às doenças prevalentes; 1.6 outros cuidados gerais da atenção integral à saúde da criança.
Ainda que a abordagem dada aos assuntos seja diferente, seria
relevante a maior interação dos conteúdos e dos professores, e deve-se lembrar que
a premissa de um curso com objetivo geral de formar um médico generalista seja
que todas as disciplinas, incluindo as clínicas, abordem os assuntos baseados na
prevalência e a partir da concepção ampliada do processo saúde-doença.
E ao consultar os títulos das bibliografias básicas sugeridas,
podemos notar novamente a influência da pediatria nessa disciplina: 1.
Fonoaudiologia em pediatria; 2. Pediatria na Atenção Primária; 3. Pediatria básica; 4.
Tratado de Medicina familiar; 5. Manual de Medicina ambulatorial de Baker.
Ao mesmo tempo em que constatamos também a ausência de livros
com conteúdos eminentemente de Saúde Coletiva.
147
5.4 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 7º PERÍODO
O plano de ensino tem como objetivo geral:
Analisar a atenção à saúde da mulher e do adulto na visão da Medicina Familiar, abordando e enfatizando os aspectos preventivos nos níveis domiciliar e comunitário.
E a seguinte ementa:
Ambulatório de Medicina Familiar. Hipertensão Arterial Sistêmica. Diabetes Mellitus. Dislipidemias. Osteoartrites, dor lombar e osteoporose. Manejo do câncer a nível ambulatorial e domiciliar e da dor crônica. Depressão e Ansiedade. Problemas ginecológicos comuns no ambulatório de MFC I. Problemas ginecológicos comuns no ambulatório de MFC II. Pré-natal de baixo risco. Climatério, menopausa e andropausa. Violência à mulher. Álcool, tabagismo e outras drogas. Interações medicamentosas.
Existe um conteúdo eminentemente clínico e biologicista abordado
por essa disciplina, além de uma mescla de assuntos sem um denominador comum.
Além disso, os conteúdos das unidades abordam apenas os aspectos do tratamento
e prevenção. Por exemplo:
UNIDADE 2 – Hipertensão Arterial Sistêmica: 2.1 – Prevalência, 2.2 – Conceito; 2.3 – Classificação; 2.4 – Diagnóstico; 2.5 – Tratamento não medicamentoso; 2.6 – Tratamento medicamentoso; 2.7 – Prevenção da HAS e dos fatores de risco; 2.8 Complicações; 2.9 – Abordagem da HAS pela MFC.
E, novamente, observamos uma repetição dos conteúdos, quando
verificado no cronograma das disciplinas uma aula sobre Hipertensão Arterial
Sistêmica na disciplina de Clínica Médica do 5º período.
Os títulos dos livros encontrados na bibliografia básica, também não
aprofundam assuntos de Saúde Coletiva: 1. Projeto Diretrizes; 2. Medicina
148
Ambulatorial: condutas de Atenção Primária baseadas em evidências; 3. Tratado de
Medicina de Família.
5.5 PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA – 8º PERÍODO
O plano de ensino tem como objetivo geral:
O aluno deverá adquirir no final do período letivo conhecimento básico sobre a abordagem do paciente idoso, bem como estar apto a entrevistar, examinar e fazer diagnósticos clínicos e psicossociais no contexto familiar e comunitário onde o geronte está inserido.
E a seguinte ementa:
Introdução a Medicina do Idoso. Aspectos da Propedêutica do Idoso. Institucionalização do Idoso.
Levando-se em consideração a bibliografia básica apresentada com
os seguintes títulos: 1. Geriatria prática; 2. Gerontologia: a velhice e o
envelhecimento em visão globalizada.
Somado ao fato de existir uma disciplina de Geriatria no mesmo
período do curso, ministrada pelos mesmos professores, e com a seguinte ementa:
O envelhecimento humano. A avaliação do paciente geriátrico. Aspectos geriátricos das principais morbidades do paciente idoso. Geriatria preventiva. Atividades práticas.
Tem-se a impressão que as duas disciplinas são complementares,
todavia, ambas relacionadas apenas a especialidade médica da Geriatria, e não da
Medicina Familiar e Comunitária.
149
Não se discute aqui a importância dessa disciplina (Geriatria) dentro
do curso, mas se a carga horária de 30h não está sendo suficiente para conseguir
se abordar todos os conteúdos necessários, deve-se fazer uma discussão da
ampliação da carga horária da mesma, sem estar utilizando a carga horária da
disciplina de Medicina Familiar e Comunitária para esse fim.
5.6 PLANOS DE ENSINOS DA DISCIPLINA DE MEDICINA FAMILIAR E COMUNITÁRIA DO
INTERNATO MÉDICO
A opção pela análise dos planos de ensino, das disciplinas do
internato médico, em conjunto, partiu da verificação de que os três planos de ensino
(9º, 10º e 11º períodos) possuem o mesmo conteúdo.
O objetivo geral dos planos de ensino é:
Prestar assistência, sob supervisão, na prevenção e resolução dos problemas de saúde freqüentes nos indivíduos, famílias ou comunidades, independentemente da idade ou sexo e do órgão ou sistema afetado, realizando visitas domiciliares, hospitalares, história clínico-social e atividades clínico assistenciais.
E possuem a seguinte ementa:
Conteúdos essenciais em MFC. Atividades Práticas: Atendimento ambulatorial em Atenção Primária, visitas domiciliares e hospitalares, oficinas de educação em saúde, atendimento em escolas, creches e orfanatos, procedimentos de enfermagem. Atendimento de emergência/urgência no Hospital. Plantões. Cirurgias Ambulatoriais. Reuniões Clínicas. Atividade Acadêmica Integrada.
Os conteúdos e temas abordados pelo plano de ensino contemplam
uma ampla abrangência de assuntos, assim como também são amplas as atividades
150
que constam na ementa. E, muitas vezes se mostram incompatíveis com a proposta
de um estágio na Atenção Básica, conforme demonstrado a seguir:
Por exemplo, na unidade 1, aparecem temas como: [...] Reposição
hidroeletrolítica; [...] 1.3.4 ATLS 1ª parte; 1.3.5 ATLS 2ª parte; [...]; 1.3.7 Trauma
abdominal. E na unidade 2: [...] 2.7.1 Princípios de assepsia médico-cirúrgica; 2.7.2
Histórico de controle de infecção hospitalar; 2.7.3 Termos utilizados na assepsia
médico-cirúrgica; 2.7.4 Lavagem de mãos; 2.7.4 Medidas de prevenção de infecção
hospitalar.
Todavia, em nenhum dos planos consta como acontecem as
atividades no cotidiano, por exemplo, se a inserção do aluno acontece em Unidades
Básica de Saúde, em ambulatórios, ou até em hospitais (já que consta da ementa).
Dessa forma a avaliação dos planos de ensino do internato médico
fica prejudicada.
5.7 CONFRONTAÇÃO ENTRE OS DOCUMENTOS E OS PLANOS DE ENSINO
Quando confrontados os planos de ensino da Medicina Familiar e
Comunitária com os documentos oficiais, podemos notar a disparidade existente
entre a ênfase dada às características do profissional.
Durante a discussão, já foi comentado a importância de cada
característica em separado, mas, em seguida, a fim de melhor demonstrar essas
diferenças, exponho quadros ilustrativos que representam a ênfase de cada item por
meio de cruzes, variando de um traço quando não há menção sobre a característica,
a quatro cruzes, a máxima gradação atribuída.
151
5.7.1 Integralidade
DOCUMENTOS UNIVALI
Ações integradas ++++ ---
Integralidade da atenção +++ ---
Conceito ampliado do
processo saúde doença ++++ +
Papel social do médico +++ ---
5.7.2 Participação
DOCUMENTOS UNIVALI
Educação em saúde ++ ---
Participação ++ ---
5.7.3 Processo de trabalho
DOCUMENTOS UNIVALI
Acolhimento e vínculo +++ ---
Educação permanente +++ ---
152
Educação em saúde +++ ++
Planejamento das ações +++ +
Trabalho em equipe +++ +
Trabalho individual
generalista +++ ++++
Notamos, a partir dessa comparação, que os conteúdos
programáticos da disciplina estão focados no trabalho individual generalista, fato que
denota ainda a forte influência do modelo tradicional do currículo médico. Esse fato
se torna ressaltado por estar dentro de uma disciplina mais abrangente, e que
deveria contemplar conteúdos focados na formação de um profissional mais
humano, crítico e reflexivo.
Obviamente, não depende somente de uma disciplina essa
formação ampliada, contudo, reforço mais uma vez que, pela ênfase do curso na
formação do médico de família, assim como das próprias necessidades de saúde da
população, esse quadro minimamente faz pensar...
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para elaboração dessas considerações, parto do pressuposto que a
disciplina de Medicina Familiar e Comunitária em seu contexto dentro do curso de
Medicina da UNIVALI deva dar conta, juntamente a outras disciplinas, da formação
humanística e social do aluno e dos assuntos relacionados à Saúde Coletiva.
Existe clareza na idéia de que uma mudança apenas na disciplina de
Medicina Familiar e Comunitária não dará conta isoladamente de resolver o
problema da inconsistência na formação médica em direção a integralidade, mas
pode ser o desencadeante para suscitar mudanças mais profundas.
E mudar, não se trata de abandonar a prática médica clínica
tradicional, mas redimensioná-la numa prática mais humanizada, crítica e reflexiva,
que veja a pessoa como um todo em suas relações e amplie as possibilidades de
resolubilidade.
A principal justificativa para essa mudança na formação dos alunos
de graduação da área da saúde está centrada na incongruência entre o perfil
inadequado do profissional formado pela lógica do modelo flexneriano hegemônico e
as reais necessidades de saúde da população.
Entretanto, o principal mecanismo indutor de mudança não está
centrado nessa incongruência, mas sim na mudança do mercado de trabalho e no
menor custo para a gerência dos serviços públicos com um sistema de saúde eficaz
e baseado na Atenção Primária.
154
Ou seja, existe uma demanda crescente por profissionais de saúde
que saiam mais completos de suas graduações. Completo no sentido de não ficar
tão dependente de uma pós-graduação para ter condições mínimas de iniciar seu
trabalho.
Assim, a mudança deve transcender o currículo formal, e os planos
de ensino de apenas uma disciplina, na direção de ampliação da concepção dos
determinantes do processo saúde-doença, da prática clínica mais humanizada e
responsável, da aproximação das relações profissionais no sentido da
interdisciplinaridade, da mudança na concepção de educação e da produção do
conhecimento, da aproximação entre universidade, população e serviços de saúde e
da resignificação do papel do docente e sua relação com o aluno.
Existem, todavia, algumas situações que atravancam essa mudança,
já que mudar depende de vontade política, da relação entre gestão municipal de
saúde e universidade, de interesses pessoais que se sobrepõe ao coletivo, e da
insegurança dos professores em perder espaço e carga horária.
Voltando para o contexto local, entendo que o momento da
contribuição desse trabalho torna-se oportuno pelo fato da UNIVALI ter sido
contemplada no PRÓ-SAÚDE, mais especificamente nos seguintes vetores:
A – ORIENTAÇÃO TEÓRICA: vetor 1 – determinantes de saúde
doença, vetor 2 – produção de conhecimentos segundo as necessidades do
SUS;
155
B – CENÁRIOS DE PRÁTICAS: vetor 4 – integração docente-
assistencial; vetor 5 – diversificação dos cenários de prática; vetor 6 –
articulação dos serviços universitários com o SUS;
C – ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA: vetor 7 – análise crítica da
Atenção Básica (BRASIL, 2005).
E, também, como uma etapa no processo de adequação curricular
às Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001), pois atende a quase todos os
itens de seu art. 12 (meu grifo), o qual determina que a estrutura do curso de
graduação em Medicina deve:
I. Ter como eixo do desenvolvimento curricular as necessidades de saúde dos indivíduos e das populações referidas pelo usuário e identificadas pelo setor saúde;
II. utilizar metodologias que privilegiem a participação ativa do aluno na construção do conhecimento e a integração entre os conteúdos, além de estimular a interação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência;
III. incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania;
IV. promover a integração e a interdisciplinaridade em coerência como o eixo de desenvolvimento curricular, buscando integrar as dimensões biológicas, psicológicas, sociais e ambientais;
V. inserir o aluno precocemente em atividades práticas relevantes para a sua vida profissional;
VI. utilizar diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional;
VII. propiciar a interação ativa do aluno com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação, proporcionando ao aluno lidar com problemas reais, assumindo responsabilidades crescentes como prestador de cuidados e atenção, compatíveis com seu grau de autonomia, que se consolida na graduação com o internato;
VIII. vincular, através da integração ensino-serviço, a formação médico acadêmica às necessidades sociais da saúde, com ênfase no SUS.
156
6.2 LIMITAÇÕES E INTENCIONALIDADE DA PROPOSTA
A principal limitação desse trabalho consiste na não participação dos
professores, nem dos alunos da graduação no processo de análise das práticas
curriculares da disciplina de Medicina Familiar e Comunitária.
Contudo, essa limitação se justifica pelo fato da proposta desse
trabalho ser apenas um início do processo de discussão de propostas de mudanças
dentro do curso de Medicina da UNIVALI, pois teve um aprofundamento somente às
questões documentais nesse momento.
E a intencionalidade dessa pesquisa em momento algum foi de
crítica ao trabalho que vem sendo desenvolvido pelo curso até o presente momento.
Mas sim de desencadear um processo de rediscussão acadêmica das práticas
curriculares frente ao momento histórico de readequação da formação de recursos
humanos em nosso país.
O entendimento claro de que a discussão das práticas curriculares
constitui-se de uma construção coletiva, e, portanto, essa pesquisa não teve a
intenção de delinear uma proposta fechada. Mas sim, de propor sugestões
preliminares para posterior discussão com os todos os professores da disciplina.
Dessa forma, o escopo é justamente suscitar e desencadear um
profundo processo de discussão das práticas curriculares, que pode começar a partir
da disciplina de Medicina Familiar, mas que deva se estender a toda proposta do
curso. E nesse processo, a participação ativa do aluno, ator principal desse
contexto, deva ser incluída em todas as fases de discussão.
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