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PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA: O USO DA IMAGEM NA IDADE
MÉDIA*
MAZZURANA, Marilda (SEED/UEM - PDE)
OLIVEIRA, Terezinha (UEM)
Por meio de imagens da cidade medieval, produzidas pelo pintor italiano Ambrogio
Lorenzetti (1290-1348), é que propomos o desafio de olhar para o final do século XIII e início
do século XIV para entender o que incentivou o homem medieval a repensar sua forma de
viver, buscar novos caminhos e assumir novas convicções. Será então, pelo âmbito das obras
de arte que retratam o novo ambiente urbano que iremos perceber o que essas mudanças
representaram na maneira do ser humano se expressar, se relacionar e agir em relação a si
próprio, aos demais indivíduos e ao meio em que vive. A nosso ver, as imagens do espaço
citadino medieval possibilitam vislumbrar as transformações históricas que fizeram surgir
nova mentalidade, novas formas econômicas, culturais, artísticas e sociais para o homem
medieval do Ocidente deste período, mudando assim, o rumo da evolução da história da
humanidade.
Na interpretação de Le Goff (1989), a cidade modifica a vida do homem medieval
aumentando a rede de comunidades nas quais ele atua. A convivência próxima, as relações de
vizinhança, as ruas, tornam-se um espaço social, lugar de encontro e de convívio e implicam
em novo comportamento. Com isso, o homem medieval buscava resposta aos fenômenos que o
rodeava empenhando-se em mudanças não só na arte, leis e regras, mas principalmente na sua
forma de pensar e estar no mundo.
Os séculos XIII e XIV constituem-se num legado cultural importante para a
humanidade. Não há como negar as heranças medievais, a topografia das cidades, a
arquitetura, as referências culturais, religiosas, éticas, a universidade, o livro, o relógio, o
moinho, o comércio, a nova concepção de trabalho, de tempo e outros acontecimentos gerados
no espaço citadino, que justificam a origem das novas estruturas sociais e mentais presentes na
sociedade moderna.
* Este trabalho compreende uma parte da pesquisa que desenvolvemos no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, executado pela Secretaria de Estado da Educação (SEED) do Estado do Paraná.
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As imagens que estudamos são resultado de um processo de uma atividade intelectual e
manual, possuindo elementos do percebido, do real e do imaginário, funcionam como um
testemunho histórico e social de um período e de uma cultura. Como produto social e histórico
os afrescos de Ambrogio Lorenzetti (1290-1348) representam a efervescência da cidade
medieval, espaço em que o comércio é o grande dinamizador, responsável por grandes
mudanças, entre elas podemos citar a nova concepção de tempo e de trabalho.
Em função das transformações econômicas, históricas e sociais do período em questão,
a nova percepção do tempo que surge no ambiente citadino, provoca rupturas quanto a
mentalidades até então estabelecida. Le Goff (1979, p. 43) analisa essa mudança, no artigo
Tempo da Igreja e tempo do mercador, em que o autor classifica o tempo da Igreja pelos
rituais cristãos e o tempo do mercador pelas necessidades do comércio. A Igreja considerava
usura a cobrança do tempo transcorrido entre o pedido e o pagamento de um empréstimo, por
isso condenou esta prática (pecado de avareza), pois “pressupõe uma hipoteca sobre um tempo
que só a Deus pertence, [...] vendendo o que não lhe pertence”. Essa proibição, como afirma
Pirenne (1963, p. 30), impedia os mercadores de enriquecer em plena liberdade de consciência
e de conciliar a prática dos negócios com os preceitos da religião. A nova sociedade urbana
precisava dessa mudança de mentalidade em relação ao tempo, para se adaptar às condições
impostas pelas práticas mercantis, principalmente porque o mercador deveria considerar o
tempo para definir o preço dos produtos, a duração do trabalho artesanal, na viagem, no
comércio em geral para assim, garantir bons negócios. Aos poucos a necessidade de regular o
tempo foi se impondo e a partir da invenção do relógio mecânico no século XIV, o tempo
(relógio) passa a gerir a vida das pessoas da cidade. O tempo que surgia era um tempo novo,
mensurável, racionalizado, com valor.
Para entender melhor essa transformação e outras que ocorreram na Idade Média, bem
como as diversas questões da atualidade, é fundamental repensar a formação do homem,
buscando, sobretudo, a formação de cidadãos conscientes, que compreendam, participem e
interfiram nas relações sociais de seu tempo histórico. Nesse aspecto, a História enquanto
disciplina que estuda o homem, tem o compromisso de situar a condição humana no mundo,
buscando um significado e um sentido à vida em diferentes tempos, contribuindo para que o
aluno reconstrua sua identidade pessoal e coletiva.
O trabalho com imagens em sala de aula representa um importante elemento da
atividade sócio-cultural humana, que possibilita a reflexão, ação e expressão do homem em
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relação a si próprio, aos demais indivíduos e ao meio em que vive. Nesse sentido, faz-se muito
oportuno as palavras de Morin quando em sua obra Os sete saberes necessários à educação do
futuro insiste na integração entre o homem, natureza e sociedade. Disso decorre que, para a educação do futuro, é necessário promover grande remembramento dos conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humana [...] (MORIN, 2002, p. 48).
Essa discussão do autor é extremamente importante ao profissional do ensino de
História, pois possibilita a vinculação entre o conteúdo a ser ensinado e a concepção do
homem em sua totalidade. O conhecimento deve trazer contribuições que situem o ser humano
no mundo, possibilitando o reconhecimento da unidade e da complexidade humana. Como o
ser humano é a um só tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social, histórico será muito
importante integrar a História à Arte e a outros campos do conhecimento. A nosso ver, essa
integração disciplinar das diferentes áreas do conhecimento, é uma forma de resgatar a
totalidade do homem nas várias dimensões: afetiva, cognitiva e social, numa relação
integradora de emoção e razão, afetividade e cognição, subjetividade e objetividade,
conhecimento e sentimento.
Convivemos diariamente com uma produção infinita de imagens que nos transmitem
inúmeras informações e mensagens, daí a necessidade de serem lidas despertando os sentidos
da sutileza, da sensibilidade estética, do belo, do conhecimento e da visão crítica de mundo.
Tais habilidades são importantes, pois sabemos que o mundo contemporâneo, exige do jovem
o sentimento de conhecimento, de sensibilidade que o posicione e o ajude a pensar e agir
diante de situações novas ou inesperadas.
A educação deve conduzir à ‘antropo-ética’, levando em conta o caráter ternário da condição humana, que é ser ao mesmo tempo indivíduo/sociedade/espécie. Nesse sentido, a ética indivíduo/espécie necessita do controle mútuo da sociedade pelo indivíduo e do indivíduo pela sociedade, ou seja, a democracia; a ética indivíduo/espécie convoca, ao século XXI, a cidadania terrestre (MORIN, 2002, p. 17).
A ética para o autor, não está relacionada a lições de moral, fundamenta-se sim, na
consciência de que o ser humano é ao mesmo tempo, indivíduo, parte da sociedade e parte
integrante da natureza. Para que ocorra o desenvolvimento verdadeiramente humano e a
prática da cidadania é necessário incentivar as participações comunitárias, desenvolver a
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autonomia individual e a consciência de pertencer à espécie humana. Com isso, é fundamental
educar a partir de valores éticos, estéticos e políticos, permitindo que o educando seja capaz de
construir sua identidade social e coletiva.
Os primeiros estudos sobre ética, moral e política partiram dos filósofos da cultura
ocidental, especificamente na antiga Grécia. O filósofo Aristóteles, por exemplo, na obra Ética
a Nicômaco entende o homem como um ser social e político. E para o convívio social o
homem precisa buscar o conhecimento (virtude intelectual) e praticar a justiça (virtude moral)
para assim, pelo exercício da razão, característica própria do homem, poder deliberar e
escolher o que é mais adequado para si e para o outro. Para Aristóteles, a ética serve como
condução do ser humano à felicidade e o hábito e a sabedoria na busca do equilíbrio são
princípios reguladores das ações tanto na vida coletiva, como na conduta individual. Assim,
dependendo dos atos que praticamos nas relações com os outros estaremos sendo justos ou
injustos, pois, o hábito de praticar atos bons leva a virtude e ao contrário gera o vício. Fazer
opção pela consciência ética significa mudar a conduta quanto as escolhas e atitudes visando o
bem comum.
A multiplicação das cidades medievais do século XIII e XIV, a crescente população
vinda do campo, o estabelecimento de um novo sistema de relações sociais exigem do homem
citadino medieval, novas formas de agir e de se comportar, sobretudo para viver nesse espaço
público. Com isso, se faz necessário seguir algumas regras de convívio e é nesse sentido que a
filosofia de Aristóteles constituiu-se numa fonte inesgotável de elementos de reflexão para os
problemas políticos, éticos e sociais, contribuindo na organização da cidade medieval. Embora
Aristóteles (384-322 a.C) tenha apresentado um referencial para os homens de sua época, no
sentido de buscar respostas para ter uma vida feliz naquele momento histórico, suas idéias
permitiram reflexões válidas para o homem medieval, bem como, para o contexto atual por
tratar sobre o agir humano e as relações sociais.
Em função da complexa dinâmica social dos últimos tempos e por visar o homem na
sua totalidade (matéria e espírito) esse estudo se reportará teórico-metodologicamente à
História Social, pois é nela que encontramos a abertura necessária ao olhar do pesquisador. É
oportuno destacar que a nova relação da História com a imagem ocorre, principalmente, a
partir da década de 70, do século XX, quando Jacques Le Goff e Pierre Nora organizaram e
publicaram na França a coleção História: Novos Problemas; Novas Abordagens; Novos
Objetos.
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Na análise das imagens as linguagens verbal e a escrita são importantes para
complementar a comunicação e mediar a interpretação da imagem. O diálogo entre as fontes
visuais e escritas está fundamentado pela metodologia proposta por Panofsky em Significado
nas Artes Visuais e por Francastel em A Realidade Figurativa. Os dois autores propõem que as
imagens sejam contextualizadas dentro do período e local em que foram produzidas,
observando-se também a origem e o histórico do artista.
Panofsky (1979) propõe os seguintes passos para a análise de imagem: a descrição pré-
iconográfica, a análise iconográfica e a interpretação iconológica. No primeiro passo devemos
observar a imagem e identificar o tema natural ou primário, ou seja, é a identificação das
formas puras, portadoras de significados. Relata-se tudo na imagem, visando a identificação e
descrição dos significados factual e expressional da obra. O segundo passo corresponde à
análise iconográfica, cujo objetivo é identificar os significados convencionais expressos pelos
elementos da imagem, relacionando os motivos artísticos (factual/expressional), com os fatos e
acontecimentos construídos por meio da cultura da sociedade da qual faz parte. Estabelece-se a
relação entre o que foi identificado na imagem e o tema que ela representa. A utilização de
fontes literárias, enciclopédias e dicionários tornam-se indispensável para a identificação e
familiarização dos temas e conceitos retratados na imagem. O terceiro passo é a interpretação
iconológica em que se chega ao significado intrínseco ou conteúdo propriamente dito da
imagem, nessa fase teremos a possibilidade de descobrir os valores simbólicos, finalidades e a
importância da imagem na sociedade em que foi concebida.
Nesse processo, é necessário conhecer a especificidade da linguagem visual, seus
limites e possibilidades. A imagem deve ser olhada, questionada, para que história e memória
sejam entendidas. Olhar não é simplesmente ver, nem observar com mais ou menos
competência. A leitura de imagens implica compreensão, entendimento, significação e
consciência. A apreciação e análise das imagens artísticas tornam o nosso olhar mais atento às
representações e aos seus significados, contribuindo para a compreensão que temos de nós
mesmos e, conseqüentemente, da realidade. Para isso é preciso ir além do que se vê, rompendo
com a superficialidade do visível e imediato e aprofundar o diálogo possível e implícito na
obra.
Como afirma Francastel (1973, p. 69), o mundo visual não só possui sua lógica própria,
como ainda funda um modelo particular de atividade produtiva. Em outras palavras, “existe
um pensamento plástico - ou figurativo - como existe um pensamento verbal ou um
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pensamento matemático”. Dessa forma, existem valores e sentidos que somente as imagens
possuem possibilitado transmitir informações para o intelecto, de acordo com regras
específicas, experiências, percepções e esquemas representativos do pensamento e que, por
isso, não são substituídos por outras formas de linguagem. Na análise de imagens devemos
perceber seus silêncios e decifrar seus códigos, visto que a mesma não reproduz a realidade,
mas a reconstrói a partir de sua linguagem própria.
Imagem 1
Esta imagem retrata as atividades cotidianas do espaço citadino, faz parte de um
grande grupo de figuras alegóricas (afrescos) do Palácio Público de Siena (Itália) (1337-1340)
em que Ambrogio Lorenzetti representa os efeitos do bom e do mau governo na cidade e no
campo. Entre as várias cenas da imagem observa-se, o comércio, lojas e oficinas abertas, o
transporte de cereais e feno, algumas pessoas chegando do campo sendo atraídas pela vida da
cidade. No geral, as pessoas estão conversando e circulando com bens realizando seu trabalho
ligado ou não as corporações de ofício. Artesãos e mercadores expõem as suas mercadorias ou
transportam os produtos em cavalos e mulas. Observe também, que na parte superior da
imagem 1, estão alguns trabalhadores sobre andaimes, em cima de telhados, mostrando que o
trabalho não pára, simbolizando assim, que a cidade está crescendo, sendo construída para o
alto.
Prina e Padovan (1995, p. 19) afirmam que “para o ‘burguês’, torna-se muito
importante a imagem de si, o apresentar-se bem e atingir uma posição de prestígio no seio da
sociedade comunal”. Na análise da imagem 1, a cena do professor (mestre) e seus alunos
(discípulos) que aparece por baixo de um pórtico é significativa, pois a instrução, a educação
e a cortesia passam a ser elementos fundamentais na formação do indivíduo, revelando assim,
o novo estilo de vida urbana.
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A vida na cidade era diferente da vida no feudo, por isso, novas técnicas e tecnologias
de produção e de habitação precisavam ser criadas. Nas cidades o conhecimento assumiu
caráter racional, propósitos lucrativos e a educação passou a ser mais valorizada. A burguesia
sentia necessidade do conhecimento para melhor controlar o mercado natural, principal fonte
de produção e lucro. As cidades como pontos de passagem e de comércio, interligava a
atividade intelectual à função comercial e artesanal. Por meio do comércio com os árabes e
bizantinos, foi possível o acesso as obras clássicas preservadas por esses povos, que por
muitos séculos se tornaram desconhecidas ou não eram acessíveis aos pensadores do
Ocidente.
Nesse contexto, vale ressaltar a estreita relação entre a Universidade e o
desenvolvimento urbano a qual possibilitou um novo olhar sobre a vida e suas relações. A
Universidade começa a surgir em fins do século XII, destacando-se principalmente no século
XIII a qual marcou o renascimento urbano, promovendo uma verdadeira revolução
intelectual, que fez a sociedade se desenvolver através do conhecimento, do raciocínio e de
influências greco-romanas. O estudo das obras de diversos filósofos, como Aristóteles e
Platão, através da tradução e da incorporação da filosofia grega na filosofia e teologia cristã,
gera um grande enriquecimento da cultura, das artes e da ciência, agregando a isso os valores
humanos e de certa forma se desprendendo aos poucos dos misticismos.
E juntamente com o estudo da Gramática, da Matemática, da Astronomia e da música,
a dança, outra cena representada na imagem 1, torna-se requisito indispensável para a boa
formação. A atividade da dança gera uma atmosfera descontraída e recreativa favorece as
relações interpessoais sem desmerecer os valores individuais. A cena da dança em círculo de
mãos dadas, acompanhada por canto e tamborim é a ‘carola’, que de acordo com Prina e
Padovan (1995, p. 9) “A dança é uma representação de grupo e, como tal, desenvolve neste
um sentimento de união e solidariedade, redimensiona as manifestações egocêntricas (...)”. Na
Idade Média, a dança foi considerada uma manifestação contrária à moral cristã, no entanto,
na cidade ela encontra um lugar social junto da nobreza e da ascendente burguesia mercantil.
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Imagem 2
A imagem 2, também faz parte do afresco do Palácio Público de Siena de Ambrogio
Lorenzetti (1337-1339). Nesta imagem, a muralha aparece em destaque separando o espaço
da cidade do espaço do campo. Para Le Goff (1998) o campo é visto de forma negativa como
lugar de rusticidade, ao contrário da cidade que representaria educação, cultura, bons
costumes e elegância. O autor contextualiza as mudanças nas estruturas econômicas e sociais
presentes na cidade do século XIII e XIV ao afirmar que
A cidade da Idade Média é um espaço fechado. A muralha a define. Penetra-se nela por portas e nela se caminha por ruas infernais que, felizmente, desembocam em praças paradisíacas. Ela é guarnecida de torres, torres das igrejas, das casas dos ricos e das muralhas que cercam. Lugar de cobiça, a cidade aspira à segurança. Seus habitantes fecham suas casas à chave, cuidadosamente, e o roubo é severamente reprimido. A cidade, bela e rica, é também fonte de idealização: a de uma convivência harmoniosa entre as classes. A misericórdia e a caridade se impõem como deveres que se exercem nos asilos, essas casas de pobres. O citadino deve ser melhor cristão que o camponês. Mas os doentes, como os leprosos que não podem mais trabalhar, causam medo, e essas estruturas de abrigo não demoram a se tornar estruturas de aprisionamento, de exclusão. As ordens mendicantes denunciam as desigualdades provenientes dessa organização social urbana e desenvolvem um novo ideal: o bem comum. Mas elas não podem impedir a multiplicação dos marginais no fim da Idade Média (LE GOFF, 1998, p. 71).
As muralhas com suas torres e portas possuíam caráter defensivo protegendo os
habitantes da cidade dos invasores e bandidos. Indicavam a dinâmica da cidade, seu
crescimento e alargamento ocorriam em função da expansão da muralha. Como a cidade era
um ambiente fechado, as portas das muralhas era o elo de ligação por onde passavam pessoas
e mercadorias. Sendo assim, além de interligar a cidade e o campo, significava também, o
intercâmbio com o exterior, a passagem para o mundo.
As obras de Lorenzetti foram a primeira tentativa do pintor em apresentar um cenário
real com habitantes reais. Essa expressão artística revela à nova tendência na pintura que
busca inspiração na vida cotidiana dos cidadãos, principalmente na Itália entre o século XIII e
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XIV, em que tem início a valorização do homem e da natureza. O Gótico de Siena, Itália, é
uma concessão constante ao humanismo. Cresce o realismo da paisagem e do corpo humano,
declinando a predominância emocional religiosa. Nesse contexto, as pinturas de Lorenzetti
classificadas como medieval ou pré-renascentista indicam, no entanto, uma mudança para
temas mais laicos ao invés de motivos religiosos como eram a grande maioria naquela época.
Suas obras mostram a influência dos pintores Simone Martini e Duccio e de maneira indireta
traz a marca de Giotto (1267-1337), o principal artista do estilo gótico italiano que inicia um
novo estilo com novos temas relacionados a natureza exterior e ao homem. Seu estilo vem ao
encontro de uma visão humanista do mundo, que vai se firmando até ganhar plenitude no
Renascimento.
Nas imagens 1 e 2, Lorenzetti retrata as aspirações dos citadinos em viver numa
cidade que impere o bom governo e a justiça, mostra a cidade em plena harmonia com
múltiplas atividades, as imagens dão idéia de prosperidade, riqueza, ordem e segurança de
vida, não se concebe o conflito nem o confronto, a política que prevalece é o bem comum.
Le Goff (1998, p. 105) identifica a imagem da cidade como “trabalho e jogos, riqueza
e beleza, harmonia e bem-estar da comunidade: é o ideal do bom governo urbano, pelo
príncipe”. O orgulho urbano encontra seu sustento inovador e criativo na sua função cultural:
escola, universidade, arte, religião e urbanismo. Entretanto, as cidades do século XIII
desenvolviam-se espontaneamente, com suas construções amontoadas ao longo das ruas
curvas e estreitas e estas favoreciam às revoltas, crimes e estupros, constituíam-se em espaços
de desigualdades sociais, marcado por relações de dominação, resistência e conflitos.
No século XIII os avanços técnicos, por exemplo, o arado de ferro, o moinho
hidráulico e outros, promoveram o desenvolvimento das forças produtivas, provocando
significativos impactos sobre as relações econômicas e sociais existentes no período feudal.
No entanto é na cidade que ocorre a valorização da vida ativa, surgindo assim, um novo
conceito para o trabalho. Segundo Le Goff (1998) a valorização do trabalho é uma função
histórica da cidade medieval, nesse ambiente a ociosidade passa a ser combatida e são
apreciados os resultados criadores, produtivos do trabalho.
As mudanças que vão ocorrendo principalmente relacionadas ao crescimento
demográfico, a economia, ao novo conceito de tempo e trabalho e os novos valores, geram na
cidade medieval uma nova estratificação social que não se resume mais no mundo dos
senhores e camponeses. Forma-se uma nova classe econômica a dos prósperos mercadores e
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artesãos (burguesia) que ganham importância à medida que o comércio se desenvolve e
tornam-se independentes por meio da luta pela liberdade em relação ao poder da nobreza. Na
cidade passam a conviver juntamente com a privilegiada nobreza senhorial (reis, clero,
senhores feudais, ministros) os elementos urbanos emergentes, como os artesãos e suas
corporações de ofício, os comerciantes, os prestadores de serviço, os intelectuais, além dos
diversos grupos que coexistiam em geral pertencentes às camadas inferiores. A maioria dos
trabalhadores não estava ligada a uma corporação e muitos não tinham emprego fixo. Toda
essa desigualdade social existente gerava de alguma forma luta pelos direitos e contra aqueles
que os dominavam. Com isso, havia uma estreita relação entre a delinqüência e a pobreza,
gerando consequentemente a mendicância e o roubo, que mesmo punidos com severidade
eram problemas comuns nas cidades medievais.
Foi neste espaço que os mais diferentes segmentos sociais se encontraram, travaram
relações e criaram várias instituições como os conselhos (comunas), com funções políticas e
administrativas; as confrarias, associações de caráter religioso que tinham objetivos
assistenciais e as corporações de ofício, de caráter profissional que agrupavam os elementos de
uma mesma profissão.
De acordo com Pirenne (1963) as corporações de ofícios foram criadas pela
necessidade de proteger tanto o artesão que fabrica e vende como o cliente que compra a
produção urbana. Elas visavam, sobretudo, regular a quantidade e a qualidade dos produtos; as
relações de trabalho; defender o preço justo; eliminar a concorrência desleal e assegurar o
monopólio local impedindo que trabalhos similares de outras regiões entrassem nos mercados
da cidade. Com o desenvolvimento das corporações, o trabalho perdeu seu caráter de redenção
e se tornou motivo de realização pessoal. As corporações valorizaram o trabalho.
Juntamente com o mercado a catedral era o local de convergência do povo da cidade.
No seu interior, além das orações, também aconteciam diversas reuniões e assembléias civis.
Símbolo de fé e do amor é a casa de todos, com sua luz, sua beleza, sua arte, transmitia
segurança, serenidade e purificação. A religião na Idade Média assumiu um papel fundamental
ao assegurar a vivência do coletivo, ao construir uma unidade em torno das coisas sagradas,
compondo uma mentalidade que permitia o controle social do indivíduo. Até mesmo a
desestruturação do Feudalismo não implicou na destruição da cultura cristã. O próprio Estado
Moderno se utilizou da teoria do direito divino para justificar seu poder.
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Figura 3 - La cité, 1346.
A imagem 3 é uma reprodução de um quadro miniatura produzido por Ambrogio
Lorenzetti em 1346 e faz parte do acervo da Pinacoteca Nacional de Siena. Lorenzetti concebe
a estrutura da cidade repleta de linhas retas e planos geométricos. Não só esta imagem, mas as
diversas construções do século XIII e XIV (palácios, torres, muralhas, igrejas) são exemplo da
arquitetura medieval com influências do estilo gótico desenvolvido principalmente na França,
o qual ficou conhecido como a arte das catedrais, refletindo também, o desenvolvimento das
cidades. A Igreja aparece no alto, em destaque tornando visível a representação do seu
domínio sobre a cidade. Acreditava-se chegar a Deus não apenas pela fé, isso explica a
grandiosidade das construções, em que tudo se volta para o alto, projetando-se na direção do
céu. Entretanto, a presença expressiva da Igreja não era visível só na paisagem urbana em
termos de estrutura física, mas também na organização da vida cotidiana, na religião, na
economia e na cultura em geral.
A cultura na Idade Média foi muito influenciada pela religião católica, as artes no geral
e os livros eram marcados pela temática religiosa. Os vitrais das igrejas traziam cenas bíblicas,
servindo como forma didática e visual de transmitir o evangelho para uma população quase
toda formada por ágrafos. Nesse sentido, a linguagem visual procurava colocar em evidência
símbolos e signos dotados de mensagens explícitas ou implícitas, traduzindo muitas vezes o
sistema ideológico vigente. Como afirma Huizinga (1978), a cultura medieval era, sobretudo,
uma cultura de imagens em que as ações da vida diária, individual e social estavam
constantemente relacionadas com Cristo ou a salvação.
No entanto, a partir do século XIII o homem medieval modifica-se, em função de que
na cidade as relações sociais se tornam mais complexas e exigem novas formas de pensar e
agir. Le Goff (1989, p.24) afirma que a própria religiosidade “aceita cada vez mais as coisas
do mundo, vão descendo do céu à terra, sem que o homem medieval deixe de ser
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profundamente religioso e de se preocupar com a sua salvação que, agora, se baseia menos no
desprezo pelo mundo do que na sua transformação”.
Todas as transformações dos novos espaços sociais, o desenvolvimento do comércio e
das cidades, o aparecimento da burguesia, o surgimento das Universidades, o enfraquecimento
do poder dos senhores feudais, a aliança entre os reis e a burguesia e conseqüentemente o
fortalecimento do poder dos reis, as crises do século XIV, levaram aos poucos o feudalismo à
dissolução.
Considerações Finais
Considerando que as obras de arte são um valioso instrumento para a construção do
conhecimento, acreditamos que a leitura das imagens enriquecida com o conhecimento
histórico gera a compreensão do lugar, das relações sociais e culturais da época em que a obra
foi criada. É importante destacar que conhecer a linguagem própria das imagens representa um
meio de interferir e entender o desenvolvimento cultural, social e até determinadas formas de
poder de uma determinada sociedade, pois ao mesmo tempo em que se aprende com a imagem,
se educa pela imagem. Assim, a nosso ver, compreender as imagens significa desvendar o
papel que sua produção ou apreciação exerceu e continua a exercer em diferentes contextos
históricos.
As cidades medievais contribuíram para a formação do mundo moderno, inseriram
novos valores decorrentes da dinâmica comercial, das novas relações sociais, da vida
universitária, da movimentação das ordens religiosas, da Igreja e da cultura em geral. Podemos
então afirmar que o final do século XIII e início do século XIV marcam o período de grandes
mudanças na maneira do homem ver o mundo.
As relações humanas determinam os limites e as possibilidades das ações dos sujeitos
de modo a demarcar como estes podem transformar constantemente as estruturas sócio-
históricas. Assim, a nossa época não é a forma natural e correta de ser, mas pode e deve ser
modificada de acordo com nossas ações como foi o mundo medieval que por sua vez, também
não foi a forma correta de os homens serem, mas foi uma época histórica na qual os homens
viveram e produziram mudanças no seio de suas relações sociais, neste aspecto se torna um
exemplo para nós.
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A Educação por meio das imagens, além de diversificar a prática pedagógica,
possibilita desenvolver a sensibilidade, o gosto estético-cultural, contribui na formação de
cidadãos que interagem e participem da construção de uma sociedade mais justa. Durante as
aulas de História, muitas outras reflexões e/ou atividades poderão ser desenvolvidas, no
sentido de proporcionar ao educando uma nova percepção ética e estética da realidade na
busca por soluções para os problemas urbanos que de alguma forma comprometem e
interferem no bem comum, como também, pela preservação do espaço público como lócus da
existência da comunidade.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
FRANCASTEL, P. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1973.
HUIZINGA, J. O declínio da Idade Média. São Paulo: Verbo: EDUSP, 1978. LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP, 1998.
______. O homem medieval. Lisboa: Presença, 1989. ______. Na Idade Média: tempo da Igreja e o tempo do mercador. In: LE GOFF, J.
Para um novo conceito de Idade Média. Lisboa: Estampa, 1979, p. 43-73. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
PANOFSKY, E. Significado nas Artes Visuais. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1979. PIRENNE, H. História econômica e social da Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1963.
PRINA, F. C. & PADOVAN M. A dança no ensino obrigatório. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1995.
Referências das imagens
Imagem 1: AMBROGIO LORENZETTI. Os efeitos do bom governo na cidade,1337-1340, Afresco, Palácio Público, Siena. In: COSTA, R. da. Um Espelho de Príncipes artístico e profano: a representação das virtudes do Bom Governo e os vícios do Mau Governo nos afrescos de Ambrogio Lorenzetti (c. 1290-1348?). Disponível em: <http://www.ricardocosta.com/pub/lorenzetti.htm> Acesso em 02 set. 2008. Imagem 2: AMBROGIO LORENZETTI. Os efeitos do bom governo na Cidade, 1337-1339, Afresco. Palácio Público, Siena, AKG, Paris. In: LE GOFF, J. Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP, 1998, p. 14.