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EDUCAÇÃO INTEGRAL EM TEMPO INTEGRAL: LIMITES E
POSSIBILIDADES NOS CONTEXTOS DAS POLITICAS EDUCACIONAIS DO
BRASIL
O painel aqui proposto se insere no eixo 1: Didática e práticas de ensino:
desdobramentos em cenas na educação pública. Articulado ao subeixo 1: Didática:
relação teoria e prática na formação escolar. O mesmo emerge de estudos desenvolvidos
no âmbito do Grupo de Pesquisa interinstitucional Núcleo de Estudos-Tempos, Espaços
e Educação Integral, vinculado oficialmente ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Como um de seus objetivos, este
grupo busca aprofundar suas reflexões acerca das temáticas da educação integral e
tempo integral, por meio de estudos sobre as concepções, as políticas, os tempos, os
espaços, os currículos e as práticas que envolvem tais temáticas. Assim sendo, os
trabalhos a serem apresentados, tratam de questões fundamentais para o adensamento do
debate inerente as políticas de ampliação do tempo escolar, sobretudo no que tange aos
processos formativos potencializados nesses espaços. Dessa forma, o primeiro artigo
busca descortinar a lógica organizativa da ampliação da jornada escolar no contexto
brasileiro a partir dos aportes normativos que tratam do aumento do tempo escolar e da
proposta do Programa Mais Educação (PME). O segundo visa refletir sobre os sentidos
atribuídos à didática e ao currículo na ampliação da jornada escolar, assumindo como
objeto de pesquisa, também o Programa Mais Educação (PME), destacado pelas autoras
como a principal estratégia indutora do Ministério da Educação (MEC) para a
implantação do tempo integral nas escolas públicas brasileiras. Por fim, também
dialogando com a questão da ampliação do tempo escolar, o artigo procura refletir sobre
a atualidade da concepção marxista de educação integral, entendida como formação
humana plena, enquanto fundamento de projetos e políticas educacionais voltados para
implementação do tempo integral.
Palavras-Chave: Educação Integral, Tempo Integral, Didática
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SENTIDOS E ESPAÇOS DO CURRÍCULO E DA DIDÁTICA NO PROGRAMA
MAIS EDUCAÇÃO
Luisa Figueiredo do Amaral e Silva
Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica
Alessandra Victor Rosa
Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica
RESUMO:
Partindo da ideia de que diferentes concepções engendram divergentes práticas, neste
artigo buscamos compreender os sentidos atribuídos à didática e ao currículo na
ampliação da jornada escolar, assumindo como objeto de pesquisa o Programa Mais
Educação (PME) – principal estratégia indutora do Ministério da Educação (MEC) para
a implantação do tempo integral nas escolas públicas brasileiras. Para tanto, realizamos
uma pesquisa qualitativa, com base documental e bibliográfica, apoiada nos seguintes
documentos que amparam legalmente o PME: Portaria n. 17 de 2009, Decreto n.
7.083/2010, Manual Operacional de Educação Integral para Obtenção de Apoio
Financeiro através do Programa Dinheiro Direto na Escola, Cartilha Caminhos para
elaborar uma proposta de Educação Integral em Jornada Ampliada, Programa Mais
Educação: Manual Passo a Passo. Além disso, fundamentamos nossas análises nas
contribuições teóricas de Candau (2009, 2013a, 2013b), Libâneo (2001, 2007, 2012),
Coelho (2009), Goodson (2013), Silva (2011), entre outros. A partir do panorama
teórico-metodológico adotado, a pesquisa revelou que existem diferentes sentidos
atribuídos ao currículo e à didática nos documentos analisados. Estes sentidos, por sua
vez, são influenciados pelas estruturas do Programa Mais Educação, principalmente no
que tange a organização do tempo integral em turno e contraturno. Os resultados
indicaram ainda que a indução do tempo integral, por meio desse programa, influencia
na didática e na organização curricular das escolas públicas – consequentemente os
processos de ensino e aprendizagem vivenciados por alunos e professores também são
influenciados. Em todo caso, o grau de influência que as orientações curriculares e
didáticas do PME trazem às escolas variará caso a caso, conforme o contexto em
questão.
Palavras-chave: Currículo, didática e tempo integral.
1. Introdução
O currículo e a didática são temas centrais na educação que permitem uma
reflexão crítica e densa sobre as propostas educacionais, especialmente aquelas
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direcionadas à escola pública. Outrossim, possibilitam também uma melhor
compreensão dos temas “tempo integral” e “educação integral”i, atualmente
contemplados na agenda política educacional de âmbito federalii.
Ao observar programas e experiênciasiii
que desenvolveram ou desenvolvem
a ampliação da jornada escolar com o objetivo de promover uma educação integral, é
possível perceber diferentes concepções sobre seu sentido (COELHO, 2009) – afetando
consequentemente as concepções e práticas sobre as didáticas e os currículos. Assim,
diante dessa heterogenia, consideramos importante questionar: com qual currículo e
didática as atuais políticas de tempo integral estão dialogando?
Tomando a definição de Tomaz Tadeu da Silva sobre currículo enquanto
“questão de saber, poder e identidade” (2011, p. 148) e estendendo esse pensamento
para os temas da educação integral e da didática, consideramos que existem disputas de
sentidos que afetam diretamente o contexto da prática (BALL, MAINARDES, 2011).
Em meio a essas reflexões, buscamos compreender os sentidos atribuídos à
didática e ao currículo na ampliação da jornada escolar, assumindo como objeto de
pesquisa os documentos do Programa Mais Educação (PME) – principal estratégia
indutora do Ministério da Educação (MEC) para a implantação do tempo integral nas
escolas públicas (MOLL, 2012). Neste bojo, buscamos problematizar sua organização
em turno e contraturno, e as possíveis implicações desta separação para o processo de
ensino-aprendizagem realizado nessas escolas.
A metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa, tendo como base as
pesquisas bibliográfica e documental. O referencial teórico teve como fundamentação
os estudos de Candau (2009, 2013a, 2013b), Coelho (2002 e 2009), Goodson (2013),
Libâneo (2001, 2007, 2012), Moll (2012), Silva (2011) entre outros, considerando suas
reflexões sobre as temáticas: educação integral, currículo e didática.
A pesquisa documental foi realizada tendo com base a Portaria n. 17 de
2007; o Decreto n. 7.083 de 2010 e o Manual Operacional de Educação Integral –
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE/2013) (Brasília, 2013). A leitura dos
textos Passo a Passo (2011c) e Caminhos para a educação integral (2011b) também
contribuíram para esta análise, na medida em que esclareceram aspectos mais
pedagógicos sobre o Programa.
De posse dos resultados dessa pesquisa, e dando sequencia a apresentação
de seus achados, nos questionamos: Quais sentidos encontramos sobre os temas
“currículo” e “didática” na contemporaneidade?
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2. Sentidos para currículo e didática
Partindo do pressuposto que não existe uma definição única e consensual
para esses campos, não os abordaremos em toda sua extensão. Contudo, procuramos
considerar as ideias mais relevantes para esta análise. Nosso objetivo, portanto, não é
esgotar a discussão, mas introduzir uma reflexão.
2.2 Sentidos para o currículo
Ao longo do tempo, diferentes significados foram e são atribuídos ao
currículo – tomado como objeto de análise por variadas correntes de pensamento. Para
Goodson (2013), por exemplo, o currículo é uma construção histórica e social, sendo
fundamental para os estudos sobre a escolarização. Realizando uma retrospectiva
histórica sobre a origem e o significado de currículo, este autor apresenta que “[...] o
conceito de currículo como sequência estruturada ou “disciplina”, provém em grande
parte da ascendência política do Calvinismo” (p. 43). Enfatiza com isso “uma relação
homóloga entre currículo e disciplina” (GOODSON, 2013).
Porém, indicando que este vai muito além da ideia de disciplinas, questiona
o currículo institucionalizado e prescritivo, assumindo este tema como “conflito social”
(p. 107). Nesse sentido, Goodson (2013, p. 22) faz uma importante distinção entre o
currículo escrito e o currículo vivenciado em sala de aula, sendo o primeiro insuficiente
para entender como o currículo é colocado em prática.
Tomaz Tadeu da Silva (2011), em seu livro Documentos de Identidade,
também evidencia a complexidade envolvida na definição de currículo. Nesse ínterim,
apresenta três correntes teóricas importantes para compreender a evolução das
discussões sobre o tema: as teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Segundo Silva
(2011), foi a partir da década de 60, com o fortalecimento das teorias críticas, que o
modelo tradicional de currículo, supostamente neutro e utilitário, começou a ser
criticado.
Fazendo menção a importantes autores como Althusser, Bourdieu, Passeron
e Apple, que direta ou indiretamente contribuíram para as teorias do currículo, Silva
(2011) argumenta que, longe de ser um campo neutro, o currículo é formado por
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relações de poder e ideologias – sendo fortemente determinado pela economia e pelo
capitalismo (GANDIN et. al., 2002).
Em referência às “teorias pós-críticas”, Silva (2011) procura marcar as
novas bases epistemológicas em foco nessas teorias, destacando por exemplo os
movimentos (1) feministas, (2) de raça e etnia e (3) de sexualidade, como fundamentais
na construção de teorias sociais e educacionais.
Silva (2011) também apresenta que se por um lado as teorias pós-críticas
nos ensinaram que o poder está em toda parte e que é multiforme; por outro lado, as
teorias críticas afirmam que algumas formas de poder são visivelmente mais perigosas
do que outras. Ressalta ainda que, se nas teorias críticas o poder esteve vinculado à
figura do Estado e às relações entre as classes sociais, nas teorias pós-críticas o poder se
estabelece por meio de relações sociais, incluindo os processos de dominação centrados
em raça, gênero, entre outros.
Portanto, de acordo com Silva (2011) para apreender os diferentes sentidos
conferidos ao currículo é essencial conhecer as correntes teóricas que o subjaz, pois elas
nos ajudam a ir além de uma concepção ingênua, desvinculada das relações sociais de
poder. Desta forma, entendemos que para compreender criticamente os significados
atribuídos ao conceito de currículo é fundamental refletir, entre outros aspectos, sobre as
histórias que o compõem, os grupos sociais que os disputam e as teorias que os
significam.
2.3 Sentidos para a didática
Tal como nas discussões sobre currículo, os sentidos atribuídos à didática
são estabelecidos por meio das concepções de ser humano, de escola, de conhecimento,
entre outras. Assim, a didática pode assumir diferentes significados em projetos
educacionais distintos, podendo estar a favor tanto de um ensino mais autoritário,
quanto de um ensino mais emancipatórioiv
.
Uma vez que atualmente a didática não se restringe aos seus temas
clássicos, tais como: técnicas de ensino, planejamento, seleção de conteúdos, entre
outros; partimos da premissa de que as discussões dentro desse campo envolvem
elementos mais complexos, como as realidades sociais, econômicas e políticas. Nesse
sentido, Libâneo (2003) defende que o conhecimento se põe a serviço da sociedade e
dos movimentos sociais, considerando que a didática “(...) trata dos objetivos, condições
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e meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a
objetivos sociopolíticos” (LIBÂNEO, 2001, p. 27). E ainda, que:
Não há técnica pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade,
como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica
para realizá-la educacionalmente. Por isso, o planejamento do ensino deve
começar com propósitos claros sobre as finalidades do ensino na preparação
dos alunos para a vida social (LIBÂNEO, 2001, p. 27).
Esta perspectiva enfatiza a relação entre a didática e a sociedade,
evidenciando que nos planejamentos de ensino também estão incorporadas as
finalidades do ensino – e que, portanto, nenhuma técnica é neutra.
Para Vera Candau (2009) a didática pode ser interpretada tanto como
metodologia de ensino ou técnica de ensino – aproximando-se mais do que denominou
de “didática instrumental” – como um campo mais complexo, comprometido com a
transformação social e com a multidimensionalidade do processo de ensino-
aprendizagem – aproximando-se da construção de uma “didática fundamental”.
Ainda de acordo com a autora supracitada “o objeto de estudo da didática é
o processo ensino-aprendizagem” (CANDAU, 2013a, p. 14). Porém, para que ele seja
“adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule
consistentemente as dimensões humana, técnica e político-social” (CANDAU, 2013a, p.
14). Dessa forma, para estar comprometida com a transformação social é essencial que a
didática vá além de seus aspectos técnicos e dialogue com a realidade de alunos e
professores.
Por fim, cabe destacar que os autores referenciados nesta seção por vezes
divergem em determinadas discussões, como no que tange a uma didática marcada por
uma perspectiva ligada ao conteúdo ou ao multiculturalismo. Porém, acreditamos que
essas divergências contribuem para a ampliação da reflexão sobre os sentidos e
significados deste tema, bem como para o enriquecimento epistemológico do campo.
3. Espaços para o currículo e a didática no Programa Mais Educação: o que
mostram seus documentos?
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O tema da educação integral e(ou) tempo integral vem se fortalecendo nas
agendas educacionais governamentais, como estratégia para a melhoria da educação
pública e é neste âmbito que, em 2007, foi criado o Programa Mais Educação (PME).
Sua implementação teve como marco regulatório a Portaria Interministerial nº17/2007,
que previa a intersetorialidade de ministérios para a sua consecução e estabelecia a
ampliação das dimensões: tempo(s), espaço(s) e oportunidade(s) educativa(s). Em 2010
ele ganhou maior estabilidade em âmbito legal, com a publicação do Decreto nº
7.083/2010.
Considerando que o referido programa busca aumentar a oferta de saberes,
métodos, processos e conteúdos educativos, é possível inferir que ao entrar no ambiente
escolar ele interfere não somente no currículo, mas também na didática.
Ao passo que na Portaria n. 17/2007 tem-se uma valorização maior da
assistência e da proteção ao educando, no Decreto supracitado o tempo integral está
associado à melhoria da aprendizagem e, ao que parece, mais direcionado ao processo
ensino e aprendizagem.
Outrossim, vale ressaltar que tanto a Portaria quanto o Decreto mencionam
que na oferta do tempo integral deverão ser desenvolvidas atividades diversificadas –
indicando a necessidade de integração curricular, para evitar uma fragmentação ainda
maior do que a atual organização disciplinar (GOODSON, 2013). Contudo, o fato
destes documentos utilizarem a palavra “atividades” ao invés de “conhecimentos”
demonstra uma atitude repleta de sentidos.
Entre os princípios deste decreto, observamos no “Art. 2º (...) a articulação
das disciplinas curriculares com diferentes campos de conhecimento e práticas
socioculturais” (BRASIL, 2010). Neste sentido, consideramos que este princípio pode
parecer evidente no início, uma vez que autores como Goodson (2013) e Silva (2011)
indicam que o currículo é composto pela articulação de vários saberes, além dos
disciplinares. No entanto, se questionarmos as condições dadas às escolas para a
realização dessa articulação – considerando a influência dos fatores de ordem política,
cultural e social e, ainda, o fato da escola está inserida num sistema que legitima a
segmentação dos saberes – é possível perceber que essa integração é muito mais
complexa do que parece.
Com efeito, consideramos que o Decreto avança ao vincular o aumento do
tempo escolar a melhoria da aprendizagem do aluno, uma vez que (1) mais do que estar
na escola, ou sob sua proteção, é fundamental que o aluno tenha a oportunidade de
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aprender os conhecimentos historicamente construídos; (2) e também ao afirmar a
centralidade que a instituição escolar tem na construção e mediação de tais
conhecimentos.
Outro documento importante para a constituição legal do PME é o Manual
Operacional do Programa Mais Educação, que é atualizado anualmente e publicado
por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE/2013). Destinado
principalmente aos gestores das escolas de tempo integral, este documento contém as
legislações e perspectivas que orientam a implantação e desenvolvimento do programa.
Segundo este documento, o PME constitui-se uma “estratégia do Governo
Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na
perspectiva da Educação Integral.” (BRASIL, 2013, p. 4). Com isso, evidencia que o
currículo elaborado para a ampliação da jornada escolar deve estar em sintonia com
uma perspectiva de educação integral, sem, contudo, deixar claro as características
dessa perspectiva, tampouco seus pressupostos teóricos.
Ele também define que o PME deve ser composto por diferentes atividades,
organizadas nos macrocampos: Acompanhamento Pedagógico, Educação Ambiental,
Desenvolvimento Sustentável e Economia Criativa, Esporte e Lazer, Cultura, Artes e
Educação Patrimonial e Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital. Cada
macrocampo é composto por diferentes atividades e seus temas têm sido modificados e
atualizados a cada versão do Manual Operacional.
Com relação ao número e tipos de atividades desenvolvidas no contraturno,
o manual orienta que as escolas escolham de quatro a cinco atividades, entre os
macrocampos oferecidos, desde que a quinta seja a atividade “Esporte na
Escola/Atletismo e Múltiplas Vivências Esportivas” (BRASIL, 2013, p. 10). Indica
também a obrigatoriedade da atividade “Orientação de Estudos e Leitura”, inserida no
macrocampo Acompanhamento Pedagógico (Idem) e dispõe que “as atividades dos
macrocampos (...) devem ser trabalhadas, preferencialmente, de forma interdisciplinar e
considerando o contexto social dos sujeitos.” (BRASIL, 2013, p. 10).
Este manual também qualifica melhor o currículo e a didática, propostos
pelo PME, ao especificar as ementas de cada macrocampo – definindo algumas
perspectivas pedagógicas e estratégias de ensino. Neste sentido, a perspectiva didática
apontada nas ementas se aproxima de um processo de ressignificação da didática em
uma linha multi/intercultural, em que a “escola pode ser concebida como um lócus em
que diferentes sujeitos, conhecimentos, valores, culturas se entrelaçam.” (CANDAU,
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2009, p. 43).
Porém, em sintonia com Candau (2009) acreditamos que “reconhecer esta
pluralidade, favorecer um diálogo crítico entre seus atores, romper com o caráter
monocultural da escola (...) é uma tarefa complexa (...)” (p. 43) e, por isso,
acompanhadas destas proposições devem vir as condições de realizá-las. Caso contrário,
pensar em uma didática fundamental em uma escola de tempo integral dividida em
turno e contraturno – em que um professor media o processo ensino-aprendizagem no
turno regular e um voluntário no contraturno – pode representar uma retórica, que
funciona na teoria, mas fica distante da prática.
Neste bojo, a leitura dos textos Caminhos para a educação integral no
Brasil (2011a) e Passo a Passo (2011b) – que orientam a implementação do PME –
reforça as indicações curriculares e didáticas dos documentos citados anteriormente.
Estes textos destacam ainda a importância das escolas de tempo integral construírem um
currículo significativo, considerado como “aquele que faz sentido para os estudantes e
que é relevante, porque produz aprendizagens que causam impacto na vida em
comunidade ou na vida de toda a cidade” (BRASIL, 2011a, p. 09).
Em suma, a análise dos documentos que orientam a implementação do PME
demonstram uma proposta de didática preocupada com a integração da comunidade
escolar e da cultura local nas atividades do tempo integral, desejando:
Escolas mais vivas, que consigam transformar seu ensino em uma atividade
prazerosa, onde todos aprendem a aprender e são capazes de transformar os
assuntos que preocupam os alunos em temas do trabalho escolar. Escolas que
valorizem a cultura e o trabalho como princípios educativos, aos quais alunos,
educadores, funcionários e comunidade sentem-se ligados, porque participaram
de todo o processo, desde a identificação das questões até o planejamento de
como implementar as soluções encontradas. (BRASIL, 2011a, p. 55).
A complexidade que envolve a organização do tempo integral, e os sentidos
e formatos que este pode assumir estão explicitados nos documentos analisados. Em
todo caso, resta saber se junto aos sentidos que estão sendo atribuídos ao currículo e a
didática, estão sendo dadas as condições materiais, sociais e políticas para que de fato se
efetivem essas perspectivas nas escolas públicas.
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4. Considerações finais: reflexões sobre os "espaços” e “sentidos” para o currículo
e a didática na escola pública de tempo integral
Diante dos documentos analisados anteriormente, foi possível inferir que ao
entrar na escola, o Programa Mais Educação altera currículos, didáticas e
consequentemente os processos de ensino e aprendizagem vivenciados por alunos e
professores. Certamente, o grau de influencia que as orientações curriculares e didáticas
trazem às escolas variará caso a caso, conforme o contexto em questão - necessitando
assim de investigações dos casos específicos.
Porém, esse subtítulo fez uso das aspas justamente para ressaltar que esses
espaços e sentidos não são homogêneos, tampouco estão sempre em harmonia. Ao
contrário, estão em disputa e por isso revelam concepções, projetos e conhecimentos
distintos. Para evidenciar um pouco essas disputas, acreditamos ser importante
problematizar de quais formas a organização do Programa pode influenciar a didática e
o currículo das escolas em tempo integral, considerando que o que é escrito quase
sempre é diferente do que é vivido (GOODSON, 2013).
Diante da organização espacial e temporal que os documentos orientadores
do Programa propõem – como a utilização de espaços parceiros na oferta do contraturno
– questionamos quais bases as escolas terão para colocar em prática esse almejado
currículo significativo e interdisciplinar. E ainda, quais desafios se colocam para a
escola de tempo integral praticar uma didática de fato emancipadora, capaz de
transformar o ensino-aprendizagem em um processo prazeroso.
Além disso, diante da indagação sobre as estruturas disponibilizadas às
escolas para a oferta de uma educação integral em tempo integral – incluindo sua equipe
multiprofissional e seus espaços físicos – e considerando que atualmente as escolas
públicas encontram-se sobrecarregada por outras tarefas (ALGEBAILE, 2009), nos
parece evidente que tanto “o sentido” quanto “o espaço” para o currículo e a didática
dependem diretamente das condições materiais, culturais e sociais disponibilizadas às
escolas.
Nesse âmbito, destacamos duas propostas na estrutura do PME que
interferem diretamente na perspectiva de currículo e didática: o uso de monitores e/ou
voluntários para a oferta da ampliação da jornada escolar e a organização da escola em
turno e contraturno. A partir dessas características, consideramos importante refletir
sobre como serão feitas essas seleções e apropriações de saberes, em escolas que têm
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duas equipes (uma com vínculo trabalhista e outra sem) e segmentação do tempo
integral em turnos.
Questionamos ainda se a didática, diante desta organização escolar, será
uma para professores e outra para os sujeitos sem vínculo empregatício, que
desenvolvem as atividades da jornada ampliada. Isso porque, a nosso ver, na prática esta
diferença pode acontecer, tanto devido às pressões internas e externasv sofridas pelos
professores, quanto pela obrigatoriedade destes de cumprirem um currículo formal.
Em meio à questão do voluntariado nas escolas públicas e, especialmente no
PME; a questão da profissionalização docente (LELIS, 2012) também precisa ser vista
de frente. Estudos realizados em municípios que implementaram o programa mostram
que, diante da precarização do mercado de trabalho, para muitos trabalhadores sem
vinculo empregatício com a escola, a soma das ajudas de custos, obtidas com trabalho
executado nas oficinas, acaba representando uma modalidade de remuneração
(ALMEIDA, 2013).
Por fim, retomando uma discussão trazida por Libâneo (2012), sobre a
existência de um dualismo na escola pública – entre uma escola do conhecimento para
os ricos e uma escola de acolhimento social para os pobres – destacamos a importância
dos estados e municípios construírem suas próprias políticas de tempo integral, visando
uma educação escolar integral, fortalecendo o projeto educativo das escolas e
avançando naqueles pontos estruturais que podem fragilizá-la.
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1528ISSN 2177-336X
14
O CONCEITO DE EDUCAÇÃO INTEGRAL SOB A ÓTICA DO TRABALHO:
PERSPECTIVAS PARA POLÍTICAS DE AMPLIAÇÃO DO TEMPO ESCOLAR
NO BRASIL
Cosme Leonardo Almeida Maciel
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO
RESUMO:
O presente trabalho é resultado de um esforço de reflexão orientado teórica e
metodologicamente pelo materialismo histórico-dialético. Neste sentido,
desenvolvemos a pesquisa tendo em vista trazer à luz as contradições inerentes à
temática da educação integral, em suas múltiplas determinações, no contexto das
políticas e experiências educacionais, atualmente no Brasil. Para tanto, definimos como
objetivo entender quais os elementos caracterizam a concepção de formação humana na
perspectiva marxista, e sua atualidade. Por esta via, a natureza metodológica está na
pesquisa documento e bibliográfica. Neste sentido, perpassamos inicialmente por textos
de autores marxistas, sobretudo Manacorda (2010), Saviani (2003; 2008; 2012) e
Frigotto (2004; 2005; 2012) para compreender os conceitos de educação politécnica e
princípio educativo do trabalho. Em seguida, recorremos aos escritos de Gramsci
(2004) para entendermos os conceitos de escola unitária e intelectual orgânico e, por
fim os pensadores soviéticos Pistrack (2000) e Makarenko (2002), onde buscamos
analisar as contribuições no campo educacional do dito “Socialismo real”. No entanto,
ressaltamos que o artigo em questão trata-se de um recorte de pesquisa mais ampla no
âmbito do mestrado, defendida no ano de 2014, tendo como título: Educação Integral
(e)m tempo integral: concepção e prática no Instituto Politécnico da UFRJ, em Cabo
Frio/RJ, no Programa de Pós-graduação em Educação da Unirio. Assim sendo, a
pesquisa nos levou a concluir, que mesmo numa sociedade dividida em classes é
possível desenvolver propostas de educação integral comprometida com a emancipação
humana. Dessa forma, a concepção marxista de formação humana continua sendo
importante referência para dar base a projetos e políticas educacionais voltadas para
ampliação do tempo de permanência das crianças na escola.
Palavras Chave: Educação integral, trabalho e formação omnilateral.
1. Introdução
Quando nos debruçamos sobre a perspectiva de educação integral construída
pelo pensamento marxista, reconhecemos consenso quanto à necessidade do processo
formativo dar conta de três dimensões: educação corporal, educação intelectual e
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educação tecnológica (MARX/ENGELS, 2004). É consenso também que a realização
deste processo não deve acontecer de forma fragmentada; ao contrário,
obrigatoriamente, precisa ser desenvolvida de maneira articulada, reconhecendo a
integralidade humana. Por conta disso, a categoria trabalho ocupa papel preponderante
no processo educativo em Marx, pois teria, em sua essência, um potencial formativo
capaz de dar conta daquelas três dimensões. As palavras de Manacorda (2010) nos
ajudam a compreender com mais clareza a relevância dessa categoria para o processo
formativo, na acepção de Marx:
Sua concepção de instrução é delineada numa forma explícita e detalhada nas
instruções aos delegados ao I Congresso da Internacional dos Trabalhadores,
que se realizou em Genebra, em setembro de 1866; aqui, após ter aceito, sem
sentimentalismos, a tendência da indústria a introduzir na produção a
colaboração de crianças e adolescentes de ambos os sexos, desde que isso
aconteça de modo adequado às forças infantis, e após ter afirmado que, cada
um deve participar do trabalho produtivo e trabalhar não somente com o
cérebro mas também com as mãos, ele assim precisa sua concepção: “ por
instrução nós entendemos três coisas: instrução intelectual, (...) educação
física, assim como é ministrada nas escolas de ginástica e pelos exércitos
militares, (...) treinamento tecnológico, que transmita os fundamentos
científicos gerais de todos os processos de produção e que
contemporaneamente introduza a criança e o adolescente no uso prático e na
capacidade de manusear os instrumentos elementares de todos os ofícios”.
(Manacorda, 2010, p. 358 – grifos nossos)
O trecho destacado reflete a conjuntura da época em que a exploração do
trabalho infantil era uma prática corriqueira. Conforme a citação, o trabalho infantil não
era demonizado por Marx: ele poderia acontecer, desde que de acordo com as
possibilidades físicas de cada criança/adolescente e, principalmente tendo um fim
formativo.
Assim sendo, percebemos a preocupação de Marx com os rumos da classe
trabalhadora e, sobretudo, com a formação plena dos filhos dos trabalhadores,
reconhecendo as condições precárias em que viviam, porém, sem perder de vista a
potencialidade dos mesmos para transformar a realidade, a partir da tomada de
consciência.
Por esta via, promover uma educação que abarcasse os três aspectos significava
preparar os estudantes/trabalhadores para enfrentar os desafios postos pela sociedade
capitalista. Entretanto, este processo deveria articular atividades motoras e intelectuais
relacionadas diretamente com a realidade concreta, isto é, com situações reais do
processo produtivo.
2. O princípio educativo do trabalho
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Dessa forma, o trabalho ganha contornos especiais pela sua natureza ontológica,
ou seja, como atividade criadora, inerente exclusivamente ao ser humano e, pelo seu
caráter histórico, como resultante das relações sociais construídas em tempos e espaços
determinados. Por isso, o trabalho deve ser o princípio orientador do processo
formativo:
Mais do que tudo, ele tem em mente uma unidade diversa entre instrução e
trabalho, para todos: a presença das crianças contemporaneamente nas
estruturas escolásticas e nas estruturas produtivas e uma instrução
tecnológica que, longe de orientar uns para uma profissão e outros para outra,
sirva para dar a todos, indistintamente, tanto um conhecimento da totalidade
das ciências, como as capacidades práticas em todas as atividades produtivas.
Ela visava, enfim, a uma formação de homens total e onilateralmente
desenvolvidos. (MANACORDA, 2010, p. 359)
Nessa perspectiva, o trabalho é necessariamente o princípio educativo, pois o
homem, historicamente, tem produzido sua existência por meio dele, sendo esta, então,
a principal atividade humana. Porém, não se trata de qualquer trabalho, mas aquele
entendido como o meio pelo qual o homem transforma a natureza e a si mesmo,
diferenciando-se, assim, dos outros animais. Neste processo, o homem se humaniza por
meio do trabalho, agindo sobre a realidade objetiva e humanizando o mundo, como
afirma Saviani (2003):
Portanto, o que diferencia o homem dos outros animais é o trabalho. E o
trabalho instaura-se a partir do momento em que seu agente antecipa
mentalmente a finalidade da ação. Conseqüentemente, não é qualquer tipo de
atividade, mas uma ação adequada a finalidades. É, pois, uma ação
intencional. (SAVIANI, 2003, p.11).
Por isso, no pensamento marxista, o trabalho emerge como categoria
fundamental no processo formativo, pois a sociedade capitalista agravou o fosso entre o
trabalho manual e o intelectual, relegando o primeiro às classes subalternas postas num
estado de alienação, por não deterem a propriedade dos meios de produção. Deste
modo, superar a sociedade capitalista, necessariamente, passa pela aniquilação da
propriedade privada, pois esta seria a raiz dos males que desumanizam o homem:
A propriedade privada fez-nos tão estúpidos e unilaterais que um objeto só é
nosso se o tivermos, portanto se existir para nós como capital, ou se for
imediatamente possuído, comido, bebido, trazido no corpo, habitado por nós
etc., em resumo, usado. (...). A supressão da propriedade privada é por isso a
completa emancipação de todos os sentidos e qualidades humanas; mas ela é
esta emancipação precisamente pelo fato destes sentidos e qualidades se
terem tornado humanos, tanto subjetiva como objetivamente. (NETTO, 2012,
p. 114).
2.1 Educação Politécnica
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1531ISSN 2177-336X
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Contudo, superar esta sociedade alienada depende de uma formação que resgate
a unidade entre o trabalho manual e intelectual, ou seja, apresenta como desafio o
rompimento com a fragmentação do conhecimento promovendo, assim, a apropriação
dos conceitos a partir da relação constante entre teoria e prática, no contexto do trabalho
produtivo, ou seja, uma formação politécnica. Nesse sentido, afirma Saviani (2003):
Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes
técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está
relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem
como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem
ser garantidos pela formação politécnica. Por quê? Supõe-se que, dominando
esses fundamentos, esses princípios, o trabalhador está em condições de
desenvolver as diferentes modalidades de trabalho, com a compreensão do
seu caráter, da sua essência. Não se trata de um trabalhador adestrado para
executar com perfeição determinada tarefa e que se encaixe no mercado de
trabalho para desenvolver aquele tipo de habilidade. Diferentemente, trata-se
de propiciar-lhe um desenvolvimento multilateral, um desenvolvimento que
abarca todos os ângulos da prática produtiva na medida em que ele domina
aqueles princípios que estão na base da organização da produção moderna.
(p.140)
A apropriação da realidade objetiva, numa perspectiva histórica e dialética e de
formação integral, constitui condição imprescindível para a superação da sociedade
capitalista. A primeira condição se refere à concepção de mundo e o método mais
adequado para inferi-lo. A segunda cumpre duas funções: primeiro, de promover a
formação de sujeitos conscientes da sua situação histórica e aptos a desenvolver ações
políticas naquela conjuntura, com o intuito de fazer ruir o estado capitalista; segundo,
preparar as gerações futuras para viver a sociedade comunista. Junior (2008) define o
conceito de homem omnilateral da seguinte maneira:
O homem omnilateral não se define pelo que sabe, domina, gosta, conhece,
muito menos pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade
para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades – as
mais diversas. O homem omnilateral é aquele que se define não propriamente
pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta e se torna
absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade
exterior, natural e social criada pelo trabalho humano como manifestação
humana livre.
Com base nesta concepção de formação humana, entendemos que a proposta de
educação integral dos trabalhadores, pela via marxista, articula em sua prática alguns
elementos importantes: não separação da escola da sociedade, porém entendendo-a
numa perspectiva dialética, ou seja, reconhecendo suas contradições; a construção do
trabalho de maneira coletiva, percebendo a importância dos diversos sujeitos envolvidos
no processo; relevância da socialização do conhecimento historicamente acumulado –
não se trata de qualquer conhecimento; abordagem que integre os diversos campos do
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saber; desenvolvimento do trabalho docente de forma integrada, possibilitando um
espaço de troca constante das experiências acumuladas em outras vivências.
3. Gramsci e a Escola Única dos Trabalhadores
Outra importante contribuição para se pensar a formação humana numa
perspectiva emancipatória deriva das obras de Antônio Gramsci. Este autor entende que
a escola funciona, historicamente, como um aparelho de hegemonia. No entanto, ele crê
que o espaço educacional também pode servir a uma formação humana que se imponha,
de forma antagônica, à ideologia dominante. Isso quer dizer que a escola pode ser um
espaço contra-hegemônico de organização e reflexão, ao invés de ser apenas um espaço
de reprodução e adequação das ideologias hegemônicas.
Assim sendo, a proposta de formação humana em Gramsci fundamenta-se a
partir de três pressupostos básicos: escola desinteressada, escola unitária e trabalho
industrial. Vivendo num contexto no qual o trabalho industrial já havia atingido um
estágio muito avançado em seu processo de desenvolvimento, o autor denuncia o
problema da escola que forma para atender os interesses imediatos, ou seja, uma escola
imediatista. As crianças, desde cedo, seriam condicionadas a desenvolver determinadas
aptidões, com o intuito de ocupar posição previamente estabelecida no processo
produtivo. Os filhos da burguesia, assumindo postos de comando (trabalho intelectual) e
os filhos de operários, ocupando funções subalternas (trabalho manual). Neste sentido, a
escola serve à reprodução das desigualdades marcadamente presentes na sociedade
capitalista:
A tendência atual é a de abolir qualquer tipo de escola „desinteressada‟ (não
imediatamente interessada) e „formativa‟, ou de conservar apenas um seu
reduzido exemplar, destinado a uma pequena elite de senhores e de mulheres
que não devem pensar em preparar-se para um futuro profissional, bem como
a de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas, nas quais
o destino do aluno e sua futura atividade são predeterminados. (GRAMSCI,
2011, p.33)
Contrário à perspectiva de escola voltada apenas à profissionalização, Gramsci
defende um modelo escolar que privilegie a formação para a prática social, relegando a
formação específica para um momento de maior maturação da personalidade do
educando, quando teria mais autonomia para escolher a carreira profissional. Neste
sentido, a preocupação com a atividade social deve anteceder a atividade produtiva,
quando se pensa em formação humana.
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Na verdade, a citação anterior reflete um momento mais maduro de suas
reflexões sobre a relação escola e trabalho. Em 1916, Gramsci escreveu alguns artigos,
dentre eles o intitulado “A escola do trabalho”, ressaltando a importância do mesmo,
para promoção de uma formação plena. Porém, os artigos vieram em resposta ao
movimento inusitado do Estado, em promover uma série de reformas, tendo em vista a
articulação da escola com o trabalho produtivo. Na concepção de Gramsci, este
movimento tinha por detrás o interesse do governo em formar mão de obra
especializada para atender as demandas da indústria de armamentos, utilizadas nas
guerras (Jesus, 2005, p. 58).
Dessa forma, ele propõe uma escola desinteressada, ou seja, uma escola que não
fosse simplesmente para atender os interesses imediatos do processo produtivo. A
escola desinteressada se caracteriza pelo empenho em promover uma educação integral
– aqui entendida a partir do conceito marxiano, uma formação omnilateral.
Neste sentido, acredita que uma escola, para desenvolver tal aspecto, precisaria
romper com a estrutura vigente naquela sociedade. Isso significa uma nova proposta de
escola quanto à sua estrutura, funcionamento e, sobretudo, a concepção político-
filosófica que orienta o trabalho educativovi
. Significa mudar a concepção pedagógica,
tendo em vista uma formação ampla, para que o mesmo possa atuar como trabalhador,
mas também como sujeito político. Assim, eis que propõe a escola unitária:
A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola
única de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o
desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,
industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual.
Deste tipo de escola única, através de repetidas experiências de orientação
profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas ou ao trabalho
produtivo. (GRAMSCI, 2011, p. 33-34)
Mas, o que seria a escola unitária? Quais os elementos que a caracterizam? O que
a faz diferente das demais propostas?
A escola unitária recomendada por Gramsci teria como finalidade “inserir os
jovens na vida social”; seria mantida materialmente pelo Estado, “deixa de ser privada e
passa a ser pública”; teria o seu funcionamento em “tempo integral”vii
; corresponderia
aos níveis da educação básica no Brasil, “período representado hoje pelas escolas
primárias e médias, reorganizadas não somente no que diz respeito ao método de
ensino, mas também no que toca à disposição dos vários graus da carreira escolar”;
estabelece, enquanto método, “novas relações entre trabalho intelectual e trabalho
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industrial, não apenas na escola, mas em toda vida social”. Todos esses aspectos seriam
fundamentais para a formação integral dos sujeitos.
O terceiro aspecto se refere ao ensino industrial. Gramsci é categórico quanto à
defesa da combinação entre a escola e o trabalho. Porém, como nos alerta Jesus (2005),
não se trata do trabalho nas condições impostas pela sociedade capitalista, ou seja, de
forma alienada. O trabalho como princípio educativo - em condições materiais
adequadas -, possibilitaria o desenvolvimento pleno e total dos sujeitos. Neste sentido, a
combinação de ambos – trabalho e escola – seria o caminho natural para formar o novo
homem: o homem comunista.
A escola proposta pelo autor preconiza a formação de trabalhadores que sejam
capazes de se tornar dirigentes, alcançando assim a compreensão totalizante do processo
produtivo, por meio dos conhecimentos referentes às “leis da natureza, das humanidades
e da ordem legal que regula a vida em sociedade” (CIAVATTA, 2008, p. 412). Ao
mesmo tempo, visa formar um novo tipo de intelectual, que não seja baseado no modelo
puramente eloquente, dominador de teorias que fazem sentido apenas no campo das
ideias, numa “realidade” puramente abstrata. O que se busca é o intelectual orgânico,
que tenha como norte e centro das reflexões a vida prática, as questões oriundas da
realidade concreta, objetiva. Conforme podemos observar nas palavras de Gramsci:
O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência,
motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção
ativa na vida prática, como construtor, organizador, "persuasor
permanentemente", já que não apenas orador puro – mas superior ao espírito
matemático abstrato; da técnica-trabalho, chega à técnica-ciência e à
concepção humanista histórica, sem a qual permanece "especialista" e não se
torna "dirigente" (especialista + político). (2011, p.53).
Cabe ressaltar que, apesar de Gramsci tratar do tema da educação, sobretudo a
escolar, de uma forma mais abrangente e sistemática em relação ao movimento feito por
Marx e Engels, o mesmo também não escreve um tratado específico sobre a questão
educacional. O tema aparece como crítica à perspectiva unilateral de educação dos
sujeitos e à questão da alienação, vinculados ao plano material objetivo das relações
sociais no modo de produção capitalista, conforme podemos identificar nas palavras de
Frigotto (2012):
Nem mesmo Gramsci, cujas preocupações com a educação escolar são mais
explícitas e reiteradas, teve esse objetivo. A questão da educação aparece, por
um lado, a crítica à sua perspectiva unilateral e restrita vinculada ao plano
material objetivo nas relações sociais capitalistas fundadas na propriedade
privada dos meios e instrumentos de produção, na divisão do trabalho, e nos
processos de expropriação e alienação que tais relações impõem, limitando o
livre e solidário desenvolvimento humano. (pág. 266).
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4. Pedagogia soviética e a escola do trabalho
Por último, buscamos referências na pedagogia soviética para explicitar os
elementos da pedagogia marxista, tendo em vista as experiências desenvolvidas e
registradas por pensadores, após 1917, ano da Revolução Russa. Assim sendo,
destacamos a contribuição, no campo teórico e na prática, de educadores como
Krupskaia, Anton Makarenko e Moisey M. Pistrak.
Krupskaia teve papel importante na luta por uma escola que não segregasse
meninos e meninas. Defendia que ambos os sexos deveriam participar das mesmas
atividades, sem distinção. Baseando-se em Marx, revindicava uma educação que
correspondesse aos três aspectos - educação intelectual, corporal e tecnológica. As
experiências soviéticas foram marcadas pela tentativa de organização do trabalho
educativo enquanto coletividade. Este conceito será bastante explorado por Makarenko.
Para ele, o “objetivo da escola era formar para a coletividade”, por isso a dinâmica
escolar deveria ser organizada enquanto coletividade, ou seja, a partir da participação
efetiva de todos os sujeitos na vida da instituição escolar. Neste sentido, este modelo de
organização do espaço escolar tinha como pretensão formar o novo cidadão soviético
que, na medida em que se formava, teria suas pretensões voltadas para um projeto
coletivo de sociedade que se materializaria a longo prazo. A tarefa da escola era
instrumentalizar os sujeitos para convergir suas pretensões neste sentido:
O nosso trabalho no domínio da perspectiva consiste ainda em que todo
tempo devemos educar aspirações coletivas e não apenas pessoais. O
indivíduo com o predomínio da perspectiva coletiva sobre a pessoal já pode
se considerar uma pessoa de tipo soviético. Finalmente, a nossa tarefa
consiste também em conjugar as perspectivas pessoais e coletivas de maneira
que o nosso educando não sinta nenhuma contradição entre elas.
(MAKARENKO, 2002, p. 313)
Já Pistrak vai concentrar seus esforços em defesa da “Escola do trabalho”.
Entendia que, naquela conjuntura pós-revolução, a educação teria papel fundamental
para consolidar o processo revolucionário. Neste sentido, acreditava que a escola
deveria ser orientada a partir de dois princípios: relação com a realidade atual e auto-
organização dos alunos. Acreditava que a revolução estava em curso e que a vitória
definitiva contra o imperialismo capitalista só poderia ocorrer mediante uma formação
que instrumentalizasse os sujeitos para atuar na vida social. Logo, faria a seguinte
afirmação quanto à finalidade da educação:
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1536ISSN 2177-336X
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O objetivo fundamental da escola é, portanto, estudar a realidade atual,
penetrá-la, viver nela. Isto não quer dizer, certamente, que a escola não deva
estudar as ruínas do passado: não, deve estudá-la e assim será feito, mas com
a compreensão de que são apenas ruínas do passado e de que seu estudo deve
ser iluminado à luz da realidade atual no sentido já indicado acima, à luz da
luta travada contra o passado e da transformação da vida que deve levar a sua
liquidação. (PISTRAK, 2000, p. 33)
Continuando sua explanação sobre que tipo de homem aquela realidade histórica
específica reivindicava, afirma que
A fase em que vivemos é uma fase de luta e de construção, construção que se
faz por baixo, de baixo para cima, e que só será possível e benéfica na
condição em que cada membro da sociedade compreenda claramente o que é
preciso construir (e isto exige a educação na realidade atual) e como é
preciso construir. A solução do problema exige a presença e o
desenvolvimento das três seguintes qualidades: 1) aptidão para trabalhar
coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo; 2) aptidão para
analisar cada problema novo como organizador; 3) aptidão para criar as
formas eficazes de organização. (ibid, p. 41).
Com base no exposto, percebemos a importância dada pelo autor à categoria
trabalho. Por isso, a escola deveria ser, na verdade, a escola do trabalho, pois na
perspectiva de Pistrak, este seria o fundamento essencial do processo de formação do
homem revolucionário. A construção de novas relações de trabalho - não mais baseado
na exploração e em condições alienantes - passaria por uma estrutura escolar pautada no
trabalho coletivo.
5. Considerações finais: perspectivas para as políticas de ampliação do tempo
escolar
Aqui, retomamos a questão trazida no início do estudo: quais os elementos que
caracterizam a concepção de formação humana na perspectiva marxista, fazendo dela
uma abordagem diferenciada? A leitura dos textos de autores marxistas nos leva a
constatar que o elemento central do processo formativo é o trabalho, que se constitui
como fundamento da própria existência do ser. Dessa forma, vimos que o trabalho se
configura em princípio educativo, tendo como horizonte uma educação omnilateral.
Neste sentido, apoiados na teoria marxista de formação humana, reafirmamos a
escolha por esta perspectiva de educação integral, haja vista o conteúdo político e
ideológico que tem como horizonte a superação do modo de produção capitalista e o
estabelecimento de novas relações sociais de produção.
A partir da análise realizada constatamos que existe um “modismo” quanto à
questão da educação integral, hoje, no Brasil, muito motivado pela implementação do
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programa Mais Educaçãoviii
cuja finalidade prioritária está na ampliação da jornada
escolar para sete horas, mas também sinalizando para a materialização de uma
perspectiva de educação integral. Acreditamos que esta pesquisa põe em relevo a
discussão inerente à educação integral enquanto formação humana plena e o tempo
integral como um importante aliado, quando o sentido da palavra integral não é
esvaziado político e ideologicamente. O Programa Mais Educação, como política de
Estado, voltada para atender a classe trabalhadora, quando apropriado numa perspectiva
de contra-hegemonia, ou seja, comprometida politica e ideologicamente com a
transformação do status quo, de fato, pode contribuir para o desenvolvimento pleno dos
sujeitos, ao proporcionar mais tempo na escola.
Sobre este aspecto, é possível retomar ao pensamento de Gramsci. O referido
autor ressalta a importância da maior permanência das crianças na escola pela demanda
da formação e, também, por entender que os alunos deveriam ser colocados em
condições materiais iguais de aprendizagem (GRAMSCI, 2011, p. 37). Porém, seu
argumento não tinha como substância a preocupação de tirar as crianças das ruas, mas
refletia sua concepção de mundo e de formação humana, que reconhecia na instituição
escolar um espaço de luta e resistência ao que se impunha como hegemônico naquela
conjuntura do início do século XX. Assim sendo, para Gramsci, o tempo integral
responderia ao desafio de proporcionar aos filhos de trabalhadores as mesmas condições
de estudo que os filhos da burguesia, porém com objetivo e perspectiva de formação
bastante diferenciada, pois existe claramente um conteúdo político e ideológico que
fundamenta sua reivindicação pela escola de tempo integral que só pode ser
compreendida articulada ao contexto mais amplo de seu pensamento.
Acreditamos que mesmo numa sociedade dividida em classes é possível
desenvolver propostas educacionais que contribuam para a superação do modo de
produção vigente. Portanto, o pensamento educacional marxiano e marxista continuam
sendo importante referencia para se pensar politicas educacionais comprometidas com a
luta da classe trabalhadora.
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AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NO CONTEXTO BRASILEIRO:
LÓGICA ORGANIZATIVA EM PAUTA
Saraa César Mól
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
RESUMO:
Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no âmbito do
Observatório da Educação Integral (UFMG/UFSJ-CAPES) e pretende descortinar a
lógica organizativa da ampliação da jornada escolar no contexto brasileiro a partir dos
aportes normativos que tratam do aumento do tempo escolar e da proposta do Programa
Mais Educação (PME), ação de iniciativa do governo federal instituída pela Portaria n.
17, de 2007 (BRASIL, 2007d) e regulamentada pelo Decreto n. 7083, de 2010
(BRASIL, 2010), com o objetivo de induzir a ampliação da jornada escolar na
perspectiva da educação integral. O caminho metodológico, de cunho qualitativo,
orientou-se em discussões bibliográficas do campo da educação integral e(m) tempo
integral, principalmente nas contribuições de Cavaliere (2002, 2007, 2009) e Coelho
(2010, 2014). A pesquisa documental englobou referenciais normativos, tanto no âmbito
do PME (BRASIL, 2007d, 2010), quanto no da legislação educacional brasileira que
trata do tema (BRASIL, 1996, 2001, 2007a, 2007b, 2007c, 2014a), além de documentos
norteadores das práticas relacionadas ao PME nas escolas (BRASIL, 2009, 2011,
2014b). A análise enfocou tempos e espaços educativos para compreensão da lógica
organizativa da ampliação da jornada escolar no Brasil. O estudo foi finalizado através
de algumas considerações sobre o tema, que apontaram para o fato de a ampliação da
jornada escolar estar sendo alvo de objetivos, metas e financiamento na legislação
educacional brasileira como nunca antes visto na história de nosso país. E que o PME
vai além desses aportes legais, ao pretender induzir a ampliação da jornada escolar na
perspectiva da educação integral, embora se materialize no contraturno escolar.
Conclui-se que os caminhos da ampliação da jornada escolar no Brasil apontam para o
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modelo aluno em tempo integral, não configurando-se a estrutura da escola, condição
para sua materialização.
Palavras-chave: Ampliação da jornada escolar; tempo integral; Programa Mais
Educação.
1. INTRODUÇÃO
A ampliação da jornada escolar no Brasil foi alvo de experiências desde o século
XX, com destaque para a iniciativa de Anísio Teixeira, com o Centro Educacional
Carneiro Ribeiro (CECR) na Bahia, nos anos 1950, e para a de Darcy Ribeiro, com os
Centros Educacionais de Educação Pública (CIEPs) no Rio de Janeiro, nos anos 1980.
Ainda naquele século o aumento do tempo de permanência das crianças na
escola adquire sustentabilidade legal ao ser previsto na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), lei n. 9.394, de 1996 (BRASIL, 1996). Esta
plausibilidade é reafirmada neste século por uma série de normatizações que retomam a
ampliação da jornada escolar.
A ampliação do tempo de escola também continuou a ser alvo de investimentos
por parte de políticas públicas governamentais. Neste cenário adquire relevo o
Programa Mais Educação (PME), ação de iniciativa do governo federal instituída pela
Portaria Interministerial n. 17 de 2007 (BRASIL, 2007d) e posteriormente
regulamentada pelo Decreto n. 7.083, de 2010 (BRASIL, 2010), como uma estratégia
do Ministério da Educação (MEC) para induzir a ampliação da jornada escolar na
perspectiva da educação integral.
Nesse sentido, cabe problematizar: como se organiza a ampliação da jornada
escolar no contexto brasileiro? Este é o questionamento que orienta este estudo, que se
configura como um recorte de uma pesquisaix
de mestrado desenvolvida no
Observatório da Educação Integralx (UFMG/UFSJ-CAPES) e que pretende descortinar
a lógica organizativa da ampliação da jornada escolar no Brasil a partir dos aportes
normativos que tratam do aumento do tempo escolar e da proposta do PME.
O caminho metodológico, de cunho qualitativo, orientou-se em discussões
bibliográficas do campo da educação integral e(m) tempo integral, principalmente nas
contribuições de Cavaliere (2002, 2007, 2009) e de Coelho (2010, 2014). A pesquisa
documental englobou referenciais normativos, tanto no âmbito do PME (BRASIL
2007d, 2010), quanto no da legislação educacional brasileiraxi
. A análise também se
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referendou em documentos norteadoresxii
para a implantação do PME nas escolas e
enfocou os tempos e espaços educativos para compreensão da lógica organizativa da
ampliação da jornada escolar no contexto brasileiro.
Num primeiro momento foi efetuada uma problematização acerca da ampliação
da jornada escolar, que permeou por concepções subjacentes à escola de tempo integral,
então, o panorama legal acerca da ampliação da jornada escolar no Brasil foi
apresentado, enfocando a lógica organizativa proposta, o que, num terceiro momento,
foi feito em relação ao PME. Este estudo foi finalizado através de algumas
considerações gerais sobre o tema em pauta.
2. PROBLEMATIZANDO A AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR
Cavaliere (2002) adverte para o fato de que em cada circunstância histórica, o
tempo de escola está em função de diferentes interesses e forças que sobre ele atuam.
Assim, alterar, reduzir ou ampliar o tempo de escola envolve implicações político-
culturais de grande alcance. Tais forças são possuidoras de diversas naturezas, como o
tipo de cultura familiar predominante, a visão sobre a formação geral da criança e do
adolescente, o tipo de associação entre escola e políticas públicas de assistência ou de
preparação para o trabalho. Algumas se relacionam ao bem-estar das crianças, outras, às
necessidades do Estado e da sociedade e outras, à rotina e ao conforto dos adultos. O
tempo escolar, assim, assume uma dimensão cultural, não devendo ser tratado de forma
meramente administrativa ou organizacional.
Necessário se faz entender que a concepção de escola de tempo integral
imbricada em determinado projeto de ampliação da jornada escolar tem relação com
seus objetivos. Cavaliere (2007) aponta para quatro concepções de escola de tempo
integral, diluídas ou misturadas nos projetos em desenvolvimento no Brasil: a de cunho
assistencialista, para os desprivilegiados, que terão através dela suas deficiências
supridas; a autoritária, como prevenção à violência e à delinquência nas ruas; a
democrática, de papel emancipatório, com vistas ao aprimoramento cultural, com o
aprofundamento dos conhecimentos, do espírito crítico e das vivências democráticas; e
a multissetorial, em que a ampliação do tempo pode e deve ocorrer fora da escola,
através de parcerias com organizações não-governamentais, presumindo ser o Estado
incapaz isoladamente de garantir uma educação ao mundo contemporâneo. Essa
concepção, conforme Cavaliere (2007), é a defendida por alguns projetos
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governamentais de escolas de tempo integral que surgiram a partir de 2003, justificados
pelo fato da pouca adequação dos equipamentos escolares. A necessidade da educação
ser multifacetada, incorporando diversos tipos de organizações sociais, é outra
justificativa dessa concepção de escola de tempo integral, conforme a autora.
Nesse sentido, Cavaliere (2009) demarca duas vertentes de modelo de
organização da ampliação da jornada escolar, uma que tende a investir em mudanças no
interior das instituições escolares, em condições compatíveis com a presença de alunos
e professores em tempo integral, posta pela autora como escola de tempo integral; e
aquela que tende a articular instituições e projetos da sociedade, oferecendo atividades
preferencialmente fora do espaço escolar, nomeada por ela de aluno em tempo integral.
É à luz de tal entendimento que o próximo tópico apresenta os referenciais
normativo-legais do campo da Educação, chamando a atenção para seus indicativos em
relação à ampliação da jornada escolar.
3. AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NO BRASIL: APORTES
NORMATIVO-LEGAIS
Legalmente o aumento do tempo escolar adquire relevância no cenário
educacional brasileiro no final do século XX. O art. 34 da LDBEN, lei n. 9.394, de 1996
(BRASIL, 1996), prevê o aumento progressivo da jornada escolar para além de quatro
horas diárias, entrevendo, no parágrafo 2º, que, a critério dos sistemas de ensino, o
ensino fundamental seja ministrado em tempo integral. Ao prever, no art. 87, a
conjugação de esforços para a progressão das redes escolares públicas urbanas deste
nível de ensino para o regime de escolas de tempo integral, a lei dá indícios de que essa
instituição seja o lócus das atividades de jornada ampliada.
A ampliação da jornada escolar tendo como centralidade a instituição escolar
permeou as duas importantes, e já citadas, experiências de educação integral em tempo
integral desenvolvidas em nosso país. Tanto o CECR quanto os CIEPs implantaram a
ampliação da jornada escolar a partir do investimento na estrutura das escolas. Assim
como orientado pela lei n. 9.394 de 1996 (BRASIL, 1996), posterior à materialização
destas experiências, essas escolas já funcionavam em tempo integral.
Outro marco legal a ser destacado é a lei n. 10.172, de 2001 (BRASIL, 2001),
que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período entre 2001 e 2010.
Sobre a Educação Infantil, prevê, no objetivo n. 18, a adoção progressiva do
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atendimento em tempo integral para crianças de 0 a 6 anos. Como objetivos e metas
para o Ensino Fundamental aponta: “Ampliar, progressivamente a jornada escolar
visando expandir a escola de tempo integral, que abranja um período de pelo menos sete
horas diárias, com previsão de professores e funcionários em número suficiente”
(BRASIL, 2001). Ainda prevê uma ampliação da jornada escolar que englobe atividades
como práticas de esportes e atividades artísticas, no entanto, posta como estratégia para
resolução de problemas sociais e educacionais.
O tempo integral, correspondendo também ao mínimo de sete horas diárias,
desta vez, de permanência dos alunos na escola ou em atividades escolares (BRASIL,
2007b), tem seu raio de ação, no que tange aos níveis da Educação Básica, totalmente
ampliado com a lei n. 11.494, de 2007 (BRASIL, 2007c) que regulamentou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação (FUNDEB). Isso acontece diante da possibilidade de financiamento do
tempo integral para todos os níveis desta etapa da educação. Além disso, na medida em
que o Decreto n. 6.253, de 2007 (BRASIL, 2007b) não restringe o tempo integral a
atividades na escola, deixa subtendido que atividades fora da escola, no contexto da
ampliação da jornada, também sejam escolares e alvo do financiamento em questão.
O aumento da jornada escolar continua a ser objeto dos planos para a educação
brasileira, já que neste mesmo ano é incorporado a uma das diretrizes do alicerce
jurídico do Plano de Desenvolvimento da Educaçãoxiii
(PDE). Trata-se do Decreto n.
6.094, de 2007 (BRASIL, 2007a) - Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.
Ao pretender “ampliar as possibilidades de permanência do educando sob
responsabilidade da escola para além da jornada regular” (BRASIL, 2007a), dá indícios
de que a ampliação da jornada não está atrelada, obrigatoriamente, ao interior da escola.
Quando uma das vinte metas do mais recente PNE prevê o oferecimento da
“educação em tempo integral” (BRASIL, 2014a), observamos que esta tem se
configurado estratégica na educação brasileira. A expressão, assim como posta, é inédita
em relação ao plano anterior, e, embora alie a expectativa desta oferta a toda a Educação
Básica, carrega consigo as marcas de não pretender contemplar, até 2024, todas as
escolas e todos os alunos deste nível de ensino. Operando numa perspectiva em que os
espaços dessa educação podem mesclar-se entre a escola e o extraescolar, e em que as
atividades a comporem os tempos podem ser oriundas de entidades que não a escola,
reitera a possibilidade levantada no “compromisso” do decreto anterior.
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Trata-se da lei n. 13.005, de 2014 (BRASIL, 2014a), que aprovou PNE com
vigência entre 2014 e 2024. No que tange à Educação Infantil a lei, na estratégia 1.17,
apresenta a estratégiaxiv
de “estimular o acesso à educação infantil em tempo integral,
para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, conforme estabelecido nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” (BRASIL, 2014a). O PNE em questão
destina a sexta meta especificamente para a educação em tempo integral e, pelo exposto,
com ela pretende: “oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50%
(cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte
e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica” (BRASIL, 2014a).
Sobre os espaços, as estratégias tendem tanto ao investimento no interior das
escolas, quanto ao fomento à articulação da escola com outros espaços educativos. Mas
destacamos que, por privilegiar o investimento prioritariamente em comunidades pobres
ou com crianças em situação de vulnerabilidade social, segue o viés assistencial do
plano anterior.
Após situar a legislação educacional brasileira no que tange à ampliação da
jornada escolar, os contornos do PME em sua relação com o resgate efetuado são
apresentados no próximo tópico.
4. AMPLIAÇÃO DA JORNADA ESCOLAR NO PROGRAMA MAIS
EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DE EDUCACÃO INTEGRAL
Assim como exposto, a ampliação da jornada escolar pode estar ligada a
diferentes forças e interesses. Há de se destacar que o PME apresenta uma proposta de
ampliação da jornada escolar atrelada a uma concepção de educação integral, mas esse
não é um conceito homogêneo. Observa-se na contemporaneidade, constantemente a
redução do conceito de educação integral ao de educação em tempo integral, o que
revela profunda imprecisão conceitual, pois apesar da semelhança, esclarecem Azevedo,
Coelho e Paiva (2014), que tais terminologias não são sinônimas, uma vez que a oferta
de uma educação em tempo integral não implica o oferecimento de uma educação
integral que, para Coelho (2014) é:
[...] o trabalho educativo que entretece as várias possibilidades de
conhecimento e saberes que consolidam, sócio historicamente falando,
a formação humana. Essa formação se dá, não só, mas também na
escola e, nesse espaço, ela é formal e intencional [...] (COELHO,
2014, p. 186).
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A autora demarca uma perspectiva contemporânea de educação integral e que:
[...] é entendida num espectro amplo, que inclui uma maior integração
entre os espaços formais de ensino e a cidade, o território em que
habitam e sugere que essas instituições se abram para o seu entorno,
no sentido de assumir funções para além das estritamente
pedagógicas. Em outras palavras, funções sociais que, ao extrapolar
essa sua natureza primeira, emprestam-lhe um caráter mais
assistencial, de proteção social. [...] (COELHO, 2014, p. 187).
No caso do PME, educação em tempo integral é expresso pelo Decreto n. 7.083,
de 2010 (BRASIL, 2010), que regulamentou o PME, como: “A jornada escolar com
duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo,
compreendendo o tempo total em que o aluno permanece na escola ou em atividades
escolares em outros espaços educacionais” (BRASIL, 2010). Tal assertiva carrega
consigo tanto a dimensão do tempo escolar quanto dos espaços relativos às atividades,
exprimindo que, embora o programa vise oferecer atividades no contraturno escolar,
educação em tempo integral diz respeito ao tempo total em que o aluno permanece em
atividades escolares, dentro ou fora da escola.
O PME enfatiza a necessidade da extensão do tempo escolar vir acompanhada
por sua qualidade, por meio do oferecimento de atividades educativas diferenciadas,
inseridas em macrocampos, contribuindo para a formação integral do aluno, para a
superação da fragmentação e do estreitamento curricular e da lógica educativa
demarcada por espaços físicos e tempos delimitados rigidamente, possibilitando a
integração dos diversos campos de conhecimento e as diversas dimensões formadoras
da criança, do pré-adolescente, do adolescente, do jovem e do adulto na
contemporaneidade (BRASIL, 2011), expandindo o horizonte formativo desses
estudantes e estimulando seu desenvolvimento cognitivo, estético, ético e histórico
(BRASIL, 2014b).
Nesse contexto, a proposta do programa traz indicações de que a ampliação da
jornada escolar não deve se restringir à lógica da divisão de turnos, advertindo que isso
pode gerar uma diferenciação em que, de um lado, fica um tempo de escolarização
formal, em sala de aula, com as dimensões e ordenações pedagógicas e de outro, um
tempo sem compromissos educativos, que pareça passatempo e não tenha vínculo com a
melhoria da educação (BRASIL, 2011). No entanto, os documentos não dão indícios de
formas concretas de superação desse paralelismo e de promoção do diálogo entre o
turno e contraturno numa proposta em que a ampliação da jornada escolar não é para
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todosxv
, com professores de ambos os turnos (e voluntáriosxvi
) que não permanecem na
escola em tempo integral.
Coelho (2010) demarca a necessidade da articulação do turno e contraturno para
uma educação integral, sob o risco da ampliação da jornada escolar representar uma
fragmentação das atividades. Tal articulação, para ela, demanda o diálogo das atividades
e dos professores envolvidos, de forma que as atividades se complementem, não apenas
sejam complementares.
Sobre a questão dos espaços, o Decreto n. 7.083, de 2010 (BRASIL, 2010) traz a
orientação de que as atividades ocorram dentro do espaço escolar, de acordo com a
disponibilidade da escola, ou fora dele sob sua orientação pedagógica. Sobre o espaço
ser ocupado fora da escola, esse aporte legal delineia um conceito importante, que é a
constituição de territórios educativos para o desenvolvimento de atividades de educação
integral. Esses territórios devem se configurar por meio da integração dos espaços
escolares com equipamentos públicos como: centros comunitários, bibliotecas públicas,
praças, parques, museus e cinemas, e do estabelecimento de parcerias com órgãos ou
instituições locais.
A justificativa pedagógica para tanto, no âmbito do PME, parece estar atrelada à
ampliação da dimensão das experiências educativas que a aproximação da escola com a
comunidade é capaz de produzir (BRASIL, 2009). A escola é convidada, nesse
contexto, a reconhecer a legitimidade das condições culturais da comunidade, seus
saberes, bem como seus valores, práticas e crenças. “A ideia de redes sócio-educativas
coloca-se na perspectiva de criar uma outra cultura do educar/formar, que tem na escola
seu lócus catalisador, mas que a transcende, para explorar e desenvolver os potenciais
educativos da comunidade “(BRASIL, 2009, p.47).
Localizamos o PME, nesse sentido, na concepção multisetorial de escola de
tempo integral, assim como tecida por Cavaliere (2007), afim ao modelo de organização
da jornada escolar aluno em tempo integral (CAVALIERE, 2009), por isso,
caminhando numa concepção contemporânea de educação integral, assim como
delineada por Coelho (2014). Percebemos que o Programa acompanha a abertura que a
legislação educacional apresenta para a ampliação da jornada escolar sob
responsabilidade da escola, por isso possivelmente fora do ambiente escolar (BRASIL
2007a, 2007b, 2014a), delimitando que sete horas diárias compreende a educação em
tempo integral, assim como também previsto por tais indicativos legais. Interessante se
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faz notar, no entanto, que as atividades do Programa, se circunscrevem ao contraturno
escolar.
Os apontamentos gerados a partir das reflexões propiciadas a partir do presente
estudo apresentam-se no o próximo tópico.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo em pauta revelou que o tempo de escola, ou sob sua responsabilidade,
possui implicações ligadas a diferentes interesses e forças. No caso da ampliação da
jornada escolar, seus objetivos determinam diferentes concepções de escola de tempo
integral, que por sua vez, pode representar um modelo de ampliação da jornada escolar
somente quando, de fato, há investidas no interior das instituições educativas.
Com efeito, a ampliação da jornada escolar tem sido alvo de objetivos, metas e
financiamento na legislação educacional brasileira como nunca antes visto na história de
nosso país. Legalmente, os níveis da Educação Básica a serem contemplados pela
ampliação da jornada escolar se ampliam, assim como o investimento para sua
consecução, os espaços e os responsáveis pelas atividades a comporem essa extensão,
cujos sujeitos de direito, embora em crescimento, não abrangem a todos os alunos da
Educação Básica. Ao sinalizarem para a transposição dos muros da escola e para o
compartilhamento das responsabilidades das atividades que comporão a extensão da
jornada e, ainda, ao dirigirem as metas da ampliação prioritariamente para as crianças e
jovens das camadas desprivilegiadas, nos parece que essas legislações se enquadram no
modelo de organização da ampliação da jornada escolar aluno em tempo integral
(CAVALIERE, 2009).
O PME vai além dos citados indicativos legais ao pretender ampliar a jornada
escolar na perspectiva da educação integral, inaugurando uma indução, a nível federal,
do aumento do tempo de escola, considerando conhecimentos para além dos que são
oferecidos no ensino regular. No entanto, levando em conta as condições de sua
materialização, põe-se em risco a natureza própria da escola: trabalhar com a educação
de forma intencional, pedagógica e sistemática. O próprio fato da proposta se
conjecturar no turno oposto ao regular demonstra um afastamento em relação ao que já
acontece na escola, assim como uma falta de questionamento acerca da lógica
organizativa e dos traços estruturais da escola brasileira que se constituem desafios a
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uma educação integral em jornada ampliada nas escolas. Percebe-se, assim, uma
concepção contemporânea de educação integral (COELHO, 2014) a partir do PME.
A visão da comunidade como extensão da escola para o oferecimento de uma
educação integral em tempo integral pode colocá-la numa posição um tanto quanto
romantizada em relação à escola. Essa premissa também desconsidera a falta de
equipamentos socioeducativos das comunidades situadas em regiões de vulnerabilidade
social de nosso país.
Apesar das condições de implementação do PME não se encontrarem com
aqueles parâmetros para a materialização de uma educação integral em tempo integral,
principalmente no que tange à estrutura da escola necessária para tanto, além da
articulação entre ambos os turnos, o PME tem suscitado reflexões, como nunca visto na
história da educação brasileira, sobre a importância de uma educação integral em tempo
integral. Além disso, muitos de seus desafios, a exemplo da falta de estrutura das
escolas para uma educação de qualidade, não sendo exclusivos da ampliação da jornada
escolar, podem suscitar reflexões sobre a necessidade de investimentos nesses
equipamentos educativos.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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i Apesar dos termos “tempo integral” e “educação integral” frequentemente aparecerem associados, eles
apresentam conceitos diferentes. Enquanto temos uma definição no âmbito legal sobre o tempo integral,
fornecida pelo Fundeb, determinando que este seja composto por no mínimo sete horas diárias de
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atividades escolares, cinco dias por semana; não temos uma sobre educação integral, visto que existem
diferentes concepções em disputa (COELHO, 2009). Nesse sentido, ao pensar em educação integral, nos
reportamos à teoria de Marx sobre o indivíduo omnilateral, ou seja, aquele ser completo em todos os
sentidos. ii O que pode ser observado, por exemplo, na meta número seis do novo Plano Nacional de Educação que
apresenta a necessidade de estados e municípios aumentarem a oferta do tempo integral para 25% dos
alunos da educação básica e para 50% das escolas públicas (Brasil, 2014).
iii Por exemplo, as experiências, nos anos 90, dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no
estado do Rio de Janeiro, e dos Centros Integrados de Apoio à Criança (CIACs), posteriormente
denominados Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAICs) do Governo Federal, e,
nos anos 2000, dos Programas Bairro-Escola, no município de Nova Iguaçu/RJ e Mais Educação do
Governo Federal (Coelho, 2009).
iv Assim como Nunes (2003), compreendemos a perspectiva emancipatória como “(...) prospectiva que
visa produzir autonomia crítica, cultural e simbólica, esclarecimento científico, libertação de toda forma
de alienação e erro, de toda submissão, engodo, falácia ou pensamento colonizado, incapaz de esclarecer
os processos materiais, culturais e políticos” (p. 35). v Podemos mencionar como exemplo dessas pressões as avaliações externas (Bonamino et. al., 2012).
vi Usamos o termo a partir da concepção de Saviani: “o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, a identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para
atingir esse objetivo”. (SAVIANI, p. 13, 2008). vii
A descrição que o autor realiza sobre este aspecto, prevê a existência de dormitórios o que pressupõe
uma escola-internato, que vai além do que entendemos hoje, no Brasil, como escola de tempo integral. viii
O Decreto Nº 7.083, de 27 de Janeiro de 2012, em seu artigo 1o, estabelece a seguinte finalidade ao
programa em questão: “O Programa Mais Educação tem por finalidade contribuir para a melhoria da
aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens
matriculados em escola pública, mediante oferta de educação básica em tempo integral”.
Notas
ix
MÓL, Saraa César. Programa Mais Educação: mais de qual educação? 185 fl. 2015. Dissertação
(Mestrado em Processos Socioeducativos e Práticas Escolares) – Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei. x Cujo objetivo é identificar e analisar experiências de educação em tempo integral em Minas Gerais, suas
práticas pedagógicas, sua gestão e seus resultados, contribuindo na consolidação de políticas de educação
integral no estado e na formação de atores envolvidos. xi
(BRASIL 1996, 2001, 2007a, 2007b, 2007c, 2007d, 2014a). xii
(BRASIL 2009, 2011, 2014b) xiii
Tal plano foi lançado oficialmente no Brasil em 24 de abril de 2007 no segundo governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (2007-2010), dispondo de trinta ações, ampliadas posteriormente, e que dizem
respeito à educação em seus diversos níveis e modalidades. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/livro.pdf>. Acesso em: 21 de fev. 2016. xiv
Referente à meta 1, a saber: “universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças
de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a
atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência
deste PNE” (BRASIL, 2014a). xv
Isso porque o PME possui critérios de prioridade para a escolha das escolas e dos alunos a serem
contemplados por ele (BRASIL 2014a), caracterizando-se como uma política focal. xvi
Já que a proposta do programa abre espaço para a atuação de agentes educativos diferentes dos
professores, tais como monitores, educadores populares, estudantes em processo de formação docente e
agentes culturais que sejam referências em suas comunidades por suas práticas em diferentes campos.
Esses agentes devem ser regidos pela lei n. 9.608, de 1998, que dispõe sobre voluntariado (BRASIL
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2009c). Tal lei está disponível em:< <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9608.htm>. Acesso em:
12 set. 2014.
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