População de Salvador é a 2ª mais insegura

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SALVADOR SALVADOR TERÇA-FEIRA 4/1/2011 A4 REGIÃO METROPOLITANA [email protected] Editor-coordenador Cláudio Bandeira OPINE Participe de enquete sobre fotossensores em Salvador cidadaoreporter.atarde.com.br VIDA URBANA Segundo estudo do IBGE, soteropolitanos só ficam atrás dos habitantes de Belém (PA) no medo da violência População de Salvador é a 2ª mais insegura ARIVALDO SILVA Por conta do medo de ser as- saltada, a enfermeira Ana Paula Trindade, 33, procura estar sempre atenta a tudo – e a todos – ao redor. Ana é moradora do bairro Jardim das Margaridas e trabalha à noite no Hospital Geral Ro- berto Santos. “Sinto muito medo de ser abordada por um ladrão. No percurso do tra- balho, fico tensa e, dependen- do do horário, invado o sinal. O importante é minha inte- gridade física”, afirma. O temor de Ana Paula é compartilhado por boa parte dos habitantes da capital baiana, que ocupa o segundo lugar em sensação de inse- gurança (índice de 75,3%), perdendo apenas para Belém, capital do Pará (85,4%), de acordo com os dados coleta- dos pelo estudo Característi- cas da Vitimização e do Acesso à Justiça no Brasil, suplemen- to da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (Pnad 2009-IBGE). De acordo com o coorde- nador da Divisão de Dissemi- nação de Informações do IB- GE-Bahia, Joilson Fernandes, o sentimento de insegurança tende a ser maior nas regiões metropolitanas e nas cidades mais populosas, como Vitória da Conquista e Feira de San- tana, as maiores do interior baiano. “Os dados da pesqui- sa mostram que a percepção de insegurança é maior nas grandes cidades, justamente pelo adensamento popula- cional, das desigualdades so- ciais e da presença menos in- tensa dos agentes públicos nessas localidades, em rela- ção às cidades do interior”, explica Fernandes. Segundo o estudo, mais de 76 milhões de brasileiros, ou 47,2% da população, não se sentem seguros nas cidades em que vivem. Estado Para o delegado-geral da Po- lícia Civil, Joselito Bispo, o alto índice da sensação de inse- gurança apontado na pesqui- sa não diz respeito somente às ações policiais. “A Segurança Pública é relacionada a um contexto mais amplo. Além do policiamento, o sistema envolve direitos humanos, saúde e seguridade. Alguns programas da mídia contri- buem negativamente neste cenário”, afirma. Ainda de acordo com Bispo, quando o lado positivo da ati- vidade policial não é realça- da, também contribui para o aumento desta sensação. O superintendente de Se- gurança Urbana e Prevenção à Violência de Salvador, te- nente-coronel Roberto Fiúza, afirma que os 1.364 guardas municipais trabalham com a limitação da falta de arma- mento, que tem previsão de mudar antes do Carnaval. “Encomendamos 180 pistolas não-letais para o patrulha- mento. O sistema de video- monitoramento também se- rá reforçado”, ressalta. Fotos Raul Spinassé / Ag. A TARDE / 22.12.2010 Sentimento de insegurança tende a ser maior nas regiões metropolitanas e cidades do interior populosas. Dentre as capitais, povo de Salvador é o segundo mais temeroso Número alto de ocorrências preocupa a população A pesquisa aponta também dados sobre roubos e furtos. No Brasil, cerca de 11,9 mi- lhões (7,3%) de pessoas foram roubadas ou furtadas entre setembro de 2008 e setembro de 2009. A médica Natasha Correia, 27, diz que nunca foi assaltada nem sofreu violência, mas considera Salvador violenta. “A sensação de insegurança é constante em toda a cidade, tanto em bairros nobres quanto nos periféricos”, ava- lia. Já a estudante Leilane Cor- deiro, 16, considera que o Cen- tro da cidade (onde trabalha como adolescente aprendiz) “é mais seguro”, comparado com o clima do bairro de Cas- telo Branco, onde mora e es- tuda. “Onde moro, falta po- liciamento, por isso fico mais em casa e, quando saio, é sem- pre acompanhada”, conta. Renda Em 2009, 78,6% das pessoas de 10 anos ou mais de idade sentiam-se seguras no domi- cílio em que residiam; 67,1% delas, no bairro; e 52,8%, na cidade. Os homens declara- ram sentir-se mais seguros do que as mulheres em todos os locais. O empresário Diego Prado, 24 anos, é um exemplo. Para ele, a violência não o impede de transitar pela cidade. “Não Sociólogo diz que medo nos deixa menos solidários Para o sociólogo e professor de ciência política da Univer- sidade Federal da Bahia (Uf- ba) Joviniano Neto, é impor- tante “separar a realidade da segurança na cidade e a per- cepção da violência difundi- da pela mídia”. Para ele, a construção da realidade se dá pela experiência vivenciada e pela realidade propagada pe- los meios de comunicação. “Em Salvador, realmente está havendo um aumento nos homicídios, mas também da sensação de insegurança di- fundida pela mídia”, defende o especialista. Ainda de acordo com o so- ciólogo, o resultado dessa sensação de insegurança é o cercamento e o isolamento dos indivíduos, onde os tra- dicionais locais de encontro e interação, como as praças, também permanecem atrás das grades. “Toda essa situa- ção só estimula a indústria da segurança privada, que mo- vimenta em torno de R$ 20 bilhões anuais”. Outra questão levantada por Joviniano diz respeito às medidas “higienizadoras”, como a retirada de moradores de rua de determinados lo- cais da cidade, depois da pres- são de parte da sociedade. “Tais ações evoluem para a total falta de solidariedade. Hoje, o que vemos é o au- mento do individualismo e a consequente marginalização dos mais pobres”. Para Neto, “Salvador, histo- ricamente, teve os mais ricos morando nos lugares altos e os pobres nas baixadas. Atual- mente, os mais abastados es- tão saindo da cidade, em bus- ca de um distanciamento geo- gráfico”, resume. Polícia Em relação ao trabalho dos policiais, o sociólogo diz que, quando não há uma interação com a comunidade, “eles ati- ram em sombras, como acon- teceu com o garoto Joel, no Nordeste de Amaralina”. E conclui: “Quanto mais a ci- dade se divide, mais a sen- sação de insegurança aumen- ta. Precisamos preservar a ci- dade para todos”. “Existem locais que eu evito à noite porque são perigosos e violentos” ALEX CAMPOS, economista “O sentimento de insegurança é maior nas regiões metropolitanas” JOILSON FERNANDES, IBGE “No bairro onde moro, me sinto mais insegura do que no Centro” LEILANE CORDEIRO, estudante sinto essa insegurança no co- tidiano. Mas, às vezes, não pa- ro em sinais quando o horário é mais avançado”, declara. A sensação de segurança no domicílio teve proporções maiores na população com maior rendimento médio mensal domiciliar per capita (82,8%, para cinco ou mais sa- lários mínimos, contra 77,8%, para menos de 1/4 de salário mínimo). O economista Alex Cam- pos, 32 anos, afirma que não frequenta locais considera- dos perigosos e violentos. “A depender do horário, não paro em sinaleiras do bairro da Pituba e sempre trafego com o vidro do carro fecha- do”, ressalta. 75,3% entre os entrevistados da capital baiana declararam aos pesquisadores sentir insegurança na cidade onde vivem. Segundo os dados do estudo Características da Vitimização e do Acesso à Justiça no Brasil, realizado pelo IBGE, 76 milhões de brasileiros (47,2% do total da população nacional) não se sentem seguros nos municípios em que vivem por causa da violência

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Matéria publicada na página A4, no primeiro caderno do Jornal A Tarde, do dia 4/1/2011. Arivaldo Silva. Fotos: Raul Spinassé. Por conta do medo de ser assaltada, a enfermeira Ana Paula Trindade, 33, procura estar sempre atenta a tudo – e a todos – ao redor. Ana é moradora do bairro Jardim das Margaridas e trabalha à noite no Hospital Geral Roberto Santos. “Sinto muito medo de ser abordada por um ladrão. No percurso do trabalho, fico tensa e, dependendo do horário, invado o sinal. O importante é minha integridade física”, afirma.

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SALVADORSALVADOR TERÇA-FEIRA 4/1/2011A4

REGIÃO METROPOLITANA

[email protected]

Editor-coordenadorCláudio Bandeira

OPINE Participe de enquete sobre fotossensoresem Salvador cidadaoreporter.atarde.com.br

VIDA URBANA Segundo estudo do IBGE, soteropolitanos só ficam atrás dos habitantes de Belém (PA) no medo da violência

População de Salvador é a 2ª mais inseguraARIVALDO SILVA

Por conta do medo de ser as-saltada, a enfermeira AnaPaula Trindade, 33, procuraestar sempre atenta a tudo –e a todos – ao redor. Ana émoradora do bairro Jardimdas Margaridas e trabalha ànoite no Hospital Geral Ro-berto Santos. “Sinto muitomedo de ser abordada por umladrão. No percurso do tra-balho, fico tensa e, dependen-do do horário, invado o sinal.O importante é minha inte-gridade física”, afirma.

O temor de Ana Paula écompartilhado por boa parte

dos habitantes da capitalbaiana, que ocupa o segundolugar em sensação de inse-gurança (índice de 75,3%),perdendo apenas para Belém,capital do Pará (85,4%), deacordo com os dados coleta-dos pelo estudo Característi-cas da Vitimização e do Acessoà Justiça no Brasil, suplemen-to da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios, doInstituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (Pnad2009-IBGE).

De acordo com o coorde-nador da Divisão de Dissemi-nação de Informações do IB-GE-Bahia, Joilson Fernandes,

o sentimento de insegurançatende a ser maior nas regiõesmetropolitanas e nas cidadesmais populosas, como Vitóriada Conquista e Feira de San-tana, as maiores do interiorbaiano. “Os dados da pesqui-sa mostram que a percepçãode insegurança é maior nasgrandes cidades, justamentepelo adensamento popula-cional, das desigualdades so-ciais e da presença menos in-tensa dos agentes públicosnessas localidades, em rela-ção às cidades do interior”,explica Fernandes.

Segundo o estudo, mais de76 milhões de brasileiros, ou

47,2% da população, não sesentem seguros nas cidadesem que vivem.

EstadoPara o delegado-geral da Po-lícia Civil, Joselito Bispo, o altoíndice da sensação de inse-gurança apontado na pesqui-sanãodizrespeitosomenteàsações policiais. “A SegurançaPública é relacionada a umcontexto mais amplo. Alémdo policiamento, o sistemaenvolve direitos humanos,saúde e seguridade. Algunsprogramas da mídia contri-buem negativamente nestecenário”, afirma.

Ainda de acordo com Bispo,quando o lado positivo da ati-vidade policial não é realça-da, também contribui para oaumento desta sensação.

O superintendente de Se-gurança Urbana e Prevençãoà Violência de Salvador, te-nente-coronel Roberto Fiúza,afirma que os 1.364 guardasmunicipais trabalham com alimitação da falta de arma-mento, que tem previsão demudar antes do Carnaval.“Encomendamos 180 pistolasnão-letais para o patrulha-mento. O sistema de video-monitoramento também se-rá reforçado”, ressalta.

Fotos Raul Spinassé / Ag. A TARDE / 22.12.2010

Sentimento de insegurança tende a ser maior nas regiões metropolitanas e cidades do interior populosas. Dentre as capitais, povo de Salvador é o segundo mais temeroso

Número alto deocorrênciaspreocupa apopulação

A pesquisa aponta tambémdados sobre roubos e furtos.No Brasil, cerca de 11,9 mi-lhões (7,3%) de pessoas foramroubadas ou furtadas entresetembro de 2008 e setembrode 2009.

A médica Natasha Correia,27, diz que nunca foi assaltadanem sofreu violência, masconsidera Salvador violenta.“A sensação de insegurança éconstante em toda a cidade,tanto em bairros nobresquanto nos periféricos”, ava-lia. Já a estudante Leilane Cor-deiro, 16, considera que o Cen-tro da cidade (onde trabalhacomo adolescente aprendiz)“é mais seguro”, comparadocom o clima do bairro de Cas-telo Branco, onde mora e es-tuda. “Onde moro, falta po-liciamento, por isso fico maisem casa e, quando saio, é sem-pre acompanhada”, conta.

RendaEm 2009, 78,6% das pessoasde 10 anos ou mais de idade

sentiam-se seguras no domi-cílio em que residiam; 67,1%delas, no bairro; e 52,8%, nacidade. Os homens declara-ramsentir-semaissegurosdoque as mulheres em todos oslocais.

O empresário Diego Prado,24 anos, é um exemplo. Paraele, a violência não o impedede transitar pela cidade. “Não

Sociólogo diz que medonos deixa menos solidáriosPara o sociólogo e professorde ciência política da Univer-sidade Federal da Bahia (Uf-ba) Joviniano Neto, é impor-tante “separar a realidade dasegurança na cidade e a per-cepção da violência difundi-da pela mídia”. Para ele, aconstrução da realidade se dápela experiência vivenciada epela realidade propagada pe-los meios de comunicação.“Em Salvador, realmente estáhavendo um aumento noshomicídios, mas também dasensação de insegurança di-fundida pela mídia”, defendeo especialista.

Ainda de acordo com o so-ciólogo, o resultado dessasensação de insegurança é ocercamento e o isolamentodos indivíduos, onde os tra-dicionais locais de encontro einteração, como as praças,também permanecem atrásdas grades. “Toda essa situa-ção só estimula a indústria dasegurança privada, que mo-vimenta em torno de R$ 20bilhões anuais”.

Outra questão levantadapor Joviniano diz respeito às

medidas “higienizadoras”,comoaretiradademoradoresde rua de determinados lo-cais da cidade, depois da pres-são de parte da sociedade.“Tais ações evoluem para atotal falta de solidariedade.Hoje, o que vemos é o au-mento do individualismo e aconsequente marginalizaçãodos mais pobres”.

Para Neto, “Salvador, histo-ricamente, teve os mais ricosmorando nos lugares altos eospobresnasbaixadas.Atual-mente, os mais abastados es-tão saindo da cidade, em bus-cadeumdistanciamentogeo-gráfico”, resume.

PolíciaEm relação ao trabalho dospoliciais, o sociólogo diz que,quandonãoháumainteraçãocom a comunidade, “eles ati-ram em sombras, como acon-teceu com o garoto Joel, noNordeste de Amaralina”. Econclui: “Quanto mais a ci-dade se divide, mais a sen-sação de insegurança aumen-ta. Precisamos preservar a ci-dade para todos”.

“Existem locaisque eu evito ànoite porquesão perigosose violentos”ALEX CAMPOS, economista

“O sentimentode insegurançaé maior nasregiõesmetropolitanas”JOILSON FERNANDES, IBGE

“No bairro ondemoro, me sintomais insegurado queno Centro”LEILANE CORDEIRO, estudante

sinto essa insegurança no co-tidiano. Mas, às vezes, não pa-ro em sinais quando o horárioé mais avançado”, declara.

Asensaçãodesegurançanodomicílio teve proporçõesmaiores na população commaior rendimento médiomensal domiciliar per capita(82,8%, para cinco ou mais sa-lários mínimos, contra 77,8%,

para menos de 1/4 de saláriomínimo).

O economista Alex Cam-pos, 32 anos, afirma que nãofrequenta locais considera-dos perigosos e violentos.“A depender do horário, nãoparo em sinaleiras do bairroda Pituba e sempre trafegocom o vidro do carro fecha-do”, ressalta.

75,3%entre os entrevistados dacapital baiana declararamaos pesquisadores sentirinsegurança na cidadeonde vivem. Segundo osdados do estudoCaracterísticas daVitimização e do Acesso àJustiça no Brasil, realizadopelo IBGE, 76 milhões debrasileiros (47,2% do totalda população nacional)não se sentem seguros nosmunicípios em que vivempor causa da violência