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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Beatriz de Almeida Pacheco
Experiência mediada por dispositivos e interfaces digitais: contribuições da Corporificação e da Enação para o Design de Interação.
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo 2013
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-‐SP
Beatriz de Almeida Pacheco
Experiência mediada por dispositivos e interfaces digitais: contribuições da Corporificação e da Enação para o Design de Interação.
DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica sob a orientação do Prof. Dr. Rogério da Costa.
São Paulo 2013
Banca Examinadora
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Para Bruna, Paula e Júlia,
amores maiores e principais razões da minha vida.
Para minha avó Dinorá.
Agradeço a todos que me são: Família, amigos e amigos que são da família -‐ ;) -‐, pelo apoio incondicional ao longo desses anos, com muita paciência, compreensão e ajuda nos momentos mais difíceis. Ao Paulo que, de uma forma carinhosa e compreensiva, sempre me suportou e estimulou ao longo deste trabalho. Elis, Eliani e Cacalo, pelas inúmeras revisões e palpites, além da parceria de sempre. E vovô Sergião, por ser você. Filhas, para quem, além da dedicatória dessa tese e milhares de beijos, vai minha esperança em um futuro melhor e um pedido de desculpas pelas minhas muitas ausências e constante mau humor. Val, Franceli e Mário pelas dicas, referências e ajuda. Professores e alunos, que me ressignificam a cada nova conversa. Agradeço também às Instituições que colaboraram para minha formação: Universidade Presbiteriana Mackenzie, FAU-‐USP, FAU-‐Unicamp, ITA, Centro Universitário SENAC e PUC-‐SP. Finalmente agradeço aos membros da banca e a meu orientador, Professor Rogério da Costa, por seu empenho, confiança, dedicação e disponibilidade.
“O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.”
Aristóteles
Marshall McLuhan via David Carson
Resumo
Pacheco, Beatriz de Almeida. (2013). Experiência mediada por dispositivos e interfaces digitais: contribuições da Corporificação e da Enação para o Design de Interação.
A presente pesquisa discute a questão das experiências proporcionadas pelos dispositivos digitais a partir de suas interfaces e interações, no âmbito das TICs, e visa responder à seguinte questão: é possível criar um conjunto de heurísticas baseado nas teorias externalistas da filosofia da mente (Mente Incorporada e Enação) que contribua para o desenvolvimento da área de Design de Interação. Como hipótese, trabalho na direção de uma resposta positiva à pergunta apresentada, pois cada indivíduo estabelece, a partir de tais interações, uma relação cognitiva e de aprendizado diferenciada, que torna complexos seus canais cognitivos. Com o lançamento diário de produtos originais e de comportamento complexo, fruto do avanço da tecnologia, as pessoas tem que lidar com novos códigos, o que torna necessário algum tipo de aprendizado. Considerando um mundo cada vez mais representado por imagens, a visibilidade propiciada pelas máquinas adquire extrema importância na construção do real, sobretudo nas metrópoles ocidentais e regiões desenvolvidas. Esta passa a ter um valor de realidade, pois está menos sujeita à subjetividade do olhar humano. Aponta para a importância da ligação entre as experiências vividas pelo indivíduo e as ligações dessas com o repertório por ele adquirido ao longo da vida como elemento fundamental para o processo de construção do conhecimento. Finalmente indica que dispositivos digitais, ao propiciarem interações multicanais e multissensoriais acabam por favorecer o estabelecimento de tais relações. Dessa forma, parte do conceito de experiência (Varela e Maturana – novo olhar sobre nossos corpos capaz de vê-‐los tanto como estruturas físicas quanto como estruturas experienciais vividas) a partir de um levantamento histórico e transita por suas características de singularidade, individualidade e pluralidade cognitiva. Num segundo momento discute a Interação entre homens e computadores a partir de seus paradigmas de desenvolvimento: apresenta o desenvolvimento da área a partir de sua história e apresenta o estado da arte da área que projeta, instintiva ou intencionalmente, as experiências geradoras de conhecimento. Trata, posteriormente, da comunicação e processos comunicativos mediados por dispositivos digitais, discute o projeto de suas interfaces e possibilidades interativas à luz do Design de Interação (Preece et al), da Interação Humano Máquina (Benyon) e do Design de Experiência (Shedroff) – que cada vez mais consideram o usuário como centro do processo de design e construção. Por fim discute a Experiência como forma contemporânea de aprendizado que transita entre o conhecimento universal e a experimentação singular.
Palavras-‐chave: Comunicação, Corporificação, Enação, Experiência, Interação, Dispositivos Digitais.
Abstract
Pacheco, Beatriz de Almeida. (2013). Experience mediated by digital devices and interfaces: the contributions of the Embodiment and of the Enaction for Interaction Design.
This research discusses the issue of the experiences offered by digital devices from its interfaces and interactions in the context of ICTs, and aims to answer the following question: is it possible to create a set of heuristics based on externalist theories of philosophy of mind (Embodiment and Enaction) that contributes to the Interaction Design area development. As a hypothesis, I work toward a positive answer to the presented question, whereas from these interactions each person sets a differentiated cognitive and learning relationship, which makes his cognitive channels more complex. With the daily unique products launch and complex behavior, due to the technology advancement, people have to deal with new codes, which need some kind of learning. Considering a world increasingly represented by images, the visibility provided by machines becomes extremely important to construct reality, especially in Western cities and developed regions. This is replaced by a value of reality, since it is less susceptible to the subjectivity of the human eye. It points to the important connections between the individual experiences and their links to his repertoire acquired throughout life as a key to the process of knowledge construction. Finally it indicates that digital devices, while providing multichannel and multisensory interaction ends up favoring the establishment of such relations. Thus, part of the concept of experience (Varela and Maturana -‐ the new look at our bodies able to see both physical structures and lived experiential structures) transits through its unique characteristics of, individuality and cognitive plurality. Secondly discusses the interaction between men and computers from their development paradigms: presents the area development in the facer of its history and introduces the art state of the projected area, instinctively or intentionally, experiences create knowledge. It deals, afterwards, with the communication and the communicative processes mediated by digital devices, discusses the design of their interfaces and the interactive possibilities in the light of the Interaction Design (Preece et al), Human Machine Interaction (Benyon) and Design of Experiment (Shedroff) -‐ which increasingly consider the user as the center of the design process and the construction. Finally discusses the Experience as a contemporary form of learning that moves between the singular universal knowledge and the experimentation.
Keywords: Communication, Embodiment, Enaction, Experience, Interaction, Digital Devices.
Lista de Gráficos, Figuras e Tabelas
Gráfico 1: Interdependência do Meio ambiente e da corporificação (Varela et al., 2001) .............. 33 Gráfico 2: Aceitabilidade de Sistemas (Nielsen, 1993) ................................................................... 105 Gráfico 3: Paradigmas da riqueza, progresso e globalização. (Pink, 2005) .................................... 128
Figura 1: diagrama conceitual. Fonte: Varela et al, 1993. ................................................................ 28 Figura 2: representação da mente computacional (Jackendoff, 1987) ............................................ 49 Figura 3: Roda do Karma (Varela et al, 2001) ................................................................................... 63 Figura 4: Memex de Vanevar Bush .................................................................................................. 99 Figura 5: NLS -‐ O oN-‐Line System. Fonte: Ibiblio: The Public's Library and Digital Archive ............ 101 Figura 6: Xerox Star 8010 em campanha publicitária da Xerox. Fonte: Digibarn Computer Museum, 2012. .............................................................................................................................................. 102 Figura7: The nature of Human-‐Computer Interaction. Adaptado de ACM SIGCHI Curricula for Human-‐Computer Interaction (Hewett et al., 2009). ..................................................................... 110 Figura 8: IHC -‐ Comitê SIGCHI ......................................................................................................... 112 Figura 9: Metas de usabilidade e de Experiência do Usuário (Preece et al, 2005:41) ................... 122 Figura 10: Carson fazendo releitura de McLuhan. Fonte: www.davidcarsondesign.com .............. 124 Figura 11: ciclo de vida de Design de Interação – simplificado de Preece (et al., 2005) ................ 125 Figura 12: Progressão do valor econômico (Pine e Gilmore, 1999) ............................................... 129 Figura 13: Os Domínios da Experiência (Pine &Gilmore, 1999) ..................................................... 130 Figura 14: Dimensões da Experiência (Shedroff,2011) .................................................................. 134 Figura 15: Aspectos da experiência do usuário (McCarthy e Wright, 2004) .................................. 142 Figura 16: Experiência do usuário .................................................................................................. 143 Figura 17: Ferramentas e seu projeto. (Victor, 2011:01) ............................................................... 172 Figura 18: Tecnologias do futuro? (Victor 2011:01) ....................................................................... 172 Figura 19: Pegas de objetos (Victor, 2011) .................................................................................... 175 Figura 20: As 4 pegas de Napier (Victor, 2011) .............................................................................. 176 Figura 21: Paradigma da ICM (Coleman LabBioeng UCSD) ............................................................ 178 Figura 22: BMI de Coleman. (Coleman LabBioeng UCSD) .............................................................. 179 Figura 23: Google Glass (Google, 2013) ......................................................................................... 180 Figura 24: Mochila de Mann (2013) ............................................................................................... 182 Figura 25: Percepção -‐ Abordagem tradicional da percepção em IHC. (Kenyon,2011) ................. 187 Figura 26: Percepção: Abordagem Enativa (Kenyon, 2011) ........................................................... 188 Figura 27: Interfaces Enativas. Fonte: Froese et al. 2012 .............................................................. 191 Figura 28: Proposta inicial de Framework. Primeiras ligações. ...................................................... 199 Figura 29: Desenho do Framework-‐ Final – sem fluxos ................................................................. 199
Tabela 1:Conteúdo de HCI ............................................................................................................. 107
Sumário:
01 Introdução ............................................................................................................................. 12
10 Corporificação e Enação ................................................................................................. 25
10.01. O ponto de partida ............................................................................................................ 27
10.10. O conceito de Experiência Humana em Varela, Thompson e Rosh .................................. 34
01.11. A nuvem fundacional de Varela ........................................................................................ 39
10.11.01. A Cibernética ............................................................................................................ 40
10.11.10. O Cognitivismo ......................................................................................................... 42
10.100. O “eu da tempestade” .................................................................................................... 50
10.101.Variedades de Emergência ............................................................................................... 52
10.110. A estratégia conexionista ............................................................................................ 53
10.111. A representação em Varela ............................................................................................. 66
10.1000. Cognição como ação corporalizada ............................................................................... 69
10.1001. A Ciência Cognitiva da Atuação ou Enação ................................................................... 79
10.1010. A via Intermediária ........................................................................................................ 83
11 Experiência do Usuário ................................................................................................... 87
Nos domínios da Técnica .............................................................................................................. 88
11.01. Da Técnica à Tecnologia .................................................................................................... 89
11.10. Uma aspiração despretensiosa ou sobre Arte, Games e Tecnologia Assistiva. ................. 94
11.10.01. A arte e a tecnologia .................................................................................................... 97
11.10.10. Games Digitais .............................................................................................................. 98
11.10.11. Tecnologias assistivas ................................................................................................... 98
11.11. Sobre interação entre homens e máquinas ...................................................................... 99
11.11.01. Interação Humano-‐Computador (IHC) ....................................................................... 102
11.11.01.01. O Conteúdo da Interação Humano Computador .............................................. 107
11.11.10. Design de Interação .................................................................................................... 114
11.11.10.01. Processo de design de interação ....................................................................... 116
11.11.10.10. As metas do Design de Interação: sobre usabilidade e experiência ..................... 118
11.11.10.10.01. Metas de Usabilidade ................................................................................... 118
11.11.10.10.01. Metas de Experiência do usuário ................................................................. 121
11.11.11. Interfaceando, ou enquanto isso na área do Design .................................................. 122
11.11.11.01. Design de Serviços ................................................................................................. 124
11.11.11.10. Design Thinking ..................................................................................................... 126
11.11.11.11. Economia da Experiência ...................................................................................... 128
11.11.11.100. Design de Experiência ......................................................................................... 132
11.100. O caminho do meio? ......................................................................................................... 138
11.100.01. Tecnologia como Experiência ....................................................................................... 139
11.100.10. Experiência do Usuário ................................................................................................. 142
11.100.10.01. UX como fenômeno: ........................................................................................... 145
11.100.10.10. Espaçamentos de Tempo e Experiência do Usuário ........................................... 147
11.100.10.11. UX como prática: ................................................................................................. 148
11.101. Cognição e ação: as visões da Interação Humano-‐Computador ................................... 150
100. Sobre Interação, Corporificação e Enação ..................................................... 154
100.01.Mediação: um conceito unificador ................................................................................ 159
100.10. Os Mediadores de Experiência: equipamentos, dispositivos e tecnologias. ................. 164
100.11. Vidros, mãos, tatuagens e óculos. ................................................................................. 171
100.100. O caminho percorrido ................................................................................................. 182
100.100.01. Sobre a percepção: uma aproximação enativa ...................................................... 184
100.101. Interfaces enativas ...................................................................................................... 188
100.110. Interação Corporificada ............................................................................................... 191
100.111. Corporificação e Enação: epílogo ................................................................................ 194
100.1000. Atenção e a Consciencialização: uma proposta enativa e corporificada para o Design de Interação. .............................................................................................................................. 197
101. Considerações Finais ................................................................................................. 201
110. Referências Bibliográficas .................................................................................... 205
01 Introdução
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“We don’t just use technology; we live with it. Much more deeply than ever
before, we are aware that interacting with technology involves us
emotionally, intellectually, and sensually. For this reason, those who design,
use, and evaluate interactive systems need to be able to understand and
analyze people’s felt experience with technology” (McCarthy & Wright,
2004:IX).
Sabe-‐se que os conceitos centrais da filosofia sofrem transformações em sua história.
Tanto é assim que para se referir a eles é essencial se mencionar a assinatura do filósofo
que os proferiu, pois cada autor emprega conceitos de forma pessoal. Com o termo
"experiência" acontece, no entanto, algo especial, porque as diferenças entre seus
múltiplos significados vão além do plano de nuance, muitas vezes apresentam
significados fundamentalmente diferentes e, em alguns casos, conflituosos.
Tal conflito não está restrito ao campo das discussões filosóficas. Experiência de
consumo, venda de experiências, design de experiências, experiência do usuário. São
muitas as formas sob as quais se encontra tal termo, e compreender seu significado por
meio de uma retomada conceitual é importante para investigar quais seus possíveis
conceitos, seus significados e, finalmente, áreas de conhecimento ou disciplinas
relacionadas a ele.
Inicialmente, parto1 do conceito de Geertz (1986:374) que afirmou que sem experiência
ou algo parecido “análises culturais parecem flutuar vários metros acima dos humanos”.
Ora, se a cultura não deve ser utilizada de forma separada da imaginação, do conforto,
das esperanças, das revoltas e dos temores das pessoas, “ela deve envolver algum tipo de
vida sentida, que poderia muito bem ser chamada de experiência".
McCarthy e Wright, por sua vez, iniciam o prefácio do livro Technology as Experience
assegurando que as pessoas não apenas usam a tecnologia, mas vivem com ela. Muito
mais intensamente do que em épocas anteriores, a interação com a tecnologia se
desenvolve de forma emocional, intelectual, e sensória. Por essa razão, aqueles que
1Embora em todo o restante desta tese predomine o uso da impessoalidade verbal, neste capítulo,
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projetam, usam e avaliam sistemas interativos devem ser capazes de compreender e
analisar a experiência sentida pelas pessoas ao interagir com a tecnologia.
Outra percepção que venho investigando é o fato das pessoas costumarem separar o que
aprendem formalmente (educação) de sua própria experiência, como se não estivessem
envolvidas em sua própria educação. É possível distinguir as relações estabelecidas por
meio da Internet de relacionamentos que experimentados diretamente. Pode-‐se também
fazer distinções entre algo como ler e a experiência real de vivenciar o momento descrito
nos livros.
Com toda a experiência, adquirimos conhecimento, seja essa boa ou má. O conhecimento
é consolidado por meio da construção de interações fortes com ferramentas, dispositivos
e sistemas ou com outras pessoas, a fim de que os padrões e significados em suas
informações possam ser apreendidos.
Penso também que existem muitos tipos de experiências que conferem diferentes tipos
de conhecimento: alguns podem ter significado pessoal (único, construído a partir das
experiências pensamentos ou pontos de vista do indivíduo); outros podem se caracterizar
como locais, quando são compartilhados por algumas pessoas -‐ experiências
compartilhadas; e finalmente acrescento o conhecimento global, que se configura mais
geral, baseado em processos baseados em entendimentos compartilhados e acordos
sobre a comunicação.
Dessa forma, tendo a pensar que a informação forma o estímulo de uma experiência, o
conhecimento se constrói por meio de uma integração de apresentação de informações e
da mente do participante, enquanto o saber se faz a partir do entendimento das
mensagens adquiridas por meio da experiência.
Finalmente, ao analisar o sistema de educação vigente, tanto no meio tradicional, como
no meio digital e online, observei o prevalecimento da subutilização de tecnologias e
dispositivos que privilegiam a interação e a geração de experiências, enquanto, em seu
dia a dia, esse aprendiz -‐ indivíduo conectado -‐, experiência conceitos, conteúdos e
informações a partir de diversas interações propiciadas pelas Tecnologias da Informação
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e Comunicação por meio de diversos dispositivos. Tais interações, extremamente ricas
como forma de experiência, propiciam a aprendizagem não formal.
Movida por esse fato, comecei a me interessar pelos dispositivos digitais, o processo
comunicativo mediado por eles, suas interfaces e formas de interação. Passei também a
perceber como os indivíduos se conectavam a tais dispositivos, que passavam a fazer
parte de suas atividades cotidianas, exercendo papel de extensão de seu próprio corpo.
Nesse sentido, a presente pesquisa visa responder a seguinte questão: é possível criar um
conjunto de heurísticas baseado nas teorias externalistas da filosofia da mente (Mente
Incorporada e Enação) que contribua para o desenvolvimento da área de Design de
Interação.
Como hipótese, trabalho na direção de uma resposta positiva à pergunta apresentada,
pois cada indivíduo estabelece, a partir de tais interações, uma relação cognitiva e de
aprendizado diferenciada, que torna complexos seus canais cognitivos. Com o
lançamento diário de produtos originais e de comportamento complexo, fruto do avanço
da tecnologia, as pessoas tem que lidar com novos códigos, o que torna necessário algum
tipo de aprendizado.
Argumento a favor de um modelo construtivista repensado a partir desses enfoques
contemporâneos, a favor de uma abordagem que acate as descobertas biológicas, sem a
redução do cultural e social ao neurofisiológico. Persevero na característica da interação
expressa em redes de estruturas que se reacomodam e recompõem pela ação, tal como
nos conceitos de Acomodação e Assimilação piagetianos ou da Zona de Desenvolvimento
Proximal de Vygostky2 como alicerce conceitual para refletir sobreo desenvolvimento.
O funcionalismo tradicional que dominou o início das teorias que buscavam compreender
a relação entre o homem e o computador ainda não se dissipou por completo. Parte do
empenho a que se dedica esta Tese procura contrapor essa posição prospectando novas
possibilidades a partir de uma visão mais contemporânea da compreensão da cognição
2Vygotsky, que, embora discordasse de Piaget, admirava seu trabalho, publicou críticas ao suíço em 1932. Compartilho da opinião de muitos estudiosos acreditam que é possível conciliar as obras dos dois.
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humana e como isso procura reduzir substancialmente o atrito entre homem e
tecnologia.
A intenção não é propor o abandono das técnicas e métodos que têm sido usados pelos
designers para tal diálogo (entre homem e tecnologia digital), nem indicar soluções
padronizadas a partir da consideração das semelhanças biológicas entre os seres
humanos, mas tentar contribuir para o avanço do Design de Interação a partir dos
desdobramentos e considerações sobre a compreensão da natureza humana.
A presente pesquisa procura também despertar o interesse de pesquisadores em design
de interação em atualizar-‐se sobre os novos movimentos operados pelas ciências
cognitivas. A tendência enativa, defendida por Varela está longe de ter se tornado um
paradigma de pleno consenso teórico, mas tem aparecido de forma esparsa em alguns
textos e estudos sobre o assunto. No entanto, busca salientar alguns pontos fracos das
ciências cognitivas, em particular a sua tendência a negligenciar fenômenos dinâmicos,
autonomia, ação e contexto.
A investigação busca mostrar que é possível harmonizar alguns desses aspectos
característicos da cognição em uma teoria mais abrangente da qual os designers de
interação e demais interessados possam se beneficiar, seja incorporando novas
heurísticas aos seus projetos, desenvolvendo ou aprimorando suas metodologias de
desenvolvimento. Sobretudo, indica que as interações não são isoladamente
representacionais, mas estão em movimento em direção a um novo conjunto de relações
dinâmicas que devem ser consideradas e isso representa uma mudança paradigmática da
compreensão sobre como nós interagimos com o mundo natural, artificial e tecnológico
que no cerca.
Finalmente acredito na importância da ligação entre as experiências vividas pelo
indivíduo e as ligações dessas com o repertório por ele adquirido ao longo da vida como
elemento fundamental para o processo de construção do conhecimento. Creio também
que os dispositivos digitais, ao propiciarem interações multicanais e multissensoriais
acabam por favorecer o estabelecimento de tais relações e que estas, se pensadas sob o
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prisma dessas duas teorias, podem trazer um benefício muito mais significativo do que o
que já presenciamos, no âmbito das experiências vividas.
O campo interdisciplinar das ciências cognitivas têm tradicionalmente se debruçado sobre
questões que tentam explicar como nossa cognição é modelada e como nossa
compreensão do mundo é construída. Por outro lado, a computação se tornando ubíqua
e os ambientes e dispositivos com os quais as pessoas interagem vem sendo enriquecidos
com novas possibilidades de comunicação e interação. Sendo assim, o campo de
interação humano-‐computador (estudo da interação entre pessoas e computadores) vem
enfrentando novos desafios à medida que as tarefas executadas pelos usuários de tais
dispositivos se tornam complexas e as mediações e interações possibilitadas por eles têm
seus paradigmas modificados.
Noções de computação que figuraram as narrativas, tanto das ciências da computação
quanto das ciências cognitivas, vêm passando nas últimas décadas por importantes
mudanças. A visão externalista explorada atualmente por diversos cientistas das ciências
cognitivas se refere à teoria da Mente Incorporada (Embodiement) e da Enação (Enaction
– en acción) trabalhada do ponto de vista fenomenológico de Husserl e Merleau-‐Ponty, e
atualizadas por filósofos e cientistas como Clark (1997) Varela et al. (1991), Thompson
(2007), entre outros.
Dentre tais obras, minha pesquisa se apoia fortemente no livro “A Mente Corpórea” de
Varela, Thompson e Rosh (1991) e seus desdobramentos nas duas últimas décadas. À
análise de tal obra é dedicado o capítulo XX desta tese.
Embodiement (mente corpórea ou incorporada) essencialmente é a premissa de que
nossos corpos influenciam a forma como pensamos e que os processos cognitivos estão
intrinsicamente conectados aos nossos corpos.
“According to the embodied perspective, cognition is situated in the
interaction of body and world, dynamic bodily process such a motor activity
can be part of reasoning process, and offline cognition is body-‐based too.
Finally embodiment assumes that cognition evolved for action, and because
of this, perception and action are not separate systems, but are inextricably
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linked to each other and to cognition. This last idea is a near relative to the
core idea of enaction” (Hutchins, 1995:428).
Já Enação é a ideia complementar de que nossa experiência do mundo é criada no nosso
organismo, modelada por nossas ações.
“Enaction is the idea that organism create their own experience through
their actions. Organism are not passive receivers of input from the
environment, but are actors in the environment such that what they
experience is shaped by how they act” (Hutchins, 1995:428).
Hutchins aponta que a Enação e a Mente Corpórea são nomes dados a duas abordagens
que se esforçam para uma nova compreensão da natureza da cognição humana, levando
a sério o fato de que os seres humanos são criaturas biológicas. Nenhuma dessas
abordagens é ainda bem definida, mas ambas podem fornecer ferramentas analíticas
para compreensão da cognição do mundo real (Hutchins, 1995).
Essas duas proposições sugerem que nossos corpos biológicos não são receptores
passivos de entrada do ambiente, mas são intérpretes ativos no ambiente. Mentes não
são motores passivos de representação, cuja principal função é criar modelos internos do
mundo externo. As relações entre processos internos e externos são muito complexas,
devem coordenar diferentes escalas de tempo, aspectos internos (memória, atenção e
funções motoras) e externos (objetos, artefatos e dispositivos que nos cercam). Em
outras palavras, as experiências desses corpos biológicos são moldadas por meio de seus
atos, e o processo de cognição (aprender e compreender o mundo) está integrado com o
fazer e com o mundo real experienciado em diversas dimensões.
De fato, é interessante notar, ratificada por meio das observações do nosso quotidiano, o
quanto estamos prontamente inclinados a concordar com tais premissas. Nossos
organismos reagem com grande intensidade pela busca da experiência que inclua o
aparelho sensório-‐motor na atuação com o ambiente: provável maneira encontrada pelos
corpos biológicos para se conectar mais naturalmente ao mundo e adaptar-‐se a ele, e
assim ser transformado e moldado por ele. Dessa forma, a perspectiva cognitiva
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incorporada parece valer em grande parte para o processo de raciocínio e aprendizado
humano.
Em consonância com nossa condição cognitiva incorporada, Andy Clark (2003),
argumenta sobre a facilidade que os humanos têm de se integrar (seus corpos e mentes)
com o mundo artificial e o sistema de objetos que o homem construiu para si próprio:
The accomplished writer, armed with pen and paper, usually pays no heed
to the pen and paper tools while attempting to create an essay or a poem.
They have become transparent equipment, tools whose use and functioning
have become so deeply dovetailed to the biological system that there is a
very real sense in which—while they are up and running—the problem-‐
solving system just is the composite of the biological system and these non-‐
biological tools. The artist’s sketch pad and the blind person’s cane can
come to function as transparent equipment, as may certain well-‐used and
well-‐integrated items of higher technology, a teenager’s cell phone
perhaps. Sports equipment and musical instruments often fall into the same
broad category (2003:38).
O autor também destaca o processo pelo qual as pessoas se tornam aptas a interagirem
com essas ferramentas, argumentando que não nascem com as habilidades necessárias,
mas que seus organismos biológicos são moldados para interagir com essas ferramentas,
que apresentam diferentes níveis de dificuldade de apreensão o que possibilita tal
integração (Clark, 2003).
Often, such integration and ease of use require training and practice. We
are not born in command of the skills required. Nonetheless, some
technologies may demand only skills that already suit our biological
profiles, while others may demand skills that require extended training
programs designed to bend the biological organism into shape (2003: 38).
Isso abre espaço para a compreensão de que a interação não é somente sobre o que está
sendo feito, mas também como essa relação é estabelecida. Mais do que isso, coloca
definitivamente juntos corpo, mente e ambiente em uma tentativa de compreendê-‐los
22
conectados, em consonância, tornando Embodiement e Enaction perspectivas
interessantes para pensar como a cognição humana opera com o mundo natural e que
tipo de conhecimento pode emergir para a compreensão do homem que interage com as
tecnologias digitais.
Embodiment, segundo o Varela e seus colegas, significa que o processo cognitivo está
incorporado, integrado em nosso corpos, enquanto Enaction (enação) sugere uma
espécie de ação futura. Uma qualidade de potencialidade de ação e ambos os conceitos
estão relacionados. Ainda segundo os pesquisadores (Varela, Thompson, & Rosh 1991;
Thompson, 2005) é possível identificar cinco ideias vinculadas que compõem a noção de
enação. A saber: autonomia, produção dos sentidos, emergência, incorporamento e
experiência (autonomy, sense-‐making, emergence, embodiment and experience).
O que se mostra atraente nessa perspectiva é considerar o que pode emergir dessa
concepção na construção do diálogo com a tecnologia, sobretudo num contexto de
ubiquidade, no qual o computador não é mais um aparelho limitado somente às mesas de
trabalho. Com o avanço da tecnologia qualquer (objeto pode ser um computador em
potencial, desde que tenha capacidade para manipular e executar instruções.
Muito da ecologia tecnológica3, personificada nos novos artefatos digitais sofreu
profundas transformações nos últimos anos. A diversidade, a onipresença e o tamanho
das telas passaram a variar significantemente, e o novo cenário de ubiquidade
(mobilidade + pervasividade) vem proporcionando uma potencialização ainda maior de
tais artefatos, que estão passando a incorporar em seus paradigmas de interação (mais
naturais) os gestos, movimentos, vozes e sons. Mas, para isso, é preciso estabelecer uma
nova base crítica para reformular as ciências cognitivas dentro dessa nova perspectiva,
baseada na Personificação (corporificação -‐ Embodiment) e na Enação. Esses movimentos
já estão ocorrendo gradativamente nas ciências cognitivas e de forma mais sutil na
computação, mas é necessária uma solidificação para que os designers possam projetar à
luz desses novos conhecimentos.
3 Por Ecologia Tecnológica pode-‐se definir o conjunto complexo de técnicas, artes e ofícios (techné) capazes de modificar/transformar o ambiente natural, social e humano (cognitivo), em novas realidades construídas artificialmente.
23
Diante de tais considerações, cabe observar o que se entende por processo de design na presente
pesquisa: algo que abrange desde as primeiras impressões e especulações a respeito das relações
que podem ser estabelecidas entre usuários e objetos interativos, até o produto final. Vale
destacar que aqui também há preocupação com o fator interdisciplinar que envolve tais
processos.
É importante ressaltar o caráter teórico e pretensão prática dessa pesquisa. Por meio dos
conceitos de Enação e Corporificação de Varela (et al., 1991) e das reflexões teóricas sobre as
áreas de Interação Homem Computador e Design de Interação, procurei estabelecer uma base
teórica consistente, para, a partir dela, propor uma maior aproximação entre a área da
computação e do design em prol do desenvolvimento de sistemas interativos que considerem as
teorias de Varela.
A presente pesquisa está dividida em três blocos compostos por XX subcapítulos. Em um
primeiro momento faço uma retomada da trajetória de pesquisa de Varela, Thompson e
Rosh a partir das discussões de Merleau-‐Ponty e Huseurl, e aponto para o
desenvolvimento de tais teorias nas décadas que sucederam a publicação de seu
trabalho, traçando uma aproximação com a realidade da Ciência Cognitiva atual.
Posteriormente proponho levantar o estado da arte do Design de Interação, partindo da
concepção clássica de Interação Humano Máquina (posteriormente chamada de
Interação Homem Computador) e chegando às discussões apresentadas por Preece,
Rogers e Sharp, em seu livro Design de Interação e às concepções de Shedroff (Design de
Experiência), Tim Brown e outros teóricos do design e seus desdobramentos.
A seguir, partindo de um levantamento de áreas que tradicionalmente lidam de forma
inovadora com os processos interativos, seus projetos e aplicações, procuro estabelecer
um conjunto de elementos que devem ser considerados no processo de design de novos
dispositivos interativos, visando o estabelecimento de boas práticas, um conjunto de
heurísticas ou até mesmo a construção de um framework de desenvolvimento e avaliação
corporificada de dispositivos interativos.
Finalmente, o último capítulo as potencialidades, limites e possibilidades vislumbradas
nessa tese. Faço uma releitura dos principais assuntos abordados de forma sucinta, e
intento reafirmar como se estabelecem as relações entre a tecnologia e seus dispositivos
24
e o Design de Interação, sob a perspectiva dos conceitos de Enação e Embodiment.
Destaco as conclusões da presente pesquisa e trabalhos futuros.
10 Corporificação e Enação
26
As Ciências Cognitivas (estudo da mente e da inteligência), por ter natureza
interdisciplinar, propiciou dar subsídio a vários campos de investigação, entre elas a
Interação Humano-‐Computador. Muito do que se sabe sobre tal área, porém, é baseado
em noções ultrapassadas das ciências cognitivas, que postulava que as pessoas se
comportavam como processadores de informação e que pensar tinha um processo muito
semelhante ao de computar.
Assim, visando a conseguir uma aproximação entre tais áreas, e fazer uma análise sobre a
complexificação de relações estabelecidas entre os humanos e as máquinas nas últimas
décadas, é de suma importância que haja a adoção de um partido teórico. Nesse sentido,
pensar na experiência como algo que deve estar muito próximo da ciência, como se corpo
e alma estivessem juntos é o que propõem Varela, Thompson e Rosh, em seu livro “The
embodied mind – cognitive Science and human experience”, publicado originalmente pelo
MIT em 1991. Vale ressaltar que para a presente pesquisa foram usadas três diferentes
edições do livro: uma em língua portuguesa, editada pelo Instituto Piaget (Lisboa); outra
em língua portuguesa, editada pela Artmed (Brasil) e, finalmente, uma em inglês, editada
pela MIT Press. Tal fato pode ocasionar diferenças nas numerações das páginas citadas,
mas é de grande importância para o entendimento das distintas interpretações e
traduções de termos.
Na década de 1990, a feitura do livro representou um amplo desafio a ser enfrentado,
pois os postulados apresentados pelos autores significavam uma grande ruptura com os
paradigmas das Ciências Cognitivas da época. Analisando o campo da ciência cognitiva
por meio de dois estágios (estádios, na tradução portuguesa)-‐ cognitivismo e emergência
-‐, os autores explicam que nenhuma dessas abordagens leva em conta o papel da
experiência corporal no processo de percepção, argumentando que essa experiência é
uma condição necessária para as funções cognitivas, ou seja, eles estavam valorando a
importância das experiências nas percepções humanas e nas consequentes formas de
saber e conhecer, o que eles intitularam de enação.
Nesta parte da tese é feito um levantamento da teoria proposta com a finalidade de
aproximação com a área de IHC (Interação Humano-‐Computador), para finalmente, a
partir do estudo da IHC e de um levantamento de proximidades e distanciamentos entre
27
as áreas, propor o desenvolvimento de um Framework, ou boas práticas, que possibilite
uma análise mais precisa das experiências propostas por tais interfaces e as interações
que elas propiciam.
10.01. O ponto de partida
No seu sentido mais lato o termo “Ciência Cognitiva é utilizado para indicar que o estudo
da mente é em si mesmo um empreendimento científico de valor”. (Varela et al.,
2001:27). É o estudo científico interdisciplinar da mente e seus processos que surgiu em
meados do século XX como consequência da Cibernética. Examina o que é cognição, o
que ela faz e como ela funciona. Inclui pesquisa sobre inteligência e comportamento,
especialmente em como a informação é representada, processada e transformada
(percepção, linguagem, memória, raciocínio e emoção) nos sistemas nervosos (animal,
humano ou outro) e nas máquinas (por exemplo, computadores). A Ciência Cognitiva
consiste de várias disciplinas de pesquisa, incluindo psicologia, inteligência artificial,
filosofia, neurociência, linguística e antropologia (Thagard, 2012). Ela abrange vários
níveis de análise, de baixo nível de aprendizagem e mecanismos de decisão de alto nível
lógica e de planejamento. O conceito fundamental da ciência cognitiva é "que o
pensamento pode ser mais bem entendido em termos de estruturas de representação na
mente dos processos computacionais que operam nessas estruturas" (Thagard, 2012).
Para Varela (et al., 2001), na década de 1990, as Ciências Cognitivas ainda não eram
maduras, por não possuir ainda um rumo definido nem um número grande de
pesquisadores constituídos em uma comunidade científica forte. Dizem que tem um polo
importante ocupado pela Inteligência Artificial e outros lugares de destaque ocupados
pela Linguística, Neurociência, Psicologia, Antropologia e Filosofia da Mente, conforme a
própria de definição de Thagard (2012).
Os autores (Varela et al.,2001) desenvolveram, então, um diagrama conceitual das
ciências cognitivas: um mapa polar com as disciplinas contribuintes posicionadas nos
espaços angulares e as abordagens diferentes no eixo radial. Neste diagrama foram
posicionados ainda os distintos teóricos. O resultado é apresentado a seguir:
28
Figura 1: diagrama conceitual. Fonte: Varela et al, 1993.
Com a finalidade de fazer uma aproximação entre os conceitos trabalhados por Varela e
seus colegas e o estado da arte da interação entre homens e máquinas, na última parte
desta tese, é apresentada uma atualização desse diagrama, incluído novas pesquisas e
suas relações com os teóricos da Interação Humano-‐Computador.
Sobre o diagrama inicial, percebe-‐se a presença de três anéis, correspondentes aos
enquadramentos teóricos no âmbito da Ciência Cognitiva que têm uma posição
importante (cognitivismo, emergência e enação), e, dispostas em volta do círculo, as
principais disciplinas que contribuem para formação de tal campo: Psicologia Cognitiva,
Neurociência, Filosofia, Linguística e Inteligência Artificial.
Em outras palavras, para os autores, o centro do diagrama é composto pelo núcleo da
Ciência Cognitiva, conhecida como cognitivismo. Para eles, a ferramenta mais importante
e metáfora-‐guia do cognitivismo é o computador digital, pois de antemão é possível dizer
que esta “consiste na hipótese de que a cognição – incluindo a cognição humana – é a
manipulação de símbolos nos moldes daquilo que é executado pelos computadores
digitais” (Varela et al., 1993:30), ou seja, que a cognição é uma “representação mental” e
29
que a “mente é definida como operando em termos de manipulação de símbolos que
representam características do mundo ou representam o mundo como sendo de um
determinado modo”. Sendo assim, nessa hipótese há uma independência da
neurobiologia, sociologia e antropologia, uma vez que a inteligência se assemelha de tal
forma à computação em suas características essenciais, que a cognição pode ser definida
por computações sobre representações simbólicas.
Novas abordagens teóricas como a (Teoria dos Sistemas, Ciência da Computação,
Robótica e Cibernética, entre outras) e avanços tecnológicos, bem como a oposição
existente na época, ao Behaviorismo4, impulsionam o surgimento do Cognitivismo sob a
abordagem do Processamento da Informação.
O cognitivismo tem como maior virtude o fato de se apresentar como um programa de
investigação perfeitamente definido, dessa forma, os autores o definem como centro do
diagrama, uma vez que ao dominar de forma tão retumbante as investigações no campo
das Ciências Cognitivas, é visto muitas vezes como a própria. (Varela et al., 2001)
Baseado na afirmação de que o comportamento inteligente pressupõe a capacidade de
representar o mundo de certa maneira, o ponto de vista cognitivista deduz que só será
possível explicar o comportamento cognitivo se for possível supor um agente
representando traços pertinentes das situações em que se encontra. “Na medida em que
sua representação de uma situação seja precisa o comportamento do agente será bem
sucedido” (Varela et al., 1993: 73).
Em meados da década de 1980, porém, surgiram várias abordagens alternativas à
cognição que divergem do cognitivismo por duas linhas básicas de raciocínio:
• Crítica do processamento de símbolos como meio apropriado para representações
• Crítica da adequação da noção de representação baseada na tese de Arquimedes
a respeito da Ciência Cognitiva.
A emergência (ou conexionismo) tem base na ideia de que muitas tarefas cognitivas
parecem ser executadas de uma melhor forma por sistemas constituídos por muitos 4Em 1914, Watson publica o "Manifesto Behaviorista", no qual propõe uma psicologia do comportamento que é experimental, observacional e não introspectiva.
30
componentes simples, que, ligados por regras apropriadas, dão origem a um
comportamento correspondente à tarefa desejada. É a estratégia conexionista que a
partir de um conjunto de componentes simples, ligados apropriadamente, obtém
propriedades globais que concretizam e exprimem as capacidades cognitivas. Portanto,
toda abordagem depende das ligações apropriadas.
Em outras palavras, avaliam os autores (1991), considera-‐se que os cérebros operam de
maneira distribuída com base em interconexões massivas, de forma que as conexões
efetivas entre conjuntos de neurônios se modifiquem em função do desenrolar da
experiência.
Sendo assim, é possível fazer um paralelo com a Tecnologia da Informação e
Comunicação (TIC). Na emergência não existe necessidade de uma Unidade Central de
Processamento para guiar a operação, é a cooperação global que “emerge” quando os
componentes participantes atingem um estado mutuamente satisfatório, da mesma
forma, a TIC tem evoluído de um modelo centralizado para descentralizado: de antigos
computadores de grande porte (mainframes e PCs) para milhões de pequenos
computadores conectados travestidos em diversos e heterogêneos dispositivos
computacionais (notebooks, tablets, celulares etc.) e de sistemas de informações
centralizados para componentes e serviços disponibilizados em diferentes locais gerando
novos serviços.
Em termos do tratamento da informação simbólica, é possível afirmar que enquanto o
modelo cognitivista repousava em regras sequenciais, localizadas, no conexionismo os
conjuntos apresentam capacidades auto-‐organizadoras, distribuídas, o que garante uma
equipontencialidade e imunidade relativas, em face de possíveis mutilações do sistema.
Ainda no conexionismo não há necessidade da intervenção de uma unidade central de
tratamento visando a guiar o conjunto da operação, ou seja, o sistema opera com a noção
complexa de propriedades emergentes. A “passagem de regras locais a uma coerência
global está no coração do que se costumava chamar auto-‐organização, nos anos
cibernéticos. Hoje, prefere-‐se falar de propriedades emergentes ou globais, de dinâmica
de redes, de redes não lineares, de sistemas complexos, ou mesmo de sinergética”
(Varela et al., 1993: 136).
31
A pressuposição tácita do cognitivismo e do conexionismo, segundo Varela (et al., 1993),
é a de um realismo cognitivo, ou seja, o mundo pode ser dividido em regiões de
elementos e tarefas discretos. A cognição, nesta abordagem, consistirá em uma resolução
de problemas que deve, para ser atingida, respeitar os elementos, as propriedades e
relações próprias a essas regiões já dadas. Em ambos os modelos permanece o projeto de
incorporar o conhecimento do mundo anteriormente existente na forma de uma
representação (como reapresentação deste mundo).
Varela (et al., 1993) tratam como terceiro estádio a "enação", no qual pretendem inverter
este projeto e tratar o saber dependente do contexto não como um artefato residual que
poderá ser eliminado progressivamente pela descoberta de regras cada vez mais
elaboradas, mas com a mesma essência da cognição criativa.
A cognição, para os autores, dependerá dos tipos de experiência que decorrem do fato de
se ter um corpo dotado de diversas capacidades sensório-‐motoras que se inscrevem em
um contexto biológico, psicológico e cultural mais amplo. Portanto, nesse caso, a
cognição é vista como ação corporizada. Parte dos pressupostos de que habitamos um
mundo com propriedades particulares como o comprimento, a cor e o movimento e que
existe um “self” separado e subjetivo que opera essas coisas.
A partir de uma análise da percepção da cor, os autores argumentam que as cores não
estão lá fora, independentes de nossas capacidades perceptivas e cognitivas, nem "aqui
dentro", independentes de nosso meio biológico e nosso mundo cultural:
“Nossa intenção é contornar inteiramente esta geografia lógica do ‘interior
contra exterior’ estudando a cognição não como reconstituição ou
projeção, mas como ação encarnada” (Varela et al., 1993: 234).
“Recorrendo ao termo ação, queremos sublinhar [...] que os processos
sensoriais e motores, a percepção e a ação são fundamentalmente
inseparáveis na cognição vivida. Com efeito, eles não estão associadas nos
indivíduos por simples contingência; eles evoluíram juntos.” (Varela et al.,
1993: 234).
32
A Enação, termo cunhado por Varela e Maturana (1980), a partir da expressão espanhola
enacción (também chamada em português de Atuacionista ou Enação), e sua noção de
Mente Incorporada (ou corpórea – na tradução portuguesa ou ainda Embodiment), indica
um caminho paradigmático nas ciências cognitivas: O verdadeiro conhecimento do
funcionamento da mente e a elucidação dos fenômenos da consciência exigem uma
ruptura com a tradição científica ocidental para dar espaço a uma nova práxis científica
que “incorpore” técnicas de reflexão típicas das epistemes orientais (atenção –
consciencialização).
Portanto, a enação pode ser compreendida em dois pontos congruentes e
complementares:
1 -‐ A ação guiada pela percepção, ou seja, a compreensão da percepção é a compreensão
da forma pela qual o sujeito percebedor consegue guiar suas ações na situação local.
“Na medida em que estas situações locais transformam-‐se constantemente
devido à atividade do sujeito percebedor, o ponto de referência necessário
para compreender a percepção não é mais um mundo dado
anteriormente, independente do sujeito da percepção, mas a estrutura
sensório-‐motora do sujeito” (Varela et al., 1993: 235).
2 -‐ A cognição, em suas estruturas, emerge dos esquemas sensório-‐motores vivenciados
que permitem à ação ser construída e guiada pela percepção. É a estrutura vivencial
sensório-‐motora contextualizada, “a maneira pela qual e sujeito percebedor está inscrito
num corpo, [...] que determina como o sujeito pode agir e ser modulado pelos
acontecimentos do meio” (Varela et al., 1993: 235).
Bom, se de um lado as duas primeiras formas de Ciência Cognitiva partem do ponto de
vista de que a cognição e a mente se devem inteiramente às estruturas particulares do
sistemas cognitivos, enquanto na abordagem enativa as relações que se estabelecem são
muito mais complexas, como pode-‐se ver a seguir (Gráfico 01):
33
Gráfico 1: Interdependência do Meio ambiente e da corporificação (Varela et al., 2001)
No gráfico apresentado percebe-‐se que há uma possibilidade de desenvolvimento
semelhante a uma pintura de Escher: cada forma de comportamento e de experiência
pode estar associada a estruturas cerebrais específicas; no sentido inverso, alterações na
estrutura cerebral manifestam-‐se por alterações comportamentais e experienciais;
qualquer descrição científica (refletida) deve ser um produto da estrutura do nosso
sistema cognitivo e que esse ato de reflexão é feito a partir de um meio ambiente (no
sentido heideggeano) de “crenças, práticas biológicas e culturais”; e ainda, como estamos
a fazer esse meio ambiente, no gráfico é posta pelos autores mais uma legenda, que
implica os pensamentos filosóficos de uma pessoa supostamente corporalizada. (Varela
et al., 2001: 35)
Portanto, o tema central da discussão dos autores é a exploração dessa circularidade,
fazendo uma aproximação entre as Ciências Cognitivas e a Experiência:
“é apenas por ter um sentido de base comum entre ciência cognitiva e
experiência humana que a nossa compreensão da cognição pode ser mais
completa e atingir um nível satisfatório” (Varela et al., 2001: 38).
34
E os autores, na sequência do texto dizem que sua proposta é “alargar o horizonte da
ciência cognitiva para quese possa incluir o panorama mais abrangente da experiência
humana vivida numa analise disciplinada e transformativa” (2001:38).
10.10. O conceito de Experiência Humana em Varela, Thompson e Rosh
Para tratar a questão da experiência, os autores mostram-‐se fortemente influenciados
pela filosofia de Merleau-‐Ponty, e apontam que, na filosofia ocidental, ele é um dos
poucos filósofos que exploram o entre-‐deux fundamental entre ciência e experiência,
experiência e mundo” (Varela et al., 2001:39).
A fenomenologia enquanto movimento e método do pensar inicia-‐se com o filósofo
Edmund Husserl e tem como mote o “retorno às coisas mesmas”, o regresso aos
fenômenos, ao modo de aparecer vivido antes de ser tematizado.
Nas palavras de Merleau-‐Ponty (1994:02-‐03) “trata-‐se de descrever e não de explicar nem
analisar”, ou seja, expor ou apontar os fenômenos sem recorrer à explicação própria das
ciências ou à análise que decompõe. Ora “todo o universo da ciência é construído sobre o
mundo vivido”, sobre a “experiência do mundo” e é o regresso a “este mundo antes do
conhecimento, mas de que o conhecimento fala sempre” a que a fenomenologia visa. Tal
retorno, para o autor, é a um mundo originário, que “já está lá” antes de ser estabelecido
pela consciência. A principal ideia nesse caso é captar a “relação natural” com o mundo,
reestabelecer um contato ingênuo, ou seja, essencialmente perceptivo e conferir-‐lhe um
estatuto filosófico.
Nesse sentido, Husserl apontava para a necessidade de uma “fenomenologia genética”
(construtiva) que descrevesse a realidade no seu emergir imediato, no seu germinar como
movimento, sem influência cientista, historiadora ou psicologista.
Na perspectiva de Husserl adotada por Merleau-‐Ponty, tudo o que se conhece do mundo
se dá por meio da vivência, da experiência singular, individual; mesmo na ciência, o
universo que ela constrói é edificado sobre vivências e experiências. A ciência nunca
alcançará o mesmo sentido que o mundo percebido, pois o mundo percebido é um
mundo vivido, é uma experiência vivencial que é descrita, e a ciência é apenas explicação
ou análise desse mundo percebido.
35
De acordo como autor, para se alcançar o verdadeiro sentido do mundo não se pode
sucumbir às análises reflexivas e aniquilar a própria reflexão, isso resultaria numa
“subjetividade invulnerável” ausente de ser e de tempo, não se deve ignorar a reflexão
como acontecimento, uma vez que ela se manifesta como uma verdadeira criação, em
que o mundo é dado ao sujeito porque “o sujeito é dado a si mesmo” (Merleau-‐Ponty,
1994:05).
Dessa forma, para Merleau-‐Ponty, o real deve ser mais uma vez descrito e não construído
ou constituído, como pensava Husserl, uma vez que ele é a própria gênese e precisa dos
nossos juízos tematizados para existir. O mundo é um meio natural e é a origem de todos
os pensamentos e percepções do indivíduo. Para Husserl, não sou eu que o crio ou
constituo, apenas o percepciono e o descrevo, ou seja, o homem é o que é porque está
no mundo e é nele que ele se reconhece.
Ao delimitar uma atitude natural que consistia em “crer na realidade do mundo e de mim
mesmo”, Husserl procurava uma atitude não ingênua, que não confunde o mundo com
uma realidade objetiva em si, fazendo dele um objeto de ciência. O retorno ao mundo
originário, ao mundo antes de ter sido parcelado e tematizado pelas ciências, implica que
seja colocado entre parênteses, suspenso. A esse movimento ou atitude Husserl dá o
nome de “redução fenomenológica”, ou epoché.
A epoché, portanto, é o empenho em regressar à experiência original e ao mundo original
privados da contaminação pelo mundo científico. Trata-‐se, portanto, de colocar entre
parênteses as teses cogitativas que foram operadas, e em vez de viver-‐se nelas, de as
operá-‐las, deve-‐se operar atos de reflexão dirigidos a elas, a fim de captá-‐las como o ser
absoluto que são (Husserl, 1950).
Varela (et al., 2001) afirmam, porém, que tal autor não conseguiu prosperar nos seus
próximos passos, porque tornou sua estrutura inteiramente abstrata e inacessível. De
qualquer forma, tratou em seus estudos da base do método da reflexão fenomenológica:
concentra-‐se na experiência da consciência naquilo que chamava de “mundo vivido”. A
tarefa do fenomenologista, então, torna-‐se a análise da relação essencial entre
consciência, experiência e este mundo da vida.
36
Para Husserl, de acordo com Varela (et al., 2001:42), o desenvolvimento de uma ciência
do mundo da vida, a fenomenologia pura, era uma forma de estabelecer ligação entre a
“ciência e a experiência sem sucumbir ao objetivismo do estilo galileico e por outro lado
ao irracionalismo do existencialismo”.
Para Varela, Husserl reconheceu essa circularidade, mas de forma parcial, e tentou lidar
com ela de uma forma interessante: que o mundo da vida era na verdade “um conjunto
de pré-‐conhecimentos sedimentados ou assunções que o fenomenologista podia tornar
explícitas e tratar como um sistema de crenças, ou seja, tentou romper o círculo tratando
o meio ou plano de fundo como sendo composto essencialmente de representações”
(Varela et al., 2001:43), ou seja, passou a lidar e compreender a análise do mundo da vida
em campus filosófico e não antropológico ou histórico, o que determinou, nesse caso, a
queda da fenomenologia como resposta às hipóteses formuladas por Varela e seus
colegas.
Já para Merleau-‐Ponty, o mundo é um meio natural e a origem de todos os pensamentos
e percepções, não é o indivíduo que o cria ou constitui, ele apenas o percebe e o
descreve. No fundo o homem é o que é porque está no mundo e é nesse que ele se
conhece.
De fato, de acordo com Merleau-‐Ponty a fenomenologia é o “estudo das essências”, mas
essas são recolocadas na existência e o mundo só pode ser compreendido a partir da sua
“facticidade” e contingência. As essências não devem ser entendidas como um fim, mas
como meio e a necessidade que temos de passar pelas essências não implica que “a
filosofia as tome por objeto, antes ao contrário a nossa existência é estritamente tomada
no mundo para se conhecer como tal no momento em que ela se estende e tem a
necessidade do campo da idealidade para conhecer e conquistar a sua facticidade”. Para
o autor, procurar as essências significa ir às coisas mesmas, o mundo é aquilo que se
percebe, que se vê e não aquilo que se pensa. (Merleau-‐Ponty, 1994:15).
Sendo assim, percebe-‐se a fenomenologia para tal autor como elemento determinante na
orientação do seu projeto filosófico que visa a elucidar a experiência do ser humano no
37
mundo. Dessa forma, o propósito não era chegar a um sujeito puro, constituinte, mas,
sim, regressar ao mundo originário e vivo, a partir da experiência perceptiva.
Já a Teoria Psicanalítica, desenvolvida por Freud no fim do século XIX, alternativa à não
razão, conseguiu provavelmente ter mais influência nas concepções populares ocidentais
da mente do que qualquer outro simples fator cultural. Segundo Varela (et al., 2001), as
pessoas acabaram por acreditar que têm um inconsciente que é primitivo tanto sob
ponto de vista do desenvolvimento como do simbolismo, e que podem explicar grande
parte de sua vida vígil5 por meio dele. Mas, argumentam os autores, que o método
psicanalítico sofre da mesma tendência científica e fenomenológica que é o pensamento
ocidental a posteriori. E propõem que a solução está em uma tradição filosófica não
ocidental: o Método Atenção6/Consciencialização.
Os autores de Mente Corpórea buscaram apresentar esse método com base na
experiência budista da meditação. Essa descrição foi estudada e observada por meio de
entrevistas de professores tradicionais e estudantes do budismo contemporâneo. Na
meditação seu objeto de atenção é a respiração (entre estar presente e não estar
presente no mundo): é encontrar-‐se ligado à sua própria experiência humana.
A prática da meditação budista de atenção/consciencialização pretende ser exatamente
oposta ao conceito de meditação em seu sentido lato na tradição ocidental7. De seu
ponto de vista da meditação de Atenção/Consciencialização os seres humanos não estão
presos para sempre na atitude abstrata; A dissociação da mente, do corpo, e da
experiência é, nessa tradição, resultado dos hábitos e esses podem ser quebrados ou
desconstruídos. Para os autores a Atenção/Consciencialização pode se desenvolver como
treino de bons hábitos (uma das abordagens) ou ainda pode considerar o estado natural
da mente que foi temporariamente obscurecido por padrões habituais de apreensão e
ilusão.
5Motivos, fantasias, preferências e aversões, comportamentos e sintomas patológicos. 6este termo é usado para designar como estar presente diante da sua própria existência humana. 7que prega a consciência num único objeto, um estado de relaxamento benéfico em termos médicos e psicológicos, um estado dissociado em que podem ocorrer fenômenos de transe e um estado mítico no qual são experienciadas realidades mais elevadas ou objetos religiosos.
38
Varela (et al., 2001:53), à medida que esses hábitos “são trespassados e se aprende uma
atitude de deixar correr, a característica da mente de se conhecer e de refletir sua própria
experiência pode sair bastante reforçada, e isso é o princípio da maturidade (prajña)”.
Importante salientar que não existe, na tradição budista, um conhecedor/observador
abstrato de uma experiência que esteja separado da própria experiência.
A prática budista de Atenção/Consciencialização não é, dessa forma, usada como um ato
místico, mas, sim, com a finalidade de tornar as pessoas atentas a suas mentes,
experienciando aquilo que cada um faz, enquanto faz: estar presentes com a mente de
cada um”. Ou seja, no budismo, a finalidade de acalmar a mente não é para se tornar
absorvida, mas para tornar a mente capaz de estar presente consigo própria o tempo
suficiente para ser capaz de adquirir uma visão da sua própria natureza e pensamento.
(Varela et al., 2001:50)
A meditação de Atenção/Consciencialização trabalha diretamente com a corporalidade
básica das pessoas. Trata-‐se de uma questão de simples experiência o fato de corpo e
mente poderem ser dissociados, da mente poder divagar, de poder não ter consciência
de onde se está e do que corpo ou mente estão fazendo. Mas, esse hábito de desatenção
pode ser alterado: a mente e o corpo podem ser juntos, perfeitamente coordenados.
Os autores argumentam então, que a reflexão teórica, nesse sentido, não necessita ser
desatenta e descorporalizada. A asserção de base dessa abordagem progressiva da
experiência humana é que a relação ou modalidade mente-‐corpo não é simplesmente
fixada e dada, mas pode ser fundamentalmente alterada. Em conclusão, é necessário
adaptar uma perspectiva disciplinada da experiência humana que permita alargar o
domínio da Ciência Cognitiva de modo a incluir a experiência direta. Assim sugeriram que
tal perspectiva já existe sob a forma da meditação de Atenção/Consciencialização.
Como tal prática, a filosofia fenomenológica e a ciência são atividades humanas, cada
uma delas é uma expressão da corporalidade. Os autores acreditam que a Meditação de
Atenção/Consciencialização pode, então, fornecer uma ponte natural entre a Ciência
Cognitiva e a experiência humana.
39
“Para nós torna-‐se particularmente impressionante a convergência que
descobrimos entre alguns dos principais temas da doutrina budista, da
Fenomenologia e da Ciência Cognitiva – temas relacionados com o eu e a
relação entre sujeito e objeto” (Varela et al., 2001:61).
Dessa forma, as práticas de Atenção/Consciencialização são descritas por eles como a
libertação de hábitos de desatenção, mais uma desaprendizagem do que uma
aprendizagem. É exatamente quando o meditador se aproxima do desenvolvimento da
atenção com as maiores ambições – de adquirir uma nova competência – que a sua
mente se fixa e corre e a Atenção/consciencialização escapa. Ou seja, quando o
meditador da atenção começa a deixar-‐se ir, em vez de lutar para atingir algum estado
particular de atividade, então o corpo e a mente estão naturalmente coordenados e
corporalizados. A reflexão de atenção é então considerada como uma atividade
completamente natural.
01.11. A nuvem fundacional de Varela
Como visto anteriormente, as Ciências Cognitivas avançam rapidamente, e Francisco
Varela foi um dos autores responsáveis por parte importante desse avanço ao criar uma
ligação entre a fenomenologia existencialista e o fenômeno do “conhecer”.
É possível dizer que a ciência ocidental estava parada no tempo, cuja exterioridade dos
tecnicismos mobilizados pela fúria do capital e pelo progresso tecnológico em seu sentido
comum haviam vedado o desenvolvimento das “ciências e técnicas de si” e dos “saberes
etopoiéticos” (Foulcault 2004:290). A partir dos estudos de Varela, pode-‐se dizer que
houve uma retomada e consequente desenvolvimento, e dessa forma, passou-‐se a
apontar caminho científico diferente para o conhecimento e o fenômeno do conhecer.
A verdade de Varela era também a buscada por Heidegger em sua genealogia da verdade
(Dreyfus e Rabinov, 1995), sendo assim, a partir da filosofia heideggeana de acesso à
verdade inacessível pelas obstruções da despersonalização e da impessoalidade,
Francisco Varela tornou-‐se um dos maiores pesquisadores do século XX, quando
demonstrou os meios de acesso a conhecimentos inacessíveis pelas vias convencionais do
corpo sensorial atuante no mundo.
40
“É somente tendo uma visão do fundamento comum entre as ciências
cognitivas e a experiência humana que nossa compreensão da cognição
pode ser mais completa e atingir um nível satisfatório. Propomos uma
tarefa construtiva: alargar o horizonte das ciências cognitivas de forma a
incluir, num escopo mais abrangente, a experiência humana vivida, por
meio de uma análise disciplinada e transformadora.” (Varela et al.,
1993:14)
Ou ainda:
“Nossa preocupação é a de abrir um espaço de possibilidades no qual a
circulação entre ciência cognitiva e experiência humana possa ser
apreciada na sua totalidade e permita encorajar possibilidades de
transformação da experiência humana numa cultura científica.” (Varela et
al., 1993:20)
O objetivo deste item da pesquisa é apresentar a análise da mente proposta por Varela e
seus colegas considerando a Meditação da Atenção/Consciencialização em contraponto
às concepções ocidentais tradicionais cognitivas da mente.
10.11.01. A Cibernética
Quando a maioria dos temas já havia sido introduzidos nos anos formativos da Ciência
Cognitiva (1943 a 1953), surge uma nova ciência que foi batizada de Cibernética.
De uma maneira geral reconhece-‐se que o aparecimento científico data de 1948, quando
o matemático americano Norbert Wiener publicou o seu trabalho “Cibernética ou
Regulação e Comunicação no Animal e na Máquina”. A palavra cibernética, porém, não
era um neologismo de Wiener, pois o termo fora empregado anteriormente por Maxwell8
para determinar os estudos dos mecanismos de repetição, e antes aindapor Ampère, que
considerava como tal não a automação, mas a ciência dos meios de governo assegurando
aos cidadãos a possibilidade de usufruir plenamente as benesses deste mundo. Se for
8Ao descrever a Psicocibernética, que diz que todos nós temos uma imagem formada de nós mesmos desde criança, e essa imagem funciona como um objetivo para o inconsciente, e acaba nos levando para essa direção, quer conscientemente queiramos ou não. Se temos uma imagem positiva de nós mesmos, a vida acaba caminhando nessa mesma direção e vice-‐versa.
41
feito um retrocesso ainda maior é possível chegar ao kubernetes de Platão, que significa
piloto, para designar a arte de pilotagem, bem como, em sentido figurado, a arte de
dirigir os homens.
Ora, a Ciência, tanto como Ciência na concepção moderna definida por Norbert Wiener, é
a teoria da regulação e da comunicação, quer na máquina, quer no animal, portanto, o
mérito do matemático consiste em ter sido ele o primeiro a compreender que, graças aos
progressos de um grande número de disciplinas científicas (como a fisiologia, a Teoria da
Informação, a Teoria das Probabilidades e a Teoria dos Autômatos) era possível
aproximar os homens das máquinas.
Porém, para Varela (et al.,2001:67) o artigo A Logical Cauculus of Ideas Immanent in
Nervous Activity de Warren McCulloch e Walter Pitts é seminal da Cibernética e, de fato,
marca sua criação. Nele é proposto que a “lógica é a disciplina adequada para
compreender o cérebro e a atividade mental” e é afirmado que o “cérebro é um aparelho
que incorpora princípios lógicos em seus componentes” (neurônios).
Nesse sentido, a intenção do movimento cibernético era criar uma ciência da mente. Na
fase cibernética da Ciência Cognitiva produziu-‐se um conjunto de resultados concretos
tais como os descritos a seguir:
• uso da lógica matemática para compreender o sistema nervoso;
• invenções e máquinas de processamento de informações;
• estabelecimento de teorias de sistemas;
• sistemas auto-‐organizáveis.
A Cibernética foi perdendo importância a partir de quando se intensificaram os debates
sobre o fato da lógica ser ou não suficiente para compreender as operações do cérebro,
uma vez que não se dedica às qualidades distribuídas do cérebro. A Cibernética decretou
seu fim com o distanciamento e posterior morte de seus entusiastas, mas muito se
desenvolveu a partir desses primeiros preceitos ao longo das últimas décadas,
especialmente a partir da década de 1970.
42
10.11.10. O Cognitivismo
O pensar como as pessoas pensam é algo que intriga o ser humano há muito tempo, e
cada vez mais surgem novos arcabouços, teorias, modelos e propostas de
arquiteturas cognitivas para tentar explicar algo que parece aos leigos algo muito difícil
de explicar, e que provoca ares de indignação e desconfiança, pois para quem não está
no meio científico, a tarefa parece de fato extremamente complexa.
A inovação propiciada pelo Cognitivismo tem suas origens remotas nos modelos S-‐R
(estímulo-‐resposta) de Pavlov e tem em Neisser (1967) e Von Neumann (não considerado
no gráfico inicial de Varela e seus colegas) importantes representantes, pelo fato de
terem desenvolvido a Teorias dos Sistemas e Processamento da Informação para
computadores (1953), respectivamente.
Pavlov defendia que o comportamento geralmente é definido por meio de unidades
analíticas, respostas e estímulos, investigadas pelos métodos utilizados pela ciência
natural chamada Análise do Comportamento. O investigador acreditava que, por meio do
estudo dos processos mais simples de aprendizagem, poderia vir a compreender os
processos mentais superiores e elaborar, a esse respeito, uma teoria estável, baseada em
dados exclusivamente experimentais (Cardoso, 1993).
Estímulo Absoluto → Reflexo Absoluto (incondicionado)
Estímulo Indiferente + Estímulo Absoluto → Reflexo Absoluto (incondicionado)
Estímulo Indiferente → Reflexo Condicionado A forma esquemática anterior resume o descobrimento do reflexo condicionado de
Pavlov, que observou que o estímulo absoluto (desencadeador natural de alguns reflexos)
era o gerador do reflexo incondicionado (que o autor nomeava também como instinto),
enquanto a soma desse com o estímulo indiferente (não natural), levava também ao
mesmo tipo de reflexo. Ao se separarem os estímulos, entretanto, algo diferente
acontecia, depois de certo tempo de tal combinação, o estímulo indeferente usado de
forma independente do absoluto outrora combinado, propiciava um outro tipo de
reflexo, condicionado a ele. (Cardoso, 1993)
43
Neisser, por sua vez, ao lançar seu Cognitive Psychology (1967), foi decisivo para tornar
conhecido o Cognitivismo ao difundir tais informações a estudantes e a professores
universitários. Neisser propunha uma análise cognitiva da percepção, da atenção, da
linguagem, da memória e do pensamento, não apenas considerando estímulos e
respostas, mas também os processos que intervém entre o estímulo e o comportamento.
Assim, o autor (1967) definiu Psicologia Cognitiva como o estudo da maneira como as
pessoas aprendem, estruturam, armazenam e usam o conhecimento.
Finalmente Von Neumann tem sua importância no surgimento do Cognitivismo, pois teve
grande contribuição para a Ciência da Computação. Ele tinha “interesse em fundamentos
da computação e suas relações com o cérebro humano. Sua principal motivação foi a
tentativa de unificar ideias existentes na época” (meados do século XX, entre 1940 e
1948) “relativas ao processamento de informações por organismos vivos e por
dispositivos artificiais” (Kowaltowski,1996:01).
O Cognitivismo nasceu, oficialmente, em 1956 a partir de duas conferências realizadas em
Cambridge e Darthmouth. Nelas, novos pesquisadores formularam ideias que se
tornaram linhas mestras da Ciência Cognitiva dos anos 1990.
“Defino a Ciência Cognitiva como um esforço contemporâneo com
fundamentação empírica para responder questões epistemológicas de
longa data – principalmente aquelas relativas à natureza do conhecimento,
seus componentes, suas origens, seu desenvolvimento e seu emprego”
(Gardner, 1985).
Para Varela (et al., 2001), a concepção central por trás do Cognitivismo é que a
inteligência – inclusive a inteligência humana – assemelha-‐se de tal modo à computação
em suas características essenciais que a cognição pode realmente ser definida (processos
computacionais baseados em representações simbólicas).
O argumento cognitivista é que o comportamento inteligente pressupõe a capacidade de
representar o mundo como sendo exato, isto é, partir do princípio de que um agente atua
representando aspectos relevantes das situações, e que na medida da maior ou menor
44
precisão da representação de uma situação, o comportamento do agente terá maior ou
menor sucesso.
O argumento cognitivista é que esse paralelismo nos mostra como a inteligência e a
internacionalidade são física e mecanicamente possíveis, sendo assim, surge a hipótese
de que os computadores fornecem um modelo mecânico de pensamento, ou que o
pensamento consiste em computações físicas de natureza simbólica. Dessa forma, a
ciência cognitivista se transforma em um estudo de sistemas de símbolos cognitivos
físicos.
Os cognitivistas, na época da feitura do livro de Varela e seus colegas, não defendiam que
fosse necessário abrir a cabeça de alguém e o olhar para o cérebro buscando encontrar
pequenos símbolos a serem manipulados, de outro lado, sua hipótese implicava um
argumento muito forte sobre a relação entre a sintaxe e semântica, fazendo um paralelo
entre mentes e programas de computador, nos quais a sintaxe do código simbólico
reflete ou codifica a sua semântica.
Já na linguagem humana está muito longe de ser óbvio que todas as distinções
semânticas relevantes em uma explicação do comportamento possam ser refletidas
sintaticamente.
“Embora saibamos de onde vem o nível semântico das
computações de um computador (...), não temos qualquer ideia de
como as expressões simbólicas supostas pelo cognitivista como
tendo sido codificadas no cérebro podem adquirir o seu significado”
(Varela et al., 2001:72).
Sendo assim, pode-‐se dizer que a cognição consiste no processamento de informações
como computação simbólica, ou seja, manipulação de símbolos com base em regras, e
funciona por meio de instrumentos que possam suportar e manipular elementos
funcionais discretos (os símbolos), e é possível averiguar se um sistema cognitivo está
funcionando adequadamente quando os símbolos usados representam de modo
apropriado algum aspecto do mundo real e o processamento da informação conduz a
uma solução bem sucinta do problema apresentado ao sistema”. (Varela et al., 2001:72)
45
Manifestações do Cognitivismo Varela (2001) aponta que o Cognitivismo pode se manifestar em diversos fluxos. Dentre
esses destacam-‐se a Inteligência Artificial, o cérebro, a Psicologia, a Psicanálise, a
experiência humana e a mente computacional.
Dentre eles, é na Inteligência Artificial que as manifestações de Cognitivismo são mais
visíveis, pois essa é a interpretação literal da hipótese cognitivista. Nesse campo, ao longo
dos anos, importantes avanços foram feitos, entre os quais destacam-‐se interessantes
avanços teóricos, desenvolvimento de aplicações em sistemas periciais, robótica e
processamento de imagens, entre outros.
Outro efeito do Cognitivismo é o modo como esse moldou pontos de vista sobre o
cérebro. Na teoria, o Cognitivismo é compatível com muitos pontos de vista acerca do
cérebro, na prática quase toda a Neurobiologia se deixou infiltrar pela perspectiva do
processamento de informação cognitivista.
Segundo os autores (2001:75) “a Psicologia é a disciplina que para a maior parte das
pessoas se ocupa de estudo da mente. Ela precede a Ciência Cognitiva e o Cognitivismo e
não é o coextensiva com nenhuma delas”. De qualquer forma, pode-‐se, segundo os
autores, mapear influências do Cognitivismo sobre a Psicologia no que diz respeito à:
• Relação de meditação de atenção;
• Desenvolvido pela tradição de meditação da Índia;
• Comportamento “as ações falam mais alto que as palavras”;
• O behavorismo9, que dominou totalmente a Psicologia Experimental norte-‐
americana desde 1920.
Deve-‐se destacar também o surgimento dos primeiros sinais de uma psicologia cognitiva
experimental pós-‐behavorista, a partir de 1950. O “truque desses primeiros
9 "Os homens agem sobre o mundo, modificam-‐no, e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação". (Skinner, 1978:15). Ou: "A Psicologia (...) é o estudo da interação entre organismo e ambiente". (Harzem e Miles, 1978:47). Ou ainda: "Na ausência de uma distinção arbitrária, o termo comportamento deve incluir a atividade total do organismo -‐ o funcionamento de todas as suas partes" (...) "A definição do objeto de estudo de qualquer ciência (...) é determinado em grande parte pelo interesse do cientista (...) Estamos interessados primariamente no movimento de um organismo em algum quadro de referência" (Skinner, 1961:337).
46
investigadores (...) era encontrar meios experimentais para a definição e medida do efeito
de um dado fenômeno mental proibido” (Varela et al., 2001:76).
Nesse sentido, pode-‐se mapear a influência que teve o Cognitivismo na investigação
experimental da mente pois esse, na sua forma explícita, estabelece limitações à teoria e
gerou inicialmente um debate filosófico: no Cognitivismo as imagens mentais, tal como
qualquer outro fenômeno cognitivo, podem ser explicadas não mais que pela
manipulação de símbolos por regras computacionais, no entanto, experiências como as
de Shepard e Kosslyn, demonstram que as imagens mentais se comportam de um modo
contínuo.
Shepard & Metzler (1971) introduziram o conceito de rotação mental em Ciência
Cognitiva com o que se tornou uma das experiências mais conhecidas da área. Além de
apresentar bonitas imagens, produziu resultados muito claros que refutavam a doutrina
behaviorista, que ainda representava uma influência considerável entre psicólogos, ao
indiciar que os processos de pensamento dependiam inteiramente da linguagem. Ao
sugerir que as representações analógicas têm um papel importante a desempenhar no
pensamento, os resultados também levantaram dificuldades, à primeira vista, para o
modelo de computador (digital) da mente que está no cerne da Ciência Cognitiva.
Kosslyn é conhecido principalmente por suas pesquisas e teorias sobre imagens mentais.
Sua teoria é que, ao contrário do senso comum, a visualização e percepção das imagens
não são um fenômeno único e unificado. Ao contrário, elas consistem de uma coleção de
funções distintas, cada qual é responsável por um aspecto diferente da imagem.
Em seus estudos ele decompôs tais funções em quatro conjuntos de processos,
responsáveis pela geração da imagem: ativação de informação armazenada na memória
de longo prazo e a construção de uma representação em memória a curto prazo; a
inspeção do objeto na imagem (reinterpretação, por exemplo), manutenção da imagem
ao longo do tempo; e a transformação da imagem (se desejado) (Kosslyn, 1980).
Sua investigação, que incluiu imagens de ressonância magnética e técnicas semelhantes,
localizou algumas dessas funções em diferentes redes neurais, algumas, inclusive, se
encontravam em diferentes hemisférios do cérebro. Por exemplo, o seu laboratório
47
demonstrou que a metade esquerda do cérebro é melhor para codificar categorias e
gerar imagens mentais com base nelas, enquanto a metade direita é melhor para
codificar exemplos específicos ou distâncias contínuas e para a geração de imagens que
têm tais características.
De outro lado, a teoria psicanalítica refletiu grande parte do desenvolvimento da Ciência
Cognitiva. Para Freud, nada podia afetar o comportamento, a não ser que fosse mediado
por uma representação, ou mesmo um instinto. Para ele, um instinto nunca pode
constituir o objeto de uma consciência – é apenas a ideia que representa o instinto.
Mesmo o próprio inconsciente apenas pode ser representado pelas ideias.(Varela et al.,
2001)
Freud entendia as representações como entidades analógicas e imagéticas que se
originam da percepção, interna (os traços mnésicos10 das excitações internas) ou externa
(as imagens mnésicas dos objetos), e são concebidas como unidades mentais —
fundamentalmente imagens psíquicas de objetos e sensações exteriores ao aparelho
psíquico. Como não são entidades isoladas, mas estão relacionadas em redes associativas
que espelham sua ocorrência na realidade externa, são capazes de representar também
relações e eventos.
Segundo os Varela (et al.,2001), para Freud nem todas as apresentações eram acessíveis à
consciência; ele nunca pareceu ter qualquer dúvida de que o inconsciente, por tudo
aquilo que poderia operar em um sistema simbólico diferente da consciência, era
inteiramente simbólico, intencional e representacional.
O conceito de inconsciente está intrínseco à Psicanálise, de modo que se fosse resumir
em uma palavra todo o saber psicanalítico, essa palavra seria o inconsciente. Tal conceito
entranha-‐se na Cultura Ocidental e na Ciência, sendo usado ora para entender os
múltiplos sinais do comportamento humano, ora sendo considerado corriqueiro e
ignorado pela psicologia da consciência.
10Relativo à memoria. Freud usavaestaexpressãoparadesignar a forma comoosestímulos se inscrevemnamemória.
48
Já a fim de questionar a influência do Cognitivismo na experiência humana, Varela e seus
colegas (2001) destacam inicialmente dois argumentos:
• “o Cognitivismo postula processos mentais ou cognitivos dos quais não só não
damos conta como dos quais não podemos dar conta;
• o Cognitivismo é, desse modo, levado a abraçar a ideia de que o eu ou o sujeito
cognoscente é fundamentalmente fragmentado ou não unificado”.(Varela et al.,
2001:80)
Segundo os autores (2001), não podemos diferenciar na tomada de consciência atenta ou
em introspecção autoconsciente nenhuma das estruturas e processos cognitivos que são
postulados para explicar o comportamento cognitivo, ou seja, na realidade, se a cognição
é uma computação simbólica, há uma discrepância entre pessoal e subpessoal11, uma vez
que se presume que nenhum de nós está ciente de uma computação em um meio
simbólico interno. Afinal, se tais sistemas subpessoais pudessem se tornar processos
conscientes, então não poderiam ser rápidos e automáticos, e portanto, não poderiam
funcionar adequadamente.
Assim, o Cognitivismo desafia a convicção de que a consciência e a mente ou tendem
para um mesmo fim ou existe uma ligação essencial ou necessária entre elas. Para eles, a
cognição e a intencionalidade (representação) são o par inseparável, e não a cognição e a
consciência.
“De acordo com o Cognitivismo, a cognição pode acontecer sem a
consciência, pois não existe uma ligação essencial ou necessária entre elas,
visto que o desafio cognitivista não consiste simplesmente em declarar que
não podemos encontrar o eu. Consiste, pelo contrário, na implicação de
que o eu não é necessário para a cognição”. (Varela et al., 2001:83)
Para aprofundar essas questões, os autores lançam mão do trabalho de Ray Jackendoff.
Sua pesquisa foca a relação entre esses dois aspectos, que chama de mente
computacional (raciocínio) e mente fenomenológica (mundo experiencial, ou, em termos
da fenomenologia, para um mundo vivido). O autor conclui que a Psicologia não tem 11Sistemas subpessoais são não conscientes, parte da máquina orgânica – rim, rótula...
49
agora apenas dois domínios para se preocupar (o cérebro e a mente), mas,sim, três: o
cérebro, a mente computacional, e a mente fenomenológica. (Varela et al., 2001)
Figura 2: representação da mente computacional (Jackendoff, 1987)
“The upshot is that psychology now has not two domains to worry about,
brain and mind, but three: the brain, the computional mind and the
phenomenological mind (…)The “phenomenological mind-‐body problem”
(…) is how can a brain have experiences? The “computational mind-‐body
problem” is how can a brain accomplish reasoning? In addition, we have
the mind-‐mind problem, namely, what is the relation between
computational states and experience?12” (Jackendoff, 1987:20).
A intenção de Varela e seus colegas, ao tomar partido pelo trabalho de Jackendoff,
está fortemente ligada à necessidade que Jackendoff tem de uma
“complementação da Ciência Cognitiva com uma abordagem da experiência
humana ilimitada, pragmática e atenta, tal como encontramos na tradição da
Atenção/Consciencialização” (Varela et al., 2001:86).
Eles apontam para o fato de Jackendoff considera toda distinção fenomenológica como
“causada por /sustentada por/, projetadas a partir de uma distinção computacional
correspondente” (Jackendoff apud Varela et al., 2001:86), ou seja, ele explica que
qualquer modelo computacional da mente que vise a elucidar a mente fenomenológica
12“O ponto aqui é que a Psicologia passa a ter a partir de agora não dois domínios de interesse, cérebro e mente, mas três: o cérebro, a mente computacional e a mente fenomenológica. (...). Então há agora o problema “mente fenomenológica-‐corpo” (...) que investiga como pode um cérebro ter experiências? O problema “mente computacional-‐corpo” que investiga como pode um cérebro desenvolver o pensamento racional? Além desse há também o problema mente-‐mente, isto é, qual a relação entre estados computacionais e experiências?”
50
deve apresentar os recursos que possibilitem explanar todas as diferenciações que as
pessoas fazem em sua experiência consciente.
10.100. O “eu da tempestade”
Ao defender uma via intermédia entre o abandono da experiência e sua inquestionada
aceitação, Varela (et al., 2001) passa a se dedicar à exploração dessa via, que tem como
tema a experiência do eu. Parte então para uma reflexão sobre mentes sem eu e
experiência humana (o “eu da tempestade” ou “I of storm”, no texto original). Nesse
ponto de seu trabalho é possível perceber que a desunião do eu e da consciencialização,
descoberta pelo Cognitivismo, é ponto focal da tradição Atenção/Consciencialização.
O self “Somos apanhados por uma contradição. Por um lado, mesmo uma
observação apressada de nossa experiência mostra-‐nos que esta se está a
modificar continuamente e, além disso, está sempre dependente de uma
situação particular. (...). Não temos experiência de qualquer coisa que seja
permanentemente e independentemente dessas situações. No entanto a
maior parte de nós está convencido das nossas identidades: (...)
personalidade, memórias e recordações, planos e antecipações, que
parecem vir formar um ponto de vista coerente, um centro a partir do qual
contemplamos o mundo, o terreno no qual nos encontramos.” (Varela et
al., 2001:91)
Em seu livro, A Mente Corpórea, Francisco Varela (et al., 2001) discorre sobre as mentes
sem um self, que, em conformidade com Hegel, ao afirmar que self se funde com aquele
conceito de autoconsciência em que: “a consciência primeiro encontra a si mesma na
autoconsciência”, parece reportar-‐se a uma discussão sobre as mentes sem um ego.
Os autores apontam para o fato de que nunca houve, “em todas as tradições reflexivas da
história da humanidade – Filosofia, Ciência, Psicanálise, Religião, Meditação – (...) alguma
que tivesse pretendido descobrir um self independente, fixado ou unitário no âmbito do
mundo da experiência”. (Varela et al., 2001:92)
51
O autor apresenta a terminologia Abhidharma13 que surge como um estudo da formação
emergente de experiência direta sem a base de um ego-‐self. É uma preocupação
contemporânea científica a respeito das propriedades emergentes das sociedades da
mente. Com base nos textos do Abhidaharma examina-‐se o surgimento do sentido do self
que não é examinado como categoria ontológica, mas como descrições da experiência e
indicadores para a investigação.
Segundo os textos, Varela, Thompson e Rosh (2001), apontam que há cincos agregados
que constituem o complexo psicofísico que faz uma pessoa e cada momento da
experiência. A saber: formas, sentimentos/sensações, percepções/impulsos, formações e
consciência.
• Formas: Refere-‐se ao corpo e ao meio físico, os órgãos dos seis sentidos: olho,
ouvido, nariz, língua, corpo e mente. Os órgãos do sentido referem-‐se ao
mecanismo físico da percepção. A matéria é descrita experiencialmente, sendo o
corpo o ponto de localização dos sentidos.
• Sentimentos/sensações: os nossos sentimentos são certamente auto-‐relevantes,
modificam-‐se de momento a momento. Debatemo-‐nos interminavelmente na
busca do prazer e na vontade de evitar da dor. Os sentimentos afetam o self.
• Percepções (discernimento)/ impulsos: este agregado refere-‐se a uma ação na
direção do objeto discernido e é de extrema importância em um momento de
experiência. Diz-‐se que existem três impulsos de raiz; paixão/desejo (pelos objetos
desejáveis), agressão/ira (pelos indesejáveis), e delírio e ignorância (objetos
neutros).
• Formações disposicionais: este agregado refere-‐se a padrões habituais de
pensamento, sentimentos, percepção e ação. Ego-‐self; normalmente não
identificamos os nossos hábitos como o nosso self.
13Abhidharma (em sânscrito) são textos budistas antigos (século IIIaC) que contêm detalhadas releituras doutrinárias de material escolástico e científico que aparece nos sutras budistas, segundo classificação esquemática. As obras Abhidhamma não contêm tratados filosóficossistemáticos, mas resumos ou listas abstratas. Segundo a Enciclopédia Macmillan de Budismo, Abhidhamma começou como uma elaboração dos ensinamentos dos suttas, mas depois desenvolveu doutrinas independentes.
52
• Consciências: é a experiência mental que acompanha os outros quatro agregados;
tecnicamente, é a experiência que surge do contato de cada um dos órgãos dos
sentidos com o seu objeto (juntamente com o sentimento, impulso, e hábitos que
é suscitado).
Segundo os autores, a consciência refere-‐se ao sentido dualista de experiência na qual
existe um sujeito experienciador, um objeto experienciado, e uma relação (ou relações)
que os unem. A consciência é apenas um modo de conhecimento. A cada momento da
experiência há um sujeito experienciador diferente, bem como um objeto de experiência
diferente, ou seja, “à medida que os conteúdos da experiência surgem – pensamentos
discursivos, tonalidades emocionais, sensações corporais – o meditador está atento (...)
ao pensar e voltando sua atenção para o interminável processo dessa experiência”
(Varela et al., 2001:95).
Dessa forma, percebe-‐se que não existe um self experienciado, portanto, pode-‐se pensar
no próprio corpo como sendo esta ligação, tudo depende do nosso critério de identidade
de cada um na situação em causa, positivo ou negativo, sim e não. Em suma não pode
depender do modo como alguém escolhe para olhar para ele (um modelo).
Portanto, o que os autores (Varela et al., 2001) afirmam é que a cognição e a experiência
não parecem ter um self verdadeiramente existente, mas também que a habitual crença
em um ego-‐self, o contínuo apego a um tal self é a base da origem e continuação do
sofrimento humano e dos padrões habituais. Ainda mais, que a experiência da mente
pode ser profundamente transformativa, e não meramente certo self teoricamente
construído, impessoal e hipotético.
10.101.Variedades de Emergência
Varela (et al., 2001), até este ponto de sua pesquisa apontou como a noção de agente
cognitivo (como um conjunto de representações ) desempenha um papel central tanto no
Cognitivismo atual como nos estágios iniciais do exame da experiência atenta e ilimitada.
Nesta etapa da pesquisa, busca explorar o diálogo entre Ciência Cognitiva e exame da
experiência humana segundo a tradição da meditação Atenção/Consciencialização: o
tema dominante aqui é a noção de propriedades emergentes.
53
Auto-‐organização: as raízes de uma alternativa A abordagem dominante da manipulação de símbolos em ciência cognitiva foi proposta e
discutida largamente durante os primeiros anos da Cibernética. Houve extensa discussão
acerca do fato de que nos cérebros reais parece não existir quaisquer tipo de regras,
nenhum processador lógico central, nem informação parece encontrar-‐se armazenada
em endereços precisos. Percebeu-‐se que os cérebros podem funcionar à base de
interligações em massa e de uma ou de outra forma distribuída, de tal modo que as
ligações reais entre conjuntos de neurônios se alteram em funções de experiência e
apresentam uma capacidade auto-‐organizativa que não existe no paradigma da
manipulação de símbolos.
Os autores destacam que na década de 1970 se verificou um reacendimento dessa ideia –
depois de 25 anos de domínio da ortodoxia cognitivista e que este novo olhar mais
recente para a auto-‐organização foi baseada em duas deficiências do Cognitivismo:
1. O processamento de informações simbólicas é baseado em regras sequenciais,
aplicadas uma de cada vez.
2. O processamento simbólico é localizado: a perda ou o mau funcionamento de
qualquer parte dos símbolos ou regras do sistema resulta em uma avaria séria.
O termo usado na Cibernética era auto-‐organização. Atualmente são usados termos como
propriedades emergentes globais, dinâmica de rede, redes não lineares e sistemas
complexos. Apesar de não existir uma teoria formal e unificada referente à essas
propriedades emergentes, torna-‐se cada vez mais evidente sua existência em todos os
domínios, de oscilações químicas à Geofísica.
Em comum, percebe-‐se que, em cada caso, uma rede dá origem a novas propriedades, e
que essa compreensão, em toda sua generalidade, vem sendo objeto de pesquisa de
muitos estudiosos nas últimas décadas.
10.110. A estratégia conexionista
Teorias e modelos, a partir deste novo paradigma, passaram a mostrar o cérebro como
metáfora, utilizando descrições com um exército completo de componentes interligados,
simples, semelhantes a neurônios, que, quando ligados apropriadamente, têm
54
propriedades globais interessantes. Ou seja, para os autores, toda abordagem depende
de uma introdução das ligações apropriadas, que normalmente são feitas por meio de
uma regra para a alteração gradual das conexões partindo de um estado inicial
completamente arbitrário (Varela et al., 2001).
Nesse sentido, a regra de aprendizagem mais exaustivamente explorada é a Regra de
Hebb14 (1949), que sugeriu que a aprendizagem podia ser baseada em modificações no
cérebro que provêm do grau de atividade correlacionada entre os neurônios:
• Se 2 neurônios tendem a ser ativos em conjunto, a sua ligação é fortalecida ;
• Caso contrário, é diminuída.
Consequentemente, a conexidade do sistema torna-‐se inseparável da sua história de
transformação e relacionada como um tipo de tarefa definida pelo sistema.
O que está em jogo no estudo das redes emergentes é construir um sistema cognitivo a
partir de componentes simples com ligações síncronas.
“A estratégia (...) é construir um sistema cognitivo não a partir de símbolos
e regras, mas a partir de componentes simples que se ligariam
dinamicamente uns aos outros de modos densos. Nesta abordagem, cada
componente opera apenas no seu ambiente local, não existindo portanto
nenhum agente exterior que possa modificar o funcionamento do sistema.
Mas, atendendo à constituição da rede do sistema, existe uma cooperação
global que emerge espontaneamente quando os estados de todos os
“neurônios” participantes atingem um estado mutualmente satisfatório.
Então, num tal sistema não existe qualquer necessidade de uma unidade
central de processamento para guiar a totalidade da operação” (Hebb,
1949:125)
14Em geral, as regras de aprendizado podem ser consideradas variantes da Regra de Hebb. Na essência, Hebb propõe que a sinapse conectando dois neurônios seja reforçada sempre que ambos os neurônios estiverem ativos.
55
Dessa forma, pode-‐se dizer que em relação à auto-‐organização, ela é destinada pela
passagem de regras locais para uma coerência global. Nas palavras de Varela (et al.,
2001:125):
“Esta passagem de regras locais para um coerência global constitui o
núcleo daquilo que costumava ser designado por AUTO-‐ORGANIZAÇÃO
durante os anos da Cibernética. Atualmente, as pessoas preferem falar de
propriedades emergentes globais, de dinâmica de rede, de redes não
lineares, de sistemas complexos ou mesmo de sinergéticas.”
Enquanto as propriedades emergentes, como dito anteriormente, são fenômenos
diversos de redes que dão origem a novas propriedades. Isto é, uma ligação natural para
níveis de descrições diferentes em termos de fenômenos naturais e cognitivos. Elas são a
emergência de padrões globais:
“Não existe uma teoria formal unificada referente a propriedades
emergentes. No entanto, torna-‐se evidente que as propriedades
emergentes foram encontradas em todos os domínios – vórtices e lasers,
oscilações químicas, redes genéticas, padrões de desenvolvimento,
genética populacional, redes imunológicas, ecologia e geofísica. O que
todos esses fenômenos diversos tem em comum é que em cada caso uma
rede dáorigem a novas propriedades, que os investigadores tentam
compreender em toda a sua generalidade. Um dos meios mais práticos de
captar as propriedades emergentes que os vários sistemas têm em comum
é por intermédioda noção de um “atractor” na Teoria dos Sistemas
Dinâmicos.” (Varela et al., 2001:126)
O Conexionismo Segundo Varela (et al., 2001:129), as teorias conexionistas até a ocasião da publicação de
seu trabalho, forneciam modelos de trabalho para capacidades cognitivas, fossem eles de
reconhecimento rápido, memória associativa ou generalização categórica. Tais modelos
se configuravam bastante próximos dos modelos biológicos, facilitando, por exemplo,
uma integração entre a Inteligência Artificial e a Neurociência. Além disso, na Psicologia
Experimental, os modelos conexionistas facilitavam um retorno a uma orientação
56
behaviorista15. Finalmente, apontam os autores, “os modelos são suficientemente gerais
para poderem ser aplicados, com poucas modificações, a vários domínios, tais como a
visão ou o reconhecimento da fala”.
Dessa forma, tarefas cognitivas a serem compreendidas aqui envolvem transformações
dependentes da experiência, em que o interesse é em aprender regras com a capacidade
de sintetizar novas configurações de acordo com a experiência. Nesse sentido, existem
dois grupos principais de métodos de aprendizagem:
1. Aprendizagem por correlação (ilustrado pela Regra de Hebb);
2. Aprendizagem por cópia (proposta inicialmente por Rosenblatt no seu
Perceptron16).
“Torna-‐se suficiente, para os nossos propósitos, salientar que existem dois
grupos principais de métodos de aprendizagem correntemente a ser
explorados. O primeiro, ilustrado pela Regra de Hebb é inspirado por
mecanismos do cérebro, é a aprendizagem por correlação: é apresentada
ao sistema uma série completa de exemplos ficando o sistema moldado a
essa série quando outros exemplos fora da série lhe são apresentados em
futuras situações. A segunda alternativa é a aprendizagem por cópia, ou
seja, tendo um modelo que atua como instrutor ativo. A estratégia é, na
realidade, aquela que foi proposta inicialmente por Resenblatt no seu
Perceptron. Na sua versão moderna, é conhecida como “backpropagation”.
Nesta técnica, as alterações nas ligações neuronais dentro da rede
(designadas por “unidades ocultas”) são escolhidas de modo a minimizar a
diferença entre a resposta da rede e aquilo que é esperado dela. Neste
caso, a aprendizagem lembra a alguém atentar imitar um instructor.”
(Varela et al., 2001:130)
15que contorna a teorização em termos de construção de alto nível, de senso comum e mentalística: um tipo de teoria que foi legitimada pelo Cognitivismo, mas sobre a qual a psicologia se manteve ambivalente 16Rosenblatt provou que, se os padrões (vetores) utilizados para treinar o perceptron são retirados de duas classes linearmente separáveis, então o algoritmo Perceptron converge e posições na superfície da decisão, na forma de um hiperplano entre as duas classes. A prova de convergência do algoritmo é conhecido como o Teorema de Convergência Perceptron.
57
Trabalhos da época apresentaram algumas provas detalhadas de que as propriedades
emergentes são fundamentais para a operação do próprio cérebro. Os autores afirmam
que isso não é de modo algum surpreendente se analisarmos os detalhes da anatomia do
cérebro (Varela et al., 2001:131).
Foi se tornando cada vez mais claro para os neurocientistas que é preciso “estudar os
neurônios como membros de vastos conjuntos que estão constantemente a desaparecer
e a surgir por meio das suas interações cooperativas, e em que cada neurônio tem
respostas múltiplas que se alteram de um modo dependente do contexto”. Assim sendo,
o cérebro é um sistema altamente cooperativo: as densas interligações entre os seus
componentes implicam que quase tudo o que decorrer será uma função de tudo aquilo
que os componentes se encontram a fazer. Vale destacar que esse tipo de cooperação
acontece tanto no nível local como global: funciona no âmbito de subsistemas do cérebro
e no nível das ligações entre esses subsistemas (Varela et al., 2001:132).
Assim sendo, pode-‐se afirmar que o encontro dos conjuntos de atividade neuronal
representa um momento na emergência de uma nova configuração coerente.
Nesta altura do capítulo, e seguindo o raciocínio de Varela e seus colegas (2001), vale
ressaltar os fatos abordados no tópico dos processos biológicos emergentes e dos cinco
agregados: eles contam que considerar uma visão “sequencial dos agregados parece
análogo a considerar uma visão sequencial da atividade do cérebro”. Dessa forma, é
“evidente que os agregados não constituem uma teoria de processamento de
informação, no entanto, a abordagem neuropsicológica feita pelos autores parece ser
compatível com as observações diretas baseadas na Meditação de
Atenção/Consciencialização, tornando ainda mais notável o fato de que essa tradição
continuou a verificar a análise de componentes da experiência em momentos coerentes
de emergência” (Varela et al., 2001:136).
A partir daí percebe-‐se que essa orientação alternativa (conexionista, emergente, auto-‐
organizacional, associacionista, de dinâmica de rede) é jovem e variada, assim sendo faz
com que a cognição se torne então a emergência de estados globais em uma rede de
componentes simples, que funciona por meio de regras locais para operações individuais
58
e regras para alterações na conexidade entre elementos. Dessa forma, percebe-‐se que
um sistema cognitivo está funcionando corretamente quando as propriedades
emergentes (e a estrutura resultante) puderem ser vistas como correspondendo a uma
capacidade cognitiva específica – uma solução de sucesso para uma determinada tarefa
(Varela et al., 2001).
Os símbolos e a emergência Nessa abordagem alternativa em Ciência Cognitiva, os símbolos, no seu sentido
convencional, não desempenham nenhum papel, ou seja, as computações simbólicas são
substituídas por operações numéricas que são mais detalhadas que aquelas executadas
por meio de símbolos.
Segundo Varela (et al., 2001) em um modelo conexionista, uma única computação
simbólica discreta é executada pelo resultado de um elevado número de operações
numéricas que determinam uma rede de unidades simples, portanto, nesse sistema, os
itens significativos não são símbolos, mas sim padrões complexos de atividade entre
numerosos componentes que constituem a rede.
Essa abordagem não simbólica envolve o abandono radical da visão cognitivista de base
de que teria que existir um nível simbólico distinto na explicação da cognição: o
Conexionismo é referenciado como “paradigma subsimbólico” (Varela et al., 2001).
Na abordagem conexionista, o significado não está localizado em símbolos particulares,
mas é uma função do estado global do sistema e se encontra ligado de certo modo ao
desempenho global tal como o reconhecimento ou a aprendizagem. Tal estado global
emerge de uma rede de componentes mais elementares que os símbolos: no nível
subsimbólico, as descrições cognitivas são construídas a partir dos constituintes daquilo
que em um nível mais elevado seriam os símbolos discretos. Dessa forma, o significado
não reside nesses constituintes, mas em padrões complexos de atividade que emergem
das interações de muitos desses constituintes.
Assim é possível relacionar a emergência subsimbólica e a computação simbólica a partir
do momento em que elas são vistas como:
• abordagens complementares de baixo para cima e de cima para baixo.
59
• reunidas em um modo misto ou simplesmente utilizadas emcertos níveis ou
estados.
A relação mais interessante entre emergência subsimbólica e computação simbólica é a
de inclusão. Nessa perspectiva, os símbolos são vistos como uma descrição de nível mais
elevado de propriedades, que são, em última análise, infiltradas em um sistema
distribuído subjacente (Varela et al., 2001).
Essa visão inclusiva é diferente da concepção cognitivista dos níveis de explicação de
modo bastante sutil, e é em grande parte uma questão de mudança de perspectiva. O
domínio da cognição é injustificadamente limitado a processos de nível muito elevado,
enquanto a visão inclusiva parece uma estratégia natural a ser seguida.
Uma ligação entre um cognitivismo menos ortodoxo e a visão de emergência, em que as
regularidades simbólicas emergem de processos paralelos distribuídos, é uma
possibilidade concreta e a inteligência artificial, com sua orientação pragmática, é um
exemplo disso (Varela et al., 2001).
Mentes em self Como visto anteriormente, os cérebros são sistemas altamente cooperativos, porém não
são redes uniformemente estruturadas. São compostos por inúmeras redes que estão
ligadas de diversas maneiras. Em vez de procurar grandes modelos unificados para todos
os comportamentos de rede, deve-‐se “estudar redes cujas capacidades sejam limitadas a
capacidades cognitivas específicas para, em seguida, procurar modos de ligar essa redes”
(Varela et al., 2001:145).
O objetivo agora é buscar argumentos para fornecer um ponto de entrada natural para a
fase seguinte do diálogo entre a Ciência Cognitiva e a abordagem da
Atenção/Conscientização à experiência humana. Para tanto, o caminho percorrido por
Varela foi o estudo da mente como sociedade, a partir de Minsky e Papert. O interessante
dessa proposta é o fato dos pesquisadores em questão encararem a arquitetura da trama
da cognição como um elemento central da pesquisa.
Marvin Minsky (1985:17), matemático e cientista da computação escreveu, em seu livro
Sociedade da Mente (Society of Mind):
60
“(...) uma ideia muito simples: a de que a nossa mente possui coleções de
diferentes métodos de atuar, isto é, a ideia da mente como "conjunto de
kludges" ou de "soluções improvisadas para os problemas”.
Deu-‐lhe o nome de Teoria da Sociedade da Mente: ideia simples que implica a noção de
cérebro como complexo de "subcomputadores que desempenham tarefas diferentes".
Dessa forma, Minsky pretendia questionar a ideia comum de que “no interior de cada um
espreita outra pessoa, a que chamamos o nosso ‘eu’ e que se encarrega do nosso
pensamento, dos nossos sentimentos, das nossas decisões e dos nossos planos, e mais
tarde aprova ou lamenta”.
Portanto, a proposta de Marvin Minsky (1985) e Seymour Papert passa a tratar a mente
como sociedade, combinando insights da Psicologia do Desenvolvimento da criança e
experiências com Inteligência Artificial. Percebe-‐se então, na teoria, que a inteligência
não é um produto de um mecanismo singular, mas que se origina da interação entre uma
grande variedade de agentes, diversos e necessários, pois tarefas diferentes requerem
mecanismos fundamentalmente diferentes. Sendo assim, a Psicologia se transforma em
uma busca por mecanismos que a mente poderia utilizar para gerenciar a interação entre
esses elementos.
“As ciências da computação dizem respeito à complexidade, e nós somos
as coisas mais complexas deste mundo” (Minsky, 1998).
Apesar de, na Sociedade da Mente, Minsky e Pappert não se debruçarem
especificamente na análise da experiência, como é a intenção de Varela e dessa pesquisa,
debruçam-‐se sobre um grande número de experiências humanas. É uma “reflexão
ampliada sobre as Ciências Cognitivas e a experiência humana, sujeita ao subpessoal, mas
que não deseja perder de vista o pessoal e o experiencial” (Varela et al., 2001:148).
Segundo Varela (et al., 2001), Minsky, assim como Jackendorff, acaba por ser levado pelo
Cognitivismo clássico ao separar cognição como consciência e como representação. Dessa
forma, muitas vezes acaba havendo uma contradição em seus próprios argumentos.
61
Já no campo da Psicanálise, o surgimento da Teoria das Relações Objetuais é considerado
uma quebra de paradigmas em relação à Psicanálise freudiana. Segundo ela, todo o
desenvolvimento psicológico age como explanatório para o funcionamento adulto.
Melanie Klein17 e Fairbairn18, cada um a sua maneira, afirmam que o processso básico
mental está ligado ao estabelecimento de relações. Sendo assim, percebe-‐se espantosa
relação entre tal teoria e a inteligência artificial, na figura da Sociedade da Mente. (Varela
et al., 2001)
Surgimento do codependente Pratityasamutpada é a palavra em sânscrito que significa dependência. Varela e seus
colegas usam a expressão codependente para descrever a ideia, pois essa é “familiar no
contexto das sociedades da mente, das propriedades emergentes de elementos
agregados, transitórias embora recorrentes” (Varela et al., 2001:152).
Sendo assim, percebe-‐se, nos relatos sobre Buda, a descoberta do edifício da causalidade,
formando uma estrutura circular dos padrões habituais, uma cadeia de ligação, em que
constitui o padrão da vida humana como uma busca circular interminável no sentido de
ancorar a experiência em um self fixo e permanente. Tal círculo é também conhecido
como Roda da Vida ou Roda do Karma.
Karma, no budismo, tem sentido diametralmente oposto ao senso comum nas culturas
ocidentais, constituindo uma descrição de causalidade psicológica – de como os hábitos
se formam e continuam ao longo do tempo. Existem 12 ligações (nidanas) na cadeia
circular e o circulo que as representa descreve acontecimentos de qualquer duração.
Varela (et al., 2001) usa a metáfora do fractal para exemplificar tal característica de
repetição de padrões em diferentes escalas.
Conforme visto na figura XX, a ignorância é a base de toda ação causal kármica. Nesse
contexto, significa ser ignorante pessoal e experiencialmente, acerca da falta de um ego-‐
self. Significa também as confusões que vêm dessa ignorância.
17 Internalização de uma gama variada de pessoas em vários aspectos 18 Necessidade de formar relações, e não o prazer.
62
Em um segundo momento, surge a ação volitiva, impulso para ações habituais e
repetitivas baseadas em um self. Ela, juntamente com a ignorância, são as condições
prévias (passadas) que dão origem às outras 8 ligações seguintes.
A terceira ligação é a consciência, que se refere ao sentir em geral, o estado dualístico
(quinto agregado). Ela não é o único modo de conhecer, nasce-‐se em um momento ou em
uma vida de consciência, não de sabedoria, devido às ações volitivas que foram baseadas
na ignorância.
A quarta ligação é o complexo fisiológico, que representa um corpo e uma mente em
conjunto, requerimento básico para a consciência. Posteriormente, se tem os seis
sentidos que estão envolvidos mesmo nas situações momentâneas. Depois disso há o
contato, ou seja, cada sentido é capaz de contatar seu campo sensorial, seu objeto
apropriado. Qualquer momento de consciência envolve o contado entre o sentido e seu
objeto.
A sétima ligação é o sentimento: agradável, desagradável ou neutro. Essa surge do
contato. Varela (et al., 2001:155) aponta que toda experiência tem “uma tonalidade de
sentimento”.
A oitava ligação, por sua vez, é o anseio que surge do sentimento: é o desejo por aquilo
que é aprazível e a aversão pelo que não é. O anseio é extremamente importante na
cadeia uma vez que é o primeiro a não se desenvolver automaticamente, na base do
condicionamento passado.
O anseio resulta normalmente em apego e fixação, a nona ligação. Apego, nesse caso diz
respeito ao que desejamos e não temos e ao que temos e desejamos nos desfazer.
Posteriormente há a transformação, o apego leva diretamente a ela, no sentido da
formação de uma nova situação no futuro.
A décima primeira ligação é o nascimento. Nele, uma nova situação, bem como um novo
modo de ser nessa situação, nasce. É normalmente nessa altura que se sente a cadeia
causal e se pretende fazer alguma coisa com ela. É nessa fase que normalmente os
filósofos ocidentais falam sobre “fraqueza de vontade” (akrasia).
63
A última ligação é a decadência ou morte. Sempre que há nascimento há morte. “Em
qualquer processo de surgimento, a dissolução é inevitável”. A morte é a ligação natural
para o próximo ciclo da cadeia (Varela et al., 2001:157).
Figura 3: Roda do Karma (Varela et al, 2001)
Na técnica da atenção, via uma atenção precisa e disciplinada, é possível interromper, a
qualquer momento, a cadeia do condicionamento automático, ou seja, não ir
automaticamente do anseio ao apego. Dessa forma, há possibilidade de “uma atitude de
relaxamento através de possibilidades mais amplas de consciencialização e desenvolver
insight em relação ao surgimento e desvanecimento de fenômenos experienciais” (Varela
et al., 2001:158).
Retomando, na linguagem das sociedades da mente, o conceito de emergência justifica a
coerência nas vidas humanas sem um self. “Tal como uma atividade emerge das ações
individuais, também os padrões repetitivos das ações habituais emergem da ação
conjunta das doze ligações”. Assim como
“a existência da ação de cada agente é definível apenas em relações às
ações de todos os outros, também a operação de cada uma das ligações na
64
cadeia do surgimento codependente é dependente de todas as outras”
(Varela et al, 2001:158).
Um modelo de consciência é analisado como sujeito, objeto e fatores mentais que ligam
entre si. O termo para o elemento básico em sâncrito é dharma:
• contexto psicológico é “fenômeno”;
• sentido mais técnico -‐ último particular, partícula, ou elemento;
• contexto básico -‐ momentos de experiência.
A experiência, ou aquilo que o fenomenologista designa por mundo da vida, pode ser
analisada por meio de um conjunto de elementos. Na experiência, cada momento de
consciência, consiste na própria consciência (mente primária), e nos seus fatores mentais.
Os fatores mentais (momentâneos) são os que ligam o objeto. A qualidade específica de
cada momento de consciência e os seus efeitos kármicos em momentos futuros
dependem de quais fatores mentais estão presentes. Segundo Varela (et al., 2001) são
eles:
• Contato: forma de ligação entre os sentidos e seus objetos. Propriedade relacional
que envolve três termos. Um dos seis sentidos, um objeto material ou mental e a
consciência baseada nestes dois anteriores.
• Sentimento: segundo agregado e sétima ligação do círculo, normalmente leva
instantaneamente a reações que perpetuam o condicionamento kármico. Para o
autor, os sentimentos nus, no entanto, são neutrais, podendo levar a respostas
saudáveis ou não saudáveis.
• Discernimento: percepção ou impulso é o terceiro agregado, normalmente
inseparável do surgimento do sentimento. Pode, por meio da atenção do
meditador, ser ignorado no sentido de ação imediata, dando ao meditador, a
faculdade de escolha de ações saudáveis.
• Intenção: “funciona no sentido de provocar e sustentar ações da consciência”. É a
maneira pela qual uma tendência para ação volitiva se manifesta na mente num
certo momento. Diz-‐se que o “karma constitui o próprio processo de intenção”
(Varela et al., 2001:164).
65
• Concentração: quinto fator mental onipresente, funciona em interação com a
intenção. Ela foca e mantém a atenção em um objeto e, quando acompanhada da
percepção, serve de base para avaliação do objeto de recordação e atenção, bem
como para o fator mental positivo do estado vígil.
Esses elementos reunidos com vários fatores de avaliação do objeto e fatores variáveis
produzem o caráter de cada momento. Dessa forma, pode-‐se dizer que “o ego-‐self é o
padrão histórico entre as formações emergentes momento a momento”. Sendo assim,
pode-‐se afirmar que tais vestígios (karma) constituem um processo de transformação que
é condicionado por estruturas passadas (ontogenia) da experiência de cada um (“incluída,
mas não restrita, à aprendizagem”) (Varela et al, 2001:165).
Assim, pode-‐se dizer que o Abhidharma surge como o estudo da formação emergente de
experiência direta sem a base em um ego-‐self e é importante notar a semelhança da
globalidade de sua forma lógica com a preocupação científica contemporânea a respeito
das propriedades emergentes e sociedades da mente.
Em relação à experiência humana, ela aqui não será considerada como algo que aconteça
a alguém, mas, sim, à ação sensório-‐motora de alguém. E experiência, nesse caso, é a
ação de algum corpo sobre outros corpos. É o que Varela chama de experiência atenta e
ilimitada, a que inclui as alterações da mente dos analisadores a medida que prosseguem
a sua analise. Dessa forma, a mente está presente no mundo, pois está totalmente
presente nas nossas ações, de modo que o comportamento de cada um se torne
progressivamente mais responsável e consciencializado.
Sendo assim, não existe experiência de algo que seja independente de uma situação, de
um contexto. A experiência está sempre se modificando. Buscar uma base para nossa
identidade, que vivencia experiências, que funda a personalidade e a memória, é tocar o
vazio, o nada. Enquanto o Ocidente esforça-‐se por se apegar ao que é constante e fixo, as
tradições orientais acreditam em uma mente transitória e sem self.
Sendo assim, no que Varela (et al., 2001) chama de visão codependente, não se faz
aquilo que se quer, e sim o que se é capaz de agir de uma forma aberta que não seja
66
condicionada pelo apego avolições egoístas. Para ele, a verdadeira liberdade não vem das
decisões da vontade de um ego-‐self, mas sim da ação sem qualquer self.
A base real da Ciência Cognitiva contemporânea de representar um self é o apego
individual em busca de um ego-‐self, porque a mente condicionada do dia a dia se
encontra cheia de apegos em crenças fixas. Na tradição de um exame atento, a falta de
um ego-‐self não pode ser entendida como uma perda que precisa ser suplementada por
uma nova crença ou um diálogo interior, trata-‐se do início de um sentimento de liberdade
das crenças fixas, uma vez que faz surgir a abertura e o espaço no qual uma
transformação daquilo que o sujeito é, ou poderia ser, tornar possível.
10.111. A representação em Varela
Varela (et al., 2001) faz distinção entre a representação em sentido fraco e a
representação em sentido forte. A representação em sentido fraco diz respeito ao uso
puramente semântico e pragmático do conceito. A representação aparece aí como uma
construção ou uma interpretação. Ela se refere a tudo o que talvez possa ser
compreendido a respeito de alguma coisa. Ou seja, "se refere a qualquer coisa que possa
ser interpretada como sendo a respeito de alguma outra. Esse é o sentido de
representação como construção, considerando-‐se que nada é sobre nenhuma outra coisa
sem de algum modo construí-‐la" (Varela et al., 2003: 144). De outro lado, o sentido forte
assume compromissos epistemológicos e ontológicos.
Buscando construir uma teoria completa sobre a percepção, linguagem ou a cognição,
acabou-‐se operando uma generalização do sentido fraco e, aquilo que era um uso
puramente pragmático, assumiu características definitivas. Ao trabalhar com o sentido
forte de representação, os autores assumiram que o mundo está dado desde sempre, que
ele é pré-‐determinado e independe de qualquer atividade cognitiva. A “atividade de
conhecimento se resume à realização de representações mentais de algo que está dado,
podendo ser avaliado a partir da correspondência com esta realidade” (Varela et al.,2003:
145).
Varela aponta para o fato das pessoas usarem o sentido fraco da representação
cotidianamente, sem grandes preocupações e que o problema está no sentido forte, pois
67
ele parte do pressuposto epistemológico e ontológico de que existe um mundo dado e
que a nossa vida e a nossa atividade cognitiva se limita a apreender o que está dado:
“Temos então uma teoria consistente que nos diz (1)que o mundo é
preestabelecido; (2) nossa cognição pertence a este mundo – mesmo que
só até certo ponto, e (3) o modo que cognoscemos este mundo
preestabelecido é representar as suas características e depois atuar com
base nestas representações” (Varela et al.,2001: 182).
Para Varela, a partir das noções estabelecidas por Minsky (1985), que apontam como
principal atividade dos cérebros não é representar o mundo exterior, mas, sim, fazer
auto-‐modificações contínuas, em vez de representar um mundo independente, o mundo
é representado como um domínio de distinções que é inseparável da estrutura
corporalizada pelo sistema cognitivo. Sendo assim, o autor discorda de tal teoria
consistente e diz ainda que “não podemos confiar no mundo como um ponto de
referência fixo e estável” (Varela et al.,2001: 188).
A ansiedade cartesiana Dizer que aquilo que se pensa é apenas uma questão de representação subjetiva, é cair
precisamente na ideia de um fundamento interno, um ego cartesiano solitário que se
encontra emparedado pela privacidade de suas representações.
Richard Bernstein alerta para o impasse provocado pelo que ele batizou "ansiedade
cartesiana”: “Ou é possível o conhecimento objetivo, entendido em seu sentido mais
forte, isto é, como aquele respaldado em critérios de decidibilidade quanto ao seu
conteúdo de verdade que sejam atemporais e independentes de paradigmas, ou não é
possível nenhum conhecimento, nenhum princípio de decisão, porque tudo se torna
relativo e o espectro do solipsismo não pode mais ser exorcizado” (Bernstein, 1983).
Misky (1985:20), por sua vez diz que:
“O que quer que proponhamos sobre uma coisa exprimirá apenas nossas
próprias crenças. No entanto, mesmo este pensamento vago sugere uma
descoberta. Mesmo se nossos modelos do mundo não podem produzir
boas respostas sobre o mundo como todo, e mesmo que se suas outras
68
respostas são frequentemente erradas, eles podem nos dizer algo sobre
nós próprios”.
De acordo com Minsky (1985), acredita-‐se em um self que sabe-‐se que não pode ser
encontrado, mas também acredita-‐se em um mundo ao qual não se tem acesso. Essa
lógica leva inevitavelmente a um estado de niilismo.
A via intermédia Segundo a prática da Atenção/Consciencialização, na exploração da experiência, o apego
a um fundamento interno representa, segundo Varela (et al., 2001), uma fonte de
frustração e ansiedade contínuas. Pode-‐se ir além, dizer ainda que tal fundamento pode
ser também externo, quando se pensa em um mundo preestabelecido e independente.
Tal constatação situa-‐se no âmago da prática da escola Madhyamika19, ou do caminho do
meio.
Em seus escritos, o monge indiano Nagarjuma diz que o “surgimento interdependente
dos fenômenos é a vacuidade e vice-‐versa. (...) O vazio de existência por si mesmo
[existência inerente] significa que o mundo que alucinamos, cheios de objetos e pessoas
independentes e permanentes, não existe”. Segundo a tradição, o que “existe são coisas,
pessoas e objetos surgidos interdependentemente, transformando-‐se e funcionando
momento após momento segundo a lei do karma” (Darghye, s.d.).
Varela ressalta que a motivação básica e o padrão de pensamento na Madhyamika é o
apego e que nela, esta tendência habitual é considerada a raiz dos dois extremos:
absolutismo e niilismo. Primeiramente “a mente em apego leva à procura de um
fundamento absoluto” e posteriormente, em face da “incapacidade de encontrar um
fundamento último”, recua-‐se e fixa-‐se “à ausência de um fundamento, tratando todo o
resto como uma ilusão” (Varela et al., 2001:192).
19 O ponto principal desta filosofia é a “vacuidade dos fenômenos (dharma-‐shunyata). O vazio (shunya) é a ausência de uma essência, de uma existência inerente (svabhava). A ausência de uma essência não significa que os fenômenos não existam, e sim que eles são destituídos de "existência própria", de uma "natureza própria", e que eles "existem" apenas em dependência de causas, partes e condições (originação dependente ou pratityasamutpada). O nirvana (incondicionado) e o samsara (condicionado) seriam igualmente vazios”. (Darghye, s.d.)
69
Os autores destacam ainda que do ponto de vista da tradição da meditação
atenção/consciencialização a “motivação tem sido desenvolver um insight direto e
estável do absolutismo e do niilismo como formas de apego que resultam da tentativa de
encontrar um ego-‐self estável e assim limitar nosso mundo vivido à experiência de
sofrimento e frustração”. Dizem também que ao abandonar progressivamente essas
tendências, podemos começar a estimar que todos os fenômenos são livres de qualquer
fundamento absoluto”, assim sendo, o próprio tecido da co-‐originação dependente é essa
ausência de fundamento (sunyata).
Em outras palavras, do ponto de vista fenomenológico, pode-‐se dizer que “a ausência de
fundamento é a própria condição para o mundo da experiência humana ricamente
texturado e interdependente”. Assim sendo, todas as atividades humanas dependem de
um pano de fundo que nunca poderá ser definido de forma sólida e única, assim, esta
ausência de fundamento será encontrada nas experiências do dia a dia. Na cognição, a
ausência de fundamento é o senso comum, conhecimento de como negociar nosso
caminho através de um mundo que não é fixo e preestabelecido, mas continuamente
moldado pelos tipos de ações em que nos comprometemos” (Varela et al., 2001:193).
10.1000. Cognição como ação corporalizada
Varela e seus colegas afirmam que o mundo vivido não apresenta limites predefinidos,
dessa forma não há como esperar capturar o entendimento do senso comum sob a forma
de representação. Para eles, para recuperar o senso comum deve-‐se inverter a atitude
representacionista tratando o know-‐how dependente do contexto, como apropria
“essência da cognição criativa” (Varela et al., 2001:197).
O ponto de referencia para a compreensão da percepção deixa de ter como base um
mundo preestabelecido e independente do sujeito perceptor, mas, sim, a estrutura
sensoriomotora do sujeito preceptor (o modo como sistema nervoso estabelece ligações
entre superfícies sensórias e motoras).
“É exatamente esta ênfase na especificação mútua que nos permite
negociar uma via intermediaria entre o Cila da cognição como recuperação
de um mundo exterior preestabelecido (realismo) e o Caríbdis da cognição
70
como a projeção de um mundo interior preestabelecido (idealismo)”
(Varela et al., 2001:197).
Varela (et al,. 2001:226) aponta para o que chama de ação corporalizada. Ao usar o
termo corporalizada pretende-‐se destacar dois pontos: primeiro, que a cognição depende
dos tipos de experiência que surgem do fato de se ter um corpo como várias capacidades
sensoriomotoras e, segundo, que essas capacidades individuais se encontram
mergulhadas em um contexto biológico, psicológico e cultural muito mais abrangente. Ao
usar o termo ação pretende-‐se destacar uma vez mais que os processos sensórios e
motores, percepção e ação, são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida. Já
em relação ao termo ação destaca-‐se que “os processos sensórios e motores, percepção
e ação, são (...) inseparáveis na cognição vivida”.
A abordagem da atuação (Enação) é, para os autores, constituída de dois pontos: na
percepção como ação guiada
“perceptualmente, e nas estruturas cognitivas emergindo de padrões
sensoriomotores recorrentes que permitem que a ação seja guiada
perceptualmente. A ideia aqui é determinar os princípios comuns ou as
ligações à base de leis entre os sistemas sensórios e motores que explicam
o modo como a ação pode ser perceptualmente guiada num mundo
dependente do sujeito preceptor” (Varela et al., 2001:227).
Tal abordagem está entre as descobertas centrais da análise conduzida por Merleau-‐
Ponty, quando ele aponta que a percepção não se encontra simplesmente mergulhada e
limitada pelo mundo que a rodeia, mas que ela também contribui para a atuação desse
mundo envolvente. Merleau-‐Ponty observa que o organismo principia e é
simultaneamente moldado pelo ambiente.
Para prosseguir os estudos sobre a obra de Varela (et al., 2001) é necessário um pequeno
aprofundamento no conceito de percepção em Merleau-‐Ponty. Já para esse
entendimento o primeiro conceito a ser explorado é o de sensação. Ela é compreendida
em movimento: “A cor, antes de ser vista, anuncia-‐se então pela experiência de certa
71
atitude de corpo que só convém a ela e com determinada precisão” (Merleau-‐Ponty,
1994:284).
Essa nova compreensão de sensação modifica a noção de percepção proposta pelo
pensamento objetivo, fundado no empirismo e no intelectualismo, cuja descrição da
percepção ocorre por meio da causalidade linear estímulo-‐resposta. Na concepção
fenomenológica da percepção, a apreensão dos sentidos se faz pelo corpo, tratando-‐se
de uma expressão criadora, a partir dos diferentes olhares sobre o mundo. A percepção
aqui está relacionada à atitude corpórea.
Considerando-‐se que “das coisas ao pensamento das coisas, reduz-‐se a experiência”
(Merleau-‐Ponty, 1994:497), é preciso enfatizar a experiência do corpo como campo
criador de sentidos, isso porque a percepção não é uma representação mentalista, mas
um acontecimento da corporeidade e, como tal, da existência.
Para Merleau-‐Ponty, a percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a
intencionalidade do movimento. Os movimentos acompanham nosso acordo perceptivo
com o mundo. Situamo-‐nos nas coisas dispostos a habitá-‐las com todo o nosso ser. As
sensações aparecem associadas a movimentos e cada objeto convida à realização de um
gesto, não havendo, pois, representação, mas criação, novas possibilidades de
interpretação das diferentes situações existenciais.
A Teoria da percepção em Merleau-‐Ponty (1994) também se refere ao campo da
subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do
diálogo, das tensões, das contradições e do amor como amálgama das experiências
afetivas. Sob o sujeito encarnado, correlacionamos o corpo, o tempo, o outro, a
afetividade, o mundo da cultura e das relações sociais.
Para o autor (1994:308), a experiência perceptiva é uma experiência corporal e o
movimento e o sentir são os elementos-‐chaves da percepção, sendo assim:
“A percepção sinestésica é a regra, e, se não percebemos isso, é porque o
saber científico desloca a experiência e porque desaprendemos a ver, a
72
ouvir e, em geral, a sentir, para deduzir de nossa organização corporal e do
mundo tal como concebe o físico aquilo que devemos ver, ouvir e sentir.”
Ao considerar a perspectiva neurofisiológica da percepção, Merleau-‐Ponty conjecturou a
respeito da organização do movimento, refletindo sobre a unidade dos processos
sensoriomotores expressos na experiência corpórea e a reflexão sobre a circularidade
característica desse processo. Para o filósofo (1994:312), a abordagem fenomenológica
da percepção identifica-‐se com os movimentos do corpo e redimensiona a compreensão
de sujeito no processo de conhecimento. Nesse sentido, o filósofo diz que:
“Não é o sujeito epistemológico que efetua a síntese, é o corpo; quando sai
de sua dispersão, se ordena, se dirige por todos os meios para um termo
único de seu movimento, e quando, pelo fenômeno da sinergia, uma
intenção única se concebe nele.”
Sendo assim, percebe-‐se que Varela (et al., 2001:231) se esteia no conceito da percepção
corpórea de Merleau-‐Ponty em seus apontamentos anteriores e considera a percepção
como constituinte do mundo envolvente e não como mergulhada e limitada pelo mundo
que a rodeia. Varela aponta ainda que se for considerada a ideia de que as estruturas
cognitivas emergem “dos tipos de padrões sensoriomotores recorrentes que permitem
que a ação seja guiada perceptualmente, e aponta alguns teóricos pioneiros nessa linha
de pesquisa”. Dentre eles Piaget e sua epistemologia genética.
Varela destaca que uma das atividades cognitivas fundamentais que os organismos
executam é a categorização, assim, a singularidade de cada experiência é transformada
no conjunto mais limitado de categorias aprendidas e com o significado às quais os seres
humanos e outros organismos respondem (Varela et al., 2001).
O mundo é composto de um número virtualmente infinito de estímulos que podem gerar
discriminações diferentes. Uma das funções mais básicas de todos os organismos tentar
organizar o ambiente em classificações por estímulos que podem ser tratados como
equivalentes. No entanto, Rosh (et al., 1976) aponta que não houve, ao longo da história,
muitas tentativas explícitas visando determinar os princípios pelos quais os seres
humanos dividem o mundo da maneira que fazem. Pelo contrário, tem sido tendência
73
tanto na psicologia quanto na antropologia, tratar a segmentação do mundo como
originalmente arbitrária e se concentrar nos assuntos como categorias, que uma vez
dadas, são aprendidas (com efeitos e rótulos) para algum segmento.
Os autores argumentam que tal visão seria razoável somente no caso de um mundo
completamente desestruturado, ou seja, usando a definição da estrutura Garner (1974),
se o mundo forma um conjunto de estímulos em que todos os atributos de estímulo
possíveis ocorreram com igual probabilidade combinado com todos os outros atributos
possíveis.
Assim, Rosh (et al., 1976), a partir de uma série de experiências, criou uma teoria de
categorização das atividades cognitivas. Nelas, descobriu que o nível básico de
categorização é o mais inclusivo, no qual os elementos e categorias são usados ou
interatuam com ações motoras análogas; têm formas percebidas semelhantes que
podem ser transformadas em imagens; têm atributos com significados humanos
identificáveis; são categorizados por crianças em tenra idade; e têm primazia linguística
(em diversos sentidos).
A partir dessa pesquisa, Varela (et al., 2001), apontam que parece ser nesse nível básico
de categorização que ambiente e cognição parecem ser simultaneamente atuados.
Os autores chamam atenção, também, à proposta de Johnson, de uma série de
“esquemas de imagens cinestésicos” no qual postula que a entrada da estrutura
perceptiva são as experiências. Estes esquemas são inerentemente significativos, porque
ganham o seu significado diretamente a partir das capacidades inatas sensório-‐motoras
do corpo. Tais esquemas, portanto, representam o corpo na mente e são postos como
sendo cognitivamente reais, pois são diretamente motivados e inerentemente
significativos. Tais esquemas são estruturas simples que surgem a partir do corpo -‐ de
cima para baixo, para trás-‐frente, centro-‐periferia, parte-‐todo, de dentro para fora,
caminhos, links, forças, e assim por diante -‐. São diretamente limitados, dessa forma,
pelas dimensões do corpo humano. Para o autor, a estrutura da experiência corporal
compartilhada torna-‐se a base para o pensamento racional, abstrato, por meio de
imagem com base em esquemas e estratégias criativas, como a metáfora e a metonímia,
74
pretendem estender essa estrutura a partir do domínio físico para o domínio de conceitos
abstratos. Lakoff (1987) descreve esses esquemas de imagem cinestésicos e mostra como
determinar a estrutura do pensamento conceitual abstrato.
Ele e Johnson (1980) elaboraram A Teoria Cognitiva da Metáfora ou Teoria da Metáfora
Conceitual. Segundo os autores, o mito do objetivismo dominou a cultura ocidental, e
particularmente a filosofia ocidental, desde os pré-‐socráticos até a atualidade. Assim, a
ideia de que se tem acesso a verdades absolutas e incondicionais sobre o mundo é o pilar
da tradição filosófica ocidental, assim como se tem ideia igualmente tradicional de que
esse conhecimento “direto” é representado pela linguagem literal, sendo a linguagem
figurativa uma modalidade “ornamentada” desta.
Em contraposição ao objetivismo, Lakoff e Johnson (1980:302) propõem a adoção de um
paradigma que denominam experiencialista:
“explicação experiencialista da compreensão e da verdade é uma
alternativa que nega que o objetivismo e o subjetivismo sejam nossas
únicas escolhas. Rejeitamos a concepção objetivista de uma verdade
absoluta e incondicional, sem adotar a alternativa subjetivista de verdade
obtida apenas por meio da imaginação. A razão, no mínimo, envolve a
categorização, a implicação, a inferência. A imaginação, em um dos seus
muitos aspectos, implica ver um tipo de coisa em termos de um outro tipo
de coisa, o que denominamos pensamento metafórico”.
Assim, sustentam os autores, que os sistemas conceituais humanos fundam-‐se na
experiência física e cultural. Lakoff (1987:269) explica que tais sistemas têm uma “dupla
fundação”, dois tipos de conceitos fundantes que advêm das experiências físicas mais
básicas das pessoas: esquemas Imagéticos, relacionados ao deslocamento do corpo no
espaço, e categorias de nível básico, ligadas à manipulação de objetos.
Adaptacionismo: uma ideia em transição Tanto a percepção como a categorização (da cor, por exemplo) feita pelos humanos, são
perceptualmente inseparáveis de sua atividade e atuadas pela sua história de
acoplamento estrutural.
75
Maturana e Varela (1974) ressaltam que o sistema vivo e o meio em que ele habita se
modificam de forma equivalente, ou seja, o meio produz mudanças na estrutura dos
sistemas, e estes, por sua vez, agem sobre tal, alterando-‐o. Esse fenômeno foi nomeado
pelos pesquisadores de acoplamento estrutural: quando um organismo influencia outro,
este replica influindo sobre o primeiro, em uma conduta compensatória. Posteriormente,
o primeiro organismo dá a tréplica, e volta a exercer influência sobre o segundo — e
assim por diante, enquanto continuarem em conexão.
É importante destacar, que mesmo compreendendo que cada sistema vivo é
determinado a partir de sua estrutura interna, é necessário perceber que quando
sistemas estão em acoplamento, a conduta de um é sempre fonte de respostas
compensatórias por parte do outro. Portanto é possível dizer que se trata de eventos
transacionais e recorrentes, estabelecedores de diálogos.
No entanto, “esta história não é o resultado de qualquer padrão de acoplamento, e, sim,
o resultado da revolução biológica e dos seus mecanismos de seleção natural”. Para
Varela, nossa percepção e cognição têm um valor de sobrevivência, uma adaptação mais
ou menos ótima ao mundo. (Varela et al., 2001:236)
Partindo desse ponto é possível dizer que a evolução como tendência natural é a
contrapartida biológica da cognição como ação corporalizada, e que, portanto, fornece
também um contexto teórico mais abrangente para o estudo da cognição como um
fenômeno biológico.
A postura adaptacionista20 surge do fato do processo de seleção natural se tornar o fator
principal da evolução orgânica. Ela usa a ideia de adequação (No original, fitness) uma vez
que “consiste em encontrar tarefas hereditárias, conjuntos de genes inter-‐relacionados
que irão ser mais ou menos capazes de contribuir para a reprodução diferencial” (Varela
et al., 2001:243). A adequação pode ser também formulada como medida de persistência
ao medir a probabilidade de uma permanência reprodutiva ao longo do tempo21.
20 Processo ligado à reprodução e à sobrevivência, ou seja, à adaptação. 21Varela (et al., 2001) aponta também a adequação como medida de abundância, que não será tratada nesta pesquisa.
76
A teoria evolucionária ortodoxa não nega que existe certo número de outros fatores que
operam na evolução, limita-‐se simplesmente a reduzir sua importância e procurar
explicar os fenômenos observados principalmente em uma base de otimização da
adequação.
De qualquer forma, é possível identificar coincidências entre os temas evolucionários e
cognitivos:
• A evolução é muitas vezes invocada como uma explicação para o tipo de cognição
que nós ou outros animais temos presentemente.
• A evolução é muitas vezes utilizada como uma fonte de conceitos e metáforas na
construção das teorias cognitivas.
Os processos evolucionários podem ser compreendidos por meio da ideia
representacionista de que existe uma correspondência entre organismo e ambiente,
fornecida pela otimização dos constrangimentos de sobrevivência e de reprodução. Tanto
a Teoria Evolucionária, como a Ciência Cognitiva apontam para a impossibilidade de
“simplesmente subir na escala” de soluções locais para um desempenho global.
Varela (et al., 2001:258) aponta que segundo a sabedoria tradicional, o ambiente em que
os organismos evoluem e que vêm a conhecer é dado, fixado e único. A ideia é a de que
os organismos são basicamente lançados de paraquedas em um determinado ambiente
pré-‐estabelecido. Tal visão simplista sofre um refinamento “quando permitimos as
alterações no ambiente, uma permissão que já tinha sido empiricamente familiar a
Darwin. Tal ambiente em movimento fornece as pressões seletivas que formam a espinha
dorsal da teoria evolucionária neodarwiniana”.
Varela (et al., 2001:258) reformulam esse conceito de pressões seletivas como
“constrangimentos gerais a serem satisfeitos”, dessa forma os autores permitem enfatizar
a noção de que aquilo que um ambiente é não pode ser separado daquilo que os
organismos são e daquilo que fazem. Em outras palavras, os seres vivos e seus ambientes
mantêm uma relação uns com os outros por intermédio de uma “especificação mútua ou
codeterminação”.
77
Segundo Richard Lewontin (1983), o organismo e o ambiente não se encontram
realmente determinados de modo separado. O ambiente não é uma estrutura imposta
aos seres vivos a partir do exterior, mas é de fato uma criação desses próprios seres. O
ambiente não é um processo autônomo, mas uma reflexão da biologia das espécies.
Lewontin discutiu que enquanto no Darwinismo tradicional o organismo é visto como o
receptor passivo de influências ambientais, uma compreensão correta deve enfatizar o
organismo como um construtor ativo de seu ambiente. Os nichos, nesse caso, não são
pré-‐formados, receptáculos vazios em que os organismos são introduzidos, mas são
definidos e criados pelos organismos. O relacionamento organismo-‐ambiente é recíproco
e dialético.
Tal como não existe nenhum organismo sem um ambiente, também não existe ambiente
sem organismo, diz o autor (1983a). Ele complementa seu raciocínio articulando que a
mais larga forma de herança extragenética é o efeito da “construção em nicho”. Tal
conceito tem a sua origem em três trabalhos seminais em que Richard Lewontin critica as
metáforas sido tradicionalmente usadas para representar o processo de adaptação por
seleção natural (Lewontin, 1982; Lewontin, 1983a; Lewontin, 1983b). A concepção
metafórica criticada por ele é o modelo chamado de "Lock and Key” (chave e fechadura).
Nesse, adaptações são soluções (chaves) para os problemas colocados pelo ambiente
(bloqueios ou fechaduras).
Já no modelo proposto por Lewontin (1983a), organismos e seus nichos ecológicos são
co-‐construídos e co-‐definidos. Nesse contexto, são relevantes para a evolução dos
organismos, tanto seu corpo físico, como fatores presentes no ambiente externo. Assim,
organismos são adaptados às suas formas de vida porque os eles e seu modo de viver
foram feitos um para (e por) outro.
Lewontin também revisou a metáfora popular de “fitness landscape”. Nesta imagem, as
populações ocupam uma paisagem acidentada com muitos picos e evoluem por sempre
tentarem andar para cima, porém, pelo fato dos organismos construírem seus nichos, a
paisagem se torna mais parecida com a superfície de um trampolim, ou seja, enquanto os
organismos sobem tais colinas, mudam a forma de sua paisagem. Dessa forma, a
78
metáfora da construção proposta por Lewontin (1983a) não é apenas uma nova maneira
de descrever o mesmo processo evolutivo, mas um modelo revisado do processo de
seleção natural, pois redefine as relações causais que a Ecologia e Biologia Evolutiva
costumam usar.
Dessa forma, percebe-‐se que a cognição deixa de ter sua base em representações e
consiste na atuação ou produção de um mundo por meio de uma história viável e não
ótimas de acoplamento estrutural. Entende-‐se ainda que, para que o acoplamento seja
viável, a ação percentualmente guiada deve simplesmente facilitar a integridade
continuada do sistema (ontogenia) e ou sua linhagem (filogenia). Há, então, uma lógica
proscritiva em vez de prescritiva.
Assim sendo, qualquer ação empreendida pelo sistema é permitida desde que não viole o
constrangimento de ter que manter a integridade do sistema e ou a sua linhagem.
Dessa forma, pode-‐se afirmar que a cognição como ação corporalizada é sempre sobre ou
orientada para qualquer coisa que falta: de outro lado, há sempre um passo seguinte para
o sistema na sua ação percentualmente guiada; e as ações do sistemas são sempre
orientadas para situações que ainda terão que vir a tornar-‐se reais. A cognição como ação
corporalizada cria problemas e ao mesmo tempo especifica os caminhos que deverão ser
guiados para a sua solução.
A intencionalidade de Cognição como Ação Corporalizada. Ao adotar a teoria de Varela e seus colegas (2001:267), está-‐se situando a cognição como
ação corporalizada no contexto da evolução como tendência natural. Sendo assim, tem-‐
se “uma visão das capacidades cognitivas como inextricavelmente ligadas a histórias que
são vividas”. Tais histórias, consideradas pelos autores como de acoplamento, não são
ótimas, mas viáveis, altercação que implica uma diferença correspondente naquilo que é
demandado de um sistema cognitivo no seu acoplamento estrutural.
Sendo assim, em ligações ótimas as interações seriam prescritas, já na realidade de
viabilidade proposta pelos pesquisadores, a ação perceptualmente guiada deve facilitar a
integridade continuada do sistema (ontogenia)e/ou a sua linhagem (filogenia), dessa
forma há uma lógica proscritiva: “qualquer ação empreendida pelo sistema é permitida
79
desde que não viole o constrangimento de ter que manter a integridade do sistema e/ou
sua linhagem” (Varela et al., 2001:267).
Os autores apontam ainda uma outra maneira de exprimir essa ideia: “ação corporalizada
é sempre sobre ou orientada para qualquer coisa que falta”, assim, “põe problemas e ao
mesmo tempo especifica os caminhos que deverão ser seguidos ou estabelecidos para
sua solução” (Varela et al., 2001:267).
Tais formulações permitem aos autores especificar a intencionalidade (aboutness) da
cognição como ação corporalizada. Em primeiro lugar a intencionalidade inclui o modo
como o sistema interpreta a forma como mundo é (especificado em termos do conteúdo
semântico de estados intencionais).Em segundo lugar a intencionalidade inclui o modo
como o mundo satisfaz ou não consegue satisfazer essa interpretação (especificada em
termos de condições de satisfação de estados intencionais).
Dessa forma, a intencionalidade da cognição como ação corporalizada consiste
primeiramente no caráter direto da ação: corresponde a aquilo que o sistema toma como
sendo possibilidades para a ação e como as situações resultantes cumprem ou não as
possibilidades.
Assim sendo é possível atualizar os conceitos apresentados anteriormente, a saber:
• Cognição como atuação, uma história de acoplamento estrutural que produz um
mundo que funciona por meio de uma rede constituída por níveis múltiplos de
sub-‐redes sensoriomotoras interligadas e que funciona adequadamente quando
se torna parte de um mundo existente continuadamente (como no caso dos
jovens de todas as espécies) ou forma um novo (como acontece na história
evolucionária).
10.1001. A Ciência Cognitiva da Atuação ou Enação
A abordagem atuacionista proposta por Varela e colegas (2001), recupera a consciência
como um problema da Ciência Cognitiva e questiona a relação existente entre processos
cognitivos e o mundo no qual a mente está incorporada e inserida. Dessa forma, os
autores colocam em questão, também, a ideia de representação mental.
80
A teoria proposta enfatiza que a cognição emerge das interações do cérebro, do corpo e
do ambiente. Assim, a mente e o mundo pertencem a um duo inseparável, atuando um
sobre o outro, mutuamente. De tal modo, o inconsciente cognitivo se estende por todas
as partes do corpo e percorre também físico o e social nos quais o corpo está inserido
(Thompson, 2006).
As demais vertentes das Ciências Cognitivas existentes na segunda metade do século XX e
que têm forte influência até os dias atuais entendem a representação como um
constructo, ou seja, que consiste em construir ou representar o mundo de uma forma
determinada, como padrão ou sistema, que age com base nas representações internas. Já
a cognição proposta por Varela (et al.,2001) considera tal abordagem branda, pois não
necessita de compromissos epistemológicos ou ontológicos fortes. Dessa forma, propõe
uma não generalização para a construção de uma teoria consolidada sobre a percepção, a
linguagem, a cognição e seu funcionamento.
Em tal concepção, a noção de que as informações existem prontas e que são obtidas por
um sistema cognitivo que é independente de contexto é derrubada. Os autores destacam
ainda que nas Ciências Cognitivas tal mudança de postura reflete a necessidade de se
compreender os “sistemas cognitivos não com base nas relações entre informações
(input) e comportamento (output), mas a partir de seu fechamento operacional” (Varela
et al., 2001:149).
Nesse ponto de sua pesquisa, Varela e colegas (2001) retomam a importância alguns
conceitos trabalhados no início dos estudos da Cibernética, a partir do trabalho de Brooks
no MIT (Massachussets Institute of Technology).
No artigo intitulado Achieving Artificial Intelligence through Building Robots, o autor
defende uma diferente abordagem à usada comumente na Inteligência Artificial:
“ In this note we use a technical rather than philosophical argument that
machines must indeed have a rich background of experience of being if they
are to achieve human level intelligence.(…) We conclude that artificially
intelligent behavior is achievable with computers without the aid of
holograms, resonance, or other holistic techniques. Rather, by adopting an
81
incremental construction approach, progress towards this goal can be
expected soon” (Brooks, 1986:01).
Brooks (1986) acredita que o comportamento de Inteligência Artificial é possível com
computadores sem a ajuda de hologramas, ressonância ou outras técnicas holísticas. Em
vez disso, por meio de uma abordagem de construção incremental, o progresso rumo a
este objetivo pode ser esperado. Ele argumenta que se deve desenvolver de forma
incrementada as capacidades dos sistemas inteligentes em cada fase do percurso e desse
modo assegurar de forma automática que as peças e suas interfaces sejam válidas.
“This suggests that problem solving behavior, language, expert knowledge
and application, reason, etc., are all pretty simple once the essence of
being and reacting are available. That essence is the ability to move around
in a dynamic environment, sensing the surroundings to a degree sufficient
to achieve the necessary maintenance of life and reproduction. This part of
intelligence is where evolution has concentrated its time -‐ it is much harder”
(Brooks, 1986:01).
Em outras palavras, Brooks (1986) indica que tal comportamento de resolução de
problemas, a linguagem, o conhecimento especializado, além da aplicação e razão, entre
outros, são muito simples, uma vez que se percebe a essência de ser e reagir. Assim, em
cada fase de tal procedimento, deve-‐se construir sistemas inteligentes completos.
Vale notar que, ao mesmo tempo em que o autor (1986:02) traça o que chama de
“engano da Inteligência Artificial” (sua tendência à abstração), ele defende que tal
abstração falha na essência da inteligência, que reside exclusivamente na sua
corporalidade (Varela et al., 2001).
No artigo, Brooks argumenta que:
“The idea is to decompose the desired intelligent behavior of a system into
a collection of simple behaviors. We build computational systems to
achieve each of the more primitive behaviors and then compose them into
a more complex system. Ideally each individual computational system
82
should be independent of the others. In practice there will be some overlap
(just as happens in a more usual decomposition where for instance it is hard
to tell where the stereo depth system ends and the three dimensional
model builder begins” (Brooks, 1986:06).
A imagem apresentada pelo autor é, assim, a decomposição do comportamento desejado
de um sistema inteligente em uma coleção de comportamentos simples. Dessa forma, se
criam sistemas computacionais que visam a atingir comportamentos mais primitivos,
para, depois, recompô-‐los em um sistema mais complexo. Brooks pretende testar esse
sistema no mundo real e argumenta sobre alguns benefícios de se usar tal simplificação:
• diz haver muitos caminhos paralelos de controle por meio do sistema, portanto, o
desempenho do sistema em uma determinada situação não é dependente do
desempenho do elo mais fraco em tal situação, mas, sim, dependente do
comportamento mais forte e relevante para a situação;
• muitas vezes, mais do que um comportamento, pode ser adequado para uma
dada situação. O fato de que os comportamentos são gerados por sistemas
paralelos proporciona redundância e robustez ao sistema global. Assim, não
existem gargalos processuais ou declarativos;
• estruturando racionalmente tal decomposição, a tarefa individual alcança
comportamentos que podem ser executados em peças separadas de hardware.
Assim, ela conduz a um mapeamento natural do sistema inteligente em uma
máquina de processamento paralelo.
Com tal exemplo, Varela e colegas (2001) pretendem elucidar que esta é uma alternativa
ao modo predominantemente objetivista / subjetivista da maior parte da Ciência
contemporânea. Eles destacam, entretanto, que desde a década de 1990 algumas áreas
como a Psicologia Cognitiva, a Linguística, e a Neurociência, entre outras, parecem
incorporar elementos que indicam uma tendência ao uso da cognição atuacionista.
A intenção dos autores ao descrever o trabalho de Brooks, era justamente discorrer sobre
a possibilidade de, inclusive na Robótica ou outros programas de investigação com
fronteiras bem definidas, os níveis mais pragmáticos podem ser atingidos.
83
Assim, é possível afirmar que a cognição pode ser definida como ação corporalizada
intimamente ligada a histórias vividas, mas também que tais histórias são o resultado da
evolução como tendência natural. Desse modo, para os autores (Varela et al., 2001), a
corporalidade humana e o mundo que é atuado por sua história de acoplamento reflete
apenas um dos muitos caminhos que as pessoas podem estabelecer. Eles destacam,
porém, o fato de que não existe um fundamento último que possa prescrever os passos
dados pelas pessoas, essa ausência de um fundamento no estabelecimento de um
caminho é a questão filosófica fundamental que resta ser discutida na trajetória do livro A
Mente Corpórea.
10.1010. A via Intermediária
A cognição humana, segundo Varela (et al., 2001) emerge do pano de fundo de um
mundo que se estende para além das pessoas, mas não pode ser encontrado
separadamente de sua corporalidade.
Para eles, as formas de ausência de fundamento são, na realidade, uma só: “Organismo e
ambiente embrulham-‐se um com o outro e desembrulham-‐se um do outro na
circularidade fundamental que constitui a própria vida” (Varela et al., 2001:282) . Os
autores agora buscam analisar diretamente a ausência de fundamento sobre a qual
fizeram inúmeras referências.
“Se o nosso mundo apresenta uma ausência de fundamento, como é
possível compreender a nossa experiência cotidiana nele? Como
poderíamos não experimentar o mundo como independente e com
fundamentos sólidos?” (Varela et al., 2001:282)
Para Varela e colegas (2001:282) a situação histórica requer, não apenas que se abandone
o fundacionalismo filosófico, mas igualmente que se aprenda a viver em um mundo sem
fundações. Para eles, “a ciência por si só (...) é incapaz de executar essa tarefa”.
84
Nesse sentido, a tradição Madhyamika22, que tem como ponto focal a ausência de
fundamento, passa a ser explorada por Varela (et al., 2001) como caminho viável de
discussão e argumentação.
Conforme Varela e seus colaboradores (2001), entre a estrutura do mundo e o sentido
contextualizado dado à experiência, aqui e agora, deve-‐se praticar a presença atenta ao
mundo. Essas presenças atentas são uma das fontes do budismo, que os pesquisadores
(Varela et al., 2001) valorizam como conhecimento válido do ponto de vista da Ciência,
não por causa da doutrina ensinada em tal escola, e, sim, porque esse conhecimento é
uma prática que transforma o ser humano para conhecê-‐lo, teorizando essa
transformação no próprio momento em que ela acontece.
Segundo os autores, o saber do ser meditante que observa e transforma seu corpo, suas
energias, seu espírito aqui e agora, é pertinente: “A observação é ação, a ação é
observação, e a consciência e a teoria surgem diretamente dessa observação-‐
transformação” (Varela et al., 2001:285).
A análise da mente em elementos básicos e fatores mentais estão divididos, na tradição
Madhyamika em duas distinções (Varela et al., 2001):
• Verdade absoluta: composta pelo elemento básico, que é a existência, na qual a
experiência podia ser analisada, e a verdade relativa ou convencional, que era a
experiência comum.
• Verdade relativa: é o mundo fenomenal, cadeiras, pessoas, espécies, e a
concorrência disso ao longo do tempo.
“A verdade absoluta não pode ser ensinada separadamente das práticas diárias. Sem
compreender a verdade absoluta, a liberdade não é atingida.” (Nagarjuna apud Varela et
al., 2001:293)
Varela e colegas (et al., 2001) dizem que o mundo contemporâneo tornou-‐se altamente
sensível à questão da ausência de fundamento, devido a inúmeras razões históricas,
políticas, da Arte, da Ciência e das reflexões filosóficas. Apesar de não abordarem
22 Escola budista que adotou novos ensinamentos da vacuidade (sunyata)
85
diretamente tais argumentos, os pesquisadores acham notável que a tradição ocidental
(baseada em raciocínio filosófico e nas práticas científicas), e a tradição do pensamento
budista (baseada nas experiências do mundo por meio da atenção e da conscientização),
estejam em um processo de convergência perceptível.
Varela (et al., 2001), argumentam que no entre-‐dois (entre-‐deux) amalgamando a
estrutura do mundo (ao mesmo tempo percebida como meio para a vida e criada por
meio de órgãos determinados do corpo -‐ enação) e o sentido contextualizado dado à
experiência (conceito de emergência), é possível praticar a presença atenta ao mundo.
Tal argumentação se dá a partir da constatação, pelos autores, de que os pontos de vista
ocidentais contemporâneos têm sido incapazes de articular em conjunto a perda de
fundamentações em relação ao self e ao mundo. Para eles, muito desse fato se dá em
razão de a Ciência Cognitiva e de a Psicologia Experimental tentarem ser cientificamente
objetivos.
Os autores (Varela et al., 2001: 300) atentam também para o fato de que uma “das
formas mais sedutoras” de subjetivismo do pensamento contemporâneo é a utilização
dos conceitos de interpretação, tanto “pelos pragmáticos como pelos hermenêuticos”.
O interpretacionismo fornece uma crítica penetrante do objetivismo. Para ser objetivo,
diz o interpretacionalista, seria necessário ter algum conjunto de objetos independentes
da mente, para serem designados pela linguagem ou conhecidos pela ciência.
Varela (et al., 2001:301) aponta para o momento em que as tradições do pensamento
descobrem a ausência de fundamento: “Um derrubamento de um ideal para fazer
ciência, para um estabelecimento da verdade filosófica com a razão ou para viver uma
vida com sentido”.
Assim, segundo os autores (Varela et al., 2001: 301), a Ciência Cognitiva de Atuação23,
exige que se confronte a ausência de embasamentos últimos, pois revela assim o mundo
vivido como caminho para realização. Dessa maneira, descrevem, “a atenção, a
consciencialização e a vacuidade não são abstrações”, mas, ao contrário, deve haver algo
23E também no Pragmatismo Ocidental Contemporâneo.
86
a que as pessoas estejam atentas, consciencializadas, e que percebam que existe sob
dependência ou interdependência (e não por si mesmo).
Para eles (2001:302), “a negação de um fundamento último é equivalente à negação de
uma verdade absoluta, ou de uma bondade a respeito do nosso mundo e da nossa
experiência”. Varela (et al, 2001) retoma o argumento de que não é possível se libertar do
absolutismo ou do niilismo abordados anteriormente em sua pesquisa e que esta
impossibilidade de libertação gera um afastamento do mundo vivido.
Eles argumentam que, no caso do absolutismo, há uma tentativa de escape das pessoas à
experiência real, ao se invocar as fundações que possam fornecer sentidos de justificação
e finalidade à vida. Já no caso do niilismo, nega-‐se a possibilidade de considerar a
experiência individual e diária de uma forma libertadora e transformadora.
87
11 Experiência do Usuário
88
Nos domínios da Técnica
“The world has arrived at an age of cheap complex devices of great reliability; and something is bound to come of it.” (Bush, 1945: 02)
Ao se retomar o conceito de ação corporalizada, cunhado por Varela (et al., 1991) como Enação,
tem-‐se um ponto de partida para uma mudança do modo de estar no mundo, uma passagem do
modo eminentemente cognitivista de se buscar o saber de forma racionalizada, para uma
declaração da corporalidade do sujeito na situação da produção de conhecimento.
Varela, a partir de tal abordagem, procura recuperar o sentido comum da cognição, fazendo
emergir problemas a cada momento da vida do sujeito e não representando um mundo dado.
Segundo ele (Varela et al., 1991:72) “a faculdade mais importante de qualquer cognição viva é
precisamente, em larga medida colocar as questões pertinentes que surgem a cada momento de
nossas vidas”. Tais critérios de pertinência, segundo o autor, são ditados pelo senso comum, de
forma contextualizada.
Dessa forma, pode-‐se afirmar que o processo do conhecimento torna-‐se também um processo de
produção e criação no mundo no qual o sujeito participa de uma dinâmica criativa de si mesmo e
desse mundo com o qual ele está em permanente interação.
Fazendo uma conexão com Pierre Lévy (1993), em seu livro Tecnologias da Inteligência, pode-‐se
observar a consideração da técnica como um dos principais agentes de transformação das
sociedades atuais, seja em suas diferentes formas, usos e implicações sobre o cotidiano e
atividades das pessoas.
Mais do que isso, ele aponta que tais técnicas trazem consigo outras transformações menos
perceptíveis, mas bastante pervarsivas, tais como alterações na forma das pessoas conhecerem o
mundo, de representarem esse conhecimento, de transmitirem tais representações por meio da
linguagem. Dentre a grande quantidade de técnicas existentes, Lévy privilegiou as técnicas de
transmissão e de tratamento das mensagens, uma vez que, segundo ele, são elas que
transformam os ritmos e modalidades da comunicação de forma mais direta, contribuindo para
redefinir as organizações.
O autor (1993:04), logo na introdução de seu livro, diz “que maneiras de pensar e de conviver
estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática” e destaca que as
89
relações entre os homens, o trabalho e a própria inteligência dependem “da metamorfose
incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos”.
Lévy (1993:04) destaca ainda que “escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são
capturadas por uma informática cada vez mais avançada” e que “não se pode mais conceber a
pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que redistribui as antigas divisões entre
experiência e teoria”.
Percebe-‐se então, desde o final do século passado, a técnica como uma das importantes
dimensões nas quais o que está em jogo é a transformação do mundo humano por ele mesmo.
“A incidência cada vez mais pregnante das realidades tecno econômicas sobre
todos os aspectos da vida social, e também os deslocamentos menos visíveis que
ocorrem na esfera intelectual obrigam-‐nos a reconhecer a técnica como um dos
mais importantes temas filosóficos e políticos de nosso tempo” (Lévy, 1993:04).
Esta parte da tese pretende trilhar um caminho de raciocínio pretensamente linearizado, que
parte dos conceitos introdutórios a respeito da técnica, da tecnologia e de seus desdobramentos
ubíquos, pervasivos e móveis para situar o leitor a respeito dos desafios de se projetar sistemas
interativos, na área do Design de Informação. A partir de tais discussões parte para um
levantamento do Estado da Arte da Interação Humano-‐Computador visando identificar
proximidades e distanciamentos entre tal área e as teorias de Varela -‐ e seus desdobramentos -‐
trabalhados na primeira parte desse trabalho.
11.01. Da Técnica à Tecnologia
Neste capítulo são discutidos alguns princípios da tecnologia, sua repercussão nas atividades
técnicas e os desdobramentos proporcionados pelo avanço e aprimoramento da computação.
Pode-‐se dizer de antemão que a tecnologia além de se guiar por princípios científicos, fornece à
Ciência subsídios práticos, em um constante movimento de transcendência. Assim ela testa
princípios extraídos das Ciências de forma prática, verificando inconsistências que podem
inclusive gerar novos problemas e hipóteses. Dessa forma pode-‐se afirmar que a tecnologia
utiliza-‐se de técnicas para atingir objetivos utilitários na manufatura e no trabalho com objetos
virtuais, conceituais ou procedimentos metodológicos.
Técnica, etimologicamente, é derivada do grego, τέχνη, significa 'arte, técnica, ofício'. É o
procedimento ou o conjunto de procedimentos que tem como objetivo obter um determinado
90
resultado, seja no campo da Ciência, da Tecnologia, das Artes ou em outra atividade, ou seja, criar
ou produzir atividades práticas. Na concepção filosófica a techné é definida como arte prática, o
saber fazer humano, o aproveitamento racional dos recursos naturais, utilizando-‐os a seu favor
(Motoyama et al, 1995).
Já a tecnologia, do grego τεχνη — "técnica, arte, ofício" e λογια — "estudo", é um termo que
envolve o conhecimento técnico e científico e as ferramentas, processos e materiais criados e/ou
utilizados a partir de tal conhecimento. “Saber que se aprende” (Vargas, 2007).
Feenberg (2003) destaca que tanto a Ciência como a Tecnologia, partem do mesmo tipo de
pensamento racional, baseado na observação empírica e no conhecimento da causalidade
natural. A principal diferença entre elas está no fato que a tecnologia não busca a verdade e, sim,
a utilidade.
Bunge (1986:186) por sua vez diz que “habitualmente entende-‐se por tecnologia a técnica que
emprega conhecimento científico”.
Os dois autores concordam com o fato de que toda tecnologia é fundada na ciência, pois suas
técnicas estão a serviço de um processo científico, de uma lei, teoria (Bunge, 1980) (Feenberg,
2003).
Pode-‐se representar assim os campos de conhecimento e ação:
Dessa forma, percebe-‐se uma hierarquia: a tecnologia precisa da ciência e ambas, na maioria das
vezes, precisam das técnicas para gerar efeitos concretos no mundo físico. Assim, o saber e o
fazer de um tecnólogo são orientados por procedimentos científicos, que visam à utilidade e não
à verdade.
A técnica é tão antiga quanto a humanidade. Entre os antropólogos há de fato a ideia de que o
que distingue o homem do hominídeo é a presença de instrumentos fabricados pelo primeiro ao
lado de seu fóssil com a função de defesa ou de melhoria de sua condição de vida (alimentação,
abrigo). Assim é possível dizer que o Homo Sapiens (que enfatiza sua capacidade de conhecer a
91
realidade, estar consciente do mundo e de si mesmo) e o Homo Faber (devido à sua habilidade
em criar artefatos e utensílios, com a ajuda dos quais interage com a natureza e
consequentemente a transforma) possuem nessas características o que diferencia os seres
humanos (racionais) dos animais irracionais.
Ortega y Gasset (1963) aponta para a distinção de três estágios na evolução histórica da técnica: a
técnica do acaso, que é própria do homem primitivo, acessível a todos os membros da
comunidade e quase confundida com o repertório de atos naturais; a técnica do artesanato,
própria da Antiguidade e Idade Média e a técnica do técnico, da Época Moderna e
Contemporânea, que surge a partir da elevação da importância adquirida pela máquina e a
diferenciação entre o técnico, o artesão e o operário, sendo a techné este saber prático, saber
fazer, não tem que dar conta das causas e princípios das coisas.
Sigaut (1996) traz uma outra reflexão importante sobre esses atos “primitivos” de uso de
instrumentos, ao destacar que eles só se constituem em técnica quando se identifica o material
usado, para que se destina e a forma de uso.
A partir do século XVI, a técnica foi tornando-‐se cada vez mais presente na vida das pessoas,
sendo incorporada às cidades e sociedades modernas. Inicialmente destaca-‐se a tipografia, e
posteriormente, a invenção do telefone, do telégrafo, da fotografia e, ainda mais recentemente,
com a dos computadores e das telecomunicações houve o impacto na vida de milhões de
pessoas, o que contribuiu para a formação do mundo tecnológico em que se vive atualmente.
Ao examinar a palavra tecnologia em termos históricos, pode-‐se observar sua origem
relativamente recente e o uso muitas vezes como sinônimo de técnica. Por sua vez, o termo
técnica confunde-‐se muitas vezes com arte, habilidade, destreza. Analisando-‐se com rigor pode-‐
se afirmar que “tudo é técnica, mas toda e qualquer técnica não é tecnologia” (Braudel,
1985:115), ou seja, embora a tecnologia possa referir tanto o resultado como a extensão de
alguma técnica, não deve ser considerada equivalente nem substituta da técnica.
Tal afirmação tem suas origens na segunda fase histórica da técnica, quando alguns homens
passaram a ter habilidades específicas para lidar com ela e passaram a se encarregar de funções
como a invenção e o aperfeiçoamento dos instrumentos: eram os artesãos. Dessa maneira, se o
conhecimento inicialmente era transmitido de forma oral e prática para os aprendizes,
posteriormente precisou se ancorar em tratados que auxiliavam seu ensino. Assim, com o
92
estabelecimento de fundamentos epistêmicos, houve, mais tarde, o surgimento da tecnologia, em
seu conceito de técnica utilitária embasada em fundamentos científicos.
As discussões acerca da tecnologia estão presentes desde as origens da filosofia ocidental.
Feenberg (2003:03) afirma que “a filosofia começa interpretando o mundo em termos do fato
fundamental de que a humanidade é um tipo de animal que trabalha constantemente para
transformar a natureza”. Esse fato essencial molda as diferenciações básicas que preponderam ao
longo da tradição da filosofia ocidental.
Segundo o autor (2003:03), a primeira dessas distinções está entre a physis e a poiesis gregas.
Physis, geralmente traduzida como natureza, era entendida por eles “como um ser que cria a si
mesmo, como aquilo que emerge de si mesmo”. Mas há outras coisas no mundo, coisas que
dependem de que algo passe a existir.
A physis como a base de tudo, como o princípio que nos faz compreender o mundo que nos
rodeia e que adquire, dentro da dinâmica do princípio inteligente, circunstância e significado. A
physis pode assumir diferentes denominações para um mesmo sentido: espírito, pensamento,
inteligência, palavra, cultura. Para os pré-‐socráticos e especialmente para Heráclito, ela denotava
a própria natureza em seu movimento natural, movimento que se faz na gênese das coisas e de si
mesma trazendo no seu bojo a mudança e a contradição.
“Physis pode ser apreendida em tudo que acontece. Constitui a totalidade de
tudo que é. Ela está na aurora, no nascimento das plantas, no nascimento de
animais e homens. Pensando a physis, o filósofo pré-‐socrático pensa o ser. Pensa
a compreensão da totalidade do real – cosmos, deuses, homem, verdade,
animado e inanimado, sabedoria, política e justiça. Pensar a physis é pensar o
movimento” (Melo Neto, 1996:12).
Já poiesis “é a atividade prática de fazer da qual os seres humanos ocupam-‐se quando produzem
algo. Nós chamamos esses seres criados de artefatos e incluímos entre eles os produtos da arte,
do artesanato, e da convenção social”, o artista só tem em si a poiesis na medida em que ele é o
que ele é no vigorar do ser. A obra de arte opera na medida em que ela contém em si a poiesis, o
vigorar da physis como medida, linguagem. (Melo Neto, 1996:13)
"Também a physis, o surgir e elevar-‐se por si mesmo, é uma produção, é poiesis. A
physis é até a máxima poiesis. Pois o vigente da physis tem em si mesmo o eclodir
da produção. Enquanto o que é produzido pelo artesanato e pela arte, por
93
exemplo, o cálice de prata, não tem o eclodir da produção em si mesmo, mas em
um outro, no artesão e no artista" (Heiddeger, 2002:16).
Feenberg (2003:02) acrescenta ainda que a palavra techné, na Grécia antiga, se refere ao
conhecimento ou à disciplina que se associa com uma forma de poiesis. Como exemplo, aponta a
medicina como técnica cujo objetivo é curar o doente; a carpintaria como técnica cujo propósito é
construir a partir da madeira. “Na visão grega das coisas, cada técnica inclui um propósito e um
significado dos artefatos a cuja produção se orientam”.
O autor aponta ainda para o fato de que segundo os gregos, as technai mostram a "maneira
correta" de fazer coisas de maneira muito forte, até mesmo em um sentido objetivo. Embora os
artefatos dependam da atividade humana, o conhecimento contido nas technai não é matéria de
opinião ou intenção subjetiva. Até mesmo os propósitos das coisas que são feitas compartilham
essa objetividade na medida em que estão definidas pelas technai. A palavra techné está na
origem das palavras modernas para a técnica e a tecnologia nas línguas ocidentais.
A segunda distinção fundamental apresentada por Feenberg (2003) está entre a existência e a
essência. Segundo o autor, a existência responde à pergunta se algo é ou não é, enquanto a
essência responde à pergunta o que a coisa é, duas dimensões aparentemente independentes do
ser. Na tradição da filosofia ocidental,
“a existência se torna um conceito bastante nebuloso. Não é realmente claro
como defini-‐lo. Sabe-‐se a diferença entre o que existe e o que não existe, por
exemplo, como presença imediata ou ausência, mas não há muito mais a se dizer.
A maior atenção é dada à essência e a seus conceitos sucessores como
desenvolvidos pelas ciências porque este é o conteúdo do conhecimento”.
(Feenberg, 2003:03)
Tais distinções são evidentes por si mesmas e formam a base de todo pensamento filosófico
ocidental, mas a relação entre essas duas distinções não se configura óbvia, mas, sim, enigmática.
A origem de seu entendimento está no conceito grego de techné, ancestral da tecnologia
moderna, que concebeu a natureza no modelo dos artefatos produzidos pela sua própria
atividade técnica.
“Em poiesis, a distinção entre existência e essência é real e óbvia. Uma coisa
existe primeiro como uma ideia e só depois passa a existir pela fabricação
humana. Mas note-‐se que, para os gregos, a ideia do artefato não é arbitrária ou
94
subjetiva, mas pertence a uma techné. Cada techné contém a essência da coisa de
ser feito anterior ao ato de fazer. A ideia, a essência da coisa é assim uma
realidade independente da coisa em si e do fabricante da coisa. O que é mais,
como vimos, o propósito da coisa feita é incluir-‐se em sua ideia. Em suma,
embora os humanos façam artefatos, eles o fazem assim de acordo com um plano
e para um propósito que é um aspecto objetivo do mundo” (Feenberg, 2003:03).
O autor destaca que, de outro lado, a distinção entre existência e essência não se configura óbvia
para as coisas naturais. A coisa e sua essência emergem juntas e existem juntas. A essência não
parece ter uma existência separada.
“A flor emerge ao longo do que se vem fazendo numa flor: o que é e o que tem
"acontece", de certo modo, simultaneamente. Nós podemos construir um
conceito da essência da flor depois, mas este é o nosso fazer, não algo essencial à
natureza como é aos artefatos” (Feenberg, 2003:03).
Feenberg (2003) aponta que, de fato, o próprio conceito de essência das coisas da natureza é
construção humana. O que se encontra na base da ciência, episteme em grego, é o conhecimento
das coisas. Ao contrário do conhecimento que está ativo na techné, que é essencial aos objetos
cujas essências define, o episteme, o conhecimento de natureza, parece ser um “fazer puramente
humano” ao qual a própria natureza seria indiferente.
Partindo dessas considerações, o autor faz uma provocação, dizendo que a filosofia da tecnologia
começa com os gregos e é o fundamento de toda a filosofia ocidental, afinal, “os gregos
interpretam o ser como tal por meio do conceito de fabricação técnica”, ou seja, a tecnologia, que
tem um baixo estado na alta cultura das sociedades modernas, é elemento fundamental na
origem dessa e “contém a chave da compreensão do ser como um todo”. (Feenberg, 2003:04)
Dessa forma, um possível caminho de análise é trabalhar no sentido de entender o percurso das
áreas que, de alguma forma menos pretenciosa, trabalham com a tecnologia, a técnica e a arte.
11.10. Uma aspiração despretensiosa ou sobre Arte, Games e Tecnologia Assistiva.
Bryan Lawson, em 1972 iniciou um estudo essencialmente empírico para entender como
diferentes grupos de profissionais, com formações análogas, mas fundamentalmente
pertencentes a universos diferentes, buscavam soluções para um determinado problema. O autor
argumenta que, devido ao fato do design ser implementado em diferentes situações e ter
95
inúmeros desdobramentos, é feito de várias maneiras diferentes. Ele aponta que o significado
arquitetônico de design tem que lidar com a criação de objetos e lugares que têm um propósito
prático, e deve ser estético e funcional. O pesquisador diz também que projeto é muitas vezes
trazido a partir do diagnóstico de problemas, e os arquitetos devem produzir soluções para
resolvê-‐los.
No intuito de perceber como a resolução de tais problemas se configurava, reuniu dois grupos de
estudantes, alunos de arquitetura e engenharia civil, e solicitou que eles criassem uma
composição térrea a partir de blocos de diversas cores. O perímetro da construção deveria ser
edificado de forma a otimizar a cor vermelha ou azul, além de respeitar certas regras para a
colocação dos blocos e suas relações. A partir desse experimento, Lawson (2005) atestou que os
engenheiros adotaram uma técnica na qual tentaram uma série de projetos em que usaram o
máximo de diferentes blocos e suas combinações, da forma mais rápida possível. Assim, eles
tentaram maximizar a abundância de informações sobre as combinações possíveis. Se pudessem
descobrir a regra que governa qual combinação de blocos é permitida, eles poderiam, então,
procurar uma combinação que otimizasse a cor desejada dentro do projeto.
De outro lado, os arquitetos selecionaram seus blocos de forma a conseguir um perímetro
colorido apropriado. Ao analisar tal composição, caso ela se mostrasse inaceitável, era substituída
pela próxima combinação de blocos coloridos mais favorável e, assim, o processo se repetia até
conseguir uma solução aceitável.
Apesar de Nigel Cross (2011) não compartilhar das respostas dadas ao problema por Lawson, em
sua pesquisa sobre Design Thinking ele explica os métodos de investigação e as conclusões dos
processos projetuais de diferentes arquitetos como algo que tem algumas semelhanças e padrões
consistentes em três áreas: como formulam problemas, como geram soluções e nas estratégias
cognitivas que empregam. Ele concluiu que cientistas resolvem problemas a partir de análise,
enquanto designers o fazem a partir de síntese (Cross, 2011).
Os termos análise e síntese têm sua origem no grego clássico, e significam, respectivamente,
“dissolução” e “conjunto ou reunião de proposições”. Análise é definida como o procedimento no
qual se quebra ou separa um todo, conceitual ou material, em suas partes ou componentes.
Síntese é o oposto, em que elementos separados são combinados de forma a criar um novo ou
coerente todo. No método científico, análise e síntese são dualidades complementares. Toda
síntese é construída a partir dos resultados de uma análise anterior e toda análise demanda uma
síntese subsequente para verificação e correção de resultados.
96
Isso não significa que o pensamento típico do designer não necessita de análise para encontrar
uma solução final, no entanto, sua abordagem, em termos de solução de problemas, é a partir de
uma perspectiva de um objetivo. Os arquitetos do Experimento de Blocos trabalharam o
problema criando, todos coerentes, para encontrar uma solução ótima, diferentemente da
abordagem dos engenheiros, que desmontaram o problema em partes.
Em seu livro How Designers Think, Lawson (2005) aponta ainda para a necessidade de
entendimento do projeto como um processo de funcionamento próprio, que deve ser entendido
e pensado da forma generalista, sem a preocupação de trabalhar decompondo o problema
apresentado em diversos fragmentos.
Vale destacar ainda a atenção dada pelo autor para os processos de pensamento que são
necessários para identificar e compreender os problemas de projeto e criar soluções de design.
De acordo com suas discussões, é possível perceber que é comum para os designers projetar a
partir de um conjunto de princípios orientadores que se complexificam conforme se desenrolam
suas vidas profissionais. Essa bagagem intelectual é mais frequentemente recolhida durante a
carreira, a cada projeto, experiência, construção.
Brown (2010:64), por sua vez, concorda com a argumentação de Lawson (2005) e complementa
dizendo que “os designers também (...) utilizam ferramentas analíticas para decompor problemas
complexos, a fim de compreendê-‐los melhor, (...) mas o processo criativo, contudo, se baseia na
síntese, no ato coletivo de juntar as partes para criar ideias completas”.
Brown (2010) destaca também que tais profissionais geralmente iniciam seu processo por uma
coleta de dados, conduzida de diversas formas (fazendo anotações, tirando fotos, conduzindo
entrevistas, entre outras), e após esse acúmulo de informações a equipe costuma imergir em um
intenso período de síntese.
Assim é possível perceber que designers são essencialmente artistas. O design diz respeito aos
atos de designar, planejar, projetar, manejar e experimentar a forma, a tecnologia, as
informações em suas diferentes vestes, a interatividade. Fazer design significa criar, desenvolver,
implantar. Significa pesquisar e trabalhar com referências culturais, estéticas, tecnológicas,
estabelecer conceitos, propor, experimentar. O design atua a partir da relação com a arte
enquanto processo de criação, de referência e de interferências e relações entre os dois campos.
Muitos designers são artistas e muitos artistas são designers ou praticam as experimentações
97
típicas da atividade artística. Dessa forma, esse pensamento sintético, típico do designer, pode ser
estendido aos artistas, que costumam potencializar as experimentações.
11.10.01. A arte e a tecnologia
Não há como desenvolver um projeto sem a tecnologia, mas é importante lembrar que um
projeto não se constitui em puro tecnicismo. A tecnologia deve dar sustentação aos aspectos
culturais, estéticos, funcionais e de linguagem que se refletem no produto artístico.
A visão ainda predominante que coloca arte e cultura de um lado e tecnologia de outro surge no
Romantismo e é acentuada a partir da Revolução Industrial (Hauser, 2003), época em que os
produtos industriais passam a adquirir caráter estético, e, de certa forma, a competir com a arte.
É nesse momento que se fortalece a Estética como teoria que fundamenta a obra do artista
separada de outros setores da vida e da cultura.
Arlindo Machado (1993), ao introduzir seu livro Máquina e Imaginário, aponta que, na verdade,
de algumas décadas para cá, vem tomando corpo uma concepção de técnica como algo estranho
ao homem: se de um lado as máquinas e os procedimentos científicos que as põem em
movimento seriam algo produzido pelo homem (Simondon, 1969) e que estende seus sentidos e
sua capacidade de compreensão (McLuhan, 1971), de outro pode fazer com ele deixe de se
reconhecer, ou seja, as máquinas estariam pondo em perigo a identidade humana. O autor (1993:
09) aponta para o fato de que fora a linguagem (tecnologia avançada e fundadora da
humanidade), todas “as demais próteses da ação ou da percepção humanas seriam encerradas
como artificiais” e, portanto, “desmerecedoras de atenção valorativa, excluídas do universo da
cultura”.
Tal dicotomia gera polêmica ainda hoje quando se discute se a fotografia, o cinema, o vídeo e a
televisão, a computação gráfica, os jogos digitais e os produtos gerados por essas tecnologias são
arte.
Muitas vezes não se leva em consideração o fato de que arte e tecnologia sempre estiveram
muito próximas. Em todos os períodos da História da Arte as evoluções técnicas influíram na arte:
os mosaicos, a pintura a óleo, as gravuras, foram técnicas e procedimentos inéditos em seu
tempo. Os artistas sintonizados com sua época acompanharam essas mudanças e incorporaram
as novas tecnologias em suas obras:
“A História da Arte não é apenas a história das ideias estéticas, como se costuma
ler nos manuais, mas, também, e sobretudo, a história dos meios que nos
98
permitem dar expressão a essas ideias. Tais mediadores, longe de se configurarem
dispositivos enunciadores neutros e inocentes, na verdade desencadeiam
mutações sensoriais e intelectuais que serão, muitas vezes, o motor de grandes
transformações estéticas” (Machado, 1993:27).
Deve-‐se atentar ao fato de que o advento de novos materiais e novas tecnologias, sobretudo na
arquitetura, mas também na música, pintura e escultura, sempre revolucionou a arte e abriu
caminho para novas formas artísticas. Tal transformação se acentuou a partir do século XVIII, com
o uso de novos meios mecânicos, como a fotografia e o cinema e, mais ainda, com as tecnologias
eletrônicas: a televisão e o computador.
Machado (1993) argumenta que a história da arte não é apenas a histórias das ideias estáticas,
mas, também e, sobretudo, da história dos meios que nos permitem dar expressão a tais ideias. O
autor completa seu raciocínio dizendo que tais mediadores desencadeiam mutações intelectuais
e sensoriais que, por muitas vezes, serão os motores das mudanças estéticas.
Se na Antiguidade, sobretudo entre os gregos, arte era entendida como tekhné, que abrangia
qualquer prática produtiva, inclusive a produção artística, acentuando o aspecto de execução da
obra de arte, a palavra técnica aparece na língua portuguesa somente no século XIX e passa a
substituir parcialmente a palavra arte, assim como no francês, italiano, alemão e russo, que têm
estabelecida uma distinção entre técnica e tecnologia.
“Os gregos não faziam qualquer distinção de princípio entre arte e técnica, e esse
pressuposto atravessou boa parte da história da cultura ocidental, até pelo menos
o Renascimento. Para um homem como Leonardo da Vinci, pintar uma tela,
estudar a anatomia humana e a geometria euclidiana e projetar o esquema
técnico de uma máquina constituíam uma única atividade intelectual” (Machado,
1993).
11.10.10. Games Digitais
Aqui vão os games
11.10.11. Tecnologias assistivas
Aqui vão as tecnologias assistivas para falar dos novos paradigmas de interação.
99
11.11. Sobre interação entre homens e máquinas
Este capítulo da pesquisa visa a esclarecer os caminhos percorridos pela Interação Humano-‐
Computador, desde os meados do século XX, apresentando as principais mudanças de paradigmas
da área e aproximações e distanciamentos das teorias do Embodiment e Enação.
A escolha pela organização dos conteúdos apresentados e trabalhados aqui priorizou sua
aproximação gradual aos conceitos de experiência corporificada.
A criação das Interfaces Gráficas de Usuários (GUI – Graphic Users Interface), formada por uma
combinação de elementos gráficos, muitas vezes metafóricos, foi fator determinante para a
popularização dos computadores. Personificada no Apple Macintosh em 1984, foi o marco inicial
da revolução tecnológica e cultural atual.
Pode-‐se dizer, porém, que na Academia, pelo menos nas três décadas que precederam o projeto
dessa interface gráfica, iniciativas já vinham sendo propostas e estudadas.
Em 1945, Vannevar Bush publicou um artigo intitulado As We May Think, no qual descrevia um
aparelho parecido com uma mesa, constituído por uma combinação de dois monitores
touchscreen, teclado e scanner, que teria a capacidade de acessar todo o conhecimento humano
utilizando-‐se de conexões e cruzamentos informacionais (princípio baseado nas sinapses
humanas) de uma forma anárquica: o Memex.
Figura 4: Memex de Vanevar Bush24
Note que nesse projeto já havia uma ideia incorporada da metáfora do desktop, das múltiplas
janelas e do pensamento não linear típico dos documentos hipertextuais.
A intenção de Bush era perpetuar o registro dos avanços científicos:
24 Disponível em: http://www.cyberartsweb.org/cpace/ht/cuihang/Memex.htm. Acesso em: 12/09/2012.
100
“Science has provided the swiftest communication between individuals; it
has provided a record of ideas and has enabled man to manipulate and to
make extracts from that record so that knowledge evolves and endures
throughout the life of a race rather than that of an individual”. (Bush,
1945:02)
Vannevar Bush foi um engenheiro, inventor e político americano que acreditava que a mente
trabalhava por associação, criando uma intrincada rede de vias que interconectava as memórias e
os dados nela armazenados. Ele sentiu que o melhor desenho para organizar mecanicamente a
informação deveria incorporar tais associações. Então, o seu desenho conceitual para o Memex
assegurava os meios para o usuário juntar vários pedaços de informação, tecendo vias de
comunicação entre eles.
Suas pesquisas influenciaram o engenheiro elétrico Douglas Engelbart, que viu na Segunda Guerra
Mundial e sua demanda tecnológica por computadores mais velozes e fáceis de operar a
conveniência de desenvolver um computador baseado nos princípios de Bush. Em 1962, Engelbart
publicou um artigo intitulado Augmenting Human Intellect, no qual defendia o uso de
computadores como a forma mais eficaz de auxiliar o homem na resolução de problemas
complexos.
Por aumento do intelecto humano o autor entendia “aumentar a capacidade de um homem de se
aproximar de um problema complexo, e tenha melhorada sua compreensão para atender às
necessidades específicas com a finalidade de buscar soluções adequadas. Representava assim
uma combinação de: “mais rápida compreensão, uma melhor compreensão, a possibilidade de
ganhar um grau útil de compreensão em uma situação que anteriormente era muito complexa,
soluções mais rápidas, melhores soluções, e a possibilidade de encontrar soluções para problemas
que antes pareciam insolúveis” (Engelbart, 1962:01). Por "situações complexas" ele denominava
os “problemas profissionais de diplomatas, executivos, cientistas sociais, cientistas da vida,
cientistas físicos, advogados, designers” e dizia ainda que não havia importância se tal situação
existisse por vinte minutos ou vinte anos, que ele não se referia a truques inteligentes isolados
que pudessem resolver situações específicas, mas que estes, juntamente com palpites, tentativas
e erro e outros domínios intangíveis do ser humano deveriam “coexist with powerful concepts,
streamlined terminology and notation, sophisticated methods, and high-‐powered electronic aids”
(Engelbart, 1962:01).
101
Importante ressaltar que os computadores, à época, eram compostos por grandes mainframes,
nos quais a interação se dava por meio de cartões perfurados, e cujos resultados computados
eram apresentados em horas ou dias. A ideia de interação em tempo real era impensável.
Em 1968, Engelbart apresentou o resultado de seus experimentos: o oN-‐Line System (NLS), um
computador com uma tela baseada em cálculos vetoriais, dois teclados e uma caixa com três
botões conectada ao computador através de um cabo. Vale destacar que a importância de tal
computador ia além do paradigma de sua tela (antecessora das GUIs), pois ele se conectava à
múltiplos computadores, possuía sistema de hyperlinks, mensagens instantâneas, email e podia
realizar vídeo conferência.
Figura 5: NLS -‐ O oN-‐Line System. Fonte: Ibiblio: The Public's Library and Digital Archive 25
Engelbart era compromissado em “melhorar a capacidade da humanidade para lidar com seus
problemas prementes, especialmente aqueles que sobretaxam a capacidade coletiva para lidar
com a complexidade e urgência” (Engelbart, 1995). Assim, no final da década de 1950, ele listrou
uma visão de desenvolver uma “ferramenta para o pensamento”, uma forma de “aumentar o
intelecto humano”:
“I visualized people collaborating interactively on visual display connected
to a computer complex. I´m not “numerically oriented”, my vision has
always facilitated discursive thinking and collaboration” (Elgelbart,
1995:30).
25 Disponível em: http://www.ibiblio.org/hhalpin/homepage/presentations/philoweb/anno_nlsinteract.jpg. Acesso em: 12/09/2012.
102
O conceito computacional instituído por Engelbart influenciou uma geração de cientistas da
computação, muitos dos quais trabalharam na Xerox (Laboratório de Pesquisas -‐ Xerox Parc) que
pretendia criar as bases da computação do futuro. O ALTO, desenvolvido nesse laboratório, foi o
primeiro computador comercial a ter interface gráfica (com menus, ícones e janelas), mouse,
monitor mapeado por pixels, e a possiblidade de se comunicar com outros computadores através
de uma porta Ethernet26.
Figura 6: Xerox Star 8010 em campanha publicitária da Xerox. Fonte: Digibarn27 Computer Museum, 2012.
O Xerox Star 8010 Document Processor, lançado em 1981 como uma versão simplificada do ALTO,
adotou um sistema de interface metafórica, remetendo a elementos do ambiente de um
escritório, a exemplo do Memex, pois seus desenvolvedores acreditavam estar alinhados ao
modelo mental de usuários para representar ações dentro de um ambiente ao qual não eram
familiarizados.
Foi nesse contexto pós-‐guerra e de tentativa de aproximação entre a computação e os usuários
domésticos, pouco treinados, que surgiu uma área de pesquisa na Ciência da Computação,
denominada Interação Homem-‐Máquina.
11.11.01. Interação Humano-‐Computador (IHC)
26 protocolo de interconexão para redes locais. 27 http://www.digibarn.com
103
“Human-‐computer interaction is a discipline concerned with the design, evaluation and implementation of interactive computing systems for human use and with the study of major phenomena surrounding them.” (Hewett et al., 2009: 528)
Desde que os humanos começaram a construir ferramentas, houve interação entre homens e
máquinas. Inicialmente, até a Segunda Guerra Mundial, as pessoas eram ajustadas para se
adequar às máquinas, ou seja, passavam por treinamentos complexos e demorados. No entanto,
já durante a Segunda Guerra, novos equipamentos surgiram rapidamente, tornando tal exercício
difícil ou até mesmo inviável. Dessa forma, percebeu-‐se a necessidade de análise e síntese
ordenada das possibilidades de interação entre humanos e máquinas, para que as ferramentas
projetadas pudessem se aproximar do entendimento do usuário e consequentemente reduzissem
o tempo de adaptação ao uso.
Muito embora ainda não exista uma definição estabelecida para Interação Humano-‐Computador,
Rocha e Baranauskas (2003:14) defendem que “IHC é a disciplina preocupada com o design,
avaliação e implementação de sistemas computacionais interativos para uso humano e com o
estudo dos principais fenômenos ao redor deles”.
De uma perspectiva da Ciência da Computação, o foco da disciplina está na interação e,
especificamente, na interação entre um ou mais seres humanos e uma ou mais máquinas
computacionais. Ao descrever-‐se a interação entre homens e computadores, a situação clássica
que vem à mente é a de uma pessoa usando um programa gráfico, interativo, em uma estação de
trabalho. Atualmente, percebe-‐se, entretanto, uma séria mudança de paradigmas no que
concerne a tal modelo. Com a popularização da computação ubíqua e o surgimento de novos
dispositivos computacionais ele já não dá conta de todo o processo interativo, portanto fica claro
que há uma variação no que se entende por interação e máquina, levando a um espaço rico de
possíveis temas de pesquisa (Hewett et al., 2009).
A noção de máquina, por exemplo: em vez de estações de trabalho, computadores podem estar
sob a forma de sistemas embarcados, tais como partes de cockpits aeronaves ou geladeiras, além
de dispositivos não convencionais e novas tecnologias (tais como a telefonia móvel e a TV
interativa) como interfaces tangíveis29, que introduzem novos contextos de uso e novos requisitos
para a construção de interfaces. Pode-‐se também considerar o que se entende pelo aspecto
28 ACM SIGCHI Curricula for Human-‐Computer Interaction 29 O termo “tangível” baseia-‐se no conceito de aparelhos digitais “palpáveis”, ou “tocáveis”, que garantem novas formas de interação entre o homem e o computador.
104
humano: no processo de interação é permitido ora o ser humano como indivíduo, ora como um
grupo de humanos ou de uma organização. Dessa forma, é possível considerar interfaces para
sistemas distribuídos, com auxílio de computador ou ainda a natureza do trabalho a ser realizado
de forma cooperativa por meio do sistema (Hewett et al., 2009).
Todos esses são geralmente considerados como temas centrais importantes na esfera de estudos
de interação humano-‐computador. Pode-‐se afirmar, portanto, que a IHC é uma área
interdisciplinar. Ela surge como preocupação de diversas disciplinas, com diferentes ênfases:
Ciência da Computação (concepção, aplicação e engenharia de interfaces humanas), Psicologia (a
aplicação de teorias de processos cognitivos e da análise empírica do comportamento do usuário),
a Sociologia e a Antropologia (interações entre tecnologia, trabalho e organização), e Design
(projeto de produtos interativos).
Segundo a perspectiva da Ciência da Computação, outras disciplinas servem como apoio, “tanto
quanto a Física serve como uma disciplina de apoio para a Engenharia Civil”. Uma lição aprendida
repetidamente por disciplinas de engenharia é que os problemas de design têm um contexto, e
que a otimização excessivamente estreita de uma parte de um projeto pode ser invalidada por
um contexto mais amplo do problema. Mesmo a partir de uma perspectiva direta da Ciência da
Computação, portanto, é vantajoso para enquadrar o problema da interação humano-‐
computador de forma suficientemente ampla, de modo a ajudar os alunos (e praticantes) a evitar
a armadilha do design desassociado do contexto do problema (Hewettet al., 2009:05).
Assim sendo, para Rocha e Baranauskas (2003:15), “IHC trata do design de sistemas
computacionais que auxiliem as pessoas de forma a que possam executar suas atividades
produtivamente e com segurança”.
Dessa forma, para que os computadores tornem-‐se amplamente aceitos e efetivamente usados,
precisam ser bem projetados. Rocha e Baranauskas (2003:13) apontam para o fato de que o
design não “deve ser adequado a todas as pessoas, mas que os computadores devem ser
projetados para as necessidades e capacidades de um grupo alvo”. Para as pesquisadoras,
“usuários em geral não devem ser obrigados a pensar sobre como o computador funciona (...),
entretanto, (...) o design de sistemas computacionais têm efeito sobre seus usuários”.
A pesquisa em Interação Humano-‐Computador (IHC) é algo que tem avançado desde a década de
1960, e que mudou fundamentalmente os caminhos trilhados pela Computação. Um forte
exemplo desse desenvolvimento pode ser visto por meio da criação e evolução das interfaces
105
gráficas dos principais sistemas operacionais (Windows e Mac OS), pelas interfaces de software e
mesmo pela WWW (World Wide Web), todos resultados diretos das pesquisa da área. Foram as
melhorias na interface, mais do que qualquer outra coisa, segundo Myers (1996), que
desencadearam o grande crescimento e a popularização dos computadores e,
consequentemente, seus desdobramentos.
Importante perceber que, apesar do forte papel da Indústria nesse processo, os principais casos
de sucesso vieram de Laboratórios de Pesquisa e Universidades. Na verdade, praticamente todos
os estilos de interface e as aplicações mais populares tiveram influência significativa de pesquisas
em universidades e laboratórios, muitas vezes com financiamento do governo.
Pode-‐se expor que os objetivos centrais da IHC são, ainda hoje, “produzir sistemas usáveis,
seguros e funcionais. Esses objetivos podem ser resumidos como desenvolver ou melhorar a
segurança, utilidade, efetividade e usabilidade de sistemas que incluem computadores”. Nessa
conjuntura o termo “sistemas” diz respeito “não somente ao hardware e o software, mas a todo o
ambiente que usa ou é afetado pelo uso da tecnologia computacional” (Rocha e Baranauskas,
2003:17).
Jakob Nielsen (1993), por sua vez, concebe um conceito mais amplo que engloba esses objetivos:
a aceitabilidade de um sistema (Gráfico 02). O autor diz que a aceitabilidade geral de um sistema
é a combinação de sua aceitabilidade social e sua aceitabilidade prática. A social diz respeito à
maior ou menor aceitação do público em relação aos benefícios sociais que gera, enquanto a
prática aborda os tradicionais parâmetros de custo, confiabilidade, compatibilidade com sistemas
existentes etc. e da categoria denominada usefulness.
Gráfico 2: Aceitabilidade de Sistemas (Nielsen, 1993)
Usefulness, de acordo com Rocha e Baranauskas (2003:18), refere-‐se ao sistema poder ser usado
para atingir determinado objetivo. “Novamente essa categoria é uma combinação de duas outras:
utilidade e usabilidade”. Utilidade verifica se a funcionalidade do sistema faz o que deve ser feito,
106
já Usabilidade é a questão relacionada a quão bem os usuários podem usar as funcionalidades
definidas.
Portanto, a aceitabilidade de um sistema tem muitos componentes, e é função da IHC atender aos
compromissos de todas essas categorias.
As considerações apresentadas anteriormente dizem respeito ao quarto momento da história da
interação entre homens e máquinas, de acordo com a classificação de Myers (1996), a saber:
• anos 1940-‐1955. Período no qual a principal preocupação dos pesquisadores era
encontrar os limites das possibilidades humanas e projetar equipamentos com os quais os
homens pudessem estabelecer algum tipo de interação;
• anos 1955-‐1970. As pesquisas tentavam modelar os seres humanos como máquinas e o
design dos produtos era feito seguindo tal premissa. Essa é a fase do desenvolvimento
inicial das Ciências Cognitivas;
• por volta de 1970, houve avanço significativo da eletrônica, e entre 1970-‐1985 essa
tecnologia foi usada para automatizar uma série de tarefas para as quais normalmente
era exigida a mão de obra humana. Nesse período o homem deixou de ser o controlador
e começou a se tornar o supervisor;
• a partir de 1985, o avanço foi progressivo e multiplicado. O Design Centrado no Usuário
(User Centered Design) foi um dos principais avanços do período. Passou-‐se a considerar
variáveis complexas, como a carga de trabalho, modelos de processos cognitivos,
consciência situacional e muito mais.
A IHC é uma área com desafios interessantes, dado o rápido desenvolvimento da tecnologia, dos
conflitos e compromissos dos objetivos de projeto, além das diversas componentes (e áreas de
estudo) que a caracterizam.
A essa estrutura multidisciplinar, e às dificuldades naturais a essa realidade complexa de pesquisa,
se acrescenta o desenvolvimento de máquinas mais rápidas e com maior poder de
processamento, em conjunto com melhorias de tecnologias de hardware e software.
Essas mudanças trazem dois importantes desafios aos designers de Interação Homem
Computador (Preece et al., 1994)
• Como dar conta da rápida evolução tecnológica?
• Como garantir que os designs ofereçam uma boa interação entre homens e máquinas ao
mesmo tempo em que exploram o potencial e a funcionalidade das novas tecnologias?
107
Rocha e Baranauskas (2000:17), afirmam que não há como negar que “muitos sistemas
computacionais foram projetados com interfaces extremamente pobres” e que se deve atentar
para o fato de que o aumento das funcionalidades de um sistema não pode ser pretexto para um
design pobre. “Deve ser possível projetar boas interfaces cujos controles têm operações e efeitos
relativamente óbvios e que também proveem um feedback imediato e útil”.
Portanto, os desafios de IHC são evidentes e a procura de soluções estabelece os objetivos da
área ao serem centrados no humano e não na tecnologia.
11.11.01.01. O Conteúdo da Interação Humano Computador Ao se analisar o relatório da ACM SIGCHI (1992-‐1999 – atualizado em 2009), grupo especial de
interesse em Interação Humano Computador da Association for Computing Machinery (ACM),
percebe-‐se uma preocupação em inventariar o estado atual de resultados no campo da interação
humano-‐computador, para delimitar o âmbito das preocupações e especificar as conexões com
outros campos. Tal discussão visa a distribuir o conteúdo em cursos relacionados à computação e
outras áreas, além de examinar o que vale realmente a pena estudar. Para os organizadores do
documento, diferentes cursos podem ser elaborados a partir de partes do inventário proposto.
A ACM organiza os tópicos de interesse em 16 grupos, a saber (Tabela 1):
Tabela 1:Conteúdo de HCI
N A Natureza da HCI
N1 (Meta) Modelos de HCI
U
Uso e Contexto de Computadores
U1 Organização Humana Social e do Trabalho
U2 Áreas de Aplicação
U3 Adaptação e Ajustes da relação Homem-‐Máquina
H
Características Humanas
H1 Processamento Humano da Informação
H2 Linguagem, Comunicação e Interação
H3 Ergonomia
108
C
Sistema de Computação e Arquitetura de Interface
C1 Dispositivos de Entrada e de Saída
C2 Técnicas de Diálogo
C3 Gêneros de Diálogos
C4 Computação Gráfica
C5 Diálogo de Arquitetura
D
Processo de Desenvolvimento
D1 Abordagens de Design
D2 Técnicas de Implementação
D3 Técnicas de Avaliação
D4 Exemplos e Casos de Estudo
P Apresentações de Projeto P e Exames30
Os tópicos da Tabela 1 derivam de uma consideração de cinco aspectos inter-‐relacionados de
interação humano-‐computador: (N) a natureza da interação humano computador, (U) o contexto
e uso de computadores, (H) as características humanas, (C) o sistema e arquitetura de interface, e
(D) o processo de desenvolvimento.
Algumas das relações entre esses temas estão representados na Figura 07. Sistemas de
computador existem dentro de um maior meio social, organizacional e do trabalho (U1). Nesse
contexto, existem aplicações para as quais se quer empregar sistemas de computador (U2). Mas o
processo de pôr computadores para trabalhar significa que os aspectos humanos, técnicos e de
trabalho da situação de aplicação devem ser trazidos para o ajuste com o outro por meio da
aprendizagem humana ou de outras estratégias (U3). Além do uso de contexto e social de
computadores, do lado humano, devemos também ter em conta o processamento de informação
30 Não nos interessa aqui.
109
humano (H1), de comunicação (H2) e físico (H3), características dos utilizadores (Hewett et al.,
2009).
No lado do computador, uma variedade de tecnologias foi desenvolvida para apoiar a interação
com os seres humanos: Os dispositivos de entrada e saída que visam a conectar o humano com a
máquina (C1); uma série de técnicas para possibilitar e organizar um diálogo entre eles (C2); tais
técnicas são utilizadas a partir de elementos maiores de design, como a metáfora de interface
(C3); e, finalmente, o diálogo pode fazer uso extensivo de técnicas de computação gráfica (C4).
Diálogos complexos, por sua vez, devem levar em consideração aspectos da arquitetura de
sistemas para suportar funcionalidades tais como aplicações interconectáveis, respostas em
tempo real, comunicações de rede, sistemas multiusuário e interfaces cooperativas(C5) (Hewett
et al., 2009) .
Finalmente, há o processo de desenvolvimento que incorpora design (D1) para diálogos entre
humano e computador, técnicas e ferramentas para a sua execução (D2), técnicas para avaliação
de tais sistemas (D3), e uma série de modelos clássicos para o estudo (D4). Cada um desses
componentes do processo de desenvolvimento está ligado aos outros em uma relação de
influência mútua, recíproca em que as escolhas feitas em uma área impactam sobre as escolhas e
as opções disponíveis nos outros (Hewett et al., 2009).
110
Figura7: The nature of Human-‐Computer Interaction. Adaptado de ACM SIGCHI Curricula for Human-‐Computer Interaction (Hewett et al., 2009).
Ao desenvolver esse inventário, a pretensão do grupo não era a de elaborar um documento
definitivo, pois os pesquisadores da Ciência da Computação sabem da rápida evolução e
possibilidade de mudança de paradigmas, mas, sim, de elaborar um documento auxiliar na
elaboração de cursos de Interação Humano-‐Computador para Universidades e outras instituições.
Esse se configura extremamente útil, pois a partir de sua análise é possível perceber como nas
linhas de ação de tal associação os aspectos humanos não são de fato centrais, e que cabe a
outras áreas do conhecimento fazer a análise profunda dos impactos e desdobramentos das
experiências dos usuários de tais sistemas.
Importante destacar que existem diversos modelos para IHC. Dentre entres destacam-‐se os
tradicionais (Cascata e Espiral), o SSM (Soft System Methodology), OSTA (Open Systems Task
Analysis), o Multiview e o Modelo Estrela para design em IHC (D2).
No método tradicional de desenvolvimento de software, os projetistas utilizam a técnica top-‐
down, baseada na decomposição funcional. Este método (Cascata) inicia-‐se com a análise do
sistema, e avança para a fase de especificação de requisitos, depois de projeto, implementação e
testes.
111
Já o Modelo Estrela, diferentemente dos modelos tradicionais citados anteriormente, contempla
a interação com o usuário como uma fase a ser considerada no ciclo de vida dos sistemas. Assim,
Hix (1993) propõe, em tal método, um ciclo de vida para desenvolvimento de software que
considera a interação com o usuário, isto é, o usuário deve estar contemplado no processo de
desenvolvimento.
O método proposto pelo autor (Hix, 1993) pressupõe a avaliação contínua e a interação. Assim, a
avaliação é componente central neste método, não havendo necessidade de se especificar todos
os requisitos antes de principiar o projeto do sistema. Dessa forma, pode-‐se iniciar o projeto com
um protótipo rápido das telas e depois incrementá-‐lo com os novos requisitos mapeados.
Partindo dessas ideias, uma nova linha de ação vem sendo desenvolvida e pode ser apontada
como a fase seguinte às apontadas por Myers (1996): o Design Centrado no Uso (Use Centered
Design) (Bennett e Flach, 2011), ou Ecologia da Interação.
Em termos gerais, design centrado no usuário (User Centered Design) é um tipo de projeto de
interface de usuário em que as necessidades, desejos e limitações dos usuários finais de um
produto são considerados em cada estágio do processo de design. Pode ser caracterizado como
um processo de solução de problema que exige análise e prevenção de como os usuários tendem
a usar um produto. Outro aspecto fundamental desse tipo de projeto são os testes de validade
das premissas do comportamento do usuário (mundo real, testes com usuários reais). Pode-‐se
perceber a estrutura da abordagem na figura a seguir (Figura 08).
112
Figura 8: IHC -‐ Comitê SIGCHI
A IHC atualmente é estabelecida basicamente na crença de Design Centrado no Usuário (quarto
momento de Myers, 1996), ou seja, de que o centro e ponto básico de análise são as pessoas
usando um sistema computacional. “Suas necessidades, capacidades e preferências para executar
diversas tarefas devem informar os meios sobre como os sistemas devem ser projetados e
implementados”. Sendo assim, o sistema deve ser projetado para se adequar aos seus requisitos
em vez das pessoas precisarem mudar para se adequar ao sistema (Rocha e Baranauskas,
2000:18).
Por outro lado o Use Centered Design propõe o foco sobre metas e tarefas associadas ao
desempenho em habilidades específicas e domínios do problema, isto é, descreve uma
construção na qual o foco é sobre as interações e relações entre o usuário, os objetivos do
usuário, e a tecnologia. Bennett e Flach (2011) argumentam que o foco na "utilização" em vez de
"usuário" leva a uma síntese mais abrangente de fatores envolvidos no design de sistemas
interativos. Considerando que na abordagem de design centrado no usuário, o usuário é tratado
como um componente especial, distinto do sistema, o foco do "design centrado no uso" é de um
sistema complexo que inclui o usuário. Na abordagem proposta é usado um sistema triádico, na
qual o domínio de trabalho proporciona um campo de sentido fora do sistema humano de
processamento de informações. Nesse princípio semiótico, o foco está no jogo entre as restrições
no domínio do trabalho e as representações mentais. A partir da abordagem centrada no uso o
objetivo é projetar interfaces que respeitem as representações mentais internas dos usuários e
113
reflitam modelos validados do domínio de trabalho. Em outras palavras, o objetivo é o de moldar
as expectativas do utilizador para se conformar com a "estrutura profunda" validada no domínio
de trabalho.
Assim, uma ênfase no "uso" em vez de "usuário" sugere um foco mais centrado no problema de
design de interface. Note-‐se que continua a ser importante para respeitar as limitações reais de
sistemas de processamento de informação humana por meio do uso de telas gráficas que
suportam uma gama relacionada de informações de forma eficiente. No entanto, o ponto
principal é que a organização deve ser compatível com as exigências do domínio do trabalho ou
problema, se as interações que resultam são esperadas para ser hábil. No final, as representações
devem ser fortemente atreladas ao domínio.
A abordagem do "centrada no uso” assume a noção de sequestro de Peirce (1992) como o
modelo apropriado para a resolução de problemas. Assim, design centrado no uso enfoca o apoio
à dinâmica de circuito fechado de aprender com a experiência, ou seja, agindo em hipóteses e,
simultaneamente, testando essas hipóteses em termos de consequências práticas das ações que
as norteiam. A convergência, a estabilidade e a robustez dos processos de abdução dependem
criticamente do acoplamento de informações entre percepção e ação. Quando o acoplamento é
rico em um sistema de abdução normalmente converge em "crenças" que conduzem
pragmaticamente a interações bem sucedidas (isto é, satisfatórias), ou seja, interações
qualificadas. Esse é o objetivo final do design centrado no uso -‐ apoiar interações especializadas
entre uma pessoa e um domínio de trabalho.
Pode-‐se perceber que a definição usada por Rocha e Baranauskas (2003) no início do capítulo
ainda é fortemente influenciada pelo design centrado no usuário, tendência seguida hoje pelos
principais desenvolvedores e que, diferentemente da abordagem centrada no uso, é baseada em
um modelo diádico de semiótica, onde o foco é a díade homem-‐interface, isto é, a abordagem se
enquadra como um processo de interpretação da representação simbólica, ou ainda, o significado
é construído a partir de processos de informações internas.
Mesmo com a predominância de tal abordagem, pesquisas distintas vêm sendo realizadas há
algum tempo, especialmente a partir da metade da década de 1990. Pleasure Design (Projeto
Agradável) (Jordan, 2000) (Norman, 2002), Experience Design (Design de Experiência) (Shedroff
2001), Design for Hedonic Qualities( Design para Qualidades Hedônicas) (Hassenzahl et al., 2001),
Design for Joy of Use (Diversão pelo Uso) (Nielsen 2002), Funology (Monk et al., 2002), Brand
Experience Design (Design de Experiência da Marca) (Day-‐Hamilton & Wiffen, 2002). Certamente
114
não há lacuna de termos que descrevam as novas influências em Interação Humano Computador.
Em comum, todas essas pesquisas têm o juízo de que há mais fatores que contribuem para a
experiência dos usuários do que a eficiência, eficácia e facilidade de uso (tratadas com
propriedade pela Usabilidade). O termo qualidade de uso é frequentemente mencionado,
demonstrando uma mudança de design centrado no usuário para design centrado no uso
(abordagem ecológica).
Dentre elas destacam-‐se: o Design Thinking (Brown, 2010) e o Design de Serviços, o Design de
Interação, o Design de Experiência e o Design de Experiência do Usuário. Embora ainda se
aproximem da abordagem centrada no usuário, e a primeira abordagem esteja fortemente ligada
ao campo de administração de empresas e imagem corporativa, apresenta uma visão mais
sofisticada do processo de construção coletiva de significados, já as demais se aproximam de
alguma forma dessa nova tendência em Interação Humano-‐Computador uma vez que se
preocupam com os contextos de uso e características do usuário como indivíduo.
11.11.10. Design de Interação
Por design de interação entende-‐se:
“Design de produtos interativos que fornecem suporte às atividades cotidianas das pessoas, seja
no lar ou no trabalho” (Preece, Rogers e Sharp, 2005:XI).
Ou ainda:
Interaction Design is the creation of a dialogue between a person and a product,
service, or system. This dialogue is usually nearly invisible and found in the
minutiae of daily life—the way someone may hold his knife and fork while cutting
into a steak or the way another person may automatically switch windows to
check her Facebook wall every few minutes or so. Structuring this form of ethereal
dialogue is difficult, as it occurs in a fourth dimension—over time (Kolko, 2011:09).
Kolko (2011) afirma que Design de Interação é a criação de um diálogo entre uma pessoa e um
produto, serviço ou sistema. Este diálogo, segundo o autor é, no geral, praticamente invisível e
percebido nas minúcias da vida cotidiana. Especificamente, significa criar experiências que
melhorem e estendam a maneira como as pessoas trabalham, se comunicam e interagem.
Winograd (1997:150) descreve o design de interação como “o projeto de espaços para
comunicação e interação humana”. Nesse sentido, consiste em encontrar maneiras de fornecer
suporte às pessoas. Ele prevê que "nos próximos 50 anos, a crescente importância dos espaços de
115
design de comunicação e interação humana resultará na expansão daqueles aspectos da
computação que estão focados em pessoas, em vez de em máquinas”. Vale notar que, apesar de
uma referência de praticamente 15 anos, ainda há pouco avanço no que diz respeito à
consideração de tais aspectos, apesar das crescentes abordagens nesse sentido.
Preece e colegas (2005) destacam ainda que tal projeto contrasta com o da Engenharia de
Software, que enfoca principalmente a produção de soluções de software para certas aplicações.
Para o sucesso do design de interação muitas disciplinas precisam estar envolvidas. A importância
de se entender como os usuários agem e reagem a situações e como se comunicam e interagem
acarretou o envolvimento de pessoas de disciplinas diferentes, como psicólogos e sociólogos. As
autoras apontam também que, da mesma forma, a crescente necessidade de entender como
projetar diferentes tipos de mídias interativas de forma eficaz e prazerosa torna importante o
envolvimento de uma diversidade de outros profissionais, como designers gráficos, artistas
plásticos, animadores, fotógrafos, especialistas de cinema e designers de produtos.
Esse conjunto de pessoas promoveria a combinação certa de habilidades com a compreensão das
diferentes áreas de aplicação necessárias para projetar a nova geração de sistemas interativos. A
partir da década de 2000, as possibilidades proporcionadas pelas capacidades emergentes de
hardware apontam para a necessidade dos engenheiros, que conhecem hardware, software e
eletrônica, estarem preparados para configurar, montar e programar eletrodomésticos e outros
dispositivos de maneira que se comuniquem entre si (middleware) (Preece, Rogers e Sharp,
2005:31).
Kolko (2011) complementa dizendo que existe uma série de textos que já exploraram o Design de
Interação: alguns deles consideram o papel do design na Interação Humano Computador como
um campo delimitado pela Psicologia Cognitiva e Ciência da Computação. Estes textos costumam
descrever a natureza do design como relacionado a um projeto de interface do usuário em uma
tela, enfatizando os elementos específicos que aparecem nas interfaces, ou ainda, examinando
exemplos de boas práticas, heurísticas, ou diretrizes para a criação de interfaces. Este tipo de
texto, segundo o autor, é frequentemente encontrado em cursos de computação e pode ser
usado como um livro texto para estudantes de engenharia interessados em compreender as
repercussões de nível humano de suas ações.
O autor destaca ainda que há outros textos que exploram a natureza do design como relacionado
com a criação de duas, três ou quatro dimensões formais. Tais textos consideram comumente o
116
valor estético e emocional fornecido por formas, composições ou arranjos de elementos. O
mecanismo para explicar escolhas formais é, nesses casos, geralmente através da demonstração
de um produto físico ou interativo que ilustre o resultado do trabalho de design de uma forma
gráfica que enfatize a beleza e elegância. Este tipo de texto, segundo Kolko (2011), é
frequentemente encontrado em escolas de artes e design e pode ser usado para ilustrar algum
precedente histórico para o movimento estilístico.
Há, no entanto, segundo o autor (Kolko, 2011:10), poucos textos que exploram as conexões
semânticas que habitam o espaço compreendido entre a tecnologia e a forma que “são trazidos à
vida” quando alguém usa um produto. Estas ligações podem ser pensadas como “interações-‐
interações” que, em conjunto, compõem o comportamento e estão começando a sugerir que um
campo conhecido como o design é uma área legalmente separada de estudo (que corre ao lado
da Ciência e da Arte). Este texto descreve Design de Interação e considera e reflete sobre os
aspectos mais teóricos e conceituais da disciplina. Percebe-‐se, portanto, na definição de Kolko
(2011), algo que se separa das definições tradicionais de design de Interação, pelo fato do Design
de Interação, como os demais designs, transitar em uma linha intermediária entre Arte e
Ciência31.
Retomando o conceito de Preece (el al., 2005:XIII), a intenção declarada de seu Design de
Interação: Além da interação Homem-‐Computador é contribuir para a formação de estudantes e
profissionais de diversas áreas, com “diferentes necessidades e aspirações”. Vale informar que os
estudantes de design não estão incluídos na lista apresentada pelas autoras e também, que
apesar disso, ainda assim usam tal livro como base para seus estudos, daí a importância de usá-‐lo
como material de discussão nessa pesquisa.
11.11.10.01. Processo de design de interação Essencialmente, o processo de design de interação envolve quatro atividades básicas (Preece,
Rogers e Sharp, 2005:33):
1. Identificar necessidades e estabelecer requisitos.
2. Desenvolver designs alternativos que preencham esses requisitos.
3. Construir versões interativas dos designs, de maneira que possam ser comunicados e
analisados.
4. Avaliar o que está sendo construído durante o processo.
31 Esta concepção será tratada mais a frente.
117
As autoras (2005:34) destacam ainda que espera-‐se que tais atividades complementem-‐se umas
às outras e que sejam sempre repetidas, caracterizando um ciclo que se retroalimenta. Avaliar o
que foi construído está no centro do design de interação pois é a maior e melhor ferramenta para
assegurar que o produto é usável. “A avaliação é geralmente realizada com uma abordagem
centrada no usuário, isto é, – como o nome sugere – procurando envolver usuários em todo o
processo de design”. Elas mostram que têm muitas formas diferentes de alcançar esse objetivo:
“observando os usuários, conversando com eles, entrevistando-‐os, testando-‐os utilizando tarefas
de desempenho, modelando sua performance, pedindo que preencham questionários e até
mesmo pedindo que se tornem co-‐designers”. O que se descobre a partir das diferentes maneiras
de se envolver com o conhecimento do usuário e de obtê-‐lo é então interpretado com relação às
atividades do design em andamento.
Tão importante quanto envolver os usuários na avaliação de um produto interativo é entender
como as pessoas executam normalmente as tarefas. Essa forma de pesquisa deveria ser realizada
antes da construção de um produto interativo. As autoras, em seu livro Design de Interação
tratam desse assunto, “explicando detalhadamente como os indivíduos agem e interagem uns
com os outros, com a informação e com as várias tecnologias, e descrevendo seus pontos fortes e
fracos”. Tal informação pode auxiliar os designers a determinar soluções dentre as alternativas de
design, como desenvolvê-‐las e testá-‐las posteriormente (Preece, Rogers e Sharp, 2005:34).
As autoras (2005:35) apontam que um dos mais importantes motivos para esse entendimento
acerca dos usuários se deve “ao fato de que usuários diferentes têm necessidades diferentes e
produtos interativos precisam ser projetados de acordo com tais necessidades”.
O processo design de interação, além das quatro atividades básicas de design, tem mais três
características-‐chave como destacam Preece e colegas (2005:35).
1. Os usuários devem estar envolvidos no desenvolvimento do projeto.
2. A usabilidade específica e as metas decorrentes da experiência do usuário devem ser
identificadas, claramente documentadas e acordadas no início do projeto.
3. A iteração em todas as quatro atividades é inevitável.
Pode-‐se perceber então, novamente, o fato do design estar de acordo com a quarta fase de IHC
de Myers (1996), apesar de tal abordagem de usuário ter características relativamente distintas
da abordagem clássica de design centrado no usuário.
118
Para perceber melhor isso, uma das formas é destacar as metas do Design de Interação. As
autoras dividem tais objetivos em dois grupos: Metas de Usabilidade e de Experiência do Usuário.
As duas diferem no que diz respeito ao modo como são operacionalizadas, isto é, como podem
ser atingidas e por quais meios. As metas de usabilidade estão absorvidas em preencher critérios
específicos de usabilidade enquanto as decorrentes da experiência do usuário, em como explicar
a qualidade da experiência proporcionada pela interação com o sistema.
O objetivo cada vez mais se aproxima ao de desenvolver produtos interativos agradáveis,
divertidos, esteticamente apreciáveis, entre outros. Isso se deve principalmente à crescente
preocupação relacionada à experiência que esses proporcionarão ao usuário, como ele se sentirá
na interação com o sistema. “Isso envolve explicar a natureza da experiência do usuário em
termos subjetivos”. Tais metas de experiência são diferentes das de usabilidade, pois as últimas
“são mais objetivas, no sentido de que estão preocupadas com a maneira como os usuários lidam
com um produto interativo” (Preece, Rogers e Sharp, 2005:41).
Conhecer e alcançar o equilíbrio entre os dois grupos de metas é fundamental à medida que
permite aos designers conscientizarem-‐se das consequências de buscar combinações distintas
dessas metas, levando em consideração as necessidades e os interesses dos usuários.
Obviamente, nem todas as metas de usabilidade e as decorrentes da experiência do usuário se
aplicam a todo produto interativo em desenvolvimento.
11.11.10.10. As metas do Design de Interação: sobre usabilidade e experiência
Preece (et al., 2005) denominam metas de Experiência do Usuário e Metas de Usabilidade o
projeto de um sistema eficiente que permite ao usuário ser altamente produtivo em seu trabalho,
que seja desafiador e motivador ao fornecer suporte a um aprendizado eficaz, e que ainda seja
agradável.
Enquanto as metas de usabilidade estão preocupadas com a eficiência e eficácia do sistema, as
metas de experiência do usuário, segundo elas (Preece et al., 2005: 35), “estão preocupadas em
explicar a qualidade desta”.
11.11.10.10.01. Metas de Usabilidade As pesquisas sobre esse assunto começaram a ser desenvolvidas na década de 1980. Dias (2007)
aponta que o termo usabilidade começou a ser usado no início da década de 1980 e teve suas
origens nas Ciências Cognitivas, especificamente na Psicologia e Ergonomia. O termo usabilidade
começou a ser usado em substituição à expressão user-‐friendly (amigável). A usabilidade estuda a
interação via interface, ou seja, a forma como um usuário executa suas tarefas e interage com um
119
produto, considerando suas diferentes necessidades e características (tipos de usuários). Dessa
forma, a usabilidade deposita no usuário o papel central no processo de desenvolvimento de
sistemas, núcleo de todos os esforços, para que a informação chegue até ele de forma clara e
inteligível.
O termo usabilidade foi definido formalmente pela norma ISO/IEC 9.126 (1991) (International Standards Organization) como: “um conjunto de atributos de software relacionado ao esforço
necessário para seu uso e para o julgamento individual de tal uso por determinado conjunto de
usuários.” Conforme tal norma, a usabilidade deveria ter como características:
• inteligibilidade: facilidade com que o usuário pode compreender as funcionalidades de
um software e avaliar se ele pode ser usado para satisfazer às suas necessidades
específicas;
• apreensibilidade: relacionada à identificação da facilidade de aplicação de um sistema
para seus usuários potenciais;
• operacionalidade: que diz respeito a como o usuário opera e controla o sistema, incluindo
a tolerância de erros de operação;
• atratividade: envolve características que atraem um potencial usuário para o sistema que
vão desde a adequação das informações prestadas, até aspectos visuais utilizados na sua
interface gráfica.
Usabilidade é atualmente definida pela ISO (ISO/IEC 9.241, 1998), como a "capacidade de um
produto ser usado por usuários específicos para atingir objetivos específicos com eficácia,
eficiência e satisfação em um contexto específico de uso".
Para um melhor entendimento de tal definição se faz interessante apresentar alguns elementos
que ela utiliza. A saber:
• usuário: quem interage com o produto;
• contexto de uso: envolve os usuários, tarefas, equipamentos (hardware, software e
outros materiais), além do ambiente físico e social em que o produto será usado;
• eficácia: dada pela relação dos usuários que atingiram seus objetivos;
• eficiência: relação da eficácia com a quantidade dos recursos gastos;
• satisfação: estabelecida pelo conforto e aceitabilidade do produto por parte dos usuários.
Portanto, um produto tem boa usabilidade caso possa ser utilizado por seus usuários de forma
que eles atinjam seus objetivos com eficiência, eficácia e satisfação. Assim, a usabilidade se refere
120
aos aspectos de um sistema com os quais as pessoas podem interagir. Nielsen (1993) define
usabilidade a partir de cinco atributos, são eles:
• Facilidade de aprendizagem – Segundo o autor (1993), o sistema precisa ser fácil de
aprender de forma que o usuário possa rapidamente começar a interagir. Para Nielsen
esse é o mais importante atributo de usabilidade, pois está relacionado à primeira
experiência que o usuário tem com um sistema. Esse fator é avaliado em função do
tempo que o usuário demora para se tornar experiente na execução de tarefas.
• Eficiência – Nielsen (1993) aponta que o sistema precisa ser eficiente no uso, de forma
que, uma vez aprendido, o usuário tenha um nível elevado de produtividade. Eficiência
refere-‐se, portanto, a tornar os usuários experientes após certo tempo de uso.
• Facilidade de lembrança -‐ A forma de utilização do sistema precisa ser fácil de relembrar,
dessa forma, quando o usuário retornar ao sistema após certo tempo sem usá-‐lo, não
precisará aprender novamente seu funcionamento. O autor aponta que, ao aumentar a
facilidade de aprendizagem, também se aumenta a facilidade de lembrança.
• Erros -‐ definido como uma ação que não leva ao resultado esperado. O sistema precisa
ter, conforme argumenta Nielsen (1993), uma pequena taxa de erros, ou seja, o usuário
não pode cometer muitas falhas durante o seu uso. Caso se engane, deve conseguir
retornar a um estado livre de erros, sem prejudicar qualquer episódio que tenha ocorrido.
Erros em que o usuário perde tarefas ou que geram situações nas quais ele não percebe
que cometeu o engano são exemplos de casos que não devem acontecer.
• Satisfação – Dentre os critérios de Nielsen (1993) este é o único subjetivo. O autor explica
que os usuários devem gostar do sistema e devem ficar satisfeitos ao usá-‐lo. Diz também
que a satisfação é muito relevante quando se considera sistemas usados fora do
ambiente de trabalho, tais como jogos e demais sistemas domésticos, uma vez que esses
não têm caráter imperativo como o que ocorre em sistemas adotados no ambiente de
trabalho.
Nielsen (1993) argumenta ainda que a usabilidade está inscrita em uma preocupação maior -‐
denominada aceitação do sistema -‐, cuja preocupação essencial é medir se o sistema é capaz de
satisfazer todas as necessidades e demandas de seus usuários e demais indivíduos
potencialmente envolvidos no processo de interação. Tal aceitação envolve ainda custos,
utilidade, confiabilidade, aceitação social, entre outros.
Percebe-‐se, então, nesse cenário, um grande interesse em buscar maneiras de mensurar tais
aspectos do desenvolvimento e uso de sistemas. Pode-‐se dizer inclusive que em linhas gerais, a
121
área de Interação Humano-‐Computador procura definir métodos, modelos e diretrizes, enquanto
estudos relacionados à avaliação de IHC procuram avaliar a qualidade de um projeto de interface,
tanto ao longo do processo de desenvolvimento como quando o software está pronto.
Assim, “as metas de usabilidade acabam transformando-‐se em critérios de usabilidade (...) que
permitem à usabilidade de um produto ser avaliada em termos de como podem aprimorar o
desempenho de um usuário” (Preece et al., 2005:40).
11.11.10.10.01. Metas de Experiência do usuário Tais metas passaram a ser pesquisadas a partir do momento em que houve uma percepção dos
teóricos de IHC de que novas tecnologias, como Realidade Virtual ou mesmo o desenvolvimento
da WWW, estavam sendo incorporadas ao dia a dia das pessoas, e que os usuários de sistemas
interativos, que anteriormente ficavam praticamente presos ao ambiente corporativo, agora
interagiam com diversos dispositivos, que estavam inseridos “em uma diversidade de áreas de
aplicação” (Preece et al., 2005:40).
Dessa forma, além das preocupações típicas da usabilidade, o Design de Interação passou a se
“preocupar também com a criação de sistemas que sejam satisfatórios, agradáveis, divertidos,
interessantes, úteis, motivadores, esteticamente apreciáveis, incentivadores de criatividade e
economicamente adequados” (Preece et al., 2005:40).
As autoras (2005:40) complementam seu raciocínio, dizendo que o objetivo de desenvolver
produtos interativos agradáveis, levando em consideração as características descritas
anteriormente, está principalmente na experiência que esses vão proporcionar aos usuários, isto
é, “como o usuário se sentirá na interação com o sistema”.
Para Preece (et al., 2005:41) “reconhecer e entender o equilíbrio entre as metas de usabilidade e
as decorrentes da experiência do usuário é importante”, pois “permite aos designers
conscientizar-‐se das consequências de buscar combinações diferentes dessas metas, levando em
consideração as necessidades dos usuários”.
Na Figura 09, percebe-‐se que as metas de usabilidade ocupam espaço central do processo de
Design de Interação, enquanto as metas decorrentes da experiência do usuário ocupam posição
periférica, talvez pelo fato de serem, segundo as autoras (2005:41), “menos claramente
definidas”.
122
Figura 9: Metas de usabilidade e de Experiência do Usuário (Preece et al, 2005:41)
Tal fato interessa à presente pesquisa, pois está na dificuldade de se perceber e mensurar tais
metas que procura-‐se considerar a ação do Embodiment e da Enação nos processos de Design de
Interação.
11.11.11. Interfaceando, ou enquanto isso na área do Design
“O problema desses livros é que são escritos por cientistas da
computação, que não entendem nada de design”. (Salles, 201332)
Ora, se designers pensam de forma diferente de cientistas, como projetar em uma área
tipicamente interdisciplinar?
A resposta para tal pergunta pode começar a ser elaborada ao se pensar no papel exercido pelo
designer no desenvolvimento de sistemas computacionais.
Com a tecnologia computacional presente cada vez mais na vida cotidiana das pessoas, a
diminuição dos custos dos equipamentos, e a proliferação de acesso à internet via diversos tipos
de redes, levaram a uma sociedade na qual essa modalidade de comunicação está totalmente
arraigada. Computadores, celulares e outros dispositivos móveis e mais uma imensa gama de
aparelhos digitais são mediadores de atividades rotineiras.
32Pietro Cesar Salles é meu aluno no curso de Design de Interfaces Digitais, no Centro Universitário SENAC, em São Paulo. Proferiu essa frase ao me ver com uma série de livros sobre interação homem computador.
123
Benyon (2011) destaca que devido a tal integração, as interfaces gráficas vêm ganhando
importância no processo de desenvolvimento de sistemas ao mesmo tempo em que vem se
tornando área de atrito, pois ainda, na maioria dos casos, é por meio delas que se interage com a
tecnologia da informação (TI).
Como apresentado anteriormente, a eficiência dos sistemas informáticos passou a não ser
somente medida pelas capacidades das máquinas, mas também pela sua facilidade de uso e
utilidade33. Tal preocupação fez com que áreas como o design visual, design de interface, design
de informação, arquitetura de informação, design de interação e outras disciplinas fossem
incorporadas e acolhidas sob o termo mais amplo de Design de Experiência.
Dessa forma o design para a experiência é uma abordagem do design que explora a relação dos
objetos com as pessoas e seu foco está justamente no fomento de tais relações. Ao pensar em tal
enfoque está se considerando projetar as próprias experiências (que ocorrem em cada indivíduo),
não os produtos materiais geradores delas. Vale destacar também que, assim, o que se estudam
são as tecnologias da informação e comunicação (TIC) presentes nos objetos interativos, além
deles próprios. De tal modo, o design para a experiência faz uso das tecnologias digitais e
eletrônicas de processamento da informação para auxiliar a construção de relações entre os
indivíduos e tais objetos, ou entre indivíduos, mediadas por tais objetos. Dessa maneira, emergem
experiências (Benyon, 2011).
Da mesma forma com que David Carson rompeu os paradigmas do design editorial nos anos 1990
ao distorcer, combater ou até mesmo ignorar as estruturas tradicionais estabelecidas pela
Bauhaus -‐ segundo a qual a forma segue a função -‐, ele abriu possibilidades da exploração do
aspecto sensorial em seus trabalhos, atribuindo uma nova camada de significado (com apelo e
conteúdo emocional) ao projeto gráfico e consequentemente à informação que suas peças
apresentavam: uma experiência projetada (Rechenberg, 2001).
Na figura 10, Carson faz releitura de citação de McLuhan (McLuhan e Carson, 2003), na qual
aponta para o fato das novas tecnologias reprogramarem a vida sensorial.
33 Na abordagem de design centrado no usuário, incorporou-‐se a satisfação.
124
Figura 10: Carson34 fazendo releitura de McLuhan. Fonte: www.davidcarsondesign.com
Nesse ponto da pesquisa, são abordadas algumas formas de se pensar interação e experiências de
maneira sintética, não analítica, que propõe assim, uma aproximação ao pensar do designer e um
distanciamento do pensar científico, típico dos cientistas da Computação.
11.11.11.01. Design de Serviços
Design de serviço é um novo campo de investigação do design no qual tanto as terminologias
como os paradigmas ainda estão em desenvolvimento. Para Marger (2007; 2009), design de
serviço aborda a funcionalidade e a forma dos serviços a partir da perspectiva do usuário. O
objetivo é garantir que as interfaces do serviço sejam úteis, utilizáveis, e desejáveis do ponto de
vista do usuário e eficazes, eficientes e distintas do ponto de vista do prestador do serviço.
Segundo Moritz (2005: 39) design de serviço é “o design de toda experiência de um serviço, como
também o projeto do processo e estratégia para a prestação do serviço”. Compreende entender o
cliente, a organização e o mercado, desenvolver ideias e traduzi-‐las em soluções flexíveis que
serão implementadas considerando todo o ciclo de vida do serviço, oferecendo melhoria
contínua.
Hollins e Hollins (1990) salientam que o design de serviço pode ser tangível e intangível, sendo
que este envolve artefatos e outros meios incluindo comunicação, ambiente e comportamento.
Qualquer que seja o serviço prestado, esse deve ser consistente, fácil de usar e ter uma estratégia
sistêmica.
34 No livro The book of Probes, que reúne uma coleção de aforismos de McLuhan e trechos de seu trabalho.
125
Portanto, pode-‐se afirmar que o design de serviço é um processo de contínuo desenvolvimento,
que se adapta à organização e aos seus clientes. Utiliza métodos e ferramentas para projetar
experiências consistentes, oferecendo a possibilidade de criar valor adicionado no atendimento
das necessidades do usuário.
O processo de design de serviço tem características tanto do Design de Interação (Interative
Design) (Gould & Lewis, 1985) quanto do Design Centrado no Humano (Human Centered Design)
(ISO 9241-‐210, 2010). Nesse processo há um ciclo iterativo de design, teste e mensuração, e
redesenho.
Figura 11: ciclo de vida de Design de Interação – simplificado de Preece (et al., 2005)
Pode-‐se aplicar o modelo tradicional de design centrado no humano para envolver o
mapeamento do problema, coleta de informações e interpretação, ideação de soluções possíveis,
desenvolvimento e avaliação no incremento de um serviço já existente ou na concepção de nova
solução para serviços. Brown (2008) aponta que o Human Centered Design Thinking captura
insights e produz soluções inovadoras que refletem com mais precisão os desejos e as
necessidades do consumidor.
A área de Design de Serviço conecta as áreas de interação cultural, social e humana. O uso de
diferentes métodos de projeto, pesquisas, Design Thinking e técnicas de visualização, possibilita o
vínculo entre opiniões das partes interessadas durante o processo de design de serviço. Van
Oosterom (2009) propõe cinco fases do processo de design de serviço, que consistem em detectar
(explorar); conceituar, conceber, construir e executar. Já Engine (2009) sugere três fases:
identificar, construir e medir, enquanto Mager (2009) recomenda um processo de quatro fases,
compreendendo a descoberta (detecção ou exploração), criação, verificação da realidade e
implementação.
126
Por ser uma área relativamente nova com conceitos diferenciados, modelos têm sido
desenvolvidos por diversos pesquisadores e empresas (Mager, 2009; Van Oosterom, 2009;
Moritz, 2005). Variam conforme o número de passos ou sua precisão, bem como os aspectos
identificados em cada fase. A fase de identificação e descoberta costuma tratar da compreensão
do contexto de serviço e seus usuários, e do ambiente de negócios do cliente. A fase de
construção, conceituação e criação é acerca da visualização, cocriação, design participativo e
prototipagem. O objetivo principal ao se comparar conceitos de serviços é descobrir qual a
rentabilidade do serviço e se esse é valioso para os clientes. Finalmente a fase de implementação,
que incorpora o processo de TI (Tecnologia da Informação), desenvolvimento e treinamento,
também é frequentemente incluída no processo (Mager, 2009; Van Oosterom, 2009).
11.11.11.10. Design Thinking
O Design Thinking, como parte integrante do projeto de serviço, tem capacidade de criar
conceitos, soluções e experiências de serviços futuros utilizáveis e desejáveis para os usuários, e
eficientes e diferenciados para prestadores de serviços. Designers trabalham como
coordenadores de todas as partes interessadas em projetos de desenvolvimento de serviços. De
acordo com Brown (2008), pensar como um designer pode transformar a forma como os serviços,
processos ou mesmo as estratégias são desenvolvidos nas empresas. As características de um
bom design thinker são: empatia, pensamento integrativo, otimismo, experimentalismo e
colaboração.
Ao cunhar o termo Design Thinking, Tim Brown pretendia expressar a diferença entre ser designer
e pensar como designer. Em seu livro Design thinking: uma metodologia poderosa para decretar
o fim das velhas ideias ele trata da migração do design do nível tático e operacional para uma
abordagem mais estratégica, que segundo ele deveria ser adotada desde o estagiário até os CEOs
das empresas.
Segundo o autor, os designers têm passado as últimas décadas buscando o compromisso entre as
necessidades humanas e a tecnologia disponível, sem nunca perder de vista as restrições práticas
do negócio, levando em consideração a intuição e a capacidade de desenvolver ideias que tenham
um significado emocional além do funcional. A ideia central da tese de Brown é aplicar a maneira
como os designers pensam (combinando o racional e o emocional) em qualquer situação; seja
uma questão social, seja um desafio de mercado.
Sobre as restrições, Brown lembra que, sem elas, o design não pode ser criado. A disposição, e até
a aceitação das restrições são partes fundamentais do Design Thinking. As restrições são
127
visualizadas sob três pontos de vista e visam à geração de novas ideias: a praticabilidade (o
funcionalmente possível); a viabilidade (o que pode se tornar um modelo de negócios
sustentável) e a desejabilidade (o que faz sentido para as pessoas).
Brown (2009) explica que, enquanto os designers aprendem a solucionar as restrições, os design
thinkers navegam nelas com criatividade. Isso acontece porque o foco é desviado do problema
para o projeto. É que os problemas que confrontaram os designers no século XX (projetar uma
identidade visual, criar um novo objeto ou ambiente) não são os que definirão o século XXI. Ele
diz que a próxima geração de designers deverá se sentir tão à vontade na sala de um conselho de
administração como em um estúdio — e deverá analisar todas as questões, do analfabetismo de
adultos ao aquecimento global, passando por hábitos alimentares, como um projeto de design.
Segundo o autor, uma equipe de design deve transitar por três espaços sobrepostos durante o
processo de projeto: “um espaço de inspiração, no qual insights são coletados de todas as fontes
possíveis; um espaço de idealização, no qual esses insights são traduzidos em ideias; e um espaço
de implementação, no qual as melhores ideias são desenvolvidas em um plano de ação concreto e
plenamente elaborado” (Brown, 2010:60).
Brown (2010) argumenta ainda que o pensamento convergente é a forma mais prática de decidir
entre alternativas existentes, mas que tal pensamento não é bom quando o que se pretende é
investigar o futuro e criar possibilidades. Ele finaliza sua argumentação apontando o pensamento
divergente, próprio das equipes de design, como o caminho para a inovação, pois tratar os
problemas de forma convergente, apesar de poder ser interessante em um primeiro momento,
torna as empresas mais conservadoras, inflexíveis e vulneráveis a ideias inovadoras de
concorrentes.
Sobre experiência, Brown (2010) aponta sua anuência com Pink (2005), que diz que quando as
necessidades básicas das pessoas são satisfeitas, elas tendem a partir para experiências
significativas e emocionalmente satisfatórias. Como exemplo, Brown aponta para o crescimento
acelerado das economias de serviço. O autor tem na Walt Disney Company o exemplo mais claro
de que experiências não se limitam ao entretenimento, dizendo que elas são mais profundas.
Pink (2005:44) apresenta um gráfico (Gráfico 03) no qual descreve os paradigmas desde a
Revolução Agrícola35 no que diz respeito à riqueza, ao progresso, e posteriormente à globalização:
35 Revolução Verde ou Revolução Agrícola, movimento que marcou o fim dos povos nômades e o inicio da sedentarização do homem, com o aparecimento das primeiras vilas e cidades.
128
Gráfico 3: Paradigmas da riqueza, progresso e globalização. (Pink, 2005)
Vale destacar que o que o autor chamou de Era Conceitual é a que se vive agora, à qual o autor
acrescenta seis sentidos, a saber: design (a ser acrescentado ao funcional); história (adicionada ao
argumento central); sinfonia (ao foco); empatia (somada à lógica); lúdico (à seriedade); e
finalmente sentido (a ser adicionado à tradição de acúmulo ocidental).
Apesar da experiência não ser tema central de estudos de Pink, é tema abordado como “produto”
do pensamento da era conceitual, já Brown (2010), retoma tal conceito como central e dedica um
capítulo inteiro do livro a ela. Nele, o autor parte do conceito de economia da experiência de Pine
e Gilmore (1999) para descrever a importância de se projetar da mesma forma os produtos e as
experiências que eles devem gerar. Cabe aqui um pequeno parêntese para elucidar tal conceito,
uma vez que ele é também fundamental para a discussão de Experience Design que será feita
mais adiante.
11.11.11.11. Economia da Experiência
“Enquanto mercadorias são fungíveis, bens são tangíveis e serviços são
intangíveis, as experiências são memoráveis” (Pine & Gilmore, 1999).
Embora o emprego nos serviços domine na contemporaneidade, a economia, a produção de
commodities e de bens não diminui. Em uma economia de serviços, a falta de diferenciação na
mente dos consumidores faz com que os preços enfrentem a constante pressão associada às
commodities. Consequentemente, os clientes compram os bens buscando preço e
disponibilidade, "commoditizando" novamente os bens e serviços.
Para escapar dessa armadilha, os fabricantes unem serviços aos bens que produzem. Conforme
Pine e Gilmore (1999):
129
“A internet é de fato a maior força impulsionadora da "commoditização" que o
homem já conheceu, tanto para bens como para serviços. Elimina boa parte do
elemento humano existente na compra e venda tradicional. Sua capacidade de
oferecer transações imediatas permite comparações instantâneas de preço entre
uma miríade de fontes. E sua capacidade de executar rapidamente essas
transações permite aos clientes beneficiarem-‐se de economias tanto de tempo
como de custos” (Pine & Gilmore, 1999: 22).
Nesse cenário, há uma nova e emergente economia fundamentada em um tipo diferente de
atividade: a Economia da Experiência ou de Sensações. Pine e Gilmore (1999:23) argumentam que
“a empresa – encenadora de sensações – não apenas fornece bens e serviços isolados, mas,
também, a emoção resultante, cheia de sensações que causa no cliente”.
Pode-‐se perceber na figura 12 que os autores colocam a experiência um nível acima dos serviços,
em um cenário relevante e de diferenciação. Assim, se pode dizer que as atividades econômicas,
de um modo geral, mantêm uma distância do comprador (são externas a ele), ao passo que as
sensações são eminentemente pessoais, e ocorrem por meio de um envolvimento emocional,
físico, intelectual, ou até mesmo espiritual. Assim, “não há duas pessoas que possam viver a
mesma sensação. Cada uma decorre da interação do evento encenado e do estado anterior da
mente e do ser” (Pine & Gilmore, 1999:23).
Figura 12: Progressão do valor econômico (Pine e Gilmore, 1999)
Segundo os autores (1999), são basicamente quatro os domínios que influenciam a construção da
experiência: o entretenimento, a educação, a estética e o escapista. Eles são definidos a partir de
130
dois eixos principais que envolvem o nível de participação e o tipo de conexão entre o usuário
(cliente) e a experiência vivida. Suas múltiplas combinações vão determinar a qual dos domínios
as experiências pertencem.
Na figura 13, o primeiro eixo (horizontal) corresponde ao nível da participação das pessoas. Em
um dos extremos do espectro está a participação passiva, na qual os clientes não afetam ou
influenciam diretamente o desempenho, enquanto no outro extremo do espectro está a
participação ativa, na qual os clientes afetam na forma pessoal o desempenho do evento que gera
a sensação.
Figura 13: Os Domínios da Experiência (Pine &Gilmore, 1999)
A segunda dimensão (vertical) da sensação descreve o tipo de conexão ou relação ambiental que
liga os clientes com o evento ou performance. Em um dos extremos desse espectro está a
absorção – ocupando a atenção da pessoa e levando a sensação para a mente -‐, no outro extremo
a imersão – quando a própria pessoa torna-‐se fisicamente (ou virtualmente) parte da própria
emoção.
À primeira vista, parece que as experiências têm uma afinidade com as indústrias de
entretenimento e lazer. Não há dúvida de que a indústria do entretenimento tem adquirido as
competências e os talentos para envolver as pessoas, mas, agora, outras áreas já perceberam que
131
podem transformar serviços em eventos memoráveis que o cliente vai querer repetir de novo e
vai querer contar para os seus amigos.
Na experiência educacional há uma troca de conhecimentos entre professores e alunos, em que
ambos são agentes ativos da aprendizagem. Segundo Pine e Gilmore(1999), a abordagem
industrial da economia tornou os professores atores e os estudantes, receptores passivos. Já o
novo modelo que está emergindo (da educação orientada para os negócios) adota a perspectiva
de mercado, ao transformar os estudantes em agentes ativos. O foco da atividade deverá passar
do fornecedor para o usuário, dos educadores (professores) para aprendizes (estudantes) e o ato
educacional residirá cada vez mais no aprendiz ativo do que no professor-‐gestor. No novo
mercado da aprendizagem, clientes, empregados e estudantes são todos aprendizes ativos, ou,
ainda mais acuradamente, aprendizes interativos.
Em complemento à experiência educacional, tem-‐se a experiência escapista, que apresenta uma
ligação muito forte com a educacional:
“Sensações escapistas implicam uma imersão muito maior do que as vivências de
entretenimento ou educação. De fato, eles são extremos opostos das experiências
de puro entretenimento. Aquele que busca a sensação escapista submerge
completamente nela, tornando-‐se um participante ativamente envolvido.
Exemplos de ambientes essencialmente escapistas incluem parques temáticos,
cassinos, equipamentos de realidade virtual” (Pine & Gilmore, 1999: 43).
Já sensação estética, as pessoas mergulham em um ambiente ou um evento, mas têm pouca
influencia sobre ele, deixando-‐o praticamente intocado (embora o mesmo não ocorra com elas).
Os autores (1999) destacam que enquanto os visitantes que partilham de uma vivência
educacional querem aprender, os que frequentam uma situação escapista desejam fazer, os que
buscam o entretenimento querem sentir e os que participam de uma sensação estética querem
apenas estar lá.
Para planejar uma sensação profunda, atraente e envolvente, é necessário entranhar-‐se nos
quatro domínios da experiência. Nesse contexto, a estrutura das sensações é ponto de partida
para explorar criativamente os aspectos de cada domínio, que possam realçar a sensação
determinada que deseje encenar.
132
Ao planejar as sensações, deve-‐se considerar a seguintes questões: segundo Pine e Gilmore
(1999) argumentam, para fazer o planejamento das sensações deve-‐se pensar no que pode ser
feito para sua melhor estética, como tornar o ambiente acolhedor, interessante e confortável.
Além disso deve-‐se pensar no que eles farão a partir do momento em que “estiverem” em
contato com tal ambiente. Nesse sentido, os autores apontam para o domínio escapista, no qual
uma sensação atrairá ainda mais os visitantes, fazendo com que mergulhem em atividades. Assim,
o aspecto educacional de uma sensação, como o escapista, é essencialmente ativo, daí a
necessidade de total participação do aprendiz no processo de aprendizagem.
Além disso, Pine e Gilmore (1999:50) apontam o que “o entretenimento, como a estética, é um
aspecto passivo da sensação. Quando os visitantes estão entretidos, eles não estão, de fato,
fazendo nada, mas estão reagindo (divertindo-‐se, rindo) à sensação”.
De volta ao pensamento de Brown (2009) e ao design thinking, ele propõe ainda que as ideias
sejam geradas em conjunto com as pessoas que serão impactadas por elas; que os protótipos
sejam construídos e testados ainda durante o processo de projeto e implementação. Ninguém
está à procura da solução correta, definitiva e insubstituível, mas do caminho que conduz à
melhor maneira de fazer com que a experiência seja significativa e importante.
É justamente aí que o design thinking se aproxima do design de serviços: nas situações em que a
pessoa interage com a empresa enquanto esta procura melhorar a experiência gerada a partir de
tal influência mútua. Portanto, é possível considerar design de serviços como design thinking
aplicado ao setor de serviços.
11.11.11.100. Design de Experiência
Experiência, como um conceito geral, compreende conhecimento ou habilidade de alguma coisa
ou algum evento por meio do envolvimento ou exposição a essa coisa ou evento. A história da
palavra experiência aproxima-‐a do conceito de experimento.
O conceito de experiência geralmente se refere ao know-‐how ou conhecimento processual, em
vez do proposicional: mão na massa em vez de ensino tradicional: conhecimento empírico.
Estudos a respeito da experiência tem uma longa tradição na filosofia. Certas tradições religiosas
(algumas variantes do Budismo, por exemplo) salientam o caráter experiencial da epistemologia
humana.
133
Assim sendo, pode-‐se considerar experiência como contato epistêmico (muitas vezes perceptual)
com aquilo que se apresenta a uma fonte cognitiva de informações (faculdades mentais).
O dicionário “Houaiss” define experiência como:
Ato ou efeito de experimentar(-‐se)
1. experimentação, experimento (método científico) ‹ e. química ›
2. fil qualquer conhecimento obtido por meio dos sentidos 3. forma de conhecimento abrangente, não organizado, ou de sabedoria,
adquirida de maneira espontânea durante a vida; prática ‹ viveu muito, tem muita e. ›
4. forma de conhecimento específico, ou de perícia, que, adquirida por meio de aprendizado sistemático, se aprimora com o correr do tempo; prática
‹ pugilista de muita e. ›
5. tentativa, ensaio, prova ‹ resolveu fazer uma e. apostando nos números pares ›
Pine e Gilmore (1999:12) ensinam que experiências são o “conjunto de acontecimentos que
envolvem o indivíduo de maneira pessoal e memorável”. Na perspectiva do Experience Design, a
experiência é um processo de criação de significado e, dessa forma, pode-‐se dizer que nosso
contato com tudo representa, tecnicamente, uma experiência de algum tipo, “base dos eventos
da vida e formadora do, core que, as mídias interativas devem oferecer” (Shedroff, 2001:04). O
autor diz ainda que para compreender uma informação há a necessidade de passagem, que vai
dos dados (ingredientes “crus”) ao conhecimento, o que é uma conquista. Esse é um processo de
significação, no qual os dados são acrescidos de contexto e significado.
Boswijk (et al., 2007:03) aponta que a criação de significado pode ser descrita como um processo
iniciado) com “a percepção através dos sentidos (...) até emoções, levando a uma experiência”.
Para ele, essa experiência é “somada ao conhecimento e, subsequentemente, ao significado”.
Sendo assim, há algo importante e característico de muitas experiências que vale a pena ser
discutido: o fato de os elementos que contribuem para experiências superiores serem
cognoscíveis e reprodutíveis, o que torna tais experiências projetáveis (designable). Por isso, é
importante perceber que toda experiência é importante e que pode ser determinada e
fundamentada em princípios sólidos.
134
Há, para Shedroff (2001), pelo menos seis dimensões das experiências: Tempo/Duração,
Interatividade, Intensidade, Amplitude/Coerência, Disparadores (gatilhos) Sensoriais e Cognitivos,
e Significância/Sentido.
Para o autor, toda decisão parte de um gatilho sensorial e cognitivo: cor, textura, cheiro, gosto,
tipo de fonte (letra/tipografia), música, som, voz, padrão, ícones, símbolos, interação, layout,
conceitos, temperatura, expressão, entre outros. Em relação à amplitude, Shedroff (2001) chama
a atenção ao produto ou serviço em questão, à marca, seu nome, canal ou meio (espaço) no qual
está inserido, além de questões específicas do marketing, como preço e promoção. Sobre a
Intensidade, aponta para os reflexos, envolvimentos e criação de hábitos. Já sobre a duração,
destaca a iniciação, a imersão, a conclusão e a continuação. Finalmente, sobre a significância,
destaca o significado, estado/identidade, emoção/estilo de vida, preço e função. Juntas, essas
dimensões criam uma paleta considerável de possibilidades para a criação de experiências
efetivas, significativas e bem sucedidas. A figura 14, a seguir, aponta para a relação entre os
componentes da experiência apontados pelo autor.
Figura 14: Dimensões da Experiência (Shedroff,2011)
135
Uma das habilidades mais importantes e valorizadas nas próximas décadas será a capacidade de
criar informações e experiências que agreguem valor às pessoas. Para fazer isso, Shedroff (1994)
aponta para a necessidade de aprender as formas existentes de organização e apresentação de
dados e informações, e desenvolver novas. Segundo o pesquisador, se as ferramentas de
comunicação são produtos impressos, eletrônicos, baseados na programação televisiva,
experiências interativas ou performances ao vivo, isso faz pouca diferença.
Para ele (1994:01), também não importa se os dispositivos empregados são físicos, eletrônicos ou
mesmo biológicos (corpo, voz, etc.), “o processo de criação é praticamente o mesmo em qualquer
meio, e envolve a resolução de problemas, respostas às audiências, e processos comunicativos”.
Essas questões se aplicam a todos os tipos de mídia e experiências, porque “elas abordam
diretamente o fenômeno da sobrecarga de informações, ansiedade de informação, meios de
comunicação, alfabetização, imersão” e sobrecarga tecnológica que precisam de soluções
melhores.
A intersecção dessas questões pode ser resolvida, segundo ele, pelo processo de Design de
Informação Interativa, também chamado de Design da Informação, Arquitetura da Informação,
Design de Interação, Design Instrucional, ou simplesmente Senso Comum. Esses conceitos, ainda
preliminares na década de 1990, passaram ao longo dos anos a ganhar importância e peso nas
pesquisas científicas.
Nesse sentido, pode-‐se, inclusive, destacar avanços apresentados na área da Interação Humano
Computador (IHC). Apesar de ainda se basearem fortemente na noção antiquada das ciências
cognitivas36, gradativamente, avanços pontuais permitiram a compreensão de que pessoas e
computadores não eram semelhantes nesse nível, e que o processo de pensar seria bem mais
complexo do que somente processar informações. Mesmo se um computador simular um
comportamento ou um diálogo inteligente, isso não significa necessariamente “pensar”.
O ser humano, por sua vez, mais do que manipular símbolos, pensa sobre os símbolos que estão
sendo manipulados, operando-‐os sintática e semanticamente. Trata-‐se de um processo dinâmico,
mais complexo do que computar, ou seja, pode-‐se pressupor que a sintaxe não garante a
existência da semântica e por consequência a produção de significados/sentidos.
Posteriormente, ainda no mesmo espírito fundamentado à época, foram desenvolvidos alguns
métodos para equalizar as interações do usuário com o computador, na tentativa de reduzir a 36que acreditava que as pessoas se comportavam como processadores de informação e que o processo de pensar era muito semelhante ao processo de computar.
136
fricção entre ambos (Card, Moran, & Newell, 1983). Essas ações poderiam ser físicas, cognitivas
ou perceptivas, e a utilização dessas três ações elementares serviram para o desenvolvimento de
técnicas que forneciam informações valiosas para o estudo das interfaces, mas ainda assim
apresentavam alguns inconvenientes pois não consideravam o quão seres humanos podem ser
afetados por fatores como fadiga, seu grau individual de deficiência, limitações físicas, seus
hábitos, personalidades, grau de experiência como usuários e o ambiente social no qual estão
inseridos, entre outros.
Ainda na área de IHC, o grande foco dado à usabilidade também costumava desconsiderar a
funcionalidade do sistema (baseado em regras muitas vezes contraditórias de difícil adaptação). A
inclusão do uso da metodologia de personas e técnicas que ponderavam a individualidade dos
usuários viabilizaram um foco mais específico e humanista, mas ainda distante de uma resposta
definitiva.
No momento em que o campo passou a integrar diferentes disciplinas se propôs a desenvolver e
aplicar métodos cada vez mais inclusivos, em uma tendência essencialmente simplificadora. Tal
caminho parece ser inteligente, com preposições advindas da Teoria da Informação. Assim, não se
trata somente de reduzir erros, mas de transmitir informações de forma mais eficaz. Não
obstante, a simplificação sugere que, apesar dos avanços na compreensão dos métodos,
contraditoriamente, o homem ainda continua sendo visto como um processador de informações,
que precisa ter suas ações modeladas, ter os passos ou cliques do mouse calculados, não pode ter
sua memória sobrecarregada e precisa ser alertado constantemente sobre suas próprias ações e
erros.
Muitas dessas técnicas foram aplicadas com o uso de restrições e da manipulação direta
proporcionada pelas Interfaces Gráficas do Usuário (GUI). Seu advento auxiliou a popularização
do computador pessoal impulsionando sua integração com o homem, e gerou, a partir daí, um
campo completo de pesquisadores interessados em interfaces computacionais.
De fato, muito se fala sobre interfaces, mas muito pouco se tem feito para penetrar o seu lado
humano. A democratização advinda dos computadores pessoais e o surgimento das interfaces
computacionais tornaram as máquinas mais populares, mas, mesmo assim, a interação humana
com a tecnologia não se tornou muito menos complicada em um primeiro momento. As
interfaces que deveriam traduzir a linguagem da máquina, tornando o computador inteligível para
a maioria das pessoas, muitas vezes acaba por dividir homem e máquina. Assim, ao se separar a
superfície dos sistemas de sua estrutura, diversas vezes parte do significado fica perdida entre o
137
mundo físico e o mundo “virtual”, e ocasionalmente a interface não reflete as possibilidades do
software.
Nesse sentido, a proposta de Shedroff (2001) representa certa inovação. O autor aponta que o
projeto de experiências é bastante antigo, porém, como disciplina, o XD (Experience Design) ainda
é incipiente. Assim pode-‐se considera-‐lo, ao mesmo tempo, algo sem história (já que é uma
disciplina recém-‐definida) e com longa vida (já que é o culminar de muitas disciplinas antigas) que
se tornou recentemente reconhecido e nomeado.
Shedroff (2001) destaca que o Design de Experiência tem sua própria definição em construção,
pois muitos o veem apenas como um campo para a mídia digital, enquanto outros o consideram
termo guarda-‐chuva que abrange disciplinas tradicionais e constituídas, além de projetos para
peças de teatro, design gráfico, contação de histórias, projeto de exposições e instalações
artísticas, concepção de parques temáticos, design digital, design de jogos, design de interiores,
arquitetura e outros. Sua transdisciplinaridade faz com que o espaço descrito por ele não seja
formalmente definido.
Para o autor (2001), o fundamental é entender que qualquer que seja a natureza da experiência
ela é vivida e, portanto, as pessoas aprendem com elas. Na verdade, a partir do conhecimento das
experiências tradicionais e da sua criação por meio das disciplinas descritas antes, deve-‐se
desenvolver novas soluções. Pode-‐se dizer também que as experiências que incluem as
tecnologias digitais têm, muitas vezes, pouca ligação com as do mundo real. Para o autor, o que
essas soluções exigem é que seus desenvolvedores entendam primeiramente o que faz uma boa
experiência para depois traduzir seus princípios, na medida do possível, para a mídia desejada,
sem que a tecnologia dite necessariamente a maneira de experienciar.
Uma das formas mais importantes de definir experiência é por meio do mapeamento de seus
limites. Enquanto muitas experiências são contínuas, por vezes até sem duração definida, a
maioria delas tem um início, um meio e um fim. Esses limites ajudam a determinar significados,
ritmos e realizações. Devido à atenção, energia, ou emoção, a maioria das pessoas não consegue
permanecer indefinidamente em uma experiência, pois isso costuma trazer cansaço, confusão ou
distração. Shedroff (2001) diz que experienciar requer atração, engajamento e conclusão.
• Atração para iniciar uma experiência – pode ser visual, cognitiva, auditiva ou um sinal
para qualquer de nossos sentidos. Pode ser intencional ou parte do processo de
experiencialização.
138
• O engajamento é a experiência em si. Deve ser suficientemente diferente do ambiente
que a circunda para prender a atenção do indivíduo, bem como cognitivamente
importante a ponto de fazer com que ele continue a experiência.
• A conclusão pode assumir diversas formas. É importante que seja satisfatória para
justificar mais tempo em próximas experiências.
O autor aponta ainda para a possibilidade de haver um quarto elemento no processo: a extensão.
Essa pode prolongá-‐la, revivê-‐la, ou ainda fazer uma ponte com uma nova experiência.
Shedroff mostra, também, que a melhor forma de explorar impressões e opiniões sobre as
experiências vividas é atentar aos processos vividos.
Isso pode ser percebido, de acordo com o autor, ao analisar experiências relacionadas de formas
diferentes. Em particular, “se torna evidente que muitas experiências, embora diferentes em
meio” (impressão, performance ao vivo, digital), “são semelhantes em atividade, significado e
êxito”. Isso leva a um dos mais importantes entendimentos sobre experiências, especialmente as
digitais: “Todas as experiências competem entre si em vários níveis e em diferentes mídias”.
Historicamente, isso tem sido mal compreendido pelos desenvolvedores de novos meios de
comunicação, pois esses costumam assumir que sua concorrência era com outros meios de
comunicação similares, e não com todas as experiências possíveis em torno de um assunto ou
propósito (Shedroff,2001:10).
Outra forma de compreender a experiência é identificar os meios diferentes em que ela ocorre,
dessa forma se torna mais fácil, então, identificar os atributos que diferenciam produtos e mídia.
Não há, segundo Shedroff (2001), respostas certas aqui, e as diferenças de opinião e percepção
entre as pessoas variam muito, o que torna por muitas vezes necessário fazer uma discussão a
respeito dessa complexidade para verificar se há alguma compreensão compartilhada por um
grupo de pessoas.
Partindo dessa premissa, é interessante uma pausa nesse ponto da pesquisa para retomar
algumas metodologias propostas pelo Design de Experiência do Usuário.
11.100. O caminho do meio?
“Designing for the full range of human experience may well be the theme
for the next generation of discourse about software design.”
(Winograd,1996:xix)
139
Ao longo dessa pesquisa pode ser possível observar a crescente preocupação da ciência da
Computação na figura de seus pesquisadores em Interação Humano-‐ Computador em considerar
o usuário como foco central de todo o projeto de sistemas interativos. De outro lado, é possível
perceber a importância dada à experiência pelos designers e até mesmo pelo mercado
corporativo, que consideram ser ela a responsável pela diferenciação das empresas em um
mercado extremamente competitivo e globalizado.
Finalmente, a seção intitulada “O Caminho do Meio?” pretende discorrer sobre abordagens mais
conscientes da importância não só das preferências, perfis e necessidades dos usuários no
processo de desenvolvimento de sistemas interativos, como também das experiências geradas
pelas por tais interações.
Ela parte de uma retomada conceitual do livro Technology as Experience de McCarthy e Wright
(2004) e chega às abordagens de User Experience, inicialmente exploradas por Shedroff (2001),
parcialmente incorporadas ao Design de Interação (de Preece e colegas, 2005) e à “nova”
Interação Humano Computador, na figura de David Benyon e, finalmente, sintetiza tais conceitos
a partir da pesquisa de autores apresentados ao longo desta tese e do delineamento da área e
suas atribuições desenvolvido por diversos pesquisadores do assunto (representantes de
universidades e grandes corporações) no documento “User Experience White Paper: Bringing
clarity to the concept of user experience”, resultado do trabalho no “Dagstuhl Seminar on
Demarcating User Experience” de 2010.
11.100.01. Tecnologia como Experiência
McCarthy e Wright (2004:02) afirmam “que nós não somente usamos ou admiramos a tecnologia,
nós vivemos com ela (...). A tecnologia está embutida na nossa experiência cotidiana”.
A leitura de Tecnologia como Experiência, de Wright e McCarthy (2004), parte de conceitos
pesquisados por filósofos e profissionais que, de uma forma ou de outra, discutiram a tecnologia
como experiência anteriormente. Alguns exemplos incluem: conceitos de Brenda Laurel acerca de
se estender as mentes por meio de um engajamento entre o homem e os computadores; John
Dewey em um self ativo, que molda a ação e as dinâmicas internas da experiência; e Mikhail
Bakhtin sobre o princípio da “vida sentida”, entre outros.
Wright e McCarthy (2004) conferem o que eles descrevem como uma abordagem em três frentes
para abranger e depois avançar na discussão dos conceitos mencionados anteriormente: a
140
primeira sugere uma clara continuidade entre as experiências estéticas e ordinárias; a segunda
desenvolve ferramentas para analisar a experiência estética com a tecnologia e; finalmente, a
terceira busca ir além das experiências individuais ao olhar para as conexões entre a experiência
individual e sua história e circunstâncias.
Wright e McCarthy (2004) partem dos conceitos de Norman para um nível mais abrangente com a
finalidade de se aproximar da compreensão das necessidades de um usuário para projetar o que
eles chamam de "experiência". Para descrever o conceito de experiência em Wright e McCarthy,
uma importante referência é John Dewey.
Na Arte como Experiência, Dewey (1934) explica sua teoria em olhar tanto o objeto físico quanto
a vida vivida e, principalmente, sentida. Segundo Dewey, é dentro dessa relação de experiência e
objeto que o processo de arte é solidificado e, de fato, a arte, a sociedade e o indivíduo se tornam
uma rede coletiva.
Assim, o trabalho Wright e McCarthy (2004) referencia o de Dewey (1934) para esclarecer
experiência na relação das pessoas com a tecnologia. Wright e McCarthy dizem que segundo
Dewey:
“Experience is constituted by the relationship between self and object –
by concerned, feeling people acting and the materials and tools they use.
The concerned person is always ready engaged and comes to every
situation with personal interests and ideologies.”
Eles argumentam que, a fim de justificar a ampla gama de tecnologia que têm influências sobre as
vidas das pessoas, há que se entender a tecnologia em termos de vida sentida e das experiências
com a tecnologia.
A abordagem dos autores para a compreensão da Interação Humano-‐Computador (vista como
criativa, aberta e relacional, parte da experiência sentida) é uma forma de mensurar a plenitude
do potencial da tecnologia para ser identificada e tratada como algo mais do que puramente
funcional.
141
A zestful integration37 (Shusterman 2000: 15 apud McCarthy e Wright, 2004:58) ou natureza
transcendente da experiência estética, segundo eles, é um modelo do que pode tornar-‐se a
experiência humana a partir de sua interação com a tecnologia.
Os autores dizem ainda que em uma experiência estática, a integração de meios e fins, significado
e movimento, que abrange todas as faculdades sensoriais e intelectuais das pessoas é satisfatório
e gratificante em termos emocionais:
“In aesthetic experience, the lively integration of means and ends, meaning and
movement, involving all our sensory and intellectual faculties is emotionally
satisfying and fulfilling. Each act relates meaningfully to the total action and is felt
by the experiencer to have a unity or a wholeness that is fulfilling”. (McCarthy e
Wright, 2004:58)
No plano teórico, Wright e McCarthy (2004) compuseram um quadro (Figura 15) sobre sua
proposta de análise da experiência do usuário, reconhecendo que todas as experiências humanas
são holísticas e relacionais, e que são compostas por um equilíbrio entre questões sensoriais38,
cerebrais, e emocionais. O quadro da experiência do usuário é construído sobre a meta sentido de
decisões: ou seja, unificar os diferentes segmentos de uma situação, neste caso, uma experiência
online, para criar significado para o usuário. O quadro completo inclui quatro segmentos
(composicional, sensorial, emocional e espaço-‐temporal) e seis elementos significadores (sense-‐
making): antecipação, conexão, interpretação, reflexão, apropriação e de narração39.
37 Zestful pode ser traduzido para o português como deleitoso, mas creio que seja algo como brilhante, no sentido de uma grande ideia. (n.a.) 38 Tradução do termo Sensual. A opção foi tomada por acreditar-‐se tratar de um termo mais contextualizado que sensual ou sensitivo. (n.a.) 39 No original: anticipating, connecting, interpreting, reflecting, appropriating and recounting.
142
Figura 15: Aspectos da experiência do usuário (McCarthy e Wright, 2004)
O aspecto composicional pode ser considerado o elemento cerebral do quadro, enquanto o
segmento sensorial deve se preocupar com a ligação do usuário e sua experiência, mantendo-‐os
conectados, envolvidos. Para tanto deve cuidar da aparência e a atmosfera do ambiente. Já o
aspecto sensorial opera no nível subconsciente. Finalmente, a linha emocional está preocupada
com a reação do usuário com a partir da experiência, em outras palavras, como os faz sentir.
Os conceitos-‐chave em McCarthy e Wright debruçam-‐se sobre suas crenças centradas na
sociedade. Assim, estes apresentam certa fragilidade no que tange à possibilidade de sugestões
práticas para melhorar a experiência do usuário. Isso se deve ao fato de que elas são dificilmente
racionalizadas à medida que a interação entre homens e computadores é baseada em eventos
contínuos que dificilmente podem ser reproduzidos em vidas de pessoas distintas, e que
consequentemente suas experiências também têm pouca probabilidade de poder ser espelhadas,
assim, tal estudo deveria tornar-‐se muito especializado, com propostas praticamente
individualizadas.
11.100.10. Experiência do Usuário
Como visto anteriormente, a noção de experiência é inerente à nossa existência como povo à
medida que aborda tudo o que o individuo viveu, conheceu, adquiriu, ou com o que se
relacionou. A experiência do usuário como campo de pesquisa é tratada até hoje de forma
diferente das demais experiências, pois se refere explicitamente às experiências derivadas da
interação com sistemas digitais (produtos, serviços e artefatos -‐ separados ou combinados – nos
quais pessoas podem interagir por meio de uma interface de usuário).
143
Ao projetar para o uso em vez de utilizadores, os designers estão olhando para as coisas com uma
perspectiva mais ampla para perceber que não só os usuários variam, como usam coisas distintas
em momentos diferentes, em diversos lugares, para coisas díspares, em muitos contextos. Um
produto não existe no vácuo e não pode assumir uma qualidade até que seja usado,
consequentemente, a qualidade está no uso, e não no produto em si. (Bevan, 1995)
A Engenharia de Usabilidade tem tradicionalmente enfatizado critérios de desempenho objetivos
e métricas, tais como o tempo para aprender, taxa de erro e tempo para completar uma tarefa
específica, e validação de qualidades desejadas de uso do produto (Tractinsky et al, 2000).
Qualidades mais delicadas de uso (por exemplo, satisfação do usuário, diversão, envolvimento e
desejo) são mais difíceis de converter a metas e medições e, portanto, não são tão acessíveis e
quantificáveis como a eficácia e eficiência. Assim, a satisfação do usuário -‐ definida como "...
Ausência do desconforto e presença de atitudes positivas para com o uso de um produto" (ISO
9241-‐11) – têm sido preteridas na engenharia de usabilidade tradicional, assim como muitas
qualidades de uso, em função da eficácia e eficiência (Lindegaard e Dudek, 2001).
É questionável se a definição da ISO tem uso prático. Ao projetar produtos de consumo, muitas
vezes desenvolvidos para serem usados em ambientes de escritório, a eficácia e a eficiência e a
satisfação atreladas a eles durante o processo de utilização se tornam as únicas qualidades
relevantes para um produto.
No entanto, as qualidades de uso que se estendem além de usabilidade são mais difíceis de
entender e mais difíceis de medir e, portanto, de projetar. O processo de concepção de produtos
com usabilidade e outras qualidades mais delicadas pode ser e será chamado nesta tese de
Experiência do Usuário (ver Figura 16).
Figura 16: Experiência do usuário
144
Sendo assim, percebe-‐se que o termo "Experiência do Usuário” (UX – User Experience) é
amplamente utilizada e compreendida de diversas maneiras. Sua natureza multidisciplinar faz
com que ele seja usado em desde estudos psicológicos até em empresariais, sem que haja uma
definição que atenda a todas essas perspectivas. Frequentemente usado como um sinônimo para
a experiência de usabilidade, interface de interação com o usuário, design de interação,
experiência do cliente, “web site appeal”, experiência geral, ou ainda como um termo genérico
que incorpora todos ou muitos desses conceitos, Alben (1996) diz que Experiência do Usuário são
todos os aspectos de como as pessoas usam um produto interativo: o que se sente ao manuseá-‐
lo, como compreendem como ele funciona, como se sentem enquanto estão usando, como serve
aos seus propósitos, e como se encaixa no contexto de uso.
Segundo Nielsen e Norman (1996-‐2011) UX são todos os aspectos de interação do usuário final
com a empresa, seus serviços e seus produtos. Segundo eles, o primeiro requisito para uma
experiência de usuário adequada é atender às necessidades específicas do cliente, sem conflito ou
incômodo. Em seguida, apontam a simplicidade e elegância como ponto fundamental para
desenvolver produtos que sejam divertidos de ter e usar. Dizem também que a Experiência do
Usuário vai além de oferecer aos clientes o que eles informam que querem, por meio da
percepção real de necessidades gerada pela fusão de várias disciplinas, incluindo engenharia,
marketing, design gráfico e industrial e design de interface.
Já Nathan Shedroff (2001), aponta para o fato de que no campo de usabilidade essa experiência é
normalmente definida em termos de facilidade de uso. No entanto, ela envolve mais do que
simplesmente a função e fluxo, mas o entendimento reunido por meio de todos os sentidos.
Dessa forma, embora a "experiência do usuário" tenha um alcance da "experiência", é ainda um
termo guarda-‐ chuva que pode se referir a diversas formas de experiência da pessoa.
Diversos pesquisadores do assunto (representantes de universidades e grandes corporações)
escreveram um documento chamado User Experience White Paper: Bringing clarity to the
concept of user experience, resultado do trabalho no Dagstuhl Seminar on Demarcating User
Experience (2010), que descreveu três perspectivas diferentes sobre UX e suas respectivas
competências: como fenômeno, campo de estudo, ou prática.
UX como fenômeno se ocupa em:
• descrever o que é (e o que não é) UX;
• identificar os diferentes tipos de UX;
145
• explicar as circunstâncias e consequências de UX.
UX como campo de estudo trata de:
• estudar o fenômeno, por exemplo, como as experiências são formadas ou o que uma
pessoa experiente, espera que da experiência, ou tem experimentado;
• encontrar os meios para projetar sistemas que permitem experiências particulares;
• investigar e desenvolver UX design e métodos de avaliação.
Vale destacar que a presente pesquisa aborda a Experiência do Usuário como Campo de Estudo e
pretende contribuir para encontrar meios de melhorar a forma de projetar tais experiências, por
meio dos conceitos de Corporificação e da Enação de Varela (et al., 2001).
UX como prática tem a preocupação de:
• prever UX como parte de uma prática de projeto;
• representar UX através da construção de protótipos (para demonstrar e comunicar a
experiência desejada);
• avaliar UX;
• entregar projetos que visem gerar uma UX desejada.
O presente trabalho apresenta um panorama desses três campos, mas tem como objetivo central
avançar nas pesquisas do segundo grupo apresentado: UX como campo de estudos. Para tanto,
parte de uma importante revisão da teoria da mente incorporada de Varela (et al, 2001) que é a
principal referência para uma nova contribuição para o campo de Experiência do Usuário,
trabalhando UX como fenômeno, para posteriormente avançar nos estudos de campo.
11.100.10.01. UX como fenômeno:
UX como um fenômeno pode ser descrito como se segue (Roto Et al, 2011):
• um subconjunto da experiência (como um conceito geral). Nesse sentido, UX é mais
específica, uma vez que está relacionada com as experiências na utilização de sistemas;
• um encontro entre sistemas -‐ não só ativos e de uso pessoal, mas também de um modo
passivo, por exemplo, observando-‐se outra pessoa usando o sistema;
• uma experiência única e diferente para um indivíduo;
• influenciada por experiências anteriores e expectativas geradas a partir dessas
experiências;
• enraizada em um contexto social e cultural.
146
Pensando em Experiência como Fenômeno pode-‐se descrever três pontos de vista diferenciados
(note-‐se que estes termos são semelhantes aos utilizados no desenho da experiência em geral):
Experimentando, Experiência (do usuário) e Coexperiência, que serão explicadas a seguir.
Experimentando O verbo se refere ao fluxo de percepções, interpretações dessas percepções e emoções
resultantes de um encontro de um indivíduo com um sistema. Cada pessoa pode experimentar
um encontro com um sistema de uma maneira diferente. Essa visão enfatiza a natureza individual
e dinâmica de experimentar e interagir.
Na prática, os designers com foco na experiência costumam prestar atenção a eventos específicos
de interação, que podem ter um impacto sobre a emoção do utilizador (por exemplo, no design
do jogo, marcar um gol ou o aparecimento de um personagem assustador) (Roto et al, 2011).
Avaliação de experimentar poderia se concentrar em como uma única pessoa experimenta o
encontro com um sistema em diversos momentos durante o processo de interação.
Experiência (do usuário) O substantivo, segundo os autores, se refere a um encontro com um sistema que tem um início e
um fim. Refere-‐se a uma designação geral de como as pessoas têm experimentado (verbo) um
período de encontro com um determinado sistema. Essa visão enfatiza o resultado e as memórias
de uma experiência, e não a sua natureza dinâmica. Não enfatiza especificamente a sua natureza
individual, porque 'a experiência do usuário "pode se referir a um indivíduo ou um grupo de
pessoas que interagem em conjunto com um sistema” (Roto et al , 2011).
Exemplos típicos dessa perspectiva colocam o foco do UX Design em um período específico de
atividades ou tarefas (por exemplo, uma visita a um site), as narrativas de jogos (a criação de
suspense e final feliz) ou o resultado do uso de um sistema (aprender a dançar usando um jogo de
dança). Avaliação aqui poderia incidir sobre os métodos que podem fornecer uma medida geral
para a experiência de uma determinada atividade ou utilização do sistema (por exemplo, um
método de questionário retrospectivo).
Coexperiência "Coexperiência", "experiência compartilhada" e "grupo de experiência" referem-‐se a situações em
que as experiências são interpretadas como se fossem locais e socialmente construídos. A ênfase
está não só em interagir com um sistema, mas, também, na construção conjunta de interações e
experiências.
147
Nesse sentido, se não se considera o papel de um sistema específico na experiência, então não faz
mais sentido falar de "experiência do usuário", mas, sim, sobre a experiência em geral.
Quando se concentra em experiências socialmente construídas, o comportamento e as atitudes
do grupo assumem grande importância. Projetar com um foco em tais experiências costuma
resultar em sistemas que fornecem condições gerais para que diversas pessoas ajam e interajam
com ele. Para a avaliação, isso pode significar incluir uma experiência de grupo indireta com
capacidade de mensurar o número e natureza das interações (Roto et al, 2011).
11.100.10.10. Espaçamentos de Tempo e Experiência do Usuário
Embora a essência da experiência do usuário seja a experiência real de uso, essa não abrange
todas as questões relevantes à UX. As pessoas podem ter experiência indireta antes de seu
primeiro encontro com o sistema por meio de expectativas formadas a partir de experiências
existentes de tecnologias relacionadas, marcas, anúncios, apresentações, demonstrações, ou
opiniões dos outros. Da mesma forma, a experiência indireta se estende após o uso, por exemplo,
por meio de uma reflexão sobre o uso anterior, ou por meio de mudanças nas avaliações das
pessoas de utilização.
Pode-‐se afirmar que as experiências indiretas são parte do quarto elemento do processo de
experiencialização de Shedroff (2001): a extensão, pois é ela que permite seu prolongamento ou
mesmo a criação de uma ligação (inclusive em termos de expectativas) com uma nova
experiência.
O quarto elemento, além dos contrastes entre "experimentar" e "uma experiência", levanta a
questão do intervalo de tempo adequado quando se foca em UX. Em um extremo, pode-‐se
concentrar apenas no que alguém tenha experimentado por um momento muito breve -‐ por
exemplo, respostas viscerais durante o uso. No outro, pode-‐se focar a experiência formada e
acumulada por meio de uma série de episódios de uso e os períodos de não utilização, que
podem se estender por meses de uso. UX pode, portanto, referir-‐se a uma alteração específica de
sentimento durante a interação (UX momentânea), a avaliação de um episódio de uso específico
(UX episódica), ou pontos de vista sobre um sistema como um todo, após utilizá-‐la por um tempo
(UX acumulativo). Dessa forma, a antecipação da experiência do usuário pode estar relacionada
com o período antes do primeiro uso, ou qualquer um dos outros três intervalos de tempo, já que
uma pessoa pode imaginar um momento específico durante a interação, um episódio de uso, ou a
vida depois de experienciar o uso de um sistema.
148
Ao discutir ou abordar UX, é importante esclarecer a extensão de tempo da experiência que está
em foco: momentânea, episódica, ou cumulativa. Focando no momento pode-‐se dar informação
sobre respostas emocionais de uma pessoa para os detalhes da interface do utilizador. Focando
em períodos mais longos pode-‐se revelar o eventual impacto de experiências momentâneas em
UX cumulativo. Por exemplo, a importância de uma reação negativa forte durante a utilização
pode diminuir depois de bons resultados, e a reação pode ser lembrada de forma diferente. O
foco na experiência momentânea ocasiona exigências diferentes em concepção e avaliação de um
foco em episódios de uso ou períodos mais longos de tempo.
Por mais tempo, é possível estruturar UX em termos de um ciclo de vida ou viagem, por exemplo,
a partir de primeiro encontro, por meio de episódios de uso para a reflexão sobre o uso.
Experiências anteriores terem impacto em um futuro, por exemplo, uma reflexão ou recontagem
após um episódio de uso vai enquadrar antecipações de futuros. As fases de sobreposição e
experimentação intercalam-‐se em uma variedade de ordens, não existe uma sequência fixa de
antecipar a contar.
11.100.10.11. UX como prática:
As origens de Design de Experiência do Usuário (UXD) podem ser encontradas nos princípios do
Design Centrado no Usuário (HCD – Human Centred Design -‐ ISO 13407:1999; revisada na ISO
9241-‐210). Elas podem ser resumidas como:
• posicionar o usuário como uma preocupação central no processo de design;
• identificar os aspectos do projeto que são importantes para o grupo-‐alvo de usuários;
• desenvolver o projeto de forma iterativa e com participação dos usuários;
• coletar evidências de fatores de usuários específicos para avaliar um projeto.
Em princípio, UXD não é diferente de HCD. No entanto, acrescenta dimensões importantes para a
implementação do Design Centrado no usuário. Tais dimensões incluem fatores de UX; métodos,
ferramentas e critérios usados no desenvolvimento; representações da experiência do usuário e
posicionamento da UX nas organizações (valorização).
Fatores para a Experiência do Usuário (UX) Como discutido na seção anterior, os fatores que afetam a Experiência do Usuário são
significativamente mais amplos e diversificados do que os tratados no âmbito do Design Centrado
no Usuário. Enquanto os fatores de usabilidade tradicionais estão sobretudo relacionados com
149
desempenho e interação regular, novos fatores tratados na UX estão relacionados a implicações,
interpretações e significados.
Além disso, alguns fatores, como aspectos sociais e estéticos, são tratados de forma bastante
diferente da abordagem tradicional. Dessa forma, se constitui um grande desafio saber quais
fatores devem ser considerados no projeto de Experiência do Usuário, e como se deve fazê-‐lo.
Sendo assim, é usual que uma equipe de design seja designada para lidar com alguns fatores
críticos da UX que influenciam a adequação do projeto a uma típica situação de uso. Isso significa:
• apontar os fatores conhecidos (evidências, suposições e probabilidades);
• identificar os fatores críticos para o sucesso do projeto que podem ser tratados pela
equipe de design, dadas suas circunstâncias operacionais;
• identificar os fatores que provavelmente necessitam de mais dados e pesquisas e discutir
critérios dessa investigação.
Métodos, instrumentos e critérios Todas as equipes de design devem discriminar os vários requisitos a que têm que atender. A
natureza intangível da UX torna difícil estimar as consequências das decisões de projeto sobre a
experiência do usuário. Pode ser muito difícil para a equipe de design lidar com algumas questões
(sociais, emocionais ou estéticas) de uma forma direta ou explícita. As equipes de projeto
normalmente têm de lidar com elas intuitivamente, com base em julgamentos profissionais.
A partir daí é necessário identificar métodos aplicáveis e viáveis, instrumentos e critérios que
possam ser usados para gerir os fatores UX durante o processo. Isso inclui estabelecer metas
iniciais, gerir o desenvolvimento interativo das propostas de design e dar suporte à avaliação do
trabalho durante sua execução. Em muitos casos, os fatores podem envolver questões de
usabilidade tradicionais que podem ser manipuladas usando métodos convencionais.
Ainda não existem ferramentas que testem globalmente a Experiência do Usuário, mas é possível
fazer diversos tipos de avaliações. Por exemplo, há ferramentas para avaliar se uma emoção
evocada no processo interativo é positiva ou negativa. Há também métodos e instrumentos
desenvolvidos especificamente para avaliar qualidades particulares de experiência, como
confiança, satisfação, o envolvimento ou a diversão. A escolha de um instrumento de avaliação ou
método depende das qualidades experienciais que o sistema procura prover, assim como do
propósito da avaliação (somativa ou formativa) e outros fatores (muitas vezes pragmáticos) como
limitações de tempo e recursos financeiros (Roto et al., 2011).
150
Representações de conceitos e designs Representar conceitos e formas de interação a partir do projeto de Experiência do Usuário se
constitui em grande desafio uma vez que se faz necessário o entendimento de tal experiência a
partir de um projeto muitas vezes ainda não desenvolvido. Dessa forma, é fundamental o
desenvolvimento de representações do sistema de modo a:
• estimular a participação dos usuários potenciais em processos avaliativos para obter
feedback sobre partidos de design;
• permitir a captura de respostas emocionais de pessoas e suas explicações do porquê se
emocionaram daquela maneira;
• comunicar os conceitos e designs para colegas, à alta administração e outros que tenham
interesse no sucesso do projeto;
• sustentar a visão da equipe de design durante todo o processo.
11.101. Cognição e ação: as visões da Interação Humano-‐Computador
Benyon (2011) analisa em seu livro Interação Humano-‐Computador uma série de visões da
cognição. Aponta que a psicologia cognitiva tende a se concentrar em uma visão desincorporada
da cognição, enquanto cognição incorporada reconhece que temos corpos físicos que evoluíram e
são adaptados a uma série de atividades que acontecem no mundo, que a cognição distribuída
argumenta que o pensamento se espalha por cérebros, artefatos e dispositivos, e que não é
simplesmente processada pelo cérebro, e, finalmente, que a ação situada aponta para a
importância do contexto quando se decide o que fazer e finalmente argumenta que a teoria da
atividade enfoca a ação em busca de objetivos.
De outro lado, Preece, Rogers e Sharp (2005) não nomeiam nem balizam de modo objetivo
nenhuma teoria cognitiva em seu “Design de Interação”. As autoras recorrem a Norman (1993)
para uma distinção geral entre Cognição Experiencial e Reflexiva. Apontam que em psicologia
referencia-‐se como automática a cognição experiencial e como controlada a cognição reflexiva.
Esses modos de cognição citados pelas autoras relacionam-‐se em grande parte com os dois
modos de pensamento de Bruner (1986): narrativo (história, drama, experiências) e
paradigmático (científico e lógico). Na interação com o computador, Brenda Laurel (1993)
descreve dois modos similares: o experiencial e o produtivo.
O modo de cognição experiencial conduz a um estado no qual as pessoas percebem e reagem aos
eventos que as rodeiam, eficientemente e sem esforço, sem necessidade de planejamento na
151
resolução de problemas (Guimarães et al., 2000). Mas as vantagens inerentes à vivência da
experiência podem acarretar confusões quando se confunde ação com raciocínio.
Já o modo de cognição reflexiva passa pela realização de comparações, de contrastes pela tomada
de decisões. Assim se torna possível alcançar novas ideias ou respostas.
Rocha e Baranauskas (2003) optam pela linha da psicologia cognitiva que adota o modelo de
processamento da informação para estudar o comportamento humano e seus processos mentais
subjacentes. Apontam que o modelo clássico para tal estudo são os trabalhos de Card, Moran e
Newel (1983).
Dentre eles, o mais importante é o que descrevem o modelo GOMS (Goals, Operators, Methods
and Selection Rules) (Card et al., 1983). Tal modelo é “uma abstração para uma família de
modelos que tentam caracterizar os vários processos cognitivos subjacentes à determinada
tarefa.” (Rocha e Baranauskas, 2003:49)
De acordo com o modelo GOMS, a estrutura consiste em quatro componentes: (1) um conjunto
de metas, (2) um conjunto de operadores, (3) um conjunto de métodos para alcançar as metas e
(4) um conjunto de regras de seleção para escolher entre métodos competitivos. Para uma dada
tarefa, uma estrutura particular GOMS pode ser construída e usada para predizer o tempo
necessário para completar a tarefa. Além disso, o modelo pode ser usado para identificar e
prenunciar os efeitos dos erros no desempenho da tarefa. A recuperação de erro considera
envolver os quatro componentes como ações corretas.
Preece, Roger e Sharp (2005) afirmam ainda que a cognição também foi descrita no que diz
respeito a tipos específicos de processos:
• atenção;
• percepção e reconhecimento;
• memória;
• aprendizado;
• leitura, fala e audição;
• resolução de problemas, planejamento, raciocínio e tomada de decisões.
Para as autoras é importante perceber “que muitos desses processos cognitivos são
interdependentes: vários podem estar envolvidos em uma atividade”. (Preece, Roger e Sharp,
2005:94)
152
Nesse contexto, atenção consiste “no processo de selecionar coisas em que se concentrar, em um
certo momento, dentre a variedade de possibilidades disponível. Envolve nossos sentidos
auditivos e/ou visuais”(95). A atenção permite levar o foco para uma informação relevante e
depende dos objetivos do usuário e da apresentação das informações no processo de interação.
Já a percepção, nesse contexto, refere-‐se a como “a informação é adquirida do ambiente pelos
diferentes órgãos sensitivos (...) e transformada em experiências com objetos, eventos, sons e
gostos” (Preece, Roger e Sharp, 2005:97) (Roth, 1986). As autoras apontam para a predominância
da visão, e que ela é seguida pela audição e tato. Afirmam também que esse é um processo
complexo, que envolve a memória, a atenção e a linguagem.
A memória, por sua vez, implica recordar vários conhecimentos que permitem ao indivíduo agir
de forma adequada. As autoras destacam que há um processo de filtragem, para que seja possível
armazenar informações importantes e descartar informações secundárias. Dizem ainda que esse
processo apresenta problemas, pois há possibilidade das pessoas recordarem-‐se do que não
acham relevante e se esquecerem de informações que julgam importantes. Apontam que “quanto
mais se presta atenção em algo e quanto mais é processado em termos de pensamento e
comparação com outro conhecimento, maior a probabilidade de ser lembrado” (99).
Preece, Rogers e Sharp (2005) dizem que a maneira pela qual a informação é interpretada quando
encontrada afeta enormemente a maneira como é representada na memória e utilizada depois,
assim como o contexto no qual a informação está codificada afeta a extensão com que pode ser
recuperada.
Já sobre o aprendizado, as autoras focam fortemente no projeto de interfaces interativas.
Afirmam que os usuários gostam de aprender fazendo e que as aplicações multimídia permitem
diversas formas de acesso às informações. Balizam a consideração do aprendizado em termos da
própria aplicação, como também de conceitos complexos via aplicação.
Sobre a leitura, fala e audição, as autoras (2005) afirmam que são três formas de processamento
da linguagem que guardam semelhanças e diferenças. Sua semelhança diz respeito ao significado
das sentenças, porém a facilidade com que o indivíduo pode ler, ouvir ou falar varia de acordo
com a pessoa, tarefa e contexto.
Finalmente a resolução de problemas, planejamento, raciocínio e tomada de decisão são os
processos cognitivos que envolvem a cognição reflexiva. “Implicam sobre pensar o que fazer,
153
quais as opções e quais podem ser as consequências de se realizar uma dada tarefa (Preece,
Rogers e Sharp, 2005:108). Envolvem geralmente processos conscientes e uso de artefatos.
154
100. Sobre Interação, Corporificação e Enação
155
Os temas abordados nesta pesquisa até o momento procuraram apresentar as teorias
propostas por Varela (et al., 2001): Embodiment (Corporificação) e Enação (Enaction); e as
diversas abordagens adotadas no processo exploratório das relações estabelecidas entre
homens e dispositivos tecnológicos interativos.
A terceira parte da tese visa a explorar a integração de tais conceitos e áreas, tendo em
vista a compreensão desses fenômenos e possíveis contribuições para á área de Design
de Interação, no sentido de uma abordagem diferenciada do processo de design de tais
dispositivos, sistemas e as possibilidades de interação geradas por eles.
A mudança da visão tradicional em ambas as áreas sugere que o problema está
intrinsicamente ligado à mutabilidade das Ciências Cognitivas e dos paradigmas do
desenvolvimento de processos interativos para dispositivos e sistemas digitais na figura
da Interação Humano-‐Computador e seus desdobramentos como campo de
conhecimento.
Como dito anteriormente, é fato que o Design de Interação surgiu como uma abordagem
alternativa à tradicionalmente usada pela IHC. Tal abordagem pondera uma aproximação
mais complexa, plural, entre homens e máquinas, e não se limita apenas à relação
estabelecida com os computadores, mas a uma gama maior de objetos, dispositivos,
produtos e artefatos e sua consequente complexidade, que exige uma abordagem
multidisciplinar e holística.
Também foi argumentado a respeito das tendências em Design de Interação, que incluem
emoção, diversão e prazer no uso produtos interativos (Norman, 2004), a tecnologia
como experiência (McCarthy e Wright, 2004), tecnologias persuasivas e computação
ubíqua (Fogg, 2000; Weiser, 1991), computação afetiva (Picard, 1997), design afetivo
(Aboulafia e Bannon, 2004), entre outros. Algumas dessas abordagens mereceram,
inclusive, seções inteiras deste trabalho destinadas à exploração de suas características e
tangências.
Não obstante, é possível perceber em nossa vivência cotidiana, no trabalho, em casa e no
lazer, um estreitamento da relação entre os indivíduos e o que McLuhan vislumbrou a
respeito da tecnologia: que ela é a extensão do homem. Tal teórico, já em 1964, dizia
156
que, com a chegada da tecnologia eletrônica, o homem havia se alongado, posto para
fora de si um modelo vivo de seu sistema nervoso central. Ele apontava para o fato de
que todos os meios são extensões de certa faculdade humana, psíquica ou física (a roda
uma extensão do pé; o livro, do olho; a roupa, da pele). Toda a facilidade do cotidiano
estendido gerou uma nova forma de criar e de pensar a comunicação em função dos
aspectos cognitivos que o homem contemporâneo dispõe, como previsto pelo teórico.
O homem hoje trabalha com a percepção de uma forma sinestésica – sensorial -‐, que vai
além da informação recebida, mas considera o ambiente e a informação nele contida.
Esse homem, usuário contemporâneo, se amplia e enriquece por meio dessa mediação
tecnológica, natural de um meio dinâmico que se adapta a cada experiência nova, criando
novos padrões, novas percepções, e gerando novas características. Dessa forma, a
energia mutante das experiências aproxima-‐se cada vez mais da velocidade do
pensamento, tornando de fato os dispositivos de acesso à informação e interação com o
meio e as pessoas que nele habitam, uma extensão do corpo humano.
É possível, então, explicar dessa forma o fato da popularização dos dispositivos portáteis
digitais e a tendência de que esses passem a ser cada vez mais acoplados ao homem, ou
seja, a informação sobre o meio passa a fazer parte do usuário (não mais do dispositivo),
tornando-‐se conectado ao meio. Para Kerckhove (1997), o meio digital (eletrônico) é
compreendido como um órgão de controle e análise do corpo social, visto que está
sujeito às mudanças sociais uma vez que as redes de computadores disseminam
informações e hábitos não só via meios tracionais, mas também em vários objetos-‐
prótese conectados em rede.
O autor destaca ainda que a desmaterialização da economia por meio da virtualização
cada vez maior dos valores de suas referências físicas, está, pouco a pouco, substituindo a
codificação fonética pela imagem e transformando o dinheiro em informação. Tal crítica
e um retorno à tecnologia audiovisual por meio da TV já existiam na obra de McLuhan e,
também, de alguma maneira, no pensamento de Pierre Lévy (1993).
Kerckhove (1997:58) observa ainda, devido a essa implosão nanotecnológica, a
progressiva perda das fronteiras psicológicas entre o eu e o meio ambiente. Assim, os
157
meios de comunicação são extensões do homem, mas o homem também faz parte da
máquina social. Para o autor, ao mesmo tempo em que os homens são alargamentos
biológicos de um sistema de cognição coletiva, são a Pele da Cultura: "Eu sou a Terra a
olhar para si mesma". Tal inversão da abordagem de McLuhan faz de Kerckhove um
pensador que foi além de seu mentor, pois segundo ele: “a melhor vingança contra as
psicotecnologias que nos transformam em extensões delas próprias é incluí-‐las dentro de
nossa psicologia pessoal. Um novo ser humano está a nascer”.
As alterações que ocorrem nos comportamentos sociais, nessa concepção, estão ligadas
diretamente às transformações nos comportamentos individuais. Tais metamorfoses
podem ser percebidas, segundo o autor (Kerchove, 1997), ao se observar as mudanças no
perfil cognitivo do sujeito no decorrer do processo da evolução humana. Kerchove
(1997:61) manifesta-‐se sobre como o surgimento do alfabeto transformou a forma do
sujeito entender e representar o mundo, pois, por meio de seu uso, foi possível existir a
leitura do espaço e do tempo.
Assim, Kerchove acede a Lévy (1993:75), quando argumenta que “nenhum tipo de
conhecimento, mesmo que nos pareça tão natural, (...) é independente do uso das
tecnologias intelectuais”. Com a finalidade de embasar sua discussão, Lévy parte para
uma realocação “da análise das evoluções contemporâneas sob o império da informática
na continuidade de uma história das tecnologias intelectuais e das formas culturais que a
elas estão ligadas”.
Assim como Kerchove, Lévy diz que “com a escrita, abordamos aqueles que ainda são os
nossos modos de conhecimento e estilos de temporalidade majoritários (...).
Compreender o lugar fundamental das tecnologias de comunicação e da inteligência na
história cultural nos leva a olhar de uma nova maneira a razão, a verdade, e a história,
ameaçadas de perder a preeminência na civilização da televisão e do computador”.
O autor (1993:07) trabalha no sentido de uma análise da importância da oralidade
primária, da escrita e da informática (os três tempos do espírito), e diz que:
“Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no
mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os
158
homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da
metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos.
Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por
uma informática cada vez mais avançada. Não se pode mais conceber a
pesquisa científica sem uma aparelhagem complexa que redistribui as
antigas divisões entre experiência e teoria”.
Como uma extensão do ser humano, toda essa necessidade de inclusão digital para
inclusão social proporcionada pelos dispositivos informacionais conectados ao homem, é
facilmente percebida na forma dos apêndices tecnológicos da moda, que de comodidades
passaram a ser de necessidade primordial.
O ser humano está cercado e interagindo, em sua vida diária, por e com uma vasta gama
de situações digitais que melhoram seus hábitos. Dispositivos e mecanismos artificiais
fazem parte de seu cotidiano, cada vez mais e nas mais básicas atividades. Isso parece ser
resultante de uma ideologia pós-‐moderna, na qual a procura do novo e de recursos
originais (tanto físicos como sígnicos), abrem precedentes para a grande utilização de
recursos midiáticos na figura de aparelhos diversos.
A digitalidade contemporânea, o intenso uso e, até certo ponto, a dependência do
computador em suas diversas formas, quebraram e, ao mesmo tempo, criaram novos
paradigmas. A ideia da rede mundial criou novas possibilidades, inclusive pessoais e
particulares. O conhecimento e experiência nesse novo ambiente revelam o mimetismo
do homem às suas criações. A ampliação das potencialidades da atuação humana,
principalmente por meio dos novos dispositivos de meios de comunicação, resultou em
novas formas de conceber o pensamento.
Em uma cena contemporânea essencialmente tecnológica, a tendência de releituras por
meio dos artefatos tecnológicos permite uma constante migração do real para o virtual e
vice-‐versa, criando uma nova situação sobre o cotidiano, sobre as rotinas, sobre as ações
e tarefas, e, principalmente sobre a percepção. Nesse sentido, é possível dizer que a
partir da popularização das tecnologias e recursos tecnológicos, esses passaram a ser
mais do que uma extensão do corpo do homem, mas também de seu pensamento.
159
Os hábitos adquiridos a partir do cotidiano digital se apresentam nas formas mais
simples: nos celulares e smartphones, nos MP3 players, nos tablets, nas mãos dos
garçons, nas brincadeiras das crianças. Como em um círculo vicioso, surgem, a cada dia,
recursos digitais, suprindo desejos, ou mesmo criando novas necessidades, presenteando
o usuário – de todas as idades e classes sociais – com um novo diálogo, que desenvolve
novas formas de comunicação, por vezes até mesmo novas linguagens.
Nesse sentido, é possível perceber certa movimentação na indústria e, principalmente, na
academia no sentido do desenvolvimento de pesquisas e produtos que consideram novos
paradigmas de interface e interação, nos quais muitas vezes passa a ser considerada a
possibilidade de trabalhar de forma intangível, com interfaces mescladas ao próprio
organismo com o qual se relaciona.
100.01.Mediação: um conceito unificador
Alguns conceitos que circulam com frequência em determinados ambientes acadêmicos
costumam exibir certa naturalidade que muitas vezes esconde a falta de discussões mais
aprofundadas acerca de suas aplicações, limites e paradoxos. Assim, o conceito de
mediação está experimentando uma polissemia rica no âmbito da Ciência.
O conceito de mediação foi empregado junto ao de meios de comunicação, de forma
particular, por Jesús Martín-‐Barbero, no livro Dos Meios às Mediações: comunicação,
cultura e hegemonia. Apesar do fato de, na época da publicação a Internet ainda não ser
tão popular, o uso de tal termo, para o autor, estava vinculado às construções culturais e
simbólicas, ressignificações, de um sujeito imerso em um contexto de globalização
cultural, de multiculturalismo e de intertextualidade (características também da internet).
Um possível caminho é partir do pressuposto de que o sujeito, que faz uso dos meios de
comunicação de massa ou dos meios de comunicação interativos, integra uma
comunidade, um grupo, um universo particular, tomando decisões de acordo com o
contexto em que está imerso, negociando simbolicamente com os meios de
comunicação.
Porém, outras concepções de tal termo são possíveis de perceber ao se examinar um
conjunto de textos de Ciências da Informação e da Comunicação: de uso comum, como
160
conceito operatório, ou como objeto desprovido de definição teórica (Davallon, 2003). A
seguir estes são apresentados para que seja possível pensar sobre os mediadores de
experiências digitais.
O uso comum Neste uso, o termo é tido entre senso comum e senso científico. O primeiro senso comum
(que é também o sentido primeiro do termo) diz respeito ao ato de por em acordo partes
que têm alguma diferença que pressupõe um conflito, dessa forma a mediação visa
propiciar uma ideia de conciliação ou de reconciliação, está relativamente pouco
presente na literatura científica das Ciências da Informação e da Comunicação, exceto no
caso da questão dos procedimentos de mediação (nas organizações, por exemplo) ou de
atividade profissional (Davallon, 2003).
O autor aponta também que o uso mais corrente corresponde ao segundo senso comum
(o sentido secundário): “o da ação de servir de intermediário ou de ser o que serve de
intermediário” (Davallon, 2003: 06). É a ideia de que esta ação não estabelece uma
simples relação ou uma interação entre dois termos do mesmo nível, mas que ela é
produtora de qualquer coisa que vai além, por exemplo, para um estado mais satisfatório.
Sobre a "função de mediação" das mídias e das técnicas de comunicação, elas:
"são concebidas para ajudar os homens a comunicar melhor. Elas são a resposta à
consciência aguda que nós temos de uma separação social, de um distanciamento
uns dos outros, acompanhadas de uma necessidade de aproximação." (Breton,
1997: 137-‐139)
Nesse sentido percebe-‐se a existência de um intermediário no processo comunicativo
cuja função é favorecer tal processo possibilitando o alcance de um “estado melhor”.
Importante ressaltar que há aqui um reenvio de um intertexto e que cabe ao leitor
encontrar a definição da mediação a partir de seu conhecimento, seu repertório
(Davallon, 2003: 06).
O uso operatório Certos setores de investigação utilizam a noção de mediação como conceito operatório
para designar, descrever ou analisar um processo específico. Daí a presença de propostas
de definição, que parecem, contudo, variar consideravelmente de um setor para o outro:
161
o primeiro é o que se pode chamar a "mediação midiática", para designar o trabalho no
interior das mídias que, ao contrário da "mediatização", coloca o ator social (jornalista,
por exemplo), mas também mediação pedagógica – professor – e cultural, em posição de
terceiro, de mediador (Davallon, 2003: 08).
De um ponto de vista impressionista – passível de engano – pode-‐se afirmar que foi essa
perspectiva que se generalizou no campo de estudos da informação, qual seja: “a ideia de
que um ‘profissional da informação’ (independentemente dele eventualmente preferir
ser chamado de bibliotecário, arquivista, museólogo ou outra definição profissional)
cumpriria, na prática do trabalho, uma função de ‘mediador’” (de Almeida, 2008:3). É
possível dizer ainda, de acordo com Davallon (2003:08), que na mediação cultural, “a
dupla abordagem pelos mediadores e pela mediação está presente de forma
francamente alargada”.
Além das descritas acima, uma última utilização refere-‐se à análise dos usos das
tecnologias. Jouët (1993: 101) afirma que “práticas de comunicação são elaborados em
torno de um efeito de dupla mediação”: social e técnica. Segundo ela a mediação é
técnica "porque o instrumento utilizado estrutura a prática"; e social "porque mobilidade,
formas de uso e o sentido acordado à prática se regeneram no corpo social". Há, então,
uma reunião entre a evolução tecnológica e mudanças de práticas sociais e de
comunicação se configurando como terreno distinto para identificar estrutura de
mediação.
Dessa forma, a noção de mediação parece assinalar “as operações – assim como os seus
efeitos – de tecnicização do processo de comunicação (mediação técnica) e, ao mesmo
tempo, da intervenção da dimensão subjetiva nas práticas de comunicação (mediação
social)” (Davallon, 2003:08).
A carência de definição, ou a busca de uma definição teórica. Davallon aponta um terceiro grupo de utilizações do termo mediação, que tange o lado
dos autores que propõem uma (ou mais) definições explícitas de mediação. O autor
aponta para o fato de que “a vontade de definir a mediação de um ponto de vista teórico
162
(e mesmo científico) é uma tarefa bastante específica do domínio das ciências da
informação e da comunicação” (2003:11).
Vale ressaltar que para a presente pesquisa, tal abordagem não se configura como tema
central de discussão, assim não apresenta a necessidade de um grande aprofundamento
teórico.
Davallon (2003) recorre aos quatro autores que são geralmente citados e constituem uma
referência quando se trata de definir o termo mediação40. A saber: Bernard Lamizet e
Jean Caune, Louis Quéré e Antoine Hennion. Dentre esses, os dois primeiros visam
desenvolver uma teoria da mediação, enquanto os outros dois deram, na sua teoria, “um
lugar de tal forma central à mediação, que foram conduzidos a produzir uma definição e
uma abordagem suficientemente precisa e detalhada” (Davallon, 2003:11).
Sobre Bernard Lamizet, Davallon (2003:11) aponta que:
“É na obra Les Lieux de la communication (Os Lugares da comunicação) que se
encontra a apresentação que permite apreender com maior clareza o lugar dado
à mediação no sistema teórico proposto por Bernard Lamizet (1992). (...) É o caso,
por exemplo, da relação da mediação com a comunicação, que acompanha uma
série de oposições (ou de distinções) entre comunicação intersubjetiva e
comunicação mediada (assegurada por um meio de comunicação), espaço
simbólico e espaço público, etc.; série que se apoia sobre a distinção entre duas
formas de expressão, a palavra que “se enuncia no espaço particular onde vivem
e onde se exprimem as pessoas singulares” e “a palavra que se enuncia em nome
de, que se enuncia no espaço público. É isto a mediação” (Lamizet, 1992: 184
apud Davallon, 2003:11).
Davallon (2003:11) destaca ainda sobre a obra de Lamizet que a definição de mediação
como instância inscreve-‐se “numa abordagem meta-‐teórica, que se constrói entre os
pólos da linguagem e do político. É desta forma que as mediações (mediação simbólica da
linguagem, mediações da comunicação no espaço público e mediações institucionais das
estratégias sociais) asseguram a dialética do singular e do coletivo.”
40 Por não ser este o tema central da Tese, é refeita a trajetória teórica proposta por Davallon (2003).
163
Ainda segundo o autor, assim, “se se perguntar qual pode ser a natureza do terceiro, a
resposta conduz-‐nos, ao mesmo tempo, à reflexividade e à representação: o que parece
na origem da ordem do terceiro surge como sendo, com efeito, por um lado, a
duplicação do sujeito na sua imagem e, por outro, a duplicação do social na convenção
política.” (Davallon, 2003:11)
Por outro lado, Jean Caune adota uma postura que é oposta à de Bernard Lamizet:
“para construir o conceito de mediação, ele propõe examinar as três abordagens
habituais (ou seja, usos sociopolíticos, abordagens teóricas do termo e práticas
sociais que o termo designa). Ele parte dos modos de mediação que caracterizam
as políticas culturais francesas desde o início da V República: ‘mediação pelo
contato’ (anos sessenta), fundada sobre a ideia de uma comunhão direta com as
obras; ‘mediação pela expressão’ (anos setenta), marcada pelo envolvimento nas
práticas artísticas; ‘mediação por mediatização da arte’ (anos oitenta), dando a
primazia a uma política de relações públicas e de difusão comercial.” (Davallon,
2003:12)
É a partir do exame destas modalidades da mediação que se define, no plano técnico,
histórico e conceptual, segundo uma perspectiva pragmática, pela co-‐presença de uma
"intencionalidade da pessoa para construir uma relação intersubjectiva", um "suporte
expressivo e simbólico" e uma "situação de enunciação", ou seja "um quadro concreto
(físico e social)" (Caune, 1999: 210 apud Davallon, 2003:12).
Já Quéré, diz que "a interação social é interação entre sujeitos, mediatizada pelo
simbólico" (Quéré, 1982: 29). A comunicação social no caso implica o acionamento de
mediações simbólicas, ou seja, "a produção de uma identidade pela afirmação de uma
diferença entre os dois interlocutores" (Quéré, 1982:46). Ele aponta que a midiatização
permanece sendo uma modalidade histórico-‐cultural daquele "terceiro simbolizante" que
permite aos sujeitos sociais terem acesso ao real, construírem sua identidade e sua
comunidade, adquirirem a capacidade de pensar e agir e, desse modo, se constituírem,
enfim, como atores históricos (Quéré, 1982).
Ainda conforme o autor, esse "terceiro simbolizante" é constituído por uma
multiplicidade de elementos compósitos: estruturas cognitivas, quadros normativos,
164
marcas de discriminação e critérios de avaliação, modos de apreensão do tempo, regras
de escolha, modos de representação e esquemas de ação; jogos de papéis e de categorias
da prática, afirmações consideradas verdadeiras e normas tidas por justas, crenças e
figurações (1982:84).
Finalmente Antoine Hennion, cuja definição, a primeira vista, não implica em ligações
com o terceiro. Isso porque o autor trata “de uma sociologia das mediações, mais do que
de um exame da mediação no sentido em que podem entendê-‐lo os três autores
precedentes” (Davallon, 2003:15). Por esta razão, as componentes não são exatamente
as mesmas. Não sendo o “projeto o de uma abordagem do político ou da cultura a partir
da intersubjetividade, da reflexividade, da interação social conduzindo às representações
através da utilização de um dispositivo significante, a análise estrutura-‐se em torno de
outras componentes: precisamente essas mediações técnicas ou sociais (o instrumento, a
partição, o concerto, a gravação) que vêm participar na construção de uma relação, de
uma comunicação, entre o público e a música” (Davallon, 2003:15).
“É importante salientar que, para Hennion, o jogo das mediações, mesmo se elas
se situam na rede heterogênea dos humanos e dos não-‐humanos, organiza-‐se em
torno de um ponto de fuga, que se traduz, parece-‐me, precisamente pela
ausência de definição da mediação na obra La Passion musicale: Une sociologie
de la médiation” (Davallon, 2003:15).
100.10. Os Mediadores de Experiência: equipamentos, dispositivos e tecnologias.
“A verdadeira interatividade não é absolutamente um conceito técnico. É,
no fundo, a conversação, a mais aberta e livre possível, entre seres
humanos”. (Lévy, 2001)
Conforme dito anteriormente na presente pesquisa, o diálogo homem-‐máquina se tornou
comum desde meados do século passado e tomou grande importância a partir do
surgimento das interfaces gráficas na década de 1980. Com o surgimento e popularização
da Internet tal cenário se intensificou, pois passou a ser possível o diálogo entre homens
e máquinas em linguagem próxima à natural, além da codificada. Soma-‐se a isso o menor
custo, miniaturização e simplificação dos hardwares na figura de um conjunto de
165
equipamentos e dispositivos e a democratização do acesso à informação massiva a partir
de diversas tecnologias.
Esse panorama propicia novas experiências mediadas por equipamentos, dispositivos e
tecnologias por meio de suas interfaces. Já foram discutidas nesta parte do trabalho
algumas questões relacionadas à mediação, assim como, na primeira parte desta tese,
sobre aspectos da interação entre homens e computadores e na segunda, sobre as
teorias propostas por Varela (et al., 2001). Esta seção parte da discussão das mediações e
chega aos mediadores de experiência, debatendo equipamentos, dispositivos e
tecnologias com a intenção de tecer uma aproximação com os conceitos da filosofia
externalista.
Para tanto, um caminho interessante parte da retomada do conceito de mediação em
Jouët (1993: 101) que refere-‐se à análise dos usos das tecnologias. Afirma que “práticas
de comunicação são elaborados em torno de um efeito de dupla mediação”: social e
técnica.
A pesquisadora diz também que o uso de tecnologias de comunicação computadorizadas
pode ignorar uma operacionalização do uso que se baseia no respeito para com a
disposição da técnica. Há, segundo ela (Jouët, 1993), uma natureza técnica do processo
de comunicação, que é enxertada no paradigma de computação e torna-‐se integrada na
vida cotidiana.
Assim, as relações que os usuários estabelecem com as máquinas estão operacionalizadas
de maneiras diversas, dependendo do conteúdo técnico destes dispositivos e de acordo
com o seu nível de interatividade. Nesse sentido, novas tecnologias permitem envio e
recebimento de dados e informações de maneira simultânea, o que propicia a agilidade
da obtenção de respostas pelo usuário. Com essa rapidez, o indivíduo passa a poder
influir junto ao fluxo das próprias mensagens.
A interatividade teve suas primeiras discussões nas décadas de 1920 e 1930.
Primeiramente quando Moholy Nagy41 pintou um quadro por telefone, e posteriormente
41 designer, fotógrafo, pintor e professor de design . Foi influenciado pelo Construtivismo Russo e foi também um grande defensor da integração entre tecnologia e indústria no design e nas artes.
166
com a discussão de Bertold Brecht sobre a interatividade dos meios de comunicação
como possibilitadora de uma sociedade mais justa e democrática (Almeida, 2003). Não
obstante, existem outros enfoques e abordagens para o entendimento de tal conceito
que são mais relevantes para o presente trabalho. Na tentativa de justificar o valor desse
termo, vários autores discutem a existência de diferenças semânticas e técnicas entre os
termos interatividade e interação.
A interação define, entre outras coisas, a existência de reciprocidade das ações de vários
agentes físicos ou biológicos, enquanto a interatividade traduz, mais particularmente,
uma qualidade técnica das máquinas, que as investe de um conjunto de propriedades
específicas de natureza dinâmica que é decorrente da própria evolução técnica (Pino,
2000).
Pierre Lévy (1997) aborda a interatividade como um problema, justificando que o termo é
usado muitas vezes sem um cuidado maior. Ele (1996:63) diz também, que a
interatividade decorre da produção do valor agregado que se move da produção para o
consumidor e este termo (consumidor) deve ser substituído por outros que mais bem o
designem, no caso, o que melhor se enquadra é co-‐produtor do produto e/ou serviço
interativo. Como a virtualização do texto e os recursos de hipertexto confundem a noção
de autor e leitor, também é confundido o gênero consumidor e produtor.
Ao analisar as mensagens e os dispositivos de comunicação, Lévy aponta para diferentes
tipos de interatividade que vão desde a mensagem linear, até a mensagem participativa,
e a comunicação em ambientes que envolvem negociações contínuas. Assim pode-‐se
perceber que o que caracteriza a interatividade é a possibilidade de transformar os
envolvidos na comunicação, ao mesmo tempo, em emissores e receptores da mensagem.
Pode-‐se apontar também, que outro aspecto inegável desse processo comunicativo está
no fato de que a crescente evolução dos dispositivos técnicos faz com que tal
interatividade se potencialize.
Em outras palavras, o que se coloca em jogo com os avanços de tais dispositivos e suas
possibilidades de interação é o conceito de comunicação. Se essa mudança é devida, em
parte, à evolução técnica que possibilita cada vez mais a participação dos agentes, o
167
direcionamento da evolução técnica tem também a ver com os novos conceitos de
comunicação e de agente da comunicação.
Portanto, pode-‐se dizer que a interatividade é o diálogo homem-‐máquina, que é baseado
não somente em um fluxo de pedidos e respostas, mas nas oportunidades dadas ao
usuário de intervir por meio de linguagem natural ou codificada o conteúdo dessa troca.
A interatividade afeta a construção de usos de tais sistemas, pois requer continuamente
um usuário ativo para que a máquina funcione.
Jouët (1993) afirma que uma postura interativa é muito diferente do simples uso de
equipamentos digitais. Tais dispositivos, nomeados por ela de eletrônicos e não
computacionais, ainda costumam dar ao usuário a possibilidade de ativar uma ação a
partir de simples comandos (como pressionar alguns botões para disparar uma
programação preestabelecida).
As "tecnologias digitais" de fato diferem muito de tais aparelhos. Elas oferecem uma
ampla gama de usos que requerem, por causa de sua complexidade, a manipulação em
sequência e operativas habilidades de aprendizagem. Usuários, desanimados pela
dificuldade de as instruções, não use em outros lugares raramente todos os recursos
disponíveis. Assim, a influência do modelo de computador não se limita a sua utilização,
mas também se difunde por meio das tecnologias digitais utilizadas por diversos
dispositivos. Dessa forma, utilizadores de tais tecnologias passam a desenvolver uma
nova relação com as ferramentas de comunicação e a adquirir, informalmente,
competências relacionadas à computação para potencializar sua comunicação diária
(Jouët, 1993).
Assim, a autora destaca que a tecnologia acaba por se configurar a partir de um código
informal de aprendizagem, não necessariamente fonte de conhecimento sobre a técnica
em si. Segundo ela, diferenças são percebidas entre um grupo que pretende estudar a
técnica como objeto de conhecimento e, por outro lado, a grande maioria das pessoas,
que tem ambições puramente instrumentais ao interagir com seus dispositivos. (Jouët,
1993).
168
As interfaces, por sua vez, são instâncias da linguagem que se justapõem às linguagens
verbal, visual e sonora, condicionando relações de significado. A película que propicia o
estabelecimento de relações. A interface digital, por sua vez, é o conjunto de várias
modalidades perceptivas que condicionam novas formas de diálogos (Lévy, 1999). Nesse
sentido, ela exige capacidades abrangentes por parte das partes que estabelecem
relações por meio delas, uma vez que há a necessidade de domínio dos elementos que a
compõem e que existem alternativas contextuais. As interfaces são objetos de mediação,
assim como os próprios dispositivos.
Já em termos computacionais, os sistemas interativos podem ser decompostos segundo
dois subsistemas básicos (Cybis, 2003):
• Núcleo funcional;
• Interface com o usuário.
O núcleo funcional é formado por programas aplicativos, algoritmos e base de dados,
principalmente. Já a interface com o usuário é formada por apresentações, de
informações, de dados, de controles e de comandos. É esta que solicita e recepciona as
entradas de dados, de controles e de comandos e controla o diálogo entre as
apresentações e as entradas. Uma interface tanto define as estratégias para a realização
da tarefa, como conduz, orienta, recepciona, alerta, ajuda e responde ao usuário durante
as interações (Cybis, 2003).
A interface é a parte do sistema computacional através da qual o usuário se comunica, ou
seja, é nela que há o contato entre duas entidades, como exemplo o monitor de um
computador. Além disso, pode-‐se destacar outros tipos de interfaces não
computacionais, tais como a torneira da pia, o câmbio do carro, a maçaneta de uma
porta, etc. Rocha e Baranauskas (1999) destacam que a forma das interfaces reflete as
qualidades físicas das partes na interação e o que pode ser feito com ela. No caso das
maçanetas, por exemplo, existem vários tipos, e, conforme o desenho dela pode-‐se saber
como abrir a porta: girando a maçaneta no sentido anti-‐horário, empurrando a porta,
puxando, etc. (Norman, 1988).
169
O mesmo processo ocorre com outros tipos de interface, assim sendo pode-‐se considerar
que “interface é uma superfície de contato que reflete as propriedades físicas das partes
que interagem, as funções a serem executadas e o balanço entre poder e controle”
(Laurel, 1993).
Já Benyon (2011:06) tem uma definição um pouco mais ampla, ele aponta que “a
interface para um sistema interativo são todas as peças do sistema com as quais as
pessoas tem contato, física, perceptiva ou conceitualmente.”
É possível ter contato fisicamente apertando botões, movimentando alavancas e a
resposta física do sistema pode ocorrer através de pressão, perceptivamente,
visualizando, ouvindo e até mesmo sentindo sinais emitidos pelo sistema. Finalmente, em
termos conceituais, Benyon (2011:06) chama atenção ao fato dos usuários procurarem
concluir o que os sistemas fazem e consequentemente como devem interagir com ele.
Nesse sentido, os dispositivos devem fornecer mensagens e outros indicadores para
ajudar o usuário no processo de contato.
Por viabilizarem um processo comunicativo, as interfaces devem proporcionar um canal
ou mecanismos para que as pessoas possam dar instruções ao sistema e deve também
possuir mecanismos para dizer às pessoas o que está acontecendo, além de apresentar o
conteúdo ou requisições solicitadas (Benyon, 2011:06).
Nesse sentido, “quando uma nova tecnologia está prestes a nascer, ocorrem facilmente
distorções e equívocos de todo tipo – equívocos não só quanto ao modo como as
máquinas realmente funcionam, mas também quanto a questões mais sutis: a que reino
da experiência pertencem as novas tecnologias, que valores elas perpetuam, onde se
produzirão seus efeitos mais indiretos” (Johnson, 2001:154 ).
Segundo Rocha e Baranauskas (2003:03) “novas tecnologias provêm poder às pessoas
que as dominam. Sistemas computacionais e interfaces acessíveis são novas tecnologias
em rápida disseminação. Explorar o poder do computador é tarefa para designers que
entendem da tecnologia e são sensíveis às capacidades e necessidades humanas”.
170
Quando se trata da questão dos relacionamentos entre as pessoas e dispositivos e
equipamentos a questão da Interface, tanto física quanto gráfica, é de extrema
importância, uma vez que é através dela que se articulam as interações.
Johnson (2001) aponta que por muito tempo a questão da interface concentrou suas
energias no indivíduo. Sendo assim, não eram pensadas interfaces que se propusessem à
interações mais dinâmicas e multiusuário. Isso fica muito claro quando se pensa no
computador pessoal antes da Internet e da WWW: projetado para ser usado por uma só
pessoa e com as interfaces gráficas, em decorrência disso, apelando normalmente à
referências ligadas ao trabalho.
Quando o conceito de interface surgiu, ela era geralmente entendida como o hardware e
o software com o qual homem e computador podiam se comunicar. A evolução do
conceito levou à inclusão dos aspectos cognitivos e emocionais do usuário durante a
comunicação.
Bonsiepe (1997:31) ressalta o papel de mediador do design, ao afirmar tal projeto é o
domínio da interface na “qual se estrutura a interação entre usuário e produto, para
facilitar ações efetivas”. Já Moura (2003:118) explica que “projetar, produzir e criar no
campo do design é, principalmente, atuar com a interface”, isto é, na relação que se
estabelece entre usuários, dispositivos e a realização de tarefas. Por sua vez Brunner,
Emery e Hall ( 2008) argumentam que o design trata de experiências. Segundo eles, a
alma dessa atividade é analisar e influenciar experiências.
Em relação ao projeto de interfaces, de acordo com Brenda Laurel (1990) a "direção
correta" é aquela que leva o usuário a ter mais poder. Por exemplo, uma nova versão de
um editor de textos comumente oferece o dobro de opções que a versão anterior. E com
isso se espera que o usuário possa customizar melhor seu uso e conseguir atingir
objetivos mais complexos. Este objetivo nem sempre é conseguido, pois o grande
conjunto de funções a as convenções de interface que deverão ser aprendidas de modo a
se poder usufruir as novas qualidades, na maioria dos casos, deixam o usuário fatigado
(Laurel, 1990).
171
Certamente as melhoras acrescentadas ao produto oferecem ao usuário mais poder e
qualidade ao produto final, proporcionando mais graus de liberdade na sua concepção.
Mas isso se perde quando o custo para o usuário é muito alto. O que acontece é que a
nova versão é adotada, muitas vezes por problemas de compatibilidade entre diferentes
versões de um produto, mas toda melhoria é deixada de lado e o usuário continua
usando o mesmo domínio de funções que ele já conhecia. Concluindo, para que o usuário
tenha mais poder, é preciso sim, que mais funcionalidades sejam oferecidas, mas é
fundamental que se priorize a facilidade de uso.
100.11. Vidros, mãos, tatuagens e óculos.
Bret Victor42 (2011) escreveu um artigo seminal, A Brief Rant on the future of Interaction
Design, no qual faz uma avaliação crítica dos distanciamentos existentes entre indústria e
academia no que diz respeito ao futuro da interação.
Nesse artigo, Victor parte da noção de ferramenta: “A tool addresses human needs by
amplifying human capabilities”. Ou seja, ele usa o conceito de amplificação das
capacidades humanas proporcionado pela ferramenta, isto é, uma ferramenta
incrementa o que o homem pode fazer, proporcionando a habilidade para o que quer
fazer. Segundo o autor, uma ótima ferramenta é projetada para ambos os lados, e ele
ilustra isso apresentando o problema do martelo (Figura 17).
Em seu texto, Victor (2011) não fala especificamente sobre necessidades humanas,
tampouco sobre tecnologia, ele concentra seu discurso na natureza humana.
42 Designer dos conceitos de interação do Ipad, entre outros. CV disponível em: http://worrydream.com/#!/cv/bret_victor_resume.pdf
172
Figura 17: Ferramentas e seu projeto. (Victor, 2011:01)
Segundo o designer (2011), este terceiro fator, as capacidades humanas, é negligenciado
durante todo o processo de concepção de novos produtos e interações: ou seja, não se
pensa no que as pessoas podem fazer.
Para exemplificar o que diz, ele demonstra algumas interfaces chamadas de “do futuro”
pela indústria de tecnologia:
Figura 18: Tecnologias do futuro? (Victor 2011:01)
É possível perceber que todas as pessoas nas imagens estão usando as mãos para
interagir com os diversos dispositivos. Vale ressaltar que, apesar de muitas vezes tais
equipamentos serem transparentes ou até mesmo invisíveis, o paradigma de interação é
sempre o mesmo: o uso das mãos.
173
“And that's great! I think hands are fantastic! Hands do two things: they
are two utterly amazing things, and you rely on them every moment of the
day, and most Future Interaction Concepts completely ignore both of them.
Hands feel things, and hands manipulate things” (Victor, 2011:01).
Victor (2011) aponta, em sua colocação, para o uso das mãos em tais dispositivos, que
ocorre a despeito do que elas foram “projetadas”: sentir e manipular as coisas.
O autor explica seus argumentos dizendo que as pessoas sabem em que parte do livro
estão a partir da distribuição de peso em cada uma das mãos e da espessura das pilhas de
página entre os dedos. Ao virar a página também é possível observar se foram pegas duas
páginas juntas, pela forma como elas iriam escorregar quando você esfregasse um dedo
contra o outro.
Ele diz também que é possível perceber quanto de água resta no copo, pela forma como
o peso se desloca em resposta ao movimento de entornar que você faz ao tomar mais um
gole.
É interessante o fato de que, seguindo esse raciocínio, quase todos os objetos presentes
no mundo oferecem esse tipo de feedback. Para o autor, é assim que um dado é
adquirido, mesmo que as pessoas não estejam cientes disso. Ao observar os objetos
cotidianos, é possível perceber sua resposta tátil: sua textura, flexibilidade, temperatura;
sua distribuição de peso; suas bordas, curvas, como eles respondem na mão enquanto
são usados.
Há uma razão, de acordo com o autor (Victor, 2011:01), para que os dedos tenham umas
das áreas mais densas de terminações nervosas no corpo: “esta é a forma como
experimentamos o mundo de perto. Assim é como nossas ferramentas falam conosco. O
sentido do tato é essencial para tudo o que os humanos chamam de ‘trabalho’ por
milhões de anos”.
De outro lado, argumenta o autor, ao fazerem uso dos mais “modernos” dispositivos, as
pessoas não conseguem estabelecer uma relação entre o que fazem e o que percebem no
sentido tátil, portanto, tais dispositivos chamados de “pictures under the glass” (imagens
174
sob o vidro) pelo autor, apesar de privilegiarem o uso das mãos, não usam o tato, e sim
sacrificam tal sentido a favor da visão. Ainda segundo o autor, apesar de negligenciar o
que as mãos fazem de melhor, tal paradigma de interação tem ganho um grande espaço
nas previsões futuras sobre paradigmas de interação.
Retomando o objetivo desta parte da pesquisa, a intenção aqui é, ao considerar as teorias
de Varela (et al, 2001), inverter tal tendência em favor de uma abordagem que passe de
fato a considerar o corpo e suas capacidades como algo estreitamente ligado à cognição
humana. Varela e Maturana descrevem que o termo enativismo sugere que a cognição
depende de um conjunto dinâmico de relações e associações dependentes do contexto.
“Thus we confront the problem of understanding how our experience – the
praxis of our living – is coupled to a surrounding world which appears filled
with regularities that are at every instant the result of our biological and
social histories.
Indeed, the whole mechanism of generating ourselves as describers and
observers tells us that our world, as the world which we bring forth in our
coexistence with others, will always have precisely that mixture of
regularity and mutability, that combination of solidity and shifting sand, so
typical of human experience when we look at it up close”.(Varela, 1992:
241)
Para Varela, enfrentar o problema da compreensão de como a experiência, que eles
chamam de práxis do viver, está acoplada ao mundo circundante, cheio de regularidades,
passa pela percepção de que essas são resultados das histórias biológicas e sociais das
pessoas. Eles argumentam que todo o mecanismo de geração de “nós mesmos” como
descritores e observadores aponta para o mundo que se percebe, o mundo que se
constrói a partir da convivência com os outros, e que, segundo o autor (1992), sempre
terá exatamente essa mistura de regularidade e mutabilidade, solidez e incerteza, tão
típicas da experiência humana.
De volta à análise do artigo supracitado, Victor (2011) aponta que arrastar os dedos sobre
uma tela de vidro ou algo parecido com isso (essencialmente uma superfície plana) é o
175
gesto fundamental nessa tecnologia. Ele ressalta também que não há quase nada no
mundo natural que seja manipulado dessa maneira.
A partir de tal constatação, o autor passa a analisar as formas de manipulação que
considera naturais:
“As it turns out, our fingers have an incredibly rich and expressive
repertoire, and we improvise from it constantly without the slightest
thought. In each of these pictures, pay attention to the positions of all the
fingers, what's applying pressure against what, and how the weight of the
object is balanced”(Victor, 2011:01).
Ele destaca o grande e rico repertório que os dedos têm e o fato de se poder improvisar a
partir de tais habilidades, sem que grandes aforismos sejam necessários. Em cada uma
dessas imagens, o autor chama a atenção para as posições de todos os dedos, o que está
fazendo pressão contra o que, e como o peso do objeto é equilibrado:
Figura 19: Pegas de objetos (Victor, 2011)
176
Muitas das formas de se pegar os objetos nas imagens apresentadas (Figura 19), são
variações sobre as quatro pegas fundamentais.
Pesquisas realizadas por diversos autores, com destaque para John Napier (1993),
demonstraram como, na evolução do Homo Sapiens, a oposição física entre o polegar e
os dedos foi-‐se tornando cada vez mais articulada, associando-‐se a sutis mudanças
ocorridas nos ossos que apoiam e fortalecem o dedo indicador.
Segundo o autor, o polegar humano é mais longo, a palma da mão e dos dedos são mais
curtas, e os dedos perderam a curvatura típica dos demais primatas. As falanges distais
ganharam grandes tufos apicais para gerar uma maior área de apoio. As palmas
receberam almofadas fibroadiposas que distribuem a pressão durante a ação de agarrar
forte e cuja possibilidade de deformação permite que se acomode em superfícies
irregulares (Napier, 1965). O metacarpo do polegar se articula com os carpos em um
conjunto que, em combinação com a remodelação da articulação metacarpo-‐falângica
permite a sua almofada distal a ser colocada contra as dos outros dedos, proporcionando
oponibilidade completa (Napier, 1955).
Napier (1993) aponta ainda para quatro formas diferentes de se pegar e manipular os
objetos (Figura 20): a pega de força e de precisão (as principais), e as em gancho e em
tesoura (secundárias). O autor aponta que as múltiplas combinações entre elas é que
fazem possível todas as maneiras diferentes de se lidar com as ferramentas, e que tal
articulação implicou nas mudanças das configurações de tal órgão ao longo da história do
homem.
Figura 20: As 4 pegas de Napier (Victor, 2011)
Victor (2011) destaca ainda que o homem vive em um mundo tridimensional. As mãos
humanas são projetadas para mover e girar os objetos em três dimensões, para pegar
177
objetos e colocá-‐los sobre, sob, ao lado, e dentro uns dos outros. Nenhuma criatura na
Terra tem uma destreza comparável a essa.
Em uma direção muitas vezes distinta, porém, está a academia. Como exemplo de tal
divergência está o trabalho de dr.Todd Coleman, professor associado de bioengenharia e
diretor do Laboratório de Interação Neural, que foi recentemente reconhecido por suas
inovações no desenvolvimento de sensores eletrônicos flexíveis que aderem à pele e
transmitem sinais sem fios para aplicações em interfaces cérebro-‐máquina,
monitoramento de gravidez, e monitoramento do cérebro recém-‐nascido.
Como dito, esta pesquisa faz parte de um novo paradigma de interação: cérebro-‐
máquina. Diferentemente de outras iniciativas com o mesmo paradigma, porém, esta usa
uma técnica não invasiva e com transmissão de dados sem fio. A intenção do pesquisador
em sofisticar a interface cerebral é impedir que ela permaneça restrita a laboratórios, já
que tem grande potencial como ferramenta de interação social, usada na telepatia -‐ seja
para que as pessoas conversem umas com as outras sem se falar, ou para operar
máquinas e sistemas a distância, usando apenas o poder da mente.
Uma interface cérebro-‐computador é um sistema que compreende uma via de
comunicação direta entre o cérebro e um dispositivo externo. O grupo de pesquisa de
Coleman desenvolveu uma interpretação do BCI (Brain-‐Computer Interfaces ou Interfaces
Cérebro-‐Máquina -‐ ICM) como um sistema composto por múltiplos agentes cooperando
para atingir um objetivo comum. Essa "teoria decidida em equipe" permitiu-‐lhes
alavancar ideias sobre feedback de informação e controle para desenvolver sistemas
cerebrais de controle direto, que são fáceis de usar, são teoricamente idealizáveis, e
atingem um desempenho não previamente alcançável. A Figura 21 representa o
paradigma de tal processo de interação. Percebe-‐se aqui, novamente, a importância
adquirida pelas pesquisas em tecnologias assistivas. Tal tipo de interface representa
grande avanço na área.
178
Figura 21: Paradigma da ICM (Coleman LabBioeng UCSD43)
Tal paradigma de interação tem três componentes principais: um sensor que mede a
atividade neural do usuário, um algoritmo que mapeia essas medidas para controlar
sinais e enviá-‐los para o dispositivo externo, e um mecanismo que fornece feedback ao
usuário sobre o estado resultante do dispositivo. As medições podem ser provenientes de
sensores não invasivos como um eletroencefalograma (EEG), que observa a atividade
eléctrica bruta dos neurônios, ou eles podem ser provenientes de mais sensores invasivos
como um eletrocorticografo ou eletrodos intracorticais, muitas vezes colocados no córtex
primário, que podem observar conjuntos de neurônios ou sua atividade individual (Omar
et al., 2011).
O retorno pode ser proporcionado por uma representação gráfica, por matrizes
vibratórias, por acoplamento físico com o dispositivo externo, ou por estimulação cortical
direta. BCI têm sido usados para controlar uma crescente variedade de dispositivos
externos, que incluem cursores de computador, dispositivos de leitura de texto (spellers),
membros artificiais, robôs humanoides e cadeiras de rodas (Omar et al., 2011).
“Nós demonstramos [com o estudo] que os sensores podem captar sinais elétricos dos
músculos da garganta para que as pessoas se comuniquem apenas por pensamento”,
explica Coleman. “Queremos algo que também possa ser usado em um café para [o
público] se divertir” (Coleman, 201344).
43 Disponível em: http://coleman.ucsd.edu/lab-‐research/. Acesso em: 27/02/2013. 44 Em reportagem publicada no UOL: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-‐noticias/redacao/2013/02/27/tatuagem-‐eletronica-‐monitora-‐sinais-‐cerebrais-‐e-‐abre-‐caminho-‐para-‐o-‐poder-‐da-‐mente.htm. Acesso em: 27/02/2013.
179
“O dispositivo é feito de uma camada de poliéster plástico que pode ser esticado, torcido
e dobrado, para acompanhar o movimento natural da pele humana e ter boa
durabilidade” (UOL, 2013). Além disso, ele é fino como um fio de cabelo, dessa forma, fica
imperceptível quando grudado no corpo.
Dentro dele é implantado um circuito com células solares, que captam os sinais elétricos
das ondas cerebrais; sensores térmicos, que monitoram a temperatura da pele; e
detectores de luz, que analisam os níveis de oxigênio no sangue (vide Figura 22).
Figura 22: BMI de Coleman. (Coleman LabBioeng UCSD45)
Além disso, as chamadas tatuagens eletrônicas, “podem ser aplicadas em outras partes
do corpo, como garganta, agindo com um microfone subvocal, ou membros, para
monitorar a atividade muscular de braços e pernas de atletas” (UOL, 2013).
O caminho intermediário entre indústria e academia pode ser observado no projeto dos
Google Glass?
Project Glass é um projeto em desenvolvimento da Google VSF que consiste em um par
de óculos conectados à Internet que usa tecnologia de realidade aumentada. Ele consiste
em um dispositivo semelhante aos óculos, que uma vez postos, disponibiliza uma
pequena tela acima do campo de visão. A tela “apresenta ao seu utilizador mapas, opções
45Disponível em: http://coleman.ucsd.edu/lab-‐research/. Acesso em: 27/02/2013.
180
de música, previsão do tempo, rotas de mapas, e, além disso, também é possível efetuar
chamadas de vídeo ou tirar fotos de algo que se esteja a ver e compartilhar
imediatamente através da Internet” (Wikipedia46, 2013).
A lente de projeção do Google Glass (Figura 23) não ocupa todo o campo de visão do
usuário e tem uma tecnologia de foco que permite ao observador ler o seu conteúdo sem
a necessidade de mudar seu foco de visão. Todos esses cuidados, segundo a empresa,
garantem o conforto e a segurança da pessoa que utiliza a tecnologia.
Figura 23: Google Glass (Google, 2013)47
A resposta da questão apresentada anteriormente é não. A coisa mais importante para
perceber sobre o futuro é que ele é feito de escolhas. São pessoas que escolhem que
partido teórico vão tomar, que paradigma de interfaces vão estudar ou adotar, quais
pesquisas vão apoiar. A tecnologia revolucionária vem de longa pesquisa, e a pesquisa é
realizada e financiada por pessoas.
O Google Glass usa o paradigma da interface vestível, estudada desde os anos 1970 por
Steve Mann:
“Wearable computing is the study or practice of inventing, designing,
building, or using miniature body-‐borne computational and sensory devices.
Wearable computers may be worn under, over, or in clothing, or may also
be themselves clothes.”(Mann, 2013:01)
46 Apesar de não ser interessante usar a Wikipedia como fonte de informação e pesquisa em um trabalho dessa natureza, há uma escassez de materiais disponíveis a respeito do projeto do Google Glass. Devido a esse fato tal referência foi usada. 47 Disponível em: http://www.google.com/glass/start/what-‐it-‐does/. Acesso em 27/02/2013.
181
Dependendo da amplitude da definição da computação vestível, o primeiro computador
vestível pode ter sido um ábaco pendurado em volta do pescoço em uma corda, ou usado
no dedo (Mann, 2013). Mais recentemente surgiram as calculadoras eletrônicas (que
podiam ser levadas no bolso ou no pulso), assim como relógios eletrônicos.
Um entendimento comum do termo "computador" é o de que se trata de algo
programável pelo usuário, enquanto está sendo usado, ou que é de natureza
relativamente generalista (por exemplo, o usuário pode alterar os programas e executar
diversas aplicações).
Na década de 1970 e início de 1980, Steve Mann projetou e construiu uma série de
computadores portáteis, dotados de sistemas com diversos propósitos, que incluíam
vários tipos de sensoriamento, biofeedback, e recursos multimídia, instrumentos musicais
vestíveis, áudio baseado em computadores, e dispositivos assistivos para cegos.
Em 1981, Mann projetou e construiu uma mochila com computador multimídia (Figura
24), wearable com um headmounted display que exibia imagens para um dos olhos. O
sistema fornecia texto, gráficos, áudio, e vídeo, e incluía um handheld chording
keyer(manipulador para a entrada de dados – uma das mãos).
Em 1994 Mann, em suas pesquisas no MIT, já podia transmitir ao vivo streaming de vídeo
de seu computador vestível para a WorldWide Web, de modo que os espectadores para o
seu site poderiam ver o que estava vendo, e interagir com o pesquisador, a partir de
anotações “feitas em sua retina”. Como não havia fornecedores de serviços sem fio nesse
período, tudo tinha que ser construído à mão (Mann, 2013).
182
Figura 24: Mochila de Mann (2013)
O sistema permitiu várias aplicações informáticas que podiam ser executadas durante
uma caminhada ou enquanto outras atividades eram executadas. Entre as aplicações
escritas para esse sistema de computador vestível destaca-‐se uma aplicação de realidade
fotograficamente mediada e a “light vector painting”. Uma variedade de diferentes
sistemas foram projetados e construídos por Mann na década de 1980, e isso marcou
uma evolução em computação vestível como algo semelhante à dos óculos tradicionais
(Mann, 2013).
100.100. O caminho percorrido
Como já discutido, Varela (et al.,2001) propõe uma visão geral das Ciências Cognitivas que
distingue três diferentes momentos: o primeiro ao paradigma cognitivista (Cognitivismo
Computacional); o segundo, conexionista, apresenta-‐se como alternativa à manipulação
simbólica; e finalmente; o terceiro, corresponde à abordagem Enativa, alternativa à
representação.
183
Para continuar a discussão iniciada na primeira parte desta tese é importante fazer uma
atualização dos conceitos abordados por Varela e seus colegas (2001), por haver passado
mais de duas décadas entre o levantamento feito por eles e as questões aqui debatidas.
Enação é uma das possíveis formas de organizar o conhecimento e uma das formas de
interação com o mundo. A primeira definição de enação foi introduzida pelo psicólogo
Jerome Bruner (1966, 1968), em associação com as outras duas formas de organização do
conhecimento: icônico e simbólico. A segunda foi proposta por Francisco Varela e
Humberto Maturana.
O conhecimento enativo é o que se constrói por meio da ação e é construído sobre as
habilidades motoras, como a manipulação de objetos, andar de bicicleta ou praticar um
esporte. Os conhecimentos enativos são os adquiridos ao fazer.
A enação pode ser compreendida, então, a partir de dois pontos:
• A ação guiada pela percepção;
"Na medida em que estas situações locais se transformam constantemente
devido à atividade do sujeito percebedor, o ponto de referência necessário
para compreender a percepção não é mais um mundo dado
anteriormente, independente do sujeito da percepção, mas a estrutura
sensório-‐motora do sujeito." (Varela et al., 1993: 235)
• A cognição, em suas estruturas, emerge dos esquemas sensório-‐motores
vivenciados que permitem à ação ser construída e conduzida pela percepção.
"a maneira pela qual e sujeito percebedor está inscrito num corpo, (...)
determina como o sujeito pode agir e ser modulado pelos acontecimentos
do meio." (Varela et al., 1993:235)
Assim, percebe-‐se que Varela foi patrono da filosofia incorporada, que argumenta que a
cognição humana e da consciência só pode ser entendida em termos das estruturas
enativas em que surgem, isto é, o corpo (entendido tanto como um sistema biológico e,
como pessoal e fenomenológico) e o mundo físico, com o qual o corpo interage. Ele
184
introduziu em neurociência os conceitos de neurofenomenologia, baseado nos escritos
fenomenológicos de Edmund Husserl e Maurice Merleau-‐Ponty, e "ciência primeira
pessoa", na qual observadores podem examinar sua experiência de forma consciente,
utilizando métodos cientificamente verificáveis.
Uma corrente relativamente nova de pesquisadores vem, nesse sentido, procurando
construir interfaces que funcionem de acordo com a teoria da enação proposta por
Varela (et al., 1991): sistemas interativos que permitam organizar e transmitir esse tipo
específico de conhecimento. Nesse sentido as interfaces multimodais são candidatas para
a criação de interfaces enativas devido à utilização coordenada de som, tato, e visão. Tal
pesquisa é o principal objetivo da Rede Enativa de Excelência, um consórcio europeu de
mais de 20 laboratórios de pesquisa que estão unindo esforços de pesquisa para a
definição, desenvolvimento e exploração de interfaces dessa natureza.
100.100.01. Sobre a percepção: uma aproximação enativa
O elemento-‐chave da abordagem enativa da percepção é que o conhecimento sensório e
habilidades são partes necessárias da percepção (Noë, 2004). Assim, confirma-‐se a
validade da afirmação de Merleau-‐Ponty de que toda teoria do corpo já é uma teoria da
percepção. No entanto, as explanações acerca de tal conceito sofreram severas
transformações na medida em que a noção de tempo mudou. Dessa forma, tornou-‐se
plausível afirmar que perceber é, por si só, um modo de agir. Alva Noë (2004) diz que a
percepção não é algo que acontece para nós ou em nós. É algo que as pessoas fazem. O
que se percebe é determinado pelo que se faz, pelo que se sabe como fazer ou pelo que
se está apto a fazer. Essas ações são sutilmente distintas, mas intensamente relacionadas.
Perceber, segundo a autora (Noë,2004), é testar implicitamente os efeitos do movimento
na estimulação sensória. Sua declaração mais significativa é a de que existe uma ação
enativa que é a própria habilidade para perceber, sendo que esta não é apenas
dependente, mas constituída pelo fato das pessoas terem um certo tipo de conhecimento
sensório-‐motor.
“According to this enactive account of perception, looks are not mental
entities.Look are objective, enviromental properties. They are relational, to
185
be shure. But they are not relations between objects and the interior,
sensational effects in us (...), they are relations among objects, the location
of the perceiver body, and illumination.” (Noë, 2004:85)
Ela complementa seu raciocínio afirmando que:
“Perception may be a mode of encountering how things are by
encountering how they appear. But this encounter with how they appear is
itself an encounter with the world. For how things appear is a matter of
how things are in the world. What is encountered (or given) in perception is
not sensational qualities or sense data, but rather the world.” (Noë,
2004:85)
Ou seja, um aspecto importante da abordagem enativa é a rejeição à ideia de que a
percepção seja um processo que acontece no cérebro, por meio de uma construção de
uma representação interna do mundo, feita pelo sistema perceptual. Para a autora, a
percepção depende do que acontece no cérebro que organiza ininterruptamente um
fluxo de representações internas ou imagens mentais. No entanto, é importante notar
que a percepção não é um processo que se concentra exclusivamente aí. É uma espécie
de atividade no animal como um todo.
No caso da visão, por exemplo, há uma tradição em mantê-‐la separada dos demais
sentidos e habilidades sensório-‐motoras, e de tratá-‐la como um programa de certa forma
computacional, que tem como função transformar imagens 2D em uma representação
3D. Na abordagem enativa de Noë, a cátedra de tal sentido é mais complexa, dependente
das demais habilidades sensório-‐motoras.
De fato, tal enfoque aponta para a representação perceptual, de um modo geral, como
algo dependente de tais habilidades, ou seja, propõe que a percepção evolui
conjuntamente com as habilidades motoras, como por exemplo, nossos corpos e
sensores (olhos), se movem.
Kenyon (2011) aponta um exemplo de tal abordagem. Em uma imagem estática
bidimensional não é possível afirmar quais das bolhas de luz que a compõem são objetos
186
e quais são artifícios do sensor (no caso, os olhos) ou do ambiente (efeitos de luz, por
exemplo). Mas se você andar em torno desta cena, e tiver em conta a forma como se
move, haverá muito mais dados para descobrir o que é estável e o que não é.
Os seres humanos evoluíram, e adquiriram, por exemplo, a sacada visual (movimentos
oculares rápidos que visam colocar na fóvea retiniana a imagem de um alvo visual surgido
na periferia da retina48), dessa forma, sem andar ou mover a cabeça, as pessoas recebem,
em seu sistema de percepção visual, dados de movimento. Dessa forma, a abordagem
enativa chama atenção para o fato de que dificilmente a percepção ( e a própria
consciência) pode ser isolada em apenas um dos lados da relação estabelecida via
interface. Pode ser necessário incluir mais do sistema baseado somente na relação entre
mente e ambiente.
Já a Teoria da Percepção das Interfaces, pesquisada por Hoffman (et al., 2009:149), diz
que "nossas percepções constituem uma interface de usuário espécie-‐específica que
orienta o comportamento em um nicho”. Assim, o autor está destacando, por exemplo,
que a evolução proporcionada pelo uso de ícones e widgets, resultou em um ocultamento
a complexidade da realidade computacional. Esta realidade de interface de usuário
permite, assim, que os organismos sobrevivam melhor em ambientes particulares, daí a
escolha por ele. Ou como Hoffman (et al., 2009:157) resumem conceitualmente as
interfaces de computador:
“An interface promotes efficient interaction with the computer by hiding its
structural and causal complexity, i.e., by hiding the truth. As a strategy for
perception, an interface can dramatically trim the requirements for
information and its concomitant costs in time and energy, thus leading to
greater fitness. But the key advantage of an interface strategy is that it is
not required to model aspects of objective reality; as a result it has more
flexibility to model utility, and utility is all that matters in evolution.”
48 Elas podem ser voluntárias ou reflexas (Yanoff e Duker, 2009)
187
Figura 25: Percepção -‐ Abordagem tradicional da percepção em IHC. (Kenyon,2011)
Assim, a Teoria de Percepção da Interface vai além, ao apontar que as percepções de um
organismo são uma interface de usuário entre o organismo e o mundo objetivo. Dessa
forma, prevê que:
• cada espécie tem sua própria interface (com algumas variações coespecíficas e
algumas semelhanças entre espécies filogeneticamente relacionadas);
• praticamente nenhuma interface realiza reconstruções;
• cada interface é adaptada para ser um guia de comportamento adaptativo no
nicho em que está inserida;
• a maior parte da competição (entre e dentro) da espécie explora os pontos fortes
e as limitações de interfaces;
• essa competição pode levar a uma competição entre as interfaces que influenciam
de maneira crítica a evolução adaptativa dos seres.
Em resumo, a teoria conjetura que as interfaces são essenciais para a compreensão da
evolução e da competição de organismos. Dessa forma. toda percepção, incluindo dos
seres humanos, evoluiu para a adaptação aos nichos. Não há nenhuma razão ou evidência
para suspeitar que as interfaces de nossa realidade "fornecem representações fiéis" do
mundo objetivo. Hoffman concorda assim com Noë, na medida que esta suporta uma
versão de representação fiel no contexto da percepção enativa.
Ao contrário do diagrama apresentado na seção anterior, que representa a concepção de
interface nos ambientes computacionais tradicionais, nos quais a percepção é vista como
interações dentro de um sistema que contém espaços separados para representar o meio
188
ambiente e os organismos; na abordagem enativa o meio ambiente é considerado como
fator determinante e agregado ao organismo, conforme apresentado na figura 26.
Figura 26: Percepção: Abordagem Enativa (Kenyon, 2011)
Dessa forma, considerar outros canais perceptivos na construção das interfaces,
proporcionando experiências diferenciadas e multissensoriais, é uma tendência de
pesquisa que considera as teorias externalistas da filosofia, e especificamente a enação,
como paradigma. Assim, uma linha de pesquisa e desenvolvimento vem ganhando força
ao longo da última década: a das interfaces enativas.
100.101. Interfaces enativas
"...cognition is not the representation of a pregiven world by a pregiven
mind but is rather the enactment of a world and a mind on the basis of a
history of the variety of actions that a being in the world performs.” (Varela
et al., 1992:09)
Interfaces enativas são novo tipo de Interface Humano-‐Computador que permite
expressar e transmitir o conhecimento enativo por meio da integração de diferentes
aspectos sensoriais. O conceito principal desse tipo de interface é permitir a construção
do conhecimento e armazenamento de informações a partir de interfaces que permitam
algum tipo de ação motora. Dessa forma, as interfaces enativas devem ser capazes de
189
compreender e transmitir os gestos do usuário, a fim de dar uma resposta adequada em
termos de percepção. Tais componentes podem ser consideradas, segundo a Enactive
Network (2007), uma nova etapa no desenvolvimento da interação humano-‐computador,
porque são caracterizadas por um circuito fechado que compreende os gestos naturais do
usuário (componente eferente do sistema) e as modalidades perceptuais ativadas
(componente aferente). Tais interfaces podem, assim, ser concebidas para explorar este
loop direto além da capacidade de se reconhecer gestos complexos.
O desenvolvimento dessas interfaces requer a criação de uma visão comum entre
diferentes áreas de pesquisa, como o desenvolvimento de dispositivos hápticos, a visão
computacional e processamento de som, oferecendo mais atenção ao aspecto motor das
ações de interação.
Como já foi dito diversas vezes na presente pesquisa, as interfaces enativas estão
relacionadas a um conceito de interação que não é explorado pela maioria das pesquisas
atuais de tecnologias de interface humano-‐computador. Como assegurado por Bruner
(1986), a interação tradicional com a informação mediada por um computador é baseada
principalmente no conhecimento simbólico ou icônico, e não no conhecimento enativo.
Enquanto na forma simbólica de aprender o conhecimento é armazenado como palavras,
símbolos matemáticos ou sistemas de outro símbolo, com o conhecimento de estágio
icônico é armazenado na forma de imagens visuais, tais como diagramas e ilustrações que
podem acompanhar informações verbais. Por outro lado, o conhecimento enativo é uma
forma de conhecimento baseado no uso ativo da mão e do corpo para tarefas de
apreensão.
Pode-‐se dizer, então, a partir das discussões feitas no presente trabalho, que o
conhecimento enativo não é simplesmente mediado de maneira multissensorial, mas que
é de alguma forma armazenado no formato de respostas motoras e adquirido pelo ato de
"fazer". Um exemplo típico de conhecimento enativo é constituído pela competência
exigida por tarefas como digitação, dirigir um carro, dançar, tocar um instrumento
musical, a modelagem de objetos de barro, o que seria difícil de descrever em uma forma
icônica ou simbólica. Este tipo de transmissão de conhecimento pode ser considerado o
190
mais direto, no sentido de que é natural e intuitivo, uma vez que é baseado na
experiência e nas respostas de percepção aos atos motores (Enactive Network, 2007).
Assim, apesar de haver uma vasta literatura disposta a explorar a interação entre homens
e computadores, a interação enativa ainda é um assunto pouco pesquisado. Na verdade,
na Academia, pesquisas na área da Ciência da Computação estão explorando alguns
princípios de tal teoria, porém, sem muitas vezes perceber as implicações que elas trazem
à construção do conhecimento e à possíveis mudanças de paradigma na forma com que
as pessoas aprendem.
Luciani (2006) aponta que a interação enativa entre o humano e o mundo (incluindo os
seres humanos e tecnologias) é visto pelos pesquisadores da área como um processo
para:
• a co-‐construção da mente com o corpo;
• a co-‐construção dos homens e do mundo Sistemas artificiais mediados, também
chamados de "Interfaces Enativas", que preservam este tipo de interação, seriam
condições favoráveis;
• compreender tais processos complexos;
• permitir que os seres humanos possam trabalhar, produzir e criar de maneira
muito mais eficiente, eficaz e principalmente satisfatória.
Dessa forma, o controle de processos com base em computadores que são relacionados a
esse tipo de interação, passa a exigir computadores mais rápidos e sistemas capazes de
lidar com informações mais complexas (área na qual as pesquisas vêm avançando
rapidamente), além de novos tipos de interfaces, arquiteturas de computação e módulos
de software capazes de trabalhar com os usuários de uma forma complexa em termos
das representações de informação.
191
Figura 27: Interfaces Enativas. Fonte: Froese et al. 2012
Na presente pesquisa, algumas interfaces que caminham nesta via foram apresentadas,
porém, pode-‐se perceber ainda uma grande resistência do mercado em absorver tal
paradigma. A crítica de Victor (2011) e o projeto do Google Glass são exemplos das
dificuldades em se trabalhar com interfaces diferenciadas, mas não se pode negar que
algum progresso já foi feito pelas pesquisas acadêmicas.
De qualquer maneira, entre o que se pesquisa na academia e o que se desenvolve no dia
a dia de empresas e produtoras de design e design digital ainda existe um abismo. Ao
retomar o objetivo central da presente tese, que é o de se pensar em boas práticas,
recomendações, ou até a criação de um Framework que considere as teorias externalistas
da filosofia (Corporificação e Enação) no processo de Design de Interação, a seguir é a
presentada uma pequena retomada conceitual com finalidade de consolidar os conceitos
abordados até o presente momento. No momento seguinte a proposta será desenvolvida
e apresentada.
100.110. Interação Corporificada
“What is radical is the relationship it proposes between technical design
and social understandings. It argues that the most fruitful place to forge
these relationships is at a foundational level, one that attempts to take
sociological insights into the heart of the process and fabric of design.”
(Dourish,2001:87)
192
A ideia de Interação Corporificada reflete uma tendência que surgiu na área de Interação
Humano-‐Computador. A computação tangível, previamente explanada no presente
trabalho, é uma área de pesquisa de IHC, na qual as pessoas estão explorando a
possibilidade de se mover a interface "para fora da tela" e para mundo real. Neste
modelo, pode-‐se interagir com os objetos físicos que se tornaram aumentados por meio
de habilidades computacionais. Isso permite que os designers ofereçam novos tipos de
metáforas, destaquem as habilidades físicas dos usuários (como ser capaz de usar as duas
mãos, ou reorganizar o espaço para atender às suas necessidades), ou mesmo de
observem diretamente e respondam às atividades físicas no mundo. Uma segunda
tendência é a "computação social", que é a tentativa de incorporar entendimentos
sociológicos em design de interface. Esta abordagem para IHC reconhece que os sistemas
são integrados em sistemas de significado social, fluido, e negociado entre as pessoas. Ao
incorporar o entendimento de como prática social emerge, pode-‐se construir sistemas
que se adaptam mais facilmente para as formas com que as pessoas trabalham.
Dourish (2001), introdutor do conceito de Interação Corporificada, parte dessas duas
áreas de pesquisa -‐ computação tangível e social -‐ que historicamente foram trabalhadas
como programas de investigação independentes e trabalha o conceito de corporificaçano
como elemento aproximador , ao considerar a maneira com que os fenômenos físicos e
sociais se desdobram em tempo e espaço real como parte do mundo em que as pessoas
estão situadas.
Em vez de incorporar noções fixas de sentido dentro de tecnologias, a interação
incorporada é baseada no entendimento de que os usuários criam e transmitem
significado através da sua interação com o sistema (e uns com os outros, por meio do
sistema).
Na abordagem de Dourish (2001) deve-‐se ir aos extremos, esquecendo a presença do
dispositivo nas mãos e concentrando-‐se quase inteiramente na corporificação, ou seja, na
pronta-‐interação. Ele não aborda a relação entre os dois modos, nem como é possível
transitar entre eles.
193
Segundo o autor, o feedback de interpretação e compreensão integra esses dois modos, e
oferece uma variação na compreensão das pessoas bem como a coerência em seu
comportamento. Por exemplo, a criatividade pode ser considerada como a variação de
compreensão subjetiva de um indivíduo a partir de seu entendimento anterior e de
outros. O indivíduo pode, então, ser muito consciente de sua própria atividade,
racionalizá-‐la e, a partir de tal ciência por parte do sistema (assim com as ferramentas e
até mesmo símbolos), este se torna algo que está “presente-‐na-‐mão49”. Com a
experiência de seu uso, no entanto, pode tornar-‐se compreendida e familiar, ou seja,
mais encarnada. De forma análoga, caso duas ou mais pessoas percebam um outro uso,
juntamente com cada interpretação e reações conjuntas, eles podem alcançar a
consistência intersubjetiva de comportamento (Dourish, 2001).
Dessa forma, gera-‐se um processo circular de interpretação, segundo o qual a percepção
e a atividade são influenciados pelo entendimento, mas também para alimentar e mudar
o entendimento, portanto, baseia-‐se na interação entre a interpretação corporificada e a
que está presente-‐na-‐mão.
Com base neste entendimento, Dourish (2000, 2001) procura especificar uma série de
princípios de design que são refletidos por sistemas de exploração de interação
corporificada. Estes princípios não só refletem, segundo ele, questões importantes para a
prática do design, como proporcionam um quadro para analisar a interação incorporada
em sistemas existentes. A saber:
• computação é um meio
• usuários, não designers, gerenciar significado;
• usuários, não designers, gerenciar acoplamento;
• Interação corporificada participa do mundo que ela representa;
• Interação corporificada transforma a ação em sentido;
• Interação corporificada depende da manipulação de sentido em vários níveis.
Segundo o autor, algumas implicações advém de tais princípios.
49 present-‐in-‐hand, no original em ingles.
194
Nos dispositivos de informação:
• o enigma de aparelhos e de convergência
• uma questão de acoplamento e os limites
Na interface de usuário que se torna invisível:
• engajamento e acoplamento;
• Interface em uso está continuamente mudando.
Nos aspectos físico e simbólico:
• a persistência da interação simbólica.
O que se percebe aqui, novamente, é a priorização das soluções pasteurizadas
proveniente do pensamento analítico dos cientistas da computação, apesar de possuir
elementos de fato interessantes.
100.111. Corporificação e Enação: epílogo
“Um ponto de partida fundamental para compreender os trânsitos entre
corpo e ambiente é o estudo da percepção: o princípio de toda e qualquer
experiência” (Greiner, 2012:01).
Sendo assim, percebe-‐se a fenomenologia para Merleau-‐Ponty como elemento
determinante na orientação do seu projeto filosófico que visa a elucidar a experiência do
ser humano no mundo. Dessa forma, o propósito não era chegar a um sujeito puro,
constituinte, mas, sim, regressar ao mundo originário e vivo, a partir da experiência
perceptiva.
Em conclusão, é necessário adaptar uma perspectiva disciplinada da experiência humana
que permita alargar o domínio da Ciência Cognitiva de modo a incluir a experiência direta.
Corporificação é a proposição de que os corpos influenciam a forma como os seres
pensam e que os processos cognitivos estão essencialmente conectados aos corpos.
Complementarmente, Enação é a ideia de que a experiência do mundo é criada nos
organismos e modelada pelas ações desses no mundo.
195
Dessa forma, corporificação e enação são nomes dados a duas abordagens que se
esforçam para uma nova compreensão da natureza da cognição humana, levando a
consideração o fato de que os seres humanos são criaturas biológicas. (Hutchins, 1995).
As duas perspectivas apresentadas e discutidas ao longo do trabalho indicam que os
corpos biológicos não são receptores passivos de entrada do ambiente, mas atores ativos
no ambiente no qual suas experiências são moldadas por meio de seus atos. Apontam
também que o aprender e a compreensão do mundo, ou seja o processo de cognição, não
está somente conectado com o fazer, como conectado com o mundo real experienciado
pelos indivíduos.
Sendo assim, a enação pode ser compreendida a partir de dois pontos principais:
• A ação é guiada pela percepção;
• A cognição, em suas estruturas, emerge dos esquemas sensório-‐motores
vivenciados que permitem à ação ser construída e conduzida pela percepção.
Já a corporificação é uma condição existencial em que o corpo é a fonte subjetiva ou o
terreno intersubjetivo da experiência, então, estudos sob a rubrica de incorporação não
são "sobre" o corpo por si só, mas sobre a cultura e experiência, na medida em que estas
podem ser entendidas do ponto de vista corporal “ser-‐no-‐mundo” (Csordas, 1999).
Sendo assim, para que haja uma real contribuição de tais teorias para o Design de
Interação, o ponto fundamental e primeiro a ser discutido é o da criação de sistemas,
dispositivos e interfaces que privilegiem a experiência por meio de uma percepção que
está fortemente ligada ao corpo e que se aprende naturalmente, ao fazer de forma
intuitiva.
Por sua vez o Design de Interação (DxI) é o ramo do Design da Experiência do Usuário (UX,
em inglês) que define o relacionamento entre as pessoas e artefatos interativos Tem uma
fundamentação teórica, prática e metodológica centrada nos métodos tradicionais de
desenvolvimento de interface do usuário, mas seu foco está na definição de complexos
diálogos que ocorrem entre as pessoas e os computadores.
196
Vale destacar também, que Designers de Interação procuram artefatos e serviços úteis e
usáveis e costumam, ainda hoje, seguir os princípios fundamentais do design centrado no
usuário, que apesar de multidisciplinar, tem sua origem e principal pouso na Ciência da
Computação (Interação Humano-‐Computador).
Nesse sentido, vale sobressair a posição de Dourish (2001), de que as abordagens
tradicionais para IHC, e inclusive o Design de Interação, não têm plenamente em conta
sua realização, ou seja, não estão de acordo com a atividade que visam apoiar. Mais
genericamente, sua prática diária é não-‐racionalizada e acrítica como aqueles cuja
atividade visa a apoiar. A maioria dos designers "apenas fazem", sem pensar muito
quanto aos teóricos pressupostos subjacentes implícitos a sua abordagem de projeto,
além dos pontos fortes e limitações desses pressupostos. Segundo ele a Ciência da
Computação repete a "experiência de aprendizagem" que a filosofia, linguística,
sociologia, arquitetura e muitos outros campos passaram na primeira metade do século
passado.
O teórico (Dourish, 2001) aponta ainda que o projeto tradicional de interação é baseado
na racionalização, ou seja, em atividades objetivas e abstratas, ou ainda geradoras de
uma interpretação pelo usuário como algo que se tem à mão.
Dentre os princípios nos quais se baseia o Design de Interação, pode-‐se destacar a
compreensão desses usuários reais — seus objetivos, tarefas, necessidades, desejos e
experiências. Dentre eles, pode-‐se nessa proposta de contribuição, valorar mais a questão
do processo de experiencialização.
Aprende-‐se experienciando. Experiencia-‐se percebendo. Percebe-‐se de forma
sensoriomotora. Visão, audição, tato, paladar e olfato propiciam o perceber e o fazer.
Cultura e experiência colocam homem e mundo em situação de co-‐construção.
Dessa forma, pode-‐se dizer que para se propor uma abordagem enativa e corporificada
para o Design de Interação, tais questões devem ser consideradas, assim, os sistemas
projetados pelos Designers de Interação devem gerar múltiplas formas de percepção,
ampliando suas possibilidades por meio do uso concomitante de diversos sentidos. A
atenção do usuário deve ser desviada dos dispositivos em si (pois estes agora são
197
extensões do corpo do indivíduo) e concentrada nas interações deste com o mundo,
potencializadas por tais dispositivos. Assim, experiências diferenciadas podem ser
geradas, novas formas de conhecimento podem ser originadas.
Existem, pois, duas questões correlatas ainda a se considerar: o fato da indústria ainda
estar fortemente ligada à percepção visual, pois as interfaces e interações propostas
nesse universo são quase que exclusivamente dessa natureza, e a necessidade de se dar
um sufrágio, então, ao desenvolvimento de tais processos, com a finalidade de tornar
interação e interfaces adequadas à abordagem aqui proposta.
100.1000. Atenção e a Consciencialização: uma proposta enativa e corporificada para o
Design de Interação.
Varela e seus colaboradores (2001) acreditam que a Meditação de
Atenção/Consciencialização pode fornecer uma ponte natural entre a Ciência Cognitiva e
a experiência humana.
Uma abordagem enativa para o Design de Interação, deve, então, partir de tal ponte e
assim fornecer um quadro adequado para abordar possibilidades de interfaces
tecnológicas mediarem a relação entre usuários e o mundo, de tal forma que eles possam
melhorar as interações perceptivas. Uma abordagem enativa deve considerar o "input"
sensorial e o "output" motor como duas facetas de um mesmo processo de geração de
sentido.
O Design de Interface deve ser voltado para expandir a gama de possíveis interações
entre pessoas e o mundo por meio de dispositivos tecnológicos, e pode, portanto, ser
referido como um fator de ampliação dos sentidos de decisão. Tal ampliação consiste em
dar oportunidades para a pessoa criar novos modos ou modalidades de interações
perceptivas. Assim, uma modalidade de percepção é entendida como a negociação hábil
de uma relação específica com o ambiente que permite acesso a uma certa classe de
aspectos do mundo de forma significativa, que afete diretamente a experiência do sujeito
(Noë, 2004) (McGrann, 2010) (Auvray & Myin, 2009).
198
Para dar prosseguimento às propostas aqui discutidas, é importante retomar os conceitos
relacionados à Roda do Karma, apresentada por Varela (et al., 2001: 154), pode-‐se
perceber a co-‐dependencia de seus elementos constituintes, que assinalam a “estrutura
circular dos padrões habituais” características do “padrão da vida humana”. Segundo os
autores, o Karma constitui uma “descrição da causalidade psicológica”, de como os
hábitos se formam e permanecem ao longo do tempo e se configuram a partir das 12
ligações existentes na cadeia, que vão da ignorância à Decadência e morte.
O círculo do Karma pode ser usado para descrever acontecimentos de qualquer duração e
em qualquer escala. Segundo Varela (et al., 2001: 153) “ os mesmos padrões parecem
surgir mesmo quando alteramos a escala de observação em ordens de magnitude”.
Na experiência, cada momento de consciência, consiste na própria consciência (mente
primária), e nos seus fatores mentais. Estes são os que ligam o objeto. A qualidade
específica de cada momento de consciência e os seus efeitos kármicos em momentos
futuros dependem de quais fatores mentais estão presentes. Segundo Varela (et al.,
2001) são eles:
• Contato: forma de ligação entre os sentidos e seus objetos.
• Sentimento: segundo agregado e sétima ligação do círculo, normalmente leva
instantaneamente a reações que perpetuam o condicionamento kármico.
• Discernimento: percepção ou impulso é o terceiro agregado, normalmente
inseparável do surgimento do sentimento.
• Intenção: “funciona no sentido de provocar e sustentar ações da consciência”. É a
maneira pela qual uma tendência para ação volitiva se manifesta na mente num
certo momento (Varela et al., 2001:164).
• Concentração: quinto fator mental onipresente, funciona em influência mútua
com a intenção.
Tais noções agrupadas a vários fatores de avaliação do objeto e fatores variáveis
produzem o caráter de cada ocasião. Sendo assim, pode-‐se afirmar que tais vestígios
(karma) constituem um processo de transformação que é condicionado por estruturas
199
passadas (ontogenia) da experiência de cada um (“incluída, mas não restrita, à
aprendizagem”) (Varela et al., 2001:165).
Dessa forma, é possível pensar em um Framework para o Design de Interação que seja
enativo e corporificado e que responda aos questionamentos abordados no tópico
anterior da presente tese, a partir do momento em que se pensa que os objetos tangíveis
produzidos por tais designers, não conferem por si sós qualidade, eficácia e eficiência,
uma vez que estão diretamente ligados a aspectos intangíveis (pensamentos, desejos,
ideias, concepções, imaginação), com essa configuração:
Figura 28: Proposta inicial de Framework. Primeiras ligações.
A figura apresentada parte da constituição do sujeito, fractalmente moldada e co-‐criada a
partir de sua interação com o ambiente. Em cada vértice da constituição da figura básica
do Fractal do floco de Neve de Koch, está um dos seis sentidos propostos por Varela (et
al., 2001), que perpassam também a Roda da Vida e a reconfigura, devido a seus padrões
escaláveis, na forma de fractal.
Figura 29: Desenho do Framework-‐ Final – sem fluxos
200
O papel da interface, nesse caso, é o de propiciadora de relações complexas
(experiências), sendo, portanto, uma película que, ao contrário das abordagens
tradicionais, não está entre a pessoa e o objeto de sua relação, mas impregnada de tais
possibilidades experienciais. Assim, tem-‐se uma espécie de pele que permeia todo o
processo de interação.
A intenção é que esse elemento que perpassa todo o processo possa emergir das ações
do usuário nesse mundo de forma atenta, quebrando o curso da roda e reconfigurando as
relações.
Varela (et al., 2001) destacam que o Karma lida com o fato de como os hábitos são
formados e permanecem ao longo do tempo, assim, ao se proporcionar vigilância à tal
condicionamento , é possível fazer o rompimento das correntes condicionadoras,
alimentando o insight e a própria atenção.
Nessa proposta, os fluxos que circulam e permeiam a fugura XX, possibilitam rupturas e
novas aparências do fractal a partir da complexificação das relações estabelecidas.
Assim, ao contrário de se pensar no Design Centrado no Usuário, quando o que acontece
é a sedimentação dos condicionamentos comuns a alguns grupos de usuários, sem que
haja uma preocupação real de se entender as possibilidades interativas que sua atuação
no mundo e seus dispositivos tecnológicos podem proporcionar, na Abordagem Enativa e
Corporificada do Design de Interação, pode-‐se perceber a valoração real das
individualidades: deve-‐se ativar objetos que pertencem ao universo de cada sentido,
produzindo ambientes sensoriais múltiplos e ricos em sensações, que surgem
independentemente da plenitude dos sentidos e viabilizam um mundo criado a partir das
imagens mentais dos indivíduos que nele atuam.
201
101. Considerações Finais
202
O campo interdisciplinar das ciências cognitivas têm tradicionalmente se debruçado sobre
questões que tentam explicar como nossa cognição é modelada e como nossa
compreensão do mundo é construída. Há no entanto, outras noções de computação que
figuraram nas histórias tanto das ciências da computação, quanto das ciências cognitivas.
A visão externalista explorada atualmente entre os cientistas das ciências cognitivas se
refere a teoria do Embodiement e Enaction trabalhada do ponto de vista fenomenológico
de Husserl e Merleau-‐Ponty, e foram fortemente desenvolvidas e pesquisadas por Varela
e seus colegas (2001).
Por mais de meio século em filosofia, e cerca de 20 anos em Inteligência Artificial e
disciplinas relacionadas, verificou-‐se uma reavaliação da natureza da cognição. Em vez de
enfatizar as operações formais em símbolos abstratos, esta nova abordagem focaliza a
atenção sobre o fato de que o pensamento ocorre em ambientes muito particulares (e
muitas vezes muito complexos), é empregado para fins muito práticos, e explora a
possibilidade de interação com manipulação dos suportes externos. Dessa forma, coloca
em primeiro plano o fato de que a cognição é uma atividade encarnada ou situada, e
sugere que os seres pensantes deveriam, portanto, ser considerados em primeiro lugar e
acima de tudo como seres que agem (fazem).
É claro que, de fato, ainda há pouca discussão explícita a respeito do significado tanto da
Enação, quanto da Corporificação. Dessa forma, quando consideradas em abstrato,
principalmente como uma indicação da zona de foco que contrasta com o interesse em
estudar os símbolos, isto já se configura interessante campo de investigação. Mas, ao se
ter a atenção focada em uma preocupação com a possibilidade de realização, a pesquisa
se torna ainda mais relevante, com pretenção de colaborar significamente para o
desenvolvimento das áreas envolvidas, especialmente o Design de Interação.
Pode-‐se dizer que a abordagem mais teórica e até talvez abstrata para explicar o que
significa chamar a atenção para a incorporação do sujeito pensante para a presente
pesquisa vem de também o mais teórico vem de Hussearl,Merleau-‐Ponty e Heidegger.
Heidegger, por exemplo, mostra especialmente que a condição de nossos formadores de
representações estão envolvidos em lidar com o nosso mundo, com as coisas presentes
nele, dando conta dele em suas mais diversas configurações e naturezas. Dessa forma,
percebe-‐se que mesmo para saber mais sobre o mundo e formular imagens
203
desinteressados, as pessoas devem arcar com tal relação, experimentações que se
estabelecem, observações que possam ser feitas, condições de controle. Mas, em tudo
isso, o que constitui a base indispensável da teoria, é que as pessoas estão envolvidas no
processo, como agentes de enfrentamento das coisas.
O que se vê, subjacente às representações do mundo criadas pelos seres nele atuantes,
suas formulações em frases declarativas, por exemplo, não são mais representações, mas
sim uma ideia certa do mundo que se tem como agente que nele atua. Ou seja, ao usar o
termo Enação pretende-‐se destacar que os processos sensórios e motores, percepção e
ação, são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida.
Ao usar o termo corporalizada, por outro lado, pretende-‐se destacar dois pontos:
primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência que surgem do fato de se ter
um corpo como várias capacidades sensoriomotoras e, segundo, que essas capacidades
individuais se encontram mergulhadas em um contexto biológico, psicológico e cultural
muito mais abrangente.
Varela (et al., 2001), argumentam que no entre-‐dois (entre-‐deux) amalgamando a
estrutura do mundo (ao mesmo tempo percebida como meio para a vida e criada por
meio de órgãos determinados do corpo -‐ enação) e o sentido contextualizado dado à
experiência (conceito de emergência), é possível praticar a presença atenta ao mundo.
Diariamente novos produtos, tecnológicos ou não, são desenvolvidos e comercializados,
tornando necessária a aquisição de novas competências para que se possa lidar com a
tecnologia digital e suas maneiras de interagir.
A abordagem tradicional que dominou o início das teorias que visavam o entendimento
das relações estabelecidas entre o homem e o computador ainda representa uma grande
força, principalmente no âmbito da Ciência da Computação. Parte do esforço aqui
concentrado procura contrapor essa posição prospectando novas possibilidades a partir
de uma visão mais contemporânea da compreensão da cognição humana e como isso
pode reduzir substancialmente o atrito ainda existente entre homem e tecnologia,
principalmente em seus objetos e dispositivos cotidianos.
Infelizmente, estas questões ainda não podem ser respondidas satisfatoriamente. De
fato, não há resposta simples para um problema tão complexo. O direção aqui descrita,
ainda que exploratória, procura despertar o interesse de pesquisadores em Design de
204
interação em pesquisar esses movimentos relativamente inexplorados das Ciências
Cognitivas. A tendência enativa defendida por Varela ainda está longe de ter se tornado
um paradigma de pleno consenso teórico. No entanto, tem a importância de salientar
alguns pontos fracos das Ciências Cognitivas em suas abordagens mais tradicionais, em
particular a sua tendência a negligenciar fenômenos dinâmicos, autonomia, ação e
contexto.
A abordagem enativa fornece uma estrutura nova para a compreensão do uso de
tecnologia pelos seres humanos, baseada em uma compreensão específica de seus
fundamentos biológicos. Ele aponta para um novo tipo de postura de design, o design de
experiência, em que o objetivo não é mais a projetar interfaces homem-‐computador, que
são os objetos de interação perceptual, mas interfaces que sirvam como meios implícitos
(transparentes) que permitem que seus usuários possam dar lugar a novas maneiras de
experimentar o mundo.
Como trabalhos futuros, pretendo avançar nos estudos do Framework proposto e realizar
protótipos e testes que incorporem esta nova visão do Design de Interação.
205
110. Referências Bibliográficas
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