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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Patrícia Rosset
Relações entre poderes na Constituição Brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO 2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Patrícia Rosset
Relações entre poderes na Constituição Brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Constitucional sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Figueiredo.
SÃO PAULO 2012
Banca Examinadora
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INVICTUS
Do fundo desta noite que persiste,
a me envolver em breu – eterno e espesso,
a qualquer deus – se algum acaso existe,
por minha alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos
sob os golpes que acaso atira e acerta,
nunca me lamentei – e ainda trago
minha cabeça – embora em sangue – ereta.
Além deste oceano de lamúria,
somente o horror das trevas se divisa;
porém o tempo, a consumir-se em fúria,
não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda – eu não declino,
nem por pesada a mão que o mundo espalma;
EU SOU DONO E SENHOR DO MEU DESTINO;
EU SOU O CAPITÃO DA MINHA ALMA.
Willian E. Henley.
Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a
desobediência representa respeito.
Há um olhar que reconhece os certos caminhos longos e os longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades
perversas e traições de grande lealdade.
Este olhar é o da alma.
Rabino Nilton Bonder
Agradeço as mulheres que influenciaram e influenciam a
minha alma nesta minha jornada até aqui. Em primeiro
lugar a minha querida saudosa avó Leonor,
carinhosamente chamada de Loti, sabia enxergar a minha
alma como ninguém, a ela devo muito do meu caráter. A
minha mãe Shirlei, verdadeira fortaleza, apesar da sua
aparência frágil, que com a sua trajetória de vida e luta
me ensinou a me manter forte nas minhas crenças, e
nunca desistir dos meus objetivos e sonhos. As minhas
amadas filhas Paola e Natasha, que desde sempre o
nosso amor incondicional inundou minha alma e vida de
uma intensa luz.
RESUMO
ROSSET, P. Relações entre poderes na Constituição Brasileira. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
O presente estudo não visa dar soluções para tão complexos problemas em que estão inseridos os Estados no mundo, hoje, com a clara mitigação do princípio da soberania e na enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal. A sociedade de hoje se apresenta com uma multiplicidade fática, decorrente da existência de atores na arena decisória no âmbito da economia, do poder político, do poder empresarial, das ONG(s), da internet, dentre outros. O Estado não é o único ator no cenário nacional e internacional, posição essa unânime entre os filósofos contemporâneo, constitucionalistas ou não. O que visamos no presente estudo é delinear o que pode ser levado à reflexão, analisado no âmbito das relações institucionais, no sistema político brasileiro, focando o Poder Legislativo, como se apresenta e quais são suas competências constitucionais, os desafios que estão postos para então dar algumas soluções visando um melhor desempenho e eficácia nas suas prerrogativas fundamentais, ou seja, de representante do povo brasileiro. Assim da leitura do texto constitucional, analisar os fatores decorrentes que levaram ao quadro atual em que se encontram as relações entre os três poderes. Nesse contexto, faz-se necessário delinear como o Estado e o Poder Legislativo se apresentam contemporaneamente e suas dificuldades postas pelas complexidades mundiais. O passo seguinte é abordar o Poder Legislativo na Constituição de 1988, retomando as discussões que precederam o texto constitucional durante o período da Constituinte, fazendo menções aos debates e às preocupações e sugestões apresentadas, para entender a configuração do texto da Magna Carta e o que resultou desses trabalhos. Em terceiro lugar, analisar o papel institucional do Supremo Tribunal Federal nessas relações entre os poderes na salvaguarda da Constituição. Para, enfim, focar o presidencialismo de coalizão, modus operendi atual de relação entre os poderes no cenário Pátrio, com base na sua definição, como se apresenta, e requisitos de existência, problematizar que tal prática instalada se trata de uma anomalia institucional face aos princípios constitucionais da nossa Carta vigente. Para concluir, apresentamos nossas respostas e propostas para alguns desses problemas e possíveis soluções no sentido de fortalecer a instituição Legislativa.
Palavras-chave: Relações entre os poderes, Legislativo, Judiciário, Executivo,
Supremo Tribunal Federal, Controle Parlamentar, Presidencialismo de Coalizão.
ABSTRACT
ROSSET, P. Relationships between the powers on the Brazilian Constitution. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
This study is not intended to provide solutions for the complex problems in which the States are inserted in the world today due to the clear mitigation of the Principle of Sovereignty and the enormous difficulty in defending democracy in the formal aspect. Today’s society presents itself with a factual multiplicity arising from the existence of actors in the decision-making arena in economy, political power, corporate power, the NGOs and internet among others. The State is not the only actor in the national and international scene, this is a unanimous position among contemporary philosophers, constitutionalists or not. What we aim in this study is to outline what can be taken under consideration analyzed institutional relationships in the Brazilian political system, focusing in the Legislative, how it presents and which are its constitutional competences, the challenges that are set and then give solutions for better performance and efficiency in its fundamental prerogatives, that is, as representative of the Brazilian people. Therefore, from the reading of the constitutional text, analyze the factors that led to the current situation where the Legislative meets. In this context it is necessary to outline how the State and the Legislative presents contemporaneously and the difficulties posed by global complexities the next step is to approach the Legislative in the 1988 Constitution, resuming the discussions that preceded the constitutional text during the debates of the Constituent mentioning the debates, the concerns and suggestions presented, to understand the configuration of the Magna Carta text and what resulted from those studies. Thirdly analyze the institutional role of the Supreme Court in these relations between the powers in the Constitution safeguard. To finally focus in the coalition presidentialism, current modus operandi in the current relationship between the powers in native scenario, based in its definition, how it shows and its requirements of existence, questioning such practices installed since it is an institutional anomaly against the constitutional principles of our current Charter. In conclusion, we present our answers and proposals for some of this problems and possible solutions to strengthen the Legislative.
Key Words: Relationship between powers, Legislative, Judiciary,Executive, Supreme Federal Court, Parliamentary Control, Coalition Presidentialism
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ ...................................................................................... 16
I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .................................... 16
II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO COM
ADVENTO DA CARTA DE 1988 .......................................................................... 23
III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA .............................................................................................. 29
IV. DO PRINCÍPIO REPÚBLICANO E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO ............... 40
1. O princípio republicano. ......................................................................................... 40
2. Do conceito federativo. .......................................................................................... 45
2.1. Os desafios do sistema federativo sob a ótica financeira. ............................................ 49
2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema federativo ............................................. 51
V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO
ARTIGO 23 DA CF E O SISTEMA DE COOPERAÇÃO. ...................................... 52
1. A previsão de leis complementares no parágrafo único do artigo 23. .................... 53
2. Da importância da competência comum do artigo 23............................................. 54
3. Das políticas públicas e seus desafios regionais ................................................... 55
4. Da falta de clareza no texto constitucional o que se traduz em repartição das
matérias e respectivas competências. .......................................................................... 56
5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF. ....................... 60
CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO ........................................................................... 63
I. O PODER LEGISLATIVO NA ASSEMBLEIAASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE .................................................................................................... 63
1. Do momento singular da Assembleia Nacional Constituinte .................................. 63
2. Da subcomissão do Poder Legislativo. .................................................................. 64
2.1 Da experiência da Carta de 1946 .................................................................................. 65
2.2 Dos pontos de consenso ............................................................................................... 65
2.3. Das propostas em favor do parlamentarismo ................................................................ 66
2.4. Na defesa do regime Presidencialista ........................................................................... 67
2.5. Sugestões quanto à garantia do processo legislativo ................................................... 68
2.6. Em busca de um Legislativo democrático ..................................................................... 68
2.7. Das complexidades das relações entre Legislativo e Executivo ................................... 69
2.8. Da imprensa e seu papel, necessária mudança de postura ......................................... 70
2.9. Dos vários trabalhos no âmbito do Legislativo .............................................................. 71
2.10. Da importância dos trabalhos das comissões ............................................................... 71
2.11. Do excesso de proposições e falta de tempo para a apreciação .................................. 72
2.12. Da dificuldade de realizações de comissões mistas ..................................................... 72
2.13. Da edição desenfreada dos decretos-leis ..................................................................... 72
2.14. Dos Vetos ...................................................................................................................... 73
2.15. Das Emendas à Constituição ........................................................................................ 73
2.16. Da importância da democracia direta ............................................................................ 74
2.17. Das instituições intermediárias e seu papel .................................................................. 74
2.18. Da descentralização política e a importância do município .......................................... 75
2.19. Do papel das Câmaras Municipais ................................................................................ 75
2.20. Da necessidade de resgatar a independência dos Estados ......................................... 75
2.21. Da necessidade de transparência do Legislativo .......................................................... 76
2.22. Da opinião pública e participação da sociedade ........................................................... 76
2.23. Da responsabilidade do Congresso quanto a sua imagem negativa ............................ 77
II. O PODER LEGISLATIVO NA CARTA DE 1988. ........................................... 78
1. Dos princípios do Poder Legislativo. ...................................................................... 79
1.1. As novas configurações do Poder Legislativo ............................................................... 80
2. Do Congresso Nacional. ........................................................................................ 83
2.1. Da competência do Congresso Nacional ...................................................................... 83
2.2. Das Comissõesdo Congresso Nacional ........................................................................ 86
3. Da Câmara dos Deputados.................................................................................... 88
3.1. Competência privativa da Câmara dos Deputados ....................................................... 89
3.2. Da Mesa Diretora ........................................................................................................... 90
3.3. Órgãos da Câmara dos Deputados ............................................................................... 90
3.4. Colégio de Líderes ......................................................................................................... 90
3.5. Das Comissões .............................................................................................................. 90
3.6. Do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. ............................................................... 92
3.7. Procuradoria Parlamentar .............................................................................................. 92
3.8. Dos corregedores .......................................................................................................... 93
3.9. Procuradoria Especial da Mulher................................................................................... 93
3.10. Ouvidoria Parlamentar ................................................................................................... 94
4. Do Senado ............................................................................................................. 94
4.1. Da sua competência ...................................................................................................... 95
4.2. Órgãos do Senado Federal ........................................................................................... 96
4.3. Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ..................................................................... 97
4.4. Corregedoria Parlamentar ............................................................................................. 97
4.5. Procuradoria Parlamentar .............................................................................................. 97
4.6. Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz ........................................................ 98
4.7. Das Comissões no Senado Federal .............................................................................. 98
5. Da atribuição ao Congresso da Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária
100
5.1. Controle externo com auxílio do Tribunal de Contas .................................................. 101
5.2. Dos Contratos considerados irregulares pelo TCU. .................................................... 102
5.3. A composição do Tribunal de Contas da União .......................................................... 102
6. Do controle interno .............................................................................................. 103
7. Do Processo Legislativo ...................................................................................... 104
7.1. Processo Legislativo na Constituição Federal ............................................................. 105
7.1.1. Os Princípios do processo legislativo .................................................................. 106
7.2. Do Regimento Interno .................................................................................................. 108
8. Da assessoria existente e sua estrutura .............................................................. 109
III. DOS LÍDERES E DO COLÉGIO DE LIDERES ............................................ 112
1. Da Liderança Partidária ....................................................................................... 112
2. Dos Blocos Parlamentares................................................................................... 117
3. Do Colégio de Líderes ......................................................................................... 119
IV. DOS CÓDIGOS DO CONGRESSO NACIONAL .......................................... 120
V. A CONSTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES ................................. 123
1. O Princípio da Separação dos Poderes ............................................................... 124
2. A separação dos poderes, sociedade e grupos. .................................................. 126
3. A missão atual dos juristas .................................................................................. 127
4. O Poder do Estado é compartilhado .................................................................... 127
5. A escolha constitucional pelo Estado de Direito e pela Democracia .................... 127
VI. DO PODER JUDICIARIO ............................................................................. 128
1. Da sua previsão na Carta de 1988. ...................................................................... 128
2. Da função do Poder do Judiciário ........................................................................ 128
2. A importância do Poder Judiciário na Economia .................................................. 131
3. O papel do Poder judiciário e a relevância do juiz. ............................................... 132
4. Aspectos relevantes da crise institucional do Poder Judiciário e da necessidade de
adotar um novo parâmetro de gestão ......................................................................... 134
VII. O PODER EXECUTIVO ................................................................................ 136
1. Do significado do Poder Executivo na Constituição de 1988. ............................... 136
2. Competência do Poder Executivo. ....................................................................... 137
3. Da proeminência do Poder Executivo. ................................................................. 138
4. Os instrumentos constitucionais de participação da atividade legislativa ............. 139
5. O Poder Executivo legislador ............................................................................... 141
5.1. Leis delegadas ............................................................................................................. 141
5.2. Das medidas provisórias ............................................................................................. 143
CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS PODERES E O
PRESIDENCIALISMO DE COLIAZÃO .............................................................................. 149
I. PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO......................................................... 149
1. Como surge o conceito presidencialismo de coalizão. ......................................... 149
2. Importância da experiência de Carta de 1946 ...................................................... 151
3. O desafio institucional posto na Constituinte de 1988. ......................................... 151
4. O contexto da América Latina e o presidencialismo. ............................................ 156
5. A figura do Presidente da República. ................................................................... 157
6. Dos interesses dos parlamentares e seu comportamento. ................................... 158
7. A Primeira vertente: preponderância decisória do Executivo baseada no poder de
agenda institucional. ................................................................................................... 159
8. A segunda vertente: preponderância decisória do Executivo baseada na transação
de interesses. ............................................................................................................. 161
9. A terceira vertente: preponderância decisória entre o Executivo e o Legislativo
baseada na gestão transversal do Poder pelos Partidos............................................. 170
II. DAS CRÍTICAS AO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO. ....................... 174
III. A RELAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE OS PODERES .............................. 176
1. O princípio do Estado Democrático de Direito...................................................... 177
1.1. As medidas provisórias e sua inserção na Carta de 1988. ......................................... 177
1.2. Os trabalhos das Comissões e sua importância ......................................................... 182
2. O desrespeito aos princípios informadores das leis orçamentárias. ..................... 189
2.1. A importância das leis orçamentárias no sistema constitucional da Carta de 1988. .. 189
2.2. Elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento .................................... 190
2.3. Da necessária participação de todos os poderes na elaboração da LDO .................. 191
2.4. A independência financeira ou não dos Poderes. ....................................................... 192
2.5. Do Estado e da Administração Pública. ...................................................................... 193
2.6. Dotação orçamentária ou independência financeira? ................................................. 194
2.7. O princípio da reserva legal ......................................................................................... 194
2.8. Da distorção do uso pelo Poder Executivo dos créditos adicionais ............................ 195
2.9. Sobre o dinamismo e flexibilidade orçamentária ......................................................... 196
2.10. Da limitação de corte pelo Poder Executivo ................................................................ 197
2.11. Aprovada a lei orçamentária, o comando é do Executivo ........................................... 197
2.12. Das políticas públicas e dos entes federados ............................................................. 197
2.13. Do crivo do Poder Legislativo ...................................................................................... 198
2.14. O monopólio do Poder Executivo e as Emendas Parlamentares ............................... 199
2.15. Da existência de cotas e liberação dos recursos ........................................................ 199
2.16. Da execução da lei orçamentária ................................................................................ 199
2.17. Do que denominamos voto de cabresto ...................................................................... 200
2.18. Do papel do Legislativo ............................................................................................... 202
2.19. Cargos ministeriais ocupados por indicações de parlamentares ................................ 203
2.20. No direito comparado as nomeações para Ministros .................................................. 205
2.21. Nomeações e princípio republicano no sistema brasileiro. ......................................... 207
2.22. Analise econômica das Constituições e seus reflexos ................................................ 208
2.23. Do pedido de impeachment de Ministros no presidencialismo de coalizão ................ 210
2.24. Do mandato imperativo ................................................................................................ 213
2.25. Consequências outras do presidencialismo e coalizão ............................................... 215
IV. A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ................... 216
V. FALTA DE COMUNICAÇÃO À SOCIEDADE DOS TRABALHOS .............. 222
1. A importância do Poder Legislativo e participação da sociedade ......................... 224
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 229
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 245
13
INTRODUÇÃO
O presente estudo está dividido em três capítulos, a saber: A Carta Cidadã, O
Poder Legislativo e As relações institucionais entre os poderes e o presidencialismo
de coalizão.
No primeiro capitulo, iremos delinear a feição da Constituição Federal de
1988, ressaltando os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que culminou
na vanguarda do texto constitucional. Várias foram as questões debatidas naquela
ocasião com objetivo de instituir o Estado Democrático de Direito Brasileiro, dentre
eles, a responsabilidade política, o exercício da cidadania, a importância da
participação e soberania popular em busca de ideal democrático, decorrente dos
desafios inerentes ao processo de redemocratização em nosso país.
Com advento da Carta de 1988, o papel da sociedade bem como do Estado
brasileiro no enfrentamento da concretização dos princípios constitucionais em face
da rapidez das mudanças contemporâneas e da influência desse fenômeno no
conhecimento, no papel do Estado-Nação, com o surgimento de outros atores no
cenário mundial e o predomínio da lógica financeira, traduz-se no desafio
institucional político-representativo em efetivar mecanismos eficazes participativos.
Quanto ao Estado, fatores complexos decorrente das recentes transformações pelas
quais vem passando, nas últimas décadas, em relação as suas características rumo
ao Estado subsidiário e suas implicações, traduziu-se em outro grande desafio a ser
transposto.
Dessa forma, a sociedade politicamente organizada e a democracia
representativa tornaram-se alvos de estudos, com vistas a delinear conceitos sobre
a democracia e representação, originando várias tendências no sentido de viabilizar,
efetivar e transpor obstáculos acima referidos, com foco no cidadão e no seu papel
dentro desse contexto, ressaltando a importância de que, qualquer reflexão no
tocante a relações institucionais, o ponto convergente deverá ser sempre o cidadão
capaz de exercer seus direitos e deveres.
Nessa esteira, a Carta de 1988 destacou o cidadão como foco dos objetivos
do Estado, e as implicações decorrentes da aplicação dos princípios constitucionais
14
republicanos e federativos na configuração do poder do Estado, no exercício de
suas atividades e as limitações existentes, por todo esse complexo contexto mundial
e nacional, que acabam por influenciar diretamente a formulação e execução das
políticas públicas desenvolvidas e as questões financeiras estatais, no tocante ao
sistema cooperativo instituído pelo artigo 23 da Carta Magna.
Assim, o Poder Legislativo tem um papel de relevância para que a
democracia brasileira se concretize, ao mesmo tempo em que enfrenta ainda o
amesquinhamento de algumas práticas do período de exceção pelo qual nossa
Pátria passou. Dessa forma, compreender o Legislativo, seja na sua estrutura, seja
na dinâmica dos seus trabalhos não se traduz numa tarefa fácil.
Temas como Líderes e Colégio de Líderes, Mesa Diretora e Comissões,
devem estar elucidados nesse tópico do presente estudo, de forma a esclarecer que
a função atual do Parlamento, além da legiferante, hoje, também é fiscalizadora.
Assim, aliado a esse raciocínio, o princípio da separação dos poderes e a
forma como deve ser compreendido atualmente não pode ser mais aquela fincada
na conceituação clássica elaborada por Montesquieu, devendo ser observado o
Poder Judiciário e sua importância constitucional na concretização dos princípios e
regras constitucionais, bem como o papel do Poder Executivo em relação aos
demais poderes, com base na análise do que a Constituição de 1988 lhe reservou e
atribuiu.
Para finalizar o presente estudo, no capitulo três as relações institucionais
foram analisadas sob o enfoque do denominado presidencialismo de coalizão, no
qual se traduz esse conceito, hoje, tão disseminado pela ciência política à luz do
texto constitucional. Portanto, apenas conceituar presidencialismo de coalizão não
basta, pois, mesmo o seu conceito não unívoco, uma vez que existem pelo menos
três grandes vertentes que partem de premissas diferenciadas para definir essa
relação institucional entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
E toda essa análise vai desaguar na visão do Supremo Tribunal Federal, às
vezes omissa e por muita outras vezes atuante em áreas que não lhe dizem
respeito, principalmente quando o assunto é base de governo, coligações partidárias
ou mesmo na análise constitucional do devido processo legislativo, traduzindo a
atuação dessa Corte em um outro desafio a transpor.
15
O tema é apaixonante, mas, ao mesmo tempo, multifacetário, motivo pelo
qual, em nossas conclusões, propomos algumas soluções possíveis para alguns
desses desafios aqui postos, no âmbito do Poder Legislativo, visando fortalecer o
sistema democrático representativo e o aumento da participação cidadã na arena
decisória.
Não pretendemos esgotar o tema e muito menos dar soluções para todos os
itens postos por nós como problemáticos, pois seria de nossa parte uma verdadeira
audácia vislumbrar solucionar todas essas questões, mas buscamos, sim, após anos
de estudo, contribuir um pouco para o debate sobre as relações institucionais entre
os três poderes.
16
CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ
I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Pátria não é como um sistema, nem uma seita, nem
um monopólio, nem uma forma de governo. Pátria é o
céu, o solo, o clima, a tradição, a consciência, o lar. O
berço dos filhos e o túmulo dos antepassados. A
comunhão da lei, da língua e da liberdade.
Ruy Barbosa
A feição da Constituição de 1988 e de seu texto pode ser extraída da leitura
do seu preâmbulo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.1
Assim, inaugura o texto constitucional da denominada carinhosamente de
“Carta Cidadã”, que não surge imposta e sim almejada.
Tem como ponto de partida o ideal de cidadão consciente do pacto
constitucional e dos princípios adotados pelo Estado Brasileiro.
Foram inúmeros os movimentos sociais que culminaram na elaboração da
Carta de 1988, carta esta que agradou somente o “Povo”. Pioneira no mundo em
normatizar, traz em seu corpo os direitos humanos, transformando-os, assim, em
direitos fundamentais, rol extenso e de primeira importância, como por exemplo, o
artigo 5º e seus incisos.
1 Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
17
Trouxe avanços como a preocupação com o social. Elogiada e exaltada pela
Organização das Nações Unidas – ONU, por ser pioneira em proteger e disciplinar
sobre o meio ambiente. Rica em princípios, que garantem direitos ao “Povo”
brasileiro.
Por todos esses atributos e qualidades inovadoras é que foi tantas vezes
atacada com constantes emendas, tantas vezes mal compreendida em sua riqueza
e por sua complexidade, e tantas vezes denegrida por aqueles que pretendem retirar
o seu principal objetivo, qual seja: “Que a República Federativa do Brasil seja um
Estado Democrático de Direito”.
O fundamento de um Estado Democrático de Direito pressupõe, de um lado,
que todos os indivíduos, os grupos sociais e o Estado estejam sujeitos às leis, como
expressão da vontade geral. No dizer de Rousseau; de outro lado, significa que as
leis, a que todos se submetem, deverão ser promulgadas com respeito aos
princípios democráticos, entre os quais, especialmente, o princípio segundo o qual a
promulgação deve ser feita por aqueles a quem a Constituição atribui competência
para fazê-lo em nome e em proveito da sociedade.
Não obstante, as reformas liberalizantes, seguindo a tendência universal de
enxugamento do Estado, como leciona Marcelo Figueiredo,2 “remanesce(m) com a
alma e com a espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito, comprometido
com os valores substantivos de promoção de justiça social, igualdade e liberdade,
fazendo valer o caráter compromissório da Constituição de 1988”.
Em contrapartida, a Constituição de 1988, valorizou a participação e o
exercício da cidadania identificada à responsabilidade política de cada um.
Destacou a organização voluntária da vida social contra as lógicas não-políticas de
mercado ou daquelas que não tenham por fim o interesse nacional.
A repartição social do poder entre o Estado e outros titulares de poderes
públicos não-estatais está prevista no decorrer do texto da nossa Carta, ao abordar
no artigo 7º, incisos XI e XXVI, 10, 187, 194, 198, inciso III, 204, inciso II as
2 Cf. Marcelo Figueiredo. O controle das políticas públicas pelo Poder Judiciário no Brasil – Uma visão
geral. In: Lições de Direito Constitucional. Em homenagem ao Professor Jorge Miranda. (Coord.) Samantha Ribeiro Meyer-Pluug & Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha.Rio de Janeiro: Forense, 2008. pp. 571-607e 606.
18
modernas teorizações do princípio da separação dos poderes3. Em outras
palavras, a participação popular como princípio constitucional também resulta da
descentralização político-administrativa, o que mantém sempre atual a discussão
sobre federalismo cooperativo, consórcios, convênios e poder local.
No âmbito da administração pública, diversos são os dispositivos da
Constituição Federal para estabelecer a corresponsabilidade Estado e sociedade
civil:
a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (artigo 10, C.F); participação de seis brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, com mandato de três anos, no Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República (artigo 89, inciso VII, C.F.); a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (artigo 144, C.F); a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo (artigo 174, §2°, C.F.); participação dos acionistas minoritários na constituição e funcionamento dos conselhos de administração e fiscal das empresas públicas (artigo 173, inciso IV, C.F); planejamento e execução da política agrícola, na forma da lei, com a participação dos produtores e trabalhadores rurais, bem como os setores de comercialização, armazenamento e transportes (artigo 187, C.F.); caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (artigo 194, inciso VII, C.F.); descentralização e participação da comunidade no sistema único de saúde (artigo 198, incisos. I e III, C.F.); participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas de assistência social e no controle das ações em todos os níveis (artigo 204, inciso. II, C.F.); gestão democrática de ensino público, na forma da lei (artigo 206, VI, C.F.); promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro com a colaboração da comunidade (artigo 216, §1º, C.F); participação de entidades não-governamentais nos programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente (artigo 227, §1º, C.F); os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, §5º, C.F); aproveitamento de recursos hídricos e lavra das riquezas minerais com audiência e participação das comunidades indígenas nos resultados da lavra de riquezas minerais e no aproveitamento energético, na forma da lei (artigo 231, §3º C.F); e por fim, o dever do poder público e da
3 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 142.
19
coletividade de defesa e preservação do meio ambiente para as futuras gerações (artigo 225, C.F)4
No dizer de Adrian Gurza Lavalle,
Constituição de 1988 foi um marco nesse sentido – a participação foi entrando na estrutura estatal e se tornando uma feição do Estado brasileiro e (...) Não há outro país que tenha um arcabouço institucional de instâncias participativas tão federalizado,
diversificado e abrangente quanto o Brasil5.
A cidadania, com a importância dada pela Constituição, não se resume só a
uma identidade com a consciência nacional, mas com um “espírito de corpo”, que
respalda na democracia, mediante a solidariedade de direitos e de participação
direta ou indireta na gestão da sociedade. 4Cf. Nardi Gilberto Fonseca. A participação popular na administração pública. Audiências públicas na
elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília ano. 40 n. 160 out./dez. Senado Federal, Brasília: 2003.
pp. 291-305.
5 Cf. Flávio Lobo. Na pátria da democracia ‘pós-participativa’. Entrevista com Adrian Gurza Lavalle.
Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/
Para conselhos administrativos consultar: Neuma Aguiar. (Org.) Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e participação política. Belo Horizonte: UFMG, 2007; Leonardo Avritzer. (Org.) A participação social no Nordeste. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
Juliana Brina Corrêa Lima de Carvalho. Conselhos Gestores de Políticas Públicas: institucionalidades ofensivas ou espaços de burocratização do “mundo da vida”? In: Revista Democracia Digital e
Governo Eletrônico n. 6, 2012.
Vera Schattan P. Coelho. A democratização dos conselhos de saúde. Novos Estudos n. 78, julho.
São Paulo: Cebrap, 2007. p. 77-92.
Vera Schattan P. Coleho & Andrea Cornwall. Novos Espaços Democráticos. Perspectivas
Internacionais. Singular. São Paulo: Esfera Pública, 2009.
Mario Fuks & Renato Monseff Perissinoto & Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política e desigualdade: o caso dos conselhos municipais de Curitiba. In:.Revista de Sociologia Política n. 211,
Nov. Curitiba: UFPR, 2003.125-145.
Ana Cláudia Nogueira. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: uma afronta ao Poder Legislativo? In: Revista Symposium ano 7, n. 1, janeiro-junho. Recife: Universidade Católica do
Pernambuco. 2003.
Lucia Conde de Oliveira & Roseni Pinheiro. A participação nos conselhos de saúde e sua interface com a cultura política. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-
81232010000500020&script=sci_arttext;
Marco Antonio Rocha. O plano para pôr a agora no poder. Jornal o Estado de São Paulo, 18/01/2010.
20
Segundo os artigos sobre os direitos políticos, a previsão é que a soberania
popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos e, nos termos da lei, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa
popular.
No Brasil, tivemos duas experiências de referendo: em 06 de janeiro de 19636
e com a Lei 10.826 de 2003, sobre a proibição de comercialização de arma de fogo
e munição. Quanto ao plebiscito, tivemos a experiência da escolha da forma de
governo, conforme estatuído no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias7.
No que concerne à iniciativa das leis, está prevista na Constituição Federal,
em seu artigo 61 e § 2º, desde que o projeto de lei seja subscrito por no mínimo 1%
do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
três décimos por cento dos eleitores de cada um deles8.
6Cf. Adrian Sgarbi. O Referendo. Rio de Janeiro: Renovar: 1999. pp. 3-375. p. 318.
7Cf. Maria Elizabeth G. T. Rocha. Referendo e Plebiscito. Instrumentos de Participação popular na
formação de atos de governo. In: Revista Jurídica Consulex. ano IX. n. 209. 30 de setembro, Brasília:
Editora Consulex, 2005. pp. 7-10. p.8
8 No Brasil, noticia-se projeto de iniciativa popular pretendendo a criação de um Fundo Nacional de
Moradia Popular. Projetos que se tornaram normas jurídicas: o da inclusão como hediondo o homicídio qualificado e o simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que só por um agente, com aprovação de incisos no art. 1º da Lei nº 8.072/1990; o projeto contra a corrupção eleitoral, com aprovação de inclusão de dispositivos na Lei nº 9.504/1997 e alteração do Código Eleitoral; e o projeto que culminou nas alterações sobre as regras de inelegibilidades, a culminar com a Lei Complementar nº 135/2010. Ademais, reporte-se que os projetos de iniciativa popular, no Brasil, tiveram autoria atribuída a membros do Legislativo.
José Duarte Neto. A iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2005. pp142-143.
Bruno Batista da Costa de.Oliveira. A participação popular no processo legislativo. O Exercício da Cidadania ativa e o discurso no Estado Democrático de Direito no Brasil. Dissertação de Mestrado em
Direito. São Paulo: USP. pp. 1-198, p. 163
Para consultar:
Carlos Alberto Farias Nery. A iniciativa popular na elaboração legislativa: um estudo sobre a participação da sociedade no processo de formulação das leis. Biblioteca Digital da Câmara dos
Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
Luiz Claudio Alves dos Santos. A iniciativa popular das leis. E- legis n. 01, Biblioteca Digital n. 01.
Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.
21
Com efeito, Paulo Bonavides afirma incisivamente que não passa de uma
aplicação parcial e limitadíssima de três técnicas do sistema democrático direto: o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Considera
que há necessidade de alargar a brecha constitucional, para converter instrumentalmente numa realidade de poder soberano a vontade do povo. De tal sorte que a democracia neste país deixe de ser o que tem sido até agora em todos os tempos – a utopia do idealismo constitucional – e passe da esfera da crença e das formas fictícias para a esfera do concreto do real, do fático, com o povo absolutamente senhor do seu destino e de suas faculdades decisórias.9
Desde a promulgação da Carta de 1988, as experiências quanto a plebiscito,
refendo e iniciativa popular, como vimos, foram muito escassas diante do ideal
almejado de participação.
Devem-se destacar as exigências de uma Constituição voltada para o futuro,
segundo Bobbio, pois
o ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, à corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação.10
A par de toda a estrutura estatal e procedimental, no tocante à participação e
ao exercício da cidadania como nos referimos anteriormente,e não são poucos, a
realidade brasileira no exercício dessas prerrogativas está longe de ser a desejada e
delineada pelo constituinte originário.
Númerosas pesquisas demonstraram que o interesse pela política está
circunscrito a um círculo bem limitado de pessoas, que, em geral, os resultados
indicam que os níveis de participação política são mais elevados entre os homens,
9 Cf. Paulo Bonavides. Democracia Direta e Democracia no Terceiro Milênio. In: Estudos de Direito
Constitucional. Em homenagem à professora Maria Garcia. (Org.) Luciana. A. Accorsi Berardi e
Lauro.L. Gomes Ribeiro. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 413.
10 Cf. José Afonso da Silva. Constituição e as Estruturas dos Poderes. In: Estudos de Direito
Constitucional. Em homenagem à professora Maria Garcia. (Org.) L.A. Accorsi Berardi e L.L. Gomes
Ribeiro. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 193
22
nas classes altas, nas pessoas de mais elevado grau de instrução, nos centros
urbanos mais que nas zonas agrícolas, entre pessoas educadas em família na qual
a política ocupa um lugar de relevo, entre os membros de organizações ligadas
mesmo indiretamente à política, entre os que estão facilmente expostos a contatos
com pessoas ou ambientes politizados.11
11
Cf. Noberto Bobbio e N. Matteucci, e G. Pasquino Dicionário de Política. 5 ed. São Paulo: UNB/
Imprensa Oficial, 2000. p. 890.
Para a motivação psicossocial da participação política e para a atitude de participação política, consultar:
Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Direito da Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 21-24.
Para a falta de presença da mulher na política, podem-se consultar:
Teresa Sacchet. Capital social, gênero e representação política no Brasil. vol. 15. n. 2, novembro.
Campinas: Opinião Pública, 2009. pp306-332.
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. A mulher na reforma política. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputasdos, 2009. disponível em: http://bd.camara.gov.br
Wilson Tosta. Procurador quer cota para mulheres cumprida à risca. Jornal O Estado de São Paulo, 06/11/2007. p. A12.
Marilene Mendes Sow. A participação feminina na construção de um parlamento democrático. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. http://bd.camara.gov.br
Luis Felipe Miguel. Teoria polítca feminista e liberalismo: o caso das cotas de representação. In:
Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 15 n. 44 out. São Paulo: . ANPOCS, 2000.
Le Parlement est-il ouvert aux femmes? Évaluation. septiembre. Genéve: UNION
INTERPALEMENTAIRE, 2009. pp. 28-29.
Clara Araújo. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na
representação política. In: Revista de Sociologia Política n. 24. Curitiba: UFPR, 2005.
Thiago Cortez Costa. Representação política feminina. Modelos hierárquicos para análise dos resultados eleitorais de 2006. IBGE. Rio de Janeiro: ENCE, 2008.
Márcio Nuno Rabat. A reserva de vagas nas listas de candidaturas no contexto da evolução histórica da participação das mulheres na política. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002. disponível em:
http://bd.camara.gov.br
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Trilhas do poder das mulheres. Experiências internacionais em ações afirmativas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. disponível em:
http://bd.camara.gov.br
E, ainda, para os temas da confiança com relação às instituições e da incorporação de valores democráticos:
23
II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO
COM ADVENTO DA CARTA DE 1988
O sobrevoo na feição da Magna Carta nos remete a alguns dos desafios
quanto à sua concretude diante do contexto mundial que se impõe.
O cotidiano de hoje não se compara ao do século XIX. Estamos no século
XXI, e a humanidade nunca presenciou tanto desenvolvimento e com uma incrível
velocidade em todas as áreas das ciências, como o que ocorreu no século XX. O
homem de hoje carece de necessidades completamente diferentes do homem dos
séculos passados, e, portanto, a regulação de suas relações, em todos os aspectos,
é de outra ordem.
Tudo gira com muita rapidez, redes sociais são consultadas a cada instante,
as comunicações são quase que imediatas a ponto de presenciarmos guerras
travadas pela televisão ao mesmo que os ataques estão correndo, a exemplo do
Iraque. Os campeões de venda são os livros de autoajuda que tentam auxiliar o
homem atual em meio à toda essa rapidez e aos imensos fluxos de informações.
Gerenciamento de conhecimento é a nova palavra de ordem.
O conceito do “Estado, organização política sob a qual vive o homem
moderno, caracteriza-se por ser resultante de um povo vivendo sobre o mesmo
território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado
por nenhum outro externamente e supremo internamente”12. Devido a uma série de
fatores, esse conceito tem sido questionado pelos acontecimentos recentes da
economia globalizada e da intensa e crescente rapidez de novas tecnologias, fatores
que se tonaram imbricados nas relações entre todos os países, alterando as suas
políticas internas e a forma de programar seus projetos governamentais.
No seu plano interno, os países enfrentam uma crescente pluralidade e
heterogeneidade de situações e desafios inéditos. No que se refere ao plano
Denise Mercedes Nuñez Nascimento Lopes. Para pensar a confiança e a cultura política na América Latina. vol. X, n.1, maio Campinas: Opinião Pública, 2004.
Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política, instituições e experiência democrática no Brasil. In:
Revista de Sociologia Política n. 28. Curitiba: UFPR, 2007.
12 Cf. Celso Ribeiro Bastos. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Saraiva, 1995.
p. 8.
24
externo, deparam-se com fluxos sobre os quais não conseguem mais exercer sua
autoridade tradicional, variando tal fenômeno de país para país13.
O surgimento de organismos multilaterais, conglomerados mundiais, centros
de expertise e organizações não-governamentais (ONGs) acabam por empalidecer a
ideia de Estado-nação, em decorrência de uma crescente e complexa trama de
relações motivadas por interesses distintos entre esses atores.
De fato, o predomínio da lógica financeira sobre a economia real tem tornado
as fronteiras mais porosas, e, portanto, os espaços tradicionalmente reservados ao
direito e à política tendem a não mais coincidir com o espaço territorial, mitigando-se
o alcance e a efetividade do princípio da soberania.14
No que diz respeito ao plano institucional, essas transformações acabam por
esvaziar o alcance da efetividade das instituições político-representativas e dos
mecanismos de participação, organizados em bases nacionais, afetando a vida do
cidadão e seu patrimônio, enfraquecendo as próprias liberdades públicas e os
direitos fundamentais, uma vez que as esferas de decisões estão relativizadas15.
Daí, a enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal16.
Essa racionalidade, por vezes à revelia da ordem jurídica vigente, muitas vezes objetiva alterar direitos constitucionais oriundos de conquistas históricas da civilização ocidental, como o uso de mecanismos de padronização com base na justificativa pelo mito da neutralidade, da técnica e da negação ao fenômeno político, retrocedendo nos avanços conquistados em relação a direitos diante do absoluto desprezo que tem pelo Homem e pelo social. 17
13
Cf. José Eduardo. Faria. Direito e conjuntura: sociologia jurídica. FGV – Direito GV. São Paulo:
Saraiva, 2008. 11-47. pp. 31.
Para consultar:
H. C. F. Mansilla. Conflicto, Pluralismo y Mercado: como elementos de la democracia moderna. In: Revista de Estudios Políticos n. 39, mayo/junio. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. pp29-48.
14 Cf. José Eduardo Faria, 2008. Op. Cit.pp. 12-32
15 Cf. José Eduardo Faria 2008. Op. Cit. p. 34
16 Cf. Marcelo Figueiredo. As Agências Reguladoras: o Estado Democrático de Direito no Brasil e sua
atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2005.
17 Cf. Marcelo Figueiredo, 2005. Op. Cit. pp. 10-11.
25
O Estado Liberal se caracterizou pela racionalização e despersonalização
do poder político, instituindo a legalidade como controle da atuação do poder
estatal diante dos particulares, como forma basilar de garantir os direitos
fundamentais individuais. O poder passa a ser exercido na estrita forma da lei,
consagrando o Estado de Direito.
Nessa medida, na qual qualquer intervenção na esfera econômica deveria
ser mínima, com o mercado determinando os caminhos e a forma de disciplina da
atividade, através da sua lógica, em que qualquer distorção era corrigida,
mecanismo denominado, por Adam Smith, de “mão invisível”, o modelo liberal
clássico impunha ao próprio mercado, e somente a ele, a função de determinar os
rumos da economia e, por conseguinte, os eventuais desequilíbrios deveriam ser
corrigidos pela sua lógica.
Com efeito, a regulação privada pelo mercado, centrada na livre iniciativa,
na livre concorrência e na propriedade privada dos meios de produção afastava
qualquer atuação positiva do Estado, pois o universo dos indivíduos era
salvaguardado pelo princípio da legalidade.
Mas cabia ao Estado a função de garantidor da ordem institucional,
garantindo a propriedade privada e o cumprimento dos contratos, alguns serviços
públicos, que pela sua própria natureza e ante a possibilidade de falta de lucros,
deveriam ser prestados pelo ente estatal; isso tudo, sem prejuízo nas suas outras
funções, como: segurança, legislação e jurisdição.
Em decorrência das imperfeições desse modelo, surge a crise do Estado
Moderno, que se operou nas esferas política e econômica, já que era patente um
déficit de legitimidade no exercício do poder, diante da cumplicidade do Estado
com os detentores dos meios de produção e da concentração e do abuso do poder
econômico. Tudo isso a demonstrar que a autorregulação, pelo mercado, restava
essencialmente falha.
No que tange às necessidades sociais, o Estado Liberal demonstrou não
conseguir suprir, devido a um regime de mercado ineficiente para movimentar
grandes recursos para essa demanda, o que forçou a busca de uma nova forma de
legitimar seu poder político diante da sociedade. Aliado a isso, os acontecimentos
históricos como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, a crise econômica de
26
1929, o fortalecimento do sindicalismo, a influência da ideologia socialista e a
transformação da sociedade para pluriclasse, em que ocorreu a multiplicação de
interesses e demandas sociais, fizeram surgir o Estado Social, ou o ‘Estado do
Bem-Estar’18
A nova ordem, ou seja, o Estado Social buscava na ampliação das
atribuições do Estado a transformação de determinadas atividades comerciais,
industriais e sociais em prestação de serviços públicos, em nome da realização de
atividades econômicas, julgadas essenciais ou estratégicas, e até a utilização do
planejamento como fundamental instrumento para atingir a realização do interesse
público.
Ao poder de polícia, nesse contexto, na qualidade de regulador, coube uma
ampliação, já que o Estado intervém em todos os setores da vida social de duas
formas: a atuação em setores não relacionados com a segurança, atingindo
diretamente os particulares, e, por fim, a imposição de obrigações de fazer.
Em razão dessa mudança, com uma lógica a ser implementada, ocorreu um
visível fortalecimento do Poder Executivo em face do Legislativo, com ampliação
de suas atribuições na sua forma de atuação e de regulação através de
normativas, como decretos-leis, leis delegadas, regulamentos autônomos, medidas
provisórias, tudo acarretando em um inchaço de diplomas, que dificultou o devido
controle da função administrativa - a qual se incrementou para acima e para além
da possibilidade de controle19.
Por outro lado, o Estado Social e seus desafios, para se manter
politicamente legitimado, necessitou da captação de recursos financeiros, oriundos
dos próprios agentes econômicos, por conseguinte, da manutenção do regime
capitalista, mas sem descurar do objetivo visado e de seu fim: o interesse público.
A ingerência e intervenção do Estado, através de instrumentos de dirigismo
econômico, como fomento, prestação direta de atividades econômicas essenciais,
ampliação da estrutura, aliada a excessivas e inúmeras regulações que limitavam
18
Cf. Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 2009.
19 Cf.Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo. São Paulo: RT: 2011.
27
e afetavam liberdades econômicas e sociais fundamentais para alguns, contribuiu
para outra crise do Estado, originando a necessidade de um processo de reforma.
Com essa lógica, o Estado Social gerou uma nova crise, ou seja, nesse
plano de inserção do pressuposto de que o Estado, além de garantir a ordem
interna, a estabilidade da moeda e o funcionamento dos mercados, tem um papel
fundamental de coordenação econômica, ocasionando as crises: fiscal, do modo
de intervenção no plano econômico, e o social; da forma burocrática de
administrar.
Assim, pôs-se o desafio de necessidade de reforma no Estado diante do
conflito das forças dos interesses sistêmicos - acumulação capitalista –, dos
interesses coletivos - a legitimação política - e dos interesses burocráticos, que
acarretou nas ditas: crise fiscal, crise de legitimação e na crise de governabilidade.
Na realidade, as crises que se instauram estavam associadas, de um lado,
ao caráter cíclico da intervenção estatal, de outro, ao processo de globalização,
que reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados
nacionais20, urgindo por uma solução. A proposta encontrada, como solução,
deveria decorrer das reformas: administrativa, fiscal e política.
As novas tendências mundiais de reforma do aparato estatal caminhavam
para: a despolitização, a pluralização dos interesses, a subsidiariedade e a
delegação social, fatores entrelaçados de várias maneiras.
Nessa esteira, a despolitização vem a ser a eliminação do conteúdo político
desnecessário de decisões relativas aos interesses públicos, tomando por base as
vantagem por entes técnicos ou comunitários. No caso dos entes técnicos, afasta-
se a interferência inútil da política partidária e da burocracia; e no caso dos entes
comunitários, a esses efeitos, acresce-se o não menos relevante incremento da
legitimidade das decisões.
A pluralização dos interesses surge como resultado da identificação das
categorias metaindividuais, interesses coletivos e interesses difusos, que
combinam de vários modos com as categorias tradicionais, interesses públicos e
privados, tanto no campo da gestão como no da proteção.
20
Cf. Bresser Pereira. Cadernos MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
nº 1. Brasília, 1998. p.9.
28
E o Estado subsidiário21 deve prever que o Poder Público se retraia a uma
atuação subsidiária da atividade gestora das entidades privadas, tendo como
núcleo do seu princípio o reconhecimento da prioridade da atuação dos corpos
sociais sobre os corpos políticos no atendimento de interesses gerais22.
O princípio do Estado subsidiário aponta, assim, para a delegação social
como forma de devolver à sociedade organizada todas as atividades que, não
obstante a serem de definido interesse público, não necessitem de tratamento
político-burocrático, nem exijam ordinariamente o emprego do aparelho coercitivo
estatal23.
Por seu turno, as entidades intermediárias com as feições da antiga teoria
dos corpos intermédios, tal como via Montesquieu – que se originaram da
concepção pluralista da sociedade -, recentemente com a expansão dos interesses
metaindividuais, perdem algumas de suas características históricas em face do
campo fértil para sua multiplicação.
A expressão subsidiariedade abrange tanto as normas criadas pela
sociedade para cuidar de problemas derivados desses interesses coletivos e
difusos, quanto às criadas pelo Estado para atuar, por delegação, mais
proximamente das comunidades diretamente interessadas.
Dentro desse contexto surge a proposta de um Estado subsidiário como
solução. Modelo pelo qual deixa à iniciativa privada a realização das atividades
econômicas, restando para si aquelas de que participa ou nas quais intervém, ou
seja, somente em setores essenciais ou indelegáveis, cujo desempenho da
iniciativa privada apresente-se deficiente e ao mesmo tempo enseje uma
21
Conceito originado na prática federal suíça, exaltado no magistério pontifício, na Encíclica
Quadragésimo Ano, publicada em 15 de maio de 1931, na qual o Papa Pio XI ofereceu em enunciado; apontado como inspirador da Lei Fundamental da República da Alemanha e aplicado explicitamente pelo Tratado de Maastricht, o documento maior da União Europeia.
Para consulta:
José Alfredo de Oliveira Baracho. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. v. 5 n. 19. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. pp7 – 36.
22 Cf. Diogo Figueiredo Moreira Neto. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar,
2000. pp. 53-152.
23 Cf. Diogo Figueiredo Moreira Neto, 2000, Op.Cit. pp. 152-53
29
participação maior da sociedade na esfera política, bem como no controle das
atividades do governo.
Em termos esquemáticos, esse modelo se caracteriza pelo uso de
instrumentos como a desestatização, que ocorre através da privatização de
empresas públicas, prestadoras de serviços públicos ou não; ampliação de
fomento estimulando o particular na satisfação dos seus próprios interesses; de
parcerias com o setor privado; a desregulamentação, restabelecendo a liberdade
de atividade econômica do indivíduo; e a alteração do conceito de interesse
público.
Com relação, especificamente, à desregulamentação representa um
conjunto de medidas liberativas visando diminuir restrições que o modelo estatal
social impôs à iniciativa privada, principalmente, no campo econômico. Apesar de
o Estado renunciar desempenhar diretamente atividades econômicas, ele vai
buscar, através da criação de agências reguladoras, uma intensificação da
regulação de forma externa. Isso quer dizer que o papel do Estado produtor e
prestador de serviços, na área de serviços públicos, traz como consequência um
aumento significativo do seu papel de regulador. O desafio de agora é de
administrar contratos24.
Como podemos observar, nesse modelo de Estado, a sociedade terá um
papel essencial e fundamental, mas como ela se encontra no contexto pátrio se
traduz em mais um desafio a ser transposto, como iremos ver adiante.
III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA
Para uma análise contextual da sociedade, o enfoque atual das instituições
nos remete a algumas inserções necessárias.
A primeira decorre da constatação de que qualquer que seja a ação vital
compartilhada pelos homens de uma sociedade está presente a política, seja no
24
Cf. Floriano de Azevedo Marques Neto. Do contrato administrativo à administração contratual. In:
Revista do Advogado v. 29 n. 107. São Paulo: AASP, 2009. pp. 74-82.
30
aspecto privado ou público. A vida em família, as interações com as pessoas no
bairro, na escola, como partes integrantes da cidade, a pertença a um Estado e a
um país pressupõem algum envolvimento com a esfera política.
A ação de se jogar lixo nas ruas ou não, a participação na associação de
bairro ou o ato de fazer parte de uma entidade religiosa ou trabalhar com voluntário
em uma causa demandam, no mínimo, o conhecimento de algumas regras de
convivência social, e isso já configura uma ação política. Assim sendo, é preciso não
confundir a ação política com o simples ato de votar. A ação política permeia todas
as atitudes do cotidiano de uma sociedade.
Assim, a política tem sido considerada em sua relação com o espaço público,
no qual são deliberadas e decididas as ações concernentes à coletividade, de
maneira que determine as formas de sociabilidade nas sociedades. Essas
deliberações e decisões definem, por conseguinte, a forma de poder e o exercício do
governo. Concebe-se, assim, a política a partir do Estado e das instituições estatais,
das formas de governos, da existência de partidos políticos e da presença ou
ausência de eleições.25
Na realidade, as formações sociais são instituídas pela ação política, havendo
uma distinção entre força, autoridade e poder. A força opera por meio da violência,
com a finalidade de eliminar diferenças; a autoridade, pela formação do sentimento
comunitário, considerando as diferenças como secundárias.
De fato, o poder, quando não se transforma em dominação, opera no sentido
de legitimar as diferenças26. O poder é essencialmente repressivo e o torna por dois
ângulos: pelo uso da vigilância constante e difusa, e na instituição da sociedade
disciplinar.
Nesse sentido, daí a assertiva de Foucault sobre a soberania ser o poder de
fazer morrer ou deixar viver 27 .
25
Cf. CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.) NOVAES, A. Rio de Janeiro:
Agir, 2007. pp. 27-54. p. 33.
26 Cf. Hannah Harendt apud CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.)
NOVAES, A. Rio de Janeiro: Agir, 2007, pp. 27-54, p. 33
27 Cf. Michel Foucault apud CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.)
NOVAES, A. 2007. Op. Cit. p. 33
31
Mas no contexto Pátrio, nos dias atuais, deparamos-nos com uma sociedade
multiétnica, nacional, linguística ou religiosa. E para atingir a almejada paz, urge a
necessidade não só de impedir a discriminação das minorias, mas também de criar
formas de preservar a sua identidade e, como decorrência do princípio majoritário,
de moldar-se, em observância não apenas aos limites formais ou procedimentais,
mas também aos limites materiais28.
Na tarefa da análise da sociedade decorre a necessidade de se refletir sobre
três aspectos: democracia, representação e participação, o que iremos proceder a
seguir.
O conceito de democracia, como a forma de governo em que o poder é
atribuído ao povo e o qual é exercido em harmonia com a vontade expressa pelo
conjunto dos cidadãos titulares de direitos políticos, enquanto tal, traduz os anseios
coletivos, não se traduz mais simplesmente na titularidade do poder atribuída ao
povo ou ao seu reconhecimento na vontade do povo, que dá origem à soberania.
Também, não basta declarar que o poder em abstrato pertence ao povo, ou que já
lhe pertenceu num momento pretérito e que ele o exerceu de uma vez para sempre
– donde a legitimidade de tipo democrático, em que o poder constituinte, aprovação
da Constituição positiva competiu ao povo, ficando os poderes constituídos para os
governantes.
A democracia, hoje, exige muito mais para viabilizar um exercício de poder
pelo povo, pelos cidadãos com direitos políticos, em conjunto com os governantes. A
atualidade desse exercício traduz a capacidade dos cidadãos de formarem o que se
convenciona chamar de vontade política autônoma perante os governantes, significa
que a vontade do povo, quando manifestada nas formas constitucionais, deve ser o
critério de ação dos governantes.29
28
Cf. Jorge Miranda. Povo, democracia, participação política. In: Revista Latino-Americana de
Estudos Constitucionais. n. 8. janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albaniza Sarasate, 2008. 16-49. pp . 27.
29 Cf. Jorge Miranda, .2008. Op. Cti p 27.
Cf. José Afonso da Silva. Democracia e direitos fundamentais. In: Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. 369-370.
Consulte-se obra de referência:
Paulo.Bonavides. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. Malheiros: São Paulo, 2008.
32
Ora, se a democracia é o governo do povo, fica evidente no contexto
contemporâneo que este, diretamente sozinho, não tem condições de exercer o
governo30, o que se traduziria numa autêntica democracia direta, onde os
participantes do grupo social votam diretamente as leis que governam, muito
embora, no final do século passado, essa ideia tenha reaparecido, ainda como
utópica, é verdade, graças ao desenvolvimento da informática31.
Tal ideia de representação surge na época de Revolução Francesa, quando
se desenvolveu cabalmente esse conceito32.
30
Ver nesse sentido.
Celso Ribeiro Bastos. Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed.. São Paulo: Editora Celso Bastos,
2004. p. 129
31 Nesse sentido ver
Tércio Sampaio Ferraz Junior. Assembleia Constituinte, Processo, Poder. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985. p. 21.
Sérgio Soares Braga. Podem as novas tecnologias de informação e comunicação auxiliar na consolidação das democracias? Um estudo sobre a informatização dos órgãos legislativos na América do Sul. vol. 13, n. 1, junho. Campinas: Opinião Pública, 2007.
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cidadania, mídia e política: relacionamento sociedade civil, meios de comunicação e parlamento. Biblioteca Digital. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br;
Nilson Vidal Prata. Informação, Democracia e Poder Legislativo: a dimensão informacional do
processo de participação política. v. 11. n. 17, jul./dez. Belo Horizonte: Cadernos Escola do
Legislativo. 2009.pp 29-58.
Alejandro Vivanco Sepúlveda Parlamento eletrônico e transformação da democracia representativa.
Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2002.
Fabiana de Menezes Soares & Louise Menegaz Barros & Natália de Assis Faraj. Legimática: a tecnologia da informação aplicada à qualidade da produção legislativa. v. 6, n. 2, out. Brasília: Senatus, 2008.
32 No tema, consultem-se:
José Carlos Brandi Aleixo. Democracia representativa. In: Revista Informação Legislativa ano 14, n. 53, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1977.
Fátima Anastasia & Felipe Nunes. A reforma da representação. In: Reforma Política do Brasil. Leonardo Avritzer & Fátima Anastasia. (Orgs). Belo Horizonte: UFMG, PNUD, 2007.
Andrew Arato. Representação, soberania popular e accountability. In: Lua Nova n. 55-56, São Paulo: CEDEC, 2002.
Simone Bohn. Ainda o velho problema da distorção da representação dos estados na Câmara dos Deputados. In:Gláucio Ary Dillon Soares & Lucio R. Rennó. Reforma Política. Lições da história recente. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
33
Mas, será na Idade Média que encontraremos as primeiras manifestações
do que viria, mais tarde, a ser um sistema representativo. A democracia
representativa, no seu delinear histórico, como se referiu Montesquieu, ou na alma
anglo-saxônica, sempre a pleitear liberdade ou ainda formas eletivas como
estabelecidas na Igreja Católica e nas ordens religiosas, é fruto das ideias de
Sieyès, preclaro teórico da primeira fase da Revolução Francesa, quando afirmou: “o
povo não pode ter mais que uma voz: a legislação nacional”.
Desde então, muito polemizada até os nossos dias, a democracia
representativa sempre suscita acirradas controvérsias, em outras palavras, nunca foi
um conceito pacífico. Já que, ela pressupõe voto, e daí surge uma das primeiras
grandes discussões sobre quem tem direito e dever de exercer o voto. Hoje, resta,
em grande parte superada, a polêmica quanto ao voto das mulheres e dos
analfabetos, os desafios que se põem são de outra ordem.
A história do voto, no Brasil, remonta às eleições dos oficiais das Câmaras
Municipais - ainda enquanto colônia -, seguida pelas eleições gerais para as Cortes
Paulo Bonavides. O sistema representativo. In: Revista de Informação Legislativa vol. 7 n. 26,
abril/junho. Brasília: Senado Federal, 1970.
Joaquim Francisco. A democracia representativa na República (Antologia). Brasília: Senado Federal,
1998.
Bolivar Lamounier & Francisco C. Weffort & Maria Victoria Benevides. (Orgs). Direito, Cidadania e Participação. São Paulo: T.A. Queiroz, 1981.
Adrián Gurza Lavalle & Peter P. Houtzager & Graziela Castello. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. In: Lua Nova, Revista de Cultura e Política n. 67, São Paulo: Cedec,
2006.
Bernard Manin. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências
Sociais n. 29 ano 10, outubro. São Paulo: ANPOCS, 1995.
John Stuar Mill. O governo representativo. Trad. E. Jacy Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1983.
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Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008.
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americana de Estudos Constitucionais n.6, julho/dezembro. São Paulo: Del Rey, 2005.
Fernando Sabóia Vieira. Representação e participação no Parlamento. In: Débora Messenberg [et al]. Estudos Legislativos: pensamento e ação política. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.
http://bd.camara.gov.br
34
de Lisboa, pelas eleições no Império (1824-1889), com a prática do voto no primeiro
período republicano até os nossos dias33.
Mas no que o voto se traduz? O voto para o senso comum se traduz em um
ato de cidadania, em um direito e em um poder, uma garantia livre de opinião
política, símbolo da democracia; nas definições conceituais, o modo de se
manifestar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembleia; sufrágio; ato
ou processo de exercer o direito a essas manifestações, e seu resultado.
A partir dessa reflexão da relação entre o cidadão e o Estado, o voto faz parte
do rol de seus deveres cívicos e deve traduzir as escolhas pelas políticas e pelo
cuidado com as coisas públicas. Portanto, deve procurar as informações
necessárias para que se exerça essa prerrogativa com o máximo de consciência
possível.
Mas, aqui, reside o desafio do direito e do exercício do voto que se impõem
na democracia representativa, os problemas atinentes à vida do Estado tornaram-se
muito complexos no mundo moderno, implicando conhecimentos de toda sorte:
econômicos, sociais, diplomáticos, que, na maioria das vezes, não estão ao alcance
do cidadão comum.
Voto e Estado não são abstrações, geram os recursos da sociedade e o bem-
estar, e o sucesso pessoal está na estrita dependência de uma sociedade regida por
pessoas competentes e dentro de princípios mínimos de ética e moralidade34.
Na realidade, urge então a especialização aliada à constatação de que as
grandes massas não possuem condições de tomar decisões ponderadas e
refletidas, pois a psicologia social já identificou com bastante precisão os fenômenos
de despersonalização do indivíduo quando envolvido em movimentos
multitudinários.35 A falsa convicção de que basta cuidar dos seus assuntos pessoais
para se alcançar êxito em detrimento de interesse pelas coisas públicas não irá
ofuscar a realidade e a verdade, que estão colaborando para a manutenção do
status quo.
33
Cf. Leticia Bicallo Canêdo. Aprendendo a votar. In: História da Cidadania. (Org.) Jaime Pinsky e
Carla Bassanezi Pinky. São Paulo: Contexto, 2008. pp517-543.
34 Cf. Celso Ribeiro Bastos, 2004, Op. Cit. pp.48 - 49
35 Nesse sentido ver Celso Ribeiro Bastos, 2004, Op. Cit., p. 131
35
Diante disso, surgem correntes de estudiosos sobre a democracia
representativa com o intuito de desenvolver procedimentos e mecanismos capazes
de dar conta aos desafios postos.
A primeira questão que se põe é de como desenvolver e sustentar uma
participação dos cidadãos nos processos políticos de forma mais substantiva e
assegurada do que normalmente se constata na democracia representativa liberal. A
segunda é de como evitar que a democracia, em crise, confrontada com uma série
de déficits democráticos que põem em questão a sua vitalidade e o seu próprio
significado, possa manter sua qualidade.
A terceira é como entender o fenômeno nas democracias maduras, do
declínio da participação política ao “esvaziamento” da política, com o poder
crescente de interesses específicos. E, por fim, a quarta questão decorre da
constatação de que as grandes transformações decorrentes das constituições
vigentes na América Latina, nas últimas décadas, serão capazes ou não de
solucionar os problemas da pobreza, do crescimento da desigualdade e de justiça
social. 36
Alguma resposta a essas indagações e as abordagens de democracia em
busca de uma solução podem ser detectadas.
A primeira remete ao pensamento neoliberal, que tem por objetivo um
progressivo enfraquecimento do Estado através da combinação da descentralização
com a privatização, em que o papel dos cidadãos se resume ao de mero consumidor
que manifesta suas preferências por meio das escolhas de mercado, podendo ter,
em nível local, uma coprestação, mas com pouco poder democrático efetivo sobre
as políticas estatais.
A segunda visão diz respeito ao modelo liberal de democracia representativa,
no qual a ênfase consiste na ordenação das instituições e dos processos
democráticos através de processos eleitorais competitivos e multipartidários,
cabendo ao cidadão ser eleitor, e, em contrapartida, usufruir de direitos individuais,
em questões referentes à propriedade privada, liberdade de expressão e associação
política, sem interferência do Estado.
36
Cf. John Gaventa. In: Novos espaços democráticos: perspectivas internacionais. (Orgs) Andrea
Cornwall e Vera Schattan P. Coelho. São Paulo: Editora Singular, 2009. pp. 13 – 21.p. 15 e ss.
36
Uma terceira se apoia na solução através do investimento. Abordagem
amplamente promovida pelos financiadores do desenvolvimento por meio de seus
programas de democratização. Sua argumentação é de que a tendência ao elitismo
ou a falta de prestação de contas por parte do poder público, identificada nas
abordagens com modelos institucionais tradicionais, pode ser compensada pelo
investimento em busca de uma sociedade fortalecida e nas instituições políticas e
nas políticas eleitorais.
Assim, essa tarefa estaria baseada na ideia perene da importância do
associativismo na democracia, uma sociedade civil37 robusta pode funcionar como
elemento para fiscalizar e fazer frente à conduta do governo, por meio de
reivindicações, da defesa de interesses específicos, da atuação como fiscal e, de
modo geral, da atuação como um contrapeso em relação ao Estado.
Mas, a ela, um desafio se impõe: a sociedade civil e a sociedade política
podem ser claramente separadas uma da outra na prática cotidiana?
Outra vertente, oriunda de longas tradições democráticas, é a segundo a qual
não basta um conjunto de regras, procedimentos e modelos institucionais, cuja
participação é reduzida aos processos eleitorais. A solução necessária é de que
antes de qualquer coisa deve haver um processo por meio do qual os cidadãos
exerçam um controle aprofundado sobre decisões que afetam suas vidas de
inúmeras formas e numa variedade de arenas.
Especialmente, na América Latina, essa visão trata também da extensão dos
direitos, ou seja, além dos direitos políticos e civis, os direitos sociais devem fazer
parte do exercício da cidadania plena, através de processos participativos e com a
criação de direitos por meio de lutas e demandas provenientes da sociedade, e,
dessa forma, a base democrática estará constantemente em construção.
Outras visões têm foco no aprofundamento do envolvimento democrático por
meio da participação dos cidadãos nos processos de gestão em conjunto com o
37
Para o conceito de Sociedade Civil, pode-se consultar:
Miguel Reale. A sociedade civil e a ideia de Estado – o Estado da Civilização Cibernética. In: Miguel Reale. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 29-44.
Bernardo Sorj. (Des)construindo a sociedade civil na América Latina. In: Bernardo Sorj (Org). São
Paulo: Paz e Terra, 2010.pp 7-16.
37
Estado, mediante o que se passou a chamar de abordagens da “cogovernança”38.
Na prática se traduz em formas participativas de governança a suplementar o papel
dos cidadãos como eleitores e sentinelas, por meio de formas mais diretas de
envolvimento, principalmente na formulação das políticas públicas nacionais a novas
determinações constitucionais ou jurídicas, visando à participação cidadã na gestão
de assuntos locais.
Todavia, existe uma abordagem associada à participação democrática. Tal
abordagem se concentra na qualidade da deliberação que ocorre quando cidadãos
se reúnem para discussões e debates públicos.
A democracia mais deliberativa, na qual os cidadãos voltam para os
problemas públicos por meio de um raciocínio conjunto sobre a melhor maneira de
solucioná-los, tem o ambicioso objetivo de passar da barganha à comunicação.
Nessa esteira, duas matrizes se destacam: a procedimental e a substantiva. A
primeira entende que a deliberação deve de estar aberta quanto aos resultados com
o devido respeito às condições procedimentais, enquanto que, para a segunda, a
deliberação deve promover a aplicação de princípios justificados prévia e
monologicamente, mas estando fechada parcialmente aos resultados.39
Na realidade, as constatações plausíveis dessas várias vertentes, em busca
de repostas nas suas mais diversas abordagens, deságuam em visões
substancialmente diferentes sobre o papel dos cidadãos no gerenciamento de seus
próprios assuntos.
A primeira grande dificuldade com a qual o processo de democratização se
depara é o de transformar as pessoas em cidadãos, reconhecendo-as como tais, ao
invés de beneficiários ou clientes.40 Nesse sentido, a solução encontrada se dá
38
Para o conceito de governança:
Eli Diniz. Governabilidade, democracia e reforma do Estado: os desafios da construção de uma nova ordem no Brasil nos anos 90. In: Reforma do Estado e Democracia no Brasil. Eli Diniz & Sérgio de
Azevedo. (Orgs.) Brasília: Unb, Enap, 1997. pp19-54.
39Cf. Claudio Pereira de Souza Neto. In: A reconstrução democrática do Direito Público no Brasil.
(Org.) Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pp. 43 – 82. Segundo Claudio Pereira de Souza Neto, a democracia deliberativa tem por base a obra de Habermas, bem como outros teóricos como Cohen e Dryzek.
40Cf. Andrea Cornwall e Vera Schattan P. Coelho, 2009. Op. cit. p. 30.
38
através dos meios para uma efetiva participação, que exige também processos de
educação e mobilização popular a incrementação de habilidades e da confiança de
grupos marginalizados e excluídos, possibilitando que esses ingressem e se
envolvam nas arenas participativas. Criar cidadania, espaços nos quais, aprendendo
a participar, os cidadãos agucem sua capacidade política e adquiram habilidades.
Ainda no que diz respeito às questões quanto à representação desses
excluídos, uma reflexão se faz necessária: será que a sociedade civil, os cidadãos,
os usuários, em que legitimidade se firma e o que se traduz dessa referida
representação na prática? Para essa indagação não há uma única resposta, posto
que adversidades das formas de política e perspectivas para a democracia emergem
em diferentes contextos culturais e políticos.
Por outro lado, será que o simples fato de por no lugar essas estruturas de
participação será suficiente para criar políticas viáveis, já que muitas delas
dependem de motivações e a dita participação, levando também, aqui, a uma
reflexão sobre o que e no que resulta efetivamente a participação? A resposta
remete a sua polivalência como conceito correspondente a diversas compreensões
daquilo que pode ser conquistado, compreensões estas que estão em constante
negociação.
O que faz a participação efetiva e inclusiva é a conjunção de três fatores
decisivos: o envolvimento de um amplo espectro de movimentos populares e
associações civis, burocratas comprometidos e desenhos institucionais que façam
frente a práticas excludentes e enviesadas.
Em decorrência do exposto, outras duas reflexões se põem: que efeitos têm
as esferas participativas sobre a cidadania e o envolvimento político, e quais são os
efeitos negativos, como a desilusão e o enfraquecimento gradual da energia e do
envolvimento.
Assim, a participação se traduz em um processo gradual, movido por atores
que tem seus próprios projetos sociais e políticos, enfatizando a importância de
contextualizar as instituições da esfera participativa41 em relação a outras instituições
políticas, situando-as no panorama sociocultural e histórico de que fazem parte42.
41
Nesse contexto de importância apresentam-se as comissões de legislação participativa. Sobre
democracia participativa, para consulta:
39
No que concerne ao nosso estudo, as instituições estão sendo postas em
xeque e uma delas, pela sua complexidade, encontra-se mais vulnerável dentro
desse turbilhão, o Poder Legislativo, do qual passamos a tratar doravante.
Portanto, para continuar o objetivo do presente estudo, e para que o nosso
raciocínio fique estruturado, devemos trazer à baila os desafios postos sob o
enfoque dos princípios republicanos e federativos adotados pela Carta de 1988.
Aparecida de Moura Andrade. A participação da sociedade civil no processo legislativo: a contribuição da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital da Câmara dos
Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados 2003. http://bd.camara.gov.br
Amilcar Amaral Couto. Comissão de legislação participativa da Câmara dos Deputados. Participação da sociedade civil organizada na elaboração das leis orçamentárias anuais de 2002 a 2006. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. http://bd.camara.gov.br
Humberto Dantas & Sérgio Praça. Democracia: educação, participação e cultura. Cadernos do ILP, Instituto Legislativo Paulista, ano 1, n. 1. Assembleia Legislativa. São Paulo: Instituto Legislativo Paulista, disponível em: http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/ilp/cadernos_ilp_formacao_cidadania.pdf
Maria Garcia. O processo legislativo e os sentidos da liberdade. Participação e exercício da cidadania. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política v. 3 n. 13. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995.
Thamy Pogrebinshi. Conferências Nacionais, participação social e processo legislativo. Série
Pensando o Direito n. 27. Brasília: IUPERJ, PNUD, MJ, 2010.
Nivaldo Adão Ferreira Júnior. Comissão de Legislação participativa: a construção da democracia deliberacionista. E-Legis n. 01, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br
Luiz Claudio Alves dos Santos. A participação da sociedade na iniciativa das leis: da iniciativa popular à Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2007. http://bd.camara.gov.br
Goffredo Telles Júnior. A democracia participativa. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n.6, julho/dezembro. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
Hélio Tollini. Em busca de uma participação mais efetiva do congresso no processo de elaboração orçamentária. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.
http://bd.camara.gov.br
42 Permanecem como temas para estudos, debates e pesquisas o tema da “cultura política”,
igualmente o tema dos chamados estudos culturais na política, nesse sentido:
Paulo J. Krischke. A cultura política em Porto Alegre e Curitiba: democracia, modernização e o conteúdo da razão pública. In: Revista Sociedade e Estado v. 20, n. 1. Brasília: 2005, Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922005000100004.
____. Regime ou cultura no estudo da democratização. In:Revista Lua Nova n. 50. São Paulo: Cedec, 2000, disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64452000000200007&script=sci_arttext
40
IV. DO PRINCÍPIO REPÚBLICANO E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO
Da feição da Carta de 1988, podemos afirmar que o princípio republicano é de
suma importância, como assim dispõe o texto constitucinal:
O Brasil é uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos: I – a soberania, II – a cidadania, III – a dignidade da pessoa humana, IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, V – o pluralismo político. (artigo 1º da CF)
1. O princípio republicano.
O princípio republicano é um princípio fundamental e básico, informador de
todo o sistema jurídico brasileiro, cuja ideia de república domina não só a legislação,
como o próprio texto constitucional inteiramente, de modo inexorável, penetrando
todos os seus institutos e esparramando seus efeitos sobre os mais modestos
escaninhos ou recônditos meandros.43
Em linhas gerais, o regime republicano caracteriza-se pela tripartição do
poder político e pela periodicidade dos mandatos políticos, com consequentes
responsabilidades dos mandatários.
Assim, leciona Geraldo Ataliba, que os mandamentos constitucionais
estabelecem complexos e sofisticados sistemas de controle, fiscalização, responsabilização e representatividade. Como tal configuram-se como mecanismos de equilíbrio e harmonia (checks and balances do direito norte-americano, aqui adaptados pela mão genial de Ruy) da “função primacial” do sistema jurídico brasileiro, no equacionamento, reforço e garantia do princípio republicano.44
43
Cf. Geraldo Ataliba. Constituição e república. 2 ed. Atualizada por Rosaléa Miranda Folgosi. São
Paulo: Malheiros, 1998.p. 31.
44 Cf. Geraldo Ataliba, 1998. Op. cit., p. 37.
41
A importância desse princípio também é reiterada por Adriano Pilatti, que
estabelece um feixe de atributos mínimos que caracterizam a república. Ele parte da
afirmação de que ela, a república, é uma entidade radical, marcada pela concepção
igualitária de bem público, cujo titular é o povo, compreendido como um conjunto de
cidadãos livres e iguais no exercício de seus direitos. Como segunda característica,
ele afirma rigorosamente a distinção entre o patrimônio público e o privado dos
governantes, fator este que deverá nortear a atuação de todos os agentes estatais,
sobretudo quando essa é traduzida em atos de gestão da coisa pública, com a
imposição de deveres inarredáveis de impessoalidade e de prestação de contas.
Assim, a eletividade dos governantes, principalmente a do Chefe de Estado,
além da temporalidade dos seus mandatos e a consequente periodicidade das
eleições, possibilita a responsabilização político-jurídico de todos os agentes
públicos, sem exceção, quando ocorrer a prática de atos lesivos ao bem público.45
Nota-se que a Constituição de 1988 estabeleceu, em seu artigo 2º, que são
poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, sendo vedada
expressamente, pelo artigo 60, § 4º, incisos II e III, qualquer forma que venha abolir
o preceituado. Seu escopo, no entanto, não preceitua a separação ou independência
absoluta dos poderes, mesmo porque, há na própria disposição constitucional, a
previsão de harmonia entre eles.
Flávia Viveiros de Castro leciona
No que pertine à harmonia entre os poderes do Estado, a referência que deve ser feita diz respeito à mútua interferência entre os mesmos, visando à criação de um sistema de freios e contrapesos, indispensáveis para que se evite o arbítrio e o abuso de poder. Cria-se um complexo sistema de corresponsabilidades, que busca o equilíbrio e controles recíprocos.46
45
Cf. Os princípios da Constituição de 1988. A. Pilatti. In: M. Peixinho e I.F Guerra e F Nascimento
Filho. (Org.) Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p.130.
46 Cf. Flávia Viveiros Castro. In: Os princípios da Constituição de 1988. M. Peixinho e I.F. Guerra e
F.Nascimento Filho. (Org.) Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. p. 149.
42
Depreende-se, assim, que o poder do Estado47 é uno e compartilhado entre
entidades que desempenham funções e atividades constitucionalmente atribuídas a
cada uma, independentes umas das outras, sem que nenhuma seja predominante.
No uso das prerrogativas que competem a cada poder do Estado, há as
denominadas de poder de iniciativa, que de modo geral estão distribuídas pela
Constituição. Ao observar a estrutura constitucional brasileira, constata-se que os
poderes exercem funções típicas e atípicas48, e que a limitação de um Poder pelo
outro está na própria Constituição, ao estabelecer sistema de freios e contrapesos,
como por exemplo, ao dar competência ao Legislativo para elaborar leis, mas as
submete à sanção e promulgação do Executivo, assim como as submete ao controle
constitucional do Judiciário; ou, quando atribui competência ao Executivo para
administrar os seus serviços, submetendo-o às leis do Legislativo e ao julgamento
do Judiciário; ou ainda quando confere competência ao Judiciário para dizer o direito
no caso concreto, mas condiciona o seu julgamento às leis do Legislativo, bem como
condiciona o exercício do cargo de magistrado das Cortes Superiores à indicação do
Executivo e à aprovação do Legislativo. A finalidade é elemento permanente e de
vinculação da conduta do agente administrativo, como do legislador ou do juiz.
Mas a Carta Maior foi além ao assegurar a liberdade e autonomia de atuação
dos membros de cada poder, pois estabelece vedações, como os artigos 54, incisos
I e II, com o objetivo de garantir a reta atuação dos integrantes do Parlamento ou
47
Cf. Marcello Caetano, refletindo sobre os dois sentidos da expressão “poderes do Estado” esclarece
que: “(...) a expressão poderes do Estado é empregada em dois sentidos: umas vezes os autores e as leis referem-se às diversas faculdades de agir, contidas no poder político; outras querem significar os sistemas de órgãos pelos quais se encontra dividido o exercício das formas de autoridade política. (...) Como se vê, quando se toma a expressão <poderes do Estado> nesta primeira acepção suscita-se um problema de carácter filosófico que pode ser resolvido especulativamente, por via dedutiva: a partir do conceito de poder político deduzem-se as potencialidades ou faculdades que estão contidas na sua essência. E portanto, os diversos autores podem pretender formular sobre o tema as suas teorias, consoante o conceito de soberania de que partem o método que seguem, procurando uma visão mais exata ou mais completa da questão.na segunda É claro que se os poderes do Estado são órgãos ou sistemas de órgãos pelos quais é repartido o exercício das faculdades da soberania segundo critérios pragmáticos, isto é, olhando apenas à eficiência sob o ponto de vista do funcionamento do sistema político ou da garantia da liberdade individual, o problema de saber quais eles sejam, ou quantos devam ser, passa a ser mera questão da arte política, variável consoante os critérios a que obedeça o ordenamento de cada sistema constitucional.” (Marcello Caetano. Manual de ciência política e direito constitucional. 6. ed. ver. e ampl., v.1. Por Miguel Galvão Teles. Coimbra:
Almedina, 1996, pp. 199-201)
48 Cf. Marcello Caetano, 1996. Op. Cit., pp. 86 e 70.
43
mesmo, quando impõem no parágrafo único, incisos I, II e III do artigo 95 vedações
aos membros do Poder Judiciário.
O Poder Executivo quando pratica os atos de chefia de Estado, de governo e
da administração, está assim, exercendo função típica estabelecida pela
Constituição Federal, conforme o artigo 84, incisos I, II, XXIV e XXV. A função
atípica normativa será exercida de modo generalizado, no caso previsto no artigo 49,
XI, da Constituição Federal; e de modo específico em outros dispositivos
constitucionais, como no artigo 84, incisos III, IV, V, VI, XXIII, XXVI; e mais,
compete-lhe à expedição de regulamento para a fiel execução das leis, conforme o
artigo 84, inciso IV, última parte. Contudo, no exercício do poder disciplinar, que lhe
cabe sobre o seu pessoal, o Executivo julga administrativamente os seus servidores,
mas sem afastar o recurso ao Judiciário, em caso de lesão ou ameaça ao direito1,
exercendo a função atípica de julgar.
O Poder Judiciário é independente e fundamental como instrumento
concretizador das liberdades e franquias constitucionais1, a sua função típica é a de
julgar os casos concretos de lesão e ameaça ao direito, conforme se vislumbra nos
artigos 102, 105, 108, 114, 124 da Carta Maior. Mas, como irá ocorrer no Poder
Legislativo, para executar a sua função típica, terá que exercer, atipicamente, a
função administrativa quanto aos seus membros, seus servidores e seus bens, como
dispõe o texto constitucional nos artigos 93 e 96 inciso I, letras "b", "c", "d", "e" e "f",
e ainda no artigo 99. Exercerá função legislativa atípica conforme o estatuído
constitucionalmente no artigo 96, inciso I, "a" segunda parte e inciso II, da CF.
Finalmente, ao Poder Legislativo, no cumprimento da função típica de legislar,
cabe a ele editar leis, conforme está estabelecido na Constituição Federal em seus
artigos 48 e 49. O artigo 49, inciso XI, estabelece que compete também ao
Legislativo zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da
atribuição normativa dos outros poderes. Como ocorre com o Poder Judiciário, o
Legislativo irá exercer atividade administrativa sobre seu pessoal e seus bens. Mas,
ao julgar o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, conforme artigo
86 da Carta Magna, estará exercendo atipicamente função julgadora. Contudo, nos
dias de hoje, a sua função fiscalizadora vem se destacando, tornando-se tão
essencial quanto à sua função típica de legislar, ao realizar fiscalização contábil,
44
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo, conforme
estipula a Carta de 1988 nos seus artigos.
Assim, em termos esquemáticos, o ponto de partida sobre o espírito
republicano, plasmado pela Nação na Carta de 88 se desdobra ao longo do texto
constitucional com inúmeras regras, dando o conteúdo exato e a precisa extensão
da tripartição do Poder que os mandatos políticos e sua periodicidade implicam na
alternância no poder. Estabelece responsabilidades dos agentes públicos, visando à
proteção das liberdades públicas e, por fim, mecanismos de fiscalização e controle
do povo sobre o governo, tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal.
A reflexão que se impõe para o presente estudo consiste no fato da República
se traduzir no regime político em que os que exercem de funções políticas –
executivas e legislativas – representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o
com responsabilidade, eletividade e mediante mandatos renováveis periodicamente.
Como aceitar o presidencialismo de coalizão em nome de uma pseudo
governabilidade, contrariando os mais basilares fundamentos republicanos adotados
pelo povo brasileiro na Carta Magna de 1988, como sendo uma prática condizente
com os ditames constitucionais?
Somente uma atuação firme e consistente perante o Poder Judiciário pode
corrigir a distorção encontrada no presidencialismo de coalizão, em que ocorrem
nomeações de integrantes do Poder Legislativo para integrar a burocracia estatal.
Mecanismo nefando de cooptação do Poder Executivo, que distorce todos os
mecanismos de controle dispostos à mão do legislador e do povo, fazendo de mera
decoração os institutos da sabatina e do impeachment, bem como de outros
instrumentos de controle e avaliação de políticas públicas, como a requisição de
informações e a convocação de autoridade.
Deve ser declarada a inconstitucionalidade de tais espúrias nomeações, pois
cargo em comissão deve ser provido por meio de indicação do Chefe do Poder
Executivo para agentes públicos concursados e não para agentes políticos eleitos49.
Nesse sentido, é clara a indagação:
49
Cf. Marcos Roberto Gentil Monteiro. Hermenêutica constitucional do provimento em comissão.
Fundação Toviêdo Teixeira. Aracaju: Editora-UFS, 2005. pp. 23-170, p. 132
45
“É legítimo e ético um deputado ou um senador aceitar convite para exercer
outras funções?”50
2. Do conceito federativo. 51
Em seu artigo 18 está o conceito de federação ao determinar que
(...) todos são autônomos nos termos desta Constituição. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Dito de outra forma, no pacto federativo atual, adotado pela Constituição de 1988, os Municípios são reconhecidos como terceiro nível de poder, igualmente investidos de autonomia52. Convém lembrar que esta
autonomia aponta para a sua auto-organização, autogoverno e autodeterminação.53
O termo federação se origina do latim foedus foediris, com o sentido de
aliança, pacto, união. É estudado a partir da reflexão sobre as formas de Estado.54 A
Federação é, por conseguinte, uma forma de organização do Estado que se baseia
50
Cf. Ruy Martins Altenfelder Silva. Respeito ou desprezo ao voto do eleitor? Jornal o Estado de São
Paulo, terça-feira, 26 de abril de 2011. p A2.
51 Sobre o tema, obra de consulta obrigatória: Fernanda Dias Menezes Almeida. Competências na
Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 2000.
52 A novidade é que os municípios adquiriram uma autonomia sem precedentes, e aos estados coube
uma competência residual que pode ser interpretada de duas maneiras: tornou-se o nível de governo com maiores atribuições, uma vez que lhe compete tudo o que não for expressamente vedado no texto constitucional, ou como um nível de poder sem atribuição específica.
53 Existem correntes doutrinárias contrárias a essa afirmação. Para alguns doutrinadores o Município
não é peça da Federação e fundamentam das mais diversas formas. Dentre eles José Afonso da Silva, José Alfredo de Oliveira Baracho, Raul Machado Horta, José Nilo de Castro. A favor, Hely Lopes Meirelles, Celso Ribeiro Bastos e Paulo Bonavides.
54 Desde o seu surgimento as clássicas formas do Estado são representadas pela confederação, pela
federação e pelo regime unitário. Há dois tipos de Estado: unitário e composto confederação e federação. Em razão de processo histórico e perfil político, cada um irá adotar a sua forma, já que não há rigidez que impossibilite eventuais particularidades, nem impede que seja adotada forma de certo modo híbrida, com a presença de alguns elementos de uma das modalidades clássicas e outros próprios de modalidades diversas.
Cf. J. S.Carvalho Filho. Pacto federativo: aspectos atuais. In: Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Regina Quaresma e Maria Lucia P. Oliveira. (Coord.).
Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006. p.407.
46
em três princípios: lei da coordenação, regra da participação e o princípio da
autonomia do estado-membro55: A lei da coordenação e a regra de participação
decorrem do princípio democrático, uma vez que a primeira estabelece uma relação
igualitária entre União e as unidades federadas, e a segunda alude à participação
estadual no Governo Federal - Senado. Quanto ao terceiro princípio, este se refere à
repartição da competência legislativa dos entes no âmbito da federação.
A gênese do Estado federal e sua forma de organização encontra-se inserida
historicamente ao pacto do qual resultou a Constituição Americana de 178756,
firmado pelas trezes colônias que se transformariam na nação reconhecida como
Estados Unidos da América57.
A ideiaideia de um governo nacional e um estadual58 só poderia ser
concretizada através do equilíbrio alcançado pelo texto constitucional norte-
americano, quando este limitou, expressamente, os poderes do governo Federal,
reservando aos estados alguns poderes a eles delegados e previstos pela
Constituição, denominado de “União Perfeita”59.
Assim, o modelo estabeleceu a existência de duas ordens jurídicas: uma
federal, titularizada pela União, e uma federada (ou estadual), na qual cada estado-
membro exerce sua autonomia, isto é, sua capacidade de auto-organização,
autogoverno e autoadministração, nos limites definidos pela Constituição 60.
55
Cf. Clèmerson Merlin Clève. Temas de direito constitucional: e de teoria do direito. São Paulo:
Editora Acadêmica, 1993. p. 59-60.
56 As idéias e debates da época podem ser encontrados na obra O Federalista. A. HAMILTON, J.
MADISON, J. JAY. Trad.: Heitor de Almeida Herrera. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1984.
57 Os estados federados, recém-instituídos e independentes da Inglaterra, substituíram o sistema
então vigente- a confederação- em resposta aos dois grandes desafios postos pela soberania política recém-adquirida. O primeiro desafio foi a necessidade de adotar uma moeda única em todo o território. O segundo, a conveniência de enfrentarem, de maneira unida militarmente, a Inglaterra, cujos fatores aliados tornavam impositiva a adoção de uma ordem jurídica capaz de coordenar de maneira eficiente os esforços de todos os povos integrantes da Federação
58Cf. Celso Ribeiro Bastos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002.
p.283.
59Cf. B. Schwartz. Direito constitucional americano. Trad. Carlos Nayeld. 1.ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 1966. p. 418.
60 Cf. Luis Roberto Barroso. A derrota da Federação: o colapso financeiro dos Estados e Municípios.
In: Direito constitucional brasileiro: perspectivas e controvérsias contemporâneas. Regina Quaresma
e Maria Lucia P. Oliveira. (Coord.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p.397.
47
Outra característica essencial do Estado Federado é a repartição de
competências, ou seja, a forma pela qual as atribuições dos entes federados
aparecem enumeradas na Constituição.61 Esse é o critério jurídico-formal central do
federalismo, pressuposto de autonomia dos entes federados.62 Não deverá possuir
marca hierárquica, mas um desempenho por legitimação próprio das funções
constitucionalmente assinaladas.63
Hoje em dia, a importância do princípio federativo tem outra dimensão, faz-se
presente como modelo de equilíbrio democrático, como leciona Paulo Bonavides:
O modelo (federal), desde as origens, se contrapõe à forma absolutista e férrea do Estado unitário, monárquico, centralizador, despótico. Seus compromissos foram contraídos historicamente com os estatutos do poder representativo, constitucional, limitado e, de preferência, republicano. Contempla a liberdade nas instituições e no cidadão. É intrinsecamente descentralizador. Exprime, como nenhum outro, a ideiaideia do “self government”, do governo da lei, da autodeterminação política, social e econômica de coletividades livres e atuantes. Faz do exercício da imaginação um poderoso instrumento de criatividade e impulso à iniciativas fecundas dos cidadãos. É na essência e veracidade de sua organização sinônimo de Estado de Direito, regime representativo, legitimidade, poder responsável.64
Rui Barbosa, inspirado no modelo americano, trouxe para o Brasil essa
estrutura de Estado que acabou por ser introduzido por ocasiào da Proclamação da
República, pelo Marechal Deodoro da Fonseca, através do Decreto n. 1, de
novembro de 1889, e adotado pela Constituição de 1891. Implantado dessa forma,
transformando as províncias em estados-membros e não levando em consideração
61
Cf. Gilberto Bercovici. Dilemas do estado federal brasileiro In: Coleção: Estado e Constituição. v.3.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 14. A estrutura do Estado norte-americano e de sua democracia estão alicerçadas em um ponto central: a junção dos mecanismos de freios e contrapesos (ou seja, repúdio à divisão total e estanque dos poderes) com o federalismo. Nela ocorre, de maneira equilibrada, a separação horizontal de poderes, conjugada à separação vertical, nenhum preponderando de forma absoluta sobre o outro, uma vez que um poder controla o outro, tanto nas esferas dos Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário quanto na União e nos estados
62Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 14.
63 Cf. Luis Roberto Barroso, 2006. Op. Cit. p. 398.
64Cf. Paulo Bonavides. O caminho para um federalismo das regiões. In: Revista de informação
Legislativa, n. 65 , ano 17, jan/mar. Senado Federal, Brasília. p. 117.
48
os perfis culturais, geográficos, históricos e sociológicos, o modelo federativo já
sofreu várias alterações.65
A Constituição de 1988 adotou o sistema federativo atribuindo-lhe a devida
importância, em seu artigo 60, § 4º, inciso I, no qual preceitua que não será objeto
de proposta de emenda tendente à abolição do modelo em questão. Para tanto, a
Carta de 88 está estruturada em um sistema complexo, em que se combinam
competências privativas com competências concorrentes cumulativas e não-
cumulativas.
No que se refere às suas competências, mantêm-se as formas clássicas de
distribuição, destinando à União e aos municípios competências expressas e aos
estados os poderes residuais ou remanescentes.66 As competências privativas da
União estão arroladas no artigo 21 – as administrativas, e, no artigo 22, as
legislativas.
Quanto às competências legislativas, elas podem ser: comum e concorrente.
A comum é aquela que se refere a todas as pessoas políticas simultaneamente, por
exemplo: em relação a serviços essenciais, como a educação, caberão à União as
normas gerais e, aos entes federados, as normas específicas. Assim, o artigo 23 da
CF, em caput, determina à União, aos estados e ao Distrito Federal; no inciso XII,
“estabelecer e implantar política de educação para segurança no trânsito”, conclui-se
após análise que as normas gerais de trânsito, como já nos referimos, competem à
União; e caberão aos municípios por se tratar de interesse local.
A competência concorrente pode se dar de duas formas: a complementar e a
suplementar. A complementar ocorre quando se somam às atuações de duas
pessoas jurídicas, a União será sempre uma e a outra aquela a quem a Constituição
ofereceu competência. A suplementar é exceção à regra. Decorre da inércia da
União, que não faz as normas gerais ensejando para outra unidade federativa a sua
implantação a fim de resolver um determinado interesse, através de elaboração da
65
Ver Professor Pinto Ferreira sobre as questões do federalismo no Estado brasileiro.
66Cf. Marcelo Figueiredo. Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio. a tendência
mundial de concentração de poderes na União. a questão dos governos locais. In: Interesse Público. Revista bimestral de Direito Público. ano 9, n. 41, janeiro/fevereiro. Porto Alegre: Nota Dez, 2007. p.102.
49
norma interna. Como exemplo o artigo 30 inciso II da CF, que estabelece esse tipo
de atribuição para os municípios.
Um último tipo de competência é a residual, que deve ser definida pelo critério
de exclusão, e é tema básico de direito tributário, uma vez que cabe à União a
competência para legislar sobre a criação de novos tributos, desde que não seja
objeto de mesmo fato gerador de tributo já existente.
No artigo 23 estão relacionadas as competências administrativas comuns à
União, estados, Distrito Federal e municípios; e no artigo 24 estão descritas as
competências legislativas concorrentes à União, estados e Distrito Federal. No artigo
30 encontram-se as competências dos municípios, e no inciso I sobre interesse
local.67 O sistema admite ressalvas como, além da competência residual dos
estados, estão previstas competências expressas quanto à criação, à fusão e ao
desmembramento de municípios (artigo 18, § 4º), e a instituição de regiões
metropolitanas, aglomerados urbanos e microregiões (artigo 25, § 4º).
Em relação à competência residual, além das enumeradas como privativas;
aos estados, Distrito Federal e municípios são enunciadas as respectivas
competências privativas.68
2.1. Os desafios do sistema federativo sob a ótica financeira.
A federação brasileira encontra-se, hoje, analisada exaustivamente pela
doutrina, sob os seus vários e diversos aspectos. Visualizá-la sob um só enfoque é
retirar-lhe a sua real complexidade. Mas, o aspecto financeiro por si só chama a
atenção do pesquisador. Sob o título A derrota da federação: o colapso financeiro,
Luis Roberto Barroso69 desenha uma análise dos aspectos tributários presentes nos
entes federados.
Discorre, o autor, sobre a escassez dos recursos arrecadados e o processo
de endividamento desses entes. Lembra que, com o advento da Carta de 88, os
67
Marcelo Figueiredo. Federalismo x centralização: a eterna busca do equilíbrio. a tendência mundial
de concentração de poderes na União. A questão dos governos locais. Op. cit. p.102.
Cf. 68
Marcelo Figueiredo, 2007. Op. cit. p.102.
69 Cf. Luis Roberto Barroso, 2006. Op. cit.. p.412
50
municípios saíram favorecidos com um aumento de sua participação nas partilhas
das rendas de 8,6 % para 15, 8%. Os estados, em menor grau, também foram
favorecidos, tendo aumento de 22,2 % para 26,4%. Assim, a União reduz o seu
quinhão de 69,2% para 57,8%.
Assinala que dados demonstrativos conduzem a suposição de crise fiscal nos
estados e municípios. E que a atribuição dessa crise à partilha de rendas
concebidas pela Carta Maior deve ser afastada, pois o que se verifica é o seguinte:
nem antes, nem depois da Constituição, em vigor, foram os estados e os municípios
capazes de viverem equilibradamente, com os recursos correspondentes a sua
própria arrecadação, acrescida ainda, das transferências intergovernamentais,
constitucionalmente previstas.
Destaca que as causas desse desequilíbrio são muitas e de ordens variadas,
entre elas a não superação, na atual partilha de competências político-
administrativas, das crônicas indefinições e superposições de atribuições, inclusive
no que ele chama de domínios vitais: como a saúde e a educação.
No tocante ao município, o autor alerta que este só tem expressão econômica
em relação ao quanto pode arrecadar em áreas desenvolvidas e urbanas. Já o
estado possui o ICMS como sua principal fonte, estando comprometida com a
denominada”guerra fiscal” e com as distorções causadas pela existência de
alíquotas internas e interestaduais. Quanto à União, esta se beneficiou do próprio
controle sobre a política monetária, fiscal da dívida pública, além de utilizar-se de
outros recursos como: PIS, PASEP, FAS e FGTS. Em um breve resumo, o autor
explica quais foram os mecanismos encontrados pelos estados e municípios para
buscar recursos alternativos70, e que, por conta dessas soluções, entraram em
colapso financeiro que se encontram hoje.
Além desses, outros fatores contribuíram para a atual situação: o descontrole
dos gastos públicos, segundo o autor. A evolução dos gastos com pessoal, em
especial com o pagamento dos inativos, e a inobservância do limite máximo de
70
Financiamentos externos, recursos federais através de créditos de entidades oficiais, convênios,
fundos, programas, repasses a fundo perdidos ou gastos realizados diretamente nas unidades federadas, realização de despesas através de empresas estatais, cuja natureza privada permitia acesso a outros créditos, utilização dos bancos estaduais na alavancagem de recursos federais e empréstimos externos.
51
remuneração estabelecido no artigo 37, inciso XI da Constituição. Apesar dos
bancos estaduais, que antes utilizavam nos seus critérios de concessão de créditos
esquemas políticos-eleitorais, que mesmo com a intervenção do Banco Central e
algumas privatizações deixarem uma herança, como um passivo de natureza
tributária e trabalhista.
Mas, não menos importante, o plano real e a política de estabilização
econômica acabaram com o escamoteamento trazido pela inflação, desnudando
números reais que geravam a demora nos pagamentos: seja de salários, seja de
obrigações, seja de precatórios. Estes últimos tão noticiados hoje em dia pela sua
inadimplência acabaram, após Emenda à Constituição, no modo de pagamento
parcelado denominado de calote institucionalizado.
Há ainda na análise um assunto crucial, cujos reflexos são sentidos até os
dias de hoje. Com a implementação da política econômica adotada pelo país nos
últimos anos, a fim de ingressar no mundo globalizado, surgiu o confronto entre a
gestão macroeconômica, conduzida pelo Governo Federal, e a autonomia política
dos estados-membros.
As políticas públicas voltadas para a inserção internacional dependem tanto
de decisões federais como de medidas no âmbito dos estados e municípios. O que
ocorreu, na prática, foi que o Governo Federal, diante da situação lastimável dos
estados, ao renegociar sua dívida com a intermediação da União, não só impôs o
seu projeto político, como também determinou as regras de ajustamento. Sem saída,
a maior parte, senão a totalidade dos estados brasileiros, repactuaram suas
obrigações de acordo com as regras ditadas pela União.
2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema federativo
Com a Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a chamada Lei de
Responsabilidade Fiscal, procurou-se dar moralidade administrativa e
responsabilidade fiscal a quem lida com o erário público. Mas por não serem
medidas de cunho financeiro, não se vislumbrou, até o presente, nenhuma medida
que promovesse a real integração da federação. Isso poderia realmente ocorrer com
a operacionalização do artigo 23 da Constituição Federal, através de Leis
52
Complementares previstas em seu parágrafo único71, a fim de estabelecer políticas
públicas condizentes com a realidade brasileira e com os anseios populares.
Lembra, Régis Fernandes de Oliveira, que o julgamento sobre a
inconstitucionalidade do artigo 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal, na época,
tendo o Supremo Tribunal Federal como presidente o Ministro Carlos Mário da Silva
Velloso, cinco ministros decidiram pela inconstitucionalidade e outro cinco pela
constitucionalidade. Quando o então presidente proferiu seu voto pela
inconstitucionalidade, um ministro pediu a palavra e alterou o seu voto em favor da
norma sob o argumento que precisa salvar a lei, pois sem tal dispositivo ela não teria
eficácia e sua essência estaria prejudicada.72
Mais uma vez vislumbramos o princípio federativo violado em prol de uma
norma editada pela União, e o pior, invadindo a questão de gastos, relativizando a
autonomia orçamentária dos entes federados, com a anuência do Supremo Tribunal
Federal, criando um problema institucional ao adotar a postura mais tendente à
União do que aos estados-membros, postura esta que acarretará em consequências
na prática do presidencialismo de coalizão.
V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO
ARTIGO 23 DA CF E O SISTEMA DE COOPERAÇÃO.
A competência comum entre os entes federados é prevista no artigo 23 da
Constituição que teve e tem por finalidade instaurar um pacto federativo baseado na
cooperação. Trata-se de competência administrativa.
Por competência comum entende-se aquela que deve e pode ser
desenvolvida por todos os entes da federação, além de trazer como marca a difusão
71 Hoje Leis complementares após a aprovação da Emenda Constitucional nº 53, de 19 de novembro
de 2006. Que alterou o texto do Parágrafo único do artigo 23 passando a vigorar com a seguinte redação: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
72Cf. Régis Fernandes de Oliveira. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o
Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São Paulo: ALESP, 2004.p.67.
53
dos interesses que se encontram subjacentes e que determinam um condomínio de
atuações.
Não há titularidade exclusiva, superior ou desigual, nem há uma superioridade
hierárquica, nem subordinação de uma das entidades; portanto também não se dá
exclusividade à responsabilidade de uma delas, nem a omissão possível. O que
realmente ocorre é que a sua execução pode ser pleiteada por todas as entidades.73
1. A previsão de leis complementares no parágrafo único do artigo 23.
No parágrafo único do artigo 23 há previsão de leis complementares que
regulamentem as normas de cooperação entrem a União e os entes federados,
visando à promoção do bem-estar nacional e do desenvolvimento sustentável do
país. A ausência de sua aplicabilidade tem tido como consequencia, o que se vê no
quadro político-administrativo do país, marcando uma atividade desordenada no
cumprimento ou na produção legislativa básica ou nas atividades administrativas
que competiriam a cada ente federado efetivar74.
A relevância dessas normas que nunca foram criadas seria de fundamental
importância na condução das políticas públicas75. Tanto os estados, quanto os
municípios atuam, hoje, nas áreas da saúde, educação, habitação e saneamento.
Essas áreas privilegiadas foram sendo transferidas pela União de forma lenta,
73
Cf. Carmem Lucia Antunes Rocha. República e federação no Brasil. Belo horizonte: Del Rey,
1997.p.249.
74 Consequência disso é um grande número de ações diretas de inconstitucionalidade distribuída no
Supremo Tribunal Federal para dirimir e solucionar os conflitos que surgem dessa descoordenação entre os entes federados.
75 Existem duas proposituras que tramitam no Congresso Nacional, visando regular o referido
parágrafo, são os: Projeto de Lei Complementar n. 12, de 2003, que visa fixar normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, no que se refere às competências comuns previstas nos incisos VI e VII do artigo 23 da Constituição Federal. Apensado a ele está o Projeto de Lei Complementar nº 388, de 2007, de iniciativa do Executivo, também denominado PAC ambiental, que visa fixar normas para a cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum, relativas à proteção das florestas, da fauna e da flora, previstas no artigo 23, incisos III, VI, VII, da Constituição.
54
inconstante e descoordenada a esses entes federados, ao mesmo tempo que outras
esferas permanecem sem qualquer atuação governamental, por puro abandono76.
Por outro lado, quando a União reduziu, ao máximo, as transferências não-
obrigatórias, a responsabilidade coube aos estados e aos municípios em suprir com
aumento significativo os gastos com as políticas públicas.77 Essa falta de
coordenação e cooperação entre os entes federados já é visível, principalmente
quando a questão recai nas políticas públicas.
2. Da importância da competência comum do artigo 23.
Leciona, Toshio Mukai,
“(...) que, com a competência comum prevista no artigo 23 da Constituição Federal, desejou o constituinte que fosse ele instrumental de ordem constitucional destinado a dar efetividade ao federalismo cooperativo, posto que o parágrafo único do artigo 23 reza que ‘Lei complementar fixará normas para cooperação ente a União, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Pode-se aqui também verificar qual foi a intenção do constituinte ao dispor atribuições de ordem administrativa e verificar, também, se foi utilizada a expressão “legislativa”. A falta da lei complementar não impede que este tipo de competência seja plenamente exercido. Não será dado, entretanto, a cada ente federativo o exercício indistinto e individual desta competência, sobre qualquer matéria. Isto significa que determinada situação agressora ao meio ambiente, não cabe a título de exercício desta competência, nem à União, nem aos Estados, nem aos Municípios, qualquer atuação isolada sobre tal assunto, a titulo de exercício do poder de policia, sob pena de ficarem infringidas as competências privativas. Não cabe aqui falar em exercício de poder de polícia, em autuações, em aplicações de multas e outras sanções, isoladamente. Neste tipo de competência, de acordo com o vetor disposto no parágrafo único do artigo 23, só cabe uma atuação compartilhada, ou seja, em termos de cooperação. Portanto, aqui se trata de resolver questões administrativas ambientais, no sentido de solucionar, com recursos financeiros e com pessoal habilitado, os problemas ambientais que envolvam a construção de obras, tais como estações de tratamento de esgotos, implantação de aterros sanitários, etc. Quando se tratar de atuação, a título de exercício do poder de polícia, somente se
76
Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 67
77 Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. P. 66.
55
justificará a invocação do artigo 23 se respeitadas as competências privativas de um ente federativo que se dispuser a colaborar com outro, nos estudos técnicos e jurídicos para os licenciamentos pelo órgão competente privativamente. Assim, no caso de São Paulo, por exemplo, a CETESB tem celebrado convênios com os Municípios para prestar-lhes assistência técnica nos licenciamentos e na aplicação de sanções. Não pode, enfim, haver a superposição de competências que na prática vem acorrendo no País, com base na errônea interpretação do referido artigo 23 da Constituição.”78
3. Das políticas públicas e seus desafios regionais
O tema de politica pública possui uma relevante dimensão e influência para
todos os relacionamentos institucionais entre os poderes. Leciona, Maria Paula
Dallari Bucci, que política pública é a coordenação dos meios à disposição do
Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de
objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.79
Com efeito, é a falta de uma política nacional coordenada e não a repartição
de competências concorrentes e comuns que fazem com que determinados
programas e políticas públicas sejam realizados por mais de uma esfera
governamental e outros por nenhuma80. Faltam coordenação e cooperação e isso se
deve ao fato de não existirem leis complementares previstas no parágrafo único do
artigo 23 da Carta de 8881.
Aprofundando o debate, hoje, sobre a descentralização e a centralização da
federação deve-se levar em conta qual a descentralização e para que - e para quem
- descentralizar. Assim, uma descentralização de políticas públicas deve ser
realizada de forma gradual, apoiada em programas de assistência técnica e
financeira, com o objetivo de evitar rupturas e prejuízos à população82. Mas não é só
isso, deve-se considerar, também, o problema das desigualdades regionais,
78
Cf. Toshio Mukai. Licenciamento ambiental e estudo de impacto ambiental – novas regras. In:
Boletim de Direito Administrativo nº 5/99, set/99, pp. 493 – 494.
79Cf. Maria Paula Dallari Bucci. As políticas públicas e o direito administrativo. In: Revista Trimestral
de Direito Público n. 13, São Paulo, Malheiros: 1996. pp.135/6.
80 Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 63.
81Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 72.
82 Cf. Gilberto Bercovici, 2004. Op. Cit. p. 69.
56
devendo estas últimas serem os limites para tal processo.83 Tais parâmetros não
estão sendo levados em conta, afetando estados e municípios.
Por sua vez, o critério da enumeração constitucional, quanto às matérias
referidas a cada competência, em outras palavras, o que compete a cada ente da
federação, segundo a Constituição, é de suma relevância. Desse raciocínio
desdobra-se a análise do texto constitucional e o que ele estabelece. Assim, quando
“as matérias forem precisamente indicadas, todas expressamente definidas pelo
constituinte, será competência enumerada. Ao passo que quando as matérias forem
localizadas por exclusão das demais, será denominada de competência
remanescente”.84
O ponto de partida sobre o tema competências deve ser verificado no texto
constitucional e o que decorre dele, como por exemplo, a União, em seu artigo 22, a
enumeração das suas competências. Quanto ao artigo 25, §1o da CF, aos estados-
membros restam a competência remanescente. Já ao que estabelece para o Distrito
Federal as duas serão encontradas no disposto do artigo 32, §1o da CF. Aos
municípios, as suas competências enumeradas estão dispostas no artigo 30, inciso
I, da CF.
4. Da falta de clareza no texto constitucional o que se traduz em repartição
das matérias e respectivas competências.
No que diz respeito à repartição das matérias, conforme o campo normativo
de cada competência legislativa, genericamente há dois tipos de competência:
exclusiva e privativa, a primeira depende de que não haja a menor possibilidade de
delegação, caso ocorra, será competência privativa.
A grande dificuldade resulta que a Constituição confunde os termos, exigindo
do intérprete uma análise sistemática. Aqui, seguem alguns exemplos: o decreto
relaciona-se com o chefe do executivo, é ele quem o faz; então, é competência
83
Cf. Gilberto Bercovici., 2004 Op. Cit. p. 71.
84 Cf. S.Guerra e G. Merçon Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2002. p. 262.
57
exclusiva; delegar função como o caso da lei delegada (artigo 68 CF) é competência
privativa do Congresso Nacional.
Quanto às competências legislativas, elas podem ser: comum e concorrente.
A comum é aquela que se refere a todas as pessoas políticas simultaneamente, por
exemplo: em relação a serviços essenciais, como a educação, caberão à União as
normas gerais e, aos entes federados, as normas específicas. Assim, o artigo 23 da
CF, em caput, determina à União, aos estados e ao Distrito Federal; no inciso XII
“estabelecer e implantar política de educação para segurança no trânsito”, conclui-se
após análise que as normas gerais de trânsito, como já nos referimos, competem à
União; e caberão ao município, por se tratar de interesse local.
A competência concorrente pode se dar de duas formas: a complementar e a
suplementar. A complementar ocorre quando se somam às atuações de duas
pessoas jurídicas, a União será sempre uma e a outra aquela a quem a Constituição
ofereceu competência.
A suplementar é exceção à regra. Decorre da inércia da União, que não faz
as normas gerais ensejando para outra unidade federativa a sua implantação para
resolver um determinado interesse através de elaboração da norma interna. Como
exemplo, tem-se o artigo 30 inciso II da CF, que estabelece esse tipo de atribuição
para os municípios. Um último tipo de competência é a residual, que deve ser
definida pelo critério de exclusão, e é tema básico de direito tributário, uma vez que
cabe à União a competência para legislar sobre a criação de novos tributos, desde
que não seja objeto de mesmo fato gerador de tributo já existente.
Fica então, num quadro geral esquematizado, a distribuição das
competências, da maneira a seguir. Na União, o Legislativo é exercido pelo
Congresso Nacional, composto por duas Casas Legislativas – bicameralismo: a
Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Quanto ao elenco de bens
pertencentes à União, estão no rol do artigo 20 da Constituição, uma vez, estando
sob seu domínio, cabe a ela legislar sobre eles. Já no artigo 21, estão previstas
atividades em que pode legislar.
No que concerne o modo federativo haverá competência comum para legislar
de forma concorrente sobre outras atividades constantes no artigo 23 da CF, “de tal
sorte que as leis que fizer neste sentido hão de prevalecer sobre os demais entes
58
que, à evidência, quando dispuserem a respeito, fa-lo-ão à luz das suas
peculiaridades”85. Alertamos que tal premissa deve ser observada considerando-se o
parágrafo único do artigo 23 CF que exige lei complementar para fixar normas de
cooperação entre os entes federados, tendo em vista o equilíbrio, o desenvolvimento
e o bem-estar no âmbito nacional.
Por fim, iniciado o processo numa Casa, já que é bicameral, à outra caberá a
função de revisar, em outras palavras, se iniciado o processo na Câmara dos
Deputados, deverá ter continuidade no Senado, e vice-versa.
Nos estados-membros, o Legislativo é unicameral, sendo exercido pelas
Assembleia Legislativas, e vai ser no artigo 25 da Constituição Federal que se
encontra a matéria descrita de uma forma generalizada, ou seja, são suas
competências aquelas que não lhe são vedadas de algum modo no texto
constitucional. Com efeito, somente uma análise quanto às competências que são
atribuídas privativamente aos outros entes, é que então se chegará a um ponto de
partida.
Decorre do critério de interesse as vedações implícitas, por exemplo, do artigo
21, inciso VII da CF., que determina que à União cabe emitir moeda, ou do artigo 30,
inciso I, da CF., que estabelece que cabe aos municípios legislar sobre assuntos de
interesse local, sendo um modo de identificar que não são competências dos
Estados-membros. Em raros momentos a Constituição confere competência ao
Estado, não especificamente para legislar, mas cujo exercício acaba resultando
nisso, a saber: artigo 25, §§ 2º e 3º, no artigo 26, incisos I, II, III e IV, no artigo 27, §§
2º e 3º - já contidos na competência de organização, assegurada no artigo 25,
caput.86
A questão que diz respeito às competências dos estados não vão estar
explícitas, principalmente quando se tratar de competência comum. Outras vezes, a
Constituição irá conferir competência privativa à União, por exemplo, artigo 22 e
parágrafo único, mas poderá autorizar o legislador estadual a dispor sobre questões
específicas dessas matérias através de uma delegação via lei complementar do
85
Cf. Andyara Sproesser. Direito parlamentar: processo legislativo. Op. cit., 69.
86Cf. Andyara Sproesser, Op. cit.,p. 71.
59
legislador federal para o legislador estadual. Mas este caso não se enquadra em
nenhuma das espécies de competência legislativa que foram mencionadas, pois em
tal hipótese o legislador estadual atuará em conformidade e estritamente dentro dos
parâmetros autorizados para elaborar a lei federal, ou seja, a norma decorrente.
A delegação caracteriza uma forma especial de competência concorrente e se
assemelha aos previstos no artigo 24, §1º, 2º, 3º e 4º da Constituição. A
competência suplementar expressamente prevista, como no § 2º do artigo 24 da CF,
assim como a delegação, também se caracteriza como uma forma especial de
competência concorrente e se assemelha à delegação, aqui devendo ser adotado.
No caso presente, “como se vê, são todos assuntos limitados, estreitos, em que a
legislação estadual se cingirá sem dúvida, praticamente à máquina administrativa ao
seu pessoal, aos seus bens e aos seus percursos fiscais e financeiros.”87
Também no município, o sistema será unicameral, sendo exercidas pelas
Câmaras municipais. As competências estão basicamente elencadas nos artigos 29
e 30 da CF, em que há, expressamente, um rol de matérias sobre as quais cabe ao
município legislar, no qual está descrita a organização administrativa dos poderes
legislativo, executivo e municipal, além dos entes da administração indireta e
funcional.
No que tange ainda ao artigo 23 da CF, também há a previsão da
competência do município legislar a respeito dos bens do seu domínio, em outras
palavras, que se não for do município e da União, será dos estados, devendo para
tanto fazer exame levando em consideração o interesse de cada ente.
No Distrito Federal, por sua especificidade, além de ser o sistema unicameral,
o Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa, o que decorre do fato de que tal
ente caracteriza-se com competência reservada tanto aos Estados quanto aos
Municípios.
Completando todo o raciocínio exposto, deve-se mencionar que disposição
constitucional expressa (artigo 32, §1o), diante desse quadro é a seguinte: “a sua
situação não interfere no deslinde da competência dos demais entes federados, (...)
87
Cf. Andyara Sproesser, Op. cit., p. 72.
60
ao contrário, para saber da competência dele é que se faz preciso saber, antes, da
competência dos Estados e Municípios”88.
5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF.
Como se pode observar, a Carta de 1988 poderia ter estabelecido maior
autonomia aos estados-membros quanto à repartição da competência legislativa,
mas não o fez. Constata-se que é mínimo o campo do seu exercício, motivo pelo
qual se diz que cabe a eles legislar principalmente e somente no que corresponde
ao administrativo, ao financeiro, aos serviços sociais, à gestão de seus bens, no que
resulta uma mínima atuação normativa sobre outras matérias.
Segundo Fernanda Dias Menezes de Almeida, utilizando-se da citação de
Giorgio Del Vecchio, de que o Estado federal equivale a um “suicídio de Estados”, a
autora observa que a soberania passa a ser apanágio exclusivo daquele, sendo
essa a primeira nota distintiva da Confederação. Desfrutam os estados-membros de
autonomia, ou seja, capacidade de autodeterminação dentro do círculo de
competências traçado pelo poder soberano, que lhes garante auto-organização,
autogoverno, autolegislação e autoadministração, exercitáveis sem qualquer
subordinação hierárquica dos poderes estaduais aos poderes da União89.
E, alerta, Anna Cândida da Cunha Ferraz, 90que a inexistência de qualquer de
um desses quatro aspectos da autonomia dos estados-membros é suficiente para
desqualificar uma unidade federada.
Em estudo dedicado à interpretação das decisões do Supremo Tribunal
Federal sobre o princípio federativo91, José Roberto Anselmo, de pronto leciona que
O federalismo se constitui em verdadeira obra de engenharia estrutural de um Estado, sendo definido por uma série de
88
Cf. Andyara Sproesser, Op. cit.,p. 67.
89 Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Editora
Atlas, 2000. p 33.
90 Cf. Anna Cândida da Cunha Ferraz . Poder Constituinte do Estado-membro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1979. p. 54. 91
Cf. José Roberto Anselmo. O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do federalismo
brasileiro. Tese de Doutorado em Direito Constitucional. São Paulo: PUC, 2006. p.9
61
características, que são consideradas verdadeiras vigas de sua sustentação. A existência dessas características serve para indicar que o Estado adotou a forma federal. A mais importante característica da forma federal é a coexistência, simultânea, de um ordenamento jurídico nacional, uniforme e aplicável em todo território do Estado, e de um ordenamento jurídico de cada Estado membro da federação, que, por sua vez, é variável e aplicável apenas ao território estadual. Os ordenamentos jurídicos nacional e estadual nascem a partir da divisão de competências estabelecida constitucionalmente entre os membros da federação.
Mas, alerta que a simples divisão constitucional de competências, no
momento da construção do sistema, não é suficiente para garantir uma convivência
pacífica entre esses dois ordenamentos, sendo necessária a criação de um controle
capaz de garantir a sobrevivência da estrutura federal.
Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal
de 1988, responsável pela definição da linha que separa as competências da União
e as dos estados-membros. Esse controle deve conduzir à coexistência de duas
tendências conflitantes: a unidade e a diversidade, isso porque os Estados Federais
buscam manter a unidade do todo, preservando as diversidades locais.
O estudioso conclui, após análise de jurisprudência, com a exposição do
decidido por aquela Corte, tendente à centralização da competência legislativa dos
estados-membros nas competências da União.92 E finaliza com afirmação de que:
em uma interpretação mais preservacionista da competência dos Estados-membros, tendo em vista o princípio federalista, o Supremo Tribunal Federal poderia ter adotado o posicionamento de julgamento “conforme a Constituição”, a fim de ajustar o dispositivo referente ao impacto ambiental descrito no artigo 225, § 1º, inciso IV da Constituição.
92
Remete ao caso da suspensão da lei estadual paranaense de n. 14.162, de 27 de outubro de 2003,
que estabelecia a vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. Na citada hipótese, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o estado violou competência privativa da União no tocante aos art. 22, incisos I, VII, X e XI; e, também a competência disposta no art. 24, I e VI, do mesmo ente para editar normas gerais. O estado de Santa Catarina buscava disciplinar a instalação de áreas de florestamento e reflorestamento para fins empresariais. Naquela ocasião, ante a ausência de norma geral sobre o assunto, o estado editou uma lei estadual em que dispensava a realização de estudo de impacto ambiental, utilizando-se para tanto de sua competência estabelecida no artigo 24, parágrafo 3º da Constituição. Assim, sem adentrar no mérito referente ao estudo de impacto ambiental, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal negou a competência plena ao Estado com base em falta de peculiaridades locais. p. 208.
62
Há uma conscientização de que o Governo Federal é que pode tudo, é quem
manda, é melhor para tudo, como assevera Alexandre de Morais ao expor sobre a
questão das competências dos estados-membros93.
Pelo exposto, problemas e desafios quanto à repartição das competências e a
interpretação centralizadora do Supremo Tribunal Federal em nome de uma
denominada “uniformidade” das normas do ordenamento jurídico94 não auxiliam no
combate à prática denominada presidencialismo de coalizão, como iremos constatar,
muito pelo contrário, pois quando os temas são políticas públicas e orçamento, estes
influenciam diretamente a atuação do Poder Legislativo.
93Cf. Alexandre Morais. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto
Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. São Paulo: ALESP, 2004.p.121. 94
Nesse mesmo sentido, citando vários outros casos em que o Supremo Tribunal Federal poderia ter
ido além da interpretação restritiva centralizadora de competência em favor da União, vários autores, dentre eles, Sérgio Rezende de Barros, Manoel Gonçalves Ferreira filho, Alexandre Moraes, Monica Herman Salem Caggiano e André Ramos Tavares. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São Paulo: ALESP, 2004.
63
CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO
I. O PODER LEGISLATIVO NA ASSEMBLEIAASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE
A Assembleia Nacional Constituinte que originou a Carta de 88 foi resultado
de uma participação sem precedentes na história do país. A praça dos três poderes
totalmente ocupada pela população transformou o cenário de Brasília. Esse espaço
aberto, amplamente divulgado e utilizado pelos mais diversos setores da sociedade,
acarretou em debates travados sobre os variados temas dentro das subcomissões
formadas pelo Congresso Nacional, de forma a atender aos anseios dessa
população que buscava, através dos constituintes, uma voz nas audiências públicas.
1. Do momento singular da Assembleia Nacional Constituinte
Por traduzir num momento singular da nossa história, essa rica contribuição
pode ser encontrada em obras editadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado,
além dos arquivos nos seus respectivos acervos históricos, inclusive com fotografias
expressivas sobre a movimentação popular durante os trabalhos no Legislativo.
Podemos constatar tal magnitude do momento pátrio nas palavras
significativas de Ulysses Guimarães, quando proferiu discurso na promulgação da
Carta de 88, palavras que podem clarificar os eventos transcorridos:
O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de um milhão de assinaturas, que foram apresentadas e publicadas, distribuídas, relatadas e votadas no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de dez mil postulantes franquearam, livremente, as onze entradas ao enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, galeria e salões.95
95
Cf. Ulysses. Guimarães. Discurso enquanto Presidente da Constituinte na data da promulgação da
Constituição em 5 de outubro de 1988. In: Paulo Bonavides e Paes de Andrade. História Constitucional do Brasil. 10ª ed. Brasília, OAB BRASIL, 2008, pp. 453-517.
64
Diante da tamanha movimentação e da dinâmica dos trabalhos que não
poderemos transcrever fielmente todo esse arcabouço, mas, no que concerne ao
Pode Legislativo, às preocupações quanto a sua formação, função e configuração e
existência na Comissão da Organização dos Poderes e sistema de Governo foram
alvos de intensos debates, que procuraremos traduzir nas próximas páginas96.
A maior preocupação na época, até pelo momento histórico em que se
instaurou o processo da constituinte no Brasil, após anos de ditadura, era os
fantasmas do antigo regime que ainda estavam rondando toda a sociedade, sem
mencionar boa parte dos seus participantes na constituinte.
Em decorrência disso, esses atores objetivavam, de todas as formas
possíveis, a garantia do rol dos direitos usurpados anteriormente. Recorremo-nos a
alguns deles para poder delinear a feição da Constituição Federal de 1988,
referencial importante para o desenvolvimento do raciocínio do presente estudo.
2. Da subcomissão do Poder Legislativo.
A subcomissão do Poder Legislativo teve o desafio de devolver o papel do
Parlamento na cena política97. Seus trabalhos foram conduzidos sem grandes
embates ideológicos, pois havia consenso entre os seus membros da necessidade
de resgatar, além das prerrogativas consideradas fundamentais num regime
democrático, as condições de funcionamento modernas e adequadas para uma
atuação relevante na nova ordem institucional que se iria instaurar; o que não se
traduzia numa tarefa simples, pois, no mundo, os Legislativos em geral viviam, já há
algum tempo, uma crise de poder e de funcionalidade.
96
Cf. Luciana Botelho Pacheco In: Audiência Publicas na Assembleia Nacional Constituinte. A
sociedade na Tribuna, Câmara dos Deputados. Coleções Especiais Comemorativas. 03. Centro de Documentação e Informação. Coordenação Edições Câmara. Brasília: Edições Câmara. – Cedi, 2009, pp. 173-217.
97 Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit, 2009, pp. 177 – 196.
65
2.1 Da experiência da Carta de 1946
As memórias quanto à experiência da Carta de 1946, estavam presentes, por
muitos, considerada a Constituição brasileira mais democrática, mas que, no
entanto, não bastou para a evolução da democracia no país. Entretanto, o fato de
atribuir inúmeros poderes ao Legislativo deixou claro que somente a retomada das
prerrogativas desse poder, que se mantivera no ostracismo durante vinte anos de
ditadura, não seria suficiente.
Urgia a necessidade de não resvalar nas causas que originaram problemas
em 4698e a necessidade de se criar mecanismos e fórmulas de deliberações
legislativas mais ágeis e eficazes visando responder às demandas e exigências dos
setores políticos da sociedade, além de uma efetiva legislação rápida e adequada às
tarefas do Estado social de Direito que àquela época se pretendia instaurar no país.
Reportando-nos à experiência de 1946, Paulo Affonso Martins de Oliveira
recomendava alguns cuidados como, por exemplo, não tornar o Legislativo um
“superpoder”. Lembrava que não obstante as prerrogativas do Congresso em 46
versarem em todos os campos, as atribuídas ao Executivo não eram plenas e nem
privativas. Como consequência dessas atribuições, um Legislativo despreparado
para exercê-las na sua magnitude, com processo conservador e lento, infraestrutura
sem modernização e um funcionalismo sem capacidade de profissionalização para
dar suporte necessário ao homem publico que integra o Congresso, ocorreu o
inevitável: a instituição legislativa sofreu grande desgaste de natureza popular.99
2.2 Dos pontos de consenso
Outro ponto debatido na subcomissão, mas com total consenso foi em torno
da eleição direta para o cargo de Presidente da República e a vedação de qualquer
dispositivo que visasse à dissolução do Congresso Nacional, até mesmo pelo
momento histórico em que se travou os trabalhos durante a Constituinte, sobre
esses pontos não careceriam de divergências.
99 Cf. Paulo Affonso Martins de Oliveira Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 188
66
2.3. Das propostas em favor do parlamentarismo
Diversidade ocorre nos debates quanto à forma de governo a ser adotada
pela nova Carta: Presidencialismo ou Parlamentarismo. Dado a complexidade da
matéria e posições antagônicas, na primeira audiência compareceram renomados
juristas e acadêmicos100, visando expor, cada um, o seu ponto com fundamentação,
buscando um convencimento a sua preferência quanto ao sistema de governo.
Na defesa do regime parlamentarista, o que para alguns se traduziria no ideal
de sistema de governo101 adequado ao Estado Social contemporâneo, alertavam que
o sistema presidencialista nada mais era que um arranjo institucional do Estado
Liberal clássico que não intervém na economia. Nesse modelo em que as funções
de governo são mínimas, o voto censitário, os partidos meramente fisiológicos, o
presidencialismo supõe um consenso econômico e social em torno da excelência da
ordem liberal econômica capitalista.
O mundo mudou. O voto é universal, os partidos de esquerda e socialista
surgiram mudando a feição do Estado que passou a ser mais intervencionista com
políticas e medidas mais eficazes, e principalmente com divergência econômica
indispensável no parlamento, dissenso que são contra o governo, mas que não
passem a ser contra a Pátria, contra o Estado e contra as Forças Armadas.
Outra crítica ao presidencialismo estaria na afirmação de que esse sistema
impede uma participação mais efetiva do povo nas decisões políticas, isso por que
num sistema de governo onde o poder se concentra no Executivo, essa
centralização excessiva, por ser considerada uma super estrutura ultrapassada e
retrógada, gera um governo autoritário; obstrui a vigência de um regime democrático
no país.
Portanto, era preciso fortalecer as prerrogativas do Congresso Nacional de
modo a garantir a participação de importantes segmentos da sociedade.102
100
5ª Audiência realizada em 28/04/1987.Participaram Miguel Reale e Cézar Saldanha, da
Universidade de São Paulo, Luiz Pinto Ferreira, da Universidade Federal de Pernambuco, Sérgio Resende de Barros, das Faculdades Metropolitanas Unidas de São Paulo. Brasília: Centro de Documentação e Informação, 2009.
101 Cézar Saldanha. “O parlamentarismo é o sistema de governo adequado do Estado Social
contemporâneo”. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 184.
102 Cf. João Bosco da Silva Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit. 2009, p. 190-191.
67
Mas houve aqueles que defenderam uma transição do presidencialismo para
o parlamentarismo. O argumento utilizado foi que o presidencialismo puro e o
parlamentarismo clássico não eram a solução adequada, segundo Miguel Reale, por
não corresponderem às realidades ideológicas, político-sociais e econômicas do
país, em decorrência da ausência de estruturas partidárias permanentes com
programa e ideologia definida.
Por outro lado, o presidencialismo puro tinha se traduzido um empecilho para
tal desenvolvimento destas questões partidárias, mas alertava que uma possível
alteração imediata não implicaria na formação dos partidos com essas
características. Em razão disto a escolha e definição sobre a matéria deveria ser
cautelosa, recomendando uma solução através de uma transição do
presidencialismo para o parlamentarismo executada paulatinamente, com o fim de
se criar a nossa própria experiência.103
2.4. Na defesa do regime Presidencialista
Opinião diversa foi a de Sergio Rezende de Barros,104 pois, na defesa do
presidencialismo, alertava que o sistema parlamentarista não tinha raiz entre nós e
uma transplantação cultural estranha na terra Pátria não condizia com o maior
desafio a ser enfrentado pela nova Carta, qual seja o da conformidade com a
paisagem constitucional. Em outras palavras, a efetividade do texto normativo com o
país real. Portanto, da análise do contexto histórico, o regime presidencialista
possuía tradição pátria, devendo ser aperfeiçoado e não extinto.
Por um presidencialismo freado, era a orientação de Pinto Ferreira,105 e para
tanto utilizou como exemplo o modelo alemão: o semiparlamentarismo106, apesar
desse modelo não traduzir a melhor opção para o Brasil.
103
Cf. Miguel Reale. “A solução para o Brasil estaria na adoção de um modelo intermediário.” Cf.
Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 182/183.
104 Cf. Sérgio Resende de Barros. “O parlamentarismo não tem raiz entre nós.” Cf. Luciana Botelho
Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 184
105 Cf. Pinto Ferreira, “é preciso estabelecer um presidencialismo freado.” Cf. Luciana Botelho
Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 183/184.
106 A solução alemã era a seguinte: o presidente da República propunha o nome do chanceler, o
primeiro-ministro, à Câmara Baixa, que lá chamam Parlamento, e este, por maioria absoluta, pode aprovar o nome encaminhando à nomeação presidencial, ou se recusado no prazo de quinze dias, o
68
Assinalava que a solução mais adequada é, de certo modo, dar mais peso ao
presidente da República, podendo este ter a atribuição de indicar o primeiro ministro.
Ou mesmo que a Câmara o indicasse e, caso ocorresse divergência, como solução,
fazer um referendum ou plebiscito para saber, através da opinião popular, qual seria
o órgão a cair, o Ministério ou a Câmara dos Deputados. Assim esquematizado os
termos quanto a valorização de mecanismos para frear o Poder Executivo, não se
esquecendo que a tradição brasileira é de ter um Presidente da República monarca
a curtas prestações107.
2.5. Sugestões quanto à garantia do processo legislativo
Algumas sugestões108, em resumo, tiveram destaque como: a extinção da
aprovação de projetos por decurso de prazo e a instituição de garantias para o bom
funcionamento das comissões parlamentares de inquérito;109 o fortalecimento e
reestruturação do sistema de comissões parlamentares;110 e questão da importância
da imunidade parlamentar.111
2.6. Em busca de um Legislativo democrático
Em busca de um Legislativo Democrático e representativo, elevando essa
instituição à altura de sua verdadeira atribuição, como ocorre nos países
democráticos e representativos. Dessa forma, as discussões em torno do papel
atribuído ao Legislativo, deveria destacar que este poder se traduz na mais alta
expressão da soberania nacional. Assim, Flávio Marcilio expos que por ser o
Parlamento elege o primeiro-ministro com maioria absoluta. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 183
107 Cf. Pinto Ferreira referindo-se à denominação atribuída ao Presidente da República no Brasil por
Pontes de Miranda. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. cit., 2009, p. 183
108 4ª Extraordinária. Audiência realizada em 29/04/1987. Foram convidados, pela experiência
adquirida em razão dos cargos ocupados, três ex-presidentes da Câmara dos Deputados: Deputado Flávio Marcílio, Deputado Nelson Marchezan e Ex-presidente da Câmara e Ministro do STJ Célio Borja.
109 Cf. Deputado Flávio Marcílio Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, p. 177-193
110 Cf. Deputado Nelson Marchezan Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 177-193
111 Cf. Deputado Célio Borja Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, pp. 177-193
69
Legislativo constituído por um conjunto de todos os fatores, de todos os elementos,
de todos os componentes da sociedade a que todos pertencemos, tem maior
representatividade, portanto deve disciplinar os outros poderes.
Conclui sua intervenção no sentido de que através do ritmo fervilhante vivido
no ambiente parlamentar, do choque de opiniões, dos debates e atritos inevitáveis,
características próprias do regime democrático e republicano que refletem as
aspirações populares, traduzindo-se na voz do povo.112
Intrínseca a essa ideia de voz do povo se encontra as imunidades
parlamentares, Célio Borja sintetiza a importância da existência da prerrogativa de
função e não de privilégios pessoais nos regimes democráticos. Daí decorre o direito
e as garantias que deveriam ser colocadas no próprio texto constitucional, de forma
clara a não deixar dúvidas ou brechas para eventual restrição ou possível ampliação
pelo legislador ordinário.
Por fim, conclui que foi sempre o parlamento e sempre será o poder que irá
limitar o Poder, e sua inexistência e ausência significa que o interesse público, a
força do voto popular, a escolha popular estará à míngua113.
2.7. Das complexidades das relações entre Legislativo e Executivo
Mas, todas essas questões culminaram na complexidade da relação entre o
Legislativo e Executivo no século XX. Na realidade, o Poder Legislativo perdeu
terreno para o Executivo, como sintetiza o Deputado Nelson Marchezan. Mas o
papel do Legislativo desde a sua origem e criação é o de conter a ambição do
Executivo. Este, por sua vez, avançou violentamente, criando novos mecanismos,
órgãos de assessoramento, de estatais, de empresas não só nacionais, cercando-se
de todos os recursos humanos para exercitar o seu poder.
Em contrapartida, o Legislativo ficou praticamente no uso da palavra, critica a
opinião pública e ao debate, sem criar outros mecanismos estruturantes, perdendo
espaços e atribuições. Ainda que decorrente desse quadro de distorções fossem
criadas no andamento trabalhos legislativos, com poucas comissões técnicas e
112
Cf. Deputado Flávio Marcílio. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit, 2009, p. 185
113 Cf. Deputado Célio Borja. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. cit., 2009, pp. 185-186
70
escassos instrumentos à disposição do parlamentar. No que tornou impossível o
acompanhar de tantas proposições sobre os mais diversos assuntos que
necessitavam de devido assessoramento em face da rapidez exigida pelo Executivo.
Aliado a esse fato, ressaltava-se a necessidade do dever do parlamentar de estar
sempre em contato com a sua base eleitoral. Diante deste quadro, o grande desafio
que se coloca na nova Carta é o de estimular a ação do Executivo para resolver os
problemas democraticamente.114
Como vimos, o processo legislativo existente tinha seus problemas na visão
dos funcionários. A segunda audiência contou com a presença de funcionários115
ocupantes de funções primordiais que, no seu dia a dia, traziam à baila o
conhecimento de toda mecânica funcional e estrutural e das suas dificuldades,
alguns pontos foram delineados, bem como os desafios a serem enfrentados.
Em resumo, dentre as questões colocadas, foram: o número exagerado de
proposições em trâmite; o excesso de normas puramente regimentais constante na
Constituição; o quórum elevado para deliberação das comissões; alto número de
matérias dependentes de apreciação do plenário; falta de um órgão encarregado da
triagem das inúmeras proposições apresentadas às Casas Legislativas.
2.8. Da imprensa e seu papel, necessária mudança de postura
Outro desafio posto foi no sentido da necessidade de mudança de avaliação
feita pela imprensa e os critérios utilizados para avaliação da qualidade dos
trabalhos parlamentares.
Sara Abraão ressaltou que a imprensa tinha o hábito de qualificar os trabalhos
apenas com o levantamento da presença de parlamentares em plenário, o que era
um contexto altamente preocupante, já que,em primeiro lugar, outros trabalhos
existem no âmbito do Legislativo além do plenário, á exemplo, as comissões onde
ocorre o exame e votação das matérias, depreendendo um bom tempo preliminar a
114
Cf. Deputado Nelson Marchezan. Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit., 2009, p. 186-187.
115 6ª Audiência realizada em 30/04/1987. Paulo Afonso Martins de Oliveira e Nerione Nunes
Cardoso, então ocupantes do cargo de secretário-geral da Mesa, respectivamente da Câmara dos Deputados e do Senado; Sara Abraão, ex-secretaria da Mesa do Senado e Henrique Eduardo Hargreaves, Assessor da Câmara e subchefe de Assuntos Parlamentares do Gabinete Civil da Presidência da República, Cf. Luciana Botelho Pacheco, 2009, Op. Cit., p. 179
71
reunião do parlamentar que deve examinar e elaborar seu parecer técnico para
esclarecimento seus e dos seus pares.
2.9. Dos vários trabalhos no âmbito do Legislativo
Mas, essa opinião foi compartilhada por membros da própria imprensa, que
também foram ouvidos.116João Emílio Falcão, de pronto, manifestou sua
preocupação com a falta de atenção, por parte da imprensa, para com os trabalhos
das comissões. Alertava que o papel do parlamentar não se restringe somente no
grande penário. Exerce também o seu mandato quando está recebendo os eleitores,
percorrendo o estado de origem, tratando de assuntos em repartições, estudando
um parecer em seu gabinete, dentre outras atividades. Asseverava que o desgaste
decorria da imagem desse mesmo parlamentar inclusive da questão remuneratória,
uma vez que, era baixa pelo trabalho prestado, o que originava a distorção de busca
de concessões de vantagens, como por exemplo, não pagar o imposto de renda.
2.10. Da importância dos trabalhos das comissões
Mas conclui não entender porque as comissões não eram alvo da apreciação
da imprensa. Órgão de máxima importância no Legislativo, não tem a atenção da
imprensa, e clama por uma cobertura devida inclusive na constituinte. De forma
clara e ampla e com uma divulgação do trabalho sério e criterioso do Legislativo na
mídia, já que, é de responsabilidade da imprensa transmitir para a opinião pública os
fatos para que esta, ciente da realidade, possa tomar suas posições de forma séria e
não, como se encontra, com notícias distorcidas.117
116
7ª Audiência realizada em 5/5/1987, João Emilio Falcão, presidente do Comitê de Imprensa, Rádio
Televisão do Senado Federal e analista político do Correio Brasiliense. Flamarion Mossri, articulista e analista político do Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Ary Ribeiro, presidente do Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados e redator de Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Rádio Eldorado. Rubem de Azevedo Lima, repórter e analista da Folha de São Paulo. Na 7ª Extraordinária Audiência realizada em 6/05/1987: Tarcísio Holanda, repórter especial do Correio Brasiliense e editor do programa Telemanhã. Evandro Paranaguá, repórter especialista em assuntos políticos de O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde. Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 177-194
117 Cf. João Emílio Falcão Cf. Luciana Botelho Pacheco. Op. Cit. 2009, p. 192.
72
2.11. Do excesso de proposições e falta de tempo para a apreciação
O excesso de proposições e ausência de tempo hábil para a apreciação da
Comissão Mista se punha como um dos maiores desafios a serem enfrentados no
tocante ao processo legislativo na Constituinte.
O excesso de proposições dependentes de apreciação em comissões mistas
e em sessões conjuntas das duas Casas acabavam por ocasionar na ausência de
tempo para a realização das reuniões necessárias.
2.12. Da dificuldade de realizações de comissões mistas
Por outro lado, o grau de dificuldade de reunião das comissões mistas, o
número elevado de matérias e a necessidade de apreciação de projeto e lei,
decreto-lei, orçamento e proposta de emenda à constituição, tornavam a tarefa do
parlamentar inviável de ser realizada e como consequência, no caso específico dos
decretos-lei, estes tramitavam pelo Congresso Nacional sem que ao menos a
maioria dos congressistas deles tomasse conhecimento.118
2.13. Da edição desenfreada dos decretos-leis
Da edição desenfreada dos decretos-leis, uma prática que na verdade
resultava em uma forma de procedimentos para legislar em segredo, assim ao fato
da necessidade do devido exame técnico das matérias pelas comissões do
Congresso Nacional. Sara Abrão sugeria a retomada do sistema previsto na Carta
de 46, na qual a prévia análise se dava separadamente, restando apenas o veto
para sessões conjuntas.
Não obstante, reconhecia a necessidade da existência de uma espécie
legislativa como o decreto-lei de iniciativa do Executivo, mas não da forma que se
encontrava, lembrando na Carta de 37, que tal procedimento existia mediante
118
Para consulta:
Dilsson Emílio Brusco. Histórico das Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados. 1823 – 2004. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados. 2006.
http://bd.camara.gov.br
73
condições e limites fixados pelo ato de autorização, uma espécie de delegação
legislativa para que o Executivo evitasse assim a legislação em segredo.119
2.14. Dos Vetos
Quanto aos vetos presidenciais e sua apreciação congressual Henrique
Eduardo Hargreaves,120 alertou que da forma como se encontrava naquela época,
era impossível derrubar o veto da Presidência da República, pelo quórum de 2/3 do
Congresso. No que diz respeito à abrangência, assevera que o senador Josaphat
Marinho afirmou que havia emendado a Carta de 46 disciplinando o veto parcial,
vedando a possibilidade de recair somente em palavras, devendo abranger ao texto
todo, pois a previsão do veto não deveria ser somente no total.
2.15. Das Emendas à Constituição
A emenda à Constituição foi outro item abordado. A Carta de 46 estabelecia
haver a previsão de prazo de dois anos para a tramitação da proposta, ou seja, duas
sessões legislativas ordinárias e consecutivas e sua aprovação era por maioria
absoluta, mas, independentemente desse prazo, deveria ser aprovada por 2/3 de
cada casa do Congresso Nacional. O Ato Institucional nº 1, de 1964, que conferiu ao
presidente da República poderes para iniciar o processo de emenda, estabeleceu
prazo de trinta dias em sessão conjunta das duas casas.
No texto de 67, tanto importava de quem fosse a iniciativa, o prazo era de
sessenta dias, dilatado para noventa pela EC nº 8/77, posteriormente suprimido pela
EC nº 22/82, deixando aberto a questão, como consequência as propostas de
emenda não eram arquivadas e as que tramitavam, hoje em número excessivo, em
plenário mais de três vezes sem lograr êxito, aguardaria posterior acordo de
liderança ou da presidência para a inclusão novamente em pauta.
119
Sara Abraão Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit., 2009, pp. 187-188.
120 Henrique Eduardo Hargreaves Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit., 2009, p. 188.
74
2.16. Da importância da democracia direta
Foi objeto da quarta audiência, onde a sociedade encontrava-se
representada, e algumas pessoas fizeram a sua explanação.121
Ulysses Riedel de Resende, no seu dizer impressivo, afirmava que a
democracia direta pode e deveria conviver com a democracia representativa. Só
assim existiria um Poder Legislativo valorizado, contando com a democracia
participava nos assuntos que deveriam abranger as grandes questões nacionais.
Para tanto, a forma plebiscitária seria um caminho, pois, no mundo de hoje, a
viabilidade para tal procedimento havia se tornado extremamente fácil.
Para tanto, a sua sugestão era de que os tribunais eleitorais poderiam ser
capacitados, instrumentalizados para que o povo pudesse ser consultado
diretamente sobre os assuntos de extrema relevância nacional, com simplicidade, de
forma prática e eficiente, pois somente ele, o povo, tem legitimidade efetiva,
verdadeira para tomar tais decisões.122
2.17. Das instituições intermediárias e seu papel
A importância das instituições intermediárias, com enfoque na gestão pública
e na gestão do dissenso na sociedade, na gestão dos conflitos de sociedade é o que
forma o nosso juízo, a democracia real, foi a fala de Amauri Temporal.
Assim, a necessidade de uma ponte, uma ligação umbilical constante entre
governantes e governados era fundamental. O grande obstáculo a ser transposto é a
característica própria da cultura latino-americana, regada de emotividade em
substituição da racionalidade e com a dificuldade de passar do individualismo para
121
6ª Extraordinária. Audiência realizada em 6/05/1987. Com a presença de Neif Jabur, deputado
estadual e presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa de Minas Gerais. Na 7ª Audiência Pública, Ulisses Riedel de Resende, diretor técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – DIAP; João Bosco da Silva, vereador e presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores – CONAM; Paulo Silas Alvarenga de Melo, vereador e presidente da União de Vereadores do Brasil – UVB; Luiz Alberto Martins de Oliveira, deputado estadual e presidente da União Parlamentar Interestadual – UPI; Amauri Temporal, presidente da Confederação Nacional das Associações Comerciais do Brasil – CACB. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 177-194
122 Ulysses Riedel de Resende Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op.Cit., 2009, p. 190.
75
coletivo, assim, valorizar o Legislativo é valorizar essa interface organizada entre
sociedade e Legislativo.123
2.18. Da descentralização política e a importância do município
Quanto à descentralização política, a importância do município se fez
presente nas palavras de Luiz Alberto Martins de Oliveira, que afirmava ser a
verdadeira democracia no Brasil a descentralização das decisões políticas, porque o
homem brasileiro vive no município e não na União, e a forma operacional de
repasse de recursos estavam a um custo caríssimo, com isso por volta de três mil
dos quatro mil municípios brasileiros estavam em condições falimentares.124
2.19. Do papel das Câmaras Municipais
Por outro lado, as câmaras municipais estavam perdendo terreno político para
as associações de moradores. Salientava Paulo Silas, questionando a função do
vereador com função na época de despachante de luxo, isso porque o Executivo
municipal detinha todo o poder, as demandas feitas pelas associações de
moradores eram reivindicadas diretamente ao prefeito, e este, por sua vez, fazia
questão de não atender ao clamor do Legislativo. Em outras palavras, para estas
referidas associações a Câmara de vereadores não estava prestando para nada, em
suas palavras, gerando um processo de desgaste junto à opinião pública sem
precedentes.125
2.20. Da necessidade de resgatar a independência dos Estados
Quanto ao Legislativo Estadual e da necessidade de se resgatar a sua
independência, Neif Jabour reivindicava a valorização do Legislativo Estadual
fundada nas prerrogativas de órgão fiscalizador do governo estadual, da autonomia
123
Amauri Tamporal. Op. Cit. Cf. Luciana Botelho Pacheco, 2009, p. 190.
124 Luiz Alberto Martins de Oliveira. Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 191.
125 Paulo Silas Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, p. 191-192
76
orçamentária e financeira, com o fim de consagrá-lo como Poder independente,
altivo e soberano126.
2.21. Da necessidade de transparência do Legislativo
A transparência necessária do Legislativo ao crivo da opinião pública, também
foi levantada. Era senso comum que o golpe de 64 teve papel decisivo para a
decadência da imagem pública do Legislativo. Segundo Ary Ribeiro, a visão da
opinião pública do parlamentar é de que faz parte de uma casta que desfruta de
privilégios e mordomias, e não tendem a valorizar o Legislativo, aliado ao fato do
autoritarismo recente vivido no país, a partir de 1964, ter desencadeado um
desgaste sem precedentes do Poder Legislativo127.
2.22. Da opinião pública e participação da sociedade
Assim, para resgatar a sua imagem, segundo Rubem de Azevedo Lima, o
Legislativo deveria se expor por inteiro e conviver com a crítica implacável da
opinião pública, de boa ou de má fé. Mesmo em face do pluralismo político que criou
dificuldades para o funcionamento do Congresso, tornando mais compreensível,
mas também moroso, e, portanto menos admirado pela opinião pública. Conclui que
somente com a transparência e exposição a instituição terá o seu valor, exercendo-
se assim a plena democracia, devendo para isso se impor ante os seus detratores128.
Intrínseca a essa ideia está a do Congresso Nacional que não pode perder a
batalha das comunicações e da opinião pública. Pois, segundo Tarcísio Holanda,
ambas são partes indissociáveis do processo democrático, uma vez que, quando há
crises institucionais, a imprensa também é brutalmente reprimida juntamente com a
opinião pública pelo argumento da força.
Partindo de que a função do parlamento é a de discutir as políticas de
desenvolvimento em todos os setores da vida nacional, fiscalizar a aplicação dos
recursos públicos e, juntamente com o Executivo, estabelecer as prioridades das
126
Neif Jabour Cf. Luciana Botelho Pacheco Op Cit., 2009, p. 192
127 Ary ribeiro Cf. Luciana Botelho Pacheco Op. Cit. 2009, pp. 192-193
128 Rubem de Azevedo Lima Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193.
77
despesas públicas e onde devem ser aplicadas, o Congresso deve participar do
rádio, da televisão para construir, juntamente com a imprensa, cientistas sociais e
políticos, espaços para instituições da sociedade de modo geral, com as quais ele se
confunde129.
2.23. Da responsabilidade do Congresso quanto a sua imagem negativa
Mas, todavia, parcelas de responsabilidade do Congresso Nacional na
formação da sua imagem negativa junto à opinião pública foram os alertas de
Evandro Paranaguá uma vez que a democracia nunca chegou ao plano econômico
social. O parlamento brasileiro na história tem revelado um poder conservador e
nunca houve movimento para modificar as estruturas opressoras da grande maioria
da sociedade brasileira, do Brasil pé no chão, tão pouco a ampliação de poderes
poderia significar algo a favor do povo, assim, somente com a revisão dos critérios
que conferem prioridade às mensagens do Executivo, propõem-se emendas
constitucionais quando existem outras análogas, em tramitação, de autoria de
deputado e senador é que se pode pensar em mudança da rejeição, frustração da
instituição legislativa brasileira.130
Assim, sintetiza, resumidamente, os debates em audiências públicas, que não
deixaram margem duvidosa sobre o que era pensado, idealizado para o papel do
Legislativo.
Como esse poder se encontra na Carta de 88, e se todos os desafios aqui
postos foram enfrentados, só poderemos expor isso após análise do que o texto
constitucional reservou para esse poder.
129
Tarcísio Holanda Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193.
130 Evandro Paranaguá Cf. Luciana Botelho Pacheco, Op. Cit. 2009, pp. 193-194.
78
II. O PODER LEGISLATIVO NA CARTA DE 1988131.
Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida.
Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada
um.
Mario Quintana
A Constituição de 1988 buscou a valoração das prerrogativas do Poder
Legislativo, até porque o contexto histórico da constituinte marcou pela transição de
um regime autoritário para abertura redemocrática.
Com base nos princípios republicanos e democráticos, firmados na Carta de
1988, não se pode imaginar ou pensar o Poder Legislativo sem ser a partir do
cidadão e vice-versa. Debates e discussões que resultaram em transformações na
sociedade brasileira. É através desse poder que o povo se vê representado. É nessa
instituição que a democracia é exercida nos seus primeiros passos.
Como a “Casa do Povo”, nas últimas décadas, foi bem pouco utilizada, isso
comparando com o período que precedeu e culminou na Carta Cidadã. A sociedade
131
Podem ser referidas obras para estudo no tema de Poder Legislativo no Brasil:
ALESP. O poder legislativo: três análises. In: Cadernos Alesp n. 1,São Paulo: Legislativa do Estado
de São Paulo 1983.
Arley César Felipe. Tipos de legislativo e sua colocação na história constitucional brasileira..In: Revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia vol. 30 ns. 1/2, dezembro. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2001.
FOLHA DE SÃO PAULO. Bicameralismo, tradição no país desde a Constituição de 1891. Folha de
São Paulo, São Paulo. p. 8, 23/06/ de 1985.
Marco Aurelio Peri Guedes. O senado federal nas constituições brasileiras de 1891 e 1934: as influências do constitucionalismo alemão. .In: Revista Brasileira de Direito Comparado n. 29. Rio de
Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, 2007.
Raul Machado Horta. Poder Legislativo e monopólio da lei no mundo contemporâneo..In: Revista
Trimestral de Direito Público n. 3. São Paulo: Malheiros, 1993.
Elton E. Polveiro Júnior. Desafios e Perspectivas do Poder Legislativo no século XXI. Textos para
discussão 30. Coordenadoria Legislativa do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, 2006.
Josaphat Marinho A função de controle do Congresso Nacional. In: Revista Informação Legislativa n.
53, ano 14, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1977.
Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares. O poder legislativo: funções e órgão. In: Revista
Brasileira de Estudos Políticos n. 83, julho. Belo Horizonte, UFMG: 1996.
79
que parece estar anestesiada, não quer exercer a sua cidadania tão almejada no
passado, acarretando como por um processo de osmose, em um próprio Legislativo
anestesiado, dando assim uma flagrante vitória àqueles que contra a democracia
atentam.
1. Dos princípios do Poder Legislativo.
Aprofundando agora, devido à feição da Carta de 88, cabe ressaltar os
princípios basilares que decorreram das premissas constitucionais e a importância
da existência de um Legislativo forte que remete sempre às suas raízes originais de
ser o órgão pelo qual o cidadão se vê respaldado contra a abirtrariedade do poder.
São eles: a legitimidade, a decisão colegiada e da votação por quórum, a
publicidade, e a obediência às normas.
A legitimidade serve de moldura formal do processo legislativo, para proteger
princípios básicos dos produtos legislativos, resguardado das liberdades, a
prevenção das dificuldades e a prevenção do sistema democrático. Já o princípio da
decisão colegiada e da votação por quórum são básicos do Poder Legislativo e da
democracia representativa, que dão condições de participação ativa das minorias
representadas.
O princípio da publicidade refere-se ao conhecimento prévio da pauta de
votação e a contínua publicidade das ações legislativas durante o processo
permitem acesso e a participação plena não só do parlamentares, mas também da
sociedade que se vê representada.
O princípio da obediência às normas diz respeito ao jogo parlamentar, no qual
não pode atuar em espaço vão. Negociar, barganhar, obstruir, uma votação, etc.
Garante a todos um poder de mobilização, mas é imprescindível que seja dentro dos
limites previstos pelas normas, sob pena de individualizar o Poder Legislativo a
exercer o leque de sua funções, mesmo quando contraposto com interesse dos
demais poderes.
Todos esses princípios informadores correspondem ao princípio do Estado
Democrático de Direito. O que vale dizer que o cidadão pode participar do processo
legislativo em si durante em quase todo o seu procedimento.
80
1.1. As novas configurações do Poder Legislativo
Em decorrência dessas basilares disposições constitucionais, surge a
necessidade de um Poder Legislativo transparente, buscando-se mecanismos de
participação cada vez mais modernos e integradores no processo de criação das
leis, com debates nas comissões por meio da participação de associações132 civis,
utilizando de forma interdisciplinar outras ciências, tais como a Ciência da
Legislação133, a Legística134, a técnica de Consolidação das leis135 e os mecanismos
132
Cf. Carlos Mário da Silva Velloso. Delegação Legislativa – A Legislação por Associações. In:
Revista de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 92. 1989, pp. 150-159.
133 Consultem-se sobre ciência da legislação e legística:
José Tudela Aranda. & Jesús M. CoronaFerrero & Francesc Pau Vall (Coord.) La Técnica Legislativa a Debate. Asociación Española de Letrados de Parlamentos. Madrid: Tecnos, 1994.
Bruno José Ricci Boaventura. A instituição de um controle da qualidade legislativa..In: Revista Âmbito Jurídico, disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7122&revista_caderno=4;
Marcílio França Castro. A técnica legislativa além da regra. n. 7, janeiro/junho,. .In: Cadernos da
Escola do Legislativo 1998.
Jorge José da Costa. Técnica Legislativa. Procedimentos e normas. Rio de Janeiro: Destaque, 1994.
Robson Luiz Filho Coutinho. Avaliação de desempenho do Poder Legislativo Federal. Brasília:
Unilegis, 2009;
Pinto Ferreira. Técnica Legislativa como a arte de redigir leis..In: Revista Informação Legislativa ano
23 n. 89, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1986.
C. Yoel Carrillo Garcia. Princípios para uma teoria de la legislación. Ambiente Jurídico, Facultad de Derecho, Universidad Manzales, disponível em:
http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3267525;
Antonio Martino. Ciencia de la legislación. In: Revista Electrónica de Teoría y Práctica de la
Elaboración de Normas Jurídicas ano I, n. 2, junio. Buenos Aires: Universidad Buenos Aires, 2005.
Fernando B. Meneguin Avaliação de impacto legislativo no Brasil. Textos para discussão n. 70,
Centro de Estudos da Consultoria do Senado, março. Brasília: Senado Federal, 2011.
Fabiana de Menezes Soares. Teoria da legislação. Formação e Conhecimento da Lei na Idade Tecnológica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2004.
Rafael Jayme Tanure. A avaliação da Lei em Portugal e no Direito Comparado. In: Revista Jus Navigandi, disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/18057/a-avaliacao-da-lei-em-portugal-e-no-direito-comparado;
81
134
Merecem menção as conferências de Marta Tavares de Almeida, Antonio Augusto Junho
Anastasia, Jandir Maya Faillace Neto, Jean-Daniel Delley, Ulrich Karpen, Luzius Mader, Maria Coli Simões Pires, Menelick de Carvalho Netto e Sabio José Fortes Fleury no Congresso Internacional de Legística – Qualidade da Lei e Desenvolvimento, realizado em Belo Horizonte, 2007.
Ademais podem ser consultadas as seguintes obras no tema:
Gema Marcilla Córdoba. Racionalidad legislativa. Crisis de la ley y nueva ciencia de la legislación.
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2005.
Assunção Cristas. Legística ou a arte de bem fazer leis. In: Revista CEJ n. 33, abr./jun. Brasília: 2006. pp. 78-82.
David Duarte & Alexandre Sousa Pinheiro & Miguel Lopes Romão & Tiago Duarte. Legística. Perspectivas sobre a concepção e redacção de actos normativos. Coimbra: Almedina, 2002.
Sérgio Lopes Loures. Neoconstitucionalismo e produção legislativa: uma visão normativa do Direito e aplicação da legística. v. 7, n. 1, Brasília: Senatus, 2009.pp 24-31.
Carlos Blanco de Morais Manual de Legística. Critérios científicos e técnicos para legislar melhor. Lisboa: Verbo, 2007.
Patrícia Rosset. Breves reflexões sobre a legística, seus aspectos políticos e consolidação de leis. In Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo ano 11, n. 22, São Paulo: Forense, 2009. pp181-201.
135Bruno José Ricci Boaventura. A solução das antinomias jurídicas aparentes inseridas na
Consolidação das Leis. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_gaucho/revista_justica_e_historia/issn_1677-065x/v6n12/Microsoft_Word_-_ARTIGO_A_SOLUxO_DAS_ANTINOMIAS..._Bruno_Boaventura.pdf.
____. Uma contemporânea inserção da Consolidação das Leis na Relegitimação das normas jurídicas. In: Direito Púbico n. 20, mar.-abr./2008 Disponível em: http://www.direitopublico.idp.edu.br/index.php/direitopublico/article/viewArticle/528 ;
Natália de Miranda Freire. A consolidação como técnica legislativa. Disponível em: http://www.almg.gov.br/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/consolidacao_leis.html
Felipe Frisch. Grupo fará “limpeza” da legislação federal. Valor Econômico, Legislação & Tributos,
11/04/2007. p. E 1.
Gabriel Dezen Junior. O instituto da consolidação: panorama histórico, jurídico e político. Disponível em: http://www.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consulte/públicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/pdfs/consolidacao_leis/instituto.pdf;
Rubens Naman Rizek Júnior O processo de consolidação e organização legislativa. Tese de
Doutorado.em Direito. São Paulo: Usp, 2009.
SENADO FEDERAL. A consolidação das leis da saúde. Senado Federal em pauta n. 65, 2008.
Disponível em: www.senado.gov.br
82
para a concretização de um orçamento participativo, inclusive o orçamento
participativo itinerante, andarilho e interativo/digital,136 com a formação de cidadania
em escolas do Legislativo137 e convênios firmados com instituições para
acompanhamento legislativo e orçamentário.
O Poder Legislativo encontra-se na Constituição no – Título IV, Da
Organização dos Poderes, Capítulo I -, logo de pronto, a seção que inaugura o
assunto institui que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, sendo
composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e cada legislatura
136
Como se noticia em Ipatinga, MG, disponível em:
http://www.eaesp.fgvsp.br/subportais/ceapg/Acervo%20Virtual/Cadernos/Hist%C3%B3rias/2002/orcamento_participativo.pdf e
Fernando Laércio Alves da Silva. Cidadania participativa: o caso do orçamento municipal de Ipatinga-MG. In: Revista da Faculdade de Direito de Campos ano VI, n. 7, dezembro, 2005, Disponível em:
http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista07/Discente/02.pdf
Sobre orçamento participativo, consultem-se:
Angela Vieira Neves. Espaços públicos, participação e clientelismo: um estudo de caso sobre o orçamento participativo em Barra Mansa, Rio de Janeiro. In: Revista Katál. V. 10 n. 2, Florianópolis: 2007, pp. 215-221, Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-49802007000200009
Jefferson Goulart. O orçamento participativo e gestão democrática no poder local. Lua Nova n. 69, São Paulo: CEDEC, 2006.
Hermes Laranja Gonçalves. Uma visão crítica do orçamento participativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
137 Nesse sentido:
Rildo Cosson. Letramento político: por uma pedagogia da democracia. In: Cadernos Adenauer ano XI, n. 3, Rio de Janeiro: 2010.
Guilherme Wagner Ribeiro. A educação legislativa é uma resposta à crise do Parlamento? E-Legis n. 06, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2011. http://bd.camara.gov.br.
Para consulta sobre Escolas do Legislativo:
Luiz Fernandes de Assis. Educando para a cidadania: a experiência da Escola do Legislativo. Educação & Alexandre Ventura Caçador Carvalho . O parlamento jovem e a experiência das Escolas do Legislativo mineiro e da Câmara dos Deputados. O Desenvolvimento da Cultura Cívica, propícia à Democracia. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.
http://bd.camara.gov.br
Florian Madruga. Escolas do Legislativo. A nova visão do Parlamento Brasileiro. v. 6, n. 1, Brasília:
Senatus, 2008. 31-34.
Julie Reichert. Formação cidadã e os novos desafios de aprendizagem frente aos câmbios da tecnologia, cultura e globalização.In: Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico n. 4, 2011.
83
possui a duração de quatro anos. Constitui o órgão constitucional que exerce
tipicamente, em âmbito federal, as funções legislativa e fiscalizadora do Estado
brasileiro, além de atipicamente administrar e julgar.
2. Do Congresso Nacional.
Sendo bicameral, é formado por duas casas: a do Senado Federal e a da
Câmara dos Deputados, em decorrência da forma de Estado adotada pelo país: o
federalismo. O Senado representa os estados-membros e seus integrantes são
eleitos pelo sistema majoritário, ao passo que a Câmara dos Deputados representa
o povo, e seus membros são eleitos pelo sistema proporcional138. Os membros do
Congresso, qualificados como congressistas ou parlamentares, são os senadores e
os deputados-representantes do povo e a remuneração de ambos é idêntica.
O Congresso reúne-se anualmente na capital federal, Brasília, de 2 de
fevereiro a 17 de julho e de 1 de agosto a 22 de dezembro139. Cada período é
denominado período legislativo, e o ano identificado como sessão legislativa
ordinária.
2.1. Da competência do Congresso Nacional
Quanto à competência do Congresso Nacional, a este cabe, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado; III - fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas; IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União; VI - incorporação, subdivisão
138
Cf. João Carlos Medeiros de Aragão. Parlamentos Comparados: visão contemporânea. Estados
Unidos da América, Espanha, França e Brasil. Centro de Documentação e Informação, Brasília:
Edições Câmara, 2011.p. 43.
139 Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 50, 14 de fevereiro de 2006 (EC 50/2006),
funcionava de 15 de fevereiro a 30 de junho, e de 1º de agosto a 15 de dezembro (Regimento Interno
da Câmara dos Deputados).
84
ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas Assembleias Legislativas; VII - transferência temporária da sede do Governo Federal; VIII - concessão de anistia; IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal; (EC nº 69/2012); X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o artigo 84, VI, b; (EC nº 32/2001); XI - criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública; (EC nº 32/2001); XII - telecomunicações e radiodifusão; XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações; XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal; XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os artigos 39, § 4º; 150, II; 153, III; e 153, § 2º, I. (EC nº 41/2003). (grifo nosso)
A competência exclusiva do Congresso Nacional está estabelecida no artigo
49, a saber:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI - mudar temporariamente sua sede; VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (EC nº 19/1998); VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-
Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (EC nº 19/1998); IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo
Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV - autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI - autorizar, em terras indígenas, a
85
exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares”. (grifo nosso)
O poder de convocar membros do Governo encontra-se no artigo 50, ao
dispor que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de uma das
suas Comissões, poderão convocar ministro de Estado ou quaisquer titulares de
órgãos diretamente subordinados à presidência da República para prestarem,
pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando
crime de responsabilidade à ausência sem justificação adequada. (EC de Revisão nº
2/1994);
§ 1º - Os Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer de suas Comissões, por sua iniciativa e mediante entendimentos com a Mesa respectiva, para expor assunto de relevância de seu Ministério; § 2º- As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar pedidos escritos de informações a Ministros de Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput deste artigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou o não-atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestação de informações falsas. (EC de Revisão nº 2/1994).
No Congresso é a Mesa Diretora o órgão deliberativo de direção dos
trabalhos e dos serviços administrativos. Composta por membros da Mesa da
Câmara dos Deputados e do Senado – sete parlamentares, com mandato de dois
anos.
O outro órgão deliberativo é o plenário. Para a sua composição o Congresso
utiliza membros tanto da Mesa do Senado quanto da Câmara dos Deputados, na
seguinte hierarquia: o presidente é o presidente da Mesa do Senado; o 1º vice-
presidente, o 1º vice-presidente da Câmara; o 2º vice-presidente, o 2º vice-
presidente do Senado; o 1º secretário, o 1º secretário da Câmara; o 2º secretário, o
2º secretário do Senado; o 3º secretário, o 3º secretário da Câmara; e o 4º
secretário, o 4º secretário do Senado.
86
2.2. Das Comissões140do Congresso Nacional
As comissões parlamentares são órgãos colegiados existentes tanto no
Senado quanto na Câmara, podem ser permanentes ou temporárias, com
atribuições legislativas e fiscalizadoras previstas na Constituição Federal ou no
regimento interno de cada Casa ou no ato da criação.
A representação de partidos e blocos parlamentares, por previsão
constitucional, deve ser garantida, dentro do possível, na sua composição. No
cumprimento de suas funções básicas – elaboração de leis e acompanhamento de
ações administrativas na esfera do Poder Executivo –, promovem debates e
discussões com a participação da sociedade sobre matérias especiais; externas;
além dos grupos de trabalho. Podem ser da seguinte natureza: comissões
140
Sobre o tema, podem-se consultar:
José Alfredo de Oliveira Baracho. Congresso Nacional. Reuniões. Comissões. .In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais v. 33, n. 33. Belo Horizonte: UFMG, 1991.
Paulo Adib Casseb. Processo Legislativo. Atuação das comissões permanentes e temporárias. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
Relatório Geral apresentado ao X Congresso Internacional de Direito Comparado, 1978, em Budapeste. As Comissões Parlamentares Permanentes. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra:
Universidade de Coimbra, 1980.
Leany Barreiro Lemos. Sistema de comissões no Senado brasileiro: hierarquia e concentração de poderes nos anos 90.In: O Senado Federal Brasileiro no Pós-constituinte. Leany Barreiro (Org.) Brasília: Unilegis, 2008. pp. 351 -392.
Claúdio Ribeiro Paes. Sistema de comissões da Câmara dos Deputados e Competência Legislativa Plena: análise crítica. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados,
2007. http://bd.camara.gov.br
Carlos Pereira & Bernardo Mueller. Uma teoria da preponderância do Poder Executivo. O sistema de comissões no Legislativo Brasileiro.In: Revista Brasileira de Ciências Sociais v. 15, n. 43. São Paulo:
Ampox, 2000.
João Batista Pontes. A participação das comissões permanentes do Senado Federal no exame da proposta orçamentária anual. Texto para discussão n. 13. Brasília: Câmara dos Deputados, 2004.
http://bd.camara.gov.br
Marta Mendes da Rocha & Cássio Felipe Barbosa. Regras, incentivos e comportamento: as comissões parlamentares nos países do Cone Sul.In: Revista de Sociologia Política v. 16, ago.
Curitiba: UFPR, 2008.
Maria Abadia Furtado de Oliveira. A efetividade da deliberação legislativa em sede de comissão.
Brasília: Unilegis, 2005.
Estudio comparativo de 88 parlamentos nacionales. Suiza: UNIÓN INTERPALAMENTARIA, 2007.
87
permanentes e mistas, como a Mista de Planos, Orçamentos Públicos e
Fiscalização; de Representação Brasileira do Parlamento do MERCOSUL;
temporárias; e parlamentares de inquérito (CPI e CPMI).
As comissões parlamentares de inquérito (CPI) podem ser criadas pela
Câmara dos Deputados, pelo Senado ou pelo Congresso para apurar os fatos. A
CPI possui poderes de investigação próprios de autoridades judiciais, bem como
outros previstos nos regimentos do Congresso. Se pertinentes, as conclusões da
CPI são encaminhadas ao Ministério Público para oferecimento de denúncia.
As comissões e seus objetivos são definidos no regimento ou no ato de sua
criação, e tem como função precípua, entre outras competências, aprovar leis que
dispensam aprovação pelo plenário; realizar audiências públicas141 com entidades da
sociedade civil; convocar ministros de Estado para prestar informações sobre temas
em debate nas comissões; e solicitar depoimentos de qualquer autoridade ou
cidadão (artigo 58).
As comissões mistas (CM) podem ser permanentes, de inquérito ou
temporárias, possuem normas de funcionamento definidas pelo Regimento Comum,
são integradas por senadores e deputados. São elas: a de Orçamento e a do
MERCOSUL; a Temporária dos Correios; a Destinada à Apreciação de Veto do
Presidente da República ao Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional; a de
Apreciação das Medidas Provisórias; a de Planos, Orçamentos Públicos e
Fiscalização; a de Representação Brasileira do Parlamento do MERCOSUL.
141
Conforme o artigo 255 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, as audiências públicas
são convocadas para instruir matéria legislativa em trâmite e tratar de assuntos de interesse público relevante, em suma, para ouvir especialistas e conhecer a opinião pública.
Bruno Batista da Costa de Oliveira. A participação popular no processo legislativo. O Exercício da Cidadania ativa e o discurso no Estado Democrático de Direito no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. São Paulo: USP. pp. 1-198 e pp. 178-179.
Para comparação entre o número de audiências públicas entre Brasil e EUA, refira-se Tese de Doutorado da UNB de Leany Barreiro de Sousa Lemos: “As audiências públicas, em 30 anos, ultrapassaram 47 mil, nos EUA; e em 16 anos, no Brasil, chegaram a cerca de 1.500.” Leany Barreiro de Sousa Lemos. Controle Legislativo em Democracias Presidencialistas: Brasil e EUA em perspectiva comparada. Tese de Doutorado em Ciência Política. Brasília, UNB: 2005. pp. 1-191. p.
100
Para uma noção das audiências públicas no âmbito do Poder Judiciário, vide:
Regina Lírio do Valle (Coord.) Audiências públicas e ativismo. Diálogo Social no STF. Belo Horizonte:
Editora Fórum: 2012.
88
As comissões especiais (CE) têm por finalidade emitir pareceres sobre
proposições em situações especiais (PEC, Códigos, entre outras) ou examinar
assuntos peculiares. As comissões externas acompanham temas específicos em
lugar fora da sede da Câmara dos Deputados.
As CPIs detêm poderes investigatórios próprios de autoridades policiais e
outros previstos no Regimento da Casa. São temporárias e podem atuar durante o
recesso parlamentar; contam com o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até
metade, por deliberação do plenário, para conclusão dos trabalhos. Tanto as CPIs
como as CPMIs visam diligenciar fato relevante para a vida pública e a ordem
constitucional, legal, econômica ou social do país. Têm poderes de investigação
equiparados aos das autoridades judiciais – ordenar diligências; ouvir indiciados;
inquirir testemunhas, requisitar informações e documentos a órgãos e entidades da
administração pública; requerer audiência de deputados e ministros de Estado;
tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais; requisitar
serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais.
No uso de suas atribuições podem deslocar-se a qualquer localidade do
território nacional para investigar e realizar audiências públicas e estipular prazo
para o atendimento a qualquer providência ou realização de diligência sob as penas
da lei, exceto quando da alçada de autoridade judiciária.
3. Da Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados do Brasil integra o Poder Legislativo brasileiro, é
composta de 513 deputados, os quais são eleitos mediante o voto proporcional para
um mandato de quatro anos. Em suma, é composta por representantes do povo,
eleitos, pelo sistema proporcional, em cada estado, em cada território e no Distrito
Federal. O número total de Deputados, bem como a representação por estado e
pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcional à
população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições,
89
para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais
de setenta deputados. Cada território elegerá quatro deputados142.
Como representação federal, o número de cadeiras por estado é distribuído
segundo o de habitantes por estado, conforme mede o IBGE no censo. Alertamos
que essa semiproporcionalidade permite que o estado de Roraima seja
representado por um deputado para cada 49 mil habitantes, enquanto São Paulo,
por um deputado para cada 571 mil habitantes, o que gera uma distorção na nossa
democracia representativa, no tocante ao valor de cada voto e na representatividade
dele decorrente. Mas, diante da distorção apresentada, uma reflexão se impõe
quanto à afirmação de que toda a sociedade está devidamente representada.
3.1. Competência privativa da Câmara dos Deputados
Na Seção III, o artigo 51 estabelece que privativamente à Câmara dos
Deputados:
I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; II - proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao
142
Sobre o tema da igualdade de voto e da federação, deve referir-se ao cado julgado pelo Supremo
Tribunal Federal, de ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. (artigo 102, ‘caput’), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.” (ADI 815, Relator(a): Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/1996, DJ 10-05-1996 PP-15131 EMENT VOL-01827-02 PP-00312).
Para consulta:
Arlindo Fernandes de Oliveira. Sobre a representação dos Estados na Câmara dos Deputados. Textos para Discussão n. 5, Consultoria Legislativa do Senado Federal, abril. Brasília: Senado Federal, 2004. http://www.senado.gov.br
90
Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; III - elaborar seu regimento interno; IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (EC nº 19/1998); V - eleger membros do Conselho da República, nos termos do artigo 89, VII. (grifo nosso)
3.2. Da Mesa Diretora
Compete à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados dirigir os trabalhos
legislativos e os serviços administrativos da Casa. A Presidência - um presidente e
dois vice-presidentes - e a Secretaria - quatro secretários e quatro suplentes -
formam a Mesa Diretora. Seus membros efetivos não podem integrar lideranças
partidárias nem comissões permanentes, especiais ou de inquérito, como rege o
artigo 14 do Regimento Interno.
3.3. Órgãos da Câmara dos Deputados
3.4. Colégio de Líderes
O Colégio de Líderes representa o órgão de discussão e negociação política
ao processo legislativo, visando conciliar os diferentes interesses das categorias
representadas na Casa, sendo composto pelos líderes da maioria, da minoria, dos
partidos, dos blocos parlamentares e do Governo.
No Colégio, os deputados, agregados em representações partidárias ou blocos
parlamentares, elegem seus líderes. Estes possuem as seguintes competências:
encaminhar votações nas comissões e no plenário, em que podem se expressar
oralmente a qualquer momento da sessão para falar sobre assunto de relevância
nacional ou defender determinada linha política; indicar deputados para compor
comissões técnicas; e registrar candidatos para concorrer aos cargos da Mesa
Diretora.
3.5. Das Comissões
As comissões são órgãos criados para grupos menores de parlamentares,
como já vimos. Na Câmara destacam-se os trabalhos realizados pela Comissão de
91
Legislação Participativa, que fornecem à sociedade civil a possibilidade de acessar o
sistema de produção das normas do ordenamento jurídico do país. Assim, ações
civis e empresariais podem apresentar diretamente ao Parlamento sua percepção
sobre problemas, demandas e necessidades sociais. Nessa Casa, há comissões
permanentes (CP), comissões temporárias (CT), comissões mistas (CM), comissões
especiais, comissões externas e comissões parlamentares de inquérito (CPI).
As comissões permanentes constituem órgãos técnicos criados pelo
Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados para debater e votar
propostas de lei apresentadas à Câmara. Quanto a algumas proposições ou
projetos, elas emitem opinião técnica acerca do assunto, mediante pareceres, antes
de o tema ser analisado pelo plenário. No que concerne a certas proposições, elas
decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem necessidade de aprovação do
plenário da Casa, sendo denominado esse procedimento de conclusivo ou
terminativo. Quanto aos seus membros e presidência, são renovadas a cada sessão
legislativa - ou a cada ano.
As comissões permanentes da Câmara são as seguintes: Comissão de
Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural – CAPADR;
Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional –
CAINDR; Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI;
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania – CCJC; Comissão de Defesa
do Consumidor – CDC; Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e
Comércio – CDEIC; Comissão de Desenvolvimento Urbano – CDU; Comissão de
Direitos Humanos e Minorias – CDHM; Comissão de Educação e Cultura – CEC;
Comissão de Finanças e Tributação – CFT; Comissão de Fiscalização Financeira e
Controle – CFFC; Comissão de Legislação Participativa – CLP; Comissão do Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – CMADS; Comissão de Minas e Energia
– CME; Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional – CREDN;
Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado – CSPCCO;
Comissão de Seguridade Social e Família – CSSF; Comissão de Trabalho, de
Administração e Serviço Público – CTASP; Comissão de Turismo e Desporto – CTD;
Comissão de Viação e Transportes – CVT.
92
Já as comissões temporárias (CT) são assim denominadas pois analisam
matérias que se extinguem ao fim da legislatura, ou antes, do término dela – quando
atingido o objetivo a que se destinam ou expirado o prazo de duração. Também
apreciam denúncias contra crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e
vice-presidente da República ou pelo ministro de Estado.
3.6. Do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
Esse órgão é responsável pelo processo disciplinar, o qual aplica
penalidades, quando do descumprimento das normas relativas ao decoro
parlamentar na esfera da Câmara dos Deputados. Cabe a ele o procedimento
disciplinar e atribuição das devidas penalidades. Consiste em colegiado formado por
15 membros titulares e igual número de suplentes, com mandato de dois anos, os
quais não podem ser substituídos a qualquer tempo, como acontecem nas outras
comissões.
O Conselho é responsável, entre outras atribuições, por zelar pela
observância aos preceitos éticos, cuidar da preservação da dignidade parlamentar e
ainda responder a consultas da Mesa, das comissões e dos deputados sobre
matéria de sua competência. Em caso de instauração de processo disciplinar, esse
órgão atua mediante provocação da Mesa da Câmara dos Deputados e dos partidos
políticos com representação no Congresso Nacional. Em outras situações, por
provocação das comissões e dos deputados.
O Conselho de Ética possui regulamento próprio, que enumera os
procedimentos a serem observados no processo disciplinar, consoante o disposto no
Código de Ética e de Decoro Parlamentar e no Regimento Interno da Câmara dos
Deputados.
3.7. Procuradoria Parlamentar
A Procuradoria Parlamentar atua em colaboração com a Mesa, na defesa
judicial e extrajudicial da Casa, por advogado, do Ministério Público ou da
Advocacia-Geral da União, e requer publicidade reparadora, direito de resposta e de
indenização por dano moral ou material, caso algum órgão de comunicação veicule
matéria ofensiva à Casa ou aos seus membros. É composto por onze membros,
93
indicados pelo presidente da Câmara, com mandato de dois anos, e seu
funcionamento é regido pelo artigo 21 do Regimento Interno, e contam com corpo
jurídico.
Em outras palavras, sua função é de defender a Câmara dos Deputados,
seus órgãos e seus integrantes no exercício do mandato ou das suas funções
institucionais, quando atingidos em sua honra ou imagem perante a sociedade, além
de preservar a imagem da instituição e a integridade moral dos parlamentares.
3.8. Dos corregedores
Após eleita, a Mesa da Câmara indica quatro de seus membros efetivos para
se responsabilizarem pelos cargos de corregedor e corregedores substitutos, pela
manutenção do decoro, da ordem e da disciplina no âmbito da Casa. O corregedor é
quem preside inquérito que envolva deputado.
3.9. Procuradoria Especial da Mulher
A Procuradoria Especial da Mulher tem a atribuição de receber e encaminhar
aos órgãos competentes as denúncias e anseios da população, mediante a
discussão e aprovação de projetos de lei, projetos de emenda à Constituição e
discussão de políticas públicas que venham garantir e assegurar os direitos já
conquistados pelas mulheres.
94
3.10. Ouvidoria Parlamentar143
A Ouvidoria Parlamentar integra a Presidência da Casa e foi criada para
funcionar como canal de interlocução entre essa Casa e a sociedade, portanto suas
atribuições são: receber e examinar demandas dos cidadãos, encaminhá-las aos
órgãos competentes, quando necessário, e, principalmente, responder a todas as
demandas formuladas pela sociedade civil. Dessa forma, através da Ouvidoria, o
cidadão pode manifestar, à Câmara Federal, sua opinião, suas críticas, seus
desabafos ou mesmo fazer sugestões que impliquem no aprimoramento das
atividades do Parlamento. As manifestações, quando ocorrem repetidamente, são
encaminhadas ao presidente da Casa, aos líderes dos partidos e aos parlamentares,
para que tenham ciência da opinião da sociedade civil sobre determinado tema.
À Ouvidoria cabe, ainda, orientar os cidadãos sobre projetos de lei em trâmite
pela Casa, facilitando seu acesso a ela, órgão constituído de um ouvidor-geral e dois
ouvidores substitutos, designados pelo presidente da Câmara, com mandato de dois
anos, vedada a recondução, suas ações são divulgadas pelos órgãos de
comunicação da Casa.
4. Do Senado
O Senado Federal representa a Câmara Alta do Congresso Nacional
brasileiro. Atualmente, o Senado Federal conta com 81 membros. Os senadores, em
143 Sobre Ombudsman e Ouvidoria Parlamentar, podem-se consultar:
Carlos Alberto Provenciano Gallo. O “Ombudsman” parlamentar do Direito Sueco. In: Revista
Informação Legislativa janeiro a março. Brasília: Senado Federal, 1976.
____. O ombudsman no direito dinamarquês. In: Revista Informação Legislativa ano 20, n. 70, jul./set.
Brasília: Senado Federal, 1983. pp 137-146.
Osmar Alves de Melo. O ombdusman parlamentar.In: Revista Informação Legislativa ano 17, n. 67,
jul./set. Brasília: Senado Federal, 1980.pp.119-126
Daisy de Asper Valdés y. Ombudsman: um mecanismo democrático para o controle da
administração..In: Revista Informação Legislativa ano 27 n. 106, abr./jun. Brasília: Senado Federal,
1990. pp131-152.
Daisy de Asper Valdés y Gerald Caiden. A instituição do ombudsman: aspectos da maturidade.
Revista Informação Legislativa ano 37, n. 145, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 2000. 201-212.
95
número de três por estado e pelo Distrito Federal, são eleitos entre brasileiros
maiores de 35 anos no exercício pleno dos direitos políticos. As 27 unidades da
Federação – 26 estados e Distrito Federal – possuem a mesma representatividade.
Eles representam os estados e não a população, o que resulta na
desproporcionalidade em relação ao número de habitantes de cada estado. Sua
função é representativa. Seu mandato é de oito anos, com reeleição ilimitada,
embora as eleições sejam de quatro em quatro anos; assim, renovam-se,
alternadamente, 1/3 e 2/3 da representação dos estados e do Distrito Federal.
Cada Senador será eleito com dois suplentes; salvo disposição constitucional
em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas
por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. As eleições
para senador são realizadas junto com as eleições para presidente da República,
governador, deputado federal e estadual, dois anos após as eleições municipais.
O cargo de presidente do Senado Federal deve ser preenchido apenas por
brasileiro nato, para mandato de dois anos, sem possibilidade de reeleição na
mesma legislatura.
4.1. Da sua competência
Na Seção IV, está o Senado, e sua a competência privativa vem estabelecida
no artigo 52 e seus incisos:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (EC nº 23/1999); II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (EC nº 45/2004); III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição; b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República; c) Governador de Território; d) Presidente e diretores do banco central; e) Procurador-Geral da República; f) titulares de outros cargos que a lei determinar; IV - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente; V - autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da
96
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal; VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno; IX - estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato; XII - elaborar seu regimento interno; XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (EC nº 19/1998); XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termos do artigo 89, VII; XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios. (EC nº 42/2003).(grifo nosso)
No seu parágrafo único: nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará
como Presidente o Presidente do Supremo Tribunal Federal. A condenação deverá
ser proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, acarretará na perda do
cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem
prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
4.2. Órgãos do Senado Federal
A Mesa do Senado é formada por um presidente, dois vice-presidentes e
quatro secretários, os quais, na ausência dos vice-presidentes, substituirão o
presidente consoante uma numeração ordinal. Quando os secretários estiverem
impedidos, serão substituídos por suplentes - quatro. Os integrantes da Mesa
cumprirão mandato de dois anos, vedada a reeleição para o período subsequente (§
4º, artigo 57, CF/88), e serão eleitos por escrutínio secreto, com exigência de
maioria de votos e assegurada à participação proporcional das representações,
quando possível.
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4.3. Conselho de Ética e Decoro Parlamentar
O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar objetiva fazer cumprir o Código de
Ética e Decoro Parlamentar, instituído pela Resolução nº 25, de 1993. Como na
Câmara o Conselho de Ética possui regulamento próprio, que enumera os
procedimentos a serem observados no processo disciplinar, consoante o disposto no
Código de Ética e no Regimento Interno do Senado Federal, prescreve os deveres
fundamentais dos senadores, tais como defender os interesses populares e
nacionais; exercer o cargo com honra, dignidade e respeito à vontade popular e às
instituições democráticas; velar pela ordem legal e institucional do país e pelas
instituições representativas e democráticas; estar presente durante as sessões
legislativas - ordinária e extraordinária - e nas sessões plenárias.
4.4. Corregedoria Parlamentar
A Resolução nº 17, de 1993, dispõe acerca da criação da Corregedoria
Parlamentar, composta de um corregedor e três corregedores substitutos, eleitos da
mesma forma que os outros membros da Comissão Diretora. Ao corregedor e aos
substitutos compete cumprir as determinações da Mesa relativas à segurança
interna e à externa da Casa; zelar pela manutenção da ordem, da disciplina e do
decoro na esfera do Senado; realizar sindicâncias sobre denúncias de ilícitos no
Senado referentes a senadores. Ao corregedor cabe ainda baixar provimentos, a fim
de evitar perturbações da ordem nas instalações da Casa, supervisionando até a
proibição de porte de arma.
4.5. Procuradoria Parlamentar
A Procuradoria Parlamentar - criada pela Resolução nº 40, de 1995 -,
objetiva, por determinação da Mesa Diretora e em conjunto com ela, promover a
defesa do Senado, em face da sociedade, se atingida a imagem e a honra do
senador em função do exercício do mandato. Ela é constituída por cinco senadores,
que cumprem mandato de dois anos, renováveis uma vez. É de competência da
Procuradoria Parlamentar, entre outras, instaurar as medidas judiciais e
extrajudiciais necessárias à reparação de danos decorrentes de matéria ofensiva ao
98
Senado ou aos seus membros, veiculada pela imprensa ou por outros meios de
comunicação, bem como encaminhar à Corregedoria tema que se relacionar a
ofensa a senador.
4.6. Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz
O Senado Federal conta igualmente com o Conselho do Diploma Mulher-
Cidadã Bertha Lutz, constituído a partir da Resolução nº 2, de 2001, o qual é
responsável por indicar cinco mulheres que tenham realizado algo de relevância em
prol da defesa dos direitos da mulher, a fim de que sejam agraciadas com o Diploma
Mulher-Cidadã Bertha Lutz em cerimônia realizada em 8 de março, Dia Internacional
da Mulher. O Conselho é formado por um senador de cada partido; eles escolherão,
anualmente, entre seus membros, seu presidente (coordenador dos trabalhos) e
enviarão à Mesa do Senado os nomes das candidatas designadas por eles com o
currículo de cada uma delas e a justificativa da opção.
4.7. Das Comissões no Senado Federal
No atual sistema político nacional, ganham importância as comissões
temáticas permanentes do Senado, pois possuem valor para as instituições
democráticas uma vez que definem e acompanham as diretrizes de execução das
políticas públicas, além de exercer controle político de diversos órgãos executivos do
país.
Tal responsabilidade recai no Senado porquanto ele constitui o órgão
constitucionalmente responsável pelos temas mais delicados referentes à estrutura
estatal, tais como política externa e financeira, bem como é formado por
representantes dos estados federativos e do Distrito Federal, o que lhe confere
competência para representar os mais amplos interesses da nação.
As comissões permanentes possuem caráter técnico-legislativo ou
especializado, e visam examinar proposições a elas submetidas e fiscalizá-las,
elaborando parecer segundo o disposto no Regimento Interno do Senado. Elas
fiscalizam os atos do Poder Público Federal na esfera dos respectivos campos de
atuação. As comissões permanentes podem também ser divididas em
subcomissões, cada uma delas com missão e objetivos específicos.
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No Senado, as comissões temáticas permanentes são as seguintes:
Comissão de Assuntos Econômicos – CAE; Comissão de Assuntos Sociais – CAS;
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ; Comissão de Educação,
Cultura e Esporte – CE; Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e
Fiscalização e Controle – CMA; Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa – CDH; Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional – CRE;
Comissão de Serviços de Infraestrutura – CI; Comissão de Desenvolvimento
Regional e Turismo – CDR; Comissão de Agricultura e Reforma Agrária – CRA;
Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação – CCT; Comissão
Permanente Mista sobre Mudanças Climáticas – CMMC; Comissão Mista de Planos,
Orçamento Público e Fiscalização – CMO.
Essas comissões podem ser conformadas igualmente pelas subcomissões:
Subcomissão de Turismo – Caestur; Subcomissão do Idoso – Casid; Subcomissão
da Exploração do Trabalho e Prostituição Infantil – Casij; Subcomissão de Moradia e
Desenvolvimento Urbano – CASMDU; Subcomissão da Saúde – Cassaud;
Subcomissão do “Judiciário” – CCJSJ; Subcomissão Permanente de Cinema,
Comunicação e Informática – CESCCI; Subcomissão Permanente do Esporte –
Cese; Subcomissão Permanente do Livro – CESL; Subcomissão de Rádio e TV –
CESRTV.
Além das temáticas permanentes, o Senado também possui comissões
parlamentares de inquérito (CPI), as quais são mais notórias e instituídas para
apurar determinados fatos. A CPI, que consiste em investigação conduzida pelo
Poder Legislativo, transforma a casa parlamentar em comissão para ouvir
depoimentos e tomar informações diretamente, quase sempre para satisfazer
reclamos populares.
Elas podem ser instauradas pelo Senado, pela Câmara dos Deputados ou
pelo Congresso Nacional em conjunto; têm poderes investigatórios próprios de
autoridades policiais e outros previstos nos regimentos de cada Casa (§ 3o, artigo
58, CF/88), tais como quebrar sigilo bancário, fiscal e de dados (até dados
telefônicos); requisitar informações e documentos sigilosos às instituições
financeiras ou pelo Bacen ou pela CVM, se previamente aprovado pelo Plenário da
CD, do Senado ou das respectivas CPI (§ 1o, artigo 4o, LC 105); ouvir testemunhas
100
(caso não compareçam, serão conduzidas coercitivamente); ouvir investigados ou
indiciados. Em algumas situações, como já citado, as conclusões de uma CPI são
remetidas ao Ministério Público para instauração de processo.
Os poderes das CPIs, porém, não equivalem aos dos magistrados, pois
alguns desses poderes assegurados pela Constituição não são outorgados às
comissões parlamentares, como entende o Supremo Tribunal Federal (MS 23.452).
A CPI não pode, portanto, efetuar prisões (salvo em flagrante de delito, como se um
depoente prestar falso testemunho); autorizar interceptação telefônica (não confundir
com quebra de sigilo telefônico) ou ordenar busca domiciliar.
Quando é formada em conjunto pelo Senado e pela Câmara, denomina-se
comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) e necessita tanto das 27
assinaturas dos senadores quanto do apoio de 171 deputados (um terço dos
membros da Câmara). Por exemplo, houve no Senado as seguintes comissões
parlamentares de inquérito: CPI “ONGs”; CPI “Futebol”; CPMI “Roubo de Cargas”; e
CPMI “MST”.
O Senado também pode criar comissões especiais (CE), que possuem
objetivos predeterminados por deliberação do plenário, em função de proposta da
Mesa ou de um terço dos senadores. Exemplificando: CE “Brasil-Canadá”; CE “Rio
São Francisco”; CE Mista “Centenário JK”; CE Mista “Combate à Pobreza”; CE Mista
“Crise Energética”; CE “Segurança”.
5. Da atribuição ao Congresso da Fiscalização, Contábil, Financeira e
Orçamentária
As atribuições quanto a Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária,
está prevista na Seção IX no artigo 70, que prescreve que a fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso
Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada
Poder.
101
No parágrafo único prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública
ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e
valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma
obrigações de natureza pecuniária. (EC nº 19/1998).
5.1. Controle externo com auxílio do Tribunal de Contas
No artigo 71 o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado
102
Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. (grifo nosso)
5.2. Dos Contratos considerados irregulares pelo TCU.
Em seu § 1º prevê que
No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. No § 2º se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. No § 3º ss decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. E no § 4º que o Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades. (grifo nosso)
No artigo 72 há a previsão da Comissão mista permanente a que se refere o
artigo 166, §1º,
diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários. No seu § 1º estabelece que não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias. Já no § 2º dispõe que, entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação. (grifo nosso)
5.3. A composição do Tribunal de Contas da União144
O Tribunal de Contas da União e sua composição estão no art. 73. Será
composta por nove ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de
144
No artigo 75 diz que as normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à
organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros.
103
pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as
atribuições previstas no artigo 96.
Quanto à nomeação, o “
§ 1º prevê que os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II - idoneidade moral e reputação ilibada; III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.
A forma de escolha está prevista
no § 2º, que determina que os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antiguidade e merecimento; II - dois terços pelo Congresso Nacional.
E as garantias
no § 3°, pois os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do artigo 40. (EC nº 20/1998). § 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.
6. Do controle interno
Controle interno tem previsão no artigo 74.
Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle
104
das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. Assim, no § 1º os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. E quanto ao cidadão, o § 2º dispõe que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. (grifo nosso)
7. Do Processo Legislativo
Leciona José Afonso da Silva que processo legislativo
é um conjunto de atos preordenados visando à criação de Direito. Esses atos são: (a) iniciativa legislativa; (b) emendas; (c) votação; (d) sanção e veto; (e) promulgação e publicação.145 E como
procedimento legislativo o modo pelo qual os atos do processo legislativo se realizam, (...) é o que na prática se chama de tramitação do projeto. No sistema brasileiro, podemos distinguir (1) procedimento legislativo ordinário; (2) procedimento legislativo sumário; e (3) procedimento legislativo especiais.
Colocando de forma clara a distinção existente entre os dois institutos.146
O objetivo do processo legislativo consiste na positivação do direito estatal,
com o fim de, ao criar a lei, sintetizar as divergências e as contradições das facções
do parlamento; portanto, diferenças ocorrem e são particulares do processo
legislativo, que derivam das características próprias do órgão em que se desenrola e
da norma que resulta do seu desenvolvimento.
Em primeiro lugar, as fontes que norteiam e disciplinam o processo legislativo
se encontram nos princípios estabelecidos na própria Constituição e pelos
regulamentos parlamentares, enquanto as dos processos administrativos e
judiciários estão na própria lei.
145
Cf. José Afonso da Silva. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo, Malheiros: 2001, p.
526.
146 José Afonso da Silva, 2001, Op. cit., p. 526.
105
Em segundo, a reserva de regulamentação parlamentar traz peculiaridades
no processo legislativo que não ocorrem nos outros dois procedimentos referidos.
Destaca-se que, cabe aos próprios órgãos que exercitam a função legislativa, a
competência exclusiva de fixar regras de tal exercício; circunstância reforçada pela
jurisprudência ao decidir que vícios formais somente são objetos de análise quando
da violação direta das normas constitucionais referentes ao processo legislativo, e
não por violação das normas dos regulamentos parlamentares.
Outra característica que deve ser levada em conta reside na não obrigação
jurídica a proceder à fase sucessiva até a sua conclusão, pois tanto o exame de um
projeto de lei quanto o que se segue a ele dependem inteiramente das escolhas
políticas da maioria parlamentar, livres para “abafar” o projeto, deixando-o inscrito na
ordem do dia sem discuti-lo, ou melhor, sem que se chegue a sua votação final.
Por fim, todas as especificidades do processo legislativo conduzem àquela
que é a característica principal: o de ser, por definição, um processo de tipo político
destinado a produzir atos que são frutos das escolhas políticas dos órgãos também
políticos, como são as Assembleias e o Congresso Nacional. Consequentemente, o
processo legislativo é um procedimento disciplinado por poucas normas
inderrogáveis, como as contidas nos artigos da Constituição, e por muitas
disposições elásticas em sua aplicação, como as contidas nos regulamentos
parlamentares.
7.1. Processo Legislativo na Constituição Federal
Essas peculiaridades, colocadas anteriormente, decorrem dos próprios
princípios constitucionalmente adotados em que o processo legislativo estará
inserido, motivo pelo qual, pela leitura do preâmbulo da Carta de 1988, observamos
alguns adotados pelo constituinte.
Por consequência, é imperioso ao processo legislativo na produção da lei,
senão, como salienta Hilda de Souza:
Resta fraudado o princípio fundador democrático do Estado e do Direito brasileiro, enunciado na primeira cláusula de nossa Constituição e não teremos a garantia dos conteúdos axiológicos e
106
democráticos, os quais devem se encontrar expostos não apenas na lei mais também na maneira estabelecida para a sua formação.147
7.1.1. Os Princípios do processo legislativo
Para José Afonso da Silva, o processo legislativo é informado por alguns
princípios gerais, sendo os principais: a) o princípio da publicidade; b) o da
oralidade; c) o da separação da discussão e votação; d) o da unidade da
legislatura; e) o do exame prévio dos projetos por comissões parlamentares.148
Explica que esses princípios pertencem ao aspecto dinâmico do processo
legislativo; informam a parte do processo que denomina procedimento legislativo no
qual se desenvolvem as fases da elaboração da lei.149
Sidney Guerra e Gustavo Merçon, comentando a importância dos princípios
constitucionais do processo legislativo, no sentido jurídico imposto pela
Constituição brasileira, lecionam que:
É de tal monta a ponto de recair a obrigatoriedade de sua observância para todos os entes da federação e, se não bastasse, passa a ser também direito público subjetivo dos parlamentares, onde o descumprimento das regras constitucionais enseja legitimidade ativa para esses últimos se socorrerem ao Poder Judiciário, por meio de interposição de Mandado de Segurança. 150
Vai ser no Título IV da Organização dos Poderes, em seu Capítulo I, Seção
VIII, as questões do processo legislativo, que a Constituição de 1988 estabelece as
147
Cf. Hilda de Souza. Processo Legislativo: linhas jurídicas essenciais. Porto Alegre: Sulina: 1998,
p.30.
148Cf. José Afonso da Silva. Dos Princípios no processo de formação das leis no direito constitucional.
São Paulo, Malheiros: 2007, p. 37.
Consulte-se também: Márcia Maria Corrêa de. Azevedo. Prática do Processo Legislativo.São Paulo:
Atlas, 2001.
149 Para efeito de controle do processo legislativo, em caso de uma EC à Constituição Estadual, deve
ser analisada por dois ângulos: se for norma de repetição, o STF entende que pode ser: ao Tribunal
de Justiça, ou, e se for ao STF, deverá ser por procedimento normal da Adin. Caso seja se for norma
de imitação deverá o Tribunal de Justiça pronunciar, sem recurso posterior ao STF, pois é questão de
autonomia.
150 Cf. S. Guerra & G. Merçon Direito constitucional aplicado à função legislativa. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2002. p. 251.
107
matérias relacionadas à iniciativa, elaboração, sanção, veto e promulgação, bem
como as competências legislativas referentes a cada poder.
É de ser revelado, que de um modo genérico, a lei, na experiência
constitucional brasileira, é definida por seu regime jurídico e por sua forma; logo, lei
é todo ato normativo revestido de forma de lei. Assim, à exceção da emenda
constitucional, todas as espécies contidas no art. 59 da Constituição Federal são
leis.151 Por sua vez, só os atos legislativos que estão dispostos nesse artigo
adquirem força de lei; em outras palavras, não cabe ao legislador ordinário aumentar
esse número, a não ser via reforma constitucional. Essa determinação está baseada
no princípio da tipicidade das leis.152
Não é outro o entendimento de Jorge Miranda, ao afirmar que: “o princípio da
fixação das formas de lei guarda um de seus corolários de que só são actos
legislativos os definidos pela Constituição nas formas por ela prescrita”.153
O art. 59 do Título IV da Organização dos Poderes do Capítulo I da Subseção
I da Constituição Federal estabelece que o processo legislativo compreende a
elaboração de: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis
delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; VII. resoluções. Além disso,
em seu parágrafo único, determina que lei complementar disponha sobre a
elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. No entanto, espécie
legislativa não se deve confundir com espécies normativas.
No exercício do poder normativo de que é titular, o Estado tem em vista a
produção de regras ou comandos jurídicos que podem assumir umas das seguintes
formas, de acordo com nível de atuação do referido poder normativo: em nível
constituinte, emendas constitucionais; em nível legislativo, leis complementares à
constituição, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções; em nível regulamentar, decreto regulamentar ou decreto
151
Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade legislativa do Poder Executivo. 3ª Ed. São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2011, p. 68.
152Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011, Op. cit., p. 66.
153 Cf. Jorge Miranda. Manual de Direito constitucional: actividade constitucional do Estado. Coimbra,
Coimbra: 1997. pp. 202-204.
108
de execução, decreto autônomo ou independente, portaria, circular, aviso, ordem de
serviço154.
7.2. Do Regimento Interno
No Título XV do Regimento Interno do Senado Federal, o processo legislativo
obedece a determinados princípios gerais, semelhantes aos do Regimento Interno
da Câmara, onde estão dispostos os seus princípios gerais. A saber:
Artigo 412. A legitimidade na elaboração de norma legal é assegurada pela observância rigorosa das disposições regimentais, mediante os seguintes princípios básicos: I – a participação plena e igualitária dos senadores em todas as atividades legislativas, respeitados os limites regimentais; II – modificação da norma regimental apenas por norma legislativa competente, cumpridos rigorosamente os procedimentos regimentais; III – impossibilidade de prevalência sobre norma regimental de acordo de lideranças ou decisão de Plenário, exceto quando tomada por unanimidade mediante voto nominal, resguardado o quórum mínimo de três quintos dos votos dos membros da Casa; IV – nulidade de qualquer decisão que contrarie norma regimental; V – prevalência de norma especial sobre a geral; VI – decisão dos casos omissos de acordo com a analogia e os princípios gerais de Direito; VII – preservação dos direitos das minorias; VIII – definição normativa, a ser observada pela Mesa em questão de ordem decidida pela Presidência; IX – decisão colegiada, ressalvadas as competências específicas estabelecidas neste Regimento; X – impossibilidade de tomada de decisões sem a observância do quórum regimental estabelecido; XI – pauta de decisões feita com antecedência tal que possibilite a todos os senadores seu devido conhecimento; XII – publicidade das decisões tomadas, exceção feita aos casos específicos previstos neste Regimento; XIII – possibilidade de ampla negociação política somente por meio de procedimentos regimentais previstos.. No artigo 413 A transgressão a qualquer desses princípios poderá ser denunciada, mediante questão de ordem, nos termos do disposto no artigo 404. Parágrafo único. Levantada a questão de ordem referida neste artigo, a Presidência determinará a apuração imediata da denúncia, verificando os fatos pertinentes, mediante consulta aos registros da Casa, notas taquigráficas, fitas magnéticas ou outros meios cabíveis.
154
Cf. Jorge Miranda, 1997, Op. Cit. p. 44.
109
8. Da assessoria existente e sua estrutura
A estrutura posta hoje no Congresso está caminhando para contrapor a
assessoria existente do Executivo, mas ainda estamos longe de possuir semelhante
a dos Estados Unidos.155 Portanto, deve ficar claro que a argumentação quanto à
falta de especialização do corpo de assessoramento desses órgãos não pode mais
ser aceita. Os avanços nesse sentido já podem ser constatados.156
Assim, conclui Bittencourt, que o argumento de falta de capacidade técnica de
qualquer uma das Casas Legislativas deve ser descartado, pois hoje em dia, não há
mais base para tal afirmativa. Cita estudo relativo à perspectiva comparativa técnico-
institucional no Legislativo brasileiro, sendo este apontado na literatura como
exceção, entre os países em desenvolvimento.157
Nesse sentido, o Relatório de Integridade da Administração, elaborado pela
OCDE, em 27/10/2011, elogia os avanços do Legislativo brasileiro na elaboração de
155
As Comissóes no Congresso Americano. Há pouco tempo me foi indagado o porquê que as
nossas comissões não teriam um papel similar as do Congresso dos Estados Unidos. Em primeiro lugar, lá as comissões, desde a sua origem, deu-se com uma autonomia técnica, produzindo consultoria. Surge então as comissões permanentes para atuar com tópicos recorrentes ou legislação e afeta todo o Parlamento, compartilhando sua atribuição legislativa, redatora, revisora e supervisionadora das leis, recomendando medidas que dificilmente geram ação contrária por parte dos parlamentares. Para tanto, possuem um aparato complexo, totalizando 250 comissões e subcomissões, com uma equipe de assessoria por volta de 2.200 funcionários na Câmara e 1.200 no Senado, que desempenham papel fundamental na negociação com legisladores, lobistas, servidores públicos, além da relevantíssima função de montar estratégias políticas, podendo, para tanto, viajar para o exterior com intuito de conduzir investigações em outros ramos em países diversos, no sentido de aperfeiçoar e auxiliar as decisões políticas, suas possíveis alterações ou mesmo criação de leis resultantes de tais estudos. Fora todos esses aparatos, contam ainda com três agências legislativas que operam sob rígidas normas de impessoabilidade e imparciabilidade com a função de dar informações, suportes, análises e pesquisas de projetos. A maior e significativa diferença entre as comissões está na natureza autorizativa ou fiscal, uma vez que a grande maioria pertence à primeira categoria e estão incumbidas de delinear as políticas públicas, bem como fiscalizar as agências executivas com intuito primordial de acompanhar e certificar a condução e execução das políticas por elas responsáveis; a segunda exerce o papel de fiscalização dos gastos, inclusive das campanhas políticas e cumprimento das ações governamentais. As comissões estão presentes nos Parlamentos dos mais diversos países e em cada um há peculiaridades diversas.
156 Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt. Relações Executivo-Legislativo no Presidencialismo
de Coalizão: um quadro de referência para estudos de orçamento e controle. Textos para Discussão
n. 112, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, abril. Federal. Brasília: Senado, 2012.
Pode ser referida a Resolução da Câmara dos Deputados n. 48 de 1993 que dispõe sobre a
assessoria legislativa.
157 Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt, 2012. Op. Cit. p.35.
110
projetos de consolidações juntamente com a ressalva do fortalecimento do ambiente
institucional para a reforma regulatória. Trata-se de um marco a ser lembrado, pois
foi a primeira vez que o Brasil foi alvo de avaliação dessa instituição.
Primeiro, na estrutura fixa das Casas, esse assessoramento se dá por
funcionários efetivos que ingressaram por concursos – cabe dizer que, por meio de
rigorosos processos de seleção – além do assessoramento de cada gabinete,
inclusive nas lideranças partidárias, onde encontramos os cargos em comissão. Em
entrevistas realizadas com a finalidade de apurar o funcionamento dos trabalhos no
Legislativo, veio à tona a questão do quadro escasso de técnicos, apesar da
excelência dos existentes, para a demanda necessária.
O Senado criou uma Universidade do Legislativo,158 na Câmara dos
Deputados, foi constituído o Cefor, Centro de Formação, Treinamento e
Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados com criação de núcleos de pesquisas
que possuem uma vasta produção científica. Devem ser mencionados igualmente o
Centro de Desenvolvimento de Recursos Humanos do Senado Federal (Cedesen) e
o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB). O assessoramento legislativo tem previsão em
Resoluções da Câmara e do Senado159.
A Revista de Informação Legislativa é referência para os doutrinadores. O
sistema da Interlegis, criado pelo Senado, visa integrar o maior número possível de
entes legislativos do país160.
158
A Resolução nº 1 de 2001 do Senado Federal criou no âmbito deste a Universidade do Legislativo
Brasileiro.
159 A Resolução da Câmara dos Deputados nº 48/93 dispõe sobre a assessoria legislativa e a
Resolução nº 73/1994 do Senado Federal dispõe sobre a Consultoria Legislativa, a Advocacia do
Senado e a Consultoria de Orçamentos. A Resolução n. 28 de 1998 dispõe sobre a reorganização do
Plano de Carreira dos servidores da Câmara dos Deputados. Para assessoramento legislativo,
Consultem-se: Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt. O controle e a construção de capacidade
técnica institucional no parlamento – elementos para um marco conceitual. Textos para Discussão n.
57, março, Brasília, Senado Federal: 2009.
Atyr de Azevedo Lucci. O assessoramento legislativo. Revista de Informação Legislativa, julho a
setembro Brasília, Senado Federal, 1971, pp. 159-172..
160 Por meio da Resolução do Senado Federal n. 12 de 1999, o Brasil contratou operação de crédito
externo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiamento parcial do Programa
Interlegis – Rede de Integração Legislativa, executado pelo Centro de Informática e Processamento
111
O avançado sistema de indexação da legislação, elaborado pelas bibliotecas
do Senado e Câmara dos Deputados, possui um sistema padrão.
As Escolas dos Legislativos e dos Tribunais de Contas, em sua produção de
seminários, cursos, aulas e pesquisas, atribuem um novo papel ao Poder
Legislativo, ou seja, o de educador, e também visando à conscientização política
para um efetivo exercício de democracia.
As editoras do Senado e da Câmara dos Deputados têm desenvolvido papel
substancial na formação tanto de servidores como na preservação da história do
parlamento brasileiro, produzindo excelentes obras apreços irrisórios à disposição
para todos os cidadãos interessados.
A informatização, através de portal, disponibiliza o máximo de informações
possível para que haja uma transparência em todas as atividades desenvolvidas no
âmbito das Casas Legislativas, por fim, se algum cidadão se interessar por algum
assunto é só se cadastrar e enviar email para ter o acompanhamento de tudo o que
se refere ao objeto do seu interesse.
Recentemente, permaneceram, por meses, os projetos de consolidações das
leis trabalhistas á disposição de qualquer pessoa para sugestões.
Além de todo exposto, há á disposição o acervo histórico, informações sobre
os integrantes e sua atuação, podendo ser acompanhado os seus trabalhos, a
estrutura interna e externa, mas, infelizmente, como já alertamos, todo esse esforço
institucional passa à margem da sociedade, dos doutrinadores e teóricos de diversas
ciências que influenciam na opinião sobre o Legislativo.
Assim, diante do exposto, não há como compactuar com afirmações de que
no Brasil o despreparo técnico do Legislativo não consegue dar conta das tarefas,
como as competências que haviam sido outorgadas pelo texto constitucional de
1946, que foi objeto de inúmeras críticas, servindo de pretextos, entre outros, para o
golpe de 64 e a instauração do autoritarismo burocrático que perdurou até 1988, e
ousamos dizer até os nossos dias.161
de Dados do Senado Federal – Prodasem, que tem previsão na Resolução n. 57 de 1976 e n. 12 de
1981, ambas do Senado Federal.
161Cf. Fernando Moutinho Ramalho. Bittencourt, 2012. Op. cit. p.23.
112
Parece retórica essa afirmação, mas diante dos assuntos mais complexos
que o Legislativo tem que se manifestar, não há como cada vez mais especializar as
estruturas das comissões. Por outro lado, com uma previsão orçamentária própria
esses órgãos colegiados poderiam realizar um número bem mais substantivo de
audiências públicas.162
O papel do Estado desempenhado, no qual o Legislativo se encontra, dá
destaque aos órgãos colegiados por traduzir em espaços democráticos. Não
privilegia nem o trâmite de urgência que amesquinha o debate necessário na
apreciação de proposituras legislativas e acrescenta mecanismos de toda sorte para
a efetiva participação cidadã.
III. DOS LÍDERES E DO COLÉGIO DE LIDERES
1. Da Liderança Partidária163
A previsão normativa da Liderança Partidária se encontra na CF, que prevê
que a organização dos trabalhos legislativos se dê por meio de Regimento interno,
artigo 51, II, e um regimento como no Congresso Nacional, artigo 57, § 3º, inciso II.
A Lei nº 9.096, de 1995, em seu artigo, 12 estabelece que o partido político funcione,
nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada que deverá constituir sua
162
Cf. Paulo Adib Casseb. Processo Legislativo – atuação das comissões permanentes e
temporárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.256
163Sobre Liderança Partidária, consultem-se:
Alcino Pinto Falcão. Voto de liderança como “sub genus” do voto por procuração. In: Revista de
Direito Constitucional e Ciência Política. Rio de Janeiro: Forense, 1988.
Diogo Alves de Abreu Junior. As lideranças partidárias na Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital
da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. http://bd.camara.gov.br
André Marenco dos Santos. Experiência política e liderança legislativa na Câmara dos Deputados. n.
59. São Paulo: Novos Estudos, 2001.
Rosineth Monteiro Soares. Liderança Parlamentar.In: Revista de Informação Legislativa ano 30, n.
118. Brasília: Senado Federal, 1993.
113
liderança de acordo com o estatuo do partido, com as disposições regimentais das
respectivas Casas e as normas destas Instruções.
No âmbito da Câmara dos Deputados, cada partido ou bloco parlamentar tem
direito a escolher um líder quando a representação for igual ou superior a um
centésimo da composição da Câmara (RICD, artigo 9º, caput).
As lideranças são compostas por líderes e vice-líder, com equipe para
analisar em maior profundidade as matérias da agenda legislativa na sua área de
especialidade e auxiliar o Líder na elaboração de justificativas e fundamento para o
posicionamento da Liderança em torno da questão. O Líder também estima a
posição da bancada sobre a pauta legislativa.
O líder partidário é eleito pela maioria absoluta dos integrantes da
representação, no início da legislatura, ou após a criação de bloco parlamentar,
permanecendo no cargo até que nova indicação venha a ser feita, uma vez que é a
bancada que define a duração de mandato do líder e sua possível reeleição.
Um grande número de atribuições do Regimento Interno define o papel do
líder. O líder pode indicar vice-líderes na proporção de um para cada quatro
deputados, ou fração, que compõem a sua representação, podendo designar um
como primeiro-vice-líder (RICD, artigo 9º, § 1º). O vice-líder, quando necessitar
substituir o líder, terá quase todas as suas atribuições regimentais.
Esses possuem as seguintes competências: encaminhar votações nas
comissões e no plenário, em que podem se expressar oralmente a qualquer
momento da sessão, para falar sobre assunto de relevância nacional ou defender
determinada linha política; indicar deputados para compor comissões técnicas e
registrar candidatos para concorrer aos cargos da Mesa Diretora.
A prerrogativa do líder a que os estudos têm dado mais relevância é a contida
no artigo 155 do Regimento Interno, que trata do regime de tramitação conhecido
como urgência urgentíssima. Segundo o dispositivo, através de requerimento,
subscrito pela maioria absoluta dos deputados, ou de líderes que representem esse
número, pode ser solicitado esse tipo de tramitação especial que, se aprovado, com
o quórum da maioria absoluta, determina que a proposição seja remetida para
apreciação plenário da Câmara.
114
Ao líder também compete fazer a Comunicação de Liderança, no uso do
direito da palavra a qualquer momento da sessão, podendo ser esta prerrogativa
delegada a qualquer membro de sua bancada nas sessões de debates, em que não
há matérias na pauta para deliberação. Também pode indicar deputados para usar o
tempo da sessão denominado de Comunicações Parlamentares.
Mas, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados prevê outras
prerrogativas: participar, pessoalmente ou por intermédio de seus vice-líderes, dos
trabalhos de qualquer comissão de que não seja membro, sem direito a voto, mas
podendo encaminhar a votação ou requerer a verificação desta; encaminhar, por um
minuto, a votação de qualquer proposição que esteja sujeita à deliberação do
plenário da Câmara; registrar os candidatos do partido ou bloco parlamentar para
concorrer aos cargos da Mesa, e indicar à Mesa os membros da bancada para
compor as comissões e, a qualquer tempo, substituí-los (RICD, artigo 10).
Durante a Ordem do Dia, em caso de votação divergente – simbólica -, seis
centésimos dos membros da Casa - 31 deputados - ou líderes que representem
esse número podem formular pedido de verificação de votação - nominal. E antes do
decurso de uma hora da proclamação de resultado da verificação de votação
anterior, só se procederá a nova verificação por deliberação do plenário, a
requerimento de um décimo dos deputados, ou de líderes que representem esse
número.
A coesão da bancada e a delegação que esta dá ao líder para definir a
agenda de deliberações, bem como fazer uso de todo o poder que desfruta, visa
constituí-lo em um interlocutor privilegiado e fortalecido do partido com o Poder
Executivo, tendo por objetivo conseguir para os liderados, benefícios de patronagem
para suas bases eleitorais. Por esse motivo, é que, além dos deputados da bancada,
também prefeitos, vereadores e lideranças comunitárias procuram o prestígio do
líder partidário para defender suas demandas junto aos órgãos dos governos
federal, estadual e municipal.
Cabe ressaltar que há ausência de dados empíricos164 que levem a
constatação enfática de qualquer estudo relativo às Lideranças Partidárias. O que
164
Estudo desenvolvido através de entrevistas no âmbito interno da Câmara dos Deputados.
115
pode ser observado quanto a sua atuação no âmbito do legislativo sob o enfoque de
previsão regimental, da influência da cúpula partidária na escolha do seu líder, da
estrutura posta, de seu funcionamento e de suas prerrogativas. Mesmo assim,
quanto à influência partidária nos seus líderes, o que se pode depreender é que
alguns Estatutos Partidários165 preveem a sua indicação e algumas sanções quanto
à fidelidade partidária, mas, na prática, não há como concluir enfaticamente sobre
esse foco.
Um dos poucos estudos sobre a função das lideranças166 abordou o aspecto
informacional sobre a atuação dos líderes, diante da característica do legislador
médio, qual seja a incompletude com relação às informações política e técnica.
A análise referida elabora, a partir do papel do líder a solução informacional,
no sentido de auxiliar o legislador médio a fim de que este não venha a tomar
decisões de forma desinformada, suprindo a incompletude deste tipo de legislador.
Dessa forma, o Líder partidário, terá o seu papel de informar os seus liderados, com
as referidas características, e desta forma irá funcionar como meio de estimar a
probabilidade de aprovação de determinada matéria, e para tanto usa e arregimenta
quantidade de informações técnicas com auxílio dos Vice-Líderes e de seus staffs
diferenciados em favor da sua bancada.
Por outro lado, muito embora os estatutos de alguns partidos impliquem na
interferência de outros elementos no posicionamento da bancada, claro está que
não será este meio exclusivo e sim utilizando-se de outros recursos que a influencia
do líder mantém a disciplina partidária, podendo ser através do seu papel
informacional, político ou técnico.
Fica evidente a falta de estudos sobre a dinâmica interna do partido entre
cúpulas decisórias que atuam em diferentes arenas: Diretório Nacional, Comissão
Executiva e Liderança Parlamentar. Fica inviável separar as esferas de atuação dos
Cf. Diogo Alves de Abreu Junior As Lideranças Partidárias na Câmara dos Deputados. CEFOR. Monografia Brasilia:Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasilia: Câmara dos Deputados,
2009. http://bd.camara.gov.br
165Cf. Railssa Peluti Alencar. O papel informacional da Liderança política na Câmara dos Deputados.
Mestrado em Ciência Política. São Paulo: Usp, 2005.
166 Cf. Railssa Peluti Alencar, 2005. Op. Cit.
116
partidos para aferir a real influência da liderança partidária sobre a posição da
bancada.
O parlamentar isolado enfrenta várias dificuldades. A primeira diz respeito à
estrutura das Casas postas à sua disposição, em especial as referentes aos
consultores técnicos. Em estudo sobre a estrutura167 das Lideranças, ficou
constatado que a Mesa Diretora acaba por utilizar quase que na totalidade o tempo
desses técnicos, restando como opção ao parlamentar o uso da estrutura das
Lideranças Partidárias, tanto no seu aspecto informacional, quanto ao aspecto do
suporte do corpo técnico, criando assim uma dependência dessa estrutura. A
solução que urge é o aumento significativo desse quadro de funcionários, via
concurso, aliado a um aumento de estrutura física para abarcar essas providências
necessárias.
Outra dificuldade do parlamentar isolado é quando ele necessita requerer
regime de tramitação de urgência em projeto de sua autoria, pois, para tanto, deverá
apresentar requerimento subscrito com no mínimo 257 assinaturas ou convencer o
líder de sua bancada ou outros líderes da relevância e urgência da sua propositura,
do seu pedido.
Ainda, quando a propositura está tramitando sob esse regime, para
apresentar emenda em plenário será necessária a assinatura de um quinto dos
membros da Câmara ou de líderes que representem esse número. Ressalta-se que
uma comissão pode apresentar a emenda (RICD, artigo 120, § 4º).
Como já ressaltamos anteriormente, o legislador atua em duas vertentes: a
nacional e a regional, para tanto, vai à busca de mecanismos fundamentais para a
sua reeleição. A disciplina partidária não é explicada pela atuação da estrutura de
lideranças dentro do Congresso Nacional, mesmo porque há falta de mecanismos
de disciplina efetivamente observados no plenário. Por outro lado, a liderança
partidária, sob esse ponto de vista, consistiria em servir de instância mediadora
entre a preferência das bancadas e as ofertas do Executivo para a consecução das
167
Cf. Diogo Alves de Abreu Junior, 2009. Op. cit.
117
pretensões da Liderança Partidária. Via líderes, é o meio que o legislador médio
busca garantir os ganhos no processo de barganha.
Em contrapartida, o Executivo utiliza-se de meios para fazer a sua vontade
dentro da agenda legislativa, e a resposta plausível para a existência de tal disciplina
e que a liderança carrega um grau de representatividade das preferências de sua
bancada. Dessa forma, a fidelidade da bancada em determinadas questões se
origina de debates internos, que resultam no fechamento da questão em torno do
líder, o que em muitos casos pouparia o desgaste natural dos parlamentares agindo
de forma isolada.
Assim, para ter força dentro do Legislativo, pequenas bancadas ou
parlamentares isolados podem formar o denominado Bloco Parlamentar.
2. Dos Blocos Parlamentares
Quase todos os cargos e posições que um parlamentar pode ocupar na
Câmara dos Deputados decorrem da proporcionalidade do tamanho das bancadas
partidárias. Assim, quanto maior for o partido, maior o número de cargos ou
posições que se conseguem na Câmara. Se um partido for pequeno, terá pouco
espaço, sinônimo de pouco poder formal.
Para que haja a possibilidade dos partidos coligar em um bloco parlamentar,
sob liderança comum, o Regimento Interno prevê algumas regras para o bloco
parlamentar: a) a sua formação deve ser feita por deliberação das respectivas
bancadas; b) deve ser composto por, no mínimo, três centésimos dos membros da
Câmara dos deputados; c) se o bloco vier a ter menos que esse número, é extinto;
d) a sua existência é circunscrita à legislatura, devendo o ato de sua criação e
posteriores alterações ser apresentados à Mesa; e) o partido que integrava bloco
parlamentar dissolvido, ou a que dele se desvincular, não poderá integrar outro na
mesma sessão legislativa; f) não é permitido que um partido participe de mais de um
bloco simultaneamente.
No entanto, as duas mais importantes disposições regimentais sobre bloco
parlamentar são as seguintes: ele terá, no que couber o tratamento dispensado pelo
118
Regimento às organizações partidárias; as lideranças dos partidos que se coligarem
em bloco parlamentar perdem suas atribuições regimentais.
Na prática, o bloco parlamentar funcionará na Câmara como um partido
propriamente dito, tendo um só líder, ainda que formado por dois ou mais partidos.
As lideranças dos partidos que se coligarem em bloco perdem as suas
atribuições e prerrogativas regimentais, embora mantenham em funcionamento suas
estruturas de liderança. Fortalecido pela soma dos deputados dos partidos que o
compõe, o bloco parlamentar, com maior representação, passa a ter mais direitos na
Câmara e, consequentemente, mais poder.
Assim, por exemplo, o líder do bloco pode indicar um deputado para ser
eleito, por acordo entre os partidos que o compõem, a um cargo mais importante na
Mesa da Câmara do que teria caso não estivesse compondo o bloco parlamentar.
O mesmo acontece com relação à indicação de deputado a ser eleito
presidente de comissão permanente168: com a formação do bloco, a posição do
168
De estudo realizado em 1981, em que se comparam as assembleias legislativas estaduais nos
Estados Unidos da América, por meio de pesquisa com entrevistas aos legisladores, procura-se discutir onde e porque se dão as principais decisões legislativas, se na convenção de partido, se na comissão temática ou se no plenário.
Cf. L. Wayne Francis. University of Missouri. Leadership, Party Caucuses, and Committees in U.S. State Legislatures. Legislative Studies Quarterly, v.. X, n. 1, may, Comparative Legislative Research
Center. IOWA: The University of IOWA, 1985. pp 243-257.
Em referência a estudo pretérito de FRANCIS & RIDDLESPERGER, 1982
Cf. L. Wayne Francis L., 1985, Op. Cit. p. 247 – 257. Sobre onde é feita a tomada de decisão mais significativa, esse estudo revela que os votos do legislador podem mudar entre o que foi votado na Comissão Temática e o que se vota no plenário, pois as pressões da convenção do partido e do líder partidário podem influenciar. Ressalta-se haver controle de agenda por parte do presidente da Comissão Temática, escolhido pelo partido majoritário. Ainda que a coalizão partidária possa ter influencia nos trabalhos das respectivas Comissões Temáticas, o que se analisou foi a possibilidade de se formarem comunidades de interesse sobre determinados temas a mitigar o poder da liderança partidária, que exerce seu poder por intermédio, ora das convenções partidárias, ora por meio da presidência das Comissões Temáticas. O que o estudo sugere consiste no fato de assembleias menores sofrerem maior influencia das convenções partidárias, do que as maiores, posto nestas serem mais influenciadas pelas Comissões Temáticas*-, desde que não haja um partido dominante. Ressalta-se, portanto, haver a possibilidade de características individuais serem emprestadas aos projetos de lei pelo que se identifica por haver comunidades de interesse no bojo do tramite pelas Comissões Temáticas, conforme esse estudo, que como outros procura identificar o papel da liderança partidária na coesão partidária e na tomada de decisão nos Estados Unidos da America. Análise que procura destacar os aspectos da personalidade do líder partidário consiste em estudo sobre liderança partidária no Parlamento Europeu .Stefanie Bailer & Tobias Shulz & Peter Selb. What role for the Party Group Leader? A latent variable approach to leadership effects on party group cohesion in the European Parliament. The Journal of Legislative Studies. Party Group Leaders and the European Parliament. vol. 15, number 4.In: Routledge Taylor & Francis Group, New York, 2009, pp. 355-37. Em que se destaca como fatores de sucesso na liderança partidária a juventude, a
119
partido na ordem de escolha melhora, fazendo com que tenha mais opções.
Obviamente, o número de vagas nas comissões a que o bloco tem direito aumenta,
comparando-se com o número de vagas dos partidos que o compõem isoladamente.
Isso possibilita maior chance de que seus deputados sejam atendidos nas suas
preferências para integrar uma comissão permanente.
3. Do Colégio de Líderes
O poder dos líderes ainda é sensivelmente aumentado devido à existência do
Colégio de Líderes, órgão que centraliza as mais importantes decisões sobre as
propostas submetidas à apreciação da Câmara dos Deputados e do qual participam
os líderes da maioria, da minoria, dos partidos, dos blocos parlamentares e do
governo (RICD, art. 20, caput).
As deliberações são tomadas, sempre que possível, mediante consenso; caso
contrário, prevalece o critério da maioria absoluta, sendo cada voto de líder a
expressão numérica de sua bancada.
Embora seja essa a previsão regimental, na prática esse voto de liderança
não ocorre. Mais comumente, cada líder tem a expressão de um voto.
Na possibilidade de ausência de consenso no Colégio de Líderes, a disputa
deve ser levada ao plenário, em que prevalece a força de cada bancada. Nessa
ocasião, o Líder continua exercendo o seu papel de negociador, para ainda tentar
um acordo, mas também o de mediador, para prevenir conflitos com a sua bancada.
O Colégio de Líderes é instituto regimental da Câmara dos Deputados que
consagrou a liderança parlamentar no processo decisório, de tramitação, e de
votação de matérias naquela Casa legislativa.
O Regimento Interno determina que a agenda com as proposições que serão
votadas no mês subsequente deve ser elaborada pelo presidente da Câmara dos
Deputados, ouvido o Colégio de Líderes (RICD, artigo 17, inciso I)
O Colégio de Líderes demonstra a continuidade de antigos processos, que
remontam antes da Carta de 1988. Com a previsão da existência desse órgão, a
experiência previa em presidência de comissões temáticas e as posições extremadas associadas a traços fortes de personalidade.
120
centralização de trabalhos acaba por ficar nas mãos de poucos parlamentares,
permitindo
a um grupo restrito de parlamentares exerça enorme influência sobre os demais, através da prerrogativa, juntamente com os Presidentes das Casas, de decidir a pauta de votação a ser apreciada. Aliado a isto, os pedidos de urgência e urgentíssima são prerrogativas também do Colégio de líderes e têm poder de acelerar a tramitação de determinadas matérias de interesse em detrimento de outras.169
Para nós, fica a clara impressão que tal prática se assemelha ao instituto
considerado inconstitucional: o voto de liderança, pois da mesma forma que este
último suprimia a vontade de alguns parlamentares, essa dificuldade causada pela
centralização de poder nas mãos dos líderes e do Colégio de Líderes remonta
ao”caciquismo” de igual ou pior prática do período militar.
IV. DOS CÓDIGOS DO CONGRESSO NACIONAL
A análise acerca das posturas de determinado parlamentar com relação ao
decoro não deve ser pautada no subjetivismo nem no juízo de valor dos outros
integrantes do Parlamento sob pena de não refletir com imparcialidade a noção de
atitude não condizente com o decoro parlamentar. Assim, é preciso um conjunto
coerente e objetivo de aspectos que possam ser constatados por analistas
imparciais. Questionamentos diversos provêm da complexidade – e até da
incoerência – de se determinar com exatidão quando realmente ocorreu ofensa ao
decoro.
No Brasil, o congressista não pode ser punido sob alegação de ausência de
decoro parlamentar, ao mentir na tribuna da Casa a que pertence, porquanto não
pode ser apenado por votos, opiniões ou palavras proferidos no exercício da função,
conforme prescreve a Imunidade Parlamentar Material.
169
Cf. Ana Lucia Romero Novelli. Imagens Cruzadas: A opinião pública e o Congresso
Nacional.Coleção de Teses, Dissertações e Monografia dos Servidores do Senado Federal. Brasília:
Senado Federal, 2010.p. 73.
121
Caso se dirija à tribuna completamente nu ou nua, porém, poderá ser
acusado e processado por falta de decoro, pois não se trata de emitir votos ou
pontos de vista. Para tratar da questão, tanto a Câmara dos Deputados quanto o
Senado Federal aprovaram o Regimento Interno para cada uma das Casas, a fim de
apresentar aos cidadãos um documento que, simultaneamente, definisse condutas
compatíveis ou não com o decoro parlamentar e definisse as penalidades aplicáveis
em caso de falta de decoro durante o mandato parlamentar.170
170
Código de Ética da Câmara dos Deputados. O Código, conforme o artigo 1o, parágrafo único, da
Resolução nº 25, de 2001, complementa o Regimento Interno e dele passa a fazer parte integrante. Nos seus Capítulos III e IV, respectivamente, determina os atos incompatíveis com o decoro parlamentar e os atentatórios a ele. Transcrevem-se, em seguida, os dois capítulos, na pretensão de examinar o que a Câmara compreende como conduta não condizente com o cargo de deputado federal:CAPÍTULO III Dos Atos Incompatíveis com o Decoro Parlamentar Artigo 4o Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato: I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, artigo 55, § 1o); II – perceber, a qualquer título, em proveito próprio ou de outrem, no exercício da atividade parlamentar, vantagens indevidas (Constituição Federal, artigo 55, § 1o); III – celebrar acordo que tenha por objeto a posse do suplente, condicionando-a a contraprestação financeira ou à prática de atos contrários aos deveres éticos ou regimentais dos deputados; IV – fraudar, por qualquer meio ou forma, o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação; V – omitir intencionalmente informação relevante, ou, nas mesmas condições, prestar informação falsa nas declarações de que trata o artigo 18. CAPÍTULO IV Dos Atos Atentatórios ao Decoro Parlamentar Artigo 5o Atentam, ainda, contra o decoro parlamentar as seguintes condutas, puníveis na forma deste Código: I – perturbar a ordem das sessões da Câmara ou das reuniões de comissão; II – praticar atos que infrinjam as regras de boa conduta nas dependências da Casa; III – praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou a comissão, ou os respectivos presidentes; IV – usar os poderes e prerrogativas do cargo para constranger ou aliciar servidor, colega ou qualquer pessoa sobre a qual exerça ascendência hierárquica, com o fim de obter qualquer espécie de favorecimento; V – revelar conteúdo de debates ou deliberações que a Câmara ou a comissão hajam resolvido devam ficar secretos; VI – revelar informações e documentos oficiais de caráter reservado, de que tenha tido conhecimento na forma regimental; VII – usar verbas de gabinete em desacordo com os princípios fixados no caput do artigo 37 da Constituição Federal; VIII – relatar matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral; IX – fraudar, por qualquer meio ou forma, o registro de presença às sessões, ou às reuniões de comissão. Parágrafo único. As condutas puníveis neste artigo só serão objetode apreciação mediante provas. Artigo 6o Ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar compete: I – zelar pela observância dos preceitos deste Código, atuando no sentido da preservação da dignidade do mandato parlamentar na Câmara dos Deputados; II – processar os acusados nos casos e termos previstos no artigo 13; III – instaurar o processo disciplinar e proceder a todos os atos necessários a sua instrução, nos casos e termos do artigo 14; IV – responder às consultas da Mesa, de comissões e de deputados sobre matérias de sua competência; V – organizar e manter o Sistema de Acompanhamento e Informações do Mandato Parlamentar, nos termos do artigo 17. Artigo 7o O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar compõe-se de quinze membros titulares e igual número de suplentes com mandato de dois anos. § 1o Na representação numérica dos partidos e blocos parlamentares será atendido o princípio da proporcionalidade partidária, devendo, na designação dos deputados que vão integrar o Conselho, ser observado o caput e § 1o do artigo 28 do Regimento Interno e, no que couber, o disposto no § 2º deste artigo. § 2o O partido a que pertencer o corregedor designará, como titular, um deputado a menos que o número a que tenha direito com a aplicação do princípio da proporcionalidade partidária. § 3o Não poderá ser membro do Conselho o deputado: I – submetido a processo disciplinar em
122
Aragão leciona, que
após análise no Direito Comparado, em contrapartida a outras ciências naturais, talvez não se consigam alcançar resultados
curso, por ato atentatório ou incompatível com o decoro parlamentar; II – que tenha recebido, na legislatura, penalidade disciplinar de suspensão de prerrogativas regimentais ou de suspensão temporária do exercício do mandato, e da qual se tenha o competente registro nos anais ou arquivos da Casa. § 4o O recebimento de representação contra membro do Conselho por infringência dos preceitos estabelecidos por este Código, com prova inequívoca da verossimilhança da acusação, constitui causa para seu imediato afastamento da função, a ser aplicado de ofício por seu presidente, devendo perdurar até decisão final sobre o caso.Código de Ética do Senado Federal De modo semelhante ao que ocorreu na Câmara, o Senado Federal criou normas para regular o comportamento dos senadores, bem como fixou quais atitudes não condizem com o cargo exercido pelo congressista. Elaborou-se o Código de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal. O documento, embora interno, instituiu vários procedimentos vedados a senadores enquanto estiverem no efetivo exercício do cargo, conforme explica o trecho: CAPÍTULO II Das Vedações Constitucionais Artigo 3o É expressamente vedado ao senador:I – desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que seja demissível ad nutum, nas entidades constantes da alínea anterior; II – desde a posse: a) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que seja demissível ad nutum, nas entidades referidas no inciso I, a; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, a; d) ser titular de mais de um cargo ou mandato público eletivo (Constituição Federal, artigo 54). § 1° Consideram-se incluídas nas proibições previstas nas alíneas a e b do inciso I e a e c do inciso II, para os fins do presente Código de Ética e Decoro Parlamentar, pessoas jurídicas de direito privado controladas pelo Poder Público. § 2o A proibição constante da alínea a do inciso I compreende o senador, como pessoa física, seu cônjuge ou companheira e pessoas jurídicas direta ou indiretamente por eles controladas. § 3o Consideram-se pessoas jurídicas às quais se aplica a vedação referida na alínea a do inciso II, para os fins do presente Código, os Fundos de Investimentos Regionais e Setoriais. CAPÍTULO III Dos Atos Contrários à Ética e ao Decoro Parlamentar Artigo 4o É, ainda, vedado ao senador: I – celebrar contrato com instituição financeira controlada pelo Poder Público, incluídos nesta vedação, além do senador como pessoa física, seu cônjuge ou companheira e pessoas jurídicas direta ou indiretamente por ele controladas; II – dirigir ou gerir empresas, órgãos e meios de comunicação, considerados como tal pessoas jurídicas que indiquem em seu objeto social a execução de serviços de radiodifusão sonora ou de sons e imagens; III – praticar abuso do poder econômico no processo eleitoral. § 1o É permitido ao senador, bem como a seu cônjuge ou companheira, movimentar contas e manter cheques especiais ou garantidos, de valores correntes e contrato de cláusulas uniformes, nas instituições financeiras referidas no inciso I. § 2o Excluem-se da proibição constante do inciso II a direção ou gestão de jornais, editoras de livros e similares. Artigo 5o Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar; I – o abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, artigo 55, § 1°); II – a percepção de vantagens indevidas (Constituição Federal, artigo 55, § 1o), tais como doações, benefícios ou cortesias de empresas, grupos econômicos ou autoridades públicas, ressalvados brindes sem valor econômico; III – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes. Parágrafo único. Incluem-se entre as irregularidades graves, para fins deste artigo: I – a atribuição de dotação orçamentária, sob a forma de subvenções sociais, auxílios ou qualquer outra rubrica, a entidades ou instituições das quais participe o senador, seu cônjuge, companheira ou parente, de um ou de outro, até o terceiro grau, bem como pessoa jurídica direta ou indiretamente por eles controlada, ou ainda, que aplique os recursos recebidos em atividades que não correspondam rigorosamente as suas finalidades estatutárias; II – a criação ou autorização de encargos em termos que, pelo seu valor ou pelas características da empresa ou entidade beneficiada ou contratada, possam resultar em aplicação indevida de recursos públicos.
123
dotados de excessivo rigor com relação a classificações em função da abstração do tema, embora se utilizem métodos científicos de exame. De todo modo, examinou-se a atuação dos Parlamentos norte-americano, espanhol, francês e brasileiro nos aspectos de mais relevância.
Em razão de os países em exame possuírem sistemas políticos diversos – a
França, por exemplo, possui sistema político híbrido –, pode-se perceber que o
funcionamento das Casas Legislativas difere quanto ao modo como tratam a
elaboração e a aprovação das leis e o relacionamento com os outros Poderes – o
Executivo e o Judiciário. Pôde-se constatar ainda que cada um dos parlamentos
trata-se de modo diverso dos desvios de conduta dos membros integrantes do
Parlamento: os Estados Unidos são a nação que possui regras mais detalhadas
sobre o comportamento dos políticos, ao passo que o Brasil é o país em que as
normas atinentes ao decoro parlamentar são mais subjetivas e menos detalhadas, o
que dificulta as punições decorrentes de atos de falta de decoro parlamentar. Todos
eles, porém, conferem algum tipo de imunidade a seus parlamentares, quando no
exercício de suas funções. Quanto ao processo legislativo, as quatro Casas
estudadas, similarmente, possuem sistema complexo e, de algum modo, similar no
que concerne ao recebimento, à elaboração e à aprovação de leis. Ambas as Casas
de cada Estado, correspondentes ao Senado e à Câmara dos Deputados do Brasil,
participam de todas as fases do processo legislativo e definem diversas etapas de
discussão e votação dos projetos de lei antes de serem aprovados ou não. Todas
visam, de maneira geral, instituir normativos que contribuam para melhorar a
qualidade de vida da população e criar condições para se constitui ruma sociedade
mais justa e igualitária171.
V. A CONSTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES
Cumpre nesse momento discorrer sobre a observância dos ditames
constitucionais, o conteúdo normativo do princípio da separação dos poderes e a
171
Cf. João Aragão, 2011. Op. Cit.
124
produção da lei em face da atual estruturação e organização do Estado brasileiro e
suas implicações atuais que nos leva a algumas reflexões necessárias, além dos
temas já aborados.
1. O Princípio da Separação dos Poderes
O princípio da separação dos poderes no contexto Constitucional foi tratado
como clausula pétrea, cuja abolição não pode ser objeto de deliberação, mesmo em
sede de emenda Constitucional - artigo 60, § 4º.
Após vinte anos de Constituição democrática, constatamos que há uma
sensível relatividade da separação dos poderes, sob o ângulo doutrinário como
caráter pragmático da teoria de Monstequieu, que visa estabelecer um sistema de
freios e contrapesos e não um rígido esquema pretendidamente científico de divisão
de poderes, como leciona Ferreira Filho.172
172
Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. A separação dos poderes na ordem constitucional em vigor.
Palestra proferida no Superior Tribunal Militar, Palestra em homenagem ao Prof. Jorge Miranda, 2010, p. 17
Para separação de poderes, para consulta:
Pedro Vieira Abramovay. A separação de poderes e as medidas provisórias em um Estado Democrático de Direito. Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: Unb, 2010.
AJURIS e outros. Relatório conjunto da sociedade civil apresentado ao Excelentíssimo Senhor Leandro Despouy, Relator Especial da ONU, outubro, Porto Alegre: 2004.
José Alfredo de Oliveira Baracho. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
Eduardo Domingos Bottallo. Teoria da divisão dos poderes: antecedentes históricos e principais aspectos. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo v. 102, jan./dez. São
Paulo: Usp, 2007.
Paulo Bonavides. Ciência Política São Paulo: Malheiros, 2000. Capítulo 10. A separação de poderes.
Carlos Ayres Britto. Separação dos poderes na Constituição brasileira. Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional. .In: Luis Roberto Barroso & Clèmerson Merlin Clève v. VII. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011. .pp 35-51.
Dalmo de Abreu Dallari. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2012.
Alexsandra Katia Dallaverde. A titularidade exercida pelo poder executivo sobre a gestão das finanças públicas e o desequilíbrio causado no quadro da separação de poderes. Dissertação de
Mestrado em Direito. São Paulo: Usp, 2008.
Tomás de La Quadra. Interpretacion de la constitucion y organos del Estado.In: Antonio López Pina (Edición y prólogo). División de poderes e interpretacion. Hacia una teoria de la práxis constitucional.
Madrid: Tecnos,1987
125
No plano da institucionalização, a separação dos poderes nunca houve de
modo absoluto das três funções primordiais, pois sempre houve uma partilha
confiada ao Poder Legislativo, a aprovação ou a autorização, para o Poder
Executivo tomar decisões políticas capitais e isso permitiu que esse relacionamento
Leon Duguit .La separación de poderes y la asamblea nacional de 1789. Madrid: Centro de Estudios,
Constitucionales, 1996.
Cecília Caballero Lois (Coord.) Série Pensando o Direito. Separação de Poderes – Vício de Iniciativa
n. 14. Brasília: UFSC, PNUD, MJ, 2009.
Cynara Monteiro Mariano. O debate sobre a separação de poderes no pensamento constitucional brasileiro. In: Nomos, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC v. 28, jul./dez. Fortaleza:
UFC, 2008.
Antônio Moreira Maues. Democracia direta e divisão de poderes: algumas ideias latino-americanas. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n. 9, julho/dezembro. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.
Paulo Roberto de Gouvêa Medina Jurisdição e Separação de Poderes.In: Revista Latino-americana
de Estudos Constitucionais n. 8, janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.
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Tribunais, 2011.pp 63-86.
Rodrigo Francisco de Paula. A contradição interna do Direito Público Brasileiro e suas implicações no exercício da cidadania. .In: Revista de Direito Constitucional e Internacional ano 14, n. 56, julho-setembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
Angela Cristina Pelicioli. A atualidade da reflexão sobre a separação dos poderes. In: Revista de Informação Legislativa n. 169, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 2006.
Nuno Piçarra. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional. Um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Editora, 1989.
Javier García Roca. Separación de poderes y disposiciones del ejecutivo con rango de ley: mayoria, minorias, controles.In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n. 27, ano 7, abril-junho.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
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Advogados de São Paulo n. 86. São Paulo: IASP , 2010.
André Ramos Tavares. A superação da doutrina tripartite dos “poderes” do Estado. .In: Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional Luis Roberto Barroso & Clèmerson Merlin Clève.v. VII. São
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M.J.C. Vile Constitucionalismo y separación de poderes. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2007.
126
se adaptasse a novos tempos em razão de fatores como a extensão do sufrágio, a
democratização, os intervencionismos econômico e social, resultando mais num
sistema parlamentarista e não mais em uma separação rígida como a da monarquia
constitucional ou do presidencialismo.
Leciona, Ferreira Filho “que igualmente, conciliou-se com a delegação do
poder de legislar para o Executivo, comum nos últimos sessenta anos, onde a
separação dos poderes sobrevive no mundo contemporâneo em razão das provas
que deu e dá de dificultar o abuso, protegendo a liberdade individual”.
2. A separação dos poderes, sociedade e grupos.
No mundo de hoje, o homem necessita preocupar-se com o Estado, mas
também deve precaver-se contra os grupos, porque, em face deles, mais uma vez a
liberdade corre perigo. Assim, é preciso limitar o Estado, mas é preciso verificar que
a sociedade contemporânea não corresponde às imagens oferecidas pelos séculos
XVIII e XIX, pois agora se reivindica a atuação do Poder Público para quebrar o
domínio dos grupos e corporações.
Segundo Clève173 “é aqui que o princípio rígido e dogmaticamente interpretado
da separação dos poderes não é funcional, mas não se pode olvidar que deve
continuar como ideia racionalizadora do aparato estatal ou como técnica de
organização do poder para a garantia das liberdades”.
Consequentemente, a sepração dos poderes e sua interpretação, nos leva ao
raciocínio de um distanciamento de uma concepção garantística do princípio da
divisão de poderes, reconduzidos o poder a uma função e uma função a um poder.
Nos leva a investigar qual é o conteúdo normativo-constitucional desse princípio,
enquanto princípio estruturante da organização constitucional do poder político do
Estado, no momento em que o Executivo possui a capacidade institucional e
constitucional atribuída para primariamente inovar o ordenamento jurídico, sem
contudo se falar em rupturas ou derrogação constitucional, e por outro lado atribuir
173
Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011, Op, cit. p. 44
127
natureza legislativa das leis delegadas ou de natureza extra ordinem das medidas
provisórias.174
3. A missão atual dos juristas
Por tal assertiva, Clève afirma que essa é a missão atual dos juristas, qual
seja, adaptar esse sistema de equilíbrio de poder à realidade constitucional de nosso
tempo e, dentro desse contexto, o aparelhamento do Poder Executivo para que
possa responder as crescentes demandas sociais. Ressalta, todavia, que urge a
necessidade de aprimorar os mecanismos de controle dessa ação a fim de torná-los
mais seguros e eficazes.
4. O Poder do Estado é compartilhado
O Poder do Estado é compartilhado entre entidades que desempenham
funções e atividades constitucionalmente atribuídas a cada uma,
independentemente umas das outras, sem que nenhuma seja predominante. Tais
prerrogativas, que competem a cada poder do Estado, são chamadas de: poder de
iniciativa, que de modo geral estão distribuídas pela Constituição, e ao observar a
estrutura constitucional brasileira, constata-se que os poderes exercem funções
típicas e atípicas.
5. A escolha constitucional pelo Estado de Direito e pela Democracia
A Carta de 1988 adotou, em seu artigo 1º, os dois princípios. O Estado de
Direito e a Democracia, porque a diferença de Estado Legal e Estado Democrático
de Direito fundamenta as ações do Poder Legislativo de forma que ele seja
realmente legítimo na concretização dos princípios da soberania e participação
popular, além de dar garantias, no ordenamento jurídico, à dignidade da pessoa
humana.
174
Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. O Executivo Legislador: o caso brasileiro. In: Boletim da
Faculdade de Direito. STVDIA IVRIDICA n. 79. Coimbra: Coimbra Editora, 2004.p. 224
128
Em suma, segundo Clève, a revisão do princípio da divisão de poderes levou
o Poder Executivo a participar do processo de elaboração da lei, em especial
através da iniciativa ou sugerindo o resultado do procedimento por meios dos vários
expedientes como os acima referidos, e ainda através de autorização para produzir
a lei.175
VI. DO PODER JUDICIARIO
Desde o advento da Carta de 1988, o Poder Judiciário mudou
significativamente, reconquistou, exerce e consolidou a independência política
perdida no regime anterior, e tem o Poder Judiciário um novo e importante papel a
ser desempenhado: a missão de corresponsável à correção das desigualdades
sociais, nos limites de sua atuação criativa e promocional dos direitos fundamentais.
1. Da sua previsão na Carta de 1988.
O Poder Judiciário, na Constituição de 1988, encontra-se no Capítulo II,
Seção I, que vai delinear o que compõem o poder, a quem compete a iniciativa da lei
complementar para dispor sobre a magistratura, as garantias, as competências
privativas, as diretrizes para a União, Estados, Distrito Federal e Território, a sua
autonomia administrativa e financeira, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal
Superior de Justiça, dos Tribunais Regionais e dos Juízos Federais, dos Tribunais e
Juízes do Trabalho, dos Juízes Eleitorais, dos Tribunais e Juízes Militares, dos
Tribunais e Juízes Estaduais.
2. Da função do Poder do Judiciário
No exercício tanto de sua função típica o Poder Judiciário, produzindo atos
jurisdicionais (artigo 93, inciso IX, da CF) ou como na função atípica de administrar
175
Cf. Clèmerson Merlin Cléve, 2011. Op. Cit. 2011, p. 126
129
(artigo 93, inciso X, da CF), a obrigatoriedade de fundamentação é presente,
devendo ser orientados pelos valores consagrados na Constituição de 1988, os
Princípios Fundamentais e as normas dedutíveis do Preâmbulo na atuação
jurisdicional do Estado Democrático de Direito, dirimindo conflitos de interesses e a
distribuição da justiça.
Esclarece Marcelo Figueiredo176que
o Poder Judiciário tem sido provocado, sobretudo pelo Ministério Público brasileiro, a questionar e avaliar políticas públicas, direitos sociais, econômicos e culturais, quer em função das obrigações e direitos constitucionais diretamente sacados da Constituição, quer em razão de omissão, ilegalidade, desvio de poder ou irrazoabilidade (gênero) dos poderes públicos no cumprimento das metas constitucionais e infraconstitucionais; e acrescenta que em face da realidade brasileira, cabe ao Poder Judiciário a atribuição da importantíssima missão de corresponsável à correção de desigualdades sociais, nos limites de sua atuação criativa e promocional dos direitos fundamentais, mudando sobremaneira o papel do juiz e do próprio jurisdicionado.
A existência de um Judiciário no mundo que, na dimensão unicamente
normativa, possua grau de independência superior àquela constitucionalmente
assegurada à Justiça brasileira, é raridade. Constitui um Poder que está ao lado do
Executivo e do Legislativo – artigo 20 da CF, com efetiva autonomia concedida nos
interesse dos jurisdicionados e não propriamente no interesse dos órgãos
integrantes da estrutura da independência do Judiciário, bem como de seus
membros.177
Essa independência é assegurada em virtude da autonomia institucional e
funcional concedida à magistratura. A autonomia institucional desdobra-se em
alguns princípios constitucionais norteadores da organização dos tribunais
judiciários: (a) autogoverno, (b) autoadministração, (c) da iniciativa legislativa e (d)
da autoadministração financeira. No que diz respeito ao princípio da autonomia da
176
Cf. Marcelo Figueiredo. O controle das Políticas Públicas pelo Poder Judiciário no Brasil – Uma
Visão Geral In: Estudos em homenagem ao Professor Jorge Miranda.. (Coord.) Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha e Samantha Ribeiro Meyer-Pflug. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008. Pp 570-607. p. 607.
177 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Poder Judiciário: Autonomia e Justiça. In: Revista de Informação
Legislativa. Brasília. ano.30 n. 117 jan/mar, 1993, pp. 293 – 308, p. 296
130
autoadministração financeira diz-se que é suficiente para autorizar os tribunais a
gerir suas dotações orçamentárias – necessariamente entregues pelo Executivo, em
duodécimos, a cada dia 20 – artigo 168 da CF –, bem como elaborar suas propostas
orçamentárias que deverão ser submetidas ao Poder Legislativo por ocasião da
votação da lei orçamentária anual – artigo 99 da CF.
É o princípio da autoadministração o fundamento que dá base para os
tribunais elaborar seus regimentos internos, organizar suas secretarias e serviços
auxiliares, e os seus juízos, velando pelo exercício da atividade correcional
respectiva (artigo 96, inciso I, b, da CF), conceder licenças, férias e outros
afastamentos a seus membros, aos juízes além dos servidores que lhe forem
imediatamente vinculados (artigo 96, inciso I, f da CF). Com o advento da Carta de
88 o poder de autoadministração foi ampliado sobremaneira, pois podem prover os
cargos necessários à administração da justiça (serviços auxiliares), bem como os
juízes de carreira da respectiva jurisdição (artigo 96, inciso I, c, da CF). Comentando
o exposto, Clèmerson Merlin Clève diz ser uma novidade que a Carta Magna trouxe
sem qualquer parâmetro evidente em qualquer país do mundo, um Poder Judiciário
com um poder de autoadministração tão pronunciado e que pode prover os cargos
da carreira da magistratura.178
A Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário a autonomia financeira,
este deve exercê-la através da sua autonomia administrativa, decidindo o
mecanismo por meio do qual serão exercidas as autonomias dos seus tribunais,
visando atender o artigo 99 da Carta Magna e seus dois primeiros parágrafos que
determinam a oitiva dos tribunais por ocasião da elaboração da proposta
orçamentária. E na fase de execução, observadas as demais disposições
constitucionais e legais, decidir no âmbito interno a alocação dos recursos da forma
que melhor convier ao interesse público.
A Constituição de 1988 inovou quando possibilitou ao próprio Judiciário
elaborar a proposta orçamentária. Entretanto, tal medida trouxe alguns problemas,
pois o constituinte não foi claro quando definiu a questão sobre o encaminhamento
da proposta do Poder Judiciário ao Poder Legislativo (a proposta constituiria uma
178
Cf.Clèmerson Merlin Clève, 1993. Op. Cit.p. 296
131
providência assimilável à iniciativa), ou se deve encaminhar a referida proposta ao
Poder Executivo, detentor da iniciativa privativa da lei orçamentária (artigo 165 da
CF). Mas seja qual for a forma determinada pelo ente federado179, tanto no primeiro
como no segundo, o encaminhamento deve necessariamente ser incluído no projeto
de lei orçamentária, sujeito a aprovação dos parlamentares.180A autonomia financeira
do Poder Judiciário não é um tema pacífico haja visto o grande debate que houve
por ocasião da constituinte de 1988. Para alguns não ficou claro a disposição
constitucional.
Para José Afonso da Silva, a matéria do artigo 99 da CF deveria ter vindo
logo após o artigo 96 do referido diploma, por tratar de garantias institucionais do
poder. Ressalta que, quanto à autonomia financeira não é tão pronunciada, pelo
contrário, bastante limitada e pode gerar mais problemas do que benefícios, pois
adverte que assuntos de administração devem competir para administradores e
nunca aos julgadores, que precisam ficar imunes às disputas que, no fundo,
envolvem decisões políticas 181.
Mas é consenso que a independência financeira decorre do princípio do
autogoverno da magistratura reiterado na Constituição nos artigos. 96 e 101.182
2. A importância do Poder Judiciário na Economia
Um Poder Judiciário atuante exerce uma influência direta na economia
Nacional, permitindo tanto o crescimento econômico, como o desenvolvimento
social, resultando na concretização do objetivo maior do Estado: o atendimento da
179
Como é o caso do Estado do Rio de Janeiro no artigo 152 da Constituição Estadual, em seu § 2º
que dispõe que o encaminhamento da proposta, depois de aprovada pelo Tribunal de Justiça deverá ser encaminhada ao presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa. Do Estado do Ceará, CE, artigo 99, § 1º, que determina após o Tribunal de Justiça elaborar a proposta orçamentária relativa ao Poder Judiciário, dentro dos limites estipulados na Lei de Diretrizes Orçamentárias, depois de ouvido os tribunais de segunda instância, os quais apresentarão suas propostas parciais e sendo aprovada pelo plenário do Tribunal de Justiça, será encaminhada pelo presidente da AssembleiaAssembleia Legislativa.
180Cf. Clèmerson Merlin Clève, 1993, Op. Cit. p. 296
181 Cf. José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores:,
2005. p. 520.
182 Cf. Uadi Lammêgo Bulos. Constituição Federal Anotada. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2007 p. 970
132
dignidade da pessoa humana estudo intitulado “Judiciário & Economia: equalização
desejada e necessária”.183
É necessário o crescimento, e desenvolvimento dos países, exigência da
política econômica mundial visando o aumento da segurança jurídica, o
fortalecimento da democracia e dos direitos humanos e, para tanto, há a
necessidade de investimentos de capital interno e externo.
Os investimentos são viáveis se houver a certeza de que o capital aplicado
voltará com juros ou outra compensação que motive e justifique as suas aplicações.
Daí a importância e a necessária confiança, tanto na política econômica como na
estrutura legal que garanta o contrato, a presteza da justiça na solução de
controvérsias que possam surgir do local do investimento.
A globalização econômica e a ordem internacional exigem adequações,
rápidas, eficazes, uma legislação atualizada e atenta às modificações dos mercados,
da tecnologia e do desenvolvimento, aliada à competitividade atual, no qual os
instrumentos econômicos são estratégias de crescimento de grande importância
para atrair os empresários e seus investimentos. Ressalta-se ainda que o
reconhecimento à qualidade das instituições explique uma parcela importante das
elevadas diferenças de renda e de desenvolvimento entre os países o que pode
explicar alguns motivos das elevadas diferenças de renda.
Os efeitos na economia serão evidentes. Desde uma maior segurança jurídica
até agilidade e rapidez, corrigindo a nefasta prática de setores da sociedade que
buscam de artifícios jurídicos para continuar em falta com suas obrigações, em
detrimento de direitos pessoais e sociais.
3. O papel do Poder judiciário e a relevância do juiz.
No Estado de Direito Democrático a segurança jurídica está intimamente
ligada à economia. Estudos comprovam que um sistema judicial independente, forte,
respeitado, ágil, eficaz traz desenvolvimento e pode viabilizar o incremento do
183
Cf. Ana Maria Jara Botton Faria. Judiciário & Economia: Equalização desejada e necessária. In:
Revista Direitos Fundamentais & Democracia. UNIBRASIL. http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br. Acessado em 21/11/2010.
133
crescimento econômico, uma vez que a credibilidade nas instituições tem de ser
tanto nas decisões judiciais como nos rumos da política fiscal e econômica, em que
as relações econômicas e os mercados estão diretamente vinculados à regulação
democrática das leis.
Vivemos um momento de superação dos postulados individuais do direito,
que vão cedendo na sociedade técnica e de massas, espaço para os conflitos
coletivos; aliado ao fator do tempo acelerado, novos conflitos nascem sem uma
pronta solução normativa com as leis, cada vez mais, assumindo um caráter
provisório, transformando o papel do juiz, atribuindo-lhe uma relevância, pois este
não aplicará simplesmente dados normativos residentes, por exemplo, no Código
Civil, sem a necessidade de adequá-lo corretamente à ideia de direito consagrada
na Carta Magna.
Conforme leciona Clève, esse é de difícil concretização, pois envolve a
negativa de aplicação de determinados dispositivos e interpretação de outros,
conforme a Constituição, exigindo um preparo diferenciado dos operadores do
direito. Conclui que a análise séria, interdisciplinar e consciente da concepção de
direito subjacente às decisões judiciais é fundamental para a realização de uma
justiça atualizada. 184
A postura do Poder Judiciário, em tempos de crise,185 evitaram que pedidos
virassem esqueletos no armário, no tocante a interpretação da Lei nº 11.101/2005 e
a aplicação do seu artigo 47, que assim dispõe:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira de devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, e dos interesses dos credores promovendo assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Fica evidente a necessidade de interpretar adequadamente as exigências
legais de forma a viabilizar as recuperações das empresas, mesmo na ausência de
lei específica regulamentadora, a permitir aos empresários, em recuperação, a
184
Clèmerson Merlin Clève, 1993, Op.Cit, p. 303
185 Cf. Ruy Coppola Junior. A crise econômica, Poder Judiciário e recuperação de empresas.
Disponível em: http://www.migalhas.com.br/mobile/mig_materia.aspx.cod=87907
134
obtenção de parcelamento especial de seus débitos tributários, mediante acordos
com as Procuradorias das Fazendas envolvidas. São exemplos louváveis de como
um Judiciário de forma responsável pode contribuir, em muito, para minimizar os
efeitos da crise econômica nas empresas. Mas esse só é um de tantos exemplos
sobre a importância do Poder Judiciário.
4. Aspectos relevantes da crise institucional do Poder Judiciário e da
necessidade de adotar um novo parâmetro de gestão
Com a afirmação “Sou juíza que teme precisar da Justiça” a Ministra Eliana
Calmon iniciou seu mandato na Corregedoria Nacional da Justiça, inaugurando uma
nova visão, do poder de dentro para fora, sobre o que ela denomina 100 (cem) anos
de atraso.
A sua principal crítica ao Poder Judiciário dizia que em dez dias apenas de
atividade viu coisas além do que se esperava e sabia, mas por outro lado diz ter
consciência de que não existem culpados específicos, pois acredita ser uma
disfunção estatal, uma vez que cada estado tinha uma justiça absolutamente
independente e com organização própria, muitas geridas por grupos de
desembargadores que não se alternavam no poder, resultando, por suas mãos, em
prejuízo aos jurisdicionados com atraso dos processos.
Os prédios, funcionários, práticas de serviço público, informática são alguns
dos problemas dessa disfunção. A ministra ressalta que num momento em que se
tem um órgão esfacelado do ponto de vista administrativo, de funcionalidade, de
eficiência, eis um campo fértil para a corrupção, abrindo caminho para venda de
favorecimentos. Conclui que só a transparência de toda e qualquer atividade do
Estado, um dos princípios da democracia, é a solução.186 O sistema é que deve ser
modificado.
Além da exposição feita pela Ministra Eliana, outros aspectos colaboram para
a crise institucional e de gestão na qual ingressa o Poder Judiciário após o advento
da Carta de 1988, dentre eles, o aumento da procura pelos serviços judiciais, fatores
186
Cf. Eliana Calmon. O Estado de São Paulo. Quinta-feira, 30 de setembro de 2010, p. A22.
135
de natureza processual, estrutural e de gestão relativos ao número excessivo de
recursos processuais, excesso de formalismo procedimental, abundância de leis,
difícil acesso ao judiciário por vários setores da população, número insuficiente de
magistrados e servidores, pouca informatização das unidades judiciais, falta de
planejamento estratégico, deficiência no controle administrativo, dificuldade de
integração com outras instituições judiciais e operacionais, como Ministério Público,
Defensoria Pública e Polícia, dentre outros.187
Assim, decorre a importância do planejamento, a gestão torna-se central e o
debate sobre reformas estruturais necessárias para dar ênfase aos aspectos
responsáveis por promover otimização de um órgão ou um poder público, visando
melhorias no serviço que esses órgãos se designam a prestar ao cidadão.188
A constatação de que o movimento institucional, visando uma significativa
amenização da crise no Judiciário, mostrou-se bem mais modesto se comparado à
velocidade de criação ao alcance obtido pelo MARE na segunda metade dos anos
1990. Após uma década de tramitação, a EC nº 45, aprovada em dezembro de
2004, criou o Conselho Nacional da Justiça em junho de 2005, órgão que tem a
responsabilidade de controlar, no âmbito nacional, as atividades administrativas e
financeiras das unidades do Poder Judiciário (artigo 103 – B, § 4º da Constituição
Federal),
Ministro Gilmar Mendes, enquanto presidente do CNJ, disse que entre as
preocupações daquele órgão está a boa gestão orçamentária e que durante as
inspeções e audiências públicas da Corregedoria Nacional de Justiça foram
constatados gastos excessivos, como pagamento de horas extras e gratificação de
forma indevida. O ministro, apesar de defender a autonomia dos tribunais, alertou
para o expansionismo dos gastos e da responsabilidade nos investimentos,
ressaltando a importância da articulação entre os tribunais e da necessidade de
buscar fundos de reaparelhamento.
187
Cf. L.J.M. Vieira e I. A. Pinheiro. Contribuições do Conselho Nacional de Justiça para a gestão do
Poder Judiciário. Rio de Janeiro: EnANPAD, 2008
188 Cf. José Marcelo Maia Nogueira e Regina Silvia Pacheco. A gestão do Poder Judiciário dos
Estudos de Administração Pública. Destacam ainda que é ampla a literatura sobre a chamada ‘nova gestão’, englobando o conjunto de ações empreendidas nas últimas três décadas visando aumentar a eficiência e efetividade das ações do Estado, em todo o mundo. Uma síntese das propostas e de suas inspirações teóricas é realizada por Kettl, 1997.
136
Não há duvida de que o enfoque principal é de melhorar a gestão
administrativa dos Tribunais e adequação da gestão dos recursos públicos
disponíveis. Lembra, o ministro, que culpar o Poder Executivo e o Poder Legislativo
por falta de recursos no judiciário não basta, urge a necessidade dos próprios
tribunais levantarem se estão sendo bem aplicados os recursos hoje disponíveis,
aplacando a sede valorativa.
VII. O PODER EXECUTIVO
A expressão Poder Executivo,189 no texto de 1988, tem significado
indeterminado e variado, pois exprime parcialmente os mandamentos constitucionais
do cargo de Presidente da República, uma vez que seu conteúdo envolve poderes,
competências, faculdades, deveres, encargos, prerrogativas, no que diz respeito à
consecução dos atos de Chefia de Estado, de Governo e de Administração190,
confundindo o Poder e o Governo.
1. Do significado do Poder Executivo na Constituição de 1988.
O primeiro significado do Poder Executivo na Constituição é o órgão executivo
ou administrativo do artigo 2º que estabelece que os: Poderes da União são
independentes e harmônicos entre si – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário –;
sendo vedado expressamente. pelo artigo 60, § 4º, inciso II, qualquer forma que
venha abolir o preceituado, mesmo em sede de Emenda Constitucional.
189
Na classificação de Maurice Duverger nos estados constitucionais o Poder Executivo pode
aparecer como: Poder Executivo Monocrático exercido por reis, imperadores, ditadores e presidentes; Poder Executivo Colegiado exercido por dois detentores de igual poder, como por exemplo, os cônsules romanos; Poder Executivo Diretorial exercido por grupos de homens, que formam comitês, por exemplo na Suíça e que passou na ex-URSS; Poder Executivo Dual, característica do sistema parlamentarista, onde o governo é exercido por um chefe de Estado e um Conselho de Ministros, que atuam separadamente. Cf. Maurice Duverger. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 4ª ed.
Paris: PUF, 1959. v.1p. 135 e ss, 1959.
190 Cf. José Afonso da Silva. Comentários contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
472.
137
Foi a maneira pela qual Montesquieu, em sua doutrina tríplice classificou a
atividade responsável pelas relações internas e externas do Estado, como fazer a
paz ou a guerra, enviar e receber embaixadores, estabelecer a segurança e prevenir
invasões. A função do Poder Legislativo definia a ordem jurídica produzindo as leis
enquanto que cabia ao Poder Executivo gerenciar a ordem estabelecida, executando
as leis.191
Mas como já vimos anteriormente, o princípio da separação dos poderes da
sua forma clássica até hoje avançou para uma relatividade, originando uma nova
conceituação nos dias atuais.
O segundo significado do Poder Executivo na Constituição encontra-se no
artigo 76, que é o de função executiva ou administrativa. Nele está previsto que o
Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República auxiliado pelos Ministros
de Estado, dispositivo que diz respeito ao cargo e ao seu ocupante. Isso remete aos
poderes, competências, faculdades, deveres, encargos, prerrogativas na
consecução dos atos de Chefia de Estado, de Governo e de Administração.
Além dessa estrutura conta também com dois Conselhos previstos
constitucionalmente: o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional,
sendo, respectivamente, o primeiro órgão superior de consulta do Presidente e o
segundo de assuntos relacionados a soberania e a defesa do Estado Democrático.
2. Competência do Poder Executivo.
Dessa forma, ao Executivo, compete exercer a administração (CF, artigo 84,
incisos I, II, XXIV e XXV); incumbe-lhe também a atribuição normativa, de modo
generalizado (CF artigo 49, IX), e de modo específico (CF, artigo 84, inciso III, IV, V,
XXIII e XXVI), nesse particular, a expedição de regulamentos para a fiel execução
das leis (CF artigo 84, inciso IV, última parte); e quanto ao exercício do poder
disciplinar do seu pessoal, cabe-lhe julgar administrativamente os seus servidores
sem afastar o recurso ao Judiciário, em caso de lesão ou ameaça ao direito (CF,
191
Cf. MONTESQUIEU, livro XI, Capítulo VI. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996
138
artigo 5º, inciso XXXV).192 Cabe ainda destacar a iniciativa quanto à matéria
orçamentária: Plano Plurianual – PPA, anualmente a Lei de Diretrizes Orçamentária
– LDO e o próprio orçamento, que pela sua importância, a Constituição lhe conferiu
um capítulo próprio (artigos 163 a 169).
3. Da proeminência do Poder Executivo.
Segundo Ferreira Filho193, no caso brasileiro podemos constatar que a
proeminência do Poder Executivo decorrre da proeminência do Presidente da
República que advém primeiro da ordem jurídica onde as funções que lhe são
atribuídas por ser o Chefe do Estado, Chefe de Governo, como já mencionamos
antes, acrescenta-se como fator político a sua legitimidade democrática, encarecida
pela eleição direta em dois turnos: aparece como o escolhido da maioria absoluta do
povo brasileiro.
O Chefe do Poder Executivo brasileiro dirige a política interna e externa do
país; administra o país, conforme os ditames constitucionais; promove ou orienta a
política legislativa de interesse nacional como autor da esmagadora maioria das leis
que vem sendo promulgadas; edita medida provisória; é o comandante da economia
nacional, ao interferir indiretamente no Banco Central ou nas instituições de
estímulos que dependem de financiamento, que advém muitas vezes do BNDES ou
do Banco do Brasil; soma-se a tudo isso a Petrobrás e outros setores que controla;
provê ao mais pobre ao administrar, através de seus ministros, a previdência, o
sistema unificado de saúde, programas assistenciais, dentre eles o bolsa-família;
emprega a imensa máquina estatal e para-estatal, bem como define seus salários; e
por fim afirma, que em tal função o Presidente da República é quem tudo sabe,
informado pela ABIN e pela Polícia Federal. 194
192
Cf. Patrícia Rosset. O Estado Regulador e as Agências Reguladoras. In: Temas Atuais de Direito
Público. Estudos em Homenagem à Professora Márcia Garcia. Campo Grande: Puccinelli Centro de Estudos Jurídicos/UCDB, 2008. p. 328-329.
193 Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. A separação dos poderes na ordem constitucional em vigor.
Jornada Jurídica em homenagem ao Professor Jorge Miranda: os vinte anos da Constituição Brasileira de 1988, Brasília, 01 a 03 de outubro de 2008, p. 10/11
194 Cf. Manuel Gonçalves Ferreira Filho. 2008, Op. cit. p. 11
139
Fica claro que a posição jurídico-constitucional de proeminência do
Presidnete da República, caracterizada principalmente pela legitimidade democrática
direta pela qual foi eleito, pela sua ampla autonomia política, e pela
“irresponsabilidade política”, marcada pelos controles primários, isto é, políticos, pela
concentração unipessoal da chefia do Poder Executivo e da chefia do Estado,
largamente reforçada pelas competências legislativa que lhe são
constitucionalmente atribuídas195.
Assim, podemos afirmar que o ponto central desse tópico é que pelo regime
presidencialista de governo adotado pela Constituição de 1988, o Presidente da
República é o Chefe do Poder Executivo, tornando-se o expoente máximo na
organização do poder político, ainda atua legislativamente, e, no presidencialismo de
coalizão, o seu papel tem sido fundamental para manutenção do status quo ,
contextualizando as relações institucionais com os outros poderes.
4. Os instrumentos constitucionais de participação da atividade legislativa
O modo pelo qual os instrumentos constitucionais que o Poder Executivo
possui e se utiliza para participar da atividade legislativa influenciam materialmente
as decisões legislativas parlamentares. Esses instrumentos são encontrados no
texto constitucional, como anteriormente ressaltamos.
O governo participa da elaboração da lei formal desenvolvida no seio do
Parlamento, em três fases – fase preparatória, fase central e fase de integração de
eficácia – 196 através do processo legislativo e seu procedimento. Na fase inicial ou
preparatória o Presidente da República tem ampla competência na propositura de
projetos de leis, incluindo emendas à Constituição, e mais, a competência de
iniciativa que lhe é atribuída constitucionalmente, sem olvidar da reserva material de
iniciativa legislativa contida no artigo 61, § 1º, da Carta Maior.
Na fase central ou constitutiva, tem o Presidente da República o direito de
adesão ou de rejeição, ou seja o poder de sanção ou veto de lei discutido e
195
Cf. Omar Francisco do Seixo Kidra. O Executivo Legislador. O Caso Brasileiro. Coimbra:
Universidade de Coimbra, 2004. p. 224
196 Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004 Op. cit. p. 225
140
aprovado no Parlamento. Já na fase final ou integradora de eficácia, cabe ao
Presidente da República emitir o ato certificatório ou de promulgação, atestando o
projeto de lei aprovado pelo órgão legislativo competente e que foram seguidos
todos os preceitos constitucionais relativos à produção legislativa, com publicação
do texto de lei aprovado, dando conhecimento a todos os cidadãos da existência de
um ato jurídico obrigatório de eficácia externa.
Quanto ao procedimento legislativo, o Presidente da República tem
competência constitucionalmente atribuída para participar nas mais diversas fases,
ocorrendo o que Siexo Kadri denomina de “pulverização de competências
presidenciais de intervenção sobre o procedimento legislativo de feitura das leis”197.
Clève198 leciona que pouco importa o regime de governo adotado, o Poder
Executivo pode afirmar sua presença seja no ato de provocação da função
legiferante, seja após, na manifestação desse órgão por ocasião da promulgação do
ato legislativo, ou seja, pode deflagar pela iniciativa legislativa, pode sancionar ou
vetar a produção legislativa, promulgar e publicar as leis.
Mas ainda há outros procedimentos que podem ser verificados na
Constituição de 1988 com os quais o governo consegue influenciar o processo
legislativo, como por exemplo, (artigo 84, inciso XI) ao remeter mensagem e plano
de governo ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa;
quando convoca extraordinariamente o Congresso Nacional, em caso de urgência
ou interesse público (artigo 57, § 6º, inciso II); pode solicitar urgência na apreciação
de projetos de sua iniciativa, quando cada Casa terá quarenta e cinco dias para
apreciar, após decorrido esse prazo, será incluída na ordem do dia sobrestando-se a
deliberação quanto aos demais assuntos (artigo 64, §§ 1º, 2º e 3º); pode encaminhar
informações solicitadas pelo Congresso, pedidos escritos de informações aos
Ministros de Estado (artigo 49, § 2º), que também podem comparecer ao Senado
Federal, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer uma de seus Comissões, por
iniciativa e mediante entendimento com a mesa respectiva, para expor assunto de
relevância de seu ministério (artigo 49, § 1º).
197
Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri., 2004. Op. cit. p. 225.
198 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Atividade Legislativa do Poder Executivo.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, p. 100.
141
5. O Poder Executivo legislador
Para a análise do presente estudo se faz necessária a visão de como o Poder
Executivo pode deflagar o processo legislativo e quais são suas comeptências para
tal. Assim, a atividade normativa do Poder Executivo como legislador, em sentido
estrito, reconduz a análise das leis delegadas e a configuração do regime jurídico
das medidas provisórias no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, que será
o tópico da nossa reflexão.
Seixo Kadri199 leciona que é indiscutível a capacidade legislativa atribuída ao
Poder Executivo nos contornos da Constituição Brasileira de 1988, e que o
deslocamento constitucional de competências legislativas para o Poder Executivo na
Carta de 1988, em que a função legislativa se encontra bipolarizada ou
compartimentada entre os Poderes Legislativo e Executivo.200
5.1. Leis delegadas
A assertiva de que as relações humanas contribuem para que as suas
demandas se tornem cada vez mais técnicas e ao mesmo tempo no âmbito do
Parlamento falta tal tecnicidade, aliada à sobrecarga da demanda legislativa, a
denominada inflação legislativa, a solução constitucionalmente encontrada para
contornar esses problemas da modernidade foi através do fenômeno da
desconcentração legislativa através da espécie leis delegadas.
Isso está previsto no artigo 59, IV. São atos primários editados pelo
Presidente da República, no exercício de uma competência legislativa originária,
mas nem de longe configuram um “cheque em branco” ao Executivo, pois somente
podem ser elaboradas em decorrência de um ato parlamentar de delegação ou de
lei de delegação, onde alguns requisitos devem ser obedecidos para o exercício
material a ser atribuído ao Poder Executivo.
199
Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. 2004. Op. Cit.. p. 223-232
200 Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri. 2004. Op. Cit. p. 223
142
O artigo 68 estabelece que as leis delegadas serão elaboradas pelo
Presidente da República que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
Os requisitos constituem os limites materiais determinados pelo Parlamento, através
de princípios e critérios diretivos que regularão o ato legislativo a ser elaborado.
Aprovada a resolução autorizativa, cuja promulgação é incumbência do presidente
do Senado, na condição de presidente do Congresso Nacional – artigo 57, § 5º, será
editada a lei delegada obedecidos os prazos e os princípios fixados no ato de
delegação.
É vedada qualquer emenda, artigo 68, § 3º, no caso de resolução determinar
em uma única votação, mas se a esta não determinar a apreciação do Congresso,
compete ao Presidente unicamente editar a lei delegada e como não há
necessidade de sanção, o Presidente promulga o ato legislativo, providenciando a
sua publicação.
Pode ser apresentado um novo projeto desde que observado o prazo da
delegação e nesse caso a regra constitucional segundo a qual matéria constante de
projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma
sessão legislativa mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer
das Casas do Congresso Nacional, artigo 67, não parece ser aplicável na presente
hipótese.201
Durante o período da resolução delegante, o Poder Legislativo pode revogar a
delegação, legislar livremente sobre a matéria objeto da autorização, pois ele não
abdica da sua função de legislar, apenas autoriza o Executivo, que no período
determinado e segundo os princípios, exerce função normativa delegada.
Objetos de delegação não serão atos de competência exclusiva do
Congresso Nacional os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal, matéria reservada à lei complementar, nem legislação sobre outras
matérias de interesse e competência organizacionais, tais como do Poder Judiciário
e Ministério Público, os planos orçamentários (planos plurianuais, diretrizes
orçamentárias e orçamentos), quanto à questão da nacionalidade, cidadania, direitos
individuais, políticos e eleitorais.
201
Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2004. Op. Cit. p. 259
143
Assim, leis delegadas estão restritas às matérias que não tratem de direitos
fundamentais, da organização dos poderes e de planos orçamentários, entre outros,
pois delegar significa autorizar alguém a exercer temporariamente e limitadamente a
função legiferante. Motivo pelo qual não pode se conceber que o poder legislativo
“abra mão” da função que o constituinte lhe outorgou a qualquer outro poder.
Ao nosso ver, seriam esses os motivos que tornaram o uso inexpressivo de
leis delegadas e editadas pelo Presidente da República, seja pelo Congresso
Nacional estar constitucionalmente impossibilitado de oferecer emendas, seja pelo
excessivo grau de controle a que estão sujeitas as leis delegadas, seja pela
capacidade que o Parlamento tem de sustar atos normativos do Poder Executivo
que exorbitem os limites da delegação (artigo 49, V), seja pelo recurso do Poder
Executivo brasileiro de utilizar da urgência.
5.2. Das medidas provisórias
As medidas provisórias surgem como espécies legislativas em que o Presidente
da República pode, primariamente, inovar o ordenamento jurídico sem qualquer
autorização prévia do Parlamento, na tentativa de confortar as rápidas e
imprevisíveis alterações observadas nos quadrantes social e econômico.
A primeira consideração a ser feita sobre as medidas provisórias, novamente, é
que na redação final aprovada pela Comissão de Sistematização da Constituição de
1988, no artigo 59 e posteriormente em votação pelo plenário, nos seus dois turnos,
não existia essa espécie legislativa, ou seja, em nenhuma fase do processo da
Constituinte constava o texto aprovado da medida provisória. Aparece na fase da
Comissão de Redação.
A discussão sobre a adoção de medida provisória no texto constitucional,
remete ao movimento para que o Brasil adotasse o regime parlamentarista durante a
época da Assembleia Nacional Constituinte e, por esse motivo, a espécie legislativa
da medida provisória foi introduzida, inspirada no decreto-legge do sistema Italiano,
a fim de acalorar os ânimos entre as forças políticas atuantes no Parlamento. Essa
expectativa foi frustada quando da realização do plebiscito previsto com data para o
dia 21 de abril de 1993, no qual os brasileiros confirmaram a opção pelo regime
presdencialista, assim surge a primeira grande confusão, importou-se de uma forma
144
de governo parlamentarista um mecanismo que acabou por ser aplicado num regime
presidencialista. Surge aqui a primeira grande confusão em nosso ordenamento
jurídico.
Com a espécie legislativa inserida no rol do artigo 59 da CF, passou então a
doutrina brasileira a analisar, e em sua maioria pareceu convergir num ponto
fundamental: que se trata de ato normativo primário, sendo atos extra ordinem que
derrogam parcialmente o princípio da divisão de poderes. Isto porque o artigo 44 da
Constituição dispõe que a função legislativa é exercida pelo Parlamento202.
A questão que se põe é em que medida as medidas provisórias são atos
elaborados de forma legítima, já que são atos legislativos formal e organicamente
diferenciados dos atos legislativos do Parlamento? E qual o resultado do uso dessa
espécie legislativa no presidencialismo de coalizão?
Cabe sempre recordar que o processo de formação das leis, em um Estado
Democrático de Direito deve ser legitimado, pois a democracia, vale dizer, é a fonte
democrática do sistema normativo e não apenas a existência deste como
mecanismo regrador dos aspectos jurídicos da vida social.203
Leciona Clève que
a força de lei é um conceito relacional, que se decompõe num duplo alcance material e formal, como a capacidade de dispor, positiva e negativamente, orginária e superveniente, sobre as relações e situações da voda, e como capacidade de agir ou reagir relativamente a outros atos-jurídicos (...) Logo a legislação pelo parlamento envolve a noção de rpresentativa e de debate público anteorior a eficácia do ato ilustrando a ideia de que a democracia não se exaure no momento eleitoral. Na democracia pluralista, a lei formal configura espécie de condensação de relação de forças entre sujeitos coletivos disttintos, mediatizados pela figura do mandatário eleito (...) No direito brasieliro adotado o regime presidencialista de governo, a lei formal carrega ainda, a noção de
202
Segundo Seixo Kadri, a medida provisória torna-se uma das amarras de difícil desate no direito
constitucional brasileiro, sendo várias as teses apresentadas sobre a natureza jurídica que vão desde natureza de ato administrativo até à de ato legislativo strito sensu. Cf. Omar Francisco de
Seixo Kadri., 2004. Op. cit. p. 227.
203 Cf. Hilda de Souza, 1998.Op. Cit. p. 29.
Nesta mesma seara, segundo Seixo Kadri, para Canotilho num Estado Democrático de Direito não importa tanto saber se o Poder Executivo pratica atos legislativos, mas sim se eles podem ser feitos e são feitos de forma legítima.
145
somatória de vontades manifestadas por dois Poderes, o Legislativo e o Executivo. Trata-se portanto, de ato complexo. Entre nós, em consequência, a lei formal é espécie de ato legisaltivo definida pela origem (ato do Congresso Nacional), pela forma (forma de lei complementar ou ordinária), pelo procedimento (devido processo legislativo: ato público em que o debate procede a vigência), por força (força ativa e passiva de lei), assim como pela natureza (ato complexo). Neste ponto, é possível superar um argumento recorrente nos escritos daqueles que negam a medida provisória a natureza de lei: não se converte em lei algo que não é.
As medidas provisórias são atos legislativos não-ordinários, cujo requisito de
relevância se refere ao elemento físico que deriva de apresentação no quadrante
social de uma exigência de normação jurídica aliado à urgência que guarda
referência com a dimensão temporal, num sentido de ajustar de modo proporcional
o conteúdo da normação jurídica reivindicada – matéria – a um procedimento
legislativo idôneo (forma) que possa conformar - resposta jurídica - de modo
imediato ao quadrante social, sem que experimente prejuízos por falta de
previsibilidade constitucional de um instrumento legislativo expedido.204
Quanto à questão de delegação ao não, Clève demonstra que o
particular é suficiente para demonstrar que o Presidente dispõe de competência própria (embora expecional) para adotar a medida provisória, inocorrendo, no caso, por consequencia, a hipótese de automática delegação legislativa (ocorrentes os pressopostos de habilitação).
Para o Presidente da República editar medida provisória há a necessidade
de preencher os requisitos de relevância e urgência constantes no artigo 62, uma
vez que não foi entregue ao Chefe do Executivo uma competência ordinária, mas
não se trata de atos extra ordiem205 ou excepcionais, uma vez que a própria
204
Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op, cit. p. 228
205Ver:
Pedro Vieira Abramovay.A separação de Poderes e as medidas provisórias em um Estado
Democrático de Direito.Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: UnB, 2010.
Marco Aurélio Sampaio. A Medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros,
2007.
146
Constituição disciplina os casos de excepcionalidade ou anormalidade em seus
artigos 136 e 137.
A primeira observação sobre os pressupostos de relevância e urgência fica
claro, pelo exposto, que o Poder Executivo não tem competência para exercer
função legislativa plena, mediante medida provisória, pois nesse caso a sua
atuação é excepcional, submetida a controle posteriori do Congresso Nacional206.
O urgente deve ser além da adoção da norma editada (vigência), e sua
incidência (aplicação), portanto é inadmissível a adoção de medida provisória para
produzir efeitos após determinado lapso temporal (eficácia diferida).207 Assim, cabe
ao Presidente da República demonstrar, mediante motivação, a ocorrência dos
pressupostos autorizadores, bem como a existência de correlação estreita ente os
motivos invocados (e, em consequência, também, a sitação de necessidade) e a
disciplina normativa aplicada, segundo Clève.208
Dessa forma, o Presidente da República, através de medidas provisórias,
pode veicular unilateralmente normas jurídicas destinadas a inovar o ordenamento
jurídico sem qualquer participação nas diversas forças políticas que se personificam
no Parlamento, indispensável num Estado Democrático.
A primeira questão era a submissão imediata do Congresso Nacional,no
prazo de 30 dias, que ao proceder a análise do ato legislativo adotado pelo Poder
Executivo, podendo o Parlamento rejeitar ou não a medida apresentada devendo
somente, por previsão constitucional, de disciplinar as relações jurídicas dela
advindas.
A EC nº 32/01 visou limitar o poder de edição de medidas provisórias,
delimitando quais poderiam ser as matérias alvo desta espécie legislativa, ou seja,
determinando que seriam as matérias objeto de lei ordinária, por impossibilidade
decorrente de seu regime jurídico-constitucional. Assim, a limitação material para a
edição de medidas provisórias (EC. 32/01) será a mesma existente em relação à lei
206
Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 80.
207 Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 96.
208Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 100.
147
delegada, ou seja, pelos motivos expostos, quando tratamos do assunto se aplica o
mesmo raciocínio.
A única diferença recairá sobre a matéria tributária. Mas como no caso da lei
ordinária, há divisões até os nossos dias quanto à questão.
Mas quanto a impossibilidade de matéria de lei complementar ser editada por
medida provisória, pelos motivos e especificações constitucionais, é clara pela
própria característica e natureza, pois somente poderão ser matéria de lei
complementar aquela relativa ao chamamento no texto constitucional.
A EC nº 7/95 já havia introduzido alterações ao perfil sistematizado no texto
da Constituição pelo artigo 246, restrições explícitas ou objetivas consistem na
vedação de adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da
Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a
partir de 1995.
A vigência das medidas provisórias é de até o prazo limitado de 60 dias,
prorrogável por 60 dias (EC nº 32/01), consequentemente após sua edição, se não
convertida em lei, ocorre a perda de eficácia ex tunc, deixando de existir no
ordenamento jurídico e seus efeitos desconsiderados desde o início. Ao ser editada
a medida provisória, com força de lei, suspende-se e paralisa-se a eficácia de
disposições legais que se encontram em contrário até a sua apreciação.
Essa transitoriedade no ordenamento jurídico associado à perda de eficácia
ab initio contribuiu substancialmente para que o ato legislativo governamental tenha
uma eficácia precária ou condicionada temporalmente pela pendência de cláusula
resolutiva do Congresso Nacional.
Quanto ao Congresso Nacional, dois procedimentos distintos estão contidos
na resolução nº 1/89. O primeiro refere-se ao controle político sobre os pressupostos
de relevância e urgência, emitindo um juízo de oportunidade política no sentido de
verificar a subsistência ou não, no plano fático dos referidos pressupostos. Assim,
após isso, a medida provisória segue sua tramitação para se tornar projeto de lei de
conversão, podendo ser oferecidas emendas que versem sobre o objeto da medida
provisória de modo que o instrumento normativo governamental não seja
desconfigurado na sua finalidade.
148
Outra questão é se o Presidente da República poderá vetar o projeto de lei de
conversão, e a resposta deve ser negativa, porque há uma incompatibilidade
temporal entre o escasso prazo de vigência da medida provisória e o regime jurídico
constitucional do instituto do veto. Por outro lado seria impensável pelo próprio
significado de intervenção do parlamento sobre as medidas provisórias (função de
controle) que o poder controlado controlasse o controlante209.
A EC nº 32/01 exigiu do Congresso Nacional pronunciamento prévio e
expresso sobre os pressupostos de urgência e relevância como condição para
deliberação. Tal medida não produziu o efeito necessário, as reiterações sucessivas
de edição de medidas provisórias, não convertidas em lei, retiraram uma das suas
características fundamentais, qual seja a sua não-ordinariedade, mantendo
indefinidamente no ordenamento jurídico seus efeitos. O resultado foi uma
ampliação do poder do Poder Executivo ao incluir o sobrestamento de pauta, assim
uma medida provisória que não for apreciada em até 45 dias, ela integrará a pauta
em regime de urgência obstruindo as demais deliberações da Casa Parlamentar (EC
nº 32/01), o que resultou no controle da agenda da Câmara durante muito tempo,
várias foram as obstruções em razão dessa disposição.
Essa prática além de tolher a autonomia da agenda do Legislativo,
provocando sua inércia e paralisação, também funcionou como forma de coerção
para determinadas deliberações210, sem falar que amarrou a participação do
Legislativo na definição e no estabelecimento de políticas públicas, vez que não
havia discussão prévia dessas matérias.
O Poder Legislativo poderia ter invertido toda esta situação se cumprisse com
a determinação de apreciar os requisitos de relevância e urgência, no prazo de 10
dias a contar do inicio da data da sua tramitação, detendo a inflação de medidas
provisórias, que durante muito assolou o Parlamento, que após a EC 32/01, o Poder
Executivo produziu 896 medidas provisórias, entre originarias e reeditadas e iniciou
1.077 leis ordinárias e 3 leis complementares.
209
Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op. Cit. p. 229.
210 Ficou bem evidente essa manipulação por ocasião da votação da CPMF, em que o Chefe do
Executivo revogou medida provisória que estava sobrestando a pauta para poder incluir a votação sobre a CPMF. Tal procedimento foi objeto de apreciação do Supremo Tribunal Federal.
149
CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS
PODERES E O PRESIDENCIALISMO DE COLIAZÃO
I. PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO
Os debates e discussões, como já foram lembrados neste presente estudo,
quando das audiências públicas na Assembleia Nacional Constituinte, sobre a
redemocratização do Brasil e os aspectos centrais da relação entre os poderes e os
possíveis conflitos decorrentes delas, remeteu-nos à experiência da Carta de 1946
seguida de um golpe militar em 1964. Esses acontecimentos históricos trouxeram
reflexos para o panorama que se instaurou durante os trabalhos da Constituinte.
Deles podemos extrair várias preocupações.
A relação entre o Executivo e o Legislativo tem sido no decorrer da nossa
história fator de debates quanto à estabilidade democrática, seja pelo
pluripartidarismo representado no Congresso, seja pela agenda nacional no sentido
de atender e corrigir demandas nacionais complexas de toda ordem e diante das
suas peculiaridades, através de políticas públicas elaboradas pelo Executivo.
1. Como surge o conceito presidencialismo de coalizão.
Assim, bem posicionado em relação ao quadro da época, no tocante às
instituições, Sergio Abranches elabora obra intitulada Presidencialismo de coalizão:
o dilema institucional brasileiro .211 A obra se tornou um marco para estudos futuros,
211
No tema, podem ser consultados:
Adrián Albala & Josep M. Reniu. Los gobiernos de coalición y su incidência sobre los presidencialismos latinoamericanos: el caso del Cono Sur. Barcelona: Institut de Ciencies Politiques
Socials, 2011.
Diego Valadés. Reflexiones sobre la racionalización de los sistemas presidenciales. .In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais n. 9, julho/dezembro. Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008.
Jorge Viana Monteiro. O constitucionalismo de risco. In: Revista Administração Pública, n. 41. Rio de
Janeiro: FGV, 2007. 993-1006.
150
notadamente da ciência política, que se debruçaram sob os mais diversos enfoques
visando explicar, de forma teórica e empírica, as virtudes ou não desse desenho e
dessa prática denominada de presidencialismo de coalizão, buscando entender
como essas questões se entrelaçam na arena decisória de elaboração da política e
agenda nacional.
O tema presidencialismo de coalizão, conceito desenvolvido por Abranches,
surge da reflexão de que qualquer que fosse o mecanismo de governança
estabelecido pela Constituinte, este teria de conviver com uma profunda
heterogeneidade das demandas sociais. Isso por que212 uma explosiva acumulação
de conflitos distributivos e de exigências formuladas a um Estado que se encontrava,
no fim dos anos 1980, esgotado em sua legitimidade e em sua capacidade fiscal e
de gestão, apontava para as correntes profundas da história brasileira que teriam de
ser consideradas em qualquer desenho institucional.
Assim, segundo o autor, esse foi o dilema que se colocou para a Constituinte
no desenho institucional. Os mecanismos de governo teriam de combinar a eficácia
____. Governabilidade. In: Revista Administração Pública, n. 42. Rio de Janeiro: FGV, 2008. 767-77.
José Álvaro Moisés. Desempenho do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão (1995-2006). .In: Cadernos Adenauer n. 2. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2011.
Maurício Matos Mendes. Breves anotações sobre o presidencialismo de coalizão no Brasil. E-Legis n. 03, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009.
http://bd.camara.gov.br
Oswaldo Gomes dos Reis Junior. A relação Executivo-Legislativo e a construção de maiorias parlamentares em um ambiente de presidencialismo de coalizão: uma sistematização do debate.
Brasília: Unilegis, 2008.
Rogério Cardoso Machado. Uma reflexão sobre o papel da oposição parlamentar no contexto do presidencialismo de coalizão brasileiro. Brasília: Unilegis, 2008.
Reinaldo Sobrinho do Nascimento. Poder de Agenda: a supremacia do Poder Executivo e seus efeitos na sistematização da pauta do plenário da Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital da
Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br
Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo & Rafael Silveira e Silva. Apropriação da agenda do Legislativo: como aferir esse fenômeno? Textos para discussão n. 76, setembro. Brasília: Senado
Federal, 2010.
Vicente Palermo. Como se governa o Brasil? O debate sobre instituições políticas e gestão de governo .In: Dados v. 43 n. 03, Rio de Janeiro: Dados, 2000.
212Cf. Sergio Abranches. Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro. Dados, 31. Rio
de Janeiro: IUPERJ, 1988. Esta obra virou referencia para todos os estudiosos que se debruçaram sobre o fenômeno de presidencialismo de coalizão. p. 8.
151
decisória tradicionalmente associada aos sistemas políticos ditos majoritários - que
geram no aparelho estatal situações de maioria clara que consegue formar governo
e impor suas decisões dentro das regras vigentes - com a representatividade dos
modelos consensuais - cujo funcionamento permite a uma maioria de grupos
distintos influírem nas decisões, conquistando mais legitimidade
para o resultado
final e reduzindo os pontos de tensão.
2. Importância da experiência de Carta de 1946
Levando em conta a Constituição da República de 1946213, dados históricos
demonstram que a coalizão na época existente com o fim de obtenção de maiorias e
governabilidade se fazia após as eleições, segundo eixos partidários e regionais.
Nesse tipo de coalizão poderia ocorrer: a associação entre partidos pode se fazer ad
hoc, desconsiderando incompatibilidades programáticas, quando da montagem da
coalizão.
Tal mecanismo se fazia em bases clientelistas de distribuição de cargos e
benesses governamentais. As demandas por esse tipo de benefício poderiam
superar a capacidade ou a disposição do Presidente de concedê-los. O interlocutor
para a formação da coalizão era o Presidente da República, sendo epicentro de
qualquer conflito ou crise, fazendo com que a agudização das divergências entre
facções fragilizasse o próprio personagem que, supostamente, teria um papel
moderador.
3. O desafio institucional posto na Constituinte de 1988.
Assim, Abranches afirma que com essas características o presidencialismo de
coalizão, em qualquer crise, é pró-cíclico: o surgimento de qualquer problema social
que exige escolhas e imposição de perdas tende a provocar divergências entre os
213
Cf. Fabiano dos Santos, Op. Cit. 2003. Ao desenvolver análise do tema faz um paralelo sobre o
sistema vigente sob a égide da Carta de 1946, fazendo a analogia pela a Carta de 1967 e a EC 1969 até chegar na análise da Carta de 1988. Alerta que a análise deve ser feita no decorrer do tempo, pois vários fatores que hoje integram o conceito de presidencialismo de coalizão decorrem das situações históricas do passado e do seu desenrolar.
152
membros de uma coalizão, que arrastam o próprio Presidente, deixando frágeis e
divididos os atores de decisão exatamente no momento em que necessitam de
maior força política para enfrentar a crise. Nesse sentido, a ruptura da coalizão no
Executivo, ou a incapacidade de formá-la, prenuncia quase automaticamente um
conflito entre poderes, ou seja, as forças que deixaram a coalizão vão ter
preponderância no Parlamento.
Em outras palavras, segundo Abranches, com a coexistência das
características institucionais que move o universo político nacional,
o Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o presidencialismo imperial, organiza o Executivo com base em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, presidencialismo de coalizão.214
À evidência do dilema posto, o autor sugere
uma instância, com força constitucional, que possa intervir nos momentos de tensão entre o Executivo e o Legislativo, definindo parâmetros políticos para resolução dos impasses e impedindo que as contrariedades políticas de conjuntura levem à ruptura do regime. Por outro lado, este instrumento de regulação e equilíbrio do regime constitucional serve no presidencialismo de coalizão, para reduzir a dependência das instituições ao destino da presidência e evitar que esta se torne o ponto de convergência de todas as tensões, envolvendo diretamente a autoridade presidencial em todos os conflitos e ameaçando desestabilizá-la em caso de insucesso.215
Nessa medida, o enfoque atribuído ao denominado presidencialismo de
coalizão, acarretou em argumentos dos diferentes autores,216 gerando controvérsias,
sendo, estas, foco de vários estudos217.
214
Cf. Sergio Abranches, 1988. Op. Cit. p. 19.
215 Cf. Sergio Abranches, 1988. Op. Cit. p. 31.
216Argelina Cheibub Figueiredo. Instituições e Política no Controle do Executivo. In: Revista de
Ciências sociais. vol. 44, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2001. pp. 689 – 727
Argelina Cheibub Figueiredo. Formação, funcionamento e desempenho das coalizões de governo no Brasil. Trabalho apresentado no 5º encontro da ABCP, 26 a 29 de julho. Belo Horizonte, 2006.
153
Argelina Cheibub Figueiredo & Fernando Limongi. Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
____. Incentivos eleitorais, Partidos e Políticia Orçamentária. In: Revista de Ciências Sociais. v. 45,
n.2. Rio de Janeiro: Dados, 2002.
____. Mudança Constitucional, Desempenho do Legislativo e Consolidação Institucional.In: Revista de Ciências Sociais. v.10, n. 29. Rio de Janeiro: Dados, 1995. pp.175 – 200.
Arturo Velenzuela & Juan Linz. (Eds.). The Failure of Presidential Democracy. Baltimore: Johns
Hopkins University Press, 1994.
Carlos Pereira & Bernardo Mueller. Comportamento estratégico em presidencialismo de coalizão: as relações entre Executivo e Legislativo na elaboração do orçamento brasileiro..In: Revista de Ciências Sociais, v. 45, n. 2, Rio de Janeiro: Dados, 2002.pp. 265 – 301.
____. Partidos fracos na arena eleitoral e partidos fortes na arena legislativa: a conexão eleitoral no Brasil. .In:Revista de Ciências Sociais. v.46, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2003. pp.735 -771.
Fabiano Santos. O poder legislativo no presidencialismo de coalizão. Belo Horizonte: UFMG, Rio de Janeiro: IUPERJ, 2003.
Fátima Anastasia & Carlos Ranulfo Melo & Fabiano Santos Governabilidade e representação política na América do Sul. .In: São Paulo: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung e Unesp, 2004.
José Antonio Cheibub & Adam Przeworski & Sebastian Saiegh. Governos de coalizão nas Democracias presidencialistas e parlamentaristas..In: Revista de Ciências Sociais. v. 45, n. 2, Rio de
Janeiro: Dados. pp.187-218.
Octavio Amorim Neto & Paulo Tafner. Governos de coalizão e mecanismos de alarme de incêndio no controle legislativo das medidas provisórias . In: Revista de Ciências Sociais. v. 45, n. 1. Rio de
Janeiro: Dados, 2002. pp. 5 – 38.
Octavio Amorim Neto e Fabiano Santos. O segredo ineficiente revisto: o que propõe e o aprovam os deputados brasileiros. In: Revista de ciências Sociais. v. 46, n. 4. Rio de Janeiro: Dados, 2003.
Octavio Amorim Neto. In: The Presidential Calculus: Executive Policy-Making and Cabinet Formation in the Americas. Forthcoming in Comparative Political Studes. vol. 39, n. 6. 2006.
____. Presidential Cabinets, Electoral Cycles, and Coalition Discipline in Brazil..In: Legislative Politics in Latin America. Eds. Scott Morgnstern and Benito Nacif. New York: Cambridge University Press, 2002.
____. Gabinetes Presidenciais Ciclos Eleitorais e Disciplina Legislativa no Brasil. In: Revista de
Ciências Sociais. v. 43, n.2. Rio de Janeiro: Dados, 2000. pp. 479 – 519.
____ . Of Presidents, Parties and Ministers: Cabinet Formation and Legislative Decision-Making Under Separation of Powers’.Mimeo, University of California at San Diego, 1998.
Magna Inácio. Presidencialismo de coalizão e sucesso presidencial no Brasil. Trabalho apresentado
n. 52 encontro da ABCP, 26 a 29 de julho. Belo horizonte, 2006.
Scott Mainwaring & Matthew Shugart. Juan Linz, presidentialism, and democracy: a critical appraisal.
Working Paper, n. 200 July.
____. Presidentialism and Democracy in Latin America. Cambridge. Cambridge University Press,
1997.
154
Para nós, após a leitura da maioria das obras citadas, uma se destacou pela
forma esquemática e atual como expôs as três grandes vertentes sobre o
pensamento dessas correntes doutrinárias, no tocante ao conceito e aspectos do
presidencialismo de coalizão.
O texto intitulado Relações Executivo-Legislativo no Presidencialismo de
Coalizão: Um quadro de referência de Orçamento e Controle, de autoria de
Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, traz de forma clara o que ocorreu desde o
lançamento da obra de Abranches até 2012, e os desdobramentos sobre o
presidencialismo de coalizão.
O trabalho visa colocar todas as vertentes, motivo pelo qual, adotamos o
referido texto como ponto de partida para explicitá-las. Cabe ressaltar que mesmo
que estudiosos citados por este autor tenham sido alvo de análise por nossa parte,
faremos a remissão, conforme o próprio Bittencourt, para que a fidelidade da lógica
do texto, inclusive no tocante às inserções de referências bibliográficas fiquem em
conformidade com o estudo supra citado.
No que diz respeito às obras citadas como referência nesse ponto do nosso
estudo, a evidência de que em sua maioria os estudiosos partem da análise de
dados concretos através do dimensionamento de números de proposituras
apresentadas por cada poder, das emendas oferecidas pelo Legislativo em
propostas do Executivo, verificação da atuação das forças partidárias internas,
atuando em grupos, dentro do sistema como um todo, além do sucesso da agenda
de governo. Entretanto, para o presente estudo, esses números não serão citados,
apenas as conclusões a que eles resultaram na conclusão dos enfoques dados.
Scott Mainwaring. Presidentialism, Multipartism, and Democracy: The Difficult Combination.
Comparative Political Studies, v. 26, n. 2.1993.
217Julio César Silva. Organização legislativa e formação de coalizões em regimes presidencialistas:
elucidações sobre a teoria do presidencialismo de coalizões. Dissertação de Mestrado em Ciência
Politica. Recife: UFPE, 2007.
Maria Priscila Lapa. O papel do legislativo no processo orçamentário: explicações, modelos e teorias na ciência política brasileira. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Recife: UFPE, 2007.
Manoel Leonardo Santos. As teorias positivas de organização legislativa e as explicações sobre o Congresso Nacional. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Recife: UFPE, 2006
155
Aprofundando agora sobre o tema presidencialismo de coalizão, um
importante destaque que Bittencourt218 traz, quanto ao estudo desenvolvido por
Abranches, é que este levantou um ponto extremamente sensível e que diz respeito
ao momento em que a América Latina e os movimentos de democratizações
questionavam o sistema presidencialista como mecanismo institucional sob os
pontos de vista: crises de governos, legitimidade, sistemas e coalizões eleitorais,
mandatos com prazos fixos, questões plebiscitárias.219
De fato, Bittencourt, sublinha que, aliado ao processo de democratização, na
década de 1990, crises institucionais envolvendo conflitos Executivo-Legislativo sem
possibilidade de conciliação ordenada, com renúncias,
autogolpes e impeachments presidenciais, teve repercussão de que o regime presidencialista era um mecanismo institucional inadequado para qualquer nova democracia, isto porque tal sistema se mostrava com escassa flexibilidade para regular distintas alternativas do processo político e uma notável incapacidade de evitar crises de governo se transformar em crises de regime político.220
Essa conclusão permanece durante um tempo como verdade aparente, pois
haviam poucos dados comparados sobre democracias presidencialistas recentes,
motivo pelo qual, só depois de decorrido um bom período é que surge uma nova
visão, relativizando a posição anterior, pois ficou claro que a queda incessante de
presidentes eleitos e a frequência constante das crises presidenciais “fortaleceram a
percepção de que os regimes presidenciais tendem à instabilidade por sua própria
218
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. Relações Executivo e Legislativo no presidencialismo
de coalizão: Um Quadro de Referência para Estudos de Orçamento e Controle.Textos para discussão. Abril. Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2012. pp.1 - 47 219
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012, Op. Cit. p. 9.
220Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 21012. p. 10. O autor traz a contribuição do estudo de
Arturo Velenzuela & Juan Linz. (Eds.). The Failure of Presidential Democracy. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1997 p. 35, apud Chasquetti, 2008, p. 20, explicando que em termos cronológicos, a edição de 1997 é a tradução espanhola; a primeira edição sistematizada é de 1994 em inglês, mas o começo da circulação dos artigos de Linz com o essencial dessas ideias é identificado por Chasquetti em 1987). E ressalta que consta uma extensa lista de trabalhos nessa mesma linha de conclusões. Daniel Chasquetti . Democracia, presidencialismo y partidos políticos em América Latina: evaluando la ‘dificil combinación’. Montevideo: Universidade de República, 2008. p. 20.Para uma discussão crítica desse modelo conceitual, Scott Mainwaring. Presidentialism, Multipartism, and Democracy: The Difficult Combination. Comparative Political Studies, v. 26, n. 2.,
1993.
156
natureza e de que a maioria dessas crises poderiam ter sido resolvidas de maneira
menos traumática sob um regime parlamentar.”221
4. O contexto da América Latina e o presidencialismo.
A observação desse último estudo, com a constatação de que mesmo o caso
extremo das crises presidenciais em quase nenhum, na realidade, isso resultou na
ruptura institucional democrática, apesar dos riscos potenciais e com todos os
conflitos reais, o sistema presidencial manteve a governabilidade democrática em
toda a geografia do subcontinente, como ficou demonstrado em estudo analisando o
fenômeno cujo foco era de examinar as suas causas.222
O estudo conclui que “o argumento teórico original”, ou seja, os mandatos
fixos geram previsibilidade para o cálculo político; a legitimidade independente de
cada Poder é um fator importante para os checks and balances que representam,
mais que qualquer outra coisa, a garantia da democracia; a eleição presidencial
direta plebiscitária é uma abertura real da competição política a todos os setores
partidários e uma força no sentido da prestação de contas do governo à cidadania. A
partir desse desafio teórico, uma nova geração de estudos pôs-se a perguntar não
mais qual é o regime mais apropriado para a democracia, mas sim quais são as
melhores condições para que um determinado regime de governo alcance um bom
desempenho institucional.223
221Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. Cit. p. 10. Aqui ressalta o autor que para um mapa sistematizado dessas crises Aníbal Pérez-Liñan. Jucio político al presidente y nueva inestabilidad política em América Latina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2009. p. 77 – 111ss.. 222
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. Cit. p. 10. Citando o estudo de Pérez-
Liñan, 2009, p. 111.
223Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. p. 11. Este estudo também foi alvo de
análise por nós, sendo referencia para a maior parte dos trabalhos desenvolvidos sobre presidencialismo de coalizão.Thimothy Power & Mattew Taylor. Conclusion: the web of accountability institutions in Brazil. In: Thimothy Power & Cesar Zucco Junior (Org.). O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileiro. Belo Horizonte: UFMG, 2011.p. 134.
157
Em 1992, um novo estudo224 veio a discordar dessas posições. Os autores ao
concluir que os mandatos fixos geram previsibilidade para o cálculo político; a
legitimidade independente de cada poder é um fator importante para os checks and
balances que representam, mais que qualquer outra coisa, a garantia da
democracia; a eleição presidencial direta “plebiscitária” é uma abertura real da
competição política a todos os setores partidários e uma força no sentido da
prestação de contas do governo à cidadania. Assim, destaca Bittencourt que a partir
desse desafio teórico, uma nova geração de estudos pôs-se a perguntar não mais
“qual é o regime mais apropriado para a democracia, mas sim quais são as
melhores condições para que um determinado regime de governo alcance um bom
desempenho institucional”.
Aquilo que foi denominado, por Abranches, como uma difícil combinação, a
saber: sistemas presidencialista e multipartidário, torna-se alvo de estudos sob o
enfoque de quais são as melhores condições para um bom desempenho
institucional de governo.
5. A figura do Presidente da República.
A figura do Presidente foi então avaliada sob o enfoque: da hipótese de que
um Presidente que se originaria de um dos partidos teria seu peso no Legislativo
limitado ao peso de seu partido, e nessa posição de minoria, os incentivos
institucionais para a coalizão se tornariam pequenos.
Por outro lado, para o eleitorado, o relevante seria o parlamentar, o que não
coincidiria com o eleitorado presidencial. Assim, em decorrência desse quadro, o
custo de qualquer partido sair da coalizão seria baixo, pois não acarretaria na queda
do governo como ocorreria no parlamentarismo. Saída esta que seria menos
custosa se o Presidente estivesse frágil ou envolvido em problemas.
De nada adiantaria a existência de uma coalizão pré-eleitoral para
potencializar, em função de qualquer regra eleitoral, as chances de eleição tanto de
224
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, e tradução própria dele. Op. Cit. 2012. 11. O autor
traz a contribuição do estudo de Matthew Schugart & Jonh Carey. Presidents and Assemblies.
Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
158
Presidente quanto de legisladores, em nada assegurariam a sua duração com o fim
de obter maioria para as decisões de governo225.
Reportando ao referido estudo, Fabiano dos Santos226 leciona que
mesmo contra todas as apostas teóricas, os governos presidencialistas governavam sob o multipartidarismo, e encontravam soluções em grande parte dos países para tomar e implementar decisões e levar adiante seu programa político de forma mais ou menos organizada dentro dos marcos institucionais democráticos. Uma vez mais, um efeito cuja causa se teria de buscar: existem coalizões de governo eficazes, que promovem a interação entre Legislativo e Executivo sem conflito insolúvel, pois em vinte anos, o presidencialismo de coalizão deixou de ser descrito como um ‘dilema’ para ser entendido como a ‘política ordinária.
Dito de outra forma, as condições para a formação e manutenção das
coalizões estariam vinculadas a outros critérios que careciam de ser identificados.
Diante do exposto, a reflexão necessária se faz sobre quais critérios e
instrumentos a serem identificados que possibilitariam condições para sua formação
e manutenção desta forma de relação institucional entre esses poderes que estão
sendo utilizados para que ocorra uma estabilidade política.
6. Dos interesses dos parlamentares e seu comportamento.
Os instrumentos utilizados na relação institucional entre os poderes
Legislativo e Executivo ensejam várias respostas com foco nas relações
comportamentais dos parlamentares e de suas prioridades e as diferentes
abordagens teóricas.
225
Cf. Fabiano Santos. Patronagem e Poder de Agenda Política Brasileira. In: Revista de Ciências
Sociais. vol. 40, n.3. Rio de Janeiro: Dados. p. 28.
Fabiano Santos, remete aos estudos de Mainwaring, 1993, apud Chasquetti, 2008, p. 28. Ressalta que não se trata de idiossincrasia brasileira: grande parte dos países latino-americanos tem algum grau da “difícil combinação”: Equador e Peru, casos clássicos e contínuos no tempo; Bolívia antes da ruptura constitucional de 2004; Chile entre 1932 e 1973; em alguma medida Paraguai após 1989; Argentina após 1990 (em especial se leva em conta a natureza de verdadeiro partido das facções peronistas, por vezes mais enfrentadas entre si que com os partidos formalmente adversários).
226 Fabiano dos Santos, 2008. Op. Cit, p. 28.
159
Três grandes linhas se agruparam em função dos argumentos explicativos
principais, como leciona Bittencourt e todas elas coincidem em um ponto: que a
distribuição inicial de preferências no sistema partidário é um fator de grande
influência na dinâmica das coalizões e que a avaliação e medição do impacto da
configuração do sistema partidário consistem em fatores relevantes para discutir os
resultados destas coalizões.
Com base em seu estudo passaremos a discorrer sobre as vertentes e seus
respectivos autores.
7. A Primeira vertente: preponderância decisória do Executivo baseada no
poder de agenda institucional.
A primeira vertente enfatiza que não há propriamente conflito, mas uma
subordinação prática do Legislativo à agenda presidencial de políticas públicas, e
que esta subordinação teria origem fundamentalmente nas regras institucionais que
dão ao Executivo poder especial. Isso pode ser tanto de previsão constitucional,
quanto de normas infraconstitucionais, entre elas os regimentos internos das Casas
Legislativas, no sentido de encaminhar propostas de seu agrado e bloquear
iniciativas que lhe são contrárias na decisão parlamentar.227
O poder de agenda irá decorrer de prerrogativas de iniciar projetos de lei, as
condições para aceitação de aprovação de emendas, a prerrogativa de vetar
legislação, o rol de matérias pode tratar por decreto, as prerrogativas de convocação
de plebiscitos e referendos e de convocação de sessões legislativas extraordinárias,
os poderes para determinar a ordem do dia das votações, os prazos e o itinerário da
tramitação das proposições, as regras de quórum, dentre outros.
227Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt o estudo presente tráz uma lista exaustiva sobre os
referidos meios de itinerários de tramitação e regras, além de tantos outros, abrindo várias possibilidades, trazendo uma grande contribuição para o seu texto, de forma esclarecedora. Mercedes Garcia Montero. Presidentes y parlamentos: quien controla la acividad legislativa em América Latina?. Madrid: Centro de Investigaciones Sociológicas, 2009.p. 54.
Mais precisamente, [..] este poder es la capacidad de iniciativa política para insertar en la agenda política alternativas que correspondan a las preferencias o intereses de los actores. Esta capacidad engloba el derecho de formular y de expresar preferencias; el derecho de que sus preferencias sean consideradas enf orma igualitaria en las acciones de gobierno; el derecho de proponer, iniciar y modificar la lefislación, y el derecho de determinar nos ritmos y secuencias de procedimientos a lo largo del proceso de toma de decisiones [..].
160
Essa linha de argumentação tem como ponto central a dominância do
Executivo brasileiro em termos comparativos na América Latina. Nesses estudos a
importância do aumento do poder de agenda do Executivo seria decorrente da
alteração institucional do novo regime democrático, de 1988, vis-à-vis a Constituição
de 1946.
Nesse sentido é incisiva a assertiva de Fabiano dos Santos que ]
Do ponto de vista institucional, mudaram expressivamente os recursos de agenda em mãos do Executivo (...) O Executivo pode, atualmente, pedir, de maneira unilateral, urgência para a tramitação de seus projetos. Possui, além do mais, monopólio sobre a emissão de projetos que fixem o efetivo das Forças Armadas e aqueles de natureza financeira. Na seção 3 apresento uma explicação de como os recursos de agenda podem afetar positivamente a tendência majoritária na Câmara em favor das pretensões presidenciais. Por isso, a defesa, neste artigo, do argumento institucionalista, mas não no sentido macro, que faz menção unicamente a variáveis estruturais do sistema político. Defendo o argumento que mudanças nas regras que regulam o processo decisório, e não as instituições que formam a polis foram determinantes para a alteração da relação Executivo/Legislativo. A agenda compartilhada cedeu espaço para uma agenda imposta.228
Depreende da leitura que as regras institucionais de controle da agenda é o
centro da explicação de como o Executivo obtém cooperação do legislador não de
forma negociada, mas forçada229 pelo Executivo, pois, de fato, todas as decisões de
uma forma ou outra são por ele controladas. Isso acabaria por acarretar um
comportamento parlamentar residual ou mesmo predatório, que acabam “buscando
colher algum tipo de ‘prêmio de consolação’ por simplesmente manter a disciplina de
sujeição ao Executivo”.
Mas outras posições, quanto às possíveis variáveis, acreditam que o poder de
agenda é importante, mas não fecha o raciocínio quando o tema é coalizão, pois
dois fatores intervêm com mais força no controle da atividade legislativa: o desenho
228
Fabiano dos Santos, 1997. Op. cit. p. 11.
229Vicente Palermo. Como se Governa o Brasil? O Debate sobre Instituições Políticas e Gestão de
Governo. .In: Revista de Ciências Sociais. v 43, n. 3. Rio de Janeiro: Dados - IUPERJ, 2000. p. 8
161
institucional e as maiorias legislativas.230 Sob esse ponto de vista, o fato da
existência de fortes poderes institucionais para o Executivo não lhe assegura o
controle sobre a atividade legislativa, há a necessidade de se ter maioria através de
negociações de produtos legislativos.231
No Brasil, o quadro institucional partidário e a possibilidade de obter maioria
são, na realidade, extremamente difíceis. Para obter vitória em sua proposta, o
Presidente necessitará de coalizões, independentemente de poder extraordinário de
agenda.
Assim, para essa vertente, os instrumentos legislativos à disposição do
presidente foram frequentemente mal interpretados: considerados como incentivos a
excluir, devem ser entendidos como incentivos para alterar a disposição dos
congressistas, fazendo-os cooperar - já que é melhor para seus próprios interesses -
, ajustando seus passos ao poder de agenda do Presidente.232
Com efeito, as certezas próprias de uma autoridade concentrada, exercida
sobre atores que se limitam a cooperar de forma submissa, não parecem ser
capazes de explicar a posição do parlamentar, esses instrumentos devem ser
entendidos como incentivos para alterar a disposição dos congressistas, buscando
uma cooperação com o fim de efetivar a sua agenda.
8. A segunda vertente: preponderância decisória do Executivo baseada na
transação de interesses.
Há outra corrente que aborda um complexo jogo de transações que se
estabelece entre o Executivo e os parlamentares, na troca de apoio parlamentar por
uma série de concessões extremamente importantes para cada legislador, sob essa
perspectiva há várias concepções sobre o que Executivo troca pelos apoios
parlamentares de que necessita.
230
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ao se referir ao estudo de Mercedes Garcia Montero,
anteriormente já citado. p. 273.
231Idem
232Vicente Palermo. Como se Governa o Brasil? O debate sobre instituições Políticas e Gestão de
Governo. In: Dados, v. 43. N.3. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2000 p. 8.
162
No caso brasileiro, um dado é de extrema relevância e deve ser levado em
consideração para análise: é o índice de voto pessoal como sendo o mais alto do
mundo, portanto isso se traduz em incentivos do parlamentar para buscar esses
bens de interesse político individual.233
Se por um lado o índice de voto pessoal no Brasil é considerado como o mais
alto do mundo, os incentivos do parlamentar tomam um enorme vulto nas
negociações individuais, pois da satisfação destes decorrerá a continuidade do seu
mandato, através de reeleição ou acesso a outro cargo político de seu interesse.234
Esses benefícios devem ser distribuídos em uma circunscrição geográfica
específica, como meio de permitir a um único parlamentar ser reconhecido como o
benfeitor cujo eleitor terá a certeza que o parlamentar influenciou a sua alocação,
sem se dar conta da sua condição de contribuinte.
A denominação para esse fenômeno é pork que quer dizer rubricas de
despesa orçamentária, que direcionam os recursos públicos para obras e serviços
de natureza local. Em nosso sistema constatamos esta realidade na denominada
pratica das emenda orçamentária de iniciativa do parlamentar. Visando veicular
233 Apesar de temos estudado a bibliografia de Leany Barreiro de Sousa Lemos & Paolo Ricci. O individualismo e partidarismo na lógica parlamentar: o antes e o depois das eleições. In: Power & Zucco, 2001, p. 212. Ressaltamos as considerações feitas por Bittencourt no tocante ao estudo que entre as causas desse primeiro lugar em voto pessoal, estariam “o predomínio das campanhas eleitorais personalizadas dos parlamentares; a incapacidade dos líderes de partido para selecionar os candidatos, assim como para imporem alguma disciplina durante a tomada de decisões no Congresso; e a competição intrapartidária [..]”. 234 Cf, Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt esclarece ao analisar toda a doutrina sobre o conceito bastante familiar da “conexão eleitoral”, que propõe como motivação principal do comportamento parlamentar o interesse de obter vantagens eleitorais. Na versão original que analisa a realidade norte-americana, o objeto da conexão eleitoral é explicitamente a reeleição para o mesmo posto (Arnold, 1991, apud Figueiredo & Limongi, 1999, p. 196, e Mayhew, 1974, apud Samuels, 2000, p. 481; Mayhew é também utilizado como ponto de partida teórico em Avelar & Cintra, 2007, pp. 154-155; para uma síntese da teoria em português, Lemos & Ricci, 2011, pp. 211-213). Porém, a assimilação entre sobrevivência política e reeleição (portanto, no mesmo cargo), vem sendo fortemente desafiada, tanto em caráter geral (por exemplo, para países que simplesmente vedam a reeleição como México e Costa Rica – cf, Samuels, 2000, p. 482.) mas também e especificamente para o caso brasileiro. Segundo estas visões alternativas (Samuels, 2000; Llanos, 2007, p. 193), os cargos legislativos não seriam uma opção permanente para o político brasileiro, mas apenas “pontos de passagem” para cargos no Executivo federal, estadual ou municipal que trariam mais vantagens à sua carreira política. Em qualquer caso (ou seja, mesmo se aceitamos esta relativização da reeleição), o fundo do argumento permanece o mesmo: o parlamentar tem por objetivo uma determinada posição eleitoral (quer seja no parlamento, quer seja em qualquer outro cargo eletivo), e terá o apoio dos eleitores para conquistá-la em função de determinada conduta como parlamentar, tal como percebida pelos eleitores.
163
determinada despesa de seu interesse com a alteração ao orçamento enviado pelo
Executivo, o parlamentar apresenta emenda ao orçamento 235
Há a possibilidade, bem destacada por Bittencourt, de que é perfeitamente
possível que a negociação possa incluir a inclusão dessa despesa já na própria
proposta enviada pelo Executivo.236 Como bem explicita, esse ponto de vista é
corroborado por estudos de outras atribuições do Legislativo, como a produção
legislativa, defendida por pesquisas que associam o voto parlamentar ao
atendimento do interesse de gasto apontado pelas emendas de sua autoria, o que
faria mesmo com que a negociação sobre essas despesas seja um mecanismo
fundamental na manutenção da estabilidade das coalizões articuladas pelo
Presidente da República.237
A atividade parlamentar em busca do pork foi alvo de pesquisa realizada junto
aos próprios parlamentares federais238. Nos relatos dois âmbitos foram constatados
de atribuições na instituição legislativa: o nacional, relacionado à produção de
normas e políticas gerais para todo o país, visto como primordial, consagrado na
Constituição e declarado como mais nobre e importante; e segundo o regional, o
ponto de vista do eleitor. Descrevem a si mesmos como obrigados pelas
expectativas do eleitor a dedicar-se mais à defesa da região do que a fins
supostamente mais nobres ou voltados à função legislativa por excelência.239
235Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt.e a sua tradução. First, benefits are conferred on a specific geographical constituency small enough to allow a single congressman to be recognized as the benefactor. Second, benefits are given out in such a fashion as to lead constituents to believe that the congressman had a hand in the allocation. Third, costs resulting from the project are widely diffused or otherwise obscured from taxpayer notice. (Ellwood & Patashnick, 1993, p. 23, tradução nossa). A definição também é mencionada em Pires Júnior, 2006, p. 86. 236Consultar as obras já referidas por nós: Ames (1995, 2001); Carey & Shugart (1995); Mainwaring (1999); Bittencourt (2008); Ames; Pereira; Rennó, 2011 (pp. 261-268). 237Bittencourt ressalta que estas observações não dependem de um eventual juízo de valor positivo ou negativo em relação ao pork. Existem posições na literatura que enfatizam as distorções econômicas que uma política centrada em pork pode trazer para o conjunto da sociedade, enquanto outras sustentam que se trata de mecanismo salutar para a qualidade da representação democrática (para uma breve resenha desse debate, cf. Ames; Pereira; Rennó, 2011, pp. 245-247).
238Marcos Otávio Bezerra.; Em nome das bases: política, favor e dependência pessoal. In: Dumará:
Núcleo de Antropologia da Política. Rio de Janeiro 1999, pp. 42-46 e 262-265.
239Para enriquecer a explanação Bittencourt remete na prática administrativa brasileira o orçamento aprovado não necessariamente será executado, este papel de intermediação junto à União depende de dois momentos básicos, o da elaboração do Orçamento (abertura de dotações orçamentárias que autorizem a destinação dos recursos ao município de interesse) e o da execução (ação de intermediação junto às agências executoras do orçamento para que os valores autorizados sejam
164
A definição constitucional do parlamentar é a de um formulador de políticas e
regras nacionais, mas uma definição prática sobrepõe a esta um papel de defensor
e mediador dos interesses do estado e de grupos específicos de eleitores.
Assim resume Bittencourt,
O interesse do parlamentar em reeleger-se - ou eleger-se a outro cargo de seu interesse, para o que depende do mesmo eleitorado - faz com calcule suas ações presentes em termos das repercussões que teriam na decisão de voto de seus eleitores nas próximas eleições, e a sua percepção disseminada é a de que essa repercussão será função do volume de benefícios de caráter particularístico que consegue captar de maneira perceptível ao eleitor, sendo de pouca valia a atuação parlamentar tradicional - elaborando projetos de lei, discutindo no plenário e em comissões, etc. 240
Lemos e Ricci analisando dois surveys mais recentes - feitos entre 1997 e
2005 e em 2009, demonstram que a maioria dos membros do Congresso Nacional
entrevistados, em todos os partidos, insiste que os eleitores exigem que o
congressista atue de acordo com práticas clientelistas241.
Consta em referido estudo que dentre essas demandas clientelistas
percebidas estão em elevadíssima proporção - superior a 90 % - aprovar e obter a
execução de emendas orçamentárias. Essa posição percebida do eleitor é
compatível com a visão teórica de que a focalização nas questões locais aumenta a
capacidade do eleitor em obter informações acerca do desempenho dos
parlamentares, e gera maior interesse por tais questões afetarem mais diretamente
o seu cotidiano; com efeito, um survey recente conduzido em duas cidades
realmente gastos). No mesmo sentido – a relativa fragilização do poder parlamentar em função da natureza autorizativa do orçamento – cf. Santiso, 2007, pp. 148 e 163. Corroborando o relato da auto-percepção valorizando ao extremo o papel de “obtenção de recursos” para as respectivas regiões, (Nolte, 2007, p. 117) apresenta um survey com parlamentares de Argentina, Brasil e Chile.
240 Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012, op. Cit. p. 19
241Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. Lemos & Ricci, 2011, p, 215. 56
Lemos & Ricci, 2011,
pp. 217-218. Lembra Bittencourt, que também são consideradas como práticas clientelistas demandadas pelo eleitorado, em proporções igualmente elevadas, as visitas e contatos diretos com eleitores, o atendimento ou encaminhamento de demandas dos eleitores individuais e dos prefeitos e demais lideranças locais junto aos órgãos públicos e privados (o casework tradicional, que ocorre também nos países cuja competição eleitoral se dá em torno de partidos fortemente organizados – Lemos & Ricci, p. 218).
165
brasileiras sugere uma marcada preferência de eleitores por que o seu
representante ajuda o município frente a que se dedique a projetos de interesse
nacional.242
Além do exposto há a questão relativa à obtenção do recurso federal que
passa pela integração das lideranças políticas locais, pelos prefeitos, relações
políticas, as “bases eleitorais”, que definirão ações de intermediação do parlamentar
em votos na próxima eleição, em outras palavras, além do seu eleitor, há uma
relação entre o parlamentar e uma estrutura política local a ele vinculada que se
beneficia desse processo de intermediação. Isso pode ser traduzido nas questões
relativas e financiamento de campanha por grupos locais que dependem desta
relação com o parlamentar para obter, através desta mediação, outras fontes de
recursos.
Para Ames, Pereira e Rennó, há a hipótese para a vinculação do interesse
parlamentar individual à realização de obras ou despesas específicas, em
decorrência de interesses de troca de favores entre o parlamentar e os particulares
interessados em serem contratados para executá-la, e como retribuição ao
parlamentar com recursos financeiros ou materiais, em geral para financiamento de
campanhas eleitorais.243
Quanto à prática orçamentária, estudos apontam que tal prática de empresas
e fornecedores contratados para executar as obras resultantes das emendas de
escolha do parlamentar com o financiamento de campanha custeado por esses
potenciais beneficiários refutam taxativamente a hipótese de que é o benefício ao
eleitorado que move a conexão eleitoral no Brasil, tornando, dessa forma, uma
grande dificuldade de caracterizar e compilar informação sobre uma eventual
vinculação entre emendas orçamentárias e interesses de empresas contratadas244.
242
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. p.
243 Obras também já referendadas por nós. Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 251.
Ames; Pereira;
Rennó, 2011, pp. 253-256. 244 Neste sentido Bittencourt traz as bibliografias de. Lima & Miranda, 2006. p. 344. Samuels, 2002.
No mesmo sentido, Pires Júnior, 2006, p. 88.
“Ao se interrogar as pessoas sobre a relação entre parlamentares, prefeitos e empresas tem-se, portanto, a sensação de que se está claramente entrando num assunto socialmente censurado e sobre o qual se prefere guardar silêncio”. Bezerra, 1999, p. 74.
166
Quanto aos cargos, retomamos a própria noção de coalizão que abre a
possibilidade de coparticipação de seus aliados nos cargos de responsabilidade
política. A coalizão com o governo e o compromisso que dela decorre usualmente se
traduz em acesso a cargos,245 como recursos e prerrogativas de formulação de
políticas públicas246 ou pelo menos deveria ser assim. Desde sempre os políticos
brasileiros dão valor a isso. Durante a Carta de 46, esse acesso se dava após uma
vida política atuante, sendo o Congresso Nacional a porta para as designações.
Por outro lado há quem afirme que esse universo é bastante contido de uma
parcela pequena dos postos a distribuir, pois cada administração pública detém
centenas ou milhares de cargos políticos preenchidos por critérios discricionários de
confiança do chefe do Executivo em todos os graus hierárquicos de cada cargo com
seu acesso a determinados recursos de poder e sua atratividade para segmentos
específicos das bases.247
Note-se que o “processo de formação de coalizão frequentemente levou ao
‘leilão’ de ministérios e empresas estatais em troca de apoio legislativo; os políticos
assumem estas agências visando não necessariamente servir ao interesse público,
mas levantar fundos de campanha e construir ou fortalecer redes clientelas”.248
245
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt referente ao estudo de Pereira, Power & Raile, 2011.
p. 38.
246 Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta ao utilizar o estudo de Praça; Freitas; Hoepers (2011, p.6), que este parte dessa ênfase pode dever-se à atribuição de maior relevância da posição ministerial em termos da sua capacidade de influenciar as decisões de política pública; outra possibilidade para isso é a pura e simples dificuldade de rastreamento e contabilização da afiliação partidária dos milhares de cargos políticos nomeados por toda a extensão da administração pública. 247Mais uma vez, apesar de termos estudado a bibliografia referente ao estudo de Rennó, esta consideração agora posta é de Bittencourt. (Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 241). Assim, um determinado parlamentar pode estar interessado em contar com um aliado poderoso, relevante no financiamento de sua campanha, na presidência de uma grande empresa estatal; já outro pode ter interesse direto em ver um integrante de seu comitê político nomeado chefe de uma pequena unidade local de um órgão burocrático (como a previdência social ou o serviço postal) no seu município de origem. Assim, os diferentes perfis dos cargos a nomear atendem a diferentes demandas da estrutura política de sustentação dos partidos e dos legisladores. Em especial, a capacidade de intervir diretamente nas decisões do Executivo está correlacionada com a própria efetividade das transferências pork, na medida em que estas somente se materializam se o Poder Executivo liberar os respectivos recursos financeiros, o que na prática se faz discricionariamente, Esta discricionariedade dá ao Executivo uma extraordinária capacidade de alavancagem de seu poder de barganha (Ames; Pereira; Rennó, 2011, p. 241). 248
Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt fazendo referência a Power & Taylor, 2011A, p. 264
167
E Bittencourt constata que essa dimensão de distribuição de cargos no
executivo e sua vinculação com estratégias de gestão de coalizão são
significativamente maiores do que apenas a divisão do ministério.
Estes cargos podem servir como compensação a políticos que perderam eleições ou de algum outro modo “sacrificaram-se” em benefício do partido; como prêmios (spoils) aos quais os maiores partidos têm direito em maior proporção; como cargos que dão oportunidade à corrupção aproveitada por figuras nebulosas como o líder partidário Valdemar Costa Neto; e como cargos importantes ocupados majoritariamente pelo partido formador da coalizão. Em suma, eles não devem ser ignorados por nenhum analista do sistema político brasileiro.249
O que na realidade atual representa ter esse acesso a cargos em Ministérios
ou Gabinetes, não se restringe, como parte da doutrina preceitua, a somente os
cargos de alto escalão. O que se vislumbra é a divisão das pastas, com toda a sua
estrutura, em que se detém não só um mecanismo de elaboração de política pública,
mas sim um gama enorme de nomeações paralelas internas nas estruturas
burocráticas. Poderia ser esta prática algo semelhante ao do pork, como rol de bens
que serviriam de alavanca para a formação de coalizões. Derrubando por terra os
argumentos daqueles que afirmam ser elaboração de políticas públicas em
conjunto.250
249Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt e sua tradução. It is easy to understand, then, why pundits and politicians alike ascribe great importance to the distribution of political appointment spoils. They are seen as compensation for politicians who lost elections or otherwise “sacrificed” themselves for the sake of the party (see Jardim 2011a; Jardim 2011b); as spoils to which the biggest parties are entitled a larger share (see Folha de S. Paulo 2010); as corruption-prone offices taken advantage of by shady figures such as party boss Valdemar Costa Neto (see Folha de S. Paulo 2011a); and as important offices occupied mostly by the formateur party (see Scolese and Leite 2007 and Bragon and Iglesias 2011). In sum, they are not to be ignored by any analyst of the Brazilian political system. (Praça; Freitas; Hoepers, 2011, p.5). 250Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta que o estudo de Praça; Freitas; Hoepers ( 2011; 2011A) "são estudos que trabalham especificamente com a distribuição de postos políticos de todas as hierarquias aos componentes da coalizão governamental federal. Para enfoques semelhantes em outros países latinoamericanos, cf. BID, 2007, p. 66 (Bolívia) e Jones & Hwang, 2007, pp. 226-227 (Argentina). Raile, Pereira e Power, 2010. Esse texto está voltado especificamente para o caso brasileiro. Araújo; Pereira; Raile, 2010; Araújo; Pereira; Raile, 2008. O primeiro texto é a versão mais ampla do modelo aqui apresentado, tanto em termos teóricos (incorporando as concessões em termos de políticas) quanto pela apresentação de um estudo empírico para toda a América Latina. O segundo texto representa um exercício anterior, mais formalizado, também abordando empiricamente somente o caso brasileiro, Pereira; Power; Raile, 2011, extraem conclusões e fazem referência ao modelo aqui apresentado. Apresentamos esta descrição como “repartição de cargos” para fins de fácil visualização: os modelos analíticos conceitualizam
168
Esses são os dois recursos que o Poder Executivo possui e usa para firmar as
suas coalizões, que vão desde distribuição de bens pork, como as emendas
orçamentárias até o loteamento de cargos de direção política. 251
O primeiro aspecto diz respeito a um dado curioso. Esses dois tipos de
benefício variam inversamente à popularidade do presidente: com um presidente
muito popular, a ocupação de cargos tende a ser altamente valorizada - pela
visibilidade eleitoral dos membros do grupo político como próximos a um governo
valorizado pelo eleitor -, e mesmo a capacidade de extrair transferências fica menor,
pois é maior o custo de ser visto como oposição a um governo bem avaliado. Já um
presidente em baixa nas pesquisas de opinião - ou um lame duck que encerra o
mandato sem perspectivas de reeleição ou eleição de um sucessor próximo - terá
dificuldades em atrair membros para aparecerem ao eleitorado como
corresponsáveis pela sua gestão, e terá de oferecer mais pork para atrair um
potencial membro da coalizão - visto que este terá incentivos para afastar-se de
forma a não ser identificado com uma força em queda.252
Também a distância ideológica do presidente em relação a cada partido a
coligar influencia a composição relativa entre nomeações e transferências: quanto
mais próximo ideologicamente do presidente for um partido, mais atraente será para
o presidente conceder-lhe cargos de poder, que serão utilizadas para executar
abstratamente esse instrumento como “bens políticos” ou “bens de coalizão”, cuja manifestação concreta pode incluir “membership in the formal pro-government coalition, cabinet posts, patronage, and campaign assistance” (Araújo; Pereira; Raile, 2010, p. 8). 251Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, um modelo que incorpora toda a caixa de ferramentas do executivo brasileiro para gerenciar suas coalizões é o apresentado por Raile, Pereira e Powe
e Araújo, Pereira e Rail Reconhecendo que a literatura acumula ampla e documentada constatação de que tanto a distribuição de pork e a repartição de cargos de direção política existem e são utilizadas para a formação de coalizões, os autores dão um salto analítico para apontar que os Executivos implementam estratégias que utilizam múltiplas ferramentas que estão em suas caixas de ferramentas, pois não há razão para crer que os processos decisórios do Executivo ou os efeitos desses diferentes instrumentos sejam independentes. Deste modo, o relacionamento com os parlamentares por meio de distribuição de pork (emendas, basicamente) e de cargos faz-se de maneira integrada, como partes de uma estratégia integrada conduzida pelo Executivo, que lança mão de cada recurso em função da relação custo-benefício para o atingimento de seus objetivos legislativos e governamentais. 252Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt assinala que as críticas de natureza formalista poderiam alegar que “concessões de políticas” seriam variáveis dependentes num modelo dessa natureza, cujo objetivo é discutir os custos e meios de obtenção da própria aprovação da política. Tais críticas, porém, perderiam o ponto central da teoria, que é detectar como o executivo mobiliza recursos para alcançar seus objetivos de política; se as concessões são aceitáveis, significa que os objetivos são compatíveis com o novo conteúdo negociado.
169
políticas que provavelmente serão mais próximas de suas próprias preferências; por
outro lado, entregar ministérios a partidos ou grupos políticos mais distantes de suas
posições políticas carrega para o presidente um risco maior, o que pode levá-lo a
preferir usar as transferências monetárias para os partidos mais distantes.
Por fim, outro elemento da “caixa de ferramentas” é a própria concessão que
o executivo admite fazer no conteúdo das políticas que quer ver aprovadas; ao
colocar na mesa concessões parciais, o executivo destrava as possibilidades de
negociação na medida em que abre a possibilidade de concretizar transações
incrementais -, ou seja, de negociar caso a caso a aprovação de sua agenda.
Caso esse item não entrasse na “caixa de ferramentas”, ou seja, caso
vinculasse rigidamente o sucesso de sua agenda a uma aprovação integral das
políticas propostas -atitude “take it or leave it” -, o executivo estaria impondo a si
próprio um limiar muito alto de risco: as “apostas” começariam muito altas, exigindo
desde o começo do jogo um volume elevado de recursos de pork e nomeações.
Ao incorporar as concessões de política, baseado na presunção razoável de
que um governo em democracia não terá razões para tomar como inaceitável toda e
qualquer modificação que se proponha em qualquer de suas proposições, o modelo
permite ampliar o escopo da compreensão da negociação e captar todo o espectro
de situações em que o executivo aceita perder uma parcela dos benefícios que
esperava de certa política para que o custo que tem de pagar em transferências
monetárias e cessão de cargos políticos seja aceitável e menor que o benefício
daquela porção de sua política que seja efetivamente aprovada.
Assim, a relação entre Poderes é descrita nessas concepções como uma
transação entre um Executivo desejoso de avançar a aprovação de sua agenda e os
parlamentares - individualmente ou em grupos organizados que podem
corresponder aos partidos ou mesmo representar facções dentro deles - transações
estas cuja “moeda” é composta por transferências monetárias (pork), distribuição de
cargos de responsabilidade política e concessões no próprio conteúdo da política.
A configuração das coalizões é sempre passível de mudança, em função da
posição dos legisladores em relação a cada conjunto de proposições de governo, e
exige do presidente um gerenciamento (coalition management) que utilize, a cada
momento, a proporção adequada de cada um desses recursos para negociar com
170
cada um dos parlamentares ou grupos253. Reforçando o sentido de gestão,
deliberada e sistematizada, estão os repetidos alertas de que a eficácia da formação
das maiorias é tanto maior quanto mais experiente for o governo no exercício desse
papel254, e tanto maior quanto por mais tempo se confirme a sua prática dando
segurança aos diferentes jogadores de que as barganhas serão cumpridas ao longo
do tempo.255
9. A terceira vertente: preponderância decisória entre o Executivo e o
Legislativo baseada na gestão transversal do Poder pelos Partidos.
Para alguns autores não há a possibilidade de atribuir ao Congresso um
comportamento onde o apoio legislativo é trocado pela liberação de verbas
orçamentárias ou cargos, esta barganha dependeria do pressuposto de que
parlamentares e Executivo teriam agendas que podem desafiá-los em seu poder
explicativo. Partem do pressuposto que parlamentares e Executivo teriam agendas
253Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, 2012. Op. cit. ao referir-se ao estudo. “The empirical evidence supports our proposal that an executive uses particularistic goods like pork to produce marginal variance in legislative support after doling out longer-lasting coalition goods and gauging bargaining leverage based on factors like popular support or lame-duck status.” (Raile, Pereira e Power, 2010, p. 9). “The model examines how executives construct voting coalitions in an ongoing manner, essentially focusing on active coalition ‘management’ rather than the ideas of coalition formation and the more passive “survival” one sees in the parliamentary literature”. (Araújo; Pereira; Raile, 2008, pp. 25-26). 254Cf. Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt. No Brasil, essas barganhas têm credibilidade porque são parte de um jogo repetido entre atores que tendem a ser participantes do cenário político por muito tempo. Presidentes podem ser reeleitos e os líderes partidários, que atuam como intermediários nessas transações são membros antigos da política nacional, assim como o são muitos dos legisladores individuais, os quais têm boas chances de reeleição. Se o governo viesse a descumprir com frequência as promessas implícitas feitas durante essas trocas, desmoralizaria os instrumentos de negociação que possui e as coalizões se desfariam. (BID, 2007, p. 173). 255 Outra discussão, que Bittencourt levanta, é de que contrasta esse modelo brasileiro de coalizão com circunstâncias históricas em que os instrumentos da “caixa de ferramentas” operam é a análise o caso equatoriano, no qual o presidente tem muito menos capacidade de deliberar sobre alocações orçamentárias, os legisladores (até 1995) não eram eleitos por listas abertas, os cargos de natureza política (no ministério e na burocracia) são pouco valorizados por baixa remuneração e uma alta rotatividade no seu exercício, e o presidente não pode ser reeleito para um período imediatamente subsequente (reduzindo a perspectiva de continuidade no tempo das concessões à coalizão). O resultado disso é a trajetória mais instável do ambiente de formulação de políticas públicas não e mesmo de estabilidade das instituições democráticas sujeitas a frequentes crises de grande intensidade.
171
próprias e com pontos divergentes, uma vez que uma seria implementada a
despensa de outra256.
Acreditam que os legisladores possuem interesses homogêneos,257 em outras
palavras, os programas privilegiados por ambos os poderes seriam os mesmos, e
como justificativa é a constatação de que os programas mais bem aquinhoados de
recursos pelo Executivo em sua proposta mantêm essa proporção privilegiada ao
final do processo de aprovação pelo Legislativo, significando que as prioridades são
as mesmas.
Alertamos para um dado que para nós é essencial e extrema relevância, que
para essa vertente análise fica à margem do esperado, pois não avaliam as leis
orçamentárias e seus desdobramentos.
Com efeito, não teorizam tais pressupostos sem um fundamento empírico,
pois alegam que o funcionamento “integrado” da formulação de políticas públicas
entre o Executivo e um Legislativo relativamente autônomo encontra respaldo, por
exemplo, no presidencialismo norte-americano e no parlamentarismo alemão. Para
tanto, relacionam a distribuição das despesas pelos diferentes programas
governamentais segundo o poder proponente como um indicador das prioridades
políticas de cada poder, mas adotam uma definição de ‘programa’ que não
corresponde à atual, mas sim a um conceito muito mais agregado, onde a principal
variável explicativa é de conteúdo genérico tomando por base a “coincidência de
agendas”.258
Assim, Bittencourt esclarece para atingir essas definições, esses autores
enxergam as coalizões no presidencialismo como mecanismos transversais, pelos
256Cf. Bittencourt, 2012. Apesar de termos estudado as obras aqui referidas, neste contexto a citação de Bittencourt. Figueiredo & Limongi, 2008 –– Figueiredo & Limongi, 2002; Figueiredo & Limongi, 2003; Limongi & Figueiredo, 2005 – ou de “partes da pesquisa” – Limongi & Figueiredo, 2001A; Limongi & Figueiredo, 2001B; cf. Figueiredo & Limongi, 2008, respectivamente pp. 9 e 10.
Cabe ressaltar que estes autores após uma síntese do argumento referido, tendo em vista que eles próprios consta também em Limongi & Figueiredo, 2009. eles próprios atribuem a esta última pesquisa o caráter de síntese final das conclusões dos trabalhos anteriores (atribuem aos trabalhos anteriores o caráter de “resultados parciais”
257Cf. Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi. Política orçamentária e presidencialismo de
coalizão. Rio de Janeiro: FGV, 2008, p. 151.
258Cf. Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. Cit. p. 153.
172
quais os mesmos grupos259
ocupam posições no Executivo e um determinado
número de cadeiras legislativas; portanto neste sentido, a própria agenda do
Executivo é resultado de barganhas protagonizadas pelos mesmos grupos que irão
discuti-la dentro do Legislativo. “Logo, não há propriamente o que trocar. As
agendas são complementares. Afirmamos que, ao liberar as verbas definidas por
meio de emendas individuais, o Executivo estaria executando sua própria agenda, à
qual parte dos legisladores estaria associada politicamente”.260
Nessa visão, o presidente confere a um determinado grupo ou partido, por via
da nomeação para um ministério ou órgão executivo, não só o bônus imediato -
ganhos imediatos e diretos que os cargos proporcionam -, mas também o ônus e
bônus de formular e implementar as políticas a cargo do novo ocupante.
Em outras palavras, “ocupar um ministério significa identificar-se com as
políticas do governo e responsabilizar-se por seu sucesso (...) o partido que recebe
uma pasta passa a ser responsável pela formulação e implementação da política na
área de competência de seu ministério“261.
Com efeito, esclarece Bittencourt, a ideia é de que esse partido não passa a
possuir a referida política, mas também a adquire a responsabilidade de defendê-la
perante o Legislativo. Tal atribuição decorre do fato de que a “barganha” não seria
entre presidente e legisladores, mas dentro do próprio Executivo, onde os diferentes
representantes de cada partido nos postos-chave do gabinete negociariam entre si
para obter mais prioridade para suas próprias prioridades, o que resultaria na mãe
de todas as barganhas travada entre os ministros responsáveis por gastos e aqueles
que controlam a pasta de finanças responsável pelo resultado final do governo262.
259Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt ressalta que rigorosamente, o texto fala de partidos, mas o argumento é geral o suficiente para abrigar a possibilidade de existência de grupos ou facções dentro de partidos, como por exemplo: bancadas estaduais sob a liderança de governadores, agrupamentos ligados por lealdade pessoal de determinado cacique político; etc. A agenda que se manifesta é construída politicamente, que leva, portanto, em conta as reações do Legislativo, isto é, antecipa suas reações. Na realidade, mais do que isso, é uma agenda cuja elaboração não deixa inteiramente alheio o Poder Legislativo. Não se trata, propriamente, de uma agenda do Executivo, mas sim de uma agenda da maioria. Nesses termos, não apenas antecipa, mas incorpora a reação de parte do Legislativo. (Figueiredo & Limongi, 2009, p. 100).
260 Cf.
Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. cit. p. 152.
Cf. 261
Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008. Op. Cit, p. 153 - 154 262
Angelina Cheibud Figueiredo & Fernando Limongi, 2008.Op. cit. pp. 152-153.
173
Dessa forma, a esse modelo caixa de ferramentas se coloca sob uma ótica
inversa ao que já nos referimos anteriormente. Aqui, nessa visão, de nomeações em
cargos, as transferências monetárias e as concessões no conteúdo das políticas
públicas, não decorrem de troca entre o Executivo os grupos políticos no Legislativo,
ao contrário, este mecanismo se traduz em instrumentos de coalizão realizado com
base na negociação intraexecutivo, resultando na modelagem das políticas.
No que tange às despesas, estas seriam um reflexo direto e automático,
dessa negociação resultado do consenso entre as frações de cada um dos grupos
instaladas no âmbito do Executivo e do Legislativo e, mesmo as transferências
propostas pelos parlamentares no ciclo orçamentário são apresentadas a um projeto
de iniciativa do Executivo, e sua efetividade dependerá da coordenação entre os
Poderes para que as autorizações do orçamento inseridas pelos parlamentares
sejam efetivamente desembolsadas pelo Executivo. 263
Assim, para esses autores tal mecanismo de elaboração de políticas públicas
e coordenação, decorrentes da coalizão, concretizando um compartilhamento do
poder decisório, é que abre a possibilidade do Executivo antecipar as posições dos
parlamentares e incorporar suas possíveis reações e prioridade em sua própria
agenda, podendo ainda utilizar a tramitação legislativa como um meio de calibrar os
diferentes interesses da coalizão.
Nessa medida, em decorrência desses arranjos, poderá até ocorrer uma
aparente usurpação ou apropriação da agenda dos legisladores por parte do próprio
Executivo na apresentação como medidas provisórias ou como projetos de lei de
sua iniciativa, em matérias de iniciativa parlamentar, já trabalhadas no âmbito do
Legislativo, na adoção de ideias semelhantes ou até mesmo cópias literais de
dispositivos de proposições legislativas em trâmite, pelo Poder Executivo264.
263
Concordamos com Bittencourt que esta concordância não é posta como automática, mas um
resultado a perseguir em conjunto por todos os partidos da coalizão, a quem caberia disputar e conquistar os cargos de poder dentro do Legislativo, que serviriam como alavanca para completar o poder de agenda já bastante amplo do presidente. 264
Cf. Rafael Silveira silva & Suely Mara Vaz Guimarães Araújo. Apropriação da agenda do
Legislativo: como aferir esse fenômeno? Texto pra discussão. Centro de Estudos da Consultoria Legislativa. Brasília: Senado Federal, 2010. p. 2. Disponível http://www.senado.gov.br/conleg/textos
_discussao.htm.
174
Mas outra investigação sobre o comportamento parlamentar na propositura de
iniciativas legislativas, com o objetivo específico de testar hipóteses distributivistas,
traz conclusões que são compatíveis com modelos de relação Executivo-Legislativo
que refutam a barganha por pork ou cargos, como alavanca central da formação de
coalizões, em que a constatação é de que nas proposições legislativas que
predominam propostas de benefício difuso são mais frequentes aquelas que não
fazem referência direta a indivíduos, empresas, grupos ou localidades do que
aquelas cujo âmbito de beneficiários é concentrado em um determinado grupo,
região ou empresa.265
Mas isso decorre de previsão constitucional, onde os parlamentares não
podem criar despesas sem dotação orçamentária compatível e segundo as diretrizes
do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, desta forma prioritária de concessão
dos benefícios na legislação proposta pelos parlamentares é a regulatória, limitada a
sua atuação em transferência de recursos, por não deter poderes de iniciativa.
Mas um olhar mais atento sobre a amostra permite visualizar que as
proposições sob análise foram as referidas a leis e não a questões orçamentárias, e
assim, sem dimensionar verbas quaisquer, acabam por concluir que o Legislativo
acolhe-se voluntariamente a um determinado perfil institucional, com baixa
capacidade de mobilização para aprovação de suas propostas legislativas.
II. DAS CRÍTICAS AO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO.
Após colocado todo o contexto sobre o presidencialismo de coalizão, somente
agora poderemos realizar as reflexões críticas sobre esse mecanismos de
governabilidade, e para tanto nos recorremos das lições de Lucio Rennó em estudo
intitulado Críticas ao Presidencialismo de coalizão no Brasil266, onde o autor elabora
texto explicitando a relação entre o Legislativo – Executivo.
265
Cf. Leany Barreira Lemos. O Senado Federal Brasileiro no Pós-Constituinte. Org. Edições Unilegis
de Ciência . Política. n. 4, 2001.
266 Cf. Lucio Rennó. Críticas ao Presidencialismo no Brasil: processos institucionalmente constritos ou
individualmente dirigidos? .In: Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. p.
258.
175
De pronto, assinala, esse autor, que o Poder Executivo possui vários recursos
de poder, dentre eles o controle sobre o orçamento, uma burocracia repleta de
cargos comissionados e mecanismos legislativos que facilitam o controle da agenda
do Legislativo. Esses recursos facilitam que o Executivo seja iniciador das propostas
legislativas e de formulação de políticas públicas.
Nesses termos, define o Poder Legislativo como local de negociação política
última para a aprovação das leis e, portanto, há a necessidade do apoio do
Legislativo para que o Executivo possa governar, transformando a arena do debate
político e o lócus onde dá a palavra final às propostas legislativas, assim, o eixo da
reflexão é a formação de maiorias no Congresso.
A questão-chave do debate atual sobre o funcionamento do presidencialismo
de coalizão diz respeito, como vimos anteriormente, sobre em que termos se dá a
negociação entre Executivo e Legislativo e se os parâmetros dessa negociação nas
diversas administrações, desde 1988.
Rennó267 ressalta que as críticas a essa forma de presidencialismo podem ser
dividas em três.
A primeira afirma que o sistema não permite a governabilidade já que os
incentivos institucionais levam à paralisia decisória ou ao alto custo de negociação
entre o Executivo e Legislativo, que ocorrerá de forma individualizada entre
Deputados e Presidente.
A segunda porque admite que o sistema funcione com a discussão
programática entre partidos, mas com base num regime de troca de recursos
financeiros legais, para a obtenção de cooperação dos deputados, intermediada por
lideranças partidárias, que envolvem desde cargos até emendas orçamentárias.
Serão as lideranças partidárias da base aliada e o Poder Executivo que irão discutir
os aspectos programáticos das propostas legislativas.
Ambas as críticas acima descritas possuem um enfoque comum: a
construção de maiorias dentro do Legislativo e os mecanismos usados pelo
Executivo para obter a cooperação dos Deputados Federais.
267
Cf. Lucio Rennó, 2006. Op. cit.p. 258 e ss.
176
E a terceira crítica parte do pressuposto de qual é a real natureza da relação
do Executivo e Legislativo, se é de delegação ou se é de ação unilateral, e ainda, se
os termos em que se fundam varia no tempo.
Nessa perspectiva o presidencialismo de coalizão, como desenho
institucional, não condiciona de forma fixa funcionamento uniforme nas distintas
administrações que governaram o país, o comportamento dos atores pode gerar
incentivos contraditórios que ampliam a margem de manobra de governantes e dão
espaço para que a sua capacidade individual tenha papel central nas relações com a
base de apoio no Congresso e na formação de maiorias.
Estudos apontam que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi o que
mais chegou próximo de um governo de coalizão de estilo europeu, e mais
recentemente concluíram que, desde o governo Sarney até Lula, os ministérios tem
sido formados de maneira multipartidária com maior ou menor grau de fragmentação
e heterogeneidade ideológica, o que mais ampliou o número de partidos, chegando
a nove, foi o governo Lula.268
III. A RELAÇÃO INSTITUCIONAL ENTRE OS PODERES
Os princípios são o cimento jurídico da legitimidade, a
espinha dorsal da teoria das Constituições, no século XX
(...) A soberania popular é o povo, o criador, o autor da
Constituição, aquele que, na sua função criativa, produz,
transforma, emenda e reforma a Carta em seu percurso
existencial, fazendo-a monumento da liberdade e
pedestal do Estado de Direito. Constituição que não vem
do povo nem lhe concretiza a vontade soberana não é
Constituição.
Paulo Bonavides
268
Cf. Marcelo Figueiredo. Op, cit. p. 183.
177
Várias são as perceptivas nefastas desse perfil delineado contra a Carta de
1988, com a prática do presidencialismo de coalizão. Procuraremos demonstrar de
forma esquematizada, quanto aos reflexos desse arranjo institucional, viola e
neutraliza princípios constitucionais de elevada magnitude.
1. O princípio do Estado Democrático de Direito
O primeiro deles diz respeito ao Estado Democrático de Direito. Nesse sentido
algumas reflexões devem ser postas, visando demonstrar que esse princípio é
violado na sua essência quando podemos constatar.
A primeira maneira de burlar a formação democrática de uma norma jurídica,
diz respeito ao devido processo legislativo. Esse amesquinhando em consequência
da legitimidade das normas jurídicas produzidas em desrespeito a efetiva
participação no decorrer dos seus procedimentos de elaboração, debate, discussão
e aprovação das leis, além do princípio da discussão nas comissões, que deveriam
se traduzir em uma maior arena de debates.
Os usos contínuos de medidas prevendo urgência com a substituição desses
órgãos colegiados, via requerimentos de urgência para acelerar a tramitação de
determinadas matérias, com o intuito de burlar o sistema comissional, forçando
reuniões em comissões mistas pela falta de tempo hábil para a devida apreciação
acarreta na designação de relator pela Mesa, em que este muitas vezes profere o
seu parecer oral de última hora em plenário, fica claro que a participação
democrática resta prejudicada.
1.1. As medidas provisórias e sua inserção na Carta de 1988.
Quanto ao uso indiscriminado da espécie legislativa medida provisória, até
porque este possui força de lei a partir da sua publicação e tramita em regime de
urgência, traduz numa violação expressa ao princípio do Estado Democrático de
Direito.
Devemos lembrar que a da inserção das medidas provisórias no texto
constitucional ocorreu sem a aprovação da Assembleia Nacional Constituinte. Vale a
pena relembrar os fatos decorrentes desta prática.
178
O Regimento Interno da Constituinte estabelece três etapas para a elaboração
do novo texto constitucional. Na primeira seriam votados, em primeiro turno, o
Projeto de lei constitucional, as emendas e os destaques propostos por
parlamentares constituintes. O resultado dessas seria então o Projeto (A). Na
seguinte este projeto aprovado em primeiro turno, seria submetido a um processo de
sistematização, antes da votação do segundo turno. A sistematização destinava-se a
corrigir erros de inconsistência na indexação e nas referencias internas dos
dispositivos no Projeto (A). A terceira etapa da sistematização, a saber, o Projeto
(B), denominado vencido no artigo 28, seria encaminhado a votação em segundo
turno. No segundo turno só poderiam ser apresentadas e votadas às alterações no
vencido através de emendas supressivas ou corretivas, estas relativas a omissões,
erros ou contradições, inclusive os de redação, e no prazo de 15 dias, conforme
artigo 29.
Dispositivos foram inseridos ferindo as normas regimentais e o devido processo
de votação, por terem sido colocados no texto constitucional, após deliberação do
plenário, denominado por alguns como a fraude a Constituição, que causaram
algumas distorções no texto, causando problemas a serem gerenciados até hoje,
como foi o caso da espécie legislativa da medida provisória269.
O modo pelo qual ela figura na Carta de 1988, segundo José Afonso da Silva270,
“foi obra de um gênio qualquer, de mau gosto, ignorante e abusado que introduziu
aí, indevidamente, entre a aprovação do texto final - portando depois do dia 22.09.88
data da votação em Plenário e a promulgação – públicação da Constituição no dia
5.10.88”.
Não vamos aqui discorrer sobre tais fatos, mas devemos fazer uma releitura da
vontade do Constituinte Originário, quando vários doutrinadores afirmam ter sido a
sua vontade. Mas esse tema resultaria em mais uma tese, se pretendessemos
desenvolvê-lo. Apenas gostaríamos de registrar que a sua existência não resultou
269
Estudos analisando a fraude ao processo constituinte brasileiro, vide:
Adriano Benayon & Pedro Antonio Dourado de Rezende. Anatomia de uma fraude à Constituição.
Brasília: 2006. disponível em: http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.htm
270 José Afonso da Silva, 2006, Op. Cit. p. 527
179
de vontade da Assembleia Nacional Constituinte, como alguns autores afirmam ter
sido, para justificar o enfoque por eles dados ao estudo desse instituto.271
Esse fato demonstra como as forças que estavam atuando durante o regime
militar dentro do Legislativo ainda se achavam no direito de burlar a participação
popular e o processo constituinte. Remanescentes desses seguimentos consideram
o Legislativo ainda um curral para ser tomado conta, principalmente quando
desmerecem a importância do sistema comissional adotado pela Carta de 1988.
A primeira gande distorção nas relações institucionais diz respeito ao uso
continuo das medidas provisórias,272 que como acabamos de ver, não foi escolha do
271
Cf. Fernando Limongi & Argelina Cheibub Figueiredo. Executivo e Legislativo na nova ordem
constitucional. Rio de Janeiro: FGV, Fapesp, 2001.
272 No tema, podem ser consultados:
André Terrigno Barbeitas. A reedição de medidas provisórias: exemplo marcante de decisão de cunho político do STF.In: Boletim Científico ano 1, n. 2, jan./mar., Brasília: ESMPU, 2002.
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93. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
Clèmerson Merlin Clève. Medidas provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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Celso Antônio Bandeira de Mello. Perfil constitucional das medidas provisórias.In: Revista de Direito
Público n. 95, julho-setembro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990.
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Brasília: 2006.
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Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br
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quinta-feira, 19 de outubro de 2006.
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Ricardo José Pereira.Rodrigues As ordens executivas nos Estados Unidos. v. 5 n. 5, out. Brasília:
Plenarium, 2008
181
constituinte originário, muito menos do cidadão brasileiro. Essa combinação resulta
da nefasta relação entre o domínio que o Executivo exerce sobre a pauta do
Legislativo, apesar de os dois poderes serem, em teoria, autônomos e
independentes.
A falta de disposição dos congressistas para honrar duas de suas principais
tarefas: ser protagonista de legislar e servir de contrapeso a manifestações imperiais
do governo de turno, manifestar-se em decorrência de uma estrutura posta ao seu
desserviço com o fato da centralização decisória ocorrer nas mãos dos Líderes e da
Mesa Diretora das Casas.
Na prática alguns parlamentares que aceitam essa imposição e buscam
priorizar na fila de votação das medidas provisórias, sabendo que elas terão de ser
votada, incluindo emendas de seus interesses. Esta oportunidade acaba por
promover um festival de emendas, trazendo a tona uma nova confirmação a matéria
editada, desfigurando o seu conteúdo original. Comumente denominadas pelos
próprios parlamentares de emendas: jaboti ou de contrabando.
Marco Aurélio Sampaio. Medida provisória, diálogo constitucional e a falácia de usurpação de poderes legislativos pelo Executivo. In: Revista de Direito do Estado, ano 1, n. 4. out./dez. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006.
Carlos Augusto Setti. O poder e o risco da caneta. Uso indiscriminado de medidas provisórias pelo Executivo provoca insegurança jurídica e ameaça a harmonia entre os Poderes. Ano XI, n. 84,
Brasília, OAB Nacional junho de 2000.
STF, Adi 3964/MC-DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 12/12/2007, disponível em: www.stf.jus.br;
STF, Adi 4098/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 07/08/2009, disponível em: www.stf.jus.br;
STF, Adi 4049/MC-DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 05/11/2008, disponível em: www.stf.jus.br;
STF, Adi 4050/DF, Rel. Min. Menezes Direito, j. 13/03/2008, disponível em: www.stf.jus.br;
Artigo 64, A Constituição e o Supremo, Disponível em: www.stf.jus.br;
STF, Med. Caut. Em Mandado de Segurança 27.931-1, Rel. Celso de Mello, j. 16/12/2009, disponível
em: www.stf.jus.br;
STF, Med. Caut. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.049-9/MC-DF, Rel. Carlos Britto,
disponível em: www.stf.jus.br
Michel Temer. Com a resolução sobre as medidas provisórias, pretendo levantar a cabeça do Legislativo. Brasília, segunda-feira, 13 de abril de 2009, ano 8, n. 2231, disponível em
http://www.camara.gov.br
182
Assim, isso resulta no fortalecimento da continuidade de edição de medidas
provisórias, formando políticos especializados em introduzir itens sem nenhum
interesse público, realizando grandes negociatas com acesso garantido a aprovação
final de matérias de seu interesse, seja pelo fato dessa prática traduzir em um
quadro no qual não há desgaste político, seja pelo fato de que a tramitação ordinária
de um projeto de lei é lenta e não garante uma vitoria no final.
Muitas modificações foram feitas nos textos originais dessa espécie legislativa
pelos próprios membros do Parlamento, que se utilizaram dessa prerrogativa para
alterar substancialmente o teor das medidas provisórias originais, entre os ardis está
à possibilidade de apresentação no relatório técnico às vésperas da votação da
medida provisória.
Isso além de impossibilitar aos outros parlamentares a possibilidade da
devida análise criteriosa do conteúdo de todos os artigos e emendas apresentados
antes sobre essas matérias incluídas não ordem do dia, culminando em uma
votação relâmpago. Cabe ressaltar que tal prática se tornou usual e se intensificou
em gestões de Presidente da Câmara dos Deputados que defenderam o embute em
medida provisória, abrindo o caminho para e gerando precedente para que os
parlamentares em geral fizessem o mesmo.
Tramitam propostas de EC com o objetivo de proibir a inclusão de assuntos
sem relação com objeto original, mas ainda está pendente de aprovação. Em
consequência, uma enorme uma insegurança jurídica pode ser sentida. Mais agora
urge providências quanto às emendas parlamentares denominadas jabotis ou
contrabando nas medidas provisórias desfigurando o seu objeto e atendendo a
interesses particulares, por exemplo: a MP sobre financiamento habitacional passou
a tratar da emissão de títulos da divida pública brasileira ao Banco do Nordeste e da
doação, pela Casa da Moeda, de 100 milhões de cédulas ao Haiti.
1.2. Os trabalhos das Comissões e sua importância
A segunda distorção às relações institucionais diz respeito ao sistema
comissional do Legislativo e sua importância. Devemos recordar que esta questão
nos debates nas audiências públicas da Assembleia Nacional Constituinte, em torno
da sua importância podem ser resumidas em três pontos: da falta do tempo para o
183
debate no âmbito das comissões permanentes ou mistas, em decorrência do
número elevado de matérias; do regime de urgência inviabilizando o processo
legislativo e, por fim, das necessidades de aumentar os mecanismos visando sanear
a ausência de suporte técnico para fornecer aos parlamentares mecanismos para
proceder a análise correta tecnicamente, quanto ao mérito e quanto as normas
constitucionais com o objetivo de alcançar uma conscienciosa decisão.
Com o advento da Carta de 1988, a importância do sistema comissional
preconizado na Carta Magna e toda a sistemática e funcionamento da atuação do
Legislativo em que está inserido o papel das comissões, por nós denominados de
miniplenário, é de suma relevância para a concretização dos princípios
constitucionais democráticos. Na Carta de 1988 as comissões estão previstas no
artigo 58, Seção VII Das Comissões.
Mas serão nos Regimentos Internos que se concentrarão as regulamentações
sobre: área de atuação, competência e procedimentos a serem observados. No
Senado a previsão encontra-se no Regimento Interno, no qual constam
conceituação, área, procedimentos de reuniões, atas elaborações de pareceres,
recursos ao plenário dentre outras. Na Câmara dos Deputados também foram
esmiuçados todos os detalhes relativos às comissões.273
Por serem órgãos que tem por objetivo ampliar e multiplicar as arenas de
decisão sofrem ataques sistemáticos no sentido de burlar a participação tanto dos
próprios parlamentares, como da sociedade como um todo.
A maior importância do sistema de comissões é a multiplicação das arenas de
decisão no interior do corpo representativo, ampliando oportunidades de
participação autônoma dos legisladores na produção de políticas públicas,274 além da
sua dinâmica complexa, sob forte controle partidário e o pleno desenvolvimento de
outras atividades multiplicando os espaços dando margem a ação distributiva
necessária à democracia.
Para visualizarmos no que consistem esses espaços de arena, de forma
resumida iremos expor como ocorre a linha de trabalho desses órgãos a partir da
274 Cf. Fabiano.Santos . Patronagem e Poder de Agenda na Política Brasileira. Dados, n. 40. Rio de
Janeiro: UPERJ,1997
184
distribuição da propositura pela Presidência da Casa, sim é o Presidente quem diz
em quais comissões serão os trâmites de qualquer projeto, documento ou mesmo
processo, lógico que se segue a distribuição do Regimento Interno, mas em caso de
duvida permanece o despacho de distribuição, podendo ser revisto através de
requerimento ao plenário.
Depois de decorrida pauta regimental para conhecimento e apresentação de
emendas pelos membros de cada Casa, a propositura deve seguir para as
comissões para as quais foi distribuída.
Sempre falarão a Comissão de Assuntos Econômicos e a Constituição,
Justiça e Cidadania, nessa ordem, mas, no período entre as duas, a comissão de
mérito falará. Isso porque há necessidade de avaliar os aspectos: constitucionais,
legais e jurisdicionais sempre, com raras exceções como as leis orçamentárias que
pela sua relevância e especificidade são analisadas em comissão mista. As outras
matérias necessariamente também serão analisadas pela comissão que irá avaliar e
aquilatar as questões orçamentárias.275
Uma vez devolvido com manifestação a proposta, nesta fase se denomina
desta maneira porque esta só tornará parecer quando aprovada, deverá a mesma
ser colocada em discussão. Durante a discussão poderá outro membro solicitar
vistas do projeto e da referida manifestação e na sua devolução a referida comissão
poderá apresentar um voto em separado, que é a sua manifestação. Ambas as
manifestações serão colocadas em discussão para a deliberação e a que for
aprovada será o parecer resultado da comissão sobre o projeto em questão.
Depois de discutido, colocado em votação, os senhores parlamentares darão
seus votos. Esse parecer aprovado receberá um número posterior juntamente com
os demais das outras comissões. A propositura só retornará às Comissões caso
receba emenda de plenário, e isso só ocorre quando ela é colocada na Ordem do
Dia, após consulta ao Colégio de Lideres, mas isso não quer dizer que existe uma
275
Para a importância do tema, vide: Eber Zoehler Santa.Helena. Como tornar adequada
orçamentária e financeiramente uma proposição legislativa. Biblioteca Digital da Câmara dos
Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: http://bd.camara.gov.br
185
vinculação para o Presidente elaborar a pauta, pois esta consiste em competência e
única da sua discricionariedade.276
Após a aprovação dos pareceres deveriam ser publicados antes que as
referidas proposituras fossem incluídas na Ordem do Dia para discussão e votação.
Ressalta-se novamente que a Ordem do Dia é elaborada pelo Presidente da Casa
discricionariamente quando não há nenhum regime de urgência.
O que impede os trabalhos normais das comissões é prática nociva, visando
burlar o poder fiscalizatório desses órgãos e, consequentemente, da sociedade. Não
podemos esquecer o papel relevante das Comissões, em especial dos
Parlamentares de Inquérito no seu papel importante de fiscalização dos outros
Poderes. Estes tiveram importante papel durante o regime de exceção e ainda
continuam a atuar de forma fiscalizadora dos demais poderes, são instrumentos
específicos de uma particularidade única, não tendo simetria com as demais.277
Assim, uma assertiva deve ser posta: a preocupação quanto ao
funcionamento das comissões. Estes órgãos não possuem um orçamento próprio
para desenvolver de forma mais aprofundada e contam com estruturas sempre
atuais para a realização dos seus trabalhos,278 o que acarreta em muito a sua
independência para análise das matérias.
Um estudo da análise sobre pedir ou não urgência em proposituras em
trâmite nas comissões foi realizado utilizando modelos instrumentais da literatura da
escolha racional desenvolvida pelo Congresso dos EUA. Este tipo de analise
apresenta para o contexto brasileiro, traduzido no modelo informacional. Esse
sistema parte da premissa que as comissões são capazes de especializar e adquirir
informação a respeito dos projetos e também decidir estrategicamente quanto desta
informação será revelado ao plenário.
276
Cf. Flavio de Souza Braz. Estudos sobre o funcionamento das Comissões. Fase instrução do
processo legislativo. Comissões Parlamentares. Disponível em: www.al.sp.gov.br
277Cf. Luís Roberto Barroso. Comissões parlamentares de inquérito e suas competências: políticas,
direito e devido processo legal. Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Renovar. p.
97-139.
278 Cf. Paulo Casseb, 2008,. Op. cit. p. 257.
186
Os pontos de partida dos testes aplicados recaíram sobre discricionariedade
de decisão de pedir ou não urgência. Foi encontrada forte evidencia de que a
probabilidade de urgência aumenta a medida que aumenta a distância entre as
preferências medianas da comissão e do plenário, em outras palavras, as comissões
com preferências extremas tendem a receber pedidos de urgência com frequência e
conclui que tal pràtica estaria prevista pela teoria informacional.
O estudo resultou na conclusão de que as comissões representativas do
plenário são os que teriam maior chance de reduzir a incerteza, pois estariam em
equilíbrio com o plenário, de modo que nelas seria menor a probabilidade de
pedidos de urgência.
Outro estudo analisou a característica da arena de espaço público no âmbito
das comissões. Mas, por ter esta característica de ser mais uma arena de espaço
público, outro estudo foi realizado levando em consideração três perguntas gerais. A
primeira indagação procurou saber a possibilidade das comissões permanentes e
especiais em processar, discutir e analisar projetos antes de serem transformados
em normas jurídicas, a segunda buscou identificar se havia alguma diferença entre
as comissões permanentes e especiais em conseguir aprovar proposições e, por
fim, a terceira procurou saber se existem mecanismos ou instrumentos regimentais
que favoreçam algum ator no avanço de proposições.
Do processo centralizado, influência do Executivo, da Mesa e dos Líderes na
desvirtuação da rota normal dos trabalhos, aliado ao uso rotineiro das comissões
especiais. A constatação que chega o referido estudo é alarmante.
Quanto à resposta à primeira indagação, o estudo constata que o modelo de
organização congressual brasileiro é influenciado pelo sistema norte-americano,
balizando seus fundamentos teóricas no sistema de comissões permanentes. No
entanto, não se configura em uma organização institucionalizada que obedece a um
rígido processo de tramitação e de seleção interna, mas trata-se de um processo
marcadamente centralizado, decorrente de determinadas regras legislativas que
garantem ao Poder Executivo, aos Líderes dos Partidos, na Mesa Diretora, e ao
Colégio de Líderes um papel central na condição do processo legislativo e na
definição do sistema de comissões.
187
A forma de controle do Líder e da Mesa Diretora ocorre através da escolha de
parlamentares fiéis para cargos de comando nas comissões, o que permite a prática
do veto ou do bloqueio de ação de interesse do Líder.
Já a forma de influência do Poder Executivo se realiza através de
instrumentos constitucionais, regimentais e políticos, visando impor suas prioridades
e preferências na agenda interna das Casas e, caso contrariado, possuem meios
diversos de contornar as comissões, inclusive meios de forçá-las a cooperar ou punir
seus desvios.
Em resposta à primeira questão, o estudo conclui que o Poder Executivo
possui condições de garantir que suas proposições sejam aprovadas de maneira
rápida e segundo os seus interesses de mérito, o que prejudica diretamente outros
atores do processo legislativo, que, agindo individualmente, encontram resistências
em conseguir aprovação de proposição de sua autoria.
Como consequência dessa preponderância, houve substancial aumento da
fragilidade das comissões parlamentares que não conseguem produzir expertise e
informações autônomas, além da alteração do ritmo de análise das proposituras,
desfigurando assim as funções precípuas desses órgãos informadores, uma vez que
não é obrigatória uma rota de tramitação decorrente do poder constitucional de
legislar garantido ao Presidente da República e da centralização do poder decisório
nas mãos dos Líderes dos partidos no Congresso.
Em conclusão as outras duas perguntas, a autora resume em dois itens. O
primeiro é sobre a capacidade das comissões permanentes em processar, discutir e
analisar projetos antes de serem transformados em norma jurídica, pois essa
capacidade é muito baixa e, na prática, não há incentivos para o fortalecimento de
suas atribuições legislativas.
Em segundo lugar após a comparação de desempenho alcançado pelas
comissões permanentes especiais, no que diz respeito à aprovação de proposições
legislativas, a constatação é que as primeiras são quantitativamente superiores em
cerca de 40% a mais, mas em sua maioria as matérias não são polêmicas e sim de
baixo impacto financeiro e político.
Quanto às comissões especiais, pelo fato do Poder Executivo ter muitos
projetos de sua autoria, tornam-se normas jurídicas.
188
O estudo ainda constata que, diante dos dados coletados, constatou-se que
é frequente o uso de diversos instrumentos pelo Poder Executivo, inclusive a opção
por comissões especiais, para avançar na agenda política. Mas o seu sucesso está
diretamente aliado ao apoio dos Líderes Partidários da base governista.
Conclui a autora do estudo, que o sistema Brasileiro não se encaixa em
nenhuma das três correntes teóricas do neoinstitucionalismo: a distributivista, a
informacional e a partidária correspondem à realidade congressual brasileira, no
tocante as comissões, e esclarece o porquê de tal assertiva.
Em comparação com o modelo distributivista, o que ocorre na Câmara dos
Deputados é exatamente o contrário, pois a atuação individual do parlamentar é
extremamente frágil, o que acaba dificultando os atendimentos de interesses
particularistas advindos da arena eleitoral, pois, apesar as comissões estarem
constituídas por áreas temáticas claramente definidas, existe a dificuldade em
viabilizar os interesses específicos de sua clientela, pois não há a certeza de que a
tramitação de proposituras importantes aconteça no âmbito das comissões e nem há
garantias de vitória no plenário.
A questão central do modelo informacional, a produção de expertise ficam
prejudicadas pelo fato de que as tramitações rápidas não favorecem a
especialização dos membros das comissões temáticas nem a melhoria da qualidade
das matérias apreciadas. Apesar de existir instrumentos regimentais terminativos de
comissão, não há indício da sua aplicação na prática.
Por fim, quanto à questão partidária, não há indícios da ingerência dos
partidos políticos no processo decisório, mas sim a dos Líderes Partidários que
detêm o poder de centralizar os principais encaminhamentos da prática legislativa,
pois a indicação de um determinado parlamentar para compor uma comissão está
condicionada aos interesses pontuais e momentâneos de seus Líderes, ou seja, a
ação partidária feita por intermédio das comissões fica prejudicada.
Diante desse quadro, a autora finaliza “que é inegável que esse contexto,
gerenciado pelo Executivo, representa empecilho ao fortalecimento da Instituição e
seu sistema de comissões”.279 E ainda ressalta não ser possível estabelecer uma
279
Cf. Oliveira, 2004. Op. cit. p.73.
189
lógica inequívoca de funcionamento das comissões, apesar de se constatar que há
fatores que favorecem sua atuação pró-ativa no processo decisório, entretanto há
outros fatores que impedem que esses órgãos desempenhem adequadamente a sua
função, como já ressaltamos anteriormente.280
Para concluir, cumpre salientar que o sistema de comissões multiplica as
arenas de decisão no interior do corpo representativo, ampliando oportunidades de
participação autônoma dos legisladores na produção de políticas públicas,281 além da
sua dinâmica complexa, sob forte controle partidário e o pleno desenvolvimento de
outras atividades, multiplicando os espaços, dando margem a ação distributiva
necessária à democracia.
2. O desrespeito aos princípios informadores das leis orçamentárias.
O Ministro Carlos Ayres Britto, asseverou que as leis orçamentárias traduzem
na legislação infraconstitucional mais importante para o país, depois do texto
constitucional propriamente dito.
A partir dessa assertiva que iniciaremos a reflexão sobre o segundo ponto
cujo presidencialismo de coalizão, instituído da forma como se encontra, fere os
princípios constitucionais.
Aqui se estabelece o segundo ponto que, para nós, fere alguns princípios
basilares: diz respeito à questão orçamentária e a sua importância.
2.1. A importância das leis orçamentárias no sistema constitucional da
Carta de 1988.
A Constituição Federal de 1988 define, na Seção II, do Capítulo II, do Título
VI, reserva um espaço de destaque para a tributação e o orçamento do Estado. As
principais regras a serem seguidas pelos poderes constituídos estão ali esculpidos,
isso porque a importância das leis orçamentárias na vida cotidiana de todos nós
280
Cf. Marta Mendes da Rocha & Cassio Felipe Barbosa. Regras, incentivos e comportamento: as
comissões parlamentares nos Países do Cone Sul. In: Revista de sociologia e política. V.16 número
suplementar.ago. Curitiba: UFPR, 2008 93-104. p.101
281 Cf. Fabiano Santos, 1988. Op. Cit.
190
cidadãos se faz presente desde as mínimas necessidades até mesmo na condução
de importantes políticas públicas, dentre elas saúde, educação, segurança pública,
infraestrutura e uma justiça eficiente.
O artigo 165 prevê que leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: “I
– o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; e II – os orçamentos anuais”. O
plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e
metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas
decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.
A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e às prioridades da
administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício
financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá
sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação
das agências financeiras oficiais de fomento.
2.2. Elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento
O artigo 99, § 1º da Constituição Federal prevê a importância da fase de
elaboração da lei de diretrizes orçamentárias, na qual serão estabelecidos os limites
e os parâmetros para a elaboração da proposta orçamentária, determinando que
deva ser efetuado conjuntamente com os demais Poderes, inclusive na participação
do procedimento de cálculo dos valores monetários.
Daí decorre os limites ao Poder Executivo na alteração das propostas
originais a ele encaminhadas, bem como é vedada a tentativa de fixar limite máximo
para as despesas, mesmo que por forma de emenda constitucional, quanto ao
montante de recursos a ser destinado ao Poder Judiciário e ao Pode Legislativo282. A
proposta orçamentária, para ser incorporada na proposta orçamentária anual, tem
que seguir os dispositivos constitucionais delimitados e, principalmente, observar a
Lei de Diretrizes Orçamentária, que também é anual e estipula as metas para a
elaboração da lei orçamentária.
A Lei de Diretrizes limita todos os três Poderes, pois é nela que eles
conjuntamente devem harmonizar-se para resolver a questão do orçamento. Lei de
282
STF, ADin 468-9/PR, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 27.02.1992.
191
iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (artigo 66 § 6º), ela é limitação
constitucional expressa e parâmetro de elaboração das propostas orçamentárias de
todos os Poderes. Esses limites são estabelecidos conjuntamente com os demais
Poderes (artigo 99, § 1º, caput).
A lei orçamentária anual compreenderá o orçamento fiscal referente aos
Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e
indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; o orçamento
de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a
maioria do capital social com direito a voto; o orçamento da seguridade social,
abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta
ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder
Público.
O projeto deve ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito,
sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenção, anistias, remissões,
subsídios e benefício de natureza financeira, tributária e creditícia. Não poderá
conter dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se
incluindo na produção a autorização para a abertura de créditos suplementares e
contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita nos
termos da lei.
2.3. Da necessária participação de todos os poderes na elaboração da
LDO
Duas questões devem ser destacadas, a primeira que o Poder Executivo
deverá publicar, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório
resumido da execução orçamentária; a segunda, que os planos e programas
nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição serão elaborados em
consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional, deverão
ter entre as sua funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério
populacional.
O Poder Judiciário deve elaborar a sua proposta orçamentária depois de
ouvidos os outros tribunais interessados, aos quais competem: I – no âmbito da
União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores,
192
com a aprovação dos respectivos tribunais; II – no âmbito dos Estados e no Distrito
Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação
dos respectivos tribunais. Se órgãos referidos não encaminharem as respectivas
propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes
orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da
proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,
ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do estabelecido na lei de
diretrizes orçamentárias.
Caso as propostas orçamentárias de que trata forem encaminhadas em
desacordo com os limites estipulados na forma estabelecida pela lei de diretrizes
orçamentárias, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de
consolidação da proposta orçamentária anual.
Dessa forma a participação do Poder Judiciário na elaboração da Lei de
Diretrizes é previsão constitucional que, se não obedecida, fere o princípio da
independência entre os Poderes e a autonomia financeira do Poder Judiciário. Muito
menos pode o Poder Executivo estabelecer limites à proposta orçamentária dos
tribunais que não tiveram a sua participação na elaboração, vedação constitucional e
jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal.283
2.4. A independência financeira ou não dos Poderes.
Essa questão que divide a doutrina. O que se coloca é se é autonomia
financeira ou se é somente dotação orçamentária. Para Kiyoshi Harada,284 por
razões de ordem prática, existe maior preocupação com o Direito Tributário do que
com o Direito Financeiro, e que tal motivo, conceitos como receita originária, o
crédito público, a despesa pública e principalmente como quando e onde se deve
gastar o dinheiro público são pouco conhecidos. Para ele, autonomia orçamentária
não quer dizer autonomia financeira, pois quem detém esta ultima é somente quem
pode realizar as receitas públicas, originárias, derivadas ou creditícias.
283
STF, ADI/MC 810-PR, rel. Min. Francisco Rezek.j.10.01.1992.e ADI/MC 848-RO, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, j. em 10.03.1993.
284 Kiroshi Harada. Autonomia Orçamentária. Disponível em:
HTTP://jus.uol.com.br/revista/texto/1279/autonomia-orçamentaria/print. Acessado 21/11/2010.
193
Assim adverte o autor, que o artigo 99 da CF quer dizer autonomia
orçamentária, faculdade de elaborar as propostas orçamentárias dentro dos limites
estabelecidos pela lei de diretrizes orçamentárias (artigo 99, § 1º e artigo 127, § 3º
da CF) a serem enviadas ao Poder Executivo para que o Presidente da República,
após incorporá-las, encaminhe ao Congresso Nacional, até o final de agosto de cada
ano.
De outra parte, no que concordamos, José Maurício Conti285 afirma que o
Poder Judiciário não tem personalidade jurídica, tem personalidade judiciária o que
lhe confere legitimidade funcional para defender os seus interesses em juízo; possui
autonomia funcional, além de ter sua autonomia administrativa e, por isso, deve
decidir o mecanismo por meio do qual será exercida a autonomia financeira dos
tribunais que o compõe. Conclui e adverte que só existe autonomia financeira de
forma plena quando a quantidade de recursos que lhe são destinados for compatível
com as despesas necessárias para cumprir suas funções.
2.5. Do Estado e da Administração Pública.
O autor lembra que o Estado é estruturado pela Administração Pública e, por
tal motivo, ao organizar-se para atender o interesse público deve respeitar o
orçamento como instrumento de planejamento e programação da atividade
econômica do Governo, e todos aqueles que integram o orçamento fiscal, dentre
eles o Poder Judiciário. Mas Conti adverte que tal reflexão, de autonomia financeira,
tem como pressupostos fundamentais a compatibilidade entre a quantidade de
recursos disponíveis e as despesas necessárias, assim não será autônomo se as
receitas forem insuficientes para fazer frente às despesas exigidas para a prestação
adequada dos serviços que lhe competem.
285
Cf. José Maurício Conti. Autonomia financeira do Poder Judiciário. Academia Brasileira de direito.
São Paulo: MP Editora, 2006. p. 201.
A presente obra trata com profundidade e cientificidade a questão da autonomia financeira do Poder Judiciário, fonte de referência para todos que debruçarem sobre o tema.
194
2.6. Dotação orçamentária ou independência financeira?
Depreende desse raciocínio que a autonomia orçamentária significa que
determinado órgão, com ou sem personalidade jurídica própria, foi contemplado pela
lei orçamentária anual com dotação própria, fixando o montante das despesas
autorizadas, constituindo-se assim o Poder Judiciário, o Ministério Público, o próprio
Poder Legislativo, uma unidade orçamentária, podendo utilizar-se das verbas com
que foi contemplada, mediante a observância dos rígidos princípios orçamentários e
à medida de disponibilidade financeira do Tesouro.
A Carta de 1988 inovou a matéria orçamentária, conferindo ao Poder
Judiciário e ao Ministério Público dotações próprias, prescrevendo ainda, a entrega
dos recursos correspondentes até o dia 20 de cada mês, data esta que não pode ser
alterada,286 na forma da Lei Complementar (artigo 168 da CF). Mas,
independentemente da referida regulamentação, o repasse não deve ser
automático, deve obedecer ao princípio da programação de despesas (artigo 47 da
Lei nº 4320/64) que é impositivo para os órgãos das três esferas de Poder, que
depende também da efetiva realização da receita estimada. Dessa forma, conclui
Harada, que a autonomia orçamentária não é autonomia financeira propriamente
dita, pois todos recursos financeiros devem permanecer no Tesouro, por força do
princípio da unidade de tesouraria (artigo 56 da Lei nº 4.320/64).
2.7. O princípio da reserva legal
Nesse sentido, Harada assevera que é contrário que o Poder judiciário deva
recolher à sua repartição os recursos correspondentes a dotações consignadas por
entender que não há vocação para tal, resume que autonomia orçamentária do
Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público não significa
independência financeira propriamente dita e muito menos insubmissão ao princípio
da reserva legal no que tange a fixação de vencimentos de seus membros e
servidores, ressalvados os casos expressos no artigo 49, incisos VII e VIII da Carta
Magna. Posição com a qual não concordamos.
286
STF (RTJ – 129/5; 136/891)
195
2.8. Da distorção do uso pelo Poder Executivo dos créditos adicionais
Quanto à execução orçamentária do exercício não poderá haver a realização
de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos
na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a
abertura de créditos suplementares ou especiais.
Os créditos suplementares e créditos especiais são espécies do gênero
créditos adicionais, ou seja, autorizações de despesa não computadas ou
insuficientemente dotadas na lei orçamentária anual (Lei nº 4.320, de 1964, artigos
40, 42 e 42); os suplementares são destinados a reforçar dotação orçamentária já
existente insuficiente e os especiais são destinados a despesas para as quais não
haja dotação orçamentária específica, ambos autorizados por lei e abertos por
decreto presidencial.
Há ainda o crédito extraordinário, a que se refere o artigo 167, § 3º da
Constituição, que determina que só pode ser aberto para atender despesas
imprevisíveis e urgentes. Desde a Carta de 88 até 2008, não era admitida ação
direta contra medidas provisórias relativas à abertura de créditos extraordinários,
porque seriam leis de efeitos concretos, destituída de normatividade geral e abstrata,
mas passou-se a examinar se acaso as rubricas constantes de medidas provisórias
são ou não imprevisíveis e urgentes.287
As considerações e reflexões acerca do tema são de extrema importância
para o nosso raciocínio no presente estudo, pois há movimentação de valores
altíssimos por essa via estavam sendo feitos sem o devido respeito aos pré-
requisitos necessários de imprevisibilidade e urgência, a ponto da Ministra Cármem
Lúcia afirmar que sem o controle abstrato de normas criar-se-iam cavalos de Tróia
no controle de constitucionalidade e no mérito, distinguiu entre imprevisão,
imprevisibilidade e imprevidência para deixar assente que é dever de uma boa
administração o prever e o não prever.
O Ministro Carlos Ayres destacou haver graus de urgência na Constituição
e que a imprevisibilidade – factual ou institucional – é um plus no significado da
287
STF, ADin 4.048/MC, Rel. Min. Gilmar Mendes
Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis. Processo Legislativo e orçamento público. Função de controle do parlamento. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 271.
196
própria relevância de medida provisória no caso de crédito extraordinário. Completou
o Ministro Celso de Mello que os sucessivos trancamentos das pautas
parlamentares, delas decorrentes, implicam na indevida interferência no “poder de
agenda” das Casas do Congresso Nacional. Dessa forma, o Supremo Tribunal
Federal asseverou que a Ação Direta não impugnava o conteúdo dos créditos, mas
sim, o real enquadramento deles na categoria extraordinários, única permitida à
medida provisória.288
2.9. Sobre o dinamismo e flexibilidade orçamentária
Ao nosso entender, tais créditos como são utilizados acabam por privilegiar o
Poder Executivo em detrimento dos demais Poderes, o resultado é o que vem sendo
denominado de margem de remanejamento.
Mas aprofundando, José Maurício Conti leciona que as leis orçamentárias,
utilizando-se da faculdade prevista no artigo 7º, I, da Lei nº 4.320/64, costumam
autorizar o Governo a abrir créditos suplementares até certo limite, não havendo
nesse caso a necessidade de outra lei para a realização do ato. Apenas são
estabelecidas condições e limites para a abertura dos referidos créditos ou mesmo a
autorização para abrir durante o exercício289.
Por permitirem maior dinamismo e flexibilidade para as modificações nas
dotações, facilitando a adaptação do orçamento às alterações ocorridas ao longo do
exercício, são medidas que deveriam gerir valores pequenos e com justificativa para
tal uso sob pena do Poder Executivo dominar totalmente a execução do orçamento,
desfigurando a Lei Orçamentária elaborada pelos Poderes e aprovada pelo
Legislativo.
Mas, na realidade, o Poder Executivo se utiliza dos créditos adicionais de
forma ampla e desmedidamente chegando ao ponto de utilizar medida provisória
para abertura de créditos extraordinários que, para nós, foi uma forma de contornar
todo o sistema constitucional referente às leis orçamentárias.
288
Cf. José Levi do Amaral Júnior. In: Comentários à Constituição Federal de 1988. (Coords) Paulo
Bonavides, Jorge Miranda e Walber de Moura Agra. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. 1225 e 1226.
289Cf. José Maurício Conti, 2006. Op. Cit. p. 98
197
Assim, uma vez respeitados os ditames constitucionais e suas vinculações, as
normas infraconstitucionais pertinentes, respeitada a Lei de Diretrizes Orçamentária,
elaborada conjuntamente sob pena de inconstitucionalidade, não pode o Poder
Executivo alterar a proposta encaminhada pelo Poder Judiciário, ficando ela apenas
sob crivo dos Parlamentares.
2.10. Da limitação de corte pelo Poder Executivo
Só poderá efetuar corte na proposta orçamentária nos termos do § 4º do
artigo 99 da CF, que é o desrespeito da Lei de Diretrizes Orçamentárias, posição já
sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal ao entender que o Poder Executivo
não dispõe de competência institucional para introduzir cortes unilaterais na
proposta orçamentária que lhe foi encaminhada pelos Tribunais, sendo único árbitro
da questão o Poder Legislativo, a quem incumbe, constitucionalmente, a apreciação
final do projeto de lei orçamentária290, tal medida afronta a autonomia financeira do
Poder Judiciário, nos termos do artigo 99, §§ 1º e 2º.
2.11. Aprovada a lei orçamentária, o comando é do Executivo
Aprovada a lei, o Poder Executivo assume o comando da execução
orçamentária, e todo o processo é fiscalizado pelos sistemas de controle interno e
externo das finanças públicas, esse último sob o comando do Poder Legislativo, com
auxílio dos Tribunais de Contas.
2.12. Das políticas públicas e dos entes federados
Os entes que compõem a Federação brasileira — União, estados, Distrito
Federal e municípios — têm sua atividade financeira explicitada nas leis
orçamentárias, de vigência anual, compreendendo as receitas e despesas para o
exercício financeiro. Nela estão definidos os destinos dos recursos públicos
Definem-se quais programas e respectivas ações governamentais serão
implantados, continuados, encerrados, quanto se destinará a cada um, evidenciando
as políticas públicas que cada esfera de governo desenvolverá durante o período.
290
STF, MS 22.685/AL, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.02.2002. MS 23.783-MC/RS, rel. Min. Maurício
Corrêa,j.05.10.2000 e MS 24.380/RO, rel. min. Ellen Gracie, j. 15.10.2002.
198
Duas graves distorções na participação do Poder Legislativo — e, por
conseguinte, da vontade popular — no processo orçamentário se vislumbram a partir
dessa prática.
A primeira delas é a redução da influência dos parlamentares no orçamento
público, que, exceto no que se refere ao montante destinado à cota das emendas
parlamentares, pouco ou nada influencia na elaboração da peça orçamentária e,
portanto, na decisão sobre a alocação dos recursos públicos.
A segunda, é a limitação da ação dos parlamentares à inclusão de despesas
de caráter eminentemente paroquial até porque conta do desvio federativo e
localizado, visando atender a demandas de menor vulto, geralmente destinadas a
interesses específicos de sua base de apoio eleitoral. Inviabiliza, por conseguinte, a
participação efetiva (art. 23) dos representantes do povo, eleitos para compor o
Parlamento, na definição das políticas públicas e nas grandes questões relacionadas
à alocação dos recursos, fazendo do Poder Executivo praticamente o único
responsável pelas escolhas que vão definir os programas a serem cumpridos pelo
ente federado.
2.13. Do crivo do Poder Legislativo
Sendo uma lei, o orçamento público submete-se ao crivo do Poder
Legislativo, a quem cabe deliberar sobre a proposta encaminhada pelo Poder
Executivo, podendo, por conseguinte, alterá-la. Isso se dá por meio as emendas
parlamentares, cuja regulamentação está constitucionalmente prevista no artigo 166,
parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Apresentado o projeto de lei orçamentária ao Poder Legislativo, no segundo
semestre de cada ano, os parlamentares oferecem suas emendas, que, em tese,
sujeitam-se tão somente às limitações estabelecidas no artigo 166, parágrafo 3º,
exigindo-se compatibilidade com o plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias,
sendo vedadas emendas que incidam sobre dotações para pessoal, serviços da
dívida e as transferências intergovernamentais.
E o mais relevante: indiquem os recursos necessários para atendê-las,
admitidos apenas os provenientes de anulação de despesas. Ou seja: não cabe aos
parlamentares criar receita para atender suas emendas parlamentares. Apresentar
199
emendas, propondo novas opções de gastos, com a indicação dos recursos
necessários para atendê-las, importando em cortar outras despesas já incluídas no
projeto de lei orçamentária pelo Poder Executivo.
2.14. O monopólio do Poder Executivo e as Emendas Parlamentares
O direito exclusivo de iniciativa em matéria orçamentária vem gerando o
monopólio do Poder Executivo em assuntos distributivos, retirando dos
congressistas, um instrumento fundamental para manter e ampliar sua influência
política. Sendo a fonte de distribuição e benefícios um enorme poder de barganha,
perante cada parlamentar, é nessa medida que se pode afirmar que o Congresso
Brasileiro, após 1988, organiza-se em torno de partidos parlamentares o que
contribui para a aprovação da agenda presidencial.291Aqui, entra a grande disputa
política travada pela respectiva aprovação, com a dificuldade prática de analisar as
milhares de emendas apresentadas pelas centenas de senadores e deputados cada
uma com sua peculiaridade de inclusão de uma nova despesa com o recurso
oriundo do corte de outra despesa, tudo isso no exíguo prazo de menos de quatro
meses.
2.15. Da existência de cotas e liberação dos recursos
A praxe dos Parlamentos praticamente consolidou a sistemática de definir
previamente, em acordo entre os líderes de ambos os Poderes, uma cota para as
emendas parlamentares, estabelecendo-se um montante fixo a ser contabilizado em
rubrica específica durante a tramitação do projeto, para servir de fonte de recursos
para atender a demanda das emendas parlamentares.
2.16. Da execução da lei orçamentária
Aprovada e publicada a lei orçamentária, inicia-se a fase de execução, na
qual as despesas se concretizarão, com a efetiva entrega dos recursos que constam
das dotações orçamentárias para o cumprimento dos programas governamentais
nela estabelecidos.
291
Cf. Figueiredo e Limongi, 1999, Op. Cit. e Santos, Op. Cit. 2003, p. 23
200
Nesse processo, compete ao Poder Executivo comandar a liberação dos
recursos, as várias circunstâncias que envolvem as inevitáveis e sempre presentes
imperfeições na previsão de arrecadação e mesmo no fluxo das despesas,
tornando-se necessário haver mecanismos de flexibilidade que permitam a
adequação das liberações de recursos ao ingresso de receitas.
Dentre os vários instrumentos, está o contingenciamento - ou limitação de
empenho - , nos termos da legislação vigente, por meio do qual não se autorizam as
despesas até que se torne adequada e oportuna a respectiva liberação,
descontingenciando-se então os valores orçados e efetivando-se a entrega do
dinheiro. Criado para adaptar o fluxo de entrada com a saída de recursos, permitindo
um adequado gerenciamento das finanças, o que se vê é uma distorção no uso
desse instrumento.
Em decorrência do exposto, tudo caminha para uma nefasta prática do
Executivo quanto à liberação de recursos oriundos de emenda parlamentar, o que
nos parece retonar aos tempos do voto de cabresto, ou seja, se bem me lembro,
conta alguns historiadores que na prática desse tipo de voto há a fidelidade ao
coronel. Assim o cidadão recebia um só pé do par de calçado e, como o voto não
era secreto, após tendo efetuado a sua escolha no sentido de favorecer aquele que
iria lhe doar o outro pé do parera premiado com o par completo. O que ocorre com a
liberação das verbas oriundas de emenda popular não foge muito a lógica do voto
de cabresto, como iremos ver.
2.17. Do que denominamos voto de cabresto
As dotações consignadas às emendas parlamentares são liberadas, como se
tem reiteradamente constatado, por razões de interesse político, e não financeiro.
Uma vez que identificadas quais as dotações orçamentárias inseridas no
orçamento pelas emendas parlamentares, cuja liberação dos recursos é de evidente
interesse do parlamentar que a patrocinou, o contingenciamento das referidas
dotações, para liberação oportuna, transformou o processo orçamentário em
verdadeiro instrumento de compra de apoio político do Legislativo por parte do
Executivo.
201
Desvia-se, dessa forma, o contingenciamento, instrumento de flexibilidade
orçamentária destinada a melhor gerenciar o fluxo de recursos, de sua verdadeira
finalidade, que é adaptar as inconstâncias da atividade financeira para buscar atingir
o fiel cumprimento da lei orçamentária, tal como aprovada, para outra que não lhe é
própria, a saber, a de moeda de troca entre os Poderes por apoios políticos
circunstanciais.
A análise da liberação de recursos contingenciados contemplados por
emendas parlamentares, mostrando coincidência com as datas de votações
importantes no Congresso Nacional, tal como constatado pela imprensa, não deixa
margem a dúvidas sobre esse desvio de finalidade que se vem constatando no
processo orçamentário.
É de intrigar o porquê da existência de uma Secretaria de Acompanhamento
Legislativo, instituída pelo Decreto Federal n. 4.596/2003292. No dizer expressivo de
Luiz Gustavo Bambini de Assis,
Não é fato incomum a vigília feita por senadores e deputados junto à atual Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República no período de empenho das emendas individuais e de bancadas. Os parlamentares são capazes de esperar por horas uma audiência com o Ministro de Estado ou com o Subchefe para
292 No Brasil, Decreto nº 4.596/2003: Art. 1º O Sistema de Acompanhamento Legislativo - SIAL, instituído no âmbito da Administração Pública Federal, passa a reger-se pelas disposições deste Decreto. Art. 2º O SIAL tem por objetivo: I - atender às necessidades de assessoramento e informação do Presidente da República e dos dirigentes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, quanto às atividades do Congresso Nacional relativas a matérias e proposições de interesse do Poder Executivo; II - coordenar o fluxo de informações e mensagens do Poder Executivo ao Congresso Nacional, tendo em vista os objetivos gerais e a uniformidade das ações do Governo sobre matéria legislativa; III - acompanhar as proposições em tramitação no Congresso Nacional; IV - diligenciar quanto ao atendimento de requerimentos de informação, indicações, consultas e outras solicitações formuladas pelos membros do Congresso Nacional ao Poder Executivo. Art. 3º A Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República é o órgão central do SIAL, com a atribuição de orientar e coordenar as ações das unidades administrativas que o integram, por intermédio da sua Subchefia de Assuntos Parlamentares. (Redação dada pelo Decreto nº 5.001, de 2004). Art.4º Integram o SIAL as Assessorias Parlamentares dos Ministérios, a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, a Assessoria de Relações com o Congresso, do Ministério das Relações Exteriores, bem como as demais unidades administrativas de órgãos e entidades da Administração Pública Federal com atribuições análogas às mencionadas no art. 2º. Art. 5º Os titulares das unidades administrativas referidas no art. 4º subordinam-se, para efeito deste Decreto, diretamente ao Gabinete do Ministro de Estado ou ao dirigente máximo dos demais órgãos ou entidades a que pertençam. Parágrafo único. Os Ministros de Estado e os dirigentes de órgãos e entidades da Administração Pública Federal instruirão as respectivas unidades administrativas, integrantes do SIAL, no sentido de assegurar-lhes o apoio indispensável ao pronto atendimento das solicitações por elas recebidas. Art.6º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7º Revoga-se o Decreto n
o 3.132, de 9 de agosto de 1999.
202
Assuntos Parlamentares daquele órgão para conseguir liberar suas emendas.293
Nos casos dos estados-membros, esses acompanhamentos ocorrem via
Casa Civil, diretamente vinculada ao governador.
2.18. Do papel do Legislativo
Por outro lado, outra questão sensível se põe quanto ao Legislativo. Nosso
ordenamento jurídico prevê a iniciativa legislativa é privativa do Poder Executivo,
submetendo o projeto encaminhado ao Poder Legislativo para deliberação e
aprovação. Após aprovação da lei orçamentária e o Poder Executivo. Vê-se uma
razoavelmente bem distribuída partilha de atribuições no que tange às leis
orçamentárias, que, se não fossem as distorções causadas pelo mau uso do
sistema, comporia um bem construído processo orçamentário.
A alegação de falta de capacidade técnica, como alerta Conti, com
fundamento que
se quiséssemos conformar-nos com a vox populi, deveríamos todos assumir a existência de uma batalha entre “bons e maus”, conformando-nos em escolher de que lado estão uns e outros. Faz sentido falar-se em um orçamento “técnico” do Executivo que é “distorcido” politicamente pelo Congresso? Ou ao revés, de um orçamento “unilateral” imposto pelo presidente a um Legislativo impotente? 294
Desde logo, Bittencourt alerta que o argumento de falta de capacidade técnica
de qualquer dos dois interlocutores deve ser descartado, por não ter base em fatos.
Sob uma perspectiva comparativa, o assessoramento técnico institucional no
Legislativo federal brasileiro é apontado na literatura como destacada exceção
entre
países em desenvolvimento. De igual modo, a capacidade funcional e institucional
do conjunto da burocracia do Executivo brasileiro é reconhecida em nível
293
Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis, 2012. Op. Cit., p. 252
294 STF, Tribunal Pleno, ADI 4048-MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14.5.2006, voto do Min. Carlos
Britto, p. 92
Cf. Maurício Conti. Emendas ao orçamento e o desequilíbrio de poderes. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2012-jul-03/contas-vista-emendas-orcamento-desequilibrio-poderes
203
internacional como a mais desenvolvida da América Latina, conforme vários
estudos.295
Dentro de um quadro geral latino-americano
de fragilidade do assessoramento
legislativo, em termos quantitativos e qualitativos, os serviços próprios de
assessoramento técnico do parlamento nacional têm sido reconhecidos – por vezes
efusivamente – como fator importante em prol do papel da legislatura na formulação
de políticas públicas e na função de controle.
Também o conjunto de recursos de acesso à informação de que dispõe o
Legislativo federal brasileiro é bastante amplo, propiciando alto grau de
independência em relação ao Executivo no que se refere à disponibilidade e
tratamento de dados.
Já se passarmos ao tema das motivações e relações de poder entre os ramos
do governo, a análise precedente impõe um taxativo não como resposta ao falso
dilema entre bons e maus: essas duas concepções extremas não estão suportadas
por qualquer estudo empírico ou teórico.
Não há, portanto “bons” nem “maus”, tão somente agentes com interesses próprios legitimados pelo sistema político-institucional, mobilizando os seus recursos políticos em busca desses mesmos interesses. É verdade, por um lado, que os poderes institucionais de agenda do Executivo são muito fortes; no entanto, aqueles estudos que enfatizam essa variável apontam também que tais poderes vêm sendo exercidos sempre com o acompanhamento de um intenso esforço de formação e gerenciamento de coalizões negociadas no Legislativo. No que tange à posição oposta, é verdade que o parlamento demonstra uma posição ativa de intervenção na definição do orçamento (como das demais matérias de política pública), com critérios e objetivos que não são automaticamente alinhados com os do presidente.
2.19. Cargos ministeriais ocupados por indicações de parlamentares
Ainda assim, os legisladores são interlocutores do Executivo nesses processos de permanente negociação de posições, quer mediante jogos de barganha em que as decisões são mediadas por concessões recíprocas de bens de interesse político de ambas as partes, quer pela corresponsabilidade, no Congresso, de cada grupo
295
Cf. Bittencourt, 2012, Op. Cit.
204
parlamentar em relação ao conteúdo de políticas negociadas no âmbito do próprio Executivo pelos seus representantes em cargos ministeriais.296
Dessa forma, conclui Figueiredo, o presidencialismo brasileiro trabalha um
sistema de composição partidária nos Ministérios, onde a partilha dos referidos
postos nem sempre segue a norma proporcional a seu peso na base parlamentar,
por terem os presidentes a faculdade constitucional de nomear livremente seus
escolhidos. O que traria solidez legislativa ao gabinete seria a correspondência entre
o peso parlamentar dos partidos e a sua representação ministerial.297
Dessa assertiva o que repercute na realidade é se no presidencialismo de
coalizão isso reflete em um peso representativo aos partidos,ou se é apenas uma
questão de loteamento de cargos a disposição do Poder Executivo para realizar
suas metas, quais sejam: a de ter a sua agenda aprovada sem grandes transtornos.
Diante dessa reflexão, a questão no tocante as nomeações no Poder
Executivo remete a outras novas indagações: a primeira, por ser prática típica e
usual do regime parlamentarista, portanto sujeito ao controle da “moção de
desconfiança”, como isso refletiria no regime presidencialista. A segunda, se há ou
não ausência de interesse em formulação de políticas públicas homogêneas, ou se
essa prática apenas se traduz no uso da estrutura posta a disposição com fim de
utilizar os cargos da pasta para nomeações indivíduos de interesse do partido.
A terceira diz respeito ao poder fiscalizatório do parlamento, como proceder
se essas nomeações acabam por se tornar uma extensão de si mesmo; por fim, a
possibilidade de perda por parte do Legislativo de membro capacitado e seus
reflexos não traduziram numa traição a intenção do eleitor?298Ou seja, qualquer que
296
Cf. . José Maurício Contii, 2012, Op. Cit.
297 Cf. Marcelo Figueiredo. Colóquio “La evolución de la organización político-constitucional da
América del Sur” . In:Revista Internacional de Direito e Cidadania. IEDC V 2 – junho. Erechim: Habilis, 2009. 179 – 202.
298 Para estudo no tema, consultem-se:
Vera Lúcia de Almeida Corrêa. Perfil de los ocupantes de cargos de confianza del Ejecutivo Federal Brasileño: una comparación entre el gobierno de FHC e Lula (1996 a 2006). .In: _____. Revista de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial. ano 10 v. 14, n. 3, out./dez.Rio de Janeiro: Universidade Estácio de Sá, 2010. 28-46.
205
seja o sistema de governo essas indagações têm sido postas a todo o momento em
cheque.
2.20. No direito comparado as nomeações para Ministros
Não por outros motivos foram alvo de estudos Unión Interparlamentaria299
situada em Genebra, quando elaborou um estudo comparado mundial do mandato
do parlamentar. O estudo concluiu que a acumulação de funções ministeriais e
parlamentares ultrapassa o problema das incompatibilidades propriamente ditas
para entrar na teoria constitucional, pois está intrinsecamente ligada a natureza dos
regimes políticos.
A incompatibilidade entre as funções ministeriais e parlamentares é habitual
nos regimes que praticam a separação dos poderes, constitui, além disso, em um
dos aspectos mais típicos dos regimes presidenciais. Pelo contrário, a regra de
incompatibilidade é um princípio alheio ao espírito do regime parlamentar cuja
existência está vinculada a uma estreita colaboração entre os poderes, com a
exceção de alguns países.
Na maioria dos regimes parlamentares a acumulação com a função ministerial
não só está autorizada como também fomentada a fim de reforçar os vínculos entre
as assembleias e o poder executivo. Mas em alguns casos os deputados
designados a cargos de ministros tiveram, durante muito tempo, a obrigação de
submeterem-se imediatamente a uma reeleição a fim de confirmar o seu mandato,
mas essa regra que tinha por missão ratificar, pelos eleitores, a chegada do
parlamentar ao um posto ministerial e que consagrava oficialmente o princípio da
acumulação foi suprimida na maioria dos regimes parlamentaristas.
Hoje, configuram exceção, mas uma compatibilidade entre as funções
parlamentares e ministeriais é defendida, sobretudo por aqueles que temem que a
incompatibilidade faça mais difícil a colaboração entre os poderes executivo e
Luiz Alberto dos Santos. Burocracia profissional e a livre nomeação para cargos de confiança no Brasil e nos Eua. Revista do Serviço Público n. 60, ENAP: 2009.
299 Marc Van der Hulst. El Mandato Parlamentario. Estudio Comparativo Mundial. Genebra: Unión
Interpalamentaria, 2000.
206
legislativo300, entretanto, tem-se a impressão de que é cada vez menos defendida. É
assustador que uma parte da opinião pública aceita hoje em dia, de forma piorada
comparada ao passado, que algumas pessoas concentrem funções.
Por tal motivo certos sistemas parlamentares europeus estabeleceram,
recentemente, uma incompatibilidade entre a função parlamentaria e função
ministerial. Isso poderia configurar numa incompatibilidade moderada dado que o
cargo do parlamentar, ao se tornar ministro tem sua vaga ocupada temporariamente
por um substituto no parlamento. Em alguns lugares o ministro recupera o seu lugar
no parlamento se demite do governo, mas em outros a substituição é definitiva sobre
toda legislatura, sendo sua vaga ocupada pelo candidato que vem imediatamente
atrás na lista eleitoral correspondente. Mas se um ministro apresenta a sua
demissão e é eleito em uma das câmaras antes que sua demissão seja efetivada,
poderia ocupara as duas funções até que sua demissão seja aceita. O porquê
dessas considerações para o presente estudo, para nós o vinculo do eleitor no
sistema pátrio é extremamente intenso com aqueles que possuem mandatos.
O critério de nomeação e repartição dos ministérios para os partidos seguir
uma lógica técnica, e qual o poder de fiscalização do Presidente, ao que tudo indica,
segundo este estudo, o critério da tecnicidade não é primordial para os partidos
indicarem os preferidos ao Executivo para nomeação nem do primeiro e muito
menos do segundo escalão. Em alguns governos se privilegiou tal critério e em
outros não.
A real natureza do interesse de um parlamentar em obter cargo no Poder
Executivo e qual a finalidade partidária em tal ação deduz das pastas mais
cobiçadas, ou seja, aquelas de maior poder econômico, com dotação orçamentária
para investimento. A disputa é acirrada e a cada legislatura muda conforme o
interesse dos partidos.
Quanto ao poder eleitoral de um partido e sua relação com a influência
legislativa, ficou demonstrado no referido estudo ser uma relação fictícia, por um
300
Pode-se consultar:
Digo de Figueiredo Moreira Neto. Interferências entre Poderes do Estado (Fricções entre o Executivo e o Legislativo na Constituição de 1988). In: Revista Informação Legislativa ano 26, n. 103, jul./set.
Brasília: Senado Federal, 1989.
207
simples motivo, uma vez eleitos os votos ficam igualados. Por outro lado, consta-se
que as nomeações em cargos ministeriais, mesmo no direito comparado, não segue
uma lógica única, mas traz algumas consequências quanto ao mandato e à
fiscalização do governo.
Onde existe o multipartidarismo há afinidade programática, em qualquer
sistema com essa característica quando a agenda do presidente é praticamente
impossível, sendo necessário a composição de vários partidos para que se forme
uma base de governo sólida, mas em que termos essa base será composta é
assunto de outra ordem.
2.21. Nomeações e princípio republicano no sistema brasileiro.
O que pode ser constado da análise do estudo do direito comparado é que
toda e qualquer análise quanto à nomeação a cargos ministeriais, dizem respeito ao
sistema parlamentarista, sendo incompatível com o sistema presidencialista, nos
deixando num verdadeiro limbo sobre o como deve ser visto as nomeações e o
controle parlamentar decorrente do sistema pátrio.
Para nós, no entanto, através de todo exposto, uma conclusão é certa, a de
que um Legislativo composto de multipartidarismo, com um Governo que necessita
barganhar com essa diversidade, formar a sua base governista, leva a outros
critérios que não aos adotados ao sistema parlamentarista.
Outro aspecto importante quanto à existência de oposição, que em número
muito reduzido deixa o Legislativo engessado. Pensar que esse tipo de relação
institucional como um misto de presidencialismo com parlamentarismo e como se
alteraria numa forma de elaboração das políticas públicas, sem comprometer o voto
do eleitor, transforma-se num dilema sem solução.
Os interesses governamentais, em que a participação ativa dos partidos da
base é sem nenhum custo a ser pago, é no mínimo naif, e afirmamos isso por vários
motivos:
Primeiro, é só prestar atenção nas escolhas dos partidos e nas falas dos
ministros nomeados, para tanto, damos como exemplo, isso sem preconceito ou
ideologia partidária, o caso do Ministro Lupi e seus desdobramentos.
208
Quando seu descontentamento com as investigações que recaíram sobre sua
pasta afirmou:
Trabalhar como Ministro do Trabalho não dava mais o que causou uma indignação do jornalista que comentou: Coisas do Brasil. Aqui é assim: o cidadão que ocupa um posto no primeiro time da administração federal (ou no que se supõe ser o primeiro time, pelo que está escrito no organograma oficial) é desossado em praça pública depois de construir um desastre na sua área, mas continua no cargo, rodando em carro chapa-branca e subindo para o seu gabinete em elevador privativo, até que convenha ao governo colocá-lo na rua. (...) A única coisa que não passou pela cabeça do governo foi indagar o que seria melhor para o interesse público.301
Por um lado, os detentores de mandatos foram eleitos para exercerem suas
capacitações no âmbito do Legislativo, e na ausência destes na designação para
qualquer no Executivo traduz no esvaziamento do Legislativo já tão carente de
pessoas qualificadas para exercer seus mandatos.
Quem perde é o poder legislativo, aliado a esse fato a traição à confiança do
eleitor, ocasionando, tais manobras, numa forma negativa face à opinião pública.
Por outro lado o perfil psicológico do parlamentar eleito será o mesmo para exercer
cargo executivo, será que poderá atuar suas funções de maneira a contento?
Por fim, o princípio republicano resta fraudado, pois na lógica comum, quem
em sã consciência vai fiscalizar a si mesmo? Quem vai agir contra si? Qual
parlamentar irá contra o seu partido em prol a expectativa do seu eleitor?
Por outra um parlamentar que chega a ministro continuando como
parlamentar de fato está perdido para o trabalho parlamentar. Uma assembleia que
perde assim depois de cada eleição uma dezena ou mais de seus membros mais
experientes pode encontrar-se muito debilitado.
2.22. Analise econômica das Constituições e seus reflexos
Do estudo de política comparada302, em que se analisam, por meio da
comparação de dados de vários países, para o período do pós segunda guerra, os
301
Cf. J.R. Guzzo. E ninguém se lembrou.... Revista Exame. São Paulo, 30/11/2011. p 73.
302Cf. Torsten Person & Guido Tabellini. The economic effects of Constitutions. What do the data say?
October 6, 2002, MIT PRESS, disponível em:
209
efeitos econômicos das Constituições, mormente, o impacto das regras eleitorais
(majoritário ou proporcional) e o impacto da forma de governo (presidencialista ou
parlamentarista) no que os autores nominam de tamanho do governo – gastos e
receitas governamentais em percentual do PIB, identificam-se os maiores Estados
de Bem-Estar por democracias antigas com regras eleitorais proporcionais303.
Com base em análise de que regras eleitorais proporcionais, ficou constatado
que esses geram mais gastos governamentais e menos disciplina financeira.
Esta constatação levou em consideração as variáveis: desigualdades de
renda/tamanho de governo e gastos do governo/população idosa. Atestam os
autores que as eleições majoritárias induzem: governos menores, menores Estados
de Bem-Estar e menores déficits públicos.304
No referido estudo, as eleições proporcionais induzem os partidos políticos a
buscar consenso em grupos maiores da população, conduzindo, dessa forma, a
programas públicos com maiores beneficiários305. As regras eleitorais proporcionais
conduzem a maiores déficits públicos, dado o contexto de governos instáveis e de
coalizão.306
Concluem, esses autores de ciência política norte-americana, que regimes
presidencialistas estão menos propensos à corrupção do que regimes
parlamentaristas, tendo por base a conclusão de que naqueles o governo costuma
ser menor, com gastos menores em políticas de Bem-Estar307, fazendo a ressalva,
contudo, com as democracias mais jovens e com os países da América Latina,308
pois nestes, não há separação de poderes, nem imprensa livre, o que propicia abuso
do poder político do Poder Executivo.
http://www.people.fas.harvard.edu/~iversen/PDFfiles/Persson&Tabellini2003.pdf Acesso em: 20/08/2012 303
Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p.131
304Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 179
305 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 130
306 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 146
307 Cf, Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 215
308 Cf. Torsten Person & Guido Tabellini, 2002, Op. Cit. p. 217
210
2.23. Do pedido de impeachment de Ministros no presidencialismo de
coalizão
Muito embora o pedido de impeachment de Ministros possa ser feito por
qualquer cidadão, o que permanece como questão é a real utilidade desse
instrumento de controle político e responsabilização política pela corrupção, quando
se têm o atual quadro de nomeações no Poder Executivo de parlamentares, em
contexto de presidencialismo de coalizão.
Assim no que diz respeito ao papel fiscalizador do Congresso Nacional, por
isso, proposital a nossa inserção no texto de todas as competências do Legislativo
brasileiro, consta que algumas das suas prerrogativas estão neutralizadas pela
prática desse modo de obter a maioria no âmbito parlamentar.
O Poder fiscalizatório do Congresso Nacional não se restringe somente à
apreciação e à deliberação das proposituras oriundas do Poder Executivo, vai muito
além. Recai sobre questões de controle orçamentário, permissão para empréstimos,
análise das dividas dos entes federados.
Por outro lado, ainda será o Congresso Nacional que poderá julgar o
Presidente da República por crime de responsabilidade e tratar do processo
impeachment deste bem como dos seus Ministros, instrumento típico do regime
presidencialista de controle jurídico-político dos outros poderes.
Ora no tocante a esse último é uma forma de fiscalização, que no sistema
presidencialista existe para responsabilizar politicamente o Chefe do Poder
Executivo e seu staff, como deveria ter sido feito durante a CPI que constatou a
existência do chamado “mensalão”. Neste episódio em especial, o poder do
Congresso ficou a desejar.
Novamente nos apoiamos nas lições de Bittencourt, em seu estudo remete ao
desdobramento muito interessante desse modelo geral é a tentativa de acrescentar
um fator a mais que surge em casos excepcionais: o “mensalão”. da corrupção pura
e simples. Segundo ele, o caso foi analisado em concreto por Pereira, Power e
Raile.309
Esses estudiosos destacaram em que circunstâncias da primeira metade do
governo Lula, acrescentadas às dificuldades já discutidas da formação da coalizão,
309Cf. Bittencourt. Pereira, Power & Raile, 2011, pp. 49-51.
211
as restrições decorrentes da polarização de preferências entre os partidos da
coligação que ganhou a eleição, os demais partidos políticos e importantes agentes
do mercado financeiro nacional e internacional, bem como as dificuldades de
aprendizado on the job de uma equipe dirigente que nunca havia assumido as
responsabilidades de governo.
Assim, o governo via-se diante de uma agenda crítica de mudanças
destinadas fundamentalmente a gerar grande montante de recursos para a
execução de políticas sociais sem comprometer os indicadores fiscais que
assegurassem uma não-ruptura com os mercados financeiros, e sem recair em
desequilíbrios de natureza inflacionária. Essa combinação fez com que os recursos
tradicionais de manejo da coalizão não fossem suficientes, naquele momento, para
garantir a consecução dos objetivos do executivo: assim, um novo instrumento teria
sido considerado necessário.
Conclui o referido estudo que
nosso argumento é o de que a corrupção política ocorre quando os recursos oficiais da barganha intragovernamental tornam-se insuficientes para superar as dificuldades no ambiente de barganha. Essa insuficiência é apresentada em termos do próprio modelo e: o conjunto de reformas exigidas pelo executivo tinha um profundo impacto na sociedade, gerando reações fortes dos setores atingidos, e era tão ousado que pouco espaço deixava a concessões de políticas; a formação do primeiro gabinete do presidente Lula deu um peso desproporcional a frações do PT ideologicamente mais distantes da sua agenda de reformas (a expensas de correntes internas ao PT e de terceiros partidos mais suscetíveis a aceitá-la), distorcendo o uso do instrumento dos bens políticos. Aliado a estes fatores, a necessidade de super maiorias para aprovação das reformas levava à necessidade de concessões de pork também a partidos fora da coalizão (concessões estas, portanto, em maiores quantidades do que seria esperado para os próprios aliados). Todos estes fatores teriam levado a uma incapacidade de manter os votos necessários à agenda crítica, gerando os motivos originais para a opção pelos pagamentos ilegais. Naturalmente, essa análise do mensalão não se destina a explicar o surgimento de um procedimento ilegal dessa natureza, mas apenas a verificar a consistência dos fatores determinantes da coalizão, questionando se a sua ocorrência (no caso, a insuficiência ou inadequação do manejo de cada uma das ferramentas do executivo) conduz aos efeitos
212
esperados (ou seja, à incapacidade de manutenção de um alto grau de coesão no apoio parlamentar à agenda do governo)310.
Bittencourt, acertadamente afirma que
há que acrescentar que, à parte esse argumento de consistência interna, o fato de que outras ocorrências dessa ilegalidade tenham sido denunciadas em outros governos, de partidos diferentes e em épocas e circunstâncias diferentes (nomeadamente, em Minas Gerais no período 1999-2002, e no Distrito Federal entre 2007 e 2009) sugere ser interessante testar esses modelos em outras hipóteses extremas que podem desafiá-los em seu poder explicativo.311
Ora, o motivo fica evidente que se o Poder Legislativo tem um braço na
estrutura do Poder Executivo, que interesse terá os partidos que fazem parte da
coalizão em fiscalizar essa estrutura, eis porque essa distorção fere o princípio
republicano no tocante a responsabilidade dos mandatários no exercício do
mandato.
Se estivéssemos num regime parlamentarista, haveriam outros mecanismos
de controle, sendo um dele, moção de desconfiança, instrumento típico do regime
parlamentarista. E pensar em um sistema misto no quadro nacional, com a leviana
maneira de se resolver os problemas pátrios importando modelos alienígenas ao
nosso sistema político e ao nosso ordenamento jurídico, como no caso da medida
provisória, acaba por acarretar em verdadeiras anomalias que refletem na Pátria de
forma nociva.
O sistema representativo fica sem a sua devida legitimação, uma vez que o
eleitor, quando do seu voto para determinado parlamentar, não estendeu a este a
possibilidade de fazer parte da burocracia do Governo, muito embora isso pode vir a
310
Cf. Bittencourt. “Like astronomers studying a black hole, we cannot directly see our phenomenon of
interest; we can only infer that it exists by constructing a theory that can be tested indirectly by marshalling various lateral bodies of evidence”. Pereira, Power & Raile, 2011, p. 35.
311
Cf. Bittencourt. Afirma que bem como a sugestão, em estudo de um caso similar de grave suspeita de compra de votos de legisladores na Argentina, de que a corrupção (“incentivos económicos”) poderia ser tentada por governos minoritários (ou que necessitassem de mais votos do que os que dispõem habitualmente) como “una segunda dimensión que le diera a los senadores una mayor utilidad al votar [..]” (Calvo, 2007, pp. 206-207).
Outras referências a estudos vinculando a ocorrência de esquemas de corrupção à insuficiência dos recursos tradicionais de gerenciamento de coalizões estão em Power, 2011, pp, 137-138.
213
ocorrer, mas não da forma que está sendo feita, um verdadeiro loteamento da
estrutura administrativa em prol de determinados partidos, visando inclusive
mecanismos compensatórios de campanha ao nomear correligionários, como alguns
denominam o fenômeno por clientelismo capitalista.312
2.24. Do mandato imperativo
Isso nos remete à questão do mandato imperativo e do recall. Quanto ao
primeiro, remarque-se a distinção entre mandato imperativo e mandato
representativo.313 Para a noção daquele reforça-se a possibilidade de sanção no
partido político por indisciplina partidária pelo descumprimento do programa
partidário, entretanto, como se leciona, o parlamentar pode impetrar mandado de
segurança para defesa de seus direitos subjetivos na Justiça Eleitoral.314 Quanto ao
recall, este consiste na possibilidade de revogação do mandato pelo eleitor315. São
questões que nos remetem para a necessidade de aproximação entre
representantes e representados.316 Nesse sentido, cristalino o questionamento:
312
Cf. Francisco Pereira de. Farias. Clientelismo e Democracia Capitalista: elementos para uma
abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política n. 15, Curitiba: UFPR, 2000. 49-65.
313Cf. Lucas Catib Laurentins. Vinculação e Liberdade dos representantes políticos: entre mandato
imperativo e mandato representativo..In: Revista da Faculdade Mineira de Direito v. 12 n. 23, jan./jun.
Belo Horizonte: PUC , 2011.
314 Cf. Clèmerson Merlin Clève. Fidelidade Partidária e Impeachment - Estudo de Caso. Curitiba:
Juruá, 2012. pp. 17-80, p. 73.
Consulte-se:
Alexandre Issa Kimura. Teoria Constitucional do partido político: os partidos entre o direito e a
política. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: PUC, 2007. p. 262.
315Auro Augusto Caliman. O recall no Estado de São Paulo. Revista Informação Legislativa n. 165,
ano 42, jan./mar., Brasília: Senado Federal, 2005. pp. 197-204, p. 199
316Boaventura de Sousa Santos. Sirva-se um elixir para a democracia. Aliás, Jornal o Estado de São
Paulo. domingo, 27 de maio de 2007 p. J4.
214
“No Brasil, os partidos têm pouca especificidade no conteúdo dos seus
programas, muitas vezes genéricos e extremamente parecidos. Como poderíamos
alterar isso? Promovendo uma mudança em duas frentes: a legal e a cultural”.317
Tal assertiva não leva em consideração o desenvolvimento do
constitucionalismo e a aplicação dos princípios constitucionais em relação aos
direitos fundamentais e importância da economia na sua concretização.318
É importante ressaltar que nos estudos dos cientistas políticos, alguns
princípios constitucionais que devem ser aplicados de forma a irradiar todo o texto,
como aqui esclarecemos, não são levados em conta, por tomarem como base dos
seus estudos outras premissas tais como: a tensão das forças partidárias e como
elas se desenvolvem no âmbito dos poderes e o sistema político.
A atração dos parlamentares para a coalizão pode ter como resultado a
cooptação, mediante incentivos de grande intensidade, para que o legislador deixe
de exercer o papel de vigilância sobre eventuais abusos do poder concentrado nas
mãos do presidente
– retirando-os do papel que lhes corresponde na arquitetura da
divisão de poderes.
Com ambos os poderes compartilhando as mesmas metas, nada garante a
validade do pressuposto de que a divisão de poderes gera mútuo controle, o que
vem a reforçar o raciocínio de que a participação nas atividades de controle não é a
faceta do trabalho legislativo mais atraente aos parlamentares.
Desse ponto de vista, o fato do mandato do Executivo não depender da
maioria parlamentar deveria em tese ser um facilitador do controle, já que nos
sistemas presidenciais não existe, a princípio, a mesma pressão institucional – que
existe nos sistemas parlamentares – pela disciplina parlamentar para sustentar o
governo, o que poderia liberar os deputados individualmente e as bancadas
governistas para exercer um controle muito mais amplo sobre o governo.
317
Helio Jaguaribe. Todos os males da corrupção. Aliás, Jornal o Estado de São Paulo, Domingo. 8 de
março de 2009. p J4.
318 Avaliação da OCDE sobre a Integridade da Administração Pública no Brasil em 2011, disponível
em: http://www.cgu.gov.br/publicacoes/AvaliacaoIntegridadeBrasileiraOCDE/AvaliacaoIntegridadeBrasileiraOCDE.PDF
215
Assim, assevera Bittencourt, que
também a possibilidade de que o mecanismo de operação da coalizão dependa, no todo ou em parte, de atos administrativos concretos (quer estes atos sejam fruto de barganha, quer representem compromissos programáticos fixados pelo grupo partidário como parte do acordo geral de montagem da coalizão) abre a hipótese de surgirem incentivos análogos, em suas linhas gerais, aos verificados no caso extremamente particular do Congresso norte-americano, em que é do interesse do legislador intervir com a maior intensidade possível em determinados atos de interesse de sua jurisdição, gerando atividades de controle descentralizadas, descoordenadas e baseadas em reivindicações tópicas sobre casos concretos. Esta alavancagem será tanto mais provável quanto mais os congressistas brasileiros consigam forjar junto aos eleitores a imagem de um tipo de ombudsman dos cidadãos face à agência burocrática destinada a implementar as políticas públicas neste setor específico, o que dependerá desde logo da capacidade de manipular alocações orçamentárias para esta
agência.319.
Tal alerta recai na possibilidade dos próprios parlamentares utilizarem
mecanismos de exposição e aparente controle, como nos casos dos requerimentos
de convocação de componentes do Governo, apenas para pressionar a fim de que
os seus pedidos sejam atendidos a contento.
2.25. Consequências outras do presidencialismo e coalizão
Assim, não obstante os pontos de vistas colocados anteriormente, outro olhar
sobre o presidencialismo de coalizão recai sobre o sistema de representação
proporcional de lista aberta o que acabaria por gerar uma restrição na dinâmica de
pesos e contrapesos, característica central do sistema presidencialista, por tal
motivo a solução seria a de um presidencialismo de coalizão racionalizado, em que
o presidente não seria compelido a negociar vantagens clientelistas com membros
dos partidos de oposição, transformando o comportamento dos políticos da Câmara
319
Bittencourt, 2012, Op. Cit.
216
de Deputados, vez que o comportamento ficcional dos partidos parlamentares
deixaria de ser o aspecto definidor, como leciona Santos320.
Isso porque, continua o autor, a agenda compartilhada deve ser o objetivo e
para tanto somente com a hipótese de alteração do contexto de concentração de
poderes que se daria através da aprovação das políticas do presidente no exterior
do espaço de indiferença do deputado médio,321 e na decisão de um presidente em
adequar seu programa de cooptação de membros da oposição congressual, em
ambas se evitaria a transferência maciça de votos - que ocorre na busca por estes
deputados por uma constituency eleitoral - de prerrogativas decisórias para o Chefe
do Executivo.
Assim, sintetizado, para os deputados, mais vale a existência de um
presidente de persuasão ideológica à sua, e trabalhar muito os seus contatos no seu
distrito, estabelecendo parâmetros a respeito das preferências dos seus eleitores, do
que simplesmente sinalizar posicionamento político via apoio ou repúdio as políticas
governamentais.322 Todavia, ressalta-se que a literatura mais recente que trata das
relações Legislativo – Executivo no Brasil não ratificam que as instituições políticas
devam sofrer reformas no sentido de redução do número de partidos ou do aumento
do controle do Executivo e das lideranças partidárias sobre o processo legislativo323.
IV. A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
A capacidade do ser humano de fazer justiça torna a democracia possível; mas a inclinação humana para a injustiça torna a democracia necessária.
Reinhold Niebuhr
320
Cf. Fabiano Santos . O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão. UFMG, IUPERJ, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro: 2003.
321 Classifica como deputado médio aquele que não possui identidade com seu eleitor por ter sido
conduzido a Câmara pelo voto de lista aberta, valendo-se de votação de outros, e/ou pelas coligações e partidárias e dessa forma está disposto em investir grande parte de seus recursos em intermediação presidencial.
322Cf. Fabiano Santos, 2003.. Op. Cit. p. 24
323 Cf. Fabiano Santos, 2033. Op. Cit. p. 62
217
De outro lado temos o Poder Judiciário, que com o advento da Carta de 1988
ampliou as suas funções, sem mesmo estar preparado para exercê-las. Um exemplo
comum são as decisões em favor do cidadão nas questões de obrigação de fazer do
Executivo quanto a medicamentos, meio ambiente e outros direitos plasmados na
Carta Constitucional.
As escolas das magistraturas estão pioneiramente promovendo cursos para
os magistrados no sentido de informar e conscientizar que não basta somente a
decisão para que haja cumprimento das disposições constitucionais, pois não
podemos olvidar que a Lei Orçamentária é uma lei e deve ser observada no sentido
de que cada vez que se gera uma despesa deve-se indicar de onde deve sair à
referida despesa.
Não pode o Poder Judiciário apenas dar a sentença sem aquilatar os seus
efeitos, e muito menos que seja descumprido qualquer lei sem antes determinar o
que está sendo efetivado.
Para além do controle jurisdicional do devido processo legislativo,324neste que
se declaram no Poder Judiciário os direitos públicos subjetivos dos parlamentares,
deve-se ponderar sobre o papel institucional que o Supremo Tribunal Federal possui
no exercício de controle de constitucionalidade do devido processo legislativo, e,
igualmente, no controle de constitucionalidade por omissão, seja esta de caráter
normativo, seja de caráter administrativo, na medida em que muitas ações são
propostas pelos partidos de oposição, entes legitimados. É sobre esta atuação dos
partidos que se debruçam alguns estudos325.
324
Cf. Bruno Cláudio Penna Amorim Pereira. Jurisdição constitucional do Processo Legislativo.
Legitimidade, Reinterpretação e Remodelagem do Sistema no Brasil.
José Alcione. Bernardes Júnior O controle Jurisdicional do Processo Legislativo, Belo Horizonte: . Ed.
Fórum 2009
André Del Negri Processo constitucional e Decisão Interna Corporis. Belo Horizonte: Ed. Fórum,
2011.
325Cf. Luciana de Oliveira Ramos. O controle de constitucionalidade por omissão no Supremo Tribunal
Federal: análise dos casos de omissão legislativa nos vinte e um anos da Constituição. Dissertação
de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas São Paulo, São Paulo: USP, 2010.
218
Neste item apenas destacamos ser o tema objeto de pesquisa, pois tanto
oposição política, quanto governos podem fazer e fazem uso da judicialização, quer
como tática oposicionista, quer como instrumento de governo.326
Com relação às ações diretas de inconstitucionalidade, os partidos políticos
também se mostram bem ativos,327 remanescendo como sugestão de reflexão o
contínuo aperfeiçoamento do controle prévio de constitucionalidade, com
asseguramento das prerrogativas de oposição e minoria política.
Durante muito tempo a atuação do Supremo Tribunal Federal foi acanhada e
omissa em relação a algumas situações postas sob a sua análise que poderiam ter
eliminado parte da situação posta nesse presidencialismo de coalizão.
A primeira delas foi o caso do presidente da Câmara que retirou já em fase de
votação o projeto da comissão no tocante à Reforma da Previdência, ferindo assim
todos os princípios mais básicos do devido processo legislativo, que segue o rito
próprio, mais uma vez, iniciada a votação, encerraram-se todos os procedimentos
possíveis até o seu término.
Outro momento singular foi quando se permitiu a reedição de medida
provisória.328 Este diz respeito ao consentimento dado pelo Supremo Tribunal
Federal para a reedição de medidas provisórias.329 O que também para nós
Cf.
326Luciano Da Ros & Matthew M.Taylor Os Partidos dentro e fora do poder: a judicialização como
resultado contigente da estratégia política. Dados, Revista de Ciências Sociais. v. 51. Rio de Janeiro:
Dados, 2008, p. 848.
327Cf. Antonio G. Moreira Leitão & Antonio G. Moreira Maués. Dimensões da judicialização da política
no Brasil. As Adins dos partidos políticos. Revista de Informação Legislativa ano 41 n. 163, jul./set.,
Brasília, 2004.
328Cf. Francisco Gérson Marques de Lima. O STF na crise institucional brasileira. Estudos de casos:
abordagem interdisciplinar de sociologia constitucional. São Paulo: Malheiros, 2009. pp. 397-415.
Para um panorama do controle jurisdicional das Medidas Provisórias, consulte-se a abalizada e atualizada obra: Clèmerson Merlin. Clève. Medidas Provisórias. São Paulo: RT, 2011.
329 MP 542 Proposta: reduzir a área de três parques ecológicos na Amazônia para a construção de
hidroelétricas. Contrabando: reduzir em 40% a área de preservação do Parque Nacional da Serra da Canastra (MG). Beneficiadas: mineradoras. MP 517 Proposta: instituir regime especial de incentivos para usina nucleares. Contrabando: perdoar parte das dívidas de bancos que faliram nos anos 90, causando um prejuízo de 42,7 bilhões de reais ao governos. B: banqueiros quebrados. MP 521 Promover reajustes de bolsas de médicos-residentes. C: flexibilizar a Lei de Licitações para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, permitindo contratações com base em critérios subjetivos. B: empreiteiras. MP 545 Proposta alterar as taxas de frete para a marinha Mercadante. C: promover isenções fiscais para a cadeia produtiva do café. B: a indústria cafeira. MP 540 Proposta: reduzir alíquotas do IPI para a indústria automobilística. Contrabando: permitir a propaganda institucional dos
219
configurou um ultraje a todo processo legislativo e seus princípios constitucionais, foi
a autorização para o Presidente retirar de pauta a medida provisória, com o evidente
intuito de votar outras matérias de seu interesse.
O Supremo Tribunal Federal deixou de proceder, em diversas ocasiões, com
análise acurada do critério subjetivo de direito, dos requisitos constitucionais de
urgência e relevância para edição das medidas provisórias, deixando margem de
discricionariedade ao Poder Executivo. Lógico que tal critério carrega a
característica da subjetividade, mas há a possibilidade de exclusão de matérias
claramente sem urgência, e que foram legisladas através de desta espécie
legislativa.
A questão de medida provisória por crédito extraordinário deve estar ligada
igualmente ao juízo de urgência e relevância, ao qual está prevista na Constituição,
somente nos casos lá expressos.
Outra interpretação, ao nosso ver, duvidosa, foi quanto à decisão do então
Presidente da Câmara, Michel Temer, ao entender que sobrestamento de pauta por
medidas provisórias somente recairia nas matérias de leis ordinárias, com as
devidas ressalvas. Com o decorrer do tempo, ficou claro que tal decisão auxiliou em
demasia o Poder Executivo, contrariando os ditames constitucionais que determinam
claramente o sobrestamento de pauta, sem individualizar em quais matérias deve
recair.
Só recentemente foi determinado que é inconstitucional a medida provisória
não apreciada pela comissão mista do congresso, ora há quanto tempo se vem
discutindo que violação não só de determinações constitucionais, mas também do
regimento interno devem ser objeto de consideração por parte do judiciário?330
Tamanho foi o desvio do processo legislativo previsto na Carta Magna, que se a
decisão fosse retroativa os seus efeitos alcançariam centenas de atos normativos.
Vários ministros chegaram a repudiar a questão de análise de urgência e
relevância, afirmando que era papel do Legislativo e que se não havia atitude deste
último não estaria o STF a cumprir a obrigação alheia. Ocorre que nem sempre as
fabricantes de cigarro. B: indústria tabagista. Veja 29 de fevereiro de 2012 p. 58/59 Editora Abril. São Paulo.
330 STF, Adi 4029/DF, Rel. Min. Luiz Fux e Informativo n. 658, fonte: www.stf.jus.br
220
decisões dessa Corte seguem tal lógica, haja vista as questões relativas à CPI, que
numa decisão histórica praticamente regulamentou todo o procedimento a ser
seguido, quando a questão tratava-se apenas da preservação da minoria, apesar de
ter elaborado disposições excelentes.
Outra decisão emblemática foi referente ao direito de greve do funcionalismo
público, ora, a iniciativa de tal propositura é de competência exclusiva do Executivo,
mas ao dar publicidade da decisão que adotou por analogia a lei do direito privado
até a futura lei para o servidor público, vários ministros afirmaram, bem como a
imprensa que o Congresso não havia legislado sobre o assunto.
Decisão que chamou atenção foi a relativa à Lei de Biossegurança, pois além
de chamar atenção para a legitimidade do Procurador-Geral em questionar Lei
robusta e legítima, o Supremo Tribunal Federal quase foi além do que deveria, pois
a Lei foi amplamente discutida pelo Legislativo e pela sociedade.
Neste caso, houve admissão de amici curiae e audiências públicas durante o
curso da Adin proposta pelo Procurador-Geral da República, pois ainda que o
amicus curiae e as audiências públicas consistam em formas de participação
democrática, entendemos ter ocorrido indevida politização do Supremo Tribunal
Federal, recaindo aqui crítica à legitimidade do Ministério Público Federal em propor
Adin em face de Lei tão amplamente discutida durante seu processo de formação no
Poder Legislativo e, por isso, não menos ingente às influências religiosas, daí
porque o seu resultado seja objeto de severas críticas quanto à utilidade científica de
pesquisa em embriões inviáveis, nos termos em que a lei de biossegurança foi
aprovada, sabendo, naquela ocasião, o Poder Judiciário, ao menos, discernir e
diferenciar os conceitos de embrião e de aborto, o que pode render futuros
aperfeiçoamentos legislativos na matéria para se permitir pesquisas científicas com
embriões viáveis e de utilidade científica331.
331
Cf. Elimar. Szmiawski. Entrevista. Células Tronco. Carta Forense. 02/08/2011, disponível em:
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/celulas-tronco/7420
Para consulta:
Luiz Fernando Coelho. Clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. Questões jurídicas (mesa redonda). Revista CEJ v. 6, n. 16, mar. 2002, disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/445/626;
221
E ainda há questão da sua independência financeira e orçamentária
descumprida, que traduz numa aparente subjugação dessa Corte ao Executivo. É o
que se pode extrair do desabafo do ex-presidente do STF, o Ministro Peluzo, quando
afirmou que o Executivo não cumpre a Constituição, e foi além ao dizer que ofício
enviado por aquela Corte à Presidenta sobre a questão do orçamento do Judiciário
não foi objeto de resposta.
Essa prática autoritária do Executivo se estende aos estados-membros
também, como se constata no estado do Rio Grande do Sul, que, ao ter seu
orçamento cortado, ingressou com medida cautelar contra o Executivo gaúcho a fim
de preservar o seu direito de elaboração estratégica da sua peça orçamentária
dentro dos ditames da LDO. Em São Paulo, em 2010, o orçamento enviado ao
Executivo pelo Judiciário foi cortado em 50%, quando a Constituição prevê
taxativamente que a LDO deve ser elaborada em conjunto com os poderes. Eis que
justiça constitucional se faz necessária.
Assim, como vimos no decorrer deste trabalho, o Supremo Tribunal Federal
tem atuação muitas vezes de forma restritiva, como foi no caso das competências
legislativas de alguns estados-membros, já mencionados, centralizando, na duvida,
a legislação a cargo da União.
Por outro lado, quando da apreciação do artigo 20 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, por melhor que fossem as intenções, abriu-se um
precedente de que o fim justifica os meios, ou seja, em outras palavras, se a lei for
boa, não interessa se ela está em desconforme com o ditame constitucional.
A importância dessa Corte para a manutenção dos princípios basilares da
Constituição de 1988, deve presente em todos os momentos pátrios, mas
Anne Fagot-Largeault. Embriões, células-tronco e terapias celulares: questões filosóficas e antropológicas. Estudos Avançados n.51, 2004, disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200015
Alberto Machado Cascais Meleiro & Leonardo Henrique M. Moraes Oliveira A pesquisa com células-tronco embrionárias é inconstitucional? Revista Informação Legislativa v. 44 n. 174, 2007, disponível
em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/141286
Lisle Santos Dourado. A regulação do uso das células-tronco e a atuação do Poder Legislativo e do Supremo Tribunal Federal. Senatus: cadernos da Secretaria de Informação e Documentação v. 7, n.
1, p. 40-47, jul. 2009, disponível em: http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/177913.
222
concluímos que a interpretação em vez de ser mais restritiva, deve ser voltada
sempre para o texto constitucional como um todo.
Assim, recebe a nossa homenagem o atual presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ministro Carlos Britto, que na sua posse entregou uma Constituição aos
representantes dos outros poderes “Proponho um pacto a vocês, vamos cumprir a
Constituição”.
V. FALTA DE COMUNICAÇÃO À SOCIEDADE DOS TRABALHOS
O maior perigo para a democracia é a crença de
que a política não nos diz respeito e que ela não
pode nada para nós. O maior perigo para a
democracia é esquecimento pelo povo de que a
política depende de todos nós332
F. Wolf
Mas por ser complexo o próprio processo legislativo, características próprias
de qualquer processo, a maior parte dos seus procedimentos pode ser detectada
com clareza. A complexidade do processo legislativo pode ser simplificada se
visualizarmos sempre quatro pontos: quem inicia, quem o andamento, quem aprecia
e, por fim, quem vota. Podem ser encontrados manuais bem simplificados nos sites-
sítios internet - dos Legislativos em geral, às vezes, até como cartilhas.
Mas apesar de tudo isso se passa à margem da opinião pública, que é levada
a pensar que esse tempo necessário para a devida participação e debate é moroso,
sem nenhum valor e pouca importância. Desinformados, assim, os cidadãos seguem
as suas críticas ao Legislativo, muitas sem se dar o trabalho de observar que o
tempo do processo legislativo é diferenciado exatamente para que ocorra um amplo
debate sobre cada propositura, que, se aprovada, tornar-se-á norma jurídica,
devendo ser obedecida.
332
Cf. F. Wolf Esquecimento da política ou desejo de outras políticas? In: O Esquecimento da Política.
(Org.) A. Novaes. Rio de Janeiro: Agir, 2007. p.79
223
Essa relação institucional do Legislativo com a opinião pública decorre de
vários fatores. Sem retirar parte da responsabilidade que cabe aos ocupantes dos
Parlamentos pelo Brasil, não podemos olvidar que dessa relação perniciosa, que
obterá vantagem, é aquele cujo poder nessa dinâmica incomoda o Executivo. Este
último acelera, por vários mecanismos que estão à sua disposição, o processo
legislativo deixando a margem boa parte dos parlamentares, mas principalmente a
sociedade, a maior interessada.
Complementando, Carlos Miguel Aidar333 afirma que
(...) a mídia julga os legisladores e os parlamentares não pela qualidade de seus trabalhos – porque nem sempre a mídia está preparada para avaliar a qualidade do seu trabalho – mas pela quantidade desses trabalhos. Isso é muito simples: um mais um é igual a dois. Então, o parlamentar vem sendo avaliado em nosso País de forma errada, equivocada; vem sendo avaliado pela quantidade de projetos apresentados e eventualmente pelo índice de aprovação dos seus projetos, quando, na realidade, deveríamos fazer a avaliação pela qualidade dos projetos apresentados.
Antônio Carlos Doorgal de Andrada334, leciona que
O mercado midiático anula também o processo político institucional na relação tempo/espaço. O tempo político é geralmente medido pelo tempo dos mandatos eletivos, marcados pelas eleições. O tempo político, relativamente longo, submete-se a processo e lógica próprios, ofertando espaço quase ilimitado para as articulações, trocas de informações, concessões mútuas, amadurecimento de ideias e propostas, enfim, possibilitando um complexo diálogo persuasivo onde o melhor discurso ou argumento constrói o consenso ou a maioria. Já o tempo da mídia é o tempo econômico e financeiro ditado pelo mercado: é curto e ágil; ou seja, é o “agora” - afinal, “tempo é dinheiro”.
Por outro lado, experiência do despreparo técnico do Legislativo para dar
conta das tarefas que lhe haviam sido outorgadas pelo texto constitucional de 1946
333
Cf. Carlos Miguel Aidar.In: 1º Seminário. Atividade Parlamentar e Competências Legislativas.
Temas de Direito Constitucional Estadual e Questões sobre o Pacto Federativo. São Paulo:
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2004. 12-13.
334Cf. Antônio Carlos Doorgal de Andrada .Política. Ainda é possível? Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
p. 59
224
não foi só objeto de inúmeras críticas como acabou, de fato, servindo de pretextos,
entre outros, para o golpe de 64 e a instauração do autoritarismo burocrático que
perdurou até 1988, e ousamos dizer até os nossos dias.335
Quanto maior o debate, maior a participação, maior legitimidade e menor o
risco de se formular uma norma em desacordo com a realidade para qual a foi
proposta. Daí também decorre a denominada lentidão do processo legislativo.
Portanto, meios de abertura para maiores participações nas arenas públicas
de decisão no âmbito do Poder Legislativo não devem ser levados como morosidade
e complexidade de processo e sim com uma garantia institucional de participação
cidadã na sua casa, na “Casa do Povo”.
Se o Poder Legislativo é a Casa do Povo, onde ele se vê representado,
quando este falha na sua função, resta-nos recorrer, como cidadãos, a outro poder
para garantir nossos direitos.
Aqui se insere a destacada importância do Poder Judiciário para o nosso
tema, no qual pretendemos demonstrar a anomalia do presidencialismo de coalizão,
mais uma vez, que retira parte da legitimidade do sistema representativo ao excluir
da arena de decisão alguns parlamentares, por falta total de tempo por parte destes,
no tocante a análise das matérias em tramitação de urgência, frequentemente
utilizada pelo Poder Executivo para ter a sua vontade vitoriosa.
Se isso ocorre no âmbito do Legislativo, o que acontece com o Poder
Judiciário face ao presidencialismo de coalizão? Será que nada interfere na sua
relação institucional com os demais poderes?
Para demonstrar nosso ponto de vista, no próximo tópico deste trabalho,
abordaremos o Poder judiciário como a Constituição de 1988 o estruturou e da sua
importância para o Estado Democrático de Direito.
1. A importância do Poder Legislativo e participação da sociedade
O Poder Legislativo é o espaço público que deve ser ocupado pela sociedade
para que uma discussão profícua ocorra durante o processo legislativo de tais
335
Cf. Bittencourt, 2012, Op. cit. p.23.
225
proposituras, levando em conta considerações acerca dos mais diversos assuntos,
dentre eles: transporte público, a educação, a precariedade das rodovias, a falta de
segurança pública, mas deve ir além, iniciar estudos sobre o que ocorre quando falta
independência financeira entre os poderes, a exemplo do que vem ocorrendo com o
Poder Judiciário, causando lentidão na execução de sua função precípua que é a de
fazer justiça, seja por falta de informatização, de estrutura física para instalação de
fóruns e ou mesmo de déficit de qualificação e melhorias dos seus servidores.
Entretanto, propostas estão sendo implementadas em busca de uma maior
transparência e eficiência, a exemplo os portais eletrônicos onde se podem
encontrar mecanismos diversos de atendimento e informação a qualquer pessoa, as
editora, como a do Senado com publicações primorosas, televisões e seus
programas de informação cultural, meios utilizados para veicular os trabalhos ao
público geral, ressaltando que alguns deles poucos usufruídos ou até mesmo
desconhecidos, sem mencionar os mecanismos de fiscalização eficientes devem ser
valorizados, desde o mais simples ao mais complexo como é o caso dos Tribunais
de Contas.
É nesse ponto que voltamos a nossa crítica em relação a imprensa, pois não
constatamos nenhuma veiculação desses procedimentos postos a serviço do
cidadão. Ao que tudo indica há uma resistência da imprensa e da sociedade, ainda
que pese todos os esforços institucionais dos Parlamentos, persiste a imagem de
marajás, ineficiência, estrutura arcaica, e acima de tudo de inutilidade total dessas
despesas e reformas estruturais.
Precisamos acordar para a importância da participação na elaboração das leis
orçamentárias como exercício de cidadania, que é um dever e não uma faculdade,
isso se nos considerarmos cidadãos conscientes e senhores do nosso destino. A
importância da participação da sociedade em debates dessa natureza é fundamental
para que a elaboração de toda estratégia para os investimentos, gastos e fomento
do Estado seja voltada também para as políticas públicas debatidas e necessárias
para o bem-estar do cidadão.
Cabe ao Poder Executivo a elaboração dos referidos projetos leis e ao Poder
Legislativa sua a apreciação, momento onde a sociedade brasileira pode e deve se
manifestar em prol dos seus interesses, através dos seus representantes e também,
226
por meio de manifestações sob as mais diversas formas para que a legitimação
desse procedimento tenha densidade democrática necessária.
O que causa alarde é que com todo esse arcabouço constitucional, visando
atender os interesses do povo brasileiro colocado a sua disposição pelo poder
constituinte originário, através da previsão de leis que visão determinar todo o
investimento e programa de governo para os próximos quatro anos, como é o caso
do plano plurianual, vinculando o administrador a seus objetivos, quanto da
elaboração da lei de diretrizes orçamentárias e o próprio orçamento, estejam
passando em branco sem qualquer discussão da sociedade e da própria mídia.
Infelizmente, na realidade, as várias fases em que o cidadão pode interagir
são desconhecidas pela maioria da população, o que leva a outra reflexão: qual o
real interesse do cidadão no processo legislativo336, e se a opinião pública se dá
336
Para estudo do lobby, confiram-se:
Roberto Almeida. Regulamentação do Lobby completa 20 anos nas gavetas do Legislativo. Jornal o
Estado de São Paulo, 21/02/2009, Nacional, p. A4.
Sílvio Dobrowolki. Grupos Sociais e Poder..In: Revista Informação Legislativa ano 22, n. 88. Brasília:
Senado Federal, 1985. Pp 95-104.
Paulo Afonso Francisco de Carvalho & Gustavo Henrique Fideles Taclialegna. Atuação de grupos de
pressão na tramitação do Projeto de Lei de Biossegurança..In: Revista Informação Legislativa ano 43
n 169, jan./mar.Brasília: Senado Federal, 2006.
Yamil e Sousa Dutra. “Lobbies” e grupos de pressão como agentes de informação para o Poder
Legislativo..In: Revista Informação Legislativa ano 27, n. 107, jul./set., Brasília: Senado Federal, 1990.
245-248.
Carolina Juliano. O lobby para legitimar o lobby. Valor, sexta-feira e fim de semana, 24, 25 e 26 de
junho de 2005.
Samantha Ribeiro Meyer-Pflug. Grupos de Interesse (Lobby). Série Pensando o Direito n. 8. Brasília:
Uniceub, PNUD, MJ, 2009.
Ricardo Modesto. O estudo do Lobby no Legislativo pela abordagem de redes. Biblioteca Digital da
Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. pp 11-101. http://bd.camara.gov.br
Andréa Cristina de Jesus Oliveira. Breve histórico sobre o desenvolvimento do lobbying no Brasil.
Revista Informação Legislativa ano 42, n. 168, out./dez. Brasília: Senado Federal, 2005. 29-42;
Antônio Carlos Pojo do Rego. O “lobby” nordestino: novos padrões de atuação política no Congresso
Brasileiro. Revista Informação Legislativa ano 21, n. 81, jan./mar.Brasília: Senado Federal, 1984.
Leda Boechat Rodrigues. Grupos de pressão..In: T.B.Bottomore. Elites políticas, Universidade de
Brasília, Brasília: Unb, 1978. 139-159;
227
conta da importância do papel delineado pelo Constituinte originário ao Poder
Legislativo. Mas esse tema não o objeto principal do presente estudo, o que nos
cabe agora é a análise desse Poder, suas atribuições, de como se caracteriza rumo
ao alcande da dua suas funções institucioanl esculpida pela Carta Cidadã.
O que permanece como questionamento é falta de mudança de postura e do
interesse da mídia em acompanhar e publicar os trabalhos das Comissões
Permanentes, Temporárias, pois as afeitas ao espetáculo costumam ser mesmo
somente as Comissões de Inquérito,337 em suma, nesse ponto as preocupações
levantadas durante a Constituinte perduram sem aparente solução.
Ricardo José Pereira Rodrigues. Desenvolvimento nas ações políticas da Sociedade Civil dentro e fora do Congresso Nacional, Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2000. 3-13 . http://bd.camara.gov.br
Luiz Alberto dos Santos. Regulamentação das atividades de lobby e seu impacto sobre as relações
entre políticos, burocratas e grupos de interesse no ciclo de políticas públicas – análise comparativa
dos Estados Unidos e Brasil. Instituto de Ciências Sociais. Brasília: Unb, 2007.
Ricardo Modesto Vieira. O Estudo do Lobby no Legislativo – o caso de sucesso da CDU –CD. E-
Legis n. 02, p.39-46, 1º semestre, Brasília: 2000;
337 No tema da mídia e Poder Legislativo, podem ser referidos:
Roberto Amaral. Imprensa e controle da opinião pública (informação e representação popular)..In:
Revista de Informação Legislativa ano 37, n. 141, out./dez. Brasília: Senado Federal, 2000.
Izabel Cristina Filgueiras de Almeida & Suelena Pinto Bandeira & Cristiane de Almeida Maia.
Informação Legislativa e Cidadania: o papel da Câmara dos Deputados e do seu Centro de
Documentação e Informação (Cedi). v. 2 n. 1. dez. Brasília: Senatus 2002.pp 7-51.
Valéria Ribeiro da Silva Franklin Almeida A comunicação do Senado e o direito à informação..In:
Revista Informação Legislativa ano 42, n. 166, abr./jun.Brasília: Senado Federal, 2005.
Fernando Antônio Azevedo & Vera Lúcia Michalany Chaia. O Senado nos editoriais dos jornais
paulistas.In: ____.Rachel Meneguello (Org.) O Legislativo brasileiro: funcionamento, composição e
opinião pública. Brasília: Senado Federal, 2012. Pp 35-62.
Edna de Souza Carvalho. O impacto da gestão de documentos no processo de produção digital da
TV Senado. Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal.
Brasília: Senado Federal. 2010. p 196.
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cidadania, Mídia e Política: relacionamento sociedade civil, meios de comunicação e parlamento. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br
Luiz Carlos Santana de Freitas. O controle Normativo da Mídia do Congresso Nacional: critério de
noticiabilidade e garantia do uso republicano dos veículos legislativos de comunicação de massa.
228
Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal. Brasília: Senado
Federal, 2008. Pp 11-84.
Maria Valéria Miranda Kurovski. O jornalismo legislativo e os aspectos que o distinguem da
propaganda institucional: os casos do Jornal do Senado e do Jornal MDS. Universidade do
Legislativo Brasileiro. Brasília: Unilegis, 2008.
Ana Lucia Coelho Romero Novelli. Imagens Cruzadas: A opinião e o Congresso Nacional. Coleção de
Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal. Brasília: Senado Federal,
2010. pp55-75.
Francisco Sant’anna. Mídia das Fontes. Um novo ator no Cenário Jornalístico Brasileiro. Um olhar
sobre a ação midiática do Senado Federal. Brasília: Senado Federal, 2009. pp17-523.
____. Quem faz a notícia no parlamento brasileiro? Análise comparativa das rotinas dos newsmakers
do Senado Federal..In: Revista de Informação Legislativa ano 45, n. 178, abr./jun. Brasília: Senado
Federal, 2008.
Juliana Rodrigues Silva. O marketing político na comunicação legislativa. A utilização da TV Senado
como ferramenta de marketing político pelos senadores. Universidade do Legislativo Brasileiro.
Brasília: Unilegis, 2008.
229
CONCLUSÃO
Inicio a minha conclusão afirmando que é com o olhar de cidadã com alma
brasileira e amante das instituições democráticas que optei por enfrentar o desafio
de focar o presente estudo sobre o Poder Legislativo e as relações institucionais.
Aceitar como certo o que está posto em nome de uma inequívoca forma do exercício
eficaz de “governança”, justificativa para romper com os princípios democráticos
esculpidos em nossa Magna Carta, não condiz com o mínimo de consciência política
de cidadania. A “Carta Cidadã”, como é chamada carinhosamente a Constituição
Federal de 1988 tem como ideário o ser humano como cidadão senhor de si e não
permite qualquer relatividade no que diz respeito à irradiação dos seus princípios
fundadores e basilares.
Por tais motivos, a escolha do tema para o presente estudo recaiu sobre o
Poder Legislativo, pilastra da democracia, que no Estado contemporâneo teve o seu
papel modificado ao longo da história, mas sem perder a sua função precípua de ser
a Casa do Povo. A reflexão que não cala é: a quem interessa um Poder Legislativo
fraco, despido de sua grandeza e importância, sem exercer as suas funções? A
rejeição a esse Poder nos fez crer que estudá-lo sob a ótica das relações
institucionais com os demais poderes foi o grande desafio deste estudo,
principalmente na sua compreensão interna e na sua contextualização externa.
Não obedeça a ninguém e seja tão livre quanto antes.
Rosseau
O caminho para a solução do déficit democrático consistirá no alargamento da
própria democracia, que deve ir além da compreensão tradicional da democracia
representativa, por meio da criação e do apoio de mais mecanismos participativos
que promovam o envolvimento dos cidadãos, erigidos e sustentados em visões mais
robustas dos direitos e responsabilidade da cidadania, consequentemente espaços
democráticos novos ou oportunidades baseados na extensão dos direitos de
participação e convites para discussão.
230
As discussões abundantes e recentes recaem sobre os últimos e atuais
representantes que ocupam o assento no Parlamento, confundindo assim, a
instituição com algum dos representantes momentâneos, olvidando que estes são os
reflexos da nossa sociedade, com bem pouca ou quase nenhuma preocupação com
a história da instituição do Poder Legislativo que já foi palco de embates violentos,
chegando até mesmo ao seu fechamento por vários períodos por se tratar da Casa
do Povo. A sua história e a nossa história rumo à democracia na qual estamos
vivendo, toda a trajetória, não pode prescindir da necessária reflexão de quanto
maior o déficit de conscientização política maior o distanciamento do cidadão do
Poder Legislativo e dos procedimentos participativos acarretando um vácuo no pleno
exercício da cidadania.
Quando se confunde o prestígio das instituições com os atos de seus titulares
e mandatários, e isso serve para qualquer análise sobre qualquer instituição,
deixamos de refletir sobre a diferença entre o ser e o dever-ser, respectivamente,
entre a pessoa imbuída de mandato e a instituição que ela representa. Essa
ausência de preocupação em construir um quadro de representantes condignos e
com atitude de elaborar críticas à existência do Legislativo ou aos seus ocupantes,
muitas vezes sem a menor consciência das palavras emitidas ou mesmo sem
conhecer os assuntos discutidos, cria um discurso sem seriedade.
O regime democrático almejado tem como consequência uma real
transparência, com acesso aos dados não só da administração, mas aos atos dos
Poderes envolvendo o planejamento e as políticas elaboradas em cada âmbito de
seu desenvolvimento; isso sem mencionar a elaboração de legislação eficiente e de
um judiciário atuante. Assim, e dessa forma, vão saltar aos olhos os erros, os
desvios do planejamento, os crimes políticos, as improbidades administrativas, mas
só dessa forma eles poderão ser punidos, pois sem democracia não há como saber
de tais mazelas e muito menos ter condições de puni-las.
Um Parlamento mais qualitativo só virá quando tivermos a consciência da
importância dessa instituição como pilastra fundamental para a democracia,
decorrente do exercício da cidadania. Urge a necessidade de criarmos cidadãos e
não mais clientes.
231
A existência dessa instituição com representantes dignos de suas funções
virá com a mudança da nossa própria sociedade em crise e que não consegue se
valer da democracia para formar, segundo os princípios constitucionais elencados
no Título VIII, da Ordem Social, Capítulos II e VII respectivamente que tratam da
educação e da família, os seus cidadãos. O primeiro por ser direito fundamental de
segunda geração exigível perante o Estado. O segundo por ser a partir da unidade
da família, sociedade e comunidade simultaneamente, é que se desenvolve a
sociedade civil e as comunidades nacional e internacional, tendo, portanto também a
proteção do Estado.
Para nós, não existe crise da democracia e sim uma crise da própria
sociedade, que se reflete nas instituições. Papel fundamental terá a família e a
educação no sentido de agir contra a passividade diante da atual conjuntura. A
família passando os valores fundamentais a todo ser humano, e a educação
completando com o conhecimento e informações necessárias para se formar
cidadão, pois só esta última, como muitos apregoam, não pode resolver todos os
problemas, não basta, pois temos exemplos na história não muito distantes, de
povos educadíssimos e cultos capazes de barbáries inomináveis.
Para que as relações institucionais entre os Poderes sejam mantidas dentro
dos princípios constitucionais, em primeiro lugar, deve-se cumprir a Constituição, o
que não vem sendo feito por nenhum deles em muitos casos, em segundo lugar,
deve-se buscar mecanismos de transparência desde as estruturas até os trabalhos
de cada instituição nos moldes democráticos. Como decorrência, os procedimentos
de participação popular devem estar à disposição da população de forma clara, de
fácil entendimento, e com efetivos acessos.
Devemos atentar para as várias formas com que o Executivo desacredita os
outros Poderes, mas três merecem menção. A primeira, ao início de toda sessão
legislativa a Constituição prevê que o Presidente deve ir ao Legislativo fazer o seu
pronunciamento quanto ao programa de governo, e isso raramente ocorre, na
verdade enviam substitutos para tal ocasião. A segunda, é quando lemos no jornal a
manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal dizendo que o presidente
sequer responde ofícios sobre os cortes orçamentários no âmbito do judiciário sem a
menor explicação. A terceira, resulta em uma constrangedora postura dos outros
232
Poderes em manifestar-se corretamente diante de um Executivo tão poderoso que
concentra o potencial orçamentário em suas mãos para ter o controle sobre os
demais.
Por outro lado, apesar do pluralismo político dificultar as ações do governo em
poder formar uma base governista, dispõe, para tanto, o Poder Executivo dos
mecanismos do atual presidencialismo de coalizão, tendo por justificativa para a
utilização dessa distorção uma “pseudo governança”.
Instrumentos estão disponíveis para que se chegue perto de um equilíbrio
desejado, basta cumprir a Constituição. Nesse ponto o Poder Judiciário tem um
papel de suma importância, em considerar inconstitucional o que for inconstitucional
ou que afronta as instituições democráticas brasileiras. Nos últimos anos muito se
avançou, o caminho não foi fácil e será cada vez mais difícil. Oportunidades
ocorreram e foram desperdiçadas, no que resultou, em boa parte, no quadro
institucional que o Legislativo hoje se encontra. Cronologicamente, podemos afirmar
que houve a autorização de reedição de medidas provisórias, ao se eximir de
apreciar os conceitos constitucionais de urgência e relevância na edição dessas
espécies legislativas e com isso também se autorizou o Presidente da República a
retirar da pauta do Congresso medidas provisórias para a aprovação de outras
matérias de seu interesse, por fim, houve a apreciação tardia da necessidade das
medidas provisórias serem avaliadas pela comissão mista do Congresso. Ora se
toda esta trajetória não contribuiu para o quadro atual das instituições, então não
estaremos interpretando a Constituição como um texto inteiro e complexo.
Afirmar que o Congresso é inoperante, fraco, individualista,338 corrupto339,
imprevisível, desorganizado, além de se constituir por regras de representação
338
Reconhece-se que as pesquisas sobre o sistema eleitoral e os partidos políticos são fundamentais
para melhor desvendar o porquê do individualismo no Congresso Brasileiro, o que restou de fora do enfoque proposto por este doutorado, qual seja, o das relações institucionais entre poderes constituídos.
339Silvia Amorim. Assembleia tira da gaveta após 8 anos pareceres do TCE. Jornal o Estado de São
Paulo, 15 de junho de 2007.
____. Só 1 de cada 4 projetos dos deputados trata de temas importantes em SP. Jornal o Estado de
São Paulo, 28 de julho de 2007.
Silvia Amorim & Clarissa Oliveira. R$ 4,9 milhões gastos em uma semana, para produtividade zero.
Jornal o Estado de São Paulo, 19 de agosto de 2007.
233
____. “Não dá para dizer que a casa está parada”. Entrevista com Vaz de Lima. Jornal o Estado de
São Paulo, 19 de agosto de 2007;
Roldão Arruda. “Vivemos com uma ética distorcida”. Entrevista com Roberto Romano. Jornal o
Estado de São Paulo, 24 de julho de 2009.
____. Deputado brasileiro tem mais benefícios. Jornal o Estado de São Paulo, 1 de junho e 2009;
Marcelo Carneiro & Camila Pereira “Desonestos, insensíveis e mentirosos”. Revista Veja, 31 de
janeiro de 2007.
José Murilo de Carvalho. Então, instaure-se a moralidade. Jornal o Estado de São Paulo, 22 de maio
de 2005.
Aloísio de Toledo César. O Supremo em débito. Jornal o Estado de São Paulo, 08 de novembro de
2010.
Leandro.Colon. Rito da ficha limpa desmente ministro. Jornal o Estado de São Paulo, 30 de outubro
de 2010.
Mariângela Galluci. STF nega volta de deputado que se ´lixa´ à relatoria. Jornal o Estado de São
Paulo, 16 de maio de 2009.
José Arthur Gianotti. Os enlameados e a bandeira ética. Aliás. Jornal o Estado de São Paulo, 19 de
junho de 2005.
JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO. Doações eleitorais e lobbies. Editorial. Jornal o Estado de São
Paulo, 18 de maio de 2009.
Dora Kramer. Insegurança legislativa. Jornal o Estado de São Paulo, 14 de novembro de 2010.
____. Atolado no jaqueiral. Jornal o Estado de São Paulo, 13 de dezembro de 2008.
Renato Lessa. Democracia pela bagatela de 1 real. Quer comprar? Jornal o Estado de São Paulo, 22
de maio de 2005.
Fausto Macedo. “Os fatos relatados na denúncia são extremamente graves”. Entrevista com Celso de
Mello. Jornal o Estado de São Paulo, 3 de setembro de 2007.
Roberto Macedo. O déficit democrático do Legislativo. Jornal o Estado de São Paulo, 8 de fevereiro
de 2007.
Ivan Marsiglia. O voo cego do parlamento brasileiro. Jornal o Estado de São Paulo, 26 de abril de
2009.
José de Souza Martins. Procura-se o povo brasileiro, um decantado desconhecido. Jornal o Estado
de São Paulo, domingo 1 de outubro de 2006.
____. Na democracia da chupeta, a ordem é desfrutar. Aliás, Jornal o Estado de São Paulo, 26 de
abril de 2009.
Denise Madueño & Eugênia Lopes. Deputado ausente terá ponto cortado. Jornal o Estado de São
Paulo, 22 de outubro, 2004.
Lucas de Abreu Maia. Indecisão cria “instabilidade jurídica”. Jornal o Estado de São Paulo, 28 de
setembro de 2010.
Gabriel Manzano Filho. “O Brasil virou uma contradição ambulante”. Jornal o Estado de São Paulo,
27 de abril, 2009.
234
inadequadas não levam em consideração recentes estudos que revelam exatamente
o contrário, sejam eles a favor do atual presidencialismo de coalizão, sejam eles em
favor de outro arranjo, por serem contrários ao primeiro. Desconsideram também a
divisão de competência constitucional quanto à iniciativa de cada poder. Quem
possui uma larga soma de matérias para legislar é o Executivo e como essas
matérias influenciam diretamente na vida das pessoas, muitas delas passam a
impressão de que o Legislativo não trabalha por não ter deflagrado tais iniciativas. É
claro que o Executivo irá intervir nas matérias de seu interesse, que não são poucas,
dentre elas: gestão da máquina estatal e projetos administrativos, além dos
orçamentários. Vai compartilhar com o Legislativo as outras políticas públicas,
dentre elas as sociais.
Com adoção desse tipo de presidencialismo de coalizão o Executivo aloca
toda força dentro do Congresso nas mãos dos líderes das bancadas. Primeiro
porque serão eles a indicar os membros de todas as comissões permanentes,
temporárias e de inquérito, escolhem as matérias do seu partido para serem
incluídas na ordem do dia e deliberadas no plenário, fazem a ponte entre o partido e
os demais congressistas, podem solicitar urgência de proposituras, conduzem os
trabalhos com o governo em nome da bancada partidária. Isso sem mencionar os
Marco Aurélio Nogueira. A política em estado de sofrimento. Jornal o Estado de São Paulo, 25 de
setembro de 2010.
Walter Costa Porto. A crise política e a justiça eleitoral. Revista Jurídica Consulex ano IX, n. 206, 15
de agosto de 2005.
Felipe Recondo. STF deve liberar candidaturas de “fichas-sujas”. Jornal o Estado de São Paulo, 2 de
julho de 2008.
_____. “Sessão secreta não é compatível com a carta”. Entrevista com Ricardo Lewandowski. Jornal
o Estado de São Paulo, 16 de setembro de 2007.
Alexandre Rodrigues. “Para o cidadão, Justiça é mais eficaz que Legislativo”. Entrevista com Cássio
Casagrande. Jornal o Estado de São Paulo, 26 de abril de 2009.
Guilherme Sarance. Da desoneração da maça aos canudos lacrados. Jornal o Estado de São Paulo,
8 de junho de 2007.
Bruno Tavares. “Se o STF dormir, vai perder prestígio”. Entrevista com Wálter Maierovitch. Jornal o
Estado de São Paulo, 27 de setembro de 2010.
Gaudêncio Turquato. Floresta legislativa dá poucos frutos. Jornal o Estado de São Paulo, 28 de
outubro de 2007.
235
cargos das Mesas Diretoras340 – presidência, vice-presidência e secretarias –, que
possuem o controle da administração das Casas e possuem poderes discricionários.
Esse desequilíbrio interno deslegitima o próprio princípio da democracia
representativa.
O Legislativo nesse quadro possui um papel fundamental, o de ser o
realizador de meios para a fiel execução dessas premissas. As formas como podem
e devem ser realizadas estão constantes nos diversos meios de participação
previstos na Carta Maior e legislação infraconstitucional, em especial a realização de
referendo, plebiscito como forma de consultas às matérias denominadas sensíveis.
E, para tanto, os requisitos para projetos de iniciativa popular devem ser
reformulados através de emenda a constituição de forma a permitir o seu uso
eficaz.341 Mas não podemos olvidar a existência da Comissão Participativa.
O arranjo atual do presidencialismo de coalizão não pode subsistir com a
nomeação pelo Poder Executivo de ministros ligados a partidos como forma de
elaborar uma base governamental sem o respeito aos critérios constitucionais. Para
tanto, se um deputado ou senador se desincompatibilizar para assumir cargo no
Executivo deve renunciar o mandato para que o próximo na lista seja nomeado de
forma definitiva. Mecanismos hão de ser elaborados nesse sentido, porque o Brasil é
o único país com sistema presidencialista que não criou nenhum impedimento nesse
sentido, e aí temos a situação como, por exemplo, do Ministro Dornelles virar
Senador apenas por um dia para poder votar a EC da reeleição.
Não há como o Legislativo exercer a sua função fiscalizadora com o
presidencialismo de coalizão posto. A própria Constituição prescreve que ninguém
340
Pode-se referir para estudo de direito comparado: Georges Bergougnous. Presidencia de Las
Asambleas Parlamentarias Nacionales. Union Interpalamentaria, Ginebra: 1997.
E ainda: VARELLA, Alexandre Augusto Castro. As decisões do Presidente da Câmara dos Deputados às Questões de Ordens: ato técnico ou político? Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, 2007.
http://bd.camara.gov.br
341 Inclusive deve-se levar adiante a discussão da PEC por iniciativa popular. Nesse sentido: Paulo
Bonavides. Emenda à Constituição por iniciativa popular..In: Revista Latino-americana de Estudos
Constitucionais n. 8, janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albanisa Saraste, 2008.
Guilherme Brandão. Da constitucionalidade e legitimidade da iniciativa popular para a reforma da Constituição. Coleção de Teses, Dissertações e Monografias de Servidores do Senado Federal.
Brasília: Senado Federal, 2011.
236
pode fazer prova contra si mesmo, então porque os partidos prejudicariam aos seus
integrantes em pastas do Executivo? Quem fiscaliza a si mesmo? Quando o
Legislativo irá sustar ato administrativo ou mesmo convocar membros dos seus
partidos para prestarem esclarecimento?
Não há um consentimento prévio do Legislativo das políticas públicas
elaboradas pelo Governo342, e sim um acanhamento ou ausência de fiscalização
dessas políticas em troca de barganhas, sejam em emendas nas proposituras do
Governo, muitas delas em medidas provisórias e nas leis orçamentárias, sejam na
utilização de recursos e cargos referentes às pastas que ocupam, desqualificando
constitucionalmente os trabalhos do Legislativo nos seus princípios e funções.
A mensagem do Chefe do Executivo a cada abertura de legislatura deve ser
clara e contundente, não devendo enviar representante para fazê-lo.
Fora todo o exposto, para o Legislativo atuar nos moldes democráticos
espelhados nos princípios constitucionais, terá que haver mudança no Regimento
Interno de ambas as casas e deve ser alterado em algumas medidas para o bom
funcionamento do processo legislativo representativo e participativo. Em primeiro
lugar, acabar com a urgência requerida pelos líderes em propositura do Poder
Executivo, somente usar tal instrumento para as matérias relacionadas às
proposituras de bancada para evitar os desafetos políticos e entraves que possam
ter. O Executivo não precisa usar desse dispositivo, pois já possui a urgência
constitucional e as medidas provisórias, nas quais os requisitos de urgência
relevância são necessários, se houver urgência com esses mecanismos elas têm
que ser justificadas. Bem como acabar com o parecer oral de última hora proferido
em Plenário, pois essa prática deixa bem claro a intenção de atropelar os membros
da Casa, uma vez que estes não tiveram acesso às justificativas e nem ao texto final
sobre a matéria.
Deve o Legislativo procurar se equipar cada vez mais, não basta ainda o
avanço alcançado nos últimos tempos, deve abrir mais vagas de consultores e
assessores técnicos para as comissões e para a mesa diretora. Firmar convênios
342
Nesse sentido para consulta Leany Barreiro de Sousa Lemos. Controle Legislativo em
Democracias Presidencialistas: Brasil e EUA em perspectiva comparada. Tese de Doutorado, Unb,
Brasília: 2005, p. 179
237
com instituições renomadas, através das suas comissões para elaboração de
pareceres técnicos, isso depois de efetivar uma análise de incidência de temas
recorrentes, e abrir audiências públicas para os debates.343
Cabe também ao Legislativo e ao Judiciário, no contexto atual da
Constituição, a função precípua de exigir transparência nas leis orçamentárias e
apoiar a independência financeira do Poder Judiciário, para que este possa exercer,
com eficácia a sua função principal em busca de justiça, equipando-se,
instrumentalizando sistemas alternativos de conciliação e de acompanhamento para
saber se o resultado não será uma demanda judicial maior, em buscar eficiência na
gestão interna, mas acima de tudo tornar efetivo o controle em torno desse chamado
hiper-presidencialismo, problema especial na América Latina, que passa por
algumas vertentes - uma delas afirma que esse fenômeno é consequência cultural,
outra que é resultado da forma de governo e do sistema partidário -, mas o que é
senso comum é de como essa preponderância do Poder Executivo pode afetar a
democracia, transformando-a em uma democracia formal.
A constatação, que no moldes Constituição Brasileira de 1988, o Executivo
tem uma função legisladora não gera qualquer divergência diante da sua capacidade
legislativa, ora participando ativamente da função legislativa do Parlamento, ora
legislando de modo autorizado, ora legislando independentemente de qualquer
autorização do Parlamento.
A atividade legislativa para o Poder Executivo no Estado constitucional
contemporâneo é o meio pelo qual é aparelhado para poder estruturar e organizar a
fim de responder as crescentes demandas sociais, e executar as suas várias tarefas
e fins, ao mesmo tempo que urge a necessidade de aprimorar os mecanismos de
controle dessa ação a fim de torná-las mais seguras e eficazes.
A atividade legislativa do Poder Executivo deve ser visualizada dentro do
contexto de uma nova visão do princípio da separação dos poderes, do regime e
forma de governo que existe no Brasil, com os instrumentos constitucionais de
343
Modelo já adotado pela Assembleia Legislativa do estado de São Paulo na sua recente
reformulação do Regimento Interno, que através de levantamentos dos assuntos recorrentes irá solicitar manifestações das entidades qualificadas, via o Instituto do Legislativo Paulista, para auxiliar os trabalhos daquele órgão colegiado.
238
participação da atividade legislativa do Chefe do Poder Executivo, da proeminência
do Presidente da República.
O papel do Poder Legislativo, cuja função essencial era só a legiferação, hoje
acrescenta a ela a função fiscalizadora, e sua importância continua porque toda
decisão tomada com respaldo no Legislativo possui maior credibilidade e dá mais
estabilidade política, já que o Congresso Nacional é mais resistente à pressão para
a sua alteração repentina, apesar do processo decisório ser necessariamente lento,
e o seu resultado será menos instável.
Não devemos esquecer que o amesquinhamento das prerrogativas do
Parlamento promovido durante o período militar é mantido na quase integralidade
com a Carta de 1988, portanto urge uma reforma no âmbito, visando a sua
modernização, aparelhamento, tais como, a criação de cargos para especialistas
para que não dependa das fornecidas pelos órgãos especializados do Poder
Executivo.
Ao nosso ver, o raciocínio utilizado para justificar o presidencialismo de
coalizão, da forma como é praticado aqui no Brasil, não leva em consideração em
nenhum momento a participação da sociedade na formulação das políticas públicas,
na elaboração dos projetos de lei a serem enviados ao Legislativo, seja em forma de
audiências públicas, seja com a consulta ao setor e segmento interessado, não
considerando acima de tudo o princípio democrático, a participação cidadã ao supor
que a ausência de debate, se justificada pela tecnicidade, burle os princípios
constitucionais estruturantes da nossa Carta Magna, e da nossa sociedade.
A espécie legislativa, medida provisória, da forma como foi inserida e como se
encontra na nossa Constituição não gera menor dúvida que deve ser vista com
reservas e restrições quanto ao seu desmedido uso, e para tanto deve ser o próprio
texto constitucional usado para literalmente “enquadrar”, acabar com os abusos
praticados, que nas lições do mestre Paulo Bonavides:
O ordenamento jurídico vem sendo destroçado em grande parte pelo golpe de Estado institucional desferido por meio de Medidas Provisórias que expulsam do exercício do poder legítimo os dois órgãos paralelos da soberania nacional, o Legislativo e o Judiciário. E assim o Governo, sem dar satisfação ao povo, à opinião pública,
239
ao país e à Sociedade, executa a implacável política da recolonização.344
A crítica que ora colocamos é que no contexto atual o Poder Legislativo pela
sua inércia e apatia está sendo paulatinamente absorvido pelo Poder Executivo. A
tensão gerada entre o Poder Executivo e o Legislativo, proporcionando uma
expansão do Governo sobre a função legislativa, causa reflexos negativos sobre o
necessário equilíbrio que deve haver entre os poderes do Estado, acabando por
transformar em um desequilíbrio institucional dada ampla autonomia e
irresponsabilidade política do Presidente da República no regime presidencialista
brasileiro.
O modelo desgastado de edição e reedição de medidas provisórias, como via
normal para colocar em prática planos de governo, retira o seu caráter não ordinário
ao ser usada indiscriminamente pelo Presidente da República, negando assim a
função dessa espécie legislativa que é a de minimizar, em tempo hábil, impactos
sociais e econômicos de determinadas situações fáticas imprevisíveis que não
podem aguardar resposta do Corpo Legislativo.
O número excessivo de medidas provisórias além do deslocamento material
da função legislativa para o Poder Executivo, sobrecarrega ou inflaciona a atividade
legislativa do Parlamento que não consegue apreciá-la em tempo hábil, dado ao
escasso lapso temporal que o órgão Legislativo tem para pronunciar-se, a
deficiência de resposta do Parlamento consiste no fato de reiterações sucessivas de
medidas provisórias não-apreciadas que se vêm tornando uma prática comum do
Poder Executivo no ordenamento jurídico brasileiro.
A prática das reiterações sucessivas de medidas provisórias é fator de
desequilibro e desestabilização dentro de um Estado que se deve estruturar e
organizar em termos democráticos, porque o Estado constitucional democrático e a
legislação são frutos acima de tudo da participação de todos os cidadãos
personificados nas fileiras do Parlamento.
A política e a carreira política devem ser incentivadas para a manutenção do
Congresso Nacional, pois a ameaça à Democracia é a ausência de “cultura política”
344
Cf. Paulo Bonavides. A evolução constitucional do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003.p.205
240
no país, fato este propiciador de ameaças como o fortalecimento exacerbado do
Poder Executivo, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello,345 com o que
compactuamos e consequentemente corre-se sério risco de permanecer em uma
democracia formal, mero simulacro da democracia substancial, para qual só há uma
resposta: o mínimo de renda para desenvolver uma vida digna, educação de
qualidade e acesso amplo à cultura e à informação diversificada que poderemos
garantir o Estado Democrático de Direito.
Por fim, o papel do Supremo Tribunal Federal é de suma importância para a
defesa dos princípios constitucionais do nosso Estado Democrático de Direito, e
dentro desse contexto, ousar mais no tocante à hermenêutica atual que busca
enfrentar, entre outras coisas, as questões das normas que utilizam termos vagos e
fluidos, porém determináveis concretamente, como por exemplo, urgência e
relevância, além de busca uma interpretação menos restritiva e cada vez
abrangente visando dar maior concretude aos princípios constitucionais.
Para finalizar nossas conclusões, oferecemos algumas sugestões visando
solucionar alguns dos desafios colocados no decorrer do presente estudo.
1) Vedar pedido de urgência por parte do Poder Legislativo em proposituras do
Poder Executivo. A Constituição ao formular mecanismos de adoção de
medidas emergenciais para assuntos de proposições do poder executivo
determinou duas formas: MP e urgência constitucional, se adotasse outro
mecanismo, por ser expressa nessas determinações, estaria previsto no corpo
do seu texto. Portanto, para nós a urgência solicitada pelo Poder Legislativo
em qualquer fase nas proposições oriundas do Executivo é inconstitucional e
incompatível com o sistema do devido processo legislativo.2) O artigo 59 das
espécies legislativas deve ser tratado dentro do contexto constitucional. Seja
no tocante referente às suas matérias seja referente à elaboração das
proposições. Face aos ditames daquele artigo e os decorrentes dele, não se
pode alegar que não se tratam de espécies legislativas o rol aí elencado, e
portanto passível de controle jurisdicional tanto quanto aos aspectos de
345
Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. A democracia e suas dificuldades contemporâneas. Revista
Eletrônica sobre a Reforma do Estado n. 9, março/abril/maio, Salvador: 2007, disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C3%87O-2007-CELSO%20ANTONIO.pdf
241
respeito do devido processo legislativo, como das matérias pelas espécies
delimitadas. A afirmação, ao contrário, desconecta o sistema de produção
normativa esculpido na Constituição e fere o princípio de unidade da carta
constitucional.3) A elaboração das leis orçamentárias deve ser condizente com
os ditames constitucionais. Não pode o Executivo elaborar as leis
orçamentárias em desacordo com as previsões constitucionais, quais sejam: a
previsão de elaboração da LDO em conjunto com outros poderes. No caso do
PPA, o detalhamento organizacional sobre os programas de forma mais
concreta e não só as normas gerais genéricas que podem dar margem a
multiplicas interpretações. Ainda em matéria orçamentária a edição da lei que
regulamenta os prazos para a elaboração das peças orçamentárias por sua
necessidade e urgência poderia ser alvo de iniciativa popular. O fato do Poder
Executivo burlar os ditames constitucionais utilizando dessa brecha para evitar
maiores debates no âmbito do Poder Legislativo, para nós, configura em
inconstitucionalidade novamente do devido processo legislativo, passível de
apreciação pelo Poder Judiciário.4) O controle da execução da lei orçamentária
deve ser objeto de estudos aprofundado, pois o Poder Executivo controla a
liberação de verbas, sejam as de interesse do Poder Legislativo, sejam as de
interesse do Poder Judiciário, amesquinhando os projetos tanto de políticas
públicas parlamentares como os de gestão do parte do poder judiciário,
vinculando esses dois poderes a sua conveniência em desrespeito total ao
princípios informadores de elaboração e execução das leis orçamentárias
previstos pela constituição. E concordamos com a tese de Rodrigo Faria, citada
neste estudo, de que o descumprimento desses princípios acarretaria em crime
de responsabilidade, passível de controle jurisdicional.5) Quanto a edição de
medidas provisórias para abertura de crédito suplementar ou adicional, por não
terem os pressupostos de relevância e urgência na matéria, para nós, existe
vedação constitucional para edição dessa espécie legislativa, sendo passível
de controle jurisdicional. Já, quanto aos créditos extraordinários, somente
devem ser possíveis a sua edição por MP com o estrito respeito ao artigo 167,
§ 3º, nos demais casos vedado o seu uso por MP, como já vínhamos
propagando desde a decisão, para nós, emblemática do Supremo Tribunal
242
Federal.6) Soluções para as distorções quanto ao orçamento, aproveitamos
essa oportunidade em que o tema volta à tona para que se intensifiquem os
esforços no sentido de criar mecanismos mais eficientes de participação do
Poder Legislativo no processo orçamentário, bem como de controle da
atividade de execução orçamentária pelo Poder Executivo, a fim de que o
Orçamento Público cumpra seu papel de lei que de fato represente as escolhas
da população sobre a aplicação dos recursos públicos, e seja cumprida tal
como aprovada. Comecemos pelo orçamento. Leciona Conti, que nessa seara,
a opinião pública parece se dividir em dois extremos, ambos coincidindo no
caráter conflitivo, quase maniqueísta, das relações Executivo-Legislativo. O
primeiro extremo é a visão segundo a qual as decisões do processo
orçamentário (a formulação do orçamento e a sua execução) são adotadas de
forma técnica e objetiva pela burocracia do Poder Executivo, e em seguida
distorcidas em função de interesses parciais (pessoais ou partidários) no
Congresso Nacional. Ponto de vista diametralmente oposto é o que retira do
Poder Legislativo qualquer possibilidade de intervenção nas decisões relativas
à despesa pública, relegando-o ao papel de homologador de decisões que
seriam efetivamente tomadas pelo Executivo, este sim capaz de impor
invariavelmente a sua agenda e suas escolhas. O Supremo Tribunal Federal
admite o controle de concentrado de constitucionalidade de lei orçamentária
quando se está a impugnar dispositivos de natureza abstrata e genérica.346
Como ressalta Luiz Gustavo Bambini o que nos falta é a edição de Lei
Complementar para dispor sobre o prazo da elaboração das leis orçamentárias,
conforme art. 165, § 9º, CF, para o orçamento possa ser encaminhado no
devido tempo para o Poder Legislativo.347 Infringir qualquer modo de dispositivo
da lei orçamentária é crime de responsabilidade, nos termos do art. 10, inc. 4
346
ADI 2.925/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19/12/2003.
Cf. Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior O Supremo Tribunal Federal e o Controle Jurisdicional da
Atuação do Poder Legislativo: visão panorâmica e comentada da jurisprudência constitucional.
Senado Federal, Brasília: 2007, pp. 21-867, p. 421
347 Cf. Luiz Gustavo Bambini de Assis. Processo Legislativo e Orçamento Público. Função de controle
do Parlamento. São Paulo, Saraiva: 2012, pp. 13-175, p. 242
243
da Lei 1.079/50348. A proposta de Luis Gustavo Bambini de criar um comissão
mista somente para as leis orçamentárias é por nos pactuada inclusive a
previsão de consolidação dos regimentos internos no início de cada
legislatura.7) Quanto a aplicação da lei complementar nº 95 que regulamentou
a técnica legislativa de elaboração das propositoras e os decretos decorrentes
devem ser aplicados sob pena de inconstitucionalidade, e devemos criar
mecanismos visando a elaboração das Consolidações da leis do nosso
ordenamento jurídico em atendimento aos direitos fundamentais dos cidadãos
em obter uma segurança jurídica decente e condizente com os ditames
constitucionais.8) Em que medida a falta de justificativa adequada nas medidas
provisórias constantes do decreto, que regulamentou, o que para nós também
é passível de inconstitucionalidade diante da não observância dos pré-
requisitos de urgência e relevância em relação ao seu conteúdo, passível de
controle jurisdicional pela ausência evidente destes pressupostos.9) O
descumprimento da legislação da técnica legislativa deve ser passível de
controle jurisdicional. Isso porque, para a inflação legislativa já foi dada pelo
constituinte e pelo legislador ordinário, bem como pelo Executivo através dos
decretos com a regulamentação do parágrafo único do artigo 59, que é a
necessidade da elaboração das consolidações. Ao novo ver devem ser por
meio de temas, para trazer o maior debate e participação da sociedade e dos
entes afetados. Só dessa maneira, entendemos que os direitos plasmados na
Constituição poderão deixar de ser simbólicos e programáticos para se
tornarem efetivos através da transparência e obediência ao princípio de
unidade e coerência do ordenamento jurídico pátrio. Para nós, é um direito
difuso ter o acesso à legislação vigente sem subterfúgios.10) Urge a
necessidade de revisão da interpretação dada por Michel Temer sobre o
sobrestamento de pauta, uma vez que a Constituição não define em quais
matérias isso pode ocorrer, determina o sobrestamento total e pronto. 11)
Quanto às nomeações de membros de partidos no âmbito do Executivo, como
forma de loteamento, para aqueles que entendem ser um processo
348
Cf. Rodrigo Oliveira de.Faria. Natureza Jurídica do orçamento e flexibilidade orçamentária.
Faculdade de Direito. São Paulo: USP, 2009, pp. 10-276, p. 245
244
semiparlamentarista, falta uma disposição básica para tal assertiva que é falta
de procedimentos que visem a responsabilização pelos atos políticos e
medidas tomadas, tanto pelo chefe do poder executivo, como pelo responsável
pela pasta governamental. Ambos respondem pela concretização dos
princípios da moralidade e eficiência.12) Quanto ao Legislativo, como o sistema
brasileiro é comissional, deve ser reformulado a disposição regimental que
permite parecer oral em plenário, evitando assim debates e as relatorias das
comissões mistas devem ter seus pareceres aprovados em reunião no âmbito
dessas comissões, com a transparência devida, ou seja, como a divulgação do
parecer a ser discutido e votado aos seus pares de colegiado.13) Outra
disposição que se faz necessária regimental é a criação de prazo para votação
das proposições prontas para a ordem do dia, acabando assim com a
discricionariedade total do presidente da mesa e do colégio de líderes sobre a
escolha vinculando os partidos e parlamentares a sua determinação. Não
estamos defendendo a retirada de poder de pauta desses dois entes, o que
estamos colocando é que deve haver a previsão de um prazo, para que as
matérias sejam votadas, de forma que não caiam no esquecimento ou serem
colocada para votação somente mediante barganha preservando e
prestigiando assim as prerrogativas dos parlamentares com representantes
eleitos.14) Com essas sugestões aqui propostas, como sendo base de
fortalecimento institucional, tendo como reflexão o Poder Legislativo, a
relevância do Supremo Tribunal Federal na sua postura de guardião da
constituição não pode mais ser acanhada ou omissa sobre do afrontamento a
Carta Magna e aos seus princípios basilares. Para que haja o equilíbrio das
instituições dentro do quadro que se instaura com o presidencialismo de
coalizão o Supremo Tribunal Federal tem papel de extrema relevância e vulto,
não podendo se acanhar na defesa da Constituição, seja pela alegação de
matéria interna corporis, seja pela dificuldade do controle de conceito de direito
subjetivo, duas questões que não podem mais serem deixadas de lado pela
interpretação nos moldes que não diz com o contexto atual do papel
jurisdicional das Cortes Constitucionais em defesa dos direitos fundamentais.
245
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