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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
Tatiana de Fátima Domingues Bruno
A Função Educativa do Serviço Social: Espaço de “Educar-a-Ação”
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
Tatiana de Fátima Domingues Bruno
A Função Educativa do Serviço Social: Espaço de “Educar-a-Ação”
MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre sob a
orientação da Professora Doutora Maria
Carmelita Yazbek.
SÃO PAULO
2009
Banca Examinadora
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Para Bruno, companheiro de alma.
AGRADECIMENTOS
Agradeço esta Força – Mãe, gestadora contínua, que me sustenta, ampara, acolhe e
nutre em todas as dimensões do meu viver.
Aos meus pais, meus primeiros mestres, amigos que preenchem a minha vida de
admiração e gratidão.
Ao Bruno pela paciência, compreensão, apoio e estímulo neste processo que com
sua presença afetiva torna minha caminhada leve e preenchida de amor.
À CAPES – Coordenadoria para Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior
pela concessão da bolsa de mestrado, sem a qual este estudo seria inviabilizado.
À Carmelita Yazbek, querida e amiga, obrigada pelo seu acolhimento, carinho e
dedicação nos momentos de orientação. Obrigada por ter aprendido tanto com você
e por me permitir voar.
Ao Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social da PUC-SP pela
contribuição generosa do corpo docente e discente na perspectiva da construção de
uma pedagogia emancipatória.
À Prefeitura de Santo André, na Secretaria de Inclusão Social pelo acolhimento e
disponibilidade para a pesquisa.
Aos assistentes sociais participantes do grupo focal pela real contribuição e entrega
ao processo de investigação.
À banca de qualificação: Professora Maria Lúcia Martinelli, Professora Isaura Isoldi
Castanho e Oliveira e Priscila Cardoso pelas contribuições valiosas que
direcionaram este trabalho.
À equipe do “Diagnóstico dos Municípios de Diadema e Mogi das Cruzes” do IEE –
Instituto de Estudos Especiais da PUC-SP.
À mim mesma por sempre ter tido coragem de bancar os meus sonhos.
RESUMO
Esta dissertação trata da compreensão da função educativa do Serviço Social em
sua atuação no PAIF – Programa de Atenção Integral às Famílias no município de
Santo André.
Partiu do entendimento das pedagogias, estudo desenvolvido por Abreu (2002) no
âmbito do Serviço Social e da contextualização do Serviço Social como profissão
instituída para amenizar os conflitos entre capital e trabalho, contextualizando-a
desde sua gênese aos dias atuais.
O estudo remeteu a organização da cultura em suas diferentes manifestações na
qual o assistente social também é inserido, entendendo o seu trabalho com
importante característica na organização e manifestação da cultura. Entretanto, a
intencionalidade da ação profissional determina se o profissional é um intelectual
orgânico comprometido com as classes subalternas ou se está comprometido com
os interesses do bloco dominante, apreendendo ainda, o movimento contraditório
existente nestas mediações.
Esta pesquisa teve por base a análise de dados primários e secundários, coletados
por mais de um instrumento de investigação, como entrevista semi estruturada com
as gestoras do PAIF em Santo André e grupo focal com os assistentes sociais
envolvidos no programa, além de pesquisa bibliográfica e documental.
Pode-se concluir que o processo educativo/pedagógico é desvendado no cotidiano
profissional como manifestação das apreensões ético-politicas e teórico-
metodológicas pelo profissional em sua relação com o projeto ético-político eleito
pela categoria profissional. Mais do que educar o outro, o que se aponta é um
espaço de Educar-a-Ação profissional continuamente pelo assistente social.
Palavras – Chaves: Serviço Social, educativo, pedagogias, socioeducativo.
ABSTRACT
This discourse is about the understanding of the Social Service educational function
in your performance in PAIF - Programa de Atenção Integral às Famílias in Santo
André municipal district.
From the understanding of the pedagogies, study developed by Abreu (2002) in the
Social Service ambit and contextualization of the Social Service as profession
instituted to ease the conflicts between capital and work, contextualizing, from your
genesis to the current days.
The study sent the organization of the culture in your different manifestations in
which the social assistant is also inserted, understanding your work with important
characteristic in the organization and manifestation of the culture. However, the
intentionality of the professional action is determined if the professional is an organic
intellectual committed with the subordinate classes or it is committed with the
interests of the dominant block, still apprehending, the existent contradictory
movement in these mediations.
This survey had for base the analysis of primary and secondary data, collected for
more than an investigation instrument, as interview semi-structured with the
managers of PAIF in Santo André and focal group with the social assistant involved
in the program, besides bibliographical and survey documental.
It can be ended that the educational process / pedagogic it is unmasked in the daily
professional as manifestation of the apprehensions ethical-politicize and theoretical-
methodological for the professional with your relation with the ethical-political project
chosen by the professional category. More than to educate the other, which points is
continually a space of professional Educate-to-action for the social worker.
Key words: Social Service, educational, pedagogies and social education.
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................. 9
1. Temática Abordada ............................................................................................ 10
2. Referencial Teórico e Procedimentos Metodológicos ................................. 15
3.Estrutura da Dissertação ................................................................... 19
Capítulo I
O Serviço Social e o educativo, o socioeducativo e as pedagogias: entendendo
conceitos ................................................................................................................. 21
1.1 Educativo e Socioeducativo ............................................................................. 30
Capítulo II
O PAIF em Santo André ......................................................................................... 42
2.1 Programa de Renda Mínima de Santo André – Família Cidadã ...................... 44
2.2 Programa de Atenção Integral a Família – PAIF Santo André ................. 46
Capítulo III
Função Educativa do Serviço Social: Espaço de Educar-a-Ação ...................... 59
3.1 Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Programas de
Transferência de Renda ......................................................................................... 74
3.2. Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Grupos
Socioeducativos .............................................................................................. 78
3.3 Expressões da Função Educativa/Pedagógica na Política de
Assistência Social de Santo André ..................................................... 87
Considerações Finais
Quando o Fim é o Recomeço de um Novo Ciclo ................................................. 90
9
INTRODUÇÃO
“Não seja o de hoje Não suspires por ontens...
Não queira ser o de manhã. Faze-te sem limites no tempo.
Vê a tua vida em todas as origens. Em todas as existências.
Em todas as mortes. E sabes que será assim para sempre.”
Cecília Meireles
A minha trajetória profissional marcou fatalmente o meu interesse pelo tema
em questão. O Serviço Social é uma profissão que me inquieta pelo enorme desafio
em que se apresenta cotidianamente. Já no período de estágio na graduação, atuei
no Programa Fortalecendo a Família - PFF em São Paulo, com a proposta de
acompanhar famílias através de grupos socioeducativos. Trabalho instigante, tema
tão pouco estudado em sala de aula... Socioquê?? Muitos questionavam.
O PFF era um programa de atendimento a famílias através de grupos
socioeducativos. A proposta era, além do atendimento direto a 13.000 famílias, a
construção de uma metodologia de atendimento. Muitos altos e baixos percorreram
um ano e meio deste estágio, porém o considero impar no aprendizado que me
proporcionou e motivou a construção do meu Trabalho de Conclusão de Curso:
―Existe contribuição do assistente social na construção da autonomia do seu
usuário? – Um recorte do Programa Fortalecendo a Família‖, defendido em junho de
2004.
Como assistente social, continuei a trabalhar com grupos socioeducativos de
famílias no Programa de Assistência Social a Família - PROASF da Prefeitura de
São Paulo. Período de muitas dificuldades, pois as certezas que tinha como
estudante parecia desaparecer ao peso de minha responsabilidade como
profissional e da precarização do serviço governamental ofertado.
Em 2005, iniciei no Cedeca Interlagos, trabalho com adolescentes em
cumprimento de Medidas Socioeducativas em meio aberto. Novamente o termo
socioeducativo estava presente em meu cotidiano profissional e questionava o que
de fato poderia traduzir tal expressão, principalmente num trabalho tão contraditório
e ambíguo como o realizado com adolescentes em conflito com a lei.
10
Período após, assumi a coordenação do Programa Ação Família na mesma
instituição. Novo programa de atenção a família da Prefeitura de São Paulo, o Ação
Família trazia a figura do Agente de Proteção Social que é um agente comunitário
responsável por visitar as famílias atendidas e verificar suas condições de vida e
vulnerabilidades. Entretanto, os Agentes de Proteção Social não possuíam formação
em qualquer área e enfrentavam situações precárias nas comunidades em que
viviam se assemelhando em muito a realidade das famílias quais atendiam. Este fato
causou uma identificação paralisante e o trabalho ficou muito aquém do esperado.
Enquanto assistente social e coordenadora do Programa, decidi fazer atendimento
individual com cada Agente de Proteção Social e ali verifiquei situações de
drogadição, violência sexual, questões psiquiátricas e médicas, precarização
financeira, situações graves de habitação, etc., enfrentadas pelos Agentes e fiz
diversos encaminhamentos, acompanhamentos, entendendo que os Agentes eram
usuários em potencial, apesar da exigência de um trabalho profissional sobre eles.
O exercício profissional no papel de gestora ampliou perspectivas e pontos de
vista, modificando o meu olhar. O desejo de entender questões do meu cotidiano
profissional fez-me pleitear o Mestrado de Serviço Social na PUC-SP em 2006 e
assim retomar minha vida acadêmica.
Novo olhar, velhas perguntas! Ainda angustia-me o tal trabalho
socioeducativo... Para quê serve? Como deve ser feito? Qual a contribuição do
Serviço Social neste espaço?
E é com estas inquietudes que a pesquisa em questão foi realizada,
mediação entre realidade e teoria, na busca de traduções, aproximações, deste
movimento dinâmico.
1. TEMÁTICA ABORDADA
Entre o modismo e a necessidade, o assistente social é frequentemente
chamado a realizar trabalhos educativos. Com o advento do SUAS – Sistema Único
11
de Assistência Social1, que traz em suas propostas a centralidade da família e a
necessidade do trabalho socioeducativo nas instâncias municipais, a expansão dos
programas de transferência monetária que também trazem forte apelo ao
acompanhamento socioeducativo do beneficiário com vistas à sua autonomia. Os
grupos de acompanhamento vêm se multiplicando e muitas indagações giram em
torno da questão.
O ―tal‖ socioeducativo é expressão muito usada e debatida na atualidade.
assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais e educadores
em geral são contratados para efetivar o ―tal‖ socioeducativo em seu cotidiano
profissional. Fato é que, poucos se atrevem a esclarecer o que venha a ser o
trabalho socioeducativo, quais conteúdos ele abrange e para quais objetivos se
destina.
Entre visões generalistas que consideram tudo socioeducativo (palestras,
conversas, cursos e até a forma de recepcionar a população, de escutá-la e de
encaminhá-la) a visões mais restritas que adotam metodologias como a de grupo
operativo, de Pichon Rivière ou a pedagogia da autonomia de Paulo Freire, os
atendimentos acontecem muitas vezes de forma espontaneístas.
O Serviço Social vem no decorrer da história buscando respostas às
demandas da sociedade. A profissão se instituiu no Brasil na década de 40 como um
dos mecanismos existentes para amenizar o conflito existente entre capital e
trabalho. As propostas de intervenção neste período têm o objetivo de adequação e
enquadramento do usuário, marcadas pela ideologia da Igreja. Já neste período, o
assistente social tem características educativas em sua ação profissional, como nos
aponta Magalhães:
“O problema das massas proletárias era de “educação”. As elites
deviam conduzir as massas, transformando-as em cidadãos, isto é,
ao nível cultural. (...) Surge neste contexto a institucionalização do
Serviço Social, como profissão marcada por esta perspectiva
aristocrática de educação. Propõe a formação de quadros de
profissionais, “agentes funcionais” responsáveis pelo controle e
direção dos programas de assistência social. O objeto central de
1 O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência
Social e tem como pressuposto a Política Nacional de Assistência Social – PNAS que objetiva a construção
coletiva do redesenho da política através da sua implementação.
12
trabalho consiste nas camadas “pauperizadas” e marginalizadas da
sociedade. O ato de assistir essas “massas pobres” e incultas tem
como intenção promover ajustamentos sociais, evitar focos de
conflitos que ameaçam o equilíbrio da sociedade” (1981: 46)
As ações profissionais já contavam com um viés educativo desde sua gênese
com o objetivo de adequar a população evitando conflitos sociais. As primeiras
manifestações originárias no seio da Igreja tinham o compromisso da ―ajuda‖,
explicitando viés assistencialista caritativo. Além do atendimento individualizado -
utilizado prioritariamente para ―diagnosticar‖ o problema -, existiam também os
grupos de operários, grupos de mães ou clube de mães, ambos com um forte
vínculo com a Ação Católica.
Já a partir da década de 50, surgem os grupos de profissionais envolvidos
nas propostas de Desenvolvimento de Comunidade – DC linha de trabalho tão
explorada no Serviço Social neste período. Em todos estes grupos, foi grande a
contribuição e a organização por parte dos assistentes sociais que buscavam
melhoria nas condições de vida da população, além de uma adequação moral da
família e do trabalhador.
De lá para cá, mudanças ocorreram, principalmente as que marcam o
movimento de Reconceituação no âmago da profissão e que propõem o
materialismo histórico dialético como base teórica do Serviço Social, buscando
romper com o conservadorismo e sua vertente teórica positivista, e tendo ainda, a
fenomenologia que por fim se apresenta como uma nova roupagem deste
pensamento conservador.
Neste período, estratégias de ação positivistas que adotam o tripé ―indivíduo,
família e comunidade‖ e estratégias com bases nas matrizes norte-americanas
pautadas no ―diagnóstico‖ são fortemente questionadas e a partir da busca de
ruptura sob influências do novo referencial teórico marxista, dá-se espaço para uma
nova ação educativa, a ―educação popular‖. A educação popular ganha espaço na
academia, influenciada prioritariamente por Paulo Freire como uma estratégia de
construir junto com as classes subalternas, possibilidades de autonomia e
consciência política. Busca romper com a visão fragmentária e de cunho moral das
ações educativas ligadas aos grupos já existentes.
13
Em entrevista para a Revista Serviço Social e Sociedade, Paulo Freire é
questionado se há assistentes sociais nos grupos de educação popular,
coordenados por ele na PUC-SP e ele responde:
“Sim, sim. Eu não diria que em todos estes grupos, em todos não,
mas em grande medida tenho visto os assistentes sociais trabalhando
no campo da alfabetização e da pós-alfabetização, no serviço social
especifico, na ação comunitária, etc., quer dizer há uma boa presença
de assistentes sociais nesse conjunto de equipes com os quais estou
trabalhando.” (1980: 72)
Não apenas no trabalho coordenado pelo Professor Freire, mas em outros
tantos pelo Brasil, há um envolvimento dos assistentes sociais com a educação
popular, neste momento embrionário, com características messiânicas,
vanguardistas, entendendo a educação popular como um chamado.
“É fundamental ter clara a posição do chamado “educador popular”.
Colocar-se a serviço das classes subalternas, não assumindo a
direção e o controle do processo educativo, é uma premissa que
merece destaque." (MAGALHÃES, 1981:48)
Durante toda a década de 80, a educação popular aconteceu nas periferias
das cidades, nas associações de bairro, nos sindicatos, igrejas e se mesclava entre
as propostas interventivas institucionais e voluntarismo profissional. Ações estas,
engrossadas pelo momento áureo dos movimentos populares por conquista de
direitos básicos como saúde, educação, moradia.
É, porém, na década de 90 que o termo socioeducativo passa a ser usado e
mais amplamente debatido com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA. Lei esta que rompe com o caráter punitivo do antigo Código de Menores e
propõe Medidas Socioeducativas para adolescentes que estão em conflito com a lei.
Entretanto, o conteúdo das ações socioeducativas não está explicitado na lei, que
apresenta apenas grifos para que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários dos adolescentes.
Neste mesmo decênio, as políticas de Garantia de Renda Mínima surgem no
país. O pioneiro no âmbito federal é o Bolsa Escola que garante apenas o repasse
do subsídio financeiro às crianças selecionadas em idade escolar e com freqüência
assídua na escola, como uma forma de cercear a evasão. Em 1995, em âmbito
14
municipal surge o Programa Municipal de Garantia de Renda Familiar Mínima –
PMGRFM de Campinas que traz como proposta além do repasse financeiro, o
acompanhamento socioeducativo às famílias beneficiárias. Esta experiência foi
divulgada e multiplicada em todo o país, pois trazia em si um caráter inovador da
junção do repasse financeiro com o acompanhamento socioeducativo através de
grupos mensais coordenados por uma dupla de técnicos: um assistente social e um
psicólogo.
Os municípios elaboram e implementam programas de transferência de renda
quando em 2003, com a posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva, intensificam-
se as discussões em torno de um Sistema Único de Assistência Social - SUAS
garantindo comando único nas ações e eliminação da sobreposição e pulverização
de ações.
Em 2004 é regulamentado o SUAS que tem a função de organizar em todo o
território nacional as ações socioassistenciais, definindo e organizando a Política
Nacional de Assistência Social – PNAS/2004, aprovada pelo Conselho Nacional de
Assistência Social2.
Desde então, estados e municípios vem empenhando esforços para a
implementação do SUAS, onde as ações de assistência social passam a ser
organizadas em Proteção Social Básica e Proteção Social Especial.
A Proteção Social Especial tem por objetivos prover atenções
socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco
pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos,
abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas
socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.
Já a Proteção Social Básica tem como objetivos prevenir situações de risco,
por meio do desenvolvimento de potencialidades, aquisições e o fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de
vulnerabilidade social, decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário
ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e/ou fragilização de vínculos
afetivos — relacionais e de pertencimento social. O Programa de Atenção Integral à
2 Por meio da resolução N° 145/2004.
15
Família – PAIF é o principal programa da proteção social básica e acontece dentro
do espaço do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS.
O PAIF tem por objetivo contribuir para a prevenção de situações de risco de
indivíduos e famílias, busca propiciar o fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários e o favorecimento do convívio familiar. Parte do reconhecimento do
protagonismo das famílias, fomentando-o e promovendo potencialidades e
aquisições destas.
As atividades oferecidas pelo PAIF vão desde atendimentos individuais e
visitadas domiciliares a grupos socioeducativos, reflexivos, de convivência, de
geração de renda.
Por se consolidar como num espaço impar para a atuação do assistente
social e o exercício de atividades educativas ou socioeducativas com a população
usuária, o PAIF desenvolvido pelo município de Santo André – SP foi escolhido
como espaço para esta pesquisa.
O objetivo desta pesquisa é compreender qual a função educativa existe no
trabalho do assistente social no Programa de Atenção Integral a Família – PAIF e
como esta é evidenciada no cotidiano profissional.
2. REFERENCIAL TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
“Escolher um método significa, em outras palavras, optar
por uma trajetória teórica que deverá auxiliar na compreensão do
movimento de um objeto de estudo situado concreta e
materialmente na realidade.” (SILVA, 2000:28)
Para o desenvolvimento da pesquisa é fundamental que seja estabelecido
previamente o referencial teórico-metodológico, bem como explicitar o método que
orienta a produção do conhecimento. A metodologia desta pesquisa está pautada na
dialética de Marx, tradição teórica esta que parte da realidade como dado
fundamental para a reflexão num movimento constante e ininterrupto.
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“A razão não constrói, mas reconstrói o real e a sua dinâmica,
apanhando todas as mediações possíveis que também possuem uma
existência concreta e material. Os homens são para Marx, seres
ativos, porém não como Hegel os concebia; eles fazem história sob
determinadas condições sendo, ao mesmo tempo, sujeito o objeto do
mesmo processo. Esta unidade-diversa permite a transformação e a
auto-educação simultânea dos homens e da própria realidade,
expressando um movimento dialético ininterrupto que,
necessariamente, unifica, mas não identifica o pensamento e a
realidade. A ontologia materialista é acompanhada, então, por uma
nova articulação lógica que não supervaloriza a razão, mas a
considera como parte importante de um processo indivisível com o
mundo material. A totalidade, edificada neste contexto, é sempre
parcial, pois o pensamento não é capaz de captar exatamente o
movimento da realidade.” (SILVA, 2000:30)
A realidade é, portanto, dado fundamental para a construção do
conhecimento, porém, é dinâmica e o pensamento humano, por sua vez, não é
capaz de acompanhar o movimento do real em sua totalidade. Entretanto, sendo o
homem sujeito e objeto de sua história, particular e coletiva, a reflexão crítica
subtraída do movimento da realidade é a possibilidade de construção de novas
alternativas que reafirmem a ação-sujeito do homem. Neste sentido, o cotidiano não
é descolado da teoria, mesmo quando esta é e, sempre será, inacabada para
responder a todos os questionamentos posto na cotidianidade. Faz parte do
processo histórico, a participação coletiva na construção do conhecimento onde as
inquietações são trazidas à tona, na incessante busca de respostas.
O método, mais do que instrumentais e regras, é o movimento da teoria, o
alicerce daquilo que se quer sistematizar e devolver para a realidade. É o caminho
escolhido para a pesquisa, a seta que aponta a visão de homem, de mundo e de
sociedade como pressuposto fundamental para análise.
É necessário e, não menos importante, instrumentos e técnicas para a coleta
de dados. Neste sentido, a escolha que se estabelece é que esta pesquisa tenha
caráter qualitativo. Isso porque o interesse posto pelos objetivos da investigação é
identificar e conhecer a função educativa existente no trabalho do assistente social e
como esta é evidenciada no cotidiano profissional a partir de experiências com o
17
PAIF. O interesse da pesquisa é apreender uma característica do modo de ser do
Serviço Social.
(...) tanto a realidade quanto a relação humana são qualitativos.
Implicam em sons, aromas, cores, arte, poesia, linguagem, os quais
só podem ser alcançados pela mediação do sujeito e
predominantemente de modo qualitativo, pois demandam atribuição
de significados. Tal tarefa apenas o sujeito é capaz de realizar, pois
significados se constroem a partir da experiência. (MARTINELLI,
2006:11)
O desafio posto é à luz dos conceitos teóricos levantados, penetrar a
realidade destes profissionais e poder reconstruir idéias, conceitos, entendendo as
condições objetivas e subjetivas que estes dispõem para a execução de seu
trabalho.
O universo da pesquisa é o Programa de Atenção Integral à Família – PAIF
desenvolvido nos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS do município
de Santo André. Os sujeitos da pesquisa são os assistentes sociais que atuam como
técnicos ou gestores do programa. Desta forma, delimita-se uma amostra
probabilística intencional.
A Prefeitura de Santo André conta com 4 CRAS implantados que são
desenvolvidos em sistema de co-gestão em parceria com Organizações Não
Governamentais. Ao todo são 16 assistentes sociais, servidores públicos e
contratados, envolvidos com o trabalho.
O PAIF em Santo André atende prioritariamente as famílias que se
encontram em situação de risco pessoal e social e, as que não cumprem as
condicionalidades dos Programas de Transferência de Renda Bolsa Família e Renda
Cidadã.
A investigação junto aos sujeitos se deu através de entrevistas semi-
estruturadas com roteiro pré-definido e utilização de gravador para a reprodução fiel
do conteúdo, realizadas com as duas gestoras do programas, assistentes sociais. A
escolha da entrevista é justificada porque “além de permitir captar melhor o que as
pessoas pensam e sabem, observam também a sua postura corporal, a tonalidade
da voz, os silêncios, etc.” (MARSIGLIA 1999: 27).
18
Foram entrevistadas a responsável pelo setor de Proteção Social Básica e a
Diretora do Departamento de Assistência Social. A receptividade para com o tema
foi muito boa e as questões do roteiro (que propositalmente fazia o entrevistado
responder quase que a mesma pergunta por diferentes possibilidades) trouxeram
novas inquietações tanto na pesquisadora, como nas entrevistadas que por ora
paravam e observavam para elaborar situações tão cotidianas, que por vezes
passam despercebidas do processo reflexivo.
Outra opção metodológica foi a realização de grupo focal. O grupo focal
permite ao pesquisador observar a interação dos indivíduos em determinado tema,
conhecendo as semelhança e as diferenças entre as opiniões e experiências
expressas.
A escolha dos grupos focais é justificada porque “(...) são fundamentalmente
uma maneira de ouvir as pessoas e apreender com elas. Grupos focais criam linhas
de comunicação... um amplo processo de comunicação que conecta os mundos do
pesquisador e dos participantes.” (MORGAN in Berthoud, 2004:44).
O objetivo deste instrumento é de captar as diferentes opiniões acerca do
tema e como o conjunto de trabalhadores assistentes sociais daquele espaço
compreendem a questão apresentada e como a observam no cotidiano.
“Segundo Powell e Single (1996, p.449), um grupo focal „é um
conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para
discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de
sua experiência pessoal‟ Kitzinger (1994, p.103) diz que o grupo é
focalizado, no sentido de que envolve algum tipo de atividade coletiva
– como assistir um filme e conversar sobre ele, examinar um texto
sobre algum assunto, ou debater um conjunto particular de questões.”
(GATTI, 2005: 7)
Para o aquecimento, foi dado ao grupo um papel com a questão: Você acha
que o Serviço Social tem uma questão educativa no seu cotidiano? Por quê?
Antes, porém, foi esclarecido ao grupo o objetivo daquele encontro e o que
seria um grupo focal, enfatizando que o objetivo não era criar consensos, mas
averiguar as diferentes opiniões. Também foram explicitado os objetivos da pesquisa
e o papel da pesquisadora naquele momento, que não era o de realizar uma
19
entrevista coletiva e sim prioritariamente ouvir e acolher ao grupo, fazendo
intervenções pontuais.
O grupo, que iniciou tenso, foi se soltando pouco a pouco e chegou a
momentos de discussões calorosas. Entretanto, como é comum do ser humano, que
socialmente constantemente busca aprovações externas, houve vários movimentos
espontâneos de tentar criar consenso ou de confirmar qual seria a opinião do grupo
entre seus participantes
O encontro terminou com o compromisso da pesquisadora de apresentar os
resultados da pesquisa para aquele coletivo e com relatos do quanto estes
momentos são importante na vida profissional, pois, é em espaços como estes que
podemos elaborar o cotidiano, adicionando a este a reflexão crítica.
Pelo encontro ter ocorrido logo após o segundo turno do processo eleitoral
para prefeito (2008), em que, o resultado apresentava a perda da atual gestão do
Partido dos Trabalhadores, muitos participantes ao final do encontro relatavam o
cansaço, a apreensão quanto ao futuro e a vontade de distanciar o seu trabalho
destes incômodos políticos. Este movimento revelou também, a relação de confiança
que se estabeleceu entre a pesquisadora e os sujeitos pesquisados. E, este fato,
pode ou não ter influenciado a coleta de dados.
Fez parte também da coleta de dados a análise de documentos que
direcionaram o trabalho destes profissionais, pesquisas em sites tanto da prefeitura
de Santo André, quanto do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome
- MDS e pesquisa bibliográfica.
3. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
Esta dissertação está divida em três capítulos mais as considerações finais da
pesquisadora. O primeiro capítulo discorre sobre o alicerce teórico buscado pela
pesquisadora para a discussão do tema. Fortemente marcado pelo estudo das
pedagogias de Abreu (2002), este capítulo não traz apenas as considerações
teóricas construídas pela categoria, mas o entendimento da pesquisa sobre estas e
20
sua definição sobre o termo socioeducativo, tão empobrecido e esvaziado de
significado.
O segundo capítulo aborda o cenário em que a pesquisa foi realizada que é o
município de Santo André na Secretaria Municipal de Inclusão Social. Discorre sobre
as características do município e o caminho de construção até o PAIF, trilhado por
esta secretaria.
O terceiro e último capítulo traz uma análise profunda do material coletado
através do grupo focal e das entrevistas à luz da teoria já disseminada. Trata-se do
condensamento das descobertas realizadas pela pesquisadora em seu processo de
aproximação ao objeto de estudo.
As considerações finais buscam não o encerramento do tema, mas o inicío de
um novo ciclo onde há a possibilidade do encaminhamento das questões prementes
para o debate profissional.
21
CAPÍTULO I
O SERVIÇO SOCIAL E O EDUCATIVO, O SOCIOEDUCATIVO E AS PEDAGOGIAS:
ENTENDENDO CONCEITOS
Com sua gênese marcada pela implantação do sistema capitalista na
sociedade atual, o Serviço Social nasce como profissão que tem o desafio de
amenizar as tensões criadas entre o capital e o trabalho. Sofre em seu início grande
influência da igreja católica e da moral cristã, já que as primeiras ações ocorriam no
âmbito da igreja com o intuito caritativo de ―ajudar‖ os pobres e miseráveis. A história
do Serviço Social como profissão e suas bases de origem, nos auxiliam a
compreendê-lo em seu movimento de construção histórica, desvendando seu modo
de ser.
Desta forma, o Serviço Social constituí-se como profissão que tem nas
expressões da questão social3 a matéria-prima para o trabalho profissional. É
através da questão social que as demandas profissionais surgem na sociedade
capitalista. “A matéria-prima do trabalho do assistente social (ou da equipe
interprofissional em que se insere) encontra-se no âmbito da questão social em suas
múltiplas manifestações – saúde da mulher, relações de gênero, pobreza, habitação
popular, urbanização de favelas, etc. – tal como vivenciadas pelos indivíduos sociais
em suas relações sociais quotidianas, às quais respondem com ações, pensamentos
e sentimentos.” (IAMAMOTO 2003:100). É, portanto, profissão inscrita na divisão
sócio-técnica do trabalho, pois possui matéria-prima (expressões da questão social),
e, cria e produz serviços de utilidade social; atende a uma necessidade da
sociedade.
Todavia, o assistente social, apesar de se caracterizar como um profissional
liberal, vende sua força de trabalho para órgãos públicos e privados, por não deter
em si todos os meios para concretização de seu trabalho, tornando-se assim mais
um trabalhador assalariado.
3 “Questão Social apreendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação de seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da
sociedade”. (IAMAMOTO, 2003:27)
22
Como profissão, possuí Código de Ética (1993) que atualmente preconiza
valores voltados para a ―liberdade, a autonomia e a plena expansão dos indivíduos
sociais‖, assumindo posicionamento político a favor da equidade e da justiça social.
Os valores impressos num Código de Ética Profissional anunciam a proposta desta
profissão para a sociedade, os valores que sustenta e a intencionalidade de sua
ação.
“Esquematicamente, este projeto ético-político tem em seu núcleo o
reconhecimento da liberdade como valor central – a liberdade
concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre
alternativas concretas: daí um compromisso com a autonomia, a
emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais” (NETTO,
1999:104)
O Código de Ética do Assistente Social explicita um projeto ético-político
adotado pelos agentes profissionais, apontando a busca de uma homogeneidade na
forma de pensar e de ser da profissão. Os projetos profissionais constituem a auto-
imagem de uma profissão e existem porque cada profissão tem o seu papel social e
tem uma intencionalidade de ação. As profissões dentro da sociedade não se
constituem de forma neutra, sempre há uma intenção em sua função social, um
objetivo a ser alcançado. Desta forma, o projeto profissional é construído pelos
sujeitos coletivos e através deste, a categoria profissional elege “valores ético-
políticos e opções teórico-metodológicas em consonância com um projeto societário,
tendo por base a prática profissional dos sujeitos desta ação.” (CARDOSO,
1999:95).
Essa teleologia própria da profissão, nos revela um campo tencionado
por dois pólos: primeiro diz respeito à função social da profissão que é reproduzir
relações sociais4 tendo como um de seus mecanismos amenizar os conflitos
existentes entre o capital e o trabalho, conflitos marcados pelas diferenças de
classes e pelas desigualdades na distribuição da riqueza socialmente construída. O
outro pólo diz respeito ao projeto de profissão construído coletivamente que é
evidenciado entre outros elementos no Código de Ética profissional e aponta um
novo projeto societário diverso ao capitalismo. Desta forma, a profissão vive
4 “Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social, a reprodução de
determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de
forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade.” (IAMAMOTO, 2001:72)
23
contemporaneamente a contradição entre o objetivo de sua função social e o
objetivo de seu projeto profissional.
No entanto, é importante frisar que nem sempre foram estes valores adotados
pela profissão em seu percurso histórico. Já houve outros projetos profissionais que
evidenciavam outros valores e intencionalidades, voltados muitas vezes para a
neutralidade da ação e a adequação do homem na sociedade.
Abreu (2002) aponta que o Serviço Social tem uma história marcada por
perfis pedagógicos que imprimem uma prática educativa do assistente social no
desenvolvimento de sua intervenção profissional. Seguindo uma análise gramsciana,
a autora entende que as primeiras ações profissionais já eram ligadas a uma
pedagogia.
Entendendo a pedagogia para além da educação formal como uma forma de
expor a cultura, o modo de pensar e de agir, que forma uma ordem intelectual e
moral, uma hegemonia5 de determinada classe; a autora aponta perfis pedagógicos
que no processo histórico influenciaram o exercício do assistente social. Perfis estes,
marcados por “determinações históricas e configurações particulares da referida
prática que demarcam a mediação profissional em processos de organização da
cultura na dinâmica da sociedade.” (ABREU, 2002: 83). Os perfis pedagógicos
apontados por ela são: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da participação e o
movimento de construção da pedagogia emancipatória.
Partindo do contexto norte-americano e europeu, onde os avanços da
indústria e dos meios de produção alteraram significativamente todas as formas de
ser da sociedade nas primeiras décadas do século XX, a autora desenvolve o
entendimento sobre a pedagogia da ajuda contextualizando-a num processo de
organização da cultura dominante onde a questão social é enxergada como questão
moral, reduzindo-a as manifestações individuais.
A intrínseca relação do Serviço Social com a Igreja faz com que a primeira
vertente filosófica da profissão se transforme num arranjo teórico doutrinário,
moralizador, compatível com a perspectiva conservadora que impregna as ações
educativas do assistente social neste inicio. Neste sentido, apesar de ter sido um
5 Segundo SIMIONATTO, Gramsci entende a hegemonia também “como “direção intelectual e moral”, afirma
que esta direção deve exercer-se no campo das idéias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o
consenso e de formar uma base social. Isso porque não há direção política sem consenso.” (1995: 43)
24
avanço a valorização do aspecto técnico instrumental sob a orientação positivista,
importando o chamado ―Diagnóstico Social” de Mary Richmond6, as bases técnico-
cientifícas são centradas na dimensão individual na perspectiva da reforma moral e
reintegração social do indivíduo. Richmond desenvolve ainda, metodologias
interventivas como o Serviço Social de Caso. Este processo de teorização dos
métodos interventivos da profissão está diretamente relacionado ao cenário que
revelava abertura do mercado de trabalho para o assistente social, exigindo novo
padrão de profissionalização da ação.
O Serviço Social brasileiro importa a tecnologia norte-americana em sua
busca de profissionalizar sua prática, atendendo assim às novas demandas do
mercado de trabalho nacional.
―(...) considerando, sobretudo, o agravamento da questão social e as
exigências postas pelo novo padrão produtivo e de trabalho; vincula-
se, pois, à necessidade histórica de imprimir às referidas práticas um
cunho “educativo”, “ressocializador”, mediante inculcação de um novo
código de conduta individual, familiar e política do trabalhador e sua
família, adequado às necessidade de produção e reprodução social.”
(ABREU, 2002: 39-40)
A aplicação, entretanto, desta tecnologia no contexto brasileiro, aconteceu de
forma desconectada da realidade uma vez que o país não contava com um sistema
de seguridade social mínimo – base fundamental para a operacionalização da
―ajuda‖ psicossocial individualizada ao trabalhador – restando-lhe ações
fragmentadas e pontuais.
Outro ponto relevante são as ações vinculadas à Igreja, como por exemplo, a
Ação Católica que possuía trabalho junto aos operários com o objetivo de organizá-
los, quando não ―educá-los‖. Sob a roupagem da ―ajuda‖, o assistente social tinha
neste contexto a função concreta de manter a reprodução material e subjetiva da
força de trabalho dentro das condições impostas pelos altos índices de acumulação
do capital, imprimindo um conformismo nas classes subalternas com a difusão da
idéia de naturalização das desigualdades sociais como inerentes à pessoa humana.
6 O “Diagnóstico Social” é uma das primeiras formulações teóricas da profissão, de origem norte americana e
que trata da sistematização da prática profissional vinculada aos processos de diagnóstico e tratamento.
25
A partir da década de 50, porém, intensifica-se na América Latina uma
aproximação à ideologia desenvolvimentista que marca uma mudança no cenário
econômico e político, impulsionando um novo perfil pedagógico: a pedagogia da
participação.
A ideologia desenvolvimentista “(...) envolve a proposta de crescimento
econômico acelerado, continuado e auto-sustentado. O problema central a resolver
constitui-se em superar o estágio transitório do subdesenvolvimento e do atraso.”
(IAMAMOTO, 2001: 340). Entendendo estes estágios como um período histórico
ainda não alcançados nos países ―em desenvolvimento‖, no caso o Brasil.
As experiências profissionais buscam neste período enfatizar a participação
popular e assumem com maior intensidade o Serviço Social de Grupo e o
Desenvolvimento de Comunidade – DC. Entretanto, a preocupação com a
participação popular não trouxe um rompimento com o Serviço Social tradicional e
com o entendimento da questão social como questão moral.
“Tais redefinições não significaram rompimento com a perspectiva
histórica, nem com a base conservadora de explicação da questão
social, que sustentam o Serviço Social em sua formulação
denominada tradicional. Mas, a reafirmam, aperfeiçoando-a, refinando
o cunho tecnicista positivista da intervenção profissional,
consubstanciado na tendência à naturalização da vida social e no seu
corolário, a psicologização das relações sociais, ao mesmo tempo em
que, contraditoriamente, apontam elementos para a superação.
(ABREU, 2002: 111)
O tradicionalismo assume nova roupagem assumindo a participação e o lócus
da comunidade como seus eixos centrais. Iniciam-se processos de ―integração‖ e
―promoção‖ sociais, e a ―ajuda‖ individualizada é pouco a pouco substituída pela
auto-ajuda ou ajuda mútua nos processos participacionistas; entendendo que
depende da ação/participação do trabalhador para que ele se desenvolva, saindo da
situação de dependência e do assistencialismo. Continua, porém, a sustentar a
cultura do conformismo para a força de trabalho, obedecendo assim, a ideologia
dominante e sua necessidade de exploração da mão de obra para aumento do
capital, ou seja, são estratégias utilizadas para a dominação e o controle social pelo
capital que buscam ocultar mecanismos autoritários, inibindo também a aproximação
da ameaça do comunismo naquele período.
26
Importante frisar que os perfis pedagógicos assinalados como a pedagogia da
ajuda e a pedagogia da participação, compõem para Abreu perfis subalternizantes,
tendo a ideologização da assistência como ―assistência educativa‖. Ela aponta,
ainda, que, “tais estratégias pedagógicas tendem a dissimular as formas de
reprodução do trabalhador nos limites precários da política social” (2004:52). São
perfis consolidados e arraigados à prática profissional do assistente social,
reforçando sua função social de reproduzir material e subjetivamente a força de
trabalho neste contexto limítrofe, amenizando conflitos. Este processo só é possível
por meio da coerção e do consenso das classes subalternas, como aponta
Iamamoto:
“(...) Radicalizando uma característica de todas as demais profissões,
o assistente social aparece como o profissional da coerção e do
consenso, cuja ação recai no campo político.” (2000:42)
Os espaços de participação ora citados, são espaços eminentemente políticos
onde não apenas o assistente social, mas ele prioritariamente, exerce um poder
perante os usuários de seus serviços, freqüentemente induzindo à produção de
consensos. Entretanto, num movimento contraditório, estes espaços de participação
abrem também lacunas para a crítica à hegemonia construída pela classe dominante
e provocam união a outros movimentos que emergem no contexto nacional, como os
de militância política que surgiram no contexto de ditadura militar.
As décadas de 60 e 70 são marcadas pelo período de ditadura militar onde a
participação é fortemente regulada pelo Estado. Os programas de governo deste
período seguem os moldes desenvolvimentistas e apontam para a cultura de ―bem
estar social‖. Apesar do Estado de Bem Estar não ter sido implementado no Brasil,
acreditava-se que, seguindo o modelo europeu, o país se desenvolveria chegando
ao Estado de Bem Estar, trazendo ordem a nação e consolidação do projeto
capitalista.
No Serviço Social, este período é marcado também por uma heterogeneidade
do projeto profissional, quando um grupo de profissionais questiona criticamente as
bases teóricas e filosóficas adotadas até então, e propõe um rompimento com o
conservadorismo assumindo um posicionamento histórico-materialista. Este
27
momento é denominado de ―Movimento de Reconceituação do Serviço Social‖ 7 e
conseqüentemente entra em consonância com a busca por um novo perfil
pedagógico.
Este movimento da profissão traz também, questionamento quanto ao método
utilizado até então, método este que fragmentava teoria e prática, em que os
instrumentos e técnicas tinham um caráter tecnicista, pondo em cheque o famoso
tríade ―Caso, Grupo e Comunidade‖ como nos aponta Neto:
“Para economizar tempo e espaço: do estudo Caso, Grupo e
Comunidade, o máximo que se pode extrair, em termos de
„estratégias de ação profissional‟ ou para „operacionalizar os
conhecimentos teóricos‟, é um conjunto de indicações referidas a
âmbitos de intervenção restritos e institucionalizados e nada mais.
Poderão ser arroladas técnicas, mais ou menos eficientes, conforme
cada âmbito; poderão ser formalizados processos ideais de
abordagem mais ou menos abrangentes em e para cada âmbito –
mas todos irredutíveis a um padrão unificado de procedimentos em
face da totalidade social que se revela em cada um deles” (Netto,
1984: 8)
A crítica se refere substancialmente ao distanciamento do processo de
formação profissional, em contemplar a operação histórico-crítica e prático-análitica,
enquadrando simplesmente procedimentos às necessidades imediatas da
intervenção profissional, sem conectá-los à totalidade social, à realidade em seu
movimento dialético e constante. O grande desafio é que o método para o Serviço
Social fosse resultado do domínio da teoria social crítica, intrinsecamente gestado
junto a esta, pondo abaixo todo e qualquer ―modelo de intervenção‖ pré-estabelecido
e desconectado da realidade.
É neste contexto, do Movimento de Reconceituação Profissional, que emerge
o terceiro perfil pedagógico apontado por Abreu, que é o movimento de construção
de uma pedagogia emancipatória pelas classes subalternas. Este movimento é em
sua gênese fortemente marcado pela Teologia da Libertação, movimento da Igreja
Católica que utiliza bases marxistas, porém, sem romper com o pensamento cristão.
7Para aprofundamento da questão consultar: NETTO, José Paulo. Ditadura e Serviço Social : uma análise do
Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1994.
28
Entende-se que a autora aponta esta pedagogia como um movimento de
construção por representar uma contra hegemonia à cultura dominante, marcando
um campo tencionado politicamente entre caminhos de avanços e retrocessos.
“Ancorados, predominantemente, no viés marxista da Teologia da
Libertação e desta com as formulações pedagógicas de Paulo Freire
– aporte identificado por vários estudos no conjunto dos processos de
luta na América Latina – setores da categoria dos assistentes sociais
conseguem fazer avançar os esforços profissionais de vinculação ao
movimento de construção de uma pedagogia emancipatória pelas
classes subalternas” (ABREU 2002:131)
As Comunidades Eclesiais de Base são uma das expressões concretas deste
perfil pedagógico e representam ―uma ampla rede de organização, conscientização
e politização das bases” (Wanderley in Abreu 2002:112) num período em que a
participação popular foi efetivamente acolhida por alguns movimentos dentro da
Igreja, uma vez que, a democracia era característica distante da realidade social do
país.
Evidente que este movimento contra hegemônico não foi algo isolado. Uniu-
se às experiências da revolução cubana e dos movimentos sociais da América
Latina que buscavam transformações político-culturais e mudanças estruturais e
econômicas na perspectiva emancipatória das classes subalternas. É a busca por
uma nova concepção de mundo, homem e sociedade; é o questionamento radical da
estrutura social imposta, mesmo que as respostas para estas questões, neste
momento, ainda careçam de amadurecimento.
Este perfil pedagógico, entretanto, também apresenta distorções em seu
desenvolvimento no meio profissional, segundo Abreu. O primeiro ponto refere-se
ao superdimencionamento da participação popular na construção do projeto
profissional do Serviço Social, o que levou a profissão a certo pragmatismo.
Distanciou-se das referências teóricas originais, utilizando do marxismo sem recorrer
às fontes originais de Marx e, entendendo que apenas o compromisso ideológico
com as classes subalternas seria a possibilidade da conquista da unidade com o
referencial teórico supracitado.
Um segundo ponto a ser considerado, refere-se ao messianismo profissional,
que a autora aponta como “um descompasso entre os avanços no campo político-
29
ideológico, sobretudo no que se refere à intencionalidade da prática profissional e à
efetiva análise das condições objetivas dessa mesma prática.” (ABREU, 2002:148) É
a marca idealista do Serviço Social que enxerga o exercício profissional como uma
militância antiburguesa e capaz por si só da transformação social, desconectado das
reais possibilidades impostas pela realidade e desconsiderando que a transformação
será realizada por toda a sociedade e não apenas por uma profissão.
A educação popular, tendo como um dos moldes o freiriano, é multiplicada na
prática também dos assistentes sociais, iniciando pela educação de adultos com o
intuito de aumentar o nível intelectual e cultural das massas, aumentando assim, seu
grau de organização e de possibilidades de construção de uma cultura que lhes diga
respeito. Importante frisar que Paulo Freire foi um precursor da educação popular e
abriu caminho importante para tais práticas, entretanto, não foi o único a trabalhar
tais estratégias, visto que o Serviço Social teve também influências latino-
americanas como Natálio Kisnerman.
As décadas de 80 e 90 são marcadas para a profissão pela implementação
do currículo mínimo para as faculdades de Serviço Social, além das reformulações
dos códigos de ética em 19868 e 1993 e a lei que regulamenta a profissão, também
em 1993, ambos os instrumentos que buscam apontar uma hegemonia do projeto
profissional adotado:
“Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão,
elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os
seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e
práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos
profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de
seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições
sociais, privadas e públicas (entre estas, também e destacadamente com o
Estado, ao qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos
estatutos profissionais). (Netto, 2000:95)
Os três perfis pedagógicos: a pedagogia da ajuda, a pedagogia da
participação e o movimento de construção da pedagogia emancipatória;
desenvolvidos por Abreu, se caracterizam como pontos de análise para a
8 O Código de Ética de 1986 foi um marco importante para a profissão por apontar uma com o conservadorismo.
Entretanto, ele comete um equívoco ao firmar o compromisso profissional com uma classe social (a
trabalhadora) e não com valores éticos a serem sustentados e perseguidos. Este movimento pode fatalmente
dividir a sociedade entre bons e maus e, por este motivo ele foi reformulado em 1993 expressando compromisso
com valores como liberdade, democracia e autonomia à serem impressos na ação profissional.
30
compreensão da função educativa existente no trabalho do assistente social e como
esta é evidenciada no cotidiano profissional a partir de experiências dos assistentes
sociais no PAIF. Faz-se, entretanto, necessário, entendermos a relação educativo e
socioeducativo no exercício profissional.
1.1 – Educativo e socioeducativo
Partindo do pressuposto já desenvolvido, entende-se que toda ação
profissional contém em si um perfil pedagógico e que por isso possui características
educativas. Na perspectiva gramsciana a ação educativa se situa no âmbito de sua
análise dos intelectuais. Gramsci considera todos os homens como intelectuais,
como se segue:
“Para Gramsci (1977:15-16), porém, „em qualquer trabalho físico; mesmo no
mais mecânico e degradado existe um mínimo de qualificação técnica, isto é,
um mínimo de atividade intelectual criadora‟. Neste sentido, „todos os homens
são intelectuais, mas nem todos desempenham na sociedade a função de
intelectuais‟, ou seja, não existe atividade humana da qual se possa excluir
toda a intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do homo
sapiens.” (SIMIONATTO, 1995: 57)
Para ele todo trabalho contém em si um conhecimento aplicado e desta forma
todos os homens são intelectuais, o que não quer dizer que todos desempenhem tal
função socialmente. Entretanto, define-se como intelectual a função social imediata,
não considerando a totalidade da ação que, por mais que não utilize do
conhecimento cientifico ou intelectual, utiliza-se do conhecimento construído para tal
ação e apreendido coletivamente.
“Quando se distingue entre intelectuais e não-intelectuais, faz-se referência,
na realidade, tão somente à imediata função social da categoria profissional
dos intelectuais, isto é, leva-se em conta a direção sobre a qual incide o peso
maior da atividade profissional específica, se na elaboração intelectual ou se
no esforço muscular-nervoso.” (GRAMSCI, 1979: 06)
Gramsci dividiu os intelectuais em duas categorias: intelectuais orgânicos e
intelectuais tradicionais. Os intelectuais orgânicos são originários dos grupos sociais
essenciais (burguesia e proletariado), os quais ―[...] (nascem) no terreno originário de
uma função essencial no mundo da produção econômica, (tais grupos criam) para si,
ao mesmo tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que
31
lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo
econômico, mas também no social e no político [...]” (GRAMSCI, 1979: 03). O
intelectual orgânico tem a função de trazer homogeneidade à classe qual se filia e
de contribuir na luta pela direção social e cultural desta classe, é orgânico pela
proximidade e organicidade9 com que se relaciona com a classe e possuí papel
fundamentalmente político.
Os intelectuais tradicionais já preexistiam “[...] como representantes de uma
continuidade histórica que não fora interrompida nem mesmo pelas mais
complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas” (GRAMSCI,
1979:03), tendo como representantes maior os eclesiásticos. Todo o grupo que
pretende assumir papel dominante socialmente, se embrenha numa luta pela
assimilação e conquista ―ideológica‖ dos intelectuais tradicionais. De acordo com
Simionatto (1995) é comum atrelar a figura do Intelectual Tradicional como sendo
conservador, o que nem sempre é verdadeiro.
O papel do intelectual traz um conteúdo eminentemente educativo, pois
trabalha no âmbito da cultura, na difusão do conhecimento e do saber com vistas à
consolidação de um projeto da classe fundamental qual se vincula.
“O intelectual exerce funções de direção econômica, social e cultural
que se expressam tanto nos níveis de elaboração como de difusão do
saber da classe que representa. O papel do intelectual é o de
investigar, educar, organizar a hegemonia e a coerção e, ainda
homogeneizar a consciência de classe.” (IAMAMOTO, 2000: 44)
Neste sentido, pode-se também pensar no assistente social como um
intelectual orgânico que tenha um compromisso, e uma identificação – muitas vezes
de origem – com as classes subalternas. Claro que existem intelectuais orgânicos
voltados aos interesses das classes dominantes, segundo a análise gramsciana,
isso porque o intelectual pode ter valores que o vincule às classes dominantes,
9 “A concepção de organicidade é inerente à formação mesma das suas competências e das funções que
desenvolvem no interior do modo de produção capitalista, inclusive o encaminhamento das lutas junto às
classes a que está vinculado. Estar vinculado organicamente a uma classe não significa agir de fora,
externamente, de maneira mecânica. Significa, sim, participar efetivamente de um projeto junto às classes
fundamentais: burguesia e proletariado.” (SIMIONATTO, 1995: 58-59)
32
neste sentido sua ação será a de criar hegemonia para a manutenção destas
classes.
Entretanto, o intelectual orgânico quando comprometido com as camadas
subalternas, quando vinculado a valores democráticos e emancipatórios é, um
profissional que manifesta o caráter político em sua ação, que está constantemente
persuadindo, organizando idéias e pessoas com vistas à transformação social. Não
é o intelectual em si que irá gerar a transformação, mas a sua participação política e
a sua capacidade de articulação social.
O trabalho do assistente social é polarizado pelos interesses das
classes fundamentais, contribuindo para a homogeneidade do projeto destas
classes:
“O profissional de Serviço Social é aqui, também considerado na sua
condição de intelectual. Para caracterizá-lo busca suporte em
Gramsci, para quem esta categoria não se constitui um grupo
autônomo e independente das classes fundamentais; ao contrário tem
o papel de dar-lhes homogeneidade e consciência de sua função, isto
é, de contribuir na luta pela direção social e cultural dessas classes
na sociedade. Trata-se do „organizador, dirigente e técnico‟ que
coloca a sua capacidade a serviço da criação de condições favoráveis
à organização da própria classe a que se encontra vinculado.”
(CARVALHO e IAMAMOTO, 2001:87)
Entender o assistente social como um intelectual é compreender que o seu
trabalho profissional se dá no campo político-ideológico como apontado por
Iamamoto:
“Seu trabalho situa-se predominantemente no campo político-
ideológico: o profissional é requerido a exercer funções de controle
social e de reprodução da ideologia dominante junto aos segmentos
subalternos, sendo seu campo de trabalho atravessado por tensões e
interesses de classes. A possibilidade de redirecionar o sentido de
suas ações para rumos sociais distintos daqueles esperados por seus
empregadores – como, por exemplo, nos rumos na construção da
cidadania para todos; da efetivação de direitos sociais, civis, políticos;
da formação de uma cultura pública democrática e da consolidação
da esfera pública – deriva do próprio caráter contraditório das
relações sociais que estruturam a sociedade burguesa. Nelas
encontram interesses sociais distintos e antagônicos, que se refratam
33
no terreno institucional, definindo forças sociopolíticas em lutas para
construir a hegemonias, definir consensos de classe e estabelecer
formas de controle social a elas vinculadas.” (IAMAMOTO, 2003, 98)
O lugar social da profissão, no campo político-ideológico, com o papel de
amenizar os conflitos entre o capital e o trabalho através coerção e da reprodução
da cultura dominante, confere ao assistente social a posição de intelectual na
sociedade. Entretanto, entender o movimento contraditório de seu trabalho
profissional, que pode também utilizar de sua relativa autonomia (IAMAMOTO, 2003)
para redirecionar sua ação para ações democrática e que fortaleçam as classes
subalternas tornando-se imprescindível a compreensão do caráter político da
profissão.
“Os assistentes sociais ao realizarem suas funções profissionais, seja
ao nível de Secretárias de Governo, dos bairros, das instâncias de
organização e mobilização da população, das organizações não-
governamentais (ONGs), exercem a função de um educador político;
um educador comprometido com a política democrática ou um
educador envolvido com os “donos do poder””. (IAMAMOTO,
2003:79)
Traz, o assistente social, de forma marcada e expressiva a sua função como
um educador que tem grandes chances de ser moralizador, controlador,
disciplinador ou um educador comprometido com a luta democrática e com seu
projeto ético-político profissional.
Gramsci no desenvolvimento de sua análise, também se dedicou a entender a
educação, não apenas a educação formal que também é alvo de seus estudos, mas,
e principalmente, a educação popular tendo o partido político primazia como agente
operacionalizador desta ação educativa. Educação esta oposta às características da
educação burguesa que propõe processos educativos com vistas para a
manutenção e ampliação do capitalismo disseminando valores individualistas,
consumistas e de propriedade. Fala-se de uma educação que proponha
fundamentalmente processos críticos, de reconstrução histórica, prático e
participativo; “um processo educativo antiautoritário, essencialmente aberto e
criativo.” (NOSELLA, 2002: 89)
34
“Trata-se como se vê, de uma educação essencialmente prática e
historicista que rompe com as concepções metafísicas e abstratas,
pois não existe um “ordenador” fora das práticas humanas nem
mesmo uma relação independente da relação como o homem; como
também não é concebível o indivíduo humano fora da sua classe
social ou fora da luta entre as classes. É no interior das lutas, na
forma que modernamente se desenvolvem, que acontece o processo
educativo do novo cidadão. Por ser um processo de classe e,
portanto, social, o novo educador coletivo é o Partido que, visível ou
invisivelmente, faz os diagnósticos, organiza as atividades educativas,
levanta prioridades e avalia resultados.” (NOSELLA, 2002: 89)
Evidente que o momento histórico, apontava para Gramsci o partido político
com real possibilidade de construir uma nova sociedade, para ele, os intelectuais
desempenham a sua função no partido político. Os partidos políticos possuem papel
importante no âmbito da política e também apontam influência na organização da
educação e da cultura na sociedade.
Com forte vínculo junto aos movimentos sindicais e populares, os partidos
vêm sofrendo nos últimos tempos as mudanças que afetaram significativamente
estes movimentos. A reestruturação produtiva que alargou ferozmente o
desemprego em massa e gerou por conseqüência o enfraquecimento dos
movimentos sindicais, somada a privatização do Estado, a desarticulação dos
movimentos sociais, a desproteção social e a expansão do mercado financeiro;
trouxeram aos partidos políticos um readequamento na ação e no discurso ora
assemelhando-se entre si (independente de posição política), ora defendendo
proposta simplórias e inviabilizadas, dada a complexidade da sociedade atual.
Desta forma, outros atores tomam o campo educativo com vistas à
transformação social. Pode-se aqui mencionar os Conselhos de Direito, de peso e
real importância na regulação da política social hoje, na luta por direitos e no
controle do Estado, pode-se falar de organizações do terceiro setor comprometidas
com a luta democrática, os Movimentos dos Sem Terra nas áreas rurais e dos Sem
Teto nos centros urbanos que bravamente sobrevivem ao caos. Todavia, diante do
foco desta dissertação, um ator importante na operacionalização da ação educativa
defendida por Gramsci é o projeto ético-político profissional eleito pela categoria dos
assistentes sociais. No entanto,
35
―[...] a cruzada antidemocrática do grande capital, expressa na cultura
do neoliberalismo (que, entre nós, é conduzida por setores político-
partidários que se dizem vinculados a um projeto social societário
socialdemocrata) é uma ameaça real ao projeto profissional do
Serviço Social.” (NETTO, 2000: 107)
Não se defende aqui o projeto profissional como uma entidade de vida
própria, mas como a direção social e política para onde aponta a profissão. Evidente
que a ação educativa seja efetuada pelos agentes profissionais em seu cotidiano,
ocupando muitas vezes espaços contraditórios, com condições objetivas bastante
limitadas.
Nos últimos anos, o assistente social vem sendo requisitado para
operacionalizar a ação educativa em seu exercício profissional através de trabalhos
tidos como ―socioeducativos‖. São trabalhos de acompanhamento a famílias,
adolescentes, jovens e idosos que, prioritariamente, através de grupos, desenvolve
atividades na ótica do reconhecimento do direito e do exercício da cidadania.
Quanto ao termo socioeducativo passa a ser amplamente divulgado a partir
da década de 90 com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que extingue o
antigo Código de Menores e passa a trabalhar com o adolescente autor de ato
infracional através de Medidas Socioeducativas. O ECA explicita quais são as
Medidas Socioeducativas (advertência, obrigação de reparar o dano; prestação de
serviço à comunidade, liberdade assistida, semi-liberdade e internação), mas, não
aponta como estas ações devem ser desenvolvidas. Devem, no entanto, ter por
objetivo o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, conforme preconiza a
lei.
Apesar de ganhar nova conotação, buscando eliminar o caráter estritamente
punitivo da legislação, as Medidas Socioeducativas inevitavelmente ainda trazem em
si a adequação do adolescente autor de ato infracional ao meio social em que vive.
“Um segundo aspecto refere-se à própria nominação – também
ambígua – do termo socioeducativo quando associado aos programas
de transferência de renda. O termo socioeducativo é o mesmo que
rege medidas legais junto aos adolescentes em conflito com a lei.
Ressalte-se com esta identificação que o termo é identificado com um
contexto que se vincula à noção de problema e de norma. Essa
terminologia é construída no campo da normatização.” (Vitalle, 2008)
36
A tentativa de unir o termo educação ao velho termo social traz a idéia de
uma educação socializadora para aqueles que dela precisam e assim podemos
entender que se trata de uma forma velada de adequação social.
Fato é que o termo socioeducativo está banalizado e é utilizado sem
ressalvas, como se seu significado já fosse compartilhado por todos. Nos textos que
fazem uso do termo socioeducativo na atuação com grupos, socioeducativo não é
conceituado, destrinchado; mas utilizado como pressuposto de um entendimento
comum.
Considerando as polêmicas em questão e após exaustiva pesquisa em busca
de conceituar o termo, partiu-se para a pesquisa de campo no intuito de verificar o
que os agentes profissionais entendem por socioeducativo e como este acontece em
seu cotidiano.
Atentando-se para a proposta do grupo focal, onde cartões disparadores com
um tema para discussão eram sorteados, chegou inevitavelmente à vez de discutir o
tema: ―Socioeducativo é...‖.
Ao se deparar com a questão, o grupo fez longo silêncio, os integrantes se
entreolharam, um deles começou a assobiar, para fugir da discussão. O silêncio
começou a pesar até que uma participante exclamou em alto e bom tom:
“Gente é um social educativo! (risos)”
O grupo descontraiu, todos riram com a obviedade da colocação da colega. E
encorajada por esta, outra participante se manifestou:
“Tudo que envolve o educativo e o social é difícil de explicar porque
não tem receita, é processo. São relações, interações e não tem
receita.”
Quando a participante menciona que não há receita, ela faz uma junção em
explicitar o que é o socioeducativo com a forma de como este se operacionaliza.
Falar de relações, interações, desperta a reflexão sobre a importante participação do
Serviço Social no processo de reprodução das relações sociais10:
10
Para CARVALHO e IAMAMOTO a definição de relações sociais compreende: “[...] cabe reafirmar que a
reprodução das relações sociais não restringe a reprodução da força viva de trabalho e dos meios objetivos de
produção (instrumentos de produção e matérias- primas). A noção de reprodução engloba-os, enquanto
elementos substanciais do processo de trabalho, mas também, os ultrapassa. Não se trata apenas da reprodução
material no seu sentido amplo, englobando produção, consumo, distribuição e troca de mercadorias. Refere-se
à reprodução das forças produtivas e das relações de produção na sua globalidade, envolvendo também a
37
“Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da
totalidade do processo social, a reprodução de determinado modo de
vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e
de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em
sociedade.” (IAMAMOTO & CARVALHO, 2001: 72)
Para o Serviço Social o trabalho socioeducativo é uma mediação profissional
que tem como pano de fundo a participação no processo de reprodução das
relações sociais, sem dúvida, envolvendo o campo minado de forças, como aponta
CARVALHO e IAMAMOTO:
“Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos
que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital
como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela
mediação de seu oposto. Participa tantos dos mecanismos de
dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma
atividade, da resposta as necessidades de sobrevivência da classe
trabalhadora e da reprodução do antagonismo, nesses interesses
sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel básico da
história.” (2001:75)
Este movimento revela a totalidade do exercício do trabalho do assistente
social que envolve também as atividades socioeducativas. E mesmo que estas
atividades sejam realizadas também por outras disciplinas profissionais, como a
psicologia, a pedagogia e as ciências sociais, também implicam este caráter de
reprodução das relações sociais, principalmente no que tange os trabalhos da
política de assistência social, como é o caso do PAIF.
Aquecidos pelas colocações anteriores, o grupo focal estabelece uma
discussão a respeito do socioeducativo, relatada a seguir:
“– Eu penso no grupo, mas eu também penso no individual. Eu penso
em todas as possibilidades de intervenção que é reflexivo, que você
vai além do que a pessoa está te pedindo. O porquê você está nesta
condição? E fazer uma análise de sociedade com ela num
atendimento individual, o que é possível. Agora os frutos de um
trabalho socioeducativo individual e grupal são diferentes. O grupo ele
é muito mais efetivo, proporciona um crescimento das pessoas do
reprodução da produção espiritual, isto é, das formas de consciência social jurídicas, religiosas, artísticas ou
filosóficas, através das quais se toma consciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de
produção”.
38
grupo, eu acredito muito mais no grupal do que no individual, mas ele
é possível no individual.”
“– Eu concordo. Neste sentido, de que o socioeducativo intenciona a
sua intervenção, seja no atendimento individual ou de grupo.”
“– Tudo é educativo! Ele pode ser educativo para te alienar, te manter
onde está ou para provocar transformação.”
“– Sim. Para mim todas as ações, intervenções podem ser
socioeducativas. Agora quando você fala de função educativa você
fala de raiz, como este profissional se reconhece. Você se reconhece
como educador? Se você se reconhece como um educador você terá
uma função educativa, agora dificilmente quem não se reconhece
como educador exercerá uma função educativa. Entende a diferença
de socioeducativo para mim? Socioeducativo é a intervenção em si
que pode ser individual, pode ser coletivo.”
Diante das colocações dos participantes, percebe-se que a nomenclatura
educativo, socioeducativo se misturam, tornado-se sinônimos muitas vezes e, refere-
se a um modo de intervenção profissional para estes assistentes sociais. Um deles
explicita a necessidade do profissional se reconhecer um educador e menciona que
o socioeducativo intenciona a ação profissional.
As gestoras entrevistadas também seguiram uma linha de raciocínio parecida
em sua explanação, quando questionadas sobre o que é o socioeducativo:
“[...] o termo socioeducativo seria ações, estratégias, dinâmicas que
você utiliza para desenvolver um trabalho com as famílias de forma
participativa, onde as pessoas se sintam não como aquele grupo em
que eu vou para ouvir alguém falar, isso é uma palestra, em alguns
momento você tem conteúdos e você vai levar os conteúdos. Mas, o
socioeducativo ele tem uma das atribuições importante a serem
feitas, de você poder proporcionar que as pessoas sintam no grupo
como espaço onde elas constroem o conhecimento a partir de coisas
que elas têm, potencialidades que elas têm e não onde eu só estou te
passando conhecimento. Acho que seria isso.”
“Proporcionar a reflexão, por exemplo, da sua vida familiar, a partir
desta reflexão as questões que podem ser modificadas, que questões
são próprias de mudança de comportamento da própria família, que
39
questões são próprias de uma estrutura que precisa ser apoiada,
recursos que essas famílias têm que acessar para anunciar seus
acessos de direitos, fortalecimento de repasses financeiros, pensar o
quanto as pessoas e famílias, crianças e adolescentes, estão nesta
situação por conta de uma estrutura opressora, do quanto você pode
transformar estas relações no seu cotidiano, fortalecendo essas
pessoas, lutando pelos seus direitos, participando ativamente, sendo
propositivos dentro das escolas, tendo uma postura de
questionamento: porque que as crianças são ruins? Porque as
crianças não querem ir para a escola? É as famílias que são
negligentes, entendeu? Eu acho que este é um objetivo
importantíssimo, a família entender que ela não é negligente, ela é
fruto de um processo de exclusão permanente e, que ela tem sim,
uma série de questões de que ela precisa mexer, mas que é próprio
do processo que ela esta vivendo.”
Também definem o socioeducativo como uma intervenção profissional, uma
ação. Entretanto, não se trata de qualquer ação, mas de uma ação crítica, reflexiva e
que possa fomentar mudanças, possa ampliar a percepção dos usuários para um
entendimento mais totalizante da realidade em que estão inseridos. O usuário torna-
se, peça fundamental de participação e construção do atendimento qual está
inserido, seja grupal ou individual. Trata-se de uma intervenção que é construída
com o outro a partir do conhecimento trazido pelo usuário (sua realidade, suas
relações, suas estratégias de vida) e do acúmulo do assistente social:
“[...]. eu acho que para o Serviço Social principalmente você utiliza de
conhecimentos, de educação popular que você tem, da psicologia,
em fim, de vários conhecimentos que na nossa formação a gente
adquire para poder proporcionar espaços onde o conhecimento seja
construído a partir do teu conhecimento e a partir do conhecimento e
potencialidades que as pessoas trazem nas suas vivências no dia-a-
dia.”
Entende-se que o nome ―socioeducativo‖ foi ganhando peso na tentativa de
diferenciá-la da educação formal ou até mesmo da alfabetização para adultos. Tem
força de se definir como social antes de mesmo de se definir como educativa para
explicitar de ante mão o campo no qual estabelece relação, que é o social.
40
“Eu acho que socioeducativo é conseguir o processo de reflexão, de
crítica permanente da pessoa. Por isso que é educativo, mas é social,
são pro social, para todos os aspectos que eu quero levar o
educativo, outra forma, novas formas de ver e se relacionar para
todos os aspectos da vida daquela pessoa. Eu acho que tem essa
amplitude o socioeducativo. Talvez deva ter determinações teóricas
um pouco mais concreta, eu tô falando um pouco do meu ponto de
vista.”
Mal sabe a colega que o tema carece e muito de produções teóricas e por
este motivo é interessante observar que sua conceituação para esta pesquisa
necessitou do processo de investigação de campo, da interação da pesquisadora
com os sujeitos pesquisados, para coletivamente construir o que será o
socioeducativo. Parece que a unidade teoria-prática prevaleceu neste caminho.
Não se quer, todavia, elaborar um conceito que se configure como verdade
absoluta e rígida do que é o trabalho socioeducativo. Entendendo também, que cada
vez mais se trata de uma atividade interdisciplinar e complexa. O foco desta
pesquisa, porém, é buscar no cotidiano o socioeducativo desenvolvido pelos
assistentes sociais, é olhar para estas atividades com o olhar do Serviço Social, a
luz de suas produções teóricas e de seu projeto ético-político profissional. O
momento atual torna esta investigação fundamental dado o advento do SUAS e da
abertura de um espaço de trabalho para os assistentes sociais no PAIF.
No SUAS o acompanhamento socioeducativo às famílias passa a integrar as
ações do assistente social no contexto da política de assistência social nos territórios
através do PAIF. Muitas vezes este acompanhamento se refere a ações junto às
famílias que não estão cumprindo as condicionalidades dos programas de
transferência de renda e/ou famílias que estejam em situações de risco.
Em um dos documentos do MDS sobre o desenvolvimento do SUAS11, a
atividade socioeducativa é abordada exclusivamente em grupo e é definida como
“No Grupo Socioeducativo (GSE). Enfatiza-se a difusão de
informação e a articulação com a comunidade. O GSE trabalha temas
básicos e atividades de interesse das famílias promovendo a
informação e o empoderamento das famílias para a superação de
problemas, bem como mobilizando para ações de interface
11
“Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no âmbito do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS . Versão preliminar.”
41
intersetoriais. Poderá se constituir em um espaço de discussão de
potencialidades e projetos das famílias, articulado com o trabalho
comunitário. Todas as famílias serão convidadas ao GSE, tendo
prioridade aquelas em descumprimento de condicionalidades. A
participação não é obrigatória (obrigatório é o cumprimento das
condicionalidades). Haverá pelo menos um GSE, em funcionamento
contínuo, em cada território, dependendo do número de famílias
atendidas.” (2006: 55)
Esta definição do trabalho socioeducativo é bastante reducionista. Primeiro
porque privilegia apenas a difusão da informação e a articulação com a comunidade
como conteúdo do trabalho socioeducativo. Segundo, porque possuí foco no
resultado e não no processo, ou seja, no cumprimento das condicionalidades e no
empoderamento das famílias. Estes resultados podem ou não acontecer como
expressão de um processo marcado por inúmeras mediações.
No entanto, o espaço do PAIF configura-se para o assistente social como um
espaço privilegiado de ação, inclusive no exercício de atividades socioeducativa e
onde novas investigações e propostas metodológicas podem ser feitas.
Atualmente, devido ao arraígamento da expressão socioeducativo no
cotidiano profissional, é difícil substituir esta expressão por outra. E sendo assim,
cabe uma elucidação quanto ao conteúdo da expressão, afinando entendimentos.
Em resumo, o socioeducativo se caracteriza como uma intervenção
profissional que tem como campo de atuação as relações sociais em seu processo
reprodução; trata-se de uma atividade que prioriza o processo coletivo, que pode
utilizar-se de metodologias próprias, entretanto, deverá pautar-se fundamentalmente
em processos críticos, de reconstrução histórica, prático e participativo; que
proponha espaços democráticos, essencialmente abertos e criativos.
42
CAPÍTULO II
O PAIF EM SANTO ANDRÉ
Localizado na região conhecida como o Grande ABC, região Metropolitana de
São Paulo, Santo André é uma cidade que se destaca pelas ações inovadoras na
área da assistência social.
O Grande ABC é composto por sete municípios sendo Santo André, São
Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da
Serra. A denominação ABC vem pelas iniciais de Santo André, São Bernardo e São
Caetano, municípios expressivos na região.
Banhada pela represa Billings e pelo rio Tamanduateí, a região possui
814km², sendo metade do território tomado por áreas de mananciais. Na época do
Brasil colonial, a região serviu de passagem para as tropas da colônia portuguesa.
Posteriormente, seu início é marcado, no século XVI, pelo povoado da Vila de Santo
André de Borda do Campo, hoje cidade de Santo André.
Muito tempo depois, a região toma destaque como um dos maiores pólos
industriais do Brasil, nas décadas de 60 e 70, por abrigar metalúrgicas
automobilísticas, o que dinamizou a economia local. O grande número de
trabalhadores, impulsionou também os movimentos sindicais que tomaram grandes
proporções neste período.
Com uma área territorial de 174 Km² e uma população acima de 648 mil
habitantes, Santo André possuí sua economia ainda focada na indústria, porém com
considerável abertura nas últimas décadas para o setor de serviços. Possuí grande
parte do seu território protegido por áreas de mananciais, sendo 56% do território
total.
A história de Santo André caminha junto à história nacional, ganhando
destaque pela economia marcada pela presença crescente no período
desenvolvimentista de indústrias na região. A economia local trouxe singularidade
para o modo de ser da população andreense, assim como do Grande ABC, com a
movimentação dos movimentos sindical nas décadas de 60-70. Essa movimentação
trouxe repercussão nacional até os dias atuais como aponta Cywinski:
43
“As histórias da região do ABC e da cidade de Santo André se
cruzam e se singularizam pelo desenvolvimento industrial e também
pelo papel significativo que tiveram nos últimos 25 anos, o movimento
sindical e os movimentos sociais da região, influenciando
significativamente nos rumos políticos e sociais do país. Na década
de 1980, nas primeiras eleições pós-ditadura, os municípios de
Diadema, São Bernardo do Campo e Santo André elegeram prefeitos
do Partido dos Trabalhadores. Em 1996, 5 dos 7 municípios do
Grande ABC – Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema,
Mauá e Ribeirão Pires – tinham prefeitos e prefeita do PT. E na
década de 2000, por duas vezes – em 2002 e 2006 – Luis Inácio Lula
da Silva, ex-líder sindical e um dos fundadores do PT, é eleito
presidente da república.” (2007: 58)
O primeiro prefeito eleito no município foi do Partido dos Trabalhadores, e
influenciado pelo movimento sindical e pelos movimentos sociais, Santo André abre
uma militância política e uma característica de gestão pública, marcada
principalmente pela gestão do prefeito Celso Daniel, assassinado em 2000.
Na década de 1990, o município passa a perder economicamente, espelhado
na crise nacional. É neste período que as indústrias fogem da região metropolitana
de São Paulo para o interior, além do ―encolhimento‖ da mão de obra devido à
reestruturação e modernização tecnológica dos meios produtivos. A situação social
se agrava em Santo André, marcada principalmente pelo alto índice de desemprego.
Se o ABC se configurava como a ―terra prometida‖ atraindo trabalhadores do Brasil
inteiro em busca de bons empregos, essa característica vai pouco a pouco se
distanciando da realidade enfrentada pela região.
“Segundo dados da Fundação SEADE/1997, 4%, aproximadamente
7.200 famílias de Santo André, configuravam grupos com renda
média mensal de 1,65 salários mínimos e com 5,17 membros por
família o que apenas lhes permitia uma renda mensal média per
capita inferior a 1/3 do salário mínimo, valor insuficiente – segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS) – para cobrir as necessidades
básicas da vida de uma pessoa. Esse condicionante situa a família
em condições de indigência.” (Cywinski, 2007: 64)
A autora aponta ainda, que a situação de risco social destas famílias agravou-
se, uma vez que 1/3 dos membros desses grupos familiares tinham de 0 a 19 anos,
44
além do que, esses grupos familiares encontravam-se em territórios de favelas e nos
loteamentos irregulares do município.
Os dados estatísticos apontam que os decênios de 90 e 2000 foram
marcantes no agravamento da vulnerabilidade social de famílias no município de
Santo André, impulsionado entre outros fatores, pelo desemprego em massa. A
pesquisa de Cywinski revela que na década de 1990 o IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística apontou Santo André com um crescimento abaixo da taxa da
região do Grande ABC. Entretanto, dados da prefeitura local, informam que o
município “apresentou um padrão de crescimento populacional caracterizado pela
perda da população nas áreas mais consolidadas da cidade e ampliação da
população nas regiões periféricas.12” (2007: 65)
Diante deste contexto, em 1997 o Prefeito Celso Daniel assume a gestão de
Santo André e, num conjunto de esforços com as lideranças políticas locais
(sociedade civil e poder público), busca a implementação de políticas públicas
voltadas para a proteção social, o exercício da cidadania e a inclusão de segmentos
populacionais distante do acesso a bens e serviços.
Uma importante estratégia de intervenção é o Programa de Renda Mínima de
Santo André – Família Cidadã que se discorrerá a seguir.
2.1 – Programa de Renda Mínima de Santo André – Família Cidadã
Santo André se apresenta como o segundo município do Brasil a implantar
um Programa de Transferência de Renda em 1998 com o Programa de Renda
Mínima de Santo André – Família Cidadã (PRMSA-FC), ação inovadora que tinha
como proposta o trabalho intersecretarial dentro do território de atuação.
Este programa estava vinculado ao Programa de Urbanização Integral de
Favelas, configurando ações integradas de cunho intersecretarial em determinado
12
“[ ...] Em 1997, a cidade tinha 138 núcleos de favela, com aproximadamente 120 mil moradores, ou o
correspondente a 18,5% da população do município.” (Cywinski, 2007: 65-66)
45
território, ou seja, além da transferência de renda, o programa pautava ações
voltadas para a habitação, saúde, educação e desenvolvimento local.
“Além da transferência de renda às famílias e do apoio a
escolarização dos filhos e adolescentes, o PRM trabalha individual e
coletivamente com as famílias, conectando-as a uma série de
serviços e oportunidades decorrentes de ações públicas que estariam
sob responsabilidade de várias secretarias de governo
(Desenvolvimento Econômico e Geração de Renda, Habitação e
Desenvolvimento Urbano e Educação, Saúde, Cidadania e Ação
Social, Cultura e Participação Social). As ações juntos as famílias
seriam desenvolvidas de maneira integrada entre várias áreas da
administração e implementadas nos locais/territórios de moradia das
famílias.” (Cywinski, 2007: 72)
As ações do PRMSA-FC marcam a Política de Assistência Social no
município que busca ações intersecretariais e integradas, partindo de um território de
ação. O PRMSA-FC partia de um território, onde as ações eram concentradas com
vistas a uma mudança significativa. Inicialmente o programa adentrou a favela de
Sacadura Cabral, território marcado por vulnerabilidade e risco13, atendendo 105
13
Por vulnerabilidade entende-se“um somatório de situações de precariedade, para além das precárias
condições socioeconômicas (como indicadores de renda e escolaridade ruins) presentes em certos setores
censitários. São considerados como elementos relevantes no entendimento da privação social aspectos como a
composição demográfica das famílias aí residentes, a exposição à situação de riscos variados (como altas
incidências de certos agravos à saúde, gravidez precoce, exposição à morte violenta, etc.) precárias condições
gerais de vida e outros indicadores”. (Centro de Estudos da Metrópole, 2004:12). Nesse universo entende-se
“que a vulnerabilidade implica em susceptibilidade à exploração; restrição à liberdade; redução da autonomia
e da autodeterminação; redução de capacidades; fragilização de laços de convivência; ruptura de vínculos e
outras tantas situações que aumentam a probabilidade de um resultado negativo na presença de risco”.
(Yazbek, 2008)
A noção de risco ganha particular relevância no pensamento europeu, no contexto de mundialização de
economia que traz consigo a globalização do risco societal “que se associa a um aumento da pobreza e das
desigualdades sociais pela emergência ou amplificação de situações de risco social, através de processos por
vezes muito complexos de ruptura dos equilíbrios sociais à escala local. O desemprego cíclico, os empregos
precários e mal pagos, a insegurança social, a informalização do mercado de trabalho, o trabalho infantil, a
sob exploração das mulheres e dos idosos, as várias discriminações do trabalho, as migrações forçadas de
famílias à procura de ocupação, a marginalização dos pobres e dos que sofrem incapacidade para trabalhar, a
criminalização da droga, da miséria e da revolta, o renascimento dos racismos e da intolerância são apenas
46
famílias daquele núcleo. Pouco a pouco o PRMSA-FC foi se ampliando chegando a
atender 1000 famílias em alguns territórios demarcados.
“Inicialmente, a gente já tinha uma experiência em Santo André de
trabalho com famílias a partir do Renda Mínima. Tínhamos uma
experiência que inclusive foi acompanhada pela equipe do IEE, na
época em que Mercedes Cywinski era secretária. Onde a gente
situava um trabalho de acompanhamento familiar dentro dos núcleos
onde estava o projeto Santo André Mais Igual, com 1000 famílias que
estavam incluídas nos programas de transferência de renda era feito
o trabalho de acompanhamento familiar. Então, esta foi a experiência
inicial do trabalho com famílias aqui na cidade de Santo André. Nós
vínhamos atuando com este programa na medida em que entravamos
nos núcleos habitacionais e era uma ação integrada com outras
secretarias, ela tinha esta lógica da intersetorialidade, e as nossas
equipes, elas trabalhavam em duplas com estagiários no
acompanhamento de famílias.” – Gestora 1 da Secretaria de Inclusão
Social de Santo André.
Em 2005 inicia-se o processo de implementação do SUAS em todo o Brasil.
Este processo trouxe mudanças significativas na política de assistência social dos
municípios, tanto na quantidade de beneficiários quanto na padronização dos
serviços. Assim nos relata a gestora entrevistada:
“[...]. esta experiência de acompanhamento familiar a partir de 1000 famílias,
a partir de um lugar fechado, ele acabou se desconstruindo, porque aí nós
passamos a atender as famílias na cidade toda, nossa meta era universalizar
para o conjunto de família que tivesse no corte do instituto PNAD e aí a gente
começou a se perguntar como é que nós vamos fazer o acompanhamento
familiar, ele vai ser dentro, então, dos territórios, na lógica já dos CRAS.”
(Gestora 1)
A lógica a ser seguida preconizada pelo Governo Federal era de
acompanhamento as famílias a partir dos CRAS através do PAIF, programa qual
concentra a observação desta pesquisa.
2.2 – Programa de Atenção Integral a Família – PAIF Santo André
alguns dos Sinai .do sistema econômico em que vivemos, o capitalismo globalizado.” (Hespanha e
Carapinheiro,2002:13)
47
O Programa de Atenção Integral a Família – PAIF é o principal serviço de
Proteção Social Básica14, no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS
e foi criado em 18 de abril de 2004 (Portaria nº 78) pelo Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS como uma reconfiguração do
Plano Nacional de Atendimento Integrado à Família (PNAIF) implantado no ano
anterior. Tornou-se ação continuada da assistência social, passando a integrar a
rede de serviços financiada pelo Governo Federal (conforme Decreto 5.085/2004).
Dentro da proposta do SUAS, o espaço para o desenvolvimento do PAIF são
os CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, um serviço de assistência
social descentralizado, caracterizado como porta de entrada para a Proteção Social
Básica em regiões de alta vulnerabilidade social e risco, referenciando cerca de 5 mil
famílias por região. Nestes moldes, o PAIF absorve pressupostos do SUAS em sua
execução e desenvolvimento, dos quais se destacam a matricialidade sociofamiliar e
a territorialização.
Como matricialidade sociofamiliar compreende a ação voltada para a família,
não no sentido de responsabilizá-la por sua situação de vulnerabilidade negando
assim a ação do Estado, mas compreendendo-a como um núcleo social básico de
acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social. Preconiza a
defesa do direito à convivência familiar, na proteção de assistência social, superando
o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de
rendimento per capita e a entendendo como núcleo afetivo, vinculado por laços
consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e
mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero.
Desta forma, a concepção do PAIF objetiva retomar a família – entendida e
acolhida em seus mais diferentes arranjos - como unidade básica de possibilidades
de superação de vulnerabilidades sociais, a todos os seus demandantes, de
variados níveis de proteção social.
14
Segundo a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, a proteção social básica tem por objetivos
prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades, e o fortalecimento de vínculos
familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da
pobreza ou privação, como a ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros e,
ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social, como discriminações etárias,
étnicas, de gênero, por deficiências, dentre outras. PNAS2004.
48
Já o princípio da territorialização significa o reconhecimento da presença de
múltiplos fatores sociais e econômicos no território em que esta família está inserida,
e, que a levam a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social. Mais que
um espaço geográfico, no território estão impressos as relações, a dinâmica, a
cultura, o modo de ser, os conflitos, as disputas dos indivíduos e famílias. Não se
trata de um conceito a mais, mas de conhecer o território e seus movimentos
multifacetados no cotidiano, no desenvolvimento do serviço público. Do ponto de
vista da gestão, a territorialização busca eliminar fragmentações e pulverizações dos
serviços, tornando-se um importante instrumento.
Os princípios de matricialidade sociofamiliar e território, entre outros, moldam
a atuação do PAIF nos CRAS, programa este de conteúdo substancial da Política
Nacional de Assistência Social.
De acordo com o Guia CRAS15, são pautadas algumas diretrizes
metodológicas para a execução e desenvolvimento do PAIF, tais quais:
1. Articular o conhecimento da realidade das famílias com o
planejamento do trabalho;
2. Potencializar a rede de serviços e o acesso aos direitos;
3. Valorizar as famílias em sua diversidade, valores, cultura,
com sua história, trajetórias, problemas, demandas e potencialidades;
4. Potencializar a função de proteção e de socialização da
família e da comunidade;
5. Adotar metodologias participativas e dialógicas de
trabalho com as famílias;
Seguindo estas diretrizes, cada município elabora suas estratégias de
atendimento de acordo com as particularidades dadas pela realidade regional.
Todos os municípios brasileiros receberam tais orientações, além de
formações e capacitações de gestores para a implementação da Proteção Social
Básica e do PAIF.
Cabe ainda destacar, que o SUAS preconiza uma equipe mínima16 para atuar
junto aos CRAS no desenvolvimento do PAIF que conta de forma imprescindível
15
Documento elaborado pelo MDS para orientar a implantação da Proteção Social Básica nos municípios.
49
com assistentes sociais. Este novo espaço de trabalho que surge para a categoria,
impulsiona a uma reflexão sobre a atuação dos assistentes sociais e, de acordo com
suas diretrizes, o PAIF torna-se um campo privilegiado de atuação profissional.
Outro dado importante é a alteração na dinâmica que o SUAS trouxe para a
política de assistência social dos municípios, como relata a gestora de Santo André:
―Na época da implantação do PAIF em Santo André, nós, então,
vivíamos naquele momento, uma situação de ampliação – e acho que
isso não foi só em Santo André, mas a nível nacional – nós tínhamos
um momento de ampliação dos programas de transferência de renda
de forma significativa e nós passamos de 1000 famílias que a gente
acompanhava, para cerca de 18.000 famílias.‖ (Gestora um)
Trata se de uma ampliação em 18 vezes o número de beneficiários dos
programas de transferência de renda em Santo André o que é muito significativo.
Apesar do Governo Federal, encaminhar o cartão magnético diretamente para a
casa do usuário; é o município quem tem que cadastrar os usuários, acompanhar o
cumprimento das condicionalidades pelas famílias, além de elaborar proposta de
acompanhamento sistemático de casos específicos, referenciando estas famílias aos
CRAS. Todo este trabalho implica uma logística muito grande que requer um número
suficiente de profissionais, além de espaço e recursos materiais.
No entanto, Santo André, assim como outros municípios enfrenta dificuldade
para a contratação de pessoal com o recurso repassado pelo Governo Federal, o
que causa inevitavelmente impactos no trabalho desenvolvido.
“Num primeiro momento, financeiramente, utilizar o recurso do PAIF
tinha uma série de limitações e entre essas, a principal – e acho que
isso é um desafio – a questão de não contratar equipe técnica usando
recurso federal. Isso daria um gasto a todos os municípios, eu
acredito, porque você passava a ter um subsídio de co-financiamento
para ampliar as equipes técnicas. Então, nós pensamos que se de um
16
De acordo com a Norma Operacional do SUAS – NOB RH (2006) a composição e equipe mínima de
referencia no CRAS é :
Município Famílias Referenciadas Técnicos de Nível Superior Técnicos de Nível Médio
Pequeno Porte I Até 2.500 2 (um assistente social e um
psicólogo)
2
Pequeno Porte II Até 3.500 3 (dois assistentes sociais e
um psicólogo)
3
Médio e Grande Porte,
Metrópoles e DF
Até 5.000 4 (dois assistentes sociais e
dois psicólogo)
4
50
lado a gente não tinha como montar tantos CRAS quantos
necessários na cidade e contratar quantas equipes fixas fossem
necessárias, por outro lado nós entendíamos que este recurso podia
potencializar um trabalho com famílias nestas regiões.” (Gestora 1)
Com o objetivo de resolver este impasse, a secretaria assume o modelo de
co-gestão no município, em que é estabelecido uma parceria com Organizações Não
Governamentais – ONGs para a contratação de profissionais e execução do serviço:
“[...] em cada CRAS tem servidor direto da prefeitura e equipe
contratada pela organização parceira e com uma direção que quem
dá a coordenação, quem define as diretrizes deste trabalho é sempre
necessariamente os servidores. Então, em tudo a gente está mais na
frente pra definir, decidir sempre com os servidores que a gente
considera os gestores do serviço e a equipe contratada vai
acompanhar, vai executando também. Mas, para não perder o foco
mesmo, o servidor que está lá no CRAS não perder o foco de que a
ação é responsabilidade nossa, de que aquela porta aberta é uma
responsabilidade pública municipal. Isso exige um jogo de cintura.”
(Gestora 2)
Evidente que este arranjo traz conflitos, principalmente na construção da
identidade do serviço ofertado, já que nem sempre ONG e poder público possuem
os mesmos princípios e valores. Além disso, a PNAS preconiza que o serviço seja
―público estatal‖ e diante de uma co-gestão este principio pode ficar ameaçado.
Os CRAS e o PAIF são serviços da Secretaria de Inclusão Social que tem o
Departamento de Assistência Social – DAS, que conta com as equipes de Proteção
Social Básica e Proteção Social Especial, além do programa Santo André Mais Igual.
No Setor de Proteção Social Básica está a coordenação dos CRAS no
município, bem como, de todas as ações e serviços da proteção social básica.
Atualmente o município conta com 4 CRAS nas áreas de maior vulnerabilidade
sendo:
CRAS Centro, responsável também pelo cadastramento
das famílias nos Programas de Transferência de Renda;
CRAS Cidade São Jorge;
CRAS Vila Luzita;
CRAS Recreio da Borda do Campo.
51
Estão envolvidos no trabalho 16 assistentes sociais entre concursados e
contratados pelas ONGs, na ocasião da pesquisa.
A seguir, a gestora relata como está a estrutura do PAIF em Santo André:
“Como é que a gente vem trabalhando na lógica do PAIF? Nós temos
uma equipe de acolhida, esta equipe tem sido a responsável também
por fazer toda a relação com o território, o diagnóstico, a mapeação.
A gente tem conseguido trabalhar, não ainda de uma forma ideal,
mas estamos avançados, na articulação dos atores, desde as
organizações não governamentais como governamentais, uma equipe
local que tem realizado encontros mensais. E com as famílias a gente
vem atuando, principalmente as atividades do PAIF, elas foram
ficando no primeiro momento da entrada da equipe fixa no CRAS e,
do referenciamento das famílias. Nós priorizamos fazer um caminho
que naquele momento a gente achava importantíssimo, mas que por
um lado ele foi um desafio para as nossas equipes que era de
priorizar o referenciamento nos CRAS das famílias em situação de
risco, entendendo que as famílias em situação de risco precisavam
estar acompanhadas pelo CREAS dentro das especificidades de
risco, mas que elas moram no território e seria importante que elas ali
no território tivessem um apoio, um fortalecimento dos seus acessos,
principalmente no envolvimento das atividades socioeducativas, essa
foi a forma como a gente foi conduzindo. Ao fazer isso, levou para a
equipe dos CRAS um momento de muita dificuldade porque de
repente eles se viram com situações de muita complexidade, e aí a
gente precisou inclusive de um processo de reavaliar... peraí, né!?
Nós não queremos que a equipe do CRAS se debruce sobre as
especificidades porque isso continua no CREAS, mas isso mexeu
com a equipe, porque a equipe de repente teve que lidar com
algumas situações que eles até então, não vivenciavam em sua rotina
cotidiana, de alguns riscos que apareciam.”
Pelo fato de Santo André possuir uma história na assistência social marcada
por ações intersecretariais e integradas, o PAIF já em seu início tem uma equipe
territorial do Programa Santo André Mais Igual17 que conta com representantes de
17 Segundo a Prefeitura de Santo André “o Programa Santo André Mais Igual consiste na aplicação conjunta e
simultânea, num mesmo território da cidade, de 19 programas sociais voltados à inclusão social, os quais são
gerenciados de forma descentralizada e participativa, favorecendo a complementaridade das ações e permitindo
52
outras pastas, como saúde, educação, habitação, para discutir e encaminhar
questões locais. Este aspecto é um avanço, comparando a outros municípios que
primeiro concentram esforços no atendimento dos CRAS para então inserir ações
em rede e, que muitas vezes tem grande dificuldade de contar com representantes
de o próprio poder público.
Um aspecto bastante ousado desta gestão é a opção de atender nos CRAS,
através dos grupos socioeducativos, prioritariamente as famílias em condição de
risco acompanhadas pelo CREAS. Um dado de realidade que pouco a pouco vem
se manifestando é que Proteção Social Básica e Proteção Social Especial não são
separadas sistematicamente no cotidiano das famílias atendidas e nos territórios de
atuação. Então naquele momento, a equipe entendeu que apesar da família ser
acompanhada pelo CREAS, ela estava referenciada pelo CRAS em seu local de
moradia e necessitava deste suporte local.
Este caminho trouxe aos profissionais muita angústia e um questionamento
do seu papel enquanto CRAS, como se segue no diálogo do grupo focal:
“ – Essa discussão de CRAS e CREAS precisa acontecer. Aumentar
a equipe do CREAS é urgente porque a gente que é CRAS é porta
aberta e você pega todo o tipo de demanda, muitas situações de
violação de direito. Estamos atendendo as demandas do CREAS
também. É arriscar demais a equipe que está no território, o trabalho
que vem acontecendo lá, porque são situações de risco, violência,
ameaça de morte. E a equipe fica lá...”
“ – É que a nossa origem de CRAS a gente começou atendendo
famílias em risco. Mesmo que não fosse, o serviço é porta aberta,
mas começamos assim.
“ – Mas, neste processo a gente vem aprendendo muito. O que ficou
escancarado para mim numa capacitação: „vocês são centro de
REFERÊNCIA, não são centro de ATENDIMENTO‟. Isso mudou
muito para mim, compreender melhor. E é um processo que está em
construção mesmo. A gente tem que ter a santa paciência.”
um diagnóstico mais preciso e uma leitura mais global das famílias atendidas, de forma a alcançar uma maior
eficácia e efetividade no conjunto das políticas desenvolvidas visando alavancar um padrão de inclusão digno
para essas comunidades.”
53
Há uma especificidade para o atendimento de risco e violência. A
preocupação da profissional aponta para o CRAS como um serviço que está no
território e que os profissionais se tornam inevitavelmente conhecidos da
comunidade. Se há uma situação de ameaça de morte e a família busca acolhida no
CRAS, a comunidade possivelmente saberá que ela foi atendida por aquela equipe
de referencia e, desta forma, é o profissional quem fica em situação vulnerável no
território.
Outra questão que se levanta é a respeito da especificidade do atendimento
do assistente social nos CRAS. Se a história ―condenava‖ o profissional a ações
assistencialistas como a distribuição de cestas básicas, remédios, hortenses e
próteses; com a implementação do SUAS estas ações se tornam cada vez mais
pontuais ou inexistentes. Uma hipótese para tal fenômeno é a ampliação dos
Programas de Transferência de Renda em nível nacional. Entretanto, existem novas
ações a serem realizadas como o atendimento as violências, violações de direito,
situações de risco que exigem do profissional um olhar e uma atuação voltados para
estas questões, o que pode mexer inclusive com a formação do assistente social:
“[...] eu acho que também a gente não pode no trabalho do dia-a-dia
dos CRAS e do PAIF ficar muito preocupada em ter uma formação
(especifica) porque, não sei se é por conta da nossa realidade, o fato
é que começar com grupos de risco levou a uma angústia das
equipes que todo mundo tinha que ter formação para trabalhar... eu
tenho, então, que ter grupos de trabalho terapêutico, por exemplo,
então, é algo assim de buscar, de fortalecer a formação de nossas
equipes no trabalho de acompanhamento familiar. Mas, eu acho que
a nossa formação já nos proporciona espaços de reflexão e de troca
e de construção do conhecimento, e só isso, se a gente fizer um
trabalho integrado aos grupos, não de superioridade, de quem olha
de cima, mas de quem está junto com aquele grupo e que acredita
que aquele grupo tem uma potencialidade, que acredita...porque eu
acho que a gente tem alguns pré julgamentos : “ah! “essas mães que
tem os filhos na rua são mães que não querem participar do grupo”
ou “são mães que não vão achar saída para estas situações” né? E
quando você começa a vivenciar uma experiência com estas famílias,
você observar que tem muitas potencialidades adormecidas.”(Gestora
1)
54
De fato a profissão tem um novo cenário que exige a construção de novas
respostas. O SUAS passa a ser operacionalizado e o contato eminente com a
realidade traz descobertas e desafios, anteriormente inimagináveis. Todavia, o que
se aponta cotidianamente é a urgência dos assistentes sociais romperem com o
tradicionalismo, criando um caráter investigativo em sua ação, distanciando-se de
respostas prontas ou conhecidas e receitas interventivas.
“Eu acho que o PAIF ele tem uma potencialidade muito forte de que
se você estiver despojada e romper com o tradicional. Se você ficar a
tarde toda dentro do CRAS, esperando que a família venha,
atendimento individual... Eu acho que a gente ainda, neste
momento, não sei ainda dimensionar qual é, mas ainda tem um
conflito, você fica nos CRAS, você espera as pessoas vir te procurar
ou você entra no território e começa a atuar lá dentro, ver onde as
pessoas estão, reconhecendo seus espaços, reconhecendo suas
potencialidades?” (Gestora 1)
Configurar-se como um serviço de porta aberta emerge uma polêmica ainda
não solucionada na política de Assistência Social: o CRAS nos remete a um Plantão
Social dos tempos de outrora? A PNAS preconiza que o Plantão Social fique no
CREAS como Proteção Social Especial, entretanto, quando surgir um caso de risco
no CRAS de uma família já referenciada, este não deve atender? E se atender,
como resguardar a equipe local?
O caminho que se aponta é de construção, entendendo a realidade de cada
município. Entretanto, para o Serviço Social, aponta-se um momento de se
aprofundar em questões que anteriormente eram consideradas específicas de
alguns assistentes sociais apenas. A violência, o risco social e a violação de direitos
fazem parte do dia a dia dos CRAS e se faz necessário o entendimento destas
questões que muitas vezes ficavam num segundo plano profissional, já que as
condições objetivas e materiais das famílias eram as que tomavam grande parte do
atendimento. Hoje, a ampliação dos Programas de Transferência de Renda – PTR
dinamizou os territórios ampliando o leque de demanda dos CRAS. Instala-se uma
nova cultura, onde a família já não questiona mais a cesta básica, mas busca
informações de como se inserir nos PTR e faz parte do atendimento do CRAS
colocar estes programas na ótica do direito e da cidadania.
55
Por não se tratar de uma política universal, é evidente que os profissionais
ainda se deparam com situações degradantes, onde a necessidade financeira e
material é urgente. Todavia, este cenário vem mudando pouco a pouco, abrindo
espaço para novas demandas.
Apesar de em sua fala a gestora considerar que todo o assistente social pela
sua formação possui condições de proporcionar espaços reflexivos e de construção
do conhecimento junto com as famílias, é interessante observar as condições
objetivas que os profissionais têm para tanto, inclusive questionando como esta
abordagem pode ser feita no território, com a atuação fundamental da equipe do
CREAS e resguardo da equipe local. Também cabe questionar a demanda imposta
ao CRAS que vem de outras instâncias governamentais e que diante de uma equipe
reduzida, impõem dificuldades para a realização de um trabalho continuado:
― – Nós trabalhamos com a bola da vez. Por exemplo: a bola da vez
agora é o Pró-Jovem, pára tudo e vamos fazer todos os cadastros do
Pró-Jovem. Não tem continuidade...”
“ – A gente pouco discute e pouco planeja, é tudo no emergencial,
mesmo. O que eu vejo é isso, é pouco conversando e as atividades
acabam sendo individualizadas, mesmo.”
“ – Não há trabalho periódico. Não é um trabalho que tem
metodologia, que é sistematizado. São trabalhos pontuais, uma coisa
contínua não tem.”
Romper com o tradicional no serviço dos CRAS impõe aos
profissionais uma atuação crítica, reflexiva, de construção em parceria com o usuário
de espaços de participação e de alternativas, mas, impõe também um novo modelo
de gestão que abra espaço para um trabalho planejado, sistematizado e avaliado
continuamente, com equipes suficientes para a realização do trabalho e que paute
momentos de supervisão e de formação, respaldando assim, o trabalho de campo.
“Esse encontro mensal que a gente faz é nosso, gestão com a
equipe, é mais para garantir planejamento do trabalho, não deixa de
ser uma capacitação. Mas, este outro, mais formal é com a Profª.
Mercedes, são seis meses de supervisão e capacitação que ela está
concluindo agora em outubro. Esta sim tem a característica de
capacitação e ela é muito legal. Vale a pena investir em trazer uma
pessoa, no nosso caso a Mercedes tem sido excelente, mas, uma
pessoa para ajudar as equipes a fazer esta reflexão, para refletir
56
sobre o trabalho. Mesmo que a gente pare para ler um texto, ter uma
pessoa com este objetivo especifico é diferente, é um investimento
que vale a pena.”(Gestora 2)
Construir espaços de capacitação, supervisão e planejamento levanta
a perspectiva de romper com a ótica do imediatismo e obter um elo entre trabalho
de campo e gestão, com seus avanços e especificidades, garantindo condições de
trabalho compatíveis com os objetivos a serem perseguidos pelas equipes. Evidente
que estas dificuldades não são exclusivas de Santo André, mas revela um momento
nacional da política de assistência social.
Atualmente o PAIF em Santo André está concentrando esforços em
ações coletivas, em formar grupos socioeducativos:
―E um passo que a gente está agora com mais dedicação são as
questões mais grupais, mais de fortalecimento destas famílias não só
no atendimento individual, na liberação de benefícios, na inserção de
programas, mas o que o PAIF propõe como diretriz maior: as
atividades grupais, proporcionar uma convivência mais grupal e
comunitária...” (Gestora 2)
Todos os CRAS do município estão organizando os grupos
socioeducativos, além disso, contam com o programa Pró-Jovem Adolescente, a
acolhida – o atendimento individual ou grupal para orientação, encaminhamentos e
contra-referência; porta de entrada para o contra turno escolar do município (as
inscrições e triagem para vagas são realizadas nos CRAS) e oficinas para a
comunidade com o objetivo de geração de renda.
“Nós temos pouco tempo de trabalho, nós fizemos sim o exercício de
ir para o trabalho coletivo, os grupos socioeducativos e nós estamos
até com formação voltado para este tema. Só que tem diversas
coisas no meio do caminho, estamos com uma equipe super
reduzida. A gente tem feito este trabalho de rede, claro que precisa
avançar, precisa ampliar, mas já fizemos reuniões com a saúde, com
a educação.” (participante Grupo Focal)
Não se pode negar o esforço do município para a implementação do
SUAS, na busca constante de responder demandas, avançar na proposta da PNAS
e superar as dificuldades objetivas.
57
Um sujeito fundamental neste processo, mesmo que a distância, é o MDS
com publicações, orientações e capacitações para os municípios:
“Nós estamos num momento usando como referência muito
fortemente a Política de Assistência Social, o SUAS, a forma como
está organizado, o porquê da centralidade na família, o porquê da
importância do território, o porquê da importância da análise das
informações, dos dados de realidade daquela região, quais são as
situações de risco, formas de buscar conhecimento com as outras
secretarias.” (Gestora 1)
“A gente tem pegado mais textos do próprio governo federal que vem
falando do SUAS, sobre o PAIF, sobre os CRAS. Recentemente a
gente retomou, até como processo de construção mesmo, o texto
sobre o PAIF. Porque a gente começou a avaliar: Tudo bem, nós
avançamos várias ações, mas é isso, a gente avança, avança,
avança, mas a demanda... A porta aberta na comunidade trás tantas
demandas que espera aí, vamos retomar aqui quais são as diretrizes
maiores que a gente quer perseguir com este trabalho. Tem uma
porta aberta, tem um público que demanda o tempo todo, mas tem
diretrizes que eu também quero imprimir neste trabalho. Então, é um
texto sobre o PAIF... de vez em quando a gente vai lá à NOB-RH,
NOB-SUAS, até porque o governo federal tem produzido textos de
muita qualidade, qualidade técnica, de escrita, os documentos do
SUAS, NOB-RH, sobre o PAIF, outros assuntos, é legal. É uma
produção muito legal, nunca o governo federal produziu tantos textos
com tanto peso, tanta qualidade que te ajude a refletir e num curto
espaço de tempo. Então, o que a gente mais tem utilizado de material
teórico são os textos do governo federal. “ (Gestora 2)
O material desenvolvido pelo MDS é rico e aponta diretrizes para o
trabalho. Entretanto, trata os temas de forma conceitual e genérica, até porque a
realidade do Brasil é bastante diversa e cada região possui suas particularidades
que surgirão, evidentemente, no trabalho. Os municípios também possuem
responsabilidade crítica diante do material ofertado; de munir o MDS com uma
análise crítica da realidade em que vivem, aprofundando pontos que são discorridos
genericamente e que só obtêm sentido quando entrecruzados com vidas, territórios
e relações.
Outro ponto, refere-se ao papel profissional do Serviço Social e da
Psicologia nestes espaços, o conhecimento competente de sua área de atuação é
58
elemento fundamental para que a discussão interdisciplinar ocorra. Neste sentido, a
evolução da política de assistência social nos aponta um cenário complexo que
exige formação profissional continuada e um movimento incessante em busca da
unidade teoria e prática.
Todavia, estes profissionais observam este momento com bastante
otimismo:
“A minha leitura é que enquanto profissional de Serviço Social a
gente está vivendo um momento áureo, para a assistência social um
momento histórico. Como a gente viveu momentos no Serviço Social,
acho que estamos vivendo um agora. Daqui há 10, 20 anos é que a
gente vai dizer o quanto este momento é promissor e está marcando
a história do Serviço Social. É de fato implementado os serviços como
política, conhecidos e implementados. Vai demorar ainda um tempo,
mas de fato a profissão ganha, os profissionais, ganham , o publico à
que ela se destina ganha e este momento para mim, vai ficar como
um momento histórico. É o Serviço Social antes do SUAS /PAIF e o
Serviço Social pós este momento.” (Gestora 2)
Este é o momento em que a ―prima pobre‖ da seguridade social assume as
rédeas na construção de uma nova história, marcada pelo embate político e pelo
enfrentamento de reais dificuldades. Um novo momento para a assistência social se
aponta, entrecruzando num momento impar para o Serviço Social que é desafiado a
ir além do assistencialismo, construindo uma nova forma de ser e uma nova cultura
para a profissão.
59
CAPÍTULO III
FUNÇÃO EDUCATIVA DO SERVIÇO SOCIAL: ESPAÇO DE EDUCAR-A-AÇÃO
“Estar vivo é estar em conflito permanente, produzindo dúvidas, certezas questionáveis.
Estar vivo é assumir a educação do sonho do cotidiano. Para permanecer vivo,
educando a paixão, desejos de vida e morte,
é preciso educar o medo e a coragem.” Madalena Freire
Durante o caminho desta pesquisa, muitas foram as dúvidas, inquietações e
questionamentos. O que se iniciou como certeza, pouco a pouco foi se
desconstruindo, tornando-se poeira e dúvida e o que iniciou nebuloso e obscuro,
devagar foi tomando tônus de lucidez.
Para o grupo focal a discussão sobre a função educativa do Serviço Social foi
polêmica e enriquecida do debate. Observa-se que o tema apesar de aparentar ter
entendimento tácito, no decorrer do diálogo as diferenças foram emergindo. Parecia
se tratar do ―calcanhar de Aquiles‖ para o Serviço Social, como um aspecto da
profissão que implica processos e desdobramentos:
“É uma das funções da profissão mais difícil, porque compreende um
processo. Eu entendo que esta função equivale ao projeto ético-
político profissional... é difícil porque precisa caminhar junto com o
projeto ético político da profissão que é tratar da questão social
mesmo. Então, como tratar com a população que a gente atende que,
tem uma visão tão complicada – todos nós temos – por causa da
mídia e uma série de coisas e, vem sempre com uma questão mais
emergencial, são famílias de baixa renda. Então, é uma questão difícil
compreender o porquê está nesta situação. Eu coloco a questão
educativa nesta dimensão, eu não vejo só como uma questão de
organização da população, atividades, ajuda individual ou em grupo,
não é só isso, se reportando ao nosso projeto eu vejo algo a mais a
ser contemplado.” (Participante Grupo Focal)
60
Nesta colocação, a profissional faz referência à cultura dominante que
busca suas formas de hegemonia através da mídia e de seus intelectuais; cultura
esta da qual todos nós sofremos alguma influência inevitavelmente. Aponta o projeto
ético-político profissional como uma diretriz mestra para a manifestação desta
dimensão educativa e, sendo assim, coloca a função educativa para além da ajuda
individual e coletiva.
Retomando Abreu, observamos que as pedagogias, trabalhadas e
detalhadas no primeiro capítulo desta dissertação, são categorias históricas para
análise da cultura e da função educativa do Serviço Social. Entretanto, nas últimas
décadas, estas pedagogias vêm se metamorfoseando, sofrendo significativas
alterações que afetam a vida produtiva e a sociedade capitalista como um todo. Em
especial, a pedagogia da ajuda e da participação, pedagogias estas envolvidas com
o movimento de hegemonia da classe dominante, foram influenciadas pelo projeto
neoliberal, sustentado como solução para a crise do capital:
“As bases sócio-históricas da função pedagógica do assistente social
na sociedade brasileira vêm sendo tensionadas, a partir dos anos 90,
pelas estratégias político culturais acionadas pelas classes
fundamentais na luta pela hegemonia no país – luta esta travada nos
marcos da crise estrutural do sistema capitalista, instaurada nas três
últimas décadas deste século. O entendimento de fundo é que a
referida crise traduz o esgotamento em termos mundiais do padrão
fordista/keynesiano de produção e regulação estatal – isto é, do
padrão societário instaurado sob o chamado Estado de Bem – Estar –
cujas saídas neoliberais forjadas pelo capital, inflexionam
profundamente o ordenamento capitalista mundial, mediante
alterações na divisão internacional do trabalho, na configuração dos
Estados nacionais, nos processos produtivos e de trabalho, no
mercado, no consumo, nas relações entre classes sociais e entre
estas o Estado e o mercado, ou seja, no conjunto da vida social em
todo mundo e em cada formação particular. Essas alterações
colocam a necessidade do estabelecimento de um novo equilíbrio de
forças, sob hegemonia de certas classes, em que se insere a
organização/reorganização da cultura, a partir de determinado
princípio educativo.”(ABREU, 2002:163)
61
Com a crise do padrão fordista/keynesiano, na busca de artimanhas mais
sutis, o toyotismo18 toma espaço nos meios de produção e na organização político
cultural. O toyotismo acumula técnicas diferenciadas para a gestão da força de
trabalho e organização da produção pautadas nos programas de controle de
qualidade, na participação do trabalhador como responsável pelo sucesso /
insucesso da empresa, na flexibilização dos contratos de trabalho. Toda esta
tecnologia faz parte de uma ampla reestruturação produtiva, tecnológica e política,
segundo Abreu.
Neste caminho de análise, retomando a fala da assistente social, participante
do grupo focal que, menciona a função educativa como ―uma das funções da
profissão mais difíceis, porque compreende um processo” e porque a população
atendida chega com ―uma visão tão complicada – todos nós temos – por causa da
mídia e uma série de coisas‖, pode-se entender que esta visão ―complicada‖ está
relacionada com a crise cultural qual vivemos na sociedade atual, marcada pelos
desdobramentos da crise do capital.
“[...] sem ainda a consolidação de um novo equilíbrio de forças, ou
seja, de um novo compromisso social, base de uma nova cultura –
nova sociabilidade – instaura-se então, hoje, uma crise cultural. Para
Bihr (1998:163), a crise cultural traduz-se na „crise do sentido‟, ou
seja, revela-se na „incapacidade própria das sociedades capitalistas
desenvolvidas, de propor/impor a seus membros uma ordem
significante‟. A saber, um conjunto de referências estável e coerente,
no qual e pelo qual eles possam ao mesmo tempo construir sua
identidade, comunicar-se e participar da práxis social, em síntese, dar
sentido à sua existência tanto individual quanto coletiva.” (ABREU
2002:170)
Pelos moldes que se compactua a sociedade atual, há uma busca de sentido
à vida cotidiana. O individualismo e o consumismo, valores soberanos das classes
dominantes, são pouco a pouco esvaziados de sentido e questionados por parte da
população. O forte consumismo, com o acirramento da pobreza e da desigualdade, é
inviabilizado financeiramente por grande parte da população que não tem acesso a
bens e serviços. O individualismo vem sendo questionado por valores como
solidariedade e ajuda mútua. Desta forma, fica instaurada uma crise cultural do
18
Processos de produção inspirados nas experiências da fábrica japonesa Toyota.
62
sentido e do significado para os membros da sociedade atual e, com o acirramento
do neoliberalismo, aponta-se para um novo ordenamento dessa cultura, tendo “como
princípio educativo fundante, a obtenção de um „novo‟ conformismo em que as
estratégias participacionistas no âmbito da produção e da reprodução social e o
movimento de autonomação/ auto-ativação do processo produtivo e individualização
das relações de trabalho constituem os vetores principais‖(ABREU, 2002:175).
Trata-se da ideologia...
“[...] do colaboracionismo e cooperação entre classes fundada na
retórica da superação dos antagonismos entre capital e trabalho –
base do estabelecimento de novas relações sociais. Restaura-se o
mercado como instância mediadora societal insuperável e instaura-se
a tese do Estado mínimo como única alternativa e forma para a
democracia (Netto,1993), ao mesmo tempo em que a ordem do
capital é apontada como único horizonte societário e a tecnologia
como sujeito privilegiado da história.” (ABREU, 2002:175)
E seguindo a análise, a profissional diz: “É difícil (para o usuário)
compreender o porquê está nesta situação (de vulnerabilidade)”. Aqui se questiona
até que ponto os usuários que chegam aos assistentes sociais querem saber o
porquê enfrentam tal situação? E se pensarmos na crise cultural mencionada e na
inflexão para um novo ordenamento cultural, pautado também no modo de produção
toyotista, em que se imprime nos membros da sociedade o peso da
responsabilidade pelos sucessos e fracassos (individuais e coletivos), tanto usuário
como profissional são influenciados de alguma forma por este movimento e,
inevitavelmente, se responsabilizam por este processo. Um se responsabiliza por se
encontrar em situação de miserabilidade, outro por não obter solução concreta e
imediata para esta questão.
Neste caminho, outra participante faz sua intervenção no grupo focal:
“É uma das funções mais importantes da profissão, mas essa função
socioeducativa dentro da assistência social é bastante difícil, pelo
menos é o que eu sinto hoje em relação à implantação do SUAS e
dos CRAS e, até mesmo pela necessidade das famílias que chegam
e toda a limitação que nós temos. A questão educativa fica num
segundo plano, nós temos um objetivo, mas e a família que chega?
Mas, é uma função importantíssima que a gente não pode jamais
perder.”
63
Esta profissional também traz um conteúdo de dificuldade e limitação no
exercício da função educativa do assistente social, no entanto a considera de
extrema importância.
Interessante contrapor a fala destas duas profissionais com a fala da gestora
do programa, verificando as diferentes expectativas impressas no discurso. As
técnicas expressam o peso da dificuldade de modificar valores e a limitação
profissional nesta ação. Já a gestora fala de como entende esta ação educativa e
como ela tem a função de oferecer novas possibilidades para as famílias:
“[...] o trabalho educativo ele tem por objetivo que as famílias possam
retomar os seus projetos de vida, mas que você possa também,
oferecer uma cesta de possibilidades que facilitem para que as
pessoas acessem seus projetos que estão esquecidos justamente por
não vislumbrar saída.” (Gestora 1)
A gestora espera que o técnico assistente social ao realizar sua função
educativa dentro dos CRAS , possa ―oferecer um cesta de possibilidades‖ para os
usuários facilitando assim seus acessos. Evidente que se trata de uma visão
bastante ambiciosa e é importante o entendimento do movimento contraditório desta
ação. Se por um lado há concretamente as dificuldades apontadas pelas
profissionais, por outro, há a possibilidade de construir alternativas. Talvez a ―cesta
de possibilidades‖ e a paralisação diante da dificuldade e da limitação, possam ser
substituídos pelo processo de atendimento que configura diversos desdobramentos
e em meio a uma cultura contrária e imposta, o profissional possa entender de forma
crítica o seu trabalho neste espaço e fomentar com o usuário a construção de saídas
individuais e coletivas.
Um dos integrantes do grupo focal discordou do discurso de dificuldade e
limitação das duas primeiras colegas e discorreu:
“Independente de como a família chega o que muda é como a gente
responde a esta forma de como ela chega. Ela não tem a obrigação
de entender toda a política de assistência, ela está numa situação
que a levou buscar determinado serviço que ela sabe que existe ou
que pode existir. Ela pode ter algum direito, às vezes nem sabe se
tem. As formulações anteriores a esta formulação de política eram
muito paternalistas, assistencialistas, de dependência. Aí é que entra
o projeto ético-político, com valores de autonomia, de cidadania, etc.
64
Até o processo entre aspas de “dar” (alguma coisa). Você deu, a
pessoa retorna e cada vez que ela retorna, ela vai compreendendo
que pode dar passos outros e acessar outros caminhos, pode ter
outras oportunidade e você também aprende coisas com isso. E é
processo, porque não é via de mão única, é mão dupla e faz
compreender, inclusive, a dimensão do nosso trabalho que está além
da intervenção em si. A própria demanda, a realidade, a questão
social está nos ensinando a também dar passos que supere este
entrave inicial, este impacto inicial do dou ou não dou, faço ou não
faço, isso é meu papel, isso não é. Principalmente, quando a gente
faz isso junto, supera junto, eu enquanto profissional, você enquanto
cidadão. É neste sentido que é um processo.” (participante grupo
focal)
Interessante observar como os profissionais apresentam dificuldades de
compreender o movimento de contradição e buscam ―verdades‖ acerca do que é
esta função educativa analisando apenas uma ou outra dimensão da questão,
separadamente.
O grupo seguiu em debate, alguns integrantes entendiam o processo como
importante, mas difícil e limitado, como já apontado; outros como uma função
possível e expressa em todas as relações profissionais mediada por processos e por
mudanças. Neste caminho, outra integrante retrucou a fala do colega:
“Mas, aí você está falando de uma situação. Eu estou falando de uma
coisa macro, da nossa função também mantenedora da situação das
pessoas, exatamente neste caso, a gente trabalha para o governo,
que vem de uma política neoliberal, é neste sentido que eu estou
tratando. Como num trabalho socioeducativo, a gente vai caminhando
no sentido das famílias compreenderem que a pobreza é uma coisa
desta estrutura?” (participante grupo focal)
As questões macros são cenários onde o cotidiano se expressa. A
contextualização histórica da sociedade atual e a crise contemporânea são
elementos importantes para analisar, entender e encaminhar o cotidiano profissional,
um aspecto não pode ser separado do outro de forma estanque como ―coisas
macros‖ e ―coisas micros‖. Ambos os aspectos se entrecruzam e um dá sentido ao
outro.
No método marxiano totalidade e contradição são categorias
importantíssimas. Não apenas categorias para a análise especifica de um tema,
65
mas, categorias ontológicas e sociais que explicam a forma de ser do homem na
realidade, na historicidade do tempo. Totalidade entendida aqui não como a soma
das partes, e sim como a possibilidade de olhar o todo e as partes apreendendo as
múltiplas mediações e relações entre si. Contradição entendida não apenas como
negação, mas como o movimento dialético e dinâmico que contem em si a negação
e afirmação concomitantemente. Este método não é preconizado por Marx como um
método de pesquisa e análise de dados apenas; é fundamentalmente um método de
compreensão da realidade.
Desta forma, observa-se na discussão do grupo focal que estas categorias
não são relevadas como partes inerentes da realidade. O movimento contraditório
das relações sociais e da própria função social do assistente social é substituído
pelo significado imediato que o cotidiano tem para estes profissionais, ou seja, o que
é expressivo: a forma de realizar um atendimento versus a contextualização social
marcada pelo neoliberalismo. E, mesmo com entendimentos em que se defendem
pontos divergentes, o grupo foi capaz de elencar aspectos importantes de um
mesmo processo.
A discussão toma volume, um dos integrantes discorda que para falar
da função educativa se use o termo socioeducativo e segue o diálogo:
“ Mas, não é o trabalho socioeducativo, é a função educativa do
profissional a questão! A função educativa do profissional é mais
ampla que o trabalho socioeducativo em si.
“ O que ela trouxe é interessante que é a função do profissional de
manter as pessoas na pobreza, onde a gente está colocado dentro
deste sistema. E aí eu penso que só pelo viés da função
socioeducativa nossa...”
“ Não é função socioeducativa, é função educativa!!!”
“ Socioeducativa, educativa... é a mesma coisa.”
“ Não, não, não! Não é. Quando eu penso em socioeducativo, eu
penso nas atividades, nos grupos. A função educativa, eu penso, é
como a função do professor, é claro que ele tem uma função
educativa. Mas, quando se fala em Serviço Social, não se pensa em
função educativa, se pensa em assistência! Quando se fala de um
médico, se pensa na função médica, de saúde, quando se pensa no
professor se pensa na função educativa. Mas, no nosso papel,
66
quando fala em função socioeducativa está linkando com o grupo
socioeducativo, com a atividade em si. Já função educativa é mais
ampla, é assim: Para quê você existe enquanto profissional? Aí que
está! É por isso que não é a mesma coisa.”
Este diálogo nos remete ao entendimento das pedagogias. Como já
trabalhado no primeiro capítulo, o termo socioeducativo é banalizado no contexto
profissional e utilizado como sinônimo de educativo e, há concordância com o
assistente social que define socioeducativo como a intervenção em si. Já o principio
educativo está relacionado à função, a forma de ser da profissão e remete a uma
pedagogia. Se considerarmos o compromisso assumido pela categoria profissional e
expresso no projeto ético-politico em sustentar e defender valores emancipatórios,
temos uma proximidade ao movimento de construção de uma pedagogia
emancipatória.
O movimento de construção de uma pedagogia emancipatória também sofreu
um redimensionamento, segundo Abreu. Atualmente esta via sofre influências de
duas tendências:
“Uma tendência circunscreve os compromissos profissionais com as
lutas das classes subalternas no âmbito da defesa dos direitos civis,
sociais e políticos, da democracia e justiça social, portanto, nos
limites das conquistam que consubstanciaram a experiência do
chamado Estado de Bem Estar, muitas vezes apresentadas como o
fim último da intervenção profissional. A outra tendência estabelece o
compromisso profissional com as lutas das classes subalternas no
sentido da superação da ordem burguesa e construção de uma nova
sociedade – a socialista – a qual supõe a ultrapassagem das lutas no
campo dos direitos, nos limites da chamada democracia burguesa.”
(ABREU, 2002:206)
É imperativo que a categoria profissional reconheça o seu vínculo com o
movimento de construção de uma pedagogia emancipatória e dentro desta
dimensão possa apreender o movimento que há entre as duas tendências citadas
por Abreu. A luta por direitos políticos, civis e humanos, por democracia e equidade
social é importantíssima no contexto atual, todavia, é imprescindível que haja a
superação da acomodação de construir um ―Estado de Bem Estar‖, apenas, para a
visualização e a luta para a construção de uma nova sociabilidade.
67
Na pesquisa de campo observou-se que a realidade é fortemente esgarçada
pelo acirramento da desigualdade social e a obtenção de ―alguns‖ direitos satisfeitos,
já satisfaz também o agente profissional. Todavia, é nos desdobramentos do
discurso e da ação que a categoria pode não perder de vista a perspectiva de
construção de outra sociabilidade, aspecto apontado também pelo projeto
profissional. Sociabilidade esta que será construída coletivamente, em conjunto com
os diferentes atores da sociedade e não apenas por uma profissão.
E neste sentido, qual é a função educativa/pedagógica do assistente social?
“[...] a função pedagógica do assistente social vincula-se a
capacitação, mobilização e participação populares, mediante
fundamentalmente, processos de reflexão, identificação de
necessidades, formulação de demandas, controle das ações do
Estado de forma qualificada, organizada e crítica. Nesse processo,
cabe a esse profissional, dentre outras atribuições, viabilizar o
„acesso às informações que possam contribuir para o entendimento
do funcionamento da máquina pública, dos procedimentos
administrativos, da legislação pertinente, das instâncias de decisão do
planejamento urbano, etc.‟(Marco, 2000:158). Fundamentalmente a
intervenção do assistente social, numa perspectiva emancipatória,
volta-se para o rompimento de práticas identificadas com a cultura
tuteladora/clientelista da relação entre Estado e sociedade,
contribuindo para o surgimento de uma nova e superior cultura.”
(ABREU, 2002: 216)
O entendimento da função educativa/pedagógica do assistente social numa
perspectiva emancipatória, pressupõe uma visão crítica da realidade, dos processos
de trabalho, considerando o projeto profissional como valores necessários para
intencionalizar sua ação. É função educativa/pedagógica marcada por processos e
pelo cotidiano, pela consideração das condições objetivas e subjetivas para a
intervenção profissional. Indica um profissional que tenha um compromisso com a
disseminação de informações para a população usuária sobre os desdobramentos
da intervenção profissional e principalmente sobre o conjunto de fatores que
interferem nesta intervenção, como a máquina pública, a legislação vigente, os
mecanismos e espaços de participação, a leitura da realidade, questões econômicas
e sociais, entre outros. O processo de disseminação da informação é um processo
68
eminentemente político e que fatalmente aponta uma intencionalidade da ação.
Disseminar informação para quê e por quê?
“[...] porque nós assistentes sociais temos uma característica de levar
informação para a população e eu acho que a informação por si só,
sendo de qualidade, ela tem um caráter educativo. Porque a gente
percebe que esta população que não teve acesso a uma educação
formal e está aleijado de vários outros acessos econômicos, culturais,
a informação já ajuda num processo educativo se ela for de
qualidade, se ela for bem direcionada às necessidades dessa
população. E acho também que o caráter de nossas atividades, o
trabalho grupal, o contato de assistente social com as famílias
também deve ter este enfoque de levar informação para os usuários
poderem repensar os próprios conhecimentos, as informações que
recebem, eles podem fazer a leitura crítica sobre as informações que
recebem, são verdadeiras? Não são? Servem? Não servem?... Que
informações servem ou não serve para eles? Eu acho que o contato
do profissional assistente social com a população usuária deve ter
esse caráter educativo também, é informativo, é acesso aos serviços,
mas é educativo também. É informativo, de acesso aos serviços, mas
educativo também no sentido de proporcionar informações com
qualidade, direcionada para as necessidades da população.” (Gestora
2)
A gestora de Santo André entende a função educativa com a perspectiva de
disseminar informações voltadas para os interesses das classes subalternas. No
processo de construção de uma pedagogia emancipatória, disseminar a informação
é também colocar-se fundamentalmente como um intelectual orgânico,
comprometido com a organização das classes subalternas, identificando suas
necessidades e formulando demandas, conforme apontado no primeiro capítulo
desta dissertação.
“Na nossa própria fala, na nossa postura, a gente já demonstra para
o usuário aquilo que você acredita a respeito da emancipação, da
autonomia dele e desta forma, eu acredito, que já é uma função
educativa. Claro que é um trabalho de formiguinha. As pessoas que
nos procuram falam: olha eu só vim aqui porque não teve jeito,
porque eu estou precisando mesmo. Então, demonstra o quanto ela
tem vergonha de fazer uso da assistência, vergonha de ser pobre.”
(participante grupo focal)
69
Compreender o trabalho do assistente social na perspectiva da construção da
pedagogia emancipatória é apreender os movimentos da realidade entre condições
objetivas e subjetivas e usar da relativa autonomia para realizar intervenções que
favoreçam a organização dos usuários e fortaleçam suas lutas. É pautar o
atendimento na ótica do direito e não do favor e da ajuda como a profissional
explicita. Se o usuário se sente constrangido de utilizar tal serviço, faz parte das
atribuições profissionais esclarecer que este serviço não é caridade, nem
benemerência, tornando-se cada vez maior o número de usuários destes serviços
devido aos rumos que a sociedade atual vem tomando, aprofundando as
desigualdades sociais.
“Se o assistente social entende a função educativa como parte do seu
ser, como raiz, ela se expressa em todas as suas atividades. A
função não é um instrumento, uma técnica: „agora eu vou fazer um
atendimento educativo, agora não, vou usar de outra técnica‟, não é
isso. Quando está na raiz, ela é na forma como você se coloca, se
relaciona, numa reunião de coordenação aparece, não se camufla
porque está inerente a sua ação. Esta função educativa ela se
expressa no fazer, se expressa nas opções que você faz. Infelizmente
o nosso volume de trabalho faz com que muitas vezes você tenha
que atender em toque de caixa, isso sim limita, impossibilita qualquer
intervenção socioeducativa. Limita de você sentar e refletir com a
pessoa na situação que ela se encontra, como ela se encontra.”
(participantes Grupo Focal)
Este participante traz em sua fala as condições objetivas e subjetivas do
trabalho do assistente social. Explicita que a função educativa deve ser entendida
como raiz, como parte da consciência do assistente social enquanto profissional e
assim, esta será expressa em todas as suas atividades. Entretanto, há também as
condições objetivas que é o modo de ser da profissão e, de forma mais explicita,
representa também a função social do assistente social na sociedade de amenizar
os conflitos entre capital e trabalho. Revela também as condições de trabalho que
os profissionais enfrentam atualmente: o reconhecimento social deste trabalho, o
volume de trabalho ao qual os assistentes sociais são submetidos, a obrigação de
responder prontamente as mais diversas demandas, além da precariedade das
formas de contratação dos assistentes sociais que recebem cada vez salários mais
baixos.
70
Entende-se que as condições objetivas e as condições subjetivas
apresentadas ao assistente social no seu trabalho cotidiano são uma unidade
diversa do trabalho profissional. Unidade porque não há condições objetivas sem
condições subjetivas e por vezes esta unidade diversa se manifesta de forma
contraditória, até porque, a dinâmica da realidade traz avanços e retrocessos ao
trabalho profissional. Nem sempre as melhores condições objetivas garantem um
resultado satisfatório para o trabalho, isso se torna um paradoxo, pois estamos
acostumados a apreender as questões que se dão apenas no imediato. Perceber os
aspectos subjetivos que envolvem a ação profissional é um exercício que depende
também da correlação de forças políticas imersas no contexto profissional.
São condições objetivas os eventos e as circunstâncias sociais e históricas
que determinam a direção social na atuação profissional. Determinação esta, que
ultrapassa a intenção, vontade ou consciência dos profissionais.
“Isso supõe, como diretriz de trabalho, considerar a profissão sob dois
ângulos, não dissociáveis entre si, como duas expressões do mesmo
fenômeno: como realidade vivida e representada na e pela
consciência de seus agentes profissionais expressa pelo discurso
teórico-ideológico sobre o exercício profissional; a atuação
profissional como atividade socialmente determinada pelas
circunstâncias sociais objetivas que conferem uma direção social à
prática profissional, o que condiciona e mesmo ultrapassa a vontade
e/ou consciência de seus agentes individuais. (IAMAMOTO, 2001:73)
Temos como exemplo de condições objetivas a ideologia neoliberal
dominante, as formas de reprodução e manifestação da questão social gerando
novas demandas, a precarização do trabalho do assistente social em seus diversos
aspectos desencadeado pela precarização do trabalho, o modo de inserção da
profissão no capitalismo monopolista e suas relações, ou seja, a forma como a
profissão se consolidou, atendendo contraditoriamente aos interesses do capital e
do trabalho. Neste ponto compreendemos o modo de ser da profissão; sua
identidade e sua construção histórica.
“Portanto, essa profissão traz consigo duas dimensões: uma
„objetiva‟, modo de ser, e outra „subjetiva‟ modo de pensar, que estão
intrinsecamente ligadas, interligadas, pois traz nessa relação uma
contradição de complementaridade, uma unidade contraditória, sendo
indissociáveis. Estas dimensões é que possibilitam desvelar o
71
significado social do Serviço Social, caracterizando e imprimindo
direção à prática profissional. A 1a define o modo de inserção da
profissão na sociedade, na sua relação com as classes sociais,
destas com o Estado e o conjunto da sociedade, ou seja, como forma
de enfrentamento da questão social. A 2a
, define o „modo de pensar‟,
ou seja, o conteúdo teórico-metodológico, ético-político que informa
esta prática. Tal processo constitutivo do caráter técnico da profissão,
atribuindo ao mesmo tempo a dimensão política inerente a esta
prática.” (CARDOSO, 1999: 42)
O grande desafio que se dá no cotidiano profissional do assistente social é
reconhecer as condições objetivas existentes e não paralisar nelas.
“Eu acho que outro desafio também é como é que as nossas equipes
se repensam na forma de ser relacionar com as pessoas, com as
famílias; o olhar dessas pessoas, o enxergar as suas potencialidades,
o trabalhar o reconhecimento das lideranças, o não olhar só os
problemas, olhar de cima, mas para envolver-se na dinâmica dos
bairros, Então, este eu acho que é um desafio muito grande, porque
nós temos uma história, né!? E quando a gente pensa qual é a
dimensão educativa do trabalho do assistente social hoje na política
de assistência social, eu acho que nós ainda temos uma história de
relação com as pessoas que ainda é uma relação muito do „eu sei o
que é melhor para você‟ e‟ te digo o que é melhor‟ ou „você depende
de mim para te incluir em programas e benefícios‟. Mas, falta uma
proximidade de reconhecimento das pessoas enquanto pessoas que
tem autonomia, que vivem em situação de risco, mas a gente rotula
as pessoas, a gente acha que as pessoas não tem saída, não tem
resposta e quando a gente vai avaliar a situação que as pessoas
estão no dia-a-dia a gente percebe o quanto elas estão aí, o quanto
as pessoas são solidárias umas com as outras, como elas criam
redes, quanta potencialidade tem no território.” (Gestora 1)
Como apontado pela Gestora, é reconhecer que temos uma história, uma
função social, mas que podemos usar de nossa ―relativa autonomia‖ (IAMAMOTO,
2003) para construir novas possibilidades nestes espaços, construir a pedagogia
emancipatória num movimento de conquista e ação. Pressupõe o rompimento com o
conservadorismo, com outras pedagogias como a da ajuda, onde se entende a
relação entre assistente social e usuário como uma relação de ajuda e a pedagogia
72
da participação que pauta a participação por ela mesma, marcando a democracia
burguesa, desvinculada de um caráter político.
“A relativa autonomia que dispõe o assistente social decorre da
natureza mesma desse tipo de especialização do trabalho – atua
junto a indivíduos sociais – e não com coisas inerte dispondo de uma
interferência, pela prestação de serviços sociais, na reprodução
material e social da força de trabalho.” (IAMAMOTO, 2003:98)
Ou seja, é o assistente social quem conhece a vida e a dinâmica dos
usuários, se relaciona com estes. Em um atendimento individual ou coletivo é o
assistente social o facilitador da intervenção, podendo intencionáliza-la para os
interesses que quiser, é desta relativa autonomia que Iamamoto trata.
Neste sentido, ao pensarmos na função educativa/pedagógica do assistente
social, imediatamente visualizamos o trabalho deste profissional junto às classes
subalternas de informação e formação, como se o profissional fosse ―educar‖ a
população usuária de seus serviços. Porém, com o desenvolvimento desta pesquisa,
compreende-se que disseminar a informação, bem como organizar os interesses e
as necessidades das classes subalternas traduz-se em um aspecto importante da
função educativa/pedagógica. Outro aspecto desta mesma função está relacionado
com a capacidade profissional de educar a sua própria ação através da análise
crítica, do entendimento do movimento contraditório da realidade, da reflexão entre
condições objetivas e subjetivas, da apreensão dos valores perseguidos pelo projeto
ético-político profissional.
A função educativa do assistente social expressa à construção de uma
pedagogia emancipatória e um espaço de educar-a-ação profissional junto ao
movimento de lutas e conquistas das classes subalternas, dos usuários de seus
serviços.
“[...] coloca-se a necessidade de uma capacitação profissional
permanente, adequada às exigências de um trabalho crítico, coerente
e consequente face à perspectiva histórica do citado movimento. Este
trabalho supõe a criação/recriação de modalidades interventivas
correlatas a estas exigências, como construção coletiva, da qual
participam os demais sujeitos envolvidos. Neste sentido, a profissão
busca responder aos compromissos com os interesses e
necessidades das classes subalternas na destruição da cultura
73
dominante e construção de uma nova cultura, mediante atuação
profissional qualificada teórica, técnica e, principalmente, ético-
política.” (ABREU, 2002:220)
Quando o assistente social se coloca de forma alienada a este processo ele
simplesmente reproduz discursos institucionais, seja da igreja, da instituição que o
contratou ou do bloco dominante. Perde a característica crítica de sua intervenção,
distância-se dos movimentos que buscam a transformação desta sociabilidade e não
se capacita profissionalmente. É engolido pelas demandas institucionais, buscando
respostas imediatas, tornando o produto do seu trabalho motivo de desmotivação e
frustração, distante dos valores eleitos pela categoria profissional.
Neste processo, é fundamental a capacitação profissional como forma
de despertar o profissional para a reflexão crítica e para acompanhar as produções
da categoria, tanto teórico-técnico como ético-político.
“Assim, as exigências quanto à capacitação profissional apresentam-
se numa dupla dimensão: a de contribuir para a mobilização,
capacitação e fortalecimento da participação de segmentos da
referida classe na construção de alternativas de lutas, em face de
seus interesses e necessidades de subsistência e sua contribuição
como sujeito político na formação da classe para si; e a de produzir e
socializar conhecimentos sobre manifestações da questão social em
torno das quais se articulam e se dinamizam formas de lutas,
contribuindo para o desvendamento das contradições e tendências do
movimento social, a estas se antecipando com propostas e
alternativas de intervenção.” (ABREU, 2002:220)
Capacitação como forma de elucidar sobre quais interesses este profissional
tem legitimado em seu exercício profissional. Muito mais do que ―educar‖ o outro, a
preocupação do assistente social deve se voltar para educar-a-ação profissional,
num processo de formação continua e na perspectiva de construção da pedagogia
da emancipação.
74
3.1 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Programas de
Transferência de Renda
A Garantia de Renda Mínima para famílias em situação de extrema pobreza é
idéia defendida desde o inicio do século XX. No Brasil, quem inseriu a discussão no
senado foi o Senador Eduardo Suplicy. O primeiro projeto de lei foi aprovado em
1991 que preconizava um projeto de Garantia de Renda Mínima para pessoas e
famílias com renda mensal inferior a aproximadamente R$ 400,00 (valores da
época). Este projeto não chegou a ser implementado, entretanto, outras ações de
transferência de renda monetária de nível municipal e estadual foram pouco a pouco
tomando o cenário nacional.
No Brasil, as ações pioneiras foram dos municípios de Campinas, Ribeirão
Preto e Santos e do Programa Bolsa Escola no Distrito Federal 1995, programas
estes que já preconizavam a transferência monetária diretamente às famílias
juntamente com a articulação de políticas educacionais.
Os Programas de Transferência de Renda constituem-se em ferramentas
importantes “para a diminuição da indigência, da pobreza e da desigualdade no país,
conforme vem indicando estudos recentes em relação aos quais dois aspectos
precisam ser considerados. Um primeiro seria o significado real, mesmo de caráter
imediato, que esses programas representam para as famílias beneficiárias, ao
permitir a aquisição ou ampliação de uma renda, inexistente ou insignificante,
proveniente do trabalho, até porque o mercado de trabalho, no Brasil, é por demais
excludente, não permitindo o acesso de grande parte da população. Nesse sentido,
esses programas, para muitas famílias, são a única possibilidade de uma renda,
mesmo que muito baixa. Por outro lado, esses programas podem propiciar
condições progressivas, mesmo que, a longo prazo, de inclusão de futuras gerações
formadas pelas crianças e adolescentes das famílias beneficiárias que são
requisitadas a freqüentar escola, postos de saúde, sair da rua ou do trabalho penoso
e degradante, podendo, portanto, elevar o número de anos de escolaridade do futuro
trabalhador brasileiro.” (Silva, 2008)
75
Em 2003 os PTR foram unificados pelo programa Bolsa Família e atualmente
fazem parte da política de assistência social, sendo suas ações descentralizadas e
as famílias referenciadas pelos Serviços de Proteção Social, principalmente nos
CRAS.
Nos municípios da Grande São Paulo, grande parte das famílias
acompanhadas pelo PAIF são beneficiárias do programa Bolsa Família através de
grupos socioeducativos. Além disso, é na esfera do município que a gestão do
programa acontece no que tange a administração e organização dos cadastros, a
disseminação de informações a respeito dos critérios de elegibilidade e o
acompanhamento da contrapartida social.
O Programa Bolsa Família possui significativo papel atualmente no Brasil e
segundo pesquisa recente, em 2006 o programa atendeu 11.120.363 famílias o que
corresponde a 99,2%19 de atendimento das famílias pobres do país e cobrindo
99,93% dos municípios brasileiros20.
Apesar de ainda apontar polêmicas, como um valor de repasse baixo, os
critérios de elegibilidade e as condicionalidades sociais, o Bolsa Família sem dúvida
dinamizou a realidade dos territórios brasileiros.
Desta forma, tanto o Bolsa Família como outros PTR de esfera estadual e
municipal são espaços de ação do assistente social, seja nas secretarias de
governo, seja nos CRAS o que envolve inevitavelmente uma ação educativa/
pedagógica.
Seja a forma de conduzir um cadastro, de orientar as famílias quanto os
critérios de elegibilidade do programa e das condicionalidades, seja na condução de
atividades grupais, evidencia a ação educativa/pedagógica do assistente social e a
qual pedagogia esta está vinculado.
O primeiro fator a ser considerado revela que de forma macro estes
programas podem estar vinculados a uma perspectiva emancipatória buscando a
superação da pobreza e o rompimento de seu ciclo vicioso para futuras gerações
através de condicionalidades que priorizam a permanência de crianças na escola, ao
invés de estarem submetidas a trabalhos degradantes. Todavia, é necessário não
19
Segundo dados da PNAD 2001/IBGE 20
Dados preliminares da pesquisa realizada pelo Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas
Direcionadas à Pobreza – GAEPP, uma cooperação entre as universidades PUC-SP, UFMA e PUC-RS.
76
perder de vista a cultura do conformismo que gradativamente vai se instalando e que
aponta uma perspectiva de manutenção das famílias e indivíduos ao seu estado de
pobreza, garantindo-lhes o mínimo para a subsistência, possuindo caráter
compensatório e de alivio imediato, sem uma perspectiva de superação.
Este universo deve ser analisado criticamente, observando as reais condições
que dispõem as famílias para o cumprimento das condicionalidades sociais, como a
disponibilidade de uma política educacional efetiva e real atenção do Sistema Único
de Saúde para as necessidades desta população.
Outro ponto crítico e que está diretamente relacionado aos assistentes sociais
é a seletividade das famílias para os referidos programas. O grupo focal trouxe
considerações sobre este ponto:
“Em todos estes anos de formada, eu passei por muitas crises.
Porque a gente tem aquela fase de negar o imediato, de negar o
concreto, a ajuda material, mas é necessário. Nossa, profissão, nosso
papel também estão relacionado a isso, à sobrevivência, ao imediato.
Mas, nem por isso você vai ficar só nele. E esta função educativa é
processual, é construção e desconstrução. Junto às famílias que a
gente atende, algumas questões estão muito cristalizadas. Então as
pessoas chegam até a gente com idéias que só com o tempo, só com
a convivência você pode ir quebrando, algumas questões culturais.
Querendo ou não, a gente lida com critérios socioeconômicos, o
nosso atendimento também é baseado nisso. Então, você pega uma
família que saiu do Bolsa Família por conta da per capta ser superior
e você tem que trabalhar com uma série de coisas, inclusive com
você mesma, para você poder colocar para aquela pessoa o porquê
ela foi excluída do programa. É sempre um conflito porque na
verdade quando você vai explicar a situação, como é que você diz
que tem gente mais desgraçada do que ela? Falando o português
claro. R$ 121,0021
já está fora!” (participante Grupo Focal)
Este papel profissional de selecionar a pobreza faz parte da história do
Serviço Social. E se em tempos de outrora ele era um aspecto que garantia poder ao
profissional perante o usuário, hoje ele é motivo de constrangimento profissional.
Quando a assistente social aponta que nestas situações ela tem que trabalhar
inclusive com ela mesma, significa que esta ação pesa profissionalmente porque
21
A participante faz referência à per capta do Programa Bolsa Família no ano de 2008 que era de R$ 120,00
77
vem na contramão do que a categoria prega para si, sendo muitas vezes uma ação
de exclusão, de negação de acesso que, numa contextualização mais ampla é
premente, uma vez que muitas famílias ainda se encontram em situação de pobreza
mesmo com uma per capita um pouco acima do que o preconizado pelo programa.
Até porque o valor ofertado pelo Programa, em si analisando como uma categoria
isolada, não é capaz de configurar o enfrentamento da situação real vivida pela
família.
“A gente nem acredita nisso, mas tem que fazer. Você tem trabalhar
com a pessoa e com você. Você tem que trabalhar outras questões
com ela, a questão dos direitos... aí ela diz: „dona eu tô precisando,
eu preciso‟ . E você tem que trabalhar todas estas questões com ela.
Então, eu acredito que o nosso papel é educativo, mas é junto com a
pessoa, é junto com quem você atende. E é muito difícil você quebrar
esta questão cultural que nossa profissão tem até hoje.” (participante
Grupo Focal)
Aqui a profissional expressa a real importância de reconhecer o usuário
também como sujeito. Se por um lado ele é objeto de um sistema que depende de
uma massa miserável para sua persistência, por outro, o usuário é sujeito da ação e
possui um arsenal de ―meios de sobrevivência‖ que construiu ao longo de sua
trajetória. Não que se negue a ótica do direito e a perspectiva de uma redistribuição
de renda de fato. Entretanto, qualquer ação educativa/pedagógica, principalmente
configurada dentro do movimento de construção de uma pedagogia emancipatória,
deve desenvolver-se junto com o usuário, reconhecido como sujeito e, somando
esforços a outros movimentos da sociedade para uma luta cada vez mais coletiva.
“Esta perspectiva interventiva coloca para os assistentes sociais
novas e desafiadoras demandas, sobretudo configurando-se que, em
relação aos referidos programas de renda mínima articulados à
educação, o avanço do processo de construção da prática
profissional – numa perspectiva emancipatória – defronta-se com o
velho e agora revigorado fantasma da seletividade/elegibilidade. O
desafio que se coloca para os assistentes sociais é o de fortalecer via
prática político-profissional, processos concretos de luta, de
articulação de forças, no sentido de ampliar cada vez mais a
incorporação de vastos segmentos e de suas necessidades nas
políticas estatais, processos esses vinculados às lutas direcionadas
para criar/recriar alternativas de política econômica que, de fato,
78
garantam condições de trabalho e salários dignos para vastos
segmentos das classes subalternas, como base da autonomia
financeira no atendimento de suas necessidades básicas de
subsistência.” (ABREU, 2002: 218)
O desafio é que o profissional não paralise diante deste novo conformismo
social, resumindo sua ação aos critérios dos Programas de Transferência de Renda.
É necessária uma análise crítica e ampla que reconheça o caráter coletivo da luta
por uma redistribuição de renda e por critérios que de fato atendam as necessidades
das populações empobrecidas, não como um socorro imediato e pontual, mas como
uma possibilidade de superação, rompendo ciclos geracionais e articulado a outras
políticas públicas e a um Sistema de Proteção Social.
Uma estratégia que pode potencializar politicamente a população usuária são
os grupos socioeducativos, ponto que se discorre a seguir.
3.2 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Grupos
Socioeducativos
Os grupos socioeducativos ganham destaque atualmente na Política de
Assistência Social que preconiza atividades grupais com as famílias referenciadas
pelos CRAS através do PAIF. Fatalmente, os grupos são planejados e conduzidos
por assistentes sociais em parceria com psicólogos e com estagiários de ambas as
áreas. Todavia, o assistente social busca referencias em outras disciplinas para a
condução dos grupos socioeducativos, mesmo com a profissão possuindo uma
história marcada por este tipo de intervenção.
O Serviço Social tem um histórico de trabalho com grupos e as primeiras
sistematizações apontam a metodologia ainda pautada no ―Diagnóstico Social‖ que,
mesmo em grupo, caracterizava-se pelo olhar individual, na perspectiva da reforma
moral e reintegração social do indivíduo.
“Natálio Kisnerman (1977), analisando a fase inicial do Serviço Social
de Grupo, refere-se várias vezes à “tendência” individualista com que
era utilizado o Serviço Social de Grupo e diz [que] nesta fase o
79
método centra-se no indivíduo e não no grupo como um todo”.
(CAVALCANTE, 1979:61)
É realizado, neste período, um diagnóstico preliminar do ―cliente‖ na fase em
que antecede a sua inserção no grupo. Após análise deste diagnóstico, o ―cliente‖ é
encaminhado para um grupo de tratamento. O tratamento consiste no alcance pelo
―cliente‖ de metas estabelecidas pelo assistente social, com base em seu
diagnóstico.
“Afirma que de acordo com a natureza do diagnóstico, o assistente
social ao trabalhar com um grupo deve escolher um tratamento. Este
requer um planejamento que implica na adoção de um certo tipo de
grupo, seja este recreativo, de aprendizagem, de trabalho terapêutico,
ou outro. Conseqüentemente adota uma estrutura para a ação:
autocrática, paternalista, permissiva, participativa. Selecionará;
técnicas de condução, de motivação, de entrevista, bem como a
forma de determinação do momento oportuno para ataque do
problema, tipo de ajuda que a instituição pode facilitar, etc.”
(RODRIGUES, 1979:18)
No entanto, esta forma interventiva com grupos passa a ser questionada pela
profissão por considerá-la restritiva e isolada da realidade social. Abriu-se assim,
espaço para concepções de grupo partindo de uma visão desenvolvimentista, onde
o assistente social se distancia do aspecto terapêutico, assumindo o
Desenvolvimento de Comunidade em sua atuação com grupos, como aponta
Rodrigues:
“Falar em grupo de tratamento significa limitar e empobrecer a
intervenção psico-social do Serviço Social, ou ainda, produzir uma
teoria alienada da realidade concreta de atuação dos profissionais.
Significa sonegar o Serviço Social toda uma área de atuação
desenvolvimentista, que lhe é fundamental, isto é, atingir uma
clientela já integrada para sua maior expansão e participação na
construção da sociedade.” (RODRIGUES, 1979: 23)
O apelo posto pelos grupos no âmbito do Desenvolvimento de Comunidade –
DC era o da participação. O ―cliente‖ era chamado à participação através dos grupos
para assim construir compromisso e engajamento nas questões que atinge sua
comunidade, buscando soluções.
80
“Em geral, para o desenvolvimento da participação, utiliza-se de
sessões grupais contínuas, mas espaçadas. Não existe um tempo
fixo de duração. O grupo se mantém junto enquanto perdura a
necessidade de participação naquele programa ou atividade. Se
extingue na medida em que o programa não exige mais a
participação ou os membros do grupo amadurecem e desejam outros
níveis de participação.” (RODRIGUES, 1979:33)
Neste momento, as técnicas de intervenções nos grupos não são claramente
sistematizadas e explicitadas. Reforça-se a importância de atuação nas
comunidades e os grupos ganham flexibilidade na sua formação, tempo e
sistemática de encontros. O fundamental objetivo a ser perseguido pelo assistente
social, bem como pelos membros do grupo é a participação.
Na década de 80, já há apontamentos sobre a crise de DC, devido a uma
influência da educação popular.
“(...) nessa situação de crise de DC, parece estar emergindo uma
tendência de apropriação de DC por Educação Popular, desde que
ambos os processos fundamentam-se numa pedagogia centrada na
participação de grupos, estratos sociais e comunidades, e visam
contribuir à transformação da realidade social. (GONÇALVES,
1981:58)
Na educação popular, porém, os grupos se misturam as outras formas de
atuação junto às classes subalternas, como a educação para adultos, e, são
aglutinados aos movimentos sociais. Distancia-se cada vez mais de procedimentos
teórico-metodológicos uma vez que estes, são considerados “destinados a
preestabelecer ou induzir de cima para baixo os modos de atuar da população”
(GONÇALVES, 1981:66).
Aos poucos, a discussão teórico-metodológica sobre grupos vai se
distanciando da atuação dos assistentes sociais e das universidades. A discussão é
completamente esvaziada das universidades com o último currículo disciplinar do
curso de Serviço Social.
“Na história do Serviço Social tinha sim um trabalho socioeducativo
mas dentro de caixinhas, grupo, comunidade, assim. Não tinha o
socioeducativo de grupo que nós temos hoje. Entretanto, na
faculdade, nós estudamos os textos sobre grupo e trabalho com
comunidade da década de 60, não tem nada atual. E buscamos fazer
81
uma leitura destes textos com o olhar de hoje, uma leitura crítica.”
(participante Grupo Focal)
Este ―buraco‖ teórico-metodológico foi sendo preenchido pelos profissionais
com ações pautadas em outras disciplinas, muitas vezes de caráter terapêutico e
ahistórico, desconsiderando bases teóricas substanciais e coerentes com o projeto
ético-politico profissional. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social
questionou as ações profissionais de ordem conservadora e tradicional ligadas a
manutenção da ordem vigente. Com a crítica, as ações grupais se esvaziaram,
engrossando os movimentos sociais das décadas de 70/80 e a profissão se
distanciou de criar novas tecnologias, pautadas numa perspectiva emancipatória de
intervenção coletiva, grupal.
O grupo focal ―esquenta‖ a discussão deste aspecto da profissão, no diálogo
a seguir:
“ O Movimento de Reconceituação jogou a água da bacia com o
bebê dentro, foi tudo embora, tinha coisas interessantes que você
acabou perdendo. Então, a gente tem que pegar textos lá de trás e
fazer uma releitura. Entender os instrumentos e em que perspectiva
eles foram construídos para adequar hoje. A Yolanda Guerra diz que
tudo que está ao nosso redor é instrumento, mas qual a nossa
intencionalidade? Como é que eu intenciono o instrumento para que
ele cumpra o fim que eu pré-estabeleci? Porque a gente não pode re-
intencionalizar alguns instrumentos que são importantes para a nossa
atuação? Porque a gente teve que jogar tudo fora? Muita coisa é o
que a gente está fazendo hoje aqui. Não tem problema que foi a Mary
Richmond que criou, um exemplo, só que eu estou utilizando com
outra intencionalidade. “
“ Discordo. Tem coisas que não dá para a gente utilizar hoje. Essa
coisa do diagnóstico, do tratamento, não dá. É muito funcionalista.”
“ Tem coisas que são funcionalistas sim, mas, que a gente tem que
usar. Às vezes é necessário fazer um diagnóstico, para implantar um
projeto, entender um território, avaliar. E isso é funcionalista. Mas,
nem tudo que é funcionalista é ruim.”
“ Discordo. Porque aí você coloca a questão social no saco e
começa a individualizar tudo.”
82
“ Mas, e o SUAS, não foi construído com bases no SUS? Quer
modelo mais funcionalista que este?”
“ OK! Uma coisa é fazer um diagnóstico de uma região, um projeto,
outra coisa é pegar um indivíduo e fazer um diagnóstico dele para
adequá-lo”.
“ Mas, eu não tô falando disso!!”
“ Eu também não!!”
“ Agora eu não acho que só porque é funcionalista a gente tem que
mudar as palavras, não é mais diagnóstico, é relatório agora.”
“ Mas, a Mary Richmond traz a questão do diagnóstico e tratamento
no atendimento individual. Tem um viés terapêutico.”
“ Não é disso que eu estou falando. Eu estou falando de intencionar
os instrumentos que você usa.”
“ Mas, este diagnóstico na Mary Richmond não tem nem como eu
intencionar...”
“ Nem fiz esta defesa!”
“ Esquece a Mary, mas um projeto por exemplo é funcional. Você faz
um diagnóstico, fala dos seus recursos, já prevê as suas metas. E a
gente faz isso. A instituição é funcionalista, o departamento de
Assistência é funcionalista e ponto final. E como nós, que somos
dialéticos, agimos aqui? Esta é a contradição, como é a sua função
educativa dentro de uma instituição fatalmente funcionalista? Esta é a
grande contradição!”
Observa-se o quanto a discussão foi calorosa e embebida da polêmica ainda
não resolvida no meio profissional. Os profissionais se perdem na busca de
responder as questões profissionais cotidianas. Ou seja, em sua rotina, o assistente
social, faz grupos socioeducativos, visitas domiciliares, relatórios, projetos,
diagnóstico institucional, entre outras tarefas. E qual é o alicerce teórico destas
atividades? Como isso se encaminha no meio profissional?
Fatalmente há um distanciamento da teoria à prática cotidiana,
principalmente quando os profissionais insistem em intencionalizar algo
profundamente tradicional como o ―Diagnóstico Social‖. Na verdade, a profissão tem
se esquecido ao longo destes últimos anos de sistematizar o cotidiano e produzir
83
conhecimento acerca dos instrumentos e técnicas utilizados pelos assistentes
sociais à luz de uma teoria crítica.
Encontrar um referencial teórico que tratasse do grupo em consonância com o
referencial teórico trabalhado nesta pesquisa não foi tarefa simples visto que grande
parte dos autores que discorrem sobre grupo o trata de forma terapêutica e
ahistórica. Matín-Baró, psicólogo social de El Salvador, usou referenciais marxistas
para escrever sobre grupos, explicitando a sua experiência de luta política junto à
população mais pobre de seu país. Martins (2006) faz uma síntese do pensamento
de Baró, para ele grupo é:
“uma estrutura de vínculos e relações entre pessoas que canaliza em
cada circunstância suas necessidades individuais e/ou interesses
coletivos. Ressalta ainda que um grupo é uma estrutura social: uma
realidade total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de
seus membros. A totalidade do grupo supõe alguns vínculos entre os
indivíduos, uma relação de interdependência que é a que estabelece
o caráter de estrutura e faz das pessoas membros. Assim, segundo o
autor, um grupo constitui um canal de necessidades e interesses em
uma situação e circunstância específica, afirmando com isso o caráter
concreto, histórico de cada grupo.” (MARTINS, 2006:03)
Para que haja grupo é necessária a construção do vínculo entre as pessoas
que se agrupam. As pessoas são atraídas para um grupo por interesses individuais
ou coletivos ou a soma destes dois. O grupo deve ser enxergado em sua totalidade:
a expressão subjetiva dos membros e a sua estrutura social que, está diretamente
relacionada à estrutura maior de nossa sociedade. Possuí dimensão histórica, que é
a concretude do grupo que se constituí no território ao qual pertence, além de uma
dimensão ideológica objetiva, criada por uma realidade social e que tem peso na
organização da vida das pessoas.
“Un grupo es, en primer lugar, una estructura social. El grupo es uma
realidad total, un conjunto que no puede ser reducido a la suma de sus
constitutivos. Una família és más que un hombre, una mujer y um niño; um
batallón es más que un centenar de hombres armados; esse más viene dado
em ambos casos por los conjuntos que formam, las totalidades que
contituyen. La totalidade del grupo supone unos vínculos entre los individuos ,
uma relación de interdependência que es la que estabelece el carácter de
estrutura y hace de las personas miembros. Se habla de uma estructura
social primeiro porque, como ya se ha indicado, condición essencial para la
84
existencia de um grupo és la participacion de vários individuos ; pero el
carácter social de la estructura grupal radica precisamente em que surge
como produto de la referencia mutua y necessitante de sus miembros y/o
de sus acciones.” (Martín-Baró, 1999:206)
O grupo constitui-se como uma manifestação da realidade total na qual está
inserido. No grupo as manifestações da questão social que atingem seus membros
emergem em suas múltiplas expressões. É entendido também como um espaço
eminentemente contraditório e sofre as determinações econômicas, institucionais e
ideológicas da sociedade qual está inserido. Ao mesmo tempo, observando o poder
que o grupo dispõe diante de outros grupos sociais, ele pode construir estratégias de
resistência a estes determinantes sociais, numa ação contra-hegemônica.
“Esta concepción del grupo nos lleva a examinar los fenómenos
grupales al interir de la historia de una forma dialéctica. De ahí que
los principales parâmetros para el análisis de un sean tres: (1) la
identidad del grupo, es decir, la definiciín de lo que es y lê caracteriza
como tal frente a outros grupos; (2) el poder que se dispone el grupo
em sus relaciones com los demás grupos más la significacion social
de lo que produce esa actividad grupal.” (Martín-Baró, 1999: 208)
Identidade, poder e atividade grupal são os três aspectos apontados por
Martín-Baró para a análise de grupos. São aspectos imbricados entre si na relação
concreta dos grupos e que podem identificar o tipo de grupo constituído (primários,
funcionais ou estruturais22).
Esta concepção de grupo, por suas bases teóricas, está em consonância com
o movimento de construção de uma pedagogia emancipatória e mais do que isto, em
consonância com o projeto político profissional.
Vale relevar que o trabalho com grupos é eminentemente indisciplinar,
entretanto, para se construir a interdisciplinaridade é fundamental que o profissional
assistente social tenha domínio e competência em sua disciplina de atuação.
“A interdisciplinaridade é construída através de discussão e diálogo
entre as disciplinas que compõem o trabalho. É necessário observar as
22
Resumidamente, para Martín-Baró o grupo primário refere-se ao pequeno grupo onde os vínculos existentes
são interpessoais, dotado basicamente de características pessoais e existem para a satisfação das necessidades
básicas. Por grupos funcionais entende-se um grupo que têm um vínculo social, seu poder é ainda relativamente
pequeno, mas atua na capacitação e na satisfação das necessidades do coletivo. E por grupo estruturais, entende-
se uma identidade grupal marcada pelos interesses objetivos da comunidade total, qual pertence, possuí maior
poder e atuam na satisfação dos interesses de uma determinada classe social, na luta de classe.
85
diferenças e as semelhanças que estes olhares encontram no decorrer
do processo, observar a visão de homem e de mundo de cada disciplina
e não homogeneizá-las, mas considerar as diferenças, convivendo com
estas e abrindo possibilidades para o novo. Neste aspecto torna-se
fundamental o profissional ser competente em sua especificidade para
poder explicitá-la e compartilhá-la com o grupo interdisciplinar de
trabalho, fomentando uma discussão.” (DOMINGUES, 2004:67)
E neste ponto é frágil a atuação dos assistentes sociais, pois pouco
discutem, sistematizam e refletem sobre suas técnicas de intervenção e sua
instrumentalidade, não construindo propostas para o diálogo com outras disciplinas.
Entretanto, os profissionais participantes do grupo focal reconhecem a
importância do trabalho do assistente social com grupos, revelado neste diálogo:
“ Grupo é troca, é fortalecimento, é convivência. Grupo é a
possibilidade de transformação.”
“ A coisa mais bonita que eu aprendi com grupo é como de fato você
aprende com o outro! Eu acho isso a coisa mais bonita!”
“ Grupo encontra caminho, tem autoria própria, como o grupo se
defende. Como grupo é forte, é forte mesmo! “
“ O Grupo se auto-fortalece, ele se reconhece. Um grupo é um grupo,
não é um amontoado de pessoas.”
Os profissionais revelam em sua fala que o grupo, apesar de ser inserido
numa cultura dominante, preenche o trabalho cotidiano do assistente social de
esperança, de aprendizado, de construção coletiva, potencializando o assistente
social como um facilitador, distanciando-o do papel de detentor do poder, tornando
mais leve o exercício profissional.
Todavia, cabe destacar que, de acordo com o referencial teórico preconizado,
grupo não é um amontoado de pessoas. Neste sentido, a PNAS atualmente
preconiza atividades grupais e não necessariamente a formação de grupos. As
atividades grupais têm um caráter pontual, ou seja, algumas pessoas se reúnem
para a execução de determinada tarefa: uma oficina profissionalizante, uma palestra
ou assistir um vídeo. Não se pode considerar tais ações como a formação de
grupos socioeducativo, pois não há constância, convivência e vínculo entre os
membros dos grupos.
86
“ Os grupos socioeducativos eles só existem a partir do momento que
há a convivência, um período de convivência, criação de vínculos, etc.
As demais atividades grupais são ações grupais, mas não são grupos
socioeducativos. Saber disso em formação foi um alento para a gente,
pois estávamos sofrendo muitas pressões para montar os grupos
socioeducativos. E não é assim gente! Não dá para colocar tudo no
mesmo balaio!.”
“ A oficina não é um grupo socioeducativo, ela pode estar dentro de um
grupo socioeducativo, mas não é o grupo em si.”
“ O CRAS em que estou só tem ações pontuais. Não tem a
convivência, então não tem grupo socioeducativo, não cria objetivos
comuns.”
Santo André lida com a questão dos grupos com bastante lucidez,
diferentemente do que se observa em outros municípios. Este talvez seja um dos
resultados do processo de capacitação qual o município vem investindo.
Há uma pressão por parte dos gestores das diferentes esferas por atividades
grupais ou a formação de grupos. Apesar das atividades grupais de caráter pontual
terem importância como possibilidade de melhoria da qualidade de vida das famílias,
de fato, resultados substanciais só ocorrerão a partir da formação de grupos nos
territórios e que estes grupos não fiquem limitados ao tempo estabelecido pelos
programas assistenciais, mas possam criar vida própria.
“O CRAS em que eu atuo não conseguiu ainda organizar grupos
socioeducativos, iniciar o atendimento grupal. E eu falo isso com muito
pesar, muito pesar mesmo, porque o atendimento individual ele pesa na
prática, ele cansa.” (participante Grupo Focal)
Neste sentido, o investimento público deve focar na formação de grupos
socioeducativos e não apenas na execução de atividades grupais, o que implica
inclusive em garantir equipe profissional suficiente para atendimento de tal
demanda. Impõe inverter a ótica de resultado para a ótica da construção coletiva
mediada por processos.
Cabe ainda, ao assistente social apreender este espaço como privilegiado
para a construção de uma pedagogia emancipatória e desenvolver teórico-
metodológico e ético-político novos, conhecimentos para fomentar a discussão da
categoria profissional.
87
3.3 – Expressões da Função Educativa/Pedagógica na Política de Assistência
Social de Santo André
O desenvolvimento desta pesquisa foi moldado pela política de assistência
social do município de Santo André, seus atores e sua forma de operacionalizar o
PAIF.
Santo André possui uma história, já apresentada no segundo capítulo desta
pesquisa, marcada pelos movimentos sindicais das décadas de 70/80 os quais
dinamizaram as relações políticas da cidade.
No que se refere à política de assistência social, é observado o compromisso
das gestoras entrevistadas em implantar o SUAS e garantir um serviço de qualidade
às famílias atendidas. Obviamente que ainda há pontos frágeis no processo,
principalmente no que diz respeito ao número reduzido de profissionais e as mais
diferentes demandas que sobrecarregam as equipes.
“Então, eu acho que a gente, enquanto, direção investiu muito de que
todos nós aqui, quer assistentes sociais, quer atendentes, quer
operacionais, quer motoristas; todos nós temos um papel educativo e
temos um papel de oferecer um serviço onde as pessoas se sintam
como pessoas portadoras de direito. Eu acho que tem um risco grande
em instituições tão duras que a gente encontra, principalmente no
serviço público... E se a gente não toma cuidado isso ocorre e, os
atendimentos acabam ficando de uma forma que acaba reforçando a
relação de que as pessoas são coitadas, que elas se sintam diminuídas
por estar precisando deste serviço.” (gestora 1)
A marca impressa é de um município que soube ousar e prova disto é iniciar o
atendimento dos grupos socioeducativos pelas famílias em situação de risco.
Estratégia marcada pela coragem de encarar os problemas e enfrentá-los, o que às
vezes é raro se comparado a outros municípios.
O ―tiro‖ que poderia sair pela culatra, trouxe a equipe técnica um
amadurecimento para discutir a profissão, a política de assistência social e suas
estratégias de atuação. O grupo focal refletiu o que é Santo André e, apesar da
dificuldade de encontrar argumentos para a discussão de temas tão polêmicos como
88
o socioeducativo e a própria função educativa/pedagógica do assistente social, o
espaço do grupo foi preenchido pelo debate.
O que chama atenção neste processo é que a construção de uma pedagogia
emancipatória perpassa inclusive o modo de ser dos gestores e sua forma de
atuação. É fundamental que o gestor reconheça a função educativa/pedagógica de
sua atuação se distanciando da postura de um buracráta-administrador, construindo
uma análise crítica em seu cotidiano profissional:
“Eu acho que sim (que estou distante do processo educativo). Eu acho
porque assim, primeiro há alguns anos eu não atendo mai,; raramente,
uma situação ou outra, a população. Muito menos nos CRAS, na porta
aberta, não tenho mais este contato direto com a população. Então, eu
posso tentar garantir em algum documento ou posso tentar garantir no
trabalho que eu tenho com os técnicos, com as equipes que eu dirijo. A
contribuição que eu posso dar hoje é isso. Se eu acredito nesse caráter
educativo, no processo de reflexão, de opinião crítica, eu preciso
exercitar isso inclusive com os técnicos, com as equipes que eu
coordeno até para que elas possam realmente na prática exercitar isso
também. Então, na medida em que eu faço reuniões com os técnicos –
isso eu faço bastante – com as equipes, eu tenho que garantir que
estas reuniões tenham este caráter educativo também, que levem eles a
decisões, a reflexões, a se posicionar mais como atores no trabalho e
que eu não seja só uma mera repassadora: olha tem que ser feito isso,
isso e isso. Mas de atuar com a população eu me sinto um pouco
distante, não tenho mais acesso à população pela característica do meu
trabalho e nem a população tem mais acesso a mim.” (Gestora 2)
Nesta fala da gestora, o que aponta é que o espaço privilegiado para a ação
educativa do assistente social é o contato imediato com a população usuária.
Todavia, o gestor tem uma função educativa importante porque pode potencializar o
profissional assistente social para uma capacitação continuada, construindo com as
equipes processos que saiam do imediato e fomentar a reflexão crítica. Por não se
contaminar pela imediaticidade do cotidiano, o gestor tem um papel fundamental na
construção de mediações junto à equipe técnica.
Desta forma, o que se compreende é que, apesar do gestor assistente social
não ter o contato direto com a população, o seu trabalho pode ter foco para que esta
população tenha suas necessidades e demandas organizadas para a construção de
estratégias de enfrentamento. Este olhar transforma as relações ao passo que, o
89
resultado é conseqüência do processo de construção coletiva e não o fim último da
ação.
É nesta perspectiva que se engrossa o movimento de construção de uma
pedagogia emancipatória, quando se distancia dos valores sustentados pelo bloco
dominante na busca por mediações refletidas, históricas e sustentadas pela
construção de um novo modo de ser e de uma nova sociabilidade.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
QUANDO O FIM É O RECOMEÇO DE UM NOVO CICLO
“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!”
Mário Quintana
O caminho descoberto e para qual aponta esta pesquisa por vezes parece
inatingível. A cultura dominante, as formas de persuasão, as estratégias de
exploração da sociedade atual nos faz sentir pequenos e inexpressivos. Olhar para a
massa de usuários dos serviços do assistente social, massa esta que aumenta a
cada dia, multifacetada pelas manifestações da questão social; é sentir-se uma gota
solitária em meio ao oceano.
Entretanto, o desafio posto faz despertar para a coragem e a lucidez de
apreender que este sistema social e econômico está fadado ao caos, pois não é
capaz de sustentar o bem mais precioso do ser humano, acima de qualquer
consumo ou variante do marcado financeiro, que é a própria vida.
Que as milhares de gotas espalhadas pelo oceano possam se aglutinar, se
condensar e assim, mais do que acabar com o sentimento de solidão, possam
precipitar uma onda de transformação. São gotas os agentes profissionais que
comungam com o projeto ético-político profissional, os diferentes movimentos sociais
que sobrevivem bravamente, os sujeitos desta sociedade que lutam por direitos
humanos, civis e políticos e, mais do que isto, vislumbram outra forma de ser no
mundo.
O primeiro capítulo desta dissertação discorreu sobre as bases teóricas, não
apenas da pesquisa, mas, do Serviço Social. As pedagogias como forma de ser da
profissão, apontam que o exercício profissional é embebido do caráter educativo,
mesmo que o agente profissional não seja consciente deste aspecto. Entretanto,
mesmo que o exercício profissional possua um caráter educativo, nas diferentes
91
formas de atuação do assistente social, não significa que este é desenvolvido numa
perspectiva emancipatória.
O termo socioeducativo, esvaziado de significado, foi dissecado na busca de
uma compreensão que atendesse à profissão. Ao final deste caminho investigativo
chega-se à conclusão que o trabalho socioeducativo é uma intervenção profissional
que tem como campo de ação as relações sociais em seu processo de reprodução e
pode contribuir de forma significativa para a organização das classes subalternas,
disseminação informação na direção do fortalecimento de uma nova e superior
cultura. Isso desde que rompa com o caráter disciplinador e conservador que tais
práticas vêm adquirindo no contexto profissional.
O trabalho socioeducativo de forma geral prioriza ações coletivas e utiliza-se
de metodologias próprias, entretanto deverá pautar-se fundamentalmente em
processos críticos, de reconstrução histórica que proponha espaços democráticos e
participativos, essencialmente abertos e criativos. Neste sentido, o caminho
apontado é de coerência teórica entre o trabalho socioeducativo e o projeto ético-
político do assistente social, eliminando ações espontaneístas e ecléticas.
O desafio, entretanto, refere-se a um número considerado de profissionais,
que mesmo não assumindo um debate claro, expressam no seu fazer profissional a
dificuldade de traduzir o referencial teórico adotado em instrumentos e técnicas de
ação. E desta forma, se estabelece uma busca desenfreada por ―dinâmicas‖,
―formulários‖, ―metodologias‖ e instrumentos de todos os tipos.
O Serviço Social é uma profissão de caráter eminentemente interventivo e
imersa num cenário complexo. O trabalho socioeducativo muitas vezes é preenchido
pelo imediato gerando uma busca por respostas, por metodologias e técnicas de
atendimento que tragam mais ―eficiência‖ aos serviços prestados. Toda esta
eficiência poderá muitas vezes ser traduzida em dados quantitativos e não
qualitativos; desconectados de uma reflexão teórica.
“Se não se captar o trabalho a partir de uma ontologia de raiz
materialista-histórico e a instrumentalidade do processo de trabalho
(Cf. Marx, 1985ª, 1994; Lukács, 1979), mas, também, se não se
aprender a natureza e o significado sócio-histórico da profissão
(Iamamoto, 1982), se não se compreender que a profissão envolve
92
questões de saber e de poder (Faleiros, 1989, p.85) e sua
particularidade é o sincretismo (Netto, 1991), se não se considerar a
consciência como produto histórico do ser social no seu processo de
trabalho, se não se captar os processos de alienação do mundo
burguês, se não se ponderar sobre a interconexão de ambos na
intervenção profissional (Martinelli, 1989), então, a questão da
instrumentalidade do Serviço Social se reduzirá aos conteúdos, aos
repertórios e aos procedimentos técnicos-operativos da profissão, tal
como naquela concepção „técnico-intrumentalista‟... “ (GUERRA,
2004:112)
Diante da escolha teórica profissional, não é possível discutir
instrumentalidade, instrumentos e técnicas, como o trabalho socioeducativo,
reduzidos em si mesmos, de intenção imediata. A realidade torna urgente o debate
sobre instrumentalidade, pois os profissionais atuam no cotidiano construindo suas
estratégias de ação. Todavia, a perspectiva de totalidade e a coerência teórica são
alicerces fundamentais para tal discussão.
Cabe, ainda, na perspectiva do trabalho socioeducativo, a iniciativa e a
competência para dialogar com as diferentes disciplinas, já que, o socioeducativo é
eminentemente interdisciplinar e não se defende um debate endógeno do tema. O
diálogo competente com outras disciplinas visa o amadurecimento das bases
teóricas e da intencionalidade dessas ações.
Amadurecer é planejar o trabalho socioeducativo para além de um amontoado
de dinâmicas e construir junto com a população usuária um trabalho que tenha
significado para as classes subalternas, reconhecendo suas necessidades,
potencialidades e estratégias de vida.
Os processos de organização da cultura abrangem a totalidade da sociedade,
desenvolvendo-se historicamente intencionando as múltiplas relações político-
pedagógicas.
A pedagogia da ajuda e da participação são mais presentes no cotidiano
profissional do que se possa imaginar. Mescladas pelas mudanças atuais, que
incluem um incrível avanço tecnológico, apresentam-se de forma tácita no discurso e
na ação de assistentes sociais preocupados com a eficiência e eficácia de sua
atuação profissional.
93
Segundo Abreu:
“As metamorfoses operadas nas pedagogias da “ajuda” e da
“participação” conformam uma reatualização da função pedagógica
tradicional do assistente social, na sociedade brasileira, referidas ao
ajustamento, integração e promoção sociais, mediante incorporação
de novos elementos e mediações que refuncionalizam essas
pedagogias no processo de organização da cultura a partir da
orientação neoliberal. Trata-se da função histórica de ocultamento
não só das dimensões econômicas e políticas da assistência no
processo de reprodução da força de trabalho e no exercício do
controle social, mas, fundamentalmente, como desdobramento
dessas dimensões, a dissimulada manutenção do trabalhador em
permanente estado de necessidade material e de dominação político-
ideológica.” (2002: 226)
Neste sentido, cabe questionar a intencionalidade da política de assistência
social que vem sendo implantada no país e, principalmente, o PAIF como o principal
programa de Proteção Social Básica. O que se observa no âmbito do PAIF e da
Proteção Social Básica é um disputa na busca de sentido e significado para a ação.
Se o CRAS é a porta de entrada para acesso a serviços assistências é, também,
onde as mais diversas manifestações da questão social se apresentam e como lidar
com esta complexidade?
Se por um lado o CRAS pode ser um mero ―balcão‖ de atendimentos , focado
no controle e enquadramento do usuário, por outro lado, ele possui potencialidades
para apoiar projetos emancipatórios, sendo um espaço da comunidade e com a
comunidade trilhar novos caminhos, pressionando gestores públicos para a
realidade em questão.
Seguindo esta direção, o segundo capitulo tratou de dimensionar o espaço da
pesquisa, o município de Santo André através da Secretaria Municipal de Inclusão
Social. Discorreu sobre a história do município sob o aspecto da assistência e as
diretrizes fundamentais do PAIF. Neste ponto, os assistentes sociais, sujeitos desta
pesquisa, já trouxeram sua contribuição dando vida, cor e sabor ao SUAS.
A Proteção Social Básica possui caráter preventivo para o não agravamento
das vulnerabilidades e riscos socais das famílias. Entretanto, os territórios de
abrangência dos CRAS estão submersos na degradação da vida e das relações
94
sociais de forma acirrada, o que nos faz questionar qual ação preventiva é possível
realizar mediante o caos?
As condições objetivas impostas ao assistente social, configurando-o como
um trabalhador assalariado, mal remunerado, muitas vezes esquecido nos territórios
de atuação com as mais diferentes e complexas demandas, fazem com que, este
profissional tenha uma postura crítica tênue, sendo engolido pela cultura do
conformismo, reduzindo-se a um ―assistente de benefícios sociais‖.
Apesar da real importância do reconhecimento deste movimento, é
imprescindível que à luz do método marxiano se olhe para o assistente social não só
como objeto, mas, também como sujeito de sua ação e de sua história.
É nas mediações da contradição que a pedagogia da emancipação vem
sendo construída na perspectiva de uma nova sociabilidade. Sociabilidade esta que
não se sustente na exploração do trabalho, na exploração do meio ambiente
desprovida de qualquer consciência sustentável, no acirramento das desigualdades
sociais.
Trata-se, então, de seguir para além da luta por direitos e não estacionar na
ilusão da retomada de um ―Estado de Bem Estar Social‖.
[...] a luta por direitos recoloca-se, na atualidade, num fronte em que a
necessidade de resistência e enfrentamento das políticas econômico-
sociais de cunho neoliberais passa pela desmistificação da retórica
dominante. Esta retórica incorpora as conquistas constitucionais para
implementar medidas contrárias à perspectiva histórica das lutas
sociais das classes subalternas. Sob esta perspectiva, as referidas
conquistas colocam-se como um momento de um processo mais
amplo de superação da ordem do capital e da construção de uma
nova sociedade – a socialista” (ABREU, 2002:229)
Este processo envolve luta e conquista e não está restrito à profissão,
envolvendo outros atores da sociedade que se afinam pelos valores e objetivos de
transformação social.
Nesta perspectiva, insere-se o terceiro capítulo com a proposta que o
assistente social, mais do que ―educar‖ o usuário, possa educar-a-ação profissional
através de um continuo processo de capacitação, marcado pela leitura crítica da
95
realidade e pelo reconhecimento do movimento contraditório impressos na totalidade
da ação profissional.
Trata-se da construção de uma práxis23 profissional que parte de referenciais
teóricos numa perspectiva intencional de transformação. É inerentemente ação
como práxis que é, e, fatalmente crítica por ser imbuída da totalidade, da
contradição, da historicidade e da mediação, elementos que a constitui.
Que o assistente social em seu cotidiano possa se aproximar de uma práxis
profissional, se distanciando assim da alienação profissional, impressa em um
pragmatismo acrítico.
É um caminho que não possui receitas prontas, mas, que aponta a
disponibilidade do profissional em sair da ―zona de conforto‖ reconhecendo e
nutrindo um seu papel altivo profissional que, deveria ser o de intelectual orgânico
com um compromisso assumido na organização da cultura, das necessidades e
demandas das classes subalternas.
23
“Etimologicamente Práxis, um termo grego, significa ação. Não se trata, porém, de uma ação ingênua,
arbitrária, espontânea, mas, sim de uma ação dotada de uma vontade, direcionada para uma finalidade,
imbuída de uma intencionalidade: trata-se de uma ação que parte de uma pré-figuração ideal do resultado que
deseja atingir.” MARTINELLI, 2007
96
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Prefeitura de Santo André. http://www.santoandre.sp.gov.br/
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. http://www.mds.gov.br
103
Anexos
104
Termo de Consentimento
Você está convidada (o) a participar de uma pesquisa com a aluna Tatiana de
Fátima Domingues Bruno, do Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço
Social. Esta pesquisa é parte integrante da dissertação de mestrado, que deverá ser
apresentada pela aluna referida como um dos requisitos para a titulação de mestre.
Sua participação consciente, voluntária e sincera é fundamental para o
desenvolvimento desta pesquisa.
Ao participar você deverá fornecer informações sobre alguns aspectos de sua vida
profissional e opiniões pessoais através de uma entrevista que será gravada. A
utilização do gravador tem por objetivo garantir a fidelidade das informações
fornecidas.
Em nenhum momento da pesquisa a sua identidade será revelada e todas as
informações fornecidas são sigilosas. Quando finalizada, esta dissertação se tornará
pública e mesmo assim, sua identidade continuará resguardada, garantindo assim
confidencialidade.
Atenciosamente,
Tatiana de Fátima Domingues Bruno
105
Consentimento
Eu ........................................................................................................, declaro que li o
Termo de Consentimento e concordo em fornecer as informações solicitadas através
de entrevista e / grupo focal que serão gravados.
Diadema, _____/______/________
___________________________________________ Entrevistado
__________________________________________ Entrevistadora
106
Roteiro de Entrevista
1. Onde e quando você se formou?
2. Você entende que o Serviço Social tem uma função educativa em seu
cotidiano? Por quê?
3. Você consegue evidenciar isso em sua prática? Como?
4. E no trabalho com grupos socioeducativos, como você enxerga o papel do
assistente social?
5. O que para você é um grupo?
6. Você poderia, por favor, definir o termo socioeducativo para o Serviço Social?
7. Por favor, fale de sua atuação com grupos socioeducativos no PAIF?
8. Em quê você acredita que o Serviço Social contribuí nos grupos
socioeducativos?
9. Você planeja os encontros dos grupos? Este planejamento está baseado em
quê?
10. Para você, qual o objetivo do trabalho socioeducativo com grupos de família?
11. Você recebeu em sua formação profissional capacitação para exercer este
trabalho?
12. Você entende que há uma relação entre teoria e prática na sua atuação com
grupos? Por quê?
13. Em qual teoria está baseado a sua atuação com grupos? Por quê?
107
Roteiro Grupo Focal
1. Apresentação de cada um, quando e onde se formou, qual o trabalho que
exerce atualmente em Santo André.
Temas disparadores sorteados pelos participantes:
2. O que é o PAIF em Santo André?
3. O Serviço Social tem uma dimensão educativa? Como ela se expressa na
prática cotidiana?
4. Socioeducativo é.......
5. A história do Serviço Social e o trabalho socioeducativo.
6. A formação profissional e a função educativa do assistente social.
7. O significado dos grupos socioeducativos.