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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Ana Paula Goyos Browne A disciplina jurídica do condomínio de lotes sob a perspectiva do Direito Urbanístico Mestrado em Direito São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Ana Paula Goyos Browne

A disciplina jurídica do condomínio de lotes

sob a perspectiva do Direito Urbanístico

Mestrado em Direito

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Ana Paula Goyos Browne

A disciplina jurídica do condomínio de lotes

sob a perspectiva do Direito Urbanístico

São Paulo

2016

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título de

Mestre em Direito sob a orientação do Professor

Doutor Nelson Saule Júnior.

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Ana Paula Goyos Browne

A disciplina jurídica do condomínio de lotes

sob a perspectiva do Direito Urbanístico

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do título de Mestre em Direito sob a orientação

do Professor Doutor Nelson Saule Júnior.

Aprovada em: ___ de _______________ de 2016.

Banca Examinadora

_______________________________________

_______________________________________

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“A urbanização é uma das

características essenciais da

época contemporânea e sustenta

facilmente comparação com as

duas outras manifestações

marcantes que são atualmente, a

conquista do espaço (sideral) e

a domesticação da energia

atômica. Pode-se adiantar que a

urbanização é o fenômeno mais

importante da segunda metade

do séc. XX”.

LOUIS JACQUIGNON

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço imensamente ao Professor Nelson Saule Júnior,

meu orientador, por contribuir para meu crescimento acadêmico e pessoal. Pela

dedicação e paciência ilimitadas e principalmente pelas preciosas lições de direito

urbanístico que modificaram completamente minha forma de entender o direito.

Agradeço também a Professora Daniela Campos Libório pela sua disposição

e dedicação no exame de qualificação deste trabalho, o que permitiu a elaboração de

uma dissertação mais crítica e voltada às possíveis soluções do tema estudado.

Agradeço à minha querida família, meus pais Valentim Fraga Browne e

Rosana Goyos Browne e meus irmãos Ana Cecília Browne Makray e Roberto Goyos

Browne que sempre me apoiaram em todos os momentos da minha vida, sobretudo

recentemente na maior luta que enfrentei pela vida, momento em que tive a certeza de

que quem tem vocês tudo pode superar.

Ao meu marido, pelo apoio incondicional e pela compreensão por todas as

minhas ausências para dedicação deste trabalho. Sua visão permeia a minha forma de

ver o mundo e engrandece este trabalho, sempre sob o prisma do melhor interesse para a

sociedade.

Aos professores e funcionários da PUC/SP, muitos dos quais eu já convivia

desde os tempos da graduação, foi uma experiência muito agradável poder frequentar a

universidade com pessoas tão apaixonadas pelo que fazem.

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RESUMO

BROWNE, Ana Paula Goyos. A disciplina jurídica do condomínio de lotes

sob a perspectiva do direito urbanístico. 2016. 153 f. Dissertação (Mestrado) –

Programa de Pós-Graduação em Direito Urbanístico da Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, São Paulo.

O presente trabalho trata da divisão de glebas urbanas sob o regime de

condomínio de lotes, apreciando-os na perspectiva do Direito Urbanístico.

Em primeiro lugar verificamos que os condomínios de lotes são uma forma de

expansão urbana que não é apreciada pela lei de parcelamento do solo, Lei 6.766/79 e,

tampouco, pela lei de condomínios em edificações, a Lei 4.591/64. É modalidade

híbrida que envolve interesses públicos e privados, sendo afeta tanto ao Direito Privado

como ao Direito Público. Trata-se de direito privado no que tange ao direito de

propriedade, e seus desdobramentos, regulado em especial pelo direito civil. Não

obstante, é instituto de direito público, já que impacta no espaço urbano que é estudado

principalmente pelo do direito urbanístico, mas também por outros ramos do direito

como o direito administrativo e o direito ambiental.

Foram estudadas as características dos condomínios e as modalidades de

parcelamento do solo urbano, destacando as semelhanças e diferenças destes

empreendimentos e apontando que os condomínios de lotes não se enquadram em

nenhuma modalidade e exige regulamentação própria.

Destacamos a relevância do papel cumprido pelos municípios na

regulamentação do espaço urbano e a função normativa da Corregedoria Geral de

Justiça dos estados, a fim de que à implantação dos condomínios de lotes seja realizada

de forma controlada, com requisitos e aprovações que atenuem os impactos da

segregação no direito à cidade.

Foi necessária a análise de outras modalidades de empreendimentos

residenciais fechados para diferenciarmos e compreendermos a disciplina jurídica dos

condomínios de lotes.

Finalmente, vimos que a vigência e aplicação dos dispositivos constitucionais e

legais permitem a regularidade dos condomínios de lotes, desde que em consonância

com as normas municipais estabelecidas, com a regulamentação da Corregedoria Geral

de Justiça e com as premissas do Direito Urbanístico.

Palavras-chave: condomínios de lotes; condomínios urbanísticos; parcelamento do

solo urbano; empreendimentos residenciais fechados.

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ABSTRACT

BROWNE, Ana Paula Goyos. The legal discipline of the condominium of lots from the

perspective of urban law. 2016. 153 f. Dissertation (Master degree) - Postgraduate

Program in Urban Law at Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo

The present work deals with the division of urban areas under the

condominium regime of lots, appreciating them from the perspective of Urban Law.

Firstly, we find that lots condominiums are a form of urban expansion that is

not appreciated by the law of land subdivision, Law 6.766/ 79 and, neither, by the

condominiums law in buildings, Law 4.591/ 64. It is a hybrid modality that involves

both public and private interests, and affects both private law and public law. This is

private law with regard to the right to property, and its developments, regulated in

particular by civil law. Nevertheless, it is an institute of public law, since it impacts on

the urban space that is studied mainly by the urban law, but also by other branches of

law such as administrative law and environmental law.

The characteristics of the condominiums and the modalities of urban land

subdivision were studied, highlighting the similarities and differences of these

developments and pointing out that the condominiums of lots do not fit into any

modality and require their own regulation.

We emphasize the importance of the role played by municipalities in the

regulation of urban space and the normative function of the State Courts of Justice, so

that the implementation of lots condominiums is carried out in a controlled manner,

with requirements and approvals that attenuate the impacts of Segregation in the right to

the city.

It was necessary to analyze other modalities of closed residential projects to

differentiate and understand the legal discipline of lots condominiums.

Finally, we have seen that the validity and application of constitutional and

legal provisions permit the regularity of the condominiums of lots, in accordance with

the established municipal norms, with the regulation of the General Office of Justice

and with the premises of Urban Law.

Keywords: lots condominiums; urban condominiums; urban land subdivision;

residential developments.

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ABREVIATURAS

Art. Artigo

ed. Edição

Idem Mesma obra; mesmo autor

Idem, ibidem Mesma obra; mesmo autor; mesma página

j. julgado em

Min. Ministro

n. Número

p. Página(s)

RE Recurso Extraordinário

rel. Relator

REsp Recurso Especial

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TJSP Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 11

1. CONTROLE DA EXPANSÃO URBANA POR MEIO DO PARCELAMENTO DO

SOLO .................................................................................................................................. 18

1.1 Competência para legislar sobre empreendimentos residenciais fechados ................ 30

1.2 Análise da tutela jurídica do desmembramento como forma de expansão urbana .... 45

1.3 Análise da tutela jurídica do desdobro ....................................................................... 48

1.4 Requisitos urbanísticos e procedimentos previstos para o desenvolvimento das

cidades ........................................................................................................................ 49

2. EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS, UMA TENDÊNCIA EM

BUSCA POR SEGURANÇA E SERVIÇOS...................................................................... 58

2.1 Condomínio tradicional ou comum com múltiplas frações em burla a lei do

parcelamento do solo .................................................................................................. 58

2.2 Condomínio Fechado de Casas Térreas ou Assobradadas e suas limitações

legais ........................................................................................................................... 62

2.3 Loteamento fechado com acesso controlado mediante autorização do Porder

Público e a supremacia do interesse público .............................................................. 68

2.4 Condomínio de lotes ................................................................................................... 79

2.5 Requisitos para registro dos condomínios .................................................................. 84

3. CONDOMÍNIOS DE LOTES E SEUS IMPACTOS NA CIDADE .................................. 89

3.1 Análise do surgimento dos modelos habitacionais fechados ..................................... 89

3.2 Regularidade dos residenciais fechados ..................................................................... 94

3.3 Papel da Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça e da atividade

registral na fiscalização dos requisitos legais dos residenciais fechados ................. 111

3.4 A disciplina jurídica dos condomínios de lotes à luz do Direito Urbanístico .......... 114

3.5 Estudo de casos sobre condomínio de lotes no Estado de São Paulo....................... 126

3.6 Princípios do Direito Urbanístico aplicáveis à disciplina jurídica dos

condomínios de lotes ................................................................................................ 136

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CONCLUSÃO........................................................................................................................ 146

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 148

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INTRODUÇÃO

A urbanização é um fenômeno de concentração urbana não apenas

demográfico, mas também de caráter integrativo econômico, social e político. Isto

porque o crescimento ordenado das cidades pode refletir positivamente na circulação da

riqueza, nas relações civis e dos indivíduos com o Estado e propiciar melhores

condições de vida ao homem na comunidade onde vive.

Por outro lado, o crescimento urbano desordenado, também gera efeitos

sociais devastadores para a população, refletindo na degradação ambiental, nas

condições de transporte, moradia, prestação dos serviços públicos e violência urbana.

No Brasil a população passou de predominantemente rural para majoritariamente

urbana em menos de quarenta anos. Em 1950, a população urbana era equivalente a

36%; em 1980, já representava quase 70% da população brasileira (tabela A.4). De

1950 a 1960, a população urbana elevou-se em 70,39%. Em seguida, até 1970, o

aumento foi de 65,3%; até 1980, houve elevação de 55,02%; em seguida, até 1991,

ocorreu aumento de 35,19%, desacelerando para 24,24%, até 2000, e para 16,82%, até

2010. Em cinquenta anos, de 1960 a 2010, o Brasil urbano cresceu 402%, passando de

32 milhões para 160 milhões de pessoas1.

Como consequência desse crescimento não planeado, nota-se o crescimento

da criminalidade, a incapacidade do Poder Público de assegurar a prestação de serviços

básicos, a má qualidade dos serviços e das gestões públicas. Nesse contexto, os

residenciais fechados aparecem cada vez mais presentes como uma busca por segurança

e por serviços básicos bem prestados.

Enormes são as críticas do ponto de vista da ciência urbanística aos

residenciais fechados, pois seus muros geram segregação social, as suas áreas comuns

são usufruídas por um número limitado de pessoas autorizadas a frequentá-los, com

isso, tem-se uma forma de expansão urbana que não gera públicos e ainda impede a

1 Relatório Brasileiro para a Habitat III. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/

stories/PDFs/livros/livros/relatorio-habitat-iii_capitulo1.pdf>. Acesso em: 17 dez. 2016.

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circulação dos demais habitantes. Daí que, não há qualquer dúvida, para a construção de

cidades democráticas este não pode ser um modelo ideal a ser perseguido.

Entretanto, este modelo da habitação já é uma realidade posta e sua procura

tem sido cada vez maior nos grandes centros, sobretudo em razão dos altos índices de

violência. Se não é possível conter a criminalidade, nem os anseios da população por

esta forma de moradia, é dever do poder público controlar o desenvolvimento urbano,

impondo limitações e compensações aos particulares para que a expansão das

construções não fira o direito à cidade.

Sobre o direito à cidade a reflexão de Henri Lefebvre parte de uma análise

sobre as necessidades sociais inerentes à sociedade urbana, desde as necessidades

antropológicas, socialmente elaboradas, até necessidades específicas, como atividade

criadora. São necessidades da cidade e da vida urbana que devem estar contempladas

nesse direito à cidade. Nesse sentido, o direito à cidade que deve ser entendido como

direito à vida urbana, de forma a priorizar a posição dos cidadãos assentando o direito à

cidade na sua luta pelo direito de criação e plena fruição do espaço social2.

O direito à cidade envolve um conjunto de direitos que propicia aos

habitantes de todas as classes sociais uma vida urbana plena, com moradia adequada,

vias de circulação e meios de transporte eficientes, espaços públicos democráticos,

segurança pública, uso sustentável dos recursos naturais, preservação do meio ambiente

natural, respeito aos idosos e crianças, acessibilidade às pessoas portadoras de

deficiência, prestação de serviços públicos básicos de qualidade, distribuição equitativa

dos equipamentos urbanos no território, dentro outros ainda.

Sobre o direito à cidade, vale a conclusão de Peter Marcuse:

É necessário demandar, proteger e lutar pelos diversos direitos à

cidade. Serão plenamente concretizados quando se atinja o direito à

cidade. Talvez fosse útil agregar uma simples declaração a qualquer

citação dos direitos separadamente, buscados na urbe em diversos

pronunciamento ou cartas: Reconhecemos que cada um destes direitos

está vinculado integralmente com os demais. Já que consideramos que

outro mundo é possível, também cremos que outra forma de vida

urbana é possível, dentro e fora das cidades. Alguns, uma minoria, já

contam com a coleção completa dos direitos à cidade, frequentemente

2 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2011.

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em detrimento dos demais, da vasta maioria das pessoas.

Considerando esse conflito, pensamos que este chamado pelos direitos

na cidade representa aqueles que não contam com os mesmos.

Acreditamos que uma posição que apóie diretamente os direitos da

maioria e que, necessariamente, limite os “direitos” dos demais a

explorá-los e dominá-los, é justa e, em última instância, benéfica para

todos3.

O condomínio de lotes, também denominado condomínio urbanístico, é uma

espécie de residencial fechado, ao lado dos loteamentos com fechamento autorizado e

dos condomínios de casas térreas ou assobradadas. Essas formas de habitações muradas

seguem diferentes regramentos. Enquanto os loteamentos residenciais fechados são uma

forma de parcelamento do solo com regulamentação na Lei 6.766 de 1979 e com

fechamento autorizado pelo Poder Público, os condomínios de casas são resultado de

uma incorporação imobiliária que dá origem a um condomínio edilício, nos moldes da

Lei 4.591 de 1964 e dos arts. 1331 e seguintes do Código Civil. Mas, e o condomínio

lotes? Este não se enquadra perfeitamente em nenhum dos diplomas supracitados.

No que se refere à legislação do parcelamento do solo, reflete na ordem

urbanística e no equilíbrio ambiental como elemento de intervenção planejada e

controlada na criação das cidades. A legislação federal que trata da matéria é rigorosa

ao prever os requisitos e aprovações necessários para a sua realização. Por isso, o seu

fechamento é excepcional e sempre a título precário. Isso porque o loteamento foi a

forma pensada pelo legislador para que ocorra a expansão urbana, que prevê a

infraestrutura necessária para a criação da própria cidade.

A criação de residencial fechado por meio desse instituto deve ser medida

excepcional que atenda primordialmente ao interesse público, pois as áreas públicas que

pertencem a toda a população passam a ser usufruídas por apenas aqueles moradores

beneficiados pelos fechamentos. É o caso das chamadas casas de vilas que surgiram no

Estado de São Paulo no início do da década de trinta.

Já os condomínios de casas, instalados em terrenos totalmente privados, são

formados unidades autônomas construídas de uso exclusivo e áreas comuns, exatamente

como ocorre nos edifícios de apartamentos que formam os arranha-céus atuais. O

3 MARCUSE, Peter. Os direitos nas cidades e o direito à cidade. cidades para todos. Organizadores

Ana Sugranyes, Charlotte Mathivet. Santiago Chile: Habitat. International Coalition, 2010.

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condomínio de casas térreas ou assobradadas, também chamado de condomínio deitado

ou horizontal, confere um residencial que já nasce fechado, como resultado de uma

atividade de incorporação imobiliária em que unidade autônoma criada é ligada à

construção das casas, correspondente a um percentual do direito de propriedade do

terreno.

A figura do “Condomínio de Lotes”, entretanto, não está regulada pela

legislação federal atual, é uma figura nova que tem sido muito discutida no âmbito dos

registros imobiliários. Vários municípios, inclusive, regulamentaram esse instituto com

base na lei de incorporação imobiliária e condomínio edilício. Em especial, verifica-se

que no estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça chegou a tratar desse tema na esfera

administrativa nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, mas acabou por

revogar as suas normas, em razão de ainda haver necessidade de maiores estudos sobre

a matéria. Subsiste, todavia, esse regramento administrativo estadual no item 293,

capítulo XX, desse diploma, que se refere à regularização fundiária, para o fim de

legalização de moradias irregulares.

Colocam-se as seguintes questões: É possível o condomínio de lotes? Pode a

Lei Municipal autorizar sua execução?

Ademais, através de consulta às decisões administrativo-judiciais no âmbito

da atividade registral é constatado um número considerável de empreendimentos desta

modalidade, surgindo questões complexas que exigem estudo aprofundado pela área

jurídica, registral e, sobretudo, urbanística.

A falta de regulamentação dos condomínios de lotes instituídos no país

implica na irregularidade dos empreendimentos, e revela a falta de mecanismos da

tutela urbanística necessária.

Certamente a ausência de regulação gera um problema muito grave. No

Estado de São Paulo

Na prática, há muitos empreendimentos de parcelamento do solo, figura

eminentemente pública e estudada pelo Direito Urbanístico, que são autorizados pelas

autoridades municipais como condomínios, figura privada, afeta ao Direito Civil, em

que as vias comuns são privativas e não admitem acesso aos não condôminos.

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Podemos notar que os condomínios de lotes configuram um instituto jurídico

híbrido, que supera a antiga dicotomia que segrega o Direito em Direito Público ou

Direito Privado.

Isto porque, ao instituir um condomínio de lotes há repercussões diretas no

espaço urbano: há modificação no traçado das vias públicas alterando a mobilidade

urbana local; há segregação dos demais habitantes da cidade; há alteração do regime dos

serviços públicos de distribuição de energia elétrica, saneamento básico, distribuição

dos recursos hídricos; transporte público, entre outras questões.

Em linhas gerais, o condomínio de lotes é figura híbrida, pois, apesar de ser

modalidade habitacional privada, afeta de modo direto as funções sociais da cidade e

tem finalidade de garantir segurança e o bem-estar de seus moradores, questões relativas

ao interesse público e que concernem ao Direito Urbanístico.

Em outras palavras, atualmente há loteamentos que parcelam o solo em

regime privado por meio da utilização da Lei de Condomínios, sem a preocupação com

os impactos que geram na urbe e na vida dos demais habitantes.

Desse modo, imprescindível que essa nova figura seja estudada e discutida

pelos especialistas da área registral imobiliária, sob o enfoque do Direito Urbanístico, a

fim de que se esclareça a sua real natureza.

Refletir sobre a viabilidade do condomínio de lotes como forma de expansão

urbanística é essencial para se atingir aos anseios sociais de uma realidade que já está

posta e para concretização dos postulados do Direito Urbanístico brasileiro, no sentido

de se construir cidades democráticas em que o interesse público é preponderante.

No parcelamento do solo, regulado pela Lei 6.766/79, os empreendimentos

urbanos ficam condicionados à criação de um espaço perfeitamente adequado ao

público que receberá, tendo como consequência imediata do parcelamento, a criação de

um novo sistema viário e a transferência para a Municipalidade da propriedade de todos

os equipamentos urbanos, bens de uso comum do povo necessariamente afetados.

De outro lado, a expansão da área urbana também se dá com a criação de

condomínios de casas, com a edificação de unidades imobiliárias autônomas

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(condomínio edilício) e áreas de uso comum dos condôminos, regulados pela Lei

4.591/1964. Modalidade de empreendimento esta em que a área é totalmente privada.

O Condomínio de Lotes, entretanto, não se enquadra perfeitamente em

nenhuma das figuras mencionadas, na medida em que o objetivo do empreendedor é

sempre a criação de lotes e não de unidades imobiliárias edificadas, como ocorre no

condomínio edilício. Também não há intenção de transferências de áreas públicas, como

no loteamento, pois se é condomínio, todo o patrimônio vai ser privado.

O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, e a Constituição Federal atribuem à

Municipalidade a responsabilidade em relação à ordenação da ocupação do solo.

Atividade urbanística do Município, portanto.

Se o objetivo da atividade urbanística é exatamente garantir o pleno

desenvolvimento da cidade, e essa atividade consiste em ordenar a estrutura da urbe,

caberia ao Município, apesar da legislação federal, regulamentar a questão.

As Normas de Serviço Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do

Estado de São Paulo, quando regulamentaram a matéria, inovaram no item 222.2 do

Capítulo XX, ao estabelecer que as execuções das obras de infraestrutura equiparam-se

à construção da edificação para fins de instituição e edificação do condomínio.

Entretanto, a regra foi suprimida por se entender que há ainda necessidade de maior

estudo do tema para sua regulamentação.

É sob este enfoque que se pretende desenvolver o trabalho.

Pretendemos analisar a tutela da ocupação do solo pelo seu parcelamento

com a formação de condomínio de lotes, em total conformidade com os requisitos

essenciais que compõem o Direito Urbanístico.

Partindo de uma análise sistemática da Constituição Federal, se pretende

traçar um estudo do Registro de Imóveis, implementação da incorporação e constituição

de condomínio de lotes.

Neste contexto, dentre as espécies de residenciais fechados, iremos estudar a

viabilidade jurídica do condomínio de lotes e seus impactos na cidade. Para tanto,

imprescindível o estudo comparativo com as outras espécies de residenciais que são os

loteamentos fechados e os condomínios de casas térreas ou assobradadas. Seria o

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condomínio de lotes uma forma de parcelamento do solo com burla à legislação

específica e ao registro especial do art.18 da Lei 6.766/79? Para responder essa questão

serão analisadas as modalidades de parcelamento do solo como a principal forma de

expansão urbana trazida pela legislação brasileira. Ou seria um empreendimento a ser

regulamentado pela Lei 4.591/64? Para responder essa outra indagação, serão analisadas

as modalidades de condomínio tratadas no ordenamento jurídico vigente.

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1 CONTROLE DA EXPANSÃO URBANA POR MEIO DO

PARCELAMENTO DO SOLO

O parcelamento do solo advém da necessidade de ocupação do território pelo

homem, com o fracionamento da terra em lotes e a criação de vias públicas de

circulação.

Partindo desta necessidade social surge o parcelamento do solo urbano como

forma de divisão ordenada de um território. Como sintetiza Vicente Celeste Amadei e

Vicente de Abreu Amadei:

Parcelamento do solo urbano é subsistema do macrossistema da

cidade, que expressa operação polivalente de integração de espaços

públicos e privados, pelo fracionamento sustentável da propriedade

imobiliária, servindo de base a múltiplas acomodações civis,

urbanísticas e ambientais relevantes. Destaquem-se, na definição

proposta, as três perspectivas conceituais do fenômeno da

modificação dos terrenos por parcelamento do solo urbano: uma de

ordem privada (a civilista) e duas de ordem pública (a urbanística e a

ambiental). Ao nosso ver essas três perspectivas não expressam

evolução nem superação de uma visão pela outra, mas exigem, no

trato atual da matéria, compatibilização e complemento, que resultam

em noção integrativa dos diversos ângulos, atenta à necessária

homogeneidade institucional.4

Podemos notar que ao realizar o parcelamento do solo o empreendedor deve

considerar (i) a perspectiva civilista, que é representada pelo respeito às normas e

direitos subjetivos dos proprietários; (ii) a perspectiva ambiental, que envolve a

proteção dos recursos naturais locais; e (iii) a perspectiva urbanística, que não permite

compreender a propriedade urbana dissociada da ordenação do solo urbano.

Salienta-se que os condomínios de lotes, que são nosso objeto de estudo,

exigem um estudo multidisciplinar envolvendo a principiologia civilista, ambiental e

urbanística. Veremos que esta modalidade habitacional possui natureza jurídica híbrida

que envolve tanto interesses privados, quanto interesses públicos.

4 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 2-3.

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Corroborando a necessidade de conciliação entre a ordem pública e a ordem

privada:

[...] o loteamento é a mais antiga das formas de urbanização dos novos

bairros, especialmente afetada à habitação individual. O grande

sucesso desta forma de urbanização é a sua flexibilidade. De início,

procedimento puramente privado, é cada vez mais submisso às

normas de ordem pública, para melhor conciliação com as novas

regras do urbanismo e notadamente para que o meio ambiente não

seja sacrificado... O foco, pois, é o da conciliação da ordem privada

(civil) à pública (urbanística e ambiental). A segunda, de Consuelo

Yoshida, ao qualificar a cidade como “macrossistema”: [...] a cidade

pode ser definida como um macrossistema resultante das interações

dos subsistemas, constituídos pelos meios físicos, biótico e antrópico

(incluído o espaço urbano construído), marcado por traços culturais,

visando assegurar as condições propícias ao desenvolvimento da sadia

qualidade de vida da sociedade urbana.5

Ora, porque o parcelamento do solo urbano é um elemento que compõe as

cidades, há de ser inserido como um de seus “subsistemas”.

Contudo, com o aumento da violência urbana houve o crescimento de

condomínios fechados, cercados por paredes e instalações de segurança sofisticadas. A

criação de condomínios privados de lotes para construção de casas, necessariamente

implica fracionamento do solo e urbanização.

Em face da ineficiência do Poder Público, grupos da sociedade civil têm se

organizado no uso e ocupação do solo, substituindo o papel tradicional do Poder

Público interventor na organização das cidades, deixando para tais grupos a tarefa de se

auto-organizar. O surgimento de “condomínios fechados” (horizontal/vertical), bolsões

de segurança, ruas fechadas e “Edge city”, são exemplos a serem citados. Todavia,

constituem um segmento de casos “felizes”, pois são o resultado da iniciativa de uma

classe econômica mais abastada, com condições de arcar com as despesas de

infraestrutura. É um custo a menos para o Poder Público que faz concessões legislativas

5 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 2-3.

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e administrativas para viabilizar estes projetos particulares de organização territorial.

Isto tem acontecido principalmente para organizar moradia.6

Este fenômeno, somado ao crescimento exacerbado da violência urbana,

gerou uma demanda por empreendimentos fechados, em que as famílias buscam

segurança, lazer e qualidade de vida em face da deficiência na prestação destes serviços

por parte da Administração Pública.

Neste momento é primordial conceituar e distinguir loteamento,

desmembramento, condomínio deitado, loteamento fechado e condomínios de lote. Não

raramente esses conceitos são utilizados de modo equivocado na doutrina e

jurisprudência brasileiras.

A Lei 6.766/79 rege o parcelamento do solo para fins urbanos e prevê duas

modalidades para sua realização: loteamento ou desmembramento.

O loteamento, conforme o § 1º do art. 2º desta norma, é a subdivisão de gleba

em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação, de

logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

Por sua vez, o desmembramento está previsto no § 2º do art. 2º como sendo a

subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema

viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros

públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

Conforme o art. 3º desta lei, tanto o loteamento como o desmembramento

apenas poderão ocorrer em áreas urbanas ou de expansão urbana, conforme

determinação do plano diretor do município ou mediante aprovação de lei estadual.

Em relação ao plano diretor e a competência legislativa municipal,

Guadalupe Abib de Almeida estabelece: é nosso entendimento que o plano diretor é o

único instrumento jurídico e normativo capaz de articular, de um lado, o cumprimento

das funções sociais da cidade e da propriedade urbana a um planejamento da política de

desenvolvimento e, de outro, uma expressão urbana que assegure a implementação de

6 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de

vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 152.

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instrumentos com vistas ao atendimento das diretrizes insertas no art. 2.º do Estatuto da

Cidade. Tratar tais questões fundamentais de forma juridicamente desarticulada, por

meio da utilização de leis municipais específicas, compromete o pressuposto

constitucional da competência legislativa privativa dos Municípios e afeta, ainda, a

gestão democrática e participativa no processo de tomada de decisões pela coletividade.

Este posicionamento reforça-se na medida em que, em nosso entender, o plano diretor

manifesta a competência legislativa privativa dos Municípios e as disposições legais

nele contidas teriam o condão de expressar o interesse local em matéria atinente ao

ordenamento territorial, e por consequência, a regulação jurídica da expansão urbana.7

Neste ponto, vale observar a função social do parcelamento do solo urbano

como instrumento para organizar e harmonizar a urbanificação da cidade:

Em suma, o parcelamento do solo urbano é estratégico para o bem

comum, por suas expressivas funções sociais, ora sintetizadas:

Na ordem jurídica, via conformação do domínio urbano, atuando

como instrumento destinado a concretizar a função social do

direito de propriedade urbana;

Na ordem urbanística e no equilíbrio ambiental, como elemento

de intervenção planejada e controlada na urbe, coparticipativo da

função social da cidade;

Na ordem social e política, como fator de difusão da propriedade

privada e de fomento de associação de moradores, em prol das

liberdades concretas do povo, da dilação de acesso à moradia, de

estabilização social e de potencial geração de canais

representativos necessários a gestão democrática da cidade;

Na ordem econômica, além do giro de capital e da geração de

empregos promovidos, como via que se pode direcionar a

distribuição de riquezas, para redução das desigualdades sociais,

no foco da justiça distributiva.8

Com base nestas lições, pode-se afirmar que o regular parcelamento do solo,

realizado de acordo com as disposições legais, viabiliza atuação preventiva de

atividades humanas predadoras e lesivas ao urbanismo local.

7 ALMEIDA, Guadalupe Maria Jungers Abib de. O papel dos municípios na regulação jurídica da

expansão urbana na zona costeira: limites e possibilidades. Tese (Doutorado). 2013. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 212. 8 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 30.

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Ademais, não será permitido o parcelamento do solo, tanto por meio de

loteamento como de desmembramento, em casos que envolvam alguma das situações

elencadas no art. 3º, parágrafo único, da Lei 6.766/79, in verbis:

I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas

as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à

saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por

cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades

competentes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a

edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição

impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Convém lembrar que, desde a data o registro do loteamento, passará a

integrar o domínio do município “as vias e praças, os espaços livres e as áreas

destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos que constem do projeto e

do memorial descritivo”.9

Assim, em loteamentos as áreas comuns são públicas e podem ser utilizadas

por todos os habitantes da cidade com o intuito de democratizar o acesso e cumprir a

função social da propriedade urbana.

Acerca da distinção entre loteamento e desmembramento:

na boa e sintética definição de Afrânio de Carvalho, loteamento é

parcelamento “fora do sistema viário” e desmembramento é

parcelamento “dentro do sistema viário”. O critério de distinção, pois,

reside no sistema viário existente: sem interferência no sistema viário,

há apenas desmembramento de gleba em lotes; mas, havendo

interferência no sistema viário, qualquer que seja (abertura,

prolongamento, modificação ou ampliação de vias), há loteamento.10

Já os condomínios deitados estão conceituados e disciplinados pela Lei

4.591/64 e são uma invenção jurídica para conceber uma propriedade que é formada por

áreas privativas e áreas comuns. Na verdade, porém, a conjugação destes direitos, da

9 Art. 22 da Lei 6.766/79. 10 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 12.

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propriedade exclusiva e da copropriedade, é tão íntima que não se pode atribuir a uma

ou a outra a preeminência, para afirmar qual a principal e qual a acessória. É por tudo

isto que há uma unidade jurídica da propriedade horizontal. Direito complexo, sem

dúvida, mas constituindo uma só relação jurídica da qual é sujeito ativo o dono do

apartamento; são sujeitos passivos todas as pessoas; objeto uma complexidade de bens e

direitos, em que se inscreve o apartamento como parte subordinada a um princípio de

sujeição individual e o solo e partes comuns de sujeição coletiva. Mas não basta, à

criação da propriedade horizontal, que em um mesmo terreno duas ou mais pessoas

construam unidades autônomas. É requisito fundamental de sua constituição, tal como

resultante da lei e assentado em doutrina, que tais edificações, em que se associem as

unidades autônomas e partes comuns, indissociáveis.11

O art. 8.º dessa norma prevê quais os requisitos necessários para constituição

de um condomínio deitado ou horizontal:

Art. 8.º Quando, em terreno onde não houver edificação, o

proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o

promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma

edificação, observar-se-á também o seguinte:

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas

térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada

pela edificação e também aquela eventualmente reservada como de

utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a

fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá

às unidades;

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de

dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno

ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada

como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício,

e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que

corresponderá a cada uma das unidades;

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser

utilizadas em comum pelos titulares de direito sôbre os vários tipos de

unidades autônomas;

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem

comum para as vias públicas ou para as unidades entre si.

11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.

p. 94.

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Denota-se como característica dos condomínios deitados a possibilidade de

erigir casas térreas ou assobradas, com a formação de um condomínio de casas. Nada

estabelecendo a respeito de lotes.

Assim, a Lei 4.591/64, que trata acerca de condomínio em edificações e

regulamenta os condomínios deitados, prevê que as casas são unidades autônomas e

vincula ao terreno a sua construção. Ou seja, o terreno e sua construção constituem a

unidade autônoma do condomínio deitado, não havendo nenhuma menção aos lotes.

A partir da segunda metade do século passado começaram a surgir os

denominados loteamentos fechados.

Esses seriam loteamentos com projetos e aprovações nas prefeituras com

base na Lei 6.766/79 – a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Porém, as áreas de

domínio público passaram a ser revertidas para uma associação, formada pelos

proprietários dos lotes, com função de manutenção e controle de acesso ao loteamento.

Assim, esta associação cerca com muros e grades o loteamento e apenas é

permitida a entrada de pessoas autorizadas.

Para reversão das áreas comuns para a associação de moradores são

utilizados instrumentos como a permissão ou autorização de uso pelo Município. Nas

palavras de José dos Santos Carvalho Filho:

A permissão de uso é o ato administrativo pelo qual a Administração

consente que certa pessoa utilize privativamente bem público,

atendendo ao mesmo tempo aos interesses público e privado. O

delineamento jurídico do ato de permissão de uso guarda visível

semelhança com o da autorização de uso. São realmente muito

assemelhados. A distinção entre ambos está na predominância, ou

não, dos interesses em jogo. Na autorização de uso, o interesse que

predomina é o privado, conquanto haja interesse público como pano

de fundo. Na permissão de uso, os interesses são nivelados: a

Administração tem algum interesse público na exploração do bem

pelo particular, e este tem intuito lucrativo na utilização privativa do

bem. Esse é que nos parece ser o ponto distintivo. Quanto ao resto,

são idênticas as características. Trata-se de ato unilateral,

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discricionário e precário, pelas mesmas razões que apontamos para a

autorização de uso.12

Dessa forma, a reversão das áreas comuns é feita a título precário pelo

Município à associação de moradores nos loteamentos fechados.

Já os condomínios de lotes ou condomínios urbanísticos, por sua vez, são

caracterizados

pela divisão de uma gleba de terra em quinhões autônomos (lotes); os

lotes constituem unidades imobiliárias autônomas atribuídas à

propriedade individual dos respectivos adquirentes, existindo ainda

partes da gleba que pertencem em comum a todos os titulares dos

lotes, e essas partes são as vias internas de circulação e outras coisas

que, por sua natureza, destinam-se ao uso comum. Essa espécie de

condomínio é objeto do art. 3.º do Dec.-Lei 271/1967, combinado

com o art. 8.º da Lei 4.591/1964 e com os arts. 1.331 seguintes do

Código Civil; sua implantação é regulamentada pelos municípios, por

força da competência que lhes atribuiu a Constituição em matéria

urbanística.13

Os doutrinadores que aceitam a existência dos condomínios de lotes

reconhecem a desvinculação do terreno à construção. Dessa forma, a unidade autônoma

seria o próprio lote e não uma casa edificada, térrea ou assobrada com um jardim ou

quintal.

É necessário apontar a distinção realizada pelo Superior Tribunal de Justiça:

De um lado, o PARCELAMENTO DO SOLO URBANO, do qual

resultam lotes, é regido pela Lei 6.766/79, subdividindo-se nas

seguintes espécies: (a) loteamento que consiste na subdivisão de

glebas em lotes, destinando-se à edificação, com abertura de ruas,

vielas ou outros logradouros públicos (§ 1.º do art. 2.º da Lei

6.766/79); (b) desdobramento que consiste na subdivisão de glebas

em lotes, destinando-se à edificação, mas com aproveitamento da

malha viária e dos equipamentos públicos já existentes (§ 2.º do art.

2.º da Lei 6.766/79); (c) desdobro – subdivisão de lotes em lotes – que

não têm previsão na mencionada Lei 6.766/79, mas em leis

municipais. [...] Nesse contexto, tanto os loteamentos como os

desdobramentos pressupõem a subdivisão de glebas em lotes com

destinação à edificação. A finalidade habitacional é pressuposto

12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2010. p. 1276. 13 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;

JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:

modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1235-1236.

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essencial ao parcelamento do solo urbano. Não o é, entretanto, a

construção ou o projeto de construção propriamente dito. Basta que a

divisão das glebas em lotes tenha a finalidade habitacional para a

caracterização do parcelamento do solo urbano. [...] O loteamento

fechado, no entanto, não tem disciplina específica na Lei 6.766/79,

mas pode ser tratado, no que couber, segundo as regras do loteamento

comum. De outro lado, os CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS têm

regramento na Lei 4.591/64, a qual estabelece que, para sua

caracterização, é necessária a existência de edificações construídas ou

em construção (art. 1.º) ou, ao menos, de plano para sua construção,

aprovado pela autoridade administrativa competente (art. 8.º), não

bastando apenas a existência de terrenos meramente destinados à

habitação, como ocorre com os loteamentos ou desdobramentos de

que trata a Lei 6.766/79.14

Após verificar a distinção entre estes institutos que são utilizados pelas

incorporadoras imobiliárias importa saber qual é a definição legal de incorporação

imobiliária:

O texto legal fornece elementos para a caracterização da atividade de

incorporação, permitindo conceituá-la como a atividade de

coordenação e consecução de empreendimento imobiliário,

compreendendo a alienação de unidades imobiliárias em construção e

sua entrega aos adquirentes, depois de concluídas, com a adequada

regularização no Registro de Imóveis competente (art. 44). Traço

característico dessa atividade é a “venda antecipada de apartamentos

de um edifício a construir”, que, do ponto de vista econômico e

financeiro, constitui o meio pelo qual o incorporador promove a

captação dos recursos necessários à consecução da incorporação; a

captação de recursos, observam Orlando Gomes e Maria Helena

Diniz, é a operação que “consiste em obter capital necessário à

construção do edifício, mediante venda, por antecipação, dos

apartamentos de que se construirá”. A atividade de construção está

presente no negócio jurídico da incorporação, mas incorporação e

construção não se confundem, nem são noções equivalentes. A

atividade da construção só integrará o conceito de incorporação se

estiver articulada com a alienação de frações ideais do terreno e

acessões que elas haverão de se vincular; mas, independente disso, a

atividade de incorporação pode, alternativamente, ser representada

somente pela alienação de frações ideais objetivando sua vinculação a

futuras unidades imobiliárias. Obviamente, a incorporação

compreende a construção, mas não é necessário que a atividade da

construção seja exercida pelo próprio incorporador, pois este pode

atribuir a outrem a construção. [...] Qualquer que seja a roupagem de

que se revista, a incorporação tem como elemento central a figura de

um incorporador, que é o formulador da ideia da edificação, o

planejador do negócio, o responsável pela mobilização dos recursos

necessários à produção e comercialização de unidades imobiliárias

14 STJ, REsp 709.403-SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 06.12.2011.

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integrantes de edificações coletivas, bem como pela sua regularização

no registro de Imóveis, depois de prontas. O incorporador pode

exercer uma ou todas as funções relacionadas à atividade, como são os

casos da atividade de construção e de corretagem, mas para que fique

caracterizada sua função de incorporador basta que, antes da

conclusão da construção, efetive a venda de frações ideais de terreno

vinculadas a futuras unidades imobiliárias que integrarão um conjunto

dessas unidades, em edificação coletiva. A atividade da incorporação

tem natureza empresarial, pois a finalidade de lucro é da sua essência,

pouco importando seja o incorporador pessoa física ou jurídica.15

Assim, as incorporações imobiliárias são atividades empresariais com

finalidade de auferir lucro e construir moradias para a população, seja ela urbana ou

rural. Como atividade predominantemente privada as incorporações imobiliárias, ao

exercer suas atividades de modo regular, devem atentar às restrições impostas pelo

Poder Público com finalidade de preservação da máxima da supremacia do interesse

público em relação ao interesse particular.

Acerca do contrato de incorporação imobiliária e da figura do incorporador,

que é aquele que negocia ou vende uma futura edificação, e do construtor, responsável

técnico pela edificação:

No art. 29, outras situações ressaltam aos olhos e devem ser

comentadas para que não paire nenhuma dúvida sobre os contratos

que foram, inclusive, tipificados pela Lei n. 4.591/64. Trata-se do

contrato de incorporação, já referido, e do contrato de construção, o

qual será analisado. O legislador destacou: “[...] embora não

efetuando a construção [...]”. Na verdade, não é condição também

para que se tenha a figura do incorporador que ele próprio seja o

construtor. Pode até ser, como é mais habitual hoje em dia, ou seja, há

as figuras das “construtoras e incorporadoras”. Mais uma vez, recorre-

se às palavras de Caio Mário da Silva Pereira sobre o assunto, para

que se possam esclarecer os pontos obscuros. O professor destaca que

o incorporador pode ser o próprio dono do terreno, que pretende

promover a construção, pode ser um condômino ou um titular de

direito de opção, ou até um simples especulador. Pode também ser o

próprio construtor. É possível também que o incorporador adquira o

terreno e contrate um construtor. O incorporador pode negociar, com

o dono do terreno, a troca do terreno por área construída e contratar

um construtor para a realização da obra. O incorporador pode ser,

igualmente, um estabelecimento de crédito que financia a edificação.

Os próprios adquirentes do terreno podem pagar todo o preço da obra

15 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;

JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:

modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 11.

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no decorrer da construção ou financiar uma parte com o incorporador.

Vê-se, de forma clara, que não é necessário que o incorporador realize

diretamente a construção do prédio, daí a alusão feita pelo art. 29 da

LCI. Da mesma sorte, deve ficar patente que o incorporador não é

necessariamente o proprietário do terreno sobre o qual será erguida a

edificação (art. 30, 1.ª parte). Everaldo Augusto Cambler é cristalino

na sua explicação sobre o tema aqui focalizado. Para ele, não se pode

confundir a noção de “promoção da incorporação”, que compete

indiscutivelmente ao incorporador, com a noção de “construção do

imóvel incorporado”. O incorporador pode até realizar a construção,

mas não é essa atividade que vai caracterizá-lo como incorporador. O

art. 29 refere, na sequência, que o incorporador é a pessoa que

compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno

objetivando a vinculação de tais frações às unidades autônomas, em

edificações a serem construídas ou em construção sob regime

condominial. Infere-se daí que, necessariamente, o objeto da

incorporação é coisa futura, ou seja, só se tem incorporação se a

edificação é ainda projeto a ser erguido ou se estiver em construção,

de modo que seja estiver pronta, vale dizer, após a expedição do

“habite-se” não se estará diante de uma incorporação, mas sim de uma

compra e venda de unidades autônomas (art. 30, parte final). Além

disso, o incorporador poderá celebrar contrato de promessa de compra

e venda da unidade ou efetivar a venda, ainda que seja só projeto ou

esteja em construção. Não se pode olvidar, nesse sentido, que se a

unidade autônoma ainda não está pronta, o incorporador só poderá

negociar a fração ideal do terreno vinculada a unidade condominial

autônoma futura.16

É o entendimento do STJ acerca das incorporações imobiliárias:

infere-se, portanto, que o ato de incorporação não pressupõe,

necessariamente, que a incorporadora responsabilize-se diretamente

pela construção. Há casos em que a incorporadora é também

construtora e, assim, além de promover a incorporação, executa, ela

própria, a obra projetada, vendendo as unidades autônomas por preço

global, compreendendo as cotas de terreno e de construção do imóvel

(Lei 4.591/64, art. 41). Há casos, porém, que o incorporador, por não

ser também construtor, celebra com o adquirente da fração ideal

apenas contrato de compra e venda, ficando o contrato de construção

separado, cuja celebração poderá ser estabelecida entre o construtor e

o incorporador ou entre aquele e os adquirentes do empreendimento.

Nesses casos, haverá um contrato de incorporação imobiliária

separado, mas vinculado a um contrato de construção, na modalidade

empreitada (Lei 4.591/64, art. 55) ou administração – preço de custo

(Lei 4.591/64, art. 58). O art. 48 da Lei 4.591/64 bem explicita a

questão, delineando que a construção do imóvel poderá estar incluída

no contrato de incorporação ou ser contratada, em separado, sob o

regime de empreitada ou de administração, seja por meio de ajuste

16 BRITO, Rodrigo Azevedo Toscano de. Incorporação imobiliária à luz do CDC. São Paulo: Saraiva,

2002. p. 182.

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celebrado entre a construtora e a incorporadora ou entre aquela e os

adquirentes do empreendimento.17

Assim, não se confunde a figura do incorporador imobiliário com o

construtor. Pode ser a mesma pessoa responsável pelas duas atividades, mas, nem

sempre, isto ocorre. Não sendo o incorporador o construtor deve haver entre eles um

contrato de incorporação.

Com este mesmo entendimento Pedro Elias Avvad afirma que:

se o incorporador não for, ele próprio, construtor ou, melhor dizendo,

se a incorporação não estiver sendo realizada por uma empresa

construtora, nesse caso tem de existir um contrato de construção que,

segundo dispõe o art. 48 da Lei n. 4.591, de 1964, poderá ser pelo

regime de 'empreitada' ou por 'administração' e poderá ser contratada,

pelo incorporador, ou diretamente entre os adquirentes e a construtora.

A ressalva inicial tem seu fundamento no fato de que o contrato de

construção não é peça fundamental da incorporação, já que não se

inclui entre os documentos necessários ao arquivamento do memorial

e poderá não existir quando uma empresa construtora, além de

promover a incorporação e executar, ela própria, a obra projetada,

decide vender as unidades na forma do art. 41, isto é, por preço

global, compreendendo a cota de terreno e a construção. Na hipótese

acima, não haverá um contrato formal de construção, que deixa de ser

elemento específico da incorporação, já que o contrato existirá de

forma acessória ou tácita. O mesmo ocorre quando o incorporador

contrata a construção com terceiros, mas procede as alienações por

prego global, hipótese esta que, como a anterior, será apreciada no

título subsequente. Deve-se, ainda, destacar que as duas modalidades

de contrato de construção previstas na lei podem ser ajustadas pela

construtora escolhida pelo incorporador, diretamente com os

adquirentes ou, então, celebrado entre a construtora e o próprio

incorporador, nesse caso, com ou sem sub-rogação aos compradores

de unidades. Os contratos deverão conter, e/ou especificar, todos os

elementos técnicos constantes do memorial de incorporação e

subordinar a construção ao projeto aprovado, memorial descritivo,

especificações, prazo de entrega, de preferência das diversas etapas e

o prazo final, fixando-se; ainda, as hipóteses de prorrogação e

suspensão do prazo, o preço, as condições de pagamento, as

penalidades e multas, bem assim as condições especiais acaso

acertadas. A lei prevê, também, nessa parte geral que, no contrato de

construção, celebrado com os adquirentes, ou a estes sub-rogado no

momento da venda, se preveja a formação de um “condomínio

construção”, com a realização de assembleias, modo de convocação e

forma de instalação e funcionamento, registro das atas no Cartório de

Títulos e Documentos e a constituição de Comissão de Representantes

com as respectivas atribuições e prazo dos respectivos mandatos.

17 STJ, REsp 709.403-SP, rel. Min. Raul Araújo, j. 06.12.2011.

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Finalmente, diz a lei, o contrato deve estabelecer de quem será a

responsabilidade pelo pagamento das despesas com ligações de

serviços públicos, nem sempre previsíveis ao início da construção,

como às relativas a instalação do condomínio, decoração de portaria e

mobiliário, que devem atender as deliberações dos compradores e

possibilidades da maioria. Com esse dispositivo, o legislador liberou o

incorporador da obrigatoriedade de incluir tais despesas no custo geral

da obra, possibilitando, com isso, a cobrança de tais despesas,

destacadamente do preço da construção, mediante rateio entre todas as

unidades na proporção que for convencionada no contrato.18

Desse modo, o contrato de incorporação serve para estabelecer os deveres

exercidos pelo incorporador e pelo construtor especificando a responsabilidade destes

agentes. Este contrato prevê questões como: memorial da incorporação, modo como

será instituído o condomínio e responsabilidade pelos serviços básicos a serem

desenvolvidos para os moradores do empreendimento.

Em síntese, o estudo da disciplina jurídica do parcelamento do solo e dos

condomínios é fundamental para compreensão de todos os aspectos que circundam os

condomínios de lotes.

1.1 Competência para legislar sobre empreendimentos residenciais fechados

A repartição de competências constitucionais está disposta no Título III da

Constituição Federal de 1988. Será necessário analisar a competência legislativa sobre

Direito Urbanístico para compreendermos o papel dado aos municípios, vez que estes

podem legislar acerca dos condomínios de lotes, objeto de nosso estudo.

É sabido que o Brasil adotou a forma federativa de estado. Assim, possuímos

um Estado Federal composto por entes federativos dotados de autonomia. Conforme a

lição de Konrad Hesse a federação é

uma união de várias organizações estatais e ordens jurídicas e,

precisamente, aquelas dos “Estados-membros”, e aquelas do “estado

total”, em que estado-total e Estados-membros são coordenados

mutuamente na forma que as competências estatais entre eles são

repartidas, que aos Estados-membros, por meio de um órgão especial,

18 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário. Teoria geral e negócios imobiliários. 2. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2009. p. 628.

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são concedidas determinadas possibilidades de influência sobre o

estado-total, ao estado-total determinadas possibilidades de influência

sobre os Estados-membros e que uma certa homogeneidade das

ordens do estado-total e dos Estados-membros é produzida e

garantida.19

Assim, uma das características fundamentais da federação brasileira, definida

na CF, é a existência de três centros de poder político, sem relação de subordinação

entre eles, mas sim com repartição constitucional de competências, embora, de longa

data, já se tenha registrado a “superioridade de fato” da União em relação aos demais

entes federados, diante da insuficiência financeira dos Estados e Municípios

brasileiros.20

Desse modo, podemos conceituar competência como a divisão do poder dos

entes federados estabelecida pela Constituição Federal.

A própria Constituição brasileira estabeleceu o princípio da autonomia

municipal que implica enorme responsabilidade aos Municípios do país:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo

Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,

tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório

para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico

da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2.º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende

às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no

plano diretor.

§ 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e

justa indenização em dinheiro.

§ 4.º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica

para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal,

do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não

utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,

sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

progressivo no tempo;

19 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Porto

Alegre: Fabris, 1998. p. 178. 20 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 117.

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III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida

pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com

prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e

sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

(grifo nosso).

Após a Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, veio

para completar a legislação urbanística e trazer novos instrumentos para viabilizar a

função social das cidades. Conforme Paulo Affonso Leme Machado,

o Estatuto da Cidade cria a expressão “ordem urbanística”, que passa

a integrar o conjunto dos valores ou bens a serem defendidos pela

ação civil pública (art. 1.º da Lei 7.347/1985, com a redação dada pelo

art. 53 da Lei 10.527/2001). [...] A ordem urbanística deve significar a

institucionalização do justo na cidade. Não é uma “ordem urbanística”

como resultado da opressão ou da ação corruptora de latifundiários ou

especuladores imobiliários, porque aí seria a desordem urbanística

gerada pela injustiça. A ordem urbanística há de possibilitar uma nova

cidade, em que haja alegria de se morar e trabalhar, de se fruir o lazer

nos equipamentos comunitários e de se contemplar a paisagem

urbana. Para que essa ordem seja factível, entre outros fatores, o nível

de emissão sonora precisa ser adequado e o transporte individual e

público deve ser transformado, evitando-se a poluição e o estresse dos

engarrafamentos.21

O plano diretor, igualmente, dotou os Municípios de competência para

elaborar um conjunto de normas obrigatórias e específicas, integrando o processo de

planejamento municipal, que regula as atividades e os empreendimentos do próprio

Poder Público Municipal e das pessoas físicas ou jurídicas, de Direito Privado ou

Público, a serem levados a efeito no território municipal.22

Quanto ao tema Paulo Afonso Cavichioli Carmona dispõe:

Os Municípios e o Distrito Federal possuem competência

constitucional própria para estabelecer a política de desenvolvimento

urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das

funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes

(art. 182, caput) e para promover adequado ordenamento territorial,

mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da

ocupação do solo urbano (art. 30, VII). Isso explica por que o papel

21 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

p. 412. 22 Idem, p. 413.

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dos entes locais é de grande importância em matéria de Direito

Urbanístico.23

Para Adilson Dallari o Município recebia um número enorme de atribuições de

competência. Mas sabemos que a toda competência corresponde o dever de exercício

dessa competência. O exercício de uma competência exige recursos e esses recursos é

que inexistiam. Resultado o município se via compelido a ter que exercer uma série de

tarefas, ficando ao mesmo tempo, comprimido pela impossibilidade material de realizá-

las. A consequência disso era a necessidade de pedir socorro a autoridades estaduais e,

muito especialmente às federais, pois o recurso financeiro estava concentrado mais na

União.24

Quanto ao Direito Urbanístico a União, conforme art. 21, incisos IX e XX,

possui competência constitucional para elaborar e executar planos nacionais e regionais

de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social e, também, instituir

diretrizes para o desenvolvimento urbano, envolvendo matérias como habitação,

saneamento básico e transporte público.

De acordo com o art. 23 da Constituição Federal, é competência comum a

todos os entes federados:

III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais

notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição

e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor

histórico, artístico ou cultural; [...] VI – proteger o meio ambiente e

combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as

florestas, a fauna e a flora; [...] IX – promover programas de

construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de

saneamento básico; X – combater as causas da pobreza e os fatores de

marginalização, promovendo a integração social dos setores

desfavorecidos; [...] XII – estabelecer e implantar política de educação

para a segurança do trânsito.

23 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 119. 24 DALLARI, Adilson de Abreu. Autonomia do munícipio na Constituição Federal de 1988. Caderno de

Direito Municipal. RDP, 97, p. 238, 1990.

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Em seguida, o art. 24, inciso I, disciplina a competência concorrente entre a

União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre direito urbanístico, restando claro

no § 1.º deste artigo que cabe à União estabelecer as normas gerais que devem ser

respeitadas pelos demais entes federativos.

Dessa forma, os estados, municípios e o Distrito Federal poderão, com atenção

às normas gerais editadas pela União, legislar de modo suplementar.

Conforme estabelece Carmona, uma das grandes dificuldades em matéria de

competências legislativas, talvez a mais difícil, é estabelecer o que são normas gerais e

qual a sua extensão.25 Neste trabalho, será estudada a temática dos condomínios de lotes

adotando o entendimento que considera que as normas municipais não servem somente

de suplemento para as normas editadas por outros entes federativos.

Os municípios possuem competência genuína, garantida pela Constituição

Federal nos arts. 30, inciso VIII, e 182, para promover e planejar o ordenamento

territorial e ocupação do solo urbano. Assim, na falta de legislação federal disciplinando

acerca dos condomínios de lotes, pode o município exercer sua competência para

regulamentar esta espécie de empreendimento.

Quanto ao tema Guadalupe Maria Jungers Abib de Almeida afirma:

Quanto aos Municípios, ainda que tal competência suplementar não

lhes coubesse, como de fato lhes cabe e, a seguir, o demonstraremos,

restaria garantido seu poder de legislar sobre a matéria, já que a

combinação do art. 30, incs. I, II e VIII com o art. 182 da Constituição

Federal lhe atribui um papel fundamental na normatização urbanística.

Salientamos, no mais, que é de competência comum (executiva ou

material) dos entes federativos, o disposto no art. 23 da Carta Maior,

sendo que deste elenco destacamos os incisos IX e X a seguir

transcritos: “IX – promover programas de construção de moradias e a

melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. X –

25 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 120.

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combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,

promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.26

Convém esclarecer que o Município possui competência legislativa para

ordenar a ocupação do solo urbano de acordo com suas peculiaridades locais.

Pode-se afirmar que a modalidade condomínio de lotes possui natureza

jurídica híbrida, vez que, apesar de ser um condomínio em que as vias internas são

privativas aos moradores, ele afeta interesses públicos de toda coletividade, pois há

restrições urbanísticas para a implantação destes empreendimentos.

Sabemos que não são todas as localizações urbanas que admitem a

implantação de condomínios de lotes, pois devem ser atentados os princípios de coesão

dinâmica da cidade e de acesso democrático a locais públicos de lazer, habitação e

mobilidade, como será estudado adiante.

Assim, ao estudar os condomínios de lotes deve-se ter em mente o seu caráter

híbrido, permitindo que os Municípios editem leis acerca de sua implantação.

Corroborando este entendimento será demonstrado, posteriormente, que alguns

Municípios brasileiros legislaram e permitiram a existência de condomínios de lotes em

total consonância com a legislação federal urbanística e respeitando sua competência

legislativa acerca de questões locais.

Com esta mesma compreensão o constitucionalista José Afonso da Silva

afirma acerca da competência municipal dada pela Constituição Federal de 1988:

Isso não é competência suplementar não. É competência própria,

exclusiva, que não comporta interferência nem da União, nem do

Estado. Vê-se que a finalidade do planejamento local é o adequado

ordenamento do território municipal, com o objetivo de disciplinar o

uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano. O solo qualifica-se

como urbano quando ordenado para cumprir destino urbanístico,

especialmente a edificabilidade e o assentamento de sistema viário.

Esse ordenamento é função do plano diretor, aprovado pela Câmara

Municipal, que a Constituição elevou à condição de instrumento

26 ALMEIDA, Guadalupe Maria Jungers Abib de. Instrumentos jurídicos para viabilizar a moradia

digna na região central da cidade de São Paulo. Dissertação (Mestrado). 2001. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 46.

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básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182,

§ 1.º). Vale dizer, combinando ambos os dispositivos, que o plano

diretor constitui o instrumento pelo qual se efetiva o processo de

planejamento urbanístico local, que é obrigatório para as cidades com

mais de 20.000 habitantes.27

Ao tratar das competências urbanísticas materiais e legislativas, Paulo

Afonso Cavichioli Carmona assevera que os Municipios e o Distrito Federal possuem

competência constitucional própria para estabelecer a política de desenvolvimento

urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (art.182, caput) e para promover

adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VII). Isso explica por que o papel

dos entes locais é de grande importância em matéria de direito urbanístico28.

Acerca da competência exercida pelos Municípios, é preciosa a lição de

Nelson Saule Júnior:

A questão que deve ser desenvolvida é se o Município precisa ficar

dependendo da União para promover a política urbana, se esta não

instituir as diretrizes gerais através de uma lei federal , isto é, o

Município não pode instituir essas diretrizes em razão da omissão da

União? Celso Bastos, quando analisou o significado da competência

supletiva dos Estados-membros relativamente à legislação federal, em

vista da Constituicao de 1967, onde o constituinte elegeu a Uniao para

preferencialmente baixar leis em tais matérias, deixando aos Estados-

membros tão somente a competência para suplementá-las, afirmou

textualmente: isto não quer dizer que estes devam, todavia, esperar o

surgimento da lei federal, para só então legislarem no seu vácuo.

Poderão, sem dúvida, legislar, mesmo na ausência da norma federal.

Mas, surgida esta, automaticamente revogada estará a legislação

estadual naquilo em que a ela contrariar. Segundo José Afonso da

Silva a competência suplementar é correlativa da competência

concorrente e significa o poder de formular normas que desdobrem o

conteúdo de princípios, ou normas gerais, ou que supram a ausência

ou omissão destas. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto as

diretrizes gerais exigidas para balizar a política de desenvolvimento

urbano e, assim condicionar o plano diretor, podem ser tanto federais

(art. 21, XX), como as estaduais (art. 24, I), como, ainda, as próprias

diretrizes urbanísticas da lei orgânica municipal (art. 29). A

competência preponderante do Município, face aos artigos 29, 30 e

182, deve ser compreendida em função das demais competências

27 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 57. 28 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 119.

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estabelecidas na própria Constituição para os Estados e União. No

âmbito da competência privativa, deve estabelecer as diretrizes gerais

da política de desenvolvimento urbano, mencionadas no artigo 182,

podendo essas diretrizes serem estabelecidas com base na

competência concorrente, através das normas gerais de direito

urbanístico. No caso da União deixar de exercer essa competência,

cabe aos Estados estabelecer as diretrizes gerais dessa política, que

deverão ser observadas pelos Municípios. Sem dúvida, é necessário

que sejam estabelecidas diretrizes gerais pela União para a promoção

de uma política nacional de desenvolvimento urbano, executada de

forma integrada pelas entidades federativas. Por exemplo, o combate

às causas da pobreza e da fome nas cidades somente serão eficazes se

for adotada uma política de segurança alimentar, que englobe recursos

e acoes integradas da União, Estados e Municípios. Essas diretrizes

podem ser estabelecidas através dos planos nacionais de ordenação do

território e de desenvolvimento econômico e social, e por uma lei

federal de desenvolvimento urbano.29

No mesmo sentido é a lição de Lúcia Vale Figueiredo:

Todavia, com as alterações trazidas pela Carta Cidadã, o sentido de

tais averbações quedou-se no tempo, de modo que, de quase

exclusiva, a atribuição legiferante da União, relativa a diversos

aspectos da ordenação ambiental, passou a ser concorrente, devendo

ser exercida junto com as demais entidades federativas. Há que se

dizer que, nos termos do art. 24, inciso XVI, parágrafo 1o, no âmbito

das atribuições concorrentes, a competência da União deve-se limitar

à edição de normas gerais, ao passo que os poderes suplementares

para legislar são do Estado (art. 24, inc. XVI, parágrafo 2o) e que aos

Municípios, mercê do art. 30, inciso I, do próprio Texto

Constitucional, também incube, ao traçar o contorno de seu interesse

preponderante, adentrar em várias das matérias que se ligam

diretamente ao Urbanismo – tais sejam, as célebres “posturas” e

regulamentos administrativos acerca das construções, como

assinalado no art. 1.299 do Código Civil. (...) Cabe ao Município,

portanto, legislar, dentro de seu interesse preponderante, não

desbordando dos limites das disposições federais. Consequentemente,

questões atinentes à preservação das áreas verdes, remoção de árvores

e as sanções a que se submetem os descumpridores dessas obrigações

são matéria municipal30.

Maurício Balesdente Barreira, também a respeito da competência dos

municípios, afirma:

29 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Aergio Antonio

Fabris Editor, 1997. P.104-105. 30 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina urbanística da propriedade. 2a ed. São Paulo: Malheiros.

2005. p. 38-39.

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Visando ao cumprimento do próprio objetivo do urbanismo, qual seja,

o ordenamento das cidades para propiciar às pessoas suas funções

básicas de moradia, locomoção, lazer e trabalho, ao Município cabe

legislar sobre diversos aspectos, mormente quanto à ordenação do

espaço urbano, através do Plano Diretor, do zoneamento, do

loteamento, do controle das construções e da composição paisagística,

além do controle de construções e posturas. (...) Ora, é fácil perceber

que a ordenação da cidade através de normas urbanísticas é assunto

predominantemente local, e tal ideia reforça-se ainda mais diante da

explicitação da natureza do Plano Diretor, verdadeiro instrumento de

planejamento estratégico do próprio Município, que, aplicado por sua

legislação correlata – Lei do Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo,

Código de Obras e Código de Posturas – deve conter diretrizes das

mais diversas, desde as relacionadas às condições de acesso dos

cidadãos aos seus direitos sociais e fundamentais, como emprego,

habitação e serviços, passando pela proteção ao meio ambiente e

patrimônio natural e cultural, até aquelas que digam respeito ao perfil

econômico do Município, entre outras.31

A doutrina registral também se posiciona desse mesmo modo, Flauzilino

Araújos dos Santos ao se debruçar sobre o tema dos condomínios de lotes, também

observa a respeito da competência municipal:

As distintas situações são, naturalmente, merecedoras de tratamento

diferenciado no sistema, cm conformidade com suas fisionomias

peculiares, razão pela qual o condomínio de lotes de terreno,

particularmente, confibrura-se na forma prevista pelo artigo 8°, “a”,

da Lei nº 4.591/ 1964, combinado com o artigo 3° do Decreto-Lei nº

271/ 1967 e com os artigos 1.331 a 1.358 do Código Civil. É da

competência dos municípios as normas sobre a implantação dessa

modalidade de empreendimento, de conformidade com o ordenamento

e o planejamento territorial local (Constituição da República, artigos

30, VllJ, e 182, § 1°)...No mesmo sentido, Marco Aurélio S. Viana

salienta que a forma condominial por unidades autônomas de

utilização da gleba de terras já é definida pelo Código Civil, restando

apenas observância, pelos municípios, da política urbana: Não vemos

obstáculo à utilização de terrenos não construídos para erigir mais de

uma edificação, seja ela multifamiliar ou unifamiliar [ .. .] Devemos

entender que o Código dispõe a respeito de uma forma de utilizar a

propriedade, de obter os serviços que ela oferece. Tal utilização está

submetida apenas à política urbana, segundo os limites e fins

perseguidos pela Lei Maior, art.182. O que devemos examinar no caso

concreto é se essa maneira de criar núcleo de moradia fere o

desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus

habitantes, e atende às exigências fundamentais de

ordenamentourbano. Na verdade, nos dias que correm, introduzido o

31 BARREIRA, Maurício Balesdent. Direito urbanístico e o município. In: FERNANDES, Edésio.

Direito urbanístico. Belo Horizonte: Livraria Del Rey Editora, 1998. p. 21

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conceito de função social da propriedade, assegurado ao proprietário o

exercício do seu direito, mas em consonância com sua finalidade

econômica e social, não se pode inibir essa forma de utilização como

de resto nenhuma outra que não ofenda os princípios constitucionais

indicados32.

Na disciplina jurídica do Direito Urbanístico, vários atores participam dos

conflitos oriundos da vida em sociedade, tais como o Poder Público, os proprietários do

solo, os terceiros vizinhos, os construtores, as associações de defesa, os elaboradores de

projeto, dentre outros. Para apaziguar esses conflitos, mister se faz emergir mecanismos

de consenso, acordo e também harmonia, na qual os interessados poderão expor suas

opiniões e buscar o melhor denominador comum para a coletividade.33

Assim, a disciplina jurídica federal dos condomínios de lotes deve ser editada

como mecanismo de consenso e de harmonia que viabilize essa dialética necessária

entre o interesse privado dos proprietários dos condomínios de lotes e os interesses

locais urbanístico que devem permitir a concretização das funções sociais da cidade em

prol do bem-estar de seus habitantes.

De acordo com as lições de Nelson Saule Junior:

O processo das Constituintes Municipais foi, sem dúvida, o momento

privilegiado para o exercício da autonomia do poder local. Com a

definição das regras de convivência entre os agentes públicos,

privados e sociais para a mediação dos conflitos de interesses

coletivos, através das Constituições das Cidades, foram definidas as

regras do jogo institucional para a instituição dos planos diretores.

Estas regras se traduzem nas normas municipais dirigentes da política

urbana que condicionam a legitimidade do plano diretor à observância

de seus preceitos.34

Assim, o Município, por ter competência constitucional para promover a

política urbana, com base nos arts. 30 e 182 da Constituição, tem competência para

32 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos

de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 336-338. 33 COSTA E SILVA, Tatiana Monteiro; SANTOS, Adelson Silva dos. Instrumentos internacionais na

defesa do direito urbanístico. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/

manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/152.pdf>. Acesso em: 6 out. 2016. p. 6. 34 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.

229.

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estabelecer as diretrizes gerais dessa política através de lei municipal, no caso de a

União não instituir essas diretrizes mediante lei. A omissão da União, por não

estabelecer as diretrizes gerais da política urbana, não resulta para o Município isenção

de responsabilidade. O município tem autonomia para cumprir com sua obrigação

constitucional de executar a política urbana nos termos do art. 182.35

Esta é a atual situação na regulação dos condomínios de lotes. Apesar de ser

modalidade habitacional em uso no país, não possui regulação federal acerca do tema.

Isto acabou gerando um abuso por parte dos empreendedores que acabam por prejudicar

a harmonia das vias de circulação e obstam o acesso as áreas públicas, privatizando

áreas sem o devido rigor procedimental que devem existir nestas situações.

Desse modo, a ausência das normas federais acerca dos condomínios de lotes

transfere o papel legislativo ao município que deve regulamentar e institucionalizar

procedimentos que verifiquem se os condomínios de lotes são compatíveis com sua

estrutura local e qual procedimento deve ser adotado para a implementação desta

modalidade de parcelamento do solo urbano.

Isto porque,

o Município tem competência para instituir as diretrizes gerais da

política urbana mediante lei municipal, no caso da inexistência de lei

federal, com base na sua competência para legislar sobre assuntos de

interesse local e de suplementar a legislação federal e estadual no que

couber (art. 30, inciso I e II).36

Os instrumentos legislativos que podem ser utilizados pelos municípios para

edição de norma regulamentando os condomínios de lotes são a Lei Orgânica

municipal, o Plano Diretor e lei municipal especifica traçando os procedimentos

específicos para implementação e aprovação municipal dos condomínios de lotes.

Corroborando esta competência municipal acerca da disciplina sobre o

ordenamento do espaço urbano este foi o entendimento publicado em recente

informativo do Supremo Tribunal Federal:

35 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.

134. 36 Idem, p. 135.

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Os Municípios com mais de 20 mil habitantes e o Distrito Federal

podem legislar sobre programas e projetos específicos de

ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam

compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor. Isso significa

que nem sempre que o Município for legislar sobre matéria

urbanística, ele precisará fazê-lo por meio do plano diretor. O Plano

Diretor é o instrumento legal que dita a atuação do Município ou do

Distrito Federal quanto ao ordenamento urbano, traçando suas linhas

gerais, porém a sua execução pode se dar mediante a expedição de

outras leis e decretos, desde que guardem conformidade com o Plano

Diretor.37

A Lei Orgânica

que se caracteriza como uma Constituição do Município, por ter

atribuição constitucional de dispor sobre a organização política,

jurídica e administrativa municipal (art. 29) e regulamentar as

matérias que são de sua competência, como é o caso da política

urbana (art. 29, XII e art. 30, VIII), é a lei municipal que deve instituir

as diretrizes gerais desta política. A posição da Lei Orgânica ter

competência para instituir as diretrizes gerais se consolidou com o

processo das Constituintes Municipais, uma vez que as Leis

Orgânicas contêm capítulos específicos com normas próprias sobre a

política urbana, pelas quais foram fixadas as diretrizes gerais para a

execução dessa política, compreendendo as diretrizes para a

formulação do plano diretor.38

Desta forma, a Lei Orgânica municipal, como estabelecedora das diretrizes

gerais para execução da política urbana municipal, deve prever as modalidades de

empreendimentos residenciais fechados que podem existir no seu território, sendo os

condomínios de lotes uma destas modalidades.

Pretendemos demonstrar que a falta de regulamentação é prejudicial, pois

gera desenvolvimento anacrônico da urbe, vez que há muitos empreendimentos que

configuram a modalidade de condomínios de lotes em nosso país, não obstante a

ausência de lei federal.

Quanto ao Plano Diretor municipal:

Como principal ente federativo responsável pela promoção da política

urbana, tendo a missão constitucional de exigir o cumprimento da

37 STF, Plenário, RE 607940/DF, rel. Min. Teori Zavascki, j. 29.10.2015 (Info 805). 38 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.

135.

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função social da propriedade, com base no plano diretor, o município

da mesma forma que tem autonomia e a obrigação de legislar sobre as

diretrizes gerais, quando estas deixarem de ser instituídas por lei

federal pela União, tem também autonomia e a responsabilidade de

editar o plano diretor, sem depender da edição da lei federal

mencionada no art. 182 § 4º; A obrigatoriedade do plano diretor é

aplicável para os Municípios com mais de vinte mil habitantes nos

termos do art. 182, § 1º; A Lei Orgânica, por ter atribuição

constitucional para estabelecer normas gerais sobre a política urbana

municipal, tem como matéria obrigatória a regulamentação do

processo de formulação e implementação do plano diretor.39

Assim, enquanto a Lei Orgânica estabelece as normas gerais acerca da

política urbana municipal, o plano diretor regulamenta a forma de implementação destas

disposições.

Acerca da legislação sobre interesse local do Município e da possibilidade

deste ente federativo autorizar empreendimentos habitacionais fechados:

Ora, na medida em que compete ao Município definir, em lei, a

política de desenvolvimento e expansão urbana, e no contexto desta

encontram-se os regimes de fracionamento do solo urbano, é ao

Município que compete delimitar zonas para implantação das diversas

formas de fracionamento previstas na legislação federal ou definir

outras formas compatíveis com essa legislação. Veja-se a decisão

proferida por maioria de votos pelo Órgão Especial do Tribunal de

Justiça de São Paulo, que julgou improcedente a ADIn 68.759-0/0,

sendo requerente o Procurador-Geral de Justiça e requerido, o

Presidente da Câmara Municipal de São José dos Campos, tendo

como objeto a Lei 5.441/1998 daquele Município, que autoriza o

“fechamento” de loteamentos, vilas e ruas sem saídas, situadas em

zona residencial. O acórdão reconhece a autonomia municipal para

dispor sobre a matéria, destacando que “a competência municipal não

é subordinada e nem mesmo suplementar à competência estadual, no

que tange à ordenação do solo urbano [...]. Na hipótese, o alegado

“fechamento” não trará prejuízo aos moradores dos bairros lindeiros.40

Nota-se que não há subordinação nem suplementação das normas municipais

em relação às normas estaduais. Assim, conforme entendimento do Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo, são admissíveis fechamentos de determinadas áreas urbanas

para fins de moradias privadas, desde que em zonas residenciais e sem prejudicar os

39 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do Plano Diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.

136. 40 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 117, jul.-dez. 2009.

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43

moradores da zona de entorno aos empreendimentos e considerando que não podem ser

privatizadas áreas que habitualmente são utilizadas como zonas de lazer e cultura da

população urbana.

Com este entendimento a 7.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de

Justiça do Estado de São Paulo, nos Embargos Infringentes 019.611-5/2-0, em que se

reconhece a competência do Município para permitir o “fechamento” de loteamento e

ressalva as “questões sociológicas subjacentes à legislação, remetendo, portanto, à

formação da vontade política do município, por intermédio do seu órgão legiferante,

que é a Câmara Municipal. No seu âmbito é que se devem definir os modos de ser das

cidades, com a manifestação das diversas correntes políticas municipais”. O acórdão

segue apreciando de maneira mais ampla a questão, reconhecendo ao Município

competência para definir as formas de uso da propriedade urbana, não obstante a

competência da União para definir seu conteúdo e modo de constituição:

A distinção entre as formas de uso da propriedade urbana, inclusive

com amparo à frequência indiscriminada, pode ser realizada pela lei

municipal. O zoneamento o demonstra: da mesma forma a

distribuição dos requisitos para concessões de uso de áreas públicas.

Tanto é assim que os “loteamentos fechados” são realidade evidente

nas cidades atuais, com amparo tranquilo na doutrina e na

jurisprudência.41

Da mesma forma, os condomínios de lotes são uma realidade em nosso país

e, igualmente, amparados por legislações municipais, conforme será visto. Há a adoção

desta modalidade habitacional em inúmeros graus de desenvolvimentos social e

econômico.

A implementação da modalidade habitacional condomínio de lotes é

realizada em uma gleba em que, originariamente, não há vias públicas, criando vias de

circulação interna que constituirão áreas comuns. Assim, não seria viável, conforme os

princípios urbanísticos de acesso democrático a locais públicos de lazer e mobilidade,

privatizar vias públicas sob pena de constituir ilegal exclusão dos habitantes da cidade.

41 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 118, jul.-dez. 2009.

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44

O objetivo do Direito Urbanístico é justamente o contrário: promover justiça

social, equilíbrio ecológico e desenvolvimento econômico. A efetiva implementação do

Estatuto da Cidade como instrumento de reforma urbana pelos nossos Municípios, traz

esperança deste ser aplicado como um valioso instrumento de política urbana que

viabilize a promoção da reforma urbana nas cidades brasileiras, contribuindo para

mudar o quadro de desigualdade social e de exclusão da maioria da nossa população

urbana, bem como para a transformação de nossas cidades em cidades mais justas,

humanas e democráticas.42

Diante da celeuma criada, Haroldo Fazano entende

perfeitamente legítima a postura municipal no sentido de legislar de

forma complementar visando atender aos anseios dos munícipes. Em

recente posicionamento jurisprudencial favorável a nova modalidade

de condomínio, em voto proferido pela 3.ª Câmara Civil do Tribunal

de Alçada de Minas Gerais (RT 734/466) ficou consignado que “essa

modalidade nova de condomínio, em que só se permite o ingresso aos

moradores e pessoas por ela autorizadas, ainda carece de legislação

específica. Nada impede, entretanto, que os municípios o

regulamentem, sobretudo no que se refere ao uso e propriedade das

vias internas de circulação, que não são bens públicos de uso comum

do povo.43

Por outro lado, a Lei 6.766/79, que dispõe acerca do parcelamento do solo,

especialmente dos loteamentos, estabelecendo, em sintonia com a Constituição Federal,

que os Estados e Municípios somente em caráter complementar, atendendo aos

interesses locais, podem estabelecer normas relativas ao parcelamento do solo, nos

termos do parágrafo único do seu art. 1.º. Interditado ao Município, pois, legislar contra

o texto da norma federal, desvirtuando o instituto do loteamento. Cabe à União

estabelecer as regras gerais sobre o tema, definindo os institutos e balizando-os em suas

linhas mestras.44

42 SAULE JÚNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade – Instrumento de Reforma Urbana. In: Fórum Nacional

de Reforma Urbana. Instrumentos de Democratização e Gestão Urbana, set. 2001. 43 FAZANO, Haroldo Guilherme Vieira. Da propriedade horizontal e vertical. Campinas: CS, 2003. p.

136. 44 SARMENTO FILHO, Eduardo Sócrates Castanheira. Loteamento fechado ou condomínio de fato.

Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 60.

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45

Assim, sob pena de inconstitucionalidade por vício de incompetência, não

poderiam os municípios estabelecer outras modalidades de parcelamento, competência

esta exclusiva da União.

Vale ressaltar, contudo, que os condomínios de lotes não configuram

modalidade de parcelamento do solo propriamente estando autorizado aos Municípios

estabelecer regramentos com base nos interesses e peculiaridades locais.

Portanto, as limitações urbanísticas de cunho administrativo que incidem

sobre a propriedade privada ordenam o crescimento urbano a fim de atender o interesse

público dos munícipes.

1.2 Análise da tutela jurídica do desmembramento como forma de expansão

urbana

Necessário se faz, neste momento do estudo, analisarmos o conceito do

desmembramento e seus aspectos fundamentais, viabilizando a integral compreensão

dos condomínios de lotes como modalidade habitacional.

O desmembramento, espécie de parcelamento do solo urbano, consiste na

subdivisão de uma gleba em determinados lotes com finalidade de edificação e

aproveitamento do sistema viário existente, não sendo permitido que ele implique na

abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou

ampliação dos já existentes:

Desmembramento de pequeno porte é desmembramento despido da

feição de empreendimento imobiliário, aferível pelas circunstâncias

objetivas do parcelamento, quantitativas (especialmente a da

quantidade de lotes resultantes do fracionamento e de suas áreas) e

qualitativas (atento não só a cadeia de assentos, mas também de

domínio e ao lapso temporal entre as inscrições, dentre outras

circunstâncias peculiares que se possam agregar, aptas a inferir a

ocorrência, ou não, de fraude à Lei), ao qual se admite a dispensa do

registro especial (art. 18 da Lei no 6.766/79), bastando, então, a

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46

averbação de controle (art. 167, II, 4, da Lei no 6.015/73) à vista da

aprovação urbanística.45

Além deste conceito determinado pela Lei 6.766/79, algumas legislações

locais acerca do parcelamento do solo urbano conceituam desmembramento como

“divisão de área em outra, para incorporação a lotes já existentes ou a terrenos

adjacentes”.46

Deste modo, em nenhum dos dois conceitos o projeto de desmembramento

implicará arruamento, porque, se implicasse, seria plano de arruamento e de loteamento.

Na verdade, no conceito das referidas leis municipais o desmembramento é uma espécie

de reloteamento, ou seja, redivisão da área em lotes que se incorporam em outros; ao

passo que no conceito da lei federal ele é uma espécie de divisão de área em lotes –

portanto, no fundo, simples loteamento (em sentido estrito), sem prévia operação de

arruamento, porque este já existe. Em qualquer dos casos, o regime jurídico é o mesmo

do plano de loteamento quanto às dimensões mínimas dos lotes, recuos, taxa de

ocupação e coeficiente de aproveitamento. Depende de aprovação Prefeitura e de

inscrição no Registro de Imóveis.47

A Lei 6.766/79, em seu art. 11, determina que aos desmembramentos devem

ser aplicadas as disposições urbanísticas vigentes para regiões. Ou, na sua ausência,

devem ser aplicadas as disposições urbanísticas vigentes para os loteamentos.

Apontado as diferenças entre loteamento e desmembramento Hércules

Aghiarian pondera que:

Loteamento requer a antevisão de vias de circulação e logradouros na

exteriorização do interesse social e público, enquanto a noção de

desdobramento se atém mais à certeza de negócio privado, meramente

fiscalizado pelo interesse público, em face de suas normas de posturas

e edificação.48

45 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 24. 46 Inciso VIII do art. 2.º da Lei paulistana 7.805/72. 47 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 340. 48 AGHIARIAN, Hércules. Curso de direito imobiliário. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.

132.

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47

É necessário destacar que o art. 10 da Lei de Parcelamento do Solo estabelece

que para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará

requerimento à Prefeitura Municipal ou ao Distrito Federal instruído com certidão

atualizada da matricula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis e com a

planta do imóvel a ser desmembrado, contendo:

I) a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;

II) a indicação do tipo de uso predominante do solo;

III) a indicação da divisão de lotes pretendida na área.49

A título de exemplo, o Conselho Superior da Magistratura do Estado de São

Paulo, através de atividade extrajudicial, asseverou que atos divisórios de uma gleba

configura desmembramento, submetendo a incidência da Lei 6.766/79:

Cuida-se de dúvida suscitada a partir da apresentação, a registro, de

escritura pública de divisão, de acesso ao fólio negado sob a exigência

de prévio cumprimento do art. 18 da Lei 6.766. Processado o feito,

julgou-se procedente a dúvida, contra o que recorre o interessado,

tempestivamente, argumentando que a divisão feita, tendente a

extinguir condomínio, não se submete ao campo de abrangência da

Lei do Parcelamento do Solo. O Ministério Público foi pelo

provimento em primeira instância e pelo improvimento nesta

instância. É o relatório. Pretende o recorrente dar ingresso, no

cadastro, a escritura de divisão, pela qual desdobrou um lote em dois,

pondo fim a estado de condomínio que sobre ele se estabelecia até

então. Evidente que tal ato divisório implica em desmembramento,

abstraindo-se a questão do aproveitamento, no campo registrário, do

conceito tributário de desdobro. É fato também que, em princípio,

nenhum desmembramento de terreno urbano escapa da abrangência da

Lei 6.766 e das exigências que faz seu art. 18. Mas não menos certo é

que, atentando-se ao espírito da norma citada, seu rigor vem sendo

mitigado em casos em que o registro especial se mostre de

consumação desnecessária, porque já assegurado o que pretende o

texto legal proteger. Com efeito, assaz sabido que a exigência de

registro especial visa, de um lado, proteger a massa de adquirentes,

garantindo-lhes a liquidez do domínio da gleba parcelada, de outro

servindo à proteção ambiental e urbanística, considerada a densidade

de ocupação populacional do solo fracionado, e como conseqüência

deste fracionamento. Sucede que casos há em que, pela pequena

expressão do empreendimento, sem marcado caráter mercantil, em

que ademais não se vislumbre intenção de tangenciamento e burla da

Lei do Parcelamento, vem se dispensando o registro especial, mercê

mesmo de sua inutilidade, porque de maneira alguma potencialmente

resultante do parcelamento risco àqueles bens protegidos. Tal a

hipótese em tela. Cuida-se de divisão de um lote em dois, efetivada,

49 Art. 10 da Lei 6.799/79.

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frise-se, por quem não foi o responsável quer pelo loteamento, quer

pelo subsequente desmembramento da área maior. Daí que o fato da

divisão suceder anteriores parcelamentos, sem registro especial,

quanto ao desmembramento feito, realmente indicativo, no mais das

vezes, de pretensão de contorno à exigência do art. 18 já aludido, no

caso em foco não pode ser assim considerado. De outra banda, a

divisão presente contou com o 'placet' da Municipalidade, destarte

atendido o aspecto urbanístico que a lei quis preservar, e a que se

refere a manifestação ministerial de fls. 50/54. Frise-se inclusive, a

propósito, que a aprovação municipal foi não só do projeto original do

desmembramento (fls. 18), como também de seu substitutivo (fls. 17).

Ou seja. A divisão efetuada, tomado o aspecto ambiental, não

representa significativo aumento da ocupação do solo, se é que algum

aumento há, está aprovada pelo ente responsável pelo controle da

expansão urbana e, por último, se negada em virtude da exigência do

registro especial ensejaria situação de prejuízo àquele comprador final

que a lei justamente tencionou assegurar. Destarte, e como já antes

decidido (Ap. n. 11.856-0/6), resta somente dar-se provimento ao

recurso interposto, para o fim de permitir o registro almejado, o que

ora se faz. Custas na forma da lei.50

Pode-se notar pela decisão que o desmembramento não se confunde com o

simples desdobro, conforme passa-se a expor.

1.3 Análise da tutela jurídica do desdobro

O desmembramento não se confunde com o desdobro, que consiste na

subdivisão de lotes em lotes, o que não têm previsão na mencionada Lei 6.766/79, mas

em algumas leis municipais brasileiras.

Nas palavras de Paulo Afonso Cavichioli Carmona: o desdobro não gera

alteração no desenho urbano da cidade, nem representa a criação de um novo

aglomerado populacional. Difere do desmembramento por incidir apenas sobre o lote e

não necessariamente se destinar à edificação.51

Deste modo, desdobro de lote é a divisão da área do lote para formação de

novo ou de novos lotes. Estes devem atender às exigências mínimas de

dimensionamento e índices urbanísticos para sua edificação, tal como se prevê para o

50 CSMSP, Apelação Cível 028389-0/9, comarca de Sorocaba, rel. Antônio Carlos Alves Braga, j.

26.04.1996. 51 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 328.

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49

plano de loteamento. Quando o desdobro do lote estiver vinculado a projeto de

edificação, será aprovado automaticamente, com a aprovação desse projeto. Do

contrário deverá ser submetido à aprovação da Prefeitura, mediante requerimento do

proprietário, acompanhado com os documentos e projetos exigidos em lei, relativos à

situação existente e às modificações pretendidas e identificação da área, devendo ser

levado ao Registro de Imóveis competente, para averbação.52

Desse modo, pode-se afirmar que o desdobro não é modalidade de

parcelamento do solo e não está inserido sobre uma gleba. O desdobro incide sobre o

lote.

1.4 Requisitos urbanísticos e procedimentos previstos para o desenvolvimento

das cidades

Nesta parte do estudo cumpre analisar os requisitos urbanísticos que devem ser

atendidos para implementação das modalidades de parcelamento do solo urbano.

Verifica-se que a Lei 6.766/79 rege o parcelamento do solo e prevê os

requisitos mínimos para a criação das cidades. Essa legislação impõe uma proteção

mínima para o desenvolvimento urbano que consiste principalmente na criação da

infraestrutura básica para criação dos lotes. Como assevera Nelson Kojranski o

desaparecimento da gleba original decorre do processo de parcelamento a que é

submetida, consistente na abertura de vias e logradouros componentes do sistema de

circulação, na reserva de espaços livres para uso público, bem como na implantação de

melhoramentos de uso público. Enquanto “as vias de loteamento deverão articular-se

com as vias adjacentes oficiais”, a percentagem das áreas públicas “não poderá ser

inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba; além de “reserva de faixa non

aedificandi destinada a equipamentos urbanos''. Explica ainda, a Lei 6.766/79, que

considera “comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e

similares”, sendo “urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água,

52 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 340-

341.

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50

serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás

canalizado”53.

De acordo a legislação atual, a infraestrutura básica dos parcelamentos é

constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação

pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública

e domiciliar e vias de circulação. Já a infraestrutura básica dos parcelamentos situados

nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no

mínimo, de: vias de circulação; escoamento das águas pluviais; rede para o

abastecimento de água potável; e soluções para o esgotamento sanitário e para a energia

elétrica domiciliar.

Vale lembrar ainda que somente será admitido o parcelamento do solo para

fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim

definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Contudo, não será

permitido o parcelamento do solo:em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes

de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; em terrenos que

tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente

saneados; em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo

se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; em terrenos onde as

condições geológicas não aconselham a edificação; e em áreas de preservação ecológica

ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua

correção.

Como requisitos urbanísticos necessários, o art. 4º da referida lei dispõe que

os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

a) as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de

equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso

público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano

diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.

53 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado. Doutrinas essenciais direito registral. v. IV. Registro

imobiliário: modificações da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1279.

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51

b) os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros

quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o

loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de

conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos

órgãos públicos competentes;

c) ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público

das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não

edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências

da legislação específica;

d) as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes

oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

A lei prevê ainda que a legislação municipal definirá, para cada zona em que

se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de

parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e

máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento.

Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será

exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e

parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente,

conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.

Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em

cada loteamento, a reserva de faixa non edificandi destinada a equipamentos urbanos,

que são equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia

elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.

Diante de todos esses requisitos urbanísticos, pode-se afirmar que a expansão

urbana que tem por base a legislação federal de parcelamento do solo está em

consonância com o direito à cidade mencionado no início deste trabalho. As áreas de

circulação passam ao domínio do Poder Público, integrando o espaço urbano que

afinado com o direito à cidade é espaço público e coletivo que confere direito de uso de

todos os habitantes, sem privilégios ou distinções de qualquer espécie.

Sobre o tema, Nelson Kojranski resume da seguinte forma:

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52

Em suma, o loteamento convencional, segundo os parâmetros da Lei

6.766/1979, faz desaparecer a gleba parcelada, que é substituída pelos

lotes localizados em áreas fisicamente determinadas no solo, com

identidade imobiliária independente da área maior que os gerou. As

novas vias de circulação e os equipamentos urbanos passam a

categoria de bens públicos municipais, como bens de uso comum do

povo, pelo que, à evidência, esses loteamentos tradicionais não podem

ser cercados, posto que se destinam aos usuários anônimos do povo54.

No entanto, há críticas na doutrina acerca desta legislação em razão da sua

insuficiência diante de novas modalidades de parcelamento que vêm surgindo nas

últimas décadas.

Quando da criação desta lei, no ano de 1979, o objetivo era reverter uma

situação de deterioração das áreas urbanas. Assim, ela estabelece os padrões

urbanístico mínimos para implantação de loteamento urbano, tais como, sistema viário,

equipamentos urbanos e comunitários, áreas públicas; bem como as responsabilidades

dos agentes privados (proprietários, loteadores, empreendedores) e do Poder Público;

e tipifica os crimes urbanísticos.55 No entanto, ainda há grande irregularidade nos

loteamentos brasileiros.

Dessa forma, as modalidades de parcelamento do solo estão incluídas na Lei

Federal de Parcelamento do Solo Urbano. Conforme a repartição de competências

constitucionais estudada anteriormente, não poderia o Município inovar e estabelecer

outras formas de parcelamento do solo urbano, sob pena de inconstitucionalidade por

vício de incompetência.

Por outro lado, sendo os condomínios de lotes uma figura híbrida que não

constitui modalidade de parcelamento do solo propriamente dita, poderiam os

municípios legislar acerca desta tipologia habitacional e desta maneira muitos

municípios brasileiros vêm procedendo.

54 KOJRANSKI, Nelson. Loteamento fechado. Doutrinas essenciais direito registral. v. IV. Registro

imobiliário: modificações da propriedade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1281. 55 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto

Alegre: Fabris, 2004. p. 351.

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53

Cabe ressaltar, novamente, o papel de dado aos Municípios para

regulamentação da matéria:

O regime da propriedade urbana foi modificado em razão do seu

condicionamento a política urbana do Município, em especial através

do plano diretor, tendo por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento

das funções sociais, garantir a função social da propriedade e o bem-

estar de seus habitantes. O Município com base no plano diretor e no

plano urbanístico local tem competência para exigir do proprietário de

imóvel urbano uma obrigação de fazer./ (parcelar, edificar, utilizar) de

modo a conferir uma destinação social concreta a propriedade urbana.

A função da propriedade urbana é social quando o seu uso for

destinado: a beneficiar a coletividade; em intensidade compatível com

a capacidade de atendimento da infraestrutura e dos equipamentos e

serviços urbanos; ao aproveitamento e utilização compatíveis com a

preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído; a

beneficiar o acesso à moradia; a promover a justa distribuição dos

benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; para fins de

regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pelas

comunidades necessitadas; para recuperar para a coletividade a

valorização imobiliária decorrente da ação do Poder Público.56

Assim, a aprovação dos loteamentos ou desmembramentos pelo poder público

municipal é um dos poderes que detém este ente federativo que cuida dos interesses

locais, sempre objetivando a concretização dos interesses da coletividade e o

cumprimento da função social da propriedade.

Traçando uma síntese acerca dos procedimentos para proceder com

parcelamento do solo:

O parcelador deverá primeiramente aprovar a planta de parcelamento

na Prefeitura Municipal (arts. 12/17) para posteriormente registrá-lo

(arts. 18/24). O depósito do modelo de contrato, no Cartório de

Registro de Imóveis, continuou obrigatório (art. 25/36). A venda de

lotes de parcelamento não registrado restou proibida (art. 37) e a

conduta é criminalizada (arts. 50/51). Vale observar que, na hipótese

de parcelamento de solo dentro de área metropolitana, região de

mananciais, ou se a gleba a ser parcelada perfizer mais de 10 milhões

56 SAULE JÚNIOR, Nelson. O direito à cidade na Constituição de 1988: legitimidade e eficácia do

plano diretor. Dissertação (Mestrado). 1995. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São

Paulo. p. 337.

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54

de metros quadrados, antes do registro, o loteamento deverá ser

aprovado pela instância designada em lei estadual (art. 13).57

Como sabemos o loteamento e o desmembramento trazem inferências

urbanísticas nas cidades como o aumento horizontal da cidade, impactos ambientais, na

cobertura vegetal, no curso natural das águas, alteração na distribuição de saneamento

básico pelo Poder Público, destinação dos resíduos sólidos, entre outras implicações.

Por essa razão o projeto de parcelamento do solo urbano deve atender a uma

série de requisitos ambientais e urbanísticos para ser aprovado. A aprovação nada mais

é que uma limitação ao interesse privado do proprietário, constituindo crime qualificado

a venda de lotes antes do seu registro na serventia imobiliária competente, conforme art.

50 da Lei 6.766/79.

Em primeiro lugar deve ser realizada uma aprovação preliminar. Deverá ser

apresentado um projeto preliminar ao Município, conforme as determinações

estabelecidas nos arts. 12 a 17 da Lei 6.766/79.

O art. 13 desta Lei estabelece as seguintes situações como casos em que os

Estados deverão disciplinar a aprovação pelos Municípios:

I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de

proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico,

paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou

federal;

Il – quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área

limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas

regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei

estadual ou federal;

III – quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².

Ademais, há situações em que o poder público local não será competente para

aprovar o projeto. É o caso de imóveis localizados em regiões metropolitanas,

recentemente tratadas no Estatuto das Metrópoles, Lei 13.089 de 2015. Nestas

57 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto

Alegre: Fabris, 2004. p. 352.

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55

circunstâncias, a provação do projeto caberá à autoridade metropolitana; não ao

Município.

Após o empreendimento adquirir as necessárias aprovações locais ou, de

acordo com a hipótese, as aprovações estaduais, a parte interessada deve apresentar o

projeto de desmembramento ou de loteamento para o devido registro no Cartório de

Registro de Imóveis.

Ressalte-se que o registro deve ser realizado no ofício em cuja área de

competência territorial se encontra o imóvel.

Para proceder a este registro no respectivo Cartório de Registro de Imóveis

deve ser apresentado um requerimento específico e os documentos elencados no art. 18

da Lei de Parcelamento do Solo, podendo ser utilizadas as figuras do instrumento

particular com firmas reconhecidas ou a escritura pública.

Estes documentos necessários para o registro são: (i) o título de propriedade

do imóvel; (ii) o histórico dos títulos de propriedade, abrangendo os últimos vinte anos;

(iii) certidões relativas aos proprietários atuais e seus respectivos cônjuges; (iv) o

memorial descritivo da área loteada ou desmembrada; (v) o termo de aprovação do

loteamento ou desmembramento pela autoridade pública local; (vi) o cronograma de

execução das obras de loteamento ou desmembramento; (vii) apresentação de garantias

de seu cumprimento; (viii) planta do loteamento; (ix) relação dos lotes; (x) apresentação

de contrato-padrão; e (xi) comunicação do oficial do Registro de Imóveis a Prefeitura e

comprovação da publicação de edital do loteamento ou desmembramento, redigido pelo

oficial e publicado pelo empreendedor em jornal de grande circulação.

O requerimento para registro:

Deve ser assinado por todos os proprietários, inclusive por cônjuge

que, pelo regime de bens, não tenha a propriedade, nem tenha que

normalmente prestar a outorga uxória. Isso ocorre pelo fato de a Lei

de Parcelamento do Solo, em seu art. 18, VII, exigir o expresso

consentimento do cônjuge para que se loteie a área,

independentemente de ser comunheiro ou não e também do regime de

bens. Sendo qualquer das partes representada por procurador, deve ser

apresentada procuração particular, com firma reconhecida por tabelião

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56

de notas, ou pública, qualquer uma contendo poderes expressos para

requerer o registro do loteamento ou anuir com este.58

Este requerimento deverá descrever detalhadamente o imóvel sobre o qual

recairá o registro especial, nos termos do art. 225, caput e § 1º, da Lei de Registros

Públicos, conforme descrição constante da matrícula, com a indicação de seu número.

Questão interessante que pode ocorrer é na eventualidade de o imóvel a ser loteado ou

desmembrado abranger várias matrículas. Como regra geral, em respeito ao princípio da

unitariedade da matrícula, nestes casos devem os registros ser unificados/fundidos em

uma só matrícula para, só então, promover o registro especial. Se não for possível, deve

então ser promovido o registro especial em cada uma das áreas distintas.59

Estas são, então, as principais regras para proceder ao registro público dos

loteamentos ou desmembramentos. Assim, como estes empreendimentos promovem a

expansão horizontal das cidades é necessário que este procedimento rigoroso seja

seguido para seja parcelado o solo urbano de modo regular.

Destaque-se que o universo do parcelamento do solo urbano regular é o da

prevenção:

Primeiro se colhem as diretrizes, depois se aprova o projeto (e só aí se

pode interferir fisicamente na gleba, iniciando as obras) e se registra o

loteamento ou desmembramento (e só aí se pode iniciar as vendas),

tudo, ainda, sob rígido controle de implantação e entrega das obras de

infraestrutura. Assim, o parcelamento do solo é um plano (ainda que

“de pormenor”) no planejamento maior da cidade, que passa, antes da

atividade humana interventiva no meio ambiente urbano, por estreito

filtro de controle de legalidade, de estudos de impacto ambiental

(EIA) e de vizinhança (EIV), exigível conforme o tipo de

empreendimento, de licenciamento urbanístico e ambiental. E, por

isso, tem uma importante função social no equilíbrio urbanístico e

ambiental que se impõe para o desenvolvimento sustentável das

cidades.60

58 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos

especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 134. 59 Idem, p. 134. 60 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 29.

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57

Por fim, cabe advertir que antes de adquirir uma gleba para implantação de

empreendimento imobiliário, seja através de parcelamento do solo ou de instituição de

um condomínio, é necessário verificar as limitações, impedimentos ou restrições

impostas pelo poder público municipal, estadual ou federal.

Sabemos que o panorama regulatório e interventivo na esfera da propriedade

privada é crescente, até porque crescente também é a complexidade urbanística de

nosso tempo.61 Com este entendimento:

Hoje vivemos, para além das restrições civis de vizinhança e de tutela

coletiva por convenções urbanísticas e condominiais, a ampliação das

limitações administrativas impostas em ordem ao bem comum das

cidades. Assim, multiplicam-se: a) os índices e parâmetros

urbanísticos: recuos, afastamentos, gabarito, taxa de ocupação, índice

de cobertura vegetal, taxa de permeabilidade, coeficiente de

aproveitamento (mínimo, básico e máximo; único ou por regiões;

utilizado e virtual), fração mínima de parcelamento, área e frente

mínima de lote etc.); b) os espaços zoneados e os critérios de

zoneamento: zoneamento de uso, de interesse social, ambiental,

cultural; agrupamento de zonas, macrozonas, sobreposição de

zoneamento; zona costeira, zona de delimitação de mata atlântica etc.;

c) mapas, cadastros e delimitações de áreas destinadas à intervenção

ou à preservação: áreas suscetíveis de parcelamento, edificação ou

utilização compulsórios; áreas suscetíveis de outorga onerosa de

direito de construir e de transferência de potencial construtivo; áreas

suscetíveis de preempção pelo município e de desapropriação; áreas

de preservação ambiental; mapeamento de áreas de risco; cadastros de

áreas contaminadas; imóveis, regiões e bairros tombados etc.62

Em remate, para que ocorra o parcelamento é necessário atentar para todas as

restrições urbanísticas, ambientais e os requisitos técnicos impostos pela administração

pública, a fim de assegurar o desenvolvimento planejado e sustentável da cidade, e

ainda, que seja destinado a todos os seus habitantes de forma democrática e sem

discriminação.

61 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 71. 62 Idem, p. 72.

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2 EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS, UMA

TENDÊNCIA EM BUSCA POR SEGURANÇA E SERVIÇOS

Os residenciais fechados são uma realidade que surgiu em razão da

ineficiência do estado na prestação dos serviços públicos. Trata-se de uma realidade que

já está posta e que deve ser regulamentada para que os impactos da sua implementação

sejam previstos e controlados.

2.1 Condomínio tradicional ou comum com múltiplas frações em burla a lei do

parcelamento do solo

Os condomínios, modalidade habitacional privada, estão cada vez mais

presentes na sociedade moderna, seja por conta do adensamento populacional

característico do século XX, seja pelo crescimento da população, ou pela complexidade

das relações modernas.

Para compreensão do nosso estudo é fundamental conceituar e apontar as

consequências jurídicas desta forma de propriedade. Condomínio é gênero do qual o

condomínio tradicional ou comum e o condomínio especial ou edilício são espécies.

Acerca das duas espécies de condomínios, o condomínio tradicional/ comum

e o condomínio especial por unidades autônomas:

O condomínio geral se caracteriza pela apropriação de uma coisa,

simultaneamente, por dois ou mais titulares (condôminos), na

proporção dos quinhões que adquiriram; os direitos de propriedade

dos condôminos são exercidos em comunhão, e não isoladamente; no

condomínio geral a coisa permanece indivisa, sem “demarcação” do

quinhão de cada condômino, salvo quando o imóvel for divisível,

hipótese em que se admite a extinção do condomínio, efetivando-se a

divisão de comum acordo ou mediante procedimento judicial. A

fruição de cada condômino se dá na proporção do quinhão que

adquiriu; nenhum condômino pode dar posse, uso e gozo de seu

quinhão sem assentimento dos demais condôminos; na hipótese de

alienação do quinhão, o condômino tem preferência perante estranhos.

Já o condomínio especial, por unidades autônomas, se caracteriza pela

divisão do imóvel (i) em partes independentes, atribuídas à

propriedade e ao uso individual e exclusivo do respectivo titular, e (ii)

em partes comuns, que são de propriedade e uso coletivo de todos os

titulares das unidades autônomas. Conjugam-se, assim, num mesmo

imóvel, duas espécies de direito de propriedade: (i) a propriedade

individual, que é atribuída a cada condômino e tem como objeto

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unidades autônomas, e (ii) a propriedade comum, que é atribuída em

copropriedade a todos os condôminos e tem como objeto o solo sobre

o qual é implantado o condomínio, as vias de circulação interna e

outras áreas de uso comunitário. Institui-se essa espécie de

condomínio por meio de divisão do terreno em frações ideais,

abrangendo a totalidade da gleba, e sua vinculação a unidades

autônomas, que são individualizadas e demarcadas.63

Em regra, a propriedade de um objeto é individual, pertencendo a apenas uma

pessoa. Essa é a noção tradicional de propriedade, assenhorar um bem com exclusão

total de outros sujeitos. Mas, há situações excepcionais em que uma ou duas pessoas são

proprietárias simultaneamente da mesma coisa, sendo este fenômeno denominado

condomínio, compropriedade, indivisão ou comunhão.

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira:

quando os direitos elementares do proprietário (CC, art. 1.228)

pertencerem a mais de um titular, existirá o condomínio ou domínio

comum de um bem. Configura-se este, portanto, quando determinado

bem pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual

direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes.64

As duas características mais marcantes nesse regime do condomínio comum

são a titularidade coletiva, entre duas ou mais pessoas, e o domínio de cotas, sem que

nenhum dos condôminos possua sozinho uma coisa determinada.

Desenvolvendo esta definição, Márcio e Monete Serra estabelecem que:

em primeiro lugar, existe cotitularidade dominial sobre uma mesma

coisa. Assim, somente existirá condomínio quando mais de uma

pessoa for dona, ao mesmo tempo, de um mesmo bem. Sempre que

apenas uma pessoa for proprietária de um bem, estará

descaracterizado o regime do condomínio. Contudo, nem sempre que

duas pessoas forem proprietárias, ao mesmo tempo, de um mesmo

bem, ocorrerá o condomínio. Para que isso seja adequadamente

explicado, é necessário antes compreender a segunda característica

básica do condomínio, a das cotas ideais. O regime jurídico que rege o

condomínio ordinário é o de cotas (ou também frações) ideais sobre a

coisa, possuindo cada condômino uma percentagem sobre o todo, sem

que seu direito incida sobre parte determinada. O direito de cada

condômino incide sobre o todo, indistintamente. Se sou condômino de

63 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009. 64 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil – Direitos reais. 29. ed. São Paulo:

Saraiva, 2016. v. IV, p. 175.

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uma casa, não é possível determinar a “parte” que me cabe e a “parte”

que cabe aos demais condôminos. Seria o caso, digamos, de ser

“meu” o rol de entrada, a cozinha e a suíte, e o restante, como sala de

jantar, quartos e banheiros, dos demais. Tal divisão pode até ocorrer

faticamente, mas se dará o primeiro passo para a extinção do

condomínio comum, atribuindo área certa e determinada para cada um

dos coproprietários.65

O regime de condomínio comum em que os coproprietários possuem apenas

frações ideais do todo, sem parte certa e determinada no solo, não pode ser utilizado

como meio para burlar a lei de parcelamento do solo urbano ou de condomínio edilício.

Explica-se, há casos em que as múltiplas alienações de frações ideais evidenciam que a

propriedade é na verdade utilizada como modalidade de residencial fechado de vários

coproprietários sem qualquer ligação entre si e que não cumpriu nem a legislação

urbanística da Lei 6.766/79, nem a legislação que permite a criação de unidades

autônomas individuais da Lei 4.591/64.

Esses empreendimentos estão em situação de patente ilegalidade e o registro

das alienações das frações deve ser obstado pelo Oficial de Registro de Imóveis, o qual

tem a função de zelar pelo cumprimento das leis e normas vigentes. Para o fim de

identificar o condomínio comum como fraude, é necessário conhecer as suas

classificações. Assim, vale verificar que admite-se três critérios de classificação: (i)

quanto à sua origem, (ii) quanto ao objeto ou conteúdo e (iii) quanto à forma ou divisão.

Um dos critérios para verificação da fraude está na identificação da origem

da copropriedade. Em relação à sua origem, o condomínio comum poder ser

convencional, eventual ou necessário. O condomínio comum convencional é aquele

originado pela vontade das partes. O condomínio comum eventual é resultado da

vontade de um terceiro, como, por exemplo, um doador ou um testador. O condomínio

comum necessário ou legal é aquele imposto pela lei, como no caso do art. 1.327 do

Código Civil que estabelece a meação de muros, cercas e paredes. Quando não há

qualquer desses vínculos de origem entre os proprietários das frações ideiais há grande

indício de que houve a fraude.

65 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos

especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 86-87.

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Outra questão diz respeito ao objeto. Em relação ao objeto do condomínio

comum ele pode ser universal ou singular. O condomínio comum universal é aquele em

que o condomínio recai sobre todos os bens, como no caso da comunhão hereditária. O

condomínio comum singular é aquele que abrange apenas uma coisa determinada, por

exemplo um muro divisório. A análise do objeto pode denunciar que os condôminos

não querem ter a propriedade comum de um único prédio.

Finalmente, quanto à forma ou divisão o condomínio comum pode ser pro

indiviso ou pro diviso. Ele também pode ser transitório ou permanente. Acerca do

condomínio comum pro indiviso ou pro diviso eles serão classificados de acordo com a

utilização de parte certa e determinada (pro diviso) da coisa ou de parte indivisa e

indeterminada (pro indiviso). O condomínio comum será transitório quando

convencional e eventual, podendo ser extinto a qualquer tempo por vontade de qualquer

condômino. O condomínio comum será permanente quando for criado por disposição

legal, perdurando enquanto existir a situação que o criou. O condomínio comum não

admite que a propriedade seja registrada sobre parte certa e determinada do terreno em

correspondencia à fração ideal que o condômino possui. O título de propriedade que

estabelece essa peculiaridade não tem ingresso no registro de imóveis.

Socorrendo-nos às palavras de Flávio Tartuce:

Nesse contexto de dedução, a respeito da estrutura jurídica do

condomínio, entre os clássicos, leciona Washington de Barros

Monteiro66 que o Direito Brasileiro adotou a teoria da propriedade

integral ou total. Desse modo, há no condomínio uma propriedade

“sobre toda a coisa, delimitada naturalmente pelos iguais direitos dos

demais consortes; entre todos se distribui a utilidade económica da

coisa; o direito de cada condômino, em face de terceiros, abrange a

totalidade dos poderes imanentes ao direito de propriedade; mas, entre

os próprios condôminos, o direito de cada um é autolimitado pelo de

outro, na medida de suas quotas, para que possível se torne sua

coexistência”. Como se pode perceber [...] o condomínio tem natureza

real, havendo um conjunto de coisas e não de pessoas. Desse modo, o

condomínio não tem natureza contratual, sendo regido pelos

princípios do Direito das Coisas. Apesar da falta de previsão literal, o

66 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. Direito das coisas. 37. ed. por

Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 3, p. 205-206.

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condomínio pode ser enquadrado no inciso I do art. 1.225 pela

menção que se faz à propriedade (copropriedade).67

Deste modo, o condômino é coproprietário do bem, podendo exercer os

direitos de usar, fruir, dispor e reivindicar a coisa comum, mas, sempre exercendo estes

poderes, de maneira limitada pela comunhão dos demais condôminos. Em linhas gerais,

no condomínio comum o exercício dos direitos dos proprietários está limitado pelos

direitos concomitantes e que incidem sobre a totalidade da coisa dos demais.

A fim de criar pacificação e harmonia social o condomínio comum pode ser

extinto através de acordo entre as partes ou através de decisão judicial. Se o bem for

divisível a divisão poderá ser feita de maneira amigável, sendo todos os condôminos

maiores e capazes, ou judicial, havendo algum condômino incapazes ou havendo

divergência entre os condôminos.68

Se o bem comum for indivisível a fragmentação dependerá da venda da coisa

comum, conforme disciplina do art. 1.322 do Código Civil.

Passa-se agora a analisar o condomínio especial de casas, apontando as

diferenças entre ele e o condomínio de lotes, objeto de nosso estudo.

2.2 Condomínio Fechado de Casas Térreas ou Assobradadas e suas limitações

legais

Neste ponto do estudo faremos uma análise da lei Lei 4.591/64, que dispõe

acerca dos condomínios em edificações e as incorporações imobiliárias e suas

limitações legais para a implantação em relação ao crescimento da urbe. Em outros

termos, esta lei cuida da disciplina da modalidade do condomínio especial ou edilício

que regula tanto o condomínio de unidades autônomas em prédios de apartamentos,

como também o de casas assobradadas, que deve seguir as mesmas limitações e padrões

do primeiro.

A Lei 4.591/64 dispõe acerca dos condomínios em edificações (condomínios

especiais) e as incorporações imobiliárias. Com fulcro nas clássicas lições de Caio

67 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil – volume único. 5. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 2831. 68 Art. 2.016 do Código Civil brasileiro.

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63

Mario podemos definir que esta legislação cuida dos condomínios, como instituto em

que há uma fusão de direitos, configurando uma simbiose orgânica que cria uma

“relação subjetiva una e uma relação objetiva dicotômica”.69

A relevância do estudo aprofundado destes institutos está justificada pelo fato

de que a disciplina jurídica dos condomínios de lotes difere do tratamento dado pela Lei

de Parcelamento do Solo, anteriormente estudada, e também do tratamento dado por

esta legislação que cuida dos condomínios edilícios ou especiais.

Neste passo, vale observar que para instituição e constituição de um

condomínio especial basta estabelecer uma convenção de condomínio e um regimento

interno, procedimento infinitamente mais simplificado que aquele destinado aos

loteamentos.

Desse modo, não se pode confundir as figuras do loteamento e

desmembramento com as modalidades privadas condomínio. Como é cediço, no

loteamento e desmembramento as áreas comuns são de titularidade pública, enquanto

nos condomínios toda extensão do empreendimento é privada.

Na ausência do registro de instituição do regime especial de condomínio

edilício, o que há é o condomínio tradicional ou comum.

Ressalta-se que por muitas décadas esta legislação regulou sozinha a questão

dos condomínios especiais, entretanto, com a publicação do Código Civil brasileiro de

2002, alguns dispositivos da Lei 4.591/64 foram tacitamente revogados, sendo a matéria

disciplinada, também, nos arts. 1.331 e seguintes do Código Civil.

O condomínio especial ou condomínio edilício é caracterizado pela soma de

uma propriedade privativa ou autônoma e uma propriedade comum. A área privativa é

de titularidade exclusiva de um condômino e é, geralmente, constituída por

apartamentos, escritórios, salas comerciais, lojas, sobrelojas ou garagens.

Ao mesmo tempo, o proprietário da área privativa possui a titularidade de

uma fração ideal da área comum, pertencente a todos os condôminos do edifício, na

69 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.

p. 93 e 171.

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maioria das vezes representada por áreas de lazer, estrutura dos prédios, telhado, rede de

distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, entre outros.

Conforme o art. 1.331 do Código Civil:

Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e

partes que são propriedade comum dos condôminos.

§ 1º. As partes suscetíveis de utilização independente, tais como

apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas

frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a

propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente

por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não

poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ou condomínio,

salvo autorização expressa na convenção de condomínio.

§ 2º. O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de

distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e

refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao

logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não

podendo ser alienados separadamente, ou divididos.

§ 3º. A cada unidade imobiliária caberá, como parte inseparável, uma

fração ideal no solo e nas outras partes comuns, que será identificada

em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do

condomínio.

§ 4º. Nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao

logradouro público.

§ 5º. O terraço de cobertura é parte comum, salvo disposição contrária

da escritura de instituição de condomínio.

Assim, conforme o art. 1.331 do Código Civil,

caracteriza-se o condomínio edilício pela apresentação de uma

propriedade comum ao lado de uma propriedade privativa. Cada

condômino é titular, com exclusividade, da unidade autônoma

(apartamento, escritório, sala, loja, sobreloja, garagem) e titular de

partes ideais das áreas comuns (terreno, estrutura do prédio, telhado,

rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade,

calefação e refrigeração centrais, corredores de acesso às unidades

autônomas e ao logradouro público etc.).70

Acerca deste tema Melhim Chalhub estabelece que:

O condomínio especial, composto por apartamentos ou casas,

caracteriza-se pela divisão do terreno em quinhões, aos quais essas

unidades imobiliárias se vinculam; foi inicialmente regulamentado

pela Lei 4.591/64 e é atualmente disciplinado pelos arts. 1.331 a 1.358

do Código Civil de 2002. Caracterizam-se os apartamentos e as casas

70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 2 – Contratos em espécies e direitos das coisas. São

Paulo: Saraiva, 2015. p. 1.219.

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como unidades imobiliárias autônomas, cuja propriedade é atribuída

com exclusividade a cada condômino, propriedade esta que existe

conjugada a áreas de copropriedade desses condôminos (vias de

circulação, portaria, etc.).71

O art. 8º da Lei 4.591/64 prevê a possibilidade da aplicação do regime do

condomínio especial para um conjunto de casas térreas ou assobradas que constitui um

condomínio também denominado pela doutrina por condomínio deitado, ou ainda

vertical, ou até mesmo horizontal. Este último nome, condomínio horizontal, também é

utilizado pela doutrina civilista para se referir ao condomínio edilício dos prédios

urabnos. Como não há unanimidade, utiliza-se aqui a nomenclatura dada pela lei,

condomínio de casas térreas ou assobradadas ou condominio especial de casas.

Em relação à este condomínio especial de casas é necessário atentar que

continua sendo obrigatória a existência de áreas comuns e áreas privativas para sua

configuração. A área privativa é a área construída da unidade autônoma de cada

condômino, o qual terá livre disposição dessa propriedade independentemente da

manifestação dos demais proprietários. Essa área construída é estabelecida no momento

da instituição do condomínio e não poderá ser livremente alterada pelos proprietários

individualmente. Isso porque, da mesma forma que em um condomínio de prédio, um

morador não pode aumentar a área de seu apartamento e construir uma sacada, também

nesse residencial de casas não podem alterar a metragem construída, o que implicaria

alteração do percentual de construção de todo o empreendimento. Somente por

alteração do registro da especificação é que pode haver esse tipo de modificação pelos

condôminos, alterando todo o residencial.

A regulamentação das áreas internas é feita por meio da convenção de

condomínio, que disciplina o uso das áreas comuns pelos moradores. É possível que

haja ainda mais restrições específicas para manutenção de um padrão dessas

residências, como materiais utilizados, cor, recuo, dentre outras. O raciocínio é o

mesmo utilizado para os edifícios de unidades autônomas em que há grandes limitações

que devem ser observadas pelos condôminos.

71 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.

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66

Em linhas gerais, o condomínio especial da Lei 4.591 de 1964 foi pensado

para um residencial que não implique grande expansão urbana, suas restrições revelam

um tipo de residencial vinculado às acessões e que portanto, necessita da aprovação da

construção pelo município. Essa aprovação deve levar em consideração o traçado

urbano e os impactos no seu entorno, exatamente da mesma forma que o faz para a

aprovação dos arranha-céus de alto adensamento populacional.

No entanto, há casos em que esta modalidade habitacional é utilizada para

fraudar a lei de parcelamento do solo urbano e, nestas situações, não deve o registro de

imóveis proceder ao registro. Acerca desta situação:

Há diversos casos em que foi negada a instituição do condomínio

edilício pelo registro de imóveis pelo fato de a propriedade comum

prevista ser tão irrisória que descaracteriza o instituto, configurando

verdadeira tentativa de burlas às leis do uso e ocupação do solo, em

especial, a lei de loteamento. Por exemplo: João é proprietário de um

terreno de esquina de 200,00 metros quadrados. Ele não consegue o

desdobro do terreno pelo fato de os terrenos resultantes não terem,

cada um, o mínimo de 125,00 metros quadrados, embora pudessem ter

mais de 5,00 metros de confrontação com a via pública, por ser

esquina (vide art. 4º, II, da Lei 6.766/79). Intencionando construir dois

sobrados para vender, ele elabora projeto com o intuito de instituir,

futuramente no registro de imóveis, o condomínio especial. Cada

sobrado ocupa área certa, determinada e exclusiva, com saída própria

direta para a via pública, com medido próprio de água, luz e esgoto.

Não possuem nada de área comum, a não ser a caixa de água e os

muros e as paredes que separam uma construção da outra. Tal situação

constitui óbvia tentativa de burla a lei de parcelamento do solo e deve

ser recusada pelo registrador por não configurar a existência real do

condomínio edilício.72

Como mencionado, o condomínio de casas, apesar de previsto e aceito pela

legislação vigente e pela jurisprudência, também implica expansão do traçado urbano

por empreendimento privado, necessariamente com fracionamento do solo e isolamento

por muros ou cercado. Dessa forma, as críticas e sugestões que se fazem neste trabalho

à disciplina jurídica dos condomínios de lotes também se aplicam a esta modalidade de

empreendimento, embora não seja o objeto principal do presente estudo.

Cumpre destacar ainda que pode haver a instituição do condomínio edilício

mesmo com a existência de apenas um proprietário, conforme interpretação sistemática

72 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos

especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 94.

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da obra de Caio Mario. Inicialmente o autor dispôs que “o primeiro elemento natural da

propriedade horizontal é a pluralidade subjetiva, pois que se há um prédio composto de

vários apartamentos, porém pertencente na sua integralidade um só dono, não há falar,

por inutilidade econômica e por desnecessidade jurídica, em propriedade horizontal”.73

Em outro momento o mesmo doutrinador afirma que “a alienação que o

proprietário exclusivo de um edifício faça, desmembrando-o em unidades autônomas,

importa, pela multiplicação de proprietários, na criação da propriedade horizontal, como

a venda em hasta pública por andares destacados, no propósito de lograr melhor preço

do que o leilão do prédio em globo”.74

Deste modo, a permissão da instituição do condomínio edilício com apenas

um proprietário tem o objetivo de viabilizar a venda das unidades autônomas, após a

construção. Para isso, é necessário também o registro concomitante da convenção e do

regimento interno, evitando, assim, situação litigiosa futura, em que a convenção não

esteja ainda registrada e dependente da aprovação dos novos titulares das unidades

autônomas. É instituição condicional, útil diante da necessidade econômica da vida

moderna, mas que somente configura efetivamente o condomínio edilício com a

concreta pluralidade de proprietários.75

A relevância do estudo aprofundado deste instituto está justificada pelo fato

de que os condomínios de lotes merecem tratamento diverso do dado pela Lei de

Parcelamento do Solo, anteriormente estudada, e também do tratamento dado para o

condomínio especial de casas. Assim, ao invés de o poder público determinar a

irregularidade dos condomínios de lotes, seria melhor, considerando a vasta utilização

desta modalidade habitacional em nosso país, que haja sua regulamentação.

Como visto, condomínios especiais de casas determinam que a construção

das unidades autônomas e privativas esteja vinculada ao terreno. Assim, não há

possibilidade de alienação de terrenos para futuras construções, como ocorre nos

condomínios de lotes.

73 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1971.

p. 112. 74 Idem, p. 109. 75 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos

especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 96.

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A doutrina aponta algumas diferenças entre os condomínios comuns e os

condomínios especiais que podem ser apontadas: o condomínio comum pode ser dotado

de transitoriedade, permitindo a legislação que a indivisão seja estabelecida em

contrato, por um prazo máximo de cinco anos. Por outro lado, o condomínio especial é

insuscetível de divisão.

No condomínio comum não deve ser permitido, no registro do imóvel, o uso

de parte certa por um proprietário, situação denominada de uso exclusivo. Mesmo que o

uso exclusivo exista faticamente não pode ser submetido ao registro no Cartório de

Imóveis, sob pena de configurar etapa da extinção do condomínio comum. Já no

condomínio especial, o uso exclusivo apenas é vedado para as áreas comuns. O uso

exclusivo das áreas exclusivas é inerente ao próprio conceito de condomínio especial.

Em relação à alienação da propriedade condominial, no condomínio comum

deve ser obedecido o direito de preferência conferido aos condôminos entre si; por outro

lado, no condomínio especial, a área comum é inalienável e as unidades autônomas

podem ser alienadas sem que haja direito de preferência aos demais condôminos.

Para a constituição do condomínio comum há necessidade de pluralidade de

condôminos; isto não ocorre no condomínio especial, que pode possuir apenas um

titular para sua criação. Em outras palavras, para a efetiva constituição do condomínio

especial não é necessária a pluralidade de condôminos, mas, posteriormente, para que

subsista o condomínio especial é necessária a pluralidade de condôminos.

Também, o condomínio comum pode ser aplicado a imóveis sem construção,

enquanto o condomínio especial exige a existência de uma área construída.

Por fim, a última diferença a ser apontada acerca dos condomínios comuns e

especiais: o condomínio comum não exige um ato formal de constituição, além da

própria pluralidade de condôminos, enquanto o condomínio especial necessita de um

ato formal registrado para a sua instituição e especificação de suas unidades.

2.3 Loteamento fechado com acesso controlado mediante autorização do Porder

Público e a supremacia do interesse público

Loteamento fechado ou loteamento de acesso controlado é modalidade de

parcelamento do solo que não possui disciplina legal, apesar de ser em parte aceito pela

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doutrina e jurisprudência. Em linhas gerais, “loteamento fechado”, melhor denominado

de acesso controlado, é modelo de desenvolvimento urbano que se classifica no regime

próprio de loteamento, cujo perímetro é cercado ou murado, com acesso controlado ao

núcleo urbano, concebido para agregar segurança e qualidade de vida.76

Outro conceito de loteamento fechado é dado por Luiz Antônio Scavone

Junior,

o loteamento fechado nada mais é que o resultado da subdivisão de

uma gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas

vias de circulação e de logradouros púbicos, cujo perímetro da gleba

original, ao final, é cercado ou murado de modo a manter aceso

controlado. Nesse caso, os proprietários, mediante regulamento

averbado junto à matrícula do loteamento, são obrigados a contribuir

para as despesas decorrentes da manutenção e conservação dos

espaços e equipamentos públicos que passam ao uso exclusivo por

contrato administrativo de concessão entre o Município e uma

associação criada para esse fim.77

Acerca da evolução histórica desta modalidade de empreendimento:

O loteamento fechado surge a partir da metade do século XX, como

forma de suprir na prática a deficiência dos serviços públicos básicos

de limpeza, conservação e segurança; no loteamento fechado, esses

serviços são administrados e custeados pelos moradores, por meio de

uma associação de moradores ou sociedade assemelhada. O fenômeno

não ocorre exclusivamente em nosso país, mas se espraia mundo

afora: “os barrios cerrados, na Argentina, os fraccionamentos

cerrados, no México, os gated communities norte americanos e os

nossos loteamentos residenciais fechados e condomínios de casas

térreas ou assobradas são alguns dos tipos que respondem a essa

demanda social”.78

Podemos verificar que o que difere o loteamento fechado do loteamento

comum, regulado pela Lei 6.766/79, é o fato de aquele ser murado ou cercado enquanto

este é aberto. Assim, há alteração na estrutura urbanística, pois o loteamento fechado

possui entrada controlada, sob o argumento da garantia da segurança dos moradores.

76 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 15. 77 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário. Teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p. 111. 78 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 112, jul.-dez. 2009.

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70

Eleusina Lavôr Holanda de Freitas, em sua tese de doutorado apresentada a

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sob a orientação

de Erminia Maricato entende pela ilegalidade dos loteamentos fechados com

fundamento em uma possível distorção legal que beneficia o setor imobiliário e os

futuros proprietários de lotes fechados:

A ilegalidade se dá pelo fechamento de áreas que são públicas, de uso

comum do povo. Entretanto, perante o Registro de Imóveis, trata-se

de loteamentos legais, registrados conforme a Lei Federal de

parcelamento do solo 6.766/79. A falta de controle urbano sobre os

fechamentos de ruas e praças e a invisibilidade desta informação nos

cadastros imobiliários fazem com que o fato seja ignorado tanto pelas

prefeituras como pelo estado e pelo Ministério Público.

A legalidade cartorial permite a livre comercialização de lotes em

loteamentos fechados sem que a ilegalidade do fechamento de ruas e

praças interfira de forma negativa nas operações de compra e venda.79

Para Eleusina, esta

é uma figura híbrida, que mescla características do loteamento

convencional, instituído pela Lei Federal 6.766/79 com a figura do

condomínio horizontal de casas, regulamentado pela Lei Federal

4.591/64. A seguir apresentaremos as duas leis enfatizando as

diferenças entre as mesmas no que tange à propriedade das áreas

comuns e as respectivas responsabilidades sobre elas, a forma de

fracionamento das unidades habitacionais. 80

Com entendimento semelhante Francisco de Assis Gonçalves Junior, em sua

tese de Doutorado apresentada a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da

Universidade de São para obtenção do título de Doutor em Geografia, argumenta pela

ilegalidade de qualquer empreendimento residencial fechado, neles abrangendo os

condomínios de lotes:

Os loteamentos fechados se estruturam sobre essa condição de

produto do mercado imobiliário, com isso o objetivo principal torna-

se atender os interesses dos envolvidos na consolidação desses

empreendimentos, e não de realizar um planejamento que visa atender

as funções sociais e, por consequência, a sustentabilidade urbana em

seu aspecto mais amplo.

79 FREITAS, Eleusina Lavôr Holanda de. Loteamentos fechados. Tese (Doutorado). 2008. Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, p. 96. 80 Idem, p. 97.

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A sustentabilidade urbana deve ter no desenvolvimento econômico

um aliado na promoção de habitação, do trabalho, do lazer, da

educação, da saúde, da infraestrutura básica representada inclusive por

uma infraestrutura viária que garanta o livre direito de circular na

cidade.

Nos loteamentos fechados os bens públicos internos atendem apenas

aos interesses de seus próprios moradores, barrando o

desenvolvimento da função social da cidade, pois desde o fechamento

do loteamento características básicas são afetadas, como o acesso a

áreas de lazer e a circulação livre da população pelas ruas da cidade.81

Este autor argumenta que dois fatores contribuem para a proliferação dos

empreendimentos fechados, neles incluindo os condomínios de lotes:

Dessa constatação surge o questionamento: se os loteamentos não

podem ser fechados de forma a restringir o livre acesso as áreas

públicas, o que explica a forte proliferação deste tipo de

empreendimento no Brasil? A resposta se assenta em duas situações: a

irregularidade ou a aquisição junto à esfera municipal da concessão de

direito real de uso das áreas públicas, prevista pelo Art. 7o do Decreto

Lei 271/67, que dispõe sobre loteamento urbano a responsabilidade do

loteador e a concessão de uso.82

Quanto às concessões mencionadas:

Essa concessão se refere às vias públicas, espaços livres e espaços

institucionais (locais reservados a prédios públicos), áreas estas que

permanecem públicas quando há realização de um loteamento. Por

serem áreas de competência inteiramente municipal, são passíveis de

fechamento e utilização exclusiva por parte da comunidade, caso a

prefeitura verifique que o loteamento possui relação com os interesses

sociais, como destaca o artigo citado.

Já os condomínios horizontais são amparados pela Lei Geral dos

Condomínios 4.591/64, que dispõe sobre condomínios em edificações

e sobre as incorporações.

Segundo a Lei 4.591/64, essa forma de parcelamento do solo é

caracterizada pela edificação ou pelo conjunto de edificações de um

ou mais pavimentos, ou ainda pela construção de casas, prédios, salas

e lojas em uma gleba de terra única dividida em vários terrenos. Esses

terrenos, ou cada unidade dessa gleba constitui uma propriedade

autônoma, mesmo sem o parcelamento formal do solo urbano83.

81 GONÇALVES JUNIOR, Francisco Assis. Paisagem e sustentabilidade urbana: o papel dos

loteamentos fechados e condominios horizontais em Vinhedo – SP. Tese (Doutorado em Geografia).

2015. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo,

p. 86. 82 Idem, p. 88. 83 MOURA, G. G. Condomínios horizontais/loteamentos fechados e a vizinhança (in) desejada: um

estudo em Uberlância/MG. Uberlândia: Tese (Doutorado em Geografia) – Instituto de Geografia,

Universidade Federal de Uberlândia (UFU), 2008.

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Assim, essas unidades não podem ser servidas por vias públicas em

seu interior, portanto o que possuem são apenas áreas de circulação e

áreas comuns (não possuem logradouros públicos). Serviços e

equipamentos públicos instalados dentro dos condomínios são de

propriedade dos condôminos. Cada condômino tem o direito de usar e

fruir, com exclusividade de sua unidade autônoma, condicionados às

normas de boa vizinhança, podendo usar as partes comuns de maneira

a não causar dano ou incômodo aos demais moradores. As áreas

comuns internas são consideradas privativas e também de

responsabilidade dos condôminos, que pagam uma taxa condominial

para manutenção destas áreas, sendo está proporcional ao tamanho da

área de cada unidade autônoma, ou seja, todos os proprietários

também são donos de parte das áreas comuns, mas o pagamento por

sua manutenção ocorre perante o cálculo da fração ideal de cada

terreno comercializado individualmente no empreendimento, este é o

fato que justifica a denominação “condomínio”. 84

Diante dos argumentos expostos, não resta dúvida de que este não é o melhor

instrumento para a constituição das almejadas habitações residenciais fechadas, pois

segrega o espaço público dos habitantes da cidade em benefício de alguns moradores

locais. Como será visto, demonstra-se melhor o planejamento controlado deste tipo de

empreendimento residencial sob a forma de condomínio de lote, com legislação que

preveja a sua melhor forma de implantação.

Contudo, prevalece o entendimento de que não padece de ilegalidade o

fechamento se a autoridade municipal, diante das peculiaridades locais, verifica que em

determinada situação mais adequado se afigura a permissão das vias públicas para o

residencial que a manutenção pelo Poder Público. Por exemplo, uma área em que já não

há circulação de pessoas estranhas aos moradores locais e que gera um alto custo de

manutenção de serviços públicos, enquanto beneficia apenas aquelas mesmas pessoas.

O município atua sempre em conformidade com a supremacia do interesse

público sobre o interesse particular, e nessa medida é que deve ser autorizado o

fechamento quando as circunstâncias demonstrarem ser essa a melhor decisão a ser

tomada.

84 GONÇALVES JUNIOR, Francisco Assis. Paisagem e sustentabilidade urbana: o papel dos

loteamentos fechados e condominios horizontais em Vinhedo – SP. Tese (Doutorado em Geografia).

2015. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo,

p. 88-89.

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No sentido da legalidade dos loteamentos fechados, a lição de Flauzilino

Araújo dos Santos:

Entendemos que, por sua estabilidade doutrinária e jurisprudencial, a

figura do loteamento fechado encontra-se hígida em nosso

ordenamento. Não há imoralidade, ilegalidade, ou

inconstitucionalidade alguma em loteamento que tenha essa

qualidade, atendidas as legislações municipais específicas que

estabelecem políticas urbanísticas e que disciplinam o fechamento do

loteamento e a concessão ou permissão de uso de ruas, outros espaços

ou serviços público, por associação de proprietários. Porém, para

exprimir no fólio real a verdade do solo e as reais aspirações do

empreendedor e dos adquirentes dos lotes, o condomínio de lotes

apresenta-se como instituto mais apropriado e com força de mais

tutela de direitos do que o loteamento fechado. Aliás, a própria lei

registral (n. 6.015/1973, art. 213) e a mais eminente das leis civis (CC,

artigo 1.247) fomentam a retificação do registro inexato para adequa-

lo aconfiguração física do imóvel, tanto no plano geodésico quanto no

urbanístico, bem como dos direitos reais inscritos, a fim de que o

registro espelhe a realidade da comunidade condominial.85

Não é diferente o entendimento de Vicente Celeste Amadei e Vicente de

Abreu Amadei para quem os loteamentos fechados são dotados de legalidade:

São legais, em nosso ver, quando aprovados, em conformidade com a

legislação Municipal urbanística, e não houver impedimento, mas

apenas controle de acesso. A falta de previsão da figura dos

“loteamentos fechados” em Lei Federal não é razão de

antijuridicidade alguma, uma vez que os Municípios têm autonomia,

assegurada constitucionalmente, para a disciplina do assunto, quer

urbanística, quer administrativa, inclusive para concessão de fins

urbanísticos de vias e áreas públicas, em favor de associações de

moradores ou proprietários de lotes, que exercem o controle de acesso

ao núcleo habitacional.

Basta, pois, a previsão legal Municipal específica (a exemplo de

vários Municípios do Estado de São Paulo como o da Capital, de

Campinas, de São José dos Campos etc.). Cogitar, de lege ferenda, em

previsão legal federal, convém, mas não é necessária à legalidade dos

“loteamentos fechados”, desde que eles tenham lastro em Lei

Municipal e sejam aprovados. [...]

Não se ignora, por outro lado, que as vias de circulação, praças e

espaços livres são de domínio do Município, nem se nega o direito

constitucional à liberdade de locomoção de qualquer um do povo. Por

isso, impedir o acesso é ilegal; mas apenas exercer o seu controle não

é. Entenda-se: não se deve confundir proibição à liberdade de ir e vir

(que é vedada) com controle de acesso – mera forma de agregar

segurança pela verificação de identidade e interesse da pessoa no

85 SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros

Públicos de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 338

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ingresso ao núcleo habitacional – em “loteamentos fechados”, que,

repita-se, melhor seriam denominados loteamentos de acesso

controlado.86

Nota-se, contudo, que pesar da ausência de legislação federal, muitos

municípios regulam a matéria admitindo esta modalidade habitacional. Não obstante

reconhecida a constitucionalidade da legislação municipal sobre permissão de uso de

áreas de domínio público localizadas em loteamentos, o “fechamento” não supre de

forma plena e satisfatória essa espécie de demanda social. É figura anômala,

juridicamente e socialmente precária, pode contribuir para o aumento da desordem

urbana e tem ainda o inconveniente de sobrecarregar o Judiciário com demandas

relacionadas à cobrança de taxa de manutenção, como demonstra a farta jurisprudência

sobre a matéria.87

É certo que o Direito Urbanístico proíbe que sejam criados feudos fechados

no núcleo urbano que sirvam de barreiras para impedir que os cidadãos da urbe

possuam acesso aos logradouros públicos.

No entanto, o direito à segurança e ao sossego dos habitantes que desejam

viver em locais com restrições de acesso pode ser assegurado, desde que, uma vez

regularmente realizado o parcelamento do solo urbano, haja autorização do Poder

Público que verifica no caso concreto que o fechamento não fere o interesse da

coletividade. Assim, os loteamentos fechados podem ser disciplinados por lei municipal

de modo constitucional.

Em adição, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o Superior Tribunal

de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se posicionam pela regularidade dos

loteamentos fechados, conforme se pode verificar.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao tratar da cobrança da pelos

serviços compartilhados, em recente julgamento estabeleceu que:

86 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 16. 87 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 120, jul.-dez. 2009.

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O loteamento Recreio Internacional é loteamento fechado, legalmente

reconhecido, e administrado pela autora, SARI – SOCIEDADE

AMIGA DO RECREIO INTERNACIONAL [...]. a ré, por sua vez, é

proprietária de uma unidade localizada neste loteamento, não

parecendo minimamente justo que se beneficie dos serviços prestados

e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação.88

Assim, indiretamente é reconhecida a legalidade destes empreendimentos que

geram um custo de manutenção aos moradores beneficiados pelo fechamento.

De maneira indireta, o Superior Tribunal de Justiça, igualmente, asseverou

que:

o proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem

condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram

sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e

manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das

despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se

beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a

devida contraprestação.89 Assim, indiretamente é reconhecida a

formação de loteamento fechados: Civil e Processual. Loteamento

Fechado. Serviço de vigilância, lazer, administração e conservação

prestados ao proprietário dos imóveis. Compra do lote e adesão aos

estatutos. Recusa ao pagamento das despesas comuns. Ação de

cobrança. Procedência. I. Procede a ação de cobrança movida por

associação de moradores instituída em loteamento fechado contra

titular de lotes que após a aquisição e a adesão aos estatutos, deixa de

adimplir com o pagamento das despesas comuns relativas a serviços a

ele disponibilizados ou por ele fruídos.90

Podemos, inclusive, verificar o posicionamento favorável à instituição dos

condomínios de lotes, pois, conforme asseverado, o titular de lote em loteamento

fechado deve arcar com as despesas comuns. Resta claro que o STJ aceita os

loteamentos fechados como modalidades habitacionais vigentes no ordenamento

jurídico brasileiro.

Assim, o atual posicionamento é pela regularidade dos loteamentos fechados.

Inclusive, vejamos alguns exemplos de legislações municipais os admitindo: Lei

9.431/81, do município de São Paulo, SP, que permite o fechamento de determinados

loteamentos mediante outorga de direito real de uso para as vias de circulação e para 1/3

88 TJSP, Apelação 0000548-16.2010.8.26.0506 – Ribeirão Pires, rel. Des. Luis Mario Glabetti, j.

07.10.2016. 89 STJ, AGREsp 490419/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 10.06.2003, DJ 30.06.2003, p. 248. 90 STJ, REsp 443305/SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 4.ª Turma, j. 02.07.2008, DJ 10.03.2008.

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das reservas destinadas a áreas verdes; Lei 8.736/96, do município de Campinas, SP,

que institui a “permissão a título precário de uso das áreas públicas de lazer e das vias

de circulação, para constituição de loteamentos fechados”; Lei 5.441/99, do município

de São José dos Campos, SP, que autoriza o fechamento dos loteamentos, vilas e ruas

sem saída, observados determinados critérios; Dec. 14.618/96, da cidade do Rio de

Janeiro, RJ, que permite a instalação de guaritas e traves basculantes em logradouros

públicos de uso estritamente residencial, sempre a título precário e mediante

requerimento de pelo menos ¾ dos moradores; LC 246/2005 de Caxias do Sul – RS,

cujo Capítulo VII regulamenta o “loteamento fechado”, especificamente para

determinadas localidades, com outorga de permissão de uso dos espaços públicos à

associação dos proprietários; e Lei 2.561/2008, do Município de Niterói, RJ, que

permite, “a título precário, a instalação de portões e grades em ruas sem saída, desde

que mediante proposição de mais da metade dos respectivos moradores do logradouro

público”, concedida essa permissão à associação de moradores do local.91

Também, na esfera acadêmica surgem estudos reconhecendo os loteamentos

fechados:

“Loteamento fechado”, hoje é reconhecido – até mesmo sob olhar

urbanista crítico de pesquisadora da FAU/USP – como um “padrão

que veio para ficar”, em face do “esgotamento do modelo de

desenvolvimento que se inicia na década de 70” e da circunstância de

que “veste como luva tanto para os empreendedores como para

consumidores e, principalmente, para o Estado”: no Estado de São

Paulo, dos 88 (oitenta e oito) projetos aprovados pelo Graprohab92 até

25.05.98, 10 (dez) podem ser enquadrados na categoria de

“loteamento residencial fechado”, como observou Elisabeth Carvalho

de Oliveira Salgado93 em sua tese de mestrado.94

Com semelhante entendimento:

91 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 113, jul.-dez. 2009. 92 Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais, criado pelo Decreto Estadual 33.499/91,

substituído pelo Decreto 52.053/2007. 93 SALGADO, Elisabeth Carvalho de Oliveira. O loteamento residencial fechado no quadro das

transformações da metrópole de São Paulo. Dissertação (Mestrado). 2000. Programa de Pós-

Graduação em Estruturas Ambientais Urbanas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo. São Paulo. 94 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 22.

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“Loteamento fechado”, atualmente, também sob o prisma acadêmico

jurídico de pesquisador da PUC-SP, é considerado legítimo, não só

pelo lastro legal municipal, mas também pelo fundamento

hermenêutico no exame da colisão de princípios jurídico-

constitucionais (e, daí, de direitos fundamentais), que afirma a

primazia (de avaliação concreta, balizada pela razoabilidade) do

princípio da segurança pública (art. 5.º, caput, e art. 144, ambos da

CR/88) ao da liberdade de locomoção (art. 5.º, LXVIII, da CR/88).

[...] Em síntese: constatando-se que, no caso concreto, é o princípio da

segurança pública que prevalece em colisão com o princípio da

liberdade de locomoção, existindo Lei Municipal que defere a

concessão de uso dos bens públicos do loteamento aos seus

moradores, estão presentes a condição (o resultado da colisão de

princípios em favor dos moradores) e os requisitos (Lei Municipal que

defere o uso exclusivo e a concessão como instrumento hábil para a

sua realização) para que o loteamento passe a ser considerado

fechado.95

Assim, verificamos que tanto na doutrina como na jurisprudência são aceitos

os loteamentos fechados.

Cumpre salientar que o loteamento fechado sem autorização legal é proibido.

O que se afirma é que apenas os loteamentos fechados com autorização da

administração municipal, mediante a concessão de uso de áreas de domínio público são

permitidos. Nas lições de Melhim Namem Chalhub,

o primeiro caso – “fechamento” do loteamento feito por deliberação

unilateral dos moradores ou do empreendedor – configura

apossamento privado de áreas de domínio público. É, portanto, ilegal.

O segundo caso – “fechamento” decorrente de autorização da

administração municipal para uso privado de áreas públicas do

loteamento – é admissível quando a concessão de uso é fundamentada

em lei municipal.96

Como mencionado anteriormente, algumas vezes o loteamento fechado se dá

atrás de uma associação de moradores. Quanto à necessidade de pagamento de taxa de

conservação o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entende:

Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal, por sua E. Seção de

Direito Privado, se encontra basicamente pacificada, no proclamar que

“se o loteamento, do tipo condomínio fechado, é administrado por

uma associação, o proprietário condômino, ainda que não associado, é

95 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Loteamentos urbanos. Natureza jurídica. Loteamentos fechados,

bolsões e vilas com acesso restrito aos moradores. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 122. 96 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 103, jul.-dez. 2009.

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obrigado a contribuir com sua quota-parte nos gastos razoáveis de

obras e serviços postos à sua disposição, sob pena de enriquecimento

ilícito”, independentemente de se tratar de proprietário ou inquilino,

na medida em que o pacto locatício assim o estatuto [...].97

Dessa forma, há obrigatoriedade do pagamento da taxa de manutenção

cobrada pelas associações de moradores, pois este posicionamento é amplamente aceito

pelos tribunais superiores, conforme demonstramos. O principal argumento para a

obrigatoriedade deste pagamento é a vedação do enriquecimento sem causa do morador

beneficiado pela manutenção do condomínio que não arcar com os custos de tal

beneficio.

Por fim, cabe diferenciar a figura do loteamento fechado com a modalidade

de condomínio de lotes. O loteamento fechado é aceito como modalidade de

parcelamento do solo urbano em que o uso das áreas comuns deve ser apenas

controlado e jamais obstado, sob pena de ilegal privatização de área pública.

Por sua vez, o condomínio de lotes é figura híbrida. Não pode ser

considerado forma de parcelamento do solo prevista na Lei 6.766/79. Entretanto, possui

caráter público e merece que para sua construção sejam respeitadas as regras

urbanísticas da lei de parcelamento do solo. Simultaneamente, após a instituição dos

condomínios de lotes, a área comum é privada, mas sem poder ser considerado um

condomínio especial de casas, pois não há vinculação entre o terreno e a construção,

como ocorre nesta espécie de condomínio.

Assim, os condomínios de lotes não podem ser confundidos com os

loteamentos fechados. Nos condomínios de lotes as áreas comuns são privadas;

enquanto nos loteamentos fechados as áreas comuns são públicas com fechamento

autorizado.

É fundamental apontarmos as seguintes terminologias antes de prosseguir com

nosso estudo:

– Parcelamento regular é parcelamento aprovado, registrado e

devidamente executado (ou implementado), em conformidade com a

Lei e com as licenças expedidas.

97 TJSP, Apelação Cível 112.894-4 – Atibaia, rel. Des. Quaglia Barbosa, j. 13.02.2001.

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– Parcelamento clandestino é parcelamento não aprovado, oculto à

Administração Pública.

– Parcelamento irregular é parcelamento aprovado, mas não

registrado ou, ainda que registrado, com falha na implantação.

– Parcelamento regularizado é o parcelamento informal (clandestino

ou irregular) que foi formalizado, pela regularização urbanística,

administrativa, registraria e civil.98

Nelson Saule Júnior dispõe que:

a irregularidade do loteamento ocorre quando o loteador obtém a

aprovação do projeto de loteamento pelos órgãos competentes do

Município, efetua o registro do loteamento no Cartório de Registro de

Imóveis, porém, não executa as obras de infraestrutura necessárias

que constam do projeto de loteamento aprovado. Outra situação que

caracteriza loteamento irregular ocorre quando o loteador apresentou

o projeto de loteamento para a aprovação do órgão público municipal

competente, sem atender às outras etapas necessárias para a sua

implantação, nos termos da Lei 6.766/79, como a execução das vias

de circulação do loteamento, ou a demarcação dos logradouros

públicos. O loteamento é irregular em razão das irregularidades físicas

ou urbanísticas, quais sejam, as que tocam à questão de ausência de

infraestrutura e de áreas públicas, e as irregularidades jurídicas,

concernentes aos obstáculos existentes para o registro do loteamento,

consistentes, principalmente, na incorreção do título de propriedade da

gleba.99

Acerca da diferença entre parcelamento irregular ou clandestino:

os loteamentos irregulares são parcelamentos do solo urbano que

obtiveram aprovação do Poder Público municipal, mas que não foram

executados conforme o ato administrativo da aprovação. Os

loteamentos clandestinos são aqueles que não obtiveram nenhuma

aprovação por parte do Poder Público municipal e surgem diante da

inércia da Administração Pública em fiscalizá-los.100

2.4 Condomínio de lotes

Conforme mencionado anteriormente os condomínios de lotes são conjuntos

imobiliários murados ou cercados, com controle de acesso das pessoas estranhas ao

98 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 14. 99 SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto

Alegre: Fabris, 2004. p. 353. 100 Idem, p. 351.

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condomínio. A conservação, limpeza e a fiscalização são custeadas pelos próprios

moradores; a administração é feita pelo condomínio. A marca distintiva dos

condomínios de lotes é a existência de unidades autônomas compostas por lotes,

possuindo total desvinculação entre o terreno e a efetiva construção.

Desde já queremos pontuar a sua natureza jurídica híbrida. Em um primeiro

momento, para a implantação dos condomínios de lotes é fundamental o cumprimento

de princípios urbanísticos, tais como o princípio da função social da propriedade, o

princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, o princípio da justa distribuição

dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística, e o princípio da subsidiariedade,

sob pena de ilegal interferência no ordenamento do urbanismo local. Pelo aspecto de

interferência urbanística no ordenamento urbano local resta configurado o interesse

público na regulação desta modalidade habitacional.

Por outro lado, considerando que os condomínios de lotes são uma figura

habitacional privada, há interesse privado na sua constituição e as áreas comuns são de

titularidade exclusiva dos proprietários. Assim, também envolve interesses privados.

Deste modo, condomínio de lotes é figura híbrida sendo afeta ao interesse

público da comunidade urbana e interesse privado dos seus proprietários.

Em outras palavras, o condomínio de lotes de terreno urbano sem construção,

caracteriza-se pela divisão de uma gleba de terra em quinhões autônomos (lotes); os

lotes constituem unidades imobiliárias autônomas atribuídas à propriedade individual

dos respectivos adquirentes, existindo ainda partes da gleba que pertencem em comum a

todos os titulares dos lotes, e essas partes são as vias internas de circulação e outras

coisas que, por sua natureza, destinam-se ao uso comum. Essa espécie de condomínio é

objeto do art. 3.º do Dec.-lei 271/1967, combinado com o art. 8.º da Lei 4.591/64 e com

os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil; sua implantação é regulamentada pelos

municípios por força da competência que lhes atribui a Constituição em matéria

urbanística.101

Nas lições de Melhim Namem Chalhub:

101 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.

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a instituição do condomínio de lotes prescinde da construção de casas

por parte do empreendedor. Tal como os apartamentos e as casas, os

lotes constituem “áreas privativas”, “unidades autônomas”

correspondentes a porções de terreno individualizadas, localizadas e

demarcadas, mas sem construção; nelas, os adquirentes erigirão, eles

próprios, as casas por sua conta, se e quando desejarem.102

Desse modo, ao contrário dos condomínios especiais de casa, nos

condomínios de lote não há vinculação do terreno com a construção.

Necessário se faz reforçar a relevância da atuação municipal: o Município

para cumprir suas missões constitucionais deve promover o planejamento como

instrumento de democratização da cidade, através de um processo permanente e

contínuo, descentralizado e participativo; o planejamento urbano recebeu um tratamento

especial da Constituição, pelo qual as normas urbanísticas estabelecidas pela União,

Estados e Municípios, destinadas a atender o objetivo da política urbana de garantir o

cumprimento da função social da propriedade, são vinculantes para o setor privado e

não meramente indicativas como dispõe o art. 174 da Constituição Federal brasileira.

As figuras estudadas anteriormente não podem ser confundidas com a

modalidade condomínio de lotes, que vem sendo muito utilizado na última década.

Isto porque, como já visto o parcelamento do solo urbano, disciplinado na Lei

6.766/79, possui caráter público e todas as vias de circulação, tanto no loteamento como

no desmembramento, devem integrar o patrimônio municipal.

No condomínio de lotes isto não ocorre. Esta é uma modalidade habitacional

privada, após a instituição do condomínio. Deve, certamente, respeitar os postulados do

Direito Urbanístico: princípio da função social da propriedade, princípio da coesão

dinâmica das normas urbanísticas, princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus

derivados da atuação urbanística, e o princípio da subsidiariedade e as normas

municipais de ordenamento do solo urbano. Entretanto, não há que se falar em áreas

públicas, pois toda a gleba é formada por um condomínio privado.

102 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;

JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:

modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1254.

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Entretanto, os condomínios de lotes também não se enquadram, como visto,

nas modalidades apresentadas pela Lei de Condomínios, a Lei 9.541/64. Nas palavras

de Daniela Rosário:

O condomínio, diferente do que vai ocorrer no parcelamento do solo,

sempre vai pressupor propriedade comum a mais de uma pessoa.

Jamais existirá condomínio sem que haja propriedade comum. O

condomínio é a propriedade comum a mais de uma pessoa. Seja

condomínio comum, previsto no Código Civil, seja ele voluntário ou

acidental, voluntário ou involuntário, seja condomínio de paredes,

valas, tapumes, também previstos no Código Civil como condomínio

necessário, seja o próprio condomínio edilício ou condomínio especial

regulado no Código Civil e também regulado na Lei no 9.541/64. E

essa propriedade comum jamais existirá no parcelamento do solo por

ser incompatível com a sua natureza. No parcelamento do solo, ou a

propriedade é pública ou a propriedade é privada. Não existe uma

propriedade comum entre município e o particular, ou entre particular

comum entre os vários particulares adquirentes dos lotes. No

loteamento, ainda que ele seja fechado, a propriedade é pública ou a

propriedade é privada. Nos condomínios, a propriedade é sempre

privada. No condomínio não vai existir propriedade pública. Mesmo

em relação ao arruamento, mesmo em relação a sistema de

iluminação. Todo o patrimônio vai ser privado, e a responsabilidade,

portanto, é privada e não pública.103

Melhim Chalhub também aponta dessemelhança entre os condomínios de

lotes e as modalidades de parcelamento do solo urbano:

é verdade que, em aparência (e só em aparência), o condomínio de

lotes até tem conformação e função semelhantes às de um loteamento,

mas o certo é que essas figuras têm natureza jurídica distinta, cada

qual com regime jurídico próprio. A “barreira” ou “guarita” não

converte o loteamento em condomínio; é apenas um meio físico de

controle de acesso ao interior do loteamento, não um modo de

atribuição de direito real de propriedade. Uma “acomodação” de

interesses de grupos, que, não raras vezes, interfere negativamente na

dinâmica natural das cidades, com graves prejuízos para os cidadãos.

Já no condomínio de lotes a apropriação privada das vias de

circulação e demais áreas de uso comum é inerente à natureza desta

espécie de propriedade e constitui direito subjetivo que confere aos

condôminos poder jurídico de excluir os não condôminos e de

controlar o acesso à sua propriedade.104

Este mesmo autor afirma que:

103 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.

Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 70, 2012. 104 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 110, jul.-dez. 2009.

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a atribuição da propriedade dos lotes e das partes comuns se faz tal

qual nos condomínios de apartamentos ou casas: de uma parte, os

lotes (quinhões em que foi dividida a gleba, localizados e

demarcados) constituem objeto de propriedade individual dos

adquirentes e, de outra parte, as vias de circulação e demais partes

comuns são atribuídas à copropriedade dos titulares dos lotes; estes

podem usar, alienar ou gravar seus lotes independentemente de

anuência dos demais condôminos, bem como usar as partes comuns

do condomínio, responsabilizando-se, em contrapartida, pelo

pagamento das despesas de custeio de limpeza, manutenção,

vigilância e demais serviços do condomínio.105

Assim, nas palavras de João Pedro Lamana Paiva, Dércio Antônio Erpen e

Mário Pazutti Mezzari:

a unidade autônoma será o lote e não a edificação sobre esse. Admite-

se a cada proprietário de unidade autônoma a livre utilização e

edificação no lote, respeitadas as normas de ordem pública e as

prévias estipulações constantes na Convenção de Condomínio. Como

acessões que são, as edificações aderirão ao lote, sem, no entanto,

alterarem a condição jurídica estipulada de que é o lote a unidade

autônoma.106

Desse modo, sendo os condomínios de lotes uma modalidade habitacional sui

generis e de caráter híbrido (público e privado) que não possui legislação federal

própria e nem entendimento jurisprudencial consolidado que o admita, há relevância no

estudo em questão para debatermos os princípios já mencionados e instrumentos

urbanísticos à luz destes empreendimentos.

Ainda, a questão se torna mais controvertida se considerarmos que muitos

municípios, como será demonstrado, possuem legislações locais que admitem e regram

esta modalidade habitacional que é apontada por parte da doutrina e jurisprudência

como irregular.

Os condomínios de lotes são modalidades habitacionais privadas que estão

em desacordo com os ditames de acesso democrático à cidade? São inconstitucionais as

legislações municipais que preveem esta modalidade habitacional? Se sim, como se dá a

regularização ou extinção dos condomínios de lotes existentes atualmente no país?

105 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 131, jul.-dez. 2009. 106 PAIVA, João Pedro Lamana; ERPEN, Dércio Antônio; MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio

horizontal de lotes. Revista Jurídica 310/69. Disponível em:

<http://registrodeimoveis1zona.com.br/?p=242>. Acesso em: 17 nov. 2016.

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Serão analisadas estas questões, mas já se pode adiantar que embora não haja

consenso na doutrina e na jurisprudência, há uma tendência em se admitir a

regularidade dos condomínios de lotes. A legalidade destes empreendimentos deve ser

prevista desde que em conformidade com os princípios do Direito Urbanístico: (i)

princípio da função social da propriedade, (ii) princípio da coesão dinâmica das normas

urbanísticas, (iii) princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da

atuação urbanística, e o (iv) princípio da subsidiariedade. A sua regulamentação pode

determinar as restrições necessárias para que atenda a peculiaridade municipal e de uma

forma que ordene o modo de implementação deste instituto.

2.5 Requisitos para registro dos condomínios

Importa estudar quais os requisitos para instituição de um condomínio e

analisar as semelhanças e diferenças com o parcelamento do solo urbano, estudado

anteriormente. Tanto o condomínio edilício como o parcelamento do solo são formas de

expansão do aparato urbanístico das cidades.

Vimos que a Lei 6.766/79 impulsiona a expansão horizontal da cidade,

enquanto os condomínios edilícios, regulados pelo atual Código Civil e pela Lei

4.591/1964, promovem a verticalização e adensamento da população urbana.

De acordo com o art. 1.332 do Código Civil,

Institui-se o condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento,

registrado no Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar

daquele ato, além do disposto em lei especial: I – a discriminação e

individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas

uma das outras e das partes comuns; II – a determinação da fração

ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes

comuns; III – o fim a que as unidades se destinam.

Em seguida, para registro da instituição é exigida a convenção do

condomínio e o seu regimento interno, conforme arts. 1.333 e 1.334 do Código Civil.

De tal sorte, para registro de um condomínio basta que haja manifestação

expressa de vontade e o respectivo registro. Cada município, no entanto, estabelece um

procedimento diverso para expedição de habite-se e também é exigido pelo cartório a

certidão negativa de débitos emitida pelo INSS em nome da construção do condomínio

e o atendimento às regras da ABNT:

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Embora não esteja explicitado na lei, o ato antecedente lógico e

necessário é a prévia averbação da construção, mediante

requerimento, instruído com “habite-se” emitido pela municipalidade

(cada município tem um procedimento ligeiramente diferente) mais a

certidão negativa de débitos emitida pelo INSS em relação à obra,

conforme previsão contida no art. 167, II, 4, da Lei n. 6.015/1973. [...]

Por fim, deve o instituidor atender também às normas técnicas

elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT),

conforme determina o art. 53 da Lei 4.591/1964. Tais normas estão

contidas na NBR 12.721.107

Acerca da convenção do condomínio e seu regimento interno Flauzilino Araújo

dos Santos:

enquanto na convenção são traçados os princípios gerais e os direitos

subjetivos dos condôminos, dentro do esquema de matérias que o

Código Civil topograficamente previu como de conteúdo obrigatório e

mais aqueles julgados importantes pela comunidade [...] o Regimento

Interno visa a esclarecer detalhes da Convenção, desenvolvendo

assuntos periféricos e peculiaridades relativas ao uso e ao

funcionamento do edifício [...].108

Em linhas gerais, para a instituição de um condomínio é necessário o registro

de uma manifestação expressa de vontade dos condôminos.

Por outro lado, para parcelar o solo urbano são estabelecidas fases mais

rígidas de aprovação, passando por um procedimento administrativo com uma série de

documentos técnicos.

Aqueles que não admitem a figura do condomínio de lotes no Brasil,

consideram tratar-se de uma espécie de parcelamento irregular. Assim, a ausência de

vinculação da construção ao terreno impede a sua configuração legal como condomínio

especial de casas de forma a gerar ilegalidade.

Como já adiantado, o condomínio especial de casas também é forma de

expansão urbana e a crítica que se faz neste passo é que a análise de sua legalidade

deveria se ater mais aos impactos do empreendimento privado na cidade que ao projeto

das futuras casas a serem construídas no seu interior.

107 SERRA, Márcio Guerra; SERRA, Monete Hipólito. Registro de Imóveis III – Procedimentos

especiais. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 99. 108 SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Condomínios e incorporações no registro de imóveis: teoria e

prática. São Paulo: Mirante, 2012. p. 142.

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Quanto aos condomínios de lotes, por interferir diretamente no urbanismo

local, não devem ser instituídos apenas com o registro da manifestação de vontade dos

condôminos no Cartório de Registro de Imóveis. Faz-se necessária aprovação municipal

e apresentação do projeto e documentos específicos que considerem o seu impacto na

cidade para viabilizar o registro.

Isto porque os condomínios de lotes constituem uma figura habitacional

híbrida. Em um primeiro momento, para sua implementação há alteração na estrutura

urbanística primitiva e, por isso, exige aprovação local e não simples instituição de um

condomínio. Posteriormente, após a aprovação pelo poder público, os condomínios de

lotes se tornam modalidade habitacional de cunho privado, não havendo áreas públicas

em seu interior, como ocorre com as modalidades de parcelamento do solo urbano. Por

essas razões constituem figura habitacional híbrida, não contemplada pela lei de

condomínios e edificações ou no Código Civil, tampouco pela lei de parcelamento do

solo urbano.

Essa figura não pode ser utilizada como forma de burlar o parcelamento do

solo urbano que possui procedimento complexo. Corroborando este entendimento:

Uma advertência, entretanto, é necessária. É que, não obstante a

existência de legislação própria para o fracionamento de gleba urbana

sob as formas de loteamento e condomínio especial, por unidades

autônomas, e apesar da notória distinção entre essas figuras e a do

condomínio geral, esta última regulada pelos arts. 1.314 a 1.326 do

CC, é, vez por outra, empregada fraudulentamente para encobrir

parcelamentos irregulares ou clandestinos. A prática viola o princípio

da boa-fé objetiva e expõe os adquirentes a insegurança jurídica, por

caracterizar oferta enganosa, em desconformidade com os “princípios

fundamentais do sistema jurídico a que pertence” (CDC, art. 30 e ss. E

art. 51); configura, efetivamente, oferta e venda de produto à margem

da legislação especial que regulamenta a atividade e, portanto, deve

ser coibida, pois, como se sabe, a autonomia material e jurídica dos

quinhões em regime de copropriedade só é legalmente admitida

mediante instituição de condomínio por unidades autônomas, nos

termos do art. 3.º do Dec.-lei 271/1967, art. 8.º da Lei 4.591/1964 e

art. 1.331 e ss. do CC.109

A não observância das legislações específicas por alguns empreendedores, que

muitas vezes se utilizam do condomínio tradicional para a alienação de frações ideais do

109 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 122, jul.-dez. 2009.

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solo, implica modalidade de parcelamento irregular e tem como consequência jurídica a

inviabilidade do Registro destes empreendimentos nos Cartórios de Registro de Imóvel:

Observe-se que, nos casos citados, o empreendedor e os adquirentes

buscaram o registro de escrituras de compra e venda de lotes sem que

“os títulos de transmissão de parte ideal de imóveis estivessem

acompanhados de certidão da Prefeitura Municipal que atestasse

quanto à regularidade da utilização do solo”. Apresentada certidão da

Prefeitura incompatível com a conformação da área objeto do negócio

jurídico, não há como efetivar o registro. De fato, o empreendedor que

vende frações de um “condomínio geral”, em vez de lotes

identificados num loteamento ou num condomínio especial por

unidades autônomas, sem registro do respectivo Memorial no Registro

de Imóveis, submete o adquirente a situação de extrema desvantagem,

pois o negócio jurídico assim convencionado não assegura ao

adquirente direito de propriedade exclusivo e de fruição privativa

sobre determinado lote, nem lhe permite a venda do lote sem anuência

dos demais condôminos; é que, diferentemente do condomínio

especial, por unidades autônomas, no condomínio geral o direito dos

condôminos é restrito, não lhes sendo permitida a apropriação ou

fruição exclusiva de uma porção de terra determinada, pois o

exercício do seu direito de propriedade só é admitido em regime de

comunhão; além disso, no condomínio geral, se o condômino

pretender vender seu quinhão, será obrigado a dar preferência aos

demais comunheiros. É verdade que a lei admite divisão da gleba,

como referido no Parecer da CG de São Paulo, seja amigável ou

judicial, mas esse ato, além de constituir, na prática, fonte de conflito,

é relativamente complexo e inadequado para fins de fracionamento

destinado à comercialização de lotes e construção de casas na zona

urbana, sobretudo em relação a glebas de grande extensão.110

Qual seria, então, o regime jurídico adequado aos condomínios de lotes? Qual

seja aquele que permite a cada um de seus adquirentes a exclusiva titularidade de seu

demarcado lote no terreno, propiciando-o de autonomia para alienar ou onerar sua

unidade autônoma (lote), sem que seja necessária a anuência dos demais condôminos.

Ressalte-se que na realidade fática há inúmeros destes empreendimentos em

nosso país e a maioria dos municípios não possui legislação específica, muitos

condomínios de lotes são implementados com a mera instituição do condomínio com

um projeto de casa padrão no Cartório de Registro de Imóveis, sem o rigor exigido para

parcelamento do solo.

110 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 126, jul.-dez. 2009.

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Vale dizer que a observância do ordenamento jurídico do Código Civil sobre

condomínio edilício, embora imprescindível para sua constituição do condomínio de

casas, também não garante por si só que a sua implementação atenda ao crescimento

ordenado das cidades segundo os princípios do direito urbanístico. Neste ponto,

afirmamos que tanto os condomínios de lotes, figura não regulamentada, como os

condomínios de casas, admitidos nos moldes da Lei 4.591/64, importam expansão

horizontal e geram impacto no seu entorno e na cidade em que criados.

Como os condomínios de lotes são figura híbrida, a melhor solução seria a

edição de uma norma federal acerca do tema. Assim, os municípios ao estabelecerem

suas normas locais de ordenamento do solo teriam que respeitar o piso mínimo de

proteção estabelecido pelo ente federal.

Contudo, apesar da ausência desta norma federal, prevalece nos tribunais a

regularidade dos condomínios de lotes e a constitucionalidade das legislações

municipais que preveem a sua instituição.

Dessa forma, atualmente, na medida em que os procedimentos para

assentamento no Registro de Imóveis já se encontram definidos na própria Lei 4.591/64,

para efeito de incorporação de edificações, trata-se apenas de adequar a relação de

documentos constantes no art. 32 dessa Lei às características de um empreendimento de

lotes. Assim, por exemplo, no Memorial de Incorporação de um condomínio de lotes

haverá um projeto de urbanização e de divisão da gleba em lotes, em vez de um projeto

de construção de edifício; os demais documentos são aqueles relacionados no art. 32 da

Lei 4.591/64, entre eles o título de propriedade da gleba, as certidões fiscais,

previdenciárias, forenses, o orçamento da obra, a discriminação das frações ideais, a

descrição e caracterização das unidades (lotes), a minuta da convenção de condomínio

etc., com adaptações que se fizerem necessárias no caso concreto.111

111 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 137, jul.-dez. 2009.

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3 CONDOMÍNIOS DE LOTES E SEUS IMPACTOS NA CIDADE

3.1 Análise do surgimento dos modelos habitacionais fechados

A demanda social que gerou o surgimento de modelos habitacionais fechados

não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Em países da América Latina podemos

citar a Argentina e o México. Igualmente, nos Estados Unidos, a partir do século XX,

também há manifestações deste movimento que emergiu na criação de loteamentos

fechados.

No Brasil, acerca do surgimento da opção pela moradia em condomínios é

acertado dizer que a população passou a optar por esta modalidade habitacional com a

finalidade precípua de obter segurança, e assim melhor aproveitar o espaço comum

gerado, dividir as despesas relativas à manutenção das áreas comuns e busca por melhor

qualidade de vida e serviços.

Verifica-se que os serviços de segurança, limpeza e lazer que são

proporcionados pelos condomínios privados aos seus moradores são custeados pelas

taxas condominiais, desonerando o poder público de prestá-los nas áreas que ficam no

interior do condomínio. Como modalidade habitacional exclusivamente privada, esses

residenciais estão cada vez mais presentes na sociedade moderna, seja em razão da fuga

da violência urbana, seja na busca por áreas de laser.

No que diz respeito a essa busca por empreendimentos fechados Flauzilino

Araújo dos Santos ensina que há quem procure um residencial mais afastado do centro

da cidade para desenvolver um novo estilo de vida, menos urbano e mais próximo à

natureza, onde possa desintoxicar-se da poluição, do ruído, do estresse e da intolerância

presentes nas grandes cidades; outros consideram importante a possibilidade de seus

filhos terem o mesmo estilo de vida praticado anos atrás por aqueles que moravam em

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bairros, onde era possível jogar bola na rua com amigos e andar de bicicleta sem o

temor de ser assaltado ou vítima de sequestro.112

Aqui, nesta técnica econômica nova, como no plano e obtenção da

casa própria pelo maior número, não foi a concentração da

propriedade a solução mais indicada. Mas, precisamente, o oposto:

sua dispersão. Concentração somente existe nos conjuntos

residenciais levantados pelo poder público ou por entidades

autárquicas, que são contudo em número tão reduzido que não

chegam a contar como técnica de solução. A iniciativa individual

imaginou no edifício de apartamentos uma forma nova de domínio,

em que a propriedade do solo converte-se em uma quota-parte de um

espaço necessário a certa aglomeração; Desloca-se o conceito

dominial da exclusividade para a utilização comum, restando o poder

exclusivo reduzido a uma unidade no conjunto, e mesmo assim

onerada de pesadas restrições.113

Este fenômeno pela busca de melhores condições habitacionais em face da

ineficiência estatal, consequentemente, gera segregação física da população. Não se

pode dizer que é uma segregação social na medida em que diversos níveis sociais e

econômicos optam pela moradia em empreendimentos fechados. Tampouco se pode

afirmar que esta segregação vai contra o modelo democrático de cidade, pois é a própria

vontade da população urbana que consolidou e criou este modelo habitacional.

Acerca deste fenômeno:

é bem verdade que a concepção clássica de zoneamento aplicável nas

cidades brasileiras, por meio da legislação urbanística, possui o papel

de divisão espacial do território atribuindo a cada qual uma função

precípua e desta forma contribuindo para uma segmentação social. É o

que se extrai da simples configuração de zonas estritamente

residenciais e zonas de uso misto, a primeira destinada à classe mais

abastada economicamente, a segunda admitindo o uso diversificado

do solo e uma maior miscigenação cultural e social.114

Essa estrutura de zoneamento, ainda que impondo territórios com padrões

distintos, mantém a concepção de uma cidade única onde a circulação e a integração

112 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos

de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. 113 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

p. 47. 114 BLANCO, Gabriel Ismael Folgado. Loteamentos fechados. Condomínios fictícios. Dissertação

(Mestrado). 2011. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 88.

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não sofrem uma rígida delimitação por muros e cancelas. Isto não ocorre nos

condomínios de lotes, objeto de nosso estudo. O fechamento para se obter a tão

almejada segurança inevitavelmente impede a circulação de pessoas por suas vias

internas e gera isolamento dos moradores. Por isso, a sua extensão e o local de

implementação devem necessariamente ser ordenados pelo município.

Pode-se verificar que o Brasil possui um modelo próprio de procedimento para

parcelamento do solo urbano. Este modelo defende que as áreas comuns sejam públicas

para que a haja acesso democrático a todas as áreas urbanas, seja para lazer, mobilidade

ou habitação.

No entanto, com o advento da Lei de Condomínios de 1964 surge uma

criação jurídica denominada condomínio em que a propriedade é composta por áreas

privativas, obrigatoriamente formada por uma área de terreno e uma construção, e áreas

comuns pertencentes a todos os condôminos simultaneamente. Esta modalidade

habitacional é privada e não prevê a existência de áreas de circulação com acesso livre

aos não condôminos.

Estas são criações brasileiras que não encontram equivalência em

experiências internacionais. No entanto, a opção pelos empreendimentos residenciais

fechados (mesmo sem a existência de figuras como loteamento, desmembramento,

condomínio e condomínios de lotes, nos moldes que possuímos no Brasil) são

encontradas pelo mundo.

Em relação à experiência Argentina, neste país eles são conhecidos como

barrios cerrados ou clubes de campos. Acerca desta modalidade habitacional:

Distintos autores han estudiado las diversas causas del surgimiento de

los barrios cerrados en todo el mundo. Entre las principales pueden

citarse las siguientes: el aumento de la inseguridad y la violencia

urbana y la incapacidad del Estado para asegurar ciertos servicios

considerados básicos, como es la seguridad ciudadana; la progresiva

desaparición en la ciudad del sentimiento de comunidad; el aumento

de la desigualdad social y el acrecentamiento de la brecha entre

pobres y ricos, sumado al deseo de lograr status y cierta

homogeneidad social por parte de algunos grupos sociales; el deseo de

mayor contacto con la naturaleza o de un “estilo de vida diferente” y

el impulso, por parte de los desarrolladores urbanos, de una nueva

“moda” urbana, influenciada por el “American way of life”.La razón

principal por la que han surgido los barrios cerrados es, según

diferentes investigadores, el aumento del crimen, el miedo a la

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violencia y el sentimiento de vulnerabilidad respecto a este problema

social. En el caso de Argentina, es evidente que en los últimos años, el

“boom” de este tipo de emprendimientos urbanos ha estado totalmente

determinado por el aumento de la violencia y la inseguridad urbana.

La privatización de la seguridad es un nuevo elemento en las

ciudades, relacionada no sólo con la aparición de barrios cerrados,

sino con la contratación de seguridad privada en bancos, negocios,

shopping centers y áreas residenciales. La proliferación de agencias de

seguridad en los últimos años muestra que se trata de una actividad no

sólo altamente demandada, sino a su vez rentable. Asimismo, la

privatización de la seguridad aparece como una respuesta al fracaso

del Estado en la provisión de este servicio, cuestionando y desafiando

el monopolio del uso legítimo de la fuerza que el Estado poseía

anteriormente.115

Verifica-se que, assim como no Brasil, a demanda pela segurança gerou a

criação dos barrios cerrados. Igualmente, o modelo habitacional semelhante aos

condomínios de lotes advém de um modelo americano de habitação que, apesar de suas

críticas pode também cumprir com uma função socializadora entre os moradores do

condomínio, conforme esta análise:

Respecto a la pérdida del sentimiento de comunidad en las ciudades,

mencionado anteriormente como otra causa, éste se refiere a redes y

relaciones sociales desarrolladas en un área geográfica reducida, tal

como lo es un barrio. La pérdida de este sentimiento se verifica en el

hecho de que las relaciones de vecindad resultan más débiles en la

ciudad abierta y las necesidades sociales son satisfechas fuera del

grupo local. En este sentido, los desarrolladores urbanos han

identificado este problema y han realizado un esfuerzo por enfatizar la

posibilidad de lograr relaciones de vecindad más cercanas en los

barrios cerrados. Estos nuevos emprendimientos urbanos pretenden

ser asociados con lo que fue hace algunas décadas atrás el barrio y la

vida social y las actividades que en él podían desarrollarse.

Sin embargo, según algunos investigadores, el desarrollo de un mayor

sentimiento de comunidad no parece ser un valor prioritario para

decidir residir en un barrio privado. Una posición intermedia respecto

a este tema está dada por aquellos autores que reconocen que los

barrios cerrados tienen una importante función socializadora, aún

cuando no en todos los casos sus residentes estrechan vínculos

sociales y afectivos hacia el interior del barrio por el hecho de residir

en el mismo lugar, ni realizan actividades sociales comunes.116

115 ROITMAN, Sonia. Barrios cerrados y segregación social. Scripta Nova – Revista Electronica de

Geografía y Ciencias Sociales. Universidade de Barcelona, v. VII, n. 146(118), 2003. Disponível em:

<http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-146(118).htm>. Acesso em: 9 nov. 2016. 116 Idem, ibidem.

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Desta forma, apesar da aparente segregação criada pelos barrios cerrados há

também pontos positivos que podem ser verificados nesta modalidade habitacional

privada, como o desenvolvimento de atividades sociais comuns.

A experiência mexicana não é exitosa. Entretanto, no país eles não possuem

um modelo de empreendimentos privados que devem ser implementados de acordo com

requisitos urbanísticos. Apenas há a figura que no Brasil é conhecida como loteamento

fechado, lá conhecida como fraccionamento cerrado.

Ressaltamos que o fechamento, em nosso país, apenas é admitido em

condomínios, jamais em loteamentos, que são figuras habitacionais com caráter público

e admitem restrições ao acesso, não sua obstrução.

Ao realizar uma análise detida do fraccionamento cerrado no país os

estudiosos não apontam nenhuma vantagem neste modelo de empreendimento. No

Brasil, inclusive, ela é ilegal. O modelo mexicano gerou segregação social, exclusão

populacional e isolamento urbano sem coerência com a malha urbana no país:

Aun cuando el principal argumento de su preferencia por parte de la

población, se encuentre en una búsqueda por alejarse de los problemas

sociales de inseguridad y delincuencia, bajo la perspectiva del

ciudadano común la justificación de esta separación de la trama

urbana por medio de barreras físicas que en apariencia protegen, ya no

parece tan apropiada cuando se conoce que algunas de ellas también

son inseguras. (…)En última instancia esta segregación espacial afecta

a todos por igual porque divide y desconecta sectores, colonias y

barrios; su existencia no solo impide y desorienta el libre flujo de esta

parte de la ciudad, sino que a largo plazo estrangula su futuro

desarrollo. No solo se trata de la segregación especial impuesta por

muros y puertas, además de ella, la circulación normal de la ciudad se

altera, se restringe y lo mismo sucede con el impedimento del uso de

la diversa estructura que se va creando; en consecuencia el uso y

acceso de las redes y facilidades urbanas presenta una discontinuidad

que dificulta el adecuado desarrollo.117

A influência dos gated communities norte americanos no modelo de

implementação dos condomínios de lotes em nosso país e nestas experiências latino

americanas é evidente.

117 TENA, José Jorge Arceo. Evaluación de los fraccionamentos cerrados como forma de producción

inmobiliaria. Tesis (Doctorado). Disponível em: <file:///C:/Users/Andre/Downloads/TESIS%20155-

120508.pdf>. Consultado em: 9 nov. 2016.

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Nos Estados Unidos os empreendimentos residenciais fechados são mais

utilizados pela parcela mais abastada da população. Estes empreendimentos são

definidos por Zygmunt Bauman como instrumentos da arquitetura do medo, vez que

gera ostensiva segregação física e social:

A forma mais comum de baluarte defensivo é representada pelas

gated communities, com os indefectíveis guardas armados e câmeras

de controle (parece óbvio que os folhetos dos agentes imobiliários e

os hábitos dos moradores ressaltem antes a primeira palavra –

“murada” – e não a segunda, “comunidade”). Nos Estados Unidos, as

gated communities são mais de vinte mil, e sua população supera os

oito milhões de pessoas. O significado de gate complica-se a cada

ano; há, por exemplo, um condomínio californiano chamado Desert

Island, circundado por um fosso de dez hectares. Brian Murphy

construiu para Dennis Hopper, em Venice, uma casa com uma espécie

de bunker, cuja fachada de metal ondulado não tem janelas. O mesmo

arquiteto projetou outra casa de luxo em Venice entre os muros de

uma velha estrutura em ruínas, recobrindo-a de grafites semelhantes

aos dos arredores, de forma a camuflá-la. [...] A arquitetura do medo e

da intimidação espalha-se pelos espaços públicos das cidades,

transformando-a sem cessar – embora furtivamente – em áreas

extremamente vigiadas dia e noite.118

Mas será que a experiência brasileira em relação aos condomínios de lotes

constitui a arquitetura de um direito urbanismo do medo? Será que esta segregação

física e social dos condomínios de lotes é real? Porque grande parcela da população, em

todos os níveis econômicos e sociais opta pelo modelo habitacional dos condomínios de

lotes? Como deve o Direito se posicionar em relação aos condomínios de lotes

existentes no país? E em relação às legislações municipais que permitiram e permitem

estes empreendimentos? Passa-se agora a analisar estas questões.

3.2 Regularidade dos residenciais fechados

Nunca é demais lembrar a importância de uma legislação urbana que

direcione o desenvolvimento democrático das cidades e organize os territórios urbanos

de forma inteligente para que possa gerar o maior aproveitamento possível,

minimizando os possíveis inconvenientes que inevitavelmente são gerados com o

desenvolvimento.

118 BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 62-63.

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Uma teia invisível e silenciosa se estende sobre o território da cidade:

a legislação urbana, coleção de leis, decretos e normas que regulam o

uso e ocupação da terra urbana. Mais do que definir formas de

apropriação do espaço permitidas ou proibidas, mais do que

efetivamente regular o desenvolvimento de cidade, a legislação

urbana atua como linha demarcatória, estabelecendo fronteiras de

poder. Na verdade, a legalidade urbana organiza e classifica territórios

urbanos, conferindo significados e legitimidade para o modo de vida e

micropolítica dos grupos mais envolvidos na formulação dos

instrumentos legais. Por outro lado, a legislação discrimina

agenciamentos espaciais e sociais distintos do padrão sancionado pela

lei. Assim, a legislação atua como um forte paradigma político-

cultural, mesmo quando fracassa na determinação, na configuração

final da cidade.

Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes da lei.

Aparentemente, esta funciona como uma espécie de molde da cidade

ideal ou desejável. Mas no caso de São Paulo, e da maioria das

cidades Latino-Americanas, a legislação urbana regula apenas uma

pequena parte do espaço construído, uma vez que a cidade não é

resultado da aplicação inerte do modelo contido na lei.A cidade real é

conseqüência da relação que a legalidade urbana estabelece com o

funcionamento concreto dos mercados imobiliários que atuam na

cidade. Entretanto, ao definir formas permitidas e proibidas de

produção do espaço, a legislação define territórios dentro e fora da lei.

Essa delimitação tem conseqüências políticas importantes, na medida

em que pertencer a um território fora da lei pode significar uma

posição de cidadania limitada. Não existir, do ponto de vista

burocrático ou oficial para a administrada cidade, é estar fora do

âmbito de suas responsabilidades para com os cidadãos119.

Como vimos, o Brasil não tem uma legislação federal específica regulando a

implementação ou a proibição dos condomínios de lotes. Entretanto, muitos municípios

regulamentam e admitem esta modalidade habitacional. Ademais, há divergência

doutrinária a respeito da regularidade dos condomínios de lotes.

Os que não admitem a figura do condomínio de lotes no Brasil, passam a

trata-los como espécie de parcelamento irregular. Verifica-se que é errônea esta

terminologia, vez que os condomínios de lotes são figuras habitacionais privadas e não

dotadas de áreas públicas, como os casos de parcelamento do solo urbano.

Desse modo, não é possível parcelar o solo em regime de condomínio e não é

possível instituir um condomínio utilizando a modalidade do parcelamento do solo

urbano.

119 ROLNIK, Raquel. Para Além da legislação urbanística e cidadania (São Paulo 1886-1936). In:

FERNANDES, Edésio (org.). Direito urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 169.

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Já a regularidade deste instituto urbanístico é calcada no regramento do art.3º

do Decreto-Lei 271/67 e reafirmada a possibilidade de outras espécies de

empreendimentos fechados pelo enunciado número 89 da I Jornada de Direito Civil

promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal. A título de

exemplo apontam-se as lições de Wanderli Acillo Gaetti:

O art. 3.° do Dec.-lei 271/1967 equipara as obras de infraestrutura à

cons trução da edificação. Desta forma a realização destas obras,

básicas em qual quer tipo de empreendimento imobiliário, irá

substituir a necessidade da pré via construção da casa ou da torre do

edifício no terreno comum, bastando, para que se constitua o

condomínio, esteja a infraestrutura totalmente conclu ída, ficando

atendido o requisito legal contido na lei de condomínios. ll, Diverso

do que ocorre no condomínio tradicional, onde a edificação sobre o

terreno é sempre considerada a unidade autônoma. Neste tipo de

empreendimento a unidade autônoma é o próprio lote. Aqui, cada

condômino é proprietário de sua unidade autônoma, livre no uso,

utilização e edificação no lote, respeitadas todas as normas de ordem

pública e tudo o que for estipulado na Convenção de Condomínio.

Deste modo, enquanto no condomínio horizontal tradicional os

cálculos e registros são feitos com base na área construída, sujeitos a

alteração a cada modificação, no condomínio de lotes os cálculos e

registros são feitos com base na área do lote. Aqui, estes cálculos

permanecem sempre imutáveis, mesmo se houver alterações de porte

nas edificações. As edificações no condomínio de lotes, diversamente

do que ocorre no condomínio tradicional, se aderem como acessões

aos lotes, sem que isto descaracterize sua condição jurídica de unidade

autônoma. Não é necessário se alterarem os cálculos, quadros de

áreas, projetos, muito menos haverá a necessidade de se modificar

registros e averbações do condomínio nos livros do RI, cada vez que

se erigir construção nova.

Da mesma forma, para Melhim Chalhub:

[...] condomínio de lotes – é legalmente admitido pelo art. 3.º do Dec.-

lei 271/1967, combinado com o art. 8.º, a, da Lei 4.591/1964 e com os

arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil; sua regulamentação é atribuída

aos Municípios, por força da competência que a Constituição de 1988

lhes atribui (arts. 30, VIII e 182, § 1.º).120

O mencionado Decreto-Lei 271/67 equiparou o incorporador ao loteador, os

compradores de lotes aos condôminos, e as obras de infraestrutura à construção da

edificação, permitindo a existência dos condomínios de lotes:

120 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;

JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:

modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 1254.

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Art 3.º Aplica-se aos loteamentos a Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro

de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores

de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da

edificação.

§ 1.º O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará êste

decreto-lei, especialmente quanto à aplicação da Lei n.º 4.591, de 16

de dezembro de 1964, aos loteamentos, fazendo inclusive as

necessárias adaptações.

§ 2.º O loteamento poderá ser dividido em etapas discriminadas, a

critério do loteador, cada uma das quais constituirá um condomínio

que poderá ser dissolvido quando da aceitação do loteamento pela

Prefeitura.

Pode-se depreender deste dispositivo que equiparando o loteador ao

incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à

construção da edificação, uma vez prontas todas as obras de infraestrutura, equiparadas

à construção da edificação, não há motivo para vincular o lote ou terreno à efetiva

construção da casa.

Discute-se se artigo em questão já estaria revogado, em conformidade com o

§ 1.º, do art. 2.º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A Lei 6.766/79

teria revogado também o art. 3º Decreto-Lei 271/67 que autorizava a existência de

condomínios de lote. Assim, a Lei 6.766/79, que dispõem sobre o parcelamento do solo

para fins urbanos, ao regular inteiramente a matéria, automaticamente teria revogado

este Decreto-Lei.

Contudo, esse entendimento não tem prevalecido, defendendo-se a ideia de

que se trata de norma especial que permanece em vigor a par das novas regras. Este

decreto ainda é utilizado e aceito como permissivo aos condomínios de lotes no

ordenamento pátrio.

Nessa linha de pensamento, há legislações municipais, editadas conforme

competência constitucional para edição de normas locais de uso e ocupação do solo

urbano que permitem esta modalidade habitacional. Além de outras regras permissivas,

conforme passe-se a expor.

O Enunciado 89 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de

Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal estabelece que “o disposto nos arts.

1.331 a 1.358 do novo CC aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais

como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo”. Nota-se

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que viabiliza a criação de outras modalidades de empreendimentos fechados, assim

como os condomínios de lotes.

A respeito dos condomínios especiais poderem configurar várias modalidades

de residenciais fechados:

trata-se de espécie de direito de propriedade que pode ter por objeto

edifícios de apartamentos, conjuntos de casa ou de lotes sem

construção, neste último caso com fundamento no art. 3.º do Dec.-lei

271/1967, combinado com o art. 8.º, a, da Lei 4.591/1964 e com o art.

1.331 e ss. do CC. Os apartamentos, as casas e os lotes constituem

partes de propriedade exclusiva, dotadas de autonomia, mas são

interligadas por vínculo material e jurídico às partes comuns; não

obstante essa ligação, as unidades autônomas são suscetíveis de livre

alienação ou oneração pelo seu titular, independentemente de

anuência dos demais condôminos, diferentemente do condomínio

geral, em que o condômino não pode alienar seu quinhão sem dar

preferência aos demais coproprietários. As partes de propriedade

comum são o terreno, a estrutura e os corredores do edifício, as ruas

nos condomínios de casa ou lotes, a rede de distribuição de água e

etc.; essas coisas são indivisíveis e inalienáveis separadamente das

unidades imobiliárias autônomas e sobre elas o condômino é titular de

um quinhão, uma fração ideal.121

Indubitavelmente, a loteamentos é aplicada a Lei 6.766/79; aos condomínios

é aplicada a Lei 4.591/64. Acerca do tema Luís Paulo Germanos escreve:

Reitera-se, primeiramente, que condomínio em edificações e

parcelamento do solo não se confundem. São dois institutos jurídicos

distintos, com procedimento, regras e leis próprios. O primeiro

pertence ao ramo do Direito Privado; o segundo, como bem esclarece

Orlando Gomes, ”mais interessa ao direito público do que ao direito

privado”. Incidem em grave equívoco aqueles que insistem em

sobrepor essas duas figuras. É licito compará-las, porém transformá-

las num único instituto seria o mesmo que negar-lhes existência e

pressupor a concepção de uma nova forma de aproveitamento do solo.

Nada mais absurdo.122

Como se pode notar, o ordenamento jurídico vigente não oferece

disciplinamento seguro e eficiente para que os condomínios de lotes sejam

121 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. In: DIP, Ricardo;

JACOMINO, Sérgio (org.). Doutrinas essenciais. v. IV: Direito registral. Registro imobiliário:

modificações da propriedade. São Paulo: RT, 2011. p. 128. 122 GERMANOS, Luís Paulo. Condomínio especial por unidades autônomas de terrenos –

desnecessidade de vinculação imediata do terreno à construção das unidades habitacionais.

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, para obtenção do título

de mestre em direito civil. São Paulo, 2005. p. 136.

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implementados, nem do ponto de vista da legalidade e muito menos do atendimento dos

princípios urbanísticos, em especial o princípio da função social da propriedade.

Em suma, não é possível realizar parcelamento do solo, em regência de

condomínio, sem a rigidez da lei de parcelamento do solo.

Em relação à legislação que cuida da temática, não possuímos lei federal que

regule os condomínios de lotes, o que evidencia que devem os Municípios regular a

matéria. Sabemos que

parte da violência existente nas cidades pode ser extinguida se os

instrumentos de Direito Urbanístico foram utilizados com a finalidade

de garantir e oferecer condições para que a população possa realizar

seus direitos suas expectativas, consideradas as diferenças sociais,

políticas, econômicas, etc. A efetivação da saudável qualidade de vida

urbana deve ocorrer em uma dinâmica que garanta a harmonia da

cidade, dos diversos grupos que a integram e, por último, mas nem

por isso menos significativo, a realização individual.123

Por isso, a relevância da regulação municipal acerca dos condomínios de

lotes. A atual situação fática brasileira revela a existência desta modalidade de

empreendimento. O ideal é que haja regulação municipal para que sejam cumpridas as

funções sociais da cidade e viabilize a harmonia das funções urbanas locais.

A ausência de regulação municipal e também de normas da Corregedoria

Geral de Justiça dos estados faz com que esses empreendimentos se tornem irregulares e

sejam indevidamente parcelados através da lei de condomínios que prevê vinculação

entre a edificação e o terreno, e que não contempla institutos de direito urbanístico.

Em 2014 foi editada a Medida Provisória 656/2014 que fez uma pequena

menção aos condomínios de lotes utilizando a nomenclatura “condomínios de lotes de

terreno urbano” em seu art. 11:

A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de

incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio de

lotes de terreno urbano, devidamente registrada, não poderá ser

objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais

credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual

crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao

123 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de

vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 153.

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incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem

como da aplicação das disposições constantes da Lei n.º 8.078, de 11

de setembro de 1990. (grifo nosso)

A Lei 13.097/2015 converteu a MP 656/2014 em lei, no entanto, o art. 11 foi

alterado retirando a menção aos “condomínios de lotes de terrenos urbanos” e dispondo

o art. 55 da seguinte forma:

A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de

incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio

edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou

de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam

sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo

das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor,

decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das

disposições constantes da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Assim, podemos afirmar que o condomínio edilício disciplinado pela Lei

4.591/64 é figura diversa do “condomínio de lotes de terrenos urbanos”.

De acordo com o mencionado anteriormente, cabe a União dispor sobre a

legislação civil acerca do parcelamento do solo, enquanto os municípios são

competentes para legislar sobre Direito Urbanístico de modo atrelado às disposições

gerais previstas pela União.

Nas palavras de José Afonso da Silva:

Cabe advertir que o processo de loteamento se subordina a dois tipos

de normas jurídicas: as urbanísticas e as civis. As primeiras são da

competência municipal e visam a assegurar aos loteamentos os

equipamentos e as condições mínimas de habitabilidade e conforto,

bem como harmonizá-los com o plano diretor do Município, para o

correto desenvolvimento urbano; as normas civis são de competência

exclusiva da União (CF, art. 22, I), que dela se utilizou, editando o

Decreto-lei 58, de 10.12.1937, e seu Regulamento, constante do

Decreto 3.079, de 15.9.1938, e Decreto-lei 271, de 28.2.1967 –

legislação, essa, substituída pela Lei 6.766, de 19.12.1979 –, visando a

garantir a existência das áreas loteáveis e assegurar a regularidade das

alienações de lotes, para o quê estabeleceu os instrumentos formais

necessários ao loteamento e os registros convenientes à seriedade

dessas transações imobiliárias, sem afetar, e até reforçando, os

aspectos urbanísticos a cargo da legislação municipal – agora,

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contudo, sujeita à observância das normas gerais estabelecidas pela

União, nos termos do art. 24, I, e § 1 da CF.124

Também, Hely Lopes Meirelles advertiu acerca das novas modalidades de

parcelamento do solo:

Loteamentos especiais estão surgindo, principalmente nos arredores

das grandes cidades, visando a descongestionar as metrópoles. Para

esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que

oriente sua formação, mas nada impede que os Municípios editem

normas urbanísticas locais adequadas a essas urbanizações. E tais são

os denominados 'loteamentos fechados ', 'loteamentos integrados ',

'loteamentos em condomínio', com ingresso só permitido aos

moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e

serviços urbanos próprios, para autossuficiência da comunidade.125

Igualmente, Luís Paulo Germanos adverte sobre a necessidade de edição de

norma que regule esta categoria de condomínios:

Sob o aspecto legislativo, verifica-se que não há, em qualquer

esfera de nosso ordenamento jurídico, lei específica que

contemple e discipline a figura do condomínio especial por

unidades autônomas de terrenos.

[...]

Apesar da inafastável incidência dos princípios norteadores do condomínio

edilício sobre a figura aqui sugerida, emprestados tanto da Lei 4.591/64, como da nova

codificação civil, entendemos que o condomínio especial por unidades autônomas de

terrenos reclama lei própria para ser recepcionado no ordenamento jurídico pátrio.

Sendo patente a necessidade de uma legislação especifica, resta saber

a quem compete, em nosso direito, a edição de normas sobre

condomínio.

Achando-se posicionado na esfera do Direito Civil e, portanto, no seio

do Direito Privado, é certo afirmar que o instituto em apreço ganhe

expressão legislativa através de lei federal. Isso porque, consoante a

Carta Política de 1988, compete privativamente à União legislar sobre

direito civil (art. 22, I).

Uma vez contemplado o condomínio especial por unidades autônomas

de terrenos em nosso ordenamento jurídico, seria salutar, para a

adequada implantação de empreendimentos dessa natureza, a

observância às regras de natureza urbanística.

[...]

124 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 328. 125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 561.

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102

Nota-se que, no que concerne à matéria urbanística, o papel legislativo

da União atém-se à fixação de diretrizes e à edição de normas gerais,

aplicando-se tais linhas reguladoras a todo o país, 'incidindo de modo

mais intenso no âmbito municipal, que é onde ocorrem precipuamente

as atuações urbanísticas'.

Se imaginarmos a fixação desses preceitos norteadores da lei que venha a

regular o condomínio especial por unidades autônomas de terrenos, aos Municípios

seria permitido ajustar os contornos dessa forma de aproveitamento do solo de acordo

com os interesses e particularidades locais, procurando, assim, ordenar racionalmente a

ocupação de seus territórios e conferir à propriedade uso adequado e compatível com o

bem coletivo.126

É possível, dessa forma, deduzir que a regularidade da existência dos

condomínios de lotes está condicionada a edição de uma norma municipal regulando o

tema.

E assim foi feito por alguns municípios brasileiros, como se passa a analisar.

O Município de Niterói, localizado no estado do Rio de Janeiro, possui a Lei

1.968/2002, que institui o Plano Urbanístico da Região Oceânica, e em seu art. 56

admite os condomínios de lotes como modalidade de parcelamento do solo urbano, ao

lado dos loteamentos e desmembramentos.

No Município de Paço do Lumiar, no Maranhão, o Plano Diretor do

Município, em seu art. 49, § 1.º, estabelece que são formas de parcelamento do solo o

Desmembramento e seu respectivo Remembramento, o Loteamento e o Condomínio

Urbanístico.

O Município de Manhuaçu, em Minas Gerais também previu a

implementação de condomínio de lotes na Lei 2.623/2006 no art. 3º estabelecendo que:

a propriedade no condomínio urbanístico submete-se ao regime

jurídico estabelecido pelo art. 8º da Lei Federal no 4.591, de 16 de

dezembro de 1964, e pelos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil, pelos

quais as áreas privativas, bem como as unidades imobiliárias que

126 GERMANOS, Luís Paulo. Condomínio especial por unidades autônomas de terrenos –

desnecessidade de vinculação imediata do terreno à construção das unidades habitacionais.

Dissertação (Mestrado). 2005. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2005.

p. 87.

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103

sobre elas vierem a ser construídas, constituem objeto de propriedade

autônoma, exclusiva e individual de cada um dos respectivos

proprietários, promitentes compradores cessionários ou promitentes

cessionários, que poderão aliená-las ou gravá-las livremente,

independentemente de anuência dos demais condôminos, e as áreas

comuns constituem propriedade e uso comum a todos eles.

O município de Sapucaia do Sul, no Rio Grande do Sul dedica a Lei

2.641/2004 a autorização dos condomínios horizontais de lotes no perímetro urbano.

Segundo o art. 2º:

As obras previstas no art. 8º da Lei no 4.591/64, por força do art. 3º do

Decreto-Lei no 271/67, são as obras de infraestrutura do

empreendimento ea unidade autônoma será o lote e não a edificação

sobre este. A propriedade do sistema viário e dos equipamentos

comunitários, não passará ao Município, ao contrário, permanece

como propriedade dos condôminos.

O município de Porto Alegre, também no Rio Grande do Sul, em sua Lei

Complementar 434/1999, que instituiu o Plano Diretor do município dispôs no art. 156,

§ 4º, “a instituição de condomínios por unidades autônomas, na forma do art. 8º, alínea

‘a’, da Lei Federal 4.591, de 16 de dezembro de 1964, poderá ser autorizada, a critério

do SMGP, ainda que não contenham os projetos relativos às edificações privativas,

respeitando as condições a serem estabelecidas em regulamentação desta Lei”. Ao

prever a desvinculação entre a edificação e o terreno, automaticamente, se autoriza a

instituição dos condomínios de lotes que possuem esta característica.

No Estado de São Paulo, o município de Fernandópolis publicou a Lei

4.346/2015 que dispõe sobre a implantação de loteamentos fechados e de condomínios

horizontais de lotes. O art. 2º, inciso V, apresenta a definição desta modalidade

habitacional,

condomínio horizontal de lotes: divisão de gleba ou lote em frações

ideais, correspondentes a unidades autônomas destinadas à edificação

para fins residenciais em edificação unifamiliares, com áreas de uso

comum dos condôminos, que não implique na abertura de logradouros

públicos, nem na modificação ou ampliação dos já existentes, com

abertura de vias internas de domínio privado.

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104

No município de Araquari, em Santa Catarina, a Lei 2.851/2013 autoriza a

aprovação de projetos de condomínios horizontal de lotes residenciais em seu perímetro

urbano. Segundo o art. 2º desta lei,

as obras previstas no art. 8º da Lei no 4.591/64, por força do art. 3º do

Decreto-Lei no 271/67, são as obras de infraestrutura do

empreendimento e a unidade autônoma será o lote e não a edificação

sobre este. Parágrafo único – a propriedade do sistema viário e dos

equipamentos comunitários, não passará ao Município, ao contrário,

permanece como propriedade dos condôminos.

No município de Curitibanos, em Santa Catarina, possui a Lei 5.109/2013 que

disciplina a instituição de condomínio horizontal de terrenos. Segundo o art. 2º desta lei,

“considera-se condomínio horizontal de terrenos, o empreendimento que será projetado

nos moldes definidos no art. 1.331 e seguintes do Código Civil e art. 8º, da Lei

4.591/64, e no art. 3º, do Decreto-Lei 271/67, no qual cada terreno será considerado

como unidade autônoma, a ela atribuindo-se fração ideal do todo”.

Ainda no estado de Santa Catarina, no município de Otacílio Costa há a Lei

1.861/201º que disciplina a instituição de condomínio horizontal de terrenos. De acordo

com o art. 2º, “considera-se condomínio horizontal de terrenos, o empreendimento que

será projetado nos moldes definidos no art. 1.331 e seguintes do Código Civil e art. 8º

da Lei 4.591/64, e no art. 3º do Decreto-Lei 271/67, no qual cada terreno será

considerado como unidade autônoma, a ela atribuindo-se fração ideal do todo”.

O Município de Penha, em Santa Catarina, através da Lei Complementar

24/2010 dispõe sobre a ocupação do solo na forma de condomínio horizontal fechado

para fins residenciais e comerciais. O art. 24 desta lei desvincula a construção do

terreno, criando a possibilidade da instituição dos condomínios de lotes: “as edificações

a construir nas áreas do condomínio serão aprovadas pela Secretaria de Planejamento do

Município de Penha, posteriormente à aprovação do projeto do condomínio e após o

registro do condomínio no cartório competente, obedecendo aos parâmetros e índices

construtivos conforme a Lei Complementar 002/2007 e suas alterações”.

Resta comprovada a existência desta modalidade habitacional e quais os

requisitos estabelecidos pelos municípios brasileiros para sua implementação. Apesar

das críticas doutrinarias acerca do tema, certo é que disciplinar a matéria é prudente, vez

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que a ausência de regulação gera a ilegalidade e a instituição desta modalidade de

empreendimento sem o respeito às normas de Direito Urbanístico.

Neste momento faz-se relevante mencionar que, atualmente, está em fase de

tramitação no Congresso Nacional o projeto de lei número 3.057/2000, reproduzido no

projeto de Lei 20/2007, que objetiva implementar uma reforma no modelo brasileiro de

parcelamento do solo, o modernizando e adequando à nova realidade de nosso país.

Este projeto de lei cria a figura do condomínio urbanístico semelhante ao

condomínio de lotes estudado pelo presente trabalho.

Este projeto de lei define condomínio urbanístico como “a divisão de imóvel

em unidades autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideias

das áreas de uso comum dos condôminos, sendo admitida a abertura de vias de domínio

privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao perímetro do condomínio”.

Também, define-se a fração ideal como “índice da participação abstrata e

indivisa de cada condômino nas coisas comuns do condomínio urbanístico, expresso

sob forma decimal, ordinária ou percentual”.

Em relação a este projeto de lei:

Trata-se de forma especial de condomínio, na qual as porções em que

é dividida a gleba são demarcadas e denominadas unidades

autônomas identificadas numericamente, para efeito de sua

individualização, e constituem objeto de propriedade exclusiva dos

respectivos adquirentes. A cada unidade autônoma (lote) corresponde

uma fração ideal no terreno em que se assenta o empreendimento, que

poderá ser determinada em função da área do lote, sem vinculação à

futura edificação. Ressalvada a impropriedade da denominação

(condomínio urbanístico), essa proposição legislativa está formulada

em conformidade com a natureza jurídica da propriedade condominial

por unidades autônomas, com as necessárias adaptações às

peculiaridades inerentes ao fracionamento do solo urbano e sua venda

sem construção. De acordo com esse Projeto de Lei, a porção de

terreno em que é dividida a gleba é denominada unidade autônoma e é

destinada a uso privativo. A unidade autônoma corresponde ao lote de

terreno, estando a formulação do projeto de construção da casa e sua

execução na esfera da autonomia da vontade do respectivo titular. [...]

O sistema viário interno e demais espaços e equipamentos destinados

ao uso comum dos condôminos são atribuídos à copropriedade

privada destes, e não ao poder público. A cada lote corresponde uma

fração do todo, à qual corresponderá o direito exclusivo sobre

determinado espaço de terreno (unidade autônoma ou lote), com seu

respectivo potencial construtivo e, bem assim, um coeficiente de

participação abstrata do titular do lote nas áreas e coisas de uso

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comum, como vias de acesso, áreas de recreação, instalações gerais

etc.127

Há requisitos formais em relação à disciplina registral para constituição dos

condomínios de lotes. Eles são elencados por João Pedro Lamana Paiva, Dércio

Antônio Erpen e Mário Pazutti Mezzari:

1. a existência de legislação municipal específica;

2. o enquadramento do empreendimento na Lei 4.591/1964;

3. a existência de instituição e convenção de condomínio, que

estabeleçam os requisitos e as limitações do direito de construir e de

usar as partes comuns;

4. a apresentação de memorial de que conste o projeto aprovado, o

memorial descritivo contendo a caracterização do empreendimento, na

sua totalidade, e das unidades autônomas, as especificações do

empreendimento, a discriminação das frações ideais do terreno e das

coisas comuns, a planilha contendo o cálculo das áreas, o orçamento

da execução das obras de urbanização e dos equipamentos comuns e a

anotação da responsabilidade técnica (ART) do responsável pela

execução da obra.128

Assim, estando em ordem a documentação constante desse dossiê, o Oficial

do Registro de Imóveis promoverá o registro da incorporação e da instituição de

condomínio; após a conclusão das obras, averbará sua execução conforme o projeto,

registrará a convenção de condomínio e abrirá matrícula para todos os lotes do

condomínio.129

A regulamentação interna é feita pela Convenção de Condomínio e toda a

manutenção das áreas comuns do condomínio é custeada com rateio das despesas entre

os condôminos por meio da taxa condominial.

Vale observar que, em outros empreendimentos residenciais, loteamentos que

são abertos e fechados há cobrança de taxas de conservação pelas associações de

moradores em face dos adquirentes dos lotes que optam por não serem associados, o

que faz com que surjam alguns problemas que acabam sendo levados ao judiciário.

127 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 142, jul.-dez. 2009. 128 PAIVA, João Pedro Lamana; ERPEN, Dércio Antônio; MEZZARI, Mário Pazutti. Condomínio

horizontal de lotes. Revista Jurídica 310/69. Disponível em: <http://registrodeimoveis1zona.

com.br/?p=242>. Acesso em: 17 nov. 2016. 129 Idem, ibidem.

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107

Consequentemente, há soluções conflitantes nos processos que tratam a

temática, considerando que não há legislação sobre o tema e, tampouco, consenso na

doutrina.

Em algumas ações os magistrados optam pela exigência da cobrança de taxas

mesmo para aqueles moradores que optaram por não se associar. Essas decisões,

geralmente, se baseiam na máxima de proibição do enriquecimento sem causa.

Assim, não poderia um adquirente de lote se beneficiar das benfeitorias

realizadas pelas associações e, por não ser associado, não efetuar o pagamento pelas

mesmas. Neste cenário de injustiça haveria uma socialização das vantagens, de modo

que todos os adquirentes seriam beneficiados, enquanto apenas alguns arcariam com os

ônus dos pagamentos.

Desse modo, seria justo que ao se beneficiarem dos serviços de conservação e

de segurança os moradores não poderiam eximir-se do pagamento desta taxa, sob pena

de se auferirem enriquecimento sem causa.

Por outro lado, em oposição a este entendimento, a Constituição Federal em

seu art. 5.º, inciso XX, estabelece que a ninguém pode ser imposta a obrigação de

associar-se ou a de permanecer associado. Assim, como ninguém pode ser obrigado a

associar-se, não é possível cobrar taxa imposta pela associação de moradores aos que

não são a ela associados.

Nos condomínios urbanísticos não há o surgimento desta questão, pois a taxa

de condomínio é uma obrigação propter rem e, assim, pode ser exigida pelo simples

fato do exercício da propriedade.

Assim,

de efeito, não se me afigura razoável que alguém adquira um lote em

condomínio fechado, já implantado, que oferece diversas vantagens

aos proprietários, faça adesão contratual ao estatuto,

responsabilizando-se pelo pagamento da sua quota parte, para ao

depois excluir-se “em tese” do grupo, em favor de uma pseudo-

individualidade que sequer poderá exercer, na medida em que não tem

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como se afastar da comunidade e irá, por conseguinte, continuar a

fruir de suas vantagens, ao menos em grande parte.130

Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se extrai do

julgamento do Recurso Especial 490.419/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi:

Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado.

Condomínio atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas.

Obrigatoriedade de pagamento. – O proprietário de lote integrante de

loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente

instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de

serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com

o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois

não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços

prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação.

Precedentes. [...]

A questão posta a desate pelos agravantes consiste em aferir se são

obrigados ao pagamento das taxas condominiais cobradas pela

agravada em razão dos serviços prestados ao loteamento, ainda que

não sejam dela associados e não tenham se comprometido por

qualquer negócio jurídico ao pagamento dessas despesas.

Compulsando os autos, verifica-se que os dispositivos legais tidos por

violados não restaram apreciados pelo acórdão recorrido de modo a

evidenciar o prequestionamento, requisito específico de

admissibilidade do recurso especial. Incide, na espécie, o

entendimento consubstanciado no enunciado 211 da súmula deste

Tribunal, o que impede o conhecimento do recurso especial pela

alínea 'a' do permissivo constitucional. O recurso especial também não

prospera pela alínea 'c' do permissivo constitucional. O STJ já firmou

entendimento no sentido de que os proprietários de imóveis que

usufruem dos serviços prestados por sociedade ou associação ao

condomínio, ainda que atípico, devem contribuir no rateio das

despesas, sob pena de enriquecimento ilícito. [...]

Nesse ponto, alegam os agravantes que não estariam obrigados ao

pagamento das despesas realizadas pela agravada porque são

proprietários de lote situado em loteamento aberto. Não há, nos

precedentes acima alinhavados, menção expressa sobre o fato de

serem os loteamentos sobre os quais recaem as despesas condominiais

abertos ou fechados. Na verdade, não há de se fazer distinção. A

obrigatoriedade ao pagamento das despesas efetuadas por sociedade

ou associação em condomínio atípico não advém da caracterização do

loteamento como aberto ou fechado, mas sim da efetiva fruição dos

serviços prestados por seus moradores. Dessa forma, porquanto os

agravantes são beneficiários desses serviços, estão obrigados ao rateio

das despesas, ainda que moradores de loteamento aberto.131

130 STJ, REsp 443.305-SP, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.02.2008. 131 STJ, Recurso Especial 190.419-SP. DJU de 30.06.2003. Rel. Min. Nancy Andrighi.

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Extrai-se que, inclusive moradores de loteamento abertos são obrigados a

arcar com as custas de manutenção. De certo, quando tratamos de loteamentos fechados

o vínculo entre os moradores é ainda maior, pois há um compromisso mútuo pré-

definido, integrado pelos lotes e residências.

Verifica-se que as decisões desta corte são contumazes ao estabelecer a

obrigatoriedade do pagamento da taxa condominial por todos os moradores, associados

ou não, com fundamento na vedação do enriquecimento sem causa:

CIVIL – AÇÃO DE COBRANÇA – COTAS CONDOMINIAIS –

CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO NÃO REGISTRADA –

LOTEAMENTO – CONDOMÍNIO HORIZONTAL. I – O Registro

da Convenção de Condomínio tem por finalidade precípua imprimir-

lhe validade contra terceiros, não sendo requisito 'inter partes'. Por

isso não pode o condômino sob este fundamento recusar-se a cumprir

os seus termos ou a pagar as taxas para sua manutenção. II – Um

condomínio, ainda que atípico, caracteriza uma comunhão e não se

afigura justo, nem jurídico, em tal circunstância que um participante,

aproveitando-se do 'esforço' dessa comunhão e beneficiando-se dos

serviços e das benfeitorias realizadas e suportadas pelos outros

condôminos, dela não participe contributivamente. III – Recurso

conhecido e provido.132

Ação de cobrança. Associação de moradores. Precedente. 1. Como

assentado em precedente da Corte, o 'Registro da Convenção de

Condomínio tem por finalidade precípua imprimir-lhe validade contra

terceiros, não sendo requisito 'inter partes'. Por isso não pode o

condômino sob este fundamento recusar-se a cumprir seus termos ou

a pagar as taxas para sua manutenção'. 2. Não tem apoio no direito

autorizar que aquele que é beneficiado pela manutenção das áreas

comuns deixe de pagar as despesas respectivas, prevista a

incumbência da associação para esse fim. 3. Recurso especial não

conhecido.133

CONDOMÍNIO ATÍPICO. Associação de moradores. Despesas

comuns. Obrigatoriedade. – O proprietário de lote integrante de gleba

urbanizada, cujos moradores constituíram associação para prestação

de serviços comuns, deve contribuir com o valor que corresponde ao

rateio das despesas daí decorrentes, pois não é adequado continue

gozando dos benefícios sociais sem a devida contraprestação.

Precedentes. Recurso conhecido e provido.134

Em remate, resta incontroverso que o adquirente de imóveis, quando já

instalada à associação de moradores, firmou o compromisso de a integrar, não podendo,

132 STJ, Recurso Especial 139.952, DJ de 19.04.1999. Rel. Min. Waldemar Zveiter. 133 STJ, Recurso Especial 180.838, DJ de 13.12.1999. Rel. Min. Menezes Direito. 134 STJ, Recurso Especial 439.661, DJ de 18.11.2002. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.

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em absoluto, se eximir do pagamento das custas de manutenção. É o que reza a súmula

260 do STJ que prevê que “a convenção de condomínio aprovada, ainda que sem

registro, é eficaz para regular as relações entre os condôminos”.135

Quanto à regularidade do estabelecimento dos condomínios de lotes, é

necessário que sua criação esteja em consonância com a legislação municipal, as

normas da Corregedoria Geral de Justiça dos estados e em conformidade com os

ditames do Direito Urbanístico. Como nos casos das legislações municipais

mencionadas,

importa salientar, por fim, que essa eventual colisão refere-se a

“privatização” de áreas de domínio público situadas em loteamento, e

não à apropriação de áreas comuns de condomínio por unidades

autônomas, correspondentes a lotes de terreno; neste caso, não se

vislumbra a possibilidade de colisão, pois as vias de circulação e

demais áreas internas constituem propriedade e uso privados dos

condôminos e não de domínio público, sendo proprietários da

totalidade da gleba, pelo regime do condomínio especial (Lei

4.591/1964, art. 8º, alínea “a”, e Código Civil, arts. 1.331 e seguintes),

os condôminos estão investidos de poder jurídico que lhes assegura o

controle do acesso de estranhos.136

Posição igualmente favorável à instituição dos condomínios de lotes é a de

Marco Aurélio Viana:

não vemos obstáculo há utilização de terrenos não construídos para

erigir mais de uma edificação, seja ela multifamiliar ou unifamiliar

[...]. Devemos entender que o Código dispõe a respeito de uma forma

de utilizar a propriedade, de obter os serviços que ela oferece. Tal

utilização está submetida apenas à política urbana, segundo os limites

e fins perseguidos pela Lei Maior, art. 182. O que devemos examinar

no caso concreto é se essa maneira de criar núcleo de moradia fere o

desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus

habitantes, e atende às exigências fundamentais do ordenamento

urbano. Na verdade, nos dias que correm, introduzido o conceito de

135 STJ, 4.ª Turma, REsp n. 503768/RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 01.09.2003:

CIVIL E PROCESSUAL. CONDOMÍNIO INSTITUÍDO SOBRE LOTEAMENTO. AUSÊNCIA DE

INSCRIÇÃO DO REGISTRO DE IMÓVEIS. EFEITO ERGA OMNES INEXISTENTE. VALIDADE,

ENTRETANTO, DA CONVENÇÃO ENTRE OS FIRMATÁRIOS. SÚMULA N. 260/STJ COBRANÇA

DE CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS. LEI 4.591/64, ART. 9.º. EXEGESE. I. A falta de registro da

convenção de condomínio obsta a sua oposição a terceiros, mas obriga, todavia, aqueles que dela

participaram, instituindo, voluntariamente, direitos e obrigações disciplinando as relações da

coletividade, inclusive no tocante à contribuição proporcional nas despesas comuns (Súmula n.

260/STJ). II. Precedentes do STJ. III. Recurso especial conhecido e provido. 136 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 116, jul.-dez. 2009.

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111

função social da propriedade, assegurado ao proprietário o exercício

do seu direito, mas em consonância com sua finalidade econômica e

social, não se pode inibir essa forma de utilização como de resto

nenhuma outra que não ofenda os princípios constitucionais

indicados.137

Igual posicionamento favorável é assumido por Daniela Rosário:

a falta de regulamentação específica realmente impede ou não que se

faça, que se execute o denominado condomínio de lotes? A meu ver,

que não é o posicionamento das decisões do Tribunal de Justiça de

São Paulo, não há vedação legal para que se estabeleça um

condomínio de lotes. Independentemente do Decreto-Lei n.º

271/1967, voltemos para o ponto inicial do nosso encontro de hoje. A

ocupação do solo compete ao município. O elemento imprescindível

será, portanto, que o município preveja essa forma de ocupação, que

ele traga a previsão de que é possível instituir um condomínio especial

cuja unidade autônoma é um lote destinado à edificação. Se o

município não trouxer essa previsão, não tem nem o que aprovar. Mas

se houver uma previsão normativa municipal adequada, que inclusive

possa usar por base o Decreto-Lei n.º 271/1967 – porque a falta dessa

regulamentação posterior não afasta os conceitos do Decreto-Lei n.º

271/1967 –, não haverá impedimento.138

Assim, nessa linha de raciocínio, com base em legislação municipal

autorizadora, normas de serviço da Corregedoria Geral de Justiça estadual e

cumprimento dos ditames do Direito Urbanístico podem ser dotados de regularidade os

condomínios de lotes consolidados no país. A regulamentação municipal permitirá

atenuar os impactos negativos desse tipo de urbanização e ao mesmo tempo desonerar o

município da prestação de serviços custeados pelos próprios condôminos.

3.3 Papel da Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça e da

atividade registral na fiscalização dos requisitos legais dos residenciais

fechados

Diante da celeuma criada pela discussão existente entre os favoráveis e

desfavoráveis à instituição e regulamentação dos condomínios de lotes a atividade dos

registradores de imóveis e das Corregedorias de Justiça estaduais resta prejudicada.

137 VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil – Dos direitos reais. Coordenador

Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 16. p. 374. 138 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.

Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 82, 2012.

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112

A Corregedoria Geral de Justiça dos Tribunais de Justiça estaduais possui

função normativa consistente em regulamentar as legislações visando disciplinar e

racionalizar a eficiência e qualidade dos serviços registrais e notariais. Essa função é

exercida através das chamadas Normas de Serviços.

Assim, as normas de serviços possuem como função primordial explicitar o

teor das leis, a fim de permitir a sua efetiva aplicação. A função correicional consiste na

fiscalização dos serviços notariais e de registro, sendo exercida, em todo Estado pelo

Corregedor Geral da Justiça, e, nos limites de suas atribuições pelos Juízes de Direito.139

O Tribunal de Justiça de São Paulo desenvolve essa atividade correcional e

através de instrumentos próprios como as correições ordinárias, extraordinárias e as

visitas correicionais.

Em relação aos condomínios de lote no Estado de São Paulo a posição da

Corregedoria Geral de Justiça passou por modificações a partir da edição do provimento

n.º 18/2012, sobre regularização fundiária. Atualmente, as Normas de Serviço da

Corregedoria Geral de Justiça permitem a realização de regularização fundiária dos

condomínios de lotes, com base no item 293 do Capítulo XX que determina:

293. Na hipótese de a irregularidade fundiária consistir na ocupação

individualizada de fato, cuja propriedade esteja idealmente fracionada,

as novas matrículas serão abertas a requerimento dos titulares das

frações ideais ou de seus legítimos sucessores, em conjunto ou

individualmente, aplicando-se, conforme o caso concreto, o disposto

no art. 1.º, da Lei n.º 4.591/64 ou no art. 2.º da Lei n.º 6.766/79.

293.1. O requerimento deverá especificar a modalidade de

regularização pretendida, se parcelamento do solo ou instituição e

especificação de condomínio, com as respectivas atribuições de

unidades autônomas ou lotes, obedecidas as condições abaixo.

293.2. O adquirente por meio de contrato ou documento particular de

fração ideal já registrada está legitimado a promover a especialização

dessa fração nos moldes desta subseção para fins de registro de seu

título aq muisitivo.

Nota-se que a Corregedoria Geral de Justiça reconheceu a vigência do

Decreto-Lei n.º 271/1967 e entendeu, para fins de regularização fundiária, como

superada a dicotomia existente entre loteamento e condomínio, determinando a

139 Art. 1.º, Seção I, Capítulo XIII, das Normas de Serviço de Cartórios Extrajudiciais – Tomo II.

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existência dos condomínios de lotes como modalidade habitacional que admite

regularização.

Na medida em que não há legislação federal que trata com a devida

profundidade a existência e validade dos condomínios de lotes, há premente

necessidade de regulamentação deste tema, uma vez que regulamentar a situação fática

existente atende mais ao interesse público que ausência de norma, a qual gera situação

de ilegalidade.

É certo que o anseio da sociedade de viver em condomínios mais seguros não

resta absolutamente comprometido pela inexistência da modalidade dos condomínios de

lotes. Há qualidade de vida nos modelos vigentes que englobam a lei de parcelamento

do solo urbano ou a lei de condomínios edilícios.

A ilegalidade dos empreendimentos gera repercussões negativas na

urbanização. A título de exemplo, uma destas repercussões negativas poderia ser o

crescimento desordenado da urbe, sem preocupação com os requisitos urbanísticos

previstos na lei de parcelamento do solo. Com este entendimento:

Registro de Imóveis – Regularização de empreendimento imobiliário

como condomínio de casas – Inadmissibilidade – Ausência de

vinculação do terreno às construções – Vinculação de partes ideais de

cada unidade a áreas superficiais, com previsão tão-só de construção

de compartimento de madeira para barcos, sem definição precisa

quanto à edificação de residências, cuja construção depende, ainda, da

iniciativa dos titulares do domínio – Empreendimento que configura,

em verdade, parcelamento do solo urbano, na modalidade loteamento

(art. 2.º, § 1.º, da Lei n. 6.766/79) – Regularização somente possível

com observância do disposto nos arts. 38 e seguintes da Lei n.

6.766/79 e nos itens 152 a 155 das NSCGJ – Recurso não provido.

[...] A hipótese versa sobre requerimento administrativo por meio do

qual o Recorrente pretende a regularização de empreendimento por

ele projetado e implantado no imóvel objeto da matrícula n. 19.381 do

Registro de Imóveis da Comarca de Novo Horizonte, com amparo nos

itens 216 e 217 das Normas de Serviço desta Corregedoria Geral da

Justiça, empreendimento esse denominado “Condomínio Deitado de

Lazer Praias da Mata”. Em que pesem os argumentos expendidos pelo

Recorrente, o recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, não

comporta provimento, pois o empreendimento em questão, como

sustentado pelo Ministério Público e decidido pelo Meritíssimo Juiz

Corregedor Permanente, não configura o denominado condomínio de

casas, disciplinado pela Lei n. 4.591/1964, mas sim verdadeiro

parcelamento do solo, na modalidade de loteamento, implantado ao

arrepio da Lei n. 6.766/79. E, como tal, somente pode ser regularizado

com a observância das normas e procedimentos previstos nos itens

152 e seguintes das NSCGJ. A propósito, cabe lembrar inicialmente

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que, nos termos do art. 8.º, letra “a”, da Lei n. 4.591/1964, o que

caracteriza o denominado condomínio deitado ou condomínio de

casas, e o distingue, fundamentalmente, para o que aqui interessa, do

loteamento, é a vinculação efetiva do terreno à construção,

constituindo-se as unidades autônomas de casas térreas ou

assobradadas. Daí se mostrar impossível admitir a figura do

condomínio de lotes.140

Por essa razão, faz-se necessária a edição de uma norma federal que

estabeleça um piso mínimo de proteção urbanística quando da implementação dos

condomínios de lotes, sob pena de sua utilização configurar burla à lei que rege o

parcelamento do solo urbano no Brasil.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, chegou a regulamentar a

matéria dos condomínios de lotes em suas Normas de Serviços de Cartórios

Extrajudiciais, mas optou por suprimir o item 222.2, do capítulo XX.

Entretanto, nas Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São

Paulo permanece ainda o regramento que admite os condomínios de lotes no âmbito da

regularização fundiária, no item 293 do Capítulo XX.

Essas regras tem caráter obrigatório para os Oficiais de Registro de Imóveis

que são verdadeiros fiscais do Poder Público na execução do controle urbanístico.

Assim é que ao qualificar um título registrário que represente ato de burla à lei do

parcelamento do solo ou da legislação de incorporação imobiliária o Oficial irá

qualificar negativamente o título, impedindo o acesso ao fólio real.

Desse modo, as normas da Corregedoria Geral de Justiça cumprem com a

finalidade de regular as questões registrárias, e nesse sentido, revelam-se como uma

importante ferramenta de controle de legalidade da expansão urbana.

3.4 A disciplina jurídica dos condomínios de lotes à luz do Direito Urbanístico

Sabe-se que os direitos do homem, tanto os Direitos Humanos quanto os

Direitos Fundamentais, são direitos históricos e surgem em determinadas circunstâncias

sociais. A sustentabilidade urbana integra o rol dos Direitos Humanos e dos Direitos

140 CGJSP. Processo: 2.051/2007. Comarca de Novo Horizonte. Data do julgamento: 16.10.2007.

Relator: Gilberto Passos de Freitas.

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Fundamentais. Assim, é integrante do rol dos Direitos Humanos, pois reconhecida em

tratados internacionais; e também constitui um direito fundamental, pois a Constituição

Federal de 1988 determinou, no art. 182, que o município deve objetivar e ordenar o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes.

Assim, a realidade fática possui mais urgência e a disciplina jurídica tenta, de

prontidão, acompanhar a evolução da sociedade.

Contudo, o Direito ainda não ofereceu nenhuma resposta legislativa aos

condomínios de lotes, apesar da prática ser uma realidade em nosso país. Como visto, o

fundamento jurídico em que parte da doutrina o defende seria art. 3.º do Dec.-lei

271/1967 que equiparou o incorporador ao loteador, os compradores de lotes aos

condôminos, e as obras de infraestrutura à construção da edificação.

Os seguintes problemas surgem com a implementação dos condomínios de

lote: o fechamento destes residenciais gera a segregação social? Há impacto na

circulação de pessoas e veículos? Há prejuízo para o espaço público urbano e burla a

Lei 6.766 de 1979? Os condomínios de lotes cumprem a função social da propriedade

urbana?

Em relação à eventual segregação, essa á a maior crítica daqueles que não

concordam com o fechamento dos loteamentos. Ele cria uma segregação social. Então,

acaba se criando um grupo de pessoas de um padrão talvez mais elevado que mora

nesses núcleos e outro grupo de pessoas que não conseguem chegar a esse padrão e que,

portanto, não teriam acesso a esses mesmos benefícios. Hoje em dia, embora ainda seja

uma afirmação bastante forte na doutrina, já perdeu força, principalmente porque

existem inúmeros loteamentos fechados populares. Não é mais uma figura tão rara.

Dizer, “Nossa! Só a classe média, média alta que vive em loteamento fechado” já não é

uma realidade social. Hoje é muito comum que loteamentos com lotes de 125, 150, 200

metros quadrados e com volume enorme de unidades tenham o fechamento autorizado.

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Não é algo mais tão incomum quanto era no passado. Então, por mais que apareça ainda

na doutrina, essa segregação social também já perde força.141

Sobre as classes sociais a que se destinam os empreendimentos residenciais

fechados, Flauzilino Araújo dos Santos aponta:

Paradoxalmente, a construção de conjuntos habitacionais fechados

ganhou impulso na política habitacional estatal voltada para as classes

mais necessitadas da sociedade, desenvolvida pelo Sistema Financeiro

de Habitação (SFH), administrado pela Lei nº 4.380/1964 pelo extinto

Banco Nacional de Habitação (TINI 1), em que procurava conciliar-se

a realização do sonho da casa própria com a parcimônia de haveres

das familias e a carestia dos terrenos. Quanto à circulação de pessoas

e veículos, aí sim o problema é real. O impacto na circulação de

pessoas e veículos. Quando o Poder Público autoriza o fechamento de

um loteamento, fecha-se o acesso a essas vias públicas de circulação.

O traçado das vias que estava previsto na organização do município se

altera. Altera-se substancialmente o impacto nesta organização do

município, circulação de ônibus, circulação de veículos nessa

restrição. Além do mais, ordinariamente, o tempo gasto por pessoas,

independentemente do meio de locomoção, também se altera na

medida em que passa a ter de fazer “retornos” ou “voltas” em razão

do caminho criado pelo loteamento, mas sem acesso em razão do

fechamento deste.

Paralelamente, os agentes privados viram na construção desse modelo

de espaço residencial um negócio que vislumbrava maximizar lucros,

ao atender classes de maior poder aquisitivo. Aliando atributos de

segurança, status, pai sagem e localização, eleva-se a mobilização de

capital para implantação desse tipo de empreendimento em áreas

privilegiadas.

Como giro histórico, alguns empreendedores imobiliários no Brasil já

estão projetando novos residenciais fechados dotados de infraestrutura

de segurança, de serviços e de inteligência, verdadeiros bairros

inteligentes, apontados para setores médios e médios baixos, que

também buscam residências cm áreas protegidas de acordo com essa

nova maneira de habitar a cidade.142

Quanto à circulação de pessoas e veículos, aí sim o problema é real. O

impacto na circulação de pessoas e veículos. Quando o Poder Público autoriza o

fechamento de um loteamento, fecha-se o acesso a essas vias públicas de circulação. O

traçado das vias que estava previsto na organização do município se altera. Altera-se

substancialmente o impacto nesta organização do município, circulação de ônibus,

141 RODRIGUES, Daniela Rosário. Condomínio de casas e condomínios em lotes sem edificação.

Boletim do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, n. 347, p. 79, 2012. 142 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos

de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. p. 331.

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circulação de veículos nessa restrição. Além do mais, ordinariamente, o tempo gasto por

pessoas, independentemente do meio de locomoção, também se altera na medida em

que passa a ter de fazer “retornos” ou “voltas” em razão do caminho criado pelo

loteamento, mas sem acesso em razão do fechamento deste.143

Entretanto, o Município, ao estabelecer o ordenamento do seu solo já

determinou onde estas modalidades habitacionais podem se instalar:

ao definir o zoneamento no território urbano, o poder público

municipal já terá indicado as regiões nas quais é exigida a livre

locomoção, de modo a assegurar o acesso da população aos

equipamentos urbanos e, de outra parte, terá identificado os locais em

que admite o uso privado de áreas de domínio público, com o

consequente fechamento e controle de acesso ao loteamento. [...]

situações nas quais se pode justificar o que ele define como

preponderância do direito à segurança, como, por exemplo, a de um

loteamento localizado em área mais afastada da cidade, mas desde que

não interfira na dinâmica mais natural da cidade.144

Para solucionar a questão da segregação social e com o intuito de adequar a

implementação deste modelo habitacional em áreas urbanas, sem comprometer de

maneira significativa o acesso democrático aos espaços físicos da cidade alguns autores

propõem que os loteamentos sejam implementados em zonas mais afastadas dos centros

urbanos:

Imagine-se um loteamento em área mais afastada de uma cidade em

que não existam em volta deste loteamento outros bairros que

dependam das suas ruas para aqueles não-residentes transitarem

normalmente; as ruas do loteamento, se não fossem o muro que o

cerca, de fato poderiam ser usadas por terceiros (não-residentes), mas

teriam pouca circulação, pois não há a dependência do uso destas ruas

pelo comércio local, não há hospitais cujo acesso encontre-se

seriamente comprometido com a convolação do loteamento em

fechado. Neste exemplo, a segurança pública almejada pelos

moradores deve ser prestigiada, isto é, será possível “fechar” o

loteamento. Outra situação: um loteamento em cidade litorânea, à

beira da praia, alcançará, com o uso exclusivo dos bens públicos (ruas,

calçadas e praças), o privilégio desmesurado e injustificável de

também gozar exclusivamente o respectivo trecho de praia. Neste

caso, a ênfase constitucional que o meio ambiente recebe como bem

de uso comum do povo (art. 225) prestigia a liberdade de locomoção

143 SANTOS, Flauzilino Araújo. Direito notarial e registral: homenagem as Varas de Registros Públicos

de São Paulo. São Paulo: Quartier Latin, 2016. 144 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 115, jul.-dez. 2009.

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que deve prevalecer à preocupação de um grupo de moradores em

reforçar sua segurança. As nuanças de cada caso concreto, então,

levarão a conclusões diferentes. Ora em favor do princípio da

segurança pública, ora em prestígio ao princípio da liberdade de

locomoção.145

Também, Vicente Celeste Amadei e Vicente de Abreu Amadei argumentam

que:

todavia, o que nos parece relevante registrar, para o tempo atual, é o

fato de que o estigma (ou preconceito) que tem acompanhado a ideia

de “fechar” alguns espaços urbanos está em processo de revisão ou

diluição, não só no plano sociológico, mas também na esfera

acadêmica, urbanística e jurídica, quando acompanhado de

regramentos, planejamento e controle pelos órgãos públicos. Com

efeito, sob o ângulo sociológico, o significativo aumento da

criminalidade nos grandes centros urbanos e a falta de condições do

Estado responder de modo suficiente à prevenção necessária, tornando

a vida cada vez mais insegura, indica que a sociedade tem criado e

adotado, por si ou de modo associado com os Municípios, medidas

preventivas de autodefesa ao crime em soluções não só individuais

(como muros e portões nas casas, grades nas janelas e alarmes nas

portas), mas também coletivas (como o “fechamento” de vilas, de ruas

sem saídas e de loteamentos), que, embora não sejam ideais, são

necessárias e, por isso, os Poderes Públicos não podem ignorar, mas

devem respeitar, nos limites naturais do interesse público que lhes

cabe preservar.146

Como já salientado, os loteamentos, por serem regulados pela Lei de

Parcelamento do Solo Urbano não podem obstar o ingresso dos cidadãos em suas áreas

comuns. Isto porque esta modalidade de empreendimento tem caráter público e suas

vias comuns são áreas públicas por definição, apenas sendo admitido excepcionalmente

o controle em seu acesso, conforme já salientado.

De outro lado, nos condomínios de lotes isto não ocorre. Por se tratar de

condomínios todas as áreas do interior desta modalidade habitacional são privadas. E,

utilizando a ideia deste autor mencionada acima, podemos afirmar que o problema na

circulação de pessoas e veículos pode ser solucionado quando implementados

condomínios de lotes em áreas afastadas dos centros urbanos.

145 PIRES, Luis Manuel Fonseca. Loteamentos urbanos. Natureza jurídica. Loteamentos fechados,

bolsões e vilas com acesso restrito aos moradores. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 40. 146 AMADEI, Vicente Celeste; AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba: o parcelamento do

solo urbano em seus aspectos essenciais (loteamento e desmembramento). 4. ed. Campinas-SP:

Millennium, 2014. p. 21.

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Deste modo, em áreas que historicamente não são destinadas à mobilidade de

pessoas e veículos ou ao lazer dos cidadãos não há ofensa ao acesso democrático aos

espaços públicos quando da implementação dos condomínios de lotes.

É certo que cada situação fática implica uma análise específica. Estamos

seguros de que os loteamentos não podem constituir modalidade de acesso fechado, e,

sim, de acesso excepcionalmente controlado. Por seu turno, os condomínios de lotes são

modalidade de empreendimentos fechados que podem, se efetivados em atenção aos

ditames urbanísticos constitucionais, não ferir o perfil urbanístico municipal e gerar

conforto e segurança para seus moradores.

Uma das questões centrais é a articulação das vias destes loteamentos. É

fundamental que as vias adjacentes às vias oficiais estejam harmonizadas à topografia

local para que não haja crescimento desordenado. Acerca desta situação a urbanista

Tânia Maria Bulhões Figueira dispõe:

O principal resultado de tal “política” (imobiliária, mais do que

habitacional) foi a desarticulação dos planos relativos à expansão

urbana. Desse modo, a cidades passaram a crescer seguindo modelos

de urbanizações dispersas, cujos deslocamentos de pessoas e bens

geraram uma série de problemas relativos ao tráfego de veiculas e à

mobilidade urbana, além do aumento com gasto energético e da

população local.

Além disso, esse modelo de dispersão de espaços na cidade

intensificou os processos de abandono ou subutilização de áreas

tradicionais da cidade, salientou a existência de uma segregação sócio

espacial e promoveu uma construção sequencial de empreendimentos

que, se ainda não superaram, podem vir a superar as demandas locais

– com desdobramentos negativos para a economia nacional.

Imersos ao contexto apresentado, as áreas das cidades destinadas à ocupação

e ao uso exclusivo da elite, representados no trabalho pelos condomínios urbanísticos e

loteamentos fechados de alto padrão, apresentam-se como produtos dessa lógica e,

simultaneamente, especialidades que a estimulam – particularmente porque colaboram

com a especialização econômica dos tecidos urbanos e sua consequente segregação.147

147 FIGUEIRA, Tânia Mara Bulhões. Produção social da cidade contemporânea: análise dos

condomínios urbanísticos e loteamentos fechados de alto padrão no subsetor sul de Ribeirão Preto.

Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e urbanismo da

Universidade de São Paulo, São Carlos, 2013, p. 153.

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Pode-se verificar que a urbanista acredita que os empreendimentos

residenciais fechados geram segregação e crescimento desordenado da urbe. Com

entendimento análogo:

Os eixos viários são elementos centrais para a estruturação da

segregação urbana, por influenciarem o tempo de deslocamento

necessário para a população realizar suas atividades cotidianas. Sendo

assim, a disputa principal é em torno das localizações de maior

fluidez.

O controle do tempo de deslocamento é a força mais poderosa que

atua sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja, sobre

a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho,

compras, serviços, lazer etc. Não podendo atuar diretamente sobre o

tempo, os homens atuam sobre o espaço como meio de atuar sobre o

tempo. Daí decorre a grande disputa social em torno da produção do

espaço urbano e a importância do sistema de transporte como

elementos da estrutura urbana.

Daí decorre também a segregação como um mecanismo espacial de

controle dos tempos de deslocamento.148

Ainda acerca desta segregação física criada por estas espécies de

incorporações: nossa tradição latina defende que a convivência entre diferentes permite

uma maior tolerância social. O local por excelência de convivência de grupos sociais

distintos deveria ser o espaço público. Uma questão importante colocada pelos

estudiosos dos condomínios fechados é justamente a privatização do espaço público, e

o fechamento para os espaços públicos adjacentes, bem como para os grupos sociais

vizinhos. Já no modelo norte-americano (ou mesmo anglo-saxão), a segregação étnica e

racial é uma prática historicamente aceita.149

Sem dúvida alguma a convivência harmônica da população no espaço

público é um ideal a ser perseguido e requer uma atuação estatal forte capaz de

propiciar ambiente urbano seguro e democrático. Diante da realidade que está posta,

entretanto, a solução é a possibilidade de o município regulamentar os condomínios de

lotes, em consonância com as regras urbanísticas constitucionais e do Estatuto da

Cidade, bem como em atenção ás normas da Corregedoria Geral de Justiça dos estados.

148 SUAREZ, Pedro Sales de Melo. O eixo São Paulo-Campinas, concentração de capitais e segregação

urbana. Dissertação apresentada para obtenção do grau de mestre na Faculdade de Arquitetura e

urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014, p. 69. 149 D'OTTAVIANO, Maria Camila Loffredo. Condomínios fechados na região metropolitana de São

Paulo, fim do modelo centro rico versus periferia pobre? Tese (Doutorado). 2008. Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 226.

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A ausência do direito posto não contém a demanda por moradia segura e com espaço de

lazer, e faz com que os anseios da sociedade sejam atendidos sem observância de

princípios urbanísticos. Por outro lado, a disciplina jurídica desse instituto permitirá

impor limitações para o atendimento de requisitos urbanísticos e a garantia da

sustentabilidade urbana.

Em sentido contrário é o posicionamento do magistrado Francisco Eduardo

Loureiro para quem é temerário permitir que os Municípios regulem a implementação

de condomínio de lotes frente à ausência de lei federal que regula o tema:

O primeiro risco seria de natureza eminentemente urbanística, de

organização e desenvolvimento das cidades. Basta circular por

qualquer cidade para constatar que os loteamentos, depois de

implantados, desaparecem como empreendimentos autônomos e se

inserem na malha urbana. Não se percebe, no mais das vezes, quando

se passa de um para outro loteamento, integrados que estão na cidade.

Os condomínios de lotes formariam verdadeiros encraves na cidade,

impedindo a circulação interna de veiculas. Claro que se pode

argumentar que tais condomínios somente seriam aprovados em

bairros distantes dos grandes centros. Lembre-se, porém, que as

cidades crescem rapidamente e alcançam bairros que hoje parecem

longínquos. Imagine, por exemplo, se na década de 30 a Cia. City

tivesse implantado um condomínio de lotes nos bairros então distantes

e nos limites da cidade, como o Jardim Paulista, ou o Jardim América,

ou o Alto de Pinheiros. Hoje teríamos verdadeiros guetos que

inviabilizariam o crescimento organizado da cidade e o acesso aos

bairros que se situam além deles. O segundo risco, ainda mais grave, é

o do controle dos requisitos urbanísticos dos loteamentos. Basta uma

leitura rápida daL. 6.766/79 para constatar que o parcelamento do solo

urbano se encontra sujeito a dezenas de requisitos de natureza

cogente, tais como largura mínima de ruas, tamanho mínimo de lotes,

obras mínimas de infraestrutura, vedação a implantação em terrenos

impróprios (inclinados, alagadiços, contaminados...). Se o

empreendedor pode livremente cambiar de regime jurídico e escapar

dos rigores da L. 6.766/79 para cair na L. 4.591/64, naturalmente irá

faze-lo, se tal migração importar menores custos. Basta imaginar a

hipótese, nada acadêmica, de um empreendedor inescrupuloso lançar

um “condomínio de lotes” popular, em terreno perigoso, sem qualquer

infraestrutura, com vias estreitas e lotes em tamanhos ínfimos.

Bastaria a aprovação junto à Prefeitura Municipal para implantar tal

“condomínio” em flagrante burla às normas rigorosas da Lei do

Parcelamento do Solo. Lembro que sempre pensamos em

“condomínios de lotes” de alto padrão, mas nada impede, do modo

como se encontram redigidas as Normas de Serviço, sejam estendidos

a empreendimentos populares. Destaco que a aprovação de um

loteamento exige aprovação muito mais rigorosa do que a aprovação

de um condomínio edilício. A L. 6.766/79 e as próprias Normas de

Serviço exigem, para loteamentos, licenças ambientais, procedimento

de registro rigoroso, aprovação junto ao GRAPOHAB, que envolve

quase uma dezena de secretarias e órgãos. Indago: qual empresário se

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sujeitaria a tal rigor, se pode aprovar o mesmo empreendimento como

condomínio? O terceiro problema é que o art. 15 da L. 6.766/79

transfere para o domínio do Poder Público, no exato momento do

registro do empreendimento junto ao RI, as vias públicas e áreas

institucionais, destinadas à implantação de parques e equipamentos

urbanos, tais como escolas e hospitais. Estima-se que cerca de 1/3

parte de uma gleba loteável seja transferida gratuitamente ao Poder

Público quando do registro do loteamento. Pergunta-se: qual

empresário lançaria o empreendimento como loteamento, se pode

fazê-lo como condomínio de lotes, vendendo a totalidade da gleba?

Pior. Implantado o condomínio de lotes, haverá a subsequente

necessidade de equipamentos públicos para atender os moradores. O

Poder Público terá, então, de desapropriar áreas a elevado custo, que

deveriam ser suas gratuitamente, segundo a L. 6.766/79.150

Com entendimento similar Claudio Luiz Bueno de Godoy:

e tal o que se revela se se pensar na série de exigências específicas ao

registro especial do parcelamento (art. 18 da Lei 6.766/79), do ponto

de vista da preservação do meio ambiente e da paisagem urbanística, a

cuja constatação concorre, ademais, a necessidade de aprovação

prévia por inúmeros órgãos públicos de controle, o que não se dá, na

mesma extensão, no condomínio especial, tanto mais se não procedido

do registro de incorporação. Só para citar um exemplo do que se

tenciona ponderar, pense-se na exigência básica de tamanho mínimo

para os lotes, sem igual exigência para os condomínios, mesmo

porque não há fracionamento da área. Quer dizer, há no tratamento

legal dos loteamentos uma preocupação central – não só com os

adquirentes – mas com o adensamento populacional que propicia e

com os efeitos à cidade que daí decorrem, o que não parece convenha

ser obviado pela subversão da própria natureza jurídica do

empreendimento.151

Em suma, ressalvadas situações em que os efeitos do “fechamento”

prejudiquem a dinâmica natural da cidade, é de se admitir que a vontade de instituir o

condomínio possa prevalecer sobre a circulação dos não moradores se a área não for

previamente destinada ao lazer ou tráfico de pessoas ou veículos, circunstância que

justificaria o fechamento e o controle de acesso, desde que autorizada pela

administração municipal, com fundamento em legislação formal e materialmente

constitucional.

150 CGJSP, Processo 141.294/2014, Comarca de São Paulo, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j.

13.01.2016. 151 CGJSP, Processo 141.294/2014, Comarca de São Paulo, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j.

13.01.2016.

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Outra máxima que deve ser atentada quando da implementação dos

condomínios de lotes é que estes devem respeitar a coesão dinâmica das vias públicas.

Acerca deste princípio:

o princípio da coesão dinâmica surge, justamente, para que as

modificações feitas pelas interferências urbanísticas sejam

continuadas por ações que tenham pertinência e nexo com o contexto.

As mesmas prioridades, o mesmo enfoque deverá ser dado para as

ações urbanísticas de um certo local em certo tempo. A dinâmica do

planejamento é fundamental para a eficácia deste princípio. Na

medida em que certo plano seja aplicado, ele vai se desatualizando

com relação ao seu objeto, justamente por transformá-lo. Assim, o

plano deverá prever mecanismo de revisão e atualização de seu

conteúdo. É a coesão dinâmica. [...] Na verdade, o raciocínio

norteador deste principio consagra a autonomia da vontade dos

particulares que só poderão ter seus comportamentos restringidos por

meio de disposição legal, sendo estas as consideradas nas normas

estabelecidas no art. 59 da Carta Magna. Por seu turno, o Poder

Público além de só poder impor limites à atuação particular através de

normas jurídicas, apenas poderá agir mediante disposição legal,

tornando todo o seu comportamento saudavelmente previsível.152

Assim, o respeito a coesão dinâmica é mais uma condicionante imposta ao

estabelecimento dos condomínios de lotes.

Importa observar que ao tratar dos condomínios de lotes é necessário realizar

a técnica de ponderação de princípios constitucionais como o do direito à locomoção, o

princípío da segurança pública, princípio da igualdade, direito ao lazer, princípio da

função social da propriedade urbana, entre outros.

Assim, pode-se verificar que a solução através da ponderação dos princípios

deve ser feita na análise do caso concreto, pois todas as peculiaridades da situação

devem ser consideradas para eleger qual princípio deverá prevalecer. Em abstrato, a

Constituição Federal confere aos municípios aprovar legislação que permita

condomínios de lotes, mas é necessário analisar se o fechamento não ofende o Direito

Urbanístico, como se passa a expor.

No caso da regularidade dos condomínios de lotes há de um lado o fato de

que o fechamento das vias de circulação e demais espaços livres que seriam de uso

152 DI SARNO, Daniela Libório. Direito urbanístico moderno: meio ambiente urbano e qualidade de

vida. Tese (Doutorado). 2002. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. p. 74.

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124

comum do povo no parcelamento, conforme disciplina dos arts. 4º e 22 da Lei de

Parcelamento do Solo, podendo configurar eventual violação aos princípios de

autonomia de locomoção que garante aos cidadãos livre acesso às áreas de domínio

público (art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).

Por outro lado, há também o princípio da segurança e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio público e privado, conforme arts. 6º e 144 da Constituição

Federal, que justifica o interesse pelos condomínios de lotes.

Assim, estaríamos diante de uma colisão de princípios: de uma parte, o da

segurança, justificado pela crescente demanda social de definição de espaços onde os

cidadãos possam ter assegurada a proteção de sua integridade física e patrimonial, ante

a escalada da criminalidade nos centros urbanos, e, de outra parte, o da liberdade de

locomoção, violado pelo fechamento de espaços públicos a pessoas e meios de

transporte estranhos ao loteamento. A tensão entre esses princípios só se soluciona

mediante exame do caso concreto, pois, em abstrato, todas as permissivas da criação de

espaços fechados nos loteamentos, aprovadas pela legislação municipal, são válidas e

eficazes, dada a competência que a Constituição confere ao Município.153

Portanto, a situação exige a solução através da técnica de ponderação de

princípios, de modo que, no caso concreto, é possível averiguar a legalidade ou não de

condomínios de lotes, considerando a sua área de extensão, o percentual da área do

município já destinado a empreendimentos fechados, o local de sua implementação, a

disponibilidade de equipamentos públicos no seu entorno, o seu impacto ambiental,

enfim, consideradas as consequências sociais, jurídicas e econômicas que ele vai gerar.

Na medida em que as cidades se expandem pelo território do município, a

criação de espaços públicos deve acompanhar o seu crescimento nessa mesma

proporção. Assim, não é possível pensar em desenvolvimento urbano sem criação de

153 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 119, jul.-dez. 2009.

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125

espaços públicos. Como assevera Jordi Borja: “La ciudad es ante todo el espacio

público, el espacio público es la ciudad”.154

Ocorre que, o condomínio urbanístico é composto por área exclusivamente

privada e por essa razão fica fora do alcance da Lei 6.766 de 1979. Como

empreendimento residencial fechado que é, impede a criação de áreas públicas em seu

interior. Dessa forma, impacta de maneira inevitável na disponibilidade de espaços

públicos aos demais habitantes da urbe.

Conforme já ressaltado, esse impacto negativo pode e deve ser neutralizado

pelo empreendedor, o que pode ser feito, por exemplo, com a imposição do dever de

criação de áreas de compensação destinadas à parques, praças, ou outras modalidades

de espaços públicos que melhor atendam as peculiaridades locais. Nesse sentido, pode

até mesmo representar uma solução de desenvolvimento urbano com financiamento

privado em benefício da coletividade.

É possivel afirmar que a legalidade ou não dos condomínios de lotes não

possui solução uniforme. As circunstâncias fáticas de cada caso concreto irão

estabelecer quando a vontade dos instituidores do condomínio pode ser atendida ou

quando há interesse público em manter a área revertida à coletividade.

A respeito da juridicidade e legalidade:

dessa forma de divisão de glebas urbanas, entretanto, não implica

desprezo das exigências e dos requisitos de natureza ambiental e

urbanística nem justifica a generalização da implantação de

condomínios, em substituição ao loteamento. Ambas essas formas de

divisão de gleba urbana devem coexistir no ordenamento, aplicando-

se uma ou outra conforme as ciscunstâncias recomendarem. É de se

admitir, por exemplo, que a divisão sob forma de loteamento seja

mais adequada para gleba de grande extensão, pois neste caso suas

vias de circulação devem, necessariamente, integrar-se à malha viária

urbana, até para contrivuir para sua melhoria; além disso, a divisão

sob forma de loteamento importa em destinação de áreas para

instalação de escolas públicas, hospitais e outros serviços de interesse

de toda a população da cidade, à qual deve ser dado acesso

permanente, o que não ocorre nos condomínios. Mas, seja como for, a

definição das zonas urbanas nas quais é admitida uma ou outra forma

154 BORJA, Jordi. Espacio público y drecho a la ciudad. El Derecho a Ciudad 2011, p. 1. Disponível em:

<https://debatstreballsocial.files.wordpress.com/2013/03/espacio_publico_derecho_ciudad_jordiborja.

pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016.

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de divisão de gleba é matéria reservada à legislação municipal, que

contempla o planejamento urbano e os critérios de ordenação,

ocupação e uso do solo urbano.155

Dessa forma, o que sempre prevalecerá é a supremacia do interesse público

em detrimento dos interesses particulares. Nesse sentido, a regulamentação por lei é

imperiosa para que sejam controlados os impactos urbanos, como o percentual máximo

de área destinada para empreendimentos residenciais fechados, as áreas de

compensação, a viabilidade ambiental, local destinado a sua implantação, dentre outros.

Ademais, é a ineficiência estatal que gera essa busca por moradias com maior

segurança e áreas de lazer. Então, é possível aferir que há situações em que a destinação

privada da área, com a implementação dos condomínios de lotes, é interessante ao

Poder Público visando as limitações estatais na prestação dos serviços de limpeza,

iluminação, segurança, dentre outros.

O condomínio de lotes executado uma forma que seja controlada pelo Poder

Público, e que atenda essas questões, pode gerar um impacto positivo na urbanização e

atender a função social da propriedade urbana.

3.5 Estudo de casos sobre condomínio de lotes no Estado de São Paulo

Conforme analisado até o momento, a disciplina do condomínio de lotes é

extremamente controversa.

Os defensores dos condomínios de lotes como modalidade de

empreendimento urbanístico afirmam que é extremamente importante regularizar os

atuais condomínios de lotes que estão à margem da lei. Isto porque parcela considerável

da população brasileira habita esta modalidade de empreendimento.

A fim de demonstrar a casuística, serão analisados três casos concretos de

condomínios de lotes: (i) Recurso Especial 709.403-SP, pois estabelece o entendimento

do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria; (ii) a Apelação Cível 244-6/5 do

Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, pois representa parcelamento ilegal do

155 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 132, jul.-dez. 2009.

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solo urbano através da utilização equivocada e da figura dos condomínios de lotes; e

(iii) o processo 136/2006 da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, em que é

admita a regularização de um condomínio de lotes implantado anteriormente à Lei

6.766/79.

Iniciaremos com o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça

no Recurso Especial número 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado

em 06 de dezembro de 2.011.

Neste caso a controvérsia versava acerca da verificação, no caso concreto, de

o empreendimento imobiliário denominado “Condomínio Residencial Village Terras de

Indaiá” – localizado no Município de Indaiatuba, no Estado de São Paulo – configurar

condomínio especial horizontal de casas, regido pela Lei 4.591/64, ou loteamento

urbano, disciplinado pela Lei 6.766/79.

O Ministério Público do Estado de São Paulo efetuou pedido de declaração de

nulidade de registro de incorporação imobiliária do referido empreendimento, por haver

burla às normas do sistema de parcelamento do solo urbano.

O STJ apontou as principais distinções acerca do parcelamento do solo e da

instituição de condomínios:

como visto, nos termos da Lei 4.591/64, os condomínios horizontais

pressupõem a existência de edificações. O art. 8.º desse diploma legal,

embora admita a possibilidade de condomínio em terreno onde não

haja edificação, exige, ao menos, a existência de plano para a

construção delas. Há, nesse caso, necessidade de aprovação de um

projeto de construção de casas térreas ou assobradadas ou de edifícios,

ainda que não sejam edificados de imediato. Portanto, a conclusão

inafastável é de que a mencionada Lei 4.591/64 não admite o

condomínio sem vinculação à edificação, à construção. Não basta,

assim, a mera destinação do empreendimento à edificação, conforme

ocorre no loteamento ou desmembramento (Lei 6.766/79). Com base

nessas considerações, pode-se inferir que o loteamento, disciplinado

pela Lei 6.766/79, difere-se do condomínio horizontal de casas,

regulado pela Lei 4.591/64 (art. 8.º). E a diferença fundamental entre

o loteamento (inclusive o fechado) e o condomínio horizontal de casas

consubstancia-se no fato de que, no primeiro, há mero intuito de

edificação (finalidade habitacional), sem que, para tanto, haja sequer

plano aprovado de construção. No segundo, no entanto, se ainda não

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128

houver a edificação pronta ou em construção, deve, ao menos, existir

aprovação de um projeto de construção156.

Este mesmo entendimento já era utilizado na doutrina de Luiz Antônio

Scavone Júnior:

Não se pode negar a existência de condomínio de casas, as chamadas

“vilas”, que encontram sustentáculo nos arts. 8.º e 68 da Lei 4.591/64,

e que também se tem chamado de condomínio horizontal ou fechado.

Entretanto, trata-se de instituto completamente diverso do loteamento

e do desdobramento, regulados pela Lei 6.766/79. A atividade de

parcelar o solo urbano, de acordo com a definição do ato trazida à

colação pelo art. 2.º da Lei 6.766/79 deve, necessariamente, submeter-

se às normas desta Lei. Essa atividade, caracterizada pelo ato de

subdividir uma gleba em lotes destinados à edificação, jamais pode

ser confundida com a de incorporar e construir estabelecida pela Lei

4.591/1964. Ora, o art. 28 da Lei 4.591/64 determina que é

considerada incorporação imobiliária a atividade exercida com o

intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou

parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de

unidades autônomas. Da atividade de parcelar o solo não surge a

necessidade de edificar, mas, tão somente, a finalidade de edificação,

inferência que se extrai do termo “destinação à edificação' contido nos

parágrafos do art. 2.º da Lei 6.766/79. [...] De fato, algumas

semelhanças existem entre o loteamento fechado e o condomínio

deitado, o que explicam, em parte, a confusão operada: perímetro de

ambos os empreendimentos é cercado e o acesso ao interior

controlado; ambos há comunhão de uso das vias internas e espaços

livres; e, nos dois tipos de empreendimento há a necessária aprovação

pela Prefeitura Municipal. Entretanto, as semelhanças param por aí,

começando as diferenças determinantes: I. Regulamentação da via

interna. No condomínio deitado ou horizontal, a vida interna é

regulada pela Convenção nos moldes do art. 9.º e seguintes da Lei

4.591/1964, enquanto que no loteamento fechado deve ser observado

o regulamento de uso, que apenas subsidiariamente utiliza os ditames

da Lei 4.591/1964. II. Objeto. No condomínio deitado ou horizontal o

objeto é uma casa térrea ou assobradada – unidade autônoma – bem

como fração ideal dos espaços livres, enquanto que no loteamento

fechado é um lote de terreno, sem construção. III. Espaços livres

internos e vias de circulação. No condomínio deitado, as vias de

circulação e os espaços internos, que não compõem a unidade

autônoma são frações ideais de uso comum e propriedade dos

condôminos. No loteamento fechado, por força do art. 22 da Lei

6.766/79, os espaços internos e vias de circulação são bens públicos,

apenas concedidos por ato administrativo ao uso exclusivo dos

proprietários de lotes, podendo tal ato ser revogado. IV. Registro. O

condomínio deitado submete-se aos trâmites da Lei 4.592/1964,

inclusive, às vezes, com prévio registro da incorporação, enquanto que

156 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro

de 2011.

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129

o loteamento fechado submete-se ao disposto na Lei 6.766/79,

especificamente no seu art. 18.157

Considerando que o STJ não poderia realizar nova análise probatória dos

fatos apenas podendo realizar manifestações acerca do direito discutido foi consignado

que:

Diante dessas conclusões da colenda Corte local, delineadas com base

no acervo fático-probatório dos autos e nas cláusulas dos ajustes

celebrados entre as partes, não há outra solução senão, na via estreita

do recurso especial, adotar o suporte fático delineado nas instâncias

ordinárias, tendo em vista os óbices previstos nos enunciados n.º 5 e 7

da Súmula do eg. STJ, para, então, concluir pela lisura do ato de

incorporação imobiliária de empreendimento denominado

“Condomínio Residencial Village Terras de Indaiá”, registrado no

Cartório de Imóveis e aprovado pela Municipalidade. Ademais, o fato

de a incorporadora não ficar responsável pela edificação direta das

casas do condomínio não caracteriza ofensa aos dispositivos legais

invocados no especial. Ao contrário, a Lei 4.591/64 expressamente

prevê essa possibilidade, conforme art. 28 e 29158.

Vejamos o artigo que disciplina este dispositivo:

Art. 28. As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional,

reger-se-ão pela presente Lei. Parágrafo único. Para efeito desta Lei,

considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o

intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou

parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de

unidades autônomas.

Art. 29. Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica,

comerciante ou não, que embora não efetuando a construção,

compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno

objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em

edificações a serem construídas ou em construção sob regime

condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de

tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e

responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo,

preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Parágrafo único. Presume-se a vinculação entre a alienação das

frações do terreno e o negócio de construção, se, ao ser contratada a

venda, ou promessa de venda ou de cessão das frações de terreno, já

houver sido aprovado e estiver em vigor, ou pender de aprovação de

autoridade administrativa, o respectivo projeto de construção,

respondendo o alienante como incorporador. (grifo nosso)

157 SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Direito imobiliário. Teoria e prática. 3. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. p. 122-123. 158 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro

de 2011.

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130

Então, neste caso específico, o STJ asseverou que:

a interpretação a ser dada ao mencionado art. 29 da Lei 4.591/64 é no

sentido de que o incorporador, quando não for também construtor,

pode escolher tão somente alienar as frações ideais, sem se

compromissar com a execução direta da construção do

empreendimento incorporado, de modo que esta poderá ser

contratada, em separado, pela incorporadora ou pelos adquirentes do

imóvel, com terceiro – o construtor. Nessas hipóteses, para que fique

caracterizada a vinculação entre a alienação das frações do terreno e o

negócio de construção, basta que o incorporador, no ato de

incorporação, providencie, perante a autoridade administrativa

competente, a aprovação de projeto de construção. Com efeito, o

contrato de incorporação imobiliária não deve incluir,

obrigatoriamente, a construção dos imóveis diretamente pela

incorporadora. O ato de incorporação é diverso do ato de construção,

embora se vinculem159.

É preciso ressaltar que o STJ, neste precedente, não admitiu a existência dos

condomínios de lotes, mas previu a possibilidade da incorporadora terceirizar a

construção das edificações das casas para uma construtora específica ou permitir que

cada adquirente do lote possa fazê-lo diretamente. Apenas é exigida a apresentação do

projeto de execução aprovado pela autoridade administrativa.

Este é então o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca dos

condomínios de lotes que são objeto de nosso estudo, não são admitidos, a não ser que

vinculados a uma futura construção com projeto aprovado, o que caracteriza

condomínio especial de casas.

Antes de prosseguir com o estudo de casos, vale pontuar que o Supremo

Tribunal Federal ainda não se posicionou acerca da regularidade dos condomínios de

lotes. Entretanto, de maneira indireta, o Supremo Tribunal Federal, utilizando a

denominação “condomínio horizontal”, asseverou a obrigatoriedade do pagamento das

taxas de manutenção a ser adimplidas pelos condôminos desta modalidade habitacional:

Cobrança – Condomínio Horizontal – Obrigatoriedade do Pagamento

de Cotas – Pagamento decorrente de serviços prestados. Tendo o

embargante adquirido imóvel em condomínio horizontal, em que as

contribuições recebidas são integralmente revertidas em favor dos

condôminos, com a prestação de serviços, inclusive de conservação,

159 STJ. Recurso Especial 709.403-SP de relatoria do Ministro Raul Araújo, julgado em 6 de dezembro

de 2011.

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131

cabe a todos o pagamento de sua quota-parte, sob pena de haver

enriquecimento ilícito por parte daquele que, sem pagar sua parte,

usufrui dos serviços prestados à coletividade. [...] Fazendo a

Associação de Moradores a “oferta” de prestação de serviços a todos

aqueles que adquiriram imóveis, que é “aceita”, tacitamente, pela

usufruição contínua daqueles serviços, que foram instituídos em

benefício de toda coletividade, dá-se entre ambos o que a doutrina

moderna civilista denominou de Relação Contratual de Fato.160

Retomando os estudos de casos envolvendo condomínios de lotes, verifica-se

a Apelação Cível 244-6/5 do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, da

localidade de Piracicaba, julgada em 30.03.2005, tendo como relator José Mario

Antonio Cardinale.

Neste caso, o 2.º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos de

Pessoa Jurídica da Comarca de Piracicaba negou o registro de escritura de compra e

venda relativa a fração ideal de terreno por considerar demonstrada a implantação de

parcelamento irregular do solo.

Por este motivo, suscitou dúvida perante o Conselho Superior da Magistratura

do Estado de São Paulo, entendendo este órgão pela inexistência de condomínio de

casas e pela impossibilidade de registro porque a venda de fração ideal do imóvel se

destinou, neste caso, a ocultar parcelamento irregular do solo em fraude à legislação

cogente que o regulamenta.

O condômino que pleiteava registro de seu imóvel apelou ao Tribunal de

Justiça que entendeu pelo total desprovimento do recurso, alegando:

A divisão do imóvel entre dez proprietários, feita mediante venda de

frações ideais para pessoas que não aparentam ter, entre si, vínculos

de parentesco ou outros vínculos especiais, é fato suficiente para

demonstrar que nele foi implantado parcelamento do solo em que não

foram observados os requisitos contidos na Lei n.º 6.766/79 e, ao

contrário do que pretende a apelante, em que também não foram

respeitadas as regras contidas na Lei n. 4.591/64.

Esta conclusão se impõe porque, neste caso específico, nenhum outro

elemento contido no registro, na escritura pública de compra e venda,

ou nos documentos que acompanharam a escritura justificam a

partilha da propriedade entre pessoas que adquiriram ou estão

comprando pequenas frações ideais do imóvel urbano sem manter

vínculos especiais entre si.

160 RE 340.561, rel Min. Sepúlveda Pertence, decisão monocrática, DJ 01.02.2005.

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132

A implantação de parcelamento irregular do solo urbano, ademais,

acabou expressamente confirmada pela apelante que afirmou existir

no imóvel um condomínio de casas. Pretende a apelante, com a

distinção entre loteamento e condomínio de casas, o reconhecimento

de que não existe irregularidade que obste o registro, o que faz

esclarecendo que: 'Não se nega que há ainda requisitos formais a

serem observados para a regularização do condomínio, consistentes

no ato de instituição e no registro da convenção já elaborada' (fls. 72,

item 2.15).

O condomínio de casas a que se refere a apelante é o condomínio

edilício regido pelos arts. 1.331 a 1.358 do Código Civil, e pela Lei n.º

4.591/64 na parte em que não foi revogada, e para que esta espécie de

condomínio tenha existência jurídica é requisito essencial o registro

da instituição no Registro de Imóveis, como expressamente estabelece

o art. 1.332 do Código Civil.

Sem o registro da instituição no Registro Imobiliário não há como

reconhecer a existência de condomínio edilício e, portanto, de

vinculação entre as frações ideais do terreno que foram vendidas e as

casas que nele foram edificadas.

Portanto, no presente caso não existe condômino edilício, por falta de

registro da instituição no Registro de Imóveis.

Outrossim, também não foi a divisão do terreno em partes certas e

localizadas precedida de regular parcelamento do solo mediante

registro de loteamento no Registro de Imóveis. Disso decorre o

reconhecimento de que o instituto do condomínio voluntário (arts.

1.314 a 1.330 do Código Civil) foi utilizado para fraudar a legislação,

cogente, que rege o parcelamento do solo urbano, o que impede o

registro pretendido pela apelante

Nota-se que não se admite que seja requerido registro e reconhecimento de

um condomínio de lotes que não seja na modalidade de condomínio edilício, sem que

seja realizada, previamente, a instituição do condomínio com seu respectivo regimento

interno.

Este caso configura evidente fraude à lei de parcelamento do solo urbano, que

exige aprovação do projeto de loteamento ou desmembramento pelo poder local,

seguida do pedido de registro público, instruído com a documentação e aprovação

necessárias.

Como afirmamos anteriormente, não se pode, com o objetivo de

parcelamento do solo urbano, instituir um condomínio de lotes, sob pena de burla à Lei

6.766/79 e consequente irregularidade do empreendimento habitacional.

Acerca da existência dos condomínios de lotes e sua adequação ao direito à

cidade, entende-se pela regularidade destes empreendimentos desde que respeitada a

ordem urbanística, isto é, desde que o empreendimento esteja em consonância com a

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normativa estabelecida no âmbito municipal e as regras postas pela Corregedoria Geral

de Justiça dos estados.

Quanto à relevância desempenhada pela legislação urbanística municipal

acerca dos condomínios de lotes importa lembrar que:

essa prática gera tensão entre o processo de planejamento, essencial

para o equilibrio das funções da cidade, e a premente demanda social

por segurança e melhores serviços. O fechamento sem autorização da

adminitração municipal é ilegal, pois importa em arbitrária

apropriação, por particulares, de bens de domínio público, de uso

comum do povo. Mas, além do aspecto puramente legal, a apropriação

de áreas públicas sem a observância de critérios definidos por lei

municipal pode dar causa a disfunção da dinâmica da cidade, criando

ou intensificando o problema de circulação, agredindo o ambiente ou

privando os cidadãos de bens ou serviços que poderiam estar

localizados nesses loteamentos arbitrariamente fechados. Entretanto,

dada a disseminação desta prática algumas administrações municipais,

talvez visando mitigar seus efeitos ou convalidar a situação, passam a

disciplinar, mediante legislação, o uso privado dessas áreas, a título

precário, facultando aos moradores o controle do acesso ao

loteamento e exonerando o Poder Público do custeio dos serviços de

limpeza e conservação. [...] Em qualquer dessas hipóteses é

indispensável a edição de ato adminitsrativo de permissão de uso, a

título precário, fundado em legislação formal e materialmente

constitucional, ou ainda não declarada inconstitucional por via

concentrada de controle de constitucionalidade.161

Pode-se extrair que a regularidade dos condomínios de lotes está ligada à

existência de uma lei municipal que preveja maneiras de adequação às funções

dinâmicas e sociais das cidades.

Conforme exposto anteriormente, cabe ao Município estabelecer seu

zoneamento e prever quais áreas devem ou não possuir livre circulação aos habitantes

da cidade e quais áreas são passíveis de uso privativo.

De acordo com essas normas e em atenção à regulação dada pelas

Corrregedorias Gerais de Justiça dos estados podem os empreendedores executar

condomínios de lotes.

161 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 112, jul.-dez. 2009.

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134

Por conseguinte não seria razoável condomínios de lotes em áreas com

finalidade de uso comum, pois haveria ofensa à liberdade de locomoção e lazer dos

cidadãos.

Sobre outras situações favoráveis à existência de condomínios de lotes, como

nas situações em que a gleba a ser parcelada esteja inserida em zona afastada ao centro

da cidade, observa-se:

A propósito, Luís Manuel Fonseca Pires aponta situações nas quais se

pode justificar o que ele define como preponderância do direito à

segurança, como, por exemplo, a de um loteamento localizado em

área mais afastada da cidade, mas desde que não interfira na dinâmica

natural da cidade.

De fato, situações como esta, em que a segregação da gleba não

interfira na dinâmica da cidade, pode justificar o “fechamento”, e,

ressalta esse autor, existindo norma legal que o autorize, estarão

presentes a condição e os requisitos para solução da colisão,

ensejando a prevalência do princípio da segurança.162

Por fim, passa-se a analisar a situação de condomínios de lotes

implementados antes da edição da Lei 6.766/79. Poderia haver a regularização destes

empreendimentos? Com fundamento no processo 136/2006163 da Corregedoria Geral de

Justiça de São Paulo entende-se que sim.

Neste processo foi interposto um recurso administrativo pelo Condomínio

Estância Marambaia contra decisão da Meritíssima Juíza Corregedora Permanente do

Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Jundiaí que determinou o

bloqueio da transcrição da referida serventia predial, fundamentando restar

caracterizado, no caso, verdadeiro loteamento, e não condomínio, a impor a

regularização do registro predial para adequação deste à realidade jurídica do

empreendimento.

Os representantes do condomínio de lotes afirmam que o empreendimento foi

realizado há 32 (trinta e dois) anos, conforme registro apresentado. A legislação

aplicável à época era a Lei 4.591/64, a qual, em seu art. 8.º, permitia a criação de

162 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 120, jul.-dez. 2009. 163 CGJSP, Processo 136/2006, Comarca de Jundiaí, rel. Ruy Camilo, j. 24.03.2008.

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135

condomínio de lotes, com reserva de áreas comuns, consistentes em ruas, praças e áreas

de recreio.

Por esta razão, a validade da instituição condominial foi reconhecida em

sentença judicial, confirmada, na seqüência, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo. Por outro lado, aduz que as ruas internas do condomínio são privadas e

não públicas, assim tendo sido registradas na serventia predial, não se podendo falar em

transferência destas para a Prefeitura Municipal, como se daria em autêntico

loteamento.

Assim, conclui, se houve, a partir de determinado momento, alteração na

forma dos registros, com supressão, nas matrículas das unidades autônomas, da parte de

cada uma no todo e do percentual das partes comuns, isto se deu por erro do Oficial

Registrador, não implicando, por evidente, em modificação da natureza da entidade

condominial.

Esse entendimento foi acolhido pela Corregedoria Geral de Justiça de São

Paulo que asseverou:

Ressalte-se que, embora anteriormente ao registro do empreendimento

(24.05.1974) tenha sido celebrado instrumento particular por meio do

qual a Prefeitura do Município de Vinhedo concedeu à empresa

Crediven o uso das ruas e sistemas de recreio, a indicar a idéia de que

haveria a transferência das referidas ruas e áreas de recreio ao

patrimônio municipal, própria a caracterizar, no caso, o loteamento, a

verdade é que, por ocasião do registro do empreendimento no fólio

real, tais vias e sistemas de recreio passaram a configurar “coisas de

uso comum dos condôminos da Estância Recreativa Esporte Clube

Banespa”. [...] Dessa forma, se houve, inicialmente, intenção de

implantar verdadeiro loteamento no local, com transferência de vias

internas para o domínio do Município de Vinhedo, a realidade é que,

por ocasião do registro imobiliário do empreendimento, tal intenção

não se concretizou, já que o que houve, de fato, foi o registro de um

condomínio, sem transmissão da propriedade das ruas internas, as

quais permaneceram como vias de propriedade particular e uso

comum dos condôminos. Anote-se que a ocorrência de efetiva

transferência da titularidade do domínio sobre as ruas à

Municipalidade e a eficácia da concessão de uso destas à

empreendedora do condomínio não podem ser analisadas nesta esfera

administrativo-registral, devendo prevalecer, ao menos por ora, o que

consta do registro predial. Eventual discussão a respeito somente

poderá ser travada na esfera jurisdicional, por iniciativa da própria

Prefeitura do Município de Vinhedo, não se mostrando viável

deliberação a respeito pelo Juízo Corregedor Permanente ou por esta

Corregedoria Geral da Justiça. Não se ignora, aqui, é importante

destacar, a circunstância de o Condomínio Estância Marambaia, ora

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136

em discussão, ser um condomínio em que as unidades autônomas

aparecem sob a forma de lotes de terreno não construído, ou seja,

unidades em que inexiste vinculação efetiva do terreno à construção

de casa térrea ou assobradada, como exigido pelo art. 8.º da Lei n.

4.591/1964, o que tem levado esta Corregedoria Geral da Justiça, em

hipóteses semelhantes, a considerar inválido o registro

correspondente, por configurar manifesta fraude à lei relativa ao

parcelamento do solo urbano, Lei n. 6.766/79 (Proc. CG n. 1.536/96).

Todavia, há que se considerar, na espécie, que se está diante de

empreendimento realizado anteriormente à vigência da Lei n.

6.766/79 e que, sobretudo, a existência e a validade do condomínio

em questão foram expressamente reconhecidas na esfera jurisdicional.

[...] Logo, a legitimidade da constituição do Condomínio Estância

Recreativa Esporte Clube Banespa não encontra obstáculo na lei,

anotando-se, pelo exame da prova, o exato cumprimento de suas

disposições, antes do início da venda dos lotes164.

Dessa forma, antes da edição da lei que rege o parcelamento do solo urbano

atualmente foi instituído o referido condomínio de lotes. Sua regularidade é

reconhecida, pois o empreendimento cumpriu com as normas vigentes naquele tempo e,

por isso, dotado de legalidade o respectivo condomínio.

3.6 Princípios do Direito Urbanístico aplicáveis à disciplina jurídica dos

condomínios de lotes

Nesta parte do trabalho propõe-se a análise do estudo dos princípios do direito

urbanístico e a verificação se eles admitem a existência e regulamentação dos

condomínios de lotes no Direito brasileiro. Demonstraremos que os princípios são

fundamentais para dar harmonia e coerência lógica ao ordenamento jurídico brasileiro e

à tutela jurídica dos condomínios de lote.

Em especial pretendemos analisar os princípios: (i) princípio da função social

da propriedade, (ii) princípio da coesão dinâmica das normas urbanísticas, (iii) princípio

da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da atuação urbanística, e o (iv)

princípio da subsidiariedade.

Em primeiro lugar se faz necessário conceituar princípios jurídicos.

164 CGJSP, Processo 136/2006, Comarca de Jundiaí, rel. Ruy Camilo, j. 24.03.2008.

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137

O ordenamento jurídico é composto por normas jurídicas. As normas são

gênero que possui como espécies as regras e os princípios. Diante da ideia de unidade

do ordenamento não há que se falar em hierarquia entre as normas jurídicas.165

Conforme Humberto Ávila,

um sistema não pode ser composto, somente de princípios, ou só de

regras. Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela

ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas

de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. E um

sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado

rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das

soluções às particularidades dos casos concretos. Com isso se quer

dizer que, a rigor, não se pode dizer nem que os princípios são mais

importantes que as regras, nem que as regras são mais necessárias que

os princípios. Cada espécie normativa desempenha funções diferentes

e complementares, não se podendo sequer conceber uma sem a outra,

e a outra sem a uma. Tal observação é da mais alta relevância,

notadamente tendo em vista o fato de que a Constituição Brasileira é

repleta de regras, especialmente de competência, cuja finalidade é,

precisamente, alocar e limitar o exercício do poder.166

Em outras palavras, não há hierarquia entre normas e princípios jurídicos.

Os princípios jurídicos são enunciados que exprimem valores, de acordo com

Robert Alexy. Para este autor, princípios são normas que ordenam que algo seja

realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas

existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são

caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a

medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas

também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é

determinado pelos princípios e regras colidentes.167

165 Segundo Canotilho, o sistema jurídico do Estado de direito democrático português é um “sistema

normativo aberto de regras e princípios”. É um sistema de regras e princípios, “pois as normas do

sistema tanto podem revelar-se sob à forma de princípios como sob a forma de regras”.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra:

Almedina, 1993. p. 1159. 166 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed.

São Paulo: Malheiros, 2007. p. 120. 167 ALEXY, Robert. SILVA, Luis Virgilio Afonso da (Tradução). Teoria dos direitos fundamentais. São

Paulo: Malheiros, 2008. p. 90.

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138

No Direito Urbanístico, assim como todo ramo autônomo do Direito, os

princípios possuem papel de relevância que permitem a existência e a harmonia da

ordem urbanística. Ademais, a principiologia do Direito Urbanístico existe com a

finalidade de solucionar conflitos não contemplados pelas regras. Conforme Paulo

Carmona: não se pode olvidar que, no Brasil, o Direito Urbanístico é a expressão

jurídica dos conflitos existentes no meio ambiente urbano e seus pressupostos devem

estar obrigatoriamente relacionados à dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III da

CF/88), que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, bem como a

erradicação pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3.º, III, da

Carta Magna), objetivos fundamentais do Estado brasileiro.168

O princípio da função social da propriedade enfraquece o interesse privado do

proprietário e valora o interesse público, que reclama o uso da propriedade visando o

bem-estar do proprietário e de toda sociedade. Nas palavras de Venicio Salles, o direito

de usar, gozar e dispor livremente veio condicionado ao exercício adequado da

propriedade, que deve estar voltado às finalidades econômicas e sociais de seu uso, com

respeito ao meio ambiente e ao patrimônio cultural, histórico e artístico. Exige-se mais

do que literal respeito à “lei”, pois o Código cobra do proprietário certa consciência

social necessária à preservação de todos os bens naturais ou culturais,

independentemente de qualquer providência estatal ou da edição de ato ou norma

restritiva, por exemplo, o ato de tombamento. Enfraqueceu-se, destarte, a noção

subjetiva e absoluta de propriedade privada no Código Civil, que reclama uso produtivo

ou útil do bem, sem qualquer interesse menor, que possa prejudicar moradores ou

proprietários do entorno, prevendo limitação de vizinhança.169

Desta forma, a função social da propriedade reza que o meio ambiente urbano

e o direito de propriedade são noções a serem compatibilizadas. De acordo com o

Supremo Tribunal Federal, o direito de propriedade não mais possui caráter absoluto,

eis que, sobre o mesmo, pesa grave hipoteca social, a implicar que, descumprida a

função social que lhe é inerente (CF, art. 5.º, XXIII), se torne legítima uma intervenção

168 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 66. 169 SALLES, Venicio. Função social da propriedade. In: NALINI, José Renato; LEVY, Wilson (Org.).

Regularização fundiária. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. v. 1, p. 91.

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estatal na esfera dominial privada (respeitando-se os limites constitucionalmente

previstos).170

Seria, então, a figura do condomínio de lotes compatível com a função social

da propriedade? É possível afirmar que sim, se sua implementação não prejudicar os

interesses da coletividade, em prol de privilegiar interesses privados dos proprietários e

desonerar o Poder Público da prestação de serviços em seu interior. Além disso

Quanto ao princípio da coesão dinâmica Daniela Libório afirma que:

este princípio implícito do Direito Urbanístico reflete o dinamismo e o

resultado que suas ações buscam ter, sendo-lhe extremamente

peculiar. As atividades urbanísticas procuram interferir, modificar,

salvaguardar, resgatar, restaurar a urbe com a finalidade de melhorar a

qualidade de vida local. [...] O princípio da coesão dinâmica surge

justamente para que as modificações feitas pelas interferências

urbanísticas sejam continuadas por ações que tenham pertinência e

nexo com o contexto. As mesmas prioridades, o mesmo enfoque

deverá ser dado para as ações urbanísticas de um certo local em certo

tempo. A dinâmica do planejamento é fundamental para a eficácia

deste princípio. Na medida em que certo plano seja aplicado, ele vai

se desatualizando com relação ao seu objeto, justamente por

transformá-lo. Assim, o plano deverá prever mecanismo de revisão e

atualização de seu conteúdo. É a coesão dinâmica.171

Poderiam os condomínios de lotes salvaguardar a qualidade de vida dos

moradores sem comprometer a dinâmica da malha urbanística preexistente? Entende-se

sim, desde que cumprida as regras municipais estabelecidas.

De acordo com este princípio, é possível atribuir os seguintes comandos

prescritivos de: (i) elaboração, revisão e execução dos planos, com base no art. 40, § 3.º;

(ii) integração entre os níveis de planejamento federal, estadual e municipal, com base

nos arts. 3.º, II, III e IV, 23, 25, § 3.º, 30, VIII, 43 e 241 da Constituição Federal e arts.

2.º, III e 4.º, I a III do Estatuto da Cidade e; (iii) integração entre o plano diretor e a

legislação sobre ordenação do solo produzida no âmbito municipal, com base no art.

182, § 1.º, da Constituição Federal. A sua identificação dessa forma, além de fornecer

maior densidade normativa ao princípio do planejamento, contribui para uma melhor

170 STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.213-MC, rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.04.2004. 171 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.

50.

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140

aplicação das normas do Direito Urbanístico e permite mais controle dos instrumentos

de Direito Urbanístico, na medida em que o planejamento precede sua execução.172 Para

que haja esta integração entre o plano legislativo federal e municipal imperativa a

criação de uma norma federal que regule a matéria dos condomínios de lotes, vez que

muitos municípios brasileiros regulam a temática prevendo autorização e legalidade

desta modalidade habitacional.

Quanto ao princípio da justa distribuição dos benefícios e ônus derivados da

atuação urbanística Paulo Carmona estabelece:

O princípio da justa distribuição do ônus decorrente da urbanização,

por sua vez, advém do princípio da isonomia e implica distribuir de

forma equânime as mais-valias do solo urbano, levando o princípio da

capacidade contributiva à organização do solo urbano. Encontra

fundamento constitucional no disposto no art. 3.º, notadamente no

inciso III (erradicação da pobreza e redução das desigualdades

regionais e sociais). Nesse sentido, o Estatuto da Cidade tem, como

diretrizes a justa distribuição dos benefícios e dos ônus decorrentes do

processo de urbanização e a recuperação dos investimentos do Poder

Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos (art.

2.º, incs. IX e XI, Lei n.º 10.257/2001, respectivamente). Uma

aplicação concreta desse princípio é o instituto da contribuição de

melhoria, previsto no inciso III do art. 145 da CF/88 e com disciplina

nos arts. 81 e 82 do CTN.173

O fundamento deste princípio é diminuir as desigualdades sociais no perímetro

urbano, de modo que as vantagens e prejuízos decorrentes dos processos de urbanização

devem ser suportados por todos os habitantes da cidade de modo equânime.

Os condomínios de lotes não afetam a distribuição equitativa dos

equipamentos urbanos, desde que o empreendedor ou os próprios condôminos arquem

com os prejuízos de seu empreendimento.

Dessa forma, eventuais externalidades negativas advindas da implementação

dos condomínios de lotes devem ser suportadas por seus proprietários. Jamais devem

172 SILVA, Júlia Maria Plenamente. O princípio jurídico da coesão dinâmica no direito urbanístico

brasileiro. Tese (Doutorado). 2016. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. p. 136. 173 CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Curso de direito urbanístico. Salvador-BA: JusPodivm, 2015.

p. 83.

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141

ser repassadas, socializadas para toda sociedade. Se isto ocorrer, surge a ilegalidade

desta modalidade habitacional.

Assim, para a aprovação do projeto, poderia o município, por exemplo, impor

ao empreendedor a necessidade de criação de uma nova via de acesso para possibilitar o

novo fluxo de moradores que impactará as vias de circulação locais.

Da mesma forma, poderia prever a necessidade de criação de uma área pública

externa de compensação, como, por exemplo, uma praça, um parque, uma quadra

pública, dentre outros, já que o condomínio urbanístico é completamente fechado e

impede a convivência social democrática.

Em relação ao princípio da subsidiariedade, ele possui fulcro na máxima de

que o respeito às regras de direito urbanísticos é o respeito ao interesse público em

detrimento dos interesses ou direitos particulares.

Assim,

necessariamente, o Poder Público deverá coordenar todo o processo

de urbanismo oficial – esta é uma função pública. Ele deverá estar

presente desde o processo de planejamento até a execução final de

todas as intervenções previstas, fiscalizando cada etapa de execução

do plano. Ocorre que o particular pode participar das decisões de

caráter urbanístico de cunho finalista, ou seja, as determinações que

atingem direta e concretamente o particular, mas não aquelas que

definem como e quando a Administração Pública agirá. [...] O

princípio da subsidiariedade tem de se adequar aos parâmetros legais

para poder ser aplicado, porém entendemos que a omissão do Poder

Público ou sua recusa expressa a uma proposta de operação

urbanística pelo particular e custeada por este fere o princípio da

eficiência. Á sociedade, o que interessa é que os serviços públicos

sejam prestados e que estejam adequados, suficientes e proporcionais

à sua necessidade. Não há nenhuma vedação constitucional à

participação da coletividade no desenvolvimento urbano. O que

precisa ficar claro, entretanto, é que esta possibilidade de negociação e

participação pela sociedade não pode desvirtuar a supremacia do

interesse público sobre o privado.174

174 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.

53.

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142

Os condomínios edilícios surgem, justamente, com base no princípio da

subsidiariedade e com ganas de suprimir a deficiência na prestação dos serviços

públicos como a segurança, iluminação, limpeza, dentre outros.

Nesse sentido, gera um impacto positivo, pois custeia sua manutenção,

liberando a população da cidade de arcar com as despesas geradas pelos condôminos

moradores.

Os condomínios de lotes, por sua vez, não são figura puramente privada

conforme verificamos. Possuem natureza híbrida. Como esta modalidade habitacional

consiste em dividir uma gleba privada sem a criação de vias públicas, por vezes se

aproxima mais de uma modalidade de parcelamento do solo do que de um condomínio

privado.

Assim, há duas fases distintas para a criação de um condomínio de lotes, uma

primeira fase em que o interesse público deve prevalecer e outra fase regida pelo

interesse privado. A primeira fase possui caráter público, pois consiste em dividir uma

gleba em outras glebas, assemelhando-se à figura do loteamento.

Nesta primeira fase, princípios e requisitos impostos pelo Direito Urbanístico

na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor dos Municípios

devem ser observados para a aprovação do empreendimento. Em razão dos impactos

que gera, o plano diretor deve prever qual o zoneamento mais adequado para esse tipo

de moradia. Não pode gerar impedimento à circulação dos habitantes da cidade, nem

pode travar o fluxo do transporte da região.

Do mesmo modo, a sua extensão deve ser controlada. Não pode o Município

ao regulamentar os empreendimentos residenciais fechados admitir que cresçam tanto

em extensão a ponto de gerar uma cidade dentro de outra. Nem aos condôminos essa

forma de moradia interessaria, já que iria gerar uma necessidade de gestão quase tão

complexa quanto de outro município.

Se há na previsão do zoneamento urbano um percentual de construção e limite

de altura para o crescimento vertical das cidades que atinge todos os condomínios

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143

edilícios de prédios, também deve haver percentual máximo de área urbana para

residenciais fechados e limite máximo de tamanho em extensão para estes condomínios.

As peculiaridades de cada cidade é que devem importar para estabelecer os

limites administrativos, com os estudos e licenças necessárias, e as restrições

urbanísticas de cada legislação.

Já é assim quando há regulamentação da altura dos prédios que beiram a praia

nas cidades litorâneas por exemplo. Não há porque não ser diferente na regulamentação

da limitação dos condomínios fechados.

Em seguida, será instituído o condomínio, passando área de cada lote ao

domínio exclusivo de seus proprietários, e as áreas internas comuns ao domínio de

todos os condôminos.

Deste modo, os condomínios de lotes constituem exemplo de aplicação do

princípio urbanístico da subsidiariedade, pois, ao final da instalação do condomínio esta

modalidade habitacional passa a ser privada, mas, para sua constituição, devem ser

respeitadas as regras urbanísticas criadas em prol da supremacia do interesse público.

Para melhor cumprimento do ônus constitucional que determina um

planejamento urbano que garanta o cumprimento das funções sociais das cidades deve a

União, no gozo de sua competência, editar legislação federal acerca dos condomínios de

lotes visando concretizar os princípios do planejamento e da eficiência.

Verificamos que a existência dos condomínios de lotes no país é atividade

consolidada em nosso território. Para evitar desvios às normas urbanísticas deveria a

União regular a matéria e determinar um piso mínimo protetivo, estabelecendo

limitação territorial para implementação desta modalidade habitacional.

Isto evitaria a criação de feudos privados dentro das cidades e permitiria o

acesso democrático à urbe sem obstar a liberdade de escolha por uma modalidade

habitacional privada. Verificamos que alguns municípios brasileiros utilizam sua

competência constitucional para legislar acerca dos condomínios de lotes.

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144

Assim, a atividade de planejamento deve ser permanente no Estado brasileiro,

será por meio dela que este ordenará suas atividades e elencará prioridade. O art. 174 da

Constituição Federal traz esta determinação com alcance genérico, pois não indica o

setor em que o planejamento se deve dar. Lê-se, desta generalidade, portanto, que o

Estado deve sempre agir por intermédio da dinâmica do planejamento.[...] Deste

contexto, podemos entender que o planejamento das ações públicas é necessário sempre

que o Poder Público quiser interferir na ordem econômica e financeira. Assim, na

medida em que a política urbana está inserida no Capítulo II deste Título, o Poder

Público deve planejar suas atividades de cunho urbanístico.175

Na temática dos condomínios de lotes, pode-se afirmar que estes atendem à

função social da propriedade quando cumprem os requisitos impostos no Plano Diretor

municipal, de forma que atendam tanto o interesse dos seus condôminos, como também

ao interesse público dos demais habitantes da cidade. Isso ocorre, por exemplo, quando

a implantação do residencial em uma área gerar externalidades positivas como o

fomento da economia local, ou o desenvolvimento urbano desejado pelo município para

uma área afastada, ou até mesmo com a criação de áreas públicas de compensação.

Dessa forma, o Poder Público municipal pode e deve direcionar a expansão

urbana também por meio do condomínio de lotes, impondo as restrições e

compensações que melhor atenderem ao interesse público. Essa postura controladora no

desenvolvimento da cidade democrática é fundamental e revela-se mais eficiente que a

mera proibição dos residenciais fechados, que gera loteamentos e condomínios

irregulares.

Para que a coletividade toda se beneficie da implantação do residencial

fechado os seus impactos negativos como a segregação devem ser neutralizados com

ações positivas. A autonomia municipal permite que o poder local verifique de acordo

com as peculiaridades qual restrição ou ação mais adequada para o caso.

Assim, embora garantido o direito de propriedade, é o interesse da

coletividade que determina o modo de exercício das faculdades a ele inerentes. Nesse

175 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri-SP: Manole, 2004. p.

55.

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145

contexto, ressalta a proteção dos valores ambientais, que integra e se funde com o

direito urbanístico nas questões relacionadas à qualidade de vida, e é exatamente

visando à sua proteção que a Constituição impõe o controle da interferência no

ambiente e veda práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora ou

possam provocar degradação ambiental, bem como aquelas que comportem riscos para

a qualidade de vida (CF, art. 225).176

176 CHALHUB, Melhim Namem. Condomínio de lotes de terreno urbano. Revista de Direito Imobiliário.

São Paulo: RT, ano 32, n. 67, p. 106, jul.-dez. 2009.

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146

CONCLUSÃO

Em 1988 a Constituição Federal brasileira foi pioneira em reservar um

capítulo específico para a política urbana, elevando o Direito Urbanístico ao patamar de

direito fundamental.

Por sua vez, os residenciais fechados passaram a surgir a partir da metade do

século XX, com o intuito de suprir a deficiência dos serviços públicos essenciais, tais

como segurança, limpeza e conservação.

Verifica-se que, como principal forma de expansão urbana, parcelamento do

solo urbano deve avaliar os impactos de seus empreendimentos, considerando as

esferas: ambiental, urbanística e civil. Não é possível que o proprietário privatize os

benefícios e externalize os prejuízos para toda sociedade.

Como em todo empreendimento que altera os equipamentos e funções

urbanísticas da cidade, deve-se atentar à máxima da supremacia do interesse público em

detrimento dos interesses particulares.

Inúmeros modelos de empreendimentos foram criados, dando destaque ao

modelo de parcelamento do solo regulamentado pela Lei 6.766/79 e aos condomínios

disciplinados pela Lei 4.591/64. Demonstrou-se que os condomínios de lotes não são

abarcados por nenhuma destas legislações, necessitando de regulamentação específica,

atualmente dada por alguns municípios.

Constatamos que a figura do condomínio de lotes é figura híbrida que exige

estudo transdisciplinar entre as esferas urbanística e civilista.

Apontamos pela necessidade de criação de uma norma federal que

regulamente os condomínios de lotes, harmonizando sua disciplina com os demais

direitos fundamentais urbanísticos previstos na Constituição Federal.

Na ausência de norma federal, a legislação municipal que estabeleça regras no

interesse local deve ser observada e pode significar importante instrumento para o

crescimento ordenado da urbe e a garantia do direito à cidade.

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147

Propõe-se que o Município estabeleça limites em percentual de área urbana de

acordo com as peculiaridades locais para empreendimentos residenciais fechados, a fim

de que não haja prejuízo aos direitos dos cidadãos que vivem na cidade. Deve ainda ser

determinado o tamanho máximo que cada um desses condomínios podem atingir

individualmente para que não se chegue ao ponto de se criar outra cidade murada dentro

da antiga, o que além de impedir o direito à cidade dos habitantes da urbe, também não

atenderia aos anseios dos condôminos.

A legislação municipal deve considerar todos os impactos gerados,

principalmente a área de zoneamento adequada para minimizar os efeitos negativos

como a segregação e potencializar os efeitos positivos como a desoneração do poder

público da prestação de serviços internos. Além disso, a aprovação municipal pode

condicionar o empreendimento à realização de uma compensação em benefício da

coletividade, como a criação de alguma área pública externa ou a execução de obras

viárias que permitam o novo fluxo de moradores.

Não obstante o legislador federal quedar-se inerte no que tange à disciplina

dos condomínios de lotes, o que dissolveria as interpretações divergentes acerca da

temática, é necessário reconhecer a legalidade dos condomínios de lotes quando houver

aprovação lastreada em legislação municipal específica. O fundamento é o respeito à

autonomia municipal consagrada na Constituição brasileira.

Afirma-se a legalidade desta prática desde que realizada em consonância com

os elementos democráticos que compõem o Direito Urbanístico. Assim, a instituição de

condomínios de lotes só é admitida quando atende às normas ambientais e de ordenação

da cidade, com a indispensável harmonização entre o condomínio e as estruturas

existentes na cidade e no bairro, sempre com adequada ponderação de princípios

constitucionais relacionados à liberdade de locomoção, a mobilidade urbana, a

segurança pública, a preservação do meio ambiente e a justiça social.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ALMEIDA, Guadalupe Maria Jungers Abib de. Instrumentos jurídicos para viabilizar a

moradia digna na região central da cidade de São Paulo. Dissertação

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