PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
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UM ITALIANO IRREQUIETO EM CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO
(UM ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CELESTE GOBBATO
NO RIO GRANDE DO SUL - 1912-1924)
Dissertação elaborada e apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração História do Brasil.
KATANI MARIA NASCIMENTO MONTEIRO
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
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UM ITALIANO IRREQUIETO EM CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO
(UM ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE CELESTE GOBBATO
NO RIO GRANDE DO SUL - 1912-1924)
Dissertação elaborada e apresentada como requisito parcial e final para a obtenção do grau de Mestre em História na área de concentração História do Brasil.
KATANI MARIA NASCIMENTO MONTEIRO
Orientadora: Profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos
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Nesses dois anos de instigante processo de ensino-aprendizagem
gostaria de agradecer:
Especialmente a profa. Dra. Margaret Marchiori Bakos pela dedicação
como orientadora desta pesquisa, pelos seminários reveladores de novos
olhares sobre a história e pelo carinho e atenção que me dispensou.
Aos professores Arno A. Kern, René E. Gertz, Núncia Constantino e
Ruth Gauer, profissionais inesquecíveis.
Às secretárias do PPGH, Carla e Adriana, sempre atenciosas e
prontas para ajudar.
À CAPES, pela bolsa de estudo, fundamental para a realização da
pesquisa.
À Lydia Gobbato, pela preciosa documentação que colocou a minha
disposição e pelo tempo que dedicou a dividir lembranças de seu pai.
iv
Ao Marvô Renê pela compreensão e apoio constante.
Ao Erich e Geraldine, que, salvo a energia própria da infância
souberam respeitar as horas de estudo.
Aos meus sogros Dionísio e Adélia pelo carinho e compreensão nas
horas difíceis.
À Márcia e Albert, especialmente pelo apoio técnico.
À minha irmã Kátia, pelo carinho, estímulo e troca de idéias.
Aos queridos colegas Carlos Dias, Roger da Costa, Daniela Pistorello,
Angélica Rios, Rafael Baioto, Paulo César Borges e José Miguel Quedi
Martins pelo prazeroso convívio acadêmico e extra-classe.
Aos amigos Segundo, Andréa, Letícia e Rosana pelo carinho e
incentivo.
Às primas Samea e Ivana pelos momentos de descontração.
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RESUMO ....................................................................................................vii
ABSTRACT ...............................................................................................viii
LISTA DE FIGURAS....................................................................................ix
LISTA DE QUADROS ..................................................................................x
INTRODUÇÃO..............................................................................................1
CAPÍTULO 1 - ITINERÁRIO DE UM IMIGRANTE .....................................15
1.1 A VINDA PARA O BRASIL ............................................................... 16
1.2 EM ENSINO AMBULANTE PELO RIO GRANDE DO SUL............... 41
CAPÍTULO II - UM ENÓLOGO E SEU MÉTIER ........................................66
2.1 PRODUÇÃO CULTURAL E ERUDIÇÃO .......................................... 68
2.2 DA TEORIA À PRÁTICA DA VITIVINICULTURA ............................. 82
CAPÍTULO III - UM IMIGRANTE SEM LENÇO ENCARNADO................108
3.1 EM CONTEXTO DE MALQUERENÇAS......................................... 110
3.2 MISSÃO PENOSA EM CAXIAS DO SUL ....................................... 153
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................168
FONTES ...................................................................................................172
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................175
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No Rio Grande do Sul do início do século XX verifica-se a presença
de especialistas estrangeiros que vem para trabalhar no aprimoramento de
técnicas agrícolas e do ensino profissionalizante. Esta pesquisa tem como
ponto norteador um nome. Celeste Gobbato deixou a Itália em 1912 para
ensinar viticultura e enologia na Escola de Engenharia de Porto Alegre.
Destaca-se na sua trajetória de vida as atividades que desempenhou no
Estado como professor itinerante de agricultura, como produtor intelectual
da fauna e da flora, e as circunstâncias que o levaram a deixar a carreira
técnica para ocupar um cargo executivo na política rio-grandense.
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In the Rio Grande do Sul of the 20th century there is the presence of a
foreign specialist that came to work in the development of agriculture
techniques and professional teaching. This research focuses on one name.
Celeste Gobbato left Italy in 1912 to teach viticulture and enology in the
Engineering School of Porto Alegre. In his life, stood out the activities that
carried out in the State as an itinerant agriculture teacher, as an intellectual
fauna and flora producer, and the circumstances that made him leave the
technical career and occupy an executive position in the Rio Grande do Sul
politics.
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Figura 1 – Trajeto da viagem de Celeste Gobbato da Itália para o Brasil ... 32
Figura 2 – Quadro dos Contratados ............................................................ 47
Figura 3 – Visita de Gobbato a uma cantina colonial. Pessegueiros.
Passo Fundo. 1922 ................................................................... 54
Figura 4 – Convite de Palestra .................................................................... 56
Figura 5 – Encontro de Celeste Gobbato com Berta no navio (1919) ......... 61
Figura 6 – Foto da família de Gobbato (Tito Alberto, Lydia, Mário, Piero,
Celeste e Berta. Porto Alegre. 1942) ........................................ 63
Figura 7 – Textos traduzidos ....................................................................... 70
Figura 8 – Velho vinhedo de viníferas enxertadas sobre Isabel. Estação
Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul.
Dezembro de 1929.................................................................... 83
Figura 9 – Capa do Manual Prático de Viticultura – 1914 ........................... 86
Figura 10 – Cantina colonial “um pouco melhorada” (1920)...................... 104
Figura 11 – Celeste Gobbato – Caxias do Sul - 1925 ............................... 165
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Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste
Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa. ...................... 71
Quadro 2 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste
Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do
jornal Correio do Povo. ......................................................... 81
Quadro 3 – Resultado das eleições municipais de 1924 – Caxias do Sul. 164
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Em 1990, data em que faria 100 anos, Celeste Gobbato foi lembrado
em reportagem pelo jornal Zero Hora com a matéria intitulada Revoluções
de um italiano irrequieto. Em que aspectos de sua trajetória Celeste
Gobbato pode ter provocado esse apelativo? Como ele se expressou e agiu
para receber essa qualificação? O texto jornalístico se refere ao enólogo que
introduziu novas espécies de uvas no Brasil e que se metia a discutir
assuntos desta terra e de outras também. A irrequietude de Celeste
Gobbato se manifesta ainda de outras formas. Começando pelo momento
em que muda de país.
O enólogo-viticultor Celeste Gobbato tinha 22 anos em 1912 quando
deixou a Itália rumo ao Brasil. Filho de Pedro Gobbato e Anna Agnoletti
Gobbato, proprietários de terras em Volpago del Montelo, ele trouxe
2
consigo, além do conhecimento adquirido na universidade, a experiência
familiar com as questões da terra. Celeste Gobbato, um intelectual, veio
para o Brasil para ser professor na Escola de Engenharia de Porto Alegre.
Formado em Enologia e Viticultura pela Scuola di Conegliano,
doutorou-se em Ciências Agrárias na Universidade de Pisa. No Brasil, ele
ficou conhecido por sua dedicação à vitivinicultura. Recebeu, por isso, o
título de “Príncipe da Enologia Rio-grandense”. Algumas autoridades no
assunto o classificam como precursor da moderna viticultura brasileira.
A vinda de especialistas estrangeiros para o Rio Grande do Sul está
associada à preocupação do governo gaúcho em racionalizar a atividade
policultora que se expandia pelo Brasil já nas peimeiras décadas do século
XX. No Rio Grande do Sul essa atividade foi levada a efeito especialmente
pelo colono europeu. O status de “celeiro do Brasil” forçava o estado gaúcho
a uma remodelação de suas práticas produtivas. Aprimorar cultivos com a
introdução de tecnologias modernas e qualificar a mão-de-obra rural com o
ensino técnico adequado eram desafios da época.
No Rio Grande do Sul, sob o binômio Ciência e Indústria, a Escola de
Engenharia de Porto Alegre, fundada em 1896 por cinco jovens engenheiros
militares, foi em grande parte responsável por essa nova conduta.
Nesse tempo eram escassos os professores especialistas e por isso a
procura por profissionais estrangeiros. Celeste Gobbato fora contratado pela
Escola de Engenharia para servir ao Instituto de Agronomia e Veterinária,
3
criado em 1910. Anexos ao Instituto estavam a recém criada Estação
Experimental de Viamão, que ele chefiou de 1917 a 1924, e o curso de
Capatazes Rurais, onde lecionou diversas disciplinas.
São diversas as atividades exercidas pelos imigrantes italianos que
aqui chegaram a partir da segunda metade do século XIX e início do século
XX. Embora a maioria deles se deslocasse para as zonas rurais onde
atuavam como pequenos agricultores, exerceram uma diversidade de
profissões nos núcleos urbanos. Em Porto Alegre, por exemplo, já a partir
de 1885, verifica-se a presença de imigrantes italianos trabalhando como
professores, músicos, médicos, sapateiros, operários, comerciantes,
hoteleiros, carpinteiros, pedreiros, etc.1
Além do magistério, a atuação de Celeste Gobbato no Rio Grande do
Sul inclui a produção de inúmeros artigos e livros técnicos. Ele escreveu
pelo menos três obras fundamentais sobre a vitivinicultura brasileira: O
Manual Prático de Viticultura (1914), A Cultura da Vinha (1924) e o ABC do
Viticultor Brasileiro (1945). O Manual Prático foi sem dúvida o estudo mais
importante de Gobbato, sendo reeditado em 1922, 1930 e 1942. Constitui-
se numa fonte básica para quem se ocupa dessa temática e, segundo Paz e
1 BORGES, S.M.A. Italianos em Porto Alegre e o movimento operário (1875-1919). Porto
Alegre, PUCRS, 1990. Dissertação de Mestrado, 1990. p. 57.
4
Baldisseroto,2 o Manual tornou-se a bíblia dos produtores de uva e vinho
não só do Rio Grande do Sul como de todo o Brasil.
É importante informar que Gobbato chegou ao Rio Grande do Sul
quando praticamente tudo estava por ser feito em nível de melhoramentos
na agricultura. Ele verificou in loco as práticas que então eram adotadas por
agricultores e criadores, ensinando, apontando sugestões, traçando
diagnósticos. Foi um profissional requisitado e, mesmo estando em casa,
recebia estudantes e agricultores que lhe pediam conselhos. Sempre muito
ocupado, o professor ainda encontrava tempo para escrever. Dedicou muito
tempo de sua vida a escrever, chegando ao ponto de manter uma cama em
seu escritório. Varava a noite lendo e escrevendo.3
Gobbato foi colaborador e acompanhou o surgimento, em 1914, da
revista publicada pela Escola de Engenharia, a Egatéa. Reconhecida em
nível nacional, seus exemplares eram enviados para prefeituras, escolas
técnicas e órgãos de imprensa do interior Rio Grande do Sul e de outros
estados do país. Freqüentemente os jornais anunciavam a chegada da
renomada revista. Em 1921, o italiano irrequieto assumiu a direção da
Egatéa introduzindo uma remodelação no perfil da revista através de novas
seções, sendo que uma delas passou a ser traduzida para o alemão e o
italiano, ampliando sua divulgação na zona colonial. Não menos importante
2 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Estação do Vinho: História da Estação Experimental de
Viticultura e Enologia – EEVE, 1921-1990. Caxias do Sul: EDUCS, 1997. p. 40. 3 Depoimento de Lydia Gobbato. Março de 2000.
5
foi a colaboração de Gobbato por mais de 35 anos na seção agrícola do
Correio do Povo.
Outro aspecto da vida de Gobbato foram as constantes viagens que
fez à serviço da Escola de Engenharia. Ele conheceu praticamente todo o
interior do estado como professor do Ensino Ambulante, função que
assumiu em 1921 e que lhe conferiu “popularidade” entre pequenos e
grandes produtores, fazendeiros e industrialistas. As visitas do professor
ambulante eram sempre divulgadas com entusiasmo pelos jornais locais.
Gobbato, indo além das fronteiras sulinas, visitou vinhedos, granjas e
fazendas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em
São Paulo, a revista Chácaras e Quintais publicava seus artigos.
Gobbato permaneceu na Escola de Engenharia por 12 anos
exercendo várias funções até ser eleito intendente de Caxias do Sul em
1924. Com grande prestígio entre a comunidade rural italiana, por ser
conhecedor das questões agrícolas, por ser católico, por ser italiano, por
toda a produção cultural que construiu, Gobbato foi apontado pelo Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR) para as eleições intendenciais daquele
ano. Em um contexto de revoltas e conflitos políticos Gobbato foi o homem
capaz de apaziguar os ânimos em Caxias. Para Gobbato, no entanto, deixar
a carreira técnica que tanto amava para ocupar um cargo executivo,
significava, segundo suas palavras, um sacrifício.
6
De 1929 a 1938, Celeste Gobbato dirigiu a Estação Experimental de
Caxias do Sul. Atuou como engenheiro-agrônomo do Ministério da
Agricultura, no Serviço de Produção Vegetal, em Porto Alegre de 1937 a
1944. Em 1934, o rei da Itália, Vitorio Emanuelle III, lhe conferiu o título de
Cavagliere e mais tarde, em 1954, o governo da república Italiana lhe
homenageou com a Estrela da Solidariedade Italiana. Em julho de 1938
havia prestado concurso à cátedra de Viti-Vinicultura da Escola de
Agronomia e Veterinária, da então Universidade de Porto Alegre, função que
desempenhou entre 1944 e 1947. Foi o terceiro deputado mais votado do
estado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1947. Administrou o
Instituto do Vinho de 1950 até 1954. Celeste Gobbato faleceu em 6 de
novembro de 1958, em Porto Alegre.
Alguns trabalhos acadêmicos valorizam os estudos de Gobbato sobre
a vitivinicultura brasileira. Em RS: Agropecuária Colonial e Industrialização,4
Sandra Pesavento dedica um capítulo para o estudo da indústria vinícola e
seu desenvolvimento histórico no Rio Grande do Sul, enfatizando na relação
entre agropecuária colonial e industrialização a submissão do pequeno
produtor ao capital comercial e industrial. Neste estudo, Pesavento utiliza o
artigo O cultivo da videira e a industrialização da uva no Rio Grande do Sul
que Gobbato escreveu em 1950 para trazer dados sobre o aumento da
produção de vinho em 1900; sobre as condições de transporte do produto
com a inauguração, em 1910, da estrada de ferro que ligou Caxias a
7
Montenegro e da criação em 1921, da seção de enologia e viticultura
criadas em Caxias do Sul para a análise dos vinhos por especialistas.
Em Cantineiros e colonos: A indústria do vinho no Rio Grande do
Sul,5 José Vicente Tavares dos Santos analisa a relação entre os colonos
(pequenos proprietários viticultores) e os cantineiros (proprietários da
indústria do vinho) na região de colonização italiana do Rio Grande do Sul
como forma de reconstruir os diversos momentos da relação entre o capital
e o campesinato na região. Santos utiliza o Manual do vitivinicultor brasileiro
(1942), onde Gobbato mostra os mecanismos de superioridade econômica e
social segundo o qual os comerciantes passam a exercer sobre os colonos
na transação comercial do vinho.
Um dos trabalhos que mais valorizam os estudos de Gobbato é
Parceiros do Vinho: a vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-1936)6 de
Anelise Cavagnolli. Nesta pesquisa a autora busca analisar o papel do
comércio e do comerciante no desenvolvimento do processo industrial
vinícola em Caxias. A autora utiliza várias obras do enólogo para mostrar
como o cultivo da vide e a fabricação do vinho se deslocou da área de
colonização alemã para a italiana a partir da década de 70 do século XIX;
como se deu o surto vitivinícola na região colonial com o cultivo da vide
4 PESAVENTO, S.J. RS - Agropecuária Colonial e industrialização. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1983. 5 SANTOS, J.V.T. Cantineiros e colonos – a indústria do vinho no Rio Grande do Sul. In:
LANDO, A.M. et al. DACANAL, J.H.; GONZAGA, S. (Orgs.) RS - Imigração e Colonização. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1996.
8
Isabel, assunto que Gobbato tratou com exaustão; sobre as más condições
de higiene das cantinas domésticas; a questão da comercialização e do
transporte da produção; a posição de Gobbato diante do cooperativismo
vinícola; os trabalhos que eram realizados na Estação Experimental de
Caxias e questões relativas às doenças que atacam as vides.
Outro estudo importante dentro desta temática é A Estação do Vinho:
história da Estação Experimental de Viticultura e Enologia – EEVE – 1921-
19907, de autoria de Ivoni Nör Paz e Isabel Baldisserotto. As autoras
resgatam a trajetória de quase oitenta anos da EEVE. Um dos principais
objetivos da EEVE era o de tentar convencer os agricultores das vantagens
de substituir o cultivo da Isabel, introduzindo castas finas de videiras, para a
obtenção de melhores vinhos, o assunto de predileção de Gobbato. De
forma breve e original, as autoras analisam o "toque” pessoal de cada
administrador.
Celeste Gobbato, como já foi dito, dirigiu a Estação Experimental de
1929 a 1938, e conforme essas autoras, ao contrário de seu antecessor, o
francês Louis Esquier, ele foi meticuloso quanto ao registro das atividades
desenvolvidas na EEVE. Durante sua gestão foi criado, em 1929, o Registro
de Agricultores, Criadores e Profissionais de Indústrias Conexas, que
promovia a distribuição gratuita aos inscritos de mudas de videiras de
6 CAVAGNOLLI, A. Os Parceiros do Vinho: a vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-
1936). Curitiba. Universidade Federal do Paraná. Dissertação de Mestrado, 1989. 7 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Op. cit.
9
qualidade. Segundo as autoras, Gobbato contava com o apoio dos párocos
para divulgar esse e outros serviços. Outro setor criado na gestão de
Gobbato foi o Serviço de Assistência aos Produtores, vinculado à Secretaria
da Agricultura do Estado (na gestão de Gobbato houve a desvinculação
administrativa da EEVE do governo federal, passando à responsabilidade do
governo do Estado), pelo qual os agricultores eram orientados a se
congregar em núcleos cooperativados, recebiam mudas de castas
européias, assistiam a palestras e recebiam demonstrações práticas em
visitas domiciliares. As autoras concluíram que sob a direção de Gobbato
houve a consolidação da EEVE.
Com abordagem direcionada ao estudo da participação política de
Celeste Gobbato no Rio Grande do Sul, destaca-se o trabalho “Fides
Nostra, Victorian Nostra”: os italianos católicos e o processo de aquisição do
poder político na Intendência de Caxias (1890-1924)8, de Eliana Rela Alves.
A autora busca demonstrar o processo de aquisição do poder administrativo
local (de Caxias) pelo grupo de imigrantes italianos católicos, que, associado
ao clero, enfrentam maçons e lusos na luta pelos seus fins. Para Eliana
Alves, a eleição de Celeste Gobbato em 1924, representará a primeira
experiência do grupo de italianos católicos na administração de Caxias. O
trabalho de Alves, no entanto, não valoriza outros aspectos da trajetória de
8 ALVES, E.R. “Fides Nostra, Victorian Nostra”. Os italianos católicos e o processo de
aquisição do poder político na Intendência de Caxias (1890-1924). Porto Alegre, PUCRS, 1995. Dissertação de Mestrado.
10
Gobbato como determinantes para sua ascensão política, como a carreira
técnica e a produção intelectual. Para a autora, o fato de Gobbato ser
italiano e católico justificam sua presença no cenário político naquele
momento.
O estudo de Loraine Slomp Giron, As Sombras do Littorio – O
Fascismo no Rio Grande do Sul,9 analisa a ação do movimento fascista na
região de colonização italiana do Rio Grande do Sul entre os anos de 1928
a 1938. A autora parte do princípio de que o movimento organizado por
agentes fascistas dirigiu-se à elite regional. O governo italiano teria enviado
para a região colonial italiana, a partir de 1923, “imigrantes tutelados”
encarregados de organizar o movimento fascista regional. Para esta autora,
os “imigrante tutelados”, ou agentes fascistas, tinham profissões sempre
associadas a uma atividade indispensável à região, como, médicos,
engenheiros, agrônomos e arquitetos. Segundo Giron, Celeste Gobbato foi
um dos mais proeminentes membros do “fascio” local.10 Ao deixar a
intendência em 1928, Gobbato foi nomeado agente consular assumindo o
cargo de Presidente da Sociedade Italiana Príncipe de Nápoles. Em 1937,
lembra Giron, a solenidade do aniversário da “Marcha sobre Roma”, serviu
para que o Cav. Dr. Celeste Gobbato reproduzisse o discurso pronunciado
por Mussolini em Roma, no dia 28 de outubro.11
9 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio. O fascismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Parlenda, 1994. 10 Ibidem, p. 86. 11 Ibidem, p. 107.
11
Delimita-se o período desta dissertação entre os anos de 1912, data
em que Gobbato chega ao Brasil, até 1924, quando ele é eleito intendente
de Caxias do Sul. Esta pesquisa busca analisar as formas de atuação e
penetração desse estrangeiro em diferentes áreas da agricultura e da
produção científica do Rio Grande do Sul, e apresentar através desse
caminho, facetas da presença e da participação dos imigrantes italianos na
história deste Estado.
Uma das alternativas dentro da perspectiva micro-histórica surge, por
exemplo, com a investigação micronominal. As linhas que convergem para o
“nome” e que dele partem, como sugere Carlo Ginszburg, permite a
composição de uma espécie de teia de malha fina, que dão ao observador a
imagem gráfica do tecido social em que o indivíduo está inserido.12 O
“nome”, segundo esse autor, revela-se uma bússola preciosa para o acesso
a toda uma rede de relações sociais.
A história é sempre história de uma sociedade, mas sem a menor
dúvida, como diz Norberto Elias, de uma sociedade de indivíduos.13 Para
Ginzburg, o nome é o que distingue um indivíduo do outro em todas as
sociedades conhecidas, e nesse sentido, pouco a pouco emerge uma
biografia.14
12 GINZBURG, C. A Micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Difel, 1989. p.175. 13 ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 45. 14 GINZBURG. Op. cit., p. 174-6.
12
Ver o personagem elegido inserido numa realidade dinâmica significa,
conforme Carlos Aguirre Rojas, compreender que o indivíduo é ele mesmo e
todas suas curvas de vida, porém, ele é ao mesmo tempo
miembro de una familia, y simultáneamente es también miembro de una clase, y pertenece a una cierta cultura, y está inserto tal vez en ciertas asociaciones políticas y tiene ciertos vínculos de amistad y se despliega al miesmo tiempo en ciertos ámbitos como la escuela, la fábrica, el trabajo, constituyéndose de este modo en el centro posible de una tupida red o malha de interconexiones sumamente diversificada y densa.15
Esta dissertação constitui-se de três capítulos. O primeiro capítulo
tem como ponto de partida a discussão sobre a qualificação de “irrequieto”
dada pelo articulista de Zero Hora para caracterizar Celeste Gobbato, 36
anos após sua morte. No segundo capítulo, o fio condutor é analisar,
coletar, sistematizar e avaliar a produção intelectual de Gobbato. A
finalidade deste capítulo é pontuar as relações entre a obra de Gobbato e o
contexto onde atua, e valorizar o que o torna conhecido. O terceiro capítulo
pretende problematizar o contexto que coloca Gobbato na contingência de
assumir um cargo político, passagem que significa a transformação do
produtor cultural em administrador do mais alto cargo público do município
de Caxias.
15 ROJAS, C.A.A. La biografia como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus
posibilidades actuales. In: SCHMIDT, B. (Org.). O Biográfico. Santa Cruz: EDUNISC, 2000. p. 36.
13
Certamente o lugar que o personagem eleito ocupa na sociedade
determina o tipo de documentação disponível. Quando se trata de um
indivíduo quase desconhecido, como aponta Regina Xavier,
não é possível obter-se uma documentação muito coesa sobre sua vida e, diferentemente de outros personagens mais ilustres normalmente biografados, não se pode contar com diários íntimos ou correspondências privadas, o que torna quase impossível desvendar seus pensamentos, seus desejos, sua intimidade.16
No caso de Celeste Gobbato, um homem que teve notoriedade, a
documentação que envolve o seu nome é extremamente vasta. As fontes
utilizadas nesta pesquisa compreendem a documentação do Arquivo da
Escola de Engenharia de Porto Alegre, ou seja, relatórios, publicações
comemorativas, e artigos da Egatéa. Do arquivo particular de Gobbato,
colocado à disposição pela filha Lydia Gobbato, foram utilizados os artigos
que ele escreveu para o Correio do Povo, e para a Egatéa, recortes de
vários jornais, relatos, livros e artigos escritos por ele. Uma carta que
Gobbato enviou para um amigo italiano em 1953 e o relato de sua viagem
da Itália para o Brasil, bem como os depoimentos de sua filha Lydia são as
fontes inéditas que possibilitam observações originais sobre questões mais
pessoais de sua vida. A documentação referente à situação política de
Caxias do Sul entre os anos de 1922 e 1924 inclui os jornais O Brasil, A
16 XAVIER, R.C.L. O desafio do trabalho biográfico. In: GUAZELLI, C.A.; PETERSEN, S.;
SCHMIDT, B.; XAVIER, R.C.L. (Orgs.). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000. p. 166.
14
Resistência e O Democrata, pesquisados no Arquivo Histórico Municipal de
Caxias do Sul João Spadari Adami.
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Revoluções de um italiano irrequieto é o título da matéria que o jornal
Zero Hora publicou no dia 6 de novembro de 1990, na data em que Celeste
Gobbato faria 100 anos. Diz o texto que:
além de enólogo dos mais afamados e de ter introduzido no Brasil espécies de uvas que nem se sonhava na época e técnicas que sequer passavam pela cabeça dos brasileiros, ele tinha um nariz irrequieto que se metia em quase tudo quanto é assunto desta terra e de outras também.17
A palavra que o articulista escolheu para caracterizar a postura de
Gobbato vem do latim irrequietu. No seu dicionário, Aurélio atribui a ela
diversos sentidos: aquele que nunca está sossegado; que não pára nunca;
buliçoso, turbulento.
17 Jornal Zero Hora. 6-11-1990.
16
Como aponta a matéria, um dos aspectos que mais caracterizaram
Celeste Gobbato e marcaram a trajetória no Rio Grande do Sul foi o uso que
ele fez do seu conhecimento sobre a agricultura em geral, mas
especialmente no ramo da cultura de vides e da elaboração de vinhos,
assunto sobre o qual direcionou a maior parte de seus estudos, e motivo
que o trouxe para o Brasil.
Sabe-se que houve, no Brasil, uma considerável variedade de
personalidades entre os imigrantes de diversas nacionalidades que para cá
vieram, incluindo desde pessoas humildes e ordeiras até as prepotentes e
reivindicadoras, passando, naturalmente, pelas inúmeras criaturas que
apenas formaram a multidão, sem demonstrar qualidades excepcionais.
Eles se somaram e formaram uma sociedade com valores, práticas e
hábitos muito diferenciados, que marcaram a nossa história, delimitaram
regiões e se estabeleceram definitivamente no Rio Grande do Sul,
institucionalizando seus hábitos.
A questão que norteia este capítulo é a busca do entendimento desta
qualificação do artigo de Zero Hora para Celeste Gobbato. Em que sentido a
palavra foi empregada? Ele era um irrequieto imigrante italiano em relação à
que?
1.1 A VINDA PARA O BRASIL
Para valorizar o sentido possível desse “irrequieto” na qualificação de
Gobbato é importante conhecer o seu contexto de vida, valorizar os
17
significados das políticas econômicas que motivaram os movimentos
migratórios ao longo do século XIX e início do XX e abordar a vinda, neste
processo, dos italianos para o Brasil. E, finalmente, centrar a atenção no
personagem eleito; esse homem apaixonado por seu ofício que consegue a
façanha de ser lembrado na data em que comemoraria 100 anos, após 36
anos de seu falecimento.
Em 1870, teve fim as lutas pela unificação da Itália depois de um
longo período de guerras. O sistema feudal de produção foi gradativamente
substituído pelo capitalista. O esforço para a implantação de um estado
moderno não se fez sem uma soma de contradições de ordem
socioeconômica. Battistel dá detalhes da situação difícil em que se
encontrava a população, pois o governo italiano tratou de:
abolir fronteiras, suprimir tradições, cobrar violentos impostos. O sistema industrial-artesanal foi supresso pela produção industrial dificultando ainda mais a vida rural. A entrada de cereais, vindos da América, a preços mais baixos do que os produzidos na Itália e o imposto alfandegário à importação de vinhos italianos por parte da França, aumentou e agravou a crise. Para o Governo Italiano, era premente captar recursos para recuperar o atraso histórico em que o país se encontrava no setor de obras públicas, principalmente no de ferrovias. Em 1866, foram tomadas medidas drásticas para salvar as finanças. Entre elas, a introdução do “ corzo forzo” - a suspensão da conversão do papel moeda em moeda metálica afastando os créditos internacionais. Foi criado o imposto da farinha e uma série de outras medidas, chamando o país todo ao sacrifício, economia “fino All‘osso”, mas, na realidade, os que tiveram que agüentar tudo, foram os pobres. Esses pagavam impostos pesados, endividavam-se e perdiam suas terras para o governo ou para os proprietários maiores, os “ senhores”. A grande maioria dos agricultores, na Itália, não eram proprietários de terras, ou possuíam pouca terra, precisando arrendar outras para sobreviver. O arrendamento se fazia à meia sobre a produção e arcando o arrendatário com toda a despesa. A comida era escassa;
18
parcos os recursos. Viviam num regime de quase servidão e sem perspectivas de esperança para o futuro.18
Nesse tempo, no Brasil, o sistema escravista de produção dava sinais
de falência. As grandes extensões de terras, em poder das oligarquias,
contavam exclusivamente com a mão-de-obra escrava africana para o seu
desenvolvimento. O café representava a maior fonte de renda do país,
responsável por mais da metade das exportações. A partir de 1850, com a
extinção do tráfico negreiro, o trabalho nas lavouras de café, situadas no
oeste paulista, ficou ameaçado. Em 1888, com o fim da escravidão no
Brasil, a situação se agrava e o governo imperial intensifica a vinda de
imigrantes europeus para a substituição da mão-de-obra escrava. `A grande
necessidade de mão-de-obra no Brasil, correspondeu o auge da crise sócio-
econômica da Itália”.19
Na análise de Giron, o movimento migratório
que caracteriza o final do século XIX e o início do século XX, que vai deslocar apreciável contingente humano da Europa para a América, está relacionado às transformações sociais, políticas e econômicas que ocorrem no mundo ocidental em decorrência da expansão do capitalismo, e às novas formas de produção que estão serão adotadas.20
A imigração italiana, como refere Otávio Ianni (apud Giron, 1987), se
insere nesse contexto. Tanto a política de substituição da mão-de-obra
18 BATTISTEL, A.I. Colônia Italiana: religião e costumes. Porto Alegre: EST, 1981. p. 17. 19 Ibidem, p. 16. 20 GIRON, L.S. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: LANDO, A.M. et al.
DACANAL, J.H.; GONZAGA, S. (Orgs.). RS - Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p. 47.
19
escrava pela livre como a modificação da política das terras no Brasil após
1850, constituem adaptação do Império à divisão internacional do trabalho,
que foi um dos resultados da Revolução Industrial. 21
Hutter assinala que no Brasil a imigração representou um fenômeno
de grande importância não só porque serviu de sustentáculo à lavoura
cafeeira em São Paulo, desde a segunda metade do século XIX, como por
ter sido a base da colonização e da formação da população do Sul do
Brasil.22
De 1890 a 1929, São Paulo atraiu mais de 2.000.000 de imigrantes
que correspondem a cerca de 57% do total recebido pelo país. Cerca de um
terço dos imigrantes entrados (694.489) em São Paulo era constituída por
italianos.23
Para Olívio Manfrói, a vinculação da imigração à colonização marcou
o processo de desenvolvimento histórico do Rio Grande do Sul,
distinguindo-o de outros estados, onde o imigrante foi submetido ao trabalho
assalariado.24 Os imigrantes que se dirigiram para o Rio Grande do Sul
foram atraídos por uma política governamental que pretendia, através da
21 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola gaúcho: a organização inicial. In: De BONI, L.A.
(Org.). A Presença italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p.270. 22 HUTTER, L.M. A Imigração Italiana no Brasil (séculos XIX e XX): dados para a
compreensão desse processo. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 74.
23 PETRONE, M.T.S. O imigrante italiano na fazenda de café de São Paulo. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 105-106.
20
colonização, povoar terras improdutivas e criar núcleos de produção para o
abastecimento do mercado interno nacional.
No Rio Grande do Sul, as terras destinadas aos colonos situavam-se
na Encosta Superior do Nordeste, região montanhosa entre o Planalto e a
Depressão Central. A região forma um espigão que serve de divisor de
águas dos rios das Antas e Caí, o primeiro afluente do rio Taquari e o
segundo do rio Guaíba. Os rios foram fundamentais para o transporte dos
imigrantes já que os escarpados contrafortes do Planalto tornavam
extremamente difícil o acesso.25
Os dados sobre o número de imigrantes italianos entrados no estado
são imprecisos. Calcula-se que aqui se estabeleceram entre 1875 a 1914 de
74 a 100 mil. Segundo o Anuário Estatístico do Rio Grande do Sul um total
de 66.901 italianos ali chegaram entre os anos de 1882 e 1914.26 Deve-se
lembrar que muitos italianos chegaram ao Brasil com passaporte austríaco e
que não foram poucos os clandestinos, o que torna difícil o cálculo preciso.
Indivíduos de diferente regiões, mas sobretudo do norte da Itália,
região mais atingida pela crise econômica, formaram o contingente de
imigrantes que colonizaram a região nordeste do Rio Grande do Sul:
vênetos (54%), lombardos (33%), trentinos (7%), friulinos (4,5%) e outros
24 MANFRÓI. O. Italianos no Rio Grande do Sul. In: De BONI, L.A. (Org.). A Presença
Italiana no Brasil. Porto Alegre: EST, 1987. p. 169. 25 GIRON, L.S. As Sombras... Op. cit., p. 28. 26 HUTTER, L.M. Op. cit., p. 96.
21
(1,5%).27 Celeste Gobbato nasceu em Volpago del Montelllo, pequeno
lugarejo da província de Treviso, região do Vêneto,28 de onde saiu para vir
para o Brasil.
Esses imigrantes foram encaminhados para os núcleos coloniais
recém-criados: entre 1875 e 1884 foram ocupadas as terras das colônias
Caxias, Conde d’Eu (atual Garibaldi) e Dona Isabel (atual Bento Gonçalves),
seguindo-se a criação, entre 1884 e 1892, de Alfredo Chaves e Antônio
Prado, e de 1892 a 1900 da colônia Guaporé, que hoje é representada
pelos municípios de Muçum, Guaporé, Serafina Corrêa, Casca e o distrito
de Vila Maria do município de Marau.29
Geralmente o imigrante era uma pessoa jovem. 66% dos homens
tinham entre 20 e 45 anos, e 67% das mulheres entre 20 e 40 anos.30
Gobbato deixou a Itália com 22 anos de idade.
Quanto ao grau de alfabetização, grande era o número de
analfabetos nas levas imigratórias, e, de acordo com Pelanda, pode-se
afirmar com segurança, poucos os portadores, não diremos de instrução
27 FROSI, V.M.; MIORANZA, C. Imigração Italiana no nordeste do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Movimento, 1975. p. 36. 28 O Vêneto compreende sete províncias: Veneza, Pádua e Rovigo (províncias de
planície), Beluno (província montanhosa), Treviso, Vicenza e Verona (províncias de características mistas). Ibidem, p.16.
29 Ibidem, p. 42. 30 Dados de GIRON relativos à colônia Caxias. De BONI, L.A.; COSTA, R. Os italianos do
Rio Grande do Sul. 3. ed. Porto Alegre: EST, 1984. p. 81.
22
primária completa, mas de um conhecimento elementar do toscano elevado
à língua oficial do reino (italiano).31
Celeste Gobbato estudou e formou-se em Enologia e Viticultura pela
Escola de Conegliano, e tornou-se doutor em Ciências Agrárias pela
Universidade de Pisa. Além de ter dirigido um estabelecimento de
vinificação em Treviso, após o doutoramento submeteu-se ao concurso no
Ministério da Agricultura em Roma, e foi ensinar agronomia e agricultura em
Allano. Mais tarde, foi nomeado assistente do Instituto Agrário de Treviso,
cargo que ocupava quando foi contratado pela Escola de Engenharia de
Porto Alegre. Assim como Gobbato, imigrantes “especialistas” de diferentes
nacionalidades vieram para Porto Alegre e também ocuparam cargos na
Escola de Engenharia de Porto Alegre.
Os imigrantes italianos, quanto à profissão, eram em maioria
agricultores, porém, como ressalta Giron, alguns moravam em cidades na
Europa e cerca de 30% do total tinham outras profissões, como funileiros,
sapateiros, ferreiros carpinteiros, oleiros, operários de indústrias e pequenos
comerciantes.32
Embora em menor número, alguns imigrantes italianos
permaneceram nas cidades. Segundo relatório do cônsul italiano Pascale
31 PELANDA, E. Aspectos gerais da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Álbum
Comemorativo dos 75 anos da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1950. p. 44.
23
Corte, de 1884, em Porto Alegre a metade aproximadamente da Rua dos
Andradas, uma das artérias mais comerciais da cidade, é, desde já,
ocupada por negociantes italianos.33 O mesmo cônsul estimou a presença
de um total de 40.000 italianos no Rio Grande do Sul, sendo que 10.000
moravam em zonas urbanas.34 Para Núncia Constantino,
a questão posta em números é extremamente complexa e a princípio são aceitos os de Franceschini: ‘seis mil italianos em Porto Alegre no ano de 1893’. Isto equivale a mais de 10% da população da cidade que pelo censo de 1890 é de 52.421.35
Conforme lembra Giron, ainda que pobres, os imigrantes não eram
miseráveis. Os miseráveis ficaram na Itália, pois não tinham dinheiro nem
para pagar as passagens. 36
Os que tinham dinheiro para pagar a viagem embarcavam geralmente
no porto de Gênova ou Veneza. As famílias decididas a partir colocavam
roupas em caixas de madeira tomavam o trem e se dirigiam para o porto. As
empresas italianas responsáveis pelo transporte dos imigrantes recebiam
por imigrante embarcado. Não raras vezes lotavam os navios com dois
32 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Casas de negócio. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.
p. 47. 33 BORGES, S.M.A. Op. cit., p. 47. 34 Ibidem, p. 49. 35 CONSTANTINO, N.S. Italianos. In: FLORES, H.A.H. (Org.). Porto Alegre - História e
Cultura. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987. p. 61. 36 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 47.
24
terços a mais do que o permitido. O surto de epidemias era comum nos
navios, ocasionando a morte de muitos deles.37
Havia aqueles que partiam com menos recursos. Para esses,
qualquer atraso significava mais gastos de suas economias e menos
recursos para instalarem-se na nova terra. Chegavam a aguardar por mais
de um mês nas proximidades do porto, o bendito embarque. Queriam ir para
o país da Cucagna.38
Num de seus mais recentes trabalhos, o escritor José Clemente
Pozenato39 narra o cotidiano de uma família de italianos que emigra em
1883, rumo a Caxias do Sul, embalados pela promessa de um futuro
dourado:
Rosa Gardone acordou cedo na hospedaria, em Gênova. No grande dormitório, dezenas de mulheres e crianças dormiam ainda. Tinham viajado um dia e meio de trem. Ela dormira pensando no lindo sonho de Aurélio. Era um bom augúrio, sinal de que estavam certos indo para a América. Ela, pelo menos, não estava arrependida, nem nunca iria se arrepender, não importava o que acontecesse. Muitas pessoas queridas ficavam para trás. Nem os pais, nem os irmãos se sentiram com coragem de sair de Roncà. Ia sentir a falta deles como uma dor, pela vida inteira. Não estava
37 BATTISTEL, A.I. Op. cit., p. 19. 38 “O termo cocanha, documentado pela primeira vez no século XII, designa um modelo
de sociedade utópica relacionado com a fartura e com a fruição dos prazeres materiais. Na Itália do século XIX, essa utopia de origem medieval foi largamente difundida entre a população pobre, que, ao emigrar para a América, trouxe consigo a idéia de um país imaginário caracterizado pela abundância. Os imigrantes italianos que aportaram no Brasil na segunda metade do século XIX, de fato, deixaram sua pátria embalados pela promessa de um futuro dourado”. RIBEIRO, C.P. In: POZENATO, J.C. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000.
39 Apesar dos interesses de historiadores e romancistas serem diferentes, pois o primeiro tem uma relação específica com a “verdade”, o segundo, é um ficcionista e como tal pode-se permitir o uso intenso da imaginação em sua narrativa, acredita-se que a fonte literária pode contribuir para a compreensão de uma dada realidade histórica como algo possível.
25
querendo se enganar sobre isso. Mas não ia sofrer menos se ficasse. Ela não era bruxa para ler o futuro. Mas não era possível que fossem ficar pior do que estavam, com falta de trabalho, de comida, do que vestir, de onde morar, de tudo. Em Roncà não se vivia, se morria, como não cansava de dizer Cósimo, seu padrinho de casamento. E se era para morrer, emendava, tanto fazia deixar a pele aqui como na América. Passava um dia e outro dia, e não se via sinal de melhora. Ir para a América dava, pelo menos, alguma esperança. Ela não era tonta para imaginar que se tornariam senhores, como Aurélio às vezes dizia, certamente para animá-la, ou para animar-se ele mesmo. Ela se contentaria com menos. Bastava terem um teto só deles e mesa farta para os filhos. O resto, entregava nas mãos de Deus. Tristeza por tristeza, melhor com pão na mesa. 40
O autor de O Quatrilho e A Cocanha quer mostrar que sua obra está
em consonância com a realidade. Ele explica que, ao se propor escrever tais
romances, lançou-se ao trabalho de colher dados, relatos de experiências,
enfim, informações que pudessem lastrear o processo de construção
ficcional. 41
O sofrimento e a desilusão da personagem Rosa Gardone, bem como
a esperança num futuro melhor para seus filhos podem, sem dúvida, ser
representativos dos anseios que muitos, senão a maioria dos imigrantes
tinham. As expectativas de uns e outros está relacionada com o lugar
social42 que ocupam na própria história. Sabe-se por informações de sua
40 POZENATO, J.C. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. p. 22.
41 POZENATO, J.C. O Quatrilho: a vertente histórica”. In: Simpósio Internacional sobre
Imigração Italiana e IX Fórum de Estudos Ítalo-Brasileiros. Anais. Caxias do Sul: EDUCS, 1999. p. 113.
42 Para CERTEAU, “em história todo sistema de pensamento encontra-se referido a lugares sociais, econômicos, culturais etc.” E acrescenta que é em função do lugar social “que se instauram os métodos, que se precisa uma topografia de interesses, que se organizam os dossiers e as indagações relativas aos documentos”. CERTEAU, M. de. A
26
filha que o que Gobbato deixava para trás ao sair de seu país, era um
passado sem privações, pelo menos materiais. Diferentemente da
personagem Rosa Gardone para quem bastava ter um teto só deles e pão
na mesa para os filhos. Mas Gobbato trazia sua juventude e uma energia
criativa que colocou à serviço do seu trabalho e do povo brasileiro.
Celeste Gobbato, um intelectual43, foi um profissional respeitado e
atuante tanto na Itália como no Brasil. Ao deixar a pátria de origem, trazia
consigo conhecimentos sobre enologia, geografia, literatura, história,
economia, filosofia, que utilizou em seus estudos com muita pertinência.
Observador atento, durante a viagem para o Brasil fez várias
anotações. Preocupou-se em registrar o que viu e sentiu à bordo do navio.
Ao chegar, enviou suas anotações à Itália em forma de relato que foi
publicado na revista da Scuola de Viticoltura ed Enologia di Conegliano, da
qual fora colaborador.
Celeste Alexandre Gobbato deixou a Itália rumo ao Brasil no dia 9 de
agosto de 1912, com a finalidade de ensinar viticultura e enologia no
Instituto de Agronomia e Veterinária da Escola de Engenharia de Porto
Alegre, no extremo sul desse país. Ele deixava, para isso, o cargo de
assistente do Instituto Agrário de Treviso.
Operação Histórica. In: LE GOFF, J.; NORA, P. História: Novos Problemas. 4. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. p. 17-18.
27
Celeste estava com vinte e dois anos de idade e embarcava em navio
francês que tinha nome espanhol: “Plata”. O percurso a cumprir significava
uma viagem de vinte e nove dias, que o levaria do golfo de Gênova até o
estuário do Guaíba na cidade de Porto Alegre. O dia 7 de setembro, data da
chegada de Gobbato, assinala o dia em que o Brasil se tornou independente
de Portugal.
No relato de sua viagem Gobbato entrelaça sentimentos de tristeza,
apreensão, deslumbramento e expectativa. Tristeza porque ele saudava a
Itália como sua querida pátria e dizia que:
um nó poderoso me fechava a garganta, um peso enorme gravitava sobre o meu coração; deixava a família, as lembranças da adolescência, as ridentes colinas vênetas, ricas de pampínea verdura.44
E apreensão, por ter de enfrentar o Oceano, o tenebroso
desconhecido, e descer num lugar conhecido somente entre as linhas da
imprensa, longínquo, muito longínquo da Alma Pátria.45
A despedida foi descrita por Gobbato num tom quase poético:
Quando o vapor lentamente se afastava do cais onde meus caros agitavam freneticamente os lenços, quando o esplêndido e pitoresco golfo de Gênova começava a se
43 Para LE GOFF, o termo intelectual designa “um homem cuja profissão seja escrever e
ensinar – e de preferência ambas as coisas ao mesmo tempo (...)”.LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média. 2. ed. Lisboa: Gradiva, p. 26.
44 “... davo il saluto alla Patria cara, alla nostra bella e grande Italia; un nodo poderoso mi serrava la gola, um peso enorme gravitava sul mio cuore; lasciavo la famiglia, i ricordi dell”adolescenza, le sorridenti colline venete ricche di pampinea verdura...”. GOBBATO, C. Relato da viagem de Celeste Gobbato. Pe. MICCIMILLI, A. (Trad.) Revista da Scuola de Conegliano, 1912, p. 514.
45 Idem.
28
dileguar ao meu olhar e os altos cimos dos Alpes marítimos confundiram-se com a tinta levemente plúmbea do céu, quando me encontrei num mundo completamente novo de água e de horizonte, somente então bem compreendo a dor do afastamento, aquele nó na garganta serrou-me fortemente, e chorei....46
Afora a saudade que o acompanhou por toda a viagem, sentimento
descrito por muitos imigrantes, Gobbato teve oportunidade de conhecer
lugares novos que o deixaram deslumbrado. Atento a tudo que acontecia,
narrou com entusiasmo e emoção cada parada do navio.
Segundo suas palavras, foi no porto de Marselha
o primeiro ponto de chegada; o navio entrou majestoso e ofegante no imenso porto, e quando foi baixada a ponte não me pareceu verdade por os pés no chão da grande cidade comercial francesa, abastecida de grandes docas e atravessada por esplêndidas avenidas percorridas por um movimento incessante. O Plata completou o carregamento de passageiros e com os poderosos guindastes carregou no porão do navio a numerosa mercadoria destinada parte à colônia do Senegal e parte ao continente americano.47
A segunda parada do “Plata” foi no porto de Almeria, pequena cidade
da Espanha que, conforme sua observação sobre o lugar, se estende sobre
o Mediterrâneo num conjunto de terraços e casas, como os países
46 “Quando il vapore lentamente mi discontava daí cari che sulla banchina sventolavano
freneticamente i fazzoletti, quando lo splendido e pittoresco golfo di genova cominciava a dileguarsi allo sguardo e le alte vette delle Alpi marittime si confusero com la tinta leggermente plumbea del cielo, quando mi trovai in un mondo completamente nuovo di acqua e di orizzonte, solo allora bem compreendo il dolore des distacco, quel nodo alla gola si serrò più forte e...piansi.” Ibidem, p. 515.
47 “il primo punto di approdo; il piroscafo entrò maestoso e sbuffante nell’immenso porto, e quando fu abbassato il ponte non mi parve neppur vero di mettere i piedi a terra nella grande cità comerciale francese, fornita di grandiosi docks e atravessata da viali splendidid percorsi da un movimento incessante. Il Plata completó il carico dei passeggeri e com le poderose grue del porto trasse nella stiva la numerosa mercanzia destinada in parte alla colonia del Senegal ed in parte al continente americano”. Idem
29
meridionais da Itália para recolher a água de chuva em cisternas.48 Gobbato
ficou atento à movimentação no porto onde numerosas embarcações
transitavam pela praia carregadas de produtos comestíveis. O que mais
aparecia entre aqueles produtos, segundo o seu olhar, era a uva: verde,
amarelinha, rubra e roxa em grandes graspos rarefeitos ou serrados, com
grãos grossos, mais ou menos doces e crocantes. 49
Em Almeria, no dia 13 de agosto, Gobbato teve tempo para conhecer
a corrida dos touros, observar outras poucas características que a pouco
limpa cidade apresenta, além de visitar os parreirais, que fornecem aquela
renomada uva de mesa. Descreve com olhar técnico a estrutura dos
parreirais, a distância entre as vides, a altura das mesmas, o gosto das
uvas, bem como o seu destino:
a uva vermelha era já madura e os graspos esplêndidos saíam da folhagem pendendo rumo à terra. A uva branca presenteava ainda ao paladar uma abundante riqueza de ácidos porque não era ainda madura, mas começava já a ser desligada da planta como aquela das outras variedades, para as grandes exportações além do Oceano. 50
Almeria possuía casas de exportação das magníficas uvas sendo as
mais comuns chamadas uvas de barco, uva moscata e uva de casta e que
no seu conjunto constituem a uva comercialmente chamada de Almeria. Era
48 Ibidem, p. 515. 49 Idem. 50 “.... lüva rossa era già matura ed i grappoli splendidi uscivano dal fogliame penzolanti
verso il suolo, per modo che la vendemmia poteva farsi direttamente da un uomo in piedi. Lúva bianca presentava ancor al palato una abbondante ricchezza di acidi perchè non era matura, ma cominciava già ad essere staccata dalla pianta come quella delle altre varietà, per le grandi esportazioni oltre oceano”. Ibidem, p. 516.
30
vendida em pequenas quantidades ou em barris de 12 Kg a 0, 20 liras ao
quilo. Ao voltar ao navio, levava consigo uma boa provisão de uva.
Em Almeria, o “Plata” desligou-se da Europa rumo a um novo
continente. O navio seguiu a rota costeando a Espanha até alcançar o
estreito que separa o continente europeu do africano. Deslumbrado,
Gibraltar aparecia para Gobbato como algo magnífico. O encontro das
águas do Mediterrâneo com o Atlântico fez com que as ondas se agitassem
e, conforme lembrou: uns gemidos levantavam-se da terceira classe.
No dia 18 de agosto, o “Plata” ancorou no porto de Dacar, nas águas
africanas. A capital do Senegal apresentou-se da seguinte forma ao olhar
europeu de Gobbato:
Os habitantes negros com os barracanos multicores e de feitura varia de pessoa para pessoa representando uma nota muito curiosa (...) da visita ao mercado se nota que bem pobre deve ser a produção indígena: nos subúrbios da cidade o senegalês conserva ainda a habitação cabana onde vive numa civilização...muito dissímil da nossa. 51
Gobbato descreve a pobreza do povo senegalês ao observar que,
numa demonstração de nadadores com capacidade única, alguns
lançavam-se ao mar para apanhar qualquer moeda que se atire na água!
51 “gli abitanti negri daí baracani multicolori e di fattura varia da persona a persona
reppresentano una nota molto curiosa (...) dalla visita al mercato scorgesi che bem magra dev’essere la produzione indigena: nei suburbi della città il senegalese conserva ancora l’abitazione a capanna dove vive in una civilità... molto dissimile della nostra”. Ibidem, p. 517.
31
Depois de ter-se deslumbrado com Gibraltar, Gobbato conta com
emoção que após o fornecimento de carvão em Dacar, o navio retomou a
rota
no imenso oceano, numa miragem magnífica de água e ar; o equador deu origem à costumeira, e para mim, nova festa da passagem da linha, onde numa harmonia verdadeiramente admirável os passageiros de várias nações brindavam à fraternidade dos povos, às pátrias e as famílias longínquas, esquecendo que a casa que boiava estava em presa das forças brutas. 52
52 “l’immenso oceano, in un miraggio magnifico di acqua ed aria; l’equador diede origine
alla consueta, e per me nuova festa del passagio della linea, dove in un’ armonia veramente ammirevole i passeggeri di varie nazioni brindavano alla fratellanza dei popoli, alle patrie ed alle famiglie lontane, dimenticando che la casa galleggiante era in balia delle forze brute”. Idem.
32
Figura 1 – Trajeto da viagem de Celeste Gobbato da Itália para o Brasil
Fonte: FERREIRA, G.M.L. MARTINELLI, M. Atlas Geográfico Ilustrado. São Paulo: Moderna, 1994.
Na manhã do dia 27 de agosto, o primeiro sinal da costa brasileira:
Todos os passageiros corriam sobre a coberta, todos queriam ver ou rever as ladeiras dos montes luxuriejantes de magnífica vegetação, os cimos da Serra, o enorme masso de nu granito que se ergue à embocadura da bahia, de forma cônica e chamado Pão de Açúcar.53
A primeira impressão do Rio de Janeiro, a cidade maravilha, parece
ter surpreendido Gobbato pelos ricos edifícios e pelo tráfego colossal, pelas
suas encantadoras avenidas, que ele descreve como: magnificamente lindas
e poéticas. Na realidade, o olhar de Gobbato cai sobre uma cidade que
sofreu a execução de um projeto que a chamada “República dos
Conselheiros”54 empreendeu nos primeiros anos do período republicano, a
fim de buscar prioritariamente a recuperação das finanças e da imagem do
53 “Tutti i passeggeri si spingevano sopra coperta, tutti volevano vedere o rivedere i fianchi
dei monti lussureggianti di magnifica vegetazione, le cime della Serra, l’enorme masso di nudo granito che si erge all’imboccatura della baia, di forma conica e nomato pan di zucchero”. Idem.
54 A “República do Conselheiros foi montada durante os governos de civis e paulistas de Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves. (...) sob a “República dos Conselheiros” ocorreram transformações no modo de vida do país, principalmente no Rio de Janeiro”. OLIVEIRA, L.L. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 111.
33
Brasil no exterior.55 A República dos Conselheiros foi montada durante os
governos civis e paulistas de Prudente de Morais, Campos Sales e
Rodrigues Alves sob os quais ocorreram transformações no modo de vida
do país, principalmente no Rio de Janeiro, a capital federal. Conforme
assinala Lúcia Lippi Oliveira, o Rio de Janeiro se configurava como cidade
cosmopolita e maior centro comercial e industrial do país, (...) recebia não só
o afluxo de novas idéias, como também de capitais estrangeiros. 56
Na capital federal, conforme a autora
operava-se a construção de um novo padrão de prestígio social, no qual os novos hábitos de consumo e de moda criavam um novo público para o jornalismo e para a crônica social. A obra-síntese desse novo Brasil foi, sem dúvida, a avenida Central. Inaugurada em 1904, a avenida foi um marco da engenharia que simbolizou o ingresso do país na belle époque.57
O Rio de Janeiro magnífico e poético que Gobbato descreveu
constitui o elemento central da imagem de um país que ansiava por se
integrar no mundo civilizado.58
No empenho de livrar a capital federal da influência portuguesa na
arquitetura, considerada de mau gosto, e na ânsia de dar à cidade uma
aparência cosmopolita, buscando imitar os hábitos europeus, especialmente
o francês, o governo carioca lançou um projeto de remodelação e
55 Idem. 56 Idem. 57 Idem. 58 Idem.
34
saneamento do Rio de Janeiro, colocando abaixo a velha cidade colonial.59
Com isso, lembra Oliveira,
os pobres foram afastados do centro da cidade, e intensificou-se o combate policial à vadiagem e às manifestações dos cultos religiosos populares (Sevcenko, 1983). A crescente deterioração das condições de vida e de trabalho na cidade do Rio de Janeiro preparou o terreno para a eclosão de movimentos de contestação social, com significativa participação operária, exemplarmente ilustrados pela Revolta da Vacina (Sevcenko, 1984; Carvalho, J.M., 1984). 60
59 Idem. 60 Ibidem, p. 112.
35
Em visita de férias ao Rio de Janeiro, no verão de 1907, o
memorialista gaúcho João Neves da Fontoura - advogado de formação e
figura política de destaque do “longo” governo de Borges de Medeiros -
ironiza a imitação exacerbada de hábitos estrangeiros da sociedade carioca:
Como todas as transformações, o Rio sofria certos acessos de ridículo estrangeirismo: a boa sociedade não era mais a sociedade, mas o set carioca; o chá não tardou a ser o thétango; o passeio na praia do Flamengo - o footing. Tudo quanto tinha o selo da novidade se dizia dernier cri, dernier bateau.61
No plano cultural, outra manifestação do Rio que se civiliza, e sobre a
qual Fontoura se refere com certo saudosismo, são as conferências
literárias - palestras feitas pelas maiores figuras literárias da época. Era
chique frequentá-las. Os palestrantes, ou oradores
reproduziam sobre o Amor, a Ilusão, a Morte, a Esperança, a Mulher e outros temas semelhantes tudo quanto Dante, Shakespeare, Dickens, Goethe haviam escrito a favor ou contra. Lá estavam os mais belos versos vernáculos ou estrangeiros misturados com algumas historietas leves e inúmeros paradoxos, para alívio e repouso do auditório.62
Buscando embasamento na análise de Lúcia Miguel - Pereira, Lúcia
Lippi Oliveira observa que houve, principalmente no Rio de Janeiro nas
primeiras décadas da República Velha (até a eclosão da Primeira Guerra
Mundial), uma produção intelectual diletante, ou seja,
esses escritores viam a literatura ’não como arte perturbadora e inquisitória por excelência, mas como a
61 FONTOURA, J.N. Memórias. Borges de Medeiros e seu Tempo. 2. ed. Porto Alegre:
Globo, 1969. p. 72. v. 1. 62 Idem.
36
manifestação do bem-estar social, numa época de paz, eles próprios em regra contentes com sua sorte, pertencentes à classe dominante, escreveram para distrair-se e distrair os leitores’ (...) no interior desta sociedade surgiram autores para os quais a literatura era concebida como o ‘sorriso da sociedade’, nas palavras de Afrânio Peixoto.63
Coelho Neto, Artur de Azevedo, Afrânio Peixoto, Mário de Alencar e
Medeiros e Albuquerque são apontados por Miguel-Pereira como os
principais representantes desta categoria.
Para Fontoura, era natural que os conferencistas buscassem também
estender suas palestras a outros estados que não São Paulo - pois este
estava a dois passos da Avenida Rio Branco, que era então a Avenida
Central - mas ao Sul e ao Norte.
Fontoura conta que o autor de “A Conquista” foi o primeiro a visitar o
Rio Grande do Sul. Coelho Neto foi recebido em Porto Alegre
numa atmosfera de admiração e simpatia. Os rapazes mais novos, como Filipe de Oliveira, Álvaro Moreira, Homero Prates, Eduardo Guimarães, estabeleceram a comunicação dele com a geração nascente, de que aqueles jovens poetas eram os epígonos. O governo do Sr. Borges de Medeiros prestou ao escritor as honras e o apoio devidos.64
Além desses hábitos e idéias, no Rio de Janeiro, Gobbato observou a
presença de produtos europeus no cotidiano da capital federal. Por
exemplo, constatou que no mercado de frutas onde predominavam as
bananas e as laranjas vindas dos estados sulinos do Brasil, havia muita
63 OLIVEIRA, L.L. Op. cit., p. 113. 64 FONTOURA, J.N. Op. cit., p. 73-74.
37
fruta européia: “encontrei a uva de Almeria que era vendida a 2.500-3.000
réis (igual a 4,25 -5 liras.) o Kg!”.
Com destino a Porto Alegre, Gobbato prosseguiu viagem em
pequenas embarcações que faziam o serviço costeiro no Brasil. À bordo do
novo e elegante Itapura conheceu os maiores portos comerciais do país e
os produtos que dalí partiam.
Primeiro o porto de Santos,
meta para muitíssimos emigrantes que continuamente vão aumentar as fileiras dos muitos italianos que há muito estão aí (...) e por qual passa, pode-se dizer, toda a produção enorme de café e dos outros produtos de que o estado é fornecido, quais cana-de-açúcar, algodão, tabaco e outros ainda.65
Cerca de 20 horas depois, ao chegar no porto de Paranaguá, no
estado do Paraná, Gobbato pode ir de lancha até a cidade que, segundo ele
é centro de um ativo comércio de vários produtos que o clima extremamente bom consente obter. A flora aí é esplêndida e passa dos pinheiros, que constituem riquíssimos bosques, ao café, a cana-de-açúcar, ao arroz, às bananas, e a erva mate muito usada no Brasil para produzir uma bebida agradável e estomática.66
65 “mèta per moltissimi emigranti che continuamente vanno ad aumentare le file dei molti
italiani che da molto tempo colà esistono. (...) per il quale passa, si può dire, tutta la produzione enorme di caffè e degli altri prodotti di cui lo Stato è fornito, quali canna da zucchero, cotone, tabacco ed altri ancora.” GOBBATO, C. Revista da Scuola... Op. cit., p. 518.
66 “è centro d’ un attivo comercio dei vari prodotti che il clima estremamente buono consente di ottenere. La flora vi è splendida e si spinge daí pini, che costituiscono dei ricchissimi boschi, al caffè, alla canna de zucchero, al riso, alle banane, ed all’erba matte molto adoperata in Brasile per produrre una bevanda gradevole e stomatica”. Idem.
38
Poucas horas depois, Gobbato chegou ao porto de Florianópolis,
capital do estado de Santa Catarina, responsável pelo comércio de bambús,
de peroba, feijão, erva mate e sobretudo de bananas. Lembrou que ali
nascera Anita Garibaldi.
Após 40 horas de viagem, depois da partida de Florianópolis, de
forma romântica, Gobbato descreve a chegada do navio ao seu destino
final:
o Itapura lambia as águas do estado do Rio Grande do Sul, do estado isto é mais meridional do Brasil que a sul confina com a republica do Uruguai e a oeste com a república da Argentina. Os navios podem penetrar no interior graças à Lagoa dos Patos que se une ao Atlântico com a famosa barra de Rio Grande. 67
Gobbato chegou à cidade de Rio Grande no dia 5 de setembro,
quando, segundo suas palavras, a primavera já se anunciava nos pêssegos
que floresciam, os plátanos apareciam as gemas e a videira começava a
emitir os tenros brotos.
Finalmente, no dia 7 de setembro Gobbato avistou Porto Alegre, e
assim a descreveu:
disposta em anfiteatro sobre uma colina que se ergue sobre a margem esquerda do Rio Guaíba, oferece uma visão magnífica para quem vem da Lagoa dos Patos: dá logo a idéia de ser bem arejada e portanto de se encontrar, como o
67 “Itapura lambiva l’acqua dello Stato di Rio Grande do Sul, dello Stato cioè più
meridionale del Brasile che a Sud confina com la repubblica dell’Uruguai e ad ovest com la repubblica Argentina. I piroscafi di medio pescaggio possono spingersi nell’interrno mercè la laguna di dos patos che s’unisce all’Atlantico com la famosa barra di rio Grande”. Idem.
39
é realmente e as estatísticas o demonstram, nas melhores condições higiênicas.68
Pelos dados que Gobbato trazia, a população de Porto Alegre em
1890 era de 45 mil indivíduos, em 1911 já ultrapassou os 120 mil. Conforme
aponta Bakos, “com a diversificação da produção, Porto Alegre atrai
migrantes do meio rural ou de centros urbanos gaúchos menores e
imigrantes de diferentes nacionalidades69”. No entanto, a autora acrescenta
que
“O crescimento populacional de Porto Alegre não se deve apenas aos movimentos migratórios, mas também a seu alto índice de crescimento vegetativo, se observados os dados referentes a esse crescimento no todo do Estado do Rio Grande do Sul”70.
Para Gobbato, a bondade do clima e do terreno foi causa do grande
desenvolvimento colonial no Rio Grande do Sul. Segundo ele,
A agricultura assim prospera; às culturas indígenas unem-se as dos países europeus - de modo que lentamente, com o aumento contínuo da viabilidade e com o aperfeiçoamento da agricultura nos seus diversos ramos, o Brasil poderá se desvincular de certas importações e poderá inundar os próprios estados e outras nações dos seus bons produtos. Serão assim recompensados os esforços dos sábios legisladores e dos beneméritos pioneiros da liberdade política brasileira que puseram no estandarte da sua
68 “disposta ad anfiteatro su una collina che ergesi sulla riva sinistra del rio Guahyba, offre
una vista magnífica per chi viene dalla laguna di dos Patos; dà subito l’idea di essere bene ventilata e quindi di trovarsi, come lo è realmente e le statistiche sanitarie lo dimonstrano, nelle migliori condizioni igieniche”. Ibidem, p. 519.
69 “Os 73.674 habitantes da virada do século somam em 1910 a 115.791 pessoas. (...) Em 1920, a população atinge 181.985 habitantes, passando para 256.550 dez anos depois”. BAKOS, M.M. Porto Alegre e seus eternos intendentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. p.19-20.
70 Idem.
40
República, qual simulacro de amor e fé, o fatídico escrito: ‘ Ordem e Progresso’.71
Assim, depois de várias peregrinações, Gobbato chega ao seu
destino no novo continente. As lembranças da Pátria longínqua e das
ridentes colinas vênetas não o deixavam. Dizia-se estar ansioso de visitar as
colônias, de reencontrar aí o idioma querido, de rever a “Treviso”...do Brasil.
Os registros de Gobbato, ao longo da viagem, demonstram o
interesse que ele tem pelas regiões onde passa e sua preocupação em
identificar hábitos e valores. Tais atitudes caracterizam um intelectual que
reflete sobre o que observa. E a capacidade de ensinar está, como se lê a
seguir, nas raízes da situação que o traz ao Brasil. Celeste Gobbato vem
para ensinar.
71 “L’agricoltura cosi prospera; alle colture indigene si uniscono quelle dei paesi europei –
per modo che lentamente, com l’aumento continuo della viabilità e com il perfezionemanto della agricoltura ne’ suoi diversi rami il Brasile potrà svincolarsi da certe importazioni e potrà inondare i propri Stati ed altre nazioni de1 suoi buoni prodotti. Saranno così ricompensati gli sforzi dei saggi legislatori e dei benemeriti pioneri della libertà politica brasiliana che posero nello stendardo della loro Repubbblica, quale simulacro di amore e di fede, il fatidico scritto: ‘Ordem e progresso’.” Ibidem, p. 519.
41
1.2 EM ENSINO AMBULANTE PELO RIO GRANDE DO SUL
“Sábia agricultura é sinônimo de nação forte e rica, e é certamente o camponês ativo e instruído a causa da prosperidade e grandeza da Pátria.”
Celeste Gobbato
A vinda de imigrantes alemães (1824) e italianos (1875) para o Brasil
inseriu uma nova composição no cenário socioeconômico gaúcho a partir do
final do período imperial. O Rio Grande do Sul tinha então sua economia
baseada na pecuária
voltada para o abastecimento do mercado interno brasileiro como setor subsidiário. Seu principal produto, o charque, produzido em moldes escravistas para alimentar a escravaria nacional, dependia da instabilidade da economia concorrente platina, assalariada e já empregando a máquina à vapor, para conseguir dominar o mercado brasileiro.72
A importância da zona colonial no contexto econômico da província
acentuou-se com a crise na pecuária e nas charqueadas que se verifica
nesse período. O aumento da produção colonial representou uma alternativa
em nível econômico para contrabalançar com as dificuldades que os
charqueadores e criadores de gado enfrentavam no momento, seja em
função da libertação dos escravos, seja pela concorrência platina. Coube à
agricultura colonial, desenvolvida pelo imigrante alemão e italiano, o papel
de atender à demanda interna nacional de gêneros de primeira
necessidade. No início do século XX os produtos agrícolas aparecem na
72 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política rio-grandense. In: DACANAL, J.H.;
GONZAGA, S. (Orgs.). RS - Imigração e Colonização. Op. Cit. p. 158
42
pauta dos principais itens de exportação, revelando sua importância no
mercado regional.73 O estado gaúcho já era auto-suficiente em arroz, feijão,
lentilha, milho, erva-mate, cebolas e alhos, alfafas, batatas, uvas, mandioca,
fumo etc. O trigo, apesar de cultura irregular, às vezes chegava a abastecer
o mercado estadual e ser exportado para outros estados.74
Embora a produção agrícola gaúcha tenha aumentado muito, outras
áreas começavam a fazer concorrência aos produtos gaúchos.75 Além da
concorrência estrangeira, o governo agora passa a preocupar-se também
com a concorrência nacional como efeito do desenvolvimento da policultura
que se generalizava por todas os Estados da União,76 algo que Gobbato
observou em sua passagem pelos portos brasileiros, e que narrou com
muita propriedade. Houve, portanto, por parte do governo republicano,
a necessidade de racionalizar o processo produtivo tanto através da maior produtividade, quanto da melhor organização do setor de produção. Isto foi tentado através de investimentos na infra-estrutura viária, de modo especial na férrea, e através de construções de escolas dedicadas a aprimorar cultivos e mão-de-obra rural. 77
73 TAMBARA, E. RS: Modernização e Crise na Agricultura. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1983. p. 29. 74 FONSECA, P.D. RS: Economia e conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1983. p. 63. 75 TAMBARA, E. Op. cit., p. 31. 76 Mensagem do Presidente à Assembléia Legislativa em 1899. Idem. 77 Idem.
43
A Escola de Engenharia de Porto Alegre foi, em grande medida, o
centro de ensino dessa nova conduta no estado rio-grandense. Fundada em
10 de agosto de 1896 por um grupo de cinco tenentes do Exército,
engenheiros militares, professores do Colégio Militar de Porto Alegre, com
idades em torno de 25 anos, cheios de entusiasmo e idealismo 78, a Escola
de Engenharia foi criada para preparar técnicos profissionais, engenheiros,
químicos e contribuir para implantação de tecnologias modernas.79
A Escola de Engenharia iniciou suas atividades em 1 de janeiro de
1897 com a instalação de cursos de engenheiros topógrafos, engenheiros
de estradas, engenheiros civis, e engenheiros geógrafos. Em 1923, possuía
11 institutos e órgãos anexos, que contavam com auxílios de origem
municipal, estadual e federal. A Escola de Engenharia foi reconhecida pelo
Decreto Legislativo Federal no 727 de 8 de dezembro de 1900, funcionando
sob a forma de “instituição privada” até ser reconhecida oficialmente pelo
Estado através do Decreto no 4.929, de 2 de janeiro de 1932, passando a se
denominar Universidade de Porto Alegre. Por força da Constituição do
Estado do Rio Grande do Sul, promulgada em 8 de julho de 1947, no seu
artigo 36 do Ato das Disposições Transitórias, a Universidade de Porto
Alegre passou a chamar-se Universidade do Rio Grande do Sul. E,
finalmente, pela Lei no 1.254, de 4 de dezembro de 1950, a instituição foi
federalizada.
78 90 Anos da Escola de Engenharia. Engenharia. Publicação Oficial da Sociedade de
44
Os fundadores da Escola de Engenharia foram João Simplício Alves
de Carvalho, João Vespúcio de Abreu e Silva, Lino Carneiro da Fontoura,
Juvenal Octaviano Miller e Gregório de Paiva Meira.
A Escola de Engenharia, na análise de Pesavento,
destinava-se a ser o estabelecimento preparador de um grupo técnico de nível que contribuísse com seus conhecimentos para a racionalização da produção industrial gaúcha, que estabelecesse projetos, estudos sobre aplicação tecnológica à produção, análises sobre novos métodos, etc. Desta preocupação do governo não esteve ausente a meta de formar uma mão -de -obra qualificada que, com sua habilitação profissional adequada, contribuísse para aquele processo racionalizador.80
Para atender tais objetivos - e para ir ao encontro do que os
fundadores da Escola inscreveram em seu estandarte, Ciência e Indústria -
foram criados, no interior da Escola de Engenharia, diversos cursos
profissionalizantes. Em 1900, foi criado o
Curso Ginasial, mais tarde Instituto Júlio de Castilhos, para preparo fundamental dos futuros alunos dos cursos de Engenharia; em 1906, instalaram o Instituto Técnico-Profissional (mais tarde o Instituto Parobé) de grau médio, para o ensino de operários e mestres de obras e em várias artes profissionais; em 1908, uma escola de Eletrotécnica (mais tarde Instituto Montauri), para o ensino de eletricidade e de mecânica; um Instituto de Astronomia e Meteorologia (a Meteorologia mais tarde independizou-se com o nome de Instituto Courissat de Araújo); em 1910, foi criada a escola de Agronomia e Veterinária (mais tarde Instituto Borges de Medeiros); ainda em 1911 foram instalados um Instituto Experimental de Agricultura e um Instituto de Zootecnia; em 1919, o Instituto Pinheiro Machado - Seção de ensino primário de agricultura e criação, titulando operários rurais,
Engenharia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre; n. 51, p. 20, agosto 1986. 79 Ibidem, p. 21. 80 PESAVENTO, S.J. O Cotidiano da República: elite e povo na virada do século. 3. ed.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1995. p. 84.
45
e o Instituto de Educação Doméstica e Rural, pioneiro no estado na educação feminina e, em 1921, foi criado o Instituto de Química Industrial com o curso de químicos industriais, curso transformado em 1958 para engenheiros industriais. 81
Os diretores da Escola de Engenharia preocuparam-se também com
a expansão do ensino. Foram criadas no interior do estado 82 a Escola
Industrial em Caxias do Sul, Santa Maria e Rio Grande; Estações de
Agricultura e Criação em Cachoeira do Sul, Bento Gonçalves e Santa Rosa
e os Postos de Zootécnica em Júlio de Castilhos, Alegrete e Bagé. Todas as
escolas possuíam os seus Patronatos. Foram instaladas ainda trinta e cinco
estações meteorológicas nas sedes municipais.
De acordo com Gertz,
a crônica da Escola registra que desde o início se evitou o bacharelismo, típico do ensino superior brasileiro da época, e se optou por uma escola prática, inserida no contexto social circundante, ‘voltada para os problemas da comunidade e da região’. 83
Para atender à criação dos novos órgãos e ao próprio caráter prático
da instituição, nas primeiras décadas a solução veio através dos convites
aos técnicos e professores estrangeiros, especialmente da Alemanha e dos
Estados Unidos, países cujas instituições inspiravam a Escola de
Engenharia. 84
81 Idem. 82 Engenharia. Op. cit., p. 20-21. 83 GERTZ, R. Faculdade de Direito. Manuscrito. 84 HASSEN, M.N.A.; FERREIRA, M.L.M. Escola de Engenharia / UFRGS - um século. In:
GERTZ, R. Manuscrito. Porto Alegre: Tomo Editorial, 1996. p. 92. Conforme Gertz, a Escola
46
Além destes, países como Áustria, Bélgica, França, Inglaterra, Itália, e
até mesmo o Japão, enviaram professores e mestres de ofício.
Assim, no dia 23 de fevereiro de 1911, partiu, de Porto Alegre para a
Europa e Estados Unidos, o engenheiro - secretário da Escola de
Engenharia, o professor Dr. João Ferlini, filho de veroneses,85 para, entre
outras finalidades, contratar catorze profissionais, que pela sua capacidade
técnica se deveriam encarregar dos diversos ramos do ensino prático 86 nos
vários Institutos da Escola.
Nesta viagem, foram contratados cinco alemães, cinco italianos, três
norte-americanos e um francês.
de Engenharia teria seguido o modelo alemão da Universidade Humboldtiana, pois esta buscava o entrelaçamento entre a pesquisa e a formação profissional. O modelo norte-americano teria sido outra inspiração, mas as autoras alertam para o fato de não terem encontrado sobrenomes que denotassem presença significativa de norte-americanos.
85 Carta de Gobbato para um amigo datada de 18-8-1953. 86 Relatório da Escola de Engenharia, 1912, p. 19.
47
Figura 2 – Quadro dos Contratados
Fonte: Relatório da Escola de Engenharia de Porto Alegre (1912)
A preferência por especialistas dos diferentes países estava vinculado
ao grau de desenvolvimento inteligente e progressista de cada ramo de
atividade agrícola em cada um deles praticado.87 A direção da Escola
entendia que a contratação de especialistas estrangeiros para o corpo
docente garantiria a organização de um ensino técnico e profissional
eficiente através da execução de programas de
feição moderna, varrendo deles os excessos esterilizantes da teoria, consorciando, aliando, racionalmente, a teoria
87 Idem.
48
com a prática, e exigindo, por este modo, de seus alunos, um tirocínio prático; quer, de acordo com o espírito da época, que os seus diplomados, conscientes do seu saber, se tornem produtivos, sejam homens de ação e de equilibrado idealismo. 88
Uma viagem preliminar ao estrangeiro já havia sido feita pelo
engenheiro João Lüderitz, chefe do Instituto Técnico Profissional, em 1909,
com o objetivo de conhecer as atividades agrícolas lá desenvolvidas e a
possibilidade de aplicá-las no Rio Grande do Sul. Também o engenheiro-
chefe do Instituto de Agronomia e Veterinária, engenheiro - agrônomo
Augusto Gonçalves Borges esteve no exterior, em 1911, quando foi
incumbido de comprar animais para o Posto Zootécnico, e estudar a
organização do ensino agrícola na Europa.89 Outros dois engenheiros,
Adolpho Stern, engenheiro-chefe do Instituto Astronômico e Meteorológico,
e Vivaldo de Vivaldi Coaracy, engenheiro-eletricista do Instituto de Eletro-
Técnica, estiveram na Europa e Estados Unidos para adquirir material e
verificar a organização do ensino lá.
Outra prática freqüente dos diretores da Escola de Engenharia foi
enviar
a Escolas estrangeiras, reputadamente eficientes, os melhores de seus diplomados, para que aperfeiçoem os seus estudos, se especializem proficientemente, e voltem para trabalhar e lecionar, trazendo a vantagem do professor
88 Discurso Oficial proferido pelo Snr. Prof. Engenheiro Egydio Hervé. Solenidade
Comemorativa do 25 Aniversário da Fundação da Escola de Engenharia de Porto Alegre. 1922, p. 8.
89 Idem.
49
competente, que conhece as falhas do nosso ensino e as necessidades e oportunidades do nosso meio.90
Os gastos com tal empreendimento eram custeados pela própria
Escola de Engenharia que tinha um objetivo duplo de ensino e produção. Já
que as subvenções que recebe são insuficientes para custear os gastos
decorrentes de sua expansão e atividade, a Escola recorria às rendas
próprias, alcançadas nos seus laboratórios, oficinas e campos (...) Quase
tudo que se constrói é projetado e administrado pelos seus técnicos.. O
patrimônio da Escola de Engenharia em 1921 era de sete mil contos,
representado em prédios, terras, máquinas e materiais. 91
A viagem de Ferlini trouxe dos Estados Unidos da América do Norte,
país em que devido ao grande desenvolvimento da exploração agrícola e
pastoril o ensino tem o caráter mais prático e diretamente adaptável ao
nosso meio,92 um agrônomo e dois chefes de culturas.
Da Alemanha, onde a medicina veterinária alcançava um sucesso
máximo, foram contratados dois médicos veterinários, um químico, um
botânico, e um profissional para o Museu do Instituto de Agronomia e
Veterinária.
90 Idem. 91 Ibidem, p. 9. 92 Relato da “Viagem na Europa e Estados Unidos pelo engenheiro João Luderitz” em
1909. In: Relatório da Escola de Engenharia, 1912, p. 21.
50
Da Itália, país que possuía na época as melhores escolas de enologia
e viticultura, promologia, orticultura e jardinagem, além de numerosos
estabelecimentos zootécnicos, foram contratados um químico-agrícola, um
enólogo-viticultor e os chefes dos serviços de lacticínios, pomi-arbori-silvi-
horticultura e um zootécnico.
Foi neste contexto que chegou a Porto Alegre o enólogo - viticultor
Celeste Alexandre Gobbato. De acordo com sua formação e experiência
profissional serviria ao Instituto de Agronomia e Veterinária, mais
especificamente ao Posto Zootécnico e à Estação Experimental, localizados
em Viamão, nas proximidades da capital, e que estavam ainda em fase de
estruturação. O contrato de trabalho vigoraria por cinco anos.
O Instituto de Agronomia e Veterinária, criado em 1910, que mais
tarde passaria a se chamar Instituto Borges de Medeiros, destinava-se a
preparar médicos veterinários, engenheiros agrônomos, agrônomos e
capatazes ruraes, sendo o regime o de internato.93 Os cursos do Instituto
eram os seguintes: Curso de Médicos Veterinários, com duração de cinco
anos; Curso de Engenheiros Agrônomos, com duração de cinco anos; Curso
de Agrônomos, três anos; e Curso de Capatazes Ruraes, duração de três
anos.
93 Regulamento do Instituto de Agronomia e Veterinária. 1913. Porto Alegre. Gráfica do
Instituto de Eletro-Técnica. Escola de Engenharia. 1913, p. 5.
51
No Curso de Capatazes Rurais Gobbato foi professor nas disciplinas
de Economia Rural e Social, Elementos de Mineralogia e Geologia Agrícola
e Elementos de Física e Química Agrícola. Mecânica Elementar e Máquinas
Agrícolas, Fermentos e Fermentações, Economia Rural: elementos de
contabilidade agrícola, Enologia e Viticultura, Química agrícola e
bromatologia, Laboratório de Química, Legislação Agrária e Florestal foram
as matérias que ele lecionou no Curso de Agrônomos. Gobbato também foi
professor de Italiano e Agricultura no Instituto Júlio de Castilhos.94
Em 28 de abril de 1917 o contrato de trabalho entre Celeste Gobbato
e a Escola de Engenharia foi renovado por mais três anos. O documento diz
que ele continuaria a serviço da Escola na qualidade de enólogo e
agrônomo. Ficavam a seu cargo os ramos de viticultura e enologia,
incluindo-se a destilaria. Assumia ele o compromisso de ensinar matérias de
sua competência nos cursos do Instituto Borges de Medeiros. Ficava a
critério da direção da Escola o lugar de residência do professor. Se ela o
desejasse, Gobbato residiria na sede do Instituto e receberia a moradia
competente.95
A carga horária, incluindo enologia, viticultura e outros serviços, seria
de oito horas diárias. Como Gobbato se dispunha a realizar trabalhos de
pesquisa, uma cópia de tudo quanto fosse publicado, no país ou fora dele,
94 As informações são referentes ao período 1915-1916. Referem-se a segundos e
terceiros anos dos cursos do Instituto de Agronomia e Veterinária, Relatório da Escola de Engenharia. 1916, p. 18-28.
52
deveria ir para o arquivo da instituição. A remuneração era de 760$000 e
estabelecia-se ainda que, se o contrato não fosse renovado, a Escola
pagaria a passagem de volta à Itália. Qualquer despesa pessoal que ele
fizesse fora do lugar de sua permanência, seria à própria custa. Se ele
estivesse a serviço do Instituto, o critério de ressarcimento seria o da
Secretaria de Obras Públicas do Estado. As férias seriam de 15 dias
anuais.96
Um dos trabalhos práticos mais significativos da carreira de Gobbato
na Escola de Engenharia foi o de professor ambulante. Gobbato tornou-se
conhecido e “popular” entre os agricultores e criadores gaúchos em função
de ter chefiado o Ensino Ambulante de Agricultura do Instituto Borges de
Medeiros. O serviço começou a funcionar timidamente em 1920, pois ainda
faltavam aparelhos para realizar os serviços com regularidade. Conforme o
diretor da instituição de ensino, o trabalho experimental precisava de um
agrônomo competente que percorresse alguns municípios do Estado,
colocando-se
em contato com os agricultores, criadores ou industrialistas, no próprio local de trabalho, para corrigir os seus velhos hábitos, aconselhar novos preceitos de técnica moderna, estimular operários agrícolas demasiadamente pessimistas, dispertando-lhes novas energias pela perspectiva de lucros mais compensadores.97
95 GARDELIN, M. Do Arquivo de Celeste Gobbato. Jornal O Pioneiro, Caxias do Sul, 25-
09-81. 96 Idem. 97 Relatório da Escola de Engenharia de Porto Alegre. 1920.
53
Foi a partir de 1921 que o trabalho do novo departamento se
consolidou, aparecendo nos jornais como um novo e inédito serviço que a
Escola de Engenharia colocava à disposição dos agricultores e criadores
gaúchos. O Ensino Ambulante visava, através de um critério prático, instruir
os lavradores e colonos gaúchos que obtêm da terra um rendimento muito
aquém do que ela poderia e deveria dar-lhes. O Ensino Ambulante,
noticiava o Correio do Povo,
deverá indicar ao lavrador os mais modernos processos de cultura, ensinar-lhe os meios melhores de aproveitamento da terra, apontar-lhe as culturas mais convenientes, mostrar-lhe como se combatem, com eficácia, as pragas da lavoura.98
Gobbato foi o agrônomo competente que iniciou os trabalhos. As
visitas do professor ambulante aos municípios geralmente eram noticiadas
pelos principais jornais das cidades. Assim, pode-se constatar que Gobbato
visitou uma grande parte do Estado gaúcho. Em suas andanças
acompanhava a implantação de tecnologias modernas, traçava diagnósticos
e apresentava soluções aos problemas que os agricultores e criadores
enfrentavam. Em certa ocasião, em apenas um final de semana, ele
percorreu
boa parte dos municípios de Santa Cruz, Venâncio Aires, Cachoeira, Santa Maria e Júlio de Castilhos, principalmente as localidades produtoras de fumo, distribuindo gratuitamente sementes das variedades Sary (chinesa), Virgínia, Brigth e Kentucky, realizando palestras e lições
98 Correio do Povo. Porto Alegre, 27-05-1921.
54
práticas sobre esta cultura e outras conforme as zonas percorridas.99
De São Sebastião do Caí, vinham notícias de sua passagem pela
zona colonial percorrendo o município, fazendo conferências agrícolas,
seguindo para os 2o, 3o, e 5o distritos, respondendo a diversas consultas.100
Figura 3 – Visita de Gobbato a uma cantina colonial. Pessegueiros. Passo Fundo. 1922
Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato.
99 Correio do Povo. Porto Alegre, 3-07-1923. 100 Correio do Povo. Porto Alegre, 19-06-1921.
55
Em sua primeira visita a Santa Maria como chefe do Ensino
Ambulante, Gobbato foi recebido por mais de 100 agricultores, apesar da
chuva que caía. Na ocasião, ele prometeu voltar ao município na época da
vindima, cuja indústria causou-lhe excelente impressão, classificando esta
região igual a Caxias e Bento Gonçalves, quanto à produção vinícola. 101
Em Cachoeira, ‘O Comércio’ noticiava a visita de Gobbato, que no
desempenho de suas funções percorreu os núcleos coloniais de Ribeirão,
Vale Vêneta, D. Francisca e Fachinal do Soturno, dando conselhos e
ministrando instruções aos colonos. No dia seguinte, às 4 horas da tarde, o
Dr. Gobbato realizou uma conferência na praça pública de Vale Vêneta,
discorrendo em italiano, perante numerosa assistência, sobre as culturas da
vinha, do milho e do fumo.102
Em outra ocasião, em junho de 1922, a visita do professor Gobbato
pela zona colonial foi noticiada com outro objetivo. No Rio Grande do Sul, os
jornais dos partidos envolvidos na campanha eleitoral para presidência do
Estado, aproveitavam-se, sempre que houvesse oportunidade, para explorar
os fatos. Neste caso, o periódico pró- Assis Brasil usou a visita do professor
ambulante para fazer críticas ao governo de Borges de Medeiros. O ‘Última
Hora’ veiculava que o ensino ambulante era uma obra útil e eficiente para a
101 A Federação. Porto Alegre, 9-07-1921. 102 O Comércio. Santa Maria, 28-12-1921.
56
educação popular no Brasil e que resolveria o problema do analfabetismo e,
talvez, o da instrução pública, já que
sem os meios fáceis de comunicação e transporte, neste vasto território, é impossível instruir e educar o povo com o atual sistema de escolas fixas que não atendem às necessidades dos habitantes espalhados por tão grande e larga área. Ou resolvemos o problema de viação, sem demora, ou, para combater o analfabetismo que é a fonte principal de nossos erros políticos, econômicos e sociais, temos que adotar o racional ensino ambulante, com urgência. Do contrário (...) continuaremos a ser um povo de jeca-tatus governados por imperadores republicanos! E não teremos independência econômica. E a democracia será um mito...!.103
E assim, Gobbato continuava a sua peregrinação pelo Rio Grande do
Sul, onde suas palestras, como já foi dito, eram amplamente divulgadas.
Figura 4 – Convite de Palestra
Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato. Jornal O Comércio. São Pedro. Santa Maria. 1921
103 Última Hora. Porto Alegre, 3-6-1922.
57
Contudo, viagens para outros estados brasileiros também faziam
parte de sua rotina. Certa vez, esteve visitando as plantações de dois
pioneiros da vitivinicultura de São Paulo: a do Sr. Amador da Cunha Bueno
e do Sr. Francisco Marengo. Gobbato mostrou-se impressionado com a
benemerência destes viticultores, não só pela organização de seus
vinhedos, mas pela persistência em introduzir novas variedades de vides,
que experimentam, aclimam, reproduzem em magníficos viveiros e
espalham por todo o território nacional. 104 Em Jundiaí, visitou também a
propriedade dos Srs. De Vecchia e Cia, onde havia um vinhedo de
seguramente 180 mil pés, plantado de uva tinta, que produzia o híbrido
conhecido como Seibel n2. Gobbato constatou que não era glória dos rio-
grandenses o maior vinhedo do Brasil. O vinhal mais extenso do Rio Grande
do Sul, explicava, situado no município de Bagé e pertencente a J. Marimon
e filhos, conta somente com pouco mais de 60 mil pés de parreiras, entre as
quais, predomina, como em Jundiaí, a Seibel n2. 105
Antes mesmo da criação do ensino ambulante, era comum que
Gobbato viajasse com frequência. Inclusive acompanhado de grupos de
alunos, como aconteceu em março de 1915, quando numa excursão de
estudos com alunos do terceiro ano do curso de Agrônomo gastaram 15
104 Correio do Povo. Porto Alegre, 17-7-1923. 105 Idem.
58
dias em visitas a Pelotas, Rio Grande, Pedras Altas- onde permaneceram
três dias na granja-modelo do Sr Assis Brasil - Bagé e Cachoeira.106.
Se como professor ambulante Gobbato ganhou prestígio, em sala de
aula o professor Gobbato
assíduo, pontual, didático, humano, amigo dos alunos, granjeou logo simpatias sem reservas (...) não consultava apontamentos; fluente e seguro, marcava a sua segurança, quando, na Fitopatologia se referia às doenças critogâmicas da parreira, assunto de sua predileção (...) Havia quase que invariavelmente, um verberativo em determinada aula, o que era percebido por todos. Era quando tratava das máquinas de eletricidade dinâmica e do induzido: ‘Anel de Pacinotti e não Anel de Gramme, como se vê repetido nos Tratados de Física’, dizia ele. ’Pacinotti é o inventor. Reclamo à justiça histórica’.107
Não só nas salas de aulas, nos laboratórios ou nos campos de estudo
estava o professor. Residia perto da Escola e, segundo o articulista,
sem anúncio, sem hora marcada, recebia com freqüência os que desejassem esclarecimento, individual ou coletivamente. Solícito, obsequioso, sem pressa, resolvia as dificuldades e dava a entender que isso o distinguia”. 108
Conforme o mesmo articulista, Salvador Petrucci, um grande amigo
de Gobbato, os alunos, por sua vez, retribuíam com respeito, acatamento,
paraninfados, sem excluir, o que era costume, as tocatas noturnas de
surpresa.109
106 Relatório do Instituto de Agronomia e Veterinária. 1915. p. 9-10. 107 PETRUCCI, S. Correio do Povo. Porto Alegre, 8-11-1958. 108 Idem. 109 Idem.
59
Por muitas vezes Gobbato foi convidado pelo Grêmio dos Estudantes
do Instituto para realizar a palestra inicial das conferências anuais que
aconteciam na sede do estabelecimento de ensino. As palestras de
Gobbato eram muito aplaudidas, e os alunos faziam questão de
cumprimentá-lo pessoalmente. As conferências terminavam com o esperado
chá-tango, onde todos se divertiam até a meia-noite.110
Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, muitos
professores estrangeiros foram chamados de volta a seus países. Gobbato,
por dispositivos da legislação italiana, foi dispensado da convocação,
assumindo outras disciplinas na Escola de Engenharia.
Terminada a guerra, em 28 de janeiro de 1919, em gozo de licença
de suas funções na Escola de Engenharia, Gobbato voltou à Itália. Iria rever
a mãe e os irmãos Higo Gobbato, diretor técnico da fábrica Fiat de Turin,
Tito Gobbato, diretor de uma fábrica de tecidos na mesma cidade e Carlos
Gobbato, que residia em Volpago. Gobbato tinha também uma triste missão
em Volpago.
Gobbato não estava sozinho quando deixou a Itália em 1912. Ele
viajava com Maria, sua esposa, que esperava um filho. Pouco depois de
chegar ao Brasil, mãe e filho, que se chamou Ângelo, morreram no parto.111
110 Correio do Povo. Porto Alegre, 6-5-1923. 111 Depoimento de Lydia Gobbato. Março de 2000.
60
No seu relato da viagem, Gobbato deixa um silêncio sobre a companheira.
Em nenhum momento ele se refere a ela.
Na viagem de retorno à Volpago, em 1919, Gobbato levaria os ossos
da esposa e do filho para depositá-los na capelinha da família.
Segundo Lydia Gobbato, sua filha, nessa ocasião ele tinha intenção
de ficar definitivamente na Itália, talvez porque estivesse muito só, pois
havia perdido a mulher e o filho. Mas ele mudou de idéia, talvez por ter
encontrado um ambiente hostil, devido aos respingos da Revolução Russa
(1917) pela Europa. Uma vez que sua família estava sendo ameaçada pelos
“contadini”112, Lydia conta que em Volpago, ao sair de bicicleta pelas ruas da
cidade, Gobbato foi até mesmo apedrejado.
A estada de Gobbato na Itália durou quase um ano. Lá, fora
convidado a prestar serviço à Cattedra Ambulante di Agricoltura di
Montebelluna e Valdobbiadene colaborando naquilo que era necessário
para o ressurgimento da atividade agrária113 de seu país, em grande parte
destruída pela guerra, e pelos movimentos revoltosos dos “contadini”.
112 Os “contadini” eram camponeses que trabalhavam sob condições precárias em
pequeníssimos pedaços de terras, “ insuficientes para matar-lhes a fome e para absorver o seu trabalho e o de sua família, enquanto que a maior parte da terra é de propriedade de burgueses de toda espécie. (...) Uma das características mais salientes que pode-se observar no camponês é a amargura causada pelo fato de que a terra não é de quem a cultiva, e que a concorrência em torno da terra o obrigue a submeter-se a contratos humilhantes. (...) Os principais estudiosos desses problemas sempre reconheceram que as relações entre o contadino e os proprietários nunca foram afetuosas”. IANNI, C. Homens sem Paz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1972. p. 60-63.
113 Carta de Gobbato a um amigo italiano datada de 18-8-1953.
61
No final de 1919, Gobbato dizia-se estar nauseado pela onda
comunista que insistia em subverter a religião, a família e a paz social da
Itália.114 Segundo suas próprias palavras, resolveu retornar para a querida
Escola de Engenharia, onde, tanto na Estação Experimental de Viamão,
quanto no ensinamento ambulante de agricultura dediquei especial atenção
ao melhoramento da viticultura e da indústria enotécnica rio-grandense.115
Foi na viagem de volta ao Brasil, novamente em alto mar, que
Gobbato conheceu Berta Schwemmer, com quem se casou em Porto
Alegre, e teve quatro filhos: Mário Pedro, Tito Alberto, Lydia Ana e Piero
Ludovico.
Figura 5 – Encontro de Celeste Gobbato com Berta no navio (1919)
Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato
114 Idem. 115 Idem.
62
Berta era alemã, de Augsbug, região da Bavária. Viajava com uma
família de suíços, tomando conta das crianças. Berta não falava italiano,
Gobbato não falava alemão; a conversa entre os dois era em francês. Lydia
conta que este era inclusive o idioma usado em casa quando as crianças
não podiam tomar conhecimento de algum assunto.
Segundo Lydia, o pai jamais repreendera os filhos com agressividade.
Meu pai foi uma pessoa muito gentil. Mas a educação dos filhos, diz ela,
ficava por conta da mãe. Os filhos não conversavam muito com o pai.
Quando se aproximavam de seu escritório, a mãe anunciava que ele estava
trabalhando. E bastava. Seu mundo girava em torno do trabalho. Meu pai
era um homem muito requisitado.116
116 Depoimento de Lydia Gobbato. Setembro de 2000.
63
Figura 6 – Foto da família de Gobbato (Tito Alberto, Lydia, Mário, Piero, Celeste e Berta. Porto Alegre. 1942)
Fonte: Do Arquivo Particular de Lydia Gobbato.
Em solo europeu, nesta mesma ocasião, Gobbato também esteve na
França à serviço da Escola de Engenharia, o que contraria a versão de
Lydia de que ele tinha intenção de ficar por lá, definitivamente. Conforme
documentos da instituição, Gobbato fora à Europa incumbido pela alta
direção da Escola de comprar vários materiais, e alguns trouxe consigo.
Nestes países verificou os últimos progressos feitos em zootecnia e na
agricultura e adquiriu mudas de plantas frutíferas e de vinhas. Entre as
vinhas trouxe as de tipo cavallos, resistentes à filoxera, riquíssima coleção
de videiras européias e americanas de produção direta, e vários híbridos
américo-americanos e américo-europeus de produção direta, de máxima
64
resistência às moléstias. Foram trazidas ainda excelentes coleções de
sementes para forragens, cereais, leguminosas comestíveis, plantas textis,
de jardinagem, de silvicultura, fruticultura e industriais, nos importantes
estabelecimentos “Vilmorin” e “Andrieux”, de Paris, “Fratelli Ingegnoli”, de
Milão e, diretamente da “Real Estação de Cerealicultura” de Riet, foram
trazidos trigos de pedigrée e híbridos selecionados e, ainda, ovos de bicho
da seda, entre raças puras e tipos cruzados.117
Placas metálicas para classificação das vinhas, cereais, forrageiras;
para identificar pomares e grupos de canteiros, etc.; aparelhos
meteorológicos e materiais para laboratório de sementes foram outros
materiais encomendados pela direção da Escola.
Além de providenciar os recursos materiais, Gobbato foi responsável
por contratar um químico agrícola para que organizasse o Laboratório de
Química Agrícola da Estação Experimental. Egydio Facco, formado pela
Universidade de Turin, foi o químico contratado por Gobbato.
Em dezembro de 1919, de volta à capital gaúcha, Gobbato reassumiu
seu lugar na chefia da Estação Experimental da Escola de Engenharia.
Cinco anos depois, seria eleito intendente de Caxias do Sul. Da cátedra a
um cargo público de executivo diversos elementos da personalidade de
Gobbato pesaram para estabelecer essa trajetória, em princípio, pouco
linear. Sem dúvida, entre eles, destaca-se a irrequietude, característica que
117 Relatório da Estação Experimental em Viamão. 1920, p. 5.
65
o repórter, como se informou, salienta nele, muitos anos após sua morte, e
que o impulsionaria nas viagens de trabalho como professor ambulante,
pelo Rio Grande do Sul.
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Ser um professor contratado por uma instituição de reconhecida
importância, com horário de trabalho e pessoas que dependiam dele,
tomava um considerável tempo na vida de Gobbato, principalmente durante
o dia. Suas atividades na Escola de Engenharia relacionavam-se com
assuntos que ele conhecia e tratava de analisar na sua essência.
A produção escrita de Gobbato, incluindo artigos e livros, é bastante
significativa e tem uma longa história. Ele só parou de escrever quando a
doença, que o acometeu aos 64 anos, não mais permitiu. Ao chegar no
Brasil, já havia produzido inúmeros artigos118 para a revista da Escola de
Conegliano, além de ter publicado Dell’ Agricoltura Montelliana (1911), um
118 Em 1911, Gobbato publicou os artigos Le societá cooperative di produzione
(Conegliano), Il comércio com l’estero della uve da tavola (Conegliano), e em 1912 L’acescenza del vino (Pisa), L’azione dei concimi durante i peirodi siccitosi (Conegliano), Il diramento dell’erba medica (Conegliano) e Il gelso e la lotta contro la Diaspis pentagona (Conegliano). GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor Brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1940. p. 5.
67
estudo sobre a região onde nasceu. Portanto, escrever não era uma
novidade e nem uma dificuldade para Gobbato.
Ler e escrever era a sua vida, diz Lydia. Escrever sobre as questões
da agricultura sempre foi sua paixão. Conta ela que à noite, acompanhado
de cigarros e ‘chafé’, um café aguado que era esquentado na espiriteira, ele
escrevia muito, até tarde. Meu pai varava a noite estudando e escrevendo, e
por isso mantinha no seu escritório uma cama.119
Essa forma quase obsessiva de Gobbato se relacionar com a
pesquisa caracteriza sua maturidade profissional intelectual.120
A agricultura em geral, mas a vitivinicultura de forma predominante,
foi o tema principal da produção intelectual de Gobbato ao longo de sua
vida. No Brasil, além de inúmeros artigos para revistas especializadas, como
a Egatéa e Chácaras e Quintais, escreveu obras importantes sobre o tema
como Manual Prático de Viticultura (1914), A Cultura da Vinha (1924) e ABC
do Viticultor (1945). Por mais de trinta e cinco anos foi colaborador da seção
agrícola do jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, o que lhe trouxe enorme
prestígio entre a comunidade gaúcha. Nesta capítulo destaca-se os artigos
escritos por Gobbato para a Egatéa e para o Correio do Povo, bem como
119 Depoimento de Lydia Gobbato. Setembro de 2000. 120 GOMES, A.M.C. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1996. p. 76.
68
artigos e livros sobre a vitivinicultura, que caracterizam a faceta intelectual
desse imigrante italiano.
2.1 PRODUÇÃO CULTURAL E ERUDIÇÃO
Entre as suas atividades de professor nos cursos citados, de
professor ambulante, e de chefe da Estação Experimental de Viamão,
Gobbato encontra tempo para ser assíduo colaborador da Egatéa, revista
publicada pela Escola de Engenharia. Conforme o diretor da instituição a
revista deveria ser
uma tribuna franca para o estudo e discussão de todas as questões que direta ou indiretamente digam respeito ao progresso do Estado ou às suas classes produtoras é o objeto principal de Egatéa. Será também, é obvio, um expositor e registro dos trabalhos executados por aqueles que colaboram nesta oficina intelectual que é a Escola de Engenharia e um divulgador das modernas idéias em matéria de ciência e indústria.121
O nome da revista representa as iniciais dos primeiros institutos
criados, ou seja, Engenharia, Ginasial, Astronomia, Técnico Profissional,
Eletricidade e novamente Astronomia.122
Com perfil técnico-científico, a revista trazia artigos de professores
dos vários institutos e departamentos, e relatos das viagens que professores
e alunos faziam pelo Brasil e outros países.
121 Egatéa. n. 1, julho/agosto 1914. p. 1-2. 122 Engenharia. Op. cit., p. 20.
69
Gobbato acompanhou o surgimento da revista que se tornou um
veículo de divulgação e consulta tanto nos meios rurais quanto
universitários. A revista começou a ser publicada em julho de 1914, e foi
dirigida até 1919 pelo engenheiro Vivaldo de Vivaldi Coaracy. Por
dificuldades econômicas cessou sua publicação em 1934.123 Sua feitura era
exclusivamente da casa: composição, clicheria e impressão, feitas no
Instituto Técnico Profissional Parobé.124
A revista também era distribuída para diversos municípios do Estado
e mesmo por Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1920, Gobbato
assumiu a direção da Egatéa no lugar de Vivaldo Coaracy. Na nova função
empreendeu uma remodelação na revista, que passou a contar com novas
seções, tornado-a um magazine de utilidades práticas não somente para o
cientista mas também para o mais modesto agricultor, criador, industrialista
e comerciante.125
A partir de 1922, por iniciativa de Gobbato, a seção Notas Rurais e
Domésticas vinha acompanhada de tradução nas línguas italiana e alemã, o
que facilitava sua divulgação nas colônias do Rio Grande do Sul e também
no exterior.126
123 Idem. 124 Idem. 125 Correio do Povo. Porto Alegre, 20-4-1921. 126 GERTZ, R. Op. cit., p. 3.
70
Figura 7 – Textos traduzidos Fonte: Egatéa. Setembro de 1922.
A revista passou a publicar regularmente o Boletim do Posto
Zootécnico e da Estação Experimental de Viamão, ao mesmo tempo que foi
ampliado o serviço de informações chamado Consultório de Egatéa, onde
qualquer leitor, e não só o assinante, podia encaminhar perguntas sobre
71
assuntos de agricultura, zootecnia, veterinária, apicultura, etc.., bem como a
questões técnicas que admitam resposta pelas páginas duma revista. 127
Através de notícias de jornais foi possível encontrar referências sobre
exemplares da revista enviados a escolas, prefeituras, entidades agrícolas
do interior do Estado, que recebiam com entusiasmo a apreciada revista.
ANO TÍTULO RESUMO 1914 Cultura dos Campos Trata da necessidade de se intensificar a agricultura nos
campos, onde nem a pecuária é praticada com proveito. Economia das
Forragens Esclarece sobre os componentes da ração animal e sua relação nutritiva.
Notas de viticultura Trata da constituição de viveiros. 1915
No vinhedo Trata das moléstias que atacam as vinham e que devem ser tratadas no inverno.
Escolha e Economia do Arado
Mostra como utilizar o arado e a sua importância na lavoura nacional.
Moléstias comuns nos vinhos rio-grandenses
Esclarece sobre como detectar alterações no vinho; cuidados no armazenamento e transporte do produto.
Uma doença microbiana dos vinhos
Trata dos fatores que favorecem o desenvolvimento de moléstias no vinho
Leguminosas e Agricultura
Esclarece sobre a condição favorável do solo rio-grandense para a atividade policultora.
Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa. 128
ANO TÍTULO RESUMO Notas de
entomologia agrícola
Trata das larvas que atacam as laranjeiras apontando soluções para a erradicação das pragas.
1916 Economia das Forragens
Sobre os custos da ração; como proceder para seu melhor aproveitamento
O trigo na região colonial serrana
Alerta sobre a escolha de sementes; critérios de seleção de raças de sementes de trigo.
O coalho Mostra as etapas para obtenção do coalho; importância do coalho para a indústria de lacticínios.
127 Egatéa. v. 3, n. 5, 1920. 128 É importante esclarecer que os artigos que compõem o quadro correspondem ao
material pesquisado no Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre, onde não foi possível encontrar todos os exemplares da revista. O local não possui funcionários para orientar na coleta de material. No entanto, por intermédio de Lydia Gobbato foi possível obter uma listagem de 141 títulos (e não os artigos) correspondentes aos anos de 1914 a 1926, feita pelo próprio Gobbato.
72
O sistema de administração rural por colônia parciária em auxílio à pecuária rio-grandense
Esclarece sobre a importância de um contrato entre o fazendeiro e o colono.
Os corta-forragens Trata de como preparar a ração de modo que o gado gaste menor tempo para digeri-lo, os aproveite em quantidade máxima e não possa escolher as misturas que mais os agrade, espalhando-os no piso do estábulo.
1917 A filoxera no Rio Grande do Sul
Traz um apanhado de seus estudos e publicações sobre a moléstia.
Boletim do Posto Zootécnico
Traz resultados de experimentos com adubação do feijão miúdo.
Atividades do Posto Zootécnico
Trata das culturas do milho, do feijão miúdo forrageiro e da batata inglesa.
1919 O Estrume A importância do estrume como adubo; sua composição; fermentação e conservação.
1920 Criação do bicho da seda
Trata da importância da criação do bicho da seda para a indústria têxtil rio-grandense e mostra resultados de experimentos dessa atividade.
1921
Sistematização do solo de cochilha
Como tratar o solo de cochilha evitando o seu depauperamento.
O forçamento de plantas lenhosas
Como obter produtos precoces através da técnica de estufas; resultados experimentais.
Problemas das sementes
Esclarece sobre os critérios na seleção de sementes; épocas apropriadas para o plantio de determinadas plantas.
Estrume, esterqueiras e estrumeiras
Trata da falta de higiene com que os criadores tratam o esterco de curral que é um importante adubo.
1922 Abrigos para gado vaccum e cavalar
Traz as vantagens de se construir adequadamente abrigos de animais para a indústria pecuária
1923 Pequenas notas agrícolas
Como reconhecer as vinhas atacas pela filoxera; determinação prática de açúcar e acidez total do mosto; combate ás lombrigas na suinocultura.
Cont. Quadro 1 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato Gobbato de 1914 a 1923, na revista Egatéa.
Por esse quadro de artigos pode-se perceber a diversidade de
assuntos de que Gobbato tratava. Com um discurso portador de um
significado prático, os problemas da fauna e da flora integravam-se no seu
dia a dia.
73
No cenário nacional durante a República Velha, o Rio Grande do Sul
destacava-se como produtor agrícola. Conforme o Censo de 1920, o Estado
ocupava o primeiro lugar na produção de trigo, batata-inglesa, vinho e mel;
era o segundo maior produtor de farinha de mandioca e fumo e ocupava a
terceira posição na produção de milho, arroz e feijão.129
Os artigos de Gobbato, portanto, direcionavam-se para as
dificuldades técnicas dos agricultores em relação a tais cultivos.
Manifestando-se, por exemplo, sobre a produção do trigo na região
serrana Gobbato dizia que a produção de 1915 foi abundante, devido a
maior superfície dedicada a esta cultura e ao ano que lhe correu muito
favorável”.130 Mas alertava ao colono que observasse sobre a escolha da
semente que tem influência capital na produção dos cereais.
De acordo com Jean Roche, em 1916, entre os 10 principais
municípios produtores de trigo havia oito de origem italiana, que forneciam
93,9% da quota-parte dos dez municípios, e dois de origem alemã, que só
entravam com 6,1%.131 Conforme este mesmo autor, a cultura do trigo
introduziu-se nas colônias italianas no último quartel do século XIX, mas
embaraçaram-na as deficiências técnicas e as dificuldades de transporte.
Na análise de Gobbato,
129 FONSECA, P.D. Op. cit., p. 50. 130 GOBBATO, C. O trigo na região colonial serrana. Egatéa, fev. 1916, p. 168.
74
na região colonial serrana, a escolha da semente é coisa muito descuidada. Lembramos como geralmente cultivam-se raças e variedades de trigo diferentes no mesmo solo, o que aliás faz aumentar a produção unitária, que a ceifa se executa contemporaneamente formando molhos de espigas diferentes, não só em relação à variedade do trigo, como também em relação à resistência às moléstias do mesmo. Desse modo acontece que o produto é misturado, que o monte de grão obtido pela trilha é um conjunto de sementes provenientes de plantas sãs e das atacadas pelas doenças.132
Gobbato pregava que os mesmos critérios que os criadores têm ou
deveriam ter na escolha dos reprodutores, o agricultor deveria ter na escolha
das sementes, porque, argumentava ele, a lei da hereditariedade e do
atavismo domina tanto no reino animal como o vegetal. 133 Gobbato
acreditava que por meio da seleção criteriosa e perseverante, o agricultor
poderia obter variedades ou raças de trigo que tornariam novamente o Rio
Grande do Sul o “celeiro do Brasil”, muito mais populoso do que o era em
épocas passadas. 134
Embora o Governo Imperial houvesse estimulado o cultivo do trigo
concedendo prêmios aos agricultores que produzissem mais de mil
alqueires por ano (mais de 320 hectolitros) foi em 1928, com Getúlio Vargas
no governo estadual, que se travou a “batalha do trigo”.135 Quando Vargas
131 ROCHE, J. A Colonização Alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969.
p.246. 132 Ibidem, p. 170-171. 133 Idem. 134 Idem.
135 ROCHE, J. Op. cit., p. 245.
75
assume a presidência da República, lança o “slogan” “Semeai trigo” e
estimulai os novos trigais.136
Em relação à criação industrial de gado, outra importante atividade
econômica rio-grandense, Gobbato orientava sobre a conveniência da
construção de abrigos para os animais que segundo ele, serviria para
defendê-los contra os rigores do frio e do calor, para alimentá-los
devidamente, prestar-lhes os cuidados que a higiene impõe e nos casos de
doenças ou acidentes poderiam ser melhor tratados.137Gobbato
argumentava que
Se é verdade que os animais se adaptam às mais variáveis condições de ambiente e podem viver e multiplicar-se nos lugares mais desabrigados, fortalecendo até, pela seleção natural, sua própria raça, é ao mesmo tempo verdade que, nestas condições, os animais tornam-se menos produtivos.138
Gobbato entendia que devido ao sistema de criação extensiva
existente no Rio Grande do Sul, seria muito difícil a construção de abrigos
para todos os animais da estância. No entanto, dizia ele, principalmente
agora que se tornou regra geral a introdução de reprodutores de raças
nobres, é o abrigo para estes a fim de que conservem e melhorem os
característicos genealógicos.139
136 Idem. 137 GOBBATO, C. Abrigos para gado vaccum e cavvalar. Egatéa, set. /out. 1922. p. 276.
138 Idem. 139 Idem.
76
Citando a quem chamou de o ilustre mestre Dr. Assis Brasil, Gobbato
lembrava que os touros devem ser estabulados pelo menos durante o
inverno; terão mais longa vida, maior fecundidade e a progenie será mais
rigorosa. Para os garanhões, diz ele, está generalizado o uso de edificações
especiais, que para os touros em muitas fazendas faltam ainda, ou não
estão à altura do que deveriam ser.140
Gobbato via ainda outras vantagens do abrigo:
ele determina a convivência entre o gado e o homem, indispensável para que o primeiro se torne uma verdadeira riqueza de circulação e para poder intervir em exposições, para que o gado, do estado selvagem ou arisco, se transforme em gado manso ou doméstico, além de permitir juntar suas dejecções e suas camas, que representam um material fertilizante de grande valor. 141
O artigo Abrigos para gado vaccum e cavallar surgiu de uma visita
sua como professor ambulante à Ilha dos Marinheiros, em 1922.
Gobbato mostra preocupação em relação à higiene dos estábulos e
chiqueiros. Impressionou-se com o desleixo com que os criadores tratavam
do esterco de curral. Entendia que, se convenientemente reunidos e
guardados, ofereceriam o adubo importantíssimo denominado estrume. Em
visitas a criadores de porcos, surpreendeu-se com as condições do local:
Aqui é o chiqueiro quase nadando na imundície quando a mesma não é levada pelas águas ao pátio, aos córregos que atravessam o piquete dos porcos, constituindo
140 Ibidem, p. 277. 141 Idem.
77
verdadeiros charcos sufocantes: contaminados, na maioria das vezes, de vermes intestinais e de outras moléstias que, periodicamente, se alastram em forma epidêmica com grande surpresa e espanto do criador”.142
No jornal Correio do Povo, Gobbato publicou uma quantidade enorme
de artigos. O Correio do Povo, de acordo com seu primeiro editorial, datado
de 1 de outubro de 1895, expressava o seu propósito de manter-se
um noticioso, literário e comercial, e ocupar-se-á de todos os assuntos de interesse geral, obedecendo à feição característica dos jornais modernos e só subordinando os seus intuitos ás aspirações do bem público e do dever inerente às funções da imprensa livre e independente. 143
Dizia-se portanto, uma folha informativa de caráter imparcial distante
de interesses pessoais e partidários.
ANO TÍTULO RESUMO
1922 7 de janeiro
Riquíssima região agrícola pouco conhecida. A indústria sericícola
Visitando os núcleos da antiga colônia Silveira Martins, Nova Udine, Nova Palma, Nova Treviso, D. Francisca, Fachinal do Soturno, Polesine, Ribeirão, Val Vêneta, Val Veronesa, Silveira Martins e Arroio Grande, Gobbato fala dos produtos ali cultivados:milho, trigo, batata-inglesa, fumo, alfafa, arroz, uva, feijão e amora. Chama a atenção para o desenvolvimento das amoreiras, principalmente em Nova Udine, e dos belíssimos casulos que ali se conseguem pela criação do bicho da seda, importante para a indústria de tecelagem trazendo vantagens nacionais pois o Brasil importa toda a seda que dispõe. Esclarece sobre os cuidados dessa delicada atividade, que necessita de pessoal e estabelecimentos especializados e de modernos aparelhos de fiação. Lembra que a região italiana do Vêneto é intensamente sericícola e que o colono que viveu nesse ambiente deve ensinar seus filhos
142 GOBBATO, C. Estrume, esterqueiras e estrumeiras. Egatéa, jan. /fev. 1922, p. 38. 143 Correio do Povo. Porto Alegre, 1-6-1986. p. 2.
78
a cultivar o bicho da seda.
12 de janeiro
A indústria viti-vinícola
Esclarece sobre a necessidade da fundação de estabelecimentos de higiene dotado de pessoal perito nas análises e na cultura das parreiras e na manipulação da uva e do vinho nas localidades de Silveira Martins, Val Vêneta, Ribeirão, Nova Treviso, Nova Palma e Nova Udine, onde a uva é toda empregada na fabricação do vinho.
19 de janeiro
A indústria do fumo
Trata da cultura do fumo nos centros agrícolas da ex-colônia Silveira Martins, onde é cultivado em larga escala. Esclarece sobre a época apropriada para o transplante das sementeiras, a distância ideal entre elas e a época ideal para a colheita. Observa a forma inadequada com que se faz a escolha das sementes(que são cruzadas e não puras) e do tratamento ou beneficiamento das folhas.
11 de fevereiro
A exposição de frutas de Vila Nova
Destaca as preciosas condições dos arredores de Porto Alegre para o desenvolvimento da fruticultura; a importância de um concurso agrícola para o estímulo da indústria frutícola rio-grandense; observa sobre a variedade de pêssegos, ameixas, pêras, figos e uvas.
16 de fevereiro
A exposição de frutas de Vila Nova
Sugere que a exposição seja realizada em local mais acessível à população, que aproveitando para fazer um passeio, possa apreciar as variedades de frutas cultivadas no Rio Grande do Sul, estimulando sua propagação, seus meios de cultura, contribuindo assim para o aumento da produção e do consumo de frutas tão necessárias na alimentação humana. Também sugere a presença de produtores de municípios vizinhos da capital.
Quadro 2 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo. 144
ANO TÍTULO RESUMO
21 de fevereiro
A exposição de frutas de Vila Nova III
Esclarece sobre as vantagens da organização do evento num pavilhão e que também deveria acompanhar a exposição de frutas, a apresentação de cestos, caixas e de outros tipos de materiais para o transporte das frutas sem prejudicá-las.
1923 29 de junho
As possibilidades da cultura do fumo no Rio Grande do Sul.
Faz um histórico sobre a cultura do fumo no Rio Grande do Sul, que iniciou entre os gaúchos, em 1864, no município de Santa Cruz, com sementes vindas da América do Norte, e se espalhou nos municípios coloniais circunvizinhos e se estendeu até que sua cultura fosse feita em mais de 44 municípios rio-grandenses. Trata das variedades de fumo cultivadas, traz dados sobre exportação e normas gerais para um bom aproveitamento da produção.
144 Arquivo Particular de Lydia Gobbato.
79
6 de julho Plantações de arvoredo
Esclarece sobre como preparar o terreno para o desenvolvimento adequado da muda; como escolher a muda que mais se adapta ao solo; como identificar mudas sãs e como preparar o pomar.
17 de julho A indústria viti-vinícola paulista. Impressões de viagem
Traz dados sobre variedades de vinhas cultivadas em Jundiaí, e da organização dos vinhedos. Ver mais sobre este artigo no item seguinte desta dissertação.
21 de julho A oliveira Diz que o meio-ambiente gaúcho é muito propício para este cultivo. Destaca Caxias, Torres, Encruzilhada, Cacimbinhas e Cachoeira como produtores desta cultura seja na forma de azeitona para conserva como para a extração do azeite, embora em pequena escala. Orienta sobre como proceder na escolha das sementes, o local propício para o cultivo, a época ideal para transplantar as mudas e como organizar os viveiros.
27 de julho Campos sem abrigo
Diz ser deplorável o que se passa em diversas estâncias gaúchas, onde nos dias rigorosos do inverno, o gado vive sem nenhum abrigo, sem alimento pois a geada seca o pasto, causando moléstias e até a morte dos animais. Sugere a construção de pequenos bosques de eucaliptos, acácias e outras plantas para que o gado possa se abrigar tanto do frio quanto do calor excessivos. Trata também da devastação das matas pelas queimadas, o que chama de trabalho vandálico. Sugere a construção de viveiros municipais como solução para o problema.
3 de agosto
Necessidade do combate sistemático ao gorgulho dos cereais e dos grãos leguminosos
Mostra as etapas para erradicação do inseto que ataca principalmente as espigas de milho, prejudicando a comercialização de seus derivados no mercado exportador.
Quadro 3 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.
ANO TÍTULO RESUMO
11 de agosto
Sementes de milho
Esclarece sobre a importância da escolha das sementes pois desta, em grande parte, dependerá a qualidade e o valor da colheita. Destaca as variedades mais aptas à industria moageira.
18 de agosto
Devemos intensificar a cultura do capim de Rhodes
Destaca os excelentes resultados do cultivo deste tipo de capim seja para forragens, para alimento de gado de galpão, ou para o pastoreio. Este tipo de capim requer poucos cuidados pela resistência que apresenta ao frio e às secas. Orienta sobre como cultivá-lo.
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25 de agosto
Criação de galinhas
Orienta sobre a importância do cruzamento de aves que se destinam ao consumo de carne. Esclarece sobre as raças aptas ao cruzamento, a idade apropriada para a cruza e o procedimento adequado.
8 de setembro
A alternância das culturas e das variedades da mesma planta, principalmente em relação ao fumo
Diz que no exercício da racional agricultura é necessário que plantas de diferentes exigências se sucedam no mesmo solo, evitando seu definhamento e pouca produtividade. Salienta a experiência dos agricultores que substituem a plantação do tipo de fumo amarelinho por outras variedades, durante alguns anos, como o Kentucky. Depois de alguns anos, o tipo amarelinho se desenvolve melhor no solo ocupado pelo Kentucky. Lembra que o Ensino Ambulante de Agricultura da Escola de de Engenharia distribuiu aos agricultores diversos quilos de sementes do Kentucky, gratuitamente.
15 de setembro
Plantação de arroz
Aproximando-se a época de plantação do arroz (setembro), traz noções gerais sobre a preparação do terreno, eliminação das ervas daninhas, constituição das taipas, os cuidados na escolha e preparação das sementes.
22 de setembro
Moléstias do arvoredo. O carmin da macieira
Esclarece sobre como combater o pulgão lanudo, ou carmin, e a mosca que bicham as macieiras causando danos incalculáveis. Traz os componentes do inseticida chamado Ustin, fabricado pela casa alemã de Frederico Bayer e Comp. Orienta sobre a forma adequada de utilização do preparado.
29 de setembro
A planta que merece ser extensamente cultivada. O sorgo para vassouras
Orienta sobre a necessidade do cultivo de palhas para vassouras visto que esta matéria-prima é importada da Argentina e da Itália. Diante das boas condições climáticas e de solo do Rio Grande do Sul para a cultura do sorgo para vassouras orienta sobre os procedimentos deste cultivo que é semelhante ao do milho.
Quadro 4 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.
ANO TÍTULO RESUMO
S/d O definhamento da batata-inglesa
Esclarece que a batata inglesa, que mais propriamente deve ser chamada de batata americana, pois é originária deste continente, é um dos principais produtos cultivados no Estado gaúcho. No entanto, os colonos estavam reclamando que as folhas estavam sendo atacadas pela ferrugem e que os tubérculos estavam definhando ano a ano, que diminuía a produção e sua conservação se tornava cada vez mais difícil. Orienta sobre as causas do fenômeno que estão relacionados à multiplicação por meio de tubérculos e durante duas vezes para cada ano. Dá dicas sobre o tratamento adequado.
81
6 de outubro Tratamento simultâneo das moléstias principais das parreiras
Diz que desde que entrou em circulação o Manual do Viti-Vinicultor Brasileiro recebeu muitas cartas de viticultores pedindo a sua opinião sobre o tratamento simultâneo da parreira para abrigá-la e defendê-la contra moléstias. Traz os componentes do preparado ideal para este fim.
13 de outubro
Para uma mais intensa utilização dos resíduos da lavoura rio-grandense. O farelo de arroz
Orienta sobre a incorporação do farelo de arroz na alimentação do gado, principalmente das vacas leiteiras, pelo seu alto valor nutritivo.
20 de outubro
Necessidade de introduzirmos o silo
Traz as vantagens de se armazenar o pasto verde pelo silo, permitindo sua conservação por longo tempo. Orienta sobre como proceder para a construção do silo por meio de fossas.
27 de outubro
Cultivemos o algodoeiro
Orienta sobre os tipos de algodoeiro propícios às condições climáticas e de terreno do Rio Grande do Sul. Orienta sobre as etapas de plantio e colheita.
Quadro 5 - Títulos e resumos dos artigos publicados por Celeste Gobbato de 1922 a 1923 na seção Notas Agrícolas do jornal Correio do Povo.
A diversidade de assuntos de que Gobbato trata é excepcional para
se valorizar o seu envolvimento e compreensão para com as formas de
atividade agrícola e pecuária no Rio Grande do Sul durante a República
Velha. A partir desses artigos é possível apontar os aspectos que Gobbato
tentava valorizar, recuperar, construir e divulgar através de sua intensa
produção cultural com objetivos eminentemente práticos voltados para o
saneamento dos problemas da fauna e da flora existentes, que ele
incansavelmente apontou e ajudou a combater.
Ele foi enólogo reconhecido, e também um “erudito”. Sua obra sobre
a vitivinicultura, no entanto, se anunciava mais como fruto da experiência do
que da erudição, como se verá a seguir.
82
2.2 DA TEORIA À PRÁTICA DA VITIVINICULTURA
“Bacco ama as colinas.”
Virgílio
A observação de Virgílio é destaque nos textos de Celeste Gobbato
quando ele analisa as condições de Caxias do Sul para a cultura de vides. O
cultivo da vide no Brasil tem longa história. Começou por volta de 1535, na
capitania de São Vicente, através de Martin Afonso de Souza. Em 1626, o
padre jesuíta Roque Gonzales introduziu videiras européias no povoado de
São Nicolau nos Sete Povos das Missões, no planalto rio-grandense. Em
1742, assinala-se o renascimento da viticultura com a chegada dos casais
açorianos e madeirenses que se radicaram em Porto Alegre e Rio Grande.
Em 1824, cepas de videiras lusas foram trazidas para Porto Alegre, São
Leopoldo e São Lourenço pelos imigrantes alemães. Em 1838 deu-se a
introdução da videira americana Isabel, importada de Washington (USA)
para o comerciante Thomas Messinger que plantou seus bacelos na Ilha
dos Marinheiros em Rio Grande e que rapidamente cobriu todo o Estado.
Em 1875, com a imigração italiana, verifica-se a viticultura como atividade
econômica dominante da região nordeste do Rio Grande do Sul.145
Atualmente, cerca de 70% da viticultura brasileira localiza-se no
estado gaúcho, 20% em São Paulo, e 10% nos demais estados. Apenas
145 LOVATEL, J. Aspectos da Viticultura Brasileira. Mímeo.
83
25% das variedades cultivadas são vitis vinífera (castas européias), os
outros 75% são de variedade americana ou híbridas.146
Figura 8 – Velho vinhedo de viníferas enxertadas sobre Isabel. Estação Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul. Dezembro de 1929.
Fonte: Arquivo Particular de Lydia Gobbato.
Os livros e artigos que Gobbato escreveu sobre a vitivinicultura têm
reconhecida importância. Alguns estudos acadêmicas147 valorizam essa
146 Idem.
147 Trabalhos como Os Parceiros do vinho. A vitivinicultura em Caxias do Sul (1911-
1936), Dissertação de Mestrado defendida por Anelise CAVAGNOLLI, em 1989, na Universidade Federal do Paraná; RS: Agropecuária Colonial e Industrialização, 1983, onde Sandra J. PESAVENTO dedica um capítulo à indústria vinícola riograndense; Cantineiros e Colonos – A induústria do vinho no Rio Grande do Sul, de José Vicente Tavares dos SANTOS, presente na série RS: Imigração e Colonização, 4. ed. 1996; e Estação do Vinho. História da Estação Experimental de Viticultura e Enologia – EEVE – 1921-1990. Ivoni Nor PAZ e Isabel BALDISSEROTO. Caxias do Sul. Educs.1997.
84
produção do italiano irrequieto. Uma das obras mais citadas nestas
pesquisas é o Manual Prático de Viticultura, publicado em 1914 e
reeditado em 1922, 1930 e 1940, além do artigo O cultivo da videira e a
industrialização da uva no Rio Grande do Sul, presente no Álbum dos 75
Anos da Colonização Italiana no RS. No entanto outras obras como A
Cultura da Vinha e ABC do Viticultor merecem destaque para a análise do
processo de industrialização da vitivinicultura no Brasil.
Para Onofre Pimentel, enólogo caxiense, a obra de Gobbato,
referindo-se ao Manual, representa o primeiro estudo sistemático sobre a
viticultura brasileira.148 Para o engenheiro agrônomo Jaime Lovatel, que hoje
coordena o Setor Primário e Agroindústria da Universidade de Caxias do Sul
e dirigiu a Estação Experimental de Caxias entre 1976 e 1990, os
ensinamentos de Gobbato continuam sendo extremamente atuais, na
medida em que seus ideais ainda estão por ser concretizados, embora o
cultivo da uva e a fabricação do vinho tenham evoluído nos últimos anos.149
Para Lovatel, a obra de Gobbato foi o ponto de partida para muitos estudos
posteriores sobre a viticultura brasileira.150
148 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001.
149 Depoimento de Jaime Lovatel. Abril de 2001. 150 Idem.
85
O Manual foi originalmente escrito em italiano e posteriormente
traduzido para o português pelo professor Major Miguel Pereira, colega de
Gobbato.
Composto de 165 páginas, o Manual divide-se em quinze capítulos.
Homem culto, Celeste Gobbato cita com propriedade fontes eruditas,
Virgílio, Plínio, Bacco. Lembrando Sócrates, compartilha com o filósofo a
idéia de que a agricultura é mãe e nutriz de todas as demais artes. 151
Refere-se às descobertas científicas que desde o século XVIII
estimulam a produção em geral, repercutindo no campo agrícola. Cita por
exemplo: Watt, com a máquina a vapor, Robert Fulton, com o navio de
rodas, Erikson, com a embarcação a hélice, Stephenson, com a locomotiva.
Acrescenta ainda
Liebig com a química agrária, Pasteur, e recentemente, Morse, Edison, Righi e Marconi com a telegrafia; Paccinotti, Gramme e Siemens com a eletro-dinâmica. A. Smith com a economia industrial privada; Lecouteux com a economia rural e Von d. Goltz com a contabilidade privada e pública.152
151 GOBBATO, C. Manual Prático de Viticultura. Porto Alegre: Tipografia Germano
Gundlach & Cia, 1914. p. 5.
152 Ibidem, p. 6.
86
Figura 9 – Capa do Manual prático de Viticultura – 1914
Fonte: Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre
Conhecedor das profundas modificações na arte de cultivar a terra,
que especialmente no século XIX se caracterizava por uma agricultura
empírica, Gobbato afirma que as descobertas científicas vieram para auxiliar
no progresso da agronomia, e desta forma permitir o desenvolvimento pleno
das nações. Segundo ele
as causas de uma perturbação econômica residem principalmente na agricultura; por isso exige que a ela se dirijam o estudo, as pesquisas, e o trabalho, porque resolvido o problema agrícola teremos, via de regra, resolvido todos os outros problemas.153
153 Ibidem, p. 10.
87
Na época contemporânea, diz ele, a viticultura assume incontestável
importância, pois produz riqueza, valorizando enormemente as terras,
fornece mercadoria procurada no comércio sob a forma de uva de mesa, ou
sob a forma de vinho,154 constituindo-se em fonte de lucro para o cultivador.
No Manual, Gobbato apresenta noções básicas sobre a fisiologia da
vide. Classifica as principais espécies, trata da formação das raízes, do
caule e suas ramificações em galhos, dos ramos – cuja atividade fisiológica
serve à circulação dos sucos vegetativos -, das folhas, que, segundo ele
variam enormemente em cada vide, pela grandeza, forma, cor, brilho, pêlos,
rugosidade, margens, etc., oferecendo caracteres notáveis na identificação
de cada vide.155 O cacho é o aparelho floral da vide. Esclarece que em geral
as vides são formadas por flores hermafroditas, especialmente as
européias. No entanto, há vides unissexuais, masculinas e femininas. Para
Gobbato, a distinção entre as três espécies de vide é de capital importância
ao viticultor para não incorrer no erro do plantio de um vinhedo que pode ser
estéril. 156
Na sua visão, além da uva e do vinho, uma série de outros produtos
secundários poderiam ser aproveitáveis tanto como utilidade imediata como
para gerar lucro aos produtores. Assim, demonstrava ele,
154 Ibidem, p. 11.
155 Ibidem, p. 21. 156 Ibidem, p. 22-3.
88
Do bagaço pode-se extrair aguardente, cremor tártaro, óleo de caroço, álcool, ácido tartárico, ácido enotânico, enocionina, podendo ainda servir para preparar segundos vinhos, que cuidadosamente fabricados, chegam a se confundir com o vinho-flor. Por último, os resíduos dos engaços da casca, da borra, empregam-se como estrume. O mosto serve à confecção de doces, para o fabrico de líquidos doces não alcoólicos, e o vinho para fazer vermouth, cognac, outras bebidas e vinagre. Da videira se tira lenha com a poda seca, forragem com poda verde, e até papel dos sarmentos.157
Tratando da importância da viticultura para a economia do Rio
Grande do Sul e do Brasil, destaca que as condições do ambiente natural do
Rio Grande do Sul são ótimas para a viticultura. No entanto, considera
necessário intensificar e melhorar a atividade vitícola no Estado, formando
um bom e permanente tipo de vinho que possa libertar o país da importação
estrangeira.158
Gobbato ainda nem era nascido quando as impressões sobre o
cultivo da vinha no Rio Grande do Sul foram relatadas por autores que
visitaram a então província de São Pedro, no primeiro quartel do século XIX.
As observações de Saint-Hilaire, Arsène Isabelle e Nicolau Dreys fornecem
histórias curiosas sobre a vida e os costumes dos antigos habitantes da
região. Saint-Hilaire, membro da Academia de Ciências do Instituto de Paris,
penetrou no Rio Grande do Sul em 5 de junho de 1820. Vindo de Santa
157 Ibidem, p. 13. 158 Ibidem, p. 31.
89
Catarina atravessou todo o litoral de Torres a Tramandaí, depois Viamão e
Porto Alegre.159 Já naquela época observou que
a vinha cresce muito bem: algumas pessoas fizeram vinho, mas como foi considerado de qualidade inferior, dele se fala com desprezo(...) Ainda que pouco abastados, muitos estão acostumados ao generoso vinho do Porto e, como o pouco vinho que se produz aqui no Brasil, está longe de ser tão bom, se os despreza e os motejam, desencorajando os que se entregam a esse ensaios. 160
Da mesma forma o suíço Jean Charles Moré, conhecido como o “
pioneiro da indústria oleaginosa” no Rio Grande do Sul, radicado no
segundo quartel do século XIX na então vila de São Jerônimo, reuniu
informações sobre o cultivo da uva em solo gaúcho.161
Moré identificou em diversas peregrinações feitas pelo Rio Grande do
Sul, solos que parecem terem sido predestinados pela natureza para o
cultivo da uva.162 Observou ainda que, magníficos dorsos de colinas
pedregosas, perfeitamente expostas, deveriam produzir, se plantadas aí
qualidades finas, vinhos muito capitosos!. Referindo-se à variedade das
vinhas, observou que
uma espécie muito espalhada, é a da uva chamada “americana”: o grão é graúdo, a película coriácea, o gosto açucarado, quando está maduro, e dá em abundância; mas
159 COSTA, R. Uma curiosa lição de prática vinícola, há mais de um século, na Província.
Porto Alegre. Correio do Povo. Porto Alegre, 17-12-1966. 160 Idem. 161 Idem.
162 Renato COSTA. Já em 1859 se condenava o plantio de uvas americanas na
Província. Porto Alegre. Correio do Povo. Porto Alegre, 24-12-1966.
90
é uma qualidade muito ordinária, tanto para a mesa, como para a fabricação do vinho! 163
Moré já aconselhava, assim como o fez o italiano Gobbato mais de
meio século depois, que seria necessário,
se se quiser explorar seriamente esta cultura, fazer vir castas das melhores procedências, como da Madeira, das ilhas Teneriffe, do meio-dia da Espanha; da Grécia, da Itália, e, sobretudo, da Sicília. (...)a despesa será insignificante para o governo que, de resto, pode fazer-se reembolsar pelos interessados! 164
As observações de Gobbato referem-se a outros tempos, mas as
coisas não haviam mudado muito.
Inicialmente, o agricultor estabelecido na região colonial italiana
transformou a uva em vinho para consumo da própria família e
eventualmente para escambo por outros produtos. Pela escassez de meios
de transporte, observa Gobbato, o colono não se sentia estimulado a
produzir muito vinho. No entanto, diz ele, a grande expansão vitícola do Rio
Grande do Sul se deve à gente itálica que, com a emigração de seus
descendentes para outros territórios do Estado, levaram a viticultura para
inúmeras cidades gaúchas165, como Estrela, Jaguari, Encantado, Cruz Alta,
Ijuí, Santa Rosa e Santo Ângelo, entre outras.
163 Idem. 164 Idem.
165 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 23.
91
Até fins do século XIX, a enotecnia sul-riograndense apresenta
características de indústria doméstica e, como lembra Gobbato,
a circulação dos produtos vinícolas que sobram do consumo dos centros produtores é quase toda feita por meio de negociantes estabelecidos na Capital do Estado, para onde o vinho segue em carretas até os portos de São Sebastião do Caí e São João de Montenegro e, por via fluvial, depois. 166
Os estudos de Gobbato revelaram que o clima de Caxias do Sul nada
deixa a desejar ao clima de Bordeaux (considerado um dos melhores para a
viticultura), possuindo assim condições favoráveis para a produção de
excelentes vinhos nacionais.
O tipo de terreno da região de Caxias também contribuiria para a
prosperidade da viticultura. Gobbato lembra que a respeito da disposição, as
vides preferem os terrenos inclinados e bem expostos. Citando Virgílio, para
quem ‘Bacco ama as colinas’, Gobbato entendia que este tipo de terreno é
ideal para o cultivo da vinha pois é mais inclinado levando mais luz, mais
calor e mais permeabilidade aos fluidos.167
De fato, em 1883 o vinho desponta como um dos principais produtos
da economia local, ao lado do milho, trigo, centeio, cevada, feijão e linho.
166 Ibidem, p. 32.
167 Ibidem, p. 35.
92
Em 1892, já era o principal produto da região colonial italiana.168 Como
refere Giron, Com o aumento da produção de uvas e o respectivo aumento
do vinho, o governo estadual passa a se preocupar com a questão da
qualidade do vinho produzido, preocupa-se também com a proteção do novo
setor.169
Em 1898 é fundada por Júlio de Castilhos a primeira Estação
Agronômica Experimental no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, com o
intuito de formar elementos especializados que difundissem conhecimentos
técnicos tendentes a fazer melhorar a qualidade do cultivo da videira e da
produção do vinho.170 Foram distribuídos bacelos171, importados pelo
governo, aos colonos de Caxias, São Marcos, Antônio Prado, Alfredo
Chaves, Ijuí e Bento Gonçalves, além de viticultores de São Leopoldo,
Tristeza e proprietários de chácaras na capital.172
Em 1900, o Rio Grande do Sul exportava mais de 1.800 hl de
vinho.173 Quando em 1910, é inaugurada a linha férrea entre Montenegro e
168 Em 1893, a exportação de vinho atinge 99.064 litros, em 1894, 103.718, em 1895,
138.206, em 1896, 195.945, e em 1897, 185.958 litros. Dados de Loraine GIRON citados em CAVAGNOLLI. Op. cit., p. 48.
169 GIRON. L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 281. 170 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 30. 171 “Bacelo, ou estaca, ou galho, é uma fração de um ramo da parreira que possui ao
menos dois gomos e que, habitualmente, tem comprimento de 35 a 50 cm. O bacelo custa menos do que a muda (planta da vide, possui raízes e galhos) e não poucos viticultores preferem adquirir bacelos para contraírem uma menor despesa”. GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 106.
172 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 30. 173 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 24.
93
Caxias, observa ele, o viticultor amplia seus vinhedos, seguro da colocação
que terá seu produto.174
Ao visitar as colônias pela primeira vez, em dezembro de 1912,
Gobbato teve tempo de fazer uma coisa de que muito gostava: observar e
registrar. O texto foi publicado na revista da Escola de Conegliano. Foram
nove horas de viagem para percorrer o trajeto de pouco mais de 200
quilômetros entre Porto Alegre e Caxias. É verdade, diz ele,
que por estar habituado à comodidade da vida européia, uma ferrovia com largura de 1 metro, onde se emprega cerca de 9 horas para fazer menos de 200 Km, é sempre pouca coisa, mas se se pensar na deficiente e pouco cômoda viabilidade deste país novo, um meio de locomoção moderno representa já grande coisa. 175
Em 1912, devido à organização de algumas cooperativas enológicas,
o Rio Grande do Sul consegue exportar 73.298 hl de vinho. 176
A uva, que era manipulada de forma artesanal nas cantinas
domésticas, passa a ser vinificada nas cooperativas com o auxílio de
técnicos especializados, resultando num considerável melhoramento na
produção do vinho. 177
174 Idem. 175 GOBBATO, C. Dalla capitale ai centri coloniali italiani. Revista da Scuola de
Conegliano, 1912, p. 83. 176 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 32.
177 Idem.
94
Stefano Paternó, um siciliano, foi o responsável por organizar o
movimento cooperativista em toda a região colonial italiana. De acordo com
Giron, entre 1911 e 1913 o movimento se expande, são fundadas 16
cooperativas de produção em Caxias, Nova Vicenza, Nova Trento, Nova
Bassano, Nova Pádua, Nova Milano, São Marcos, Antônio Prado, Bento
Gonçalves e Guaporé. 178
Infelizmente, diz Gobbato, as cooperativas têm vida efêmera; seus
administradores não correspondem aos vastos projetos elaborados pelo Dr.
Paternó e, com a falta também do apoio financeiro que lhes fora prometido,
fracasssam inevitavelmente.179
O cooperativismo vinícola gaúcho se anuncia em 1911 quando os
produtores de vinhos enviam um documento ao presidente do Estado,
Carlos Barbosa, reivindicando medidas para a solução dos problemas que
afetavam o setor. A falsificação dos vinhos constituía a principal queixa. Os
produtores acusavam os comerciantes da praça de Porto Alegre e da
própria região colonial, a quem chamam de especuladores, de adulterarem
os vinhos através da adição de determinados produtos e da mistura de
vinhos apodrecidos com outros de boa qualidade. Segundo os produtores, a
falsificação do precioso líquido fazia com que o produto perdesse
178 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 284. 179 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 33.
95
credibilidade entre os consumidores, o que tornaria inevitável a morte da
indústria vinícola e, consequentemente, a miséria para as suas famílias.180
As principais reivindicações eram: a abolição completa do monopólio
dos vinhos na praça de Porto Alegre; que o vinho fosse remetido
diretamente de onde eram fabricados aos compradores da praça de Porto
Alegre, sendo proibida a baldeação para tonéis e depois outra vez posto o
vinho nos quintos; que o vinho só pudesse ser vendido com a marca das
fábricas estabelecidas na zona colonial ou dos verdadeiros vinicultores; a
criação em Caxias de um laboratório de análises dirigido por uma enólogo
competente; que os exportadores apresentassem no final de cada mês,
seus livros de compras e vendas junto com os respectivos recibos e a
proibição do vinho fraco de álcool, sem cor e podre.181
Percebe-se que as reivindicações dos colonos produtores de vinho
vão de encontro aos interesses dos comerciantes, que se organizam na
Associação Comercial de Caxias empreendendo uma campanha difamatória
contra o movimento, alegando que os vinhos produzidos nas cooperativas
eram de péssima qualidade, o que fez com que o produto passasse a não
encontrar aceitação no mercado. Em 1913, os débitos nas cooperativas vão
180 CAVAGNOLLI, A. Op. cit., p. 55-6. 181 Idem.
96
se avolumando.182 Entre 1913 a 1914 o movimento enfraqueceria,
desaparecendo quase totalmente.
Sobre o fracasso do movimento, Giron lembra que, como numa prova
de forças, os industriais do vinho haviam liquidado com o movimento
cooperativista, e que
a partir de 1915, não há mais qualquer notícia do movimento.(...) Os colonos, isolados na produção, voltam à condição anterior, devem vender seu produto, seja a uva, seja o vinho, para os comerciantes e os industriais, que pagarão o preço mais conveniente para seus interesses particulares. 183
As formas de produzir e comercializar o vinho voltam ao esquema
anterior. Gobbato, manifestando-se sobre o fim do cooperativismo, diz que o
negociante, livre da organização cooperativista, torna-se o árbitro do
comércio vinícola e se limita, quase sempre, a adquirir o vinho produzido
pelo agricultor, a formar o tipo e corrigi-lo antes de expedi-lo em barris para
a clientela. 184
Gobbato continua na luta contra o cultivo da Isabel, que embora de
menor qualidade em comparação às castas européias, possibilitou o surto
vitivinícola na região colonial do Rio Grande do Sul.185
182 GIRON, L.S. O cooperativismo vinícola... Op. cit., p. 286-287. 183 Idem. 184 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 33.
185 GOBBATO, C. O cultivo da videira e a industrialização da uva no Rio Grande do Sul.
In: Álbum Comemorativo ao 75 anos da Colonização Italiana no RS. Porto Alegre. Globo. 1950, p.403.
97
Na viticultura riograndense, dizia ele, em sintonia com Moré,
predominam as vinhas Isabel, Concor, Goethe e outras cuja uva, se é
inferior para mesa, menos apropriada é para a preparação do vinho.186
Outro antecessor de Gobbato, Lourenço Mônaco, italiano contratado
pelo governo do Estado para exercer a função de enólogo fiscal da Diretoria
de Higiene dos municípios de Caxias e Garibaldi, em 1903, já havia tomado
frente na luta contra a Isabel apontando sua inferioridade.187 Como ele,
defendia a produção de uvas finas, de castas européias, como forma de
garantir a fabricação de vinhos de qualidade aptos a concorrer no mercado
nacional.
Seguindo a posição de Mônaco, Gobbato também se pronunciaria
com rigor diante das más condições de higiene na fabricação dos vinhos, o
que resultava um produto de má qualidade.188
No prefácio da primeira edição do Manual, Gobbato revela os motivos
que o levaram a escrever a obra:
A presente crise vinícola, devida essencialmente à cultura da vide Izabel, a visita aos vinhedos dos Municípios deste Estado, e o estudo das condições climatérico-telúricas das regiões respectivas, despertaram-nos o desejo, pensando satisfazer uma necessidade inadiável, da publicação do presente Manual. A firme convicção de que o Rio Grande do Sul será em breve tempo a cantina do Brasil, nos encorajou
186 GOBBATO, C. A indústria vitivinícola paulista. Impressões de viagem. Correio do
Povo. Porto Alegre, 17-07-1924. 187 PESAVENTO, S.J. RS: Agropecuária colonial... Op. cit., p. 34. 188 Idem.
98
a resumir neste tratado as noções fundamentais de ampelotecnia com o intuito de auxiliar os viticultores ainda rudimentares, a estimular outros agricultores a difundir a lucrativa cultura da vinha.189
As oportunidades para as sugestões de melhoria na produção de uva
eram inúmeras para Celeste Gobbato, pelo seu envolvimento nos meios de
difusão dos conhecimentos para esse cultivo. O “fórum” ideal para isso, por
atrair uma multidão de pessoas interessadas e influentes, capazes de dar
ouvidos aos seus discursos eram as Festas da Uva. Em 1937, conforme os
anais do evento, Gobbato faz um apelo veemente, e volta a insistir:
Colono, dedica tua atividade vitícola ao plantio de castas européias. Somente delas poderá esperar a produção de vinhos finos. Colono, não esqueças que cada pé de Izabel de nova plantação concorrerá para desvalorizar tua vindima e contribuirá para agravar ainda mais a crise vitivinícola rio-grandense. Não deves plantar mais um pé de Izabel, de Concor, de Marta e Evellon. A salvação da vitivicultura rio-grandense consiste na produção de vinhos finos. 190
Mas afinal, porque Gobbato repudiava o cultivo da Izabel? É ele
próprio quem responde.
Passando em revista as variedades de vide para vinho, mais aptas a este Estado, devemos começar por eliminar absolutamente a Izabel que nunca produzirá bom vinho de pasto, porque é uva muito rica de ácidos, de substâncias azotadas, pobre de açúcar, causas da sua pouca conservação, desprendendo o aroma e sabor característico de foxy ou avolpinado que fazem com que os apreciadores da excelente bebida lhe rejeitem o vinho. A posição em que está a Izabel no estado atual da viticultura rio-grandense, quase exclusivamente dela formada explica a difusão do
189 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 3.
190 Festa da Uva de 1937. Anais. Na ocasião, Gobbato era diretor da Estação
Experimental de Viticultura e Enologia de Caxias do Sul.
99
comércio do seu vinho na capital federal, S. Paulo, Santa Catarina e outros lugares. É quase a única vide nacional e o seu vinho, nada bom, somente é bebido por causa da conveniência econômica que oferece sobre o preço dos congêneres vinhos da Europa! Mas no dia em que neste Estado se estenderem as vinhas do velho Mundo a que condições não ficarão reduzidos os produtores do vinho Izabel! A sua cultura trar-lhes-ia, indubitavelmente, o desastre financeiro!”191
Conforme Lovatel, na viticultura brasileira ainda hoje predomina a
Izabel. Os vinhedos rio-grandenses são compostos por 80 % de variedade
Izabel e apenas 20% de vitis viniferas. Os vinhedos, diz Lovatel, formam um
verdadeiro mosaico de variedades. São cultivadas muitas variedades num
mesmo terreno.192 Gobbato já havia alertado para este fato, aconselhando o
cultivador a abandonar o sistema de vinhedos de muitas variedades,
somente admissível, concluía,
em se tratando de uva de mesa, com várias épocas de amadurecimento, cores e tamanhos diversos, a fim de satisfazer exigências do mercado e para vender o produto, quando a maior parte dos cultivadores não o têm.193
Alertava que é erro gravíssimo dos produtores constituírem
verdadeiras colheitas ampelográficas,194 onde deveriam brotar apenas uma
ou pouquíssimas variedades. Agindo dessa forma, completava:
191 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 67-68. 192 Depoimento de Jaime Lovatel. Abril de 2001.
193 Ibidem, p. 64. 194 A ampelografia trata da descrição das variedades de vides. Segundo Gobbato, “os
primeiros estudos ampelográficos remontam aos antigos agrônomos. Demócrito foi o primeiro a se ocupar do assunto, 300 anos antes de Cristo. Sucessivamente, trataram da ampelografia Catão, Columella, Plínio, Virgílio e outros.” Ibidem, p. 118.
100
há enorme economia de mão-de-obra, porque os trabalhos culturais da mesma variedade se cumprem simultaneamente e ter-se-á a grande vantagem de se poder fazer a vinificação, isto é, o trabalho mais importante, direi quase o essencial em enologia, numa só época. Em localidades privilegiadas convém cultivar uma única variedade, se há o intuito de produzir vinho superior de pasto, como se pratica no território de Barolo; mas onde se quiser fabricar vinhos comuns de pasto é sempre melhor restringir-se a duas ou pouquíssimas variedades, imitando a região do Chianti onde principalmente se cultiva Sangiovese, Canaiolo negra e Malvasia branca, produzindo uva que, em proporções definidas e permanentes, constituem esse vinho de pasto, de fama mundial. 195
Os colonos viticultores não ousavam deixar de produzir a Isabel, pois
a sua rusticidade era garantia de uma boa produção. Os colonos, diz
Pimentel, sempre gostaram de plantar variedades de grande produção, o
que não acontece com as uvas finas. 196 Além do mais, diz este enólogo,
havia quem realmente gostasse de comer um bom cacho de Isabel e
também tomar o seu vinho, como até hoje. 197
Ao escrever a primeira edição do Manual, ainda era recente na
lembrança de Gobbato a destruição de boa parte dos vinhedos europeus,
principalmente na França, pela filoxera, moléstia que ataca as vides, cujo
inseto é proveniente da América do Norte. Gobbato preocupou-se em
difundir entre os agricultores brasileiros estudos realizados na Europa de
prevenção contra a filoxera ou qualquer outro flagelo, pois, no seu entender,
195 Ibidem, p. 67. 196 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001. 197 Idem.
101
a paralisação da viticultura brasileira e especialmente rio-grandense,
representaria considerável abalo na fortuna pública. 198
Os bacelos de videiras trazidos pelos imigrantes italianos não
vingaram em função da filoxera, presente na Isabel, e não por causa das
condições climáticas do Rio Grande Sul, que segundo Gobbato, são
plenamente favoráveis para a indústria vinícola. As variedades européias
que ele tanto defendeu, quando plantadas diretamente no solo até podem
alcançar alguns centímetros, mas não vingam porque a filoxera ataca e
mata a planta.199 Uma das alternativas para a produção de castas européias
encontra-se no enxerto.
Gobbato denuncia a presença de fortes opositores da introdução de
vinhas européias, para quem no solo gaúcho só podem vingar as castas de
Isabel, Concor, Goethe e de outras americanas, e informa que através de
experiências feitas entre 1912-1913 na Estação Experimental de Viamão
houve bons resultados com o cultivo de viníferas como Malbec, Souzão,
Varnaccia branca, Cabernet Sauvignon, Riesling do Rheno, Verdot,
Jacquez, Negrera e Merlot.200
Em Caxias, diz Gobbato, já encontramos Traminer, Groppello,
Malbec, Verdot, e outras, que fornecidas pela ex-estação-agronômica, já
198 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 14. 199 Depoimento de Onofre Pimentel. Abril de 2001. 200 GOBBATO, C. Manual Prático... Op. cit., p. 68.
102
produzem ótimas qualidades de vinho,201 superiores ao produzido pela
Izabel. A constatação levou Gobbato a afirmar que as condições agrológicas
demonstram que o Rio Grande do Sul pode ser a cantina do Brasil, desde
que o produtor defenda as vides que têm dado bons resultados, não
cessando de experimentar novas qualidades, para estabelecer a melhor
seleção. 202
A experiência, diz ele, deve ser repetida sempre que possível, pois,
na agricultura se deve caminhar com pés de chumbo, por que é melhor esperar alguns anos, do que empenhar, arriscar, e quase com certeza destruir somas colossais, representadas pela plantação de vides que seriam aniquiladas pelo inimigo implacável e devastador.203
Gobbato é considerado por Onofre Pimentel e por Jaime Lovatel
como precursor da viticultura moderna que se estabeleceu no Rio Grande
do Sul. Entre as variedades de uvas que ele introduziu destacam-se
Sauvignon, Pinot Blanc, Pinot Noir e Trebbiano.
O Manual do Vitivinicultor Brasileiro transformou-se na ‘bíblia’ dos
produtores de uvas e vinhos não só da região, mas do país. 204 Como já foi
dito, as obras escritas sobre o assunto, posteriormente, tiveram de partir dos
201 Idem. 202 Idem. 203 Ibidem, p. 69.
204 PAZ, I.N.; BALDISSEROTTO, I. Op. cit., p. 40.
103
estudos de Gobbato, pelo valor científico e abrangência dos temas
abordados.205
Em 1924 ocorre a publicação de A cultura da Vinha, outro importante
estudo de Gobbato sobre o assunto. Embora não apresenta grandes
novidades em relação às anteriores, ele reforça nesta obra as observações
sobre a necessidade de se melhorar a qualidade do vinho. Para ele,
as consideráveis quantidades de vinho e de uva de mesa que o Brasil importa anualmente, por uma soma superior a 50.000 contos de réis, são suficientes para demonstrar que a cultura da vinha deve ser melhorada e aumentada. Aumentada e mais difundida, porque a superfície atualmente cultivada com vinhedos é insuficiente para suprir as necessidades nacionais, e melhorada, porque nossos viticultores devem cultivar variedades melhores dando-lhes o trato preciso, tanto nos trabalhos em geral, como na adubação e na poda em particular, para poderem fornecer uva de qualidade superior a atual, tanto para mesa, quanto para vinho. 206
Outra preocupação de Gobbato que aparece com frequência em seus
estudos é a questão da higiene. Em suas visitas rotineiras pelas colônias
italianas, demonstrou preocupação quanto à higiene nas cantinas. Orientava
sobre a importância da limpeza nestes locais que, quando não cuidados de
forma adequada, prejudicavam o resultado final da produção.
205 Idem. 206 GOBBATO, C. A Cultura da Vinha. Centro das Experiências Agrícolas do Kalisyndikat.
Rio de Janeiro, 1924. p. 1.
104
Figura 10 – Cantina colonial “um pouco melhorada” (1920)
Fonte: Arquivo particular de Lydia Gobbato
Para Gobbato, uma cantina deveria constituir-se da seguinte maneira:
o lagar, local adequado para o esmagamento da uva e onde os mostos são
corrigidos e submetidos, dentro de balseiros, tinas ou lagares, à
fermentação tumultuosa; a adega, local onde o produto é submetido à
fermentação lenta, depuração e envelhecimento. O local que se destina ao
envelhecimento do vinho é comumente denominado de cave.
105
A descrição do enólogo Gobbato visava influir na remodelação da
realidade dos locais de produção do vinho que ele conhecia em Caxias do
Sul e nas cidades vizinhas de Bento Gonçalves, Garibaldi e Antônio Prado.
O estabelecimento enológico na região nem sempre correspondia ao ideal
de cantina. 207 O lagar ou cantina fazia parte integrante da moradia colonial,
representada, segundo ele, por uma modesta casa de madeira, onde o
vinho não era suficientemente abrigado dos agentes externos, o que
influenciava na qualidade final do vinho.
Em conseqüência, o produto passava pela correção na cantina do
comerciante, através dos cortes ou misturas de vinhos. 208 Sobre a cantina
do comerciante Gobbato descreve-a como um simples depósito onde
armazena, mescla e vende rapidamente o produto colonial.209
Gobbato preocupou-se em divulgar estudos que diz ser digno de
aplausos como o incitamento à agricultura que o excelente livro, Cultura dos
Campos, de Joaquim Francisco de Assis Brasil propõe. Destaca a seguinte
frase do referido autor: Como homem político amo a tranquilidade e a
riqueza interna, baseada na abundância e qualidade da produção.210
207 GOBBATO, C. Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 79-80. 208 Ibidem, p. 251. 209 Idem.
210 Ibidem, p. 9.
106
A este enorme desequilíbrio, diz Gobbato referindo-se à realidade
agrícola gaúcha, deve-se fazer face: escolhendo o ambiente mais propício
para cada cultura, melhorando e facilitando a viação, espalhando a
sabedoria, pois, segundo ele, saber brada poder, difundindo e protegendo
créditos para que o agricultor possa executar o ensinamento recebido,
divulgando os benefícios da cooperação sadia, diversificando a agricultura
nos vastos campos onde a pecuária é a única fonte de lucro, e finalmente,
introduzindo novos colonos, que são braços inteligentes para desenvolver
racionalmente a indústria agrária e as derivadas. 211
As características que ao longo do tempo definiram a produção dos
textos e a ação prática de Gobbato ajudam a esclarecer o que define o
métier do enólogo. Vivendo para o trabalho, procurando materializar em sua
obra como um todo os males e os atrasos da cultura do país212 do início do
século XX, Gobbato tornou-se reconhecido como homem que prezava por
seu ofício.
A vinculação entre Gobbato e a cultura do vinho permanece forte na
história desse imigrante, na qual aparece como fato marcante o papel que
exerceu como intendente de Caxias do Sul entre 1924 e 1928. No próximo
capítulo trata-se de compreender as circunstâncias que levam esse homem
dedicado à carreira técnica ocupar um cargo executivo na política rio-
211 Idem. 212 GOMES, A.M.C. Op. cit., p. 78.
107
grandense. Esse episódio pode ser responsável pela pecha de irrequieto
que Gobbato recebe da posteridade.
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“... minha vida, jamais pensou que pudesse chegar a um momento em que ela fosse chamada à possibilidade de ocupar cargo tão elevado e tão grave, como o que o povo de Caxias parece desejar confiar-me com o próximo pleito de 12 de agosto”.213
O que se busca neste capítulo é compreender o envolvimento de
Gobbato com a política estadual e com o PRR, já que foi este o partido que
o indicou para as eleições intendenciais de 1924. Tudo indicava que
Gobbato continuaria nas suas atividades de professor. No entanto, a vida de
Gobbato tomou outro rumo. Pode-se dizer que ele foi um candidato de
consenso, uma vez que as duas facções políticas, republicanos e
federalistas, cogitavam o seu nome.
213 Primeiro discurso oficial proferido por Celeste Gobbato em Caxias. Jornal O Brasil.
Caxias do Sul, 11-8-1924, p. 2.
109
Não fosse algo comum os intendentes de Caxias, durante a
República Velha, serem pessoas desvinculadas culturalmente da sociedade
colonial, causaria certa estranheza que Gobbato, um “ forasteiro” como ele
próprio se definiu, tenha sido o indicado do PRR à intendência de Caxias do
Sul nas eleições municipais de 1924. De 1890 a 1924, Caxias só teve
intendentes de origem luso-brasileira, salvo algumas poucas situações em
que houve substituição pelos vice-intendentes italianos, como foi o caso de
Vicente Rovea (1907) e Hércules Galló (1915). A força política dos italianos
se fazia representar no Conselho Municipal, constituído em sua maioria
pelos maiores comerciantes e industrialistas da cidade.
Em 1892 foi redigida e aprovada a primeira Lei Orgânica do
município, que seguiu as diretrizes da Constituição Estadual. Dois anos
depois, em 1894, ficou estabelecida a Lei Eleitoral que exigia dos eleitores a
cidadania brasileira, maioridade de 21 anos e alfabetização. Para os
candidatos a cargos públicos municipais era necessário além da cidadania
brasileira, a idade mínima de 25 anos e residência no município há mais de
um ano.214A eleição de Celeste Gobbato em 1924 representou uma
transgressão à Lei Eleitoral. Gobbato era cidadão italiano – só naturalizou-
se brasileiro em 1936, e não residia na cidade pelo tempo mínimo previsto
214 O Brasil. Caxias do Sul, 26-6-1924, p. 2.
110
em lei. No entanto, ele possuía certos vínculos com a comunidade caxiense
de origem italiana.
3.1 EM CONTEXTO DE MALQUERENÇAS
Corria o ano de 1922 e Gobbato continuava a exercer suas muitas
funções na Escola de Engenharia. Os jornais dos municípios que ele visitava
como chefe do Ensino Ambulante relatavam com muito entusiasmo os
ensinamentos do nobre e competente professor. O momento político no Rio
Grande Sul era de intranquilidade. O estado gaúcho se via em meio à
campanha política mais acirrada da República Velha. Disputavam a
presidência do Estado o republicano Borges de Medeiros,215 que candidatou-
215“Antônio Augusto Borges de Medeiros nasceu na cidade de Caçapava, na então
província do Rio Grande do Sul, no dia 19 de novembro de 1864. Passou praticamente toda a infãncia na cidade de Pouso Alegre, em Minas Gerais, para onde foi com apenas 2 anos, em função da transferência de seu pai, o juiz de direito Augusto César de Medeiros. Em 1978, transferiu-se para Porto Alegre, onde completou os estudos secundários no Colégio Souza Lobo. Com 17 anos de idade em 1881 foi para São Paulo, onde matriculou-se na Faculdade de Direito do largo de São Francisco. Em São Paulo, nesta época, proliferavam as idéias de abolição, república, trabalho livre, imigração estrangeira, positivismo, federalismo. Borges de Medeiros entrou em contato com um agitado ambiente político. Juntou-se a um grupo de estudantes gaúchos, sob a liderança de Júlio de Castilhos que, então no 5 ano de faculdade, havia constituído um clube republicano. Borges de Medeiros escreveu vários artigos para o jornal A República, órgão da agremiação. Acabando o quarto ano de Direito em São Paulo, transferiu-se para Recife, onde completou o curso, aos 22 anos de idade, retornando em seguida para o Rio Grande do Sul. Em 1885, exercia a profissão de advogado em Cachoeira, onde militou na propagação pelos ideais republicanos. Como chefe do Partido Republicano Rio-Grandense de Cachoeira, (o PRR foi fundado em 1882), estreitaram-se os vínculos com o Júlio de Castilhos. Em 1889, com a proclamação da República, foi nomeado Delegado de Polícia de Cachoeira. Em 1890, com a convocação da Assembléia Constituinte Nacional, Borges assumiu uma cadeira de deputado representante do Rio Grande do Sul. Ao efetivar-se o golpe de Estado de Deodoro da Fonseca, fechando o Congresso, em 3 de novembro de 1891, Borges reagiu com indignação, retornando ao Rio Grande do Sul. Restabelecida a normalidade parlamentar, com a abertura do Congresso pelo novo presidente da república Floriano Peixoto, Borges retornou ao parlamento como deputado federal. Foi nomeado desembargador do Supremo Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul. Em 1893, com eclosão da Revolução Federalista, Borges licenciou-se do Tribunal de Justiça se incorporou a uma brigada civil de Cachoeira para comabter com os federalistas, em defesa do castilhismo. Em junho de 1894, a dissolução desta brigada fez
111
se para o quinto mandato, e Assis Brasil, que ao lado dos libertadores, ou
maragatos, empenhavam-se em tirar Borges de Medeiros e o PRR do poder
político estadual.
A simpatia de Gobbato por Assis Brasil está expressa nos elogios à
sua obra escrita e nas visitas que fazia, como chefe do Ensino Ambulante a
Pedras Altas, residência do político, onde era fidalgamente recebido.216 Em
outubro de 1921, em visita à propriedade de Assis Brasil, Gobbato pode
apreciar com minuciosidade os magníficos trabalhos ali realizados. Admirou
especialmente a excelente moradia, o parque, o jardim, a racional
distribuição do pomar, a horta, a floresta e o aviário.217 Também teve
excelente impressão das longas avenidas de ‘pinus insignis’, ‘empressus
lambertiana’, e ‘legustro da Califórnia’, que o Dr. Assis denomina ‘Lydia’, em
homenagem a sua Exma. esposa.218 Um plantel de gado Jersey foi também
admiradíssimo por Gobbato. Coincidência ou não, Gobbato chamou Lydia
sua única filha.
com que Borges reassumisse a magistratura em Porto Alegre. Afastou-se novamente por Ter sido chamado por Castilhos para assumir como chefe de Polícia do estado, em 1895. Por solicitação de Castilhos, em 1897, Borges elaborou as leis de organização judiciária, de responsabilidade e processo do Presidente do Estado, de competência administrativa do Estado e município, da lei eleitoral e do Código de Processo Penal. Em 1897, foi indicado por Castilhos para seu sucessor na presidência do Estado. Em 1907, indicou Carlos Barbosa como seu sucessor, retornando ao poder em 1913, permanecendo na direção do Estado gaúcho e do PRR até 1928.” Dados de PESAVENTO, S.J. Borges de Medeiros. 2.ed. Porto Alegre: IEL, 1996. (Série Rio Grande Político).
216 Correio do Povo. Porto Alegre, 27-10-1921. 217 Idem. 218 Idem.
112
A admiração pelo mestre de agricultura 219 levou Gobbato a convidá-lo
a prefaciar a segunda edição do Manual, publicada em novembro de 1922.
Entretanto, não pode figurar, diz Gobbato, devido a ter chegado às nossas
mãos somente meses depois de iniciada sua distribuição.220 Na edição de
1930 consta na íntegra o prefácio que Assis Brasil escrevera datado de 28
de fevereiro de 1923, o que para Gobbato era uma extraordinária honra.
Pode-se especular sobre os motivos da não publicação do prefácio
de Assis Brasil em 1922, eles podem ser de outra natureza. Em plena
campanha política, Borges de Medeiros contava com o apoio explícito de
membros da Escola de Engenharia, cujos nomes figuravam em cargos
eletivos à nível federal. João Vespúcio de Abreu e Silva era senador da
República pelo PRR, assim como João Simplício Alves de Carvalho,
representante do PRR na Câmara dos Deputados. Ambos fundadores da
Escola, e adeptos da doutrina positivista. Nessa situação, seria conveniente
para a instituição de ensino que um de seus mais prestigiados funcionários
mostrasse simpatias pelo candidato oposicionista justamente num momento
tão delicado da política rio-grandense?
Para se compreender a indicação, pelo PRR, do italiano Celeste
Gobbato à intendência de Caxias do Sul em 1924 é importante analisar as
219 Prefácio da 3a edição do Manual do Viti-Vinicultor Brasileiro. 1930. In: GOBBATO, C.
Manual do Vitivinicultor... Op. cit., p. 5. 220 Idem.
113
divergências políticas que se processavam no interior da comunidade
caxiense diante da campanha presidencial de 1922. Isso possibilitará
compreender como se refletia no âmbito local as posições assumidas pelo
governo republicano e, por outro, como se comportava a sociedade
caxiense diante delas.
Inicialmente, é preciso esclarecer que a zona colonial, especialmente
a italiana, refletia uma posição secundária no processo das decisões
políticas a nível regional porque o poder se encontrava monopolizado pelos
pecuaristas grupo hegemônico e dominante no Estado.221 O Partido Liberal,
dos grandes fazendeiros da campanha, dominou politicamente o Estado
desde a década de 1870 até a instalação da República, em 1889.
A história das relações políticas entre governo do Estado e Caxias
tem uma fase de significativa importância para este trabalho, a partir de
1889 com a proclamação da República. Veja-se o que acontece, então,
nesta colônia.
Quando o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) assume a
direção política do Estado, procura estabelecer uma ampliação social de sua
base política, incorporando setores médios urbanos e elementos do
221 PESAVENTO, C. O imigrante na política... Op. cit., p. 168.
114
complexo colonial, em especial o italiano, há pouco chegado.222 E, para ver
garantido o seu mando,
o PRR buscou, ao longo de sua trajetória política no Estado, realizar um desenvolvimento multilateral da economia rio-grandense. Embora sempre a pecuária se conservasse como o setor predominante, tornava-se necessário atender a reivindicações de outros setores e tomar providências para que fossem atendidas.223
No entanto, a sociedade colonial mostrava que não estava satisfeita
com as ações do novo governo. Comprova-se esta insatisfação através da
participação dos imigrantes italianos na Revolução Federalista de 1893, pois
conforme Giron,
A Região Colonial, rica em alimentos, e caminho necessário entre a Campanha e a Depressão Central, serviu como palco para muitos combates. Para a maioria dos colonos a guerra civil era motivo de miséria e terror, porém muitos associaram-se aos movimentos.224
Antes mesmo da eclosão da Revolução Federalista, os imigrantes já
haviam tomado partido na disputa dos governos municipais. As chamadas
revoltas caxienses foram movimentos que revelam a postura política dos
colonos.225
222 Idem. 223 Ibidem, p.169-170. 224 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 45.
225 Ibidem, p. 44.
115
Até a emancipação da Colônia Caxias do município de São Sebastião
do Caí, em 1890, a administração do município era realizada por
funcionários públicos - designados pelo governo provincial, não havendo
portanto eleições na colônia. Os funcionários nomeados eram responsáveis
pela distribuição dos lotes, pelo recolhimento de impostos e pelas dívidas
contraídas pelos imigrantes, quando de sua chegada. Em 1890, quando
ocorre a emancipação da colônia, é nomeada pelo Presidente do Estado,
Gal. Cândido José da Costa, a primeira Junta Governativa, composta pelos
imigrantes Angelo Chitolina, Ernesto Marsiaj e Salvador Sartori, todos
comerciantes. A Junta Governativa, vinculada ao PRR, é destituída por uma
Junta Revolucionária, liderada pelos italianos Affonso Amabile e o delegado
da cidade Francisco Januário Salerno, que se apropria dos móveis da
Intendência e promove movimentos da população contra os novos
conselheiros eleitos. A Junta Governativa reassume o poder, mas por pouco
tempo. Junto aos outros componentes da Junta Revolucionária, Domingos
Maineri, Luiz Pieruccini, João Dalla Santa e Pasqual Mangeri - alguns dos
quais também comerciantes-, incitam os colonos a não pagarem os
impostos, por ser provisório o governo, exigindo que só pagariam os tributos
se houvesse novas eleições. À frente de trezentos homens armados,
Francisco Salerno depõe novamente o Conselho Municipal. De acordo com
Giron,
Os revolucionários contavam com o apoio popular visto que submetidos às dívidas coloniais, tinham ainda de pagar
116
pesados impostos à nova administração municipal. A dupla carga de dívidas revoltou a população(...)”.226
O governo provisório nomeia para a Junta Governativa caxiense Luiz
Pieruccini e Domingos Maineri, ambos participantes das revoltas, e a
situação se torna tensa, pois revoltosos nomeados e conselheiros eleitos
estão lado a lado no mesmo conselho. O conselho novamente reassume o
poder e exige o pagamento dos impostos atrasados, com multa. Aqueles
que não pagaram os impostos induzidos pelos revolucionários novamente
se revoltam. Para Giron, a revolta não é ocasionada apenas pela situação
dos impostos, mas pela acirrada luta estadual pelo poder dirigente. A Junta
Estadual Federalista, composta por Assis Brasil, Barros Cassal e gen.
Barreto Leite, comunica que Domingos Maineri deve ser o novo Presidente
do Conselho, mas Ernesto Marsiaj permanece no poder. Os líderes
federalistas municipais resolvem tomar a intendência. A Junta
Revolucionária suspende novamente o pagamento dos impostos. Com a
suspensão dos impostos, a maioria da população apóia o golpe, bem como
as autoridades policiais e o destacamento da Guarda Cívica.227
O governo estadual, na tentativa de resolver a crise política em
Caxias nomeia o primeiro intendente, Antônio Xavier da Luz. A questão dos
226 Idem. 227 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 17.
117
impostos é entregue à Intendência pelo Conselho e usando de diplomacia, o
intendente nomeia Luiz Pieruccini para o cargo de vice-intendente.228
A situação em Caxias se agrava com a guerra civil de 1893. A idéia
de uma divergência política no interior da comunidade italiana, é
corroborada também pelo depoimento de Helena Amantéa sobre o conflito.
Segundo ela,
Alistavam-se também italianos. Havia aqui Castilhistas e muitos chefes de família se haviam ligado à revolução. Nos federalistas a mesma coisa (...) Participavam livremente, porque haviam sido prejudicados em alguma coisa, então por vingança ligavam-se a um ou outro partido. (...) Na família dos ‘Cruzati’ que tiveram a casa queimada, o chefe de família, havia-se filiado ao grupo dos Federalistas. Chegaram os Castilhistas e lhe queimaram a casa e tudo o mais, deixando a família sem nada.(...)os dois grupos de revolucionários nunca fizeram combate um contra o outro; passavam os de um partido e devastavam tudo; vinham os de outro e também arrasavam tudo: roubavam, degolavam (...) Quanta gente morreu degolada!229
O ataque “maragato” à Caxias do Sul ocorreu na madrugada do dia
30 de junho de 1894. Ao cantar do galo, grupos de homens, alguns de
poncho,
passam em desabaladas carreiras, dirigindo-se a pontos pré-fixados. Ao tiros espoucam. A vila, com poucos milhares de habitantes, acorda. O clarim toca no quartel do 1 Esquadrão do 44 Corpo da Guarda Nacional, ao comando do capitão Francisco Antônio Alves, sediado no atual prédio do Museu Municipal. Os poucos homens de prontidão, buscam os seus postos. Às ordens do jovem Coronel Belisário Batista de Almeida Soares, os maragatos, com
228 Idem. 229 COSTA, R.; BATTISTEL, A. Assim vivem os italianos. Vida, história, cantos, comidas
e estórias. Porto Alegre: EDUCS/ EST, 1982. p. 334. v. 1.
118
cerca de 400 homens, atacam. Vai combater-se o dia inteiro até que, pelo entardecer, Belisário dá a ordem de retirada. Os maragatos voltam às suas bases. O comando geral do 44 Corpo estava subordinado à coluna de Antônio Carlos Chachá Pereira(...). 230
O movimento revolucionário dos federalistas, que contabilizou mais
de 10.000 vítimas e enormes prejuízos materiais, foi deflagrado nos
primeiros dias de fevereiro de 1893 e perdurou até o início do inverno de
1895, quando ocorreu a pacificação graças à intervenção suasória do
presidente Prudente de Morais, através do General Inocêncio Galvão de
Queiroz.231
Na análise de Love,
um dos resultados mais importantes da guerra consistiu na polarização política mais extrema no Rio Grande do Sul. Contrastando com o amorfo sistema de governo da maioria dos demais Estados, na Primeira República, a política do Rio Grande continuou a girar em torno de dois bem organizados partidos.(...) Outro resultado político da guerra foi a consolidação do sistema político centralizado(...) Um terceiro efeito político importante da guerra diz respeito à fusão de sólidas ligações entre o PRR e o Exército nacional, ou, pelo menos, um poderoso segmento deste. 232
230 Ataque maragato, ao cantar do galo. Jornal Folha de Hoje. Caxias do Sul, 30-07-1994. 231 FRANCO, S.C. A Guerra Civil de 1893. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1993.
(Síntese Universitária; 37), p. 43. 232 LOVE, J.L. O Regionalismo Gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo:
Perspectiva, 1975. p. 78-79.
119
Terminado o conflito armado, conforme aponta Arthur Ferreira Filho,
Júlio de Castilhos tem de reorganizar o Estado e as finanças abaladas pela
guerra civil. 233
Em 6 de novembro de 1897, é lançado em Caxias o primeiro
exemplar do jornal O Caxiense, órgão do PRR e dito defensor das colônias
italianas. Neste primeiro exemplar são publicados trechos da mensagem
proferida pelo chefe republicano Júlio de Castilhos na Assembléia dos
Representantes propagandeando os serviços prestados pelo seu governo à
sociedade colonial, lembrando as medidas necessárias para o complemento
de outras já postas em prática, descrevendo o estado próspero das
condições financeiras do município. A sezione italiana do jornal reforça a
idéia de prosperidade do município, já que
Caxias é muito renomada pelo seu vinho nacional, pela sortida
quantidade de cereais, de salame, presunto e banha que exporta em grande
quantidade para todo o Brasil, tanto é que em apenas dois anos a
exportação produziu a soma de 8.000 de réis!234
Foi no mesmo ano que, em visita a Caxias, Júlio de Castilhos chamou
a cidade de a “Pérola da Colônias”.
233 FERREIRA FILHO, A. História geral do Rio Grande do Sul. (1503-1960). 2. ed. Porto
Alegre: Globo, 1960. p. 148. 234 O Caxiense. Caxias do Sul, 6-11-1897, p. 2.
120
Em relação à região colonial, Castilhos
tratou de ampliar a estrada de ferro que ligava Porto Alegre a Novo Hamburgo, estendendo o ramal de São Leopoldo a Caxias. Com isto, oportunizava à região italiana o mais rápido escoamento de sua produção até o mercado da capital. (...) realizou estudos para melhorar a navegação do rio Caí, escoadouro das riquezas da zona italiana.235
A linha férrea que ligou Caxias a Porto Alegre foi inaugurada em
1910, no governo de Carlos Barbosa, modificando o panorama econômico,
desenvolvendo mais os povoados por onde passava 236 como Nova Vicenza
e Nova Milano. Na mesma data Caxias passou de vila à categoria de cidade.
O término do conflito garantiu aos republicanos a permanência na
direção do Estado, passando a cooptar a oligarquia rural, bem como a
burguesia nascente da região colonial italiana e possibilitou que as lutas
políticas regionais se limitassem à disputa do poder municipal.237
De 1890 a 1924, até a eleição de Celeste Gobbato, Caxias teve
apenas intendentes de origem luso-brasileira que, desprovidos de vínculos
culturais com a sociedade colonial, não tinham como interesse senão
orientar a política local no sentido de apoio ao governo do Estado “.238 Isso
não quer dizer que com Gobbato tenha havido qualquer tipo de ruptura
235 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política... Op. cit., p. 178-9. 236 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Casa de Negócio. Op. cit. 237 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 45. 238 PESAVENTO, S.J. O imigrante na política... Op. cit., p. 180.
121
política. Muito pelo contrário. Gobbato vai administrar a cidade em plena
sintonia com o governo do PRR. 239
Os intendentes, nomeados pelo presidente do Estado, deveriam ser
pessoas da confiança do chefe executivo. Para Alves, a necessidade de
coronéis leais ao governo estadual justificava a presença constante de
elementos lusos na intendência de Caxias. 240
Em 1898, aos 38 anos de idade, Júlio de Castilhos transmitiu o cargo
de presidente do Estado para Borges de Medeiros, mas continuou dirigindo
o Partido Republicano, até sua morte, em 1903. A partir de então, Borges
assumiu também a direção do partido.241
A reeleição de Borges para o período de 1902-1907 foi acompanhada
de dissidências republicanas, cujos membros, entre eles Assis Brasil,242
239 ALVES, E.R. Op. cit., p. 105. 240 Ibidem, p. 82. 241 FERREIRA FILHO, A. Op. cit., p. 148-149. 242 Joaquim Francisco de Assis Brasil “ocupou uma cadeira na Assembléia Provincial por
dois biênios: 1885-1886 e 1887-1888. Depois dos farroupilhas, foi o primeiro e único Deputado republicano no Rio Grande do Sul durante o regime monárquico.(...)Seu mandato na Assembléia Provincial expirou quase às vésperas da proclamação da República. Instaurado o novo regime, o Marechal Deodoro, que era seu amigo pessoal, convidou-o para integrar o primeiro ministério republicano. Assis Brasil recusou o convite, mas aceitaria, pouco depois, o cargo de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Buenos Aires. Entretanto, não se demorou nesta função, por ter sido eleito deputado à Constituinte Nacional. Em 1891, renuncia o mandato retornando ao rio Grande do Sul. Nesse mesmo ano, foi eleito Deputado Constituinte pelo novo Estado da União. Não tardaria a assumir o papel de dissidente, dentro da Assembléia Constituinte rio-grandense, iniciando-se, desde então, o clima da próxima ruptura política com Júlio de Castilhos. Estabeleceram-se entre ambos, divergências de ordem meramente partidária, mas a causa fundamental da ruptura foi eminentemente ideológica.. tendo integrado a comissão encarregada de elaborar a nova constituição rio-grandense, ao lado de Ramiro Barcelos e Júlio de Castilhos, este a redigiu sozinho, nela introduzindo princípios positivistas de que Assis Brasil discordava. Ao rompimento político, seguiu-se o rompimento pessoal. De Júlio de castilhos, seu amigo desde os verdes anos e, depois, cunhado, dissera Assis brasil: ‘Éramos como irmãos’.
122
articularam-se em torno do Partido Republicano Democrático lançando o
nome de Fernando Abott para disputar com o candidato situacionista Carlos
Barbosa o quinquênio 1908-1913. À vitória de Carlos Barbosa243 seguiu-se o
retorno de Borges ao poder para o período de 1913-1918, reelegendo-se
novamente para o mandato seguinte, de 1918 a 1923. Segundo Sérgio da
Costa Franco, Borges de Medeiros, Não contente com o longo consulado,
resolveu candidatar-se a uma quinta reeleição”.244
Foi diante da possibilidade de um quinto mandato de Borges de
Medeiros, que instaurou-se uma crise política que impulsionada por
questões de ordem econômica, criadas pela “conjuntura histórica 1921-
23”,245 levou os pecuaristas rio-grandenses a esboçarem um movimento de
oposição ao domínio do PRR na presidência do Estado.
Conforme aponta Antonacci,
Proclamada a República, passaram pelo Governo do estado diversos políticos e militares, inclusive uma Junta Governativa Provisória, que se tornaria conhecida por Governicho (apodo que lhe aplicou Júlio de Castilhos), e da qual participara Assis Brasil. (...) Em 1892, Assis Brasil volta ao serviço diplomático (...) em Buenos Aires. Seu segundo posto foi o de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Lisboa. (...) permaneceu em Lisboa de 1895 a 1898, quando foi transferido para igual posto em Washington. (...) Em 1905, retornou ao posto em Buenos Aires (...) ali permanecendo até 1907, quando entrou em disponibilidade. (...) No ano seguinte (1908), atende o chamado de Fernando Abott (filho de São Gabriel como ele e, também como ele, dissidente republicano) e participa da fundação do Partido Republicano Democrático e da frustrada candidatura daquele seu amigo ao Governo do estado. Só voltará à vida pública em 1922(...)”. REVERBEL, C. Assis Brasil. 2 ed. Porto Alegre: IEL, 1996. p. 11-13. Série Rio Grande Político.
243 “Mesmo durante o governo deste, o verdadeiro poder permanecia nas mãos do sucessor de Castilhos”. VIZENTINI, P.F. A crise dos anos 20. Conflitos e Transição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1992. p.14.
244 FRANCO, S.C. A Pacificação de 1923. As negociações de Bagé. Porto Alegre: Editora da UFRGS/EST, 1996. p. 7.
123
A crise mundial de 1921 provocara a queda drástica do consumo ddos preços dos produtos agrícolas e pastoris, a elevação dos preços de todos os gêneros importados e a retração dos créditos. Tornaram-se frequentes as notícias de falências e execuções judiciais de criadores, advindo o fechamento de pequenas fábricas rio-grandenses..246
Desta forma, acrescenta a autora que:
O não-atendimento, por parte dos poderes públicos, dos problemas acarretados no RS por esta crise econômica, impeliu grupos de classe dominante gaúcha, alijada do aparelho estatal, à arregimentação política. (...)Portanto, a crise econômica do após-guerra estabeleceu no RS condições concretas para a atuação das oposições oligárquicas contra o domínio do PRR.247
As oposições articularam-se em torno de uma grande coligação
antigovernamental” 248que incluía os federalistas, que vinham de Silveira
Martins; os democratas, liderados por Assis Brasil e Fernando Abott; e os
dissidentes dos republicanos, como os Pinheiro Machado, os Menna Barreto
e outros. Como não formavam um partido unificado, fundiram-se numa
Aliança Libertadora com o propósito de extinguir o domínio de Borges.249
Foi assim que o grupo formado por José Carlos da Souza Lobo, Cel.
Fructuoso Pinheiro Machado e Emílio Corrêa dirigiu-se até Pedras Altas,
município de Pinheiro Machado, residência de Assis Brasil, para “levar um
apelo em que se lhe pedia aceitasse a indicação de seu nome como
245 ANTONACCI, M.A. RS: As Oposições e a Revolução de 1923. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1981. p.10. 246 Idem. 247 Ibidem, p. 11. 248 FRANCO, S.C. A Pacificação de 1923... Op. cit., p. 7. 249 LOVE. J.L. Op. cit., p. 217.
124
candidato à presidência do Estado”.250 É importante destacar a análise de
Antonnaci sobre a arregimentação política que se colocava. Diz a autora que
toda a movimentação e arregimentação dos produtores rio-grandenses, que se processara desde o início de 1921, foi abarcada e conquistada por Assis Brasil e pelas oposições. Assis Brasil, que sempre estivera a espera de oportunidades para retornar à vida política rio-grandense e combater a organização instaurada pelo PRR, teve – na conjuntura aberta com a crise econômica de 1921 – condições novas para desenvolver sua atuação política. E os pecuaristas rio-grandenses, não sendo atendidos pelo governador Borges de Medeiros, tiveram em Assis Brasil uma alternativa nova para o encaminhamento de suas reivindicações. 251
Ao aceitar a disputa, Assis Brasil escreveu sua resposta, nos termos
seguintes:
“Caros companheiros. Consagrarei, pois, ao lavrar esta breve resposta, uma expressão única, uma única palavra, à minha falta de mérito para o posto que me designais – o de porta-estandarte da regeneração democrática do nosso vilipendioso Rio Grande, na atual campanha eleitoral.(...) A vossa campanha regeneradora vai, provavelmente, sofrer do que ordinariamente afeta todos os começos, e mais ainda quando o trabalho material é mais ou menos improvisado. Não conseguireis, provavelmente, levar aos comícios (...) senão uma parte mínima dos sufrágios que uma preparação regular havia de provocar da consciência pública, estimulado ao ardor da controvérsia. Por outro lado, o vosso passo é o primeiro da jornada libertadora: dificilmente há de ter a firmeza e amplitude da marcha normal que se lhe seguirá. Tais dificuldades, entretanto, se prejudicam o efeito aparente, exaltam o mérito de nobre empresa. (...) Seja qual for o êxito imediato do vosso esforço, a História do Rio Grande o recolherá entre os fatos em que a sua grandeza é tão abundante. O Rio Grande vos aplaudirá, embora a máquina eleitoral organizada e consolidada vos esmague em aparência”.252
250 Álbum dos Bandoleiros. Revolução Sul-Riograndense, 1923. Editores Barreto-Araújo.
Organizado pela Revista Kodak. p. 2. 251 ANTONACCI, M.A. Op. cit., p. 55-56. 252 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 2.
125
Instaurada a disputa, a resposta de Assis Brasil circulou pelos quatro
cantos do Rio Grande do Sul e, sem perder tempo, a imprensa governista
aproveitou-se das suas palavras para dizer que este confessa a sua
incapacidade para administrar o Rio Grande.253 Da mesma forma a
imprensa borgista procedeu quando, numa conferência realizada em São
Gabriel, Assis Brasil declarou que: este movimento é dedicado ao Rio
Grande e não a mim, que sou um ser miserável.254 A folha republicana
respondia da seguinte forma:
Com efeito, em um Estado varonil como o Rio Grande do Sul só uma figura como a de Borges de Medeiros poderia alcançar as reeleições que tem merecido, por assumir a sua permanência no governo as proporções de uma manifesta aspiração pública, tal o acervo de serviços realizados e a pujante confiança conquistada como administrador.255
As divergências políticas no interior da comunidade caxiense
novamente se exaltam durante a campanha eleitoral de 1922. Os
descontentes com os planos redigidos pelo Partido Republicano Rio-
Grandense consideravam os chefes locais meras figuras decorativas, que, a
exemplo dos conselhos municipais, não governavam, obedeciam. Outros
grupos da economia local revelavam seus descontentamentos, quando
atingidos por atitudes como a do intendente, de indeferir os requerimentos
253 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-22. 254 Idem. 255 Ibidem, 9-11-22.
126
dos exportadores de vinho, que pretendiam a liberação de multas
contraídas. 256
Foi por ocasião das eleições estaduais de 1922 que os grupos não
favorecidos pelo PRR encontraram um campo fértil para se manifestar,
aumentando o número de adeptos ao assisismo.
Quanto à pretensão de Borges candidatar-se pela quinta vez, os
oposicionistas partiam do princípio de que o uso prolongado e onipotente do
poder leva sempre, é lei suprema da História, ao abuso e aos excessos
desse mesmo poder.257
Em nível local, a campanha dos assisistas girou em torno das
seguintes questões: a religião - Borges de Medeiros por ser positivista era
considerado inimigo da religião cristã -, as más condições das estradas –
que dificultavam o escoamento da produção colonial -, a falta de crédito
agrícola para a pequena lavoura e a não entrega de títulos eleitorais para o
cidadão caxiense suspeito de concordar com a propaganda oposicionista. A
questão dos intendentes nomeados por Borges também foi objeto de crítica.
O Democrata foi o órgão de imprensa Pró-Assis em Caxias do Sul. O jornal
surgiu em Caxias no dia 20 de dezembro de 1922 e circulou por quase um
ano tendo como diretor-redator Frontino Mesquita.
256 ALVES, E.R. Op. cit., p. 60. 257 O Democrata. Caxias do Sul, 20-10-1922, p. 1.
127
Os republicanos, numa ação estratégica, fundaram em Caxias do Sul,
no dia 3 de novembro de 1922, o jornal A Resistência para trabalhar em prol
da candidatura de Borges de Medeiros, candidato indicado, unanimamente,
pelo Partido Republicano à reeleição.258 Sob a direção de Ulysses Castagna
e Alfredo de Melo Tinoco, o periódico circulou por poucos meses e contava
com a colaboração de Bernardino de Almeida Gomes e Afonso Alves
Coelho. O programa do jornal era o programa do PRR, o que fica evidente
no primeiro editorial:
Aparecemos na luta, em defesa da paz, da ordem, e da legalidade, em oposição à desordem, à anarquia, e à própria revolução que os falsos apóstolos da liberdade, os eternos descontentes, os adeptos da candidatura do herói do célebre “governicho” querem a todo transe implantar no Rio Grande do Sul. (...) Estaremos firmes em defesa dos nossos princípios, “custe o que custar”. Defenderemos a carta constitucional de 14 de julho, “haja o que houver”.259
Ao surgimento do novo jornal, respondeu a fundação na cidade do
Centro Republicano, instalado na sede do Tiro 248. A sessão de fundação
do centro foi iniciada pelo juiz de Comarca, Leonardo Ferreira da Silva,
seguindo-se a fala do intendente municipal Coronel Penna de Moraes. O
discurso do intendente tratou do momento político e das vantagens da
organização do centro na cidade. Foram eleitos o intendente Penna de
258 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922, p. 1. 259 Idem.
128
Moraes, e o vice- intendente Abramo Eberle, respectivamente, para os
cargos de presidente e vice-presidente do Centro Republicano.260
Penna de Moraes, advogado e jornalista, já havia sido eleito para a
Assembléia estadual e administrava o município há três gestões (1912-
1924). Essa situação configurava um caso de continuísmo que pode
significar o certificado de que o Intendente corresponde à confiança que o
Partido lhe depositava e era fundamental para manter a hegemonia do
Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).261
O jornal assisista com frequência noticia uma possível deposição do
intendente. Segundo o articulista do jornal, tais boatos tinham a simples
intenção de excitar o ânimo público e encorajar os desordeiros.262 Para esse
articulista, os colonos não passavam de uns ingratos, pois haviam
esquecido muito rápido os inúmeros benefícios que teriam recebido de um
intendente modelo, e seguiam dizendo:
Podereis dizer que o coronel Penna de Moraes, esquecido dos interesses públicos, tem malbaratado as rendas do município em coisas supérfluas? Podereis dizer que Ele fez ou faz transações que visem seus interesses particulares? Que tem transladado para seu nome ou dos seus filhos ‘terrenos do município’? Não! Sabeis que não! (...) Onde está a razão em que vos fundaes, em que vos baseais nessa transladação brusca do estado de quietação para o de revolta?.263
260 Ibidem. 9-11-1922 261 BAKOS, M.M. Op. cit., p. 13. 262 A Resistência. Caxias do Sul, 9-11-1922, p. 2. 263 Ibidem, 15-11-1922, p. 4.
129
O Democrata, por sua vez, noticiava o fato de que o Conselho
Municipal não havia sido convocado “para tomar contas ao intendente
municipal, por uma dívida de cerca de 700 contos que onera o nosso erário,
bem como para conhecer do balanço que era obrigação apresentar”.264 Os
republicanos respondiam que esta era mais uma falsa notícia utilizada pelos
adversários para denegrir a administração local, pois o assisismo do
Conselho é que, deixando de cumprir o seu dever, não compareceu, indo
para o meio da rua fazer política salvadora.265 Os membros do Conselho
que teriam faltado à sessão são João Crisóstomo T. Gonçalves, Aristides
Germani e Samuel Alovisi.266 Outros nomes que aparecem vinculados aos
libertadores são Vicente Rovea, Olympio Rosa, Fioravante Pieruccini e
Tancredo Feijó.267
A corrente republicana contava ainda com o periódico O Brasil, que
surgiu em Caxias no dia 17 de janeiro de 1909 e circulou até o final de 1924.
O jornal teve vários diretores: Jacinto Godoy, Manoel Peixoto de Abreu e
Lima, Jerônimo Neves, Antônio Trindade, Agnelo Cavalcanti, Demétrio
Niederauer, Napoleão Sachis e Edmundo de Souza.268 Tanto o periódico A
Resistência, que era distribuído gratuitamente também nos distritos de
264 O Brasil. Caxias do Sul, 13-1-1923, p.2 265 Idem. 266 GARDELIN, M. Caxias do Sul: Câmara de Vereadores (1892-1950). Porto Alegre:
EST, 1993. p. 55. 267 O Brasil. Caxias do Sul,19-4-1924.
130
Caxias, quanto O Brasil procuravam minimizar a ação oposicionista junto à
opinião pública, atribuindo-lhe pouca importância:
O momento político atual não comporta em si a importância que se lhe querem atribuir. A já tão debatida questão da sucessão presidencial do Estado, com as suas clamorosas e retumbantes propagandas, usando a oposição de todos os expedientes, embora os mais indignos, não é outra coisa senão, a segunda edição correta e aumentada da falecida candidatura Fernando Abott.269
Para O Democrata, Borges estava à beira da loucura. Os
oposicionistas argumentavam que
o sr. Borges não passando o exercício do seu cargo, mesmo por alguns dias, a um substituto interino, não se fia mais em ninguém. Ele está no período de mórbida desconfiança a que chegam todos os ditadores”.270
A prática de persuadir a opinião pública foi comum por ambas as
partes. Tanto os borgistas quanto os assisistas procuravam impressionar a
opinião pública com especulações e muito alarde.
De acordo com Eliana Alves, a imprensa católica, através do Staffetta
Riograndense, procurou manter-se sem revelar seu real posicionamento.271
No dia 8 de novembro de 1922 o Staffetta publicou a seguinte nota:
Os leitores e amigos do Staffetta Riograndense estão esperando alguma palavra de ordem, algum direcionamento. Entretanto sabemos que é tempo perdido.
268 ADAMI, J.S. História de Caxias do Sul. 1864-1962. Caxias do Sul: São Miguel, [s.d.].
p.207. 269 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922, p. 2. 270 O Democrata. Caxias do Sul, 3-1-1923, p. 4.
271 ALVES, E.R. Op. cit., p. 85.
131
O Staffetta decidiu não dar nenhuma direção sobre este ponto, e por razões que são fáceis de compreender. O Staffetta só pede que deixem a mais absoluta liberdade de voto aos eleitores. Seria vergonhoso que em um estado como o nosso Rio Grande se adotassem métodos eleitorais tão antiquados e incivilizados.
Muito embora o Arcebispo Metropolitano D. João Becker já tivesse
feito uma declaração mostrando-se simpático à reeleição de Borges de
Medeiros esta postura parece não ter sido corroborada, nem pela hierarquia
eclesial, tampouco por boa parte da população.272
Um fato ocorrido na cidade no dia das eleições contribui para revelar
a postura da elite católica caxiense diante da campanha eleitoral.
Neste dia uma aglomeração de colonos declaradamente assisistas
portaram-se em frente à Intendência Municipal para reclamar a falta de seus
títulos eleitorais. Na presença da Brigada Militar, que ameaçava
movimentar-se caso a população avançasse, os cidadãos resolveram
solicitar a presença do vigário local, Monsenhor Meneguzzi - a estas altura já
com onze anos de administração diocesana e grande ascendência sobre a
sociedade civil.273 Chegando ao local, o vigário foi barrado pelos soldados.
Advertido por um sargento que correria bala caso a população avançasse,
Monsenhor pediu para falar com o intendente, e um dos soldados o
acompanhou. Conforme está registrado no Livro Tombo da Paróquia Santa
Teresa,
272 Idem.
132
Na presença do intendente, que se encontrava rodeado pelos do partido, verberou energicamente seu proceder, responsabilizando-o por tudo que pudesse acontecer. O intendente empalideceu, mas disse: ‘Se o povo der ainda três passos, será fuzilado’. 274
O vigário conseguiu dispersar a população e, à noite, houve uma
grande manifestação na qual os colonos denominaram o vigário como
“Salvador de Caxias”.
Na capital, o Última Hora, órgão do partido oposicionista, veiculava a
situação política no interior do Estado:
Como é de domínio público, é grave a situação política de Caxias com os últimos acontecimentos ali ocorridos de ultraje à nacionalidade da colonia e mais desasperação pública com o ato do intendente local e chefe político sonegando título à população eleitoral suspeita de não acompanhar o ‘borgismo’ enfermo.275
Se o episódio em si não é suficientemente esclarecedor da postura
da elite católica local diante da campanha eleitoral, é no próprio O Brasil que
se encontra mais elementos sobre o caso. A respeito do acontecimento, e
sobre a pessoa do vigário, o jornal declarou que:
O ‘democrata’ procurou elevar à coroa da lua, o Sr. Cônego de Meneguzzi, por ter fingidamente procurado serenar os ânimos do assisismo truculento quando, amotinado, tentou assaltar a Intendência Municipal. Foi mal informado o órgão oposicionista e, por isso, vamos retificar o ‘engano’, já que se nos proporcionou a ocasião de fazê-lo. Em primeiro
273 Idem. 274 Ibidem, p. 85-86. 275 A Resistência. Caxias do Sul, 3-11-1922. p. 3. (Nota publicada originalmente pelo
jornal Última Hora. 30-10-1922).
133
lugar, devemos dizer que o cura Meneguzzi não é ‘esse formoso espírito de sacerdote’ que nos pinta o ‘sueltista’, irônico e ferino. Ao contrário,- o Sr. João é um excelente tartufo, que, usando e abusando da sua ascendência espiritual sobra a massa inconsciente do eleitorado, armou-a e fanatizou-a contra a situação política do município, cuja boa fé ilaqueou e cuja amizade não se pejou em trair. O Sr. Meneguzzi, mostrando-se talqualmente é, agiu assim durante toda a campanha política, com requintada hipocrisia! Com efeito, o principal trabalho de pacificação dos elementos conturbados pela paixão partidária deveu-se, de fato e de direito, ao Sr. Instrutor do Tiro de Guerra 248, Firmino dos Santos, que, com a sua palavra prudente e persuasiva, interveio no caso uma hora antes da aparição do apóstolo assisista, logrando neutralizar a ação dos mais exaltados.276
Ao longo da campanha, a corrente republicana insistiu na questão da
religião. E realmente este era um aspecto extremamente importante,
porque, conforme De Boni, o que uniu os colonos recém-chegados não foi o
sentimento de pátria, pois estes não eram nem brasileiros, nem italianos.
Tampouco a língua teria sido um elemento de identificação cultural, pois
cada grupo falava seu dialeto, ignorando a língua oficial da pátria que acaba
de surgir. Foi a religião que atuou como elo de união entre eles: a quase
totalidade confessava-se católica, e a fé católica forneceu-lhes os subsídios
indispensáveis para reiniciar, individual e coletivamente a existência.277
Os religiosos que vieram trabalhar no Rio Grande do Sul procuraram
estabelecer seus centros de formação vocacional entre os imigrantes, já
276 O Brasil. Caxias do Sul, 6-1-1923.
277 De BONI, L.A. O Catolicismo da Imigração: do triunfo à crise. In: DACANAL, J.H.
(Org.). RS - Imigração e colonização. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996. p. 235.
134
que, como refere De Boni, não seria entre luso-brasileiros, que habitavam a
região da Campanha, impregnados por idéias positivistas, que haveriam de
procurar vocações para garantir-lhes uma subsistência autônoma no
futuro,278 visto que com a proclamação da República, o Estado, não tendo
mais obrigações com a Igreja e suas congregações, obriga a instituição
buscar recursos próprios para a construção de seus templos.
Em 1892, a Igreja envia para a colônia Caxias D. Claudio José Ponce
de Leão, terceiro bispo de Porto Alegre, que inconformado com situação da
religião e do clero bateu às portas de todas as ordens e congregações
religiosas do velho mundo solicitando padres aos bispos seus colegas. 279
Na primeira visita pastoral, D. Ponce de Leon fez chegar à colônia os
princípios da “romanização”. Uma das principais determinações do bispo,
que ao chegar encontrou a cidade dividida politicamente, proibia todo e
qualquer sacerdote envolver-se em política ou fazer qualquer propaganda,
do púlpito ou através de cartazes, visando conseguir benefícios para a
Igreja. 280 Todavia,
ao contrário do que propunha a “romanização” da Igreja na região, os sacerdotes, tanto religiosos quanto do clero secular, passaram a envolver-se na política estadual e municipal, sendo responsáveis por incidentes bastante
278 Ibidem, p. 242. 279 Idem.
280 ALVES, E.R. Op. cit., p. 49.
135
graves que envolveram colonos e autoridades, e colonos e clero.281
Conforme Alves, as determinações do bispo ratificam os conflitos
emergentes na comunidade, quer com os carbonários e maçons, que
tendiam a crescer em número de adeptos com as idéias positivistas,
ganhando campo no governo republicano, quer entre os próprios religiosos,
leigos ou seculares, que disputavam liderança na comunidade.282
No entanto, como refere Giron, a fé que movia a zona rural, não tinha
a mesma força na zona urbana. Se na zona rural habitavam imigrantes
italianos agricultores, nos núcleos urbanos a população era mais
cosmopolita. Além disso, existia entre seus habitantes maçons, mazzinistas,
anarquistas e até comunistas. Essa diversidade de posições políticas e
credos rompia a supremacia da Igreja.283
Portanto, no município, se estabeleceu um conflito entre a
administração republicana, associada ao positivismo e à maçonaria e a elite
católica, que mobilizou os imigrantes católicos, especialmente da zona rural,
contra uma administração dependente que frequentemente não dava
atenção aos interesses dos colonos. Para Alves, a Igreja passa a assumir
parte desse papel político, o que lhe conferiu um papel de formadora de
281 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 52. 282 ALVES, E.R. Op. cit., p. 49. 283 GIRON, L.S. As Sombras do Littorio... Op. cit., p. 53.
136
uma elite representante do grupo italiano católico e ela própria, também,
passou a representar esse grupo. 284
Esse episódio autoriza a entender que os colonos, em sua maioria,
aderiam as posições assumidas pela elite católica local, diferentemente da
zona urbana.
Assim, a sezione italiana do jornal republicano A Resistência,
procurava “alertar” a “pobre gente” da “exploração religiosa” a que estava
submetida, pois, os “pobres colonos” eram “valorosos, porém inconscientes”.
Complementavam afirmando que os assisistas
abusam da vossa fé religiosa e a exploram, caluniando o atual governo, eles abusam da vossa ignorância política e em benefício próprio e exclusivo apresentam o seu candidato como o novo messias portador de riquezas, de paz, de bem-estar, de felicidade.... 285
Diziam que os assisistas, especuladores da liberdade, não sabendo
mais à que recorrer, demonstravam uma imbecilidade patente ao pregar que
o Dr. Borges de Medeiros, por ser um acirrado defensor da teoria positivista
era um inimigo da religião cristã. E mais, que depois de terem os
adversários, exaurido todos recursos, atacaram odiosamente e vilmente a
veneranda pessoa do reverendo D. João Becker, arcebispo do Estado.286 O
284 ALVES, E.R. Op. cit., p. 61. 285 “Essi abusano della vostra fede religiosa e la esplorano, calunniando l’attuale governo;
essi abusano della vostra ignoranza politica e ne profittano a proprio ed esclusivo vantaggio presentando il loro candidato qual novello Messias portatori dio richezza, di pace, di benessere, di felicitá...”. A Resistência. Caxias do Sul, 9-11-1922. p. 1.
286 A Resistência. Caxias do Sul, 22-11-1922. p. 3.
137
jornal de Assis Brasil, diziam os republicanos, vendo que perde terreno em
todo o Estado insulta a figura do arcebispo chamando-o de “péssimo
cidadão, péssimo religioso, péssimo sacerdote” e outras ofensas mais. 287
Durante este período de intensa agitação política, Gobbato estivera
envolvido com a publicação da 2a edição do Manual do Viti-Vinicultor
Brasileiro que ficou pronto em novembro do 1922. O Correio do Povo
anunciava a chegada do Manual:
Está no prelo, devendo sair por todo o mês de janeiro entrante, das
oficinas gráficas da Escola de Engenharia, o Manual do Viti-Vinicultor
Brasileiro, do nosso colaborador dr. Celeste Gobbato, que, dedicando-se há
longos anos ao estudo das coisas de nossa agricultura e das nossas
indústrias rurais, escreve sobre elas com real proficiência através de seus
artigos frequentemente publicados nas colunas desta folha.288
Gobbato continuava a fazer suas viagens pelo Rio Grande do Sul
como professor do Ensino Ambulante de Agricultura e mantinha seus artigos
na Egatéa e no Correio do Povo, como foi visto anteriormente. Em outubro
de 1922 Gobbato esteve no município de Barra do Ribeiro realizando
conferências e visitando pomares e granjas.289 Em novembro do mesmo
ano, esteve em Taquari, Roca Sales, Encantado e Estrela;290 além de ter
287 Idem. 288 Correio do Povo. Porto Alegre, 17-12-1922. 289 Correio do Povo. Porto Alegre, 22-10-1922. 290 O Paladino. Estrela, 9-11-1922.
138
visitado as colônias em Guaporé e Serafina Corrêa. 291 Em dezembro voltou
aos municípios de Santa Cruz, Encruzilhada e Rio Pardo.292
Em 25 de novembro de 1922 realizou-se a eleição. Borges de
Medeiros foi declarado vencedor em meio a protestos dos adversários que
sustentavam que Borges não havia atingido os votos de três quartos do
eleitorado, como previa a Constituição Rio-Grandense em caso de
reeleição.
A facção oposicionista acreditava que o povo havia levado às urnas o
nome de Assis Brasil, que o povo o desejava como presidente, mas
alegavam que
a máquina borgista estava preparada. Até às 24 horas do dia das eleições, em todas as mesas eleitorais do Estado, a vitória de Assis Brasil se elevava à belíssima média de 70% sobre a de Borges de Medeiros, todavia, ao amanhecer, quando foram encerrados os trabalhos eleitorais, viu o povo, com surpresa, que havia sido ludibriado nos seus direitos, por isso Borges de Medeiros estava vencedor.293
No dia 25 de janeiro de 1923, no discurso de posse para o quinto
mandato, Borges disse: A vitória foi completa, o inimigo tombou. Não era
bem essa a realidade e, no mesmo dia, iniciou uma série de levantes
regionais, espalhados pelo interior. 294
291 Correio do Povo. Porto Alegre, 18-11-1922. 292 A Federação. Porto Alegre. 17-12-1922.
293 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 6. 294 LOVE, J.L. Op. cit., p. 219.
139
Um dia antes da posse de Borges, o deputado Arthur Caetano, do
Partido Federalista, enviou de Carazinho um telegrama para o presidente da
República Arthur Bernardes, pedindo apoio federal diante da revolução que
se anunciava. Relatava a situação de desespero criada pelo borgismo
compressor e sanguinário que naquele dia havia transformado a região
serrana em vasto acampamento militar:
Quatro mil cidadãos levantaram-se hoje, no dorso destas cochilhas, protestando de armas na mão contra a usurpação do tirano. Sobre passo fundo caíam diariamente as cóleras da ditadura porque Passo fundo foi o baluarte do bernardismo no Rio Grande do Sul. Não correrá mais sangue se o ditador renunciar incontinente o seu falso mandato ou se V.Ex. desdobrar sobre as nossas plagas infortunadas, as garantias constitucionais que nos falecem, integrando o Rio Grande no concerto da federação brasileira. 295
Na análise de Love, as possibilidades
de derrota ou de derrubada do PRR nunca haviam sido tão grandes nos seus 30 anos de poder.(...) Bernardes, que deveria tomar posse 10 dias antes da eleição no Rio Grande do Sul, provavelmente não teria esquecido a rejeição de Borges a sua candidatura. Uma vantagem final para os libertadores residia em que a vitória de Borges teria de ser esmagadora, já que a Constituição Estadual estabelecia que um Governador, pretendente à reeleição deveria obter 75 por cento dos votos. Essa exigência significava ser provável a ampla utilização da fraude, motivo suficiente para uma revolta capaz de provocar uma intervenção federal”.
Nas eleições para presidente da República, Borges de Medeiros
havia apoiado o candidato da oposição, Nilo Peçanha. Assis Brasil, por sua
295 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 7.
140
vez, apoiou Arthur Bernardes, e por isso acreditava na obtenção de apoio
federal, e se necessário, uma intervenção.
A eleição de 22 foi a primeira disputa governamental contestada no
Rio Grande do Sul, desde 1907, e surgiram acusações de fraude dos dois
lados. Rumores de uma revolução contra Borges haviam precedido a
eleição e a violência, com duas mortes, irrompeu em Alegrete quando se
anunciaram os resultados. Se Borges conseguira ou não a maioria exigida
era algo a ser resolvido por um Tribunal de Honra, a exemplo do que
ocorreu nas eleições federais. Foi através de uma comissão formada por
três deputados estaduais que, em dezembro, começou a apuração dos
votos. Os libertadores, por sua vez, não estavam representados nela. A 17
de janeiro a comissão declarou que Borges havia alcançado uma votação
de 106 mil votos contra 32 mil para Assis Brasil. A Assembléia pronunciou
Borges reeleito. 296
Alegando fraude e contando com a intervenção do governo federal,
os libertadores pegaram em armas e teve início mais uma guerra civil em
território gaúcho. Depor Borges, tirar os republicanos dos cargos e anular a
Constituição Positivista, eis o que pretendiam os rebeldes.297
296 LOVE, J.L. Op. cit., p. 218-9. 297 Ibidem, p. 221.
141
A intervenção federal aspirada pelos revoltosos não aconteceu. O
governo federal preferiu defender a legalidade, sustentando a autoridade de
Borges. A revolução, espalhando-se pelo interior, atingiu a região colonial.
Em Caxias, O Democrata veiculava o fato de que um eleitor
governista havia votado 55 vezes em Borges. Outra denúncia teria partido
do próprio escrivão do segundo distrito do município, Jacob Callegari, que
relatou ter presenciado a colocação em uma urna de um pacote com 514
chapas assinadas.?!!. 298 Para a folha assisista estes eram apenas alguns
dos fatos que comprovavam o que foi a tragicômica eleição presidencial
deste município pois, alegava, não faltaram aqui os lances quixotescos e os
arreganhos armados da Brigada Militar e dos capangas sustentados pelo
regulo da municipalidade. 299
A questão dos impostos foi mais uma vez utilizada pela corrente
oposicionista durante a guerra civil em Caxias. A exemplo do que ocorreu
durante as revoltas caxienses, pregaram a greve econômica. Os
libertadores, através de um manifesto, aconselhavam que
não se contribuísse de modo algum para os cofres do Estado e do município, por meio de impostos ou outras quaisquer contribuições, a exemplo do que se está fazendo em Porto Alegre, e em outros municípios do interior, visto que o governo do sr Borges de Medeiros não é legalmente constituído, não merecendo a nossa confiança e o nosso apoio pecuniário.300
298 O Democrata. Caxias do Sul, 20-12-1922. p. 1. 299 Ibidem, 27-12-1922, p. 1. 300 O Democrata. Caxias do Sul, 7-2-1923. p. 2.
142
A alegação desta vez era que o dinheiro seria usado pelos membros
despóticos do governo Borges para pagar os capangas com os quais
tentarão mais uma vez, amordaçar a nossa consciência, exercendo toda a
espécie de perseguições. E completavam: Não armemos os braços que
amanhã nos virão massacrar em plena rua, num atentado flagrante contra
as nossas legítimas e sinceras aspirações de liberdade, de paz e de
trabalho”. 301
A atitude dos assisista, segundo a folha, não significava apenas um
protesto contra a conservação de Borges no poder, mas também era um
meio eficaz de impedir o governante de gastar o dinheiro público com a
compra de armas e munição, bem como com a criação de regimentos da
Brigada Militar e corpos de civis.
Ocorreu que o manifesto foi apreendido pelo intendente Penna de
Moraes, dentro das próprias oficinas gráficas da Livraria Mendes, o que foi
entendido pela oposição como uma verdadeira arbitrariedade do ditador
local. O modo de agir do intendente levou a folha assisista veicular que
existe em Caxias um verdadeiro ‘estado de sítio’ e, que a facção assisista
aqui domiciliada, vive sofrendo toda a sorte de perseguições por parte das
301 Ibidem, 7-2-1923, p. 2.
143
autoridades locais.302 O manifesto foi considerado subversivo e insultuoso
contra os poderes constituídos, daí sua apreensão.
Além de contar com o apoio dos intendentes, Borges tinha a seu
favor a Brigada Militar e os corpos provisórios, embora houvesse no interior
da corporação alguns descontentes.
Em Caxias, O Democrata publicava carta de um oficial da Brigada
Militar onde apelava para os seus companheiros não aderirem à luta, como
mostra o seguinte texto:
antes que nossos chefes nos mandem para o campo da luta, a combater contra os nossos irmãos, devemos ficar em casa, ou fugir, pois ser desertor neste caso é mais cabível do que manchar as nossas mãos com o sangue dos nossos parentes, ainda mais defendendo um absurdo de quem nos olha com desprezo e nos encara com nojo como o dr. Borges de Medeiros. E não é só isso camaradas! O Exército virá sobre nós e seremos fatalmente derrotados, porque com esta minúscula Brigada não se pode afrontar a força maior como é o Exército.303
Contudo, nas palavras de Love, o indicativo era que esta destinava-se
ser uma luta desigual: Borges tinha condições de mobilizar cerca de 12.000
homens, dos quais 3.500 homens da Brigada Militar, mais aproximadamente
8.500 homens dos corpos provisórios. 304 Quanto aos libertadores,
só podiam reunir metade desse número e seu equipamento era bastante inferior. Em alguns casos, os libertadores copiaram os seus pais federalistas de 1893-95, organizando
302 Idem. 303 A carta foi publicada originalmente no Última Hora. O Democrata. Caxias do Sul, 24-1-
1923, p. 1. 304 LOVE, J.L. Op. cit., 220-21.
144
formações de lanceiros que tiveram de enfrentar metralhadoras das forças legalistas”. 305
Quanto à estratégia, os rebeldes procuravam conservar a guerra
ativa, movimentando-se com rapidez e evitando o combate, na esperança
de uma intervenção do governo federal.306 A luta dos rebeldes valeu-lhes a
simpatia e o respeito de muitos oficiais do Exército regular fixados no RS,
que ocasionalmente lhes forneceram armas e outros materiais.307
Assim como na campanha, durante a revolução as folhas
republicanas e libertadoras, procuravam confundir a população através de
notícias de caráter ambíguo. O Brasil culpava os assisistas pelas bombas de
dinamite que seguidamente explodiam na cidade, causando apreensão na
população. O Democrata se defendia, afirmando que sabia de fonte segura
que as bombas foram atiradas pelas próprias patrulhas da municipalidade
afim de incriminar os adversários, e justificar algum atentado no futuro. 308
Para os assisistas a imaginação dos governistas era tanta que
chegaram ao ponto de simular uma prisão de rebeldes em pleno centro da
cidade como forma de impressionar a população. A versão da folha é a
seguinte:
305 Idem. 306 Idem. 307 O Democrata. Caxias do Sul, 14-3-1923. p. 2.
308 Idem.
145
“(...) foi visto com surpresa por todos quantos saíam da matiné do Apollo, passar um polícia repontando, calma e fleumaticamente, oito presos. Houve quem afirmasse tratar-se de uma comédia:(...) os ‘presos’ teriam sido previamente contratados e inteirados de seu papel, reunir-se-iam em um determinado ponto ou botequim; fariam talvez alguma baderna, chegando nessa ocasião o predestinado (ou designado) polícia, que lhes deu a voz de ‘teje preso’, em nome da lei. Coincidiu de passarem pelo Apollo justamente quando o povo saía”.309
Com ironia, acrescentava: Com semelhante polícia, da qual um só
soldado prende oito desordeiros de uma bolada, quem seria capaz de
aproximar-se da Intendência??. 310
Carreiras de cavalos pelo centro da cidade também eram freqüentes.
Numa ocasião, lá pelas oito horas da noite, ouviu-se o galopar de cavalos
ferrados, que vinham da rua Visconde de Pelotas, montados por policiais, os
quais se dirigiram pela rua Júlio de Castilhos, voltando logo depois com dois
‘presos’.311 Outra vez o Democrata dizia tratar-se de um novo programa do
ditador local para impressionar as pessoas.
Notícias de uma investida das tropas oposicionistas contra a
intendência completavam o clima de intranquilidade. A folha republicana
respondia:
Apesar dos boatos que insistentemente circulam, enchendo a população de dúvidas e apreensões, a situação política do nosso município continua sendo normal. (...)As autoridades locais estão prevenidas e aparelhadas para qualquer
309 O Democrata. Caxias do Sul, 25-4-1923. p. 1. 310 Idem.
311 Idem.
146
eventualidade ou sortida que os bandoleiros do patrão Arthur Caetano e do fujão Assis Brasil, por ventura, tentem contra esta cidade, com fins que o nosso comércio não deve ignorar. 312
Boatos!?, questionava O Democrata, corre como certo que o
coronel...não mais voltará a assumir o cargo de intendente municipal,
estando já indicado para o cargo de diretor da Biblioteca Pública, em Porto
Alegre. Será um fato, ou um boato simplesmente. O tempo nô-lo dirá.313 O
fato é que o intendente completou o seu mandato, e só então voltou para
Porto Alegre.
Sabe-se que o grupo dos comerciantes e industrialistas, que
constituía a maioria do Conselho Municipal, encontrava-se dividido, o que
transparece com as informações do próprio Conselho. De 16 de novembro
de 1922 a 23 de janeiro de 1923 houve apenas uma sessão extraordinária,
com a ausência de alguns conselheiros, sendo que um havia renunciado.
Na ocasião, o intendente coronel Penna de Moraes adiou a prestação de
contas para a próxima sessão, adiantando que para manutenção da ordem,
tivera de elevar efetivo da Guarda Municipal a 26 praças e que enfrentara
essa despesa com o excesso de arrecadação.314 A Lei do Orçamento de
1922 foi prorrogada e o Conselho só voltou a se reunir no dia 4 de agosto de
23, para tomar conhecimento da nomeação de Protásio Alves a vice-
presidente do Estado. A nomeação foi aprovada e as sessões ordinárias só
312 O Brasil. Caxias do Sul, 10-3-1923. p. 1. 313 O Democrata. Caxias do Sul, 11-4-1923, p. 2.
147
voltam a acontecer a partir de 15 de novembro em meio a ausências, da
qual as atas não dizem as razões mas que pode se tratar de renúncias.315
São realizadas novas eleições para completar o quadro e dar continuidade
aos trabalhos, que recomeçaram em 4 de dezembro.
O clima de violência com mortes não tardaria a chegar em Caxias. No
dia 11 de fevereiro, em Ana Rech, ao meio dia, Pedro e José Biondo, 16 e
18 anos, voltavam da missa quando foram interpelados por soldados da
Brigada Estadual para que entregassem as armas que possuíam. Os
rapazes não acataram as ordens. É claro que a partir daí, cada folha deu
sua versão sobre o caso. Para os republicanos, os rapazes, ao tentar fugir,
atiraram primeiro, não restando outra alternativa para os policiais que não
fosse revidar.316 Para os assisistas, os rapazes teriam sido assassinados
covardemente, pois eram declaradamente simpáticos a Assis Brasil.317 Os
republicanos acusavam os assisistas de estarem explorando politicamente o
caso. O que realmente pode ter acontecido, visto que a mãe dos rapazes,
Maria Novello Biondo, enviou um telegrama ao presidente da República,
Arthur Bernardes, pedindo providências já que, argumentava ela
este crime é mais um da série de que o governismo vem praticando neste município a fim aterrorizar população já alarmada por uma série violências entre quais atentados contra Vicente Teixeira, Olympio Rosa, assassinado
314 GARDELIN, M. Op. cit., p. 55-6. 315 Idem.
316 O Brasil. Caxias do Sul, 17-2-1923. p. 2. 317 O Democrata. Caxias do Sul, 28-2-1923. p. 1.
148
Waldomiro Martini e outros ocorridos dentro pouco tempo e após agitação política estado.318
Na região serrana, à frente dos revolucionários estavam o coronel
Felipe Portinho, que havia participado da revolução de 1893 e o deputado
Arthur Caetano da Silva, representante federalista na Assembléia.
Conta a história de São Marcos que graças ao inverno rigoroso, com
muita chuva, fez diminuir os combates na serra, que se reativaram com a
chegada do mês de setembro. No dia 6 de setembro, no Passo das Antas,
entre Criúva e São Manoel, houve o combate entre as forças assisistas,
comandadas pelo capitão Mariano Pedrodo de Moraes e os borgistas,
comandados pelo coronel Caetano Reginatto. Os borgistas tiveram trinta
baixas. A vitória dos assisistas garantiu-lhes acesso a São Marcos (distrito
de Caxias), de onde avançariam para Nova Trento, Antônio Prado, Garibaldi
e Bento Gonçalves. “No dia 10 de setembro, os assisstas tomaram São
Marcos e se entricheiraram num morro próximo à vila, morro do Justin
Soldatelli, ao lado da estrada que leva a Zambeccari”.319 Conforme Rizzon e
Possamai, em São Marcos predominavam os assisistas, mas em Criúva e
São Francisco de Paula, as adesões à Assis Brasil eram quase totais.
318 O telegrama foi publicado no O Democrata dia 28-2-1923, p. 1.
319 RIZZON, L.A.; POSSAMAI, O.J. História de São Marcos. São Marcos: Editora dos
Autores,1987. p. 201.
149
Segundo estes autores, Adolfo Fortunatti, um temível assisista, maragato de
primeira linha, com sua turma espalhava o medo entre os colonos. 320
Os autores contam que no dia 23 de setembro um esquadrão
comandado pelo Major José Nicolleti Filho, que agora combatia do lados
dos republicanos, chegou a Caxias. As forças governistas se alojaram no
centro da povoação de São Marcos, e começaram os tiroteios. A população,
apavorada, fugia para as colônias, procurando abrigo em casas de
conhecidos e amigos. 321 Pelos dados dos autores, não houve mortes nestes
combates, mas muitos feridos e perdas econômicas:
Embora não tenham ocorrido as matanças e crueldades da revolução de 1893, houve muito prejuízo na colônia São Marcos. Além da paralisação total das atividades econômicas, quase todas as famílias foram obrigadas a entregar cavalos e vacas. Primeiro vinham uns, depois vinham os outros e levavam o que queriam. Ninguém podia opor-se. As ameaças, o terror, o medo e as pressões reinavam à solta. 322
No dia 2 de outubro aconteceu o combate no Passo do Zeferino que
separa, pelo rio das Antas, Caxias de Antônio Prado. Embora poucas
tenham sido as vítimas, dois republicanos, o combate foi muito violento. 323
Após vencerem a batalha no Passo do Zeferino, os assistas
avançaram até Nova Trento. No dia 14 de outubro, foi gravemente ferido o
320 Ibidem, p. 202. 321 Ibidem, p. 201.
322 Ibidem, p. 202. 323 Idem.
150
jovem assisista Quintino Biazus, que morreu no Hospital da Cruz Vermelha
no dia 16. O enterro do jovem foi acompanhado de um cortejo fúnebre com
mais de três mil pessoas.
Os assisistas prosseguiram e tomaram Garibaldi no dia 31. No dia 3
de novembro, entraram vitoriosos em Bento Gonçalves. No mesmo dia,
tendo à frente Adolfo Fortunatti, os assisistas entraram em Caxias pelos
matos próximos ao campo do Esporte Clube Juventude e iniciaram um
tiroteio com as forças do coronel Franklin Cunha e do Major Nicoletti. Na
ocasião morreu o temível revolucionário são-marquense Adolfo Fortunatti.
Conta o memorialista caxiense, o barbeiro João Spadari Adami, que no dia
seguinte, enquanto era conduzido ao cemitério, com grande
acompanhamento, o cortejo fúnebre foi dispersado pelos borgistas e
roubaram o caixão com o cadáver.324
Rizzon e Possamai colheram uma série de depoimentos de pessoas
que viveram os acontecimentos da época. Um deles é particularmente
importante, pois trata-se do Padre Henrique Compagnoni, da paróquia do
sexto distrito de Caxias (São Marcos).
Padre Henrique conta que foi atacado por bandoleiros chefiados por
Fortunatti. Leopoldo Zaldo, com barba vermelha, veio enfrentar o padre.
324 Ibidem, p. 203.
151
Incitou-o a convidar os fiéis que comparecessem à missa para pegar em
armas e derrubar o infame Borges de Medeiros. O padre procurou mostrar
que deveria manter a neutralidade. Mas Zaldo respondeu que neutralidade
era sinônimo de cumplicidade, e referiu-se a Borges. Para se livrar, o padre
apertou a mão e disse: Pois bem, farei tudo isso. O religioso, por ter bom
relacionamento com as autoridades locais, foi visto como partidário. Os
assisistas, disse ele, Queriam que os padres da Comarca de Caxias
declarassem guerra aberta ao coronel Penna de Moraes. Mas me mantive
tranquilo, pois não queria que houvesse injustiças de nenhum dos lados. O
padre, no entanto, relatou que: houve, em outros lugares, padres que se
manifestaram. Até vivas ao Assis Brasil deram.325
O depoimento de um ex-revolucionário, Leôncio Batista Azevedo, tido
como responsável pela explosão das bombas em Caxias, reforça a versão
do anterior, de que os padres estavam divididos. Os padres, relatou ele,
vendo muita injustiça, falavam. Não tinham medo. Um exemplo é o padre Polezzo. Ele acompanhava a turma. Chegaram a bater nele. Levou tiro. Depois escapou e foi bater em São Marcos. Ele era assisista declarado, isto é, ao lado do povo. Usava lenço no pescoço. Os padres de São Marcos não se meteram, mas o padre Polezzo só não se meteu em briga. Ele ia em caravana para votar em São Francisco. No aniversário de criação do município de São Francisco, fizeram uma grande festa e o padre foi também. Eram todos maragatos. Foram festejar, mas de lenço maragato. 326
325 Ibidem, p. 203-4. 326 Ibidem, p. 208.
152
Em novembro a revolução se encaminhava para o final. O presidente
da República Arthur Bernardes havia afirmado que só interviria para discutir
um armistício, o que fez ainda em abril, enviando um emissário oficial a
Porto Alegre. Não obteve êxito. Segundo Love, no mês de junho, Bernardes
começou a pressionar Borges para que fizesse concessões aos libertadores,
novamente sem resultados imediatos.327 O arcebispo metropolitano, D. João
Becker328, também não obteve êxito em sua investida de paz. Em novembro,
o presidente enviou ao Rio Grande do Sul seu Ministro de Guerra, general
Setembrino de Carvalho, para servir de mediador. De acordo com Love,
Setembrino chegou ao Rio Grande sabendo que Borges estava finalmente decidido a estabelecer negociações com Assis Brasil. Nos primeiros estágios dos entendimentos, as questões ainda não estavam claramente definidas. Muitos rebeldes exigiam a renúncia do ‘Chimango’. As questões remanescentes diziam respeito a várias disposições da Constituição do Estado que concentravam o poder nas mãos do Governador.329
A revolução de 1923 terminou com a assinatura do Pacto de Pedras,
na madrugada do dia 14 de dezembro, cujo conteúdo assinalaria o início de
uma nova fase para os destinos políticos do Rio Grande do Sul. Da sede de
sua granja em Pedras Altas,
Assis Brasil dirigia as negociações para os libertadores. Setembrino, também em Pedras Altas, transmitia
327 LOVE, J.L. Op. cit., p. 222. 328 Na ocasião, D. João Becker “Teria estabelecido contato com os revolucionários e no
auge da guerra civil feito uma viagem ao Rio de Janeiro, onde teria conseguido que os jornais começassem a festejá-lo como mediador da luta no Rio Grande do Sul. A partir desse momento, Becker se teria atirado de corpo e alma à construção do ‘catolicismo político’. GERTZ, R.E. D. João Becker e o Nacionalismo. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, 1999. p. 157. Série História. Estudos Leopoldenses.
329 LOVE, J.L. Op. cit., p. 223.
153
informações a Borges em Porto Alegre, e pressionava ambas as partes a terminarem a guerra. (...) Os libertadores não conseguiram a deposição de Borges, mas conseguiram a limitação de sua autoridade.330
As cláusulas do acordo331 estabeleciam basicamente: a reforma do
artigo 9O da Constituição, proibindo a reeleição do presidente para o período
presidencial imediato. Idêntica disposição quanto aos intendentes,
adaptação às eleições estaduais e municipais da legislação eleitoral federal
e que o vice-presidente será eleito ao mesmo tempo e da mesma forma que
o presidente. Se, por qualquer causa, o vice-presidente suceder ao
presidente antes de decorridos três anos do período presidencial, proceder-
se-á a eleição dentro de sessenta dias. Idêntica disposição aos vice-
intendentes.
3.2 MISSÃO PENOSA EM CAXIAS DO SUL
Em janeiro de 1923, Celeste Gobbato recebeu o título de membro
honorário do Instituto Agrícola Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro. O título
foi-lhe conferido em função dos serviços que este agrônomo vem prestando,
há anos, à agricultura nacional.332
330 Idem. 331 Álbum dos Bandoleiros. Op. cit., p. 8.
332 Correio do Povo. Porto Alegre, 6-1-1923.
154
De acordo com uma das cláusulas do Pacto de Pedras Altas
deveriam se realizar em todo o Estado rio-grandense, no dia 3 de maio de
1924, as eleições para deputados federais e a renovação de um terço do
Senado da República, onde concorria à reeleição o senador republicano
João Vespúcio de Abreu e Silva e o democrata Assis Brasil.
O resultado das eleições para os republicanos foi desastroso no 1O
distrito eleitoral, do qual Caxias fazia parte. A oposição venceu com larga
diferença: os republicanos obtiveram 1.023 votos e os “ba-ta-clans”, como
eram chamados os oposicionistas, 1.790 votos. Os municípios onde a
oposição venceu são: Caxias, 756 votos a favor da oposição; Alfredo
Chaves, 234; Garibaldi, 83 Guaporé, 7; Encantado, 84 Caçapava, 82;
Cangussú, 472; São Gabriel 142; Camaquã, 10; e São Sepé, 33 votos a
favor da oposição.
Caxias foi o município onde a oposição obteve maior diferença de
votos a seu favor. Dos 72 municípios que constituíam o Estado, em 11 deles
os coligados na Aliança Liberal venceram. A zona colonial italiana, com
Caxias à frente, contribuiu para que fossem eleitos no 1O distrito três
deputados da oposição: Wenceslau Escobar, Plínio Casado e Lafayette
Cruz.
O jornal republicano O Brasil justificava a derrota noticiando que
apesar de haverem intervindo no pleito elementos cuja ascendência moral sobre os colonos é notável, pelo notório fanatismo de que eles são possuídos, (...) diante de vários fatores daquela ordem que contribuíram para que o
155
elemento colonial fosse engazopado mais uma vez, o resultado, para os republicanos, não foi decepcionante, ainda mais atendendo-se a que os libertadores locais haviam prometido ao sr. Assis Brasil 2.500 votos!. 333
Se nas eleições para presidência do Estado em 1922 pairavam
dúvidas quanto ao resultado oficial da votação, devido às denúncias de
fraudes, ficava evidente neste momento que em Caxias havia se formado
um foco de oposição significativo ao governo de Borges de Medeiros. A
Pérola das Colônias não se desenvolvia apenas economicamente; o grupo
dos colonos italianos, entre os quais a intelectualidade católica estivera
agindo,334 fazia-se presente no cenário político gaúcho como uma ameaça à
hegemonia do PRR local. O próximo desafio para os republicanos seria a
renovação da administração municipal.
Preocupados com a situação em Caxias elementos políticos de
destaque da cidade haviam solicitado a ajuda de Borges no sentido de
organizar a nova administração do município, visando os interesses da zona
colonial e a apaziguação dos espíritos ainda latentes. Para atender aos
apelos, Borges enviou para Caxias como seu delegado, Otávio Rocha, que
segundo A Federação, deveria auscultar os sentimentos da maioria dos
nossos amigos e dos homens de responsabilidade local.335
333 O Brasil. Caxias do Sul, 10-5-24. p. 1.
334 ALVES, E.R. Op. cit., p. 82. 335 O texto foi originalmente publicado em A Federação dia 23-07-1924. O Brasil. Caxias
do Sul, 27-7-1924, p. 1.
156
Nesse meio tempo, notícias sobre a publicação do folheto Cultura da
Vinha, de autoria de Celeste Gobbato, chegavam a Caxias. Para O Brasil, o
professor da Escola de Engenharia de Porto Alegre sempre tratou com
proficiência e carinho da viti-vinicultura, assunto de real interesse,
especialmente para a nossa região. 336
Pouco depois, noticiava o mesmo jornal que a Escola de Engenharia
de Porto Alegre,
que muito tem contribuído para o progresso do Rio Grande, acaba de incumbir o hábil professor Dr. Celeste Gobbato de visitar os principais estabelecimentos deste município, para ministrar aos respectivos proprietários instruções acerca da cultura da videira e do preparo do vinho. 337
Não é preciso encarecer esta iniciativa, continuava a folha,
basta dizer que ficou dela incumbida o Dr. Celeste Gobbato para que se possa avaliar os resultados que seguramente advirão para a nossa indústria vinícola. O dr. Gobbato é autor do Manual do Viticultor Brasileiro, baseado em estudos feitos pelo autor em nosso meio agrícola e industrial. 338
336 O Brasil. Caxias do Sul, 26-01-1924. p. 2.
337 Ibidem, 11-03-1924. p. 1. 338 Idem.
157
É deste modo, complementava O Brasil, mas unicamente deste, sem
lenços encarnados e sem exibições grotescas, que se há de impulsionar o
progresso do Rio Grande e salvá-lo de cair em pior situação. 339
Iniciavam-se as articulações políticas para a campanha intendencial
em Caxias, cujas eleições deveriam se realizar no dia 12 de agosto.
A Aliança Libertadora havia lançado o nome do Cônego Meneguzzi
como candidato à intendência de Caxias. Para a folha republicana, os
oposicionistas não queriam o vigário como intendente, apenas desejavam o
seu nome de sacerdote, como bandeira da mais torpe exploração política.340
Diziam os republicanos que sabiam de fonte segura que o vigário não havia
consentido na indicação de seu nome, acordando completamente com o
ponto de vista esboçado pelo Arcebispo Metropolitano D. João Becker.341
Divergências entre membros da Igreja Católica já se evidenciavam
desde muito tempo, como foi visto anteriormente. A visita pastoral de D.
João Becker a Caxias às vésperas da campanha municipal foi importante
para o encaminhamento da questão política. A presença do arcebispo no
município, como afirma Alves, esteve voltada a uma conciliação entre a
hierarquia católica local, o grupo de italianos católicos e o PRR local. 342
339 Idem.
340 O Brasil. Caxias do Sul, 26-04-1924. p. 1. 341 Ibidem, 17-05-1924. p. 1. 342ALVES, E.R. Op. cit., p. 87.
158
O PRR local, através do Centro Republicano criado há pouco mais de
um ano, e com o apoio de Otávio Rocha, tratou da formação da Comissão
de Propaganda Eleitoral que ficou constituída de trinta e nove membros, em
sua maioria comerciantes e industrialistas, como Adelino Sassi, Abramo
Eberle, Miguel Muratore, David Andreazza, e Ettore Pezzi.
Na próxima ida a Caxias, Otávio Rocha foi acompanhado de Celeste
Gobbato, que a essas alturas já era o nome do PRR para o cargo de
intendente de Caxias.
O nome de Gobbato, que até este momento aparecia nos jornais
vinculado ao ensino na Escola de Engenharia, agora, surge vinculado ao
PRR, como mostra a seguinte nota de O Brasil:
Conforme está já no conhecimento do público, a convite de influentes proceres do nosso partido vieram a esta cidade, a fim de tratarem do problema da sucessão intendencial deste município, os nossos ilustres amigos dr. Otávio Rocha e dr Celeste Gobbato, aquele, como representante do egrégio chefe do nosso partido, dr. Borges de Medeiros.343
Otávio Rocha foi o homem de confiança de Borges responsável pelo
encaminhamento da sucessão intendencial em Caxias. Na terceira reunião
da Comissão houve o acordo entre os republicanos e o grupo de dissidentes
filiados à Aliança Libertadora Caxiense.344 A chamada “chapa de
conciliação” ficou assim composta: para intendente: Dr. Celeste Gobbato,
343 O Brasil. Caxias do Sul, 27-07-1924. p. 1. 344 ALVES, E.R. Op. cit., p. 91.
159
professor de Agronomia; para vice-intendente Abramo Eberle, industrialista;
para conselheiros Orestes Manfro, industrialista, Armando Antunes,
industrialista, Angelo Antonello, comerciante, Alexandre Zaniol, comerciante,
Antônio Pieruccini, industrialista, Angelo de Carli, comerciante, e Leonel
Mosele, industrialista. A chapa foi aprovada por cinqüenta votos contra
doze.345
Sobre os nomes que figuravam na chapa de conciliação, O Brasil
dizia-se desobrigado de analisá-los. Quanto ao futuro intendente a folha se
manifestava justificando antecipadamente sobre o fato de Gobbato não
residir na cidade, conforme previa a Lei Eleitoral, e propagandeava seus
méritos:
conquanto não tenha residido neste município, o Dr. Celeste Gobbato não precisa de apresentação em Caxias; seu nome já é bastante conhecido, mercê dos relevantes serviços por ele prestados, na imprensa, aos viticultores, aos vinicultores e aos agricultores rio-grandenses. (...) É ele hoje chefe do serviço ambulante de agricultura, mantido por aquele importante estabelecimento e redator da Egatéa (...) Desempenha ainda o Dr. Gobbato uma outra importantíssima função, por si só bastante para torná-lo merecedor da estima e da gratidão de todos os brasileiros: é a função de redator da parte agrícola do “Correio do Povo”, que há vários anos está confiada a sua boa vontade e aos seus elevados conhecimentos na matéria.346
Como homem político, continuava a folha, Gobbato manteve-se
sempre de modo a conquistar a confiança da direção republicana de Porto
345 O Brasil. Caxias do Sul, 27-07-1924. p. 1.
346 Ibidem, 27-07-1924. p. 2.
160
Alegre e do chefe supremo do nosso partido, razão porque este não hesitou
em oscilar à indicação, feita por nossos correligionários.347
Embora até este momento o nome de Gobbato jamais tenha sido
lembrado como integrante de qualquer agremiação política; seu vínculo com
a Escola de Engenharia, com o Correio do Povo, com os agricultores
gaúchos, especialmente entre a comunidade italiana, e aqui o fato de
Gobbato ser italiano pesou enormemente, além do bom relacionamento que
mantinha com Assis Brasil, fazia com que ele significasse um nome de
consenso neste momento atribulado da política rio-grandense. Além do
mais, por ser católico, Gobbato angariou simpatias do clero local. Neste
sentido, concorda-se com Alves, quando esta afirma que a indicação de
Gobbato representaria o elemento de interseção capaz de atenuar o avanço
das oposições assisistas e romper com o poder luso local permitindo que a
esfera da sociedade civil e do poder político-administrativo falassem a
mesma língua.348
No dia 9 de agosto, Gobbato foi recebido na cidade com um jantar na
sede do Recreio da Juventude, onde fez seu primeiro discurso. Iniciou
dizendo que:
Nenhum merecimento e nenhum serviço prestado ao Rio Grande e à Caxias tornava-me credor duma festa tão simpática e harmônica, privilégio das populações cultas
347 Idem.
348 ALVES, E.R. Op. cit., p. 88.
161
para com os elementos forasteiros, se assim eu devo ser considerado. Longe, muito longe de mim, meus senhores, estava a idéia de poder ser um dia escolhido para candidato a intendente de qualquer que fosse a localidade. Minha vida exclusivamente ocupada na solução dos problemas agrícolas, lidando no campo, no livro, colhendo aqui o fruto da experiência para ali divulgá-lo entre agricultores, (...) pronta sempre a sugerir um melhoramento cultural para aumentar a produção da terra; incansável para responder as numerosas consultas que de todo o Rio Grande chegavam às minhas mãos; minha vida jamais pensou que pudesse chegar um momento em que ela fosse chamada à possibilidade de ocupar cargo tão elevado e tão grave, como o que o povo de Caxias parece desejar confiar-me com o próximo pleito de 12 de agosto.349
O discurso de Gobbato mostra que entre suas ambições não
constava a carreira política. Diz ter ouvido indiferente os primeiros que
cogitaram tal possibilidade, pois, repetia, as suas vistas estavam firmes
sobre a mãe pródiga, carinhosa e boa como vós, sobre a terra, sempre
pronta a retribuir com copiosos frutos as carícias mais modestas que o
homem por meio do trabalho lhe ministra. 350
Depois, continua ele,
houve verdadeiros convites de ambas as facções nas quais estava então dividida Caxias. Por fim, chamou-me à realidade, a vez do Exmo. Sr. Dr. Octávio Rocha, leal amigo de Caxias e da colônia italiana, que em nome do sr. Presidente do Estado, me convidara para candidato de conciliação ao cargo de intendente de Caxias.
Gobbato demonstra ter relutado em aceitar a candidatura, porém, diz
ele,
349 O Brasil. Caxias do Sul, 11-08-1924. p. 2.
350 Idem.
162
à insistência do convite, pus-me a raciocinar e a lembrar os múltiplos deveres que o homem tem para com a sociedade; e, então, pondo à margem os interesses egoísticos, morais e materiais que uma capital proporciona em comparação a qualquer outra cidade do interior, e, convencido de que o alvitre do Sr. Presidente do Estado, desejado e apoiado por todas as classes conservadoras de Caxias, era também uma demonstração tangível de benevolência e de consideração para com a coletividade italiana do Rio Grande, dentro da qual escolhia um elemento (...) à administração dum município em grande parte povoado por gente de sangue italiano, vi então que meu dever era assentir na minha indicação para, modestamente, contribuir a dar a Caxias a paz e a sólida união entre todos seus elementos produtores, que em menos de 50 anos, o tornaram o município entre os de mais prestígio econômico do Estado. 351
Gobbato definia o lema da futura administração municipal: Tudo pela
paz, pela ordem e pelo progresso. Somente sob esta bandeira, dizia ele,
serão recompensados, e de sobejo, os sacrifícios de deixar nossos afazeres
e nossa carreira técnica que tanto amamos.352
Como está exposto no discurso de Gobbato, o programa da
campanha eleitoral pretendia abarcar todos os segmentos sociais do
município, já que, pelo progresso de Caxias, dizia ele,
precisamos criar, num novo ambiente moral, o laço de fraternidade entre nacionais e estrangeiros, entre os pequenos e os grandes, entre os ricos e os pobres, entre todos, enfim, que compõem a engrenagem desta imensa máquina produtora.353
351 Idem. 352 Idem. 353 Idem.
163
As principais metas a serem alcançadas pelo novo governo municipal
estavam relacionadas com a melhoria na prestação de serviços da
intendência, que nas três gestões do coronel Penna de Moraes não haviam
sido promovidas. Além da promessa da reforma tributária, especialmente o
imposto que envolvia bens imóveis, a questão dos transportes, de higiene e
saúde pública, do setor agrícola, do setor de obras e saneamento e de
urbanização completavam as promessas da campanha. 354
No dia 12 de agosto ocorreu a votação. O fato de ter havido uma
transgressão jurídica, já que a lei eleitoral exigia ao candidato à intendente
cidadania brasileira e residência no município por mais de um ano, parece
não ter influenciado no resultado. Pelo contrário, o fato de Gobbato ser
italiano pesou muito mais a seu favor do que contra. Portanto, sem
surpresas, o resultado das eleições foi o seguinte:
Zonas Eleitorais Candidatos 1a 2a 3a 4a 5a 6a Total Dr. Celeste Gobbato 199 127 100 18 137 538 1.119
Abrano Eberle 199 127 99 18 137 538 1,118
Armando Antunes 154 121 79 26 75 438 893
Angelo de Carli 127 69 45 21 78 438 776
Angelo Antonello 128 67 51 20 72 438 776
Orestes Manfro 120 65 50 21 78 438 772
Leonel Mosele 121 66 52 19 74 438 770
Antonio Pieruccini 123 68 46 20 74 438 769
Alexandre Zaniol 118 69 49 21 80 270 607
354 ALVES, E.R. Op. cit., p. 93.
164
Dr. Félix Spinato 78 30 66 6 54 60 294
Dr. Rufino Bezerra 189 171 78 18 228 270 954
Henrique Rossi 30 36 84 0 0 0 150
Quadro 6 – Resultado das eleições municipais de 1924 – Caxias do Sul
Fonte: Jornal O Brasil (22/9/1924)
O Conselho Municipal eleito em 1924 demonstra o crescimento do
poder político dos industriais; 50% dos conselheiros eram industriais, 25%
comerciantes e 25% funcionários públicos. 355
Na manhã do dia 12 de outubro, na sede da intendência Celeste
Gobbato e os novos conselheiros tomaram posse. Dirigiram-se ao Teatro
Apollo para acompanhar a leitura do programa administrativo. Chegando ao
Apollo, Gobbato encontrou o local repleto de Exma. famílias e cavalheiros,
estando também os camarotes tomados por alunos e alunas do Colégio
Elementar que lhe jogavam flores ao passar.356
355 GIRON, L.S.; BERGAMASCHI, H.E. Op. cit., p. 28. 356 O Brasil. Caxias do Sul, 18-10-1924. p. 1.
165
Figura 11 – Celeste Gobbato – Caxias do Sul, 1925
Fonte: Arquivo particular de Lydia Gobbato
Em seu discurso de posse, Gobbato justifica sua condição de italiano
nato, mas dizia-se sentir tão brasileiro quanto italiano:
Debaixo do lema universal do trabalho, não pode haver estéreis rivalidades de bairrismo e de regionalismo. Como debaixo da libérrima bandeira da “ordem e progresso”, entre os homens que trabalham, não há distinção de nacionalidade; a lei nos equipara, nos obriga aos mesmos deveres e nos concede idênticos direitos. E isto é
166
necessário que eu vos diga pela minha condição de italiano nato, chamado a este cargo elevado, que me honra extraordinariamente, não só pelo desejo e pelo apoio vosso, mas também pelo firme propósito do Ex. Sr. Dr. Presidente do Estado, de contribuir para o real desenvolvimento da fraternização italo-rio-grandense e de prestar uma homenagem, na minha humilde pessoa, à laboriosa coletividade italiana disseminada no Rio Grande do Sul. (...)se meu berço foi a Itália, se aí aprendi a balbuciar as primeiras palavras, na língua radiosa do sumo poeta, se lá meu coração e meu espírito foram educados no respeito, na obediência, no cumprimento do dever e no trabalho, se mesmo há em mim orgulho por saber-me filho da terra do direito, da justiça e da liberdade, não menor afeto nutro para com o Brasil e, principalmente, pelo Rio Grande do Sul, não só pelas gloriosas tradições de que é repleta sua história e pelas demonstrações de civismo que sempre caracterizaram seu povo, mas também porque aqui iniciei minha carreira profissional, porque conheço e amo ardentemente suas serras e suas campinas e porque, ainda encerrado neste solo sagrado se encontram, desde bem longos anos, boa parte de meus ideais, quase toda minha adolescência e toda sua felicidade! Sinto-me portanto, profundamente brasileiro....! 357
Manifestações de apreço ao novo intendente chegavam de todo o
Brasil. Mensagens como Nem só aos filhos do lugar devem estar reservadas
funções que o estrangeiro inteligente e probo pode também exercer com
inexcedível brilho,358 ou ainda O que agora me resta ainda para desejar é
que para sucessor seu na direção da Egatéa, seja escolhido alguém que
saiba manter a revista na altura que V.Ex. lhe tem conquistado, certamente
com não pequenos sacrifícios,359 ressaltam a figura carismática de Celeste
Gobbato.
357 Idem. 358 Idem. 359 Ibidem, 22-09-1924, p. 1.
167
Durante a República Velha os colonos italianos apoiaram os
maragatos, enquanto que a elite política de Caxias, formada também por
italianos ou descendentes destes e dominantes economicamente, vinculava-
se ao borgismo. A eleição do italiano Celeste Gobbato revela que o PRR
havia conseguido atenuar os conflitos na região, referendando a vontade de
Borges de Medeiros. Sobre a indicação de Gobbato, Lydia é categórica: foi
o Borges que mandou meu pai prá lá!
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Quando se percorre a trajetória de vida de uma pessoa, o seu nome,
que é norteador da pesquisa, termina por oferecer acesso a toda uma rede
de relações sociais que ele cria.
Ao destacar-se esse imigrante italiano, que deixa seu país de origem
para ser professor no Rio Grande do Sul, que percorre os quatro cantos
deste Estado levando ensinamentos sobre diferentes cultivos, que
empreende remodelações quando dirige a Egatéa, que participa
assiduamente como colaborador do Correio do Povo, que defende
insistentemente a introdução de castas finas nos vinhedos rio-grandenses,
que produz uma quantidade enorme de textos sobre a agricultura e ainda
“aceita” um cargo político como administrador público, entende-se porque
ele foi apontado como irrequieto, 36 anos após sua morte.
As anotações desse jovem estrangeiro sobre a viagem transoceânica
da Itália para o Brasil mostram um homem sensível, que confessa ter
chorado ao deixar a família, os amigos e as colinas vênetas que tanto
169
amava. Um homem que se interessa em registrar o que vê. Identifica
hábitos e valores de cada região que passa e volta sua atenção para uma
dinâmica rede de comércio internacional do qual é testemunha.
Ao chegar ao Brasil, em 1912, encontra um país que vive as
contingências do processo de modernização e industrialização. No Rio
Grande do Sul inicia suas atividades na Escola de Engenharia de Porto
Alegre, que se destacava em nível nacional como instituição pioneira do
ensino técnico-profissionalizante. Como professor, atua como agente desse
processo modernizante carregando a bandeira da "sábia agricultura" que,
para ele, era sinônimo de progresso de uma nação.
A atuação de Celeste Gobbato na Escola de Engenharia, seja como
professor, como chefe da Estação Experimental de Viamão e do Ensino
Ambulante de Agricultura, ou ainda como redator e diretor da Egatéa, lhe
trouxe um reconhecimento indiscutível entre a população das zonas rurais
do Estado e mesmo entre os políticos influentes da época. Em contato
direto com agricultores e criadores, percorrendo colônias, estâncias, granjas
e pomares, ele contribuiu para o aprimoramento de cultivos e da mão-de-
obra rural revelando um certo idealismo, o que transparece também em
seus textos.
Ao tratar de assuntos da agricultura em geral, mas da vitivinicultura
de forma especial, a produção intelectual de Gobbato é reveladora de um
discurso portador de objetivos práticos. Destaca-se como sua principal obra
170
sobre do vinho o Manual do Viti-vinicultor Brasileiro, que representa uma
importante contribuição historiográfica.
As características que marcam a ação prática de Gobbato e a sua
produção intelectual aparecem como elementos fundamentais para a sua
ascensão política. A trajetória de vida de Gobbato, da carreira técnica ao
cargo de chefe executivo de Caxias do Sul, função que, aos 34 anos de
idade, conforme depreende-se de suas palavras, ele relutou em aceitar,
demonstra que ele colocava o seu interesse pelo bem público acima do
interesse pessoal, sacrificando para isso até mesmo o convívio familiar.
Quando se trata de entender as circunstâncias que levaram o
professor Gobbato a assumir a intendência de Caxias do Sul em 1924,
verifica-se, conforme observa Norberto Elias, o quanto é pequeno o poder
individual das pessoas sobre a linha mestra do movimento e da mudança
histórica. 360
Hoje, se alguém se deparar com o nome de Celeste Gobbato numa
placa de rua do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, e se perguntar que
importância terá tido esse homem para a história, que o fez merecer essa
homenagem, se oferece esta dissertação, como uma contribuição parcial de
sua vida e do contexto em que viveu. Das janelas dos prédios da Rua
Celeste Gobbato tem-se uma visão magnífica do Guaíba, o rio que trouxe
360 ELIAS, N. Op. cit., p. 48.
171
muitos imigrantes cujos nomes podem ser um ponto de partida para futuras
pesquisas historiográficas.
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Arquivo da Escola de Engenharia de Porto Alegre
Fontes impressas
Relatórios da Escola de Engenharia de Porto Alegre
Relatório da Estação Experimental em Viamão
Relatório do Instituto de Agronomia e Veterinária
Regulamento do Instituto de Agronomia e Veterinária
Anais do 75 Aniversário da Escola de Engenharia de Porto Alegre
Publicação Oficial da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul
Solenidade Comemorativa aos 25 anos da Fundação da Escola de Engenharia de Porto Alegre
Revista Egatéa
Celeste GOBBATO. Manual Prático de Viticultura. Porto Alegre. Estabelecimento Topográfico de Germano Gundlach & Cia, 1914.
Arquivo Municipal de Caxias do Sul João Spadari Adami
173
Fontes impressas formadas por periódicos
O Caxiense (1897 a 1898)
O Brasil (1922 a 1924)
O Democrata (1922 a 1923)
A Resistência (1922)
A Vanguarda (1922)
Cittá di Caxias (1922)
Álbuns
Álbum Comemorativo aos 75 Anos de Colonização Italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Globo, 1950.
Álbum dos Bandoleiros. Revolução Sul-Riograndense. 1923. Organizado pela Revista Kodak.
Arquivo Particular de Lydia Gobbato
Fontes impressas
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Celeste GOBBATO. O ABC do Viticultor. Porto Alegre. Globo, 1945.
Anais da festa da Uva. 1937
Da Itália ao Brasil. 1912. Relato da viagem de Celeste Gobbato. Revista da Escola de Conegliano.
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Fontes impressas formadas por periódicos
Álbum com recortes de jornais sobre as viagens de Celeste Gobbato como professor do Ensino Ambulante de Agricultura.
Álbum com artigos publicados por Celeste Gobbato na seção Notas Agrícolas do Correio do Povo.
Álbum com recortes de jornais de vários municípios do Rio Grande do Sul sobre a atuação de Celeste Gobbato.
Fotografias
Fontes manuscritas
Carta de Celeste Gobbato ao amigo italiano Alberto Albertini. 18-8-1953.
Fontes complementares
Depoimento de Lydia Gobbato
Depoimento de Jaime Lovatel
Depoimento de Onofre Pimentel
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