PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO … Veras Pessoa da Silva.pdfA Kleybson, pelo amor...

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL Camilla Veras Pessoa da Silva Lama, Luto e Luta: A vivência dos atingidos pelo desastre da Samarco e a organização popular no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como estratégia de enfrentamento São Paulo 2017

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Camilla Veras Pessoa da Silva

Lama, Luto e Luta:

A vivência dos atingidos pelo desastre da Samarco e a organização

popular no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como

estratégia de enfrentamento

São Paulo

2017

2

CAMILLA VERAS PESSOA DA SILVA

Lama, Luto e Luta:

A vivência dos atingidos pelo desastre da Samarco e a organização

popular no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) como

estratégia de enfrentamento

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação do

Departamento de Psicologia Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia

Social sob orientação do Prof. Dr. Odair Furtado.

São Paulo

2017

3

Camilla Veras Pessoa da Silva

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação do

Departamento de Psicologia Social da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia

Social sob orientação do Prof. Dr. Odair Furtado.

Aprovada em:

Banca examinadora:

______________________________________

______________________________________

______________________________________

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Como sei pouco, e sou pouco,

faço o pouco que me cabe

me dando inteiro.

Sabendo que não vou ver

o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente

para não enganar a ninguém:

principalmente aos que sofrem

na própria vida, a garra

da opressão, e nem sabem.

Não tenho o sol escondido

no meu bolso de palavras.

Sou simplesmente um homem

para quem já a primeira

e desolada pessoa

do singular - foi deixando,

devagar, sofridamente

de ser, para transformar-se

- muito mais sofridamente -

na primeira e profunda pessoa

do plural.

Não importa que doa: é tempo

de avançar de mão dada

com quem vai no mesmo rumo,

mesmo que longe ainda esteja

de aprender a conjugar

o verbo amar.

É tempo sobretudo

de deixar de ser apenas

a solitária vanguarda

de nós mesmos.

Se trata de ir ao encontro.

(Dura no peito, arde a límpida

verdade dos nossos erros.)

Se trata de abrir o rumo.

Os que virão, serão povo,

e saber serão, lutando.

(Thiago de Mello – Aos que virão)

5

Quem poderia imaginar

Que morava bem ali

No nosso quintal

O nosso algoz

O monstro

Atacou sem piedade

Na calada da madrugada

Sem deixar aviso

Foi desumano

O monstro

Se veste de anjo

E sopra o que mordeu

Perito em camuflagem

De réu vira juiz

Da ganância veio a morte

De Bento, Barra até o mar

Cadê meu rio?

Mera lembrança

Nosso chão

Recorrer a quem?

Só nos resta união

Falam de um acordo

Essa luta é desigual

Se veste de anjo

E sopra o que mordeu

Perito em camuflagem

De réu vira juiz

(Desumano, música de Fafá da Barra, morador de Barra Longa e atingido pela

barragem do Fundão da Samarco)

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Ao conjunto de pessoas atingidas pelo desastre provocado pela mineradora Samarco, em

toda Bacia do Rio Doce, que seguem resistindo e lutando pelas suas vidas.

Ás lutadoras e lutadores do povo que sonham e acreditam “no dia que já vem vindo que

esse mundo vai virar”, e que dedicam suas vidas à construção das bases de uma nova

sociedade.

Á memória de Marcus Vinicius Oliveira (Matraga), mestre e amigo que me abriu os

caminhos da luta e me ensinou que “cada um é para o que nasce”.

Á Marcos, Elvira, Carolina e Bobinho, a raíz forte que sustenta todos os sonhos.

7

AGRADECIMENTOS

“E aprendi que se depende sempre

De tanta, muita, diferente gente

Toda pessoa sempre é as marcas

Das lições diárias de outras pessoas

E é tão bonito quando a gente entende

Que a vida é tanta gente onde quer que a gente vá

E é tão bonito quando a gente sente

Que nunca está sozinho por mais que pense estar”

(Caminhos do coração – Gonzaguinha)

Uma dissertação de mestrado é sempre um trabalho tecido a muitas mãos, afetos,

olhares, ensinamentos e corações. São tantas e tantos para agradecer e para dedicar que

estas poucas linhas nunca serão capazes de dar conta. É uma filha gestada e que traz

consigo um pouco de cada encontro potente e transformador que cruzou os meus

caminhos em toda esta trajetória de vida, militância e profissão.

Primeiramente ao sagrado que me acompanha e cuida dos meus caminhos. A

Deus, aos orixás, em especial Oxóssi e Oxum que me nutriram com amor e

direcionamento na “selva de pedra”; aos caboclos, pretos velhos e guias espirituais que

me orientam, sustentam, protegem e são responsáveis pelo fortalecimento espiritual tão

imprescindível neste caminho, em que desistir pareceu por muitas vezes a melhor saída.

Aos meus pais, Marcos e Elvira, fonte incondicional de amor, que garantiram

todas as condições materiais e afetivas para que essa ousadia de fazer um mestrado

acadêmico em São Paulo pudesse ser realizada. A vocês que sempre estiveram de braços

abertos e me incentivam em todos os meus voos, minha eterna gratidão. Sem vocês nada

disso aconteceria!

A minha irmã de sangue e de alma, Carolina, inspiração de força e firmeza,

referência de feminino, companheira de vida e de luta, que eu amo mais do que tudo e

irei proteger por toda minha vida.

A toda minha família, tias, tios, primas, primos e avós, que me ensinam todos os

dias sobre o desafio de ser nós, de fortalecer os laços de sangue e alma em comunidade.

A formação que recebi está presente em cada suspiro de indignação contido neste

trabalho.

A Oaiana Marques, Marcelle Carvalho, Mariana Miglioli, Evelyn Sayeg, Gessica

Aquino, Patrícia Chaves, Tassia Spinelli, Rebeca Ribeiro, Liziara Portela e Alana Lins,

irmãs que a vida me deu, mulheres guerreiras que me iluminam, me ofertam força e

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cuidado todos os dias, e estão sempre conectadas comigo mesmo cada uma em um

cantinho desse mundo.

A Laryssa Sampaio, Pedro Freitas, Thiago Henrique (Gaúcho), André Cardoso,

Keila Cuca, Rafael Atuati, Paola Prandini, Diego Balbino, Rodrigo Alencar, Patrick

Maia, Thiago Lucas, Stephan Sperling minha família paulistana que segurou todas as

marimbas de uma baiana saudosa e desacostumada a São Paulo.

A Kleybson, pelo amor e companheirismo tão curativo na reta final.

As companheiras e companheiros da Consulta Popular, do Levante Popular da

Juventude, da Marcha Mundial das Mulheres e do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra, além de companheiras/os de luta, amigas/os que vou levar pra toda vida. Não

citarei nomes por medo de deixar pessoas queridas de fora, já que são tantas e tantos

responsáveis pela minha formação.

Aos camaradas da Rede de Médicas e Médicos Populares, em especial aos que

compartilharam comigo a vivência da Brigada de Solidariedade em Saúde: Daniel Sabino,

Pamela Velasquez, Ellen Machado, Leandro Araújo, Joelson, Miriam e Caio Teixeira.

Aos companheiros do MAB, em especial Letícia Oliveira, Débora Sá, Thiago

Alves, Alex Sandra e Valcileno, por renovarem em mim os valores militantes de amor ao

povo, disciplina e entrega, com a confiança de que só a luta muda a vida.

Aos amigos do NUTAS, do NEXIN e os “agregados”, responsáveis por

transformarem a pós-graduação um espaço de aprendizado leve, cantante e enriquecedor,

Leandro Rosa, Beatriz Brambilla, Leandro Moretti, Graça Lima, Graça Gonçalves, Laís

Moler, Adriana Eiko, Elisa Zeneratto, Luís, Jean Fernando, Renata Temps, Karla, Vania

Caires, Solange, Lidiane dos Anjos, Elisangela, Mercedes Guarnieri, Cinara Brito, Lívia

Gomes, Diana Fernandes, Eugenia Gadelha, Emilio e Magna Damasceno entre outros/as

que me dão esperança que a Psicologia pode estar ao lado do nosso povo.

Aos atingidos e atingidas pelo desastre provocado pela Samarco que contribuíram

concretamente para esse trabalho pudesse se tornar realidade. Obrigada pelo acolhimento,

confiança, amizade, saio deste encontro mais sensível e com mais garra para seguir

lutando.

Ao meu orientador, amigo, companheiro de luta, e um dos meus maiores

incentivadores Odair Furtado por todo apoio, incentivo e confiança no meu trabalho.

Ao CNPQ, pela bolsa que permitiu a execução deste trabalho de pesquisa.

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VERAS, Camilla Pessoa da Silva. Lama, Luto e Luta: A vivência dos atingidos pelo desastre

da Samarco e a organização popular no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

como estratégia de enfrentamento. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. 195 p. São Paulo, 2017.

RESUMO

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa realizada nos moldes da observação

participante no contexto do desastre tecnológico provocado pelo rompimento da

barragem do Fundão, no dia 05/11/2015, de responsabilidade da mineradora Samarco S.A

(Vale e BHP Billiton) na região de Mariana-MG. Foi realizado ainda um levantamento

teórico e bibliográfico a respeito das condições em que o desastre ocorreu e suas

consequências ambientais e psicossociais, apontando para a superprodução, inerente ao

modelo de exploração mineral vigente no Brasil, e a negligência com a segurança e o

monitoramento das barragens de rejeitos, como as causas da produção de rompimento de

barragens e desastres de tal magnitude (PoEMAS, 2015). O desastre destruiu

comunidades inteiras, atingiu 40 munícipios entre os estados de Minas Gerais, Espírito

Santo e Bahia, comprometeu o ecossistema da região e a quinta maior bacia hidrográfica

do país, a Bacia do Rio Doce. Além de afetar a vida de milhares de pessoas, em sua

maioria trabalhadores rurais, pescadores e comunidades tradicionais. As perdas materiais

e simbólicas são incauculáveis, com destaque a destruição das comunidades de Bento

Rodrigues e Paracatu de Baixo. O desastre provocou ainda a morte de 19 pessoas. Este

estudo buscou compreender a vivência dos sujeitos, através da análise dos sentidos e

significados presentes nas narrativas construídas pelos atingidos pelo desastre. Além de

buscar refletir de que forma a organização popular através de um movimento popular, no

caso o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), poderia potencializar processos

de resistência comunitária. A partir da observação e da análise das unidades de sentido

encontradas, concluiu-se que os impactos biopsicossociais produzidos pela situação de

desastre, produziram uma condição de trauma psicossocial (MARTÍN-BARÓ, 2000) e de

sofrimento ético-político (SAWAIA, 2014). Além disso, pode-se observar que a

participação política dos atingidos, organizados em um movimento popular, gerou

transformação subjetiva, elaboração de um novo sentido de vida e promoveu saúde na

perspectiva ético-política. A organização coletiva no contexto de desastre colocou-se,

portanto, como alternativa de enfrentamento das populações da região, que até o presente

momento vivenciam as consequências da tragédia nas suas vidas.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Social; Emergências e desastres; Modelo mineral

brasileiro; Trauma psicossocial; Sofrimento ético-político; Participação política;

Movimentos sociais; Resistência; Saúde ético-política.

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VERAS, Camilla Pessoa da Silva. Mud, Mourning and Struggle: The experience of those

affected by the Samarco disaster and the popular organization in the Movement of Dam

ffected (MAB) as a coping strategy. Dissertation (Master in Social Psychology) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. 195 p. São Paulo, 2017.

ABSTRACT

The present work is the result of a research carried out in the context of the participant

observation in the context of the technological disaster caused by the rupture of the

Fundão Dam, on 05/11/2015, of the mining company Samarco SA (Vale and BHP

Billiton) in the region of Mariana-MG. A theoretical and bibliographical survey was also

carried out regarding the conditions in which the disaster occurred and its environmental

and psychosocial consequences, pointing to the overproduction, inherent to the model of

mineral exploration in force in Brazil, and the negligence with the security and the

monitoring of the dams of tailings and disasters of such magnitude (Poema, 2015). The

disaster destroyed entire communities, affected 40 municipalities between the states of

Minas Gerais, Espírito Santo and Bahia, and compromised the region's ecosystem and the

country's fifth largest river basin, the Rio Doce Basin. In addition to affecting the lives of

thousands of people, mostly rural workers, fishermen and traditional communities. The

material and symbolic losses are incauculável, with prominence the destruction of the

communities of Bento Rodrigues and Paracatu de Baixo. The disaster also killed 19

people. This study sought to understand the subjects' experience through the analysis of

the meanings and meanings present in the narratives constructed by those affected by the

disaster. In addition to seeking to reflect how the popular organization through a popular

movement, in this case the Movement of Dam Affected (MAB), could strengthen

processes of community resistance. It was concluded that the biopsychosocial impacts

produced by the disaster situation produced a condition of psychosocial trauma

(MARTÍN-BARÓ, 2000) and of ethical-political suffering (SAWAIA, 2014). In addition,

it can be observed that the political participation of those affected, organized in a popular

movement, generated subjective transformation, elaboration of a new sense of life and

promoted health in the ethical-political perspective. The collective organization in the

context of disaster has therefore become an alternative to confront the populations of the

region, who up to now experience the consequences of the tragedy in their lives.

KEY WORDS: Social Psychology; Emergencies and disasters; Brazilian mineral model;

Psychosocial trauma; Ethical-political suffering; Political participation; Social

movements; Resistance; Ethical-political health.

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LISTA DE SIGLAS

ALCA - Aliança de Livre Comércio das Américas

ANA - Agência Nacional de Águas

ANAMPOS - Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais

AI -5 - Ato Institucional nº 5)

CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CEBS - Comunidades Eclesiais de Base

CUT - Central Única dos Trabalhadores

CMP - Central dos Movimentos Populares

CONAM - Confederação Nacional das Associações de Moradores

CONTAG - Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura

CRAB - Comissão Regional dos Atingidos por Barragem

CPT - Comissão Pastoral da Terra

CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais

CLOC - Coordenação Latino-americana de Organizações Camponesas

DNTR/CUT - Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central Única dos

Trabalhadores

DNPM - Departamento Nacional de Produção Mineral

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

IBRAM- Instituto Brasileiro de Mineração

IBAMA - O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

ITC – Internacional Trade Centre

LAPSAPE - Laboratório de Psicologia Socioambiental e Práticas Educativas

MASTER - Movimento dos Agricultores Sem-Terra

MAB - Movimento dos Atingidos por barragens

MLTST - Movimento de Libertação dos Trabalhadores Sem Terra

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores

MTST- Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

NUTAS - Núcleo de Estudos em Trabalhoe Ação Social

PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RNMP - Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares

SECAD/MEC - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do

Ministério da Educação

SUS – Sistema Único de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

UNE - União Nacional dos Estudantes

UHE - Usina Hidrelétrica

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Região de Bento Rodrigues antes (esquerda) e depois do rompimento da

barragem do Fundão – Samarco (Fotografia: Felipe Dana/AP; Reprodução/Google Earth;

disponível no Portal G1, 2015b).

Figura 2 - Região de Bento Rodrigues após o rompimento da barragem do Fundão

(Fotografia: Christophe Simon/AFP – 6.nov/Felipe Dana/AP; disponível no Portal G1,

2015c).

Figura 3 – A Rota da Lama (Imagem disponível no Portal Revista Ecológico, 2016).

Figura 4 "Águas para vida, não para morte! ” Bandeira e identidade visual do MAB.

Figura 5 – Mapa das regiões atingidas disponível no Google Earth

Figura 6–Samarco queria nos matar, mas Jesus nos salvou/ Jesus Ama o Povo de Bento

Rodrigues. (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 7- Escola em Bento Rodrigues (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 8 – Praça de Barra Longa – MG, 18 dias após o desastre (Fotografia: Camilla

Veras)

Figura 9- Obras em Barra Longa - 10 meses após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 10- Rio do Carmo em Barra Longa atrás da casa de dona Maria - 10 meses após o

desastre (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 11 - Casa na beira do Rio de Barra Longa (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 12- Obras nas ruas da cidade de Barra Longa - 10 meses após o desastre

(Fotografia: Camilla Veras)

Figura 13- A trajetória da lama nas árvores (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 14- Quanto vale uma comunidade? Biblioteca da escola de Paracatu de Baixo – 2º

andar – 10 meses após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 15- Sala de aula em Paracatu de Baixo (Fotografia: Camilla Veras)

Figura 16 - Procissão em Bento Rodrigues (Fotografia: Camilla Veras)

13

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 14

2. O DESASTRE PROVOCADO PELO ROMPIMENTO DA

BARRAGEM DO FUNDÃO DA SAMARCO (VALE e BHP BILLITON)

NA BACIA DO RIO DOCE

21

2.1 A concepção de atingido adotada pela mineradora 29

2.2 Tragédia anunciada 31

2.3 Antecedentes do desastre: o modelo de exploração mineral brasileiro 33

3. O CAMINHO DE RESISTÊNCIA DOS MOVIMENTOS POPULARES 34

3.1 Os Novos Movimentos Sociais e a perspectiva de classe: contribuições

da Teoria Marxista

43

3.1.1 O Estado, a cidadania e a luta dos movimentos populares 47

3.2 Breve histórico dos Novos Movimentos Sociais no Brasil e o Movimento

dos Atingidos por Barragens (MAB)

3.2.1 Os antecedentes do MAB 54

3.2.2 A consolidação de um movimento Nacional 56

4. O REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA 61

4.1 A vivência do desastre: do sofrimento à resistência 74

5. METODOLOGIA DE PESQUISA 87

5.1 Procedimentos de coleta de dados 90

5.2 Procedimento de análise dos dados 93

5.3 O campo de pesquisa 94

6. LAMA, LUTO E LUTA: CONTEXTUALIZANDO O CAMPO DE

PESQUISA

98

6.1 O acontecimento e os seus desdobramentos 98

6.2 O luto: Os impactos biopsicossociais do desastre 118

6.3 A luta: a organização dos atingidos 126

7. ANÁLISE DAS UNIDADES DE SENTIDO 133

7.1 A Lama e o Luto: a vivência do trauma 135

7.2 A Luta, o enfrentamento e a transformação da realidade 152

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 164

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 170

ANEXOS 185

14

1. INTRODUÇÃO: Trajetória e Objetivos

No entrelaçamento entre o devir psicóloga e militante do movimento Levante

Popular da Juventude e da Consulta Popular, saio da Bahia em direção a São Paulo para

a realização do mestrado no Núcleo de Estudos em Trabalho e Ação Social (NUTAS) no

programa de Pós-graduação em Psicologia Social da PUC-SP. Naquele momento, me

dedicava a estudar a práxis da Psicologia Social Crítica aliada aos movimentos sociais na

América Latina e atuava na secretaria nacional da Rede Nacional de Médicas e Médicos

Populares (RNMP)1.

O rompimento da barragem do Fundão na região de Mariana (MG) no dia cinco

de novembro de 2015 que desestruturou a vida de milhares de pessoas atingidas pelo

desastre alterou também, a minha trajetória pessoal, política e profissional.

Com o advento do desastre, diversos movimentos populares se mobilizaram para

visitar a região e prestar solidariedade, incluindo a Rede Nacional de Médicas e Médicos

Populares, que articulou entre os seus integrantes uma Brigada de Solidariedade em

Saúde.

A Brigada esteve presente no município de Mariana-MG, Barra Longa-MG, nos

distritos Paracatu de Baixo–MG e em seu entorno, desde a primeira semana do

acontecimento, no mês de novembro, permanecendo até o final de janeiro de 2016

(SAÚDE POPULAR, 2015a; 2015b).

Foram realizadas diversas ações nos territórios atingidos em parceria com o MAB

e com as Secretarias Municipais de Saúde de Mariana e Barra Longa, reunindo

profissionais da área médica, de diversas especialidades, além de mim, que acompanhei

o trabalho também enquanto profissional de psicologia.

O objetivo inicial era somente o de realizar um diagnóstico situacional de saúde

que pudesse auxiliar e instrumentalizar tecnicamente a população atingida e os

movimentos sociais através de um documento que denunciasse os impactos em saúde

provocados pela tragédia. No entanto, com a aproximação aos territórios e o contato com

a realidade, em que o poder público encontrava-se ausente e sobrecarregado, e em que a

Samarco controlava todos os processos assistenciais, surge a demanda de permanecermos

por mais tempo, oferecendo suporte na assistência em saúde.

1A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares é uma organização de profissionais da medicina que

em sua plataforma política se define enquanto uma “Articulação de médicas e médicos comprometidos com

o povo brasileiro e com o Sistema Único de Saúde (SUS). ” (REDE NACIONAL DE MÉDICAS E

MÉDICOS POPULARES, 2015, p. 2).

15

Todo o trabalho realizado foi planejado em conjunto pelas secretarias de saúde

através das demandas que chegavam e também pelo Movimento dos Atingidos por

Barragens (MAB), sobretudo no enfrentamento ao descaso promovido pela Samarco com

relação às demandas de saúde locais.

Neste contexto, chego a Mariana no dia 22/11/2015, poucos dias após o

acontecimento. Fico alojada junto aos outros companheiros da Brigada em uma pousada

localizada em Passagem de Mariana2, de propriedade de Paula, presidente do Conselho

Municipal de Saúde de Mariana e recém-integrante do MAB, que de forma gentil cedeu

os quartos para os profissionais da Brigada de Saúde que estavam na região.

Naquele momento, as pessoas que perderam suas casas ainda estavam alocadas

em pousadas e hotéis, as primeiras medidas assistenciais ainda estavam sendo tomadas

pela empresa e pelos diversos órgãos do poder público e o MAB estava se estabelecendo

nas cidades atingidas. A região estava cheia de trabalhadores da Samarco, advogados,

jornalistas e pesquisadores do mundo inteiro.

Através do intermédio de Paula, visitamos as pousadas onde as famílias

desabrigadas de Bento Rodrigues estavam e também o município de Barra Longa.

Pudemos estabelecer os primeiros contatos com as pessoas, que se encontravam muito

abaladas com o ocorrido e vivendo em condições que prolongavam o sofrimento, a

exemplo da falta de informação da empresa a respeito do deslocamento para as casas

alugadas, a alimentação sem distinção para as pessoas com restrições alimentares, a

necessidade de viver de doações (roupas, alimentos, água), a dificuldade de transporte e

a ociosidade para os idosos.

Através do MAB, participamos também de rodas de conversa com os familiares

das pessoas que morreram e desapareceram no desastre, a fim de dialogar com a

população sobre os seus direitos nestas situações e organizá-las para pensar nas pautas de

reivindicações para a Samarco. Este espaço possuiu muita potência, porque através do

encontro das pessoas e do compartilhamento do sofrimento comum do luto, este grupo de

pessoas, em sua maioria mulheres, se organizou, promoveu mobilizações e atos políticos

que possibilitaram alguns avanços relativos à aceleração da identificação dos corpos e

reuniões sucessivas com a empresa.

Visitamos as Secretarias Municipais e as Unidades Básicas de Saúde de Mariana-

MG e Barra Longa-MG, a fim de conhecer o planejamento para gestão em saúde no

2Pequeno vilarejo localizado entre as cidades de Mariana-MG e Ouro Preto-MG.

16

contexto emergencial. Neste momento, se percebeu uma defasagem do contingente

profissional e da estrutura dos serviços para dar resposta diante de um desastre de tal

magnitude. Os próprios profissionais de saúde encontravam-se sobrecarregados e

precisando de acolhimento, já que também foram atingidos. Neste momento, fomos

convidados pelas secretarias a visitar as famílias que se encontravam nas áreas rurais

isoladas pela lama, em conjunto com os serviços de saúde dos municípios, com o objetivo

de fazer uma escuta sensível e dialogar com a população sobre os cuidados e a prevenção

em saúde.

Foram diversas atividades realizadas junto com o movimento popular, que

promovia muitas reuniões com as populações atingidas, diversos mutirões na comunidade

com atividades de educação popular em saúde e reuniões com a empresa. Através do

trabalho desenvolvido, conseguimos obter um extenso material relativo às impressões dos

dias subsequentes ao desastre. Reunimos relatos, relatórios, registros fotográficos e em

audiovisual, entrevistas e vivências daquele período que posteriormente me gerou o

desejo de me debruçar sobre aquilo de forma mais analítica, a fim de compreender de que

forma a população sentia e significava a vivência do desastre e como, destacando o papel

da organização popular para os processos de mobilização, promoveram reivindicações de

direitos e também ressignificação e reconstrução dos modos de vida bruscamente

alterados.

A emergência da discussão acadêmica e a mobilização política e pessoal me fez

alterar o meu tema de pesquisa e focar na experiência vivenciada na região do desastre.

Decidi, portanto, transformar a vivência da minha imersão no território e os relatos

coletados neste período em dados de investigação, refletindo sobre de que forma a

participação política junto aos movimentos sociais, em situações de desamparo social e

desastres, pode contribuir para potencializar a transformação da realidade e promover

saúde na perspectiva ético-política, no caso da população atingida pelo desastre da

Samarco (Vale e BHP Billiton).

Depois que deixei o campo com a Brigada de Saúde, me mantive em contato com

as lideranças do MAB e segui acompanhando as notícias que surgiam sobre a região. Em

maio de 2016, participei de um evento em São Paulo a respeito do desastre na bacia do

Rio Doce e pude reencontrar lideranças do movimento e obter mais informações do

cenário naquele período. Neste momento pude falar com eles a respeito da minha pesquisa

de mestrado e do meu desejo de voltar ao território. Eles foram muito solícitos e

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disponibilizaram a casa da organização para que eu me hospedasse tanto na cidade de

Barra Longa, quanto na cidade de Mariana.

Após contínuo diálogo com os militantes do MAB, retornei à região em dois

momentos, com o objetivo de realizar uma pesquisa nos moldes da observação

participante, vivenciar novamente o campo de pesquisa, coletar novas informações e me

apropriar mais da realidade das pessoas localmente.

Retornei no mês de setembro de 2016 a Minas Gerais, me estabeleci novamente

junto ao movimento nas cidades de Barra Longa-MG e Mariana-MG, acompanhando as

ações e reuniões, em especial as que tinham por foco a mobilização social. Passei o mês

frequentando reuniões de atingidos, audiências públicas com o Ministério Público, com

a Defensoria Pública e com a Samarco, atividades comunitárias e o cotidiano de vida das

pessoas. Destaco aqui a oportunidade de ficar na casa de um atingido na cidade de Barra

Longa, acompanhá-lo no seu dia-dia de trabalho e percorrer com ele o trajeto da lama,

visitando as casas de pessoas e conhecendo melhor a realidade local. Em Mariana, pude

ainda conversar com a psicóloga e o coordenador de saúde mental do município. Sem

falar das trocas contínuas de informações a respeito da realidade local com os militantes

do MAB que me receberam nos territórios.

No terceiro momento, participei da Jornada de Lutas do MAB - 1 ano de crime da

Samarco, iniciada através de uma Marcha de Regência–ES à Mariana-MG, entre os dias

31/10/2016 e 3/11/2016, que passou por diversas localidades atingidas ao longo da Bacia

do Rio Doce, culminando no Encontro do Movimento dos Atingidos por Barragens

(MAB) na cidade de Mariana em rememoração ao primeiro ano do desastre. Este encontro

reuniu os atingidos de toda a Bacia, entre garimpeiros, pescadores, pequenos agricultores,

comerciantes e trabalhadores da mineração, além de movimentos sociais, artistas,

ativistas internacionais, ao longo de uma semana de seminários, debates e atos políticos

e ecumênicos. Segundo a coordenação do MAB, o objetivo deste encontro era transformar

o luto em luta.

Nos três momentos em que estive presente no território, meu contato transcendeu

o lugar de pesquisadora, me vinculei afetivamente com os sujeitos da pesquisa e suas

histórias de vida e com o território. Fui afetada e em alguns momentos também atingida

psiquicamente, o que gerou o desafio de manter o distanciamento necessário para a

pesquisa, além de transformar todas as informações compartilhadas e sentidas em um

material sistemático, analítico e teoricamente coerente.

18

A metodologia utilizada para a pesquisa foi a observação participante, que exige

a presença do pesquisador no campo de pesquisa, vivenciando a realidade (GEERZ, 2005;

VALLADARES, 2007). Para a coleta dos dados, priorizaram-se as entrevistas abertas e

as conversas informais, além das impressões devidamente registradas no diário de campo,

das informações contidas nos relatórios produzidos pela Brigada de Saúde e em registros

fotográficos e audiovisuais produzidos nos três momentos da imersão no território.

Considerando a atualidade do fenômeno, tendo em vista que o desastre na Bacia

do Rio Doce ainda segue em curso, e a urgência do debate no meio acadêmico a respeito

dos antecedentes e das consequências do modelo de exploração mineral, sobretudo no

aspecto psicossocial, a discussão apresentada neste trabalho de pesquisa se faz relevante,

visando contribuir com o campo da Psicologia Social comprometida com o

enfrentamento das estruturas de produção de exclusão, subjugação e exploração das

classes populares. Esta pesquisa também almejou apontar caminhos e potencialidades do

trabalho da Psicologia Social em parceria com os movimentos sociais populares.

Objetiva-se, nessa pesquisa, conhecer os sentidos e significados atribuídos pela

população atingida a sua vivência do desastre socioambiental produzido pelo rompimento

da barragem de rejeitos de propriedade das empresas Samarco (Vale e BHP Billiton) na

bacia do rio Doce.

Identificando os impactos psicossociais do acontecimento na vida das populações

atingidas e construindo uma reflexão sobre de que forma a participação política junto aos

movimentos sociais, em situações de desemparo social e desastres, possui de

potencializar a transformação da realidade e promover a saúde na perspectiva ético-

política.

No que tange à estrutura desta dissertação, optou-se por organizá-la da seguinte

forma: o primeiro capítulo é referente a introdução desta dissertação. O segundo capítulo

foca na apresentação de um panorama geral do desastre da Bacia do Rio Doce, contexto

em que esta pesquisa foi realizada, e do modelo de exploração mineral responsável pela

produção de desastres de tal magnitude. O terceiro resgata o percurso histórico dos Novos

Movimentos Sociais, através de uma perspectiva marxista de análise, e contextualiza o

surgimento do MAB no bojo das lutas populares ocorridas no período de surgimento

destes novos movimentos sociais. O quarto capítulo apresenta o referencial teórico e

metodológico da pesquisa balizado na Psicologia Sócio-Histórica e na compreensão do

materialismo dialético dos fenômenos psicossociais, destacando os impactos de uma

situação de desastre para as populações atingidas, assim como as estratégias de resistência

19

e organização comunitária. O quinto capítulo aborda o método de pesquisa e os

procedimentos metodológicos para a coleta de dados. O sexto e o sétimo capítulo são

relativos à apresentação e análise dos resultados encontrados na pesquisa, discutindo,

respectivamente, os sentidos e significados da vivência do desastre provocado pela

Samarco (Vale e BHP Billiton) na Bacia do Rio Doce e a organização popular como

estratégia de enfrentamento das populações atingidas. O último capítulo visa tecer as

considerações finais e apontamentos futuros deste estudo.

Além disso, é importante contextualizar o momento político em que este estudo

nasce, um contexto de crise do capitalismo e reorganização dos setores conservadores nos

diversos países do mundo. No continente latino-americano, isso é expresso através do

avanço das burguesias internas neoliberais, representantes dos interesses do

imperialismo, aliadas às oligarquias dos meios de comunicação e às classes médias,

instaurando instabilidade e crises políticas que visam à derrocada e ao fim do ciclo dos

governos neodesenvolvimentistas3 e populares na América Latina4.

No Brasil, o contexto é de avanço dos setores da direita na sociedade civil e no

Congresso Nacional, que no dia 31/08/2016 deflagraram o impeachment, sem base legal,

da Presidente da República Dilma Rousseff, eleita para o seu segundo mandato no ano de

2014, pelo Partido dos Trabalhadores. Diante deste cenário, de golpe de Estado no país,

os movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e entidades de classe voltam a se

organizar nas Frentes unitárias, como a Frente Brasil Popular5 e a Frente Povo Sem

Medo6, catalisadoras das mobilizações em defesa da democracia.

Tal cenário complexo reforça o compromisso da Psicologia Social Crítica7,

comprometida com a transformação social, em posicionar-se na defesa dos interesses das

3O termo neodesenvolvimentismo foi cunhado por Boito (2012) em referência à orientação política adotada

pelos governos Lula e Dilma Rousseff. 4Análise de conjuntura produzida pelas organizações do campo democrático popular e por intelectuais do

campo da esquerda, ver Escobar (2016) em “Brasil e Rússia sob ataque de 'Guerra Híbrida'”, Singer (2015),

“Cutucando onças com varas curtas” e Boito (2012) “As bases políticas do neodesenvolvimentismo”. 5 A Frente Brasil Popular foi lançada no ano de 2015 e é composta por mais de 60 organizações políticas,

com destaque para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a União Nacional dos

Estudantes (UNE), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central

Única dos Trabalhadores (CUT). 6 Composta de diversas organizações, com destaque ao PSOL e ao MTST. 7Grande campo teórico na Psicologia Social em que se localiza a Psicologia sócio histórica, pressuposto

teórico e metodológico que orienta este trabalho de pesquisa. O pensamento crítico chega à Psicologia a

partir das ideias de Paulo Freire e Fals-Borda, influenciando o surgimento da Psicologia latino-americana

crítica e preocupada com a transformação social. Silvia Lane foi uma personalidade central no que diz

respeito à construção do pensamento crítico na Psicologia Social brasileira alicerçada nos pressupostos do

materialismo histórico e dialético da teoria marxista. Ignácio Martín-Baró, Martiza Montero, Glayds

Montecino, Fernando Gonzales Rey também compõem a geração de psicólogos implicados em construir a

Psicologia Crítica na América Latina (FURTADO, 2003). O campo da Psicologia Social Crítica abarca

20

classes populares latino-americanas. Neste aspecto, o trabalho do psicólogo com o

movimento popular ganha atualidade, já que é através da recomposição das forças

populares que será possível promover ações coletivas de reivindicação de direitos e

oposição ao cenário de desigualdade e retrocessos que tende a se aprofundar em um

cenário econômico de neoliberalismo. Neste sentido, é importante resgatar o estudo dos

movimentos populares no Brasil e sua relação com o campo da Psicologia Social,

compreendendo seu percurso histórico e as possibilidades de práxis emancipatórias

realizadas junto aos movimentos.

Por fim, busca-se reiterar o compromisso social da Psicologia com os interesses

das populações oprimidas, tendo em vista a importância da construção de uma Psicologia

alinhada politicamente aos interesses da classe trabalhadora e contextualizada com os

processos históricos, políticos, culturais e sociais vivenciados nos países latino-

americanos. Afinal, a ciência deve ser engajada e crítica à suposta neutralidade adotada

pelas teorias e pesquisas científicas reprodutoras do status quo quando se propõem a

categorizar e patologizar os sujeitos das classes populares desconsiderando as

circunstâncias e estruturas sociais responsáveis pelo surgimento de dado fenômeno. As

práticas em psicologia devem possibilitar a libertação dos sujeitos, e devem estar

centradas nas necessidades, objetivos e experiências dos oprimidos (FURTADO,

BICHARA & RIBEIRO, 1995). A teoria da psicologia social deve ser construída a partir

da realidade do povo latino-americano e sua história (MARTIN-BARÓ, 1989).

diversas abordagens teóricas, a exemplo do Socioconstrucionismo, da Psicologia Marxista, do pós-

modernismo, da Psicologia Discursiva e das teorias feministas (FERREIRA, 2010). Segundo Hepburn

(2003 apud FERREIRA, 2010, p.51-52): Tais perspectivas guardam em comum o fato de adotarem uma

postura crítica em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual como do conhecimento

até então produzido pela Psicologia Social a esse respeito. Nesse sentido, colocam-se contra a opressão e a

exploração presentes na maioria das sociedades e têm como um de seus principais objetivos a promoção da

mudança social como forma de garantir o bem-estar do ser humano.

21

2. O DESASTRE PROVOCADO PELO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DO

FUNDÃO DA SAMARCO (VALE e BHP BILLITON) NA BACIA DO RIO DOCE

No dia cinco de novembro de 2015 ocorreu o maior desastre socioambiental da

história do Brasil e o maior da mineração dos últimos cem anos (BOWKER

ASSOCIATES, 2015). O rompimento da barragem do Fundão, de propriedade da

mineradora Samarco (Vale e BHP Billiton), despejou uma lama de rejeitos de minérios

que soterrou distritos e municípios, matou pessoas, destruiu comunidades, além da quinta

maior bacia hidrográfica do país, a Bacia do Rio Doce, contaminando o rio, o solo,

comprometendo todo o ecossistema e atingindo mais de um milhão de pessoas, entre

trabalhadores rurais, pescadores, garimpeiros, comerciantes, comunidades tradicionais,

indígenas e quilombolas nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia.

A barragem de rejeitos8 do Fundão é uma das barragens pertencentes à mineradora

Samarco S.A, empresa “joint-venture” societária de responsabilidade da Vale S.A e da

anglo-australiana BHP Billiton. A Samarco Mineração S.A9 atua no Brasil desde o ano

de 1973, mais precisamente nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, no ramo da

extração de minério de ferro para abastecimento do mercado global.

O rompimento da barragem do Fundão despejou aproximadamente 50 milhões de

metros cúbicos de lama de rejeitos de minério liquefeitos ao longo de 663 km da bacia

hidrográfica do Rio Doce. O tsunami de lama matou 19 pessoas, uma ainda desaparecida,

e destas, 15 trabalhadores da barragem (14 trabalhadores terceirizados), além de provocar

um abortamento. A lama de rejeitos destruiu completamente o distrito de Bento

Rodrigues (MG) e os povoados de Paracatu de Cima, Paracatu de Baixo, Pedras, Ponte

do Gama, Rio Doce, Gesteira e parte da cidade de Barra Longa, todos localizados no

estado de Minas Gerais. Seguiu o curso do rio Gualaxo Norte, rio Carmo até o rio Doce,

inviabilizando o fornecimento de água e a pesca ao longo das cidades ribeirinhas. O

desastre acarretou em danos materiais e imateriais incalculáveis ao conjunto da população

8“Uma barragem de rejeito é uma estrutura de terra construída para armazenar resíduos de mineração, os

quais são definidos como a fração estéril produzida pelo beneficiamento de minérios, em um processo

mecânico e/ou químico que divide o mineral bruto em concentrado e rejeito. O rejeito é um material que

não possui maior valor econômico, mas para salvaguardas ambientais deve ser devidamente armazenado”

(MATURANO RAFAEL, 2012, p.22).

9A Samarco S.A é composta por 50% de ações da Vale e 50% da BHP Billiton. Ambas as empresas

possuem estruturas acionárias pulverizadas. O acionista majoritário da Vale é a Valepar S.A com 33% dos

investimentos, 61% das ações estão espalhadas pelas bolsas de Nova Iorque e São Paulo, já o governo

através do BNDESPar possui 5,2% das ações. A BHP Billiton é uma fusão da empresa australiana Broken

Hill Proprietary Company com a inglesa Billiton que atua na África do Sul (PoEMAS, 2015).

22

das 40 cidades atingidas entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo (FELLIPE et

al., 2015; PoEMAS, 2015).

O volume de rejeitos liberado pelo rompimento da barragem fez surgir um

fluxo de lama que rapidamente atingiu as artérias fluviais, causando distúrbios

impensáveis na dinâmica dos rios, na sociedade e no meio ambiente. A cerca

de 2,5 km do dique, a localidade de Bento Rodrigues foi atingida pela lama 15

minutos após o rompimento, tendo grande parte de sua estrutura urbana

destruída. Segundo informações do Corpo de Bombeiros Militares de Minas

Gerais, os depósitos de rejeitos atingiram mais de 10 metros de altura em

alguns pontos do vilarejo. Outras localidades de Mariana também foram

atingidas pela lama, com destaque para Paracatu de Baixo, que teve parte das

casas soterrada. Aproximadamente 750 pessoas perderam suas casas e as

mortes podem chegar a 19. Drenados pelo rio Gualaxo do Norte, parte

significativa dos rejeitos chegou ao rio do Carmo e atingiu, posteriormente, o

rio Doce, acompanhada por uma onda de cheia que promoveu inundações em

diversos trechos, com destaque para a área urbana de Barra Longa-MG. No dia

21 de novembro, a água com os rejeitos alcançou o Oceano Atlântico e se

espalhou por uma extensão superior a 10 quilômetros no litoral do Espírito

Santo. Os rejeitos depositados agora vão sendo remobilizados paulatinamente

pelos processos pluviais e fluviais, mantendo os sedimentos oriundos do

rompimento da barragem nas águas do rio Doce por um período de tempo ainda

inestimável (FELLIPE e et al., 2015, p.5).

Estima-se que mais de um milhão de pessoas foram atingidas em níveis diversos

pelo desastre, cerca de 1.265 pessoas ficaram desabrigadas, foram alocadas em hotéis e

pousadas na região de Mariana nos primeiros meses e depois direcionadas para imóveis

alugados pela Samarco. Das populações atingidas, a maioria era pertencente às

comunidades rurais, composta por pequenos agricultores, pescadores, garimpeiros que

viviam da produção agrícola, da criação de animais e da pesca nos rios do conjunto da

bacia do rio Doce. A comunidade indígena Krenak também foi afetada no Espírito Santo,

pois o rio, espaço importante no exercício da sua espiritualidade, foi destruído pelo mar

de lama.

Os danos ambientais são de altíssima magnitude e se perpetuarão por décadas. A

bacia hidrográfica do rio Doce foi completamente atingida pela lama e pelos metais

pesados presentes nos rejeitos, substâncias que intoxicaram a água e o solo, asfixiaram as

espécies aquáticas e geraram a extinção de parte delas. A lama de rejeitos provocou o

assoreamento do rio e a formação de um deserto de lama infértil, destruiu faixas de terra

presentes nas margens e comprometeu todo o ecossistema da região (FELLIPE et al.,

2015). Aproximadamente 1,5 mil hectares de vegetação foram destruídos, 40 toneladas

23

de peixes foram mortos, 80 espécies que habitavam a bacia foram exterminadas, sendo

11 delas em risco de extinção e 12 exclusivas do rio. (G1, 2015a)

O SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Baixo Guandu (ES)

comprovou a elevada toxicidade da lama de rejeitos, identificando a presença exorbitante

de metais pesados, a exemplo do arsênio, mercúrio, chumbo, cromo, zinco, bário, ferro,

alumínio e manganês. As análises realizadas na água apontaram a presença de arsênio em

1000% acima do limite adequado para consumo. Estas substâncias quando ingeridas, seja

através da água ou através do consumo de alimentos contaminados, afetam a saúde

humana em diversos níveis, no curto, médio e longo prazo. (IBAMA, 2015; CUNHA,

2015; IGAM, 2015a; IGAM 2015b; PREFEITURA DE GOVERNADOR

VALADARES, 2015; REDE NACIONAL DE MÉDICAS E MÉDICOS POPULARES,

2016).

As Figuras 1 e 2 mostram a região de Bento Rodrigues-MG depois do rompimento

da Barragem do Fundão.

Figura 1- Região de Bento Rodrigues antes (esquerda) e depois do rompimento da barragem do Fundão –

Samarco (Fotografia: Felipe Dana/AP; Reprodução/Google Earth; disponível no Portal G1, 2015b).

24

A Figura 3 mostra o percurso da lama ao longo de mais de 600km entre os estados

de Minas Gerais e Espírito Santo, avançando em direção ao oceano e chegando ao litoral

sul da Bahia.

Figura 2 - Região de Bento Rodrigues após o rompimento da barragem do Fundão (Fotografia: Christophe

Simon/AFP – 6.nov/Felipe Dana/AP; disponível no Portal G1, 2015c)

Figura 3 – A Rota da Lama (Imagem disponível no Portal Revista Ecológico, 2016).

25

Os impactos do desastre foram múltiplos, afetarão a população da região por

gerações e seguem se perpetuando, tendo em vista o modo como a empresa e o poder

público lidam com o problema. O tratamento dado pela Vale S.A foi similar em situações

anteriores, a falta de informação, a cooptação de moradores, as ameaças, as negociações

individuais com a população são estratégias recorrentes que já foram discutidas por Moler

(2011) e Temps (2013) em suas respectivas pesquisas, construindo um cenário de

obscurantismo e descaso que aumenta os danos da população atingida. Afinal, “tão

danosa quanto a perda do território foi a forma de tratamento oferecida. ” (VIDAL, 2012,

p.10).

No artigo “O desastre da Samarco e a política das afetações: classificações e

ações que produzem o sofrimento social”, Zhouri et. al. (2016) analisaram as medidas

tomadas pelo poder público e pelas empresas, apontando as classificações administrativas

adotadas como responsáveis por perpetuarem as injustiças sociais e prolongarem a

condição de sofrimento social dos atingidos. Segundo os autores, “sob o manto da

mediação e do acordo, por vezes operam imposições excludentes, cujo efeito é a

flexibilização de direitos já garantidos pela Constituição Federal” (ZHOURI et. al., 2016,

p. 36).

Com o evento, aqueles que já eram afetados pela operação do complexo

minerário sofreram perdas de vida e a deterioração de sua saúde, além de bens

materiais e do comprometimento permanente de seu território.

De atingidos passaram a vítimas, com o pleno direito de compensação pelos

danos materiais e morais. Colocá-los numa mesa de negociação é ato que os

ressignifica como "parte interessada" e abre espaços para que a ré, a Samarco

(Vale/BHP-Billiton), também seja ressignificada da mesma forma. Vítimas e

agentes corporativos, engajados em uma espécie de barganha de medidas

reparatórias e compensatórias, passam a estar confrontados em posições

supostamente simétricas. Contudo, em posição enfraquecida para negociação,

as primeiras correm o risco de serem privadas dos seus direitos.

Argumentaremos que, inserida em uma estratégia generalizada da política

ambiental - a "resolução negociada de conflitos" -, a gestão do desastre

tecnológico de Mariana tende a minar justamente o princípio que deveria

prevalecer no estado democrático de direito: o princípio da dignidade humana

(ZHOURI et. al., 2016, p. 37).

Zhouri et. al. (2016) apresentam algumas das ações realizadas no território pela

Samarco e pelo poder público que prolongam a condição de sofrimento social da

população atingida. Referem-se ao assédio da empresa às famílias hospedadas nos hotéis

no primeiro momento e as denúncias de que os atingidos estavam “vivendo em regime de

26

internato, com horários controlados para a entrada e saída dos hotéis, assim como limite

para visitas” (p.38). Além as populações de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo

alocadas em Mariana enfrentaram dificuldades organizacionais por ficarem em lugares

distantes uns dos outros, o que dificultou o encontro e a articulação dos atingidos.

Os autores apontam ainda, a incerteza vivenciada pelos atingidos a respeito da

toxicidade da lama e contaminação do solo, da água e também dos impactos na saúde.

São muitas as controvérsias a respeito dos resultados técnicos das avaliações e testes

realizados, além da constante espera pelas decisões judiciais e pelo monitoramento. “A

espera, então, constitui sentidos de sujeição e crescente frustração, que afligem as

vítimas” (p.39).

Outro fator que prolonga o sofrimento das famílias atingidas é a disputa política e

simbólica em torno da concepção de atingido adotada institucionalmente, excludente e

embasada em um discurso técnico que por vezes desresponsabiliza as empresas e se

mantém ineficaz na restauração das condições de vida das pessoas atingidas, além da

morosidade do Estado, incapaz de impor celeridade no andamento de medidas mais

contundentes que ajudariam minimamente no restabelecimento da vida dos sujeitos destas

comunidades.

Assim, há algo mais nos desastres do que um conjunto de danificações

materiais que possam ser mensuradas e equacionadas pormeio de indenizações

financeiras. O próprio processo de reabilitação“pós-catástrofe” pode estar

repleto de dimensões variadas de violências que aviltam ainda mais a qualidade

de vida daqueles que já sofreram. Diante desse contexto, entidades sociais de

direitos humanos, pesquisadores e movimentos sociais passaram a contestar a

pertinênciadas instâncias de negociação entre as empresas e as vítimas,

identificadas como atingidos em situação de conflito ambiental. O tratamento

institucional dispensado aos atingidos constitui o principal fator capaz de

engendrar o sofrimento social dos afetados, que resulta “daquilo que o poder

político, econômico e institucional faz às pessoas e, reciprocamente, de como

estas mesmas formas de poder influenciam as respostas aos problemas sociais”

(ZHOURI et. al, 2016, p.38).

No que diz respeito à responsabilização da Samarco e da Vale, em junho de 2016

a Polícia Federal autuou oito pessoas e pediu a prisão de sete, incluindo o presidente

licenciado da Samarco, diretores e gerentes da Samarco e da Vale e um engenheiro, por

crime ambiental e danos ao patrimônio histórico e cultural.

O inquérito da Polícia Federal apontou ainda omissão e negligência da Samarco

devido à redução dos custos com segurança, monitoramento e controle da barragem.

27

Além disso, constatou-se uma participação ainda mais estreita da Vale, que depositava

seus rejeitos oriundos de outros locais na barragem do Fundão (cerca de 27% da lama foi

despejada pela Vale). Além da omissão, o relatório revelou que o licenciamento ambiental

foi dado sem que as exigências fossem cumpridas. E apesar da redução dos custos com

segurança, o investimento com a produção aumentou.

De acordo com informações divulgadas pelo jornal Estado de Minas, o

inquérito policial tem 12 volumes, com 3,7 mil páginas, e mais 24 apêndices,

que têm o dobro de páginas do inquérito principal. Na coletiva à imprensa nesta

quinta, o delegado-chefe da Delegacia de Crimes Contra o Meio Ambiente e

Patrimônio Histórico afirmou que as constatações foram obtidas por meio de

laudos e depoimentos que comprovam que a barragem foi mal construída, mal

monitorada, usada acima da capacidade, e que a Samarco não tomou

providência para evitar o acidente mesmo tendo ciência de todos os problemas.

Entre os indiciados por crime ambiental e danos ao patrimônio cultural, estão:

o presidente licenciado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão; o diretor-

geral de operações, Kléber Terra; o gerente-geral de projetos, Germano Lopes;

o gerente de operações, Wagner Alves; o coordenador técnico do planejamento

e monitoramento, Wanderson Silvério; e a gerente de geotécnica de

barragens, Daviely Rodrigues; além do engenheiro Samuel Loures,

da VogBR. Também foi incluído agora o gerente da Mina Alegria, da Vale,

único que não teve a prisão pedida pela Polícia Civil, que investiga a ocorrência

de outros crimes, como homicídio com dolo eventual, inundação e poluição de

água potável (SÉCULO DIÁRIO 2016).

No mês de outubro de 2016, 21 pessoas foram denunciadas pelo Ministério

Público Federal com a acusação de homicídioqualificado com dolo eventual, além da

denúncia do engenheiro da VogBr Samuel Paes Loures pela apresentação de laudo

ambiental falso. “Os demais, além de homicídio, vão responder ainda por crimes de

inundação, desabamento, lesão corporal e crimes ambientais. A Samarco, a Vale e a BHP

Billiton são acusadas de nove crimes ambientais” (G1, 2016c).

Além do processo criminal, a Samarco foi multada diversas vezes por diversos

órgãos ambientais, incluindo sete multas somente do IBAMA.O valor das multas chega

aproximadamente ao valor de R$ 450 milhões, que ainda não foram pagos pela empresa,

que recorre judicialmente.

No primeiro momento, foi realizado um cadastro emergencial das famílias que

perderam as casas e os meios de subsistência, cadastro em que os moradores apontaram

uma série de problemas no que diz respeito à coleta das informações, já que uma boa

parte da população atingida foi deixada de fora das medidas emergenciais adotadas. A

28

empresa distribuiu para alguns atingidos um Cartão Benefício10, e no caso das famílias

que ficaram desabrigadas, foi disponibilizado o aluguel, a mobília, e para algumas

pessoas, o adiantamento de parte da indenização no valor de R$20 mil (SAMARCO,

2016).

A Samarco (2016) apresenta no seu mapa de ações alguns dados relativos às

primeiras medidas tomadas na região. Segundo as informações fornecidas pela

mineradora, em Mariana foram alocadas 724 pessoas de Bento Rodrigues em casas

alugadas e 111 pessoas de Paracatu de Baixo, e distribuídos 309 cartões de auxílio

financeiro para os moradores dos distritos de Mariana, além da contratação de 47

profissionais de saúde e assistência social para prestar serviço à prefeitura.Tramita

judicialmente a validade de um acordo realizado no mês de março de 2016 entre a

Samarco, o governo federal, os governos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo e

órgãos públicos, a exemplo do IBAMA, ICMBio, ANA, FUNAI e DNPM.

Este acordo tinha por objetivo reparar e mitigar os danos do rompimento da

barragem através de investimentos em infraestrutura e a criação de uma fundação privada

para gerir as iniciativas da empresa e também as indenizações. Contudo, foi elaborado

sem a participação da população atingida e sem discutir amplamente com setores da

sociedade civil.

Em nota divulgada no Portal do Instituto de Estudos Socioeconômicos-INESC,

organizações da sociedade civil, entre elas diversos movimentos sociais, se posicionaram

contrárias ao acordo, afirmando:

A homologação do acordo, na verdade, acirra os conflitos, desconsidera a

necessidade de reparação integral dos danos e aumenta o sofrimento decorrente

da perda dos meios de subsistência, dos modos de vida e da memória impostos

aos pescadores, pequenos agricultores, indígenas, populações tradicionais e ao

meio ambiente. E acontece dois dias após a queda das ações da Vale e BHP

com a notícia da instauração da ACP pelo MPF, com a estimativa de reparação

dos danos na ordem de R$ 155 bilhões. Infelizmente, desconsiderando todas

as ilegalidades apontadas pelo MP e pela sociedade civil organizada, o

Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na pessoa da desembargadora Maria

do Carmo Cardoso, homologou ontem, dia 05/05/2016 (emblematicamente

após exatos seis meses do desastre), o referido acordo. Denunciamos que as

empresas e os governos federal e estaduais (MG e ES) utilizaram-se de uma

artimanha jurídica para viabilizar a efetivação do acordo, visto que o mesmo

foi homologado nos autos de um agravo de instrumento que tramita na segunda

instância, quando o Juízo competente para analisar a situação é o da Seção

Judiciária em Belo Horizonte. O acordo é, portanto, ilegal não só por não

contemplar as vozes das atingidas e atingidos, mas em decorrência dos vícios

10O Cartão Benefício possui o valor de um salário mínimo, mais R$425 reais para aquisição de cesta básica

e 20% do salário mínimo para cada integrante da família (SAMARCO, 2016).

29

processuais. Repudiamos a homologação do acordo e exigimos que uma

solução seja construída com a participação efetiva das atingidas e dos atingidos

e dos promotores de justiça e procuradores da república diretamente

envolvidos com a demanda nos territórios. Não aceitamos a perpetuação da

violência realizada por meio de um arremedo de acordo que legitima as

práticas criminosas e desresponsabiliza o governo. As empresas responsáveis

pelo crime não podem decidir sozinhas sobre a recuperação dos danos difusos

e coletivos, além da indenização das famílias, sendo imprescindível a

participação direta das vítimas, visto que o caso é decisivo para a reconstrução

de suas vidas e do meio ambiente. (INESC, 2016)

O acordo chegou a ser homologado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região,

em Brasília, mas foi suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pedido do

Ministério Público Federal. Além da ausência da participação da população atingida, os

municípios atingidos também foram excluídos das negociações. No entanto, a Fundação

Renova já foi criada e é dirigida pela Samarco. Nas audiências públicas e reuniões com

atingidos, a empresa já se apresenta usando o nome da Fundação.

2.1 A concepção de atingido adotada pela mineradora

O conceito de atingido em sua história foi formulado ao longo do tempo pelas

empresas do setor elétrico, no contexto da construção das primeiras usinas hidrelétricas

(VAINER, 2005). Segundo o autor, no começo dos empreendimentos, a classificação

adotada pelas empresas era territorial-patrimonialista, em que o atingido é o proprietário

da terra que será destinada para a construção da barragem.

Para compensar a remoção, a empresa destinaria uma indenização àqueles que

possuissem documentação oficial dentro das exigências legais que comprovassem a sua

posse de terra, condição que em muitas vezes não representa a realidade dos atingidos.

Através dessa concepção de atingido, a empresa ignora todo dano simbólico advindo da

remoção e da perda do vínculo afetivo e relacional desenvolvido naquele território, além

dos impactos e conflitos socioambientais decorrentes da construção de empreendimentos

deste porte.

Os problemas sociais e ambientais não entram nesse momento da discussão,

focada no procedimento que se dará às indenizações ligadas à questão

patrimonial e fundiária, normalmente, de responsabilidade do Departamento

de Patrimônio Imobiliário da empresa. O que está em jogo é o direito de

propriedade, tanto dos impactados como de quem recebe a autorização para

implantar o empreendimento. Sendo assim, o conceito de atingido não tem

nenhum viés social e a empresa fica no direito de dar andamento ao processo

30

de desapropriação. A população, assim como a fauna e a flora, é vista como

obstáculo a ser removido. (TEMPS, 2013, p.30)

Há ainda uma conceituação pouco mais abrangente do que a territorial-

patrimonialista, pois inclui também os sujeitos que não são os proprietários das terras, a

exemplo dos meeiros, posseiros e ocupantes, no entanto, esta concepção chamada hídrica,

só reconhece o impacto econômico advindo do deslocamento das terras inundadas,

desconsiderando também o conjunto de alterações culturais, psicológicas, políticas e

ambientais decorrentes da remoção do território (FOSCHIERA, 2009).

Mais recentemente, foi formulada outra concepção de atingido oriunda das

definições dos órgãos de financiamento, como o Banco Mundial. É mais ampla que a

caracterização patrimonialista e econômica, à medida que compreende o deslocamento

físico, em que as pessoas são forçadas a sair do território compulsoriamente, e também o

descolamento econômico, relacionado à perda do acesso das áreas produtivas (VAINER,

2005).

De acordo com Zhouri et. al. (2016), a concepção de atingido adotada pela

Samarco está ancorada nas referências do Banco Mundial, que baseou a classificação das

reivindicações e das demandas em graus de emergência e gravidade. A empresa criou

critérios de definição de quem é e quem não é atingido, além de enquadrá-los de forma

hierárquica. Estas categorias são alvo de contestação e intensificam o conflito entre

atingidos e a empresa.

O conceito de atingido nunca está definido, pois sempre há conflito entre os

atingidos e os responsáveis pelo empreendimento. A definição de atingido está

diretamente ligada à área e à pessoa impactada pelo empreendimento, e, com

isso, passa-se a demarcar o território de luta entre os que vão reivindicar

direitos e as empresas que tentarão desqualificar esses direitos. O poder de

organização dos atingidos e a ação do MAB em cada barragem é um dos

principais indicadores da abrangência que o conceito de atingido terá no local

(TEMPS, 2013, p.29).

No entanto, a concepção de atingido adotada pela empresa se configura como um

grande problema, que exclui e divide a população. E mesmo neste universo de impacto

material mais emergencial, ainda existem muitas pessoas que não receberam nenhum tipo

de reparação financeira, possuindo condições iguais de perda material de outras já

31

ressarcidas. Além de todo o resto da população excluída pela Samarco, pois não foram

pessoas atingidas pela lama “diretamente”. Entretanto, encontram-se atingidas em

diversos níveis, como impossibilidade de trabalhar, com perda real da renda, além dos

impactos na saúde que assolam as localidades.

Neste sentido, o movimento social propõe uma concepção ampliada de atingidos,

compreendendo que todos em alguma medida foram afetados e impactados e devem ser

reparados de forma justa e adequada, respeitando as especificidades de cada caso.

2.2 Tragédia anunciada

O inquérito policial indicou que o rompimento da barragem foi uma tragédia

anunciada. O Ministério Público Federal, na denúncia apresentada, aponta que o

Conselho de Administração da Samarco e os comitês de que a Vale e a BHP participavam

estavam cientes dos problemas técnicos apresentados pela barragem do Fundão e mesmo

assim não tomaram nenhuma medida cabível para resolução dos problemas (G1, 2016c).

Atualmente, a Samarco possui mais três barragens na região, a de Germano,

Santarém (barragem de água) e a Cava de Germano. A barragem de Germano foi

construída em 1977, a mais alta barragem de rejeitos do país e com capacidade estimada

de armazenamento de 200 milhões de metros cúbicos. Germano alcançou a sua

capacidade máxima de armazenamento no ano de 2009 e também está sob risco de

rompimento, podendo provocar uma devastação ainda maior (PoEMAS, 2015).

Como Bento Rodrigues, inúmeras comunidades ribeirinhas na bacia do rio

Doce constituíram historicamente os seus lugares e modos de vida em torno da

dinâmica fluvial, e somente com a posterior inserção do mega empreendedor

minerário no território é que seus respectivos lugares foram transformados em

"áreas de risco", sujeitas a catástrofes. Índice significativo desse processo é a

estimativa feita pela Fundação Estadual do Meio Ambiente de que, das 735

barragens existentes em Minas Gerais, 42 não apresentam garantia de

estabilidade. Sabe-se que a barragem de Fundão tinha passado por auditoria e

era considerada estável. No caso específico dos empreendimentos da Samarco

(Vale/BHP Billiton), os riscos de um possível rompimento e as medidas que

deveriam ter sido tomadas para evitá-lo já eram conhecidos pelas autoridades

ambientais anteriormente ao evento. Em perícia realizada a pedido do MP de

Minas Gerais, o Instituto Prístino alertara, ainda em 2013, para o risco de

colapso da barragem de Fundão. O laudo recomendava o periódico

monitoramento geotécnico e estrutural dos diques e da barragem; e destacava

a necessidade de um plano de contingência para situações de risco ou

acidentes. Tais recomendações contrastam com a real inexistência, na área do

empreendimento, do mais elementar sistema de alarme sonoro, destinado ao

alerta da população do entorno em casos de acidente ou agravamento dos riscos

(ZHOURI et. al., 2016, p.37).

32

Além do risco da barragem de Germano, a barragem de Santarém apresenta

fissuras e a lama represada tem vazado. Neste momento, discute-se a construção do Dique

S4, solução apresentada pela Samarco para contenção da lama represada na barragem de

Santarém e que também se encontra em ameaça de rompimento. O governo do Estado de

Minas Gerais assinou um decreto autorizando a construção do Dique, que vai alagar a

região pelo período de três anos com possibilidade de renovação.

O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual entraram com ação

para embargar a decisão, compreendendo se tratar de mais uma decisão que viola os

direitos dos atingidos de Bento Rodrigues, tendo em vista que, uma vez construído o

dique, a região de Bento seria alagada, junto com a história e a memória dos ex-moradores

do subdistrito. Os ex-moradores afirmam que a empresa já sondava expandir a mineração

naquele território e especulam que o interesse real com a construção do Dique S4 é

posteriormente transformá-lo em uma nova barragem de rejeitos que sustente o plano

expansionista da empresa na região (MAB, 2016d).

Atualmente, após o desastre, Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo continuam

verdadeiros desertos de lama. As pessoas foram deslocadas para a área urbana da cidade

de Mariana, mas algumas famílias retornaram para Paracatu de Baixo, convivendo

diariamente com os rejeitos. A cidade de Barra Longa também se transformou em um

“canteiro de obras”, e os moradores se queixam da presença da lama na cidade e também

da poeira. A população, que extraía da terra e do rio sua subsistência, continua sem poder

trabalhar, e com a empresa paralisada devido ao desastre e as investigações, os

trabalhadores terceirizados e contratados pela Samarco em sua maior parte foram

demitidos11.

O rompimento da barragem de Fundão tem sido caracterizado como desastre

tecnológico, definido como “um desastre atribuído em parte ou no todo a uma intenção

humana, erro, negligência, ou envolvendo uma falha de um sistema humano, resultando

em danos (ou ferimentos) significativos ou mortes” (ZHOURI et. al., 2016, p. 37).

Para compreender o desastre, é preciso conhecer a estrutura que rege toda esta

lógica que se apresenta na superfície, que é o modelo de exploração mineral vigente no

11Devido à paralisação das atividades da Samarco, a empresa criou um Plano de Demissão Voluntária, que

começou em julho a ser aderido, resultando na demissão de 1.200 trabalhadores, um corte de 40% do seu

quadro de funcionários. (G1, 2016a)

33

país. Este modelo acarretou em sete rompimentos12 de barragens só no estado de Minas

Gerais, dois deles considerados graves, com mortes, mas que não tiveram destaque nos

meios de comunicação. Isto mostra que existe uma relação entre rompimento de barragens

e o modelo de exploração mineral muito mais direta do que se imagina.

2.3 Antecedentes do desastre: o modelo de exploração mineral brasileiro

A exploração mineral existe há 300 anos no Brasil, e tem por berço histórico a

região de Minas Gerais, mais precisamente as cidades de Mariana e Ouro Preto. Foi

através da exploração aurífera, no primeiro ciclo de exploração do país, que o capitalismo

pôde se desenvolver na Europa, sobretudo na Inglaterra.

O ouro brasileiro no primeiro ciclo de retirada mineral do país resultou num

dos produtos que sustentou e possibilitou a tríade: acumulação primitiva do

capital; mercantilismo; empresa colonial no Brasil. Impulsionando a

liquidação das relações feudais que existiam no velho continente para triunfo

do modo capitalista de produção. (...) Assalariados na Inglaterra e escravos no

Brasil: ambos trabalhando colados ao desenvolvimento capitalista da época

sob a égide da acumulação do capital fincado na mineração. (ZONTA &

TROCATE, 2015, p.9-10)

Apesar de o Brasil ser um país minerador desde o período colonial, a população

brasileira desconhece o funcionamento deste modo de produção e como ocorre a

exploração deste recurso natural tão importante para a soberania nacional. Antes do

desastre do Rio Doce, quase não se discutia o tema da mineração e este tema tinha pouca

ou nenhuma visibilidade nos meios de comunicação.

Um exemplo emblemático é o escândalo da venda da Companhia Vale do Rio

Doce-CVRD, empresa estatal criada no governo Vargas em 1942 e privatizada no ano de

1997 no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). A Vale foi arrematada por US$

3,3 bilhões, quando estava avaliada em U$$8,6 bilhões. Alguns outros artigos falam em

R$ 92 bilhões. De qualquer forma, foi vendida por um valor muito abaixo do estimado.

12Barragens que sofreram rompimentos em Minas Gerais: Itabirito (1986), resultando em 7 óbitos; Nova

Lima (2001) com 5 óbitos; Cataguases (2003); Miraí (2007); Itabirito (2014) com 3 óbitos e Mariana -

Fundão (2015) – 19 óbitos e mais 600 pessoas desalojadas e Mariana – Santarém (2015). Além destes

números, houve impactos sociais e ambientais em cada caso (ALVES, 2015).

34

A CVRD foi comprada pelo Consórcio Brasil (Companhia Siderúrgica

Nacional; Bradespar, do grupo Bradesco; e o fundo de investimentos. Previ),

que possuem 41,73% das ações (RUSSO, 2002). Esse processo gerou uma

série de denúncias relacionadas a desvio de verba pública. Atualmente,

tramitam muitas ações na Justiça, questionando a legalidade da venda da

estatal.

Com a expansão do capitalismo em todo o mundo, a exploração mineral também

ganhou novos contornos. Os últimos 15 anos foram marcados pelo chamado boom das

commodities, período de supervalorização do preço de alguns minerais no mercado

global, e consequente intensificação da extração e exportação mineral no Brasil. O preço

do minério de ferro, que era de US$ 32 em janeiro de 2003, chegou a custar US$ 196 em

abril de 2008 (WORLD BANK, 2015). Este segundo ciclo histórico da mineração no país,

dos últimos 15 anos, se caracteriza pela valorização da tonelada de minério de ferro, o

ouro negro brasileiro, que ocupa o 1º lugar entre os produtos que geram mais renda das

exportações brasileiras (IBRAM, 2011).

Segundo o relatório do Instituto Brasileiro de Mineração - IBRAM (2011), o

boom das commodities pode ser visto claramente entre os anos de 2000 e 2011, quando

houve um crescimento de 550% da Produção Mineral Brasileira (PMB), o que significa

um crescimento de US$ 7,7 bilhões para US$ 50 bilhões em arrecadação com a produção

mineral. Entre os anos de 2000 a 2011, a participação da extração mineral no PIB

brasileiro cresceu 156%. Em 2013, a exportação de minérios chegou a 14,5% do total das

exportações do país, sendo 92,6% de minério de ferro (ITC, 2015).

Estes dados ilustram o crescimento das empresas do Setor Mineral e a

intensificação da produção e da extração exorbitante neste período. Nesta lógica

extrativista, chegou-se a exportar 400 milhões de toneladas métricas de minério de ferro

no ano de 2014 (IBRAM, 2015). O Brasil é o segundo maior produtor de minério de ferro

do mundo, perdendo somente para a Austrália, e possui a segunda maior reserva, estimada

em 29 bilhões de toneladas de minério de ferro, e com alto teor de ferro encontrado no

minério (IBRAM, 2012). Segundo o ITC (2015), no ano de 2013, o Brasil foi responsável

por 14% da exportação mundial de minérios, ocupando o segundo lugar no ranking dos

maiores exportadores.

Foram contabilizadas 8.870 empresas mineradoras no país no ano de 2013

(IBRAM, 2015). Quase todos os municípios brasileiros passaram a desenvolver alguma

atividade relacionada à mineração. Segundo o Relatório de Gestão da Diretoria de

35

Procedimentos Arrecadatórios (DIPAR) do Departamento Nacional de Produção Mineral

(DNPM), no ano de 2013, 2.451 municípios13 receberam a Compensação Financeira pela

Exploração de Recursos Minerais (CFEM).

A CFEM é um valor pago pelas mineradoras aos municípios, aos estados e à União

referente à exploração mineral. No ano de 2013 foram arrecadados R$ 2,37 bilhões. A

arrecadação se dá em maior parte pela extração de minério de ferro, principalmente nos

estados de Minas Gerais, Pará, Goiás, São Paulo e Bahia. (DNPM, 2013). Zonta e Trocate

(2015) ressaltam que no Brasil este imposto é baixíssimo. É um gasto ínfimo para as

empresas, equivalente a cerca de 0,2% a 0,3% do faturamento líquido das mineradoras.

A CFEM é a principal fonte de recursos dos municípios que possuem alguma

atividade mineral, 80% da arrecadação da Prefeitura de Mariana, por exemplo, é

correspondente à mineração na região (DUARTE, 2015). Segundo o relatório da DNPM

(2015), neste ano o município de Mariana recebeu R$106,059 milhões em CFEM. Este

valor é pequeno perto do total do lucro das mineradoras, no entanto, é significativo para

o orçamento municipal da cidade.

A participação da mineração na arrecadação dos municípios instaura uma relação

complexa entre o poder público local e a atividade mineral. Estes recursos, que deveriam

ser destinados a outras atividades, acabam sendo implementados na manutenção da

própria atividade na cidade, considerando que a mesma aumenta e cria demandas relativas

à infraestrutura, criação de novos serviços públicos, investimento no setor de transportes,

entre outros. De forma geral, as cidades se organizam a partir desta área, não investem

em outras atividades de geração de renda, como a produção agrícola, o setor de serviços,

o turismo, gerando uma dependência da atividade mineral (PoEMAS, 2015).

Estas informações apresentam brevemente a complexidade da exploração e da

produção mineral brasileira. O Brasil é uma potência mineral, portador de uma das

maiores reservas de um recurso natural não renovável, que está sendo extraído

exaustivamente por grandes empresas, que exportam não só a matéria-prima mineral,

como mão de obra e tecnologia, gerando lucros imensos com pouca regulação ou retorno

para o Estado brasileiro. A Vale S.A hoje é responsável por 84,52% da produção e

13Sem falar das cidades onde ainda existem garimpos clandestinos, aproximadamente 800 cidades, e

daquelas cidades onde ocorre exploração de areais, cascalhos e marmorarias, mais ou menos 1.200 cidades,

locais em que esta compensação não é arrecadada (ZONTA & TROCATE, 2015).

36

exportação de minério de ferro no país (IBRAM, 2012). Para onde vai este dinheiro? À

custa de quem essa exploração é feita?

O discurso da geração de empregos não representa a realidade. O crescimento do

Setor Mineral não significou necessariamente novos postos de trabalho. Ao contrário, a

fim de reduzir cada vez mais os custos frente à crise econômica, houve um aumento do

desemprego, se ampliou a terceirização e a flexibilização dos contratos laborais. A Vale,

quando foi privatizada, reduziu mais de cinco mil postos de trabalho. E não por acaso,

das mortes geradas pelos rompimentos das barragens, a maioria foi de trabalhadores

terceirizados, com contratos de trabalho temporários e com condições de trabalho

inseguras e precarizadas.

Os postos de trabalho mais qualificados são ainda geralmente ocupados por

mão de obra originária dos grandes centros urbanos. A mão de obra local é

ocupada, em geral, por meio de 39 contratos de limpeza e manutenção das

infraestruturas, máquinas e equipamentos, em condições precárias definidas

por empresas terceirizadas prestadoras de serviços para as mineradoras, e

apresentando níveis de remuneração consideravelmente mais baixos. De modo

relevante, todos os trabalhadores falecidos e desaparecidos até o dia 4 de

dezembro como consequência do rompimento da barragem do Fundão eram

funcionários de empresas terceirizadas da Samarco (Coissi & Braga, 2015).

No entanto, mesmo que em termos absolutos os empregos criados pela

mineração sejam pouco expressivos, relativamente, em municípios

mineradores e com populações pequenas e empobrecidas, a geração de

empregos precários, tipicamente terceirizados, é extremamente relevante em

escala local. Isto gera uma espécie de dilema minerador, isto é, a percepção de

que, apesar dos impactos negativos causados pela atividade, a mineração é a

principal atividade econômica das regiões mineradas, sustentadora de parcela

importante da renda familiar (PoEMAS, 2015, p. 38-39).

Estas são questões centrais para compreender o desastre da bacia do rio Doce e

que merecem uma maior discussão e acompanhamento da sociedade civil e das

universidades. O superciclo das commodities intensificou não só a produção mineral,

como também agravou diversos problemas socioambientais e violações de direitos

humanos nas regiões de mineração, a exemplo da região onde foi implementado o Projeto

Grande Carajás, que transformou Marabá e Parauapebas “num caos social explosivo”

(ZONTA & TROCATE, 2015, p.17).

Se a mineração é sinônimo de desemprego, ela é, ainda, a ocupação no Brasil,

campeã em mortes, mutilação, enlouquecimento, terceirização e quarteirização

de seus trabalhadores e um sem fim de tragédias ambientais decorrentes da

ideologia do desenvolvimento e progresso postos ao seu valor. No mesmo

sentido, o avanço da mineração deve agudizar os conflitos pela disputa de

território que passou a desterritorializar ou ocupar o espaço da reprodução

social do campesinato e de outros grupos sociais, como Quilombolas e

37

Indígenas. Além de trazer em seu aspecto determinista e autoritário para as

cidades mineradoras, a militarização do espaço, espionagem, criminalização, a

violência entre os jovens, a judicialização contra lideranças comunitárias e o

fim de muitas perspectivas econômicas, antes viáveis nesses espaços, mas que

foram sugadas pelo enclave da atividade minerária, por exemplo, a agricultura

(ZONTA &TROCATE, 2015, p.15).

Com o fim do boom das commodities, gerado pela crise econômica, a produção

não diminuiu. Ao contrário, para compensar a diminuição da receita, se alargou e se

intensificou ainda mais a exploração nas minas existentes, extraindo mais toneladas de

minério de ferro. Para garantir a margem de lucro dos acionistas, a lógica adotada é a de

redução ao máximo dos custos, o que impacta diretamente nas condições de trabalho,

cada vez mais precarizadas, e na ausência de investimento em segurança e monitoramento

das barragens.

Este cenário de superexploração mineral da última década localiza o rompimento

da barragem enquanto um fenômeno que não é isolado, e tampouco acidental. Ao

contrário, segundo os pesquisadores do grupo de estudos PoEMAS (2015), existe relação

quase que direta entre a exorbitante produção dos últimos períodos, com o rompimento

das barragens. A leitura dos autores está ancorada na análise feita por M. Davies e Martin

(2009), que estabelece uma correlação entre o rompimento de barragens de rejeitos em

períodos de recessão, com o chamado pós-boom das exportações das commodities, e

consequente intensificação da produção. Para estes autores, o rompimento é resultado de

diversos fatores, entre eles:

Pressa para obter o licenciamento no período de preços elevados, levando ao

uso de tecnologias inapropriadas e à escolha de locais não adequados para a

instalação dos projetos; Pressão sobre as agências ambientais pela celeridade

no licenciamento, o que pode levar a avaliações incompletas ou inadequadas

dos reais riscos e impactos dos projetos; Movimento setorial de expansão,

também durante o período de alta, causando contratação de serviços de

engenharia a preços mais elevados (aumentando o endividamento das firmas),

dependência de técnicos menos experientes ou sobrecarga dos mais

experientes (comprometendo a qualidade dos projetos ou a execução das

obras); Intensificação da produção ou pressão por redução nos custos a partir

do momento em que os preços voltam aos patamares usuais (M. DAVIES &

MARTINS, 2009 apud PoEMAS, 2015, p.18).

Ou seja, o final do ciclo de commodities resultou na intensificação da produção,

junto a uma maior pressão sob os órgãos públicos em busca da aceleração da emissão das

licenças ambientais, e também na redução dos custos. O aumento da produção associada

à tecnologia utilizada para extração resulta em um aumento da quantidade de rejeitos e

38

gera uma demanda cada vez maior por barragens. Segundo Bowker e Chambers (2015),

a incidência de rompimentos de barragens no mundo aumentou significativamente. Da

década de 1990 até os dias atuais, ocorreram mais de 30 rompimentos de barragens de

rejeitos, o que demonstra que o rompimento da barragem é inerente a este modelo de

exploração desenvolvido pelo setor mineral.

A história da Samarco na região se enquadra perfeitamente nessas variáveis

apresentadas pelos autores. A barragem do Fundão começou a funcionar em 2008, no

auge da valorização dos preços de minério de ferro, e a licença ambiental foi concedida

sem que houvesse um monitoramento do Estado a respeito do cumprimento das

exigências feitas. Além disso, escancara-se uma relação de poder e influência sob o poder

público extremamente complexa, que perpassa pelo financiamento das campanhas

eleitorais e uma participação ativa nos rumos da política brasileira.

Somente nas eleições de 2014, as empresas ligadas à Vale destinaram R$48,85

milhões de reais para o financiamento de comitês financeiros e diretórios de partidos

políticos. Deste montante, o PMDB recebeu R$23,55 milhões de reais, seguido pelo PT

(R$ 8,25 milhões), PSDB (R$ 6,96 milhões), PSB (R$ 3,5 milhões), PP (R$ 1,5 milhões)

e o PCdoB (R$ 1,5 milhão). O PMDB historicamente controla o setor da mineração no

país, influenciando a escolha do ministro de Minas e Energia e dos gestores dos

Departamentos Nacionais de Produção Mineral (DNPM) (CASTILHO, 2015).

Vale ressaltar que estes financiamentos se deram especialmente aos parlamentares

que compuseram a comissão especial que debate o novo marco regulatório da mineração

no país. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.807/2013,

que visa a alterar o Código de Mineração. De acordo com os movimentos sociais, a

proposta apresentada pelo relator deputado Leonardo Quintão (PMDB/MG) ignora as

questões relacionadas à segurança, ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores. Caso a

proposta seja aprovada, o modelo predatório de exploração mineral se intensificará à custa

dos recursos naturais e da força de trabalho dos trabalhadores da mineração (COMITÊ

NACIONAL EM DEFESA DOS TERRITÓRIOS FRENTE À MINERAÇÃO, 2013).

O modelo de desenvolvimento econômico adotado no país caracteriza-se pela

aliança do Estado com as empresas do setor privado. Este modelo, ancorado na promessa

de crescimento econômico, incentiva e investe na expansão de empreendimentos do setor

produtivo.

39

O poder público, especificamente o Estado brasileiro, se transformou num

grande instrumento de regulamentação, manutenção e reprodução dos

interesses da iniciativa privada. O BNDES, sem nenhuma transparência, é a

principal ferramenta desta lógica, financiando os mesmos grupos que ferem os

direitos dos atingidos, exploram os trabalhadores destes projetos e

desrespeitam a legislação ambiental, muitas vezes com a ajuda do próprio

IBAMA. Esta prática acontece em vários setores, seja na produção de energia,

na construção de portos, na construção de refinarias de petróleo, na

especulação imobiliária ou em qualquer obra que esteja no plano de

desenvolvimento econômico do país. (TEMPS, 2013, p.33)

Diante deste cenário de extrema complexidade que envolve os interesses do

capital representados pelas empresas e o poder público, os direitos das populações

atingidas pelos diversos empreendimentos construídos em nome do “desenvolvimento”

são constantemente violados. O desastre causado pela barragem do Fundão contribui para

desvelar as contradições presentes na sociedade capitalista e o seu modo de produção

baseado na exploração, na minimização dos custos e na maximização dos lucros à custa

da natureza e da vida humana.

40

3. O CAMINHO DE RESISTÊNCIA DOS MOVIMENTOS POPULARES

O avanço da exploração capitalista que se dá através do modo de produção mineral

ou de outro setor produtivo não ocorre sem com isso produzir resistências. A história da

América Latina é travada por histórias de resistência popular frente às diversas formas de

dominação que se sucederam neste continente desde o período colonial até os dias atuais,

com o avanço do capitalismo globalizado. As lutas populares visam à transformação das

realidades dos países latino-americanos, historicamente marcadas pela opressão, pelo

extermínio das populações originárias, escravização de povos indígenas e de negros, estes

últimos, violentamente sequestrados do continente africano para servir de mão de obra

escravizada no período da colonização.

Com o processo de modernização tardia, inicia-se o modo de produção capitalista

dependente dos países “desenvolvidos”, o que resulta no aprofundamento das

desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais. As populações campesinas

deixam seus territórios em direção aos centros urbanos em busca de trabalho e melhores

condições de vida. O êxodo rural e o consequente inchaço populacional nas áreas urbanas

trazem à tona uma das principais contradições do modo de produção capitalista em

desenvolvimento, a sua incapacidade de promover igualdade e cidadania a todos, como

sustenta sua ideologia (ALMEIDA, 2006). As populações das camadas mais pobres

possuem acesso precário ou simplesmente não acessam as condições básicas de vida,

como moradia, trabalho, saúde e educação.

Além dos processos de industrialização e modernização tardios vivenciados em

todo o continente, eclodiram as ditaduras militares e em seguidao capitalismo

expansionista com sua face mais nefasta, o neoliberalismo. Face aos governos ditatoriais

e às políticas neoliberais que promoveram retrocessos nas conquistas populares e

aumentaram os índices de pobreza e vulnerabilidade das populações, surgiram novas

formas de resistência e luta popular com caráter anticapitalista, anti-imperialista e

antineoliberal.

Os chamados “novos”14 movimentos sociais surgiram na América Latina, a partir

da década de 1960, e assumiram formas de organização popular consideradas inovadoras

14Ver Galvão (2008, p. 10): “não se trata de novos movimentos sociais stricto senso, não apenas porque

alguns desses movimentos não são tão novos assim, mas porque também não constituem necessariamente

uma oposição ao movimento operário e sindical, mas se associam a ele, de formas distintas. Além disso, ao

contrário do que propugnam as teorias sobre os novos movimentos sociais, é possível encontrar um caráter

de classe nesses movimentos, o que permite pensar sua unidade, a despeito de sua heterogeneidade”.

41

para o período, já que articularam diferentes agentes sociais. Destaca-se a influência de

setores da Igreja Católica, do pensamento de esquerda, de ações de resistência à ditadura

militar e luta por melhores condições de vida. Estes movimentos são chamados “novos”,

pois coexistiam com formas tradicionais ou “antigas” de organização, a exemplo dos

partidos políticos, sindicatos ou movimentos com foco nos direitos identitários

(movimentos feministas e ambientalistas) comuns na Europa naquele período (GONH &

BRINGEL, 2012).

Contudo, é somente na década de 1990 que estes movimentos sociais crescem e

ganham maior visibilidade na América Latina. Nas áreas rurais do Brasil, nasce o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na Bolívia, no Peru, no Equador

e no México surgem diversos movimentos indígenas e na Argentina, o movimento

piqueteiro. São movimentos heterogêneos em suas origens, contextos e influências no

cenário político, no entanto, todos surgem em enfrentamento ao neoliberalismo e aos

efeitos da política neoliberal na vida das populações mais oprimidas do continente

(GALVÃO, 2008).

A novidade destes movimentos não consiste nos seus sujeitos nem nas suas formas

de luta, já que o campesinato, os grupos indígenas e os desempregados já se manifestaram

em outros contextos, e os métodos utilizados são comuns ao movimento operário. A

novidade destes movimentos consiste na combinação destes elementos, diferentes

sujeitos e métodos de luta, na conjuntura de surgimento do neoliberalismo na América

Latina. Vale ressaltar que são movimentos que surgem em meio à crise da democracia

representativa e degeneração das instituições políticas tradicionais, como partidos e

sindicatos, buscando novas formas de participação frente à crise de representação,

desafiando o espaço da política tradicional mais institucionalizada.

(...) Além de experiências de democracia direta, as formas de luta incluem

práticas de autogestão (no caso das fábricas recuperadas) e ações de

solidariedade, dentre as quais se destacam os clubes de troca (espaços

destinados à troca de bens e serviços, que têm moeda própria: o crédito social),

merenderos e comedores da Argentina. Também é possível encontrar

mecanismos historicamente empregados pelo movimento operário, como

barricadas, piquetes e ocupação de fábricas, acrescidos dos bloqueios de

estrada promovidos por mineiros e camponeses, dos saques promovidos pelos

desempregados, dos panelaços da classe média, da ocupação de terras pelos

sem-terra. Algumas experiências valem-se habilmente dos meios de

comunicação, como o rádio e a própria internet, para difundir suas bandeiras

de luta para além de suas fronteiras, a exemplo do caso mexicano (tanto em

42

Oaxaca como em Chiapas), e ainda assumem um perfil militarizado, como o

Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). (GALVÃO, 2008, p.16)

Os movimentos latino-americanos possuem uma dimensão política, atuam em

contraponto às instituições e projetos políticos, possibilitando a criação de novas forças

políticas que se posicionam como oposição ou apoio com relação aos governos,

relacionam-se com partidos, sindicatos e outros movimentos sociais, imprimindo suas

reivindicações, seja através da via institucional ou através da negação dela. Possuem

propósitos políticos e não apenas culturais e se caracterizam pela luta por direitos políticos

(como participação política e democratização) e direitos econômicos (como acesso à

terra, ao trabalho, à distribuição de renda e benefícios sociais), além de se posicionarem

contra os tratados de livre comércio e as investidas imperialistas sobre os Estados

(GALVÃO, 2008).

A sua composição, as demandas, formas de atuação e influências políticas e

ideológicas variam de acordo com o contexto e as tradições locais de onde são originários.

Os movimentos indígenas, por exemplo, possuem experiências pautadas em modelos de

vida coletivistas e comunitários. No Brasil, Argentina e México, países mais

industrializados, há uma maior presença do proletariado e do movimento sindical,

resultando em uma relação maior com o Estado e os partidos políticos.

De acordo com Zen (2007), no caso do Brasil, o processo de luta contra a ditadura

militar e pela redemocratização contou com ampla participação popular e protagonismo

destes novos movimentos. Junto com o “novo sindicalismo” vigente, novas formas de

ação coletiva ganharam espaço, destacando-se as comunidades eclesiais de base,

associações de moradores em diversos bairros do país e movimentos com diversas áreas

de atuação, a exemplo do movimento popular de saúde, dos movimentos de moradia e

dos movimentos do campo. Eram inovadores na medida em que transcendiam os espaços

das fábricas e locais de produção, valorizavam a cultura dos povos e possuíam métodos

de ação que perpassavam pela desobediência civil, como as ocupações de terra, moradia,

empresa e ações diretas.

A expansão dos “novos” movimentos sociais na Europa e na América Latina

impulsionou o surgimento de diversos paradigmas teóricos, sobretudo no campo da

sociologia. Autores como Alan Touraine (1985), Claus Offe (1985), Alberto Melucci

(1980) são pioneiros da chamada Teoria dos Novos Movimentos Sociais. Estes

paradigmas teóricos enfatizam os aspectos culturais dos movimentos, a relação de

43

solidariedade entre os grupos, as relações sociais e a formação da identidade,

desconsiderando, de forma geral, o conflito entre as classes sociais. Na maioria dos casos,

retiram a questão de classe do centro da análise e até negam a sua importância. A Teoria

dos Novos Movimentos Sociais surge se contrapondo ao paradigma clássico marxista,

que passa a ser visto como ortodoxo por estas correntes pós-materialistas e defasado na

compreensão das nuances destas novas formas de ação política (ZEN, 2007; GALVÃO,

2011; GONH, 2011).

As perspectivas teóricas que se constituíram e que se tornaram dominantes no

“campo”, sobretudo nos anos 1980, foram forjadas em oposição ao marxismo,

buscando negar a relevância da dimensão de classe e a centralidade da luta de

classes: quer seja a teoria dos novos movimentos sociais, da mobilização de

recursos, da mobilização política (esta em menor medida) e do

reconhecimento. De modo geral, para essas perspectivas, a mobilização se

produz a partir de fatores societais e exprime objetivos culturais, pós-

materialistas (como valores, identidades, reconhecimento), de modo que não

seria possível (nem faria sentido) relacioná-la ao pertencimento de classe dos

atores mobilizados. (GALVÃO, 2011, p. 107-108)

No entanto, ressurge o interesse de compreender estes movimentos enquanto

expressão da luta entre as classes, já que não se pode negar a estrutura social que rege

todas as relações, o modelo de produção capitalista. É importante reconhecer que estes

movimentos transcendem as pautas relativas à contradição principal entre o capital e o

trabalho. Contudo, eles se estruturam e nascem dentro desta ordem social, à luz da luta

contra as desigualdades produzidas ou apropriadas pelo próprio capital.

Neste sentido, o objetivo deste capítulo é apresentar brevemente a história dos

movimentos sociais oriundos das classes populares no Brasil, tendo por foco o

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). A perspectiva adotada no presente

estudo pretende compreender a natureza destes movimentos populares através de uma

análise centrada na luta de classes, ou seja, através da perspectiva da teoria marxista de

análise.

3.1 Os Novos Movimentos Sociais e a perspectiva de classe: contribuições da Teoria

Marxista

A análise dos movimentos sociais através da vertente marxista tem por

centralidade os processos de lutas sociais que visam à transformação da sociedade e das

suas desigualdades socioeconômicas e opressões políticas, sociais e culturais. Não se

44

limita ao estudo das revoluções15, mas a todo o processo histórico de luta das classes

dominadas.

Contudo, é errôneo generalizar este paradigma e lhe atribuir somente a análise do

movimento operário e o estigma de “antigo” em contraposição ao “novo” paradigma de

estudo dos movimentos sociais. É importante reconhecer que esta vertente abrange

abordagens ortodoxas e não ortodoxas, assim como análises de movimentos sociais

operários e também não operários, com caráter reivindicatório de melhorias coletivas,

bens, direitos e equipamentos públicos. Além disso, a teoria marxista não é somente uma

teoria de análise dos movimentos sociais, como também é a teoria que orienta muitos dos

movimentos, instrumentalizando-os para a análise dos conflitos da sociedade capitalista

e também para a sua práxis histórica transformadora (GONH, 2011).

No entanto, compreender os movimentos sociais populares como expressão da

luta de classes implica, necessariamente, em ampliar a ideia de conflitos de classe para

além da concepção de que são oriundos, exclusivamente, da relação Capital x Trabalho,

visão geralmente presente nas análises mais ortodoxas. Esta relação Capital e Trabalho,

presente na lógica de produção capitalista, permanece no centro das lutas das classes

trabalhadoras. Contudo, a formulação ideológica do capitalismo e os seus mecanismos de

dominação se imbricam não só nas relações de trabalho e na expropriação da mais-valia,

mas estão presentes, sobretudo, no controle dos meios de produção, no controle do Estado

(meios de administração e coerção) e dos meios de produção do consenso (MILIBAND,

1999).

Outro ponto importante é que a luta destes movimentos sociais abarca outras

contradições, não necessariamente situadas no nível da relação de produção, mas que se

relacionam com o capitalismo e como ele se estrutura na sociedade. O conflito de classes

é somente uma das maneiras de dominação. A ordem social capitalista é também

patriarcal, sexista e racista. Neste sentido, é importante estabelecer unidade entre estes

diferentes movimentos, que possuem pautas que ampliam a questão das classes sociais,

mas que se relacionam diretamente com ela, de forma a confluir em um projeto político

anticapitalista. Como exemplo desta relação, destaca-se o próprio movimento de

mulheres trabalhadoras, no qual as pautas feministas estão diretamente associadas à

opressão de classe vivenciada pelas mulheres, ou ainda a questão ambiental, gerida pela

15O estudo das revoluções tem importância neste campo teórico, e foi realizado por Marx e por alguns

marxistas, já que são experiências de confronto entre as forças políticas que se colocam em luta, instaurando

uma ruptura da ordem e da hegemonia das classes dominantes (GONH, 2011).

45

lógica produtivista do capitalismo que acarreta na exploração e na destruição de recursos

naturais (LACLAU & MOUFFE, 1985).

No entanto, mesmo considerando que nem todo conflito é necessariamente

oriundo do conflito de classes, não se pode compreender o movimento social em sua

peculiaridade, sem considerar a centralidade que a relação capital-trabalho exerce na

sociedade. Como afirma Galvão (2011, p.119):

(...) não apenas os trabalhadores explorados estão submetidos à lógica do

capital e às relações capitalistas. Ou seja, os movimentos sociais não

constituem apenas uma reação a diferentes formas de dominação e opressão

(...) como tais reações se constroem em relação com a exploração capitalista.

Isso permite supor que a luta da mulher, do negro, do índio assume contornos

específicos numa sociedade capitalista.

Para isso, os conceitos aqui adotados a respeito das classes sociais e da luta de

classes transcendem a perspectiva economicista, focada somente na divisão do trabalho

entre os donos dos meios de produção e os donos da força de trabalho, mas visa

compreender como estes movimentos também expressam e atuam para impulsionar os

interesses de classe. Segundo Machado (2016), a luta de classes na sua expressão

conflitiva aparece não só nos partidos e sindicatos, mas também nos movimentos sociais.

Para a compreensão das classes sociais e dos seus processos de luta, adota-se a

perspectiva desenvolvida por Poulantzas (1974), bem sintetizada por Machado (2016):

a) elas são conjuntos de agentes sociais determinados principalmente, mas não

exclusivamente, por seus lugares no processo de produção (relações

econômicas de produção), ou seja, as relações políticas e ideológicas também

as determinam, tornando-as efeitos destas estruturas e das suas respectivas

formações sociais. Estes lugares independem da vontade dos agentes; b) as

classes não são um dado apriorístico da realidade para, em seguida, entrarem

na luta de classes; c) a determinação estrutural das classes deve ser distinguida

da posição de classe na conjuntura [grifos no original] (MACHADO, 2016, p.

57).

Galvão (2011) destaca a multiplicidade das classes e se baseia na compreensão de

Miliband (1999), quando amplia o conceito de exploração (como expropriação da força

de trabalho) para dominação de classe. A respeito da heterogeneidade das classes sociais

e a sua relação com os efeitos da exploração e da dominação capitalista, a autora afirma:

É possível destacar a importância da oposição de classes na emergência e

estruturação dos movimentos sociais, uma vez que os conflitos que estes

46

expressam estão, em parte, relacionados aos efeitos da exploração e da

dominação capitalista. Destacar a importância da oposição de classes, porém,

não equivale a sustentar que os conflitos sociais traduzem uma simples

polarização de interesses entre capital e trabalho. Pelo contrário, utilizamos o

termo classes trabalhadoras no plural para nos referir a um conjunto

heterogêneo de diferentes classes sociais – que compreende o operariado, a

pequena burguesia, o campesinato e as classes médias – que se distinguem

quanto ao tipo de trabalho realizado, às condições em que a força de trabalho

é vendida e, no caso do produtor familiar, ao tipo de vínculo estabelecido com

a pequena propriedade. Essa distinção compreende: trabalho manual e não

manual, produtivo e improdutivo, assalariado e não assalariado, tarefas de

direção e de execução. (GALVÃO, 2011, p.110-111)

Para contextualizar a luta destes movimentos no âmbito da luta de classes, é

preciso também ter uma compreensão mais ampla do próprio sentido da luta de classes.

Lênin, em “Nosso programa” (1899), caracteriza da seguinte forma:

(...) compõe-se da luta econômica (contra capitalistas isolados ou contra grupos

isolados de capitalistas pela melhoria da situação dos operários) e da luta

política (contra o governo, pela ampliação dos direitos do povo, isto é, pela

democracia, e pela ampliação do poder político do proletariado) (LÊNIN,

1979, p. 33).

Segundo Galvão (2011), esta concepção admite que a luta entre as classes não

necessariamente se expressa na luta pela tomada do poder pela via revolucionária, mas

que em muitos aspectos estes conflitos passam pela luta política reformista, de

reivindicação do próprio Estado, da democracia e de direitos. No entanto, mesmo estas

reivindicações que não visam diretamente à ruptura revolucionária do sistema de

produção capitalista, em muitos casos produzem impacto político, pois afetam, por

exemplo, a ideologia do direito à propriedade, no caso das ocupações de terra e moradia,

aumentando a tensão entre as classes e ampliando algumas conquistas populares, a

exemplo dos direitos sociais e trabalhistas, que atingem as classes dominantes.

A perspectiva marxista permite compreender de forma dialética a relação entre

Estado e sociedade civil e compreender os limites e as potencialidades destes movimentos

sociais. Tendo em vista a relação e o tensionamento com o aparelho estatal que os

movimentos populares estabelecem a partir de reivindicações no campo da cidadania, das

políticas públicas e dos direitos sociais, é importante resgatar a concepção de Estado no

capitalismo.

47

3.1.1 O Estado, a cidadania e a luta dos movimentos populares

A ideologia capitalista16 que estrutura as relações de circulação de mercadorias,

de venda e compra de força de trabalho, contribui para a construção de uma ideologia de

Estado, visto enquanto poder público puro e neutro a serviço dos interesses gerais dos

indivíduos-cidadãos, garantindo-lhes o direito à propriedade privada e lhes assegurando

a liberdade e a igualdade. Com isso, torna-se oculta a sua real funcionalidade, que é de

atuar enquanto aparelho para reprodução e manutenção das condições de dominação da

classe detentora dos meios de produção. O poder político que constitui o Estado burguês

é aquele que legitima, por exemplo, o uso do seu aparato repressivo em nome da defesa

da ordem, contra aqueles que buscam acessar diretamente as “fontes da vida” sem serem

proprietários jurídicos (ALMEIDA, 2006).

Marx e Engels (1848/2003) já apontaram no Manifesto do partido comunista este

caráter do Estado capitalista enquanto instrumento para dominação de classe. No 18

Brumário de Luís Bonaparte, Marx (1851/2008) atribui um aspecto mais complexo ao

Estado, em que ele não é apenas um objeto de uso da classe burguesa, mas de certa forma

possui autonomia. Segundo Machado (2015), esta autonomia, necessária ao Estado para

organizar a dominação burguesa, obriga as classes sociais a se organizarem na defesa dos

seus interesses particulares e, no caso das classes dominantes, “a disputarem a hegemonia

no interior do bloco no poder” (MACHADO, 2015, p.58).

Segundo Poulantzas (1977):

O Estado capitalista, com direção hegemônica de classe, representa não

diretamente os interesses econômicos das classes dominantes, mas os seus

interesses políticos: ele é o centro do poder político das classes dominantes na

medida em que é o fator de organização da sua luta política [grifos no original].

(POULANTZAS, 1977, p. 185)

Além do mais, Poulantzas (1977) afirma que o Estado capitalista, dentro dos

limites do sistema, abarca parte dos interesses das classes dominadas, em uma espécie de

jogo. Esta garantia parcial dos interesses das classes dominadas, mesmo imposta através

16Refere-se à ideologia jurídica que estrutura a relação de troca e mercantilização da força de trabalho no

capitalismo, na qual o dono dos meios de produção e o dono da força de trabalho são vistos como iguais e

possuidores de mercadorias iguais em sua origem. O proprietário da força de trabalho, portanto, passa a ser

compreendido como livre proprietário da sua pessoa e da sua capacidade de trabalho, o que oculta o modo

exploratório da produção capitalista, onde a acumulação de capital se dá através da produção do mais valor,

extraído da força de trabalho e apropriado pelo capitalista. (MARX, 1885/2013)

48

da luta política e econômica destas classes, não diminui ou limita o poder político das

classes dominantes, ao contrário, esta garantia se dá conforme a hegemonia da dominação

das classes dominantes. Seguindo a ideia do autor:

Isto apenas significa, contudo que o Estado não é um utensílio de classe, que

ele é o estado de uma sociedade dividida em classes. A luta de classes nas

formações capitalistas implica em que esta garantia por parte do estado, de

interesses econômicos de certas classes dominadas está inscrita como

possibilidade nos próprios limites que ele impõe à luta com direção

hegemônica de classe. Esta garantia visa precisamente à desorganização

política das classes dominadas, e é o meio por vezes indispensável para

hegemonia das classes dominantes em uma formação em que a luta

propriamente política das classes dominadas é possível [grifos no original].

(POULANTZAS,1977, p.186)

De acordo com Machado (2015), o Estado capitalista desorganiza politicamente

as classes dominadas e as organiza sob a ideologia de “povo–nação”, do qual ele é

representante. Este mecanismo afeta todas as classes sociais, à medida que atua para a sua

diluição. Contudo, o Estado, enquanto centro do poder político da classe dominante,

assegura a troca desigual entre o salário pago pelo capitalista ao trabalhador e a extorsão

do seu sobretrabalho.

O Estado no capitalismo, em sua expressão de dominação de classe, abarca

também parte dos interesses das classes dominadas a fim de desmobilizá-las. Os

movimentos, sejam eles representantes das classes dominantes ou dominadas, atuam

como representações políticas defasadas17 da luta de classes que tensionam o Estado

burguês (MACHADO, 2015).

É importante resgatar, portanto, o papel deste aspecto ideológico do capitalismo,

que gera as contradições que impulsionam as lutas das classes populares. Almeida (2006)

enriquece a análise sobre a importância do eixo nação-cidadania para a ideologia de

sustentação do capital. E afirma:

17Conceito apresentado por Machado (2015) em referência teórica a Poulantzas (1997) quando aborda a

defasagem com relação aos partidos políticos na “cena política”. Machado (2015) amplia este conceito para

os movimentos sociais, adotando alguns cuidados na análise, tendo em vista as diferenças nos modos de

atuação dos movimentos e também na forma como a ocupação política do aparelho estatal é diferente entre

as classes. Ressalta que com relação às classes dominadas, esta relação é complexa, já que as suas

determinações de classe os colocam na luta cotidiana para suprir as necessidades materiais mais básicas

(como moradia, trabalho, terra, transporte, etc.), ou com relação à desigualdade de direitos (gênero, aborto,

liberdade sexual). Como afirma o autor: “não necessariamente estas demandas revelam interesses de classe

para os seus próprios membros. De modo geral, elas podem ser “traduzidas” como déficits de cidadania.

Portanto, na “cena política”, a relação entre “carências/déficits” e “classe” apresenta-se defasada. E para

torná-la ainda mais nebulosa, o Estado burguês, quando lhes “atende”, dissolve qualquer resquício classista

que possa haver, “transformando” as suas demandas em políticas sociais/assistenciais ou em direitos. (...)

situando-a ao final, no âmbito da cidadania” (MACHADO, 2015, p. 62-63).

49

Esta esfera da circulação, ao contribuir para ocultar as relações de dominação

de classe, cria, na intersecção do estado burguês com as relações de produção,

condições para que se constitua a ideologia da sociedade capitalista como uma

comunidade de cidadãos iguais e competitivos, comunidade fortemente

territorializada e cuja soberania se expressa no Estado-Nação. Neste sentido,

nação e cidadania constituem dois pilares ideológicos fundamentais para a

reprodução da dominação burguesa. A comunidade dos cidadãos, apresentada

como limitada e soberana, é uma construção ideológica da qual o capitalismo

não pode, até o presente momento, prescindir. Constitui-se, portanto, no plano

ideológico, um patamar mínimo de igualdade sem a qual não se reproduz a

dominação capitalista de classe. (ALMEIDA, 2006, p. 67)

A ideologia desenvolvida no curso da revolução burguesa, de que todos são

cidadãos iguais juridicamente, responsáveis pelos seus atos e podem participar das

relações de mercado igualmente desde que tenham algo a vender ou comprar, direcionou

ao longo da história o igualitarismo presente nas revoltas populares para a cidadania civil.

E é a partir deste patamar básico que foi possível, por exemplo, se criar a doutrina dos

direitos humanos fundamentais. Com isso, as noções de igualdade e cidadania, mesmo

que fundamentais para a reprodução das relações de dominação de classe, também se

desequilibram por esta mesma dominação de classe. Neste sentido, não existe igualdade

entre todos os cidadãos, já que no capitalismo alguns são considerados mais cidadãos do

que outros. A premissa da igualdade no plano jurídico–político só existe, portanto, no

plano teórico e ideológico (ALMEIDA, 2006).

A desigualdade e o conflito entre as classes se explicita e se aprofunda quando o

capitalismo se expande pelo mundo e se internacionaliza, já que, com a expansão, o centro

e a periferia do capitalismo passam a enfrentar múltiplos processos de corrosão da

cidadania. O processo de crise da cidadania coloca em questão a própria comunidade

nacional e abre precedente para o surgimento de diversos movimentos que se apropriam

de formas diferentes desta ideologia da cidadania.

Na América Latina, os movimentos sociais populares se apropriam da questão

étnica componente da ideologia nacional de forma inclusiva e emancipatória, a exemplo

dos movimentos indígenas na Bolívia, no Peru e no Equador. Ao mesmo tempo em que

se apropriam, subvertem a ideologia nacional, tendo em vista que possuem concepções e

práticas internacionalistas e anti-imperialistas. Esta contradição se faz presente neste

universo ideológico em que as concepções de nação e cidadania, tão essenciais para

reprodução do sistema capitalista, estimulam a luta e as relações de classes que dão

origem a estes movimentos e que, em muitos casos, possuem como reivindicação e

horizonte a inclusão plena nesta comunidade de cidadãos (ALMEIDA, 2006).

50

Grande parte dos movimentos sociais populares no Brasil abarca, por exemplo,

lutas pela ampliação das políticas sociais de Estado e pelo resgate da cidadania. Este certo

estatismo se justifica no momento em que o grande capital avança em todo o mundo,

implementando políticas neoliberais e fragilizando Estados–Nações. As conquistas dos

movimentos operários e populares sofrem retrocessos e, neste sentido, as lutas perpassam

pela defesa da soberania nacional e pelas conquistas estatais. Esta relação coloca para os

movimentos populares o contínuo desafio de manter sua autonomia e combinar as lutas

pelas políticas públicas que atendem os interesses imediatos das classes populares,

abrindo espaço paras lutas estratégicas, que visam à derrocada das relações de dominação

presentes no Estado burguês.

No que tange o objetivo deste estudo de analisar as perspectivas de organização

coletiva dos atingidos pelo desastre, especialmente no MAB, essa discussão é relevante,

já que permite entender em que contexto foi possível o surgimento de um movimento

como o MAB no Brasil, que se insere em uma luta mais ampla que apenas a luta por

direitos dos atingidos.

3.2 Breve histórico dos Novos Movimentos Sociais no Brasil e o Movimento dos

Atingidos por Barragens (MAB)

A história do Brasil é marcada pela existência das lutas e dos movimentos sociais

desde o período colonial. Diante da exploração e da dominação dos colonizadores, não

foi pouca a resistência dos povos indígenas, negros, mestiços, brancos pobres e das

classes médias influenciados por ideologias libertárias, a exemplo dos levantes populares

como a Revolta de Zumbi dos Palmares (1630-1695), a Inconfidência Mineira (1789), a

Revolta dos Malês (Bahia, 1835), a Cabanagem (Pará, 1835) e Canudos (Bahia, 1874-

1897) (GONH, 2000).

Com a industrialização do país, surgem a classe operária e as primeiras

organizações de luta do proletariado, em formato de ligas, uniões e associações. Após a

Revolução de 1930, quando o Brasil se insere no cenário internacional como produtor

agrícola e de bens de consumo industrializados, desenvolve-se uma classe burguesa

industrial e a composição da classe operária é alterada, de imigrantes estrangeiros para os

migrantes vindos das regiões rurais do país para a cidade.

Segundo Gonh (2000), no período entre 1945 e 1964, com o regime político

populista, a conjuntura de redemocratização do país, a Guerra Fria e o desenvolvimento

51

da sociedade de consumo no cenário internacional, torna-se fértil o surgimento de projetos

nacionalistas de desenvolvimento nacional, intensificando as mobilizações e lutas dos

movimentos sociais. Centenas de greves ocorrem no país entre os anos de 1961 e 1964, e

surgem neste período as Ligas Camponesas no Nordeste e o Movimento dos Agricultores

Sem-Terra (MASTER) no Sul, antecessores do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) e de outros movimentos do campo.

Com o golpe militar em 1964 e a intensificação da repressão e da violação dos

direitos sociais, políticos e humanos resultantes da instauração do Ato Institucional nº 5

(AI-5) em 1968, a capacidade de mobilização e organização popular entra em refluxo. Os

estudantes surgem como atores importantes na resistência à ditadura, e destaca-se o papel

da UNE. Parte da esquerda se organiza na luta armada, adotando a tática da guerrilha, e

muitas lideranças foram presas, torturadas e assassinadas pelo regime (GONH, 2000).

Com a crise internacional do petróleo e do chamado "milagre brasileiro" a partir

de 1974, a articulação da resistência ao regime militar ganha força. Surgem no Brasil e

em outros países da América Latina novas formas de organização popular, articulando

diferentes agentes sociais, com destaque ao ecumenismo da Igreja cristã, com as

Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), referenciadas pela Teologia da Libertação, as

ações pastorais, os Centros Comunitários e Centros de Defesa dos Diretos da Pessoa

Humana (GONH & BRINGEL, 2012). O movimento sindical volta a ganhar fôlego com

o surgimento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), nasce a Confederação Nacional

das Associações de Moradores (CONAM) e a Articulação Nacional dos Movimentos

Populares e Sindicais (ANAMPOS), aglutinando os setores populares próximos à CUT,

ao Partido dos Trabalhadores (PT) e aos setores progressistas da Igreja Católica,

posteriormente surge a Central dos Movimentos Populares (CMP), criada no ano de 1993

(GONH, 2000).

Nos anos 80, ocorre o marco da luta sociopolítica pelas “Diretas Já”, no bojo da

luta pela redemocratização do país que culminou na Constituição de 88. O processo

Constituinte foi estabelecido através de muita luta dos movimentos sociais e também das

entidades profissionais em um cenário acirrado de disputas políticas. A nova

“Constituição Cidadã” abarcou muitos avanços no campo social, no entanto, como

afirmam Yamamoto & Oliveira (2010) continuou mantendo traços conservadores, reflexo

do momento político do final de ditadura militar, no qual grande parte dos políticos

daquele período ainda se mantinha no poder.

52

As proposições nos diversos segmentos – previdência, saúde, educação e

assistência social – não foram implementadas pelo governo José Sarney. De

outra parte, no entanto, é importante reconhecer que o movimento popular que

estava na base do embate político do período, sobretudo da luta constitucional,

logrou alcançar algumas conquistas no marco legal, que ainda necessitariam

de anos para sua implementação efetiva (ainda que parcial). O marco mais

importante desse movimento, e talvez a conquista mais expressiva, foi no

campo sanitário, que tem como emblema a VIII Conferência Nacional de

Saúde, em 1986, com a proposição do então Sistema Único de Saúde (SUS) e

do conceito de saúde integral (Behring &Boschetti, 2007). Esse período é

também marcado pelas mudanças no texto constitucional relativas à

Seguridade Social que, especialmente no tocante à esfera dos direitos sociais

em áreas específicas como o movimento em defesa dos direitos de crianças e

adolescentes, resultaria, anos mais tarde, no Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA) (YAMAMOTO & OLIVEIRA, 2010, p.11).

Apesar do ascenso das mobilizações dos movimentos sociais no Brasil e no

restante da América Latina, o cenário mundial é marcado pelo refluxo das lutas sociais e

avanço do capitalismo globalizado após a queda do muro de Berlim, no ano de 1989. O

neoliberalismo avança e, com ele, o aumento do desemprego, das privatizações, das

reestruturações no mercado de trabalho, da flexibilização dos contratos, entre outros.

Segundo Gonh (2000), neste período houve um enfraquecimento da luta dos

sindicatos, e as reivindicações passaram a ser pela manutenção dos empregos ao invés de

melhores condições de trabalho ou salários. Cresceu o mercado informal e movimentos

sociais populares urbanos se desarticularam. No entanto, a luta social do campo se

fortaleceu e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) ganhou espaço na

grande mídia e protagonizou um dos maiores conflitos sociais no país18.

Nos primeiros anos da primeira década dos anos 2000, ocorreram intensas

mobilizações internacionais antiglobalização, com destaque para a luta contra a Aliança

de Livre Comércio das Américas (ALCA) na América Latina. Após 2010, as ruas voltam

a ser tomadas por marchas e manifestações políticas em diversos países do continente

latino-americano, do Oriente Médio, da Europa e dos Estados Unidos (GONH &

BRINGEL, 2012).

18O Massacre de Eldorado dos Carajás ocorreu em abril do ano de 1996, resultando na morte de 21

trabalhadores rurais, assassinados pela Polícia Militar do Pará. Ver MST (2015), “Eldorado de Carajás:

Para não passar em branco” e Barreira (1999), “Crônica de um Massacre Anunciado: Eldorado dos

Carajás”. No momento em que escrevo este capítulo, 20 anos depois do massacre de Eldorado dos Carajás,

dois trabalhadores sem-terra são assassinados em uma emboscada realizada pela Polícia Militar no

Acampamento Dom Tomas Balduíno, no município de Quedas do Iguaçu, região centro do Paraná, o que

demonstra a atualidade dos conflitos relacionados à terra no país. Ver MST (2016), “MST exige punição

imediata dos responsáveis pelo crime cometido contra Sem Terra no Paraná”.

53

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foco deste estudo, nasce e

ganha projeção na organização das populações atingidas por barragens hidrelétricas, neste

contexto. Surge no bojo dos “novos” movimentos sociais latino-americanos, possuindo

antecedentes ligados aos setores progressistas da Igreja Católica, ao sindicalismo rural,

além de combinar diferentes métodos de luta e possuir uma agenda “anti-imperialista e

antineoliberal”.

O MAB surge no Brasil na década de 199019, porém seus antecedentes datam do

final dos anos 1970, em plena ditadura militar e no contexto de implementação das

primeiras usinas hidrelétricas. Vale ressaltar que, neste momento histórico, o mundo

enfrentava uma grave crise energética devido à crise do petróleo, o que leva os países

centrais a buscarem novas fontes de geração de energia, sobretudo as chamadas fontes

“renováveis”.

No caso do Brasil, que concentra 12% da água doce de todo o mundo e possui

uma grande quantidade de rios, bacias hidrográficas e quedas d’água, foi realizado um

estudo aprofundado pela Eletrobrás a respeito do seu potencial hidrelétrico. Através deste

estudo, foram mapeados os locais onde se poderia construir hidrelétricas e, desde então,

foram iniciadas construções de grandes usinas em todo país.

No entanto, os estudos para implantação das usinas não consideravam as

populações que viviam em seus arredores, gerando uma série violações de direitos,

problemas com indenizações e remoção de populações, em sua maioria de origem rural.

Os conflitos acarretados pela construção das hidrelétricas impulsionaram processos de

lutas e organizações reivindicatórias das populações atingidas.

Ao mesmo tempo em que havia um estudo sobre o potencial e como fazer o

aproveitamento da energia, não havia uma proposta de indenização adequada

das famílias que viviam na beira dos rios. Consequência disso foi a expulsão

de milhares de famílias de suas terras e casas, a maioria sem ter para onde ir.

Muitas foram para as favelas das cidades, engrossaram as fileiras de sem-terras

(MAB, 2011).

A construção dessas grandes usinas hidrelétricas afetou mais de um milhão de

pessoas que viviam próximas das áreas represadas (FOSCHIERA, BATISTA &

19Vale ressaltar que é o movimento surge poucos anos depois do surgimento do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Centra Única dos Trabalhadores (CUT), como fruto e

continuidade do processo de acirramento das lutas do campo.

54

THOMAS JR, 2009). Através das primeiras organizações de atingidos20 pelas barragens

foram estabelecidas as condições para o surgimento do MAB enquanto movimento

nacional, como deliberado no I Congresso Nacional de Atingidos por Barragens, em

março de 1991.

3.2.1 Os antecedentes do MAB

Diversos movimentos marcaram o histórico dos processos de resistência das

populações atingidas por barragens hidrelétricas na década de 1970. Vainer (2003)

destaca o surgimento do Movimento Justiça e Terra, movimento pioneiro na organização

dos atingidos em enfrentamento a construção da usina de Itaipu21, maior usina hidrelétrica

do mundo resultante de um acordo entre Brasil e Paraguai.

Além da Comissão Regional dos Atingidos por Barragem (CRAB) na Bacia do

Uruguai, do Polo Sindical do Médio São Francisco em Itaparica no nordeste brasileiro, e

da Comissão dos Atingidos pela Barragem de Tucuruí (CAHTU) no estado do Pará

(VAINER, 2003).

Segundo a história descrita no site do MAB, a insatisfação que se alastrou,

resultou em diversos focos de resistência nos locais em que as obras estavam sendo

construídas, sendo os principais:

(...) Tucuruí (PA) no norte do país, Itaipu (binacional com Paraguai) no sul,

Sobradinho e Itaparica no nordeste. E mais adiante, Itá e Machadinho também

na região sul. Nessas regiões, os atingidos iniciaram com revoltas, lutas por

indenização e logo formaram organizações locais e regionais de resistência.

Eram as chamadas Comissões de Atingidos, CRAB (Comissão Regional dos

Atingidos por Barragens) na região Sul, CAHTU (Comissão dos Atingidos

pela Hidrelétrica de Tucuruí), CRABI (Comissão Regional dos Atingidos do

Rio Iguaçu). Nesse período, a principal reivindicação dos atingidos era

INDENIZAÇÃO JUSTA. Ou seja, queriam ser ressarcidos das perdas a que

estavam sujeitos com a construção das usinas. Logo adiante as famílias

avançaram no debate da indenização no sentido de que tinham o direito de

continuar na terra, sendo agricultores, produzindo seu próprio alimento. Ou

seja, a indenização não poderia ser qualquer coisa, deveria garantir a

permanência na terra. Por isso a principal bandeira de reivindicação passou a

ser TERRA POR TERRA. (MAB, 2011)

20O conceito de atingidos utilizado aqui é o elaborado pelos movimentos sociais, em contraposição à visão

dominante do Setor Elétrico. Atingidos são todos aqueles que sofrem alterações diretas nas suas condições

de vida, e não somente os afogados (MAB, 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Atingidos por

Barragens, p. 34). 21O reservatório da hidrelétrica de Itaipu possui 1.350 km² de extensão. Para sua construção foram

removidas 43.44 pessoas, das quais 38.445 se localizavam na área rural (VAINER, 2003).

55

Destaca-se o papel exercido por membros da Igreja Católica e da Igreja

Evangélica Luterana, no caso da Comissão Pastoral da Terra (CPT), fundamental para o

processo de organização Movimento Justiça e Terra em Itaipu e dos sindicatos mais

combativos, a exemplo do Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central

Única dos Trabalhadores (DNTR/CUT)22 na Bacia do Uruguai. Estes setores atuavam

como mediadores e mobilizadores dos processos de organização da população afetada,

promovendo reuniões, assembleias e atos políticos nas regiões.

Estas organizações regionais impulsionaram lutas locais e conquistas

significativas, além de permitir a articulação destas organizações a nível nacional. O

sindicalismo rural, representado pelo DNTR/CUT, teve papel importante na mobilização

e organização do I Encontro Nacional dos Trabalhadores Atingidos por Barragens,

ocorrido na cidade de Goiânia, no ano de 1989.

Graças a sua presença nacional, o DNTR/CUT ajudou a promover, nos meses

de fevereiro e março de 1989, reuniões regionais que prepararam o encontro

nacional. Em Altamira, Pará, aconteceu o Primeiro Encontro Regional dos

Trabalhadores Atingidos pelo Complexo Hidrelétrico do Xingu, que criou a

Comissão Regional dos Atingidos pelo Complexo Hidrelétrico do Xingu

(CRACOHX) e escolheu delegados para o encontro nacional. Em março,

realizaram-se o Encontro Estadual sobre Barragens do Estado do Amazonas e,

em Rondônia, convocado pela CPT e pela CUT-Rondônia, o Encontro

Intermunicipal sobre Barragens. No Nordeste, o Encontro Regional de

Atingidos por Barragens reuniu em Igarassu, Pernambuco, além de

organizações não governamentais e sindicatos de trabalhadores rurais,

representantes das seguintes barragens: Castanhão (Ceará), Xingó (Alagoas e

Sergipe), Pão-de-Açúcar (Alagoas e Sergipe), Pedra do Cavalo (Bahia),

Sobradinho (Bahia) e Itaparica (Pernambuco e Bahia). No Sudeste,

encontraram-se os atingidos por barragens do Vale do Jequitinhonha (Minas

Gerais) e do Vale do Rio Paraíba do Sul (Minas Gerais e Rio de Janeiro). No

Sul, a CRAB convidou para sua 4a Assembleia Geral representantes da

Comissão Regional de Atingidos pelas Barragens do Rio Iguaçu (CRABI) e de

atingidos pelas barragens de Dona Francisca (Rio Grande do Sul) e Itaipu

(Paraná), bem como lideranças de comunidades indígenas Kaigang de Itaí (Rio

Grande do Sul) e Chapecozinho (Santa Catarina). (VAINER, 2003, p. 13)

O encontro reuniu representantes de diversas regiões do país e possibilitou o

compartilhamento de experiências das realidades e dos processos de luta em cada local,

assim como a identificação da política energética nacional enquanto inimiga comum das

populações atingidas ou ameaçadas por barragens. Como produto deste encontro, foi

22O acirramento das lutas no meio rural ajudou a dinamizar os sindicatos. O DNTR/CUTcresce no

sindicalismo rural em disputa com a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

Muitos militantes conquistaram cargos de direções em sindicatos, antes burocratizados ou comprometidos

com os interesses dos grandes proprietários de terra e até mesmo do governo ditatorial (VAINER, 2003).

56

elaborada a Carta de Goiânia, que reunia um conjunto de reivindicações que expressavam

os anseios de um movimento nacional ainda em fase embrionária. As reivindicações

abarcavam os interesses de cada localidade e também transcendiam as pautas de cada

região, expressando uma ação política de âmbito nacional, sobretudo com relação à

política energética em implementação no país (VAINER, 2003).

Após dois anos, em março do ano de 1991, ocorre o I Congresso dos Atingidos de

todo o Brasil, resultando na criação do MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens,

enquanto “movimento nacional, popular e autônomo, organizando e articulando as ações

contra as barragens a partir das realidades locais, à luz dos princípios deliberados pelo

Congresso. O dia 14 de março é instituído como o Dia Nacional de Luta Contra as

Barragens, sendo celebrado em todo o país” (MAB, 2011).

(...) A luta contra as barragens se intensificou na compreensão de que o

problema central está no modelo energético e nossa palavra de ordem passou

a ser TERRA SIM, BARRAGEM NÃO! A luta pelo direito a ter terra, casa,

vida digna continuou com a compreensão de que era possível ter dignidade

sem necessitar construir as barragens. Os Congressos Nacionais do MAB

passaram a ser realizados de três em três anos, sempre reunindo representantes

de todas as regiões organizadas (MAB, 2011).

A construção do movimento nacional implicou no reconhecimento de que as lutas

em cada região, isoladamente, não conseguiam confrontar o modelo energético vigente e

que, para isso, era preciso unir forças entre os atingidos, sejam eles pertencentes às

comunidades indígenas da Amazônia ou descendentes de imigrantes europeus no sul do

país. O reconhecimento da importância de construir um instrumento nacional não retirou

a valorização da construção das lutas locais. Prevaleceu a preocupação e o debate para

que o movimento nacional não se burocratizasse ou comprometesse a autonomia dos

movimentos locais. Para isso, optou-se pela organização em modelo federativo:

(...) em que cada movimento local ou regional guardaria absoluta autonomia

política, organizacional e financeira. A Coordenação Nacional, com

representação igualitária das regiões, cumpriria as tarefas de articulação e uma

pequena secretaria, sediada em São Paulo com uma ou duas pessoas em tempo

integral, apoiaria o trabalho da Executiva e da Coordenação nacionais.

(VAINER, 2003, p. 16)

3.2.2 A consolidação de um movimento nacional

57

No ano de 2016, o MAB completou 26 anos de existência. É um movimento

composto, em sua maioria, por “pequenos agricultores, trabalhadores rurais sem-terra

(meeiros, parceiros, arrendatários, diaristas, posseiros…), povos indígenas, populações

quilombolas, pescadores e mineradores. (MAB, MAB: uma história de lutas, desafios e

conquistas, p. 5) ”.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é um movimento nacional,

autônomo, de massa, de luta, com direção coletiva em todos os níveis, com

rostos regionais, sem distinção de sexo, cor, religião, partido político e grau de

instrução. Somos um movimento popular, reivindicatório e político. Nossa

prática militante é orientada pela pedagogia do exemplo e nossa luta se

alimenta no profundo sentimento de amor ao povo e à vida. (MAB, 2011)

De forma geral, a cultura política do movimento, considerando as suas variações

regionais, possui influências diretas do marxismo revolucionário presente na América

Latina na década de 60, da Teologia da Libertação, das lutas em resistência à ditadura

militar e dos movimentos ecologistas e libertários pós-marxistas. Porém, está ancorada

na realidade, o que a faz ser constantemente atualizada, debatida e confrontada a partir da

ação concreta do movimento (VAINER, 2003).

De acordo com as informações disponibilizadas pelo movimento, o método de

organização de base assume caráter prioritário no MAB, em que a organização se dá de

diversas formas, respeitando autonomia de cada local. Nos primeiros anos, a organização

nacional focava na coordenação das pautas reivindicatórias e pressão ao governo federal.

Com o tempo, o movimento nacional se coloca como núcleo que impulsiona a

organização nos locais, deslocando militantes e recursos para a construção de trabalho de

base23.

Além disso, destaca-se a articulação do MAB com diversos movimentos

populares na construção conjunta de pautas mais abrangentes, a exemplo do MST e do

MPA, que juntos compõem a Via Campesina. A identidade nacional é construída a partir

23Segundo Peloso (2001, p.22): “Trabalho de base não é receita ou mágica. É um jeito de fazer política

onde o militante coloca sua alma. É uma paixão carregada de indignação contra qualquer injustiça, e cheia

de ternura por todos que se dispõe a construir um mundo sem a marca da dominação. Essa convicção nasce

do coração e da razão, torna-se força contagiante, capaz de vencer a fúria e a sedução da opressão e de

comprometer-se com a transformação das pessoas e da sociedade. Essa prática multiplicadora pode ser

realizada nas favelas, nas ocupações de terra, nas fábricas, nas igrejas, nas instituições do Estado e nos

espaços internacionais. Ela se sustenta quando mantém os pés no chão e a cabeça nos sonhos. Consegue

vitórias quando articula as lutas econômicas com as diferentes lutas políticas e sociais. E perdura, em

qualquer conjuntura, quando combina ações de rebeldia com as disputas na legalidade.”

58

da formação dos militantes de base das diversas regiões, através da participação em cursos

e treinamentos promovidos pelo movimento (VAINER, 2003; FOSCHIERA, 2009).

O movimento se coloca no cenário político ampliando as bandeiras tradicionais

dos movimentos populares quando se propõe a debater e questionar o modelo energético

imposto, a gestão dos recursos naturais (hídricos, mas também o modelo mineral em

questão com o desastre da Bacia do Rio Doce) e o meio ambiente.

Possui ainda uma presença relevante no cenário internacional, participando de

eventos em todo o mundo com o tema da energia, dos recursos hídricos, denunciando os

impactos das barragens no Brasil. Suas iniciativas mais expressivas no âmbito

internacional foram a filiação à Coordenação Latinoamericana de Organizações

Camponesas – CLOC, a construção do I Encontro Internacional de Populações Atingidas

por Barragens no ano de 1997 e a participação no Fórum Consultivo da Comissão

Mundial de Barragens e no International Committeeon Dams, Rivers and Peoples.24

(VAINER, 2003)

Atualmente, a construção de usinas hidrelétricas retomou o ritmo dos anos de

1970, com o diferencial da presença do setor privado, avançando, sobretudo, para a região

Amazônica, a exemplo da Usina de Belo Monte em Altamira (PA). Se, antes, o Estado

ditatorial na forma das suas empresas do setor elétrico era o principal inimigo, agora, com

a reestruturação produtiva, o que está colocado é a construção de hidrelétricas através de

consórcios privados, inserindo o capital nestes territórios de maneira ainda mais nociva

para as populações atingidas (FOSCHIERA, 2009).

Estas novas configurações acirram os contextos de enfrentamento e resistência.

Como expressão dos conflitos que se acirram nestes locais, é importante ressaltar a

situação da Usina Hidrelétrica de Jirau25 e a morte de Nilce de Souza Magalhães,

conhecida como Nicinha26, uma das lideranças do movimento, assassinada em janeiro de

2016, e que teve seu corpo encontrado após cinco meses no lago da barragem da Usina

de Jirau em Porto Velho (RO).

24Comitê Internacional de Barragens, Rios e Povos. 25Ver (MAB, 2016b) “Jirau e Santo Antônio: relatos de uma guerra amazônica [DOC]”, produzido pela

comunicação do MAB e disponível online. 26 “A liderança era conhecida na região pela luta em defesa das populações atingidas, denunciando as

violações de direitos humanos cometidas pelo consórcio responsável pela UHE de Jirau, chamado de

Energia Sustentável do Brasil (ESBR). Filha de seringueiros que vieram do Acre para Abunã (Porto Velho)

em Rondônia, onde vivia há quase cinquenta anos, foi obrigada a se deslocar para “Velha Mutum Paraná”

junto a outros pescadores. No local, não existia acesso à água potável ou energia elétrica. ”Ver MAB

(2016a), “Corpo de Nicinha é encontrado após cinco meses desaparecido”.

59

No contexto do desastre da Samarco na Bacia do Rio Doce, a organização está

estabelecida em toda a região desde o primeiro dia do acontecimento. Foram deslocados

militantes oriundos das regiões atingidas para a realização do trabalho organizativo, “com

o objetivo de prestar solidariedade e tendo claro que a indignação precisa se transformar

em mobilização popular” (MAB, 2015b). A práxis do movimento no território se dá

através da articulação política e do fomento de espaços organizativos com o objetivo de

favorecem a formação política, e a mobilização popular.

O Movimento dos Atingidos por Barragens seguiu fazendo o trabalho de

acompanhamento das autoridades no resgate e atendimento às vítimas, e o

trabalho de organização das famílias atingidas. Esse trabalho é fundamental

para o empoderamento da população. Para que os direitos do povo não sejam

atropelados e os atingidos não sejam esquecidos, a luta e organização se fazem

necessárias. Militantes do MAB acompanharam o trabalho das autoridades,

conversaram com atingidos resgatados na Arena Mariana, conversaram com

atingidos nos hotéis onde foram alocados, realizaram reuniões com

organizações locais e seguem apurando os fatos para contribuir na organização

da população atingida (MAB, 2015a).

Segundo o site do MAB, desde o príncipio o movimento tem participado e

promovido reuniões contínuas com as famílias de atingidos e as lideranças da região,

incluindo padres, lideranças comunitárias, ambientalistas, sindicalistas, e movimentos

sociais a fim de planejar ações unitárias que visem a reivindicação dos direitos das

famílias atingidas. Além dos atos políticos e caminhadas que denunciem o ocorrido e

exijam das autoridades respostas a respeito da resolução dos impactos do desastre nos

territórios atingidos (MAB, 2015b).

Abaixo na Figura 4, a identidade visual do movimento utilizada na sua bandeira.

A imagem faz alusão a uma pessoa crucificada em uma torre de energia produzida através

das usinas hidrelétricas, denunciando um modelo energético que se sustenta à custa das

vidas de milhares de pessoas. Com a palavra de ordem “Águas para a Vida e Não para a

Morte”, o MAB segue desenvolvendo trabalho de base e organizando a resistência nestas

regiões.

60

Figura 4 "Águas para vida, não para morte! ” Bandeira e identidade visual do MAB.

61

4. O REFERENCIAL TEÓRICO DA PESQUISA

A partir da explanação do contexto macro político e econômico que localiza o

desastre do rompimento do Fundão como fruto de um modelo de exploração capitalista

em expansão e também dos modos de resistência produzidos neste contexto,

protagonizada, sobretudo, através da organização popular nos movimentos sociais, o

presente estudo visou conhecer ainda o desastre e a estratégia de organização popular a

partir da vivência dos atingidos.

Para conhecer os sentidos e significados que envolvem o drama e a vivência do

desastre promovido pelo rompimento da barragem do Fundão na bacia do rio Doce, é

preciso compreender como funciona a organização subjetiva dos sujeitos. O aporte

teórico utilizado nesta pesquisa para compreensão do fenômeno da subjetividade é a

teoria histórico-cultural de Vigotski, baseada no materialismo histórico e dialético.

Vigotski buscou no método materialista histórico e dialético o caminho para a

análise do psiquismo e para a produção de uma psicologia marxista ou da dialética da

psicologia.

Não quero receber de lambuja, pescando aqui e ali algumas citações, o que é a

psique, o que desejo é aprender na globalidade do método de Marx como se

constrói a ciência, como enfocar a análise da psique (VIGOTSKI, 2004a,

p.395).

Segundo o autor, os processos psicológicos devem ser entendidos na sua

totalidade, que é mais do que a soma dos elementos que a compõe, e também em seu

movimento, já que são processos vivos, em constante mudança, e não estáticos. A fim de

compreender o sistema psíquico em movimento, Vigotski debruçou-se a estudar o

desenvolvimento infantil e os movimentos quantitativos e qualitativos realizados pelo

psiquismo da criança até a idade adulta. Ao analisar este percurso, a chave para

compreender a psicologia em geral estaria dada (VIGOTSKI, 2007).

Além disso, o autor dedicou-se a estudar o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores (consciência, pensamento, linguagem, emoções), funções que se

desenvolveram através da mediação simbólica do signo ou instrumento, diferente das

funções elementares, determinadas diretamente pela estimulação do ambiente. Segundo

Vigotski, (2007, p. 56): "podemos usar o termo função psicológica superior, ou

62

comportamento superior com a referência à combinação entre o instrumento e o signo na

atividade psicológica".

As funções superiores se organizam de formas diversas a depender da estrutura

psíquica de cada indivíduo. Esta organização é singular e vai depender das relações

sociais e das experiências de vida de cada sujeito. Estas funções foram interiorizadas

pelos sujeitos, constituindo o drama de cada subjetividade ou personalidade. É através da

capacidade de interiorização que o ser humano difere-se dos outros animais, já que a

interiorização produz a atividade simbólica, a qual possui “uma função organizadora

especifica que invade o processo do uso de instrumento e produz formas

fundamentalmente novas de comportamento” (VIGOTSKI, 2007, p.11). Segundo Rosa

(2013), a interiorização não é apenas um reflexo simples do mundo externo para o mundo

interno, mas envolve um complexo sistema de interação com o coletivo, que é

transformado pela própria interiorização e pelos conteúdos prévios que o sujeito já possui.

De acordo com Furtado (1998), o psiquismo humano, até mesmo em sua face

biológica, é desenvolvido a partir da base material, histórica e econômica das sociedades

humanas.

O psiquismo humano, entendido aqui como a dimensão subjetiva do homem,

se expressa e se desenvolve com base nos determinantes históricos,

econômicos e sociais. Isto significa dizer que o psiquismo humano não é o

mesmo desde o aparecimento da espécie. Ele também é histórico e podemos

falar em uma história de seu desenvolvimento. Mesmo sua base natural, o

cérebro humano, se modifica conforme as condições históricas do

desenvolvimento do homem. (FURTADO, 1998, p.33)

O mundo psicológico do homem é construído nessa relação contínua com o meio

em que vive, desenvolvido a partir de um dado contexto histórico, social e cultural. Para

compreender o fenômeno psicológico27, é importante conhecer as categorias básicas que

o constituem, oriundas da história produtiva da sociedade humana. O desenvolvimento

das funções psíquicas superiores do ser humano relaciona-se diretamente com a história

do surgimento do trabalho humano (AGUIAR et. al., 2009).

Marx e Engels definem a consciência humana enquanto produto das relações

sociais e produtivas da sociedade. Para Marx, a história da humanidade é a história do

desenvolvimento das forças produtivas e da consequente divisão do trabalho

27O conceito de psicológico utilizado é o de Aguiar (2002), referindo-se aos registros das experiências

vivenciadas pelo homem no contato com o ambiente sociocultural em que está inserido.

63

(industrial/comercial e agrícola), sua posterior especialização e relação com a

propriedade, com os outros indivíduos e com toda a materialidade que se constitui a partir

dessas relações (MARX, 1845-1846/2007).

A produção de ideias, representações, da consciência, está em princípio,

imediatamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio

material dos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o

intercâmbio espiritual dos homens ainda aparece, aqui, como emanação direta

do seu comportamento material. (MARX, 1845-1846/2007, p.93)

Lukács (1979) discute a esfera ontológica em que o ser humano se constitui

enquanto humano e enquanto ser social apontando o “trabalho” enquanto categoria

central na mediação entre o homem e o meio em que vive. É através do trabalho que o

homem transforma o meio e transforma a si próprio, de maneira conscientemente

orientada, ou teleologicamente posta.

É através do trabalho que a ação do homem no mundo é orientada por uma

condição social e histórica, se distanciando da sua condição meramente biológica. O

trabalho, compreendido aqui enquanto atividade intencional realizada pelo homem e

dirigida à transformação da natureza, é o processo de ação do homem sobre o seu

ambiente, fundamental para que as funções psíquicas superiores e a consciência pudessem

se desenvolver.

O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza.

O homem desempenha aí para com a natureza o papel de potência natural. As

forças de que seu corpo é dotado, braços e pernas, cabeças e mãos, ele as põe

em movimento a fim de assimilar as matérias dando-lhes uma forma útil à sua

vida. Ao mesmo tempo em que age por este movimento sobre a natureza

exterior e a modifica, ele modifica a sua própria natureza também e desenvolve

as faculdades que nele estão adormecidas (MARX apud LEONTIEV, 1978,

p.80).

O surgimento e o desenvolvimento do trabalho modificaram o ser humano,

inclusive no âmbito anatômico e fisiológico, transformando o organismo humano ao

longo do tempo devido à realização desta atividade. Segundo Leontiev (1978, p.76):

“acarretaram a transformação e hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa

e dos órgãos dos sentidos”.

O trabalho surge ainda como uma atividade coletiva, colocando o homem em

relação não só com a natureza, mas também com outros homens. Neste sentido, o trabalho

64

humano é originariamente um processo social, mediado pelo uso de instrumentos e pelas

relações sociais, o que o difere do trabalho animal. O trabalho cooperativo favoreceu o

surgimento ainda que embrionário da divisão técnica do trabalho entre indivíduos, em

que cada um contribui de uma forma para execução da atividade, dividindo-a em

operações que passam a ser realizadas separadamente (LEONTIEV, 1978).

Logo no início da sociedade humana surge inevitavelmente a partilha entre os

diversos participantes da produção, do processo de atividade anteriormente

único. Inicialmente, esta divisão é verossimilmente fortuita e instável. No

decurso do desenvolvimento ela toma já a forma primitiva da divisão técnica

do trabalho. (LEONTIEV, 1978, p.81)

A atividade animal é sempre orientada por uma necessidade biológica, realizada

de forma instintiva. O objeto da atividade animal se confunde com a satisfação das suas

necessidades naturais. Já os seres humanos, dotados da capacidade do reflexo consciente,

quando expostos ao trabalho coletivo, vivenciam a separação de uma atividade complexa

em diferentes operações realizadas por diferentes indivíduos.

Neste sentido, se diferencia o objeto da atividade que almeja a satisfação de uma

necessidade, do motivo da ação do indivíduo. Esta separação só é possível a partir de um

processo social que ocorre na natureza e pressupõe a capacidade do ser humano de refletir

psiquicamente o papel da sua ação orientada por um motivo, que é parte de um trabalho

coletivo em busca da satisfação de uma necessidade comum (LEONTIEV, 1978).

Segundo Lima (2011), o trabalho humano é caracterizado pela capacidade que o

homem possui de compreender a realidade, pensar sobre ela, planejar e criar instrumentos

para mediar a sua ação no mundo.

O trabalho é, portanto, uma atividade consciente e intencional, mediada pela

linguagem e pelo pensamento, ou seja, pela capacidade que o humano possui

em dar uma resposta às suas necessidades, criando objetos antes imaginados e

elaborados mentalmente, que quando concretizados (objetivação), imprimem

a expressão do homem no mundo, ao mesmo tempo em que ao ser apropriado

pelo homem o transforma (subjetivação). É nesta relação que o humano realiza

e desenvolve suas potencialidades, na medida em que é capaz de planejar e

escolher conscientemente. Além disso, estabelece relações sociais, produzindo

a sociedade e ao mesmo tempo sendo produzido por ela. Desta forma é a partir

do trabalho que se constitui o ser social, que se constitui a humanidade do

homem, e temos aqui o caráter teleológico e ontológico do trabalho. (LIMA,

2011, p.11)

65

O surgimento da consciência está relacionado com a fabricação dos primeiros

instrumentos de trabalho, que só foi possível através da mediação das relações

desenvolvidas através do trabalho coletivo. Como afirma Leontiev (1978, p.88):

O fabrico e o uso de instrumentos só é possível em ligação com a consciência

do fim da ação de trabalho. Mas a utilização de um instrumento acarreta que

se tenha consciência do objeto da ação nas suas propriedades objetivas. O uso

do machado, por exemplo, não responde ao único fim de uma ação concreta;

ele reflete objetivamente as propriedades do objeto de trabalho para o qual se

orienta a ação. O golpe do machado submete as propriedades do material de

que é feito este objeto a uma prova infalível; assim se realiza uma análise

prática e uma generalização das propriedades objetivas dos objetos segundo

um índice determinado, objetivado no próprio instrumento. Assim é o

instrumento que é de certa maneira portador da primeira verdadeira abstração

consciente e racional, da primeira generalização consciente e racional.

A fabricação dos instrumentos de trabalho engendra o conhecimento produzido

pelo homem, permitindo que a atividade intelectual instintiva do homem se desenvolva

ao pensamento autêntico. O pensamento configura-se como o processo de reflexo

consciente da realidade, abarcando as suas relações objetivas, suas propriedades e

ligações, além de objetos que estão fora da percepção imediata. O pensamento, assim

como a produção do conhecimento humano, se desenvolve a partir do desenvolvimento

da consciência social e a ação intelectual humana é elaborada socialmente em todo seu

processo.

Segundo Vigotski (2001a), o pensamento é a síntese de diversos processos

relacionados à cognição, ao afeto, à memória e está diretamente ligado à linguagem. No

entanto, a linguagem não é simplesmente o reflexo especular do pensamento. Ao ser

expresso na linguagem, o pensamento se modifica e se realiza na prática.

A linguagem também se desenvolveu através do trabalho coletivo, a partir da

necessidade que o homem adquiriu de precisar dizer alguma coisa. Além da função

produtiva, a relação com os outros homens produz a comunicação humana, que passa dos

gestos aos sons da voz, formulando uma linguagem sonora articulada.

O elo direto que existe entre a palavra e a linguagem, de um lado, a atividade

de trabalho dos homens, do outro, é a condição primordial sobre a influência

da qual eles se desenvolveram enquanto portadores do reflexo consciente e

“objetivado” da realidade. Significando no processo de trabalho um objeto, a

palavra distingue-se e generaliza-o para a consciência individual precisamente

na sua relação objetiva e social, isto é, como objeto social. (LEONTIEV, 1978,

p. 93)

66

A linguagem não é só o meio de comunicação dos homens. Ela é uma mediação

entre o mundo externo e o mundo interno, e está na base da consciência humana

(AGUIAR et. al., 2009). De acordo com Vigotski (2001a), a natureza da consciência

humana reside no vínculo entre o pensamento e a linguagem. Para o autor, todo

desenvolvimento da consciência está relacionado ao desenvolvimento da palavra. A

consciência possui natureza histórica e o surgimento da palavra consciente é a expressão

máxima deste processo material de formação da consciência.

O vínculo entre a palavra e o pensamento é um produto da formação humana.

Esse vínculo se dá por meio de um complexo processo dialético entre o

pensamento pré-verbal e linguagem pré-intelectual. Tal processo tem como

síntese o pensamento discursivo (ou verbal) e a palavra consciente, os quais

são a unidade da palavra com o pensamento. (VIGOTSKI, 2009 apud ROSA,

2013, p.59).

A relação entre pensamento e linguagem é mediada pelo significado. A linguagem

é desenvolvida na atividade material da humanidade, produzida historicamente. Os

significados são uma representação social e coletiva da realidade no campo do

pensamento, ou no campo da atividade na consciência. A atividade é mediada por

significados que constroem a consciência.

No que diz respeito ao processo de significação, Leontiev (1978, p.100) afirma:

A significação é a generalização da realidade que é cristalizada e fixada num

vetor sensível, ordinariamente a palavra ou a locução. É a forma ideal,

espiritual da cristalização da experiência e da prática social da humanidade. A

sua esfera das representações de uma sociedade, a sua ciência, a sua língua

existem enquanto sistemas de significação correspondentes. A significação

pertence, portanto, antes de mais nada ao mundo dos fenômenos objetivamente

históricos.

A significação também existe como fato da consciência individual do homem, que

pensa e percebe o mundo enquanto ser sócio histórico. Ao longo da sua vida, o sujeito

assimila as experiências das gerações anteriores através da transmissão e aquisição das

significações. Neste sentido, a sua consciência não se reduz apenas a sua experiência

individual, mas à experiência histórica da humanidade. Segundo Leontiev (1978, p.101),

“a significação é, portanto, a forma sob a qual um homem assimila a experiência humana

generalizada e refletida”.

67

A significação é, entrada na minha consciência (mais ou menos plenamente e

sob todos os seus aspectos), o reflexo generalizado da realidade elaborada pela

humanidade e fixado sob a forma de conceitos, de um saber ou mesmo de um

saber-fazer (“modo de ação” generalizado, norma de comportamento etc.)

(LEONTIEV, 1978, p.102)

Neste sentido, a consciência formada historicamente e através da base material da

sociedade é “um reflexo da realidade refratada através do prisma das significações e dos

conceitos linguísticos elaborados socialmente” (LEONTIEV, 1978, p.26). A consciência

ou o psiquismo se desenvolve através de um processo de transformações qualitativas,

dadas através das condições sociais e das relações estabelecidas pelo individuo no seu

modo de vida e também decorrentes do desenvolvimento da história e das sociedades

(LEONTIEV, 1978).

Segundo Vigotski (2001), no campo semântico, o significado abarca as relações

contidas na palavra. No campo psicológico, generaliza um conceito. Os significados,

enquanto produto histórico, são mais estáveis, são compartilhados ao longo do tempo e

permitem a comunicação humana. São ainda fundamentais para a constituição do

psiquismo.

Já os sentidos, para Vigotski (2001a, p.465), seriam “um agregado de todos os

fatos psicológicos que surgem na nossa consciência como resultado da palavra”. O

sentido é uma relação que se cria na atividade do sujeito na vida, é fluido e vai se alterando

de acordo com o contexto em que se desenvolve. O sentido se relaciona com os eventos

psicológicos (cognitivos, afetivos e volitivos) provocados pelos efeitos da palavra. Os

significados sociais compartilhados são convertidos em sentidos no processo subjetivo,

cuja base é a realidade objetiva. Os sentidos são próprios dos sujeitos, expressam suas

subjetividades, assim como suas histórias e contradições (AGUIAR et. al., 2009).

Significado e sentido são momentos do processo de construção do real e do

sujeito, na medida em que objetividade e subjetividade são também âmbitos de

um mesmo processo, o de transformação do mundo e constituição dos

humanos. Jamais poderão ser considerados, e, assim, apreendidos

dicotomicamente. Desse modo, será por meio da categoria mediação que

construiremos as possibilidades de acessá-los, de apreendê-los na

singularidade, totalidade e complexidade, em sua unidade dialeticamente

contraditória (AGUIAR et. al., 2009, p.60).

Além disso, é importante compreender ainda o subtexto oculto, o não dito, que

motiva o pensamento e a ação. Segundo Vigotski (2004a, p.182):

68

O pensamento está estruturado de modo diferente de sua expressão através da

fala. O pensamento não pode ser expresso diretamente na palavra. (K. S.

Stanislavski: por trás do texto está o subtexto). Toda expressão tem uma

segunda intenção. Todo discurso é uma alegoria.

Por trás de cada pensamento, existe um subtexto, motivado por desejos, emoções,

necessidades e interesses do sujeito, ou seja, a tendência afetivo-volitiva, base da

constituição do pensamento, sentimento e da ação e responsável pela constituição dos

sentidos.

Desse modo, a reação emocional como reação secundária é um processo

organizador do comportamento. Nela se realiza a natureza ativa do nosso

organismo. As emoções seriam inúteis se não fossem ativas. Vimos que elas

surgiram instintivamente dos movimentos mais complexos e notórios. Foram

em sua época os organizadores do comportamento nos momentos mais difíceis,

fatais e responsáveis da vida. Surgiram nas fases superiores da vida, quando o

organismo triunfava sobre o meio ou se aproximava da morte. Elas sempre

exerceram uma espécie de ditadura no comportamento (VIGOTSKI, 2004a,

p.137-138).

O aspecto emocional é bastante valorizado por Vigotski, que busca compreender

as necessidades, motivações e interesses dos sujeitos, que compõem a dimensão das

emoções e dos afetos que dão origem a ideia, o pensamento e a ação do homem no mundo.

Para o estudo das emoções, Vigotski se baseia na filosofia de Espinosa.

Segundo Espinosa, há três afetos básicos que estão na base da ação dos sujeitos:

o desejo, a alegria e a tristeza, dos quais derivam os restantes. Há afetos que aumentam a

nossa potência para ação, a exemplo da alegria e dos sentimentos dela derivados, e os que

diminuem nossa potência, como a tristeza (VIGOSTKI, 2004b). Segundo Sawaia (2009,

p.367): "Alegria é o sentimento que temos quando nossa capacidade de existir aumenta.

Tristeza é definida por Espinosa como o resultado de uma afeccção que diminui nossa

capacidade de existir e nos tornamos passivos.

Afeto (affectus) é justamente essa transição de intensidade, é trânsito,

passagem de um estado de potência a outro (Espinosa, 1957, parte III), gerada

pelas afecções (affecttions) que meu corpo e minha mente recebem na

existência. Portanto, ele tem duas dimensões: a da mudança, modificações que

meu corpo e minha mente retêm na forma de emoções e sentimentos (affectus),

e da experiência da afetação (affection), isto é, a do poder de ser afetado. Aqui

reside a principal contribuição de Espinosa à Psicologia, a relação positiva

entre o poder que tem um corpo de ser afetado, na forma de emoções e

sentimentos, e o seu poder de agir, de pensar e desejar. E como mente e corpo

são uma mesma e única coisa, as afecções do corpo, são afecções da alma, sem

hierarquia ou relação causal entre eles. O que aumenta ou diminui a potência

69

de meu corpo para agir, aumenta ou diminui a potência de minha alma para

pensar. Dessa flutuação depende a minha força vital de resistência, o que

equivale à qualidade ética de minha existência. (SAWAIA, 2009, p.367)

Para Sawaia (2009), os afetos possuem potência de transformação, e através dos

bons encontros podem potencializar ações em prol da liberdade e emancipação dos

sujeitos. De acordo com Espinosa, é importante conhecer quais os afetos que

potencializam a ação e quais diminuem, e buscar interferir neles de forma racional, sem

querer eliminá-los.

Outro conceito importante apresentado por Vigotski é o de perejivane, cuja

tradução corresponde à vivência. Este conceito foi debatido pelo autor no texto “O

problema do meio”, registro de uma conferência sobre o tema realizada no ano de 1935

em Leningrado. O contexto desta conferência era o de apontar o desenvolvimento do

psiquismo da criança a partir da relação com o meio, visto aqui não como algo absoluto,

mas algo que se relaciona com a criança, a partir do seu repertório, formando uma unidade

com ela.

A criança vai apreender o meio em que vive de forma diferente a depender da sua

faixa etária e/ou referências de vida. Em cada fase do seu desenvolvimento, vai vivenciar

de forma diferente as situações apresentadas pela realidade objetiva. A influência do

ambiente no desenvolvimento infantil não deve ser analisada a partir da compreensão da

situação como um valor em si. A situação apresentada pelo meio em que a criança vive

está sempre em relação com ela, é através da vivência com o meio que ela poderá

compreender, interpretar, tomar consciência e se relacionar afetivamente com alguma

situação apresentada pela realidade.

Segundo Vigotski (2010), a vivência é, portanto, uma unidade de análise

complexa capaz de sintetizar e apresentar os elementos presentes na totalidade. A

vivência é uma unidade indivisível e dialética que concentra as características do meio

onde a experiência emocional ocorre e as características pessoais do sujeito que vivencia.

Ao analisar esta unidade complexa, é possível visualizar o psiquismo no seu movimento

e processualidade.

A vivência é uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio,

aquilo que se vivencia está representado- a vivência sempre se liga àquilo que

está localizado fora da pessoa- e, por outro lado, está representado como eu

vivencio isso, ou seja, todas as particularidades da personalidade e todas as

particularidades do meio são apresentadas na vivência, tanto aquilo que é

70

retirado do meio, todos os elementos que possuem relação com dada

personalidade, como aquilo que é retirado da personalidade, todos os traços de

seu caráter, traços constitutivos que possuem relação com dado acontecimento.

Dessa forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união indivisível das

particularidades da personalidade e das particularidades da situação

representada na vivência (VIGOTSKI, 2010, p. 686).

Segundo Fernandes (2015, p.38): “A vivência permite a compreensão da unidade

entre o meio e a atividade que o sujeito realiza nesse meio, a emoção e a razão, o social e

o individual”.

Além da compreensão da vivência, dos significados e sentidos e do subtexto que

conformam a consciência humana, Vigotski apresenta ainda, o conceito de drama em

referência ao desenvolvimento da personalidade humana. O termo “drama”28 é originário

28Uma definição clássica de "drama", próxima da nossa acepção genérica de "teatro", apresenta-se numa

célebre obra de Aristóteles: "A poética" (334-330 a.n.e. - 1978). Nela o "drama" está como forma de arte

na qual a "representação", ou "mímese", ocorre mediante a "ação", diferindo, por exemplo, da lírica ou da

epopeia (Aristóteles, 334-330 a.n.e. - 1978). "Tragédia" e "comédia" têm origens históricas diferentes, e o

seu objeto de "representação", ou "mímese", também não é o mesmo; contudo, ambas podem ser

consideradas teoricamente "drama", pelo modo comum de realizarem sua "mímese", ou seja, um modo

"dramático" – mediante uma "ação". Em que pese a isso, estudiosos contemporâneos das práticas culturais

da Grécia Antiga nos permitem perceber que o próprio significado da "ação" e/ou do "fazer" humano,

naquele contexto, merece atenção especial, pois a "ação" realizada no "drama", como forma peculiar de

arte, não é qualquer modalidade de "ação", mas uma intimamente relacionada com o teatro, com traços de

uma reflexividade e de um conflito constitutivo similar àqueles que em Vigotski (1929/2000) também

ganharão destaque. É o que veremos no trabalho da professora de literatura grega e dramaturgista Claire

Nancy (2003), [...] Ela explica que, com Ésquilo e o teatro, três principais verbos viriam a designar um

"fazer" entre os antigos povos gregos: "poïeîn", "prattein" e "drân". Os dois primeiros teriam

substantivação mais clara. Ao verbo "poïeîn" correspondem: o modo de operação "poïèsis" (substantivo

ativo) e o resultado "poïemata" (substantivo passivo); e ao verbo "prattein" correspondemo o modo de

operação "prâxis" (substantivo ativo) e o resultado "pragmata" (substantivo passivo). A "poïèsis" respeita

à "criação", na qual se faz algo que antes não existia, enquanto a "prâxis" concerne a uma ação orientada a

um "fim" (telos) (Nancy, 2003). [...] Certamente, não poderia haver teatro sem a "poïèsis" (atividade

criadora), necessária para que a própria peça viesse a existir. Também a "prâxis" (atividade orientada a um

fim) está presente no teatro, representada mediante a "dramatização". Sendo assim, três modos de

ação/atividade se articulam quando, por exemplo, numa tragédia a ação dos homens é submetida "a uma

re-flexão, à nossa reflexão. A poesia (poïèsis) trágica é a criação da forma do questionamento do homem

engajado na prâxis" (Nancy, 2003, p. 26, grifos na fonte). A ação poética não define o teatro como tal, pois

não é só ele que advém de atividade criadora. Do mesmo modo, a ação práxica é objeto de "dramatização",

mas em si mesma não é já teatro.Apenas a "ação dramática" definirá o teatro como tal, donde uma

sustentação lógica para a metonímia da parte pelo todo: a palavra "drama" está usada para significar próprio

"teatro" como arte, tanto na composição do texto quanto em sua encenação. É o que interpreto das últimas

palavras do texto de Claire Nancy: "drân não produz nada, diferentemente do modo poético ou do modo

práxico, mas apenas sua própria representação reflexiva, que nós chamamos teatro" (2003, p. 27). Abrevia-

se assim nossa compreensão inicial do termo "drama": ele é a própria arte teatral, forma estética na qual

situações de decisão e de comprometimento do ser humano com relação às suas ações são apresentadas ao

público na qualidade de objeto de reflexão moral não só do herói, mas de todo o público. Ele não cria nada

de "objetificado", mas produz significados e sentidos. (DELARI JUNIOR, 2011, p.186-187)

71

do teatro e incorporado na psicologia sócio-cultural, posicionado no limiar entre a

psicologia e arte. Segundo Delari Junior (2011, p.184-185):

A palavra "drama", em diferentes trabalhos de Vigotski, assume significados

bem distintos, do mais geral ao mais específico. Em alguns textos se apresenta

de modo quase coloquial, como sinônimo de "peça teatral", como quando o

autor diz, em tom praticamente alegórico, que "no drama do

desenvolvimento aparece um personagem novo, um fator distinto e

qualitativamente peculiar: a própria e complexa personalidade do adolescente

de estrutura tão complicada" (Vigotski, 1930-31/2006, p. 243 – grifo meu).

Desta maneira, todo o curso do desenvolvimento ontogenético é comparado a

um "drama", ou "peça teatral", e uma específica "nova formação etária"

("возрастные новообразования" [vozrastnie novoobrazavaniia]) pode

figurar como "novo personagem" que "entra em cena" num determinado "ato",

por assim dizer. Posteriormente, de modo explícito, aludirá aos "atos do

drama geral do desenvolvimento" (Vigotski, 1932-34/2006, p. 254 – grifo

meu).

Vigotski associa o desenvolvimento da personalidade humana como uma “grande

peça” teatral, que se inicia ainda na infância e se transforma ao longo do desenvolvimento

humano através do conjunto das relações sociais estabelecidas, como um “enredo”

encenado em sucessivos “atos”. Na obra Psicologia concreta do homem, Vigotski avança

na conceituação a respeito do drama definindo-o de forma mais específica, como estado

de conflito e luta internos, “o drama realmente está repleto de luta interna impossível nos

sistemas orgânicos: a dinâmica da personalidade é o drama" (2000, p. 35).

(...) o seu significado flutua entre, principalmente, duas acepções. A primeira,

mais genérica, é a do "drama" como um "jogo de papéis" ou "encenação

teatral", como se diferentes funções psíquicas, entre as quais certas emoções

humanas, fossem os "atores". Nestas passagens, o ser humano é posto quase

como "arena" de seu próprio drama, e à psicologia cabe perguntar sobre qual

seria "o papel da paixão, da avareza, dos ciúmes, em uma dada estrutura da

personalidade" (Vigotski, 1929/2000, p.34). Nesta linha, diferentes

orientações teóricas em psicologia são comparadas a gêneros dramáticos

particulares, segundo o modo pelo qual os "atores" (processos mentais) jogam

seus papéis (cumprem "funções"). A velha psicologia é um "drama com papéis

fixos", e na nova psicologia existe "mudança de papéis". [...] Diferente desta

apresentação de funções mentais como "atores", temos em Vigotski uma

segunda acepção, mais específica, embora articulada com a primeira: a do

drama no qual o próprio ser humano, como ser social, é o "ator". Será

assumindo determinado papel social, no drama das suas relações com outras

pessoas, que alguém viverá aquele outro "drama", o de suas funções psíquicas.

(Vigotski, 1929/2000, p. 36). (DELARI JUNIOR, 2011, p.192)

72

Só o homem concreto pode viver o drama, que se origina dos impasses

vivenciados pelo homem enquanto ser social. O drama é sempre a luta entre o dever e o

sentimento, é sempre um choque de sistemas. Vigotski (2000) nomina enquanto duas

“estruturas” ou “hierarquias”que se confrontam no decorrer da vivência e do exercício de

papéis sociais antagônicos, a exemplo do pensamento e do desejo. A hieraquia destas

funções são modificadas em cada dimensão da vida social ou de cada momento

vivenciado. O importante desta definição, é considerar este choque entre estas funções

constitue o drama, que dinamiza a personalidade humana.

Tal dinâmica deve ser visualizada como um movimento dialético, que carrega em

si a contradição, “a mútua aniquilação e recriação entre possíveis trajetórias distintas ou

opostas, em intensa coexistência, num "acontecimento"”(DELARI, JUNIOR, 2011,

p.193). Este movimento permite perceber a dinâmica afetivo-volitiva inerente os dramas

próprios de cada sujeito, resultado das significações produzidas pelos indivíduos em

relação com o seu contexto social e expresso no pensamento verbalizado, explicitando o

conflito.

(...) a tematização do "drama" estará presente no capítulo final da obra

"Pensamento e Linguagem" de mais dois modos: (a) na analogia com as

relações entre "texto" e "subtexto" no teatro de Konstantin Stanislavski (cf.,

neste dossiê: Barros, Camargo, & Rosa, 2011); e (b) em sua alusão provocativa

ao "drama vivo do pensamento verbal" (Vigotski, 1934, p. 315). O autor alude

ao caráter "dramático" da nossa "linguagem interior" sem, porém, explicitar se

isto é no sentido de tal pensamento ser "em vários atos", de comportar o

confronto entre "vários atores", ou de ser algo que envolve conflitos entre

diferentes sentidos e significados que uma só palavra pode ter para/em nós,

exigindo-nos assim uma "decisão", "ato volitivo", no instante de compreender

e responder cada palavra que nos é dirigida, já que as "atrações" são muitas. O

"drama vivo do pensamento verbal" (repleto do conflito da própria vida), visto

na direção da verbalização, pode ganhar também dimensões sociopolíticas,

pois em muitos momentos somos convocados não só a pensar, mas também a

"dar nossa palavra", e nisso também há escolhas, ganhos e perdas: "drama"

(DELARI JUNIOR, 2011, 193).

Vale ressaltar, que o campo das significações (significados, sentidos, subtextos,

emoções) que constituem o drama e a consciência humana se configuram como uma

representação da realidade, ou seja a realidade apreendida na sua “pseudoconcreticidade”

(KOSIK, 1976). Afinal, a linguagem, base da consciência, traz consigo referências

próprias da ideologia dominante, a exemplo do sistema de crenças sociais, de determinado

73

momento histórico (FURTADO & SVARTAM, 200). A consciência humana é

fragmentada, atravessadas pela alienação que se dá no processo de separação entre o

trabalho e o processo produtivo. Para conhecer o fenômeno da subjetivade, é preciso ir

além da análise das significações, é preciso relacioná-la a base material que a origina,

neste caso, o modo de produção capitalista.

A relação que produz o campo de signficados é a relação de consumo, e não a

relação de produção. Essa é a base concreta das dimensões subjetivas da

realidade e o repertório social disponível é o que garantirá a compreensão

possível do fenômeno vivido. Apesar disso, a relação de produção é a relação

básica, mas é ocultada no processo de alienação. (FURTADO &

SVARTMAN, 2009, p.103)

O conjunto das representações a respeito da realidade formuladas pelos sujeitos,

através dos significados e dos sentidos, aliada a análise da base material da social compõe

a Dimensão Subjetiva da Realidade. A dimensão subjetiva da realidade sintetiza as

condições materiais dadas na realidade e a interpretação subjetiva a elas atribuidas pelos

sujeitos. Os fenômenos da subjetividade se expressam a partir desta base material, que se

transforma à medida que também transforma os sujeitos e sua subjetividade. (BOCK &

GONÇALVES, 2009).

Entende-se dimensão subjetiva da realidade como construções da

subjetividade que também são constitutivas dos fenômenos. São construções

individuais e coletivas, que se imbricam, em um processo de constituição

mútua que resultam em deteminados produtos que podem ser reconhecidos

como subjetivos. (BOCK & GONÇALVES, 2009, p.91)

Segundo Furtado (1988) a dimensão subjetiva da realidade possui uma dinâmica

interacional, dialética, entre a base material da sociedade e seus determinantes sociais,

políticos e econômicos e a configuração subjetiva do sujeito, apresentando o acúmulo

cultural e histórico de um povo, suas crenças e representações da realidade.

A partir da dialética da subjetividade-objetividade pode-se falar em dimensão

subjetiva da realidade, na medida em que se entende que a subjetividade é

individual, mas constituída socialmente, a partir de um processo objetivo, com

conteúdo histórico. Por outro lado, a realidade social é construída

historicamente, em um processo que se dá entre o plano subjetivo e o objetivo.

A base material agrega subjetividade, a partir da ação do sujeito sobre ela, á

está sua historicidade. Por isso, não é possível falar-se da realidade sem

considerar o sujeito que a constitui e ao mesmo tempo é constituído por ela

(BOCK & GONÇALVES, 2009, p.142).

74

Sem dúvida, os principais danos de um desastre de tal magnitude são relativos aos

impactos biopsicossociais gerados, afinal o evento provocou ruptura da ordem cotidiana

e estabeleceu uma situação de crise, alterando bruscamente a dinâmica de vida das

comunidades atingidas. Podem-se relatar muitos impactos nas diversas esferas de vida

que afetam diretamente a saúde física e emocional das pessoas, a exemplo da morte de

pessoas, das perdas materiais e simbólicas, da inviabilização do trabalho para as

comunidades ribeirinhas que viviam do cultivo da terra e da criação de animais, entre

outros danos que se prolongam com o tempo, principalemente em decorrência da maneira

como o poder público e as empresas envolvidas têm trabalhado para resolução do

problema.

Todos estes impactos e alterações imprimidas na realidade, produziu diversos

significados e sentidos a respeito da realidade. Significações que são formuladas através

da base material que origina o fenômeno, o sistema produtivo capitalista, que na sua

dinâmica expansionista provoca em última instância desastres de tal magnitude, a

exemplo dos rompimentos das barragens de rejeitos de minério ocorrido nos últimos anos

no Brasil.

Neste sentido, o presente estudo visou a compreender a vivência e o drama dos

atingidos do desastre provocado pela Samarco (Vale e BHP Billiton), a partir dos

significados e sentidos elaborados pelos sujeitos da pesquisa. Para compreender uma

situação catastrófica para além de uma análise da realidade concreta e conjuntural, é

importante acessar o campo simbólico e a subjetividade constituída a partir desta relação

com a realidade concreta do desastre, entendendo como uma situação de desastre altera a

subjetividade dos sujeitos, promove sofrimento psíquico, mas também possibilidades de

resistência e reorganização das vidas.

4.1 A vivência do desastre: do sofrimento à resistência.

Uma situação de desastre é compreendida enquanto fenômeno social e produto de

uma estrutura social. Um desastre nunca é natural, mesmo quando advindo de um

fenômeno ligado à natureza, como enchentes e terremotos, já que está inserido em um

contexto social afetado diretamente pelas ações humanas e relacionado com as interações

humanas. Deve ser compreendido também na sua dimensão histórica, e na sua relação

com o modelo econômico vigente, com o seu projeto de crescimento e desenvolvimento,

que é excludente, provocando vulnerabilidades. (VALENCIO, 2010; SARTORI, 2014).

75

É um fenômeno coletivo, na medida em que desestabiliza as estruturas sociais,

perturba a ordem cotidiana e é compartilhado entre uma comunidade. O desastre é

também um evento singular, na medida em que se relaciona com diferentes visões de

mundo e produz sentidos diversos para quem o vivencia. Com a alteração brusca e a

suspensão da rotina, o não reconhecimento dos indivíduos no lugar, é natural a

perpetuação da tristeza, do sofrimento, da dor e do luto, afetando o plano simbólico e o

plano das relações sociais (EYRE, 2007 apud SARTORI, 2014).

Tanto no plano simbólico quanto no plano concreto, um fenômeno de desastre

circunscreve múltiplas e diferentes vivências, de tal sorte que as afetações num

desastre não são as mesmas para um comerciante, com a dor que passou com

a perda de suas mercadorias; para uma dona de casa, na destruição de sua

moradia; para uma criança, na perda de seus brinquedos e de amiguinhos

falecidos no evento; para um idoso, na perda de seus objetos de valor

sentimental que exprimem uma trajetória de vida; para um agricultor, com a

devastação da lavoura; para a diretora de uma escola que desabou; para os

funcionários de um hospital alagado. Por conseguinte, a autoridade pública,

nas suas providências de restabelecimento dos sistemas de objetos e dos

sistemas de ações da coletividade, precisa aglutinar adequadamente essa

pluralidade de dramas, atenuá-los a partir de uma escuta ativa de suas

especificidades. (VALENCIO, 2011, p.26)

No entanto, é preciso adotar uma perspectiva crítica de análise do fenômeno,

compreendendo que o enlutamento, a dor diante das inúmeras perdas é completamente

esperada diante de um fenômeno inesperado como uma situação de desastre. Martín Baró

(2000) apresenta o conceito de trauma psicossocial, em contraponto ao conceito de

traumatismo comumente adotado pelas perspectivas da saúde mental e também da

psicanálise. De fato, há sofrimento psíquico e, em alguns casos, agravamento de quadros

prévios de sofrimento emocional. Porém, o sujeito atingido não pode ser definido pelo

trauma, que em sua singularidade é expressão da dimensão social, econômica, política e

cultural de uma região atingida. No caso desta pesquisa, pela exploração mineral

predatória.

Segundo o autor, o trauma está diretamente ligado ao contexto social que o gera,

possuindo um caráter dialético. Ele escreve no contexto da guerra em El Salvador,

atribuindo a condição de trauma e o sofrimento psíquico como uma resposta às condições

desumanas que a ordem vigente de exploração e acumulação de capital evidencia em uma

situação de crise, como a de um desastre tecnológico provocado pelo rompimento de uma

barragem. Segundo Valencio (2010, p.34):

76

O desastre demonstra uma culminância de mazelas que, desde sempre,

estiveram ali mal resolvidas embora naturalizadas. Mazelas tão mais

silenciadas quanto mais profundas que a opressão material, cultural, social e

política dos afetados. Os desastres no Brasil, no geral, são o apogeu da barbárie

que somos capazes de tolerar, conviver, testemunhar e produzir. Não diz

respeito apenas aos que, coletivamente, perdem algo e alguém, mas ao

conjunto das relações mais amplas que produzem tal afetação.

O trauma psicossocial está relacionado às formas de violência extremada, a

exemplo do terrorismo de Estado, guerras, massacres, torturas, entre outros. Destaca-se

sua dimensão psicológica relacionada aos afetos e ao sofrimento emocional produzido e

também a dimensão social, fruto do contexto histórico, político, econômico e da ssua

interferência na sociedade (RIQUELME, 1993; MARTÍN BARÓ, 2000). Segundo

Martín- Baró (2000, p.236):

a) O trauma tem um caráter dialético, o que significa não somente que é

produzido pela sociedade, ainda que o principal afetado seja o indivíduo, mas

que a natureza do trauma deva ser localizada, em particular, nas relações

sociais das quais o indivíduo é apenas uma parte. Precisamente porque o

trauma deve explicar-se a partir da relação que o indivíduo encontra com sua

sociedade, não se pode mais predizer que um tipo de situação social irá gerá

mecanicamente um trauma para qualquer pessoa, ou que certo tipo de pessoa

não irá sofrer um trauma. Inclusive, há que sublinhar que circunstâncias

excepcionais, assim como podem levar a deteriorizações e lesões, podem levar

também ao crescimento e superação das pessoas. Em outras palavras, ao

afirmar o caráter dialético do trauma se afirma, necessariamente, seu caráter

histórico. b) Ao falar de trauma psicossocial insiste-se que o trauma é

produzido socialmente e, portanto, que sua compreensão e sua solução não

somente requerem o atendimento ao problema do indivíduo, mas sobretudo, as

suas raízes sociais, quer dizer, as estruturas e condições sociais

traumatogênicas. c) As relações sociais dos indivíduos não são somente as

causadoras dos traumas, mas sua manutenção é o que alimenta e multiplica os

casos de indivíduos traumatizados.

De acordo com Campos (2015), o trauma psicossocial gera impactos subjetivos e

produz emoções que podem bloquear a força e a potência de vida. As experiências

traumatizantes afetam comunidades e populações inteiras de forma sistêmica.

Riquelme (1993), em suas pesquisas, concluiu que as vítimas de violência

organizada apresentam a experiência da destruição da confiança básica,

vergonha e sentimento de "cumplicidade inconsciente" de seus verdugos. As

manifestações afetivas (sentimentos e emoções) que constituem quadros de

trauma psicossocial produzidos pelo sistema político em contextos de violência

extrema são diversas. [...] Ele fala da subordinação (indivíduos passivos e

submissos) ao terrorismo - da adaptação geral da população aos processos de

violência, ao que Martín-Baró chama de 'normal anormalidade', produzida pelo

terrorismo de Estado. Fala da dor da tortura que se autoperpetua no vitimado.

Riquelme aponta para o sentimento de insegurança "de quem se sente expulso

77

de sua terra e sem lugar no mundo". Enfim, profundas marcas de sofrimento,

depressão, "danos psíquicos e físicos 'infernais'" (RIQUELME, 1993, apud

CAMPOS, 2015, p.51).

Além do trauma psicossocial, há um outro conceito que ajuda a compreender a

situação de sofrimento produzido em um contexto histórico e social determinado por

injustiças e pela dialética da exclusão x inclusão social, que é o conceito de sofrimento

ético-político elaborado por Sawaia. De acordo com Sawaia (2014, p.106), o sofrimento

ético-político:

(...) abrange as múltiplas afecções do corpo e da alma que mutilam a vida de

diferentes formas. Qualifica-se pela maneira como sou tratada e trato o outro

na intersubjetividade, face a face, ou anônima, cuja dinâmica, conteúdo e

qualidade são determinados pela organização social. Portanto, o sofrimento

ético-político retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em

cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser

tratado como inferior, subalterno, sem valor, apêndice inútil da sociedade. Ele

revela a tonalidade ética da vivência cotidiana da desigualdade social, da

negação imposta socialmente às possibilidades da maioria apropriar-se da

produção material, cultural e social de sua época, se movimentar no espaço

público e de expressar desejo e afeto.

Sawaia (2014) refere-se ao sofrimento produzido pela ordem social como

sofrimento ético-político, que é todo processo de dor que surge refletindo diretamente as

vivências cotidianas das injustiças sociais vigentes em determinado contexto histórico. A

dor aqui é a dor de estar submetido a uma condição de subalternidade e inferioridade

dentro da lógica do sistema capitalista.

O modo de viver do trabalhador rural, do pescador e da comunidade tradicional é

considerado sem valor e inútil dentro do sistema produtivo, que atropela e soterra não só

essas condições de vida e territórios, mas os sujeitos que em resposta sentem, sofrem, mas

também resistem e se reorganizam. O sofrimento ético-político diz a respeito à vivência

da desigualdade social e da exclusão da maioria dos processos de produção econômica,

política, cultural e social.

A desigualdade social se caracteriza por ameaça permanente à existência. Ela

cerceia a experiência, a mobilidade, a vontade e impõe diferentes formas de

humilhação. Essa depauperação permanente produz intenso sofrimento, uma

tristeza que se cristaliza em um estado de paixão crônico na vida cotidiana, que

se reproduz no corpo memorioso de geração a geração. Bloqueia o poder do

corpo de afetar e ser afetado, rompendo os nexos entre mente e corpo, entre as

funções psicológicas superiores e a sociedade. Deleuze (2002, p.106) retrata

bem esse processo ao explicar a concepção de tristeza: "na tristeza nossa

potência (conatus) serve toda ela para investir a marca dolorosa e para destruir

o objeto que a causou. […]. Assim, imobilizada, nossa potência só pode reagir

78

e não agir, torna-se potência de padecimento, reduzindo nosso esforço de

perseverar na própria existência ao sobrevivencialismo negador da vida

(SAWAIA, 2009, p. 370).

Campos (2015) ressalta o caráter dialético do trauma psicossocial, a sua condição

não cristalizada e a possibilidade de sua superação. É importante “aventar a possibilidade

de sua superação como fenômeno histórico e socioafetivo; e ampliar a sua dimensão para

as esferas políticas, sociais, econômicas e de poder e pensar a ação coletiva” (CAMPOS,

2015, p.55). Segundo a autora, nos casos de violência organizada, a promoção da saúde

psicossocial envolve o debate em torno da garantia dos direitos humanos.

No trabalho de pesquisa realizado com as vítimas do massacre de Felisburgo

(MG), ocorrido no ano de 2005, no acampamento Terra Prometida do MST, a autora

atuou através da terapêutica comunitária, reforçando a construção de uma memória

histórica do acontecimento, pautada no direito à verdade e na produção da autonarrativa,

de forma a promover reflexão sobre os fatos passados e a partir de então, traçar uma

perspectiva de futuro que permitisse a reconstrução da vida.

A sua pesquisa se baseou na tese de que o desenvolvimento de afetos positivos e

de um projeto de vida positivo, após a vivência da experiência traumática, ajudariam a

superar as cargas traumáticas das experiências vividas. E complementa: “Para ação ser

revolucionária deve buscar a superação das forças geradoras do trauma” (CAMPOS,

2015, p.50), ou seja, a superação da estrutura social que produtora de afetos negativos,

que diminuem a potência de vida.

A partir de Vigotski, podemos pensar que o desenvolvimento dos afetos

(sentimentos e emoções) acompanha a dinâmica e o desenvolvimento da

sociedade e de segmentos dessa em suas divisões de classes, assim como

segmentos grupais específicos - o que significa que quanto mais uma sociedade

se desenvolve, no sentido do gênero humano, mais possibilidades do

desenvolvimento de produção de afetos alegres e do desenvolvimento das

funções psicológicas superiores; ao contrário, quanto mais uma sociedade se

encontra em estado de degradação, produzido por fenômenos de miséria,

exploração, violência, mais afetos tristes poderão ser gerados e mais bloqueios

poderão surgir ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores, assim

como o rompimento dos nexos que configuram essas funções. [...]. Porém, a

partir de um pensamento dialético, devemos considerar as forças de

contradições dos afetos, que por um trágico acontecimento podem fazer surgir

reações e ações contrárias, tal como foi considerado por Martín-Baró (2000,

p.236). Isto é, a dinâmica dos afetos depende das circunstâncias sociais em que

os sujeitos estão inseridos e dependem, portanto, do estado em que a sociedade

se encontra, mas também da maneira pela qual os sujeitos históricos

respondem às situações produzidas socialmente. (CAMPOS, 2015, p.58)

79

No contexto do desastre do rompimento da barragem do Fundão, o sofrimento foi

gerado coletivamente e vivenciado de forma singular por cada sujeito. O presente estudo

se concentrou na análise do sofrimento gerado a partir da perda da atividade, modo de

vida e território e também através da incerteza e da relação com a empresa e o poder

público que, como já apresentado por Zhouri et. al. (2016), vêm desenvolvendo uma série

de ações nos territórios atingidos que produzem e prolongam a condição de sofrimento e

trauma psicossocial vivenciado pelas populações atingidas, afetando inclusive à sua

condição de saúde.

A Comissão sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) da Organização

Mundial de Saúde (OMS) apontou no relatório final do ano de 2008 que as condições de

vida em que estão expostas as populações, seja na sua dimensão socioeconômica, política

e ambiental, são determinantes para a condição de saúde e bem-estar dos indivíduos e

comunidades. O acesso diferenciado aos serviços e cuidados em saúde resultante da

estratificação social, assim como a falta de acesso aos bens básicos e vitais, como água

potável, rede de esgoto e melhores condições de trabalho são fatores que interferem no

bem-estar e demarcam a desigualdade na promoção da saúde (LAMARCA & VETTORE,

2015).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (1997, apud LAMARCA &

VETTORE):

O bem-estar está relacionado à percepção de um indivíduo sobre a sua posição

na vida no contexto da cultura e do sistema de valores nos quais ele vive, e em

relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um

conceito amplo que afeta de uma forma complexa a saúde física e o estado

psicológico da pessoa, suas crenças pessoais, os relacionamentos sociais e tem

uma forte relação com o ambiente.

O processo saúde-doença é um fenômeno ético-político que deve ser

compreendido em sua totalidade, considerando a dimensão material em que este processo

se dá, através das políticas de Estado e governo, as condições sociais e econômicas,

biológicas e também éticas (SAWAIA, 1999 apud SOUZA, 2012).

A saúde é um fenômeno determinado socialmente e relacionado com as condições

objetivas a que estão expostos os sujeitos, é possível relacionar o adoecimento sentido e

vivenciado pela população vítima do desastre com as condições de vida pós-desastre.

Estes fatos estão relacionados aos impactos materiais e simbólicos, como a morte de

pessoas, a perda do território, da atividade, do modo de vida, da moradia e também do

80

bem-estar psicossocial, já que até o dado momento prevalece na região a incerteza a

respeito da resolução dos processos indenizatórios e do restabelecimento comunitário.

O sofrimento e a tristeza produzidos estão relacionados com a falta de condições

objetivas para projetar a vida, e tendem a gerar o desânimo e a impotência. No entanto,

mesmo diante de condições precárias de vida que impactam diretamente nas condições

de saúde e no isolamento dos sujeitos, há estudos que apontam a capacidade dos sujeitos

de enfrentarem as adversidades e conquistarem mudanças concretas através da luta, da

organização das pessoas e a solidariedade, o que ajuda na promoção do aumento da

potência de vida, ou seja, no sentimento de bem-estar e saúde (SOUZA, 2012).

Saúde é a potência de ação, nos encontros vividos reside a possibilidade de se

deixar afetar e ser afetado por um outro no processo de diversas possibilidades.

Nessa interação nos é oferecida a possibilidade de agir, pensar e sentir. A

capacidade de tecer projeções futuras. Adoecer é a diminuição da potência de

agir (SAWAIA, 2004 apud MOLER, 2011, p.76).

A saúde é da “ordem da potência de vida” (SOUZA, 2012, p.41). No trabalho de

pesquisa desenvolvido por Souza (2012) com um grupo de assentados do MST, a respeito

da concepção de saúde adotada pelos integrantes do movimento, os sujeitos produziram

coletivamente esta definição que se relaciona com a teoria adotada. A concepção de saúde

do MST pode ser sintetizada através desta máxima preconizada pelo movimento: “Saúde

é a capacidade de lutar contra tudo que nos oprime. ” (TAVARES, 2006).

É ter alegria, felicidade, amizade, companheirismo, é bem-estar, é conviver, é

ter força para enfrentar as doenças, crises e dificuldades. É a produção coletiva

e agroecológica, a alimentação orgânica, é a luta contra toda forma de

exploração, é a luta contra o capitalismo, é a segurança, é a soberania

alimentar, é a terra. É a liberdade, é a justiça, é ter respeito à religiosidade, é a

distribuição de renda, é resgatar e respeitar a sabedoria popular, é estudar, é a

cultura, é lutar, criar, é o poder popular, ISSO É VIDA!!! (SOUZA, 2012, p.44)

Neste sentido, é importante conhecer as estratégias locais de reorganização

comunitária para reconstituição da vida e dos laços sociais, as práticas de saúde e os

modelos de cura presentes na própria comunidade, as estratégias de participação social, a

troca de informações e a transformação dos sujeitos diante da situação de desastre

ocorrido (WEINTRAUB et al., 2015).

81

Não devemos apenas lamentar, nos desastres, as vidas perdidas de pessoas de

camadas afluentes como se fossem as únicas portadoras de projetos para o seu

futuro, ora minados; de sonhos que jamais se concretizarão. A trivialidade da

morte daqueles que sofrem constante aviltamento de sua condição humana e

cujos corpos são carregados por água contaminada e lama tem muito anos dizer

sobre uma ordem social injusta. Os grupos empobrecidos que venturosamente

sobrevivem e resistem no terreno não são destituídos de um sentido de vida

partilhado: há uma luta incessante pela garantia dos mínimos sinais vitais; há

valores que norteiam essa luta; há uma vigorosa solidariedade intracomunitária

que, ao invés de ser vista como elemento indicativo de uma dignidade coletiva

inerente e lançar pontes para um novo pacto social, é obscurecida e sufocada

pela ideologia do caos, em torno da qual essa dignidade é friamente subtraída

dos grupos severamente afetados. Compreender a importância dos recursos

culturais que as comunidades produzem e exercitam para se manter de pé

quando tudo rui ao derredor é um passo necessário para respeitá-las; para

viabilizar o partilhamento das estratégias exitosas, para difundir os saberes dos

sujeitos sujeitados. (VALENCIO, 2011, p.27)

Diante de situações adversas, as comunidades também se configuram em espaços

de produção de resistências. A comunidade não é um espaço somente geográfico, e apesar

de estar ligada a um território, é, sobretudo, um espaço relacional, de formação cultural,

vincular e emocional. São espaços em que o individual e o coletivo estão em constante

relação e se transformam dialeticamente. A comunidade não se caracteriza pelo ideal de

consenso ou ausência de tensões, é também o espaço do conflito (SAWAIA, 2007). É

potente e fértil à medida que desenvolve recursos e estratégias próprias para lidar

coletivamente e transformar a realidade local. As comunidades são espaços de ação

coletiva (MONTERO & SERRANO-GARCIA, 2011; SAWAIA, 2007).

Por trás da desigualdade social há vida, há sofrimento, medo, humilhação, mas

também há o mais extraordinário milagre humano: a vontade de ser feliz e de

recomeçar ali onde qualquer esperança parece morta. Há, portanto, o homem

por inteiro, de corpo e mente, emoção e razão, determinando e determinante

da sociedade, de forma que o que acontece com um afeta o outro (SAWAIA,

2009, p. 365).

Segundo Castells (2001), há três identidades que são construídas na sociedade. A

identidade legitimadora, que se dá através do intermédio das instituições em que

prevalece a ideologia dominante, reforçando e atuando para a manutenção dos valores

ético-políticos hegemônicos e vigentes na sociedade. A identidade de resistência, que se

dá através dos atores sociais que estão posicionados na estrutura social em condições de

desvalorização, exclusão, dominação e estigmatização e que constroem e formulam

valores ético-políticos contrários à visão dominante. E por fim, a identidade de projeto,

em que os atores sociais ultrapassam a identidade de resistência e propõem um projeto de

82

sociedade, outro modelo, com outros valores que transformem a sociedade em sua

estrutura.

A identidade de resistência é constituída por atores sociais que se encontram

em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da

dominação. A trincheira de resistência ou identidade defensiva dos oprimidos

torna possível a manutenção, o resgate ou a conquista de direitos, o que, em

última análise, significa a sobrevivência enquanto indivíduos e a afirmação de

cidadania. A identidade de resistência, formada em meio aos conflitos, pode se

tornar em identidade de projeto. (CASTELLS, 2001, p.4-5)

De acordo com Benincá (2009), a resistência é determinada pelas relações de

poder dominantes. Para resistir, é preciso encontrar as brechas no sistema de produção

capitalista, que através da ideologia que permeia as instituições, atua de forma a

desmobilizar as classes populares e trabalhadoras. A resistência através da organização

popular é uma tarefa complexa e desafiadora, que vai de encontro à cultura política em

da subalternidade e da submissão. Faz-se necessário, portanto, estimular a cultura da

participação social. O ato de resistir almeja transformar a realidade material, à medida

que transforma também os sujeitos, que saem da posição de objetos para a posição de

atores sociais, protagonistas da sua história e da mudança, se reconhecendo como sujeitos

de direitos.

A participação política dos atingidos pelo desastre organizados em um movimento

social popular se relaciona com a produção de mudanças objetivas e subjetivas na

realidade vivenciada. A compreensão de participação política apresentada neste estudo

está ancorada na concepção de práxis29 política formulada por Sánchez Vázquez (2007).

29Sánchez Vázquez (2007, p.227-228): “Como toda atividade propriamente humana, a atividade prática que

se manifesta no trabalho humano, na criação artística ou na práxis revolucionária é uma atividade adequada

a fins, cujo cumprimento exige – como mostramos – certa atividade cognoscitiva. Mas o que caracteriza a

atividade prática radica no caráter real, objetivo, da matéria-prima sobre o qual se atua, dos meios ou

instrumentos com que se exerce a ação e de seu resultado ou produto. Na atividade prática, o sujeito age

sobre uma matéria que existe independente de sua consciência, e das diferentes operações ou manipulações

exigidas para sua transformação. A transformação dessa matéria – sobretudo no trabalho humano – exige

uma série de atos físicos, corpóreos, sem os quais não se poderia levar a cabo ou alteração de certas

propriedades. (...). Finalmente, o produto de sua atividade transformadora é um objeto material que subsiste

independentemente da atividade subjetiva que o criou. Nesse sentido, podemos dizer que a atividade prática

é real, objetiva ou material. E, a nosso ver, assim a caracteriza Marx em suas “Teses sobre Feuerbach” ao

empregar a expressão “atividade objetiva”. Marx enfatiza o caráter real, objetivo, da práxis, na medida em

que transforma o mundo exterior que é independente de sua consciência e de sua existência. O objeto da

atividade prática é a natureza, a sociedade ou os homens reais. O fim dessa atividade é a transformação

real, objetiva, do mundo natural ou social para satisfazer determinada necessidade humana. E o resultado é

uma nova realidade, que subsiste independentemente do sujeito ou dos sujeitos concretos que a engendram

com sua atividade subjetiva, mas que, sem dúvida, só existe pelo homem e para o homem, como ser social.

83

A práxis política pode ser definida como a participação política que se dá de forma

intencional, uma atividade prática consciente e dirigida a uma transformação das relações

sociais, econômicas e políticas. O homem é sujeito e objeto da intervenção à medida que

ele atua sobre o meio, atua sobre si mesmo, transformando-se em ser social.

Essa atividade prática do homem oferece diversas modalidades. Dentro dela

caem os diversos atos orientados para sua transformação como ser social e, por

isso, destinados a mudar suas relações econômicas, políticas e sociais. Na

medida em que sua atividade toma por objeto não um indivíduo isolado, mas

sim grupos ou classes sociais e inclusive a sociedade inteira, pode ser

denominada práxis social, ainda que em um sentido amplo toda prática

(inclusive aquela que tem por objeto direto a natureza) se revista de um caráter

social, já que o homem só pode levá-la a cabo contraindo determinadas

relações sociais (relações de produção na práxis produtiva) e, além disso,

porque a modificação prática do objeto não humano se traduz, por sua vez, em

uma transformação do homem como ser social (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007,

p.232).

No sentido mais amplo, a práxis política pode se dar em diversos âmbitos da

sociedade, a exemplo da comunidade e do núcleo intrafamiliar. Segundo Sánchez

Vázquez (2007), no sentido restrito, a atividade política, enquanto práxis social, é

executada através da luta de grupos ou classes sociais que visam a interferir na direção e

organização da sociedade. Requer a participação de diversos setores da sociedade,

organizados em um instrumento (instituições, organizações políticas, partidos políticos)

que tenha projeto e programa político e consiga interferir concretamente na promoção de

ações políticas reais, ou seja, no caráter prático da atividade política, a exemplo das

manifestações, greves e ocupações, que acumulam forças para um fim específico que é a

conquista do Estado, do poder e ainda da transformação das bases econômicas da

sociedade. “A atividade política gira em torno da conquista, conservação, direção, ou

controle de um organismo concreto como é o Estado. ” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007,

p.233).

Rosa (2013) ressalta o aspecto subjetivo, sobretudo da ordem dos afetos e das

emoções presentes na práxis política. Apesar destes aspectos não serem abordados de

forma especifica no conceito apresentado por Sánchez Vázquez, eles compõem a esfera

Sem essa ação real, objetiva, sobre uma realidade – natural ou humana- que existe independente do sujeito

prático, não se pode falar propriamente de práxis como atividade material consciente e objetivamente;

portanto, a simples atividade subjetiva – psíquica – ou apenas espiritual que não se objetiva materialmente

não se pode considerar como práxis”.

84

consciente da ação teleologicamente orientada. Gramsci, ao falar das paixões30, destaca

o papel do aspecto emocional para a execução de ações que visem à mudança na

realidade. Segundo Rosa (2013, p.78):

A práxis política é composta por uma dimensão subjetiva. Tal dimensão é

permeada de sentidos e significados e se dá pela indissociabilidade de

processos cognitivos, afetivos e motivacionais no drama subjetivo. A

subjetividade é aqui entendida como produção elaborada pelo sujeito a partir

de suas vivências concretas em um contexto sócio-histórico-cultural

específico, compondo-se de forma dramática. A práxis política é uma atividade

objetiva, prática, orientada subjetivamente.

Castro-Silva (2004) ressalta que os novos movimentos sociais31 são caracterizados

por uma práxis política que se aproxima da realidade comunitária, da subjetividade,

vivência e das demandas do cotidiano dos sujeitos. Neste sentido, a atuação das pessoas

nestes movimentos extrapola o desejo da concretização da reivindicação material em si,

mas se relaciona com a satisfação da participação ativa no espaço público, transcendendo

a esfera privada.

Adquiriam uma visibilidade que extrapolava as relações da esfera privada. (…)

Salta aos olhos a necessidade destas pessoas desejarem serem reconhecidas no

espaço público não só pelo seu número de identidade (RG), mas serem

conhecidas pela sua voz, suas ideias e ações (CASTRO-SILVA, 2004, p.12).

Buscando estabelecer uma relação entre a práxis política dos indivíduos, a

dimensão afetiva e simbólica que orienta a atividade política e os efeitos disso na

promoção de saúde ético-política, Marco Fernandes, no artigo “Luta, que Cura!: Aspectos

terapêuticos das lutas de massa e alguns desafios para o trabalho de base

contemporâneo”, compartilha algumas experiências da população em um contexto de

uma ocupação de moradia do MTST, ressaltando o aspecto “terapêutico” destes espaços

para as populações com demandas de cuidado em saúde e em situação de sofrimento

emocional, que no ambiente da ocupação e através da integração das tarefas coletivas

(cozinha, os espaços culturais, as ações diretas), significavam aquele espaço como espaço

30“É fato pacífico que a ‘clareza’ intelectual dos termos na luta é indispensável, mas esta clareza é um valor

político quando se torna paixão difundida e é premissa de uma forte vontade” (COUTINHO, 2011, p.322) 31Conceito dos novos movimentos sociaisjá foi discutido no segundo capítulo desta dissertação, trazendo

como exemplo o MAB, o MST e os demais movimentos que surgem no contexto da América Latina após

da década de 1980.

85

de saúde, como terapia e como um lugar de cura. Cura da depressão e de outras

enfermidades apresentadas pelo autor.

Parece que a experiência de um acampamento “sem teto”, e de muitas outras

formas de organização e de lutas do proletariado, possuem o potencial de

responder, em parte, a essa urgente demanda por terapia para as classes

populares. Muitas das centenas, ou milhares, de pessoas que se juntaram à

ocupação por uma necessidade básica, a casa, parecem ter encontrado algo

além: um tipo de acolhimento e de suporte coletivos forjado nas experiências

de lutas massivas e combativas, nas festas memoráveis e nas inúmeras

atividades culturais. Forjado também nas incontáveis “assembleias dos

grupos” e nas reuniões de grupos pequenos, ao redor da fogueira,

acompanhados de um velho violão, as bebidas e as histórias compartilhadas,

quando a escuridão da noite cobria o acampamento. Um conjunto que lhes

permitiu restabelecer vínculos perdidos, resgatar sua auto-estima e reconstruir

um projeto de futuro. Sem projeto de futuro, nós simplesmente adoecemos

(FERNANDES, 2010, p. 17).

Segundo Souza (2012), no contexto da pesquisa desenvolvida no assentamento

rural, os sujeitos encontraram na luta política dos movimentos sociais um espaço de

produção de saúde e potência de vida.

A precariedade e a insegurança pela não regularização da terra afeta a saúde

de diversas maneiras, levando, do ponto de vista do movimento, ao desânimo,

impotência, futuro desalentador e busca de solução individual, mas ao mesmo

tempo, eles demonstram que mesmo nestas condições e sofrimentos, o que os

mantém vivos é a luta política. A solidariedade prevalece e a reflexão torna-se

uma aliada forte da saúde. (SOUZA, 2012, p. 62)

Seguindo a ideia apresentada pela autora: “A criação de novos laços de

convivência e a reflexão sobre suas ações e emoções promoviam o aumento da potência

de vida e imprimiam uma força na busca da efetiva reforma agrária no espaço

vivido.”(SOUZA, 2012, p.5).

De acordo com Espinosa (1973), os bons encontros promovem potência de ação,

e é através dos encontros, da relação com o outro que o sujeito se transforma. A

emancipação dos sujeitos está diretamente relacionada com a dinâmica da afetividade,

com as motivações e as necessidades intersubjetivas. A formação de identidade de grupo,

a solidariedade e a empatia promovida através dos encontros potentes se configuram

como aspectos que compõem a felicidade pública ou felicidade ético-política, aqui

relacionada com a saúde ético-política.

A felicidade pública, que é diferente do prazer e da alegria. Estes últimos são

emoções imediatas e contingentes, manifestações do que Heller define como

86

dor, circuscritas ao instante da sua ocorrência, e aparecem como flashs na

vivência do sofrimento ético-político, sem alterar-lhe a qualidade. O

sofrimento ético-político e a felicidade pública não se tornam fim em si

mesmo, encontrando em si próprio, pelo ensimesmamento, a satisfação, como

ocorre com a dor e a alegria. Para esclarecer a distinção do sofrimento e

felicidade de dor e sofrimento tomemos como exemplo as emoções

vivenciadas por participantes de movimentos sociais. Todos sentem alegria e

prazer com a conquista das reivindicações, mas nem todos sentem felicidade

pública. Esta é experimentada apenas pelos que sentem a vitória como

conquista da cidadania e da emancipação de si e do outro, e não apenas de bens

materiais circunscritos. A felicidade ético-política é sentida quando se

ultrapassa a prática do individualismo e do corporativismo para abrir-se à

humanidade (SAWAIA, 2014, p. 106-107).

Sawaia (2014) defende que não é inseparável o desejo da realização da

necessidade material com o desejo de sentir-se valorizado. Os espaços que promovem

bons encontros, potência de ação e de vida, atuam de forma a fortalecer os sujeitos

subjetivamente. De acordo com a perspectiva da psicologia social comunitária, fortalecer

é valorizar o potencial transformador do sujeito em interação com a comunidade, reforçar

a ideia de uma relação dialética entre o sujeito e o seu meio social (CASTRO-SILVA,

2004, p. 19).

Neste sentido, a participação política, segundo Montero (2003, p.72), fortalece os

sujeitos:

A participação será um instrumento de fortalecimento psicossocial deste

sujeito que almeja formas e afirmativas de elaboração do sofrimento suscitado

pela discriminação e pelo estigma. O fortalecimento pessoal pode ser

compreendido "como o processo mediante o qual os membros de uma

comunidade (indivíduos interessados e grupos organizados) desenvolvem

conjuntamente capacidades e recursos para controlar sua situação de vida,

atuando de maneira comprometida, consciente e crítica, para conseguir a

transformação de seu entorno, segundo suas necessidades e aspirações,

transformando-se ao mesmo tempo a si mesmos”.

Através deste pressuposto, de que a participação política favorece a transformação

e o fortalecimento psicossocial, que este estudo buscou compreender como a organização

dos atingidos através do MAB poderia impulsionar processos de resistência e

enfrentamento dos obstáculos impostos, além de promover de saúde ético-política e

produção de novos sentidos de vida para os sujeitos afetados pelo desastre produzido pela

Samarco.

87

5. METODOLOGIA DE PESQUISA

A premissa teórico-metodológica deste presente trabalho de pesquisa está

circunscrita no campo da Psicologia Sócio Histórica, embasada pelo pressuposto

filosófico, teórico e metodológico do materialismo histórico e dialético adotado

principalmente pela Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski e de seus apoiadores

Leontiev e Luria.

A Psicologia Sócio Histórica se constitui como a corrente de pensamento da

psicologia social que concebe o psiquismo como fruto da relação dialética entre o ser

humano e o contexto sócio histórico e cultural em que está inserido, salientando o seu

poder de ação social na transformação e na construção da realidade. (JACQUES et al.,

2011).

Esta abordagem teórica concebe o sujeito e a subjetividade a partir da relação

dialética com o meio em que vive, a objetividade, superando as dicotomias subjetividade-

objetividade e indivíduo-sociedade presentes na Psicologia. A subjetividade é constituída

a partir da constante interação com a base material da sociedade, sustentada através da

exploração da força de trabalho de milhares de homens e mulheres no modelo de

produção capitalista.

Sob a luz da Psicologia Sócio Histórica, deve-se compreender o psiquismo como

em constante processo de construção e transformação, constituído a partir das relações

sociais concretas e das vivências e das experiências dos sujeitos, revelando a dinâmica

existente entre a totalidade social e a singularidade das situações individuais. Esse

processo é protagonizado por sujeitos que são constituídos historicamente e que, enquanto

sujeitos, produzem emoção, reflexão, ação e movimento.

Esta compreensão dialética a respeito do sujeito e da sociedade não só revela as

contradições históricas e sociais constituintes da nossa subjetividade, como permite a

transformação do sujeito e da estrutura social (BOCK et al., 2007). Afinal, o homem está

sempre em movimento, transformando a realidade e, na medida em que transforma a si

mesmo, é transformado por ela, em um processo contínuo e dialético (LANE, 2004).

Os fundamentos epistemológicos, metodológicos e ontológicos decorrentes do

materialismo histórico e dialético foram trazidos por Vigotski à Psicologia, concebendo,

portanto, os fenômenos psicológicos enquanto fenômenos produzidos na historicidade. O

desenvolvimento da concepção da subjetividade como fruto da dialética subjetividade-

objetividade, o estudo das categorias do psiquismo atividade, consciência e identidade, e

88

também dos processos grupais, da linguagem e afetividade foram algumas das

contribuições desta perspectiva teórica para a Psicologia Social brasileira e latino-

americana (BOCK, et al., 2007).

As categorias atividade e consciência, sob a óptica das leis da dialética,

integram, junto com as categorias identidade e afetividade, o psiquismo

humano, o qual, por um processo recursivo, se expressa no trabalho humano,

que é a base de toda sociabilidade e do processo de objetivação-subjetivação

tipicamente humano (KAHHALE & ROSA, 2009, p.38).

Esta perspectiva de análise do psiquismo oferece à psicologia uma alternativa

teórica e metodológica para superação do idealismo e também ao chamado materialismo

vulgar, que apreende a realidade em sua pseudoconcreticidade, ou seja, na aparência

cotidiana e imediata do fenômeno (KOSIK, 1976). Na Psicologia, esta concepção se

coloca enquanto possibilidade às correntes teóricas mais essencialistas e também às

correntes positivistas e mecanicistas.

Nem o objeto pode ser mais considerado à margem da subjetividade humana,

fora de sua atividade – concepção do materialismo metafísico e, em geral, de

todo materialismo vulgar –, nem a atividade da qual o objeto é produto pode

ser entendida – como faz o idealismo – como mera atividade espiritual, embora

se trate da atividade da consciência humana. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007,

p. 170)

De acordo com Gonçalves (2005), o materialismo histórico e dialético mantém a

concepção hegeliana de sujeito ativo, assim como também compreende a existência

objetiva do objeto, ambos atuam enquanto unidade de contrários, em uma relação

dialética de constante interação, na qual um atua sobre o outro, promovendo constante

transformação.

O princípio da unidade de contrários é um dos princípios centrais da dialética.

Segundo Bock (2001), todo objeto comporta em seu interior forças opostas que coexistem

e se relacionam, gerando contradições e também processos de superação das contradições

que impulsionam o contínuo movimento de transformação do fenômeno. Através da

concepção de transformação permanente, a consciência humana e os processos psíquicos

estão em constante desenvolvimento e transformação. Segundo Gonçalves (2005, p.93):

“Antes de mais nada, o sujeito é sujeito da ação sobre o objeto, uma ação de transformação

do objeto. A ação do sujeito transforma o objeto e o próprio sujeito”.

89

Este processo está situado em um contexto histórico, social e econômico, e é a

partir da sua análise, que é possível desvelar as suas determinações e as suas contradições

que expressam a base material da sociedade, organizada através da lógica de produção

capitalista. Segundo a concepção marxista, o método histórico e dialético permite

alcançar o fenômeno em sua concreticidade, enquanto síntese complexa destas múltiplas

determinações.

Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de

mudança: esse é o requisito básico do método dialético. Numa pesquisa,

abranger o processo de desenvolvimento de uma determinada coisa, em todas

as suas fases e mudanças – do nascimento à morte –, significa,

fundamentalmente, descobrir sua natureza, sua essência, uma vez que é

somente em movimento que um corpo mostra o que é. (VIGOTSKI, 2007, p.

68)

Como já apresentado, o fenômeno é sempre concreto, constituído historicamente

e está em constante processo de mudança. Neste aspecto, é importante compreendê-lo na

sua totalidade, sem fracioná-lo, entendendo a constante interação e relação dialética que

se dá entre as partes. O ponto de partida deste estudo buscará a compreensão da

singularidade da vivência dos sujeitos com relação ao desastre da bacia do rio Doce,

buscando perceber as particularidades que atuam na mediação entre o singular e o

universal.

A universalidade se concretiza na singularidade, ao mesmo tempo em que a

singularidade se constrói na universalidade. Segundo Oliveira (2005, p.28), “a

universalidade é uma abstração que tem sua base concreta na própria realidade”. A

universalidade é a síntese da produção material da sociedade produzida socialmente ao

longo da história da humanidade, através da atividade humana no mundo, o trabalho. Aqui

compreendido como atividade orientada que o homem estabelece na relação com a

natureza, com fins de produção de valores de uso e satisfação das suas necessidades

(MARX, 1885/2013).

A singularidade é a expressão de como o sujeito apreende a universalidade através

das particularidades presentes na sua história de vida, como sistema de crenças sociais e

culturais, os processos cognitivos, afetos, relações sociais, atividade e acontecimentos

cotidianos que mediam a relação entre o sujeito e a forma como ele se apropria dos

significados sociais e desenvolve os sentidos pessoais, construindo a sua subjetividade.

Neste sentido, seguindo os pressupostos do método histórico e dialético, este

estudo visa a compreender o desastre ocorrido na bacia do rio Doce em sua totalidade

90

concreta, entendendo de que forma os diversos determinantes interagem entre si e

constituem o fenômeno através da vivência, dos significados e sentidos atribuídos pelos

atingidos.

O presente estudo parte da experiência singular, compreendendo as mediações,

até a universalidade, entendendo que este processo ocorre em contínua relação, além de

buscar compreender as forças opostas que coexistem em seu interior e impulsionam o

contínuo processo de transformação e movimento. Como afirma Bock (2001): “A

contradição existente em todos os objetos é a força de seu movimento de transformação”.

Os atingidos pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão são entendidos

nesta pesquisa como sujeitos concretos e ativos que, através do jogo contraditório da

dialética objetividade e subjetividade, promovem movimento, ação e transformação no

meio em que vivem e atuam, ao passo que também se transformam no processo. Por isso,

além de captar a vivência e os sentidos e significados atribuídos pelos atingidos ao

desastre e os seus impactos, este trabalho buscou compreender as formas de resistência e

organização coletiva, com o foco na organização no movimento social, que ocorreu de

formas distintas nos territórios pesquisados.

5.1 Procedimentos de coleta de dados

Este estudo buscou captar a fala, os sentimentos, as ações e as formulações a

respeito dos sentidos e significados da vivência dos sujeitos da pesquisa a respeito do

desastre e das relações estabelecidas no cotidiano dos territórios pesquisados. Neste

sentido, a observação participante configurou-se enquanto método mais adequado para

balizar o procedimento de coleta de dados e de acesso às informações e ao mundo

simbólico dos sujeitos atingidos, compreendendo a importância de a realização do estudo

ocorrer “nas” comunidades ao invés de estudar as comunidades de forma externa e

distante (GEERZ, 2005). Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas

gravadas e transcritas com os atingidos e um levantamento bibliográfico.

Segundo Valladares (2007), a observação participante implica um processo de

inserção e entrada no território que dura certo tempo. Só a partir da sua inserção, como

estranho ao grupo, é possível conhecer as múltiplas relações sociais, a estrutura social e

de poder estabelecida no território.

Na observação participante, as informações são transmitidas através da interação

entre o pesquisador e o pesquisado. É importante ressaltar que o pesquisador sempre será

91

um agente externo à comunidade, alvo de curiosidade e desconfiança e que as

informações partilhadas dependerão de como se deu este processo de inserção e formação

de vínculos com os membros da comunidade estudada. É preciso um intermediário capaz

de inserir o pesquisador no campo, mediando e lhe auxiliando ao longo da pesquisa. No

caso do presente estudo, a inserção no território se deu através do intermédio das

lideranças do MAB, que apresentaram os atingidos, forneceram informações a respeito

do campo em todo processo da realização da pesquisa.

A observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso de todos

os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando não perguntar,

assim como que perguntas fazer na hora certa (...). As entrevistas formais são

muitas vezes desnecessárias (...), devendo a coleta de informações não se

restringir a isso. Com o tempo os dados podem vir ao pesquisador sem que ele

faça qualquer esforço para obtê-los (VALLADARES, 2007, p.154).

Através da imersão no campo, as decisões metodológicas foram tomadas

permanentemente no decorrer da pesquisa, ou seja, no processo de desenvolvimento da

pesquisa, os procedimentos foram se redefinindo e se modificando, de forma a apreender

melhor a realidade.

A principal virtude da pesquisa qualitativa e das entrevistas é a possibilidade de

acessar o nível ontológico não acessível na observação imediata, já que, muitas vezes, o

objeto de estudo do pesquisador não está nas aparências, mas encontra-se nas múltiplas

formas de organização subjetiva presentes em todo e qualquer comportamento e

expressão humana (GONZALES REY, 2010).

Esta pesquisa foi dividida em três fases e contou com diversas fontes de dados,

bibliográficos e documentais, registros em diário de campo das impressões e conversas

informais realizadas no território, relatórios de reuniões com o MAB, com a Samarco,

com o Estado e com os atingidos, fotografias e vídeos, além de entrevistas

semiestruturadas.

A primeira imersão no campo de pesquisa se deu no mês de novembro de 2015,

nas cidades de Barra Longa (MG) e Mariana (MG), através do trabalho realizado na

Brigada de Saúde da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares. Neste momento,

ainda não havia intencionalidade de transformar a experiência em objeto de pesquisa,

desejo que ocorreu somente após o retorno a São Paulo. Contudo, a experiência da brigada

reuniu diversos dados e documentos que foram utilizados nesta dissertação como fonte

92

para este estudo, a exemplo dos relatórios elaborados no período que descreviam as visitas

às pousadas, conversas com os atingidos e reuniões com o MAB, com as secretarias

municipais de Saúde, além das atividades realizadas no território, todas estas informações

devidamente registradas em diário de campo.

Além dos relatórios da Brigada de Saúde (Anexo A), foram realizadas entrevistas

gravadas em áudio e vídeo e disponíveis no site da RNMP. Desta primeira imersão, foi

possível reunir um extenso material fotográfico e textual produzido pelos integrantes da

brigada, que culminou no relatório preliminar da Rede Nacional de Médicos e Médicas

Populares (2016), “Possíveis impactos à saúde relacionados ao rompimento da

barragem de Fundão da mineradora Samarco em Mariana, Minas Gerais”, produzido

pela Brigada de Saúde da Rede de Médicos e também utilizado como fonte de dados desta

pesquisa.

Após a decisão de pesquisar a vivência dos atingidos pelo desastre, foi realizada

também uma pesquisa documental e bibliográfica, reunindo as publicações científicas, os

laudos técnicos dos órgãos públicos e órgãos de pesquisa, além das notícias produzidas

nos meios de comunicação a respeito do desastre.

Além do levantamento bibliográfico, foi realizada uma nova imersão no território,

com o objetivo de realizar uma pesquisa nos moldes da observação participante, durante

todo mês de setembro de 2016 nas cidades de Barra Longa (MG) e Mariana (MG).

Através dessa imersão, foi possível estreitar relações com os militantes do MAB e o

conjunto de atingidos. Toda vivência, impressões, sentimentos, relatos de conversas

informais e do cotidiano das localidades foram registrados no diário de campo, que

conseguiu parcialmente dar conta da experiência no dia a dia da comunidade, das visitas

às casas das pessoas, das viagens pelo território, da presença nos espaços de religiosidade

e também dos espaços de organização política no território32.

Além deste recurso, foram gravadas as audiências públicas com o Ministério

Público, a Defensoria Pública e a Samarco, que apresentam dados empíricos a respeito da

relação estabelecida entre estes atores e os atingidos. Por fim, foram realizadas entrevistas

semiestruturadas com os atingidos, também gravadas em áudio e transcritas.

No mês de novembro de 2016, no contexto da marcha dos atingidos organizados

no MAB em rememoração a um ano do rompimento da barragem, ocorreu a terceira e

última imersão no campo de pesquisa. Neste espaço, foi possível seguir com os registros

32 As atividades desenvolvidas em cada uma destas fases foram apresentadas com maior detalhamento na

Introdução desta dissertação.

93

em diário de campo e gravações dos debates promovidos, assim como fazer o registro

fotográfico e audiovisual do Encontro dos Atingidos por Barragens e dos espaços

políticos e religiosos do evento e continuar a realização das entrevistas semiestruturadas

com atingidos de Barra Longa, Bento Rodrigues e Paracatu de Cima que se organizaram

no MAB neste período.

As entrevistas realizadas no período da Brigada de Saúde foram feitas com o

consentimento verbal dos atingidos e disponibilizadas em veículos de comunicação e nos

registros já descritos. Após a imersão no campo, com orientação da pesquisa participante,

foram realizadas seis entrevistas com atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Cima e

Barra Longa organizados no MAB.

As entrevistas foram conduzidas de forma informal, seguindo apenas um roteiro

simples de referência (Anexo B). De forma geral, as perguntas foram sendo formuladas

de acordo com a realidade apresentada por cada atingido, visando contemplar os objetivos

desta pesquisa. Vale ressaltar que este é um momento em que esta população se encontra

em estado de exaustão devido às constantes abordagens de pesquisadores, organizações

e jornalistas, além dos inúmeros questionários respondidos a pedido da empresa e do

poder público. Neste sentido, as entrevistas foram utilizadas como último recurso de

coleta de dados, priorizando as observações e informações compartilhadas na vivência do

campo.

Como todas as informações foram reunidas partindo de diferentes procedimentos,

todos os relatos, as entrevistas e discussões aqui trazidos foram autorizados pelos sujeitos

aqui descritos, mediante a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(TCLE) (Anexo C). A fim de preservar a identidade dos atingidos, todos os nomes

utilizados nesta pesquisa são fictícios.

5.2 Procedimento de análise dos dados

A análise dos dados está ancorada nos pressupostos do método histórico e

dialético, buscando apontar o fenômeno em movimento, revelando as suas contradições

e potencialidades de mudança. Através das informações registradas em diário de campo

resultantes da observação participante e do material coletado nas entrevistas semi-

dirigidas foi encontrado um material diverso e complexo. De forma a responder aos

objetivos deste estudo, realizou-se uma extensa análise deste material na busca de

unidades de sentido que revelassem as tensões presentes nos sujeitos e no território.

94

As unidades de sentido encontradas e desenvolvidas no corpo da análise serão

analisadas em relação com o levantamento teórico apresentado nesta dissertação e a

condição objetiva do acontecimento do desastre e dos seus desdobramentos.

Para apresentação dos resultados, optou-se pelo recurso da narrativa, com a

intenção de apresentar o movimento dos sentidos e as relações estabelecidas no campo.

A narrativa foi escrita em três eixos: 1. Lama, 2. Luto e 3. Luta, e dividida nos seguintes

subitens: 6.1 O acontecimento e seus desdobramentos; 6.2 O luto: Os impactos

biopsicossociais do desastre; e 6.3. A luta: a organização dos atingidos.

Esta estrutura visou a apresentar e contextualizar o campo de pesquisa

introduzindo a análise das categorias e unidades de sentido trabalhadas neste

estudo. Neste sentido, foram encontradas as seguintes categorias de análise: 7.1 A Lama

e o Luto: a vivência do trauma psicossocial e o sofrimento ético-político unidades de

sentido, que abarcou as seguintes unidades de sentido: a) A condução do processo pela

Samarco e o poder público; b) Ser atingido; c) Perda da atividade, do modo de vida e do

território d) O adoecimento e o sofrimento emocional; e a categoria 7.2 A Luta, o

enfrentamento e a transformação da realidade. Contendo as respectivas unidades de

sentido: e) Resistência: a organização política dos atingidos no MAB; f) A participação

política e a produção de saúde ético-política; g) O reconhecimento enquanto sujeitos de

direitos, o enfrentamento e os desafios; e h) A luta é de todos!

5.3 O campo de pesquisa

O desastre atingiu milhares de pessoas ao longo de toda a bacia do rio Doce, em

dimensões e níveis distintos. Neste sentido, esta pesquisa se restringiu à realidade dos

atingidos das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Paracatu de Cima,

atualmente alocados na zona urbana do muncípio de Mariana-MG e também da população

atingida da cidade de Barra Longa-MG. Neste aspecto, os dados apresentados aqui se

limitam a estas realidades e não dão conta da complexidade dos impactos em toda a região

atingida.

Apesar dos territórios possuírem similaridades, também possuem diferenças

relevantes que merecem serem destacadas nesta pesquisa. Analisando o contexto do

território, a chegada da lama, os impactos em cada localidade e como a empresa, o Estado,

os movimentos sociais e os diversos atores presentes se posicionam nos territórios, é

possível perceber diferentes condições materiais que permitiram que a população de cada

95

lugar tenha vivenciado e se organizado de forma distinta a partir do acontecimento.

Abaixo na Figura 5, um mapa das localidades atingidas que serão contempladas neste

estudo.

Figura 5 – Mapa das regiões atingidas disponível no Google Earth.

96

05 de novembro de 2015, houve um estrondo o som ecoou mundo a fora, carregando

consigo a soma dos vários delitos de uma tragédia anunciada.

Rompeu-se mais uma barreira da irresponsabilidade, deixando escapar de si à MORTE.

O Senhor Bento Rodrigues trazia em seu ventre vários filhos. Acometido de um mal

súbito entrou em trabalho de parto, partindo deste mundo logo após ter abortado todos

os filhos seus.

E para aumentar a tristeza e o trauma de um pai viu muito dos filhos nascendo para a

morte, outros morrendo para a vida.

Bento pai velho e cansado, vive hoje no mundo das lembranças, atrás dos olhos da

gente.

Mas este mau não contente desce o vale e ganha o rio. Ganha não! Toma! E faz dele seu

caminho. Galopando como um gigante vai levando tudo a sua frente, ponte, gente, gado,

casa.

Pinta de marrom os verdes das margens, destrói Gama e Paracatu de Cima, separa os

arraiais, afugenta-se seu povo e chega em Paracatu de Baixo já deserto de sonhos e com

a esperança parda.

Sem gente, sem ponte!

Mistura sua lama as lágrimas deixadas na praça.

E as casas em reverência aos seus saudosos Amôs, curvam-se sob a lama, abraçando as

lembranças e a esperança de ver de volta os filhos seus: Doca, Polonha, Iracema, Quitu,

Hélio, Nier, Constância, Maria do Carmo e as crianças, Emile, Duda, Ariel, Erik,

Fernanda de Dadá e a Glória lá no Morro, Maria Geralda, Nel, Ana Paula e Caroldo.

Oh, meu Deus que absurdo a lama desce o rio, de “pedra em pedra”, até chegar em

Pedras, onde não deixa pedra sobre Pedras.

E no Bulcão engole a ponte de saltar e faz dois mundos, o de lá e o de cá. Já na

cachoeira do Gualacho num milagre, sob o manto sagrado, salvam-se Dorinha e Bilu.

Não contente de separar arraiais tomba o elo entre Mariana e a Barra, desce pela

Mandioca querendo jogar para sempre nos braços de Morféu o meu amigo Dirceu.

Mas Dirceu é nego esperto, caboclo escolado, não cai nas garras deste barro.

E como um trator de esteiras esmaga e dividi o Gesteira, separando o velho do novo.

Deita a ponte das Curvinas e chega na Onça de surdina e uma voz lá da Cafuna diz para

Barra e por Quinduma: “Segurem suas pontes moribundas, pois a da Onça já se

afunda.”

Olha que coisa mais confusa a lama Gualacho abaixo, a lama Carmo acima.

E na Volta da Capela apaga-se as luzes, acende-se as velas, mas nada pôde ser feito

contra o Monstro de Rejeito.

Ergue-se na beira do Carmo dois espíritos mateiros para salvar o povo inteiro, um santo,

o outro padre, os dois São José.

E o Barro desde a Barra, casa, carros, muros caem. Inerte o povo olha.

São Gonçalo não conforma com o que o Barro faz com o Carmo e ao chegar em Rio

Doce amarga suas águas.

Numa tentativa desesperada a Candonga abre os braços e segura o que pode, este barro

é traiçoeiro, escapa e envolve o Doce inteiro.

97

Espírito Santo, o que é isto em seu manto? É Barro de Mariana, é Rejeito da Samarco!

Oh meu Deus, que coisa grande, já manchou o Oceano e na Terra de Todos os Santos

traz choro e dor.

Mancha Abrolhos de vermelho e ameaça as tartarugas!

Deus proteja os nossos mares deste bicho da amargura!

Lá pro lado do Nordeste segue a MORTE sem censura...

(Obra “Caminho de Barro” de Sérgio Papagaio, morador de Barra Longa há 46 anos e

atingido pela barragem do Fundão, escrita em 15 de janeiro de 2016 e cedida para uso

nesta dissertação).

Figura 6–Samarco queria nos matar, mas Jesus nos salvou/ Jesus Ama o Povo de Bento Rodrigues

(Fotografia: Camilla Veras).

98

6. LAMA, LUTO E LUTA: CONTEXTUALIZANDO O CAMPO DE PESQUISA

O rumo da lama de início veio de encontro daquele morro e a grande população

foi salva por aquelas pedras que lá estão, que desviaram o curso da lama no

sentido onde era a fazenda de propriedade da Samarco. Antes disso, a lama

desceu por esse vale, foi de encontro ao morro que tinha lá embaixo, represou,

e veio retornando. O seu retorno foi mais devastador do que seu próprio curso,

veio alagando tudo, empurrando tudo, destruindo casas, destruindo vidas e

destruindo nosso patrimônio, esse foi o percurso da lama. A lama impregnou

não só nos nossos corpos, mas na nossa alma, por isso essa frase. [Tomamos

banho, mas a lama não sai, porque ela está impregnada na nossa alma e acho

que jamais vai sair]. (Atingido de Bento Rodrigues no culto ecumênico

realizado no dia 05/11/2016 em rememoração do primeiro ano do desastre).

6.1 O acontecimento e os seus desdobramentos

Chego a Mariana pela primeira vez no dia 22/11/2015, dezessete dias após o

rompimento da barragem do Fundão. Naquele momento, visitava o território enquanto

integrante da Brigada de Solidariedade em Saúde da Rede Nacional de Médicas e

Médicos populares, que desde a primeira semana do desastre se estabeleceu e

desenvolveu atividades nos territórios atingidos.

Chegando ao território, fomos recebidos por Paula, presidente do Conselho

Municipal de Saúde de Mariana e recém-integrante do MAB, que de forma gentil nos

alojou em sua pousada localizada no povoado de Passagem de Mariana33. O nosso

primeiro contato com a realidade se deu através dos relatos trazidos por ela, que ao

apresentar o panorama local dos dias subsequentes ao desastre afirmou que prevalecia na

região o sentimento de caos e desorganização.

Por exercer a função de presidente do Conselho Municipal de Saúde do município,

Paula conhecia bastante a comunidade e as condições em que as famílias se encontravam

nas pousadas e nos hotéis. De acordo com ela, as pessoas estavam desassistidas, bastante

abaladas com o acontecimento, “amontoadas” nas pousadas e necessitando de

atendimento em saúde. Ela relatou diversos casos de atingidos que estavam em intenso

sofrimento psíquico após o desastre, devido à morte de entes queridos, perdas materiais

e imateriais e todo processo que envolveu o evento, como a fuga, o resgate pelo Corpo de

Bombeiros, o deslocamento compulsório e o direcionamento para os hotéis e pousadas na

cidade de Mariana. Além disso, nos apresentou alguns casos de agravamento de questões

de saúde anteriores e também o aparecimento de quadros clínicos que poderiam estar

33Pequeno vilarejo localizado entre as cidades de Mariana-MG e Ouro Preto-MG.

99

associados ao contato com os rejeitos, como o alto índice de diarreias e alergias entre a

população atingida.

Através do seu intermédio, estabelecemos contato com os atingidos e fomos

visitar as duas pousadas localizadas em Passagem de Mariana, que naquele momento

abrigavam 34 pessoas de Bento Rodrigues. Visitamos a primeira pousada e não

conseguimos conversar com ninguém. O contato que tínhamos não se encontrava e na

recepção não conseguimos muitas informações a respeito da situação das pessoas

hospedadas. Seguimos até a segunda pousada, onde fomos recepcionados de maneira

completamente diferente. Lá, os atingidos já conheciam os profissionais da Brigada que

estiveram na semana anterior a nossa chegada no território, fato que facilitou o nosso

acesso.

Nesta pousada, estavam alojados 11 atingidos pertencentes a três núcleos

familiares de Bento Rodrigues. Assim que chegamos, fomos convidados a sentar com

eles na sala, onde estavam reunidos no formato de roda de conversa. Este foi um momento

de extrema importância para nossa compreensão da situação, em que muita informação

foi trocada a respeito do acontecimento e das medidas que estavam sendo tomadas pela

empresa e pelos órgãos públicos34.

Na roda de conversa, os atingidos relataram que eram mais ou menos quatro horas

da tarde quando a primeira explosão ocorreu, sem sirene de aviso ou qualquer aviso oficial

da Samarco. A população foi avisada do rompimento através de uma funcionária da

mineradora e também moradora da região, que saiu da empresa em uma moto anunciando

ocorrido.

O tempo entre a primeira explosão e a chegada da lama no distrito de Bento

Rodrigues foi de vinte minutos, pequeno intervalo em que as pessoas tentaram salvar seus

pertences no momento da fuga e precisaram correr para o alto do morro, onde esperaram

o resgate que chegou somente por volta da meia noite. Os atingidos atribuem ao horário

do rompimento o fato de a maioria das pessoas terem sobrevivido, acreditando que caso

o desastre ocorresse durante a noite, o número de mortes teria sido muito mais elevado.

Plínio, trabalhador terceirizado, estava dentro da empresa no momento da ruptura.

Afirma que ficou sem contato com a sua família e muito angustiado por não conseguir

34As informações desta conversa foram gravadas em áudio e ficaram registradas nos nossos diários de

campo, resumidas posteriormente no relatório que elaboramos como documento da Brigada de

Solidariedade em Saúde, que foi utilizado como fonte destas primeiras informações aqui apresentadas.

100

avisá-la na hora, só se sentindo aliviado depois que viu que todos sobreviveram. Seu Jair

conta que perdeu tudo, os quatro imóveis que possuía na região, além de uma quantia

significativa da sua poupança que guardava em casa, levada pela “avalanche de lama”.

Havia um sentimento generalizado de surpresa na população com o rompimento,

já que esta possibilidade nunca sequer havia sido levantada pela empresa. De forma geral,

havia uma confiança e um imaginário de que a barragem era segura. Como afirmou Jair,

“Se não confiasse na segurança da barragem não tinha construído uma, duas, quatro

casas na mesma região”. Wendel, trabalhador da Vale e membro do sindicato Metabase,

relatou que houve algumas reuniões com a comunidade em Bento Rodrigues, em que

representantes da Samarco afirmaram que a segurança da barragem era de “1000%”.

Distancio-me um pouco e me aproximo de dona Carmem, idosa de 74 anos,

quando iniciamos uma conversa informal. Ela nos conta que nasceu e viveu toda a sua

vida em Bento Rodrigues, fala da sua rotina nos primeiros dias na pousada e relata que

tem passado muito tempo deitada, interagindo mais com as pessoas do seu quarto.

Carmem possuía uma horta, além de animais de pequeno porte, e cozinhava todos os dias

com o que retirava do seu quintal.

Afirma que sente falta da sua horta e de ir à igreja, à qual não tem ido por falta de

transporte. Com relação ao acontecimento, diz que não se lembra de muita coisa, apenas

das pessoas correndo e do aviso para sair de casa. Saiu correndo junto com o neto mais

novo e deixou tudo para trás, inclusive sua muleta de apoio. Carmem passou por um AVC

isquêmico há cinco anos, possui hipertensão e relata dificuldades para dormir, além de

ficar bastante tempo em condição de isolamento na pousada.

No momento em que conversávamos com ela, João, seu neto mais novo, de 16

anos, se aproxima e conta que presenciou o momento em que a barragem rompeu, me

mostrando um vídeo no celular gravado por ele. Fala que está triste, principalmente ao se

lembrar da escola e da sua casa. Faz referência às roupas que tem usado, oriundas das

doações, e nos diz que, mesmo se sentindo agradecido pela quantidade de donativos, elas

não são suas, não são do seu gosto e aquele (se referindo ao quarto da pousada) não é o

seu espaço.

101

Figura 7- Escola em Bento Rodrigues (Fotografia: Camilla Veras)

Retorno à roda de conversa na sala da pousada e, neste momento, se falava a

respeito da condução do processo pela Samarco, marcado pela falta de organização,

transparência e informação, sobretudo com relação à situação de moradia. Os atingidos

não tinham nenhuma informação a respeito de quando seriam direcionados para as casas

alugadas e receberiam as indenizações.

Kely afirma que está havendo um desencontro das informações, que a princípio

as famílias que estavam desabrigadas haviam sido orientadas a buscarem casas para que

a Samarco alugasse temporariamente até a resolução definitiva das moradias, contudo,

foi informada de que havia uma ordem de prioridades determinada pela empresa e

definida através da assistente social do município, em que ela não estava incluída.

Indignada com a forma de tratamento recebida afirma: “Eu morava na minha casa, não

pedi pra ninguém jogar lama em mim. Não foi eu que construí casa embaixo de barragem,

eles que construíram a barragem em cima da gente”.

Neste momento, eles relatam que representantes da empresa têm procurado

constantemente os atingidos, fazendo conversas individuais oferecendo dinheiro e

tentando negociar a reparação de forma individual com as pessoas. Quando estive na

região, pude observar o protagonismo da Samarco em todos os processos, desde o

cadastramento à distribuição dos donativos arrecadados, e uma preocupante ausência do

102

Estado. As pessoas relatavam desamparo, dificuldade em obter informações precisas,

lentidão para execução das medidas emergenciais e uma postura da empresa de controle

da situação. Ao referir-se à empresa, um dos atingidos presentes na roda de conversa da

pousada afirma: “É o criminoso cuidando da cena do crime”.

Neste espaço com os moradores, também foi falado sobre as condições de saúde

das pessoas e como elas estão se sentindo diante de todo o acontecimento. Saímos da

pousada com a impressão de que o desastre impactou as populações em diversas

dimensões e que o poder público e a mineradora não estavam preparados para gerenciar

um evento deste porte.

Em setembro de 2016, retorno à cidade de Mariana a fim de realizar uma pesquisa

nos moldes da observação participante. Fico alojada na casa de Laura, militante da

coordenação do MAB, e através dela estabeleço relações com os atingidos de Bento

Rodrigues e Paracatu de Baixo que estão vivendo na cidade.

Participamos de uma reunião convocada pela comissão de atingidos de Mariana,

contexto em que sou apresentada a Carlos, ex-morador de Bento Rodrigues. Explico que

estou realizando uma pesquisa e que gostaria de conversar com alguém da região a

respeito do acontecimento e de como estavam os processos atualmente. Apresento os

objetivos do estudo e pergunto se ele me concederia uma entrevista. Ele concorda e

sentamos para conversar, peço para ele se apresentar, contar um pouco a sua história. Na

sua primeira fala, ele dispara:

Carlos: Eu vivo lá no Bento há 18 anos, lá construí famílias, amizade. E aí que

vem, né? Uns falam que é desastre, outros falam que é crime, tudo isso pra

gente agora, nem sei se isso agora faz sentido, se é crime, se é desastre, seja lá

o que for, é que desestruturaram toda a comunidade, tiraram tudo que a gente

tinha, nossa liberdade, nossa saúde...

Carlos desenvolvia diversas atividades no território, trabalhava como pedreiro,

apicultor e motorista, “tocando a vida do jeito que dá”. Ele me conta que vivia com a sua

esposa e quatro filhos em Bento Rodrigues e no momento do rompimento estava na

estrada a caminho do município de Barão de Cocais a trabalho. Pergunto como foi o dia

do acontecimento para ele e sua família.

Carlos: A família estava em casa. Saíram todos corridos de lá. Aliás, um

bocado saiu, conseguiram sair num caminhão que estava carregando água, a

minha menina mais nova, e o resto ficou lá ilhado a noite inteira. (...) Estava

em Fonseca. Recebi um telefonema do filho de N., que eu tava na casa dele,

103

que falou que a barragem tinha estourado. E aí a gente arrumou um carro, eu e

ele, e fomos pra Bento, correndo. Não conseguimos falar com ninguém. Todos

os números que a gente tentava ligar não dava... Ficamos desesperados e

viemos. Ai quando chegou lá foi aquele transtorno, de culpa, né? Aí comecei

a me senti culpado...

Pesquisadora: Por quê?

Carlos: Porque...De ter demorado lá, não ter conseguido salvar a família.

Naquele dia foi um terror pra mim...

Pesquisadora: Quando você chegou, sua esposa e seus filhos estavam em Bento

Rodrigues ou já estavam em Mariana?

Carlos: Tavam lá. Depois que cheguei lá, fiquei de frente lá, depois de uma,

duas horas a esposa ligou. E estava bem. Mas ela de um lado e eu de outro,

sem saber realmente se estava bem ou não. A menina, que ela tinha uma das

meninas, ela falou que tava do lado de cá, mas eu não conseguia achar... Ela

falou que tava lá em Bento mesmo, que tinha saído. Mas não encontrei, só

encontrei mais tarde, que ela tava em Santa Rita. Só que falaram que era duas,

ainda era uma. Só fui ter alívio no outro dia, umas nove horas e um bocado,

quando vi todo mundo chegando aqui em Mariana. E daí pra cá é só luta. Daí

viemos pra arena, no mesmo dia já tinha feito uma reunião e teria que levar

todo mundo pra o hotel, coisa da Justiça junto com a igreja, mais o MAB, que

a gente não tínhamos condição de pensar no que fazer, mas eles fizeram uma

reunião junto e aí levaram a gente pra o hotel onde eu fiquei mais de um mês

no hotel.

Após a tragédia, as populações de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, assim

como de outras regiões atingidas diretamente pela lama, foram deslocadas para azona

urbana de Mariana, onde foram recepcionadas, cadastradas pela equipe de saúde e

assistência social do município, além de receberem as primeiras orientações.

Os primeiros atendimentos aos atingidos foram fornecidos pela prefeitura, Defesa

Civil, Polícia Militar e Civil, Corpo de Bombeiros, Governo do Estado e Governo Federal.

O estádio de esportes Arena Mariana funcionou como alojamento provisório e, após

intervenção do Ministério Público, a empresa direcionou os atingidos para hotéis e

pousadas na cidade e nos distritos próximos à cidade de Mariana (MG) e posteriormente

começou a direcionar para as casas alugadas.

Já na cidade de Barra Longa, o processo foi distinto destas comunidades. A

primeira distinção refere-se à forma como se deu o acontecimento no território. Barra

Longa foi atingida nas suas áreas rurais e também no seu centro urbano, sobretudo nas

localidades próximas ao rio Carmo, caminho por onde a lama chegou até a cidade. As

questões que assolam o território se relacionam principalmente com a presença dos

rejeitos na cidade e os impactos derivados na saúde, além da perda das casas e dos

estabelecimentos comerciais destruídos pela lama.

104

Em novembro de 2015, quando visito o município pela primeira vez, fomos

recebidos por Ramon, militante do MAB, e também pelo padre da paróquia da cidade.

Naquele momento, havia muitos caminhões e trabalhadores circulando para retirar a lama

das ruas. A praça e os quintais das casas próximas ao rio estavam tomados pelos rejeitos

(Figura 8).

Figura 8 – Praça de Barra Longa – MG, 18 dias após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

Fomos apresentados a Rui, um dos moradores atingidos que perdeu imóveis

localizados na praça da cidade. Almoçamos na casa alugada em que estava vivendo com

a sua família. Ele nos conta como foi o processo na cidade, as perdas materiais e

simbólicas que teve, destacando que todos estavam bastante abalados com o

acontecimento. Em entrevista concedida para a Brigada de Saúde, Rui nos conta:

Rui: Fui atingido pelo barro da Samarco, uma lama. E ficou pra trás um pouco

de tudo que eu tinha. Eu tinha um restaurante, uma pousada, uma casa de morar

lá em cima, foi tudo embora na lama. A lama levou meus sonhos, além de ser

o meu sonho, o sonho de muita gente. Agora ficou pra gente uma praça que

não tem nada, uma cidade habitada por homens da Samarco.

Rui comenta conosco a respeito das questões de saúde que surgiram na cidade

posteriormente ao desastre a partir do contato com a lama de rejeitos e também questões

105

relacionadas à saúde mental, fato que nos motivou a buscarmos a Secretaria Municipal

de Saúde de Barra Longa para entender um pouco as condições da população naquele

momento e as ações do poder público. Estas informações serão desenvolvidas no subitem

5.2 referente à discussão dos impactos psicossociais.

A barragem do Fundão está localizada a 70 km do município de Barra Longa. A

lama chegou sem aviso oficial da Samarco, invadindo o centro da cidade. Cerca de 650

funcionários de 15 empreiteiras trabalham na cidade para remover a lama. O cenário é

similar a um canteiro de obras, com trânsito intenso de veículos, muita poeira dos rejeitos,

entulho exposto e esgoto entupido ou a céu aberto, gerando uma série de problemas de

ordem da saúde pública (MAB, 2016c).

Após a visita, saímos de Barra Longa bastante sensibilizados com a realidade que

vimos, sobretudo, porque as pessoas seguiam convivendo com a lama, respirando

cotidianamente a poeira dos rejeitos sem perspectiva de quando aquilo se modificaria ou

de terem as suas demandas atendidas pela empresa e o poder público.

No contexto da realização da pesquisa, retorno à Barra Longa também no mês de

setembro de 2016 e me estabeleço na casa de Tales, integrante da coordenação do MAB

que vem desenvolvendo trabalho na cidade desde o primeiro mês do desastre. Ele me

conta brevemente a respeito da situação da cidade e dos atingidos e também sobre como

a Samarco e o Estado têm agido no território após dez meses do rompimento da barragem.

A primeira atividade de que participei foi uma procissão religiosa no contexto de

inauguração da capela da cidade récem reconstruída, a celebração também homenageava

o santo São José, padroeiro de Barra Longa. Caminhamos por toda a cidade até a capela

e assim pude ir conhecendo os moradores, principalmente os integrantes da comissão de

atingidos. Já conhecia algumas pessoas da primeira visita que fiz ao território e também

da primeira audiência de conciliação da Ação Civil Pública aberta pelo Ministério Público

Federal contra a Samarco (Vale/BHP Billiton), de que participamos na 12ª Vara da Justiça

Federal em Belo Horizonte ocorrida no mês de setembro de 2016.

Havia passado dez meses da minha primeira visita e o cenário continuava similar,

com o aspecto de canteiro de obras, com muitos homens trabalhando, caminhões, terra e

poeira na cidade inteira. Abaixo, a Figura 9 retrata um pouco da realidade do território.

106

Figura 9- Obras em Barra Longa – 10 meses após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

Para ver mais de perto a realidade da cidade, decidi caminhar pelas ruas

margeando o rio Carmo. Observei que a área da antiga Praça de Barra Longa, que dava

acesso à beira-rio, foi isolada em decorrência das obras. Sigo caminhando pelas ruas

internas e, por acaso, encontrei com Maria, uma das atingidas que conheci na audiência

realizada em Belo Horizonte, proprietária de uma das casas que teve o seu quintal tomado

pela lama.

Explico que estou em Barra Longa para a realização de uma pesquisa acadêmica

e que gostaria de ver mais de perto como ficou a cidade pós-lama. Ela me convida a entrar

em sua casa para que eu pudesse ver o seu quintal e também acessasse o caminho da

margem do rio. No momento em que conversávamos, ela decide me acompanhar ao longo

do trajeto atingido.

107

Figura 10- Rio do Carmo em Barra Longa atrás da casa de dona Maria - 10 meses após o desastre

(Fotografia: Camilla Veras)

Maria caminha comigo através do leito do rio até a ponte do Morro Vermelho,

bairro praticamente destruído pelos rejeitos. Aponta em todo caminho as árvores mortas,

me fala dos quintais, das casas e da escola e do resto dos rejeitos que a Samarco deixou

no local, uma terra preta, mais escura e metálica. A Samarco já retirou parte da lama e

reconstruiu a escola e o centro de convivência, mas ainda há rejeito nos cantos das ruas,

e muita poeira que assola a cidade, sobretudo neste período mais seco.

Devido à falta de chuvas, o rio esvaziou, mas a lama ainda se encontra

sedimentada no seu fundo. Maria afirma que a população teme que, com as chuvas, as

enchentes sejam mais graves e tragam novamente a lama para a cidade. Segundo ela, a

empresa não dá nenhuma resposta satisfatória a respeito desta questão.

108

Figura 11 - Casa na beira do Rio de Barra Longa (Fotografia: Camilla Veras)

Caminhamos até o bairro do Morro Vermelho, onde as ruas estão

praticamente interditadas e isoladas pelas obras. Neste bairro, as casas estão sendo

reconstruídas e ainda é possível ver o rastro da lama nas marcas nas paredes das casas,

nas pedras e nas árvores. A lama não só entrou nas casas, como invadiu toda a rua.

Figura 12- Obras nas ruas da cidade de Barra Longa – 10 meses após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

109

Maria fala novamente a respeito da poeira, “É muita poeira, poeira que vem do rio,

da lama e poeira que vem das obras” e diz que ainda é preciso fazer o “DNA da poeira”

para sabermos a respeito da sua composição e o que estamos inalando quando respiramos.

A Samarco instalou na cidade um aparelho medidor da poeira e insiste em dizer que os

índices estão dentro da normalidade e não representam nenhum dano à população,

informação que é desacreditada pelos atingidos. O fato é que respirar com tanta poeira

não é uma tarefa fácil e o clima seco provoca uma sensação bastante incômoda de

abafamento.

Retornamos à casa de Maria, ela me oferece uma bebida e seguimos conversando

sobre o acontecimento. Ela vive ali com uma irmã, que no dia do desastre estava na cidade

de Juiz de Fora-MG e foi quem a avisou do ocorrido através de uma ligação telefônica.

Afirma que as notícias a respeito do rompimento chegaram através da televisão, não

recebendo nenhum comunicado oficial da empresa.

A situação de Barra Longa poderia ter sido facilmente evitada com um plano

rápido de evacuação das casas mais próximas ao leito do rio. A lama demorou cerca de

dez horas para chegar a Barra Longa e mais de uma vez a empresa afirmou que ela não

chegaria à cidade. Todos ficaram em dúvida a respeito desta informação e por volta das

duas e meia da manhã escutaram um barulho e um mau cheiro, que vinham da lama

descendo o rio. Segundo Maria, só quem morava nas regiões mais altas pôde ver um

pouco melhor. Ela, que estava na parte mais próxima ao rio, não enxergava nada na

escuridão.

Maria: Começou a barulhada, um barulho parecendo mata pegando fogo,

batendo no portão das casas. Não tinha luz, estava muito escuro. A barulhada

aumentava e quando deu cinco e pouca da manhã, quando clareou, fomos ver

o que aconteceu. Era tudo lama, tudo destruído, no lugar das casas, só lama e

um cheio muito ruim.

Após conversar com Maria, retorno para casa e converso com Tales, que afirma

que seria interessante eu acompanhar Saulo no seu trajeto de vendas, já que ele poderia

me dar um bom panorama da situação no local, além de me mostrar o percurso da lama

nas proximidades. No momento em que Saulo chega à casa de Tales para almoçar, sou

apresentada a ele como psicóloga e também pesquisadora.

Tales pergunta se teria algum problema eu acompanhá-lo durante seu trabalho e

ele de um modo jocoso pergunta “é de confiança? ”, todos nós sorrimos e Tales afirma

110

que sim, que sou “parceira do movimento”. Apesar do tom de brincadeira, é um dado

importante sobre a minha inserção no território, constantemente visitado por

pesquisadores, jornalistas, trabalhadores voluntários que aparecem de forma rotativa

buscando informação. A minha vinculação prévia com Tales e com o MAB foi

fundamental para que eu me inserisse na cidade e para que os atingidos ganhassem

confiança em mim, confiança que na verdade era destinada ao movimento.

Saulo é um dos atingidos da comissão de atingidos de Barra Longa, que logo após

o desastre se integrou ao MAB e possui uma forte vinculação com Tales. Ele já possuía

uma trajetória de implicação política, foi presidente do sindicato dos servidores públicos

municipais e atualmente trabalha como técnico eletricista na prefeitura, além de

comerciante. Além disso, possui uma intensa contribuição na elaboração dos textos e

poesias do Jornal A Sirene, produzido pelos atingidos em toda a região da bacia do rio

Doce.

Duas vezes na semana, Saulo abastece o carro de produtos diversos e percorre

vários vilarejos vendendo de casa em casa, incluindo os vilarejos localizados ao longo do

trajeto da lama, como Gesteira e Paracatu de Cima e de Baixo. O desastre comprometeu

sua retirada mensal com as vendas, tendo em vista que atualmente poucas pessoas

habitam a região pela qual a lama passou, diminuindo consideravelmente a circulação de

mercadorias no território.

Fazer este percurso com ele foi uma grande oportunidade de conhecer a realidade

mais de perto, narrada por uma pessoa que conhece bem o lugar e as pessoas que moravam

nos povoados atingidos. Como o seu trabalho envolve parar em cada domicílio, Saulo

conhece muitas pessoas, e pude entrar em diversas casas e observar várias realidades e

modos de vida ao longo do caminho.

Saímos de Barra Longa às seis horas da manhã e seguimos pela estrada. Desde a

saída da cidade foi possível ver a quantidade de rejeitos ainda armazenados no rio e

também no depósito que foi construído dentro do antigo Parque de Exposições do

município. A Samarco construiu um depósito para armazenamento da lama retirada da

praça e do centro da cidade no antigo Parque de Exposições de Barra Longa, local onde

vivem nove famílias. Com relação ao depósito, a mineradora não assumiu a

responsabilidade pela sua construção e foi multada em um milhão de reais pelo IBAMA,

mais uma multa que se soma às outras que a empresa ainda não pagou35.

35Ver G1(2016b) “IBAMA multa Samarco por omitir depósito de lama em Barra Longa”.

111

No caminho, Saulo começou a me falar que a cidade não era daquele jeito antes,

que era uma cidade muito bonita, limpa e verde e agora era alaranjada da poeira que os

caminhões deixavam.

Saulo: Barra Longa hoje é um canteiro de obras, mas não era isso que eu queria

dizer, Barra Longa hoje é um laboratório. Ela é um pouquinho de tudo que tem

na Bacia. Barra Longa tem um pouquinho de Bento Rodrigues, tem um

pouquinho de Paracatu, Gesteira, Barra Longa teve uma destruição. Barra

Longa é a única cidade do mundo que tem quintais atingidos pela lama. Barra

Longa é a única cidade da Bacia que tem o seu centro urbano tomado pela

lama. Barra Longa é a única cidade que as pessoas convivem dentro de um

canteiro de obras, convivendo com máquinas, equipamentos e caminhões.

Caminhões que eram usados exclusivamente nas mineradoras.

Relata-me o dia do acontecimento, em que recebeu por volta da meia noite uma

ligação do prefeito, que já tinha conhecimento da chegada da lama e solicitou que fosse

retirar os documentos e os computadores da escola da cidade. Em seguida, foram para a

praça da cidade, onde já havia um aglomerado de pessoas que assistiram ao momento em

que o rio começou a subir.

Saulo: O prefeito me ligou e perguntou, ‘Tá em Barra Longa agora?’, perguntei

o que aconteceu, ele falou ‘ligaram pra mim e falaram que vai vim uma

avalanche de lama, vou ter que tirar as coisas da escolinha e tô precisando de

você’. Cheguei, ele tava na rua me esperando. Aí fui nesse carro, aí encontrei

com ele, e ele disse, vai na casa de fulano, fulano, chama para abrir a escolinha

e tirar as coisas da escolinha, aí eu fui, chamei, a mulher que tem a chave veio,

o marido dela, passei na casa dos outros funcionários da prefeitura, não

quiseram vim, falaram que não ia vim lama, não ia vim nada, eu também

acreditava que não vinha, pela distância, não só eu não acreditava, os

engenheiros da Samarco não acreditavam que a lama chegava em Barra Longa.

Aí beleza, chamei o pessoal, fomos pra praça, era 15 pra meia noite, então

foram duas horas... Cheguei na escolinha, tirei a documentação da escolinha

toda, tinha uns trabalhos, uns negocinhos que achei lá das crianças lá, botei no

meu carro e levei pra casa, pegamos umas mesas e colocamos os computadores

no alto. Quando deu duas horas da madrugada, a água começou a turvar,

começou a fazer um barulho e foi subindo o nível, foi subindo, quando chegou

perto de sair pra fora da caixa, chegou a quase 4 metros. O povo todo em cima

da ponte, eu tentando tirar o povo de cima da ponte, ninguém queria sair, aí eu

fui embora, se eu ficasse ali eu ia passar mal. O cara que mora na outra ponte

é meu amigo, na hora que eu subi, vi a lama subindo, uma moita de bambu

passou por baixo da ponte, aí o povo soltou os bodes, galinha, olhei tava todo

mundo bem, tinham soltado os animais. Quando passei, caiu um muro de uma

casa. Quando passei, a lama tinha pegado o carro de um cara, entrou no quintal

dele e levou o carro.

Conta que assistiu tudo àquilo como se fosse um delírio, um sonho. Não se recorda

do barulho, mas do cheiro forte de produto químico concentrado nos rejeitos. A lama aos

poucos foi invadindo a praça, o que obrigou as pessoas a recuarem para as partes mais

112

altas da cidade. Quando amanheceu o dia e finalmente eles puderam ver o que havia

acontecido, me conta que entrou em estado de choque e que chorava muito,

principalmente por pensar nos amigos, conhecidos e nas crianças que conhecia que

viviam no trajeto que a lama percorreu.

Seguimos viagem e, enquanto conversávamos, me contava as histórias vividas

naquele lugar. “Aqui tinha uma cachoeira que a gente fazia churrasco”. Mostra-me a

altura que a lama atingiu no rio através das marcas nas árvores, que provocam em nós

uma vertigem assustadora. As primeiras casas atingidas começaram a aparecer, casas no

meio do pasto, cercadas de lama, das pessoas que foram removidas e que no momento do

desastre não tinham luz elétrica e nem sabiam se sobreviveriam. Imaginei a sensação de

desespero das pessoas que estavam literalmente em isolamento.

Figura 13- A trajetória da lama nas árvores (Fotografia: Camilla Veras)

Pergunto a ele o que a Samarco afirma a respeito do rio, se o rio está morto ou tem

possibilidade de recuperação, ele ironiza:

Saulo: “Não... O rio tá tranquilo, eles vão limpar o rio, repovoar, recuperar,

tem um baixinho da Samarco que falou assim, ‘ele vai ficar igual ou melhor

do que era’... eu gritei assim, meeeeelhoor, eu não acredito! Melhooor,

geeeente o rio vai ficar melhor! Ah meu filho, você fala besteira demais, se

fosse eu ficava pelo menos seis meses calado, você fala muita merda. Teve um

dia que ele falou assim, ‘essa lama é inerte, não tem nada nela, se ela sujou, ela

sujou no trajeto’... Aí disse, pois é, esse rio sujo nosso danado para sujar a

lama, a parte que não pegou no rio, se eu fosse vocês eu fazia umas bolinhas e

113

comia porque ela é limpinha. Você fala besteira demais, você deve achar que

tem um bando de idiota aqui”.

Segundo Saulo, o prefeito de Barra Longa protocolou um documento para a

Comissão Extraordinária de Barragens36solicitando que eles “dragassem” todo o rio em

toda a extensão da cidade, ou seja, retirassem toda a lama das margens e do fundo do rio.

A comissão não deu prosseguimento a este documento, que deveria ter sido entregue a

juíza. Na opinião dele, nem o IBAMA, nem a Samarco sabem o que fazer com os rejeitos.

Saulo me conta que a lama ainda segue descendo através das fissuras da barragem

de Santarém e que a mineradora tem deixado isso acontecer propositalmente para poder

justificar a construção do dique S4, que seria uma desculpa para a construção de uma

nova barragem de rejeitos no território. Pergunto a respeito do dique S4, solução

apresentada pela empresa e pelo poder público para contenção dos rejeitos represados na

barragem de Santarém. Saulo afirma:

O dique é simplesmente um filhote de barragem, eles vão encher de água e

depois transformar em uma barragem, constrói-se um dique com a mesma base

com que se constrói uma barragem. A diferença de um dique para uma

barragem é só a altura, depois eles elevam ela e faz uma barragem. Eles

disseram que o Bento vai ficar submerso uns três anos, depois eles limpam e

volta ao normal. Eles pensam que a gente é um bando de idiota, trata a gente

como se fosse débil mental (...). Eles estão deixando a lama sair de

conveniência, pra dizerem que não conseguiram estancar o sangramento para

que haja a liberação pra construção do dique S4. O que a juíza disse lá é que

ela precisa de laudos técnicos independentes da Samarco.

Seguimos viagem até Paracatu de Baixo, onde tenho contato pela primeira vez

com as ruínas das casas e com o que restou da comunidade. Após atingir o povoado de

Bento Rodrigues, a lama seguiu o curso do rio Gualaxo do Norte e chegou ao povoado

de Paracatu de Baixo do distrito de Monsenhor Horta, também pertencente ao município

de Mariana-MG, por volta das oito horas da noite, quatro horas depois do rompimento, o

que permitiu que a área fosse evacuada.

No entanto, após o desastre algumas famílias que moravam na parte um pouco

mais alta do vilarejo decidiram retornar as suas antigas casas. Parte delas ainda encontra-

se vivendo na comunidade atingida, respirando a poeira e convivendo diariamente com

os rejeitos.

36Comissão composta por deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

114

Na escola de Paracatu de Baixo, prevalece o cheiro de mofo da lama armazenada

no primeiro andar. Após um ano, tudo permanece intacto, as cadeiras soterradas, a

biblioteca destruída, os livros no chão e os diversos escritos dos visitantes nas paredes

denunciando o crime socioambiental ali ocorrido.

Figura 15- Sala de aula em Paracatu de Baixo (Fotografia: Camilla Veras)

No mês de setembro de 2016, participamos da primeira audiência pública

convocada pela Defensoria Pública Estadual e pela Defensoria Pública Federal na cidade

Figura 14- Quanto vale uma comunidade? Biblioteca da escola de Paracatu de Baixo – 2º andar – 10 meses

após o desastre (Fotografia: Camilla Veras)

115

de Barra Longa. Este espaço foi bem ilustrativo para perceber como atua a Samarco, como

se posicionam os atingidos e a relação estabelecida com o poder público. A primeira

audiência pública das defensorias com os atingidos contou com a presença de

representantes da diretoria da mineradora e a reunião foi conduzida de forma que a

empresa respondesse a questões feitas pelos atingidos e pelos defensores.

Naquele momento se discutia em Barra Longa a implementação de uma assessoria

técnica custeada pela empresa, mas gerida por alguma instituição escolhida pelos

atingidos. O objetivo da assessoria técnica seria auxiliar a população na discussão técnica

e na negociação da reparação dos danos com a Samarco. Este processo ocorreu primeiro

em Mariana, por reivindicação dos atingidos, onde a Cáritas tem organizado os trabalhos

na cidade.

A demanda por assessoria técnica surge principalmente por conta dos

cadastramentos realizados pela empresa, que deixou muitas famílias de fora, além de ser

extenso e construído em uma linguagem não acessível à população. Os atingidos

compreendem que precisam de profissionais37 que não sejam ligados à mineradora, para

que possam construir propostas para contrapor às que a Samarco tem elaborado. Os

atingidos afirmam que a empresa age em benefício próprio, seja na escolha do valor das

indenizações, na demarcação das terras e na construção das casas.

No dia anterior em Barra Longa, junto ao Ministério Público Federal e ao

Ministério Público Estadual, foi aprovado em audiência pública que os atingidos da

cidade teriam direito a assessoria. A decisão foi consensual entre os moradores presentes

nas diversas reuniões convocadas para debater o processo. Com a aprovação da decisão,

foi definido que a Samarco deveria parar as suas ações no território, sobretudo o

cadastramento definitivo, até que os profissionais contratados pudessem estudar e realizar

uma análise técnica do questionário, da sua metodologia e de se ele contempla a realidade

dos atingidos das diversas regiões.

Nesta reunião, a empresa utilizou o argumento do congelamento das atividades,

devido à assessoria técnica, para justificar a demora no ressarcimento dos sujeitos, em

uma tentativa de gerar conflito entre os atingidos. Já que, neste momento, estavam

37A assessoria técnica contará com profissionais das áreas do direito, engenharia, agronomia, serviço social,

psicologia, além de mobilizadores sociais, para auxiliar a população ao longo do tempo previsto para a

reparação dos danos.

116

presentes pessoas que queriam resolver as suas questões individualmente, discordavam

da assessoria e preferiam negociar diretamente com a empresa.

Em um momento da audiência pública, a Samarco foi questionada sobre os

critérios adotados para definir quem é atingido. A empresa aproveita que está com a

palavra e justifica a lentidão da reparação pela interrupção do cadastramento por conta da

demanda da assessoria técnica, tentando criar uma situação de consulta para que os

atingidos contrários à assessoria se posicionassem sobrepondo a decisão já tomada na

comunidade. Transcrevo este momento da audiência que ilustra como ela se posiciona e

também a relação com a defensoria pública, que apesar de interrompê-la durante a

manobra, conduziu a reunião de forma condescendente aos interesses da empresa.

Representante da Samarco: Eu vou responder sobre o conceito de impactado

que a gente tá adotando agora no cadastro definitivo. Realmente na fase

emergencial havia muita insegurança, muita dúvida, não existia nada escrito

ou definido sobre esse ponto, eu vou entrar nesse aspecto. Só queria reforçar

aqui o compromisso da Fundação, no caso da Samarco, de disponibilizar o

processo de trabalho para que as pessoas nos procurem em relação à

cadastramento, apoio, em todos os processos. Eu só gostaria que constasse em

ata exatamente como na última reunião foi consenso e não unanimidade,

respeitando o direito à autodeterminação, que a gente ouvisse aqui só pra eu

saber que boa parte das pessoas querem que continuem ou não querem que

continuem o trabalho.

Neste momento, ele é interrompido pelos atingidos que gritam apontando que

aquela decisão já havia sido tomada. O defensor público estadual interrompe:

Defensor: Essa reunião foi convocada pela defensoria pública, a Samarco foi

convidada, ontem prestaram informações valiosíssimas, com respeito e

profissionalismo dentro do ponto de vista deles, a audiência transcorreu de

modo perfeito. Então fazer consultas aqui, com todo respeito à Samarco, nós

as defensorias não vamos admitir. Por que aí seria, eles tariam presidindo a

audiência. Vocês podem convocar uma reunião vocês, vocês quiserem ir vocês

vão, mas essa daqui a gente tem certos balizadores tá?

Representante da Samarco: Não foi a intenção, desculpa. O conceito que a

gente está adotando agora para o cadastro definitivo é um conceito que foi

assinado junto a (inaudível), que é um compromisso da gente reconhecer os

seguintes pontos, da letra a até a letra j. Vou falar em grandes linhas depois a

gente distribui às pessoas, acredito que quem participou do cadastro já recebeu

esta informação: a) perda de cônjuge, companheiros e familiares até o segundo

grau por óbito ou por desaparecimento; b) perda por óbito ou desaparecimento

de familiares com graus de parentesco diversos ou de pessoas com as quais

coabitavam e mantinham relação de dependência econômica; c) perda de renda

comprovada pelo proprietário de bens imóveis e móveis, ou perda de posse de

bens e móveis; d) perda da capacidade produtiva e da viabilidade de uso

daquele imóvel ou de parcela dele, no caso de uma propriedade rural, por

exemplo; e) perda comprovada de área exercício de atividade pesqueira de

recursos pesqueiros extrativos, inviabilizando a atividade extrativa ou

117

produtiva; f) perda de fontes de renda, de trabalho, de auto subsistência das

quais dependam economicamente em virtude da ruptura do vínculo com as

áreas impactadas; g) prejuízos comprovados às atividades produtivas locais,

com inviabilização do estabelecimento ou das suas atividades econômicas; h)

a inviabilização do acesso ou de atividades do manejo de recursos naturais ou

pesqueiro, incluindo terras de domínio público, uso coletivo, afetando a renda

ou a subsistência ou modo de vida das populações, então, uso coletivo, praças,

cachoeiras, enfim; i) danos à saúde física ou mental e a última letra j)

destruição ou interferência dos modos de vida comunitários ou as condições

de reprodução dos processos culturais de todas as populações ribeirinhas,

tradicionais, envolvendo até questões cosmológicas dos povos tradicionais, são

os processos de organização social das comunidades e outros processos que

podem ser melhor detalhados.

Apesar dos critérios definidos pela mineradora, a realidade do território revela

outras questões. Após a fala da empresa, diversos atingidos se inscreveram na audiência

e trouxeram as suas demandas, que apontam que, mesmo aqueles que estão enquadrados

nestes parâmetros do que é ser atingido, seguem desassistidos pela empresa. Abaixo

transcrevo algumas dessas falas que revelam que, ao longo deste um ano de desastre, a

empresa não cumpriu com as promessas e não atendeu às demandas dos atingidos de

forma satisfatória. Neste sentido, prevalece o sentimento de descrença e indignação com

relação às ações da empresa.

Laura (representante do MAB): A Samarco fez um cadastro emergencial em

Barra Longa e em toda bacia do rio Doce com vários problemas e que deixou

várias famílias de fora até hoje.Quase um ano depois do rompimento da

barragem, tem muita gente que perdeu muita coisa com a lama, perdeu renda

e não recebeu cartão, perdeu casa e teve que sair e não recebeu 10 mil reais de

antecipação de indenização. Tem muita gente que já respondeu o cadastro

definitivo em Barra Longa e que não gostou da metodologia de resposta, achou

cansativo, achou que teve dúvida das perguntas e que a Samarco não conseguiu

explicar o que a pergunta queria dizer, porque aquela pergunta tava ali, onde

aquela pergunta ia chegar. Tem muita gente que já foi deixada de fora desse

cadastro definitivo. Teve comunidades aí que a Samarco passou e as pessoas

já estão mapeando quem ficou de fora, só pra dizer como está sendo o processo

do cadastro que já aconteceu. Tem um acordo que a Samarco, a Vale e BHP

insistem em executar que já foi anulado pela justiça. Qual a legitimidade e a

confiança que a Samarco tem para vim propor um programa, qualquer ser que

seja, inclusive um programa de negociação imediata como na audiência de

hoje? Os atingidos estão aqui organizados sabendo o que querem e é isso que

eles querem, eles querem uma assessoria pra poder construir juntos com eles o

que eles querem e não ter que ouvir o que a Samarco pode fazer por eles, que

é o que a gente ouve muito. O pessoal que tá aqui hoje e o que não tá também

quer isso, uma assessoria de várias formas que isso seja possível comprometida

com os atingidos, e ai é atingido e não impactados, pra construir com eles como

eles querem, quais vão ser os critérios, os parâmetros de cadastro, de

indenização, quem é atingido e quem não é atingido e se for pra vim pra

conseguir dar voz pra Samarco pra ela explicar o que ela quer fazer, aí já tem

outros espaços pra isso. A gente espera também que os defensores voltem sem

a Samarco, para ouvir os atingidos sem a companhia da empresa também,

118

numa reunião que seja mais tranquila, que os atingidos possam dizer o que eles

querem, possam construir de critérios.

Atingido: A respeito do comércio, toda a documentação exigida pelo Paulo

estão na mão da Samarco, tudo, o contador mandou pra mim escaneado, tá tudo

com você. Até hoje a Samarco não fez nada por mim, nada. Essa desculpa de

não tem documentação, tem que comprovar, a minha prova, rendimento

mensal, rendimento anual e a minha documentação tá com vocês, chega de

desculpa esfarrapada, pelo amor de Deus.

Saulo: Olha, o rapaz falou uma coisa muito certa. Ele disse que ela fez pra uns,

fez pra uns e pra outros não. Eu tenho um rapaz ali, o Eduardo, a loja dele na

beira rio foi toda danificada, ele não pegou nem o cartão. Nós temos nosso

amigo em Gesteira, o comércio dele foi todo danificado e ele não pegou nada.

Eu que sou comerciante fui lá na Samarco e eles disseram que eu não tenho

direito, então tem um monte de comerciante que ainda não recebeu nada.

Então, porque não dá os 20 mil de adiantamento para os comerciantes, para

que eles possam pagar um boleto, uma conta atrasada? Porque não esse

adiantamento? Eles dizem todas as desculpas possíveis, que o que tá atrasando

é a assessoria técnica. Todas as vezes que eles batem na assessoria técnica pode

ter certeza que a assessoria técnica é uma coisa boa para nós ou eles não

estariam querendo retardá-la. A Samarco está de um lado e nós estamos de

outro, tudo que eles disserem que é ruim, é bom para nós.

A relação da população com a Samarco é bem complexa. Segundo os moradores,

os processos de negociação são sempre permeados de promessas que não se cumprem,

tentativas de negociação individualizada e ameaças para desmobilizar processos

organizativos e coletivos. Alguns atingidos acabam cedendo por medo de ficar sem

indenização ou descrença na ação coletiva como forma de pressão, e acabam aceitando o

que a empresa oferece de imediato, valores muito inferiores do que teriam direito, sem

falar da reparação dos danos imateriais que nunca são realizadas. Além do ponto de

conflito que é a concepção de atingido adotada pela empresa, que na percepção dos

sujeitos é excludente, já que desconsidera, por exemplo, os atingidos pelos impactos

simbólicos, relacionados a perda do modo de vida e do bem-estar biopsicossocial.

6.2 O luto: Os impactos biopsicossociais do desastre

Em outro momento, após a audiência realizada na cidade de Belo Horizonte,

retorno para a cidade de Barra Longa de carona com Eduardo, sua mãe Tânia, Sandra e

Sara. O percurso entre Belo Horizonte e Barra Longa durou por volta de três horas e meia,

tempo que passamos conversando a respeito da realidade da cidade, das ações da Samarco

e dos inúmeros impactos no cotidiano de vida das pessoas. Foram muitas informações

que me deixaram novamente com a sensação de que o nível de violação de direitos é

muito maior do que aparentava.

119

“Barra Longa toda está sofrendo do psicológico”, afirma Eduardo. Referindo-se

a extrema burocracia que tem enfrentado para ser ressarcido, relata que a Samarco pede

da escritura da casa à nota fiscal de eletrodoméstico, e ironiza “Como? Se tudo foi levado

pela lama”.

Tânia afirma que há um sentimento de desânimo com relação à cidade, vontade

de ir embora, de não arrumar mais a casa. Conta que a cidade está cheia de esgoto a céu

aberto e insetos devido às obras e da presença da lama. A presença do agente de destruição

altera completamente a localidade e a dinâmica de funcionamento da cidade.

Eduardo possui um negócio próprio de autopeças e, com a chegada da lama na

cidade, toda a sua loja foi destruída. Ele segue trabalhando na sua própria residência e

relata que se veste socialmente, como se fosse sair para o trabalho “de calça e sapato

fechado, se eu ficar em casa de bermuda, é como se eu fosse inválido”. Afirma que só

não está pior, porque continua trabalhando e pensa nas pessoas que perderam seus

trabalhos.

Sandra: Todo mundo perdeu o gosto da vida, Sara vai ter esse problema pro

resto da vida enquanto estiver em Barra Longa. Agora todo mundo quer sair

de Barra Longa (...). Eu escuto a sirene fora de hora, qualquer barulho penso

que arrebentou, não tenho sossego mais não.

Sandra é uma atingida de Barra Longa que forneceu entrevistas a diversos jornais

denunciando os problemas de saúde vivenciados pela sua filha de um ano e nove meses.

Conheci Sandra na audiência em Belo Horizonte, momento em que conversamos pela

primeira vez sobre sua história. Desde então, nos encontramos em todas as atividades que

participei junto ao MAB, ela se integrou ao movimento e é uma das atingidas mais

combativas no que diz respeito ao enfrentamento com a Samarco. No contexto do I

Encontro de Atingidos por Barragens, realizado pelo MAB em novembro, pergunto se

posso entrevistá-la a fim de ter mais detalhes sobre o que ocorreu com Sara e como está

seu processo.

Ela afirma que até o momento não possuiu nenhuma assistência da empresa,

inclusive não consta na lista de atingidos elaborada pela Samarco, que não a reconhece

enquanto atingida porque a lama não chegou à rua em que mora, parte mais alta da cidade

de Barra Longa. Porém, Sandra relata que foram utilizados rejeitos no asfaltamento da

sua rua, dado de extrema gravidade, tendo em vista que ainda não foram realizados

120

estudos mais aprofundados que relacionem os metais pesados presentes na composição

da lama e os seus impactos para a saúde.

Relata que, após esta obra, Sara vem sofrendo de graves problemas respiratórios

e uma intensa reação alérgica. Fala isso enquanto me mostra as manchas no corpo da

criança e me conta que, desde o acontecimento, sua filha tem feito uso contínuo de

medicação antibiótica e antialérgica, além de ter sido atendida sucessivas vezes na

Unidade de Pronto Atendimento de Barra Longa e internada no hospital em Ponte Nova,

cidade vizinha a Barra Longa.

Segundo Sandra, Barra Longa não possui nenhum médico alergista, e a Samarco

contratou somente clínicos gerais, que não associam os problemas de saúde da sua filha

ao contato com a lama. Nesse itinerário em busca de cuidado em saúde, ela precisou se

deslocar para o município de Ponte Nova, onde foi atendida por um alergista reconhecido

que atribuiu a problemática à exposição à lama de rejeitos, registrando esta informação

em um laudo médico. Este documento tem sido utilizado por Sandra para reivindicação

dos seus direitos junto à Samarco. Além disso, afirma que tem arcado sozinha com todos

os custos das viagens, exames e medicações.

Sandra: Quando a lama chegou em Barra Longa, ela começou, o primeiro

sintoma de uma pessoa que está alérgico a lama é uma diarreia. A maioria da

população de Barra Longa teve quando a lama chegou em Barra Longa. Sara

ficou um mês com diarreia. Depois da diarreia veio umas lixas no corpo, uns

carocinhos que coçava muito. Eu passei a observar que era da lama. Eu levava

ela na rua pra vacinar, quando ela voltava da rua, já voltava com essas lixas no

corpo. Eu falei, vou fazer mais um teste, aí fui com ela mais umas duas vezes

na rua. E as duas vezes que chegava em casa, chegava em casa com ela com

essas lixas no corpo. Aí quando foi em junho, a Samarco junto com a

Prefeitura, que são duas irresponsáveis, pegou rejeito da beira do rio e levou

pra fazer calçamento na minha rua. Eu pedi à Samarco, pelo amor de Deus,

implorei que não colocasse o rejeito na rua, que Sara era alérgica, que tinha

apresentado crise alérgica por causa do rejeito, eles não me deram confiança,

a Prefeitura muito menos. E a partir do momento que colocaram a lama lá, foi

em junho, o problema de Sara agravou. Ela teve, ela faz uso de bomba hoje,

aquela bombinha. Ela tem rinite, tem bronquite, teve broncopneumonia e teve

internada com infecção respiratória grave. Tudo por causa de inalar a poeira

do rejeito. E ela precisa tomar uma vacina que custa 300,00 (trezentos reais) a

dose, a Samarco foge da responsabilidade, o SUS também, então fica nesse

jogo de empurra – empurra.

Sandra: E em relação à Samarco, na parte da saúde, a Samarco não reconhece

as pessoas de Barra Longa como atingidas na área de saúde. Até então, ela

nega que a lama é inerte. Mas os problemas de saúde daqui de Barra Longa

provam o contrário. Temos problemas respiratórios, problemas de pele, tem a

Sara, tem o meu filho mais velho, tem o outro vizinho que tá aqui comigo

121

também. Os três com problemas de alergia, decorrente da lama, do contato com

a lama. E até então, eu procurei a Samarco várias vezes e eles falavam assim:

“Se vocês me apresentarem um laudo que comprove que a sua filha está doente

por causa do rejeito eu vou te dar recursos, vou te ajudar com auxilio pra o

tratamento”. Ai a partir do momento que eu apresentei esse laudo, eu tenho o

laudo hoje, que comprova que ela tá doente, por inalar poeira, proveniente do

rejeito.

Pesquisadora: Quem foi que deu esse laudo?

Sandra: Dr. C., ele é Pediatra, alergista, me deu o laudo, procurei a Samarco e

a Samarco mandou procurar o SUS. Só que o SUS não tem recurso. O SUS

alega que a responsabilidade, a obrigação é da Samarco. Aí fica aquele jogo de

empurra-empurra. Você vai na Samarco: “eu tô passando recurso pra o SUS”.

Ai você chega no SUS: “não temos recurso, a obrigação é da Samarco”. Ai

você fica nesse trauma, e eu nessa luta minha de vai e vem, de estresse, porque

a Samarco hoje em Barra Longa, naquele processo de aceleração pra poder

inaugurar a praça no dia 30, trabalhava dia e noite, noite e dia, tinha um

segundo turno, além de trabalhar durante o dia, tinha um segundo turno que

pegava de dez a cinco da manhã. E a gente que trabalha durante o dia precisa

dormir pra descansar, então a gente não conseguia dormir, era “bibibi”, aquela

zoerada toda, eu fiquei muito estressada, Sara com febre. Numa noite lá eu

peguei meu notebook e quebrei todo de estresse, nervoso, entendeu? Porque

senão eu ia partir pra cima dos peões e não ia adiantar nada, né? E a Samarco

não reconhece, não me reconhece, não reconhece a Sara como atingidos. Não

recebo nenhum recurso da Samarco, o tratamento dela é particular, exames, as

consultas, os medicamentos são medicamentos caros, né? E ela não reconhece.

Não é só os meus filhos, outras pessoas em Barra Longa estão com os mesmos

problemas.

Tales me apresenta a complexidade das questões de saúde da população,

especificamente em Barra Longa, onde relata uma apatia e omissão da política pública de

saúde, representada pela Secretaria Municipal de Saúde. Os profissionais contratados pela

Samarco deveriam ser geridos pela gestão municipal de saúde do município, mas estas

informações não são acessíveis, pouco se sabe quem são esses profissionais, o que fazem

no território e quem orienta essas práticas. Quando se busca a Secretaria não há qualquer

registro oficial a respeito das notificações em saúde, apenas relatos informais a respeito

do aumento significativo de entrada nas unidades.

Quando visitei Barra Longa no primeiro mês do desastre, dialoguei com a atual

secretária de saúde do município e a sua assistente, gestora da UBS do município. Elas

apresentaram o plano de gestão emergencial para a cidade de Barra Longa e relatam as

dificuldades enfrentadas naquele momento relacionadas ao baixo contingente profissional

na unidade, que impossibilitava um trabalho territorial efetivo, assim como as visitas

domiciliares. Apresentaram dificuldades de locomoção no território por falta de

transporte, sobretudo para acessar áreas que ainda se encontravam isoladas pela lama

naquele período. Em entrevista concedida para a Brigada de Solidariedade da RNMP, a

122

gestora aponta um aumento significativo dos casos de diarreia, dermatoses, alergias e

problemas respiratórios neste primeiro momento.

Gestora da UBS: Não foi nada fácil não, foi um verdadeiro tsunami pra gente.

Nós estávamos acostumados à promoção da saúde, de repente todos nós nos

víamos diante de uma situação assim que só víamos pela TV. Foram muitos

casos que apareceram aqui pra gente, todo mundo apavorado, todo mundo

transtornado, as pessoas estavam muito nervosas. E com isso, teve o aumento

da demanda, a partir de domingo, isso aconteceu na madrugada da sexta-feira,

a partir de domingo começaram a aparecer os casos de tensão emocional, casos

de vômito assim, diarreia. Vou dizer pra vocês, até hoje o aumento que teve.

Foram 45 casos de vômito com diarreia em 20 dias, 52 pessoas com

insuficiência das vias aéreas comprometidas, dores musculares, porque as

pessoas tiveram contato com a lama, por estarem tirando a lama, limpando suas

casas, tentando voltar mesmo com a aquele tumulto. O problema emocional,

nós ainda não temos condições de avaliar, porque o problema emocional tá

sendo tão penoso tanto pra comunidade, quanto para nós que estamos de frente

diante da saúde, temos que nos amparar, uns aos outros para poder acolher a

comunidade toda. Nós estamos com escassez sim de profissional, tanto médico

e de enfermagem, pra fazer um levantamento das pessoas que não querem ir

até a unidade de saúde e está necessitando de atendimento e visita domiciliar.

As dermatoses, também foram um número assustador de dermatoses, foi mais

ou menos em torno de 33 pessoas com dermatoses decorrentes pós-lama, nada

disso foi antes não, tudo que estou relatando pra você foi pós–lama, muita

cefaleia, muita tensão emocional. A preocupação nossa é o que vai vim daqui

pra frente.

Além disso, o município registrou 128 casos de dengue de janeiro a março de

2016, devido às mudanças na dinâmica da cidade que se transformou em um “canteiro de

obras”. Segundo a população estes dados foram subnotificados, sendo aproximadamente

quase 400 casos ao longo do ano (MAB, 2016c). Vale ressaltar, que no ano anterior ao

desastre haviam sido registrados menos de dez casos de dengue na cidade.

Ainda com relação às questões mais específicas à saúde, no momento da visita

aos territórios atingidos foram relatadas pelos moradores, profissionais de saúde das

Unidades Básicas de Saúde e lideranças do MAB demandas emergenciais de atendimento

em saúde mental pós-desastre38. São relatos de agravamento e surgimento de quadros

clínicos depressivos e ansiosos, elevado nível de estresse e sofrimento psíquico.

Os impactos na saúde também são uma realidade do município de Mariana. Na

entrevista realizada com Carlos, ele afirma que “O pior tá no psicológico. Porque o

psicológico, ele é o mais difícil de ver, né? O psicológico causa impacto mesmo. O

38Saúde Popular (2015d) “Da lama ao caos: Os impactos Psicossociais em Mariana”e Saúde Popular

(2015e) “Mariana (MG): traumas psicológicos e descaso às vítimas doentes”.

123

nervosismo que dá na pessoa, a tristeza, isso fica guardado por dentro... Isso é a

realidade, nas pessoas, em mim mesmo, na família, de um modo geral”.

No caso da cidade de Mariana, existe uma presença mais significativa da gestão

de saúde municipal, que desde o primeiro momento agiu na tentativa de organizar os

processos de cuidado evitando os atravessamentos da Samarco e também o voluntarismo

frequente na região. Segundo o gestor, nas primeiras semanas havia profissionais

voluntários de todo país, prestando assistência em saúde de forma independente, sem

dialogar com as ações planejadas pela política pública. Ele afirma que o poder público

possui as limitações, mas no que diz respeito à saúde mental, atualmente está mais

articulado e organizado, respeitando os princípios preconizados pelo Sistema Único de

Saúde, de integralidade, equidade e universalidade de acesso e atenção aos serviços.

Foi aberta em Mariana uma Unidade Básica para atendimento das famílias de

Bento Rodrigues e Paracatu, e a cidade conta ainda com dois CAPS, um CAPS infantil e

outro adulto, que segundo o relato do gestor está sobrecarregado de atendimentos das

diversas demandas psicossociais.

Durante a conversa realizada com o Coordenador de Saúde Mental do município

de Mariana, ele me informa que após o desastre ocorreram casos de surto psicótico,

tentativas de suicídio e um óbito, além do aumento do uso abusivo de álcool e outras

drogas, da violência doméstica e também do número de separações conjugais, provocado

pelo desajuste causado pelo desastre socioambiental.

Além do coordenador de saúde mental, conheci Daiana, psicóloga que foi

contratada com os recursos da Samarco e que, junto com as outras profissionais, atuam

através da gestão do município. Daiana atua a partir do viés da Psicologia Comunitária,

priorizando a articulação com outras organizações, a exemplo do MAB, e desenvolve um

trabalho de grupo com os atingidos para acolher e trabalhar as questões relativas ao

preconceito vivenciado na cidade de Mariana.

Segundo Daiana, as famílias estão sendo vítimas de hostilização na cidade, as

crianças sofrem de violência nas escolas. Além do sofrimento provocado pelo

deslocamento compulsório, da mudança abrupta dos modos de vida e da difícil adaptação

à cidade e aos novos códigos de conduta, as populações dos distritos afetados ainda

sofrem com a exclusão social.

Seus filhos são chamados de “pés de lama” na escola. Quando fazem compras,

recebem olhares de discriminação ao apresentar seus cartões de débito,

fornecidos pela Samarco. Tiveram de ler no principal jornal local que eram

124

“aproveitadores” e exploravam a mineradora. Passado um ano do dia em que

tiveram de correr pela vida, deixando para trás todos os bens, os moradores do

subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais, são discriminados

como se fossem eles a causa da tragédia que atingiu o município (ESTADÃO,

2016).

O poder político, econômico e ideológico que a mineradora possui é tão grande

que se constrói no imaginário social que ela foi prejudicada com o desastre, que a sua

paralisação acarreta em desemprego, o que é ruim para a cidade. A empresa é vista como

extremamente necessária para o progresso local e a população atingida, em alguns casos,

como quem está retardando o retorno das suas atividades.

Neste contexto complexo, ela consegue influenciar parte da população de

Mariana, que a defende no território. Fato que é expresso no tratamento dado aos

atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Os atingidos relatam que se sentem

constantemente vitimizados quando precisam implorar por ressarcimento daquilo que

lhes é de direito e lhes foi abruptamente tirado.

Marcelo: Dentro da minha própria família, essa lama conseguiu jogar uma

pessoa um contra os outros. E hoje tem pessoas da nossa família que acha que

a empresa é certa, tem uns que acha que a Samarco é que ficou prejudicada

com tudo isso. E se esquecem de se colocar no lugar daquele pai que perdeu a

filha no dia, tentando fugir da lama. Quer se colocar no lugar de pessoas que

viviam aqui sem depender de outras atividades, de cartão principalmente,

ninguém precisava de cartão de subsistência. Eu acho que o ser humano acaba

sendo muito egoísta, porque quando a pessoa se coloca a favor da empresa, ela

se coloca preocupando com o problema dela, esquecendo que a empresa é a

causadora de tudo isso. Se ela vai deixar de gerar emprego ou gerar emprego,

o problema é que ela tem que gerar emprego com responsabilidade, ela não

precisa matar pessoas para se produzir, nem destruir a vida de ninguém.

Pude presenciar duas situações que mostram esta divisão entre a própria

população. Na semana do acontecimento, ocorreu em Mariana um ato político dos

moradores pedindo que a Samarco ficasse na região e não parasse as suas operações. Em

minha última visita a Mariana, observo em uma rede de supermercados uma faixa que

dizia que aquela rede defendia o retorno das atividades da Samarco para trazer novamente

o desenvolvimento para a cidade, no caso o retorno do consumo e da circulação de

mercadorias no local.

Como já afirmou Duarte Júnior, prefeito do município de Mariana, 80% da

arrecadação municipal é oriunda dos impostos pagos pela Samarco, uma média de mais

125

ou menos R$ 9 milhões mensais que tendem a cair com a paralisação das atividades da

empresa (G1, 2015d).

Contudo, esta dependência da atividade mineral não era tão direta na maior parte

da região assolada pela lama. Quanto mais distante do centro urbano de Mariana, menor

a relação de dependência com a mineradora. Os atingidos em toda a bacia do rio Doce

eram em sua maioria pequenos agricultores rurais, pescadores, indígenas e quilombolas,

que além da perda do território, perderam seus meios materiais de subsistência, como o

solo, as nascentes e os rios de onde tiravam seu alimento e a água, além da base imaterial

de reprodução da vida local, das cosmologias e saberes tradicionais das comunidades.

Aproximadamente 600 pessoas moravam na região de Bento Rodrigues, e no

povoado de Paracatu de Baixo havia cerca de 300 habitantes. Em ambos os territórios, a

atividade econômica prevalente era a agricultura familiar e de subsistência (PoEMAS,

2015). Quando viajei com Saulo pelo caminho da lama, ele me levou à casa de Marcelo

em Paracatu de Cima. Marcelo vive da produção de alimentos, queijo e leite, e da criação

de animais. Durante a entrevista, ele me relata a respeito da atividade realizada na região,

que, apesar de não depender da mineração, foi diretamente atingida por ela.

Marcelo: A nossa região, a gente nunca dependeu de mineração pra nada, a

gente não viveu uma vida com muito luxo, é uma vida simples, mas é uma vida

feliz. Quando a gente se propõe a viver na roça, o que a gente quer é esse tipo

de vida pra gente. A gente conseguiu criar um sistema de vida aqui, que é a

pecuária leiteira, a principal atividade econômica da região. Que a gente não

depende nem da cidade de Mariana. A gente vende nosso leite para uma

empresa que vende pra o Brasil todo. Então essa mineração da Samarco, Vale,

for embora de Mariana, a gente continua nossa vida aqui. Depois do

rompimento da barragem, a gente teve grande parte de tudo isso que a gente

construiu, destruída. Porque 42 produtores dessa associação tiveram as

propriedades totalmente destruídas.

Os atingidos destas regiões que desenvolviam atividades ligadas à terra e às águas,

como a agricultura de subsistência e a pesca, com a chegada da lama viram suas vidas se

transformarem abruptamente. Perderam suas terras e sua atividade, extinguindo também

um modo de vida ligado ao território, o que se relaciona com o sofrimento vivenciado

pelas famílias.

126

6.3 A luta: a organização dos atingidos

Além de compreender a vivência dos atingidos do desastre e os impactos que se

reverberam, um dos meus objetivos no território foi o de conhecer como as populações

estavam se organizando para resistir e reconstruir as suas vidas. A minha imersão no

campo se deu através dos movimentos populares, neste sentido, possuía o interesse em

compreender o papel exercido pelo MAB neste processo, como ele atuou no território e

se a organização popular no movimento promoveu transformação da consciência e na

vida das pessoas.

Quando chego ao campo pela primeira vez no mês de novembro de 2015, as coisas

ainda estavam começando a acontecer, prevalecia o sentimento de caos, as pessoas ainda

estavam alocadas em pousadas e as primeiras medidas emergenciais estavam sendo

tomadas. O MAB estava se estabelecendo nos territórios, criando vínculo e promovendo

as primeiras reuniões com os atingidos.

Neste contexto, pude participar de uma reunião convocada pelo movimento com

os familiares das pessoas mortas e desaparecidas no desastre. Naquele momento ainda

havia muitos casos de situações de desaparecimento, resgate e identificação dos corpos.

O movimento conduziu a reunião propondo uma roda de conversa e o compartilhamento

de informações por parte das pessoas ali presentes, familiares de seis pessoas que

desapareceram, quatro delas que naquele momento ainda aguardavam informações.

Nesta reunião, a organização apresentou alguns caminhos já conhecidos da sua

experiência acumulada de luta pelos direitos dos atingidos por barragens em todo o país,

reforçando o papel da união e da solidariedade entre as pessoas como forma de reunir

forças e conquistar direitos.

O MAB aponta que o enfrentamento mais eficaz em uma situação de conflito de

interesses entre a população e as empresas se dá através da organização coletiva. Neste

sentido, estimula que as pessoas permaneçam juntas, compartilhem informações, decidam

as coisas coletivamente de forma a pressionar o Estado e a empresa na reivindicação dos

direitos e também na aceleração das medidas de reparação. Segundo o movimento, a

empresa se favorece através do distanciamento entre as pessoas e adota diversas

estratégias, a exemplo da manipulação de informações e ameaças para dispersar e isolar

ações conjuntas.

Nesta reunião, os representantes da organização assumiram uma posição de

mediação e apresentação de propostas comuns que abarcassem todas as reivindicações e

127

insatisfações apresentadas pelos atingidos de forma coletiva e direcionada. Tales afirmou

que o MAB é uma organização que não existe sem os atingidos e que, sendo assim, todos

que se identificassem, poderiam se considerar integrantes do MAB, pois ali todos

enfrentavam problemáticas comuns.

Além disso, o espaço construído pela organização possibilitou a fala dos atingidos,

a expressão dos sentimentos, o choro e a troca coletiva, permitindo que o que estivesse

sendo silenciado pelas contínuas violações pudesse vir à tona e ser compartilhado

coletivamente.

No encerramento da reunião, além dos encaminhamentos objetivos de atos

políticos e reivindicação junto a Samarco, o movimento produziu uma mística39 em que

reforçou os valores de solidariedade, união e cooperação, apontando para a esperança de

um futuro melhor construído por aqueles que estavam sendo subjugados e oprimidos, mas

que, enquanto protagonistas da própria história, possuíam o poder de juntos

transformarem a realidade.

Este foi um dos primeiros espaços que presenciei, promovido pelo movimento,

que visava à organização dos atingidos. Ao longo do primeiro ano do desastre, diversas

reuniões foram convocadas pelo movimento social, assim como a construção de atos

políticos em conjunto com os moradores dos territórios afetados e outras estratégias de

mobilização para a luta. O MAB exerceu um papel significativo nos dois territórios

pesquisados, apesar da organização dos atingidos no movimento ter ocorrido de forma

diferente nas localidades.

Tales e Laura me explicam que as realidades são diferentes em diversos aspectos.

O movimento social exerce maior influência na cidade de Barra Longa do que Mariana,

por exemplo, o que pode ser explicado pelas diferentes condições em que os sujeitos estão

vivenciando o acontecimento e as relações que se estabelecem em cada lugar.

Nos dois territórios, uma das primeiras formas de organização da população

atingida foi através das comissões de atingidos. Segundo Laura, a comissão dos atingidos

de Mariana foi eleita com a mediação do prefeito da cidade. As pessoas se candidatavam

e a população votava em quem queria como representante da sua localidade. Apesar das

39“É a ação coletiva que conjuga, em sua estruturação, cantos de contestação, religiosos, músicas regionais,

danças (…); rituais (procissões, caminhadas, etc.) encenações (performances que, em geral, representam

um personagem importante da história de luta social); símbolos do movimento (bandeira, boné, camiseta,

entre outros); símbolos da luta pela terra (ferramentas, frutos da terra); discursos políticos (em geral de

conteúdo marxista), orações e preces religiosas…, as palavras de ordem, ou como fala Fernandes (2010)

instrumentos que marcam a identidade de resistência” (LARA JUNIOR, 2010 apud SOUZA, 2012, p.14).

128

reuniões da comissão com a empresa serem abertas a população, a comissão é fechada e

possui caráter representativo, com um membro de cada localidade atingida.

Esta situação acarreta problemas, a comissão acaba funcionando como espaço de

disputa de poder em que uma parcela pequena de atingidos representa e fala a respeito do

interesse de muitos outros. A população, em contrapartida, acaba delegando à comissão

este papel de reivindicação de direitos, se mantendo muitas vezes afastada de todo

processo. Outro problema apontado pelos próprios atingidos membros da comissão é a

sobrecarga das atividades realizadas. Eles assumem o papel de mediação da relação entre

a Samarco e o todo da comunidade.

No momento da entrevista com Carlos, quando pergunto a ele a respeito da

comissão de atingidos, ele me relata o seguinte:

Pesquisadora: Me fale um pouco de como é que funciona a Comissão de

Atingidos de Mariana? Como é que ela tem atuado nesse período de novembro

de 2015 pra cá?

Carlos: Assim, a gente se reúne, faz as pautas, vai pedindo, tem o formulário

das pessoas que não se encaixa, a empresa diz que não se encaixa. A gente

tem um formulário dos atingidos, preenche esse formulário, leva pra Samarco,

se a Samarco aceita tudo bem, se não aceita, a gente leva pra o Ministério

Público, e dai sai as audiências.

Pesquisadora: Você faz parte da Comissão dos Atingidos?

Carlos: Faço.

Pesquisadora: Desde o começo?

Carlos: Desde a segunda que teve. Aquela que teve em votação.

Pesquisadora: A comissão dos atingidos é aberta ou fechada? Ela é

representativa, ou todo mundo pode ser da Comissão?

Carlos: Não, ela é representativa. Foi legitimado algumas pessoas pra fazer

parte da comissão. Teve uma Assembleia Geral, com votação dessas pessoas.

Eu me candidatei, a população votou em quem ia fazer parte.

Pesquisadora: Mas o que você acha disso, desse caráter fechado da Comissão

de Mariana?

Carlos: Não. Não é fechado.

Pesquisadora: Mas, os representantes, qualquer pessoa que se sinta atingido

pode participar?

Carlos: Poderia ser qualquer pessoa e lá se candidatar, naqueles que se

interessassem. Não tinha indicação. Era quem tivesse disponibilidade em fazer

parte da Comissão. Mas não é fácil você trabalhar numa comissão. Você

defende o direito maior. Mesmo assim, a gente enfrenta vários obstáculos no

meio do caminho. Tem que tá muito preparado mesmo pra aguentar, porque

senão a gente desiste.

129

Pesquisadora: Tipo o que? O que vocês têm enfrentado?

Carlos: Exemplo, alguns podem falar que a gente não faz nada, outros, que a

gente não tá lutando pelos direitos dele. Não tão lutando pela reconstrução. É

muito complexo o que a gente faz.

Esta é uma diferença expressiva, por exemplo, da realidade da cidade de Barra

Longa. Desde o começo, o MAB conseguiu orientar a população no que diz respeito às

estratégias de enfrentamento comuns nos territórios em que o movimento já atuava. Neste

sentido, a população reivindicou que a comissão não fosse representativa, mas

permanentemente aberta para aqueles que estivessem dispostos a trabalhar e lutar pelos

seus direitos. Na comissão de Barra Longa, o caráter é cooperativo e não representativo,

com a compreensão de que quanto mais atingidos trabalhando, mais rápido o

enfrentamento com a Samarco se dará. A comissão adquiriu ao longo do tempo caráter

de movimento social.

Algo que pude observar nas reuniões é a relação de confiança que o os atingidos

de Barra Longa estabelecem com o MAB. A maioria dos participantes da comissão dos

atingidos de Barra Longa se reconhecem enquanto atingidos por barragem e possuem a

identidade do movimento. Uma situação que exemplifica este fato foi uma reunião

convocada pelo Ministério Público de que participamos, em que o tema da comissão de

atingidos de Barra Longa foi levantado, se as pessoas ali presentes se sentiam

representadas pela comissão.

Diversas pessoas se inscreveram e pediram a palavra em sequência, reforçando

que em Barra Longa não havia comissão fechada, que todo mundo podia ser parte da

comissão. Que desde que estivesse disposto a trabalhar, era só acrescentar os nomes e

participar das reuniões. Outra atingida fala que essa comissão está trabalhando desde o

começo, é reconhecida e legitimada, assim como o MAB. “Aqui todo mundo é MAB”,

afirma.

Em Mariana, a situação é diferente. Participo de uma reunião da comissão de

atingidos com o todo da população e a primeira coisa que pude observar é que dois

membros da comissão que seriam “o presidente” e o “secretário” centralizam a fala

durante quase toda a reunião. Eles dão os repasses das reuniões com a Samarco, do

andamento dos processos e a população escuta ou chega à frente para relatar sua condição.

Percebo nesta reunião que os atingidos reivindicam de outros atingidos seus direitos e

cobram celeridade do processo, a exemplo dos questionamentos de “Quando vai sair a

casa?” e “Até agora não tem providência?”.

130

Nessa reunião, Laura é convidada a fazer uma fala a respeito do dique S4, mas

fica claro o distanciamento da comissão com o movimento. Ali, o MAB é visto como um

movimento social parceiro, é convocado para as reuniões, está sempre presente, mas ainda

é visto com desconfiança por parte dos integrantes da comissão de atingidos. Outro

momento interessante foi uma reunião com a promotoria em que Laura foi convidada a

participar junto com os atingidos, e uma das moradoras pede que ela não vá com a camisa

do movimento, não vá identificada enquanto MAB, para que não esteja presente ali

nenhuma organização política, somente os atingidos.

A respeito da visão que as pessoas em Mariana tem do movimento, Carlos afirma:

Carlos: Eu, por exemplo, eu estou acompanhando o MAB desde o começo, e

vejo o trabalho deles muito significativo pra gente aqui, tem ajudado demais.

E ele não é aceito...

Pesquisadora: Na Comissão?

Carlos: Não, é. Assim, na população. Mesmo alguns da própria comunidade,

não conseguem ver o trabalho deles. (...) Se vê que o MAB quer fechar a

empresa. E MAB não quer fechar a empresa. Nós não queremos fechar a

empresa. Queremos apenas o nosso direito. Eu acho que não é nada anormal

nisso.

Na conversa com Marcelo, atingido de Paracatu, ele me relata um pouco o seu

processo na comissão.

Marcelo: Quando eu vim participar da comissão de atingidos, eu vim meio

confuso, porque eu não me entendia atingido naquele momento. E eu vi o

pessoal do MAB chegando. Vi eles sendo rejeitados pela maioria. Minha

posição foi de rejeito no momento, mas eu entendia que era importante o MAB,

porque eu rejeitei, porque eu estava me sentindo um pouco intruso na

comissão, por que eu não me considerava atingido. Mas eu estava ali lutando

pelas pessoas que eu achava que tinha perdido tudo, que confiou em mim,

levantando a mão, depositando a confiança deles em mim naquele momento.

Existe uma relação contraditória entre a percepção que as comissões de atingidos

de Barra Longa e Mariana possuem com relação ao movimento social, uma relação de

confiança x desconfiança de parte da população de ambas as cidades, que pode estar

relacionada às diferentes condições da vida dos sujeitos em cada localidade.

Os atingidos alocados em Mariana não só perderam todo seu patrimônio, como

toda a estrutura comunitária. Eles passaram a ser habitantes de uma cidade que funciona

em outra dinâmica e por estarem espalhados neste novo território, as relações de

131

vizinhança também foram comprometidas. As populações estão dispersas na cidade,

dificultando os processos de organização, além dos diversos impactos psicossociais já

relatados que desorganizam a vida das famílias.

Outro fator, já apresentado nesta narrativa, é que Mariana é um polo central da

atividade mineral na região, as pessoas possuem o imaginário que a Samarco é essencial

para o desenvolvimento e geração de emprego e renda da cidade. Há uma relação de

dependência e a existência de diversos atores no território, inclusive uma presença mais

intensa da empresa e de diferentes organizações com interesses diversos, entre ONGs,

universidades e organizações políticas, prevalecendo o sentimento de desconfiança entre

os atingidos com qualquer organização externa. Em Mariana, entre os próprios atingidos

existe este sentimento de desconfiança, já que o jogo de interesses que envolve a empresa

e o Estado também se faz presente. Como relata Marcelo:

Marcelo: Tem momento que a gente fica aborrecido, porque a gente vê

político, vê pessoas que se vende pra empresa, que é de confiança dos

atingidos, mas na realidade está do lado da empresa. E essas pessoas são muito

perigosas porque faz parte da Comissão e quando é de interesse da empresa

eles estão presentes, quando não é eles nem participam. E isso é uma coisa que

tem me preocupado agora nesse momento e estamos aí, vamos esperar pra ver

o que vai acontecer, independente de comissão a gente tem que continuar

lutando.

A desconfiança destinada ao MAB se relaciona também com a visão hegemônica

a respeito dos movimentos de participação política. Como Laura vive em Mariana desde

o primeiro mês, esta relação foi se apaziguando ao longo do tempo. Hoje o MAB é

respeitado entre os moradores e reconhecido como aliado dos atingidos, mas

diferentemente de Barra Longa, onde mais atingidos entraram no movimento, os

atingidos de Mariana em sua maioria buscaram outras formas de organização.

Em Mariana, é notório o papel exercido pela Igreja na organização dos atingidos.

Desde o princípio, os padres da Arquidiocese de Mariana e da paróquia de Bento

Rodrigues se posicionaram em defesa dos direitos dos atingidos, auxiliando a população.

Um exemplo da atuação da Igreja católica na organização popular foi a celebração

da missa e a procissão realizada na capela de Bento Rodrigues, localizada na parte mais

alta do povoado, aonde a lama não chegou. Após o desastre, a região de Bento Rodrigues

passou a ser considerada área de risco e o acesso está fechado inclusive para os próprios

moradores. No mês de setembro, em decorrência da festa de Nossa Senhora das Mercês,

132

padroeira do local, os atingidos se organizaram junto à Igreja e solicitaram da empresa e

do Estado autorização para organizar o evento religioso em Bento Rodrigues.

Participamos da celebração, junto com Laura, militante do MAB, Daiana,

psicóloga que atua na cidade, e Luciana, moradora atingida. Apesar de ser um dia

chuvoso, estavam presentes muitos moradores de Bento Rodrigues. Durante a missa, o

padre fez uma pregação não só religiosa, mas também política, que convocava as pessoas

para a luta e o enfrentamento à empresa. Falou da importância da união dos atingidos para

conquista dos direitos, fez referência à destruição provocada pela lama e à construção do

dique S4 como tentativa de ocultar o desastre e apagar a história dos atingidos, além de

reforçar a importância de a população se manter em luta por aquelas terras que pertenciam

a eles, e não à empresa.

Após a missa, seguimos em procissão pelas ruas de Bento Rodrigues, momento

emocionante, no cenário que denunciava as mortes e a destruição ali ocorrida. Momento

em que a fé do povo guiava os caminhos pelas ruas cobertas de lama, em que o silêncio

e a música sagrada ecoavam em respeito à história, às memórias e à dor latente daquelas

pessoas. Uma procissão religiosa e, ao mesmo tempo, uma manifestação política, uma

caminhada de resistência daquela comunidade.

Figura 16 - Procissão em Bento Rodrigues (Fotografia: Camilla Veras)

133

7. ANÁLISE DAS UNIDADES DE SENTIDO

Vigotski reforça que a análise psicológica deve ocorrer através da decomposição

da totalidade em unidades complexas que expressem o movimento e as contradições do

fenômeno. De acordo com o autor, a palavra é uma unidade que apresenta em si mesma

a dimensão subjetiva e a dimensão social, ela carrega em si as emoções, o pensamento e

a ação, que conformam os sentidos subjetivos e os significados compartilhados

coletivamente.

Esta decomposição em unidades de análise não é uma fragmentação do todo, a

unidade deve expressar a dinâmica da totalidade do fenômeno, deve preservar “todas as

propriedades que são inerentes ao todo, e, concomitantemente, são partes vivas e

indecomponíveis dessa unidade” (Vigotski, 2000, p.8)

A análise em unidades indica o caminho para a solução desses problemas de

importância vital. Demonstra a existência de um sistema dinâmico de

significados em que o afetivo e o intelectual se unem. Mostra que cada ideia

contém uma atitude afetiva transmutada com relação ao fragmento de realidade

ao qual se refere. Permite-nos ainda seguir a trajetória que vai das necessidades

e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada por seus

pensamentos, e o caminho inverso, a partir de seus pensamentos até o seu

comportamento e a sua atividade. (VIGOTSKI, 2009, p.9).

As unidades de sentido podem ser consideradas unidades de análise que permitem

acessar o sistema dinâmico das significações, que compreendem a unidade entre o

intelectual e o afetivo. A expressão da ideia, da palavra dicionarizada, contém uma base

afetivo-volitiva que a constitui, o subtexto. A unidade de sentido permite ainda conhecer

o movimento das motivações e necessidades dos sujeitos a produção de um sentido do

seu pensamento e também o inverso, do pensamento à atividade concreta, a ação no

mundo.

O “sentido” seja concebido como acontecimento semântico particular,

constituído através de rela- ções sociais, onde uma gama de signos é posta em

jogo, o que permite a emergência de processos de singularização em uma trama

interacional histórica e culturalmente situada. A partir disso, estabelecem-se

novas possibilidades relativas à compreensão dos próprios processos de

significação à luz da perspectiva histórico-cultural. Um primeiro argumento

em favor do redimensionamento dos processos de significação em decorrência

do conceito de “sentido” é o de que este permite que a investigação psicológica

passe a considerar, sobretudo, o caráter dinâmico, complexo e instável da

significação, ao invés de se centrar tão-somente em suas zonas mais estáveis,

os significados propriamente ditos, vistos como “apenas uma pedra no edifício

dos sentidos” (Vigotski, 2001, p. 465).

134

Como afirma Vigotski, o significado é estável, permanece imóvel ao longo do

tempo, no entanto os sentidos são do âmbito da singularidade e se transformam facilmente

a depender do contexto e das experiências afetivas dos sujeitos. O “sentido” é produzido

nas práticas sociais, através da relação dialética entre o mundo subjetivo do sujeito e o

contexto objetivo em que está inserido. Sendo assim, é possível compreender a produção

de sentidos como algo dinâmico, em constante elaboração e resignificação.

Com o objetivo de conhecer a vivência e o drama dos atingidos pelo desastre

provocado pelo rompimento da barragem de Fundão, buscou-se encontrar nas narrativas

produzidas as significações e subtexto oculto, visando relacionar a vivência verbalizada

pelos atingidos com o fenômeno concreto, os seus determinantes e contradições,

apreender a dimensão subjetiva da realidade. Este trabalho valorizou, sobretudo, os

sentidos coletivizados, conformados em uma vivência comum a respeito do

acontecimento.

Para isso, foi realizada uma intensa análise e organização do material coletado nas

entrevistas e também na observação participante. De forma a responder os objetivos desta

pesquisa, foram criadas duas categorias de análise que pudessem abarcar a relação

dialética entre o Luto e a Luta. As duas categorias contêm as unidades de sentidos

encontradas que expressassem a vivência singular e individual de cada sujeito, e que

também pudessem dar conta da generalização destes conteúdos, revelando o seu aspecto

coletivo.

Através das unidades de sentido encontradas foi possível conformar os

pensamentos e os afetos que caracterizam uma situação de trauma psicossocial e

sofrimento ético-político, vivenciados pelos atingidos no contexto do desastre, e também

os sentidos produzidos após a participação política no movimento social e os respectivos

afetos relacionados.

Neste sentido foram encontradas as seguintes categorias de análise: 7.1 A Lama e

o Luto: a vivência do trauma psicossocial e o sofrimento ético-político, que abarcou as

seguintes unidades de sentido: a) A condução do processo pela Samarco e o poder

público; b) Ser atingido; c) Perda da atividade, do modo de vida e do território d) O

adoecimento e o sofrimento emocional. E a categoria: 7.2 A Luta, o enfrentamento e a

transformação da realidade. Contendo as respectivas unidades de sentido: e) Resistência:

a organização política dos atingidos no MAB; f) A participação política e a produção de

135

saúde ético-política; g) O reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, o enfrentamento

e os desafios; e h) A luta é de todos!

7.1 A Lama e o Luto: a vivência do trauma psicossocial e o sofrimento ético-político

a) A condução do processo pela Samarco e pelo poder público

Ao longo de toda a observação participante, nas conversas informais e entrevistas

com os atingidos, foram comuns os relatos que se referiam à atuação da mineradora no

território ressaltando a lentidão dos processos de reparação, o descaso no tratamento

destinado aos atingidos, a propagação de informações difusas e até mesmo a falta de

informação, associando estas práticas ao sofrimento produzido e prolongado.

Marcelo: E à medida que o tempo foi passando, depois do dia 5 de novembro,

o que me causa grande sofrimento é a forma que a empresa tem conduzido o

processo. Manipulando situações, julgando atingidos contra atingidos.

Beneficiando pessoas que podem ter algum direito, mas não tem tanto direito

quanto os que moravam dentro da comunidade que considera atingido, e não

considera os que moravam dentro do Paracatu, por exemplo, atingidos,

causando conflitos entre a comunidade.

No seu relato, Marcelo atribui o sofrimento que tem vivenciado após o desastre a

estas ações, em que se faz presente a manipulação e o benefício de algumas pessoas em

detrimento de outras, gerando conflitos que intensificam o sofrimento das populações

atingidas. De acordo com Temps (2013, p.82): “O jogo de poder da empresa não

acontece só pela força, mas pelo jeito que ela o faz, limitando, diminuindo, dividindo

opiniões e tirando forças.” Zhouri et. al (2016) descreveram algumas destas ações no

território que afetam as populações de atingidos, produzem sofrimento social e estimulam

os conflitos entre as comunidades.

Deve-se ressaltar que, em geral, o tratamento institucional dispensado aos

atingidos constitui o principal fator capaz de engendrar o sofrimento social dos

afetados, que resulta "daquilo que o poder político, econômico e institucional

faz às pessoas e, reciprocamente, de como estas mesmas formas de poder

influenciam as respostas aos problemas sociais”. O conceito de sofrimento

social permite evidenciar que as aflições vividas por determinados grupos

sociais não são resultantes exclusivamente de contingências, infortúnios e

acasos, mas consistem em experiências ativamente produzidas e distribuídas

no interior da ordem social. No caso em tela, trata-se de um evento crítico cujas

raízes sociopolíticas estão associadas à reprodução de conflitos ambientais

pretéritos (ZHOURI et. al, 2016, p.38).

136

No território prevalece a incerteza, a desconfiança com relação às promessas feitas

pela empresa, além do sentimento de indignação. A relação estabelecida com a

mineradora tem prolongado o sofrimento psíquico dos atingidos, que seguem sem saber

quando serão ressarcidos e terão as suas vidas reorganizadas.

O sentimento de descrença nas promessas feitas, a exemplo da construção do

Novo Bento e do Novo Paracatu40 da forma como as comunidades desejam, e as ações já

descritas que foram realizadas no território, permitiram que Marcelo questionasse o

modelo de desenvolvimento econômico que sustenta a empresa, e também o poder e a

influência estabelecida no Estado e em toda região.

Marcelo: Depois dessas reuniões que a gente fez, tudo que foi conquistado foi

por processo judicial homologado por Juiz. Porque ela combina, mas não

cumpre nada. A previsão de reconstrução das comunidades é em Março de

2019, tem um prazo até Março de 2019, eu acho um prazo muito longo. Muitas

pessoas vão ficar pelo meio do caminho. E eles vão tentar fazer um Paracatu

que nunca vai ser o Paracatu que a gente tinha. Perdemos a flora, nossa cultura,

nossos vínculos. Fico olhando a empresa querendo voltar a produzir. Políticos

aí defendendo que ela volte a produzir. Mas ela voltar a produzir pra destruir?

Porque esses anos todos que a Samarco produziu na região, pra Mariana

mesmo não teve nada. Mariana não tem uma UTI neonatal, não tem uma UTI

pra pessoas adultas, não tem uma escola de qualidade, não tem segurança. A

única coisa que o dinheiro pago pela Samarco trouxe pra Mariana é a

corrupção. O dinheiro onde as pessoas gananciosas crescem o olho pra se

corromper lá. Eu queria, simplesmente pra terminar, falar que se a Samarco

fosse uma empresa séria, ela deixaria de ficar enrolando, que tá recuperando o

meio ambiente, passar a se preocupar mais com o ser humano. O ser humano

que tem sofrido ultimamente com isso.

Para Marcelo, os laços afetivos e o território (flora, vínculos, cultura) perdidos

devido ao desastre nunca poderão ser recuperados. Ao mesmo tempo, avalia a contradição

entre a prática da empresa no território, “que combina, mas não cumpre nada”,

“manipulando processos” com a expectativa que se tem do poder público, na

representação dos políticos, e de moradores da região de que ela retorne as suas

atividades. Marcelo associa o modo de produção da empresa à destruição, sentida e

vivenciada no desastre. E questiona o progresso e do desenvolvimento local, imaginário

que sustenta a empresa na região, apontando que as benéfices da empresa não fazem parte

do seu cotidiano e não atendem aos seus interesses.

40Proposta de reconstrução das comunidades destruídas em outros terrenos na região. O reassentamento

dos atingidos está previsto para o ano de 2019.

137

Ao sinalizar a ausência de serviços públicos (segurança, UTI, escola) e a

corrupção, posiciona a empresa e sua atuação a serviço das “pessoas gananciosas” e da

“corrupção”, e não da população atingida. No discurso de Marcelo prevalece a

insatisfação com relação à mineradora, que na sua concepção não age com seriedade e

responsabilidade frente aos atingidos, razão do seu sofrimento e indignação.

Esta relação estabelecida entre os atingidos e a empresa, como já foi apontado ao

longo da narrativa, é contraditória e engendra diversos tensionamentos entre os moradores

das comunidades destruídas pela lama e os moradores da cidade de Mariana. De forma

geral, os atingidos que não possuíam uma relação de dependência direta com a Samarco,

sobretudo no aspecto trabalhista, possuem uma visão majoritariamente negativa a respeito

da mineradora, associada ao desastre, à ruptura no modo de vida e a toda perda sentida

no desastre. Já outros atingidos, principalmente os que estão alocados no centro urbano

de Mariana, onde isto se configura como um impasse na região, assumem uma posição

mais conciliatória, não desejam que a empresa pare as suas atividades e apenas cumpra

com a reparação dos direitos.

Como já apresentado na contextualização do campo de pesquisa, a cidade de

Mariana se sustenta através dos recursos da mineração, 80% do orçamento municipal é

arrecadado através do CFEM, e grande parte da população da região trabalha em algum

ramo da atividade mineral. Além dos postos de trabalho, a atividade mineradora sustenta

uma cadeia produtiva especial que movimenta a economia da cidade, através da

circulação de mercadorias e e serviços. A exploração mineral que movimenta recursos

importantes para economia brasileira coloca o Estado, que em sua gênese atua em serviço

das classes dominantes, sob total influência dos interesses das empresa, tanto nos níveis

Federal, Estadual e Muncipal. Além disso, há uma influência midiática que constrói a

ideologia e a naturalização da atividade mineral na região.

Para estes sujeitos, a relação com a empresa envolve todas estas questões e

justifica, por exemplo, o temor com relação à atuação do movimento social no território,

que, no imaginário de parte dos atingidos, promove ações com o objetivo de fechar a

empresa, como afirma Carlos e Marcelo:

Carlos: Se vê que o MAB quer fechar a empresa. E MAB não quer fechar a

empresa. Nós não queremos fechar a empresa. Queremos apenas o nosso

direito. Eu acho que não é nada anormal nisso.

Marcelo: E hoje tem pessoas da nossa família que acha que a empresa é certa,

tem uns que acha que a Samarco é que ficou prejudicada com tudo isso. (...)

138

quando a pessoa se coloca a favor da empresa, ela se coloca preocupando com

o problema dela, esquecendo que a empresa é a causadora de tudo isso. Se ela

vai deixar de gerar emprego ou gerar emprego, o problema é que ela tem que

gerar emprego com responsabilidade, ela não precisa matar pessoas para se

produzir, nem destruir a vida de ninguém.

Na cidade de Mariana, grande parte da população se coloca em defesa da

mineradora e do retorno das suas atividades à região para que o desenvolvimento, muito

propagandeado pelos recursos que a empresa possui, como poder político e midiático,

retorne à cidade. Parte dos atingidos de Bento Rodrigues e Paracatu alocados neste

contexto lidam diariamente com este impasse e assumem uma posição em defesa da

reparação e justiça, sem necessariamente se colocar contra a empresa.

Carlos: Eu me sinto assim. Mariana aqui é um domínio total da empresa, e a

gente entende que Mariana no momento depende da empresa, porque é muito

emprego que dá à população.

Segundo os autores do relatório produzido pelo grupo de Pesquisa Política,

Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS):

Em números absolutos os empregos criados através da atividade mineral não

são expressivos, no entanto, nesta região que a população é pequena e

empobrecida, mesmo os empregos precarizados como o trabalho terceirizado

é de extrema importância. Isto gera uma espécie de dilema minerador, isto é, a

percepção de que, apesar dos impactos negativos causados pela atividade, a

mineração é a principal atividade econômica das regiões mineradas,

sustentadora de parcela importante da renda familiar” (PoEMAS, 2015, p. 38-

39).

A região ter ou não uma dependência direta da atividade mineral media a relação

dos atingidos com a empresa e produz significações distintas em cada realidade. Em Barra

Longa e outras localidades que não se relacionam diretamente com a mineradora, a

percepção que os atingidos possuem é associada à destruição e ao caos estabelecido.

Como afirma Sandra, moradora de Barra Longa, sua vida acontecia independente das

ações da empresa na região. Ela foi atingida através do problema de saúde da sua filha e

também pela alteração da dinâmica da cidade, não é reconhecida como atingida e sente-

se lesada pela mineradora e pelo poder público. A percepção a respeito da Samarco não

está relacionada a emprego ou desenvolvimento, e sim à desordem causada e ao

adoecimento vivenciado por conta do desastre. Sandra nomeia o contexto em que está

inserida após o desastre como “campo de guerra”.

139

Sandra: Mudou muito a minha vida, porque eu nunca dependi da Samarco, até

então a gente não dependia igual a Mariana depende da Samarco, no setor

trabalhista. Mas nós em Barra Longa, não. A gente sempre viveu com o recurso

de lá. Hoje, pelo contrário, a Samarco tirou esse recurso, faz eu gastar aquilo

que eu não tenho, e não me considera atingida, não arca com o tratamento da

minha filha, então, é ao contrário de Mariana. Em Mariana o pessoal depende

da Samarco para sobreviver, lá em Barra Longa a gente não. A Samarco virou

nossa vida de cabeça pra baixo. (...) Lá em Barra Longa, eu tô vivendo num

campo de guerra. A todo momento tem bomba pra explodir, você tá pisando

num campo minado que você nunca sabe que ali no seu pé tem uma bomba pra

explodir. Eu me considero num campo de guerra. Esses barulhos, essa poeira,

esse caos o tempo todo é uma guerra.

Contudo, mesmo a cidade Barra Longa não sendo diretamente dependente da

atividade mineral, os atingidos relatam uma grande influência da mineradora no poder

público municipal e também nas esferas estadual e federal. Fábio, morador da cidade,

através da vivência da sua realidade, separa o que seriam os interesses dos atingidos

(justiça e reparação) e os da mineradora e do Estado (reparação com menor custo possível

e retorno das atividades), sentindo-se pequeno diante do tamanho do poder econômico e

político exercido na região, cenário em que a mineradora controla todos os processos,

define quem é e quem não é atingido e se utiliza do poder público de forma a atender os

seus interesses.

Fábio: Porque nós, os atingidos, somos os ratos. As grandes empresas, a

Samarco, a Vale, são o gato. Porque eles têm o poder na mão. Eles têm

melhores equipes, têm o dinheiro, e dinheiro compra tudo, né? Eles têm uma

influência muito grande no Estado, no Governo Estadual, no Governo Federal,

principalmente, no Governo Municipal. No nosso governo. Samarco chegou e

tomou conta da cidade. O problema maior tá aí. A administração pública local

de Barra Longa deixou o pessoal (inaudível). E a Samarco que está dando as

cartas. E o perigo tá todo daí de dentro. Eles fazem as coisas à maneira deles,

eles, o critério de atingidos é feito por eles. O atingido não tem direito de dizer

que é atingido, sabe? Então é uma situação muito difícil. Sendo que esse acordo

que foi feito, né? Entre a Samarco, Vale, com a Advocacia da União, é como

se tivesse entregado a chave da cadeia pra o prisioneiro, entendeu? Eles

mesmos estão administrando o dinheiro deles, sem a participação dos

atingidos, você entendeu?

Sandra: Então, eles são omissos, ambos. O prefeito nunca foi em nenhuma

audiência. O Prefeito simplesmente entregou a chave da cidade pra Samarco,

e é a Samarco que manda em Barra Longa. A Samarco faz o que quer em Barra

Longa. E outra coisa, você chega num escritório desses, tem um vidro de álcool

em cima da mesa. Que eles dão uma volta na rua, volta e desinfeta, é protetor

no rosto o tempo todo. Eles não saem igual à gente. Outra coisa também, nosso

peão tá trabalhando sim, mas eles estão ganhando o salário deles, eles estão

usando os EPIS, coisa que nós, população de Barra Longa, não usamos.

Pesquisadora: Equipamentos de Segurança?

140

Sandra: Isso. Protetor auricular, pra aquele barulho (bipipi) o tempo todo,

aquela zoeira. Se eles estão trabalhando em uma área que tem muita poeira,

eles têm as máscaras pra usar, nós da população não, são 24 horas nesse campo

de guerra mesmo, não tem outra palavra pra descrever, não. É muito

complicado. A gente quer fazer justiça com as próprias mãos, mas não adianta

que não vai resolver. Nós precisamos que o poder público se conscientize e

não sair autorizando a Samarco a construir Dique, construir outra bomba.

Aquele dique é outra bomba que tá construído ali. Então é outra bomba. Um

absurdo. Digamos que o Poder Público acorde, a ajudar o povo e não a

Samarco. Lutar pelos direitos do povo e não da Samarco. É isso.

No contexto pós-desastre, a contradição com relação ao papel do Estado,

representado pelos órgãos públicos, emerge para os sujeitos. O Estado que segundo a

ideologia capitalista, é neutro e está a serviço a todos os cidadãos, vistos como iguais,

neste contexto de crise promovida pelo desastre atua mais explicitamente em defesa dos

interesses do poder econômico, desvelando em parte a sua real função, de aparelho de

manutenção dos interesses das classes dominantes, detentoras dos meios de produção.

Este fato é percebido pelos sujeitos entrevistados através da relação cotidiana entre

estes dois atores. A imagem produzida pela frase “o prefeito entregou a chave da cidade

para Samarco” revela como os atingidos percebem esta atuação em conjunto. O Estado,

que teoricamente deveria proteger os cidadãos, se omite e em alguns casos colabora para

atender às demandas da mineradora, que assume o discurso de também prejudicada pelo

desastre, em detrimento dos próprios atingidos.

São recorrentes no discurso dos atingidos estas ações e tensões entre comunidades,

Estado e Samarco, como produtoras de sofrimento. Sofrimento que, para Zhouri et. al.

(2016), é considerado social, já que ocorre devido aos fatores objetivos, socioculturais,

relacionados com como as demandas estão sendo ou não atendidas e como as narrativas

produzidas pelos atingidos estão sendo desautorizadas.

Os enquadramentos conceituais, medidas e ações que envolvem a negociação

dos efeitos do desastre e que contam com a participação da empresa agravam

o sofrimento social. Permite-se que as companhias (Samarco, Vale e BHP

Billiton) interfiram no processo da definição de indenizações, como forma de

assegurar seus interesses. As vítimas, por seu turno, mesmo na atual situação

de vulnerabilidade, são obrigadas a lutar para que sejam satisfeitas ao menos

as necessidades mínimas para viver. Há um crescente cansaço, provocado pelo

processo de negociação imposto. Acrescente-se a sensação de insegurança em

relação ao direito constitucional à reconstrução da vida comunitária (ZHOURI,

2016, p. 39).

O sofrimento gerado pelo desastre por causa das perdas afetou diversos homens e

mulheres. O sofrimento, apesar de sentido de forma singular, foi vivenciado

141

coletivamente, a sua origem está ligada à esfera pública. Segundo Gonçalves Filho

(1998), o sofrimento coletivo é também político, pois se relaciona comas formas de

injustiça social e as consequências subjetivas e objetivas da exclusão social.

Além da condição de sofrimento inerente a situação de desastre, pode se relacionar

tal acontecimento com a conceituação estabelecida por Martín-Baró, concebendo o

desastre provocado pelo rompimento da barragem, como evento traumático, produtor de

trauma psicossocial. Seu caráter é psicossocial, já que se relaciona com a base material

da sociedade, um modo de produção exploratório e a violência extremada que acarreta

em inúmera perdas e violações representadas através das ações das empresas privadas e

do Estado.

De acordo com Martín Baró (2000, p.236): “a natureza do trauma deva ser

localizada, em particular, nas relações sociais das quais o indivíduo é apenas uma parte.

Precisamente porque o trauma deve explicar-se a partir da relação que o indivíduo

encontra com sua sociedade”.

O trauma psicossocial refere-se a um sentimento vivido e perpetuado

coletivamente, sendo, portanto, da ordem da memória, dos afetos, da

consciência e da ação. O conceito de trauma psicossocial articulado à teoria

espinosiana, que coloca a ética nos afetos e estes dependentes dos encontros,

associando, assim, ética com potência de vida, afeto (alegria) e política, podem

fundamentar uma intervenção psicossocial de transformação do trauma em

potência de vida. Uma intervenção centrada no afeto como síntese das

múltiplas determinações do trauma, entendendo que a sua compreensão

equivale à compreensão das forças sociais que a determinam, nas esferas da

servidão, do medo, da tristeza, da miséria e da submissão, e nas possibilidades

de sua superação, conquistada nas esferas do agir, e da potencialização da ação

coletiva tanto nas esferas singulares e comunitárias, quanto nas esferas sociais

e políticas. (CAMPOS, 2015, p.61)

Ao analisar a situação pós-desastre, a condição traumática ainda segue vigente, se

configurando em um processo de re-traumatização. Segundo Campos (2015), a

retraumatização ocorre quando as situações traumáticas seguem se repetindo

sucessivamente e se somando após a situação traumática.

O conceito de re-traumatização é entendido como um processo de reativação

do trauma, o qual está em direta relação com eventos contextuais ou com

eventos intrapsíquicos que se consideravam resolvidos. Este processo está

sempre relacionado com temas sociopolíticos, morais ou legais conectados

com a violação dos direitos humanos (injustiça, falta de verdade, impunidade)

e reabre sentimentos de frustração, raiva, impotência ou fracasso. Em relação

a isso, a impunidade, entendida como a ausência de justiça formal, tem sido

142

identificada como um dos mecanismos que difundem insegurança e desamparo

nos indivíduos, negando-lhes a possibilidade de ter um futuro promissor. A

impunidade também tem sido identificada como a maior causa da re-

traumatização, dado que cada episódio retraumatizante exacerba os

sentimentos de raiva, injustiça, impotência, abandono e frustração, derivados

das expectativas e promessas não cumpridas pelo Estado. Mais ainda, estes

sentimentos não resolvidos podem levar a um estado de trauma crônico quando

a pessoa re-experimenta constantemente os sintomas com quase a mesma

intensidade do evento traumático original, levando-lhes a experimentar

intensos sentimentos e pensamentos associados com traumas passados (SOTO,

2010, p.131).

Sawaia (2014) apresenta a concepção de sofrimento ético-político, oriundo da

desigualdade social e da condição de exclusão e subalternidade da inserção perversa na

lógica do sistema capitalista. Diante de um modo de produção que enxerga a natureza

como meio a ser explorado para geração de lucro, essas famílias são vistas como

obstáculo para o seu desenvolvimento. Seu modo de vida não é reconhecido e valorizado

no sistema capitalista, e por isso são invisibilizadas (VIDAL, 2012; TEMPS, 2013).

O sofrimento é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o sofrimento de estar

submetido à fome e à opressão. Seria experimentado como dor, na opinião de

Heller, apenas por quem vive situação de exclusão ou por seres humanos

genéricos e pelos santos, quando todos deveriam estar sentindo-o, para que

todos se implicassem com a causa da humanidade (SAWAIA, 2014, p. 104).

As famílias atingidas perderam os meios de condição da existência material,

social, política e econômica e o seu sofrimento segue se perpetuando diante da condição

de impunidade, incertezas, contínuas violações dos direitos fundamentais, que prolongam

a condição traumática do evento.

b) Ser atingido

Uma das principais questões que demarcam o conflito entre os atingidos e a

empresa é a definição em torno do conceito de atingido. Como já descrito neste estudo, a

mineradora trabalha com uma concepção de atingido que exclui parte da população, além

de trazer para dentro da comunidade conflitos, já que estabelece uma hierarquia que faz

com que os próprios atingidos se separem em quem é mais ou menos atingido e quem

merece ter seus direitos ressarcidos mais rapidamente.

Porém, no território, nem os considerados oficialmente atingidos pela empresa

estão sendo ressarcidos de forma satisfatória, o que faz com que muitas destas pessoas

143

optem por negociar isoladamente com a mineradora para que sua situação individual seja

resolvida de forma mais rápida.

Parte dos atingidos, sejam eles reconhecidos ou não pela Samarco, entendem que

esta ação é interessante para empresa, que possui interesse em que a comunidade não se

una entre si e que negocie de forma individual. Por sua vez, a negociação parcial acarreta

um custo menor do que o produto de uma ação judicial coletiva, em que o ressarcimento

é feito considerando a magnitude do impacto.

Na ausência de uma legislação ou uma definição oficial mais abrangente, os

atingidos que reconhecem que esta definição é excludente e que precisa ser ampliada, têm

se organizado e tensionado a empresa a ampliar esta concepção e garantir os direitos de

todos, que, na concepção ampliada, são todos de alguma forma atingidos pelo desastre.

Saulo: Quando a Samarco diz no sentido de atingido direto e indireto, eu não

vejo isso na bacia quem é atingido direto e indireto. Falando de Barra Longa,

que é minha cidade, por exemplo, se todo o centro urbano de Barra Longa foi

atingido, e todas as pessoas que moram fora do centro urbano na zona rural

depende do centro da cidade pra fazer suas compras, pra realizar suas

necessidades, quando eles chegam no centro da cidade, os comércios não está

preparado para recebê-lo, a rua tá cheia de barro, tá cheia de caminhão, não

tem onde estacionar o carro deles, e eles vê um parente dele, um amigo dele

sofrendo, está sendo atingido. O homem que tem sentimento é atingido por um

desastre que acontece em outro continente que dirá com o vizinho dele.

Marcelo: A Samarco, no começo criaram vários critérios pra definir quem que

é atingido, onde você vai se encaixar. Mas ela esquece que quando a lama veio,

a lama não teve critério nenhum, ela foi derrubando tudo, não escolheu

ninguém por critério. Então, esse critério na realidade foi criado pra excluir as

pessoas.

Sandra: Olha, no caso da Samarco ela alega assim, que a pessoa atingida é

aquele que teve a renda afetada. E ela alega que não eu não tive a minha renda

afetada. Se eu arco com o tratamento da minha filha, meu marido trabalha de

dois empregos, pra poder arcar com o tratamento dela, mesmo assim, nós não

temos condição de tratar dela, de cuidar dela, tem quase dois meses que ela não

vai no médico, não tá acompanhando, fazendo tratamento porque a gente não

temos condições. E desde que a minha renda foi afetada, eu me considero

atingida, e eu não sou só atingida só em Barra Longa, eu sou atingida também

em Gesteira. É onde a minha vó perdeu as casas, as duas casas. E eu tinha um

lote lá, já tava preparada pra construir final do ano. Fazer uma casa, então eu

sou atingida lá em Gesteira e Barra Longa também.

Pode-se dizer que a concepção de Saulo, Marcelo e Sandra, e a percepção de se

sentirem atingidos foram construídas ao longo do tempo e possuem influência da

concepção adotada pelo MAB. Os três atingidos integram atualmente o movimento, que

historicamente questiona o poder público e as corporações a respeito desta definição. Esta

concepção do movimento, ao ser adotada pelos atingidos que vivenciam situações de

144

impacto direito, como o adoecimento, a impossibilidade de trabalhar, faz com que eles

ressiginifiquem a identidade a respeito do ser ou não atingido e se coloquem em uma

posição de enfrentamento com a empresa.

Marcelo: A partir do momento que o processo foi caminhando, eu entendi que

eu era totalmente atingido, e talvez muito mais atingido do que pessoas que

perdeu a casa, que é um critério que eles usam pra avaliar o nível que a pessoa

foi atingida, se ela perdeu a casa, porque a minha vida estava suja de lama do

pé a cabeça. (...). Então, eu me considero muito atingido. E através de eu estar

participando da comissão e me considerando atingido eu fui me aproximando

do MAB.

Na contramão do discurso propagado de que atingido é quem perdeu casa e

comércio, através da mediação da participação no movimento social, esta visão pode ser

ampliada. Atingidos são todos, todos aqueles que vivem nesse território e estão de alguma

forma vivenciando esta nova realidade imposta pelo desastre. Ser atingido para eles se

relaciona com a perda do modo de vida, do território, da saúde, do meio de subsistência,

de amigos, perda da vida que se tinha antes e que agora se modificou.

Definir-se enquanto atingido para os três entrevistados é assumir ainda a

identidade de sujeitos de direitos, perdidos na situação de desastre. Através da

compreensão de si enquanto atingido, ou seja, numa posição desvalorizada e dominada,

que os atores sociais podem vir a constituir identidade de resistência ou ainda identidade

de projeto (CASTELLS, 2001).

c) Perda da atividade, do modo de vida e do território

Segundo o levantamento bibliográfico, os atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu

de Baixo e Paracatu de Cima e em toda bacia do rio Doce desenvolviam majoritariamente

atividades ligadas à terra e às águas, como a agricultura de subsistência e a pesca, e com

a chegada da lama viram suas vidas se transformarem abruptamente. Perderam suas terras

e sua atividade, extinguindo também um modo de vida ligado ao território.

Marcelo: A nossa região, a gente nunca dependeu de mineração pra nada, a

gente não viveu uma vida com muito luxo, é uma vida simples, mas é uma vida

feliz. Quando a gente se propõe a viver na roça, o que a gente quer é esse tipo

de vida pra gente. A gente conseguiu criar um sistema de vida aqui, que é a

pecuária leiteira, a principal atividade econômica da região. Que a gente não

depende nem da cidade de Mariana. A gente vende nosso leite para uma

empresa que vende pra o Brasil todo. Então essa mineração da Samarco, Vale,

for embora de Mariana, a gente continua nossa vida aqui. Depois do

rompimento da barragem, a gente teve grande parte de tudo isso que a gente

145

construiu, destruída. Porque 42 produtores dessa associação tiveram as

propriedades totalmente destruídas.

Segundo Furtado (2009), a atividade criadora desenvolvida pelos sujeitos, o

trabalho, neste caso o trabalho rural, promove a organização objetiva da vida material dos

homens. A extinção ou mudança desta base de reprodução material da vida altera a

organização subjetiva dos sujeitos.

No caso de Marcelo, a lama não chegou diretamente a sua propriedade, o que ele

mesmo fala como fator para não se considerar atingido no primeiro momento. No entanto,

o seu modo de viver e a atividade, ligada à produção de leite e criação de animais, foi

completamente comprometida pela chegada da lama e pelo desastre provocado pelo

rompimento da barragem.

Marcelo: Nenhum dinheiro que a Samarco me dê vai trazer a minha vida de

volta. Eu demorei pra me considerar atingido, porque minha casa não chegou

a lama. Mas depois eu fui entender que toda minha vida estava no meio da

lama, que eu não conseguia trabalhar, eu sou atingido sim. A Samarco fazia

pouco caso, dizia que eu não era atingido porque a lama não chegou. Mas o

pouco era tudo que eu tinha, era minha vida.

Quando afirma “toda minha vida estava no meio da lama”, apresenta a mudança

gerada a partir da chegada deste agente externo de destruição, que mudou a sua vida e de

toda a comunidade. O desastre promoveu alteração da organização subjetiva dos sujeitos

e uma das formas em que isso se expressa é na mudança da atividade, da perda do modo

de vida e do território.

O modo de vida rural possui características que extrapolam o sistema produtivo

do trabalho e da troca de mercadorias no campo. O trabalho no campo é responsável pela

organização material e também simbólica que marcam o grupo social do campesinato. O

sujeito camponês representa uma ordem social complexa, que se relaciona de forma muito

singular com o trabalho familiar, os sistemas de herança e as tradições religiosas

(MOURA, 1988). Há uma ordem moral no campo relacionada com e produzida pelas

diversas dimensões culturais, éticas e simbólicas que marcam ocampesinato

(WOORTMANN, 1990).

Nessa perspectiva, não se vê a terra como objeto de trabalho, mas como

expressão de uma moralidade; não em sua exterioridade como fator de

produção, mas como algo pensado e representado no contexto de valorações

146

éticas. Vê-se a terra, não como natureza sobre a qual se projeta o trabalho de

um grupo doméstico, mas como um patrimônio da família, sobre o qual se faz

o trabalho e se constrói a família enquanto um valor. Com o patrimônio, ou

como dádiva de Deus, a terra não é simples coisa ou mercadoria. Estou

tratando, pois, de valores sociais; não do valor-trabalho, mas do trabalho

enquanto um valor ético (WOORTMANN, 1990, p. 12).

Segundo Moura (1988), o sistema produtivo no campo difere-se de outros sistemas

produtivos, a produção e o consumo são parte de uma mesma unidade produtiva. Os

membros do grupo, no caso a família, trabalham e produzem a partir da terra e o fruto do

trabalho é apropriado pelo mesmo grupo, tendo em vista que as relações no campo são

organizadas pelas relações de parentesco e pela transmissão da terra de geração a geração.

Com a destruição provocada pelo desastre, a vida das pessoas que se organizavam

objetivamente e subjetivamente através do trabalho no campo foi alterada bruscamente,

não só no que diz respeito ao modo produtivo em que organizavam sua vida

materialmente, mas a toda uma lógica simbólica de relação com a terra, com a família e

o trabalho.

Marcelo: Perderam a capacidade de produção, tiveram sonhos interrompidos.

Propriedades passadas de geração a geração, de pai pra filho, onde as pessoas

tinha um vínculo muito forte com aquilo, aquele pedaço de terra, sempre

sobreviveu daquilo. E perderam suas perspectivas da noite pra o dia. As

pessoas que viviam aqui sem depender de outras atividades, de cartão

principalmente, ninguém precisava de cartão de subsistência.

Com a necessidade de reorganização subjetiva imposta pela alteração do modo de

vida e a perda da atividade, as famílias que hoje vivem na cidade de Mariana passam a

depender de um salário mínimo pago pela empresa através do Cartão Benefício,

modificando completamente as relações sociais.

Marcelo: Tive o prazer de conhecer um pescador que pegava 120 quilos de

peixe por dia e antes dele pegar o peixe, o peixe dele já estava vendido, hoje

ele tá vivendo de favor, morando numa barraca de acampamento, foi despejado

da casa.

De forma geral, os atingidos viviam do que produziam e da comercialização do

que produziam, e não estavam inseridos necessariamente na lógica da produção de

mercadorias estimulada pelo sistema capitalista. Quando visito Paracatu de Baixo, no

muro da escola está escrito “Parabéns Samarco, você deu ao povo de Paracatu uma conta

147

no banco”, denunciando a inserção do povo na lógica do capital rentista. Nenhuma

indenização será capaz de recuperar e devolver o modo de vida perdido.

A alteração do modo de vida também se deu na cidade de Barra Longa. Segundo

o Censo do IBGE 2010, em Barra Longa vivem cerca de 6.147 habitantes e, apesar de ser

um núcleo urbano, há áreas rurais e características de cidade pequena, interiorana. No

Encontro do atingidos por barragens pude conversar com Fábio, músico, morador de

Barra Longa, que me conta um pouco como era sua vida na cidade e como tem sentido e

vivenciado todo o processo após a chegada da lama.

Fábio: Nós sempre tivemos em Barra Longa uma vida boa, uma vida pacata,

Barra Longa não era uma cidade de trânsito, de grande trânsito de carro. A

gente tinha uma tranquilidade muito grande, muito pouca violência, sem muita

doença de pele, sabe? Uma cidade saudável, agradável de se viver. E depois da

lama, é evidente que mudou tudo, né? A partir do momento que a lama chegou,

foram mais de mil pessoas na cidade, entre trabalhadores, entre pessoas que

vem de fora pra ver a situação, o negócio todo. Então, eu particularmente, diria

que pra mim mudou muita coisa. E acredito que para população toda, o sistema

mudou tudo. A vida de cada um mudou demais.

Outra questão que aparece nas falas dos sujeitos é a relação com o território. O

desastre, quando não o modificou completamente, foi responsável pela sua destruição,

como em Bento Rodrigues. O território, que não é só um espaço físico, geográfico, mas

um espaço de produção das relações e vínculos afetivos, alterados após a chegada da

lama. O território é um elemento da organização de subjetividade, e possui diversas

dimensões, sejam elas materiais e imateriais, coletiva e individual, real e imaginária

(VIDAL, 2012).

O poder do laço territorial revela que o espaço está investido de valores não

apenas materiais, mas também éticos, espirituais, simbólicos e afetivos. É

assim que o território cultural precede o político e, com ainda mais razão,

precede o espaço econômico” (HAESBAERT, 2006, p. 72).

Fábio aponta esta alteração. Segundo os atingidos, agora o território é identificado

como “canteiro de obras”, com poeira, lama, mau cheiro, o lugar que era antes espaço do

cotidiano da vida, agora traz lembranças da destruição e produz sofrimento. No caso de

Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Paracatu de Cima, comunidades destruídas pela

lama, além da perda do território, há ainda uma interdição do fluxo da história daquele

grupo, um desenraizamento compulsório.

148

A perda do território é também a perda dos laços afetivos construídos naquele

espaço, das histórias vivenciadas, das memórias, dos afetos, e de todo vínculo

estabelecido no lugar. Diante da ruptura, ainda mais oriunda de uma situação catastrófica,

há uma intensa produção de sofrimento, manifestado através da vivência do luto, que

aparece em todos os relatos dos atingidos.

Marcelo: Eu morava mais ou menos a 200 metros de meu sogro, meus filhos

nasceram ali, praticamente foram criados lá junto com eles. Na casa de meu

sogro, é uma das que foi feito a festa de meu casamento, tem 22 anos de casado.

Meu sogro faz aniversário no dia 25 de dezembro no dia de Natal. Então ali

era o ponto de encontro da família, onde as pessoas se reuniam. A casa amarela

era onde tudo acontecia, minha festa de casamento foi naquela casa e de um

dia para o outro tudo acabou (...). A comunidade que eu moro o que mais me

fez sofrer com o rompimento da barragem não foi o dano material. Foi o

vínculo das pessoas que foram rompidos da noite pra o dia. Pessoas que na

comunidade onde eu tenho afilhados, amigos, que da noite pra o dia eu nem

sabia onde estavam morando. Então isso me fazia sofrer. No dia do

rompimento, por eu ser presidente da associação aqui por treze anos, as pessoas

me enxergam como um ponto de referência pra desabafar, pra comunicar os

problemas. Pessoas ligavam pra mim falando que estava passando fome, sede,

ficou preso, ilhado, e eu não tinha como ajudar essas pessoas. Isso pra mim me

fez sofrer demais. Sabendo que tinha amigo meu em situação complicada, sem

poder, nem chegava perto porque não tinha acesso, pessoas tiveram que ser

socorridas de helicóptero.

No texto Luto e melancolia, Freud (1917/2011) define o luto como uma reação a

perda de uma pessoa querida ou uma abstração, como um ideal e a pátria. Configura-se

como um estado de ânimo doloroso, afeto relacionado à dor e tristeza profunda pela perda

de alguém amado.

O luto profundo, a reação à perda de uma pessoa amada, contêm o mesmo

estado de ânimo doloroso, a perda de interesse pelo mundo externo - na medida

em que este não o faz lembrar do morto -, a perda da capacidade de escolher

um novo objeto de amor - em substituição ao prateado - e o afastamento de

toda e qualquer atividade que não tiver relação com a memória do morto

(FREUD, 1917/2011, p.47).

O sofrimento está associado à produção de sentimentos que diminuem a

capacidade de ação dos sujeitos, ao desânimo, à tristeza, à desistência (SOUZA, 2012;

ROSA, 2013). Fábio relata, por exemplo, o desânimo que o desastre gerou na realização

de atividades que antes lhe promoviam prazer.

Fábio: Eu não posso dizer pelas pessoas, eu digo por mim. Por exemplo, eu

tinha um cabelo grande, de uma hora pra outra começou a cair, eu tive que

cortar, hoje meu cabelo é curto. Ele começou a cair e embolar as pontas. Que

149

eu sou músico, a vida inteira gostei de cabelo grande, barba, e tudo mais.

Começou a cair. Então, o impacto é muito grande na vida de todo mundo.

Então mudou tudo. (...) Eu mexo, sempre mexi com artesanato de bambu, faço

umas coisinhas, cadeiras, mesa... Lá em casa tem mesmo na varanda uns

trabalhos que eu faço. Desde o dia que a lama chegou, eu não tive mais vontade

de fazer, e até hoje, um ano depois, eu não fiz mais nada, eu não fiz uma

cadeira, não fiz um banco, não fiz nada. Não que fosse assim, eu tinha aquilo

mais como, é claro, eu vendia às pessoas, elas encomendavam, tudo

mais...,mas eu não tinha aquilo como fonte principal, sabe,de renda? Nunca

tive. Eu nem reivindiquei isso. Nem vou reivindicar, não. Sabe, tem tanta gente

que perdeu tudo, gente fora de casa, que perdeu casa, perderam vida. Famílias

destruídas com isso, doentes com isso.

d) O adoecimento e o sofrimento emocional

O sofrimento produzido e a condição de adoecimento a que os atingidos foram

expostos após o desastre, seja pelo sofrimento emocional ou pelo contato com a lama de

rejeitos e os respectivos impactos na saúde física, também são um fator de impacto e

mudança subjetiva, além de uma violação de um direito social fundamental, que é o

direito à saúde.

Marcelo: Eu era uma pessoa saudável. Alimentava as comidas que eu produzia

na minha casa, leite de cabra, que é um leite que faz bem pra mim. Matava de

40 a 40 dias, matava um porco pra despesa. A gente tinha uma horta orgânica,

fruta a gente comia no pomar nosso. Hoje eu tomo dois antidepressivos,

cheguei um momento de ficar com a mente meio confusa, sem saber como,

perdi o meu raciocínio nomeio da fala. Tive que procurar psiquiatra, pra me

tomar remédio pra voltar a coordenar melhor meu pensamento, fiquei sem

dormir muito tempo, e hoje ainda não consigo dormir bem. Então eu me

considero muito atingido. O luto pode estar expressado de várias formas, pode

ser quando acontece um crime igual que aconteceu em Mariana que matou 20

pessoas, mas também quando acaba com a nossa natureza, como matou o nosso

rio, matou o rio doce, está matando as pessoas de fome.

A Organização Mundial de Saúde define a saúde como “um estado de completo

bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”.

O“estado completo de bem-estar” é algo abstrato e até utópico, tendo em vista o modo de

vida vivenciado nas sociedades capitalistas, os impactos do trabalho na vida das pessoas

e também a compreensão de cada um sobre o que é bem-estar, o mais importante desta

definição é o avanço que ela significou no período em que ela foi feita, é a concepção de

que saúde não é restrita à ausência de doenças (SEGRE & FERRAZ, 1997). Saúde é mais

que isso, não é somente uma condição individual, mas coletiva, determinada socialmente

e relacionada com a garantia de direitos fundamentais e com o acesso a serviços básicos

e condições de exercício da cidadania (SOUZA, 2012).

150

A partir de uma situação de um desastre tecnológico que destruiu territórios,

modificou completamente o modo de vida, acarretou perdas materiais, simbólicas e

humanas, pode-se dizer que por si comprometeu a vivência de bem-estar das

comunidades, comprometeu as condições de saúde dos sujeitos de forma generalizada.

Para Marcelo, antes do desastre, ele era saudável, se alimentava do que produzia

e tinha uma relação afetiva com seu modo de vida de trabalho na terra. Ele associa o

sofrimento emocional, os impactos no seu bem-estar físico, psíquico, ou seja, o dano na

sua condição de saúde à tragédia e à perda do modo de vida acarretado após o desastre.

A intensificação do sofrimento psíquico e a busca de cuidado em saúde, seja através de

atendimento psicológico e psiquiátrico, levaram Marcelo a fazer uso inclusive de

medicação psicotrópica para ansiedade e depressão.

Carlos: O pior tá no psicológico. Porque o psicológico, ele é o mais difícil de

ver, né? O psicológico causa impacto mesmo. O nervosismo que dá na pessoa,

a tristeza, isso fica guardado por dentro... Isso é a realidade, nas pessoas, em

mim mesmo, na família, de um modo geral”.

Sandra: Temos problemas respiratórios, problemas de pele, tem a Sara, tem o

meu filho mais velho, tem o outro vizinho que tá aqui comigo também. Os

três com problemas de alergia, decorrente da lama, do contato com a lama.

Além dos atingidos entrevistados, são comuns no território relatos de pessoas que

estão em isolamento, tristes e deprimidas após o acontecimento. Como já apresentado na

contextualização do campo, os dados das Unidades de Saúde relatam um intenso

sofrimento emocional e adoecimento vivenciado pela população, devido às condições

pós-desastre. O adoecimento físico devido ao contato com os rejeitos provocou diarreias,

processos alérgicos e respiratórios, e o aumento da violência, os impactos na saúde

mental, entre outros, estão latentes na realidade do território hoje.

O processo saúde-doença é um fenômeno ético-político, o que equivale a

incorporar a ética e a afetividade como constitutivas da saúde e como uma

configuração singular das afecções do corpo e da mente, paralelamente, sem

hierarquia de um sobre o outro (SOUZA, 2012, p.52).

Os impactos na saúde dos atingidos, seja física ou emocional, ressaltando que esta

relação não é dicotômica, mas que está imbricada uma na outra, está relacionada com a

151

condição de sofrimento vivenciado pelos atingidos no território. O sofrimento que em

alguns casos leva à desistência, à impotência de ação, ao isolamento e à resignação.

Sandra: Todo mundo perdeu o gosto da vida, Sara vai ter esse problema pro

resto da vida enquanto estiver em Barra Longa. Agora todo mundo quer sair

de Barra Longa (...). Eu escuto a sirene fora de hora, qualquer barulho penso

que arrebentou, não tenho sossego mais não.

Campos (2015) afirma que a tristeza, o medo, culpa, desespero, os impactos no

corpo físico (o adoecimento) são afetos que compõe o trauma psicossocial, relatados e

vivenciados pelos atingidos no contexto do desastre. A condição de sofrimento em que as

pessoas estão expostas é decorrente da condição de invisibilização e expulsão das pessoas

das suas terras e das suas vidas, e também pela forma como isso ocorreu e segue

ocorrendo, abrupta, violenta, acarretando a violação de diversos direitos fundamentais,

como o direito à saúde, ao trabalho, à moradia e à informação.

A noção de trauma psicossocial aponta possibilidades teóricas e de intervenção

psicossocial frente a situações sociais de extrema violência. Introduzimos a

noção de sofrimento ético-político para indicar que a ação que pretendemos

refletir não está voltada a minimização do sofrimento individual, ou melhor, a

adaptação à situação, mas evitar a servidão e a alienação impostas pelo

sofrimento, medo, culpa, etc., enfim por um conjunto de afetos passivos

(tristes) que produzem o esfacelamento do coletivo, o agir em prol da potência

do comum. O trauma psicossocial é utilizado para lembrar que uma ação social

que representa a dialética singular/particular/universal e que só pode ser

superado coletivamente. Ação política vivida emocionalmente como tragédia,

emoções singulares e coletivas, sendo a que intessa à psicologia social: o

comum (CAMPOS, 2015, p.26).

Todos estes elementos narrados constituiram os sentidos e significados relativos

ao desastre, que incluem os afetos relacionados a tristeza, luto, padecimento, adoecimento

físico e as crenças com relação as ações da mineradora e o poder público, sintetizando a

experiência vivida e se configurado como uma representação da realidade do desastre.

Estes afetos e pensamentos são componentes do drama subjetivo dos atingidos e

integram o que Furtado (1988) e Bock e Gonçalves (2009) conceituam como a Dimensão

Subjetiva da Realidade. A Dimensão Subjetiva da Realidade é justamente esta face

simbólica, dos significados e significações atríbuidos pelos sujeitos em sua singularidade,

mas que se relacionam com a identidade social de coletividades. A subjetividade

entendida aqui como constituinte e constituida pela realidade social, expressa não só as

realidades individuais, mas também o fênomeno na sua materialidade.

152

A Dimensão Subjetiva da Realidade é correlata à Configuração Subjetiva do

Sujeito, que nos fala González Rey e denota como a subjetividade se configura

socialmente. Está presente no repertório cultural de um povo, constitui a sua

identidade social, é matriz da constituição de suas representações sociais (sem

o caráter cognitivista dado ao termo por Moscovici). Sua dinâmica

interacional, de base objetiva material (os determinantes sociais e econômicos)

e o campo da configuração subjetiva do sujeito, é o elemento dialético que nos

permite superar a visão subjetivista de Berger e Luckmann e a visão objetivista

de John Searle. (FURTADO, 1998, p.67-68)

No contexto do desastre provocado pelo rompimento da barragem, estes afetos e

crenças associados ao desastre, tem como base o modo de produção capitalista, a

exploração dos recursos naturais e da força de trabalho. Modo de produção que a

Samarco, representada pela Vale S.A e a BHP Billiton, integra em uma cadeia global do

capital produtivo.

As condições que os atingidos estão expostos são similares a dos trabalhadores,

excluídos e marginalizados, que lutam pela sobrevivência.

Pior ainda são as condições aos trabalhadores excluídos e dos marginalizados,

que além das dificuldades e restrições materiais, sofrem, em sua subjetividade

– na sua dimensão subjetiva da realidade - , as consequências da exclusão

social e estão ameaçados da perda de sua própria humanidade: estão

socialmente aniquilados ou sob ameaça de destruição. (SALGUEIRO, 2013,

p.172)

7.2 A Luta, o enfrentamento e a transformação da realidade

Existem formas diversas de resistir, de ressignificar a vida e trazer novos sentidos

a existência. Como já apresentado, o sentido religioso, o acolhimento através da

religiosidade tem sido fundamental para a população das regiões assoladas pelo desastre.

Os espaços comunitários, de reunião e integração dos sujeitos também são potentes para

a união e restabelecimento dos laços sociais perdidos, na medida em que vão de encontro

ao isolamento a que de forma geral estão submetidos, por exemplo, na cidade de Mariana,

em que cada atingido foi alocado em um bairro diferente, perdendo as relações de

vizinhança do contexto de vida anterior ao desastre.

O presente estudo buscou conhecer as estratégias para a reorganização subjetiva

nesta nova realidade objetiva dada através da inserção e participação social em

movimento popular, no caso o MAB, presente no território desde o princípio como um

polo articulador e organizador da população atingida.

153

e) Resistência: a organização política dos atingidos no MAB

No contexto do I Encontro de Atingidos por Barragens promovido pelo MAB no

período de rememoração de um ano do desastre socioambiental, pode-se perceber que o

evento reuniu militantes de diversos movimentos sociais e muitas pessoas das regiões

atingidas, boa parte delas que se organizaram no MAB durante este período de trabalho

realizado no território. Vale ressaltar que boa parte dos atingidos entrevistados nesta

dissertação está vinculada ao movimento, de forma mais ou menos orgânica, encontrando

neste formato de organização popular uma possibilidade para reorganização das suas

vidas.

Quando pergunto aos atingidos o papel que o MAB estabelece no território, são

comuns os relatos que ressaltam que a presença do movimento na região, sobretudo no

momento de maior desamparo, ajudou a nortear o caminho e ajudar nos primeiros passos

diante do caos estabelecido. Para Fábio, o movimento social foi fundamental no

direcionamento e no acolhimento dos atingidos no primeiro momento, ajudando a

encaminhar as ações e a entender quais órgãos públicos poderiam acionar a fim de

reivindicar os seus direitos, a exemplo do Ministério Público e da Defensoria Pública. Ele

descreve o movimento como responsável por unir os atingidos e ajudar a encontrar um

caminho comum.

Fábio - Dois dias depois, aí entra o MAB na história, dois dias depois ou três

me parece, chegou o pessoal do MAB. Chegou Tales, com a Laura, Cláudio,

enfim, o pessoal do MAB chegou em Barra Longa, e a gente tava um pouco

perdido, né? Pra dizer a verdade, quem organizou, que deu os primeiros

caminhos, mostrou a forma que a gente deveria agir, foi o MAB. Ninguém em

Barra Longa conhecia o MAB. Aliás, eu, particularmente, nunca tinha visto

ouvir falar do MAB. Foi eles que nos deu a direção, foi eles que nos

encaminhou pra conversar com a empresa, de chamar a empresa, eles

acionaram o Ministério Público, a Defensoria Pública também, eles

organizaram as primeiras reuniões. Essas reuniões costumavam acontecer,

duas vezes por semana. Depois passou acontecer uma vez por semana, depois

de quinze em quinze dias, depois, hoje em dia tá de mês em mês. Essas reuniões

são interessantes...: Tem funcionado sim e muito bem. Ai de nós se não fosse

o MAB. Ai de nós que não fosse o MAB. Porque imagine um povo, é como

uma manada de boi solta no pasto, sem ter ninguém pra unir esses bois, pra

juntar esses bois no curral... O que aconteceu foi isso, né? Acho que não fosse

o MAB, nós estaríamos perdidos, estaríamos sem caminho. E essa luta deles é

uma luta até bonita né? É uma luta digna, correta, honesta.

Sandra: Eu fui numa audiência lá em Barra Longa, cheguei lá, o MAB me deu

a oportunidade de falar, me deu voz, pra falar do problema de saúde de Sara,

quando eu vi já tava na coordenação do MAB, eu já fazia parte do MAB, a

partir desse momento, porque o MAB é a nossa ferramenta de luta, né? Sem o

MAB em Barra Longa nós estaríamos frito. Assim, tem muita coisa pra

154

conquistar principalmente da área da saúde, mas as conquistas que teve em

Barra Longa foi através do MAB, porque nós moradores de Barra Longa não

sabíamos trabalhar com o coletivo. A gente aprendeu o coletivo através do

MAB. É porque era muito assim... Até então, Barra Longa era assim, você ia

resolvia o seu problema, era individual, aí o MAB nos ensinou que se a gente

organizasse, se o povo unisse, tinha condição de lutar por uma questão, através

naquele problema, tipo um mutirão, né? Que através do coletivo que a gente

iria alcançar o objetivo que todos queriam, entendeu?

Saulo: O MAB chegou nas nossas vidas como uma coisa nova, uma coisa

inédita. Chegou junto com lama da SAMARCO, e a gente pode dizer que

foram duas coisas, duas vertentes, uma má e outra boa. A lama da SAMARCO

veio e nos desmobilizou, tirou toda nossa tranquilidade, e no desespero, e ainda

no desespero, o MAB vem como uma luz, nos dando um norte, nos

organizando enquanto grupos, e dando à gente condição de lutar pelos nossos

direitos, ensinando a gente a ser atingido. A gente não sabia nem o que estava

acontecendo, ainda no calor do acontecimento, o MAB veio como uma mãe

que bota um filho no colo e ensina a dar os primeiros passos. Eu acho que sem

o MAB nós estaríamos nas mãos de quem causou todo o mal. De quem causou

as mortes e essas destruições de Bento Rodrigues até Regência. E o MAB é

essa ferramenta de luta que nós temos contra o crime da SAMARCO, contra

os criminosos da SAMARCO. E eu acho que o crime estaria estendido além

do que é porque se você prestar atenção, eu disse hoje, antes do meu monólogo,

que não houve um rompimento da barragem. Houve, a comporta se abriu no

dia 5 de novembro e a lama continua descendo até hoje. Então todos os dias

nós somos atingidos por essa mesma lama, todos os dias nós temos os nossos

direitos negados. Todos os dias nós temos os nossos direitos violados. E o

MAB vem nos amparando, sem eles nós seriamos soterrados por essa lama da

SAMARCO. E quem sabe muito de nós, voltaria e beijaria a mão dos nossos

algozes.

Neste contexto no território, de desassistência, morosidade, omissão do poder

público e em que os jogos de poder da empresa e do poder público se fazem presentes, o

movimento social surge como um agente externo, como alternativa e algo inédito para

parte dos atingidos. Através dos espaços promovidos pelo movimento, os atingidos

puderam desenvolver outras relações afetivas e possibilidade de expressão. Através das

reuniões promovidas e da cultura política preconizada pela organização (os valores

militantes, solidariedade, atuação comunitária, os elementos símbolicos presentes na

mística), foram promovidos no território espaços que favoreceram a troca de

experiências, a formação de vínculos e a compreensão de um problema comum. Para os

atingidos que se aproximaram do movimento, ele atuou enquanto mediador, ajudando no

restabelecimento dos laços comunitários, fragilizados na situação de desastre.

No caso de Sandra, o espaço político lhe deu protagonismo, “deu voz” a sua

demanda, silenciada, por exemplo, pela empresa que não a reconhece como atingida. Há

uma compreensão de que através do movimento, visto como instrumento de luta dos

atingidos, foi estabelecido um aprendizado a respeito do trabalho coletivo. Pode-se dizer

155

que a aproximação de Sandra se dá por uma vivência afetiva, de sentir-se acolhida e

também por ser um espaço onde poderia colocar as questões vivenciadas e o seu

sofrimento. A partir disso, se integra na organização, passa a compor as instâncias e avalia

que é através da organização coletiva neste instrumento que as conquistas poderão ser

realizadas.

Segundo Eulálio de Souza (2001, p.31):

O espaço dos trabalhos comunitários como local de construção de identidades

individuais e coletivas. Evidencia-se uma possibilidade de desenvolvimento da

auto-estima por sentirem possuidores de um saber e um poder, resgatados pelo

nível de participação e de decisão que são conquistados. Trabalhar a noção de

cidadania passa inevitavelmente pela necessidade anterior das pessoas se

conscientizarem do direito a vez e a voz. O exercício dos trabalhos

comunitários conduz a liberdade de expressão.

A vivência de desamparo, do não saber lidar com o que estava acontecendo, foi

canalizada no primeiro momento pela presença do movimento social no território, que se

estabeleceu como um espaço de confiança para os atingidos que se aproximaram. A

mudança da consciência que se deu através da organização não foi apenas do ensinamento

cognitivo de uma nova informação a respeito da realidade, mas afetivo, da aprendizagem

que se dá como “uma mãe que coloca o filho no colo e ensina a dar os primeiros passos”,

uma imagem referente a cuidado e acolhimento no processo de direcionamento dos

atingidos no território.

Saulo coloca ainda a Samarco e o MAB como antagonistas no processo do

desastre. De um lado, “a criminosa”; do outro, “a ferramenta de luta contra o crime”. De

um lado, “os algozes”; do outro, “nós, os atingidos”. O movimento, neste sentido, deixa

de ser algo externo e passa a ser um espaço de representação e pertencimento, um

instrumento de organização que favorece a resistência coletiva contra a mineradora.

f) A participação política e a produção de saúde ético-política

Através da participação política e do contato dos atingidos com os valores

preconizados pelo movimento popular, as pessoas vivenciaram experiências relacionadas

ao protagonismo, à solidariedade, à união, contrárias às ações da empresa que favorecem

a desmobilização e a invisibilização do sofrimento em nome dos seus interesses.

Rosa (2013) destaca a importância da afetividade para compreender por que os

sujeitos se engajam em movimentos e organizações que promovem a atividade política.

156

No caso do desastre do rompimento, a organização política em um movimento social

pode ser compreendida, sobretudo, pelas demandas afetivas, e não somente materiais,

geradas pela situação de crise estabelecida. Através do espaço coletivo promovido na

ação política, aspectos subjetivos foram transformados, relações estabelecidas, pautadas

em valores como solidariedade, e o sentido de vida pode ser ainda formulado, sendo

direcionado agora para a luta em prol dos direitos não só individuais, mas coletivos,

promovendo em última instância saúde ético-política (SOUZA, 2012, FERNANDES,

2010).

Saulo: Olha, o homem, se ele abaixa a cabeça, ele fica mais frágil, fica mais

suscetível, mais fácil de ser dominado, não só pela empresa, mas pela

depressão, doenças. Eu acho que a luta fortalece o homem e cria anticorpos

dentro dele para que ele não fique tão fragilizado. E eu posso dizer que foi o

MAB que nos ensinou a ser fortes e ajudou a criar anticorpos dentro da gente

pra que a gente não fragilizasse e não entrasse em depressão ou não morresse

diante disso. Porque mesmo aquele que está um pouco de depressão, mesmo

aquele que está fragilizado, eles tem o apoio dos outros que estão fortalecidos.

O MAB é pra mim um antidepressivo. Ele dá trabalho, ele nos valoriza, ele

mostra pra gente que somos capazes de brigar contra esse gigante, mesmo o

gigante sendo Golias e a gente sendo Davi.

Saulo relata esse papel da luta na promoção de saúde e de enfrentamento a

depressão e a morte inerente a condição de padecimento, sofrimento e desistência. A

participação social fortalece o sujeito psiquicamente (MONTERO, 2003). A luta é sentida

e significada como anti-depressivo, que valoriza o sujeito e o fortalece. Mesmo a Samarco

sendo considerada “um gigante”, os atingidos que se mobilizaram coletivamente

passaram a se sentir mais confiantes para o enfrentamento. Como já apresentado por

Sawaia (2014), sentir-se valorizado é de extrema importância para os sujeitos e não se

separa do desejo de realização material.

Se o adoecimento, a depressão, a fragilidade se relacionam dialeticamente com a

diminuição da potência de ação, a saúde também é produto de ações que aumentam a

potência de ação, da ordem da potência de vida. No território, os espaços de resistência e

reorganização comunitária se configuram como espaços de promoção de saúde ético-

política e mudança objetiva e subjetiva da realidade dos sujeitos (SOUZA, 2012).

A vivência da participação política dos atingidos no movimento social produziu

transformação subjetiva e nos sentidos de vida. O processo saúde-doença, por exemplo,

ganha um novo sentido. O desastre provocou adoecimento, enquanto a luta promove

saúde. A atividade promovida pelo movimento, o trabalho e a ação transformadora

157

promoveram saúde ético-política e aliviaram o sofrimento relativo aos impactos

promovidos pelo desastre.

A saúde é uma condição eminentemente sócio-histórica e, portanto, ética, pois

assegura que a saúde decorre das relações e da convivência humana. Partindo

dessa premissa, Sawaia propõe analisar a saúde como potência de ação e força

de vida, isto é pela capacidade de afetar e ser afetado por um outro sujeito nas

infinitas modalidades de encontro que registram nossa existência como ser

social e histórico. Dessa maneira, a partir dos encontros vividos, há

possibilidade de o sujeito desabrochar a sua capacidade de agir, pensar e sentir

a partir de seus anseios, de forma a perseverar em sua existência. Assim,

configura-se não apenas como a possibilidade de ter esperança, mas de

transformá-la em ação. Nessa composição, o passaporte para se acessar a nova

condição está nas trocas em que se pode afetar e, do mesmo modo, que se é

afetado, pois, a partir das trocas e significados, construídos socialmente, o

homem acessa a possibilidade para evoluir de um estágio a outro. Desse modo,

o movimento saudável se dá pela forma de espiral, que implica,

necessariamente, libertar-se do estágio atual para alcançar uma esfera superior

que lhe proporcione expansão. Ter saúde significa viver para a ação, para o

movimento (SAWAIA, 1999 apud MOLER, 2011, p.40).

g) O reconhecimento enquanto sujeitos de direitos, o enfrentamento e os

desafios

A ação coletiva, também ajudou na reorganização subjetiva desses sujeitos,

oferecendo um novo sentido para vida. Através da organização dos atingidos o fenômeno

ganhou outro significado. As contradições existentes entre as informações trazidas pela

mineradora e a vivência dos atingidos, permitiu que estas impressões fossem

confrontadas. Os atingidos que se sentiam lesados puderam dar outro significado às ações

da empresa, compreendendo a razão e os jogos de interesses por trás das suas ações.

Através desta compreensão, também foi modificada nos atingidos a percepção de si, que

ao se compreenderem enquanto atingidos, se entendem também, enquanto sujeitos de

direitos.

Sandra, por exemplo, avalia a omissão do poder público e as ações da Samarco

através do viés de que possui direitos que estão sendo violados, sobretudo com relação a

sua situação de saúde. Na sua fala, pode se perceber a compreensão entre alguém que

nega a visão de caridade e que está recebendo uma ajuda e alguém que tem a consciência

de ser detentora de direitos.

Sandra: Ela não vai a nenhuma reunião. O Prefeito também não vai. Aí em

uma das últimas reuniões, a doutora C. falou pra que eu procurar o SUS, e que

se eles não dessem a vacina, que eu pegasse por escrito. Passou uns dias, a

cunhada da secretária da saúde me chamou no meio da rua e falou: ”Ei, venha

cá, eu falei com a secretária de saúde pra ela fazer uma caridade pra sua filha

158

e dar a vacina pra sua filha...” Aí eu falei, não, caridade não. Eu preciso de

justiça. É um direito pra minha filha fazer o tratamento. Caridade não. Eu não

preciso, eu não quero caridade. Eu quero que ela seja reconhecida. Que ela está

doente por causa da lama e que ela precisa de tratamento. Caridade, não. Se eu

quisesse caridade, eu saía pedindo esmola no meio da rua. É um direito dela,

tá garantido pelo estatuto da criança, direito a tratamento, à saúde, a viver coisa

que minha filha não tenha vivido. Ela é prisioneira dentro de casa, por causa

da Samarco.

A práxis política dos atingidos trouxe a concepção de que a conquista dos direitos

e da justiça se dará através da organização coletiva e também através de estratégias de

luta, sejam atos políticos, manifestações, reivindicações, e da própria organização

coletiva. Neste caso, assumir a identidade de atingido e o reconhecimento de ser atingido

também representa uma tomada de consciência com relação aos direitos perdidos.

Sandra - Sim. No MAB, eu luto por justiça porque eu acho que a criança tem

direito garantido pelo estatuto da criança que não tá sendo respeitado pela

Samarco. E eu acho que deveria ser respeitado, entendeu? Porque ela é muito

pequena. Ela tem a saúde, assim, frágil. No caso, todas as reuniões que ia, eu

estava falando sobre a saúde, até então eu estava sozinha, era eu sozinha

lutando, como se diz, era uma formiga no meio de uma manada de elefante, aí

a partir do momento que D. foi pra Barra Longa, a gente passou a conversar

junto com ela e junto com MAB a gente criou o Coletivo de Saúde, que tem

fortalecido cada dia mais, mais pessoas já vão aderido ao grupo, a partir disso

foi feito uma ação no Ministério Público, a partir desse grupo, grupo coletivo,

passou a reconhecer que as pessoas realmente estão doentes em Barra Longa,

que precisa de uma atenção especial, aí o Ministério Público passou a enxergar

o problema de saúde a partir do Grupo Coletivo de Saúde.

A criação do Coletivo de Saúde de Barra Longa41 é um exemplo deste salto

qualitativo gerado pela organização dos atingidos da cidade, que diante da não resposta

do Estado, dos órgãos públicos e da mineradora, se organizaram em um grupo,

escreveram um manifesto colocando as suas reivindicações e colocaram as questões de

saúde dos atingidos em visibilidade, despertando inclusive a atenção do Ministério

Público para a resolução da questão.

A organização dos atingidos e as diferentes estratégias de lutas adotadas

garantiram conquistas materiais que não estavam dadas antes, promoveram mudança

objetiva no território e também subjetiva. O sentimento de auxílio aos outros atingidos,

41“O Coletivo de Saúde é um espaço organizativo do MAB que tem se reunido há alguns meses construindo

protagonismo entre os atingidos e buscando alternativas para pautar a Samarco e o poder público. Eles tem

que garantir o direito à saúde dos atingidos em meio ao caos instalado há um ano dentro da pequena cidade

de menos de 6 mil habitantes.”Ver “Carta dos atingidos pela Samarco pelo direito à saúde” (MAB, 2016e).

159

de estar fazendo algo bom para a comunidade como um todo, e também de sentido de

futuro podem ser considerados frutos da conquista dos direitos através da ação coletiva

dos atingidos.

Carlos: Um filme que a gente vai vivendo a cada dia, a gente só consegue

alguma coisa se a gente lutar. Tudo conquistado pelos atingidos foi através do

MAB, Ministério Público, Comissão dos Atingidos, depois de várias reuniões

com a empresa discutindo.

Fábio: Por exemplo, a Samarco, a princípio deu 40 cartões de benefício. Só 40

cartões. Com a interferência nossa do MAB aí passou pra 200 e tanto cartões.

Então, a ação do MAB, a presença do MAB, foi de suma importância, então

foi a partir daí, que eu também sou MAB, e muita gente da cidade é MAB.

Agora, é um trabalho assim, acho até que muito árduo, porque é uma briga

entre gato com rato. Bom, o movimento é isso que eu tô dizendo. O movimento

foi o caminho. Foi o caminho mais certo. Porque imagina bem, mesmo se não

tivesse o movimento, nós conseguimos muita coisa com o movimento. E se

não tivesse o movimento no meio, como é que a gente ia arrumar?

Marcelo: A soma disso com o MAB, conseguimos ajudar muitas pessoas,

conseguimos resgatar direito de muitas pessoas. Nós fizemos requerimentos de

momentos, no primeiro momento nosso, de imediato, dentro do Paracatu de

Baixo, sessenta e quatro pessoas excluídas, se a gente for somar as pessoas que

a gente conseguiu ajudar hoje, na região do Paracatu de Cima e Paracatu de

Baixo, vai dar uns cento e cinquenta, depois que a Samarco já tinha

reconhecido pessoas. Existem pessoas que a gente conseguiu fazer que elas

fossem reconhecidas há dez dias, pessoas que moravam dentro da Comunidade

de Paracatu que ficavam lá isoladas, famílias que ficaram doentes com câncer,

tinha que andar dez quilômetros pra comprar um pacote de arroz, antes ele

comprava dentro da comunidade, a Samarco tirou essa pessoa de lá dez dias

atrás. Foi reconhecer como atingido dez dias atrás. Depois da gente tanto

insistir, o Ministério Público abraçou o movimento. A gente o MAB, nós. Hoje

eu me sinto o MAB. Eu me identifico muito com o trabalho do MAB. Eu acho

que dá prazer de fazer. A gente sente que a gente tá fazendo o bem.

Através do protagonismo e da união dos atingidos, foi possível pressionar a

empresa e o Estado, promovendo mudanças concretas na realidade, aumentando por

exemplo, o número de atingidos reconhecidos ou, através do ato político de levar 64

atingidos para a Samarco em uma ocupação até que o problema fosse solucionado. As

diversas estratégias de enfrentamento adotadas, ajudaram os atingidos a saírem da posição

de completa impotência e submissão diante das ações que representam os interesses e os

desmandos da empresa e do Estado.

Marcelo - Então a gente começa a trabalhar com essas pessoas. E assim que a

gente conseguiu a organizar e fazer que a gente conseguisse força. Porque

quando a gente organizou sessenta e quatro, nós levamos sessenta e quatro

dentro do escritório da Samarco. Nós paramos o escritório e fomos escutados.

160

Fomos enrolados, mas fomos escutados. Mas muitos desses sessenta e quatro

começaram a ser incluídos ao longo do tempo. Então o trabalho de organizar é

muito difícil. Acho que o atingido tem que ter essa consciência, que se ele não

tiver organizado, ele vai ser lesado, vai ficar muito direito pra trás. Eu tô na

luta. Acredito que a gente vai conseguir muita coisa, eu tenho fé nisso. Por isso

que eu continuo lutando.

Apesar das conquistas concretas, a organização no movimento social não é uma

realidade da maioria dos atingidos e como aparece nos relatos, e organizar as pessoas é

difícil. Os desafios são recorrentes e perpassam pelo que já foi apresentado, as ações da

empresa que visam à desmobilização nos territórios, a desconfiança dos atingidos com

relação aos movimentos sociais e como a realidade se dá localmente.

Marcelo entende que, se os atingidos estivessem organizados, a pressão e as

conquistas seriam maiores, mas diante de um cenário de domínio da Samarco e

desconfiança com relação ao movimento, poucos atingidos se engajam. É mais fácil

aproximar aqueles que estão com demandas materiais mais latentes, que se aproximam

da organização a partir das pautas concretas e para conquistar os direitos. São os

“excluídos da Samarco” e incluídos no movimento.

Marcelo - Eu acho que se os atingidos estivessem mais organizados, muitos

direitos talvez que ficou pra trás teria sido adquirido. A Samarco tem um

domínio muito grande sobre a cidade de Mariana e sobre a população em geral.

A empresa tem medo do movimento, ela tenta jogar uns contra os outros,

denigre a imagem do MAB. A organização é muito importante e a gente tem

uma dificuldade muito grande de conseguir organizar um número de pessoas

maior, porque a gente consegue lidar com aqueles que foram excluídos, porque

eles abraçam qualquer coisa naquele momento, então quando eles encontram

o MAB, é uma porta que eles estão encontrando. Excluídos da lista da

Samarco. Eles se sentem excluídos da lista dos atingidos. Talvez, totalmente

atingido, excluídos de ser atingido.

De forma geral, a aproximação no movimento se dá através da demanda concreta

e à medida que ocorre a integração nos espaços, nas reuniões e ações políticas, outras

demandas também são atendidas, como as de protagonismo, cidadania, pertencimento e

fortalecimento subjetivo. No território, a organização, a luta e as conquistas objetivas têm

atuado como espaço potente de promoção da saúde ético-política.

h) A luta é de todos!

A organização popular promoveu alteração da consciência dos sujeitos das regiões

atingidas no momento em que ajudou a ampliar a percepção do fenômeno, conhecendo

161

outros determinantes que estavam ocultos. A formação política, a compreensão das ações

da empresa e do Estado e a percepção do desastre como um acontecimento não natural,

significado como crime pelos atingidos, ajudou na ampliação do sentido da luta e no

reconhecimento de que outras pessoas vivem processos similares de exploração e

sofrimento ético-político e conquistaram direitos através da organização. O sentido da

luta amplia, passando a ser não só pela reparação individual, mas coletiva.

Sandra - Igual eu falei pra D., esse encontro tá sendo bom, porque ajuda a

espairecera cabeça da gente um pouco, sair da rotina de Barra Longa, eu falei

que a gente tá vivendo um campo de guerra, um campo minado. Você vê outros

atingidos, você conversa, ajuda sim. Você vê que a luta não é só sua, que tem

outras pessoas engajadas na mesma luta, nesse mesmo impulso, dessa mesma

força. Fortalece né? Agora eu não tô lutando só por mim. Eu tô lutando por

outros. Não é só por mim. Luto por mim, pelos meus filhos e pelos filhos de

outras mães.

Fábio - Aí que está a interferência do MAB no meio da coisa toda. Essa é a

nossa luta para que atingidos sejam reconhecidos como atingidos, que todos

sejam reconhecidos como atingidos, que todos são. Que eles paguem à

sociedade aquilo que eles devem. Primeiro os atingidos. Tem que pagar pra os

atingidos primeiro. Todas as perdas.

Marcelo - A luta eu acho que não pode acabar, porque a gente não pode deixar

isso pra os nossos filhos. A gente tem que lutar por um mundo melhor pra

todos. Tem pessoas que ficam destruindo tudo em nome do poder econômico.

Será que os filhos deles vão poder gastar esse dinheiro no planeta, ou eles vão

mudar, vão levar isso pra outro planeta, pra gastar essas fortunas, que eles têm

arrecadado destruindo tudo pra conseguir. Então, a gente tem que continuar

lutando pra deixar um mundo melhor pra nossas crianças.

Saulo: Eu acho que segundo Jesus Cristo até o demônio tem o seu lado bom.

Então eu escrevi até um lance uma vez sobre o lado bom da lama. E o lado

bom dessa história é que a gente é capaz de se unir, que a gente é capaz de

vencer o inimigo, que a gente é capaz de lutar, que a gente é capaz de se

organizar, nós conhecemos outras pessoas, outros atingidos de outros lugares,

e vimos que a realidade não é só nossa, que o Brasil está cheio de pessoas

atingidas. Atingidos pelas mineradoras, atingido pelas hidroelétricas, atingidos

por esse sistema sócio econômico que o Brasil adotou, atingido pelo golpe.

Esse povo existe. A gente via esse povo só pelo jornal, agora nós vimos que

esse povo existe, que esse povo tem nome, esse povo tem cara, que é capaz da

gente tocar nesse povo. Esse povo dá a mão pra gente, esse povo abraça a gente,

e são figuras reais, não são figuras da televisão que a gente via antes. Os

atingidos dos outros locais, os atingidos da nossa cidade, das outras cidades,

dos outros estados, das outras regiões. Então é um Brasil de atingidos que tá se

encontrando e tudo isso é através do MAB. Então a gente vai vendo que a coisa

é muito maior do que se pensa, porque existem várias barragens, existem vários

rejeitos, existem várias formas de ser atingido.

A organização coletiva abrangeu o sentido da luta para os atingidos. Para Sandra

o sentido de lutar ultrapassa sua realidade, agora é por seus filhos e os filhos das outras

mães. Saulo ressalta a contradição presente no desastre. Através do desastre, processos

162

de luta coletiva foram impulsionados, se configurando como “o lado bom da lama”. A

união dos atingidos, conhecer a realidade de forma mais ampla, perceber que o

acontecimento está relacionado com uma cadeia produtiva de escala global, que produz

atingidos em todo mundo, e tomar conhecimento da existência de outros atingidos de

forma real, que “tem nome, tem cara, que é capaz da gente tocar nesse povo” faz com que

o sentido da luta alcance outra dimensão. Ela passa a ser concreta, ampliada, de um

“Brasil de atingidos”, por todos e de todos.

Neste sentido, a Luta favoreceu a construção de um horizonte comum, ajudou a

dar sentido para a vida, e a projetar o futuro. Se por um lado, o desastre desestabilizou a

vida cotidiana e o senso de futuro, por outro, a organização favoreceu a projeção, a

construção de um ideal comum de luta coletiva. Quando pergunto o que os atingidos

almejam daqui para frente, aparece nos relatos seguir na luta por justiça, para que todos

sejam reparados em seus direitos violados.

Fábio: Pra mim o sentido é fazer com que eles paguem a quem eles devem,

né? Os atingidos, que eles respeitem os atingidos, que paguem todos os

direitos, né? É isso... fazer com que eles reponham tudo aquilo, tem muita coisa

que não pode ser reposta, né? A dignidade das pessoas, aqueles que perderam

famílias, pessoas que morreram, perderam as casas, documentos, muitos

perderam a memória, né? Isso não tem recuperação pra isso. Isso não tem

dinheiro que pague. Eu acho de suma importância o MAB realizar esse

encontro aqui em Mariana, de um ano, porque, isso faz com que as pessoas do

nosso Brasil, as pessoas, têm muito representantes de fora de outros países, que

eles vejam essa nossa luta né? Que eles sintam de perto o que é que tá

acontecendo com a gente, pra que o mundo não esqueça, e pra que essas

empresas, esses governantes, esses nossos legisladores, coloque na cabeça que

tem que mudar esse sistema de mineração, não é? Fazer uma coisa assim, uma

mineração mais responsável. Deve ter um meio né? Só que esse meio

normalmente, esse meio fica muito caro, né? Então, eles optam pelo mais

barato. E é esse mais barato que arrebenta com a comunidade. É isso aí, eu

acho que é válido esse encontro que tá completando um ano desse crime dessas

empresas e tomara que ninguém se esqueça disso tão cedo, né? Que a nossa

memória não seja curta.

Sandra: A gente precisa de justiça. Será que ninguém vai ser punido, ninguém

vai ser responsabilizado? Não vai ter justiça pra SAMARCO? Só vai ter Justiça

pra o cidadão comum, um trabalhador assalariado com dois salários mínimo?

Carlos - Na comunidade que eu me sinto, vou lutar ate o final, até ver o povo

feliz de novo, e eu não sei o meu caminho. Meu caminho, Deus está guiando

ele. Não sei. Só o futuro vai dizer. (...). É uma luta pacifica, de lutar pelos

direitos, mas também, ter a paz ao mesmo tempo. Porque hoje, a gente faz

sentir que a gente tá numa guerra. Mas não é isso que a gente quer. A gente

quer a paz, a humanidade, a amizade. Por que guerra? Não fui eu que quis vir

pra aqui com espontânea vontade agora trazendo essa discórdia. Quem foi? Foi

graças a um trabalho mal feito.

163

A luta por justiça, pela denúncia de um modelo de exploração predatório, em

busca de um outro modelo de exploração mineral “mais responsável” que respeite as

comunidades e o seu modo de vida. A luta passa a ser pelo direito a memória e pela

felicidade da população atingida. Diante da “guerra” provocada pela Samarco, Carlos

almeja lutar pela “paz, pela humanidade”, pelos laços comunitários perdidos. A luta dos

atingidos se refere a sua realidade local, mas também expressam valores de uma luta mais

ampla por outro modelo de sociedade, onde as condições de produção de sofrimento, que

é o modo de produção capitalista, sejam superadas. A partir desta concepção a identidade

de resistência, pode vir a transformar-se em identidade de projeto (CASTELLS, 2001).

A ação social promovida pelo movimento se configurou como importante

categoria de mediação entre o sujeito e a realidade. Através da práxis política, os sujeitos

se transformaram em ser social, se modificaram no processo, à medida que também

transformaram e se reconheceram como agentes de transformação da sua realidade. O

movimento social se configurou, neste território assolado por um desastre de altíssima

magnitude, como um espaço da ação política e também espaço potente de reconstrução

dos laços comunitários, promoção de saúde e cidadania para parte dos atingidos.

A partipação política no movimento social, ainda auxiliou na re-elaboração de

significados e sentidos, permitindo uma transformação no drama dos sujeitos e da

vivência. O sentido do desastre pode ser ampliado da representação não somente

individual e singular, transformando-se em um fenômeno de ordem comum, que

repercutiu socialmente e desestruturou comunidades inteiras.

Através organização da população atingida pelo rompimento da barragem do

Fundão foi possível ainda estabelecer uma práxis política que modificou o território,

canalizando o sofrimento em prol de uma luta comum e de uma ação política concreta na

realidade, gerando potência de vida e de ação. O drama da luta é de outra ordem porque

é potencializador, reorganiza a vida das pessoas porque permite compreender o luto em

outra dimensão, a do enfrentamento. A vida mantém sua precariedade, mas ao reconhecer

na luta coletiva o caminho por melhorias, os sujeitos que estão organizados se encontram

mais preparados para enfrentá-la.

164

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Nossas florestas, nossa água, nosso rio não se vende

Nossas florestas, nossa água, nosso rio se defende

Nosso projeto é da vida, nosso projeto é do novo

Não é dos capitalistas, ele é do nosso povo

Nossa luta é no campo, nossa luta é na cidade

O projeto é para o povo, para uma nova sociedade

Levanta povo, olha o novo que começa a despertar

É a força e a beleza do Projeto Popular...”

(Transformação Popular – Jadir Bonacina)

O crime socioambiental produzido pela mineradora Samarco, na região da Bacia

do Rio Doce, denunciou à sociedade brasileira o modelo de exploração mineral,

predatório e expansionista de alcance mundial, vigente no país desde o período colonial.

Sustentado por um sistema de produção que lucra às custas da extração das riquezas

minerais finitas e da força de trabalho de milhares de trabalhadores precarizados e

terceirizados, que em nome do lucro, destrói comunidades, modos de vida e o meio

ambiente.

O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos maiores produtores de minério de

ferro do mundo, sendo Minas Gerais o estado brasileiro que concentra a maior reserva de

nióbio do país. O chamado ouro negro brasileiro é responsável por 92,6% das exportações

de minério brasileira e toda produção realizada visa abastecer o mercado global, não

ficando nada em solo brasileiro.

A arrecadação através da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos

Minerais (CFEM), imposto pago a União relativo à exploração de minério, é ínfima

quando comparada ao lucro anual das mineradoras. A Vale S.A, privatizada no governo

Fernando Henrique Cardoso comanda aproximadamente 85% da produção e exportação

de minérios no Brasil e somente no primeiro trimestre de 2016 lucrou o montante de

aproximadamente R$ 6,3 bilhões, obtendo o número recorde de produção trimestral da

sua história (VALE, 2016).

O rompimento da barragem do Fundão pertencente a mineradora Samarco S.A, de

propriedade da Vale S.A (50%) e BHP Billiton (50%) não foi um acontecimento

dissociado deste contexto e muito menos acidental. O rompimento do Fundão, assim

como as outras barragens de rejeitos que já romperam no país (sete somente em Minas

Gerais) e das outras centenas com risco real de rompimento, revelam e anunciam o final

165

do ciclo chamado por diversos estudiosos de “boom das commodities”, período em que

o preço do minério alcançou valores elevadíssimos, acarretando no aumento da extração

e produção de minério de ferro e consequente aumento da quantidade de rejeitos de

mineração e de barragens para armazenamento destes rejeitos (PoEMAS, 2015).

O ciclo de crescimento das exportações dos últimos dez anos, gerado pela crise

econômica mundial, culminou em uma consequente diminuição das receitas. Sob pressão

dos acionistas para não perderem a margem de lucro, a estratégia adotada pelas

mineradoras foi a de expansão e aumento da produção, contruindo mais barragens,

abrindo novas minas, precarizando os contratos de trabalho e aumentando a contratação

de trabalhadores terceirizados e quarteirizados. Além de cortes de custos com

monitoramento e segurança das barragens e com as condições de trabalho (PoEMAS,

2015).

Todos estes elementos associados ao fato já comprovado através de laudos

técnicos, de que a Samarco possuia conhecimento do risco de rompimento da barragem

do Fundão e das suas outras duas barragens (Santarém e Germano), além do

descumprimento das exigências do licenciamento da obra de construção da barragem,

construiu o cenário de um crime socioambiental, que de forma perversa e atendendo

somente aos interesses do capital internacional destruiu, soterrou, matou e escancarou a

contradição de um sistema que se sustenta através da desigualdade e da máxima da

exploração.

Neste contexto de tragédia anúnciada e de violação de direitos fundamentais, os

movimentos sociais populares se colocam como alternativas de organização das

coletividades que vivenciam de forma comum os impactos do sistema de produção

capitalista. Seja na luta pelos direitos, acesso e cidadania, seja na luta revolucionária pelo

poder, os movimentos sociais populares, sobretudo, os movimentos que surgem na

América Latina, entre as décadas de 1970 e 1990, associando diversos setores

progressistas da sociedade, funcionam como espaço de expressão da luta de classes e

disputa do Estado burguês (MACHADO, 2016).

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atua há 26 anos em localidades

atingidas por barragens, promovendo espaços de organização popular para reinvindicação

dos direitos dos atingidos junto às empresas responsáveis e ao poder público. No contexto

do desastre da Samarco na Bacia do Rio Doce, a organização está estabelecida em toda

região desde o primeiro dia do acontecimento, construindo redes e auxíliando em todo

processo de enfrentamento em conjunto com os atingidos.

166

Vale ressaltar, que uma situação de desastre produz diversos impactos

psicossociais expressos e vivenciados de forma singular por cada sujeito. O sofrimento

psíquico é esperado diante um fênomeno que não é esperado. O desastre provocou ao

conjunto das populações atingidas a desorganização e a ruptura brusca nos modos de vida,

acarretando em danos simbólicos e imateriais irreparáveis, que de forma geral são

secundarizados em detrimento da visão patrimonialista que a empresa possui focando,

quando o faz, no ressarcimento material, através das indenizações (TEMPS, 2013).

O presente estudo adotou perspectiva teórica e metodológica da Psicologia Sócio-

Histórica para compreender o funcionamento do psiquismo, enquanto produto da base

material da sociedade e constítuido no bojo das relações sociais e culturais, rompendo

com a visão dicotômica entre sujeito e objeto, para compreender a subjetividade enquanto

síntese destas múltiplas determinações, composta de sentidos e significados, emoções e

pensamentos que motivam a ação no mundo.

Com o objetivo de apreender a realidade vivenciada no território, a pesquisa foi

realizada nos moldes da observação participante, em três imersões que possibitou o

contato com a realidade, com as tensões, contradições presentes no local. Além de

priorizar as narrativas formuladas pelos próprios atingidos da sua vivência. Buscando

com isso compreender o drama, conhecer o fenômeno na sua totalidade e complexidade.

Através da pesquisa o material de análise foi separado em unidades de sentido,

que pudessem apresentar a ideia contida na palavra dicionarizada (o significado), e

também o sentido, que é da ordem da singularidade, assim como o subtexto oculto que

revelam os afetos que motivam a ação e o pensamento.

A categoria Lama e Luto: o sofrimento: a vivência do trauma psicossocial e o

sofrimento ético-político, abarcou as seguintes unidades de sentido: a) A condução do

processo pela Samarco e o poder público; b) Ser atingido; c) Perda da atividade, do modo

de vida e do território e d) O adoecimento e o sofrimento emocional. Unidades de análise

que revelaram a vivência do acontecimento atravessado pela produção de sofrimento

ético-politíco (SAWAIA, 2014) e também do trauma psicossocial (MARTÍN-BARÓ,

2000). Ambos que se constituem de forma dialética e são frutos da base material da

sociedade e do seu modo de produção, injusto e excludente. O desastre provocado pelo

do rompimento da barragem do Fundão, considerado por diversos autores como desastre

tecnológico, carrega em si a negligência e a irresponsabilidade da ação do homem.

As unidades de sentido encontradas se referiram a potência de padecimento

promovida pelo sofrimento da experiência traumática e a retraumatização dos atingidos

167

no território que derivam das ações da mineradora e do poder público, da condição de

adoecimento físico, da perda da atividade, do modo de vida, do território e das relações

sociais. O desastre provocou ao conjunto dos atingidos o sentimento de luto, representado

através dos afetos dolorosos, como, desânimo e sofrimento.

Já na categoria Luta, o enfrentamento e a transformação da realidade, foi possível

conhecer a vivência dos atingidos organizados políticamente em um instrumento político,

o MAB, alojado na região logo após o acontecimento. Através das respectivas unidades

de sentido: e) Resistência: a organização política dos atingidos no MAB; f) A participação

política e a produção de saúde ético-política; g) O reconhecimento enquanto sujeitos de

direitos, o enfrentamento e os desafios; e h) A luta é de todos!

Os atingidos que se integraram ao movimento, a partir da organização coletiva,

puderam relaborar as suas vivências a respeito do desastre e atribuir novos sentidos e

significados a percepção de si e da realidade. Reconhecer-se enquanto atingido neste

contexto, foi um caminho para a construção de uma identidade de resistência

(CASTELLS, 2001), passando ao reconhecimento de si mesmo enquanto sujeitos de

direitos.

Aqueles que vivenciam o sofrimento ético-político que deriva da invisibilidade

social, puderam vivenciar o sentimento antagônico através da organização coletiva. A

luta através do movimento popular forneceu espaços que possibilitou o protagonismo, a

valorização dos sujeitos, o direito a voz e a informação e a ocupação do espaço público.

Além dos espaços de formação política que promoveram alteração na consciência

e na percepção do fenômeno. O espaço público, local da práxis política e comunitária

possibilitou o restabelecimento e o surgimento de novos laços sociais no território e a

construção de um novo sentido para a vida, a luta por justiça e pelos direitos. Através da

construção de novos vínculos e da perpetuação de novos valores como solidariedade,

união, trabalho coletivo, o sentido da luta se torna mais abrangente, a luta ultrapassa o

interesse individual. A luta é de todos e para todos!

A organização da população atingida se configura ainda como uma alternativa de

produção de saúde na perspectiva ético-política, pois produziu bons encontros e aumentou

a potência de vida e de ação dos atingidos. A luta fortelece os sujeitos psiquicamente

(MONTERO, 2003) e os ajuda a lidar com as enfermidades, com a depressão e o

sofrimento decorrente da situação traumática (FERNANDES, 2010; SOUZA, 2012;

CAMPOS, 2015).

168

Sendo assim, frente ao poder econômico e político que a mineradora possui na

região e da contínua a condição de precariedade e violação de direitos estabelecida em

toda região atingida, vide o consumo de água contaminada nas cidades do Espírito Santo

e do continuo contato com a lama de rejeitos e com os metais pesados presentes no solo,

na água e no ar. A organização dos atingidos no MAB colaborou para o fortalecimento

psicossocial e para auxíliar na transformação subjetiva e também da vivência do desastre.

Apesar das condições de violação ainda seguirem vigentes, através da organização

coletiva os atingidos sentem-se um pouco mais fortalecidos e em outras condições de

enfrentamento, gerando conquistas objetivas nos territórios, a exemplo da assessoria

técnica para os atingidos, da inclusão de pessoas que estavam excluídas da lista oficial de

atingidos da Samarco e também na diária denúncia de escala global, nas universidades,

forúns e eventos, do maior crime ambiental da história do Brasil.

Por fim, é importante considerar a simbologia ao redor da Lama, que chocam a

todos nas imagens nas regiões atingidas. Nas religiões de matriz africana, a Lama, a

mistura de água com terra, é um dos elementos da natureza regido por Nanã, orixá

feminino da criação e da vida. No cristianismo a origem do homem é atribuida a lama, ao

barro, de onde tudo nasce, tudo vem. É da lama dos manguezais que a reprodução da vida

se dá. A Lama é ventre, o útero do mundo.

A Lama da Samarco, no entanto, apresentou um projeto de morte, de destruição

da natureza e das vidas humanas, a lama que denúncia um modo de produção predatório,

excludente que sustenta o lucro, a ganânica e o poder de poucos em detrimento de uma

população que historicamente resiste nesta região.

A Lama da morte traz com ela sofrimento, que é coletivo, ético-político, traz

destruição, impactos diversos, o Luto. Mas, como todo fenômeno carrega em si a

contradição, em toda Lama reside também a potência da vida, e foi através dos encontros

que se deram após o desastre, das relações de solidariedade estabelecidas, dos laços

constituídos a partir da perda, o contexto da Lama se tornou material fértil de surgimento

da resistência, da criação, da reconstrução e da projeção de um novo sentido para a vida.

A Luta ressignificou a Lama, a Luta transformou a Lama em cenário de

enfrentamento. A Luta, enquanto, o espaço da resistência coletiva, da união, da

solidariedade e também de tensões que visam a mudança objetiva e também subjetiva, no

contexto do desastre da Bacia do Rio Doce, ajuda a promover saúde ético-política,

potência de vida e ação.

169

Da Lama ao Luto e à Luta, uma relação dialética, imbricada e em constante

transformação gestou novos sujeitos, marcados pelo sofrimento social, mas implicados

na transformação do amanhã. A Luta organizada em um instrumento político, como o

movimento social, não é uma a realidade para a maioria dos atingidos da região do rio

Doce, que não enxergam na luta política uma como possibilidade de resolução das

problemáticas advindas do desastre. Contudo, para os atingidos que se organizaram e se

colocaram em mobilização representou um norte, caminho para restabelecimento

comunitário, fortalecimento psicossocial e participação cidadã.

170

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185

ANEXO A – RELATÓRIO DE ATIVIDADES, PRODUTOS E IMPRESSÕES DA

BRIGADA DE SOLIDARIEDADE EM SAÚDE DA REDE DE MEDICO/AS

POPULARES.

DIAS 22 a 24/11/15 - MARIANA-MG

Descrição das atividades

23/11 (Segunda-feira)

No inicio da segunda semana da brigada de solidariedade estavam presentes os médicos

(as) Daniel Sabino, Pamela Velásquez, Ellen Rodrigues, Leandro Araújo, Joelson,

Miriam; Camilla Veras e Caio Teixeira (comunicador). Ficamos alojados em Passagem

de Mariana, distrito próximo à cidade de Mariana, não atingido diretamente pelo

rompimento da barragem.

Para compreender o panorama, conversamos com P. (dona da pousada que nos

cedeu alojamento em solidariedade). Patrícia é a presidente do Conselho Municipal de

Saúde, liderança popular e integrante recente do MAB (Movimento dos Atingidos por

Barragens). Mobilizada, nos traz varias informações sobre o panorama geral do desastre,

os territórios atingidos diretamente como Bento Rodrigues, Barra Longa e Paracatu de

baixo e indiretamente como a Sede de Mariana/MG.

P. nos relata o aumento da circulação de pessoas – voluntários de várias

organizações, pesquisadores, jornalistas, de autoridades. Alto volume de doações, volume

muito superior a capacidade de distribuição e do que a demanda. Fala das movimentações

da Samarco e das condições de saúde dos atingidos hospedados nas pousadas e hotéis.

Em Passagem de Mariana estão 34 pessoas alojadas em duas pousadas e uma casa.

Ao todo foram 630 pessoas desabrigadas oriundas da cidade de Bento Rodrigues,

primeiro distrito atingido pela lama.

Seguindo a indicação de seguimento das atividades já executadas pela Brigada na

semana anterior, decidimos visitar as pousadas localizadas em Passagem de Mariana e

ver as condições de saúde ali presentes. Patrícia nos relatou que as pessoas estavam em

condições de desassistência, muito abaladas pelo ocorrido e precisando de

acompanhamento psicológico, médico e nutricional. Conta-nos, que as pessoas estão há

17 dias comendo em marmitas sem distinção alimentar para os casos de saúde específicos,

como pessoas hipertensas ou diabéticas. Relatou ainda problemas de comida estragada e

problema com a alimentação nas escolas.

186

Visitamos as pousadas:

1) Serrinha: + Casa da mesma Proprietária da pousada. Buscamos por Marinalva (contato

de referência da pousada), mas não encontramos. Fomos recebidos pela proprietária da

pousada, Cristina, pouco colaborativa, que falou que a Samarco estava prestando toda a

assistência possível e ali todos estavam “bem tratados”. Falou que não tinha ninguém

naquele momento na pousada e por isso não conseguimos contato com outros abrigados,

nem informações.

2) Dois Sinos

São 11 pessoas abrigadas nesta pousada, ao todo são três famílias.

Participamos de uma roda de conversa, que já acontecia espontaneamente entre as pessoas

alojadas nesta pousada. A partir deste espaço colhemos algumas informações:

+\- 630 pessoas compunham a Comunidade de Bento e estão desabrigadas

(perderam completamente suas moradias)

Abrigadas em pousadas ou casas de familiares em varias regiões de Mariana

A alimentação tem sido fornecida na forma de marmitas, três refeições diárias,

custeadas pela Samarco, sem individualização por com necessidades singulares.

A região abrigava três barragens, Germano (mais antiga), Fundão (barragem

rompida) e Santarém (teve estrutura abalada pela onda de lama da ruptura de

Fundão).

Plano apresentado pela empresa é de aluguel de casas 1/família, mas que as

liberações das casas serão de acordo com prioridades definidas pela empresa.

O plano de longo prazo apresentado pela empresa é de reconstrução dos imóveis

em local apropriado, ainda sem detalhamento e sem prazo.

As negociações com a Samarco têm sido conduzidas por uma comissão

representativa composta por oito pessoas da comunidade de Bento e as decisões

são feitas em assembleias.

Pleitos prioritários apontados na entrevista: aluguel de casas para famílias,

assentamento e reconstrução casas mantendo as características da comunidade.

Os valores de perdas patrimoniais têm sido calculados pela Defensoria Publica.

Caio fez um áudio de parte da roda (disponível como material interno da Rede para

contribuir como nosso diagnóstico), abaixo algumas sínteses dos relatos dos participantes.

Núcleo familiar 1:

P., 20 anos, trabalhador contratado (terceirizado), empresa contratante Manserv.

P. relata que dentro da empresa houve toque de emergência e evacuação cerca de

20 min antes de onda de lama alcançar a comunidade de Bento Rodrigues.

Uma das funcionárias da Samarco, moradora de Bento Rodrigues, conseguiu

chegar até a comunidade e anunciar o rompimento da Barragem, o que deu tempo

da maioria dos moradores de preservar suas vidas. Ainda assim, cerca de 22

pessoas estão entre mortos e desaparecido.

P. não conseguiu avisar sua família à distância, mas felizmente todos

conseguiram escapar da avalanche com vida. Seu núcleo familiar tem 4 pessoas,

ele inclusive.

187

C. (Avó de P.), 74 anos

É hipertensa e já teve AVC

Não tá tendo alimentação adequada pra suas necessidades em saúde.

Não tem dormido bem, acorda durante a noite várias vezes.

Está isolada na pousada, que fica um pouco distante da cidade de Mariana. A

mobilidade reduzida à deixa mais deprimida, já que as suas atividades e rotina

foram interrompidas.

Nos exames avaliados aparenta estar com um principio de diabetes.

Viveu a sua vida inteira na comunidade de Bento, perdeu tudo, e sente muito pela

perda da sua horta.

Fala que sente muita angústia ao lembrar-se de tudo.

Está deprimida e precisa de um acompanhamento mais sistemático de

profissionais de saúde e também retomar os espaços de convívio social, como a

Igreja que frequenta aos sábados.

J., 16 anos, (Irmão de P.)

Adolescente, presenciou o momento do rompimento da barragem.

Afirma está muito triste, principalmente quando se lembra de como era a escola,

as casas e a comunidade em geral.

Tem frequentado a escola normalmente e ajudado a avó e a família com as

questões burocráticas com a Samarco, como cadastramento, entre outros.

Para se distrair tem encontrado amigos e namorada, espaço que tem para falar do

ocorrido e tentar elaborar o ocorrido.

Núcleo familiar 2:

J.B., 68 anos

Portador de HAS, CORONARIOPATIA, HIPERURICEMIA, esta em uso

regular de medicações que obteve no Centro de Saúde, próximo a Pousada.

188

É quem chamou a atenção para o fato que a alimentação fornecida aos abrigados

em pousadas não tem sido individualizada, nem tem respeitado as necessidades

específicas de cada pessoa.

Era proprietário de 4 imóveis na região e tinha poupança em espécie no seu

domicílio, tudo perdido com a avalanche de lama.

Residiam no domicílio ele e a esposa, M. F.

“Se não confiasse na segurança da barragem não tinha construído uma, duas, quatro casas

na mesma região” J. B.

Núcleo familiar 3: K.

Produtora associada junto a oito mulheres da Associação de Hortifrutigranjeiros

de Bento Rodrigues (AHOBERO).

Conta que seu material e equipamentos de produção não foram danificados, mas

ficaram retidos nas instalações da fábrica em Bento Rodrigues e aguarda remoção

para outro local. Conta que também há produtos finalizados e vendidos, mas que

necessita meios especiais para removê-los do local.

Chama a atenção para desencontro de informações sobre providências quanto à

moradia fornecidas pela Samarco; incialmente as famílias desabrigadas foram

orientadas a buscar casas para aluguel temporário até resolução definitiva de suas

moradias, mas hoje (23/11) foram informados de que há uma ordem de

prioridades e que ela, por exemplo, não será atendida no momento.

W. (filho de Sr. J. B. e esposo de K.)

“Sem desmerecer o que foi doado, mas você não sabe como é se sentir incapaz,

mexe com ego da gente” (sobre a necessidade roupas doadas).

“Investi 10 anos de PL (participação de lucros) na minha casa e meu gosto era

olhar o que construí”

Trabalhador da Vale, operador de escavadeira, membro sindicato Metabase

Mariana.

Coloca forte queixa quanto a desencontro de informações e morosidade nas

providências quanto à moradia

Conta que tem encontrado dificuldade para dormir devido às condições de

alojamento no momento o que tem prejudicado seu trabalho.

Conta que em numerosas reuniões com a comunidade local em Bento Rodrigues,

representantes da Samarco afirmaram segurança da barragem de “1000%”.

Reunião com o MAB e familiares desaparecidos

Após visita às pousadas, participamos de reunião com familiares de desaparecidos,

conduzida pelo MAB. O objetivo da reunião foi oferecer amparo a fim de fortalecer

famílias, entendidas como protagonistas.

Familiares presentes:

1. M.; busca pelo esposo A.P.

2. J.; busca pelo irmão Antônio Pereira.

189

3. J.; busca pelo irmão Mateus (ex trabalhador terceirizado da Samarco, via Manserv).

4. A.; busca pelo esposo Edinaldo (ex trabalhador terceirizado da Samarco, via Integral).

5. V., busca pela mãe Maria Eliza.

6. E.; busca pelo Pai Ailton Martins.

7. S. e San. busca pelo pai Daniel, trabalhador Samarco.

8. T.; busca pelo esposo Daniel.

Em síntese, relatam:

Desinformação

Ausência de contato por parte da empresa “Acho que estamos mais informados

que a Empresa (Integral)”

Profissionais de saúde oferecidos pela Empresa com abordagens inadequada e

fragmentada. Pessoas que viram quatro psicólogos em uma semana e um

psicólogo que atendeu uma criança prometeu voltar e não voltou mais.

Pertences das vitimas (trabalhadores) retidas na empresa que alega não poder dar

acesso às famílias, só sob via judicial.

Descaso por parte da empresa Samarco: “Faça um BO, não tem nada que a

Empresa possa fazer por você”, V. sobre sua mãe.

“Você tem certeza que Quer registrar isso no BO?” Atendente da PM sobre

menção a Samarco como responsável pelo desastre durante registro do BO.

Demora na identificação de cadáveres

4 cadáveres em espera de identificação

Empresa individualiza encaminhamentos por pessoa, por família, atua para

dividir as pessoas/famílias.

Medo de a situação cair no esquecimento sem resolver, medo de “se tornar

estatística”.

Samarco conseguiu dominar todo o processo: determina como serão as

investigações, quem prestará assistência e como, onde serão abrigadas, como será

alimentação. Até as reuniões estão sendo dentro da empresa. A defesa civil e os

bombeiros estão acampados dentro da Samarco.

Encaminhamentos:

Requisição de reuniões diárias com empresa, defesa civil, comando corpo de

bombeiros para os familiares.

Assistência a Saúde: direito de escolha, mantendo custeio pela empresa.

Acesso aos corpos encontrados aos familiares.

Acesso a informações de forma sistematizada e constante.

Requisitar a Samarco que destine recursos para ampliar equipes de buscas.

Organização de atividades com o MAB.

190

Reunião com o MAB:

Após a reunião com os familiares dos desaparecidos nos reunimos com Thiago,

liderança do MAB para pensar em possibilidades de trabalho em conjunto. Surgiu

a demanda de permanecermos por mais tempo em Mariana construindo e

participando das ações promovidas pelo MAB, como as reuniões com os núcleos

de base com os atingidos e nas mesas de negociação da comissão com a Samarco.

Em resumo ficou de demanda:

Apoiar o MAB e estar presente nos espaços que eles promovem junto aos

atingidos.

Contribuir com o dossiê e a cartilha que está sendo elaborada pelo MAB,

pensando nos impactos na saúde da população relativos à contaminação do solo,

água, consomem de peixes e na saúde mental.

Promover atividades em saúde que aproxime o MAB das pessoas, como rodas de

conversas sobre orientações de saúde, visita nas casas/pousadas.

24/11 (terça-feira)

Traçamos plano de ações em conjunto aos companheiros Leandro, Joelson e

Mirian que se somaram no dia 23/11. Necessidade de um acompanhamento mais

quantitativo das condições de saúde das famílias abrigadas (quantas são; que

doenças possuem e contatos). Indicativo de um mapa situacional da região, visita

às pousadas em Mariana-MG e conversas com as secretarias de saúde.

Em seguida, realizamos visita a Barra Longa. O município foi atingido pela

avalanche de lama e teve muito de sua infraestrutura abalada, principalmente nas

margens do rio; o leito do rio foi completamente danificado pela massa de lama;

a cidade está tomada por máquinas e equipes vinculadas a Samarco que tem

realizado ações de limpeza de ruas e remoção de massa de lama; o ar da cidade

está repleto de partículas de poeira da massa de lama seca.

A Samarco havia garantido que a lama não chegaria a Barra Longa, chegando

durante a madrugada do dia seguinte. O que gerou bastante descontentamento.

Entrevistamos um morador que era proprietário de uma pousada e estão

desabrigados, colhemos depoimento em vídeo (Caio).

Entrevistamos uma enfermeira da atenção primária da unidade básica de saúde

que nos deu um panorama de impactos na saúde nestes 20 dias, número de

dermatoses, problemas respiratórios, vômitos e diarreia e tensões emocionais. (em

vídeo)

Entrevistamos a secretária municipal de saúde M., técnica de enfermagem, com

quem tivemos informação que:

Barra Longa possui cerca de 5.800 a 6.000 habitantes, conta com três equipes de

saúde da família, foram 600 afetados diretamente pela avalanche de lama na sede

do município e outros em sete comunidades rurais: Gesteira (20 pessoas),

Mandioca (3 pessoas), Barreto (15 pessoas), Corvinas (2 pessoas), Fazenda da

Onça, São Gonçalo , Bueno (não contabilizado).

Foram 135 casas danificadas, sendo 45 na zona rural e 90 na sede do município;

35 casas foram danificadas permanentemente; 100 pessoas estão desabrigadas,

outras estão desabrigadas.

Houve aumento significativo de quadros gastrintestinais agudos autolimitados,

dermatoses e quadros respiratórios (agudos e exacerbações de doenças prévias).

191

Além disso, houve um óbito fetal (a gestante estava com oito meses de gravidez)

poucos dias após a ocorrência da catástrofe, o que fez suspeitar de relação entre

ambos.

Os ACS estão muito ativos em campo e tem sido fontes importantes de

informação de situação dia a dia.

Ficamos com cópias dos planos de ação da Secretaria de saúde do Estado para

os municípios atingidos.

Impressões sobre Barra Longa:

Empresa Samarco está à frente da coordenação dos trabalhos (cadastramento,

distribuição das doações, assistência a saúde, aluguéis de imóveis), os quais não

são compartilhados com a população e não são compreendidos pela mesma.

Prefeitura/Prefeito está ausente da cena pública, empresa está inclusive

ocupando prédios públicos. A exceção parece ser a Secretaria de Saúde.

A cena da cidade é de caos, muita confusão com máquinas, caminhões

circulando, trânsito de veículos e pessoas prejudicadas com a suspensão de

poeira.

Os moradores estão mais entrosados com o MAB do que em Mariana; parecem

estar mais organizados. Acreditamos que seja porque permanecem no mesmo

território, enquanto os ex-moradores de Bento Rodrigues foram dispersos.

Avaliação da equipe (angústias, impressões e encaminhamentos).

Ao final da noite, nos reunimos e fizemos uma avaliação do processo, pensando nos dias

que se seguirão. Engatamos uma metodologia de trabalho e conseguimos trazer uma

valorosa contribuição ao MAB cujos representantes estão sobrecarregados. Esta situação

é toda muito nova para todos; as demandas são muito numerosas e variadas; todos os

esforços são imprescindíveis, seja para apoio as vitimas diretas, seja para composição de

diagnóstico e formulação teórica sobre esta situação. Neste sentido surge a necessidade

da Rede apoiar o MAB no processo de aproximação com os atingidos, já que a pauta da

saúde é consenso e temos uma maior inserção nas casas e locais, e também na construção

do dossiê técnico e da cartilha sobre os impactos em saúde.

Vimos uma ausência do Poder Público em todas as esferas e um protagonismo da

Samarco que esta coordenando os processos, o que fragiliza qualquer movimento de

enfrentamento e denúncia. A Samarco parece fazer o que chamamos de “cortina de

fumaça”, predominando a lentidão dos processos, desinformação e manipulação. Gerando

mais angústia na população que não sabe quais serão os rumos.

Há uma criminalização do MAB, enquanto movimento social, relatos de ameaças da

Samarco aos moradores “se estiver próximo ao movimento não recebe indenização”,

entre outros permeiam o cenário de descaso pós 20 dias de desastre. A população está

com pouca assistência em saúde, o poder público não alcança determinadas comunidades

isoladas e o contingente profissional é reduzido, sobretudo dos profissionais da área de

saúde mental. Os profissionais de saúde contratados pela Samarco não estão

acompanhando continuamente e adequadamente as pessoas. Concluímos que este

potencial de canalizar o sofrimento para reconstrução de sentido das vidas poderá se dar

através da organização no MAB, já que a luta em prol de algo, seja a punição da empresa

pelo crime ambiental e social cometido,

192

quanto pela garantia dos direitos, é em si um processo terapêutico de recuperação dos

laços sociais e do sentido da vida. Fica para nós a tarefa de acompanhar os impactos em

saúde de curto, médio e longo prazo na vida das pessoas, contribuindo com a denúncia,

com o campo cientifico e com o trabalho de aproximação dos atingidos ao movimento

social. Neste sentido, não podemos (e não devemos) nos retirar ainda; a brigada deve

permanecer pelo menos até meados de dezembro, para não comprometer o vínculo

estabelecido. O modo como vamos manter nossa atuação local deve ser pauta do coletivo

da Rede. Além disso, devemos melhorar cada vez mais a nossa sistematização, seja das

atividades realizadas e impressões pessoais, já todo este material servirá para a memória

para Rede e orientação dos nossos trabalhos em experiências futuras de Brigadas de

Solidariedade. A sistematização ajuda a nossa comunicação interna e também externa,

contribuindo com meios de comunicação alternativos que visam mostrar o lado da história

que tem sido invisibilizado. Produzimos muitos materiais em audiovisual e

compartilhamos com os (as) companheiros (as) do Jornal Brasil de Fato e com o portal

Saúde Popular, são registros que marcarão a nossa historia enquanto movimento social.

Materiais divulgados na mídia:

Na mídia: médicos populares ajudam a atingidos por lama em MG https://saude-

popular.org/?p=1919

Vídeo: Médico conta experiência com pessoas em Mariana (MG) https://saude-

popular.org/?p=1948

Médicos populares em Mariana (MG) apontam traumas psicológicos e descaso

às vítimas doentes https://saude-popular.org/?p=1956

Seis violações de direitos provocadas pela Samarco contra familiares de

desaparecidos http://www.mabnacional.org.br/noticia/seis-viola-es-direitos-

provocadas-pela-samarco-contra-familiares-desaparecidos

Médicos voluntários levam ajuda a moradores atingidos por lama em MG

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/11/medicos-voluntarios-levam-

ajuda-moradores-atingidos-por-lama-em-mg.html

Vídeo: Vera Lúcia: "nossa preocupação é o que vai vir daqui pra frente"

https://www.youtube.com/watch?v=S-HTjLzbCZA

Vídeo: Antônio Gonçalves: "A lama levou os meus sonhos e o de muita gente"

https://www.youtube.com/watch?v=TzOQ0p1kEvk

193

ANEXO B- ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

1. Nome, idade e ocupação

2. Como era a sua vida antes da chegada da lama?

3. Como foi no dia do acontecimento?

4. O que você tem enfrentado ao longo desse ano?

5. Como você conheceu o MAB?

6. Como tem sido a atuação do movimento na região?

7. Você percebe alguma mudança a partir da sua entrada na organização?

194

ANEXO C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu,_________________________________________________________________

_____, RG nº____________________________________. Estou sendo convidado (a) a

participar de um estudo denominado “Lama, Luto e Luta: A vivência do desastre da

Samarco/Vale/BHP Billiton na bacia do Rio Doce e a organização popular como

estratégia de enfrentamento das populações atingidas”,cujos objetivos são: Investigar os

sentidos e significados atribuídos pela população atingida a sua vivência do desastre

tecnológico produzido pelo rompimento da barragem de rejeitos de propriedade das

empresas Samarco/Vale/BHP Billiton na bacia do Rio Doce. Além de visar identificar a

relação estabelecida entre os atingidos, as empresas envolvidas no acontecimento e o

poder público e compreender de que maneira a os processos de mobilização e organização

social ocorridos na região funcionam como estratégias de enfrentamento destas

populações. Este estudo está sendo realizado com a finalidade de obtenção do título de

Mestre em Psicologia Social do Programa de Pós-graduação do Departamento de

Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

A minha participação no referido estudo será no sentido de relatar minha a minha

vivência do acontecimento do desastre da bacia do Rio Doce em um formato de

entrevistas semi-estruturadas e com possível gravação audiovisual para fins de análise

dos dados. Além disso, autorizo o uso da minha imagem para eventuais registros

fotográficos e audiovisuais que possam enriquecer o presente estudo. Estou ciente que o

pesquisador também realizará observações das atividades realizadas no território, a

exemplo das conversas informais, reuniões que serão registradas em um diário de campo

com informações relevantes ao objetivo deste projeto. Portanto, entendo que a pesquisa

não terá nenhum procedimento que traga qualquer risco a minha saúde e integridade física

ou psíquica. É do meu conhecimento que as perguntas feitas nas entrevistas buscam, de

forma geral, obter dados a respeito dos significados atribuídos por mim a vivência do

desastre, da relação com as empresas envolvidas, o poder público e os processos de

organização popular.

Recebi, por outro lado, os esclarecimentos necessários sobre os possíveis

desconfortos e riscos decorrentes do estudo, levando-se em conta que é uma pesquisa, e

os resultados positivos ou negativos somente serão obtidos após a sua realização. Assim,

toda pesquisa possui em algum nível risco, à exemplo da possibilidade de danos à

dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano,

em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente. No entanto, no estudo em questão

os riscos são mínimos no que diz respeito a sofrimento físico ou psíquico, já que refere-

se ao compartilhamento oral da vivência e ação política.

Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou

qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será

mantido em sigilo. Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo,

ou retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por

desejar sair da pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho

recebendo. Fui esclarecido de que tenho o direito de obter toda informação que achar

necessária sobre a pesquisa e posso e posso desistir de participar da mesma a qualquer

momento.

Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são Camilla Veras Pessoa da

Silva e Prof. Doutor Odair Furtado, ambos da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo – PUC-SP e com eles poderei manter contato pelos telefones (71) 996190502

(Camilla) e (11)972816281 (Odair).

195

É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre acesso

a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas conseqüências,

enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha participação.

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e

compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre

consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor

econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

No entanto, caso eu tenha qualquer despesa decorrente da participação na

pesquisa, haverá ressarcimento na forma seguinte: em dinheiro ou mediante depósito em

conta-corrente . De igual maneira, caso ocorra algum dano decorrente da minha

participação no estudo, serei devidamente indenizado, conforme determina a lei. Em caso

de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo ligar para o CEP PUC

SP (11) 3670-8466 ou mandar um email para [email protected] .

São Paulo,...... de ..... de 2016.

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)