PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO...RESUMO FUSO, Rafael Correia. Regimes tributários...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
FACULDADE DE DIREITO
RAFAEL CORREIA FUSO
REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO
DOUTORADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO
São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP
RAFAEL CORREIA FUSO
REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO
São Paulo
2016
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para a obtenção do título de Doutor em
Direito Tributário, sob a orientação do Professor
Doutor Tácio Lacerda Gama.
.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
RAFAEL CORREIA FUSO
REGIMES TRIBUTÁRIOS NA SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL E LUCRO PRESUMIDO
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título
de Doutor em Direito Tributário, sob a orientação
do Professor Doutor Tácio Lacerda Gama.
Aprovado em:____/____/____
Prof. Dr. Tácio Lacerda Gama (Orientador)
Instituição: PUC/SP
Assinatura_____________________________
Prof. Dr._____________________________________
Instituição:_______________________
Assinatura_____________________________
Prof.
Dr.__________________________________________________________________
Instituição:_______________________
Assinatura_____________________________
Prof.
Dr.__________________________________________________________________
Instituição:______________________
Assinatura_____________________________
Prof.
Dr.__________________________________________________________________
Instituição:______________________
Assinatura_____________________________
São Paulo
2016
A legalidade não está na lei. É um
processo histórico que se constrói no
eixo paradigmático do tempo. A
legalidade inspira-se na lei, mas se
realiza no ato de aplicação do direito.
EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI
AGRADECIMENTOS
Ao amigo e orientador, Professor TÁCIO LACERDA GAMA, destacado jurista,
por me mostrar o caminho a ser seguido neste trabalho.
Ao amigo e Professor EURICO DE SANTI, que me inspirou na elaboração
desta tese.
Aos Professores PAULO DE BARROS CARVALHO e CHARLES WILLIAM
MACNAUGHTON, pelos ensinamentos no doutorado.
Aos amigos e Professores ROBSON MAIA LINS e FABIANA DEL PADRE TOMÉ,
pela ajuda na busca de transformar este estudo em tese jurídica.
À minha esposa VIVIEN LYS e ao meu filho LUCAS HENRI, razões da minha
vida e dedicação acadêmica.
Aos meus pais pela ausência em razão do tempo despendido neste estudo.
RESUMO
FUSO, Rafael Correia. Regimes tributários na securitização de títulos e valores
mobiliários: lucro real e lucro presumido. 2016. Tese de Doutorado – Faculdade de
Direito, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
O presente estudo busca tratar de dois regimes de tributação na atividade
das securitizadoras de títulos ou valores mobiliários: lucro real e lucro presumido,
considerando essas duas formas como passíveis de serem adotadas por essa modalidade
de securitização.
Percorremos um caminho que procura definir o conceito de securitização,
investigamos a sua natureza jurídica, identificamos as relações jurídicas que se formam
entre as partes envolvidas no processo que envolve a atividade das securitizadoras,
apontamos as modalidades de securitização, que diferem basicamente em razão do tipo
de direitos creditórios.
Saindo dessa parte genérica, fizemos cortes no sistema jurídico, utilizando a
Ciência do Direito e a Dogmática Jurídica para se aprofundar no estudo das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Enfrentamos o problema da equiparação da atividade das securitizadoras de
títulos e valores mobiliários com as factorings, que será imprescindível para
contestarmos o disposto no Parecer Normativo n.º 5/2014 editado pela Receita Federal
do Brasil.
Identificamos todas as diferenças entre as securitizadoras de ativos
empresariais e as factorings, concluindo que apenas a forma de aquisição e os direitos
creditórios são idênticos entre eles.
Estreitando o foco deste estudo, analisamos de forma genérica os tributos
incidentes e não incidentes sobre a atividade das securitizadoras de títulos e valores
mobiliários.
Como forma de utilização de critério científico e útil para tratar desses
tributos, não que outra não seja hábil e importante para se investigarem as incidências
tributárias, construímos as regras-matrizes de incidência tributária.
Essa investigação sobre os tributos serviu de premissa para avançarmos no
objetivo deste trabalho, que é analisar os regimes de tributação na securitização de
títulos e valores mobiliários, especificamente a forma de apuração de tributos no lucro
real e lucro presumido, que integram a base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da
Cofins.
O ponto central desta tese refere-se aos regimes tributários passíveis de
aplicação pelas securitizadoras de títulos ou valores mobiliários, explorando o problema
da classificação feita pelo fisco federal da atividade dessas empresas como espécie de
atividade de factoring, obrigando-as a se submeterem ao lucro real disposto no artigo 14
da Lei n.º 9.718/1998, gerando insegurança jurídica em todo o setor.
Em contraponto ao entendimento do fisco federal em relação à classificação
ora mencionada, identificamos que ao longo de nove anos a Receita Federal do Brasil,
reiteradamente, afirmou e confirmou que as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários poderiam (faculdade) adotar o regime de recolhimento dos tributos pelo
lucro presumido.
Contudo, em abril de 2014, com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,
a Fazenda acabou por mudar de opinião, ignorando os seus atos pretéritos, interpretando
o disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, sob a premissa de que as
securitizadoras de ativos empresariais ou de valores mobiliários deveriam se submeter
ao regime do lucro real desde a edição da referida lei.
Destacamos que a consequência dessa mudança foi a lavratura de autos de
infração em face das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, passando a
submeter a incertezas jurídicas. Não obstante esse movimento de constituição de
créditos tributários, constatamos a existência de inconstitucionalidades no referido
Parecer Normativo.
Em razão dessa instabilidade jurídica provocada pelo órgão da União,
muitas securitizadoras de títulos e valores mobiliários migraram para os Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
Tratando-se de uma espécie de securitização, o FIDC possui simplificada
forma de tributação, mantém na essência similaridade no processo de aquisição e cessão
de direitos creditórios, submete-se a regras jurídicas rígidas e específicas, evitando, com
isso, as surpresas fiscais praticadas pelo Poder Público.
Por fim, em razão do crescimento, da simplificação fiscal e da viabilidade
jurídica e operacional de se praticar a securitização de recebíveis por meio do FIDC,
iniciaram-se recentemente no País movimentos jurídicos e edição de regras objetivando
a securitização da dívida ativa.
Diante disso, investigamos a viabilidade jurídica dessa securitização,
apontando os obstáculos legais e principiológicos, que de forma atual, sem a mudança
necessária no sistema jurídico, impedem a securitização da dívida ativa dos entes
políticos.
Palavras-chave: Securitização. Tributação. Títulos e Valores Mobiliários. Regimes
Jurídicos.
ABSTRACT
FUSO, Rafael Correia. Tax Regimes for bonds and securities securitization: taxable
income and presumed profit. 2016. Pontifícia Universidade Católica (São Paulo
Catholic University), Law School, Doctoral Thesis,
This paper aims to study two taxation regimes for the activities of bonds or
securities securitization: taxable income and presumed profit, taking into account these
two regimes as liable to be adopted for this kind of securitization.
We followed a path that seeks to define the securitization concept,
investigated its legal nature, identified the legal relationships established between the
parties involved in the process involving securitization companies, pointing out the
securitization types that basically differ for each type of credit right.
Leaving this generic part behind, we segregated sections of the legal regime,
using the Law Science and the Legal Dogmatic to study in depth the bonds and
securities securitization companies.
We faced the problem of comparing the bonds and securities security
companies with the factoring companies, indispensable to challenge the Brazilian
Internal Revenue Service (Receita Federal do Brasil ) Regulatory Opinion number
5/2014.
We identified all the differences between the business assets security
companies and the factoring companies, concluding that only their means of acquisition
and the credit rights are identical.
Narrowing this paper’s focus, we analyzed in a generic way the taxes levied
and not levied on the bonds and securities security companies.
In order to use a scientific and useful criterion to discuss these taxes, not
meaning that a different one could not be capable and important to investigate the tax
levying, we built up the tax levying matrix rules.
This tax investigation served as a premise to go on to the purposes of this
paper, which is to analyze the taxation regime of the bonds and securities security
companies, specifically the way of calculating taxes under the taxable income and
presumed profit regimes integrating the calculation basis of the Corporate Income Tax
(IRPJ), of the Net Profit Social Contribution (CSLL), of the Social Integration Program
(PIS) and of the Social Security Financing Contribution (COFINS).
This thesis main point relates to the tax regimes liable to be applied by the
bonds and securities security companies through exploiting the problem of the federal
tax authorities classifying these companies as being a species of the factoring activity,
compelling them to submit to the taxable income regime, as provided by Law
9.718/1998, article 14, bringing legal uncertainty throughout the sector.
We identified that during nine years the Brazilian IRS repeatedly stated and
confirmed that the bonds and security securitization companies could (faculty) adopt
collecting taxes under the presumed profit regime, as opposed to the federal tax
authorities understanding in relation to the classification now being mentioned.
Nevertheless, in April 2014 with the issuance of Ruling Opinion 5/2014 the
IRS ended up changing its opinion, ignoring its past actions, interpreting Law
9.718/1998 art. 14, sub-item VI under the premise that as of the enactment of the
mentioned law the business assets or bond and security securities companies should be
submitted to the Taxable Income regime.
We would like to emphasize that the consequence of this change was the
write up of tax assessment notices against the bond and securities security companies,
that started to face legal uncertainties. Notwithstanding this move to constitute tax
credits, we found out that there were unconstitutionalities on the mentioned Ruling
Opinion.
In light of this legal instability caused by the Federal Government organ,
many bond and security securities companies migrated to Credit Rights Investment
Funds (FIDC).
As a kind of securitization FIDC enjoys a simplified taxation way, keeping
in its essence a similarity with the acquisition and assignment of credit rights submitted
to rigid and specific legal rule and thus avoiding tax surprises perpetrated by the Public
Power.
Finally, due to growth, to tax simplifications and to the legal and operational
feasibility to use receivables securitization through FIDC, legal movements and
issuance of rules seeking the securitization of the delinquent tax debt recently started
throughout the country.
In light of the above, we investigated the legal feasibility of this
securitization, pointing out the obstacles on its legal and underlying principles that in
the present format without the necessary change of the legal regime, hamper the
securitization of the delinquent tax debt of the political organs.
Keywords: Securitization. Taxation. Bond and Securities. Legal Regimes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 14
1. ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO ........................................................... 23
1.1 Definição do conceito de securitização ...................................................................... 23
1.2 Natureza jurídica da securitização .............................................................................. 27
1.3 Modalidades de securitização ..................................................................................... 31
1.3.1 Securitização de exportações .......................................................................... 31
1.3.2 Fundo de investimento imobiliário ................................................................. 33
1.3.3 Securitização de crédito imobiliário ............................................................... 34
1.3.4. Securitização de ativos empresariais .............................................................. 37
1.3.5 Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) ................................ 38
1.3.6 Securitização de créditos financeiros .............................................................. 42
1.3.7 Securitização de créditos do agronegócio ....................................................... 44
1.4 Organograma geral da securitização .......................................................................... 45
2. A SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS:
MODALIDADE DE ATIVOS EMPRESARIAIS ............................................................. 54
2.1 Aspectos legais ........................................................................................................... 54
2.2 A compra e a cessão de títulos ou valores mobiliários............................................... 56
2.3 A sociedade de propósito específico (securitizadora) ................................................ 58
2.4 Organograma operacional específico ......................................................................... 60
2.5 Distinções com as factorings ...................................................................................... 60
2.6 A recompra dos direitos creditórios ........................................................................... 67
2.7 Distinções com o desconto bancário .......................................................................... 70
3. A TRIBUTAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS .................................................................................................................. 75
3.1 Objetivos e meios utilizados na análise dos tributos .................................................. 75
3.2 Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) .................................................................. 78
3.3 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ................................................ 109
3.4 Programa de Integração Social – PIS/Pasep............................................................. 119
3.5 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) ........................ 133
3.6 Sistemáticas de recolhimento dos tributos (regime caixa e regime competência) ... 136
3.7 Não incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) .............................. 144
3.8 Não incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) ........... 150
4. REGIMES TRIBUTÁRIOS DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E
VALORES MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL X LUCRO PRESUMIDO ....................... 155
4.1 Opção pelo lucro presumido como matéria de reserva legal .................................... 155
4.2 Lucro presumido como política de simplificação da fiscalização e aumento de
arrecadação ............................................................................................................... 157
4.3 Análise do artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998 ....................................................... 159
4.4 Análise da Lei n.º 12.249/2010 que incluiu modalidades de securitização na
sistemática do lucro real ........................................................................................... 161
4.5 Soluções de consultas e solução de divergência editadas pelas autoridades
administrativas: legalidade enunciada ...................................................................... 164
4.5.1 O papel da solução de consulta da Receita Federal do Brasil no sistema
jurídico brasileiro ......................................................................................... 165
4.5.2 As soluções de consulta editadas pela Receita Federal sobre o regime
tributário do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de títulos e
valores mobiliários ....................................................................................... 167
4.5.2.1 1.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
342/2005 – Disit da 7.ª Região Fiscal – opção pelo lucro
presumido ................................................................................ 168
4.5.2.2 2.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
47/2008 – Disit da 10.ª Região Fiscal – exclusão da base
de cálculo presumida ............................................................... 169
4.5.2.3 3.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
33/2009 – Disit da 8.ª Região Fiscal – opção pelo lucro
presumido e fixação de base de cálculo .................................. 170
4.5.2.4 4.º ato enunciativo de legalidade: Soluções de Consulta
n.ºs 02, 03, 04 e 05 de 2010 – Disit da 3.ª Região Fiscal –
não obrigação pelo regime do lucro real ................................. 171
4.5.2.5 5.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
151/2010 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da
receita bruta e fixação de base de cálculo do lucro
presumido ................................................................................ 173
4.5.2.6 6.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
41/2010 – Disit da 4.ª Região Fiscal – não obrigação pelo
regime do lucro real ................................................................. 174
4.5.2.7 7.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
39/2011 – Disit da 1.ª Região Fiscal – não obrigação pelo
regime do lucro real ................................................................. 175
4.5.2.8 8.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
177/2011 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da
base de cálculo presumida ....................................................... 176
4.5.2.9 9.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
09/2012 – Disit da 6.ª Região Fiscal – identificação dos
obrigados ao regime do lucro real ........................................... 177
4.5.2.10 10.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
130/2012 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da
base de cálculo presumida ....................................................... 178
4.5.3 O papel da solução de divergência no sistema jurídico brasileiro ................ 179
4.5.4 A Solução de Divergência n.º 8/2011 editada pela Receita Federal do
Brasil sobre o regime tributário do lucro presumido adotado pelas
securitizadoras de títulos e valores mobiliários ............................................ 180
4.5.4.1 11.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Divergência
n.º 8/2011 da Cosit .................................................................. 181
4.6 Análise do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil –
aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo .......................................... 183
4.6.1 O papel do parecer normativoda Receita Federal do Brasil no sistema
jurídico brasileiro ......................................................................................... 184
4.6.2 Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil ........................ 187
4.7 Autuações das securitizadoras de títulos e valores mobiliários pela Receita
Federal do Brasil ...................................................................................................... 201
4.8 Decisões administrativas quanto às autuações fiscais das securitizadoras de
títulos e valores mobiliários ..................................................................................... 209
4.8.1 12.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 10-39.873 da 5.ª Turma
da DRJ/POA – distinções entre securitizadoras e factorings ....................... 210
4.8.2 13.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 14-45.449 da 5.ª Turma
da DRJ de Ribeirão Preto – identificação da base de cálculo presumida ..... 212
4.8.3 14.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 1402-002.005 do CARF
– identificação da base de cálculo presumida .............................................. 215
4.9 Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014 da Receita Federal do Brasil –
aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo .......................................... 216
5. A MIGRAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E VALORES
MOBILIÁRIOS PARA OS FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITOS
CREDITÓRIOS (FIDC) ................................................................................................... 221
5.1 Identidades e distinções entre as securitizadoras de títulos mobiliários e os
fundos de investimento em direitos creditórios ........................................................ 221
5.1.1 Sob o aspecto legal ....................................................................................... 229
5.1.2 Em razão da estrutura operacional ................................................................ 230
5.1.3 No âmbito da tributação ................................................................................ 237
5.2 Legalidade concreta e a busca pela não surpresa ..................................................... 247
5.3 A busca pela redução da carga fiscal pelas vias lícitas ............................................ 249
6. IMPOSSIBILIDADE DA SECURITIZAÇÃO DA DÍVIDA ATIVA NO ATUAL
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................................................ 256
6.1 Natureza jurídica da certidão de dívida ativa ........................................................... 258
6.2 Crédito tributário como bem público indisponível................................................... 261
6.3 Impossibilidade da cessão do direito creditório tributário a terceiros ...................... 266
6.4 Impossibilidade da substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo
regime de execução do direito privado em razão da natureza jurídica do crédito
tributário ................................................................................................................... 270
6.5 A Instrução CVM n.º 444/2006 e a Lei de Responsabilidade Fiscal: operação
de crédito na securitização da dívida ativa ............................................................... 272
6.6 As Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado
Federal e a securitização da dívida ativa .................................................................. 281
7. CONCLUSÕES ................................................................................................................ 292
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 314
14
INTRODUÇÃO
A securitização no Brasil é muito recente, mas vem ganhando força nos
últimos anos, pois apresenta uma forma prática, estruturada e eficaz de se obterem
recursos financeiros para aqueles que buscam antecipar recebíveis no mercado e não
possuem linhas de créditos em instituições financeiras.
Com a escassez monetária nos dias atuais, especialmente com as restrições
ao crédito impostas pelos Bancos, as empresas de modo geral têm procurado recursos
na securitização de recebíveis, visto que essa atividade não depende da intermediação
de instituições financeiras.
Pela análise jurídico-científica, nosso desafio no presente estudo é investigar
os regimes tributários de apuração pelo lucro real e lucro presumido, que compõem a
base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica e da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido, interferindo também na sistemática de recolhimento das
Contribuições ao PIS e à Cofins (regime cumulativo e regime não cumulativo), de
forma a sustentar a faculdade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários a se
submeterem, desde que atendidas as regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, a ambos os regimes, não estando obrigada ao regime de apuração e
recolhimento de tributos pelo lucro real, nos termos do inciso VI do referido artigo,
como entendeu a Receita Federal do Brasil na edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.
Realizando cortes no sistema jurídico, partimos no Capítulo 1 do aspecto
geral da definição de conceito de securitização, identificando a sua natureza jurídica no
direito civil, percorrendo as relações estabelecidas entre as partes envolvidas no
processo de securitização de recebíveis, identificando as espécies de securitização,
como as de títulos ou valores mobiliários, denominadas também de ativos empresariais.
No final do primeiro capítulo, construímos organograma operacional com o
descritivo do processo que envolve a atividade de securitização em termos gerais.
Buscou-se identificar as partes envolvidas na operação de securitização e o
procedimento de aquisição mediante cessão dos direitos creditórios pela securitizadora,
15
a emissão de títulos ou debêntures que lastreiam os recebíveis e os investimentos feitos
por terceiros mediante certa remuneração pelo emprego do dinheiro na securitizadora.
Neste Capítulo não objetivamos esgotar em nenhum momento o assunto,
tratando-se de meio descritivo para se conhecer em linhas gerais a securitização, o
surgimento dessa atividade no País, o histórico normativo, as modalidades existentes e
as partes envolvidas no processo.
No Capítulo 2, investigamos as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários, apontando os aspectos legais (normas gerais e abstratas) a que essa
modalidade se submete. Concluímos que essa modalidade de securitização não possui
regras próprias ou regulamento tratando dos ativos empresariais. A atividade se sujeita a
legislações emprestadas das securitizadoras de créditos imobiliários (Lei n.º 9.514/1997
e suas alterações), ao Código Civil e à Lei n.º 6.404/1976, entre outras.
Diante disso, como forma de conhecer os detalhes da modalidade de
securitização que será objeto do presente estudo, percorremos sob o aspecto jurídico
cada passo do processo de securitização de títulos e valores mobiliários, analisando a
cessão dos direitos creditórios, o modo das securitizadoras adotar o modelo de
sociedade anônima com propósito específico, e identificamos as partes envolvidas no
processo de securitização (originador, devedor, securitizadora, investidor, empresas de
rating e agente fiduciário), concluindo que essa modalidade de securitização apresenta
peculiaridades, muito distintas da atividade de factoring, em razão das partes
envolvidas, da diluição do risco com investidores mediante a emissão de títulos e
debêntures lastreados nos direitos creditórios, entre muitas outras distinções.
Essas diferenças entre factoring e securitizadoras de títulos e valores
mobiliários fazem parte de quadro comparativo descritivo, existindo apenas duas
identidades entre elas, a forma de aquisição e o recebível ou direito creditório, que
possui origem em títulos de crédito, como cheques, faturas, notas promissórias,
duplicatas etc.
São constatações importantes nesse estudo, visto que o Parecer Normativo
nº 5/2014, que modificou o entendimento quanto ao regime de recolhimento de tributos
pelas securitizadoras de ativos empresariais, utiliza-se apenas de duas identidades
16
(forma e direito creditório) para afirmar que factoring e securitizadoras de títulos e
valores mobiliários são espécies do gênero fomento mercantil, e, portanto, estão
submetidas ao regime do lucro real.
Contudo, a Receita Federal ignora todas as outras distinções que afastam
essa comparação. Semelhanças não implicam afirmar que estamos diante da identidade.
Homens e macacos são semelhantes, mas não são idênticos!
Direcionamos, então, o presente estudo a enaltecer não só as distinções
trazidas em quadro comparativo, como também tratar da recompra do direito creditório
fixado em cláusula contratual nas operações de securitização de valores mobiliários,
condição essa permitida nas securitizadoras e vedada nas atividades de faturização.
Trata-se de mais uma distinção relevante ignorada pelo Poder Público ao comparar os
dois institutos no referido Parecer Normativo.
Por fim, distinguimos da mesma forma o instituto do desconto bancário
perante as operações das securitizadoras de recebíveis, para demonstrar que essa
modalidade de direito civil, a despeito de apresentar a mesma operação e a mesma
estrutura da atividade de factoring¸ diferenciando apenas em relação ao agente
cessionário do direito creditório (banco x factoring), não permite afirmar que são
operações idênticas, a despeito de o direito creditório explorado ser comum entre elas.
No Capítulo 3, permanecendo no caminho de demonstrar a faculdade dos
regimes de apuração do lucro real e lucro presumido na apuração de tributos pelas
securitizadoras de ativos empresariais, o primeiro passo a ser dado quanto aos aspectos
tributários é investigar os tributos incidentes sobre a atividade de securitização, apontar
os princípios e regras jurídicas incidentes, percorrer brevemente as discussões jurídicas
que permeiam esses tributos, não sendo objetivo deste trabalho esgotar os problemas
jurídicos identificados quanto ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), à
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), às Contribuições ao PIS e à Cofins,
o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISSQN).
A forma utilizada para tratar da incidência tributária foi construir a norma
geral e abstrata completa (regra-matriz de incidência tributária), que não menospreza ou
17
exclui outros meios e construções hermenêuticas feitas em relação aos tributos
analisados. Trata-se de uma opção considerada útil, científica e precisa para
visualizarmos as incidências tributárias.
Com isso, estamos diante de mais um corte feito no sistema jurídico para a
individualização do tema proposto.
No Capítulo 4, parte mais importante do presente estudo, estudamos os
regimes tributários relacionados à identificação e apuração das bases de cálculo dos
tributos incidentes, especificamente o lucro real e o lucro presumido.
Concluímos que a opção pelo lucro presumido é matéria de reserva de lei;
esse regime foi criado como modelo opcional no País para atender à política de
simplificação da fiscalização e aumento da arrecadação.
Investigamos os enunciados trazidos no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, que trata das pessoas jurídicas obrigadas a apurar seus tributos no regime
do lucro real, entre elas as factorings. Contudo, entendemos não serem passíveis de
enquadramento nesse dispositivo as securitizadoras de valores mobiliários em razão do
autorreferenciamento enunciativo.
Destacamos a mudança legislativa que ocorreu em relação ao rol taxativo de
atividades obrigatórias de adotar o regime do lucro real, com a edição da Medida
Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, que incluiu as modalidades
de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, não fazendo
nenhuma menção em seu texto a securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a
despeito do legislador indicar sua intenção em inserir nesse rol essa última modalidade
na exposição de motivos.
Como forma de convalidar o entendimento de que as securitizadoras de
títulos e valores mobiliários poderão adotar o regime do lucro presumido, a Receita
Federal do Brasil, por meio das suas Disit (Divisões de Tributação), expediram soluções
de consulta, identificando as bases de cálculo presumidas do IRPJ e da CSLL das
securitizadoras que adotarem o regime do lucro presumido, expressando a faculdade
dessa modalidade de não se submeter ao regime do lucro real, antes e depois da edição
da Medida Provisória n.º 472/2009.
18
Da mesma forma, como norma geral e concreta reafirmadora do
posicionamento permissivo em adotar o regime do lucro presumido pelas
securitizadoras de ativos empresariais, foi editada Solução de Divergência n.º 8/2001
pela Cosit (Coordenação-Geral de Tributação), departamento vinculado à Secretaria da
Receita Federal.
Analisamos ainda outros dois atos enunciativos de legalidade editados por
Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ), que em sede de primeira instância
administrativa consideraram o lucro presumido como opção às securitizadoras de ativos
empresariais.
Por fim, examinamos acórdão do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais (CARF), que se fundamenta inclusive na Solução de Divergência n.º 08/2011,
para manter decisão da DRJ quanto ao cancelamento de autuação fiscal, trazendo na
decisão como pressuposto o regime do lucro presumido às securitizadoras de títulos e
valores mobiliários.
Portanto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade editados pela Disit
(10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1), para demonstrar que em todos os níveis da
administração pública federal houve o reconhecimento jurídico por meio de regras
individuais e concretas e gerais e concretas da opção das securitizadoras por adotar o
regime do lucro presumido.
Para a surpresa das securitizadoras de ativos empresariais, o fisco federal
editou Parecer Normativo, interpretando com efeitos retroativos o disposto no inciso VI
do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, concluindo que essa modalidade de securitizadoras
possui identidade com a factoring, inserindo-as na obrigatoriedade do regime do lucro
real.
O referido parecer desrespeita vários princípios constitucionais, entre eles a
estrita legalidade, a irretroatividade, a moralidade administrativa e a segurança jurídica
(sobreprincípio), o que o macula de vícios insanáveis no ordenamento jurídico.
Por fim, percorremos as autuações fiscais apontando três fundamentos
jurídicos adotados pela fiscalização, fulcrados em contradições de mesma autoridade
fiscal, o que denota a falta de coerência e critérios lineares para as atuações.
19
Concluímos que, a despeito de a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014
possuir efeitos jurídicos vinculativos aos agentes públicos da Receita Federal do Brasil,
não há a obrigatoriedade exigida em lei para que as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários se submetam à apuração dos tributos pelo regime do lucro real,
permanecendo a faculdade quanto ao lucro presumido.
No Capítulo 5, em razão da insegurança jurídica identificada no regime de
tributação das securitizadoras de ativos empresariais, tratamos da migração dessa
atividade para os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que se
comporta como um veículo de securitização alternativo às Sociedades de Propósito
Específico, na medida em que, ao dispensar a criação de uma sociedade anônima,
desonera a operação dos respectivos custos e tributos incidentes, como IRPJ, CSLL, PIS
e Cofins.
Estudamos as identidades e as diferenças entre a securitizadora de valores
mobiliários e o FIDC, no âmbito legal, operacional e fiscal, demonstrando em relação
ao fundo a incidência de regras próprias e rígidas emitidas pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), as partes envolvidas, a economia operacional e a economia fiscal.
Tratando-se de uma modalidade já consolidada no mercado, o FIDC é uma
opção na modalidade de securitização de recebíveis, envolvendo significativo
investimento (exigência do investidor qualificado), comparado com as securitizadoras
de valores mobiliários. No entanto, os resultados são notórios, como menor risco ao
investidor, colateralização pelas cotas subordinadas ou outra modalidade de garantia,
boa avaliação de risco, significativa rentabilidade perante os ativos disponíveis no
mercado financeiro com nível de risco equivalente e eficaz e legítima economia
tributária.
Avaliamos ainda a questão da utilização do FIDC como meio legal para a
redução da carga tributária (planejamento tributário), desde que sejam atendidas as
regras do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários, o que é
legítimo em face do direito de escolha e da livre-iniciativa dos contribuintes.
Por fim, no Capítulo 6, concluímos nosso estudo sobre a securitização de
valores mobiliários, afirmando e confirmando a impossibilidade de securitizar os títulos
20
da Dívida Ativa dos entes políticos (União, Estados, Município e Distrito Federal), a
despeito de a natureza jurídica da certidão de Dívida Ativa tratar-se de título executivo
extrajudicial.
Apontamos princípios e barreiras normativas que impedem a cessão da
Dívida Ativa a terceiros, visto que o crédito tributário é considerado, em termos legais,
um bem indisponível, não podendo ser negociado. A execução da dívida ativa, por sua
vez, por possuir legislação específica (Lei n.º 6.830/1980), não contempla um terceiro
que não seja a Fazenda, como parte legítima para proceder à cobrança do débito fiscal
(artigo 132 da Constituição Federal), não se transferindo no âmbito processual a
cobrança do débito fiscal em legislação específica para o regime de direito privado,
sobretudo a forma de cobrança nos termos do Código de Processo Civil, em razão da
natureza jurídica do crédito.
Em razão de o deságio do valor do crédito fazer parte do processo de
securitização, decorrente de ato de transação do direito civil, no âmbito tributário esse
acordo firmado entre credor e devedor do débito fiscal é considerado causa extintiva do
crédito tributário. Destaca-se que não há no ordenamento jurídico atual legislação
instituindo e regulamentando a transação. Ainda que seja instituída por lei, entendemos
que há a necessidade da quebra da barreira da indisponibilidade do crédito tributário, o
que no nosso ordenamento jurídico é visto como um princípio do direito.
Por fim, analisamos a Instrução CVM n.º 444/2006, que considerou a
securitização da Dívida Ativa por meio da modalidade FIDC-NP como operação de
crédito, submetida à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Da mesma forma, investigamos as Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º
11/2015 e n.º 17/2015, editadas pelo Senado Federal, cujo objetivo é ceder às
instituições financeiras a cobrança da Dívida Ativa, bem como captar recursos a título
de adiantamento do fluxo de recebimentos de créditos da Dívida Ativa, oferecendo em
caráter definitivo ao FIDC-NP os valores creditórios que serão lastreados em títulos a
serem adquiridos por investidores no mercado privado.
21
As Resoluções n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado Federal
alteraram a Resolução n.º 43/2001 com o propósito de descaracterizar o entendimento
da operação como crédito sujeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não obstante a referida alteração dar legalidade à securitização da Dívida
Ativa, essa matéria (especificamente as modificações propostas pela Resolução n.º
33/2006 do Senado Federal) é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN
n.º 3786), que aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Portanto, a securitização de créditos da Dívida Ativa, no atual ordenamento
jurídico, não é passível de ser implementada pela União, Estados, Municípios e Distrito
Federal, a despeito da previsão na Instrução CVM n.º 444/2006 e nas Resoluções
editadas pelo Senado Federal, destacando que a característica da indisponibilidade do
interesse (bem) público prevalece, além da incompatibilidade da cobrança do débito por
outra via que não seja a Lei de Execução Fiscal, existindo ainda falta de legitimidade
dos entes privados na cobrança do direito creditório inscrito em Dívida Ativa em
eventual inadimplência do devedor no rito proposto da lei especial.
Em breve síntese, concluímos nosso estudo realizando cortes no sistema
jurídico, que se iniciou com a análise geral e descritiva dos aspectos jurídicos das
securitizadoras, percorreu a especificidade da modalidade de securitização de valores
mobiliários, adentrou na tributação incidente e não incidente sobre essa atividade.
Tratou da insegurança jurídica vivenciada pelos securitizadores em relação
ao regime de tributação adotado, especialmente aqueles que optaram pelo lucro
presumido, ainda que a interpretação normativa da Receita Federal não sirva de
elemento transformador de legalidade para obrigar a adoção do lucro real.
Constatou-se a migração da atividade de securitização de ativos
empresariais para outra espécie de securitização, o FIDC, que possui regras rígidas,
regime jurídico simplificado, menor carga fiscal, menor custo operacional, embora
apresente maior complexidade administrativa, limitação de prestadores de serviços no
mercado etc.
No final deste estudo concluímos que, a despeito de o FIDC ser uma forma
atrativa e interessante de securitização, servindo como fuga em busca de maior
22
segurança jurídica aos securitizadores de títulos e valores mobiliários, essa modalidade
não pode ser utilizada como meio de viabilização da securitização de créditos inscritos
em Dívida Ativa, em razão de restrições de regras processuais e barreiras
principiológicas, a despeito da edição de Instrução CVM e de Resoluções autorizativas
pelo Senado Federal.
23
1
ASPECTOS JURÍDICOS DA SECURITIZAÇÃO
Este estudo parte das regras do nosso atual ordenamento jurídico, não
deixando de dar relativa atenção ao papel econômico e operacional da atividade da
securitização no Brasil. Contudo, nosso objetivo maior é a análise jurídica-tributária-
científica da securitização de títulos e valores mobiliários, especialmente em relação aos
regimes de recolhimento dos tributos incidentes sobre essa atividade.
Iniciemos nossa investigação buscando atribuir definição ao conceito de
securitização no âmbito stricto sensu. Trata-se do primeiro passo no longo caminho que
percorreremos neste trabalho.
1.1 Definição do conceito de securitização
Não é nosso propósito no presente estudo fazer críticas à palavra
securitização em razão do abuso do uso indiscriminado do anglicismo. A securitização
surgiu nos Estados Unidos da América em 1977, em uma coluna no Wall Street
Journal,1 quando foi atribuído tal nome ao processo pelo qual as agências
governamentais americanas ligadas ao crédito hipotecário promoveram o
desenvolvimento do mercado de títulos lastreados em hipoteca.2
Security, numa acepção geral das regras e do mercado americano, significa
valor mobiliário. Esse termo pode significar qualquer nota, ação, ação em tesouraria,
obrigações, debêntures, comprovante de dívida, certificado de depósitos em garantia etc.
Já a palavra securitização tem sentido de transformação de recebíveis em valores
mobiliários, que se chamou de securities.
1
Estudo feito por Lewis Ranieri em The origins of securization, sources of its growth, and its future
potential. In: KENDALL, Leon T.; FISHMAN, Michael J (Coord.). A primer on securitization.
Cambridge: MIT Press, 1996. p. 30; CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
2007. p. 36. 2
CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 13.
24
No Brasil, o “valor mobiliário” é basicamente instrumental, pois o conceito
está relacionado à regulação estatal de determinada atividade econômica. Essa
expressão apareceu em razão da necessidade de regulação estatal de determinadas
operações que afetam a economia popular, especialmente aquelas com maior risco para
os investidores.3
Não será útil e salutar a este estudo fazer críticas ao nome securities, visto
que a referida palavra já foi incorporada ao direito brasileiro e à economia brasileira,
sendo muito utilizada. O objetivo deste trabalho é atribuir definição e sentido à palavra,
contextualizando o uso desse signo4 pelos seus utentes, buscando apontar suas acepções
de forma ampla e estreita.
Para Fidelis Oditach, citado por Uinie Caminha,5 o termo securitização
apresenta três significados: a) pode significar a transformação de ativos sem liquidez em
títulos negociáveis; b) pode identificar operações de cessão de recebíveis mediante
emissão ou não de títulos; c) pode significar processo de emissão de títulos de dívida,
que podem ou não ser lastreados em ativos subjacentes. Essas três acepções, a nosso
ver, apresentam conteúdo de definição lato sensu.
Portanto, de forma ampla podemos definir securitização como uma forma de
desintermediação e substituição de financiamentos realizados em instituições bancárias.
Essa definição mais simples implica apenas a emissão de títulos no mercado monetário
ou de capitais para aquisição de novos financiamentos. Note-se que o sentido dado é de
processo de desintermediação no mercado bancário.
O mercado de valores mobiliários é necessariamente um processo de
desintermediação, em razão de a pessoa realizar diretamente aplicação de seus recursos
financeiros. Entre o investidor e aquele que necessita de capital ou financiamento, não
há a interposição de qualquer entidade financeira.6
3
EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 138. 4
Adotando-se a definição de conceito dado por Edmund Hurssel, o signo é uma relação tríade entre um
suporte físico, um significado e uma significação. 5
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 37. 6
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:
Dialética, 1998. p. 21.
25
Na operação de intermediação bancária, tomadores e poupadores de
recursos financeiros são aproximados com o auxílio de um intermediário financeiro
(instituição financeira), que possui a incumbência de viabilizar empréstimos. A
desintermediação no mercado financeiro implica eliminar a instituição financeira,
fazendo com o que as operações sejam realizadas diretamente sem a presença da
instituição bancária, contudo a transação aparece com o mesmo escopo.
No âmbito stricto sensu definimos o conceito de “securitização” como uma
forma de acesso ao mercado de capitais por meio da emissão de títulos ou valores
mobiliários, vinculados em direitos creditórios de uma determinada pessoa jurídica e
adquiridos por investidores, formando-se uma relação jurídico-econômica contratual de
compra e venda7 entre o originador do crédito e a sociedade securitizadora, com
transmissão de obrigações mediante cessão, sendo que o cessionário adquirente sub-
roga-se no direito de cobrar diretamente o devedor.
Para Caminha,8 no sentido mais estreito, securitização tratou da reunião dos
três significados de Oditah, considerando que essa operação complexa envolve a
segregação de patrimônio (em razão da cessão a uma pessoa jurídica distinta ou
segregação interna) e a emissão de títulos lastreada nesse referido patrimônio segregado.
Para que ocorra uma atividade específica de securitização há a necessidade
de existir como parte da relação jurídica9 e econômica um agente originador do crédito
financeiro.
Na securitização os recebíveis decorrentes do originador do crédito são
negociados e comercializados com empresa de propósito específico denominada
securitizadora. Utilizando-se como lastro de pagamento esses créditos adquiridos, a
securitizadora emite “títulos ou valores mobiliários” adquiridos por investidores,
pessoas físicas e jurídicas, no mercado de capitais.
7
O artigo 481 do Código Civil dispõe que: “Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se
obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”. 8
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 38. 9
Para Lourival Vilanova, relação jurídica é um conceito fundamental e geral, cujo estudo pertence à
Teoria Geral do Direito: Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 238.
Francesco Carnelutti descreve que “relação jurídica é uma relação entre dois sujeitos, constituída pelo
direito, concernente a um objeto” (Teoria geral do direito. Tradução de Rodrigues Queiró e Artur
Anselmo de Castro. Coimbra: Arménio Amado, 1942. p. 184).
26
A distinção que se faz entre título e valor mobiliário é que o primeiro seria
gênero e o segundo espécie. Entretanto, para que um determinado título seja
considerado valor mobiliário é preciso que ele esteja previsto no artigo 2.º da Lei n.º
6.385/1976, com a redação da Lei n.º 10.303/2001 (“Art. 2.º São valores mobiliários
sujeitos ao regime desta Lei: [...]”)
Conforme Newton de Lucca,10
a distinção existiria em relação à
característica do valor mobiliário a ser negociado em mercado. Sob o ponto de vista
lógico, para esse jurista, os dois possuem sistemas distintos, sem uma correspondência
lógica entre ambos.
Os recursos obtidos com a venda dos títulos ou valores mobiliários para os
investidores são utilizados pela securitizadora para pagar o originador dos recebíveis,
incorrendo nesse momento no desconto dos juros (remuneração do dinheiro).
Os recebíveis podem ser “performados”, “a performar” ou “não
performados”. Os “performados” são aqueles em que os bens foram entregues ou os
serviços já foram prestados pelo originador, o que implica dizer que o risco quanto à
operação fica adstrito à inadimplência do devedor. Por seu turno, nos recebíveis “não
performados” os bens ainda não foram entregues e o serviço ainda não foi prestado pelo
originador, existindo ainda duas pendências que interferem diretamente no risco da
operação: a inadimplência do devedor e o cumprimento da obrigação de entregar o bem
ou o serviço pelo originador. Os recebíveis “a performar” se relacionam com a
expectativa de auferimento de valores futuros, porém incertos, difíceis de quantificação
e lastro. São aqueles que decorrem da potencialidade do ganho sobre determinada
relação jurídica, como um contrato de concessão para explorar praças de pedágios.
A securitização é um instrumento que pode ser utilizado pelas empresas
para transformar sua carteira de recebíveis em disponibilidade financeira de caixa
imediata, em substituição de outros tipos de financiamento tradicionais, sem a
intermediação bancária. Esse recurso torna o Brasil mais competitivo perante a
globalização, trazendo importantes números ao crescimento, ao ganho de produtividade
10
LUCCA, Newton de. Aspectos da teoria geral dos títulos de crédito. São Paulo: Pioneira, 1979. p. 36-
37.
27
e à geração de empregos, por meio da engenharia financeira na busca de baixar os juros,
permitir o crédito e reduzir a dependência bancária.
Muitos itens podem servir de lastro em uma operação de securitização, por
exemplo, contratos de locação de imóveis, contratos de venda de imóveis, pedágio de
rodovias, cartões de crédito, venda a crédito, contas de energia elétrica, exportações,
mensalidades escolares, planos de saúde, carteira de créditos de instituições financeiras,
faturas de exportação etc.
Cançado e Garcia11
apontam muitos outros ativos passíveis de securitização:
financiamentos e leasing de aeronaves; financiamentos e leasing de automóveis;
financiamentos de barcos; financiamento de giro de concessionários, conhecidos como
floorplans; leasing de contêineres marítimos e chassis; leasing de equipamentos;
empréstimos sobre automóveis; empréstimos para aquisição de computadores;
empréstimos baseados em factoring; empréstimos sobre equipamentos agrícolas;
empréstimos oriundos de franchising; empréstimos estudantis; empréstimos garantidos
por imóveis; empréstimos pessoais (consignados ou não); hipotecas sobre terras;
hipotecas de imóveis; recebíveis de passagens aéreas; recebíveis de empresa de saúde;
recebíveis de estacionamentos; recebíveis comerciais; campos de óleo e gás; fluxo de
royalties.
Portanto, os objetivos maiores inerentes à securitização são a criação de
liquidez na substituição do crédito por dinheiro e a transferência ou diluição de riscos
quanto ao inadimplemento.
A seguir, analisaremos a natureza jurídica da securitização.
1.2 Natureza jurídica da securitização
Securitização possui natureza jurídica de contrato de venda e compra de
direitos creditórios firmado entre partes, em que de um lado o originador (vendedor)
cede (obrigação de dar) à securitizadora (adquirente) direitos creditórios como forma de
11
CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 12-13.
28
diluição do risco em relação ao recebível. A transmissão da obrigação quanto ao crédito
adquirido se dá por meio da cessão, forma disposta no direito civil brasileiro, estudada
no Capítulo 2.
A primeira relação jurídica que se identifica na securitização ocorre entre o
originador e a empresa securitizadora, em que o primeiro se obriga a entregar direitos
creditórios ao segundo mediante o pagamento em dinheiro de valores decorrentes da
aquisição desses direitos, descontando-se, a título de remuneração da securitizadora,
certo montante denominado deságio do valor do crédito (spread).
Não obstante a natureza jurídica da securitização decorrer de um contrato de
venda e compra, é necessário destacar que o originador do crédito, antes de securitizar a
operação, já possui relação jurídica com terceiro (pessoa física ou jurídica), qual seja
aquele que irá realizar o pagamento do débito ao originador, seja em razão de operação
financeira, imobiliária, agrícola ou de recebíveis mobiliários.
Portanto, destaca-se a necessidade da ocorrência de uma relação jurídica
contratual anterior à operação de securitização, originária da formação desse direito, que
será objeto de cessão à securitizadora.
Com a transmissão ou cessão do direito à securitizadora, a relação jurídica
que se forma a partir de então se dá entre essa nova detentora dos direitos e o devedor
(pessoa física ou jurídica) que possui a obrigação jurídica de pagar pelo bem decorrente
da relação firmada com o originador. Há nesse caso a sub-rogação convencional12
do
direito ao crédito em relação à securitizadora.
Assim sendo, essa terceira relação jurídica contratual que se forma se dá
entre devedor e credor em virtude da transmissão de direitos do originador à
securitizadora, mediante comunicação do devedor, não dependendo em nenhum
momento da sua anuência.
12
O artigo 347 do Código Civil define sub-rogação convencional: “quando o credor recebe o pagamento
de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos”. O artigo 349 do mesmo Diploma
Legal dispõe que: “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e
garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”. Por fim, o artigo
350 do Código Civil atual trata dos limites do valor da cessão do crédito em razão da sub-rogação:
“Na sub-rogação legal o sub-rogado não poderá exercer os direitos e as ações do credor, senão até à
soma que tiver desembolsado para desobrigar o devedor”.
29
Com a cessão dos direitos creditórios, a cessionária emite títulos ou valores
mobiliários para captar recursos financeiros, com o objetivo de proporcionar o
pagamento ao originador do crédito. Esses recursos advêm de investidores que
adquirem os títulos ou valores mobiliários.
No Brasil identificam-se duas formas mais comuns de emissão de valores
mobiliários. A primeira delas é feita pela própria companhia originadora dos recebíveis.
Esses créditos ficam vinculados aos valores mobiliários emitidos por um vínculo
obrigacional ou real. Essa prática é usual nas companhias concessionárias de serviços
públicos estatais, que não possuem tanta flexibilidade para criar subsidiárias. A segunda
forma é a emissão de valores mobiliários por uma companhia criada especificamente
para gerir o projeto, denominada Sociedade de Propósito Específico (SPE).13
Com a edição da Lei n.º 6.385/1976, alterada pela Lei n.º 10.303/2001, ficou
estabelecido um rol de valores mobiliários que poderão ser emitidos pelas companhias:
a) as ações, debêntures e bônus de subscrição;
b) os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de
desdobramento relativos aos valores mobiliários;
c) os certificados de depósito de valores mobiliários;
d) as cédulas de debêntures;
e) as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes
de investimento em quaisquer ativos;
f) as notas comerciais;
g) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos
subjacentes sejam valores mobiliários;
h) outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes;
e,
i) quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de
investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou
13
BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Securitização como parte da segregação de risco. Revista do BNDES,
Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 128, dez. 1999.
30
de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos
rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.
Ficam excluídos desse rol os títulos da dívida pública federal, estadual,
municipal ou distrital e os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira,
exceto as debêntures.
A debênture é um valor mobiliário emitido por sociedades por ações,
representativo de dívida, que assegura a seus detentores o direito de crédito contra a
companhia emissora. Consiste em um instrumento de captação de recursos no mercado
de capitais, que as empresas utilizam para financiar seus projetos e investimentos.
Os recursos captados pela empresa por meio da distribuição de debêntures
podem ter diferentes usos: investimentos em novas instalações, alongamento do perfil
das dívidas, financiamento de capital de giro etc.
Ao disponibilizar seus recursos para serem utilizados pela empresa, o
comprador (ou debenturista ou titular de debênture) faz jus a uma remuneração.
Sobre as debêntures, valores mobiliários mais utilizados na securitização,
elas são classificadas, no tocante às garantias oferecidas aos investidores, em: (i)
debêntures com garantia flutuante, vinculadas a uma securitização, visto que a garantia
é sobre todo o patrimônio da SPE; (ii) debênture com garantia real, usada nos casos de
securitização imobiliária; (iii) debêntures subordinadas, aplicadas na securitização
quando há várias séries compondo a emissão; (iv) quirografárias; e (v) flutuantes.14
Destaca-se ainda que as securitizadoras não podem transacionar diretamente
com bancos, restringindo suas operações às compras de recebíveis financeiros, às
emissões de títulos ou debêntures no Brasil ou no exterior.
Passemos no próximo item, após breve introdução, a tratar das modalidades
de securitização. O estudo das modalidades é importante para conhecermos os tipos de
créditos securitizados no Brasil e a evolução histórica e normativa dessa atividade.
14
PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:
Almedina, 2015. p. 39.
31
1.3 Modalidades de securitização
Entre as modalidades de securitização, destacam-se: (i) os ativos
empresariais ou de títulos e valores mobiliários; e (ii) os Fundos de Investimento em
Direitos Creditórios, protagonistas do presente estudo.
Antes de se analisarem os aspectos gerais dessas duas modalidades,
entendemos necessário conhecer todas as modalidades existentes praticadas nesse país.
1.3.1 Securitização de exportações
As primeiras operações com securitização no Brasil ocorreram no final da
década de 1980. Os primeiros diplomas legais a tratar da securitização foram a
Resolução CMN n.º 1.844/1991, que dispôs sobre o Programa de Financiamento às
Exportações (Proex), regulamentada pela Circular do Banco Central do Brasil n.º
1.979/1991, tratando-se especificamente da securitização de ativos oriundos de
recebíveis de exportações de empresas brasileiras.
Esse programa permitiu a concessão de assistência financeira de descontos
de títulos em exportações de bens, ou financiamento direto, no caso de exportações de
serviços. Consistiu na emissão de títulos lastreados em créditos oriundos da exportação.
Nesses casos, a invoice ou fatura emitida em razão da exportação foi o meio
representativo do valor do crédito a ser securitizado.
A Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) não mencionou
expressamente a palavra “securitização”, mas em seu texto estabeleceu que as operações
de financiamento relativas às exportações de produtos e serviços nacionais teriam por
objeto títulos emitidos por exportadoras brasileiras.
Por seu turno, a Circular regulamentadora emitida pelo Banco Central tratou
explicitamente da securitização das exportações, mencionando a captação de recursos
no mercado externo para financiar as empresas exportadoras por meio de emissão de
títulos negociados no mercado internacional.
32
Portanto, o originador desses recebíveis foram as empresas exportadoras
brasileiras que negociaram com empresas estrangeiras de propósito específico os
recebíveis decorrentes da exportação.
Basicamente, o mecanismo apresenta a seguinte característica: uma empresa
subsidiária estrangeira de uma sociedade brasileira cede a título oneroso a uma empresa
de propósito específico estabelecida no exterior15
os recebíveis de exportação, sendo
emitidos pela adquirente títulos ou valores mobiliários no mercado lastreados nesses
recebíveis, captando recursos repassados aos originadores/exportadores brasileiros.
A securitização de exportações brasileiras foi lastreada em títulos no
exterior por meio da emissão de trust certificate.16
De acordo com Modesto Carvalhosa,
[...] caracteriza-se o trust pela transferência de capitais e valores
econômicos de uma determinada pessoa física ou jurídica, que tem
como objetivo gerir e administrar aqueles capitais e valores; exerce
esta última o papel de agente fiduciário, trustee, cabendo-lhe, com
plena autonomia, aplicar tais bens e valores da melhor forma, no
interesse do agenciador. Ao trustee cabe a direção, de maneira
uniforme, do conjunto de negócios que lhes são confiados.17
Em razão de guardar característica de lastro sobre receitas futuras, a
captação de recursos no exterior pode ser considerada recurso externo financiador de
exportações. Essa modalidade de securitização ainda é utilizada no Brasil por
companhias multinacionais.
15
Ilene Patrícia de Noronha Najjarian denomina empresa como “veículo de propósito exclusivo” (VPE)
(Securitização de recebíveis. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 63). 16
Trust certificate é um título de crédito emitido por sociedade constituída sob modalidade de trust. O
trust origina-se do common law inglês. É regido por um contrato de lealdade e confiança, como bem
lembra Isabel Vaz, em sua obra Direito econômico da concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p.
90. 17
CARVALHOSA, Modesto Souza Barros. Poder econômico: fenomenologia – seu disciplinamento
jurídico. São Paulo: RT, 1967.
33
1.3.2 Fundo de investimento imobiliário
Em 1993, surgiu no Brasil a securitização imobiliária, com o propósito de
desafogar e suprir o financiamento da habitação, utilizando-se de fundos mútuos de
investimento. A primeira regra a tratar da securitização imobiliária no Brasil foi a Lei
n.º 8.668, de 25.06.1993.
O fundo de investimento imobiliário foi criado sob a forma de uma reunião
de recurso, sem personalidade jurídica, sob o sistema de distribuição de valores
mobiliários descritos na Lei n.º 6.385/1976, cuja aplicabilidade ocorreu em
empreendimentos imobiliários.
Como bem observou Caminha,18
os fundos de investimento imobiliário não
são considerados expressamente mecanismos de securitização, mas no âmbito
conceitual apresentam idênticas características quanto à segregação dos ativos para
posterior emissão de títulos neles lastreados.
Diante disso, esses fundos foram criados para fomentar o financiamento
imobiliário, e, sob a forma de condomínio, é administrado por instituição que realiza em
seu nome a aquisição dos bens e direitos de natureza imobiliária.
Em momento posterior, a lei ora mencionada veio a ser regulamentada pela
Comissão de Valores Mobiliários, com a Instrução CVM n.º 205, de 14.01.1994,19
e
pelo Conselho Monetário Nacional, que expediu as Resoluções CMN n.º 2.248, de
08.02.1996, e n.º 2.686, de 26.01.2000.
Conforme a Lei n.º 8.668/1993, os bens e direitos integrantes do patrimônio
do fundo de investimento imobiliário não se comunicam com o patrimônio da
administradora, não podendo ser dado em garantia ou mesmo lastrear obrigações
próprias da administradora, a despeito de serem mantidos sob a propriedade fiduciária
da entidade administradora.
18
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 145. 19
Revogada pela Instrução CVM n.º 472/2008.
34
Esses fundos estão bem consolidados no Brasil, são bem-sucedidos e
realizam financiamento de grandes projetos, como a construção de centros empresariais,
condomínios etc.
1.3.3 Securitização de crédito imobiliário
Outra modalidade importante e muito praticada no Brasil é a securitização
de créditos imobiliários. A regra fundamental que veio consolidar essa modalidade de
securitização foi editada em 20.11.1997, e vem sendo aplicada também nas operações
de securitização de títulos e valores mobiliários. Trata-se da Lei n.º 9.514, que criou o
Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).
Essa é a única lei brasileira em vigor que trata e regulamenta a securitização.
Instituiu essa regra o que chamamos de securitização de recebíveis imobiliários.
Gaggini,20
ao analisar a Lei n.º 9.514/1997, aponta que os créditos
imobiliários são vinculados à emissão de vários títulos de crédito expedidos por
empresas securitizadoras mediante “Termo de Securitização de Créditos”,21
que deverão
conter: (i) os devedores; (ii) o valor nominal de cada crédito que serviu de lastro para a
emissão do título; (iii) as informações do imóvel vinculado (número do Registro de
Imóveis ou Matrícula); (iv) o número do registro do ato em que o crédito foi cedido; (v)
a identificação dos títulos emitidos; (vi) outras garantias de resgate dos títulos da série
emitida, se exigidas.
A Lei n.º 9.514/1997 instituiu ainda o regime fiduciário, em que os ativos
lastreados da securitização devem ser segregados dos ativos da securitizadora,
constituindo-se patrimônio separado. Nesse regime, os investidores serão representados
por uma instituição financeira ou companhia autorizada a funcionar pelo Banco Central,
denominada Agentes Fiduciários, sendo considerados beneficiários os investidores
adquirentes dos valores mobiliários emitidos pelas securitizadoras.
20
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 69. 21
Exigência da Lei n.º 11.076/2004, artigo 37, VII.
35
Portanto, todos os créditos objeto do regime fiduciário são exclusivos da
liquidação dos títulos que tiverem atrelados, permanecendo inclusive isentos de
qualquer ação ou execução pelos credores da securitizadora.22
Como bem observa Noronha Najjarian,23
a segregação patrimonial nas
securitizadoras imobiliárias foi tratada em dois momentos, primeiro a fase da
incorporação, antes da securitização, depois no veículo securitizador, depois de cedidos
os créditos, destacando o papel importante da Lei n.º 10.931/2004, que criou a figura do
patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias.
A Lei define a securitização de créditos imobiliários como “a operação pela
qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de
crédito, mediante termo de securitização de créditos lavrado por uma companhia
securitizadora, onde constarão todas as informações a respeito da operação em tela”.24
A despeito de a lei autorizar as securitizadoras de títulos imobiliários a
emitir outras modalidades de valores mobiliários, como as debêntures,25
basicamente no
Brasil os recebíveis são lastreados em Certificado de Recebível Imobiliário (CRI).26
O CRI é definido como títulos de crédito nominativo, de livre negociação,
lastreados em créditos imobiliários, constituindo, portanto, promessa de pagamento em
dinheiro. São títulos exclusivos das companhias securitizadoras de créditos imobiliários.
As sociedades securitizadoras de títulos imobiliários são instituições não
financeiras, constituídas sob a forma de sociedades anônimas, com o propósito de
adquirir recebíveis imobiliários para posterior emissão do CRI.
22
Nesses termos, CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 21. 23
NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier
Latin, 2010. p. 59. 24
Artigo 8.º da Lei n.º 9.514/1997. 25
A Instrução CVM n.º 281/1998 tratou das debêntures de securitização, conferindo o mesmo
regramento relativo às debêntures definidas como valores mobiliários do artigo 2.º da Lei n.º
6.385/1976. As debêntures terão séries, rentabilidades e prazos distintos. Essa regra se aplica a todas
as modalidades de securitização. 26
Artigo 6.º da Lei n.º 9.514/1997.
36
Há a possibilidade ainda de os créditos serem representados por Cédula de
Crédito Imobiliário (CCI), instituída pela Medida Provisória n.º 2.223/2001, convertida
na Lei n.º 10.931/2004. Essas cédulas podem ser emitidas pelo credor imobiliário sem a
anuência do devedor.
A cessão da CCI pode ser feita por endosso caso seja um documento
cartular, ou por meio da central de liquidação e custódia de títulos na hipótese de
emissão escritural. Nas securitizações lastreadas em CCI, é indispensável a identificação
no Termo de Securitização do número, valor, série e instituição custodiante,
mencionando o patrimônio separado a que estão afetadas.
Destaca-se ainda que a Lei n.º 10.931, decorrente da conversão da Medida
Provisória ora mencionada, permitiu que os agentes financeiros possam operar a
securitização, de forma independente das securitizadoras, emitindo Letras de Crédito
Imobiliário (LCI), títulos nominativos que podem ser transferidos por endosso em preto,
emitidos e negociados de forma escritural. Tais títulos estão lastreados em créditos
imobiliários garantidos por hipoteca ou alienação fiduciária de imóveis, sujeitando-se ao
tempo dos créditos que lhes dão lastro.27
Embora não sejam instituições financeiras, as sociedades securitizadoras de
créditos imobiliários sujeitam-se às regras editadas pelo Conselho Monetário Nacional,
como ocorre com a Resolução n.º 2.686/2000.
Essa modalidade de securitização opera com recebíveis, contudo, relativos
às operações imobiliárias, como compra e venda de imóveis (performado = entregue ou
não performado = entrega futura), contrato de locação de imóveis, financiamento de
imóveis residenciais e comerciais etc.
Nessa modalidade, quando a securitizadora emite os títulos, no caso os
Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), é necessária a contratação de um Agente
Fiduciário, uma instituição financeira ou outra entidade especialmente autorizada pelo
Banco Central, que tem por objetivo a administração ou a custódia de bens de terceiros
e que atua como representantes dos detentores do CRI perante a securitizadora.
27
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 148.
37
No mercado mundial a figura do trustee é bem parecida com o papel do
Agente Fiduciário, a despeito de o primeiro ter um papel mais amplo que o agente, haja
vista que assume obrigações legais e adicionais em relação à estrutura da operação de
securitização.
1.3.4. Securitização de ativos empresariais
Denominada securitização de ativos empresariais ou de títulos e valores
mobiliários, essa modalidade, protagonista de nosso estudo, carece de disciplina legal
específica que possa ser aplicada indiscriminadamente, sendo tratada e regulamentada
por regras emprestadas de outras modalidades de securitização, como a Lei n.º
9.514/1997 (aplicáveis na securitização de créditos imobiliários), o Código Civil
brasileiro, a Lei das Sociedades Anônimas, entre outras.
A despeito da existência da falta de regulamentação, há elementos formais
necessários a essa modalidade, principalmente na formação da relação contratual de
aquisição e cessão dos direitos creditórios, na constituição da sociedade securitizadora,
na emissão de títulos ou valores mobiliários, na possibilidade de recompra dos créditos
pelo originador no caso de inadimplência do devedor, temas estudados no próximo
capítulo.
Os ativos empresariais passíveis de securitização não são apenas os
oriundos de operações comerciais, podem envolver também a prestação de serviços, que
gera valores econômicos que podem ser considerados recebíveis.
A diferença entre modalidades de securitização se dá na espécie de
recebíveis, objeto de cessão. Os recebíveis de cartões de créditos, por exemplo, é um
bom exemplo de ativo securitizado em todo o mundo.
Na modalidade de ativos empresariais os títulos de crédito comercializados
são as notas promissórias, duplicatas mercantis, cheques, letras de câmbio, faturas etc.
No Brasil, a securitização de ativos empresariais teve seu marco inicial com
o Grupo Mesbla, que transformou seus recebíveis em títulos financeiros negociáveis no
mercado. Com a constituição da Mesbla Trust, a primeira operação foi realizada em
38
1994, com a emissão de debêntures lastreadas em recebíveis originados da Mesbla S.A.,
em operações de compras feitas com cartões de crédito.
A falência da originadora dos créditos não afetou o resgate dos
investimentos feitos na Mesbla Trust, visto a segregação dos ativos da entidade
emissora em relação aos da originadora.
Há outras operações de securitização de recebíveis realizadas nesse país
com sucesso, como Feniciapar, Mappin Trust, Tec-Toy, Dominium Par, Energipar,
Golden Cross, Bahia Trust, Infovias, Metal Trust etc.28
1.3.5 Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC)
Outra modalidade importante de securitização é o FIDC, criado pela
Resolução n.º 2.907/2001, com o intuito de servir de instrumento para a securitização de
ativos. Esse fundo é constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado, com a
existência de diferentes classes de cotas, permitindo-se estabelecer regras internas
quanto à emissão e resgate das cotas.
A administração do FIDC somente pode ser exercida por banco múltiplo,
banco comercial, Caixa Econômica Federal, banco de investimento, sociedade de
crédito, financiamento e investimento, sociedade corretora ou distribuidora de títulos e
valores mobiliários.29
A constituição desse tipo de fundo se dá mediante a cessão de recebíveis do
originador do crédito ao fundo, passando a compor o seu ativo. Uma característica do
FIDC disposta na regulamentação é que a aplicação de recursos somente deve ser feita
por investidores qualificados.
28
NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier
Latin, 2010. p. 85. 29
Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. Disponível em:
<http://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/estudos/produtos-de-
captacao/Documents/FIDC.pdf>, p. 67. Acesso em: 13 abr. 2016. Vide Instrução CVM n.º 356/2001,
artigos 32 e 37.
39
Entende-se por qualificados: (i) investidores profissionais; (ii) pessoas
naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$
1.000.000,0030
e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor
qualificado mediante termo próprio; (iii) pessoas naturais que tenham sido aprovadas
em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como
requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de
carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos
próprios; e (iv) clubes de investimento cuja carteira seja gerida por um ou mais cotistas
que sejam investidores qualificados.31
Investidores profissionais são: (i) instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (ii) companhias
seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de
previdência complementar; (iv) pessoas naturais ou jurídicas que possuam
investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 e que, adicionalmente,
atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio; (v)
fundos de investimento; (vi) clubes de investimento, cuja carteira seja gerida por
administrador de carteira autorizado pela CVM; (vii) agentes autônomos de
investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários
autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e (viii) investidores não
residentes.32
A Instrução CVM n.º 356/2001, alterada pela Instrução CVM n.º 554/2014,
caracteriza o FIDC como “uma comunhão de recursos que destina parcela
preponderante do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos
creditórios”. Nessa operação os bens pertencem ao fundo e as cotas são dos
condôminos.
30
Em razão de a regra da CVM não especificar a modalidade de investimento da pessoa física para
atribuir a condição de investidor qualificado, o nosso entendimento e dos administradores do FIDC é
de que qualquer investimento feito pelo investidor que atinja o patamar mínimo exigido de R$ 1
milhão permite que o investidor assuma a condição de qualificado. 31
Instrução CVM n.º 555/2015. 32
Instrução CVM n.º 554/2014.
40
Por seu turno, os direitos creditórios são definidos pelo artigo 2.º da
Instrução CVM n.º 356/2001, com as alterações promovidas pela Instrução CVM n.º
442/2006, da seguinte forma:
Os direitos e títulos representativos de crédito, originários de
operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial,
imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de
serviços, e os warrants, contratos e títulos referidos no § 8.º do art. 40,
desta Instrução.
O FIDC deve manter mais do que 50% do seu patrimônio líquido em
direitos creditórios e os recursos remanescentes poderão ser aplicados em títulos
públicos e privados de renda fixa, títulos públicos federais, créditos securitizados pelo
Tesouro Nacional, títulos de emissão de Estados e Municípios, CDBs,33
RDBs,34
valores mobiliários e demais ativos financeiros de renda fixa, exceção feita às cotas do
FDS,35
operações com derivativos para fins de hedge, operações compromissadas e
aplicações em warrants e em contratos mercantis de compra e venda de produtos e
mercadorias e/ou serviços para entrega de prestação futura (com a garantia de
instituição financeira ou de sociedade seguradora).
O fundo pode ser aberto ou fechado, dado que no primeiro o investidor pode
solicitar o resgate de suas cotas em conformidade com o disposto no regulamento
interno; já os fechados são aqueles cujas cotas somente são resgatadas no término do
prazo de duração do fundo ou em virtude de sua liquidação.
Destaca-se ainda a exigência de classificação de risco do fundo por uma
empresa classificadora de risco em funcionamento no País. Qualquer alteração na
classificação de risco deve ser publicada como fato relevante.
33
Certificado de Depósitos Bancários é um título emitido pelos bancos para capitalizar ou financiar suas
atividades de crédito. 34
Recibo de Depósito Bancário é um investimento de renda fixa, no qual os investidores emprestam seu
dinheiro aos bancos para que possam utilizá-los em diversas transações, recebendo o valor aplicado
corrigido (incidência de juros) no final do contrato da aplicação. 35
Trata-se de uma fração ideal de patrimônio do Fundo de Desenvolvimento Social (fundo contábil de
natureza financeira com prazo indeterminado), voltado ao financiamento de projetos de investimento
de interesse social nas áreas de habitação popular.
41
Essa operação denominada rating consiste em apontar o grau de avaliação
do pagamento do principal e dos juros na data prometida e nos termos avençados quanto
ao rendimento e devolução do dinheiro investido. Refere-se a uma garantia ao
investidor em colocar seu dinheiro em um FIDC. As agências de classificação atribuem
notas a essa avaliação qualitativa do fundo, que vai de A a D em escalas. A é a nota para
o “bom pagador”, com o risco menor, e D a nota para o “mau pagador”, com risco
muito elevado nessa escala. A melhor classificação que se vislumbra nas empresas de
classificação é a chamada AAA. A pior é a D. Notas acima de BBB- dão ao agente o
grau de investimento, enquanto os classificados abaixo dessa nota recebem o grau de
especulação.
Outra segurança dada aos investidores ou cotistas está na auditoria a ser
realizada anualmente por auditores independentes, os quais deverão ter registro na CVM
para auditar fundos e companhias abertas, respondendo pelos seus atos.
Destaca-se ainda que a venda e a cessão de direitos creditórios para o FIDC
implicam perda da liberdade de renegociação dos créditos com os respectivos
originadores, embora haja fundos que contornem essa restrição permitindo a
substituição do lastro em caso de inadimplemento. Não obstante, esse procedimento está
atrelado ao perfil de risco do investidor a que se destina, que deverá estar informado
dessa possibilidade.36
O FIDC permite a composição de estruturas muito diferentes que atendem
aos mais diversos setores da economia, como industrial, comercial, imobiliário,
financeiro e de prestação de serviços, contemplando diversidade de cedentes
(originadores), como indústrias, factorings, empresas comerciais, incorporadoras,
locadoras, bancos e finanças, entre outros.
Os recebíveis, por sua vez, possuem diversidades, incluindo entre eles
duplicatas, carnês, cheques, cartões de crédito, contratos de compra e venda de imóveis,
contratos de aluguel de imóveis, Crédito Direto ao Consumidor (CDC) envolvendo
36
Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro. Câmara de Custódia e Liquidação.
FIDC – Fundo de Investimento em Direitos Creditórios. Estudos especiais. Produto de captação. Rio
de Janeiro: Andima, Cetip, 2006. p. 18.
42
veículos e créditos pessoais, com destaque para o consignado com desconto direto em
folha de pagamento e empréstimos bancários em geral.
1.3.6 Securitização de créditos financeiros
Outra modalidade muito utilizada no Brasil de securitização, envolvendo
recebíveis bancários, foi instituída pela Resolução CMN n.º 2.493/1998,
regulamentando operações com empréstimos e carteiras de arrendamento mercantil.
Segundo Fagundes,37
a referida Resolução foi o marco revolucionário nos créditos
financeiros.
Essa Resolução tratou da cessão de créditos oriundos de algumas operações
por parte de bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, sociedades
de arrendamento mercantil, sociedades de crédito, financiamento e investimento,
sociedades de créditos imobiliários, sociedades anônimas de propósitos específicos e
companhias securitizadoras de créditos financeiros.
A Resolução CMN n.º 2.493/1998 foi revogada pela Resolução CMN n.º
2.686/2000, que passou a reger as operações de securitização de créditos financeiros.
Podemos descrever essa modalidade de securitização como a operação em
que as instituições financeiras realizam a cessão dos seus créditos financeiros,
decorrentes de sua atividade de intermediação bancária, às companhias securitizadoras
que emitem títulos lastreados nesses créditos.
Caminha38
menciona que:
[...] a companhia de créditos financeiros pode emitir ações ou
debêntures não conversíveis para distribuição pública, ou debêntures
não conversíveis subordinadas para emissão privada, no mercado
local, ou ainda outros valores mobiliários para distribuição no
exterior, de acordo com as leis do país de distribuição. Note-se que a
emissão privada de debêntures só é permitida no caso de a instituição
cedente dos créditos ser sua única adquirente.
37
FAGUNDES, Carlos. Securitização: inovação na gestão de créditos bancários. Tecnologia de Crédito,
v. 2, n. 11, p. 6-13, mar. 1999. 38
CAMINHA, Uinie. Securitização. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158.
43
Outro ponto que merece atenção em relação à Resolução CMN n.º
2.686/2000 é que somente as companhias securitizadoras de créditos financeiros,
registradas na CVM como sociedade anônima de capital aberto, podem vender suas
ações perante a Bolsa de Valores e podem captar recursos financeiros mediante a
emissão de debêntures, a qual pode ser vinculada ao montante dos créditos
securitizados.
Destaca-se ainda em relação à Resolução em vigor a existência da
coobrigação da instituição financeira cedente pelo pagamento dos créditos cedidos, o
que de certa forma traz segurança ao investidor, mas longe ainda de ser uma operação
atrativa.
A securitização de créditos financeiros permitiu que as instituições
financeiras pudessem excluir dos seus balanços operações que comprometessem seus
níveis de concentração de risco, ou contratos com problemas, cedendo-os para veículos
de propósitos específicos que não fazem parte do Sistema Financeiro Nacional.
Como bem observa Livia Coelho,39
a Resolução n.º 2.686 determina que a
cessão de créditos financeiros somente pode ser realizada pela sociedade anônima que
contenha a expressa denominação de “Companhia Securitizadora de Créditos
Financeiros”.
Por fim, destaca-se que o registro de distribuição pública de debêntures por
companhias securitizadoras de créditos financeiros é regulado pela Instrução Normativa
n.º 281/1998, com as alterações feitas pela Instrução CVM n.º 307/1999 e Instrução
CVM n.º 480/2009.
39
COELHO, Livia Alves Visnevski Fróes. Securitização. 2007. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São
Paulo, p. 93.
44
1.3.7 Securitização de créditos do agronegócio
Por fim, outra importante modalidade de securitização foi instituída com a
edição da Medida Provisória n.º 221/2004, convertida na Lei n.º 11.076/2004, que
introduziu os títulos agrícolas a serem securitizados em relação ao agronegócio.
A citada lei traz em seu texto modelo muito similar à securitização de ativos
imobiliários, com o intuito de financiar o agronegócio no País.
A Lei n.º 11.076/2004 introduziu novas espécies de títulos de crédito a
serem utilizados em operações relativas ao agronegócio. São os Certificados de
Depósito Agropecuário (CDA), os Warrants Agropecuário (WA), os Certificados de
Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), as Letras de Crédito do Agronegócio
(LCA) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).
O CDCA, a LCA e o CRA são títulos de emissão exclusiva das sociedades
securitizadoras de recebíveis do agronegócio.
Nos termos do artigo 40 da Lei n.º 11.076/2004, a securitização de direitos
creditórios do agronegócio é a operação pela qual tais direitos são expressamente
vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante “Termo de
Securitização de Direitos Creditórios”, emitidos por uma companhia securitizadora, do
qual constarão os seguintes elementos: I – identificação do devedor; II – valor nominal e
o vencimento de cada direito creditório a ele vinculado; III – identificação dos títulos
emitidos; IV – indicação de outras garantias de resgate dos títulos da série emitida,
quando constituídas.
Os créditos lastreados em títulos, como debêntures, decorrem de produtos
comercializados ou depositados em armazéns certificados por autoridades
governamentais. Trata-se da cessão de créditos relativos à produção agrícola, à criação
de animais, à produção de etanol, à produção de açúcar, à produção de café, à produção
de algodão, à produção de laranja etc.
Outro setor que tem acesso ao mercado de capitais é o insumo agrícola.
Algumas empresas acabaram emitindo CRA sobre a venda de fertilizantes e defensivos
45
com prazo fixado na safra por meio de duplicatas, que podem ser cedidas a uma
securitizadora para emissão do referido certificado.
As principais vantagens para as empresas do agronegócio são: acessar o
investidor do mercado de capitais e ter operação que não toma limite bancário, o que
propicia mais facilidade para novas captações de recursos no longo prazo.
Além disso, o CRA pode financiar o ciclo operacional do produtor por mais
de uma safra. Existem operações realizadas de até cinco anos.
Do ponto de vista do investidor, o CRA é um título do segmento de renda
fixa que promete rentabilidade atrativa, bem como isenção de imposto de renda para
pessoas físicas, conforme disposto no artigo 7.º da Lei Federal n.º 11.311/2006, que
introduziu o inciso IV no artigo 3.º da Lei n.º 11.033/2004.40
Após a descrição das modalidades de securitização, constrói-se
organograma geral das securitizadoras, identificando as partes envolvidas, as funções
exercidas por elas e as operações realizadas entre elas.
Realçamos inicialmente no item seguinte a distinção entre o processo de
securitização na prática e na teoria, contudo não evidenciamos implicações jurídicas que
pudessem permitir sua descaracterização.
1.4 Organograma geral da securitização
Buscando apresentar uma forma genérica de estrutura operacional da
securitização, independentemente da modalidade do ativo a ser securitizado, apontamos
o seguinte organograma, que será objeto de análise a seguir:
40
“Art. 3.º Ficam isentos do imposto de renda: [...]
IV – na fonte e na declaração de ajuste anual das pessoas físicas, a remuneração produzida por
Certificado de Depósito Agropecuário – CDA, Warrant Agropecuário – WA, Certificado de Direitos
Creditórios do Agronegócio – CDCA, Letra de Crédito do Agronegócio – LCA e Certificado de
Recebíveis do Agronegócio – CRA, instituídos pelos arts. 1.º e 23 da Lei n.º 11.076, de 30 de
dezembro de 200.”
46
a) Como deve ser o processo de securitização
Observa-se que a aquisição do crédito pela securitizadora (3), com a
emissão do contrato de aquisição e do Termo de Securitização, possibilita a
securitizadora ir ao mercado buscar investidores (4) com a emissão de títulos e valores
mobiliários (debêntures), gerando fluxo financeiro (5) para remunerar os originadores
(6).
Essa é a forma-padrão do procedimento de securitização.
Denominamos de processo de securitização o conjunto de atos e relações
jurídicas que se formam entre devedor, originador, securitizadora e investidor,
considerados o mínimo necessário para se caracterizar a operação de securitização. Sem
esses atos e relações jurídicas mínimos apontados no organograma, não é possível
afirmar que ocorreu a securitização.
Vejamos a seguir como funciona na prática esse processo de securitização.
47
b) Como é na prática o processo de securitização
Note-se no organograma supra que os números 4, 5 e 6 estão em posições
distintas ao compararmos com o organograma disposto no item anterior.
Isso porque, na prática, as securitizadoras adquirem e recebem em cessão os
recebíveis, efetuam o pagamento aos originadores com o caixa próprio, para logo em
seguida emitirem as debêntures com lastreamento nos créditos adquiridos, recebendo, a
partir de então, os investimentos para recomposição do caixa.
Essa prática se dá em razão do tempo exigido pelos originadores para
monetizar os recebíveis de forma imediata. Diante disso, no momento da aquisição dos
recebíveis pela securitizadora, há a assinatura do contrato de compra e cessão entre
originador e securitizadora.
Todavia, a emissão do “Termo de Securitização”, em que se apontam os
devedores, o valor nominal de cada crédito que serviu de lastro, o número de registro do
48
ato em que o crédito foi cedido, a identificação dos títulos ou valores mobiliários
emitidos e as garantias, ocorre após o pagamento ao originador.
Em nosso entendimento essa mudança de fluxo operacional em nada
interfere no âmbito jurídico das securitizadoras, tendo apenas impacto de fluxo
financeiro ou caixa para a adquirente dos recebíveis, visto que os lastreamentos dos
créditos (recebíveis) com as respectivas emissões de debêntures, a emissão do Termo de
Securitização, o registro da entrada e saída do investimento são realizados e atendem
perfeitamente à legislação aplicável.
Assim, em nenhum momento a inversão do pagamento pela aquisição dos
recebíveis e lastreamento dos recebíveis desqualifica a operação ou serve de elemento
para descaracterizar o processo de securitização de ativos.
Ademais, a estrutura de uma securitizadora é variável em razão dos
objetivos e interesses nas operações.
Para entendermos como funciona a securitização, iniciemos pelas partes
envolvidas:
(i) Originador (ou gerador)
Pessoa jurídica que dá origem aos recebíveis cedidos às securitizadoras. O
originador detém inicialmente o direito sobre o fluxo de caixa oriundo do
financiamento, representado pelas parcelas do saldo devedor constituídas do valor
principal e juros.
Destaca-se no âmbito operacional que o originador dos recebíveis promove
a remoção do seu balanço dos ativos cedidos à securitizadora. Tais recebíveis passam a
fazer parte do balanço patrimonial da sociedade adquirente, após a cessão.
(ii) Companhia securitizadora (ou veículo)
Em regra, são sociedades anônimas de propósito específico, não financeiras,
que adquirem recebíveis dos originadores, colocando no mercado títulos ou valores
mobiliários correspondentes a esses recebíveis. São detentoras de um fluxo de caixa
49
composto por recebíveis, e deve manter controles sobre a forma e o volume de seus
ativos e passivos, segregando, principalmente, o risco da originadora.41
(iii) Investidores
São pessoas físicas ou jurídicas que possuem recursos financeiros
disponíveis para a aquisição dos títulos ou valores mobiliários emitidos pelas
securitizadoras, tornando-se beneficiários dos fluxos de pagamento de juros e principal
provenientes dos financiamentos que formam o lastro dos recebíveis.
(iv) Cliente, tomador dos recursos ou devedor
São pessoas físicas ou jurídicas que compram mercadorias, tomam serviços,
realizam locações ou contratam financiamento de bens imóveis, adquirem produtos
agrícolas, ou tomam empréstimos financeiros, entre outros exemplos, tornando-se
devedores perante o originador.
(v) Empresa de classificação de risco (agência de rating)
Para que a securitizadora emita títulos ou valores mobiliários no mercado
para lastrear os recebíveis adquiridos dos originadores é necessária em algumas
modalidades de securitização a classificação do grau de investimento, feita por
empresas de “classificação de risco”, denominadas agências de rating.
O rating é uma avaliação sobre a qualidade do investimento e o risco de
perda. Para Noronha Najjarian42
trata-se da “sopa de letrinhas” que expressa a
probabilidade de não pagamento ou pagamento de montante menor ou igual a 70% do
valor de face do investimento (default).43
Essas empresas de rating analisam as origens dos créditos, se esses
recebíveis são decorrentes de contratos cumpridos ou não pelo originador, se esses
41
CANÇADO, Thais Roman; GARCIA, Fábio Gallo. Securitização no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 34. 42
NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier
Latin, 2010. p. 135. 43
Default no âmbito jurídico deve ser entendido como inadimplência (risco de não receber do devedor o
crédito securitizado).
50
contratos dependem de obrigações de terceiros, analisa-se o histórico do financiamento
aos clientes do originador e os reflexos da performance desses financiamentos, se houve
cobrança judicial, protesto, atrasos no pagamento dos débitos etc.
Outros critérios examinados pelas empresas de rating são a concentração da
carteira formada com os recebíveis, observando o fluxo de recebimentos de acordo com
a sazonalidade dos negócios, níveis de dependência de um cliente específico, atuação
regionalizada ou nacional etc.
São ainda objetos de análise pelas empresas de classificação de risco de
inadimplência setorial o prazo médio dos contratos securitizados, o perfil do cliente
devedor, o valor da dívida, entre outros critérios.
A partir da análise desses dados, as agências de classificação de riscos
atribuem notas a esses recebíveis que determinarão os custos de captação da própria
securitizadora e da originadora.
Atualmente, existem várias agências de classificação de riscos, sendo as
maiores e mais conhecidas a Fitch Ratings, Moody’s e Standard & Poor’s, chamadas de
The Big Three (as três grandes). Essas empresas detiveram em 2013, 2014 e 2015 95%
do mercado global de classificação de crédito.
Tais empresas, em geral, adotam as seguintes notas para fins de
classificação dos riscos dos créditos:44
44
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Classifica%C3%A7%C3%A3o_de_cr%C3%A9dito>.
Acesso em: 9 mar. 2016.
51
Moody’s S&P Fitch
Longo
prazo
Curto
prazo
Longo
prazo
Curto
prazo
Longo
prazo
Curto
prazo
Aaa
P-1
AAA
A-1+
AAA
F1+
Prime
Aa1 AA+ AA+
Grau elevado Aa2 AA AA
Aa3 AA- AA-
A1 A+ A-1
A+ F1
Grau médio elevado A2 A A
A3 P-2
A- A-2
A- F2
Baa1 BBB+ BBB+
Grau médio baixo Baa2 P-3
BBB A-3
BBB F3
Baa3 BBB- BBB-
Ba1
Not
prime
BB+
B
BB+
B
Grau de não
investimento
especulativo
Ba2 BB BB
Ba3 BB- BB-
B1 B+ B+
Altamente especulativo B2 B B
B3 B- B-
Caa1 CCC+
C CCC C
Risco substancial
Caa2 CCC Extremamente
especulativo
Caa3 CCC- Em moratória com uma
pequena
expectativa de
recuperação Ca
CC
C
C
D /
DDD
/ Em moratória / DD
/ D
Essa estrutura, que exclui da operação o banco, é realizada entre o tomador
e o prestador de recursos, podendo ter um grau maior ou menor de sofisticação. O grau
maior seria a inserção de medidas de garantia em favor dos investidores.
Em princípio, pode-se afigurar uma desvantagem e causar aumento de custo
para a originadora dos recebíveis (cujo interesse é o que se busca atender pela
operação), mas, dependendo do valor envolvido, o aumento das garantias é diretamente
proporcional à redução do risco da emissão dos títulos. Essas garantias, por seu turno,
representam maior segurança aos investidores que, então, passam a aceitar o
52
recebimento de juros menores no resgate de seus títulos e a conceder prazos maiores
para o resgate.
Com as garantias, os investidores são atraídos para a operação e passam a
aceitar o recebimento de juros menores no resgate de seus títulos, concedendo ainda
prazos maiores para o resgate dos investimentos.
Considerando os juros fixados com os investidores e os prazos para o
resgate dos investimentos, a securitizadora consegue repassar à empresa originadora
recursos financeiros a um custo menor do aquele obtido junto aos bancos.
Assim, a originadora antecipa seu crédito (recebimento imediato dos valores
que somente ocorreria quando do vencimento de vendas e serviços), repassando esse
direito à securitizadora, que lastreia esses recebíveis adquiridos do originador em títulos
ou valores mobiliários adquiridos por investidores.
Entre os valores mobiliários adquiridos por investidores, as debêntures é a
forma mais viável de captação no mercado de capitais, para os fins de securitização de
recebíveis, em função de conferir aos seus titulares, exclusivamente, um direito de
crédito, cuja emissão tem para a sociedade emissora o mesmo objetivo de um contrato
de empréstimo a longo prazo.
As modalidades de créditos securitizados que adotam classificação de riscos
mais comum são os recebíveis decorrentes de ativos imobiliários, financeiros e
agrícolas, e dependem significativamente do montante envolvido na securitização.
(vi) Agente fiduciário
O agente fiduciário possui algumas atribuições no processo de securitização,
sendo responsável por: (i) supervisionar a liquidação dos títulos da carteira dos
recebíveis securitizados; (ii) representar os investidores, buscando garantir os direitos
destes; (iii) administrar o processo de securitização; e (iv) reportar, por escrito e
mediante relatórios, o desempenho da carteira de recebíveis aos investidores, além de
aludir à classificação das agências de rating etc.
53
Esse agente, muitas vezes, acaba não compondo o processo de securitização,
visto tratar-se de mais um custo operacional. No caso da securitização de créditos
imobiliários, por exemplo, sua participação é obrigatória, conforme determinado na
legislação, sendo dispensado no caso das securitizadoras de títulos e valores
mobiliários.
Em síntese, a securitização é uma forma importante de acesso ao mercado
de capitais, como meio de desintermediação bancária, submetendo à emissão de títulos
ou valores mobiliários lastreados em direitos creditórios, formando-se uma relação
jurídico-econômica- contratual sob o regime da compra e venda mediante a forma de
transmissão de obrigações por cessão, entre o originador do crédito e a sociedade
securitizadora, existindo previamente operação de compra e venda mercantil ou
prestação de serviços entre originador e o devedor do qual origina o recebível.
Com a transmissão da propriedade do recebível mediante cessão dos direitos
creditórios à securitizadora, esta emite títulos ou valores mobiliários lastreados nos
direitos creditórios, sendo adquiridos pelos investidores, que são remunerados após o
vencimento ou resgate desses, por meio da liquidação feita pelos devedores do crédito.
Com isso, a atividade de securitização permite a monetização imediata de
direitos creditórios pelos originadores e a diluição dos riscos quanto ao inadimplemento
com os investidores.
Após breve análise das modalidades de securitização e a identificação do
papel de cada parte envolvida na operação, com destaque ao originador, devedor,
securitizador, investidor, agência de rating e agente fiduciário, cumpre-nos realizar mais
um corte no sistema jurídico, com o objetivo de estreitar o estudo à modalidade de
securitização de títulos e valores mobiliários, como se observa no próximo capítulo.
54
2
A SECURITIZAÇÃO DE TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS:
MODALIDADE DE ATIVOS EMPRESARIAIS
Neste capítulo buscamos estudar todos os aspectos envolvendo a
modalidade de securitização de ativos empresariais, principalmente apontar as
distinções com as atividades de factoring, haja vista a indevida equiparação feita pelo
Poder Público dessa atividade com a faturização. Iniciemos pela identificação das regras
jurídicas incidentes para logo em seguida tratarmos da cessão dos direitos creditórios e a
forma de sociedade a ser adotada pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
2.1 Aspectos legais
Quanto ao aspecto legal das securitizadoras de ativos empresariais, como já
mencionado neste estudo, não há legislação específica tratando dessa modalidade. O
fundamento legal aplicável às operações de securitização de ativos empresariais se
alicerça em algumas regras jurídicas.
Como trabalhamos com um sistema jurídico que precisa dar respostas às
relações intersubjetivas, aplica-se a essa modalidade de securitização o disposto na Lei
n.º 9.514/1997, que trata da securitização de títulos imobiliários.
Outras regras jurídicas são utilizadas para complementar e reger essas
relações intersubjetivas que se formam nas operações de securitização, como ocorre
com o Código Civil brasileiro (Lei n.º 10.406/2002).
Especificamente em relação ao Código Civil, cumpre destacar a aplicação
dos artigos 481 a 504 (compra e venda) e 286 a 298 (cessão), objeto de estudo no
próximo item.
Além disso, sobre a securitização de ativos empresarias incidem a Lei das
Sociedades Anônimas (Lei n.º 6.404/1976) e a Lei que trata das Sociedades de
Propósitos Específicos (Lei n.º 11.079/2004), analisadas em momento oportuno.
55
Se por um lado há uma instabilidade jurídica que sobrecarrega a adaptação e
aplicação de regras mais abrangentes, por outro, essa falta de especificidade de regência
normativa permite que partes envolvidas na securitização de recebíveis empresariais
possam agir com mais liberdade.
Essa liberdade encontra guarida no princípio do Direito Administrativo de
que é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe. Por seu turno, na Administração Pública só
é permitido fazer o que a lei autoriza.
São consideradas ainda regras aplicáveis à securitização de ativos
empresariais:
a) Lei n.º 4.595/1964: permite o Conselho Monetário Nacional a disciplinar
as cessões de crédito entre os operadores da securitização, conforme
dispõe seu artigo 9.º;
b) Lei n.º 6.385/1976: cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM),45
responsável pela fiscalização dos valores mobiliários emitidos por
sociedades anônimas;
c) Instrução CVM n.º 307/1999: permite que a companhia securitizadora
emita, para distribuição pública, debêntures simples;
d) Instruções CVM n.º 554/2014 e n.º 555/2014: regulamentação pela CVM
da constituição e funcionamento dos FIDC como veículos de
securitização (no Fundo existe a modalidade de FIDC Fomento, que se
trata de securitização de títulos mobiliários);
e) Instrução CVM n.º 408/2004: a CVM determinou que as entidades de
propósito específico consolidem seus balanços em casos específicos;
f) Instrução CVM n.º 480/2009: trata do registro de companhias
securitizadoras e das informações a elas pertinentes;
g) Resolução CMN n.º 2.907/2001: autoriza a constituição e funcionamento
do FIDC.
45
Autarquia federal em regime especial vinculada ao Ministério da Fazenda, que disciplina e fiscaliza o
mercado de capitais.
56
No âmbito tributário, podemos destacar a Lei n.º 9.718/1998 e o Decreto n.º
3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda).
Por fim, destaca-se que o Banco Central do Brasil possui entendimento de
que empresas constituídas para desenvolverem atividades exclusivamente de
securitização de ativos empresariais e negócios pertinentes não estão sujeitas à
aprovação dessa instituição.
2.2 A compra e a cessão de títulos ou valores mobiliários
A primeira operação a ser analisada que envolve a securitizadora é a
aquisição do direito creditório do originador. Decorrente de contrato de compra e venda,
o Código Civil brasileiro define a relação jurídica que se forma entre o originador do
crédito e a securitizadora como “um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de
certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro”.46
Nas lições de Carlos Gonçalves, no contrato de compra e venda que envolve
bens incorpóreos (cessão de créditos, cessão de direitos hereditários), a mais adequada e
correta tecnicidade seria utilizar a expressão “cessão”.47
Portanto, a despeito da boa técnica jurídica, é fato que a modalidade
contratual que envolve os direitos creditórios é a compra e venda, e um dos efeitos dessa
compra e venda para o vendedor é a transferência do domínio de certa coisa (direito
creditório) por meio da cessão, mencionada no Código Civil como meio de transmissão
das obrigações. O outro efeito, gerado para o adquirente, é pagar certo preço em
dinheiro.
A cessão de títulos mobiliários entre o originador e a securitizadora decorre
de contrato específico, com fundamento no artigo 286 do Código Civil brasileiro. Em
geral, qualquer crédito pode ser objeto de cessão, visto que suas características inerentes
de negociabilidade advêm dos direitos patrimoniais.
46
Artigo 481 da Lei n.º 10.406/2002. 47
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 3, p. 214.
57
No contrato de cessão a transmissão do direito é irrevogável e irretratável,
de modo que a securitizadora se torna a legítima titular do direito creditório.
A cessão do crédito decorrente do acordo de vontades entre duas partes
capazes é passível de ser realizada caso não se opuser à natureza da obrigação, à lei, ou
à convenção com o devedor, e a cláusula proibitiva de cessão não poderá ser aposta ao
cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento contratual.48
A despeito de o direito civil brasileiro tratar a cessão sob duas formas, a
título gratuito ou oneroso, no caso da securitização necessariamente a cessão é feita de
forma onerosa, visto que a atividade-fim da securitizadora decorre da compra de
recebíveis.
A onerosidade é elemento intrínseco à operação como um todo, pois o
objeto dessa operação é o dinheiro (o recebível) que um terceiro deveria pagar ao
originador, mas que foi cedido a uma securitizadora após a necessária
comunicação/notificação do devedor,49
sob pena de ineficácia. Essa, por sua vez,
converte esses recebíveis (créditos) em títulos ou valores mobiliários, que serão
adquiridos por investidores (pessoas físicas ou jurídicas).
Diante dessa aquisição, a securitizadora torna-se de forma definitiva a titular
dos créditos adquiridos, necessariamente. Trata-se de característica inerente ao processo
de securitização.
De forma pragmática, o mercado de securitização adota procedimento de
incluir, no próprio contrato que poderá ser cedido, cláusula de notificação do devedor de
que o crédito poderá ser objeto de securitização de recebíveis.50
Com isso, o devedor
fica notificado antecipadamente e expressa sua concordância.
Por fim, na cessão e transferência dos créditos à securitizadora, além das
garantias a serem fixadas em comum acordo entre as partes, a Lei n.º 11.101/2005 (trata
48
Artigo 286 do Código Civil. 49
Artigo 290 do Código Civil. 50
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 46.
58
de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência) traz em seu artigo 136, § 1.º,51
privilégio à cessão de ativos realizada para uma securitizadora em relação aos riscos de
eventual Recuperação Judicial.
Com isso, no tocante à falência da sociedade originadora no processo de
securitização, a cessão dos créditos objeto da securitização não será considerada
ineficaz, na hipótese de se ajuizar ação revocatória com o intuito de revogar atos
praticados pelo originador ao prejudicar credores da empresa falida.
Diante disso, a atividade de securitização, em razão de envolver recursos de
terceiros mediante emissão de debêntures lastreadas nos recebíveis, acaba por ter
tratamento privilegiado com garantia, o que já não ocorre com as factorings.
Cumpre-nos analisar no próximo item a forma societária adotada pelas
securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
2.3 A sociedade de propósito específico (securitizadora)
As securitizadoras são sociedades de propósitos específicos, nos termos
definidos na Lei n.º 11.079/2004, com objetivo social restrito à atividade de aquisição
de ativos e emissão de títulos ou valores mobiliários. Portanto, as securitizadoras
possuem duas funções essenciais e específicas: comprar os recebíveis e emitir títulos ou
valores mobiliários lastreados no direito creditório.
Considerando que a operação de securitização decorre necessariamente da
conversão de recebíveis em lastro para emissão de títulos ou valores mobiliários que
serão subscritos por investidores, o tipo societário dessas empresas deverá ser a
51
“Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao
estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores entregues ao
devedor.
§ 1.º Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado
o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo
securitizador. [...].”
59
sociedade anônima,52
sendo regida pela Lei n.º 6.404/1976 e pela Instrução CVM n.º
480/2009.53
Essa forma de sociedade decorre necessariamente das características da
sociedade de propósito específico, em virtude da possibilidade da emissão e negociação
de valores mobiliários por ela emitidos em bolsa de valores.
A sociedade anônima securitizadora poderá adotar a espécie de sociedade
aberta ou fechada. Na companhia aberta, a securitizadora emitirá seus valores
mobiliários no mercado de capitais com o devido registro na CVM,54
a fim de captar
recursos dos investidores. Com isso, aumenta a perspectiva de obtenção de recursos no
mercado.
A securitizadora poderá ainda adotar a emissão privada de valores
mobiliários, bastando, para tanto, assumir a forma de sociedade anônima.
Diante disso, cumpre-nos, a partir dos elementos trazidos até agora no
presente estudo, apresentar organograma específico das securitizadoras de títulos e
valores mobiliários, que contempla o fluxo operacional e financeiro do processo de
securitização.
52
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 47. 53
“Art. 1.º A negociação de valores mobiliários em mercados regulamentados, no Brasil, depende de
prévio registro do emissor na CVM:
[...]
§ 2.º O emissor de valores mobiliários deve estar organizado sob a forma de sociedade anônima, exceto
quando esta Instrução dispuser de modo diverso.” 54
“Art. 4.º Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários
de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
§ 1.º Somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores
Mobiliários podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.”
60
2.4 Organograma operacional específico
2.5 Distinções com as factorings
Antes de adentrarmos nas distinções entre as securitizadoras e as factorings,
devemos analisar a faturização, de maneira a conhecer esse instituto de direito privado
largamente praticado no Brasil.
Nos termos do artigo 15, III, “d”, da Lei n.º 9.249/1995, factoring consiste
“em aquisição de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços”.55
Segundo Arnoldo Wald,56
o contrato de factoring consiste na aquisição, por
uma empresa com propósito específico, de créditos faturados por uma pessoa jurídica
55
A referida definição é considerada pela doutrina e jurisprudência como incompleta. 56
WALD, Arnoldo. Direito civil brasileiro Rio de Janeiro: Ed. Nacional de Direito, 1959. v. 2, n. 235,
p. 466.
61
que exerce a atividade de comércio ou prestação de serviços, sem direito de regresso
contra ela. Com isso, a empresa de factoring assume o risco da cobrança e,
eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração, ou realizando a
aquisição dos créditos com deságio.
Para Waldirio Bulgarelli, a operação de factoring é tratada como
[...] mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de
recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que
se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos
(convencional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity
factoring); obriga-se, contudo, a pagá-los mesmo em caso de
inadimplemento por parte do devedor da empresa.57
Carlos Gonçalves leciona que o faturizador, empresa de factoring,
desempenha três funções:
a) garante os créditos, submetendo-se ao pagamento da aquisição do
crédito, mesmo na hipótese de insolvência dos devedores do recebível,
salvo disposição em contrário no contrato; b) administra os créditos da
fazenda faturizada, opinando sobre os devedores duvidosos e
providenciando a cobrança; e c) financia o faturizado, quando sub-
rogando-se nos direitos creditícios do cedente por força do endosso ou
da cessão de direito civil.58
Destaca-se que as empresas de fomento mercantil ou factorings são
sociedades personificadas que atuam na prestação cumulativa e contínua de serviços de
assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração
de contas a pagar e a receber, conjugado com a compra total ou parcial de direitos
creditórios.
Já a securitizadora de títulos e valores mobiliários tem como objetivo social
apenas a aquisição e securitização de ativos empresariais. Sendo a securitizadora uma
companhia de propósito específico, não pode ela exercer outra atividade senão,
exclusivamente, a de seu objeto social. Não pode ela prestar serviços de qualquer
natureza, incluindo nessa proibição o pagamento a terceiros do produto oriundo de uma
57
BULGARELLI, Waldirio. Contratos mercantis. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 541. 58
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Contratos e atos unilaterais. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. v. 3, p. 702-703.
62
operação de securitização. Caso adote a prestação onerosa de serviços, estará exercendo
a atividade de factoring.
As duas semelhanças entre essas atividades se dão na forma como os ativos
empresariais são adquiridos, ou seja, ambas adquirem ativos com fluxo de recebimento
futuro, por um valor presente determinado por um deságio, e os recebíveis advêm de
títulos de créditos idênticos, como duplicatas, cheques, notas promissórias etc. No mais,
os objetos e as finalidades são distintos.
De forma pontual, é possível traçar quadro de distinções como segue:
FACTORING SECURITIZAÇÃO
Geralmente constituída sob forma sociedade de
quotas de responsabilidade limitada.
Obrigatoriamente constituída sob forma
de sociedade anônima, tratando-se de
sociedade de propósito específico.
Firma contrato de fomento mercantil. Firma contrato de compromisso de cessão
de recebíveis empresariais, responsável
solidário e outras avenças.
Empresa cliente apresenta títulos de crédito
resultantes de suas vendas a prazo.
Os títulos de créditos recebíveis são transferidos
por endosso pleno em preto,59
que se aperfeiçoa
com a tradição dos títulos.
As operações são formalizadas por um “Termo
Aditivo” em que constam: a discriminação dos
títulos de crédito pelo seu valor de face, o valor
da comissão cobrada pelos serviços, o valor
resultante da aplicação do fator de compra e o
reembolso das despesas relativas à cessão, as
quais eram de responsabilidade da contratante,
tais como tarifas bancárias, avisos e sustações
de protestos, registro de contratos, despesas de
correio, autenticações de documentos, serviço
de malotes e outros que se façam necessários,
A securitizadora recebe os recebíveis
empresariais, endossados e assinados,
relaciona-os no documento denominado
“Declaração de Recebimento”, especifica
o valor do deságio, negociado para cada
operação, deduz eventuais solicitações de
baixa e paga o valor líquido ao cedente
(originador), por meio de DOC, TED ou
cheque nominal, sempre diretamente ao
cedente.
Os títulos de créditos recebíveis são
cedidos e transferidos por endosso pleno
em preto, que se aperfeiçoa com a
tradição dos títulos. As partes podem
ainda convencionar a cessão de direitos
creditórios que não estejam representados
59
Aquele em que se deve indicar o nome do beneficiário (endossatário).
63
solicitados e/ou pactuados entre as partes.
O pagamento será ao cedente ou a sua ordem,
considerando os serviços prestados.
por títulos de crédito, ou seja, contratos de
fornecimento para entrega futura de
produtos, mercadorias ou serviços
(negócios a performar). Para este caso a
negociação se dará por meio de “Termo
Aditivo”, pelo qual o cedente relaciona
seus créditos futuros e se compromete a
cedê-los à securitizadora quando da
possibilidade de emissão de título de
crédito, dando geralmente garantia para o
negócio.
No caso de inadimplemento do título endossado,
a factoring assume o risco, isentando a empresa
cliente, podendo cobrar apenas o sacado. Não há
o direito de regresso.
Não há constituição de garantia, o título de
crédito por si só perfectibiliza a operação.
Contém cláusula específica identificando
que a cessão e a transferência, por meio
de endosso pleno, são feitas com cláusula
de responsabilidade do originador cedente
pela solvabilidade do crédito, assumem
toda e qualquer responsabilidade relativa
à existência, veracidade, legitimidade dos
títulos, inclusive, pelos vícios redibitórios
dos títulos de crédito e dos ativos cedidos,
incluindo aqueles relacionados a casos
fortuitos ou de força maior. Regida pelo
Código Civil. Há direito de regresso. Pelo
inadimplemento serão responsáveis o
originador cedente/responsáveis solidários
e sacado (quando houver), tendo em vista
o instituto da cessão. Pode haver
constituição de garantia atrelada a uma
operação específica ou ao contrato como
um todo, negociada entre as partes.
A factoring realiza prestação de serviço e de
maneira cumulativa compra os títulos de crédito
de seu interesse, cobrando para tanto um fator
de compra, ajustado entre as partes. Os serviços
prestados são:
Acompanhamento do processo
A securitizadora analisa risco do negócio
com relação aos originadores cedentes
e/ou sacados para si própria. Aprovada a
operação (títulos performados e/ou
contratos futuros), combina valor de
deságio para securitização dos recebíveis.
64
produtivo ou mercadológico;
Seleção e avaliação dos devedores e dos
fornecedores;
Cobrança extrajudicial das contas a
receber;
Acompanhamento das contas a pagar;
Disponibilização dos valores das
operações diretamente a fornecedores ou à
ordem do cliente.
Para tanto, emite Nota Fiscal de Prestação de
Serviços no valor ajustado entre as partes.
Realiza o pagamento somente ao cedente
e recebe endossados os títulos, ou
assinado o Termo Aditivo (contratos
futuros).
Todos os recebíveis empresariais
adquiridos pela companhia securitizadora
deverão estar devidamente securitizados e
vinculados, ou em lastro e garantia de um
termo específico, ou em lastro e garantia
acessória de todos os termos já emitidos e
em vigor.
Dessa forma, o recebimento de um ativo
(título), constante de um anexo, vinculado
a um determinado “Termo de
Securitização”, enseja sua imediata
reposição, mediante a aquisição de novos
ativos (títulos), os quais serão
relacionados em um novo anexo, que,
adicionado aos ativos (títulos) vincendos e
constantes do anexo original servirão para
repor o lastro das debêntures daquele
termo, já emitidas e negociadas.
Não há securitização, sem a vinculação
dos ativos adquiridos, aos valores
mobiliários emitidos, pois a esse vínculo é
que denominamos securitização.
A respeito das distinções entre securitização e factoring, Eurico de Santi60
elabora o seguinte quadro comparativo:
60
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 21-25.
65
Factoring Securitização
Destinação dos Créditos
Recebíveis Comerciais
Formação de Carteira Própria
(Captação de Recursos)
Conversão em lastro para emissão de
debêntures ou ações (Fontes de
Financiamento)
Tipo de Atividade Prestação de Serviços Comércio
Forma de Contrato Fomento Mercantil Termo de Securitização
Tipo de Organização
Societária Limitada ou Anônima Sociedade por Ações
Normatização Lei 8.981/1995 Lei 11.079/2004
CNAE 6.491-3 6.492-1
Direito de Regresso contra o
Originador Não Sim
Constituição de Garantia Não há Pode haver
Representatividade Anfac e Febrafac Ansae
Ao comentar ambos os quadros comparativos, sendo o primeiro elaborado
por nós, Eurico de Santi entende que factoring e securitizadoras são diametralmente
distintas, apresentando diferenças nos âmbitos operacional, formal, econômico e
jurídico, conforme se observa a seguir:
a) No âmbito operacional, a aquisição de recebíveis comerciais para
uma securitizadora tem como destino a formação de lastro para
emissão de valores mobiliários no mercado de capitais
(materializando-se em debêntures ou ações), enquanto a factoring
capta recursos para formação de carteira própria;
b) A factoring é uma prestadora de serviços, dentre eles,
acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico; seleção e
avaliação dos devedores e dos fornecedores; cobrança extrajudicial de
contas a receber; acompanhamento de contas a pagar e
disponibilização dos valores das operações diretamente a fornecedores
ou a ordem de cliente. Emite, para essas operações, Nota Fiscal de
Prestação de Serviços. A securitizadora, por sua vez, tem a sua
atuação ligada à atividade comercial ao comprar e revender ativos
empresariais;
c) A forma dos contratos delimita sua atipicidade. Uma factoring
trabalha com contratos de “Fomento Mercantil” enquanto uma
securitizadora deve apresentar o “Termo de Securitização” para
realização de sua atividade, o que inclui características do papel,
fatores de risco e declarações e obrigações das partes;
66
O tipo de organização societária a partir da qual se alicerça uma
securitizadora necessariamente deve ser Sociedade por Ações,
enquanto em uma factoring, geralmente, é em forma de sociedade
com responsabilidade limitada;
d) As atividades de securitização são reguladas e normatizadas pela
Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central do Brasil,
enquanto as atividades de uma factoring não possuem tal supervisão e
autorização para o seu funcionamento. Atividade milenar, o factoring,
no Brasil, é legalmente reconhecido pela Lei 8.981, de 20.01.1995, a
Resolução Bacen 2.144, de 22.02.1995, e a Circular 2.715, de
28.08.1996,61 reconhecendo definitivamente a tipicidade jurídica
própria e delimitando a área de atuação da sociedade de fomento
mercantil que não pode ser confundida com a das instituições
financeiras, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que
têm por objeto a coleta, intermediação e aplicação dos recursos de
terceiros no mercado62 (art. 17 da Lei 4.594 de 31.12.1964 e arts. 1.º e
16 da Lei 7.492/1986). A sociedade de securitização é organizada em
Sociedades de Propósito Específico (SPE), definidas pela Lei n.º
11.079/2004, regidas pela Lei n.º 6.404/1976 e amparadas pela Lei n.º
9.514/1997, Lei n.º 9.718/1998 e no Decreto n.º 3.000/1999 –
Regulamento do Imposto de Renda;
e) A própria Receita Federal reconhece a distinção das atividades
através da Classificação Nacional de Atividade Econômica:63 a
atividade de factoring possui CNAE 6.491-3, ao passo que para as
empresas de securitização de crédito é reservado o CNAE 6.492-1;
f) No caso de inadimplemento do título endossado, a factoring assume
o risco, isentando o Originador, podendo cobrar apenas o sacado. Não
há, portanto, direito de regresso. No “Termo de Securitização”, existe
cláusula específica identificando que a cessão e transferência do
crédito, através de endosso pleno, é feita com responsabilidade do
Originador pela solvabilidade deste crédito, assumindo este toda e
qualquer responsabilidade relativa à existência, veracidade e
legitimidade dos créditos. Caracteriza-se, portanto, coobrigação do
originador para com o ressarcimento dos recebíveis resultando em
direito de regresso;
g) Não há constituição de garantia em uma atividade típica de
factoring, sendo que o título de crédito por si só perfectibiliza a
operação. Nas operações de uma securitizadora pode haver
constituição de garantia atrelada a uma operação específica ou ao
contrato como um todo, negociada entre as partes;
h) Em termos de representatividade, as empresas de factoring e de
securitização de créditos mobiliários se congregam sob os auspícios
da Anfac – Associação Nacional de Factoring e da Febrafac –
Federação Brasileira das Empresas de Factoring. A atividade de
61
Senado Federal. Projeto de Lei da Câmara n.º 13, de 2007. 62
Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer jurídico, apud FALCÃO, Guilherme Jurema. Legislação que
regula as empresas de fomento mercantil (“Factoring”) no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados,
2001. 63
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
67
securitização de créditos mobiliários encontra partido na Ansae –
Associação Nacional das Securitizadoras de Ativos Empresariais.
Coincidem-se apenas quanto aos títulos de crédito adquiridos. Entretanto,
todo o restante da operação, assim como os aspectos formais, econômicos e jurídicos,
são distintos.
Nesses termos, em relação às factorings, podemos apresentar o seguinte
organograma operacional, muito mais simples e distinto daquele em relação às
securitizadoras:
2.6 A recompra dos direitos creditórios
Outra distinção que se pode apontar entre securitizadoras de títulos e valores
mobiliários é a cláusula de recompra dos direitos creditórios pelo originador na hipótese
de inadimplemento do devedor.
O Código Civil atual prescreve em seu artigo 295 que, “na cessão por título
oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela
existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade cabe nas
cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé”.
68
O artigo 296 do mesmo diploma legal prescreve que: “salvo estipulação em
contrário, o cedente não se responsabiliza pela solvência do devedor”.
Isso quer dizer que o cedente (originador) somente se responsabiliza pela
existência dos créditos cedidos, e, não existindo estipulação em contrário em cláusula
contratual, não se responsabiliza pelo pagamento dos mesmos. Nesse caso, o
cessionário assume o integral risco do recebimento do crédito na operação.
É muito comum encontrar nos contratos de cessão de recebíveis cláusulas
tratando da retrocessão dos créditos vencidos e não pagos, em que o cedente
(originador) responde pela existência do crédito, oferece uma garantia em face do risco
de inadimplência dos créditos cedidos, de forma que os créditos vencidos e não pagos
sejam “recomprados” pela cedente (originador).
Na maioria das operações, de forma a evitar desembolso monetário, o
originador substitui os créditos devolvidos por outros, sub-rogando-se no direito de
cobrar os devedores originais.64
Essa prática é válida e vem sendo adotada pelas securitizadoras de títulos e
valores mobiliários.
Como bem menciona Eurico de Santi,65
[...] [no] Termo de Securitização, existe cláusula específica
identificando que a cessão e transferência do crédito, através de
endosso pleno, é feita com responsabilidade do originador pela
solvabilidade deste crédito, assumindo este toda e qualquer
responsabilidade relativa à existência, veracidade e legitimidade dos
créditos. Caracteriza-se, portanto, coobrigação do originador para com
o ressarcimento dos recebíveis resultando em direito de regresso.
Nos contratos de factoring, a recompra de títulos é vedada justamente por
ser aspecto inerente a esse tipo de contrato e, principalmente, para evitar a
caracterização de atividade de instituição financeira.
64
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 78. 65
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 24.
69
Essa é uma justificativa para os juros praticados serem maiores do que o
mercado bancário, como forma de cobrir os riscos e efeitos da inadimplência, que são
assumidos unicamente pela factoring na liquidação dos títulos de crédito.
Gaggini66
destaca a diferença entre factoring e securitizadora, afirmando
que não é cabível o regresso do faturizador contra o faturizado em função da
inadimplência dos devedores, de modo que o faturizado assume o risco de
inadimplência. Já na securitização, embora haja cessão de recebíveis para a
securitizadora, por força de lei, não havendo o vínculo da cedente quanto ao pagamento
dos créditos inadimplidos, é possível estipular coobrigação da cedente, o direito de
retrocessão dos créditos não pagos ou outra forma que garanta o pagamento dos
recebíveis transferidos. No factoring, a proibição do direito de regresso é aspecto
essencial do contrato, não podendo ser pactuada disposição ao contrário, sob pena de
caracterização de prática de atividade privativa de instituição financeira.
Essa diferenciação fica clara nas descrições de Natalia Chaves, quando
afirma que,
[...] ao contrário do que se sucede na securitização, em que é possível
estabelecer-se a coobrigação da cedente, no factoring o faturizador
não pode agir regressivamente contra o faturizado, responsabilizando-
se integralmente pelos riscos de inadimplência. Exceção à regra é a
situação em que as expectativas do faturizador são frustradas por ato
imputável ao próprio faturizado, responsável pela existência do
crédito ao tempo da cessão [...]. Nota-se, pois, que, apesar das
semelhanças, a securitização de créditos e o conventional factoring
são negócios jurídicos distintos, não se justificando o enquadramento
de ambos na mesma categoria.67
O Superior Tribunal de Justiça, ao transcrever como parte integrante do
acórdão sentença proferida nos autos de ação judicial, acolheu a tese de que não pode
ser previsto o pacto de recompra para a atividade de factoring. Em outra decisão, essa
mesma Corte menciona a doutrina e a vedação ao direito de regresso do faturizador em
relação ao faturizado. Vejamos:
66
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 76-78. 67
CHAVES, Natalia Cristina. Direito empresarial. Securitização de crédito. Belo Horizonte: Del Rey,
2006. p. 71-76.
70
O objetivo principal de uma sociedade de factoring consiste na
compra de direitos oriundos do faturamento de uma empresa –
denominada cedente – a qual se formaliza por um instrumento de
cessão de crédito pro soluto, em caráter definitivo, sem a criação,
portanto, de obrigações passivas, ou seja, exigibilidades para a
cedente. Desse modo, a transferência dos títulos representativos dos
direitos creditórios para a empresa de fomento – o factor – se dá
mediante endosso pleno em preto, ficando o cedente responsável tão
somente pela existência do crédito, ao tempo da cessão, sem a
subsistência de qualquer vinculação com a obrigação que deu origem
aos títulos.68
***
[...] A doutrina vem firmando entendimento de que atribuir ao
faturizador direito de regresso perante o faturizado, nos casos em que
não lograr êxito na cobrança dos títulos, equivale a equiparar a
atividade de factoring àquela desempenhada pelas instituições
financeiras quando firmam com seus clientes contrato de desconto de
títulos, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, já que as
sociedades que desempenham atividade de fomento mercantil não
integram o sistema financeiro nacional.69
Portanto, a cláusula de recompra dos créditos pelo originador pode70
ser
mencionada em contratos de securitização, sendo vedada nos contratos de factoring.
2.7 Distinções com o desconto bancário
Outra atividade que merece ser analisada para fins de distinção com a
securitização e com o factoring, como forma de afirmar que não se trata de atividades
idênticas, é a praticada por bancos nos contratos de desconto bancário.
O desconto bancário é um contrato pelo qual o banco antecipa ao
interessado, geralmente uma empresa comercial, o valor correspondente de títulos de
crédito a vencer, mediante prévio abatimento de sua remuneração.
68
STJ, 6.ª Turma, Recurso em Habeas Corpus (RHC) n.º 6.394/RS, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ
30.06.1997, p. 31083. 69
STJ, 3.ª Turma, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AREsp) n.º 150307/SC, Rel.
Min. Sidnei Beneti, DJe 02.05.2013. 70
Entenda-se como uma faculdade a inclusão dessa cláusula contratual.
71
A definição de desconto bancário surgiu no art. 1.858 do Código Civil
italiano, que o define como um contrato pelo qual o banco (descontador) antecipa ao
cliente (descontário) o valor de um crédito contra terceiro, ainda não vencido, de que se
fez cessionário, deduzindo desse valor a importância correspondente às despesas e juros
pelo espaço intercorrente desde a data à sua antecipação.
De acordo com o autor Sérgio Covello,71
desse contrato destacam-se cinco
características fundamentais:
1. Trata-se de um contrato de natureza creditícia, tendo sempre por
objeto um crédito contra terceiro ainda não vencido;
2. Aperfeiçoa-se com a transmissão efetiva do crédito ao Banco;
3. O Banco torna-se proprietário do crédito por meio da cessão,
quando se trata de crédito simples, ou endosso;
4. A cessão do crédito não é plena, pois o Banco não suportou o não
pagamento do crédito. Se, a época do vencimento, o crédito não é
pago pelo terceiro devedor principal, o Banco tem o direito de pleitear
junto ao descontário a cobrança seja por via bancária ou ação causal
ordinária; e
5. Há sempre a dedução prévia de encargos.
Para Orlando Gomes, trata-se de um “contrato por via do qual a instituição
financeira, descontando antecipadamente juros e despesas da operação, empresta à outra
parte soma de dinheiro, correspondente, de regra, a crédito deste, para com terceiro,
ainda não exigível”.72
O mais comum é o desconto de duplicatas. O cliente endossa a duplicata
para o banco, que se torna titular do crédito que esses títulos incorporam. O banco, por
sua vez, paga ao cliente, na data do endosso, o valor da duplicata, abatendo suas taxas
de juros pelo adiantamento.
No vencimento, o banco cobra a quantia designada no título do sacado e fica
com a integridade do valor. Em caso de inadimplemento do sacado, o valor adiantado é
cobrado do cliente, que recebe o título de volta (direito de regresso do banco).
71
COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2001. p. 238. 72
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 330.
72
Gaggini73
entende que o contrato de desconto bancário possui semelhança
com a operação de securitização de recebíveis, visto que em ambos os casos os
detentores do direito creditório a vencer buscam antecipar o recebimento do valor,
transferindo esse direito de recebimento na data do vencimento a terceiros. A despeito
da existência dessa semelhança, o jurista entende que as operações apresentam diversas
diferenças, entre as quais:
a) Custos são maiores na operação de securitização de recebíveis, em
razão da constituição da sociedade e da emissão dos títulos
mobiliários, o que pressupõe volumes elevados de negócios para diluir
o custo da operação. Já o desconto bancário permite antecipação de
pequenos valores, envolvendo uma operação mais simples, apenas a
emissão de um contrato com o banco;
b) As taxas de juros dos bancos são maiores que as taxas praticadas
pelas securitizadoras de recebíveis;
c) A securitização de recebíveis é uma forma de acesso ao mercado de
capitais, aumentando a sua base de investidores, ao contrário do
desconto bancário, cujos recursos disponibilizados, em geral, são de
curto prazo;
d) Na securitização de recebíveis, o originador pode transferir o risco
dos créditos integralmente a terceiros, caso não exista alguma
retrocessão, coobrigação ou vinculo do cedente ao pagamento dos
créditos, sendo que no desconto bancário, o cedente é o responsável
pelo pagamento dos créditos, sendo uma faculdade do banco em
cobrar o cedente na hipótese de inadimplência dos devedores;
e) No desconto bancário, usualmente os bancos descontam somente
créditos representados por títulos de crédito, chamado de “descontos
de duplicatas” ou “descontos de títulos”. Já na securitização de
recebíveis costuma envolver diversas espécies de créditos, de diversas
naturezas;
f) As partes envolvidas nas operações de desconto bancário são o
banco, o cliente (cedente) e o devedor dos créditos cedidos. Na
securitização de recebíveis, as partes envolvidas nas operações são a
originadora do crédito, a securitizadora, os devedores dos créditos e os
investidores;
g) Por fim, operação de securitização é um meio de permitir a
segregação dos riscos dos créditos para posterior repasse aos
investidores, que de forma indireta se tornarão os titulares destes
recebíveis, já nas operações de desconto, o banco não repassa os
créditos a terceiros, sendo ele o cessionário definitivo, reservando-se o
direito de cobrar o cedente em caso de inadimplemento pelo devedor.
73
GAGGINI, Fernando Schwarz. Securitização de recebíveis. São Paulo: Leud, 2003. p. 81-84.
73
Com isso, as distinções entre desconto bancário e securitização apresentam
semelhanças, porém os objetivos, partes, formas e estrutura operacional são diferentes.
A semelhança que podemos apontar entre essas operações seriam a forma e
os direitos creditórios (recebíveis com vencimentos futuros), restrito no caso dos
descontos bancários.
Esse mesmo apontamento é possível fazer em relação às factorings, que têm
a semelhança em razão do crédito adquirido, mas que possuem profundas e nítidas
distinções com a securitização.
Assim, semelhanças não são identidades. Wittgenstein há tempos lecionava
em relação à linguagem e a sua forma lógica que “semelhança e parentesco não é
identidade. A semelhança não envolve uma propriedade comum invariável. Ao dizer
que uma coisa é semelhante a outra coisa, não estou de forma alguma postulando a
identidade entre ambas”. 74
Por não envolver operações idênticas, a securitizadora e o factoring não
poderiam ser considerados iguais ou equivalentes em razão da forma de aquisição e de o
direito creditório decorrer de títulos de crédito. Essa é a mesma conclusão a que se
chega em relação ao factoring, ao desconto bancário e à securitizadora. Há semelhanças
sim, mas estão restritas até o momento da aquisição do direito creditório e se esgotam
nesse momento, inclusive sequer se pode falar em identidade envolvendo os
adquirentes, visto que são pessoas jurídicas completamente distintas (factoring, banco e
securitizadora).
Essas considerações serão a premissa para impugnarmos a validade e o
conteúdo do Parecer Normativo n.º 05/2014, editado pela Receita Federal do Brasil, no
Capítulo 4.
Diante disso, cumpre-nos partir, no próximo capítulo, para a análise das
incidências e não incidências tributárias sobre as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários, destacando eventuais discussões jurídicas que envolvem o IRPJ, a CSLL, o
74
CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. Wittgenstein: linguagem e mundo. Belo Horizonte: Faculdades
Integradas Newton Paiva, 1998. p. 92.
74
PIS e a Cofins, para em seguida adentramos nos regimes jurídicos de apuração e
recolhimento desses tributos nas sistemáticas do lucro real e lucro resumido, chegando
ao objetivo do presente trabalho.
75
3
A TRIBUTAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E
VALORES MOBILIÁRIOS
Neste capítulo analisaremos a tributação das securitizadoras de títulos e
valores mobiliários, necessitando de outro corte no sistema jurídico, limitando nossa
análise jurídico-científica ao campo das incidências do IRPJ, da CSLL, do PIS e da
Cofins, inicialmente, e da não incidência do IOF e do ISSQN ao final.
3.1 Objetivos e meios utilizados na análise dos tributos
A metodologia adotada neste estudo implica tratar dos aspectos
constitucionais e legais dos tributos, apontando os princípios incidentes, a doutrina que
cuida de inconstitucionalidades e ilegalidades quanto aos aspectos da incidência
tributária.
Partimos da Teoria geral do direito tributário de Paulo de Barros Carvalho,
renomado jurista, para investigar as incidências tributárias sobre as atividades das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Adotando o marco jurídico desse cientista do direito com a criação de
esquema lógico-semântico da regra-matriz de incidência tributária, buscamos construir
de maneira objetiva as referidas normas gerais e abstratas que tratam do IRPJ, da CSLL,
do PIS e da Cofins.
A construção da regra-matriz de incidência é uma forma precisa e lógica de
se estudarem determinados tributos, permitindo conhecer a sua estrutura mínima e
completa, de forma a vislumbrar a incidência da norma sobre determinado fato do
mundo fenomênico.
Apresenta verdadeiro esquema lógico-semântico, que revela conteúdo
normativo, podendo ser utilizada na construção de qualquer norma jurídica em sentido
estrito.
76
Sua construção é obra do cientista do direito e apresenta compostura própria
dos juízos hipotético-condicionais. Haverá uma hipótese, suposto ou antecedente, a que
se conjuga um mandamento, uma consequência normativa.
As regras-matrizes de incidência tributária são classificadas como gerais e
abstratas, constituídas por um antecedente e um consequente com elementos mínimos,
com a mesma estrutura sintática inerente a toda norma jurídica.
A fenomenologia da incidência tributária caracteriza-se pelo efeito de
jurisdicizar o fato descrito no antecedente da norma jurídica. Com isso, constatada a
ocorrência fática da hipótese tributária, a norma incide.
Essa incidência da norma geral e abstrata em relação ao fato concreto se dá
pela subsunção, operação lógica que ocorre entre linguagem de níveis diferentes.
O processo de subsunção se dá entre o conceito fato e o antecedente da
norma geral e abstrata, por meio da inclusão da classe do fato à classe descritiva do
antecedente normativo. Com isso, o processo resulta no nascimento de uma norma
individual e concreta, por meio da norma geral e abstrata.
Na expressão “regra-matriz” utiliza-se o termo “regra” como sinônimo de
norma jurídica, decorrente da construção feita pelo intérprete que faz uso dos textos
legais; já o termo “matriz” traz o significado de modelo uniforme sintático e semântico
na construção da norma.
Os critérios da regra-matriz de incidência tributária são formados por um
conjunto de propriedades denotativas, e a construção da regra no caso dos tributos
incidentes sobre as atividades das securitizadoras mostra-se relevante na medida em que
identifica os elementos definidores da incidência da norma geral e abstrata sobre os
fatos concretos, de forma que se permita o nascimento do fato jurídico tributário.
Como bem leciona Paulo de Barros Carvalho,75
as regras jurídicas são as
significações que a leitura do texto desperta em nosso espírito, e nem sempre coincidem
com os dispositivos legais. Para a compreensão da norma, caberá ao intérprete fazer
75
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 305.
77
incursões pelo sistema, isto é, recorrer a diversos textos de lei, buscar entre os diferentes
diplomas normativos a integridade existencial da norma.
Na construção dos conceitos conotativos dessa norma jurídica, no
antecedente ou hipótese, estarão presentes (i) um critério material (delineador de
comportamentos intersubjetivos); (ii) um critério temporal (condicionador da ação no
tempo); e (iii) um critério espacial (identificador do espaço na ação). No consequente ou
tese, haja vista a sua bipartição, estarão presentes (iv) um critério pessoal (identificador
dos sujeitos passivo e ativo da relação jurídico-tributária); e (v) um critério quantitativo
(constituído por base de cálculo e alíquota).76
É fato que a formação dos critérios material, temporal, espacial (previstos
do antecedente da regra-matriz) e os critérios pessoal e quantitativo (previstos no
consequente da regra-matriz) necessitam de outras regras trazidas no ordenamento
jurídico brasileiro.
Esse processo de identificação dos elementos que formarão a regra-matriz
de cada tributo será apontado a seguir, partindo do texto constitucional, passando pelo
Código Tributário Nacional e por leis ordinárias editadas pela União Federal. Todo esse
processo é construído pelo hermeneuta, no âmbito normativo hipotético condicional,
apresentando uma linguagem no plano da abstração cujo objeto será a reunião de textos
normativos editados pelo legislador.
Não temos a intenção de esgotar as eventuais discussões jurídicas que
envolvem seis tributos a seguir analisados. O escopo deste estudo é apenas identificar as
incidências e não incidências sobre as atividades das securtizadoras de títulos e valores
mobiliários e construir as regras-matrizes, que facilitam a identificação das normas
gerais e abstratas que incidem sobre os fatos jurídicos por elas praticados.
76
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-
semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 375.
78
3.2 Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)
Nas atividades de securitização de títulos e valores mobiliários, quando se
auferem receita e lucro, ocorrerá a incidência de tributos. Iniciaremos o estudo da
incidência tributária pelo IRPJ.
O imposto sobre a renda possui no artigo 153, III,77
da Constituição Federal
de 1988 a descrição de sua materialidade, qual seja “auferir rendas ou proventos de
qualquer natureza”.
Ao depararmos com os enunciados trazidos nos artigos 43,78
4479
e 45,80
todos do Código Tributário Nacional, conseguimos outros elementos para a construção
da regra-matriz de incidência tributária.
A despeito de a Constituição Federal definir o critério material do imposto
sobre a renda,81
e o Código Tributário Nacional (CTN) ter apontado elementos de
identificação do fato jurídico tributário, definiu renda e proventos de qualquer natureza,
apontou o critério espacial (aplicou o princípio82
da universalidade), identificou a base
77
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]
III – renda e proventos de qualquer natureza; [...]” 78
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem
como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não
compreendidos no inciso anterior.
§ 1.º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização,
condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2.º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o
momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste
artigo.” 79
“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos
proventos tributáveis.” 80
“Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem
prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda
ou dos proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição
de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.” 81
GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 170. 82
Entendemos como princípio a norma jurídica, implícita ou explícita, que apresenta carga valorativa
(componente axiológico presente na comunicação normativa), servindo de vetor para a compreensão
79
de cálculo e os sujeitos ativo e passivo do critério pessoal, faltou ao CTN fixar as
alíquotas que compõem com a base de cálculo o critério quantitativo e os elementos
formadores do critério temporal.
Esse feito é realizado por outras leis, consolidadas e reproduzidas no
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/1999).
O IRPJ deve obediência aos princípios da generalidade, universalidade e
progressividade, nos termos do artigo 153, § 2.º, I, da Constituição Federal.
Generalidade impõe a necessidade de o IRPJ atingir todos os gêneros e
espécies de rendas e proventos à incidência do imposto. Está intimamente relacionado
com o princípio da igualdade, tratando-se de pressuposto da isonomia.
Em relação à universalidade, esse princípio trata da abrangência do universo
das pessoas adquirentes de rendas e proventos.83
Com isso, em razão da universalidade,
a tributação por meio de imposto sobre a renda impõe que o lucro deve ser considerado
de modo global, independentemente de sua origem.
Já a progressividade, o imposto calculado sobre as empresas, deve, na
medida do possível, afetar com maiores valores aquelas empresas que tiverem maiores
lucros. Como exemplo de atendimento a esse princípio é possível mencionar a
tributação das micro e pequenas empresas na sistemática do Simples, as empresas que
se submetem à apuração do lucro presumido e suas distinções entre empresas
comerciais e prestadores de serviços, entre outras.
de segmentos prescritos no ordenamento jurídico, bem como de elemento vinculante que deve ser
observado pelas normas jurídicas que com ele se conectam. Princípio, no Direito, pode significar:
norma-valor, norma-limite objetivo, valor ou limite objetivo, como bem aponta a Professora Fabiana
Del Padre Tomé, adotando essa jurista as acepções de norma-valor e norma-limite, em razão da
homogeneidade sintática do sistema do direito positivo, formado por normas jurídicas (Contribuições
para a seguridade social: aspectos constitucionais. 2000. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São
Paulo, p. 161). 83
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Cadernos de Pesquisas Tributárias, São Paulo: Resenha Tributária, n.
14, p. 177, 1989.
80
Obviamente que o IRPJ está atrelado a outros princípios, como a estrita
legalidade,84
a igualdade,85
a irretroatividade da lei,86
a anterioridade,87
a capacidade
contributiva88
e a não confiscatoriedade.89
Quanto ao princípio da capacidade contributiva, Roque Carrazza considera
que os impostos devam ser modulados de acordo com
[...] as manifestações objetivas de riqueza dos contribuintes: auferir
renda e proventos de qualquer natureza, ter um imóvel, possuir um
automóvel, praticar operações mercantis, realizar operações
financeiras etc. Somente fatos deste tipo é que podem ser onerados por
meio de impostos. [...] Este pensamento conduz-nos à ideia de que a
base de cálculo dos impostos não pode ser manipulada de modo a
anular tal exigência constitucional, fazendo incidir o imposto sobre
fatos que não exibam conteúdo econômico e não gravem riqueza nova
do contribuinte.90
Quanto ao atendimento à vedação ao confisco, o legislador não pode
compelir os contribuintes a pagar um valor que confisque o patrimônio do administrado.
Carrazza91
leciona que é confiscatório o tributo que esgota ou
potencialmente esgota a riqueza tributável das pessoas, não levando em conta a
capacidade contributiva.
O imposto de renda da pessoa física (IRPF) e o imposto de renda da pessoa
jurídica (IRPJ) são subespécies do imposto sobre a renda e proventos de qualquer
natureza. As duas categorias foram criadas pelo legislador ordinário para diferenciar as
formas de tributação dessas pessoas, tendo em vista a distinção em termos econômicos
em relação à renda auferida. Cada um possui regra-matriz de incidência própria.
84
Artigo 150, I, da CF/1988. 85
Artigo 150, II, da CF/1988. 86
Artigo 150, II, “a”, da CF/1988. 87
Artigo 150, II, “b”, da CF/1988. 88
Artigo 145, § 1.º, da CF/1988. 89
Artigo 150, IV, da CF/1988. 90
CARRAZZA, Roque Antonio. Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos). São
Paulo: Malheiros, 2009. p. 114-115. 91
Ibidem, p. 118.
81
Pontua-se que o objetivo deste estudo é investigar a incidência do IRPJ
sobre o lucro e rendimentos das securitizadoras de títulos e valores mobiliários (pessoa
jurídica), não sendo objeto de estudo a tributação de pessoas físicas.
A regra-matriz de incidência do IRPJ:
Cabe-nos aqui construir de forma objetiva a regra-matriz de incidência do
imposto sobre a renda.
A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência
A hipótese ou antecedente da norma jurídica completa, construída pelo
hermeneuta, descreve um fato hipotético extraído dos textos legais, de possível
ocorrência no mundo fenomênico social, apto a produzir efeitos jurídicos.
Paulo de Barros Carvalho nos ensina que
[...] a hipótese, como proposição descritiva de situação objetiva real,
na lição rigorosamente correta de Lourival Vilanova, é construída pela
vontade do legislador, que recolhe os dados pelo fato da realidade que
deseja disciplinar (realidade social), qualificando-os, normativamente,
como fatos jurídicos. Mas esse descritor, que é o antecedente ou
suposto da norma, está imerso na linguagem prescritiva do direito
positivo, porque, mesmo formulado por um conceito de teor
descritivo, vem atrelado à consequência da regra, onde reside a
estipulação da conduta (prescritor), meta finalística e razão da própria
existência do direito.92
O mesmo jurista propõe a classificação da hipótese jurídica tributária em
três critérios, quais sejam: o material, que diz respeito ao comportamento das pessoas
físicas ou jurídicas; o espacial, que concerne ao local onde o fato deve ocorrer, a fim de
que irradie os efeitos que lhe são característicos; e, por fim, o critério temporal, que
contém o grupo de indicações, que nos oferecem elementos para identificar, com
exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame
jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto.
92
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 322-
323.
82
A.1) Critério material
O primeiro critério da regra-matriz de incidência do IRPJ resulta de uma
abstração, centrada apenas no comportamento de pessoas, sem qualquer referência
espacial ou temporal. É composto por um verbo (pessoal e de predição incompleta) e
um complemento, excluindo-se os verbos impessoais, os sem sujeito e os de sentido
completo, que tornariam inviável a regulação da conduta intersubjetiva.
Diante desses valores a serem aplicados obrigatoriamente em relação ao
IRPJ das securitizadoras de ativos empresariais, o critério material possui o verbo
“auferir” e o complemento “renda” (lucro no caso desse imposto), e o acréscimo
patrimonial da sociedade só será computado na medida em que, após um resultado
aritmético, apura-se o resultado positivo (lucro) ou negativo (prejuízo) a partir da
atividade empresarial.
O critério material da regra-matriz de incidência do imposto de renda (de
forma geral) está insculpido no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), que
prescreve:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da
disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1.º A incidência do imposto independe da denominação da receita
ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade
da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2.º Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a
lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua
disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste
artigo.
O Código Tributário Nacional previu como hipótese de incidência do
imposto sobre a renda em sua acepção ampla a aquisição da disponibilidade econômica
ou jurídica de renda e proventos de qualquer natureza, considerando que essa aquisição
de disponibilidade traga um acréscimo patrimonial, isto é, riqueza nova, ou seja, o valor
excedente às despesas, legalmente dedutíveis, necessárias para auferir os rendimentos.
83
Hugo de Brito93
nos ensina que a aquisição da disponibilidade econômica ou
jurídica trazida no CTN significa que a renda ou os proventos podem ser os que foram
pagos ou simplesmente creditados. Essa disponibilidade econômica decorre do
recebimento do valor que se vem a acrescentar ao patrimônio do contribuinte, enquanto
a disponibilidade jurídica decorre do simples crédito desse valor, do qual o contribuinte
passa juridicamente a dispor, embora este ainda não esteja nas mãos. Portanto, a
disponibilidade econômica é adquirida com o efetivo recebimento da renda e a
disponibilidade jurídica ocorre com o crédito, à disposição do contribuinte, sem
qualquer obstáculo.
Para Roberto Quiroga,94
a palavra “renda” possui várias acepções no texto
constitucional. Aparece 22 vezes na Carta Magna de 1988, não sendo utilizada pelo
legislador precisão semântica do termo linguístico referido. Para esse jurista, o termo
“renda” adotado pelo legislador constitucional no artigo 153, III, que trata do imposto
sobre a renda e proventos de qualquer natureza, é uma das espécies de receitas que a
União Federal arrecada no mesmo exercício de sua competência tributária. Trata-se de
um somatório de rendimentos quando o legislador incluiu no texto o generalismo de
“proventos de qualquer natureza”.
José Eduardo Soares de Melo95
traz importante ensinamento sobre a questão
do lucro ao mencionar que deverá ser efetuada a sua apuração ao término de um
determinado período de tempo, não podendo ser desprezada a situação contábil
existente no início desse mesmo período. Isso quer dizer que a apuração do lucro não
deve menosprezar os valores negativos de períodos anteriores, de forma a se realizar a
compensação de prejuízos anteriores, pois senão estar-se-ia reduzindo o patrimônio da
sociedade, o que se aplicaria perfeitamente ao IRPJ e à CSLL, pois ambos possuem
como base de cálculo o lucro.
93
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 315. 94
MOSQUERA, Roberto Quiroga. O conceito constitucional de renda e provento de qualquer natureza.
1996. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 57-60. 95
MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 162.
84
Destaca-se também que faturamento, patrimônio, capital, ganho e resultado
são conceitos veiculados na Constituição, porém não devem ser confundidos com o
lucro.
O faturamento, mencionado no artigo 195 da CF, é mero ingresso de valores
decorrentes da atividade e das faturas emitidas. O capital previsto em vários artigos da
Constituição Federal é tomado como investimento permanente. Patrimônio significa o
“conjunto estático de bens ou direitos titulados por uma pessoa, pública ou privada”. O
ganho diz respeito a ingressos, de forma descompromissada da noção de saldo positivo.
Resultado é considerado “situação terminal de um processo, sem qualificação valorativa
relativamente à manifestação de capacidade contributiva”. Por fim, o lucro, que se trata
do resultado positivo da atividade empresarial, noção menos ampla do que a renda.96
Em resumo, auferido lucro pela securitizadora de títulos e valores
mobiliários estará atendido o critério material da regra-matriz de incidência do IRPJ.
A.2) Critério temporal
O critério temporal traz no antecedente da norma um conjunto de
informações que nos permitem identificar o momento da ocorrência do evento a ser
promovido em fato jurídico.97
O critério temporal da regra-matriz de incidência do IRPJ das
securitizadoras de ativos empresariais comporta forma de apuração trimestral ou anual
de acordo com a legislação aplicável ao imposto, seja a apuração do imposto pela
sistemática do lucro real ou lucro presumido. Essa afirmação é de suma importância ao
presente estudo, pois seus reflexos serão devidamente analisados no capítulo 4.
Se o regime de apuração for trimestral, o critério temporal terá seu momento
de incidência do imposto no último dia de cada um dos quatro trimestres existentes no
ano fiscal. É o que dispõe o artigo 1.º da Lei n.º 9.430/1996, em que aponta os períodos
de apuração com datas de encerramento nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de
96
GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 177-179. 97
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-
semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 394.
85
setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário. Essas datas não devem ser
confundidas com a data de vencimento do pagamento do imposto para a União, que
ocorre até o último dia útil do mês subsequente ao trimestre.
Há a possibilidade de a securitizadora optar pela apuração de lucro real
anual do IRPJ em relação ao período considerado, para que se apure o fato de a pessoa
jurídica ter auferido lucro ou não durante todo o ano-calendário, e ao final do ano a
sociedade deverá fazer o ajuste e apurar saldo devedor de imposto a pagar ou saldo
negativo (crédito) em razão das antecipações feitas (recolhimentos feitos a maior que o
devido considerando o valor integral do imposto apurado no ano) durante os meses do
ano calendário.
O ajuste anual realizado na apuração do IRPJ se dá mediante técnica de
apuração do lucro real, sendo apontadas todas as despesas, receitas, impostos pagos,
permitindo-se fazer uma comparação com o imposto devido durante o ano-calendário.
Caso o contribuinte tenha pago um valor maior de tributo do que o devido, terá um
crédito com a União Federal, devidamente atualizado pela taxa Selic, que poderá ser
compensado com tributos a vencer ou vencidos e não pagos mediante compensação de
ofício; e na hipótese de apuração de um valor de tributo pago a menor o contribuinte
estará obrigado a recolher a diferença.
Os valores recolhidos pela sociedade no regime anual, mês a mês pelo
regime de estimativa, fixados com base na receita bruta98
ou apurados mediante a
elaboração de balancetes de suspensão ou redução, terão como critério temporal de
incidência do IRPJ o último dia do ano do respectivo calendário, e os recolhimentos
desse imposto feitos durante os meses serão considerados antecipações, podendo ser
abatidos na apuração do imposto no final do exercício.
Na hipótese do recolhimento das antecipações (mês a mês) quanto ao
regime do lucro real anual, o vencimento ocorrerá no último dia útil do mês subsequente
àquele que se referir (artigo 6.º da Lei n.º 9.430/1996), caso se apure imposto a pagar.
98
Sobre a receita bruta mensal aplicam-se percentuais constantes no artigo 15, § l.º, da Lei n.º
9.249/1995, acrescidos das demais receitas (ganho de capital, juros, variação monetária ativa etc.).
86
A sistemática de apuração do IRPJ, por seu turno, com base em balancetes
mensais de suspensão ou redução, se dá da seguinte forma:
(i) Suspensão: mediante o balancete mensal acumulado, demonstra-se que o
imposto pago até a data do balancete é maior que o devido. Exemplo: em 30 de abril,
pelo balancete acumulado de janeiro a abril do respectivo ano, apurou-se um imposto
devido de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e até essa data já foram recolhidos R$
120.000,00 – portanto, inexiste a obrigação de recolhimento do IRPJ. Essa opção
também pode ser utilizada nos meses em que houver prejuízo fiscal;
(ii) Redução: pelo balancete mensal acumulado demonstra-se que o imposto
devido, com base no lucro real, é inferior ao apurado com base na receita bruta mensal
da empresa, conforme citado no regime de estimativa baseada na receita bruta, podendo
haver a redução do recolhimento mensal.
Por fim, podemos ainda apontar como critério temporal o último dia útil do
mês subsequente ao evento da fusão, cisão ou incorporação, caso haja alguma operação
societária dessa natureza envolvendo a pessoa jurídica.
A.3) Critério espacial
O critério espacial traz um feixe de informações que permitem identificar
onde o evento ocorreu no mundo fenomênico para ser levado a fato jurídico.
Com a edição do artigo 25 da Lei n.º 9.249/1995 e suas alterações, o Brasil
passou a adotar o princípio da universalidade da tributação, com o princípio da
territorialidade instituído em 1924. Com isso, a renda e os lucros auferidos no exterior
passaram a ser tributados no Brasil.
O princípio da universalidade tem como essência estabelecer critério de
conexão o domicílio, viabilizando por parte da União Federal a tributação pelo IRPJ das
rendas auferidas de subsidiárias (coligadas ou controladas) no exterior pertencentes às
empresas estabelecidas no Brasil, além de tributar as fontes de renda produzidas nos
limites do território nacional.
87
Assinala-se sobre a tributação dos lucros auferidos no exterior que a Lei n.º
12.973/2014 traz em seus artigos 77 e seguintes entendimento de que a tributação das
controladas será automática, devendo ser adicionado na controladora todo dia 31 de
dezembro de cada ano-calendário o lucro da controlada, independentemente da sua
disponibilização, exceto se houver disponibilização (pagamento ou creditamento) em
momento anterior no ano-calendário. Neste caso, a incidência tributária ocorrerá no
momento do pagamento ou creditamento do lucro.
Para as coligadas no exterior, os lucros somente serão adicionados para fins
de tributação na empresa brasileira quando da sua disponibilização, salvo na hipótese de
o lucro ter sido auferido em regime de subtributação, qual seja aquele que tributa os
lucros da pessoa jurídica domiciliada no exterior à alíquota nominal inferior a 20%, não
esteja localizada a coligada em país ou dependência com tributação favorecida, ou não
seja beneficiária de regime fiscal privilegiado, que tratam os artigos 24 e 24-A da Lei
n.º 9.430/1996, e não seja controlada, direta ou indiretamente, por pessoa submetida a
tratamento tributário em regime de subtributação.99
Diante disso, o critério espacial em relação ao IRPJ das securitizadoras será
o lucro auferido por essas sociedades em território nacional e o lucro de subsidiárias
(coligadas ou controladas) auferido no exterior.
B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência
Na tese ou consequente da regra-matriz de incidência tributária encontram-
se as propriedades que caracterizam a relação jurídico-tributária que se instaura quando
da verificação no mundo fenomênico da situação fática, descrita no seu antecedente
normativo.
Paulo de Barros Carvalho leciona sobre o consequente:
[...] se na hipótese, funcionando como descritor, anuncia os critérios
conceptuais para o reconhecimento de um fato, o consequente, como
prescritor, nos dá, também, critérios para a identificação do vínculo
jurídico que nasce, facultando-nos saber quem é o sujeito portador do
direito subjetivo; a que foi cometido o dever jurídico de cumprir certa
prestação; e seu objeto, vale dizer, o comportamento que a ordem
99
Artigos 81 e 84 da Lei n.º 12.973/2014.
88
jurídica espera do sujeito passivo e que satisfaz, a um só tempo, o
dever que fora atribuído e o direito subjetivo de que era titular o
sujeito pretensor.100
Vejamos os critérios que formam a tese ou consequente da regra-matriz de
incidência do IRPJ.
B.1) Critério pessoal
O critério pessoal permite identificar os sujeitos da relação jurídica a ser
instaurada quando da criação do fato jurídico tributário, em que ocorre a regulação da
conduta, prescrevendo direitos e obrigações para as pessoas envolvidas.
Trata-se do conjunto de elementos que nos apontam, no prescritor da norma,
quem são os sujeitos da relação jurídica que se forma; de um lado, o sujeito ativo credor
da obrigação tributária, e de outro, o devedor.
Em relação ao critério pessoal da regra-matriz de incidência do IRPJ, o
sujeito ativo (aquele que tem competência para cobrar o tributo) é a União Federal,
pessoa política que compõe a República Federativa do Brasil, e em relação ao sujeito
passivo (aquele que tem o dever de pagar o tributo) será a pessoa jurídica que auferir
lucro.101
O sujeito passivo do IRPJ está descrito no artigo 45 do Código Tributário
Nacional, que dispõe:
Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se
refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao
possuidor, a qualquer título dos bens produtores de renda ou dos
proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei poderá atribuir à fonte pagadora da renda ou
dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja
retenção e recolhimento lhe caibam.
100
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 353. 101
Artigo 45 do Código Tributário Nacional.
89
Como mencionado no caput supra, o sujeito passivo será o beneficiário da
renda, ou seja, aquele que teve o seu patrimônio acrescido com o rendimento ou
provento que se lhe tornou disponível.
Entretanto, conforme se observa do parágrafo único citado, o sujeito passivo
pode ser um terceiro, a quem a lei confere a condição de responsável pelo recolhimento
do imposto. Em relação ao Imposto de Renda, é comum que essa obrigação seja
outorgada à fonte pagadora, que ao fazer a retenção e o recolhimento do tributo (nesse
caso estamos tratando do Imposto de Renda Retido na Fonte) acaba assumindo o papel
de agente repassador do tributo aos cofres públicos.
O sujeito passivo, nesse caso, aufere apenas os rendimentos líquidos da
operação, já deduzido o imposto sobre a renda.
No caso específico das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, estas
não sofrem qualquer retenção de IR-Fonte102
quando da recuperação do capital ao
receber o valor da dívida lastreada em direito creditório pelo devedor, visto decorrer de
uma dívida do devedor ao sub-rogador.
Não há nesse caso qualquer prestação de serviço ou operação descrita nos
artigos 647 (prestação de serviços de natureza profissional) a 653 (fornecimento de bens
ou serviços a órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal) do
Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/1999).
No tocante ao IR-Fonte, tratado no parágrafo único do artigo 45 do CTN, a
securitizadora também não será considerada responsável pela retenção e recolhimento
do imposto sobre a renda quando do pagamento de valores pela aquisição do crédito ao
originador, o que exclui, nesse caso, a securitizadora do papel de agente arrecadador.
Somente em razão da remuneração dos investidores, sobre o valor que
acrescer ao capital investido, haverá a retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte
sobre o ganho de capital pela securitizadora e seu recolhimento à União Federal. No
102
Considerado pela doutrina como imposto autônomo, o imposto de renda retido na fonte possui regra-
matriz própria, com critérios distintos do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e do Imposto de
Renda Pessoa Física (IRPF).
90
caso da pessoa física, a tributação será definitiva, e em relação à pessoa jurídica
investidora a tributação será tratada como antecipação, servindo de crédito para
abatimento do IRPJ quando da apuração trimestral ou anual.
No caso do IR-Fonte sobre ganho de capital,103
será adotada a seguinte
tabela de retenções:
Juros e
rendimentos
pagos
Prazo até 180 dias
De 181 a 360 dias
De 361 a 720 dias
Mais de 720 dias
22,5%
20,0%
17,5%
15,0%
Alienação de
debênture
Ganho auferido na alienação (diferença entre o valor de alienação e o valor de
aquisição).
Pagamento de
amortização
Diferença entre o valor amortizado (tomando por base o valor principal original) e
o valor efetivamente pago.
Exemplo de Cálculo:
Compra em 05.01.2015 R$ 10.000,00
Rendimentos recebidos em 1.º.01.2016 (período
de 360 dias) R$ 1.500,00
IR sobre rendimentos recebidos 20% sobre R$ 1.500,00 = R$ 300,00
B.2) Critério quantitativo
É no critério quantitativo que encontramos referências às grandezas
mediante as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, com o
fim de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo ao sujeito ativo a título de
tributo.
O critério quantitativo nos traz na regra jurídica as informações da base de
cálculo104
e alíquota, que conjuntamente são responsáveis pelo valor da prestação, que
103
Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-
demonstrativos/dirf-declaracao-do-imposto-de-renda-retido-na-fonte/arquivos-
mafon/mafon2015.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016. 104
Geraldo Ataliba, em sua obra Hipóteses de incidência tributária (6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,
p. 108), leciona que a base de cálculo é uma perspectiva dimensível do aspecto material da hipótese
91
nas lições de Paulo de Barros Carvalho o legislador buscou medir as proporções reais
do fato.105
Destacamos as diferentes funções desempenhadas pela base de cálculo: (i)
medir as proporções reais do fato, ou função mensuradora; (ii) compor a específica
determinação da dívida, ou função objetiva; e (iii) confirmar, infirmar, ou afirmar o
correto critério material do antecedente normativo, ou função comparativa.106
A base de cálculo do IRPJ deve guardar relação direta com o lucro (real)
obtido pela pessoa jurídica, ou seja, suas receitas menos seus custos e despesas obtidos
durante o ano-calendário ou durante o trimestre, conforme visto anteriormente.
Somente os ganhos, rendimentos e lucros novos que integrem ao
patrimônio107
poderão fazer parte da base de cálculo do IRPJ, conforme dispõe o artigo
218 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR (Decreto n.º 3.000/1999), que
reproduz o disposto no artigo 25 da Lei n.º 8.981/1995 e artigos 1.º e 55 da Lei n.º
9.430/1996.
O artigo 44 do Código Tributário Nacional e o artigo 219 do RIR/1999
prescrevem que a base de cálculo do IRPJ é o lucro real, presumido ou arbitrado,
correspondente ao período de apuração, ou seja, essas modalidades interferem
diretamente na obtenção da base de cálculo desse imposto.
Integram a base de cálculo todos os ganhos e rendimentos de capital,
independentemente da denominação, da forma, da natureza, da espécie ou existência de
título ou contrato, bastando que esses ganhos e rendimentos decorram de ato ou negócio
que tenham os mesmos efeitos previstos na regra de incidência do imposto.
de incidência que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada
obrigação tributária concreta, do quantum devido. É a expressão econômica da hipótese de incidência,
verdadeira base para o cálculo do tributo. 105
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 400.
106 Idem. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 171.
107 O Supremo Tribunal Federal entendeu no Recurso Extraordinário n.º 117.887/SP que a expressão
“renda e proventos de qualquer natureza” significa sempre acréscimo patrimonial.
92
Nas lições de Edmar Andrade Filho, a expressão “lucro real” consta do
artigo 6.º do Decreto-lei n.º 1.598/1977, que é a matriz do artigo 247 do RIR/1999.
Afirma que:
[...] a palavra real utilizada para qualificar lucro não designa algo
determinável de acordo com a natureza das coisas, e, deste modo,
lucro real é conceito normativo construído pela lei, e, por isso, trata-se
de realidade relativa e cambiável. Por isso, nem o lucro real nem o
lucro contábil são conceitos absolutos.108
Eduardo Sabbag, analisando as três modalidades ou regimes de apuração,
apresenta os seguintes excertos:
a) o Lucro Real é apurado com base em contabilidade real, o lucro
resulta da diferença da receita bruta menos as despesas operacionais,
mediante rígidos critérios contábeis ou fiscais de escrita, exigindo-se o
arquivo de documentos comprobatórios de tais receitas e despesas. É o
lucro líquido do período-base, ajustado pelas adições, exclusões ou
compensações prescritas ou autorizadas pela lei fiscal. A apuração
pelo lucro real é obrigatória para as empresas indicadas em lei (Lei n.º
9.718/1998) e opcional às demais.
Com respaldo nesse sistema, as pessoas jurídicas podem optar pelo
pagamento por estimativa, consistente no pagamento mensal de um
valor do imposto de renda aferido com base em um lucro presumido,
formalizando-se, no final do ano, um ajuste anual, por meio do qual
será abatido o valor que foi pago mensalmente por estimativa durante
o ano-base.
b) o Lucro Presumido é sistema opcional à pessoa jurídica não
obrigada por lei à apuração do lucro real. Consiste na presunção legal
de que o lucro da empresa é aquele por ela estabelecido com base na
aplicação de um percentual sobre a receita bruta desta, no respectivo
período de apuração. Exemplo: percentual de 16% para prestação de
serviços de transportes (exceto cargas), 8% para prestação de serviços
de transportes de cargas ou 32% para prestação de serviços gerais;
c) Já o Lucro Arbitrado decorre da impossibilidade de se apurar o
lucro da pessoa jurídica pelo critério real ou presumido em razão do
não cumprimento de obrigações tributárias acessórias, tais como: não
apresentação regular dos livros fiscais ou comerciais; não
apresentação do sistema de escrituração de arquivos de documentos na
forma da lei; e não apresentação do Livro Contábil Razão. Resulta,
portanto, de imposição da autoridade fiscal, em face de prática
irregular do contribuinte. Todavia, desde o advento da Lei n.º
8.981/1995, é possível à pessoa jurídica comunicar ao Fisco a
impossibilidade de apuração do imposto de renda pelo lucro real ou
108
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 34.
93
presumido, de forma espontânea, optando por sujeitar-se à tributação
de lucro arbitrado no período.109
Vejamos alguns detalhes dos três regimes de apuração do lucro, com
destaque ao lucro real e lucro presumido, analisados com enfoque nas atividades das
securitizadoras e das factorings.
A) Lucro real
No regime de apuração lucro real, a base de cálculo do IRPJ é o lucro real,
aquele apurado a partir do lucro efetivo da pessoa jurídica, ou seja, do resultado das
receitas, ganhos e rendimentos auferidos, deduzidos dos custos, das despesas e das
perdas, demonstrados por meio da escrita contábil.
O ponto de partida para determinação do lucro real é o lucro líquido
definido no artigo 248 do RIR/1999:
Art. 248. O lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica
do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados não operacionais
(Capítulo VII), e das participações, e deverá ser determinado com
observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei n.º 1.598, de
1977, art. 6.º, § 1.º, Lei n.º 7.450, de 1985, art. 18, e Lei n.º 9.249, de
1995, art. 4.º).
Como bem observa Edmar Andrade Filho,110
a expressão “lucro líquido”
constante do disposto no artigo 248 do RIR, em termos semânticos, não coincide com o
“lucro líquido” previsto no artigo 191 da Lei das S.A.: “Art. 191. Lucro líquido do
exercício é o resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as
participações de que trata o artigo 190”.
Diante disso, conclui o renomado jurista que o lucro líquido, base para a
determinação do lucro real, não é o mesmo da Lei das S.A., visto que há dois elementos,
considerados para efeito de determinação do lucro líquido pela lei societária (Lei n.º
6.404/1976), que não são reputados pela legislação do IR: (i) os prejuízos acumulados; e
(ii) a provisão do imposto sobre a renda.
109
SABAGG, Eduardo. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 1085.
110 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 35.
94
Na apuração do lucro real, deverão ser adicionados ao lucro líquido do
período de apuração: (i) os custos, despesas, encargos, perdas, provisões, participações e
quaisquer outros valores deduzidos na apuração do lucro líquido que não sejam
dedutíveis na determinação do lucro real; e (ii) os resultados, rendimentos, receitas e
quaisquer outros valores não incluídos na apuração do lucro líquido que devam ser
computados na determinação do lucro real.111
A forma regular e geral do método de apuração do lucro é o regime do lucro
real trimestral. Nessa sistemática, a empresa deverá a cada trimestre do ano (31/mar.,
30/jun., 30/set. e 31/dez.) elaborar balancete acumulado no período trimestral e
definitivamente apurar o Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido.
As empresas obrigadas ao recolhimento pela sistemática do lucro real estão
elencadas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998. Basicamente esse regime é utilizado por
(i) empresas que possuem receita bruta anual acima de R$ 78 milhões; (ii) que estejam
em determinados segmentos da economia; (iii) que se utilizam de incentivos fiscais; (iv)
empresas que tiverem lucros, rendimentos e ganhos de capital do exterior; (v) factorings
e securitizadoras de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.
A legislação do imposto de renda nessa sistemática permite que eventuais
prejuízos fiscais apurados em períodos anteriores sejam compensados com os lucros
apurados posteriormente da pessoa jurídica. O referido prejuízo fiscal deverá ser
demonstrado no Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur).
Todavia, a compensação de tais prejuízos é limitada a 30% do lucro líquido
ajustado,112
não havendo exceções.
A forma de apuração trimestral do lucro real, para as empresas que auferem
prejuízos, é pouco utilizada, pois há limitação da compensação de prejuízos de
trimestres anteriores com somente 30% do lucro tributável gerado no trimestre.
111
Artigo 249 do RIR/1999.
112 Artigo 42 da Lei n.º 8.981/1995.
95
Essa limitação ocorre porque a apuração do IRPJ (e da CSLL), calculado na
opção do lucro real trimestral, é efetuada de maneira isolada, sendo realizada de forma
definitiva, daí o receio de não conseguir compensar 100% do saldo do prejuízo fiscal
apurado em um determinado trimestre com o lucro apurado em outro trimestre,
principalmente as empresas que possuem resultados sazonais.
Destaca-se ainda que a pessoa jurídica sujeita à tributação com base no
lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto e adicional, em cada mês,
determinado sobre base de cálculo estimada, desde que faça a apuração do imposto no
fim do ano-calendário.113
A opção será manifestada com o pagamento do imposto correspondente ao
mês de janeiro ou de início de atividade, como ocorre com qualquer uma das
modalidades de recolhimento de tributos perante a Receita Federal do Brasil.
Podemos dividir a sistemática do regime do lucro real anual em duas
espécies:
a) Com base na receita bruta
Considerando um percentual aplicado sobre o somatório do resultado da
receita bruta do mês, acrescido do ganho de capital e demais receitas. Os percentuais
aplicáveis sobre a receita bruta variam de acordo com a atividade da pessoa jurídica e
constam no artigo 15 da Lei n.º 9.249/1995:
(i) 8% na venda de mercadorias e produtos (aplicável às atividades das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários e aquisições de direitos
creditórios das factorings);
(ii) 32% na prestação de serviços (aplicável às atividades de prestação de
serviços praticadas pelas factorings).
Há outros percentuais mencionados na referida lei, mas não é interessante
para o presente estudo.
113
Artigo 2.º da Lei n.º 9.430/1996.
96
b) Com base em balancete suspensão ou redução do imposto
b.1) Suspensão
A suspensão do recolhimento do imposto ocorre quando a empresa
demonstra por meio de balancete que em um determinado mês o resultado acumulado
de janeiro até esse mês resultou em prejuízo fiscal, inexistindo imposto a pagar.
b.2) Redução
A redução ocorre quando a empresa, em um determinado mês, demonstra
que o valor apurado do imposto menos o valor já pago durante o período acumulado é
inferior ao cálculo pela estimativa como base na receita bruta.
Nesses casos, apura-se mensalmente o lucro líquido a ser tributado pelo
IRPJ, aplicando-se sobre essa base de cálculo as alíquotas de 15% (principal) e 10%
(adicional), mais bem estudadas a seguir.
Em relação aos balanços ou balancetes, deverão ser levantados com
observância às leis comerciais e fiscais e transcritos no Livro Diário e somente
produzirão efeitos para determinação da parcela do imposto devido no decorrer do ano-
calendário.
A legislação sobre essa modalidade prevê ainda que estão dispensadas do
pagamento mensal as pessoas jurídicas que, por meio de balanços ou balancetes
mensais, demonstrem a existência de prejuízos fiscais apurados a partir do mês de
janeiro do ano-calendário.114
E mais, o pagamento mensal, relativo ao mês de janeiro do ano-calendário,
poderá ser efetuado com base em balanço ou balancete mensal, desde que fique
demonstrado que o imposto devido no período é inferior ao calculado com base nas
regras de estimativa.115
114
Artigo 35, § 2.º, da Lei n.º 8.981/1995 e artigo 1.º da Lei n.º 9.065/1995.
115 Artigo 35, § 3.º, da Lei n.º 8.981/1995 e artigo 1.º da Lei n.º 9.065/1995.
97
Quanto ao aproveitamento de prejuízo fiscal, limitada a sua compensação a
30% do lucro tributável, no regime do lucro real anual não cabe observar o referido
limite gerado no próprio ano-calendário. Somente haverá essa limitação na
compensação com lucros do ano-calendário a utilização de prejuízos fiscais acumulados
e gerados em anos anteriores. Isso porque, nos balanços ou balancetes levantados para
fins de suspensão ou redução do imposto de renda, apura-se o resultado acumulado
desde o mês de janeiro, de modo que os prejuízos de um mês são automaticamente
absorvidos por lucros de outro, sem nenhuma restrição.
Os valores recolhidos de IRPJ e CSLL pelo regime do lucro real anual são
considerados como antecipação desses tributos quando da apuração a ser feita no dia 31
de dezembro de cada ano-calendário, ou seja, serão deduzidos ao final do exercício do
imposto apurado.
Se eventualmente não se apurarem tributos a pagar, haja vista que (i) o valor
recolhido foi suficiente para atender ao imposto devido no período anual, e (ii) os
recolhimentos feitos mensalmente foram superiores aos apurados após o ajuste, estes
últimos serão considerados saldos negativos de IRPJ ou base negativa de CSLL,
tratando-se de crédito no fisco federal, que poderá ser compensado com débitos futuros
arrecadados pela Receita Federal do Brasil, devidamente corrigidos pela Selic, a partir
do seu recolhimento.116
Na hipótese de o contribuinte não efetuar o recolhimento dos valores de
estimativa mensalmente, desde que apure imposto devido a pagar, o fisco poderá aplicar
uma penalidade por esse descumprimento legal. Conforme dispõe a Súmula 82 do
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que vincula apenas os julgadores
desse E. Tribunal, “após o encerramento do ano-calendário, é incabível lançamento de
ofício de IRPJ ou CSLL para exigir estimativas não recolhidas”.
O artigo 44, II, da Lei n.º 9.430/1996, com a redação dada pela Lei n.º
11.488/2007, considera a penalidade em 50% do valor a ser pago mensalmente, tratada
116
Entendimento disposto na Súmula CARF n.º 84: “Pagamento indevido ou a maior a título de
estimativa caracteriza indébito na data de seu recolhimento, sendo passível de restituição ou
compensação”.
98
pela legislação como multa isolada. Essa penalidade será devida ainda que tenha sido
apurado prejuízo fiscal ou base negativa da CSLL, no ano-calendário correspondente.
A despeito de existirem discussões jurídicas sobre a legalidade da referida
multa e sua aplicação em casos de se apurar imposto de renda ou contribuição social
devida após o ajuste no fim do ano-calendário,117
dado que a exigência de tributos já
submeteria à incidência de multa de ofício de pelo menos 75%,118
o fato é que após as
alterações promovidas pela Lei n.º 11.488/2007, com sua literalidade textual, houve um
enfraquecimento significativo das teses levantadas quanto ao bis in idem (não configura
dupla tributação por serem fatos jurídicos e regras de incidência distintas),
concomitância de penalidades (existente apenas sobre uma possível e idêntica base de
cálculo) ou a tese da consunção (absorção da multa com percentual menor pela multa de
percentual maior – tese importada do Direito Penal) da multa de 50% (multa isolada)
pela multa de 75% (multa de ofício).
A jurisprudência atual do CARF, após as alterações promovidas pela Lei n.º
11.488/2007, é pela aplicação da multa isolada de 50%, e, se ainda o contribuinte apurar
imposto a pagar após o ajuste no fim do exercício, deverá se submeter a lançamento
fiscal e à multa de pelo menos 75% de ofício.119
Vejamos também, de forma objetiva, a modalidade do lucro presumido.
B) Lucro presumido
Iniciemos a análise desse regime afirmando que a expressão “lucro
presumido” é ambígua, pois serve para fazer referência a um regime de tributação em
117
Não estamos tratando aqui de exigências de valores de estimativas não recolhidas no mês, mas de
IRPJ e CSLL devidos após o ajuste e apuração feita no fim do ano-calendário. 118
Artigo 44, I, da Lei n.º 9.430/1996.
119 Acórdão n.º 1402-002.114 (Processo Administrativo n.º 10882.724009/2013-16), publicado em
13.04.2016; Acórdão n.º 1201-001.368 (Processo Administrativo n.º 16682.720774/2011-20),
publicado em 15.03.2016; Acórdão n.º 1301-001.856 (Processo Administrativo n.º
16327.720832/2013-26), publicado em 23.12.2015.
99
que algumas pessoas jurídicas podem aderir como sujeitos passivos do IRPJ e da CSLL,
e ao mesmo tempo servir para determinar a base de cálculo desses mesmos tributos.120
Podemos definir o conceito de “lucro presumido” como uma modalidade ou
regime optativo de determinação e apuração da base de cálculo do Imposto de Renda
das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL),
dentro de um regime de tributação simplificada, partindo dos valores globais da receita
bruta da atividade. Esse regime aplica-se às pessoas jurídicas que não estiverem
obrigadas, no ano-calendário, à apuração do lucro real.
Em termos quantitativos o lucro presumido é o total da soma dos seguintes
valores:
a) o resultado da aplicação dos percentuais específicos de presunção do
lucro presumido, variáveis de acordo com o tipo de atividade exercida
pela pessoa jurídica, sobre a receita bruta apurada nos trimestres; e
b) demais acréscimos à base de cálculo, tais como: ganhos de capital nas
alienações de ativos, rendimentos e ganhos líquidos produzidos por
aplicações financeiras de renda fixa e variável, e juros relativos à
remuneração do capital próprio.
Nenhuma empresa está obrigada à utilização desse sistema de apuração,
embora nem todas as pessoas jurídicas se enquadrem nas condições exigidas para adotá-
lo. O uso desse sistema de apuração da base de cálculo não vincula sua manutenção
além do ano correspondente. Portanto, a opção é anual.
A sistemática de apuração do lucro pelo regime presumido, faculdade
atribuída às securitizadoras de títulos e valores mobiliários, desde que atendidas as
regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, se dá sob a presunção de
um lucro.
120
Nesses termos é o entendimento de ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das
empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 889.
100
Portanto, as pessoas jurídicas que não se submeterem ao regime do lucro
real poderão adotar a sistemática do lucro presumido, tratando-se de identificação dos
sujeitos passivos de forma excludente daqueles que estão obrigados ao lucro real.
O percentual de lucro a ser considerado pelas securitizadoras será de 8%
sobre o valor da receita bruta auferida mensalmente (base de cálculo do IRPJ no lucro
presumido),121
visto que a securitização de recebíveis envolve apenas a compra de
direitos creditórios, não envolvendo nenhuma atividade onerosa de prestação de
serviços, como ocorre com o factoring.
Nessa sistemática, o recolhimento do IRPJ é feito trimestralmente, sendo
devido o tributo até o dia útil do mês subsequente ao trimestre.
A pessoa jurídica que optar pela tributação com base no lucro presumido
deverá manter:
a) escrituração contábil nos termos da legislação comercial ou livro Caixa,
no qual deverá estar escriturada toda a movimentação financeira,
inclusive bancária;
b) livro Registro de Inventário no qual deverão estar registrados os estoques
existentes no término do ano-calendário abrangido pelo regime de
tributação simplificada;
c) livro de Apuração do Lucro Real, quando existirem lucros diferidos de
períodos de apuração anteriores, inclusive saldo de lucro inflacionário a
tributar.
Destaca-se que os contribuintes deverão conservar em boa ordem e guarda,
enquanto não decorrido o prazo decadencial do direito de a Fazenda Pública constituir
os créditos tributários relativos a esses exercícios, os livros de escrituração obrigatória
por legislação fiscal específica e todos os demais papéis e documentos que serviram de
base para a escrituração comercial e fiscal.
121
Artigo 15, caput, da Lei n.º 9.249/1995 c/c o artigo 25 da Lei n.º 9.430/1996.
101
Ademais, diante do fato de as factorings não se submeterem ao regime do
lucro presumido, em razão da exigência trazida no artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998,
a aplicação de presunção do lucro de 32% sobre as atividades de prestação de serviços
somente ocorre em relação às faturizadoras na sistemática do lucro real anual com base
na receita bruta mensal.
Por fim, o regime do lucro arbitrado, a despeito de não ser protagonista do
presente estudo, será analisado de forma objetiva a seguir.
C) Lucro arbitrado
Quanto ao lucro arbitrado, essa modalidade é aplicada na apuração do
imposto sobre a renda pela autoridade fiscal e pelo contribuinte. Esse regime é adotado
pela autoridade fiscal quando a pessoa jurídica deixar de cumprir obrigações acessórias
relativas à determinação do lucro real ou presumido, dependendo do caso.
O artigo 148 do CTN dispõe que, quando o cálculo do tributo tenha por
base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou os atos
jurídicos, a autoridade fiscal, mediante procedimento regular, arbitrará aquele valor ou
preço, nas seguintes hipóteses: (i) sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as
declarações ou os esclarecimentos prestados; ou (ii) sempre que sejam omissos e não
mereçam fé os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente
obrigado, ressalvada, em caso de contestação.
Misabel Derzi122
entende que o arbitramento é apenas uma técnica, inerente
ao lançamento de ofício, não constituindo procedimento especial de lançamento.
Desde que seja conhecida a receita bruta e ocorrendo uma das hipóteses
previstas no artigo 530 do Regulamento do IR, o contribuinte poderá efetuar o
pagamento do IRPJ utilizando-se das regras do lucro arbitrado.
122
DERZI, Misabel Abreu Machado. Constituição de crédito tributário. In: NASCIMENTO, Carlos
Valder do (Coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.
391.
102
O IRPJ devido trimestralmente, com vencimento até o último dia útil
subsequente ao trimestre, será determinado com base nos critérios do lucro arbitrado,
nos casos de conhecida a receita bruta, quando:
(i) a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar evidentes
indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a
tornem imprestável para identificar a efetiva movimentação financeira,
inclusive bancária ou determinar o lucro real;
(ii) o contribuinte deixar de apresentar à autoridade fiscal os livros e
documentos da escrituração comercial e fiscal, ou deixar de apresentar o
Livro-Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a movimentação
financeira, inclusive bancária, quando optar pelo lucro presumido e não
mantiver escrituração contábil regular;
(iii) contribuinte optar indevidamente pelo lucro presumido;
(iv) o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de
escriturar e apurar o lucro da sua atividade separadamente do lucro do
comitente, residente ou domiciliado no exterior;
(v) o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas
contábeis recomendadas, Livro-Razão ou fichas utilizadas para resumir,
totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário; e
(vi) o contribuinte não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e
fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela
legislação fiscal, nos casos em que o mesmo se encontre obrigado ao
lucro real.
Na hipótese de opção pelo contribuinte, a tributação com base no lucro
arbitrado será manifestada mediante o pagamento da primeira quota ou da quota única
do imposto devido, correspondente ao período de apuração trimestral em que o
contribuinte, pelas razões determinantes na legislação, se encontrar em condições de
proceder ao arbitramento do seu lucro.
103
A tributação com base no lucro arbitrado ocorrerá trimestralmente, em
períodos de apuração encerrados em 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de
dezembro de cada ano-calendário.
Quando conhecida a receita bruta, a base de cálculo do lucro arbitrado será o
montante determinado pela soma das seguintes parcelas:
(i) o valor resultante da aplicação de percentuais variáveis, conforme o tipo
de atividade operacional exercida pela pessoa jurídica, sobre a receita
bruta auferida nos respectivos trimestres;
(ii) ao resultado obtido na forma do item (i) deverão ser acrescidos os
ganhos de capital, os rendimentos e ganhos líquidos auferidos em
aplicações financeiras (renda fixa e variável), as variações monetárias
ativas, as demais receitas e todos os resultados positivos obtidos pela
pessoa jurídica, inclusive os juros recebidos como remuneração do
capital próprio, os descontos financeiros obtidos, os juros ativos não
decorrentes de aplicações e os demais resultados positivos decorrentes
de receitas não abrangidas no item anterior.
Também deverão ser incluídos os valores recuperados correspondentes a
custos e despesas, inclusive com perdas no recebimento de créditos, salvo se o
contribuinte comprovar não ter deduzido tais valores em período anterior no qual tenha
se submetido à tributação com base no lucro real, ou que se refiram a período a que
tenha se submetido ao lucro presumido ou arbitrado. Os lucros, rendimentos e ganhos
de capital oriundos do exterior serão adicionados ao lucro arbitrado para determinação
da base de cálculo do imposto.
O lucro arbitrado será apurado mediante a aplicação dos seguintes
percentuais,123
quando conhecida a receita bruta, sendo utilizados esses percentuais
pelos contribuintes e pelas autoridades fiscais:
123
Artigos 532 e 535 do RIR/1999.
104
a) Comércio e Indústria (inclui a atividade das securitizadoras e parte das
atividades das factorings: relacionada com a compra de direitos
creditórios): 9,6%; e
b) Prestação de Serviços em Geral (inclui parte das atividades das
factorings: relacionada com a prestação de serviços): 38,4%.
Na hipótese de não se conhecer a receita bruta, será apurado o imposto
mediante procedimento de ofício, nos termos do artigo 535 do RIR e artigo 136 da
Instrução Normativa SRF n.º 1.515/2014, conforme as seguintes alternativas de cálculo:
a) Lucro real referente ao último período em que a pessoa jurídica manteve
escrituração de acordo com as leis comerciais e fiscais: 1,5%;
b) Soma dos valores do ativo circulante e do ativo não circulante realizável
a longo prazo, investimentos, imobilizado e intangível, existentes no
último balanço patrimonial conhecido: 0,12%;
c) Valor do capital, inclusive sua correção monetária contabilizada como
reserva de capital, constante do último balanço patrimonial conhecido ou
registrado nos atos de constituição ou alteração da sociedade: 0,21%;
d) Valor do patrimônio líquido constante do último balanço patrimonial
conhecido: 0,15%;
e) Valor das compras de mercadorias efetuadas no trimestre: 0,4%;
f) Soma, em cada trimestre, dos valores da folha de pagamentos dos
empregados e das compras de matérias-primas, produtos intermediários e
materiais de embalagem: 0,4%;
g) Soma dos valores devidos no trimestre a empregados: 0,8%; e
h) Valor do aluguel devido no trimestre: 0,9%
O art. 136, § 1.º, da IN n.º 1.515/2014 estabelece que, a critério da
autoridade lançadora, poderão ser adotados limites e preferências na aplicação dos
percentuais, levando em consideração a atividade da empresa: as alternativas “e”, “f” e
“g” poderão ter sua aplicação limitada, respectivamente, às atividades comerciais (valor
105
de compras de mercadorias efetuadas no trimestre), industriais (valor da folha de
pagamento dos empregados somada a compra de matérias-primas, produtos
intermediários e materiais de embalagem no trimestre) e prestação de serviços (valores
devidos a empregados no trimestre) e, no caso de empresas com atividade mista, serem
adotadas isoladamente em cada atividade.
Na hipótese específica das securitizadoras de títulos e valores mobiliários,
caso se adote uma das alternativas supramencionadas, não poderiam ser aplicados os
itens “e” e “f”, pois não guardam correlação objetiva com a atividade de aquisição de
direitos creditórios.
No § 2.º do mesmo dispositivo, que trata do lucro real referente ao último
período em que a pessoa jurídica manteve escrituração de acordo com as leis comerciais
e fiscais, quando o lucro for decorrente de período-base anual, o valor que servirá de
base ao arbitramento será proporcional ao número de meses do período-base
considerado.
Já no § 3.º da referida Instrução Normativa, as alternativas de valor de
compras de mercadorias efetuadas no trimestre e a soma, em cada trimestre, dos valores
da folha de pagamentos dos empregados e das compras de matérias-primas, produtos
intermediários e materiais de embalagem, serão consideradas pelos valores totais,
incluindo o ajuste a valor presente, disposto no inciso III do artigo 184 da Lei das S.A.
Superados por meio de breves comentários os três regimes de apuração do
lucro em relação ao IRPJ, aplicáveis da mesma forma à CSLL, o próximo passo é
identificar a receita bruta, que servirá a partir de então para a apuração do lucro das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Como já exposto neste estudo, a remuneração das securitizadoras se dá na
diferença do desconto (deságio) do valor pago pelos títulos ou valores mobiliários ao
originador. O pagamento feito pelo devedor (cliente do originador) para a securitizadora
no vencimento do título nada mais é do que a recuperação do capital empregado na
atividade de securitização.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento da Receita Federal do Brasil
quanto à receita bruta auferida pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, nos
106
termos dos itens 23, 24 e 25 do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do
Brasil:
23. Em relação ao conceito de receita bruta, releva destacar a
definição disposta no § 3.º do art. 10 do Decreto n.º 4.524, de 17 de
dezembro de 2002, e no Ato Declaratório SRF n.º 009, de 23 de
fevereiro de 2000, pela qual o deságio, assim entendido a diferença
entre o valor de face e o valor pago ao cedente, corresponde à receita
bruta nas aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de
fomento comercial (factoring). Pelas razões até aqui expostas, tal
definição aplica-se ao gênero de empresas de fomento comercial,
sendo extensiva à espécie, tal qual as securitizadoras de ativos
empresariais.
24. Convém assinalar que, para a securitizadora, a emissão de títulos
não gera receita nova, tratando-se de simples captação de recursos
com contrapartida no passivo. Na verdade, a ela cabem as vantagens
próprias da intermediação, pela fixação de uma diferença (spread)
entre os fluxos financeiros gerados pelo lastro e pelo título mobiliário,
decorrente do resgate e remuneração dos títulos mobiliários em
valores inferiores aos recebidos pelos títulos de crédito.
25. Entretanto, o spread não produz acréscimo patrimonial, eis que se
trata de realização parcial do deságio obtido na formação do lastro,
sendo a parcela restante destinada à realização do retorno do
investidor, isto é, a taxa de deságio do lastro comporta o spread e a
remuneração do título mobiliário, e se impõe como limite nessa
composição, sob pena de prejuízo da operação, a ser suportado pela
securitizadora. (destacamos)
O entendimento supra confirma o que vem sendo sustentado pela doutrina
editada antes do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil, qual seja
que a receita bruta das securitizadoras de títulos mobiliários é o deságio correspondente
ao pagamento pela aquisição do título, a diferença do valor de face do título e o seu
custo de aquisição.124
Cumpre destacar que nas atividades de factoring a base de cálculo foi
definida no Decreto n.º 4.524/2002, quando regulamentou o PIS/Pasep e a Cofins
devidos por pessoas jurídicas.
O artigo 10, § 3.º, do referido Decreto dispõe:
124
ANDERLE, Ricardo. A insegurança jurídica tributária que ameaça a atividade de securitização de
créditos empresariais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 215, p. 161,
2013.
107
[...] nas aquisições de direitos creditórios, resultantes de vendas
mercantis a prazo ou de prestação de serviços, efetuadas por empresas
de fomento comercial (factoring), a receita bruta corresponde à
diferença verificada entre o valor de aquisição e o valor de face do
título ou direito creditório adquirido.
Em que pese o referido Decreto não regulamentar a atividade de
securitização, estamos diante do mesmo preceito de identificação da receita originária
da compra de títulos de crédito mediante deságio quando do pagamento ao cedente, não
existindo sob essa premissa motivo para tratamento distinto.
Sobre o percentual da receita bruta a ser adotado pelas securitizadoras de
títulos e valores mobiliários, a Receita Federal do Brasil, por meio de Solução de
Consulta n.º 130, de 03.07.2012, apresentou o seguinte entendimento:
Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita
bruta.
Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas
empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de
cálculo do IRPJ deve ser apurada com a utilização do percentual de
presunção de 8% (oito por cento).
Da mesma forma, a 5.ª Turma da Delegacia de Julgamento da Receita
Federal125
de Ribeirão Preto se pronunciou:
Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ.
Ano-calendário: 2007, 2008.
Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.
Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas
jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram
atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir
da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.
O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de
8%.126
125
Órgão de julgamento de tributos federais vinculado à Receita Federal do Brasil.
126 DRJ/POR, 5.ª Turma, Acórdão 1445.494, Processo Administrativo n.º 10920.003613/201051, j.
10.10.2013.
108
Após a apuração do lucro (real, presumido ou arbitrado) da pessoa jurídica,
nos termos da legislação do IRPJ, aplica-se a alíquota de 15%127
sobre a base de
cálculo, de forma a apurar qual o montante devido do imposto sobre a renda.
Além disso, haverá a incidência da alíquota adicional de 10%128
sobre a
base de cálculo apurada do IRPJ, apenas em relação ao valor que exceder a R$
20.000,00 mensais, ou R$ 60.000,00 trimestrais ou R$ 240.000,00 anuais, dependendo
do período de apuração (mensal, trimestral ou anual).
Cumpre mencionar ainda que as securitizadoras, em razão de assumirem a
modalidade de sociedade anônima de propósito específico, não poderão adotar a
sistemática de recolhimento do Simples Nacional, conforme vedação expressa no artigo
30, § 3.º, I, da Lei Complementar n.º 123/2006.
Por fim, adotando-se elementos de generalização, que necessariamente
podem não apresentar os mesmos resultados em casos específicos, coloca-se a seguinte
questão, objeto de discussão no próximo capítulo: Por que a securitizadora de títulos e
valores mobiliários prefere se sujeitar ao lucro presumido, em vez de recolher seus
tributos no regime do lucro real?
Em termos gerais, o lucro presumido é utilizado por empresas que possuem
elevado lucro e poucos custos e despesas a serem deduzidos da base de cálculo na
apuração do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Já
o lucro real é usado pelas empresas sujeitas às obrigatoriedades trazidas no artigo 14 da
Lei n.º 9.718/1998 e que possuem baixo lucro e muitos custos e despesas a serem
deduzidos na apuração dos referidos tributos. Essas premissas e conclusões são obtidas
pela lógica da dedutibilidade de custos e despesas, existentes no lucro real, e não
aplicadas no lucro presumido.
Adotando-se essa premissa, por exemplo, para as empresas elencadas no rol
taxativo disposto no referido artigo 14, que possuem alto lucro e poucos custos e
despesas, por exemplo, elas se submeterão à altíssima carga tributária no regime do
127
Artigo 541 do RIR/1999.
128 Artigo 542 do RIR/1999.
109
lucro real. Daí o nosso apontamento de que os casos específicos não possuirão o mesmo
resultado.
As securitizadoras de títulos e valores mobiliários preferem apurar e
recolher seus tributos na sistemática do lucro presumido, pois quase não possuem custos
e despesas a serem deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, e o valor da sua
receita/lucro é elevado, tratando-se de uma economia relevante quando se compara com
a carga tributária apurada no regime do lucro real.
Entretanto, uma das desvantagens que podemos apontar do lucro presumido
é a impossibilidade de se deduzir prejuízo fiscal, procedimento considerado pela nossa
Suprema Corte129
como um benefício fiscal, limitado a 30% do valor do lucro apurado,
aplicado no regime de apuração do lucro real.
Por isso, em linhas gerais, há prós e contras em relação aos regimes de
apuração do IRPJ nas sistemáticas do lucro real e presumido. A despeito disso, em
linhas gerais, o que se busca no presente estudo não é apenas mostrar que determinado
regime permite uma carga tributária menor, mas zelarmos pela estrita legalidade que
preserva a faculdade das securitizadoras em adotar como opção o regime do lucro
presumido, mais bem estudado no próximo capítulo.
3.3 Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)
Trata-se de contribuição instituída pela Medida Provisória n.º 22, de
07.12.1988, posteriormente convertida na Lei n.º 7.689, de 15.12.1988, que sofreu
alterações.
O fundamento constitucional da CSLL está no artigo 195, I, “c” (lucro), da
Constituição Federal, e o Supremo Tribunal Federal entendeu que a referida
contribuição possui natureza jurídica de tributo, quando do julgamento do Recurso
Extraordinário n.º 138.284-8/CE, sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso.
129
Vide Recursos Extraordinários 344.994 e 545.308 do Supremo Tribunal Federal.
110
Da mesma forma que o IRPJ, a pessoa jurídica optante pelo regime do lucro
real, presumido ou arbitrado deverá se submeter à incidência da CSLL pelo mesmo
regime escolhido.
Aplicam-se à CSLL, além dos princípios da estrita legalidade,130
isonomia
tributária,131
irretroatividade da lei,132
anterioridade especial ou mitigada,133
vedação ao
confisco,134
o princípio da diversidade na base de financiamento da seguridade social, a
equidade na forma de participação no custeio, a retributividade e o princípio da
capacidade contributiva.
O princípio da diversidade na base de financiamento está previsto nos
incisos I, II, III e IV do artigo 195 da CF/1988, prescrevendo que a seguridade social
será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta.
Os recursos orçamentários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
financiam diretamente a seguridade social, enquanto o recolhimento de contribuições
sociais dos empregadores, dos trabalhadores, da receita do concurso de prognósticos e
do importador o faz de forma indireta.
No § 9.º do artigo 195 da CF/1988 há expressa menção de que “as
contribuições sociais previstas no inciso I do caput desse mesmo artigo poderão ter
alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da
utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do
mercado de trabalho”, o que detalha o mecanismo da equidade.
130
Artigo 150, I, da CF.
131 Artigo 150, II, da CF.
132 Artigo 150, III, “a”, da CF.
133 O princípio da anterioridade veda que as pessoas políticas cobrem tributos no mesmo exercício
financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, conforme redação do art.
150, III, “b”, da CF/1988. Todavia, no caso das contribuições sociais, há exceção à referida regra,
submetendo-se a uma “anterioridade especial”, na terminologia adotada pelo Professor Roque
Antonio Carrazza, em sua obra Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 527. Isso quer dizer que, independentemente da lei que instituir ou majorar
contribuição social a ser publicada no dia 31 de dezembro, somente terá vigência a partir do prazo de
90 dias contados da sua publicação. 134
Artigo 150, IV, da CF.
111
Sobre esse tema, Fabiana Tomé135
leciona que deve ter correlação entre o
fator de diferenciação e a desequiparação procedida. Afirma que o princípio da
isonomia e da capacidade contributiva são balizadores dessa diferenciação, não podendo
servir para medir a capacidade contributiva apenas o dado “atividade econômica” ou
“utilização intensiva de mão de obra”, porque esses elementos não atendem de forma
objetiva esses princípios, podendo existir na mesma atividade econômica contribuintes
com maior e menor capacidade e com maior ou menor utilização de mão de obra.
Entendemos que o fato de uma empresa ser mais ou menos lucrativa, por
exemplo, critério constantemente utilizado pelo fisco federal para majorar a CSLL, não
revela a sua atividade econômica, o número de empregados, ou o seu tamanho. Uma
empresa pode ter alta lucratividade com poucos funcionários, enquanto outra pode ter
baixa taxa de retorno e utilizar muita mão de obra.
Fabiana Tomé defende também que o princípio da capacidade contributiva é
aplicável às contribuições sociais, haja vista que o vocábulo “imposto” trazido no artigo
145, § 1.º, da CF – “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” – é ambíguo, podendo ser
empregado para significar imposto em sentido estrito ou tributos.136
Essa ambiguidade se repete em outros momentos nos enunciados na Carta
Política de 1988, em razão de vícios de linguagem ou erros redacionais de textos legais
pelos legisladores.
Não temos dúvida de que o princípio da capacidade contributiva deve estar
contido nas regras que majoram ou alteram a CSLL, especialmente para sedimentar a
distinção tributária fixada em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de
mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
Quanto à referibilidade ou retributividade, a CSLL é uma contribuição para
a seguridade social, com destinação certa, vinculada, e a alíquota somente poderia ser
majorada caso beneficiários relacionados às empresas sujeitas à majoração
135
TOMÉ, Fabiana Del Padre. Contribuições para a seguridade social: aspectos constitucionais. 2000.
Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 200-201. 136
Idem, p. 181.
112
demandassem mais para o sistema de seguridade ou se houvesse a criação de algum
outro benefício para o segmento, o que não ocorre no presente caso.
Nos termos do artigo 195, § 5.º, da CF/1988, a regra da contrapartida ou da
referibilidade dispõe que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser
majorado sem a correspondente fonte de custeio. É dizer que não se justifica majorar a
CSLL algum setor da economia, por exemplo, porque nenhum benefício ou serviço da
seguridade social foi criado. A União estará arrecadando um valor sem, em
contrapartida, proporcionar qualquer benefício.
A respeito da referibilidade, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo
a aplicação desse princípio nas contribuições sociais:
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo.
Contribuição para o custeio da saúde. Compulsoriedade. Servidor
ocupante de dois cargos. Impossibilidade de a incidência alcançar o
valor auferido sob os dois vínculos. Sobrestamento. Modulação dos
efeitos. Desnecessidade. A Primeira Turma desta Corte assentou que a
incidência da contribuição para o custeio dos serviços de saúde,
exercida a opção pelo servidor, deve incidir sobre apenas um dos
cargos. O princípio da solidariedade se presta a universalizar o âmbito
de potenciais contribuintes, mitigando a referibilidade que é própria
das contribuições. Não se presta o referido postulado a legitimar
distorções na base de cálculo das contribuições, as quais, no intuito
desmedido de arrecadar, acarretam o desvirtuamento da natureza
retributiva que deve marcar os regimes de previdência. A controvérsia
relativa à restituição de indébito decorrente da declaração de
inconstitucionalidade da cobrança compulsória tem natureza
infraconstitucional e, portanto, não pode ensejar a abertura da via
extraordinária. Dessa maneira, não se faz imprescindível o
sobrestamento do presente feito até o trânsito em julgado do acórdão
proferido na ADI 3.106/MG. Agravo regimental a que se nega
provimento (ARE 672673 AgR/MG, 1.ª Turma, Min. Roberto
Barroso, j. 13.05.2014).
A jurisprudência supracolacionada permite afirmar que a referibilidade ou
retributividade estrita nas contribuições sociais é um verdadeiro balizamento para
marcar os regimes de previdência no País.
Ademais, há respeitável corrente doutrinária considerando que a CSLL tem
natureza de imposto, confundindo-se com o imposto sobre a renda, afirmando que:
113
O constituinte não pretendeu impor a incidência simultânea de dois
tributos sobre o mesmo fato gerador (o lucro auferido pelo
empregador). Chamou, impropriamente, de contribuição social o que
será, simplesmente, a destinação do produto de arrecadação do
imposto de renda para o financiamento da Seguridade Social. É que,
não sendo um técnico, o constituinte poderá cometer esse grosseiro
equívoco, apesar de, claramente, ter separado as espécies tributárias ao
longo de todo o corpo do Estatuto Magno.137
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu que se trata de tributos
diferentes:
CSSL. Pretendida extensão à exação de benefício fiscal concedido em
relação ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza.
Suposta identidade ou semelhança entre as bases de cálculo dos
tributos. IR e CSLL. Tributos de espécies próprias e diferentes.
Impossibilidade de extensão automática de benefício concedido em
relação a um dos tributos ao outro. Processual civil.
Prequestionamento. Matéria infraconstitucional. Esta Corte já afastou
expressamente a identidade entre a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido – CSLL e o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer
Natureza – IRPJ, por se tratarem de tributos classificados em espécies
próprias e diferentes. Assim, eventual semelhança entre as bases de
cálculo das exações não implica necessariamente unicidade de
tratamento fiscal. Ausente a identidade entre os tributos, a extensão do
benefício concedido em relação a uma das exações para a outra
dependeria de lei específica neste sentido (art. 150, § 6.º, da
Constituição). As demais alegações referem-se à matéria não
prequestionada, de natureza infraconstitucional. Agravo ao qual se
nega provimento.138
José Eduardo Soares de Melo139
aponta importante distinção entre esses
tributos, destacando que os ajustes realizados na aferição da base de cálculo do IR
constituem elementos estranhos e posteriores ao lucro societário (contábil). Para ele, é o
lucro fiscal que ocasiona o fato gerador do imposto de renda, enquanto para a CSLL é o
lucro contábil (societário) que acarreta o seu fato gerador. Há distinções numéricas que
não permitem atestar a identidade entre os lucros dos referidos tributos.
137
BALERA, Wagner. Seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: RT, 1989. p. 57.
138 STF, RE 399.667/RN, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2.ª Turma, DJ 08.11.2011.
139 MELO, José Eduardo Soares de. Contribuições sociais no sistema tributário. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2010. p. 227.
114
Portanto, concluindo o entendimento do renomado professor, os ajustes
feitos compreendem a própria formação e a apuração do lucro tributável pelo imposto
de renda, que nem sempre corresponde ao lucro tributável para a contribuição social.
Seguimos o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que fortalece nossa
premissa descrita em todo este estudo, de que semelhança não é igualdade. Há
diferenças na base de cálculo e na destinação desses tributos. O IRPJ não possui
destinação específica, tratando-se de tributo não vinculado,140
enquanto o segundo será
utilizado para custear a seguridade social, nos termos do artigo 195 da CF/1988.
Nesse sentido, passemos à análise da regra-matriz de incidência da CSLL.
A regra-matriz de incidência da CSLL:
A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência
A.1) Critério material
De forma objetiva, o critério material da CSLL é auferir lucro (verbo +
complemento).141
Sobre o lucro, Mary Elbe Queiroz nos ensina:
[...] o significado que melhor se enquadra à espécie é o de lucro
considerado como o resultado positivo da pessoa jurídica, obtido após
a dedução das receitas, de todos os custos, gastos e despesas
necessários à manutenção da fonte produtora e à produção dos
rendimentos, depois de compensados os prejuízos havidos na
exploração da atividade. Do contrário, seria admitir que em um
momento o lucro assumisse um sentido, quando, por exemplo,
destinar-se à quantificação da participação dos empregados ou à
distribuição de dividendos, em que obrigatoriamente devem ser
computados os prejuízos, e para fins tributários assumisse outro
sentido, no qual a compensação poderia ser limitada. 142
140
Artigo 16 do Código Tributário Nacional.
141 Miguel Horvath Júnior entende que o critério material da CSLL será auferir lucro ou apurar receita
bruta (Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. p. 509). 142
QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. São Paulo: Manole,
2004. p. 79.
115
A despeito de se basear no valor de receita bruta para fins de cálculo da
CSLL na sistemática do lucro presumido ou no regime de estimativa, o fato é que
nessas sistemáticas se presume um lucro de 12%, do valor da receita bruta, no caso das
atividades das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
A.2) Critério temporal
O critério temporal pode ser auferido com a apuração trimestral, nos casos
de lucro real e lucro presumido, vencendo nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de
setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário.
Identifica-se ainda a apuração mensal nos casos de tributação com base no
lucro real anual, e ao final do ano a securitizadora deverá fazer o ajuste e apurar o saldo
devedor a pagar ou o saldo negativo (crédito) de CSLL em razão das antecipações feitas
(recolhimentos feitos a maior que o devido levando em consideração o ano) durante os
meses do ano-calendário.
Os valores recolhidos pela securitizadora no regime anual, mês a mês pelo
regime de estimativa, e a apuração do lucro mediante a elaboração de balancetes de
suspensão ou redução terão como critério temporal de incidência da CSLL o último dia
do ano respectivo calendário, nos termos do artigo 2.º, § 1.º, “a”, da Lei n.º 7.689/1988.
Contudo, considerando a hipótese de o recolhimento da CSLL se dar mês a
mês em razão do regime anual, o recolhimento dessa contribuição no caso do regime de
estimativa (valor fixo presumido) e a apuração de lucro por meio de balancetes de
suspensão e redução têm como vencimento o último dia útil do mês subsequente àquele
que se referir (artigo 6.º da Lei n.º 9.430/1996), momento que não se confunde com a
identificação do critério temporal da incidência tributária.
Por fim, identifica-se como critério temporal o último dia útil do mês
subsequente ao evento da fusão, cisão ou incorporação, caso haja alguma operação
societária dessa natureza envolvendo a securitizadora.143
143
Artigo 220, § 1.º, do RIR/1999.
116
A.3) Critério espacial
O critério espacial é todo o território nacional, atendendo o princípio da
territorialidade, bem como os lucros e rendimentos auferidos no exterior, em razão do
princípio da universalidade, aplicável à CSLL desde a edição da Medida Provisória n.º
1856-6/1999.
Sobre o princípio da universalidade, Heleno Tôrres144
nos ensina que a
tendência dos Estados, principalmente os exportadores de capital, é a de implantar o
princípio da universalidade como princípio de conexão para os rendimentos de
residentes dotados de elementos de estraneidade, em razão da constante e crescente
movimentação de capitais no mercado mundial, da necessária progressividade dos
impostos incidentes sobre as categorias redituais, e, principalmente, para o controle dos
casos de elusão e evasão fiscal internacional promovidos pelos “países com tributação
favorecida”.
Atualmente, o princípio da universalidade da CSLL está previsto nos artigos
77 e 81 da Lei n.º 12.973/2014, quando tratou dos lucros auferidos por controlada e
coligadas no exterior.
B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência
B.1) Critério pessoal
No critério pessoal, tem-se como sujeito ativo a União Federal, sendo
arrecadada a CSLL pela Receita Federal do Brasil, por força do disposto na Lei n.º
7.689/1988. Já o sujeito passivo da relação jurídico-tributária é a pessoa jurídica que
auferir o lucro líquido.
Wagner Balera145
apresenta entendimento de que há inconstitucionalidades
quando se atribui à União Federal a legitimidade para a cobrança de contribuições
144
TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São
Paulo: RT, 2001. p. 86. 145
BALERA, Wagner. X Congresso Brasileiro de Direito Tributário. Revista de Direito Tributário, São
Paulo: Malheiros, n. 67, p. 318, 1992.
117
destinadas à seguridade social, como ocorre com o disposto no artigo 33 da Lei n.º
8.212/1991 e o artigo 10 da Lei Complementar n.º 70/1991.
A preocupação desse autor é que os recursos da seguridade social não
poderiam parar nos cofres do Tesouro Nacional, recebendo destino estranho às
finalidades a que estão vocacionados no sistema jurídico.
Todavia, a despeito da pertinência da preocupação, cabe ao Tribunal de
Contas da União146
fiscalizar e julgar a destinação e aplicação dos recursos das
contribuições sociais, sob pena de não aprovação das contas da União Federal e
aplicação de sanções.
Após a edição da Lei n.º 11.457/2007, que criou a Super-Receita, perdeu
sentido essa questão de competência exclusiva do Instituto Nacional da Seguridade
Social (INSS) para arrecadar as contribuições dispostas no artigo 11 da Lei n.º
8.212/1991, até mesmo porque o § 1.º do artigo 2.º da Lei n.º 11.457/2007 prevê a
destinação do produto da arrecadação, em caráter exclusivo, ao pagamento de
benefícios do Regime Geral de Previdência Social, sendo creditado diretamente ao
Fundo do Regime Geral de Previdência Social, havendo, inclusive, prestação de contas
anualmente ao Conselho Nacional de Previdência Social dos resultados da arrecadação.
Passemos ao próximo critério da regra-matriz de incidência que traz a base
de cálculo e alíquota da CSLL em cada regime de apuração.
B.2) Critério quantitativo
A base de cálculo da CSLL será o resultado do exercício antes do
provisionamento do imposto sobre a renda, qual seja o lucro líquido,147
corresponde ao
resultado contábil do período ajustado pelas adições determinadas, pelas exclusões
admitidas e pelas compensações de base de cálculo negativa até o limite definido em
legislação específica vigente à época da ocorrência dos fatos geradores, porém o valor
da CSLL não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua
própria base de cálculo (art. 1.º da Lei n.º 9.316/1996).
146
Lei n.º 8.443/1992.
147 Artigo 2.º da Lei n.º 7.689/1988.
118
O conceito dado pelo Regulamento do Imposto de Renda ao lucro real é o
de lucro líquido ajustado. Definiu-se que “o lucro real é o lucro líquido do período de
apuração ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas
por este Decreto” (Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 6.º).148
Por sua vez, o lucro líquido do período de apuração é a soma algébrica do
lucro operacional, dos resultados não operacionais e das participações e deverá ser
determinado com observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei n.º 1.598, de
1977, art. 6.º, § 1.º, Lei n.º 7.450, de 1985, art. 18, e Lei n.º 9.249, de 1995, art. 4.º).149
Quanto à sistemática de apuração pelo lucro presumido, a base de cálculo da
CSLL é formada da mesma maneira mencionada, em relação ao IRPJ, no item anterior,
ou seja, a receita bruta calculada da mesma forma, diferenciando-se quanto à aplicação
do percentual, que será de 12%, nos termos do artigo 20 da Lei n.º 9.249/1995,150
com o
artigo 29 da Lei n.º 9.430/1996, enquanto no IRPJ o percentual é de 8%,151
no caso das
sociedades securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Esse inclusive é o entendimento da Resposta à Consulta n.º 130/2012, da
Receita Federal do Brasil:
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Securitização.
Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita bruta.
Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas
empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de
cálculo da CSLL deve ser apurada com a utilização do percentual de
presunção de 12% (doze por cento).
148
Artigo 247 do RIR/1999.
149 Artigo 248 do RIR.
150 “Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida pelas pessoas
jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2.º, 25 e 27 da Lei
no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá a 12% (doze por cento) sobre a receita bruta
definida pelo art. 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período,
deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, exceto para
as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1.º do art. 15, cujo
percentual corresponderá a 32% (trinta e dois por cento).” 151
Lei n.º 9.249/1995. “Artigo 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada
mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente,
observado o disposto no art. 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das
devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto
nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei n.º 8.981, de 20 de janeiro de 1995.”
119
A alíquota incidente sobre a base de cálculo é de 9%, conforme disposto no
artigo 3.º, III, da Lei n.º 7.689/1988, com a redação dada pelo artigo 37 da Lei n.º
10.637/2002.
O próximo tributo a ser analisado será a Contribuição ao Programa de
Integração Social.
3.4 Programa de Integração Social – PIS/Pasep
Os artigos 149 e 195 da Constituição Federal outorgaram à União Federal a
competência para instituir contribuições sociais.
A contribuição ao PIS/Pasep foi instituída antes da promulgação da atual e
vigente Carta Política de 1988, pela Lei Complementar n.º 7/1970, sendo recepcionada
pelo artigo 239 da CF/1988. Sua incidência tributária se dá sobre o valor da receita bruta
segundo as regras jurídicas atuais.
Todavia, entendemos necessário breve estudo da evolução normativa do
conceito de receita bruta.
Segundo o disposto na Lei Complementar n.º 7/1970, a incidência do
PIS/Pasep se dá sobre o faturamento: “Art. 3.º O Fundo de Participação será constituído
por duas parcelas: [...] b) a segunda, com recursos próprios da empresa, calculados com
base no faturamento, como segue: [...]”.
Somente com o advento da Lei n.º 9.718/1998, artigo 3.º, § 1.º, é que passou
a considerar a palavra faturamento como receita bruta, que por sua vez deveria ser
entendida como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo
irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para
as receitas”.
Essa equiparação não possuía, à época da edição da Lei n.º 9.718/1998,
fundamento de validade na Constituição Federal.
120
Como forma de buscar um fundamento de validade para a referida
equiparação, foi editada a Emenda Constitucional n.º 20/1998, que alterou o disposto no
artigo 195 da CF/1988, incluindo a palavra “receita” no inciso I, “b”, a seguir:
Art. 195. [...]
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na
forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento (destacamos).
Contudo, com a discussão da inconstitucionalidade do artigo 3.º, § 1.º, da
Lei n.º 9.718/1998, o Supremo Tribunal Federal, em 09.11.2005, julgou os Recursos
Extraordinários n.º 357.950-9/RS, n.º 390.840-5/MG, n.º 358.273-9/RS e n.º 346.084-
6/PR, decidindo-se que a incidência do PIS/Pasep e da Cofins deveria se dar sobre o
faturamento, entendido como a receita decorrente da venda de mercadorias e/ou
prestação de serviços (operações próprias do negócio).
Somente com a promulgação das Leis n.º 10.637/02 (PIS) e n.º 10.833/2003
(Cofins), que instituíram a sistemática da não cumulatividade,152
para as empresas que
estão nesse regime é que passou a ser considerada a “receita bruta” a base de cálculo das
contribuições ao PIS/Pasep e Cofins.
152
A não cumulatividade é uma técnica que permite o contribuinte do PIS e da Cofins a apurar a receita
bruta, aplicar as alíquotas dessas contribuições e descontar desses tributos créditos, apurados da
mesma forma que os débitos, levando em conta valores de bens, serviços, aluguéis, máquinas etc.,
descritos nos artigos 3.º das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003, que se apresentam como rol
taxativo. Essa técnica, considerada por muitos juristas como um princípio, atualmente tem
fundamento de validade no artigo 195, § 12, da CF/1988, porém, antes da previsão no texto
constitucional, a não cumulatividade foi prevista primeiro nas referidas leis ordinárias. Segundo
Adolpho Bergamine, “a operacionalização desta norma jurídica relativa à não cumulatividade do
PIS/Cofins é feita pelo Método Subtrativo Indireto, ou base contra base. Afinal, à tomada do crédito
que será utilizado ao abatimento do débito não se verifica a carga fiscal relativa ao PIS/Cofins da
etapa anterior (tal como ocorre com o IPI e o ICMS, onde se aplica o método imposto contra imposto,
isto é, o imposto destacado na NF de aquisição será utilizado no abatimento do imposto devido na
saída de mercadorias/produtos), mas sim o resultado da aplicação da alíquota de 9,25% sobre o
montante de certas despesas e aquisições, que será confrontado com o resultado da aplicação da
alíquota de 9,25% (ou outra alíquota a que o contribuinte estiver sujeito) sobre o faturamento do
contribuinte” (A não cumulatividade do PIS/Cofins sob a ótica constitucional. Disponível em:
<http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3130>.
Acesso em: 26 abr. 2016).
121
Com a edição da Lei n.º 12.973/2014, em razão da aprovação da Medida
Provisória n.º 627/2013, que entrou em vigor em 1.º.01.2015, as empresas tributadas no
lucro presumido passaram a adotar a receita bruta como base de cálculo para a
incidência das contribuições ao PIS/Pasep e Cofins, pois com a declaração de
inconstitucionalidade do § 1.º do artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998, no período entre a
edição da referida regra declarada inconstitucional (efeito ex tunc da decisão do STF) e
a edição da referida lei em 2014, as empresas tributadas no lucro presumido não
possuíam regra jurídica ampliando a definição de conceito de faturamento.
Essa modificação e padronização do conceito de receita bruta editado pela
Lei n.º 12.973/2013 também resultaram em alterações para as empresas submetidas ao
regime não cumulativo.
Ao modificar o teor do artigo 12 do Decreto-lei n.º 1.598, de 26.12.1977, o
conceito passou a ser: (i) o produto da venda de bens nas operações de conta própria;
(ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de
conta alheia (aqueles obtidos pela venda de produtos ou mercadorias pertencentes a
terceiros, mediante o pagamento de comissão); (iv) as receitas da atividade ou objeto
principal da pessoa jurídica não compreendidas nos itens i a iii.
Diante disso, temos uma nova definição de conceito de receita bruta, em
razão de modificações legislativas, tendo como fundamento de validade constitucional o
disposto na Emenda Constitucional n.º 20/1998, aplicáveis em ambos os regimes de
recolhimento do PIS.
Há importante discussão jurídica sobre a inconstitucionalidade da ampliação
do novo conceito de receita bruta, ao incluir os tributos sobre ela incidentes, que
atingem diretamente as securitizadoras de títulos e valores mobiliários, além dos
contribuintes que se submetem ao recolhimento dessas contribuições no regime
cumulativo e não cumulativo.
Na prática, gerou-se indevido alargamento das bases de cálculo do
PIS/Pasep e da Cofins, destacando-se o fato de que tributos não devem fazer parte do
conceito de receita bruta.
122
Essa discussão possui os mesmos fundamentos com o questionamento da
exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) das bases de
cálculo dessas duas contribuições. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Recurso
Extraordinário n.º 240.785/MG, concluiu que há
[...] um núcleo mínimo essencial que deflui direto da Constituição
para definição de faturamento e, por conseguinte, de receita bruta, já
que em parte coincidentes os conceitos para fins de incidência da
Cofins (e, por extensão, do PIS), o qual não abarca o valor atinente ao
ICMS.
Diante dessa nova discussão sobre a ampliação da receita bruta, a Corte
Especial do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região apreciará incidente de
inconstitucionalidade153
do art. 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º
10.637/2002 e art. 1.º, § 1.º, da Lei n.º 10.833/2003, suscitado na parte em que fazem
remissão ao artigo 12 do Decreto-lei n.º 1.598/1977, com a redação que lhe foi dada
pela Medida Provisória n.º 627/2013, convertida na Lei n.º 12.793/2014,
especificamente ao texto do § 5.º do referido artigo 12, ao dispor que “Na receita bruta
incluem-se os tributos sobre ela incidentes”.
Mais uma discussão em que haverá a necessidade da manifestação do
Supremo Tribunal Federal, após bons longos anos adiante. Enquanto isso, a regra está
posta no sistema jurídico, é considerada válida e produz efeitos.
A solução de mais essa lide deveria receber o mesmo tratamento da
exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Pasep e Cofins, visto que a inclusão de
tributos no conceito de receita bruta é desprovida de fundamento constitucional e legal
(ausência de previsão na Regra Geral Tributária), tratando-se de mais uma
inconsistência jurídica, pois receita e faturamento são conceitos de direito privado que
não podem ser alterados por entendimento do fisco ou mesmo por norma tributária,
diante do disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional.
153
O incidente foi suscitado pelo Desembargador Otávio Roberto Pamplona, nos autos da Apelação
Cível n.º 5032663-08.2014.4.04.7200/SC, em trâmite perante o Tribunal Regional Federal da 4.ª
Região, em 07.10.2015.
123
Por fim, em relação à contribuição ao PIS/Pasep, estamos diante de tributo
que deve obedecer alguns princípios constitucionais, já apontados neste estudo quando
tratamos da contribuição social.
Contudo, um dos mais destacados é a anterioridade especial ou mitigada,
que dispõe a necessidade do prazo de 90 dias contados da publicação da lei para que se
possa haver a instituição ou majoração do PIS/Pasep, independentemente de a referida
lei ter sido publicada no dia 31 de dezembro.
Portanto, as majorações e alterações feitas na contribuição ao PIS/Pasep
deverão ser submetidas a esse prazo, que é posto no ordenamento jurídico para evitar
surpresas aos administrados.
Cumpre-nos construir a partir de agora a regra-matriz de incidência, como
forma de conhecer melhor a norma geral e abstrata, com todos os seus critérios mínimos
de incidência.
A regra-matriz de incidência do PIS/Pasep:
A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência
A.1) Critério material
Nos termos do artigo 195, I, “b”, da CF, a contribuição ao PIS/Pasep pode
incidir sobre faturamento e sobre a receita da pessoa jurídica, uma vez que o
faturamento está contido na receita. Com isso, consideramos que o critério material
dessa contribuição social é “auferir receita bruta”154
(verbo + complemento).
A receita bruta será aquela definida no artigo 1.º, § 1.º, da Lei n.º
10.637/2002, quanto às empresas que estão no lucro real, que incluem a ampliação dada
pelo artigo 2.º da Lei n.º 12.973/2014; e aquela definida no artigo 12 do Decreto-lei n.º
1.598/1977, com as alterações promovidas pelo artigo 2.º da Lei n.º 12.973/2014, para
as empresas que estão no lucro presumido.
154
A receita bruta, além de abranger o faturamento, incorpora todas as outras receitas de pessoa jurídica,
tais como aluguéis, juros, correção monetária, royalties, dividendos, entre outros.
124
A definição de conceito de receita bruta para ambos os regimes (lucro real e
lucro presumido) é a mesma a partir da vigência da Lei n.º 12.973/2014, que incluem as
demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do
ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei n.º 6.404,
de 15.12.1976.
Sobre a questão do ajuste a valor presente, apenas um parêntesis, pontua-se
que em busca do processo de harmonização e convergência das práticas às normas
contábeis previstas na International Financial Reporting Standards (IFRS), emitidas
pelo International Accounting Standard Board (IASB), o Brasil aprovou a Lei n.º
11.638/2007, que introduziu na Lei das S.A., o inciso VIII no artigo 183.155
O ajuste “a valor presente” objetiva efetuar estimativa do valor corrente de
um fluxo de caixa futuro (o valor de um direito ou obrigação descontadas as taxas
implícitas em seu valor original, registrar essas taxas como despesas ou receitas
financeiras), no curso normal das operações da entidade.
Objetiva-se que os juros embutidos nos valores das operações a prazo não
provoquem distorções nas demonstrações contábeis, pois as empresas deixavam de
reconhecer despesas e receitas financeiras incluídas nas operações, apurando resultados
distorcidos.
Portanto, as operações tornam-se comparáveis sob o ponto de vista de
análise, independentemente de as empresas operarem à vista ou a prazo. No caso das
empresas do lucro real, a receita bruta para fins de cálculo do PIS/Pasep conterá essa
variação financeira relativa ao ajuste a valor presente dos ativos de longo prazo.
Com isso, nas vendas a prazo, ainda que reconhecida a receita financeira do
“ajuste a valor presente”, este comporá a base de cálculo das contribuições.
155
“VIII – os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor
presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante.”
125
A.2) Critério temporal
O critério temporal das atividades de securitizadora de títulos e valores
mobiliários ocorre no último dia de cada mês, tratando-se de contribuição mensal, seja
na sistemática cumulativa (artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998) nos casos de apuração pelo
lucro presumido, seja na sistemática não cumulativa (artigo 1.º da Lei n.º 10.637/2002)
nos casos de apuração pelo lucro real.
A.3) Critério espacial
O critério espacial é o território nacional, adotando-se o princípio da
territorialidade. Com isso, toda a receita bruta auferida pela securitizadora no território
brasileiro será tributada pela contribuição do PIS/Pasep.
B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência
B.1) Critério pessoal
O sujeito ativo da relação jurídico-tributária que se forma no consequente da
regra-matriz de incidência é a União Federal, que cobra a contribuição ao PIS/Pasep por
meio da Receita Federal do Brasil. Já o sujeito passivo é a pessoa jurídica que auferiu a
receita bruta.
No caso em análise, a securitizadora de títulos e valores mobiliários, ao
realizar o desconto do valor do recebível (compra com deságio), aufere sobre esse
desconto receita bruta que deverá ser tributada pelo PIS/Pasep.
B.2) Critério quantitativo
A contribuição ao PIS/Pasep vigora em dois regimes. O regime cumulativo,
que encontra regulamentação na Lei Complementar n.º 7/1970, na Lei n.º 9.715/1998,
Lei n.º 9.718/1998 e no Decreto-lei n.º 1.578/1977 (artigo 12), possui base de cálculo a
receita bruta auferida e alíquota de 0,65%.156
Já o regime não cumulativo, que encontra
156
Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, com a redação da Lei n.º 12.973/2014 (base de cálculo), e
artigo 8.º, I, da Lei º 9.715/1998 (alíquota).
126
regulamentação da Lei n.º 10.637/2002, a contribuição do PIS/Pasep possui base de
cálculo a receita bruta e alíquota de 1,65%.157
Portanto, as securitizadoras se submeterão, dependendo do regime de
tributação que adotarem, à alíquota de 0,65% sobre a receita bruta quando da
sistemática do lucro presumido, e 1,65% sobre a receita bruta quando da sistemática do
lucro real, e neste último caso poder-se-á creditar da contribuição ao PIS nas hipóteses
descritas do artigo 3.º da Lei n.º 10.637/2002.
O fato de a instituição securitizadora não ser, por definição legal, uma
instituição financeira não implica dizer que a receita dela decorrente de descontos
(deságio) na aquisição de recebíveis não tenha natureza de receita operacional própria.
Fazemos essa afirmação para não confundir com o tratamento dado pela legislação em
relação à tributação das receitas financeiras pelo PIS/Pasep e pela Cofins às empresas
submetidas ao regime não cumulativo, após a edição do Decreto n.º 8.426/2015, que
restabeleceu alíquotas de 0,65% e 4%, para essas contribuições, respectivamente.
A despeito de o restabelecimento da tributação sobre as receitas financeiras
não interferir diretamente nas securitizadoras, há impactos nos investidores pessoa
jurídica sujeitos ao regime não cumulativo, com a revogação da alíquota zero fixada
pelos Decretos n.º 5.164/2004 e n.º 5.442/2005, autorizada pelo § 2.º do artigo 27 da Lei
n.º 10.865/2004. No caso em questão, houve a revogação da alíquota zero fixada por um
Decreto por outro.
Há juristas que defendem que houve violação ao princípio da estrita
legalidade, sob o argumento de que somente a lei poderá estabelecer a majoração de
tributos, ou a sua redução, bem como a fixação de tributo.
A matéria vem ganhando contornos negativos no Poder Judiciário, sob a
premissa de que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na revogação de um
decreto por outro.
157
Artigo 1.º, caput (base de cálculo), e artigo 2.º, caput (alíquota), ambos da Lei n.º 10.637/2002.
127
Na ausência de Decreto reduzindo a alíquota a zero, por revogação expressa,
voltaria a incidir as alíquotas de 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins constantes nas
Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003.
Em razão disso, o Decreto n.º 8.426/2015 impede que se apliquem as
alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6% (Cofins) ao restabelecer para 0,65% e 4% as alíquotas
do PIS e Cofins sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas
ao regime não cumulativo, até mesmo porque o § 2.º do artigo 27 da Lei n.º
10.865/2004 dá o respaldo legal ao Poder Executivo em reduzir ou restabelecer a
alíquota dessas contribuições.
As securitizadoras de títulos e valores mobiliários não tributam a receita
bruta como se fosse receita financeira, para sua atividade a receita bruta é considerada
operacional.
No tocante aos créditos que poderão ser aproveitados pelas securitizadoras,
caso adotem a sistemática do lucro real, estão as despesas de contratação de rating e os
custos inerentes à emissão de debêntures,158
reputados, em nosso entendimento, como
insumos na atividade de securitização, pois compõem e agregam valor na receita
operacional da companhia quando tais despesas são despendidas na operação de
securitização de títulos e valores mobiliários. Ou seja, nossa forma de apontar se
determinada despesa é ou não um insumo se dá na correlação e essencialidade159
com a
atividade-fim desenvolvida pelo contribuinte e sua potencial aptidão de interferência no
valor de receita auferida.
No caso das securitizadoras, as despesas de contratação de rating agregam
certamente valor à receita, pois avalia os riscos de determinado recebível e potencializa
a captação de investidores. Tal análise serve de precificação do valor do recebível e do
spread que será descontado. Portanto, trata-se de despesa que gera interferência na
atividade-fim e no auferimento de receita.
158
A emissão de debêntures possui fundamento de validade na Lei n.º 6.385/1976 e no artigo 52 da Lei
n.º 6.404/1976 (S.A). 159
STJ, REsp 1.246.317, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 29.06.2015.
128
Da mesma forma são os custos com a emissão de debêntures, como taxas
pagas quanto ao registro, taxas de fiscalização para o caso de companhias abertas etc.
Sem a emissão das debêntures não é possível fazer o lastreamento dos recebíveis e
muito menos a captação de recursos, interferindo diretamente na atividade da
securitização. Portanto, não há dúvidas quanto à essencialidade desses custos para fins
de creditamento do PIS/Pasep pelas securitizadoras que estiverem na sistemática do
lucro real, sujeitando-se à não cumulatividade dessa contribuição.
O artigo 3.º, II,160
da Lei n.º 10.637/2002 apresenta amplitude em sintonia
com a própria natureza jurídica da contribuição ao PIS/Pasep, que incide sobre receitas
em geral, e não somente sobre produtos industrializados ou sobre operações relativas à
circulação de mercadorias.
Segundo a disciplina legal adotada no regime não cumulativo, as
contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins são tributos que possuem bastante proximidade
com os impostos sobre valor agregado, existentes em outros países.
Os insumos, denominados imputs, vêm gerando grandes controvérsias na
doutrina e nas decisões administrativas e judiciais no País, tendo a Receita Federal
adotado definição de conceito restritivo, ao passo que os contribuintes buscam em
processos administrativos e judiciais a definição mais ampla, que seria atrelada aos
custos e despesas passíveis de apropriação na apuração do IRPJ, nos termos dos artigos
290161
e 299,162
ambos do Regulamento do Imposto de Renda.
160
“Art. 3.º Do valor apurado na forma do art. 2.º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados
em relação a: [...] II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção
ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto
em relação ao pagamento de que trata o art. 2.º da Lei n.º 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo
fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados
nas posições 87.03 e 87.04 da TIPI.” 161
“Art. 290. O custo de produção dos bens ou serviços vendidos compreenderá, obrigatoriamente
(Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 13, § 1.º):
I – o custo de aquisição de matérias-primas e quaisquer outros bens ou serviços aplicados ou
consumidos na produção, observado o disposto no artigo anterior;
II – o custo do pessoal aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda das
instalações de produção;
III – os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação dos bens aplicados na
produção;
IV – os encargos de amortização diretamente relacionados com a produção;
129
Certamente a definição de insumo do Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) não é a mesma a ser aplicada às contribuições do PIS/Pasep e da
Cofins, haja vista que os métodos de não cumulatividade aplicáveis ao IPI, ao PIS/Pasep
e à Cofins são totalmente diferentes; o primeiro está relacionado com a produção e
circulação de determinado bem e os dois últimos com a universalidade das receitas
auferidas pela pessoa jurídica.
Portanto, estamos convencidos de que a posição da Receita Federal
explicitada nos enunciados da Instrução Normativa n.º 247/2002,163
alteradas pelas
Instruções Normativas n.º 358/2003 e 404/2004, que traça um paralelo com a não
cumulatividade do IPI, não é a correta a ser aplicada em relação ao PIS/Pasep e Cofins,
ou seja, há ilegalidade no tocante às referidas Instruções Normativas, até mesmo porque
essas restrições não estão contempladas na Lei n.º 10.637/2002 e na Lei n.º
10.833/2003.
V – os encargos de exaustão dos recursos naturais utilizados na produção.
Parágrafo único. A aquisição de bens de consumo eventual, cujo valor não exceda a cinco por cento
do custo total dos produtos vendidos no período de apuração anterior, poderá ser registrada
diretamente como custo. Decreto-lei n.º 1.598, de 1977, art. 13, § 2.º).” 162
“Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da
empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47).
§ 1.º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações
exigidas pela atividade da empresa (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47, § 1.º).
§ 2.º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou
atividades da empresa (Lei n.º 4.506, de 1964, art. 47, § 2.º).
§ 3.º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a
designação que tiverem.” 163
“Art. 66. A pessoa jurídica que apura o PIS/Pasep não cumulativo com a alíquota prevista no art. 60
pode descontar créditos, determinados mediante a aplicação da mesma alíquota, sobre os valores:
[...]
§ 5.º Para os efeitos da alínea ‘b’ do inciso I do caput, entende-se como insumos:
I – utilizados na fabricação ou produção de bens destinados à venda:
a) as matérias-primas, os produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros bens
que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda de propriedades físicas ou químicas,
em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam
incluídas no ativo imobilizado;
b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na
produção ou fabricação do produto;
II – utilizados na prestação de serviços:
a) os bens aplicados ou consumidos na prestação de serviços, desde que não estejam incluídos no
ativo imobilizado; e
b) os serviços prestados por pessoa jurídica domiciliada no País, aplicados ou consumidos na
prestação do serviço. [...]”
130
Segundo a melhor doutrina, a diferença entre a Instrução Normativa n.º 404
e a Lei n.º 10.637/2002 – mesmo entendimento em relação à Lei n.º 10.833 – se resume
à utilização dos termos “aplicados ou consumidos”. A despeito de estes serem vagos,
pretendeu a Receita Federal restringir a noção de insumos trazida pela legislação,
tratando como tal apenas aqueles bens que “tenham contato” com serviço prestado
(exceção ao ativo permanente) ou os serviços que resultem na própria prestação objeto
da atividade do contribuinte, o que impõe elevado grau de subjetividade na questão.164
O CARF vem analisando autos de infração que discutem a definição de
conceito de insumo e ainda não uniformizou sua jurisprudência, porém vem sinalizando
reiteradamente entendimento segundo o qual o conceito de insumo, para fins de crédito
de PIS/Pasep e Cofins, deve considerar a relação entre o insumo (bens ou serviços) e a
sua essencialidade, necessidade ou imprescindibilidade com a atividade desenvolvida
pelo contribuinte.165
Após a reestruturação do CARF, não se pode afirmar que a posição que
vinha sendo adotada majoritariamente pelas Turmas Ordinárias e pela Câmara Superior
de Recursos Fiscais permanecerá da mesma forma.
A despeito dessa disputa entre fisco e contribuintes, temos como definição
de conceito de insumo para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários o
desembolso de despesas e custos incorridos na operação de securitização.
Não podemos esquecer que a receita tributada pelo PIS/Pasep em relação às
securitizadoras é o deságio (spread) no desconto do valor do título, não fazendo parte
dessa receita tributada o custo de aquisição do título. Por isso, não podemos aceitar que
o valor de aquisição dos recebíveis seja considerado crédito, pois não fará parte da
composição da receita tributada pela securitizadora.
164
SCHOUERI, Luis Eduardo; VIANA, Matheus Cherulli Alcantara. O termo “insumos” na legislação
das contribuições sociais ao PIS/Pasep e à Cofins: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais
sobre o tema. PIS e Cofins à luz da jurisprudência do CARF. São Paulo: MP, 2011. p. 415. 165
Destacam-se os acórdãos 9303-01.740, 9303-003.069, 9303-01.035, 9303-01.036, 9303-01.741, 9303-
002.651, 9303-002.652, 9303-002.653, 9303-002.655, 9303-003.079, 9303-003.193, 9303-003.194,
9303-003.308 e 9303-003.309, todos da 3.ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.
131
Há outros créditos enumerados em uma lista prevista no artigo 3.º da Lei n.º
10.637/2002, como aluguéis, máquinas e equipamentos pagos à pessoa jurídica,
utilizados na atividade de securitização; valor de contraprestação de arrendamento
mercantil, como a contratação de leasing de equipamentos, computadores e servidores;
a aquisição de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado
da securitizadora empregados na sua atividade; a energia elétrica consumida no
estabelecimento da sociedade, entre outros, que são passíveis de creditamento.
Nesses casos, a legislação é expressa, e eventuais questionamentos por parte
do Poder Público terão como base a subjetividade, o que poderá ser afastado por aqueles
que fazem o controle de legalidade por meio de medidas judiciais ou em defesas ou
recursos administrativos.
Por fim, com a vigência da Lei n.º 12.973/2014, que modificou o Decreto-
lei n.º 1.578/1977, as securitizadoras de títulos e valores mobiliários que se submeterem
à apuração do PIS/Pasep, seja pelo regime cumulativo ou não cumulativo, deverão
incluir na base de cálculo os tributos incidentes sobre a receita,166
isso quer dizer que o
próprio PIS/Pasep apurado deverá ser adicionado ao cálculo do tributo (denominado de
cálculo por dentro).
A legislação anterior à modificação previa a expressão “impostos incidentes
sobre a venda”, e não fazia menção a “tributo”, que incluem as contribuições sociais,
como o PIS/Pasep e Cofins, como já apontado neste estudo.
Essa fórmula de majoração indevida da contribuição já foi objeto de análise
pelo Supremo Tribunal Federal, no caso incidência das contribuições sociais em
operações de importação, reconhecendo a inconstitucionalidade da inclusão do próprio
PIS-importação e Cofins-importação na base de cálculo dessas contribuições.167
166
“Art. 12. [...]
§ 5.º Na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a
valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de
1976, das operações previstas no caput, observado o disposto no § 4.º.” 167
STF, Plenário, Recurso Extraordinário 559.937/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 20.03.2013, DJe 206,
17.10.2013.
132
Aguarda-se coerência de tratamento quanto à base de cálculo do PIS/Pasep
em relação às contribuições incidentes na importação e àquela dada pela mesma
Suprema Corte quando determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do
PIS/Pasep e da Cofins, como já mencionado neste trabalho.
Em ambos os casos incluíram tributos na base de cálculo das contribuições
sociais, necessitando da mais alta Corte do Judiciário retirar a norma inconstitucional do
sistema jurídico, de forma a restabelecer o conceito de direito privado da receita bruta.
Por fim, antes de adentrar na análise da Cofins, pontua-se uma questão que
consideramos relevante e que interfere nos créditos de PIS/Pasep e Cofins na
sistemática não cumulativa. Ao incluir tributos no conceito de receita, inflando de forma
indevida a base de cálculo dessas contribuições, esse mesmo tratamento,
presumidamente, deveria ser dado em relação à apuração dos créditos dessas
contribuições.
Eventual exclusão da própria contribuição social da sua base de cálculo
deveria ter a mesma fórmula concernente à apuração do crédito. Com isso, haveria
identidades de apuração relativamente ao mesmo tributo.
Trata-se de fundamento fulcrado nos próprios efeitos da decisão judicial,
que guarda certa lógica em razão da sistemática da não cumulatividade dessas
contribuições.
A despeito de o crédito do PIS/Pasep e Cofins não ser considerado físico,
como ocorre com o ICMS e o IPI, possuindo natureza financeira, deveria guardar as
mesmas condições e tratamento na sua apuração.
Assim, se de um lado poderá ser diminuída (por decisão judicial) ou
acrescida na base de cálculo das contribuições sociais a própria contribuição, deveria
incorrer o contribuinte no mesmo tratamento em relação ao crédito na sistemática não
cumulativa.
A seguir, estudaremos a incidência da Contribuição para o Financiamento
da Seguridade Social sobre a atividade de securitização de ativos empresariais.
133
3.5 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)
Tratando-se de contribuição social, a primeira regra que instituiu a Cofins
foi a Lei Complementar n. º 70/1991, editada com fundamento na redação originária do
art. 195, I, da Constituição Federal de 1988, que previa a criação de contribuição para o
financiamento da seguridade social incidente sobre o “faturamento” de empregadores,
de empresas e de entidades a ele equiparadas.
Com a edição da Lei n.º 9.718/1998, resultante da conversão da Medida
Provisória n.º 1.724/1998, a Cofins sofreu profunda modificação. A alíquota passou de
2% para 3%. A base de cálculo, por sua vez, por força da alteração do conceito legal de
“faturamento”, passou a compreender o total da receita bruta da pessoa jurídica, como já
visto no item que tratou da contribuição ao PIS/Pasep.
Com a promulgação da Lei n.º 10.833/2003, que resultou da conversão da
Medida Provisória n.º 135/2003, o regime jurídico da Cofins sofreu nova modificação.
Foi instituída a disciplina legal da Cofins não cumulativa, com fundamento no artigo
195, § 12, da Constituição Federal, tratamento aplicado às empresas sujeitas ao regime
do lucro real.
Por seu turno, na sistemática cumulativa da Cofins, até a edição da Lei n.º
12.973/2014, as empresas sujeitas ao lucro presumido mantiveram-se como base de
cálculo o faturamento, nos termos da Lei Complementar n.º 70/1991.
Por fim, como referido neste estudo, a Lei n.º 12.973/2014 alterou a
definição de receita bruta, trazendo também modificações na base de cálculo da Cofins,
sendo aplicadas as mesmas discussões jurídicas apontadas neste trabalho quanto ao
PIS/Pasep, bem como o princípio da anterioridade mitigada em relação às alterações e
majorações dessa contribuição.
A partir de agora, passemos à construção da regra de incidência.
134
A regra-matriz de incidência da Cofins:
A) Hipótese ou antecedente da regra-matriz de incidência
A.1) Critério material
Da mesma forma que a contribuição ao PIS/Pasep, a Cofins terá como
critério material o faturamento e a receita bruta da pessoa jurídica. Há, no artigo 195, I,
“b”, da CF/1988, previsão das duas bases de cálculo, existindo equiparação desses
conceitos, na medida em que o primeiro está inserido no segundo.
Em ambas as sistemáticas de recolhimento (cumulativa e não cumulativa), o
critério material da Cofins é “auferir receita bruta.
A.2) Critério temporal
O critério temporal, da mesma forma que o PIS/Pasep, ocorre no último dia
de cada mês, tratando-se de contribuição mensal.168
O critério temporal da incidência tributária se dá no momento do
faturamento ou auferimento da receita bruta, e não quando do recebimento de valores
por conta da operação. Essa regra é aplicada nos casos do regime competência na
apuração dos tributos, mais bem analisada no item seguinte.
No caso das securitizadoras que optaram pelo regime caixa, passível na
sistemática de recolhimento do lucro presumido, a receita bruta será auferida quando da
aquisição dos recebíveis, porém a tributação somente ocorrerá quando do recebimento
do valor pelo devedor. Esse controle deve ser feito de forma efetiva pela empresa, sob
pena de autuação pelo fisco federal.
168
Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998 (regime cumulativo) e o artigo 1.º da Lei n.º 10.833/2003
(regime não cumulativo).
135
A.3) Critério espacial
O critério espacial é o território nacional, adotando-se o princípio da
territorialidade. Toda receita bruta auferida pela securitizadora no País será tributada
pela contribuição da Cofins.
B) Tese ou consequente da regra-matriz de incidência
B.1) Critério pessoal
O sujeito ativo da regra-matriz de incidência é a União Federal, que cobra a
contribuição por meio da Receita Federal do Brasil, e o sujeito passivo é pessoa jurídica
que auferiu a receita bruta.
B.2) Critério quantitativo
Da mesma forma que o PIS/Pasep, a Cofins possui dois regimes de
apuração. O regime cumulativo, que encontra fundamento na Lei n.º 9.718/1998, em
seu artigo 3.º, possuindo como base de cálculo a receita bruta auferida e alíquota geral
de 3%,169
e o regime não cumulativo, em que a Cofins possui como base de cálculo a
receita bruta e alíquota, em geral, de 7,6%.170
Com isso, as sociedades securitizadoras de títulos e valores mobiliários,
dependendo do regime de tributação que adotarem, se submeterão à alíquota de 3%
sobre a receita bruta quando da sistemática do lucro presumido, e 7,6% sobre a receita
bruta quando da sistemática do lucro real.
Na sistemática não cumulativa, a securitizadora poderá se creditar da
Cofins, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 10.833/2003, cujos comentários a respeito da
definição do conceito de insumo e os créditos passíveis de serem considerados pela
sociedade na apuração das contribuições sociais devidas foram tratados na contribuição
ao PIS/Pasep.
169
Artigo 3.º, caput, da Lei n.º 9.718/1998, com a redação da Lei n.º 12.973/2014 (base de cálculo), e
artigo 8.º da Lei º 9.718/1998 (alíquota). 170
Artigo 1.º, caput (base de cálculo), e artigo 2.º, caput (alíquota), ambos da Lei n.º 10.833/2003.
136
O que se acrescenta é que as securitizadoras de títulos imobiliários,
financeiros e agrícolas não se submetem ao regime não cumulativo do PIS/Pasep e da
Cofins, nos termos artigo 10, I, das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003, quando
essas regras fazem referência ao § 8.º da Lei n.º 9.718/1998, que contempla essas três
modalidades de securitização.
Para essas modalidades, a base de cálculo será a receita bruta, e no caso do
PIS/Pasep a alíquota será de 0,65%, enquanto a alíquota da Cofins será de 3%, ou seja,
mantiveram-se as alíquotas gerais da sistemática cumulativa, a despeito de o artigo 14,
VII171
, da Lei n.º 9.718/1998 determinar que as securitizadoras de ativos imobiliários,
financeiros e agrícolas deverão se submeter à apuração do IRPJ e da CSLL pela
sistemática do lucro real.
Após breve análise das regras-matrizes de incidência, construídas para
conhecermos todos os aspectos das normas gerais e abstratas sobre o lucro e receita
bruta das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, apontando breves discussões
jurídicas, o próximo passo será investigar as sistemáticas de recolhimento desses
tributos pelo regime competência ou caixa, técnicas fiscais e contábeis que impõem
importantes impactos no recolhimento de tributos pelas sociedades de ativos
empresariais.
3.6 Sistemáticas de recolhimento dos tributos (regime caixa e regime
competência)
Inicialmente, cabe destacar que as receitas e despesas devem ser incluídas
na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre que se relacionarem e
de forma simultânea, independentemente de recebimentos ou pagamentos. É o que
dispõe o artigo 9.º da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n.º
750/1993, com a redação dada pela Resolução CFC n.º 1.282/2010.172
Trata-se da regra
171
Modalidades de securitização inseridas pela Medida Provisória n.º 472/2009, que foi convertida na
Lei n.º 12.249/2010, conforme seu artigo 22. 172
“Art. 9.º O Princípio da Competência determina que os efeitos das transações e outros eventos sejam
reconhecidos nos períodos a que se referem, independentemente do recebimento ou pagamento.
137
contábil denominada princípio da competência, que determina o reconhecimento de
receitas e despesas independentemente do recebimento ou pagamento.
Diante desse princípio, os resultados são reconhecidos no mês da realização
da operação, o que significa que a receita bruta será reconhecida no momento da venda
de bens e/ou prestação de serviços.173
A regra geral para as sociedades é a apuração pelo regime de competência, o
que impõe à pessoa jurídica a obrigação de registrar e contabilizar suas receitas, os
custos e as despesas naquele mês em que efetuou o faturamento, independentemente do
recebimento dos valores faturados.
A legislação brasileira que trata do IRPJ e da CSLL adota o regime de
competência para demonstração dos resultados,174
e isso quer dizer que ocorre a
incidência desses tributos (nasce o fato jurídico tributário) quando do registro da
operação, permitindo que se confrontem os custos e as despesas com as receitas
auferidas, para fins de apuração do lucro que será tributado.
A legislação tributária determina, na apuração do lucro líquido, a
observância da legislação comercial e das disposições da Lei n.º 6.404, de 1976,
independentemente da forma societária adotada pela pessoa jurídica – artigos 247, § 1.º,
248, 251 e 274, § 1.º, do RIR/1999 (artigos 7.º e 67, XI, do Decreto-lei n.º 1.598, de
1977).
O caput do artigo 177 da Lei n.º 6.404, de 1976, prescreve que a
escrituração será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da
legislação comercial e dessa lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos,
devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as
mutações patrimoniais segundo o regime de competência.
Parágrafo único. O Princípio da Competência pressupõe a simultaneidade da confrontação de receitas
e de despesas correlatas. (Redação dada pela Resolução CFC n.º 1.282/2010.)” 173
Nesse sentido, são os comentários de Vanessa Rahal Canado, em seu artigo Contribuição ao PIS e a
Cofins diante dos casos de inadimplência. Fundamentos do PIS e da Cofins. São Paulo: MP, 2007. p.
450. 174
Artigo 251 do RIR/1999.
138
O artigo 187, § 1.º, explicita esse regime, ao afirmar que na determinação do
resultado do exercício serão computadas as receitas e os rendimentos ganhos no
período, independentemente da sua realização em moeda.
A não observância do regime de competência, que resultará na inexatidão
quanto ao período de apuração de escrituração de receita, custo e reconhecimento do
lucro, implicará o lançamento de tributos, atualizados pela taxa Selic e multa punitiva
nos termos do artigo 44 da Lei n.º 9.430/1996.175
Todavia, na hipótese de ocorrer a inadimplência, a legislação do IRPJ
permite que se faça um controle por meio de ajustes contábeis, autorizando a
dedutibilidade das perdas. Contudo, dependendo do valor, é necessário que se atenda
condições legais e critérios temporais.176
Essa regra é aplicada às pessoas jurídicas que
apuram o IRPJ e a CSLL pelo regime do lucro real.
No âmbito do lucro presumido, não há essa forma de ajuste quanto ao
inadimplemento. O contribuinte deverá suportar além do inadimplemento o pagamento
dos tributos decorrentes do faturamento.
Nesse sentido é o entendimento da DISIT da 8.ª Região Fiscal:
Solução de Consulta n.º 113/2004
Contribuição para o PIS/Pasep. Vendas inadimplidas. Inclusão no total
das receitas. Os valores não recebidos relativos a vendas realizadas e
não adimplidas não devem ser excluídos do total das receitas, base de
cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep. Dispositivos legais: Lei
6.404, de 1976, art. 177 e art. 187, § 1.º, “a”; lei 10.637, de 2002, art.
1.º, caput e §§ 2.º e 3.º.
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins.
Vendas inadimplidas. Inclusão no total das receitas. Os valores não
recebidos relativos a vendas realizadas e não adimplidas não devem
ser excluídos do total das receitas, base de cálculo da Cofins.
Dispositivos Legais: Lei 6.404, de 1976, art. 177 e art. 187, § 1.º, “a”;
Lei 10.833, de 2003, art. 1.º, caput e §§ 2.º e 3.º.
175
Artigo 273 do RIR/1999. 176
Artigos 340 e 341 do RIR/1999.
139
No caso do IRPJ e da CSLL, serão deduzidos da receita bruta apenas as
vendas canceladas, as devoluções e os descontos incondicionais concedidos, nos termos
do inciso I do artigo 25 da Lei n.º 9.430/1996.
Há respeitáveis doutrinadores que defendem que o inadimplemento não
implicaria auferimento de receita, o que permitiria a não tributação ou o estorno da base
de cálculo na apuração dos tributos.
Helenilson Cunha Pontes assevera que:
[...] há setores na economia cuja inadimplência é historicamente
registrada, “sendo apurada e atestada por instituições de absoluta
credibilidade, ou, por outro lado, há determinadas operações em que a
inadimplência já é atestada e reconhecida pelo devedor (casos de
empresas em concordata ou em falência). Nestas hipóteses, a
presunção que se estabelece em favor do imediato oferecimento à
tributação da receita, em face do princípio da competência, inverte-se,
ou seja, passa militar em favor do contribuinte uma presunção de que
aquela capacidade contributiva não se realizará, o que autoriza a não
tributação da receita respectiva ou da exclusão da mesma na apuração
da base de cálculo tributável, se já foi oferecida à tributação no
passado, de modo a recompor a situação de desconformidade
originada da presunção legal não realizada.177
Na mesma linha, Barbosa Nogueira descreve que:
[...] nas hipóteses de inadimplência absoluta com respectiva perda de
crédito comercial, nos termos do artigo 9.º e seguintes da Lei n.º
9.430/1996, ocorre a resolução do contrato de compras e vendas com
efeito ex tunc e erga omnes, não correndo, portanto, a consumação do
fato jurídico tributário. Como consequência, a tributação nessa
hipótese viola normas constitucionais e infraconstitucionais, uma vez
que submete o contribuinte ao pagamento de tributos quando inexiste
a riqueza correspondente à incidência tributária.178
Há ainda doutrinadores que sustentam que os valores antes escriturados em
obediência ao regime de competência que efetivamente não ingressarem nos cofres das
empresas contribuintes não são e nunca foram receitas, e, portanto, não podem compor a
177
PONTES, Helenilson Cunha. Grandes questões atuais do direito tributário. 8. ed. São Paulo:
Dialética, 2004. p. 153. 178
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Tributo antecipado pelo contribuinte de direito, cuja base de cálculo é o
preço. Não pago este, também a Fazenda não pode se apropriar do tributo. Compensação ou
restituição. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 62, p. 170, set. 2001).
140
base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Entendimento diverso seria permitir a
tributação de fatos sem nenhuma expressão ou substrato econômico, e, no caso da
inadimplência, seria o mesmo que tributar o prejuízo.
A tese sustentada por eles tem certa pertinência por critério de justiça fiscal,
mas não vem sendo aceita pelo Supremo Tribunal Federal:
Tributário. Constitucional. Cofins/PIS. Vendas inadimplidas. Aspecto
temporal da hipótese de incidência. Regime de competência. Exclusão
do crédito tributário. Impossibilidade de equiparação com as hipóteses
de cancelamento da venda.
1. O Sistema Tributário Nacional fixou o regime de competência
como regra geral para a apuração dos resultados da empresa, e não o
regime de caixa (art. 177 da Lei n.º 6.404/1976).
2. Quanto ao aspecto temporal da hipótese de incidência da Cofins e
da contribuição para o PIS, portanto, temos que o fato gerador da
obrigação ocorre com o aperfeiçoamento do contrato de compra e
venda (entrega do produto), e não com o recebimento do preço
acordado. O resultado da venda, na esteira da jurisprudência da Corte,
apurado segundo o regime legal de competência, constitui o
faturamento da pessoa jurídica, compondo o aspecto material da
hipótese de incidência da contribuição ao PIS e da Cofins, consistindo
em situação hábil ao nascimento da obrigação tributária. O
inadimplemento é evento posterior que não compõe o critério
material da hipótese de incidência das referidas contribuições.
3. No âmbito legislativo, não há disposição permitindo a exclusão das
chamadas vendas inadimplidas da base de cálculo das contribuições
em questão. As situações posteriores ao nascimento da obrigação
tributária, que se constituem como excludentes do crédito tributário,
contempladas na legislação do PIS e da Cofins, ocorrem apenas
quando fato superveniente venha a anular o fato gerador do tributo,
nunca quando o fato gerador subsista perfeito e acabado, como ocorre
com as vendas inadimplidas.
4. Nas hipóteses de cancelamento da venda, a própria lei exclui da
tributação valores que, por não constituírem efetivos ingressos de
novas receitas para a pessoa jurídica, não são dotados de capacidade
contributiva.
5. As vendas canceladas não podem ser equiparadas às vendas
inadimplidas porque, diferentemente dos casos de cancelamento de
vendas, em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se, assim,
as obrigações do credor e do devedor, as vendas inadimplidas – a
despeito de poderem resultar no cancelamento das vendas e na
consequente devolução da mercadoria –, enquanto não sejam
efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor
oponível ao comprador.
6. Recurso extraordinário a que se nega provimento179
(destacamos).
179
Recurso Extraordinário 586.482/RS, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 23.11.2011, DJE 119,
19.06.2012.
141
Observa-se que o ponto fraco da sustentabilidade dessa tese é a falta de
previsão legal para a exclusão ou estorno dos tributos da receita bruta, destacando que a
origem da receita nasce com o faturamento, e não com o recebimento, não sendo
incluído esse evento posterior à norma de incidência tributária, que subsume sobre o
fato em momento anterior.
Em relação ao PIS/Pasep e à Cofins, não se permite a exclusão das bases de
cálculo dos valores faturados e não recebidos, por falta de previsão legal para tanto.
Apenas as vendas canceladas e os descontos incondicionais são excluídos das bases de
cálculo dessas contribuições, nos termos do artigo 3.º, § 2.º, I, da Lei n.º 9.718/1998 e os
artigos 1.º, § 3.º, V, “a”, das Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003.
A obrigatoriedade de adoção do regime de competência não é absoluta. A
legislação tributária contempla exceções, previstas, por exemplo, nos artigos 409, 413,
421 e 422 do RIR/1999, no artigo 30 da Medida Provisória n.º 2.158-35/2001, no artigo
4.º da Lei n.º 10.931/2004 e no artigo 32 da Lei n.º 11.051/2004.
No entanto, a partir da edição da Instrução Normativa SRF n.º 104/1998,
passou-se a permitir o reconhecimento das receitas da venda de bens ou direitos ou de
prestação de serviços na medida do seu recebimento (adoção do regime de caixa).
Posteriormente, o artigo 13 da Lei n.º 9.718/1998 dispôs que a receita bruta
auferida no ano anterior será considerada segundo o regime de competência ou de caixa,
observado o critério adotado pela pessoa jurídica.
O regime caixa é o regime contábil que apropria as receitas e as despesas no
período de seu efetivo recebimento ou pagamento, respectivamente, independentemente
do momento em que são realizadas. No regime de caixa a receita só será apurada para
fins tributários quando for recebida, ou seja, no dia em que a parcela correspondente for
quitada pelo cliente.
142
No entendimento de Edmar Andrade Filho,180
o regime caixa privilegia o
aspecto financeiro dos negócios jurídicos, de modo que os efeitos fiscais das alterações
patrimoniais só serão reconhecidos para fins de tributação quando houver a realização
financeira. Para esse jurista, esse regime é o que melhor se amolda ao conceito
constitucional de renda, visto que se identifica com precisão o princípio da capacidade
contributiva, na medida em que o tributo deverá ser recolhido apenas quando o sujeito
passivo já estiver na posse dos recursos financeiros.
No Brasil, após a escolha do regime de caixa ou competência, deverá ser
mantido por todo o ano-calendário, não sendo permitido mudar o regime durante o ano-
base.
A despeito da regra quanto ao regime de competência, as sociedades que se
submeterem ao recolhimento dos tributos com base na sistemática do lucro presumido
poderão adotar o regime caixa, nos termos do artigo 20 da Medida Provisória n.º 2.158-
35/2001.181
Para essas empresas, o regime caixa é o mais indicado, visto que o fluxo de
caixa não fica comprometido com o desembolso de valores para fins de pagamento de
tributos. Essa modalidade deve ser informada pelo contribuinte em seus registros fiscais
e contábeis no início do ano-calendário e quando da entrega da Declaração de Imposto
de Renda da Pessoa Jurídica.
Nas operações de securitização de títulos e valores mobiliários, a despeito
de a receita auferida se basear no desconto do valor do deságio quando da aquisição dos
títulos, o momento do fato jurídico tributário para a incidência do IRPJ, da CSLL, do
PIS/Pasep e da Cofins se dá quando do faturamento ou auferimento de receita bruta
(momento da aquisição dos recebíveis), haja vista que é nesse instante que ocorrerá o
desconto do valor da remuneração da securitizadora. Dessa forma, a regra de tributação
é o regime competência, qual seja o mês em que ocorreu a aquisição dos recebíveis.
180
ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de renda das empresas. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
p. 113. 181
“Art. 20. As pessoas jurídicas submetidas ao regime de tributação com base no lucro presumido
somente poderão adotar o regime de caixa, para fins da incidência da contribuição para o PIS/Pasep e
Cofins, na hipótese de adotar o mesmo critério em relação ao imposto de renda das pessoas jurídicas e
da CSLL.”
143
Assim, para as securitizadoras que adotam o regime competência, a despeito
de o vencimento do título ocorrer em momento futuro, os custos de aquisição do crédito
devem ser registrados no mês da sua realização, submetendo o valor do deságio em
decorrência da substituição do capital empregado por um recebível com vencimento
futuro à escrituração para fins fiscais e contábeis, apurando-se receita tributada.
Entretanto, as securitizadoras de títulos e valores mobiliários que se
submetem ao regime de apuração do lucro presumido, desde que atendam às exigências
do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, poderão apurar e recolher os tributos ora
mencionados pelo regime caixa, submetendo-se ao pagamento destes apenas quando
ocorrer a recuperação do capital com o pagamento do título pelo devedor, devendo optar
por essa modalidade no início do ano-calendário.
Essa opção não implica modificar o momento do auferimento da receita
bruta, que se dá no momento da aquisição dos recebíveis, porém a tributação somente
ocorrerá, mediante suspensão do recolhimento, quando da recuperação do capital com o
pagamento do valor do crédito pelo devedor.
Com isso, a opção do regime caixa permite que a securitizadora de títulos e
valores mobiliários tenha equilíbrio financeiro (fluxo de caixa), realizando o pagamento
de tributos apenas quando do recebimento dos valores pelo devedor do título, desde que
mantenha um controle contábil e fiscal de suas operações.
Por fim, destaca-se que os recebíveis decorrentes de créditos imobiliários
(aluguéis), adquiridos por securitizadoras de valores imobiliários, sujeitarão à tributação
pelo regime competência, ou seja, irá apurar os tributos no momento da aquisição dos
recebíveis imobiliários. Para o originador, a tributação será diferida no tempo. Haverá a
alocação da receita proporcional ao período de referência do contrato, a despeito de o
originador ter recebido o valor da venda/cessão do título à vista da securitizadora.
É o que dispõe a Solução de Consulta n.º 12/2012 da Cosit – Receita
Federal do Brasil:
144
Solução de Consulta Interna n.º 12 – Cosit
Data: 29 de junho de 2012
Origem: Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil da
4.ª Região Fiscal, Divisão de Tributação
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica
Ementa: Regime de competência. Aluguéis recebidos
antecipadamente. Securitização.
Os recursos recebidos antecipadamente, pelo locador, em razão da
securitização de créditos imobiliários, têm seu reconhecimento
apropriado à medida do transcurso do prazo de locação.
Dispositivos legais: Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, arts.
177 e 187; Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, arts. 7.º
e 67; Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, arts. 3.º, 6.º e 8.º; e
Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, art. 286.
Após a análise dos regimes caixa e competência de recolhimentos de
tributos pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, o próximo objetivo será
tratar da não incidência de dois tributos, o Imposto sobre Operações Financeiras e o
Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, que são submetidos às factorings,
contudo, por falta de previsão legal, não há incidência deles sobre as atividades das
securitizadoras.
3.7 Não incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF)
O IOF é imposto de competência privativa da União Federal, nos termos do
disposto no artigo 153, V, da Constituição Federal. Trata-se de tributo de natureza
extrafiscal, pois, nas palavras de Hugo de Brito, presta-se como “instrumento de política
de crédito, câmbio, seguros e transferências de valores”,182
e não como simples
instrumento de arrecadação.
Para Roberto Quiroga,183
foi assegurada à União a prerrogativa de criar
quatro exações tributárias distintas, autônomas e independentes, a despeito de elas
182
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 295. 183
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:
Dialética 1998. p. 93.
145
estarem elencadas num único inciso do artigo 153 da CF/1988. Operações de crédito, de
câmbio, de seguro e relativas a títulos ou valores mobiliários são locuções com
significações distintas, cada uma conotando uma realidade fática particular. Com isso,
esse jurista atribui a existência de quatro espécies de impostos, todos com regras-
matrizes diferentes, denominados IO/Crédito, IO/Câmbio, IO/Seguro e IO/Títulos.
Algumas características desse tributo são importantes neste estudo. A
primeira delas é a possibilidade de o Poder Executivo, atentando-se às condições e
limites legais, fixar e alterar as alíquotas do IOF, nos termos do artigo 153, § 1.º, da
CF/1988, que dispõe: “É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os
limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos
[...] V”.
A segunda é a possibilidade de a lei que criar ou majorar os impostos sobre
operações de crédito, câmbio, seguro ou relativas a títulos ou valores mobiliários ter
eficácia e vigência no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada, não
sendo necessária a obediência ao princípio da anterioridade, disposta no artigo 150, III,
“b”, da Constituição Federal.
Roque Carrazza,184
ao se deparar com a possibilidade da alteração de
alíquotas pelo Poder Executivo, entende que o dispositivo constitucional que autoriza
essa mudança não traz nenhuma exceção ao princípio da legalidade tributária. O papel
do Executivo é apenas alterar os impostos, com base em limites, determinados pelo
próprio legislador. Essa alteração pressupõe algo preexistente. Eventual inexistência de
alíquotas mínimas e máximas impede o Poder Executivo de exercer essa
discricionariedade.
O Código Tributário Nacional dá os contornos fundamentais ao IOF,
esclarecendo alguns critérios das regras-matrizes de incidência nas modalidades crédito,
câmbio, seguro e títulos e valores mobiliários.
O artigo 63 do CTN traz os seguintes excertos quanto aos fatos jurídicos a
serem tributados: (i) quanto às operações de crédito, o imposto incidirá quando da
184
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 253.
146
entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou
sua colocação à disposição do interessado; (ii) quanto às operações de câmbio, o
imposto incidirá quando da entrega da moeda nacional ou estrangeira, ou de documento
que a represente ou sua colocação à disposição do interessado, em montante equivalente
à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; (iii) quanto às
operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento
equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; (iv) quanto às
operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento
ou resgate destes, na forma da lei aplicável.
Quanto às bases de cálculo, o artigo 64 do CTN traz as seguintes definições:
(i) quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal
e os juros; (ii) quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda
nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; (iii) quanto às operações de seguro,
o montante do prêmio; (iv) quanto às operações relativas a títulos e valores
mobiliários, na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; na transmissão, o
preço ou o valor nominal ou o valor da cotação em bolsa, como determina a lei; no
pagamento ou resgate, o preço.
No tocante ao aspecto histórico legislativo, iniciou-se pela edição da Lei n.º
5.143/1966, que estabeleceu, em seu artigo 1.º, a incidência do IOF sobre as operações
de créditos e seguros, realizadas por instituições financeiras e seguradoras.
Sobreveio, no entanto, a Lei n.º 9.532/1997, alterando o regramento então
vigente sobre a matéria, incluindo as operações de câmbio e títulos e valores
mobiliários:
Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer
as atividades relacionadas na alínea “d” do inciso III do § 1.º do art.
15 da Lei n.º 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios
resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre
operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores
mobiliários – IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de
financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras.
147
Destaca-se o artigo 15, § 1.º, III, “d”, da Lei n.º 9.249/1995, mencionado no
texto legal supra, que trata especificamente das factorings:
Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada
mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a
receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do
Decreto-lei n.º 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das
devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais
concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei
nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
§ 1.º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo
será de:
[...]
III – trinta e dois por cento, para as atividades de:
[...]
d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de
contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes
de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).
Em razão de as factorings terem sido incluídas no rol de pessoas jurídicas
sujeitas ao recolhimento pelo regime do lucro real, o dispositivo supra aplica-se apenas
na sistemática de recolhimento pelo regime de estimativa do lucro real anual.
Com isso, a pessoa física ou jurídica que alienar direitos creditórios
decorrentes da venda a prazo às empresas que se dedicam ao fomento mercantil
(factoring) sujeita-se à cobrança do IOF, nas mesmas alíquotas aplicáveis às operações
de financiamento e empréstimo, praticadas por instituições financeiras.
A despeito da regra diretiva quanto às factorings, precisamos voltar um
pouco à questão do IO/Títulos, terminologia adotada das lições de Roberto Quiroga.
Eizirik185
conceitua “valores mobiliários” como papéis ou documentos,
passíveis de negociação em massa, representativos de investimento ou crédito, a que a
Lei considera como valores mobiliários e submete, em razão disso, a uma disciplina
especial e ao poder de polícia da CVM.
185
EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & mercado de capitais. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 139-
140.
148
Segundo o jurista Luiz Gastão Paes de Barros Leães,186
ao analisar o
conceito de security no Direito americano e o conceito análogo no Direito brasileiro,
inclinou-se por dar uma interpretação mais ampla à expressão “títulos e valores
mobiliários”, corrente essa à qual nos filiamos integralmente.
A despeito da existência da teoria legalista, há outra corrente que vai pelo
caminho mais amplo, com conteúdo mínimo de significação, representando todo e
qualquer investimento realizado em dinheiro, com o intuito de lucro, ofertado ao
público e sobre o qual este não possui controle direto.187
Assim, o IOF ou IO/Título poderá incidir sobre os negócios jurídicos
relativos a investimentos oferecidos ao público, sobre os quais o investidor não possua
controle, com aplicação em dinheiro, bens ou serviços, objetivando lucro, não sendo
necessária a emissão de título para a materialização da relação obrigacional.
Essa descrição supra permitiria, pelos traços e critérios narrados, a
incidência do IOF ou IO/Título sobre as operações das securitizadoras, desde que o
legislador ordinário tenha previsto expressamente essa incidência, o que não aconteceu
até o presente momento.
Ademais, em razão das distinções trazidas entre as securitizadoras de títulos
e valores mobiliários e as factorings, a incidência do IOF nas atividades de fomento
mercantil não pode ser estendida às operações das securitizadoras de recebíveis, visto
que é vedada no sistema jurídico brasileiro a tributação por analogia, nos termos do
artigo 108, § 1.º, do Código Tributário Nacional,188
novamente referida neste estudo.
A literalidade da regra jurídica ora mencionada permite afirmar que não
poderá o aplicador do direito buscar em outra disposição expressa o princípio jurídico
estabelecido para casos afins, idênticos em sua natureza e efeitos, se o legislador se
186
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de security no direito americano e o conceito
análogo no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano
XIII, v. 14, p. 60, 1974. 187
Nesse sentido, MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São
Paulo: Dialética, 1998. p. 116. 188
“Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação
tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: [...]
§ 1.º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”
149
mantém silente sobre eles por imprevidência, inadvertência ou impropriedade de
linguagem.189
Portanto, não havendo no ordenamento jurídico atual regra prescritiva de
direito tratando da tributação das operações de cessão de direitos creditórios pelas
securitizadoras, não há que falar em tributação das operações de securitização pelo IOF
ou IO/Título, por falta de previsão legal.
Na hipótese de a União Federal exigir o IOF sobre as operações de
securitização de títulos e valores mobiliários sem a edição de lei específica, estaremos
diante do não atendimento ao princípio da estrita legalidade.
De acordo com Carrazza:
O artigo 150, I, da CF garante ao contribuinte o direito de não suportar
outros sacrifícios tributários além dos definidos em lei. Portanto, dele
só podem ser exigidos tributos quando se verificarem, no mundo
fenomênico, os pressupostos de fato descritos numa norma legal, ou
seja, quando ocorrerem os Tatbestands legais. 190
A Receita Federal, ao editar o Parecer Normativo n.º 5/2014, apresentou
construtivismo interpretativo aparentemente segundo a teoria da analogia da
compreensão, sustentada por Alfredo Augusto Becker. Isso porque, conforme mais bem
analisado no capítulo 4 deste trabalho, vem incluir nos enunciados dispostos no inciso
VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 a securitização de títulos e valores mobiliários,
exigindo dessa modalidade o recolhimento dos tributos com base no lucro real.
Conforme o jurista gaúcho,
[...] na analogia da compreensão há interpretação, porque o que o
intérprete faz é a constatação de regra jurídica já existente e resultante
do cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico. Isto é, a lei,
considerada em si mesma, como um ser isolado, não existe como
regra jurídica.191
189
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizadora Misabel Abreu Machado Derzi. 11.
ed. Rio de Janeiro, 1999. p. 679. 190
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 227. Tatbestand deve ser considerado “fatos”. 191
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002. p. 132-
133.
150
Todavia, estamos, na verdade, diante do uso da analogia por extensão, que
segundo a teoria de Becker “não há interpretação, mas criação de regra jurídica nova”.
O “intérprete” constata que o fato por ele direcionado não realiza a hipótese de
incidência da regra jurídica; entretanto, em virtude de certa analogia, esse “intérprete”
estende ou alarga a hipótese de incidência da regra de modo a abranger o fato por ele
focalizado, que no nosso entender, ao se adotar a analogia por extensão, não ocorreria à
incidência do IOF ou IO/Título, por expressa vedação legal.
Essa teoria vai ao encontro da teoria da criação (transcriativa) ou inovação,
mais bem estudada no capítulo seguinte.
Diante disso, não há incidência do IOF sobre as operações das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários por falta de lei prevendo a referida
incidência. A despeito da ausência de referida legislação ordinária, os contornos iniciais
necessários para a criação e construção da regra de incidência dessa espécie de IOF
estão já delineados pelo legislador geral (Código Tributário Nacional), como visto neste
estudo, faltando a complementação de alguns critérios a serem estabelecidos em lei para
se construir a regra-matriz de incidência do IOF/Título e Valores Mobiliários.
3.8 Não incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN)
Outro imposto que não incide sobre as operações das securitizadoras de
títulos e valores mobiliários é o ISSQN, por premissas inerentes à atividade, que não
incluiu qualquer prestação de serviço sujeita ao imposto. Diferentemente ocorre com o
factoring, que já envolve a atividade da prestação de serviços.
O ISSQN tem seu fundamento de validade no artigo 156, III, da CF, sendo
outorgada competência aos Municípios e ao Distrito Federal quanto à legislação e
constituição desses tributos por meio de lei.
A Constituição, entretanto, não conceituou serviço para fins de incidência
do ISSQN. Não se pode, portanto, considerar a incidência tributária restrita à figura de
“serviço”, mas sobre a “prestação do serviço”, porque é esta que vai abranger os
elementos da relação jurídica.
151
Pontes de Miranda nos ensina que: “Serviço é qualquer prestação de fazer
[...]; servir é prestar atividade a outrem; é prestar qualquer atividade que se possa
considerar locação de serviços. [...] Trata-se de dívida de fazer, que o locador
assume”.192
A prestação de serviço sujeita à incidência do ISSQN é aquela que exige um
prévio contrato (escrito ou verbal) e que, portanto, perfaz o objeto de uma relação
jurídica de cunho econômico, uma vez que há necessariamente onerosidade para que
ocorra a incidência tributária. O prestador realiza o serviço porque se obrigou a tanto,
contratualmente, perante o tomador, mediante o recebimento de remuneração.
O comportamento tributado pelo ISSQN é aquele em que o esforço pessoal
do devedor se sobrepõe aos materiais e equipamentos eventualmente aplicados.
Carrazza193
entende que “serviço de qualquer natureza”, para fins de
tributação por via de ISSQN, é a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou
imaterial) com conteúdo econômico, sob regime de direito privado (em caráter
negocial).
Sergio Pinto Martins, sobre a prestação de serviço, defende:
Conforme se constata, serviço é bem imaterial na etapa da circulação
econômica. Prestação de serviços é a operação pela qual uma pessoa,
em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em
favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço). Prestar
serviço é vender bem imaterial, que pode consistir no fornecimento de
trabalho, na locação de bens imóveis, ou na cessão de direitos. Seu
pressuposto é a circulação econômica de um bem imaterial, ou
melhor, a prestação de serviços, em que se presume um vendedor
(prestador de serviço), um comprador (tomador de serviço) e um
preço (preço do serviço).194
192
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 20. ed. São Paulo: RT,
2012. v. XLVII, p. 370. 193
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002. p. 828. 194
MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do imposto sobre serviços. 6. ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004.
p. 42.
152
Assim, o que se tributa não é o fato “serviço”, mas sim a prestação de
serviço, pois é necessária a atuação de um particular em favor de um terceiro, com o
intuito de receber uma remuneração.
No contrato de aquisição de direitos creditórios lastreados em títulos ou
valores mobiliários, o elemento principal é a entrega do bem imaterial adquirido por
meio do instituto da cessão, que se consubstancia em verdadeira obrigação de dar.
Não há a incidência do ISS sobre a receita derivada das operações de
compra de direitos creditórios porque não configura hipótese de obrigação onerosa de
fazer em proveito alheio. Sobre essa característica necessária para configurar a
incidência do ISSQN, inerente à atividade de prestação de serviço, a legislação que
tratar do conceito de prestação de serviços não poderá alterar a definição e o alcance
predeterminado de Direito Privado, sob pena de ofensa ao artigo 110 do Código
Tributário Nacional.
Na decisão do Recurso Extraordinário n.º 116.121,195
o Supremo Tribunal
Federal considerou que a locação de bens móveis não pode ser qualificada como serviço
e declarou a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis”, constante do
item 79 da lista de serviços anexa ao Decreto-lei n.º 406/1968. Com a referida decisão,
essa Corte passou a compreender o conteúdo semântico da palavra “serviço” como
obrigação de fazer.
Destaca-se que a Lei Complementar n.º 116/2003, norma geral em vigor que
trata desse imposto, em seu item 17.23 da Lista de Serviços, prevê como prestação de
serviços a atividade de assessoria, análise, avaliação, atendimento, consulta, cadastro,
seleção, gerenciamento de informação, administração de contas a receber ou a pagar,
relacionadas às operações de factoring.
Aires Barreto nos ensina:
Empresas de factoring há, todavia, que, paralelamente à aquisição de
créditos, se dedicam a outros misteres, muitos até para tornar mais
195
STF, RE 116.121, Rel. Min. para Acórdão Marco Aurélio, DJ 25.05.2001. Esse Tribunal editou a
Súmula Vinculante n.º 31, que dispõe: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”.
153
eficaz o recebimento desses créditos. Essas atividades adicionais
configuram, em sua grande maioria, serviços tributáveis pelo ISS. [...]
Diante de empresa que componha este segundo grupo, as atividades
configuradoras de serviço sujeitar-se-ão ao ISS, na medida dos
respectivos valores. Mas nestes não poderão ser agregados aqueles
decorrentes da mera aquisição de títulos de crédito que seguirão
inalcançáveis pelo ISS. Em outras palavras, o fato de a empresa de
factoring dedicar-se – ao lado da aquisição de créditos – a atividades
sujeitas ao ISS, não transforma as de compra de direitos creditórios
em prestação de serviços. Nesse caso, conviverão, simultaneamente,
atividades de prestação de serviços com outras que de serviço não têm
nada. Cabe exigir ISS das primeiras, mas nunca das últimas.196
No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que
em breve síntese julgou parcialmente procedente o recurso especial para
[...] reconhecer que a base de cálculo do ISS é o valor dos serviços
prestados na atividade de factoring, excluída a parcela referente às
compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a
prazo ou de prestação de serviços, com a inversão dos ônus
sucumbenciais.197
Nas atividades de prestação de serviços que envolvem factoring, a
incidência do ISS se dá sobre o preço do serviço, e não sobre a receita obtida pela
empresa em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do
devedor.
Diferentemente das operações de factoring, as atividades praticadas pelas
securitizadoras de títulos e valores mobiliários não envolvem a prestação de serviços
onerosa em nenhum momento. A atividade da securitizadora sob essa modalidade
possui um único objetivo, a aquisição de recebíveis empresariais, mediante contrato de
cessão de créditos, que são lastreados em debêntures adquiridas por investidores.
Se estamos diante de uma obrigação de dar (pagar pela aquisição do título e
pela remuneração das debêntures aos investidores), e não de fazer, não há nenhuma
possibilidade de enquadramento das atividades das securitizadoras como prestação de
serviço submetida à incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza.
196
BARRETO, Aires Fernandino. ISS na constituição e na lei. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 144.
197 STJ, Recurso Especial 552.076/RS (2003/0084646-7), Rel. Min. Denise Arruda, j. 19.06.2007.
154
Ademais, na operação de compra de direitos creditórios não se embutem
alguns serviços indispensáveis à realização da operação, qual seja a análise do borderô,
ou seleção de cadastro. Tais serviços não são prestados ao originador, mas realizados a
favor da própria empresa que adquire os recebíveis, com o propósito de calcular o risco
envolvido na operação.
Portanto, se não há onerosidade ou prestação de serviço a terceiro pela
securitizadora, não existindo ainda cobrança de valores em razão da prestação de
serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de risco,
administração de contas a pagar e a receber, a municipalidade não poderá exigir o
ISSQN.
Não cabe nesse momento discutir se o contrato complexo de factoring está
sujeito ou não à incidência do ISSQN. O objetivo do presente estudo é demonstrar que
apenas as atividades que envolvem prestação de serviços previstas na lista de serviços
trazida pela Lei Complementar n.º 116/2003 se submetem à incidência do imposto
municipal, o que não ocorre com as securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Em breve síntese, podemos apontar o seguinte quadro resumo comparativo
quanto aos impactos fiscais sobre a atividade das securitizadoras de títulos e valores
mobiliários, adotando a sistemática do lucro real e o lucro presumido, considerando um
trimestre do ano-calendário:
Lucro Real Lucro Presumido
IRPJ = 15% (alíquota principal) x Lucro Real IRPJ = 15% (alíquota principal) x [8% x RB]
IRPJ = 10% (alíquota adicional) x (Lucro Real - R$60
mil)
IRPJ = 10% (alíquota adicional) x {[8% x RB] - R$
60 mil }
CSLL = 9% x Lucro Líquido CSLL = 9% x [12% x RB]
PIS = [1,65% x RB] - Valor dos créditos de PIS PIS = 0,65% x RB
Cofins = [7,6% x RB] - Valor dos créditos de Cofins Cofins = 3% x RB
IOF/Título = não incidência por ausência de previsão
legal
IOF/Título = não incidência por ausência de
previsão legal
ISSQN = não incidência em razão da atividade não
configurar prestação de serviço
ISSQN = não incidência em razão da atividade não
configurar prestação de serviço
RB = Receita Bruta RB = Receita Bruta
155
4
REGIMES TRIBUTÁRIOS DAS SECURITIZADORAS DE
TÍTULOS E VALORES MOBILIÁRIOS: LUCRO REAL X LUCRO
PRESUMIDO
Neste capítulo analisaremos o conflito de interpretações editadas pelas
autoridades fiscais em relação ao regime de apuração e recolhimento de tributos das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Aprofundaremos o estudo quanto ao que dispõe o texto legal (artigo 14, VI,
da Lei n.º 9.718/1998) e no tocante ao construtivismo de norma jurídica pelo
hermeneuta em relação às pessoas jurídicas obrigadas a adotar o regime do lucro real.
O ápice da investigação será o momento de analisarmos o Parecer
Normativo n.º 5/2014, editado pela Receita Federal do Brasil, apontando as conclusões
e os efeitos produzidos por uma interpretação fundada no oportunismo, retroativa à
edição da Lei n.º 9.718/1998, que ignora os próprios atos enunciativos de legalidade
editados pelo órgão da União Federal.
Diante de mais um corte feito no sistema jurídico, para se chegar até o
objetivo enunciado neste estudo, precisamos investigar o disposto no artigo 14 da Lei
n.º 9.718/1998 para entendermos a construção hermenêutica feita pela Receita Federal
do Brasil, que abalou a atividade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
4.1 Opção pelo lucro presumido como matéria de reserva legal
A obrigação tributária e seus critérios devem constar na lei, conforme
prescreve o artigo 114 do Código Tributário Nacional.198
No caso dos regimes de recolhimento e apuração do IRPJ e da CSLL,
somente a lei poderá definir as condições ou critérios de distinção.
198
“Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e
suficiente à sua ocorrência.”
156
No sistema jurídico tributário brasileiro, o legislador optou por prescrever
quais as pessoas jurídicas obrigadas à apuração pelo lucro real, dado que a opção pelo
lucro presumido somente poderá ser exercida como uma faculdade pelo contribuinte
caso atenda aos requisitos legais e esteja inserido na regra de exceção.
O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 menciona os sujeitos passivos obrigados a
se submeter à sistemática de recolhimento do IRPJ e da CSLL pelo regime do lucro
real:
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
I – cuja receita total no ano-calendário anterior seja superior ao limite
de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou proporcional
ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses;
II – cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de
investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas,
sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de
crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos, valores
mobiliários e câmbio, distribuidoras de títulos e valores mobiliários,
empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito,
empresas de seguros privados e de capitalização e entidades de
previdência privada aberta;
III – que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do
exterior;
IV – que, autorizadas pela legislação tributária, usufruam de
benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto;
V – que, no decorrer do ano-calendário, tenham efetuado pagamento
mensal pelo regime de estimativa, na forma do art. 2.º da Lei n.º
9.430, de 1996;
VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua
de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços (factoring);
VII – que explorem as atividades de securitização de créditos
imobiliários, financeiros e do agronegócio. (Incluído pela Lei n.º
12.249, de 2010.)
157
O limite de receita bruta que obriga o contribuinte à opção pelo lucro real,
inicialmente fixada em R$ 24 milhões,199
foi posteriormente modificado para R$ 48
milhões200
e, atualmente, encontra-se em R$ 78 milhões.201
Observe no texto legal que o legislador, além de determinar quais os
contribuintes que se submetem ao recolhimento de tributos pelo regime do lucro real,
por exclusão, poderão adotar o regime do lucro presumido as pessoas jurídicas que
apurarem receita total inferior a R$ 78 milhões, que suas atividades não estejam
elencadas no rol taxativo obrigacional, que não aufiram lucros, rendimentos ou ganhos
oriundos do exterior, entre outras exigências denominadas regras de exceção.
No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, não há expressa
menção dessa atividade no rol taxativo trazido no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998,
encontrando-se submetidas à apuração de tributos pelo regime do lucro real as
factorings, as securitizadoras de créditos imobiliários, as securitizadoras de créditos
financeiros e as securitizadoras de créditos do agronegócio, modalidades distintas
analisadas anteriormente neste trabalho.
Adentraremos na questão da equiparação das securitizadoras de títulos e
valores mobiliários às empresas de factoring feita pela Receita Federal quando
tratarmos da análise do Parecer Normativo n.º 5/2014.
4.2 Lucro presumido como política de simplificação da fiscalização e aumento de
arrecadação
Inicialmente, registra-se que não existe empresa do Lucro Presumido,
empresa do Lucro Real ou empresa do Simples. Essas denominações dadas referem-se
aos regimes de apuração e recolhimento dos tributos incidentes sobre as receitas e
lucros auferidos pelas empresas.
199
Artigos 13, caput e 14, I, da Lei n.º 9.718/1998. 200
Artigo 46 da Lei n.º 10.637/2002.
201 Artigo 7.º da Lei n.º 12.814/2013.
158
Sabemos que o direito cria suas regras e seus procedimentos. A tributação
da renda pelo regime do lucro presumido foi criada para simplificar o regime de
apuração e recolhimento de tributos, quando comparado com o regime do lucro real.
Essa artificialidade construída sob uma presunção de lucro levando em conta a receita
bruta busca satisfazer interesses públicos e privados.
O Brasil necessariamente é um país burocrático, que evolui no sentido de
atribuir ao contribuinte todas as obrigações acessórias de apuração, escrituração,
declaração e recolhimento dos tributos, visto a ineficácia do Estado em suportar e
atender às exigências legais. Por isso, criam-se e modificam-se regras, constroem-se
sistemas e regimes de apuração dos tributos atribuindo deveres aos administrados.
Há muito os regimes de tributação pelo lucro real e lucro presumido existem
no nosso ordenamento jurídico. O Decreto-lei n.º 5.844, em seus artigos 32202
e 33,203
contemplava esses dois regimes de tributação, atribuindo à faculdade de opção do lucro
presumido às pessoas jurídicas que não adotassem a forma de sociedades por ações e de
responsabilidade limitada.
Com a vigência do Código Tributário Nacional em outubro de 1966, o
artigo 44204
incluiu no critério quantitativo do imposto sobre a renda e proventos de
qualquer natureza os regimes real, arbitrado e presumido, considerando especificamente
que essas formas estariam compondo a base de cálculo desse imposto, como visto no
capítulo anterior deste trabalho.
Nas lições de Eurico de Santi, essa promoção do lucro presumido ao plano
das “normas gerais de direito tributário” tem os seguintes objetivos:
202
“Art. 32. As pessoas jurídicas serão tributadas de acordo com os lucros reais verificados, anualmente,
segundo o balanço e a demonstração da conta de lucros e perdas.” 203
“Art. 33. É facultado às pessoas jurídicas, salvo às sociedades por ações e às por quotas de
responsabilidade limitada, optar pela tributação baseada no lucro presumido, segundo a forma
estabelecida no art. 40.
§ 1.º O disposto neste artigo não se aplica às pessoas jurídicas cujo capital exceder a Cr$ 50.000,00 ou
cujo movimento bruto anual for superior a Cr$ 200.000,00, nem às filiais, sucursais ou agências no
país das firmas e sociedades com sede no estrangeiro, as quais serão sempre tributadas pelo lucro real.
§ 2.º A opção é irrevogável e será feita, em cada exercício, na própria declaração de rendimentos,
devidamente subscrita.” 204
“Art. 44. A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis.
”
159
(i) sob a óptica do sujeito passivo, incentivar o pagamento do imposto
de renda das pessoas jurídicas, mediante a simplificação da sua
apuração, desonerando o contribuinte da necessidade de livros
contábeis e de outras obrigações acessórias exigidas na sistemática do
Lucro Real;
(ii) sob a óptica da administração tributária, reduzir os custos de
fiscalização, desonerando a máquina pública de complexas apurações
na órbita de pequenos contribuintes (abaixo da regra geral de exceção
de 24 milhões, 48 milhões e 78 milhões, por exemplo); e
(iii) sob a óptica do sujeito ativo (União), formalizar a economia,
aumentar a base de tributação e, por consequência, ampliar a
arrecadação sobre pequenos contribuintes.205
Acrescentamos aos ensinamentos do jurista citado o item: (iv) sob a óptica
da sociedade, a necessidade da desburocratização ou simplificação na apuração e
recolhimento de tributos, haja vista os custos e o tempo despendidos na atividade
contábil e fiscal exigida no regime do lucro real.
É fato que a instituição do regime do lucro presumido ajudou a reduzir a
informalidade na economia brasileira, contudo esse regime ao longo dos anos permitiu
que empresas que não possuíssem custos e despesas significativos dedutíveis na
apuração do lucro se submetessem a uma menor carga tributária se comparada com o
regime do lucro real. Como se trata de uma escolha para aqueles que não estão
elencados no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, o regime do lucro presumido, que não é
uma benesse fiscal, deve ser entendido como um regime criado pelo legislador que
buscou arrecadação, simplificação, desburocratização e uma opção para a economia
fiscal.
4.3 Análise do artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998
O desafio aqui é analisar o “parêntesis” trazido nos enunciados do inciso VI
do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, se estamos ou não diante de um problema de
linguagem. Vejamos o texto:
205
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014. p. 10.
160
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
[...]
VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua
de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços (factoring).
Se pudermos fazer uma inversão de parêntesis com a sua definição,
utilizando como ferramenta de metalinguagem a palavra factoring sob o prisma do
“autorreferenciamento” (falar de si mesmo), estaremos diante de uma interpretação não
criativa. A interpretação criativa de texto legal não é permitida no ordenamento jurídico,
simplesmente porque o aplicador do direito estaria legislando sem a forma da lei.
Na visão de Eurico de Santi, que cita a Moderna gramática portuguesa, o
uso do parêntesis como ferramenta metalinguística em nada inova, porém será tratada
como aplicação óbvia e acessória, portanto dispensável. Com isso, estaríamos em face
de uma “operação de substituição – própria do código – fornecendo sobre o uso desse
código”.206
Cumpre-nos fazer um exercício linguístico para certificarmos se estamos
diante do mesmo sentido do código utilizado, desempenhando a função de
autorreferenciar o texto descritivo em português:
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
[...]
VI – que explorem as atividades de factoring (prestação cumulativa e
contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de
crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber,
compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a
prazo ou de prestação de serviços).
206
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta, p. 17, apud CHALHUB, Samira. A metalinguagem. São Paulo: Parma, 2005. p.
27.
161
Parece-nos perfeitamente coerente sob o ponto de vista da gramática e do
estudo da linguagem confirmar que todas as atividades de factoring estão
autorreferenciadas na inversão dos parêntesis, tratando-se do mesmo sentido.
A descrição de todas as atividades relacionadas ao factoring do texto legal
supra é diversa da atividade das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, pois
esta última não envolve em nenhum momento a prestação de serviços.
Qualquer interpretação dos enunciados do inciso VI do artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, no sentido de inclusão de qualquer modalidade de compra e venda de
direitos creditórios sob o regime do lucro real, estará diante de criação de regra jurídica,
até mesmo porque a atividade de securitização, que possui um mínimo de atos e
relações jurídicas vistos no capítulo 2, não está inserida na atividade de factoring.
Para Eurico de Santi,207
estaremos diante do uso da função “transcriativa”208
que promove “invenção” da mensagem legal original, no lugar do sentido concreto do
texto da Lei n.º 9.718/1998.
Essa invenção feita por aplicadores do direito será objeto de críticas quando
analisarmos o Parecer Normativo n.º 5/2014, ao realizar exercício transcriativo quanto
aos enunciados trazidos no texto do inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.
4.4 Análise da Lei n.º 12.249/2010 que incluiu modalidades de securitização na
sistemática do lucro real
O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, que trata das modalidades obrigatórias de
apuração do IRPJ e da CSLL pelo regime lucro real, sofreu acréscimo com a edição da
Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, ao introduzir no
inciso VII209
as securitizadoras de títulos imobiliários, financeiras e agronegócios.
207
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014. 208
Trata-se do afastamento da literalidade, uma transformação do original ou invenção do intérprete.
209 “VII – que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do
agronegócio. (Incluído pela Lei n.º 12.249, de 11 de junho de 2010.)”
162
A alteração legislativa mencionada não trouxe em seu texto legal a
modalidade de securitização de títulos e valores mobiliários. A exposição de motivos
disposta na Medida Provisória n.º 472/2009 faz a seguinte menção sobre a inclusão em
destaque:
27. As atividades das securitizadoras de recebíveis se assemelham em
muito às atividades de empresas de “factoring”, as quais se encontram
obrigadas à adoção da apuração pelo Lucro Real, conforme disposto
no inciso VI do art. 14 da Lei 9.718, de 1998.
27.1. Adicionalmente, ainda que as referidas securitizadoras não
possam ser consideradas como instituições financeiras, a atividade das
mesmas também se assemelha em muito à atividade de intermediação
financeira, fato inclusive evidenciado pela possibilidade de dedução
das despesas de captação na Base de Cálculo de PIS/Pasep e Cofins.
Em face do exposto, o art. 22 proposto obriga estas empresas a
apuração do imposto de renda pelo lucro real.
A intenção do legislador, segundo a exposição de motivos, foi a inclusão
das securitizadoras no item VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998. No entanto, esse
mesmo inciso que já trazia as factorings como obrigatórias à sistemática do lucro real,
não sofreu nenhuma modificação em seu texto. A intenção do legislador ficou apenas na
sua exposição de motivos.
A real inovação foi a inclusão expressa das outras três modalidades de
securitização no regime do lucro real.
Nesses termos, permanece a seguinte dúvida: Qual o motivo para o
legislador deixar de incluir expressamente as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários no inciso VI ou VII do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998? Queria afirmar que
as securitizadoras de títulos e valores mobiliários já estariam contempladas no mesmo
inciso VI das factoring?
Entendemos tratar-se de atecnia do legislador, visto que, a despeito de a
Medida Provisória n.º 472/2009 mencionar na exposição de motivos a obrigação das
securitizadoras de recebíveis em adotar o lucro real, o texto legal da referida MP não
explicitou por meio da inclusão de enunciados claros e objetivos essa modalidade de
securitização no rol da obrigatoriedade do lucro real, até mesmo porque, em razão da
163
autorreferência da definição de factoring, notoriamente distinta da securitização
mobiliária, não há como incluir no texto legal a citada modalidade.
A Lei Complementar n.º 95/1998, que trata dos veículos introdutores-
legislativos210
de regras no sistema jurídico brasileiro, traz em seu artigo 11 a exigência
quanto à precisão nas regras jurídicas editadas pelo legislador:
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza,
precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes
normas:
[...]
II – para a obtenção de precisão:
a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar
perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto
evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador
pretende dar à norma; [...]
Caso atendida a referida exigência, permitir-se-á que o receptor da
mensagem do texto normativo tenha todas as condições de conhecer o objetivo da lei, o
seu conteúdo e alcance.
Bastava ao legislador ter inserido no inciso VI ou VII do artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, de forma expressa, a modalidade de securitização de títulos e valores
mobiliários, que não haveria mais dúvida. Como não o fez, foi possível que aplicadores
do direito tivessem opiniões distintas da exposição de motivos dispostas na MP n.º
472/2009, conforme serão observadas nas soluções de consulta e divergência emitidas
pela Receita Federal do Brasil.
O que se acrescenta aqui é, ainda que a atecnia do legislador tenha
produzido, na exposição de motivos, a intenção de tributar a securitização de valores
210
Nesse sentido, adotaremos a classificação utilizada por Tárek Moysés Moussallém, que especifica os
veículos introdutores de normas em: 1) veículo introdutor-legislativo; 2) veículo introdutor-judiciário;
3) veículo introdutor-executivo; e 4) veículo introdutor-particular (Fontes do direito tributário. São
Paulo: Max Limonad, 2001. p. 188). Esse jurista considera como veículos introdutores-legislativos as
normas gerais expedidas pelo Poder Legislativo, como a Constituição Federal, as emendas
constitucionais, as leis, os decretos legislativos e as resoluções do Senado.
164
mobiliários no regime do lucro real, o inciso VI do referido dispositivo legal trata
especificamente da atividade de factoring.
Nesses termos, a falta de previsibilidade textual acabou fazendo com o que a
exposição de motivos se tornasse letra morta, sem nenhuma eficácia técnica, até mesmo
porque a validade e a produção de efeitos das regras jurídicas se dão em relação ao texto
introduzido no ordenamento jurídico, e não sobre a intenção do legislador mencionada
em enunciação-enunciada.211
4.5 Soluções de consultas e solução de divergência editadas pelas autoridades
administrativas: legalidade enunciada
Os atos enunciativos de legalidade editados que veiculam normas
individuais e concretas e normas gerais e concretadas expedidas pelos aplicadores do
direito, no caso em análise as autoridades fiscais, é o tema de investigação a partir de
agora.
Esses atos que se utilizam da interpretação de regras jurídicas, no caso
específico as pessoas jurídicas submetidas ao modal deôntico obrigatório212
quanto ao
recolhimento de tributos no regime do lucro real, passam a ser elemento definidor da
segurança jurídica em atendimento ao princípio da estrita legalidade, até mesmo porque
a administração pública está adstrita a esse princípio em todos os seus atos.
Buscando dar uma resposta aos contribuintes sobre dúvidas em relação ao
regime de recolhimento a ser adotado, a Receita Federal do Brasil, ao se utilizar da
Solução de Consulta e da Solução de Divergência, firma entendimento e orienta os
demais contribuintes a respeito de determinado assunto questionado.
211
Enunciação-enunciada são as marcas de pessoa, espaço e tempo da enunciação projetadas no
enunciado, como ocorre na exposição de motivos, refletindo, em tese, o processo de construção de
textos normativos. 212
Os modais deônticos são predicados de segundo nível, atuando sobre certas variáveis que representam
as condutas intersubjetivas que a linguagem das normas pretendem disciplinar. São três os modais
deônticos: Permitido (P), Obrigatório (O) e Proibido (V). Nesse sentido são as lições de
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito: o construtivismo lógico-
semântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 165-167.
165
No caso em análise, as reiteradas respostas ao longo de nove anos foi a
aplicação do modal deôntico permissivo (interpretado como uma faculdade) das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários em adotar o regime do lucro presumido,
ou, por critério de exclusão, a resposta pelo não enquadramento dessa atividade na
obrigatoriedade do regime do lucro real trazida no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998.
Iniciemos pelo papel da solução de consulta editada pela Receita Federal do
Brasil.
4.5.1 O papel da solução de consulta da Receita Federal do Brasil no sistema jurídico
brasileiro
Prevista no artigo 161, § 2.º,213
do Código Tributário Nacional, a “Consulta
Fiscal” foi regulamentada no âmbito dos tributos federais pela Instrução Normativa da
Receita Federal do Brasil n.º 740/2007, revogada pela vigente Instrução Normativa n.º
1.396/2013.
A Consulta Fiscal poderá assumir a natureza jurídica de norma individual e
concreta214
ou geral e concreta,215
expedida pela Receita Federal do Brasil.
Trata-se de meio idôneo de solucionar dúvidas do consulente quanto à
interpretação da legislação tributária, podendo o pleito ser rejeitado de plano (consulta
declarada ineficaz) se constatada abusividade ou má-fé.
213
“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for
o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de
quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
[...]
§ 2.º O disposto neste artigo não se aplica na pendência de consulta formulada pelo devedor dentro do
prazo legal para pagamento do crédito.” 214
Por norma individual e concreta, entendemos aquela que vincula antecedente realizado em um
determinado tempo e espaço, sendo fato passado, com consequente individualizado, em que se
identificam os sujeitos da relação jurídica (FUSO, Rafael Correia. Seletividade tributária. 2006.
Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p. 33). 215
São gerais em relação ao destinatário, ou seja, aquele que se enquadrar na hipótese normativa e
concreta porque há uma ação determinada e individualizada.
166
Hugo de Brito entende que
[...] o processo de consulta tem por fim ensejar ao contribuinte
oportunidade para eliminar dúvidas que tenha na interpretação da
legislação tributária. A consulta pode ser feita diante de um caso
concreto, já consumado, como diante de uma simples hipótese
formulada pelo contribuinte.216
Em breve análise do disposto da já revogada Instrução Normativa n.º
740/2007, mas que teve sua eficácia e vigência durante a edição de algumas soluções de
consulta e solução de divergência a ser analisada neste estudo, destaca-se:
[...] na hipótese de alteração de entendimento expresso em Solução de
Consulta, a nova orientação alcança apenas os fatos geradores que
ocorrerem após a sua publicação na Imprensa Oficial ou após a
ciência do consulente, exceto se a nova orientação lhe for mais
favorável, caso em que esta atingirá, também, o período abrangido
pela solução anteriormente dada.217
Entre os enunciados em destaque na vigente Instrução Normativa n.º
1.396/2013, relativos à Consulta Fiscal, apontam-se:
(i) na hipótese de alteração de entendimento expresso em Solução de
Consulta sobre interpretação da legislação tributária e aduaneira, a
nova orientação alcança apenas os fatos geradores que ocorrerem
depois da sua publicação na Imprensa Oficial ou depois da ciência do
consulente, exceto se a nova orientação lhe for mais favorável, caso
em que esta atingirá, também, o período abrangido pela solução
anteriormente dada;218
(ii) serão observados os atos normativos, as Soluções de Consulta e de
Divergência sobre a matéria consultada proferidas pela Cosit, bem
como as Soluções de Consulta Interna da Cosit e os demais atos e
decisões a que a legislação atribua efeito vinculante;219
(iii) a Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir
da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB,
respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser
o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida,
sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de
fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.220
216
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 472.
217
Artigo 14, § 6.º, da IN n.º 740/2007.
218 Artigo 17 da IN n.º 1.396/2013.
219 Artigo 8.º da IN n.º 1.396/2013.
220 Artigo 9.º da IN n.º 1.396/2013, com a redação dada pela IN n.º 1.434/2013.
167
Em resumo, as Soluções de Consulta, caso modifiquem entendimento de
interpretação de legislação tributária, somente produzirão efeitos jurídicos a fatos
geradores sucedidos ulteriormente à publicação da Imprensa Oficial ou depois da
ciência do consulente, exceto no caso de beneficiar o administrado; caso isso ocorra,
será aplicada de forma retroativa.
Outro ponto que merece destaque são as Soluções de Consulta emitidas em
caráter divergente pelas Superintendências da Receita Federal do Brasil, sendo
uniformizado o entendimento da matéria por meio de recurso especial a ser apreciado
pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que editará a Solução de Divergência,
possuindo efeito vinculante no âmbito da Receita Federal do Brasil, servindo ainda para
respaldar o sujeito passivo que a aplicar, independentemente de ser ou não o consulente,
desde que se enquadre na situação apontada pela decisão.
Com isso, cumpre destacar a existência de duas espécies de respostas às
Soluções de Consulta: uma emitida pelas Divisões de Tributação da Superintendência
da Receita Federal do Brasil (DISIT), localizadas nas dez regiões espalhadas pelo
Brasil, e que têm efeito apenas em relação ao contribuinte consulente; e outra emitida
pela Cosit, estabelecida em Brasília, cujos efeitos dão caráter de norma individual e
concreta para o consulente e de geral e concreta aos demais contribuintes que se
enquadrarem na mesma situação.
Conforme será analisado a seguir, a Receita Federal editou diversas
Soluções de Consulta pela Disit e uma Solução de Divergência pela Cosit assegurando a
faculdade de as securitizadoras de títulos de valores mobiliários apurarem a base de
cálculo do IRPJ e da CSLL pelo regime do lucro presumido.
4.5.2 As soluções de consulta editadas pela Receita Federal sobre o regime tributário
do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de títulos e valores
mobiliários
A Receita Federal do Brasil editou ao longo dos anos de 2005 a 2012
respostas às consultas formuladas por securitizadoras de títulos e valores mobiliários,
168
sendo emitido entendimento de que a atividade dessas empresas poderá se submeter ao
recolhimento do IRPJ e da CSLL com base no lucro presumido.
Analisaremos a seguir dez atos enunciativos de legalidade expedidos pelas
Disit, estabelecidas em sete regiões fiscais da Receita Federal do Brasil:
4.5.2.1 1.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
342/2005 – Disit da 7.ª Região Fiscal – opção pelo lucro
presumido
O primeiro ato enunciativo de legalidade sobre o tema foi emitido em
19.08.2005, quando foi veiculada a Solução de Consulta n.º 342 pela Disit 07, a qual
entendeu que “empresa de securitização pode optar, na apuração do Imposto de Renda
da Pessoa Jurídica (IRPJ), pelo Lucro Presumido, desde que cumpra as condições
impostas para este tipo de tributação”:
Solução de Consulta n.º 342, de 19 de agosto de 2005
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Empresas securitizadoras de créditos não estão obrigadas ao regime de
tributação pelo lucro real. Empresa de securitização pode optar na
apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), pelo Lucro
Presumido, desde que cumpra as condições impostas para este tipo de
tributação.221
Destaca-se por conseguinte que a Superintendência da Receita Federal do
Brasil expressamente respondeu ao consulente por meio de norma individual e concreta
que “empresas securitizadoras de créditos têm a faculdade de adotar o regime do lucro
presumido”.
221
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=18&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.
169
4.5.2.2 2.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 47/2008
– Disit da 10.ª Região Fiscal – exclusão da base de cálculo
presumida
O segundo ato enunciativo de legalidade da Receita Federal do Brasil foi
emitido quando da edição da Solução de Consulta n.º 47, veiculada em 15.02.2008, que,
apesar de não tratar especificamente sobre o regime de apuração do IRPJ e CSLL a ser
adotado por empresas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, parte do
pressuposto de que elas podem optar pelo lucro presumido:
Solução de Consulta n.º 47, de 15 de fevereiro de 2008
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Lucro presumido. Base de cálculo. Exclusão. Para efeitos de apuração
da base de cálculo presumida do IRPJ por empresa cuja atividade é a
securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir
da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.
Dispositivos legais: Lei n.º 5.172, de 1966 (CTN), art. 97, inciso IV,
inciso I; RIR/1999, arts. 224, 246, 516, 517 e 518.
Lucro presumido. Base de cálculo. Exclusão. Para efeitos de apuração
da base de cálculo presumida da CSLL por empresa cuja atividade é a
securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir
da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.
Dispositivos legais: Lei n.º 5.172, de 1966 (CTN), art. 97, inciso IV;
Lei n.º 7.689, de 1988, art. 6.º; Lei n.º 9.430, de 1996, art. 29.222
Ao consultarmos os fundamentos e a conclusão trazidos na Solução de
Consulta editada pela Disit da 10.ª Região Fiscal, observa-se o entendimento de que a
sistemática de recolhimento do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido está devidamente
identificada quando trata da base de cálculo “presumida” na apuração do IRPJ e da
CSLL, cuidando-se de pressuposto da resposta dada ao consulente:
222
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=17&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7= =>. Acesso em: 2 mar. 2016.
170
7. Assim sendo, não há possibilidade de exclusão da receita bruta
auferida em virtude da alienação dos retrocitados ativos empresariais
do custo dos recebíveis adquiridos de outras pessoas jurídicas para
efeitos de determinação da base de cálculo presumida do IRPJ e da
CSLL. A dedução desta base de cálculo do custo desses recebíveis
somente será possível na sistemática de apuração do lucro real.
[...]
9. Ante o exposto, conclui-se que, para efeitos de apuração da base de
cálculo presumida do IRPJ e da CSLL, por empresa cuja atividade é a
securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir
da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis.
4.5.2.3 3.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 33/2009
– Disit da 8.ª Região Fiscal – opção pelo lucro presumido e
fixação de base de cálculo
Consideramos como terceiro ato enunciativo de legalidade a Solução de
Consulta n.º 33, de 06.02.2009, que, embora verse sobre a impossibilidade de exclusão
da base de cálculo presumida dos “custos referentes à aquisição de recebíveis”, deixa
evidente o fato de que empresas securitizadoras de créditos têm a opção de realizarem a
apuração de seu IRPJ e CSLL pelo lucro presumido:
Solução de Consulta n.º 33 de 6 de fevereiro de 2009
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Ementa: Companhia securitizadora de créditos. Resultado presumido.
Base de cálculo. Para efeitos de apuração da base de cálculo da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida por pessoa jurídica
cuja atividade é a securitização de ativos empresariais, que tenha
optado pela tributação do Imposto de Renda com base no lucro
presumido, inexiste esteio legal para excluir da receita bruta auferida
os custos referentes à aquisição de recebíveis. Sobre a receita bruta
apurada incide o percentual de 12%
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Companhia securitizadora de créditos. Lucro presumido.
Opção. Base de cálculo. Por não se enquadrar em qualquer das
condições de obrigatoriedade de tributação do Imposto de Renda pelo
Lucro Real, a companhia securitizadora pode optar pelo Lucro
Presumido, desde que atendidas as demais condições estipuladas em
lei. Para efeitos de apuração da base de cálculo presumida do IRPJ por
empresa cuja atividade é a securitização de ativos empresariais,
inexiste esteio legal para excluir da receita bruta auferida os custos
171
referentes à aquisição de recebíveis. Sobre a receita bruta apurada
incide o percentual de 8%.223
Apontam os enunciados supratranscritos a faculdade de o contribuinte optar
pelo lucro presumido, sendo esse regime o próprio pressuposto da Solução de Consulta.
Outro ponto que merece destaque é a fixação das bases de cálculo
presumidas do IRPJ (8%) e da CSLL (12%), analisadas no capítulo 3 deste trabalho,
confirmando a sistemática do lucro presumido.
4.5.2.4 4.º ato enunciativo de legalidade: Soluções de Consulta n.ºs 02, 03,
04 e 05 de 2010 – Disit da 3.ª Região Fiscal – não obrigação pelo
regime do lucro real
O quarto ato enunciativo de legalidade é formado por quatro Soluções de
Consulta formuladas por securitizadoras de títulos e valores mobiliários. A despeito de
serem atos distintos, o conteúdo é o mesmo, e reiteram a possibilidade de pessoas
jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos mobiliários de apurarem
IRPJ e CSLL pela sistemática do lucro presumido:
Solução de Consulta n.º 2, de 12 de fevereiro de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de
securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não
obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de
securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos
ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se
enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos
demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à
apuração pelo lucro real.
Solução de Consulta n.º 3, de 18 de fevereiro de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
223
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=15&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=
&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.
htm&r=14&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.
2016.
172
Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de
securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não
obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de
securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos
ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se
enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos
demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à
apuração pelo lucro real.
Solução de Consulta n.º 4, de 18 de fevereiro de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de
securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não
obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de
securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos
ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se
enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos
demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à
apuração pelo lucro real.
Solução de Consulta n.º 5, de 15 de março de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Imposto de renda da pessoa jurídica. Atividades de
securitização. Créditos outros. Apuração com base no lucro real. Não
obrigação. A pessoa jurídica que explora as atividades de
securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos
ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se
enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos
demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à
apuração pelo lucro real.224
Constata-se que as Soluções de Consulta já incorporam o entendimento da
Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, que, entre outras
medidas, acrescentou ao artigo 14 da Lei 9.718/1998 o inciso VII, ou seja, a despeito de
224
Disponíveis em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=13&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-
brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/
pesquisaSOL.htm&r=11&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>;
<http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=
DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=12&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=
securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=
NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.
htm&r=10&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.
2016.
173
constar na exposição de motivos da referida Medida Provisória a equiparação das
securitizadoras de valores mobiliários ao factoring, a Receita Federal do Brasil entendeu
pela inexistência da modalidade de títulos e valores mobiliários no artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, confirmando que apenas as modalidades imobiliário, financeiro e do
agronegócio deverão se sujeitar ao lucro real.
4.5.2.5 5.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
151/2010 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da receita
bruta e fixação de base de cálculo do lucro presumido
O quinto ato enunciativo de legalidade foi expedido em 25.06.2010, pela
Disit 09, quando emitiu a Solução de Consulta n.º 151. A Receita Federal tratou da
composição da receita bruta das empresas securitizadoras de valores mobiliários,
dispondo sobre o percentual de presunção do lucro a ser aplicado sobre a base de
cálculo, que de maneira equivocada considerou o índice das prestadoras de serviços.
Ao considerar o percentual de presunção, a Receita Federal acaba por
entender o lucro presumido como regime passível de ser adotado pelas securitizadoras
de valores mobiliários:
Solução de Consulta n.º 151, de 25 de junho de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Receita bruta. Nas
aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de
securitização, a receita bruta corresponde à diferença verificada entre
o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório
adquirido. Nesse caso, o percentual de presunção a ser aplicado é o
relativo à prestação de serviços em geral.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Receita bruta. Nas
aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de
securitização, a receita bruta corresponde à diferença verificada entre
o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório
174
adquirido. Nesse caso, o percentual de presunção a ser aplicado é o
relativo à prestação de serviços em geral. 225
4.5.2.6 6.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 41/2010
– Disit da 4.ª Região Fiscal – não obrigação pelo regime do lucro
real
O sexto ato enunciativo de legalidade foi emitido em 21.07.2010, com a
edição da Solução de Consulta n.º 41, dispondo sobre a não obrigatoriedade de as
empresas securitizadoras de valores mobiliários se submeterem ao regime do lucro real:
Solução de Consulta n.º 41, de 21 de julho de 2010
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Apuração do lucro real. Não obrigação. A
pessoa jurídica que explore a atividade de securitização de outros
créditos que não os imobiliários, financeiros e do agronegócio, não é
obrigada à apuração do lucro real, desde que não se enquadre nas
demais hipóteses previstas nos incisos I a VI do art. 14 da Lei n.º
9.718, de 1998.226
Na Solução de Consulta mencionada, destaca-se que ela foi emitida após a
edição da MP n.º 472/2009, quando se depara com a seguinte transcrição: “A pessoa
jurídica que explore a atividade de securitização de outros créditos que não os
imobiliários, financeiros e do agronegócio, não é obrigada à apuração do lucro real”,
visto que menciona as outras modalidades de securitização introduzidas no artigo 14,
VII, da Lei n.º 9.718/1998.
225
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=8&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=; http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-
brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=9&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016. 226
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=7&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.
175
A pessoa jurídica que explora atividade de securitização de outros créditos
que não imobiliários, financeiros e do agronegócio, por critério de exclusão, é a
securitizadora de títulos ou valores mobiliários, prevendo a faculdade de adotar o lucro
presumido.
4.5.2.7 7.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 39/2011
– Disit da 1.ª Região Fiscal – não obrigação pelo regime do lucro
real
O sétimo ato enunciativo de legalidade foi editado em 06.06.2011, quando a
Disit 01 veiculou a Solução de Consulta n.º 39, a qual dispôs sobre a possibilidade de
securitizadoras de créditos mobiliários optarem pela sistemática do lucro presumido na
apuração de seu IRPJ e CSLL:
Solução de Consulta n.º 39, de 6 de junho de 2011
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização de direitos creditórios. Créditos outros.
Apuração com base no lucro real. Não obrigação.
A pessoa jurídica que explora as atividades de securitização de outros
créditos que não sejam os vinculados aos ramos imobiliário,
financeiro e do agronegócio, e desde que não se enquadre ou
desenvolva atividades que possam se subsumir nos demais incisos do
artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à apuração pelo
lucro real.227
Da mesma forma que no ato enunciativo anterior, a Solução de Consulta,
por critério de exclusão, contempla outra modalidade de securitização que não seja
relativa aos “ramos imobiliário, financeiro e agronegócio”, como passível de adotar o
regime do lucro presumido, em razão da não obrigação pelo regime de apuração do
lucro real.
227
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=4&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.
176
4.5.2.8 8.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
177/2011 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da base de
cálculo presumida
O oitavo ato enunciativo ocorreu em 16.08.2011, quando a Disit 09 veiculou
a Solução de Consulta n.º 177, a qual dispôs sobre o percentual de presunção aplicável a
determinadas atividades exercidas por empresas securitizadoras de créditos mobiliários:
Solução de Consulta n.º 177, de 16 de agosto de 2011
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Tarifas. Percentual de
presunção. Na atividade de securitização de créditos, as receitas
decorrentes de: tarifa para emissão e colocação de títulos de crédito e
valores mobiliários; taxa de administração de carteira de direitos de
crédito; tarifa de boleto de cobrança bancária, de instruções de
prorrogação de prazos, baixas, protestos, sustação de protestos e
outras ocorrências; todas cobradas do originador, estão sujeitas ao
percentual de presunção 32% (trinta e dois por cento).
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Tarifas. Percentual de
presunção. Na atividade de securitização de créditos, as receitas
decorrentes de: tarifa para emissão e colocação de títulos de crédito e
valores mobiliários; taxa de administração de carteira de direitos de
crédito; tarifa de boleto de cobrança bancária, de instruções de
prorrogação de prazos, baixas, protestos, sustação de protestos e
outras ocorrências; todas cobradas do originador, estão sujeitas ao
percentual de presunção 32% (trinta e dois por cento).228
Adota-se como pressuposto o fato de empresas securitizadoras de valores
mobiliários poderem apurar seu IRPJ e CSLL pelo lucro presumido.
228
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=3&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=
&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.
htm&r=2&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.
2016.
177
Há um notório erro na Solução de Consulta, pois as securitizadoras de
valores mobiliários não realizam prestação de serviços, por isso não poderiam submeter-
se a uma presunção de lucro com alíquota de 32%.
Não obstante, o importante que se extrai da Solução de Consulta ora
mencionada é a afirmação expressa da Receita Federal quanto à fixação da presunção de
lucro aplicável no regime do lucro presumido das securitizadoras de créditos.
4.5.2.9 9.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º 09/2012
– Disit da 6.ª Região Fiscal – identificação dos obrigados ao
regime do lucro real
O nono ato enunciativo de legalidade foi editado em 02.02.2012, pela Disit
06, ao publicar a Solução de Consulta n.º 09, que assim dispôs:
Solução de Consulta n.º 9, de 2 de fevereiro de 2012
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Lucro real. As pessoas jurídicas que tenham
por objeto social a securitização de créditos imobiliários, financeiros e
de agronegócio estão obrigadas à apuração do Imposto de Renda
Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no Lucro Real.229
Nota-se que a Solução de Consulta elencou apenas as securitizadoras de
créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio como obrigadas à apuração pelo
lucro real, nada dispondo acerca das securitizadoras de créditos mobiliários.
229
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=1&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar. 2016.
178
4.5.2.10 10.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Consulta n.º
130/2012 – Disit da 9.ª Região Fiscal – identificação da base de
cálculo presumida
O décimo ato de legalidade foi expedido em 03.07.2012, por meio da
Solução de Consulta n.º 130, com o seguinte excerto:
Solução de Consulta n.º 130, de 3 de julho de 2012
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita
bruta.
Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas
empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de
cálculo do IRPJ deve ser apurada com a utilização do percentual de
presunção de 8% (oito por cento).
Neste caso, os custos referentes à aquisição dos direitos creditórios
não podem ser excluídos para fins de apuração da receita bruta
tributável, bem como para verificação do limite de receita estabelecido
para a adoção dessa sistemática de tributação (lucro presumido).
Dispositivos legais: Lei n.º 9.249, de 1995, art. 15; Lei n.º 9.514, de
1997, art. 3.º; Lei n.º 9.430, de 1996, arts. 1.º e 25, inciso I; Lei n.º
8.981, de 1995, art. 31 e parágrafo único; Lei n.º 9.718, de 1998, art.
14, inciso VII; Lei n.º 12.249, de 2010, art. 22; Decreto n.º 3.000, de
1999, arts. 518, 519 e 224.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Securitização. Lucro presumido. Percentual de presunção. Receita
bruta.
Nas receitas relativas à aquisição de direitos creditórios pelas
empresas de securitização optantes pelo lucro presumido, a base de
cálculo da CSLL deve ser apurada com a utilização do percentual de
presunção de 12% (doze por cento).
Neste caso, os custos referentes à aquisição dos direitos creditórios
não podem ser excluídos para fins de apuração da receita bruta
tributável, bem como para verificação do limite de receita estabelecido
para a adoção dessa sistemática de tributação (lucro presumido).
Dispositivos Legais: Lei n.º 9.249, de 1995, arts. 15 e 20; Lei n.º
9.514, de 1997, art. 3.º; Lei n.º 9.430, de 1996, art. 29; Lei n.º 8.981,
de 1995, art. 31 e parágrafo único; Lei n.º 9.718, de 1998, art. 14,
inciso VII; Lei n.º 12.249, de 2010, art. 22; Decreto n.º 3.000, de
1999, arts. 518, 519 e 224.
Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social –
Cofins.
179
Securitização. Base de cálculo. Receita bruta.
Para fins de apuração da base de cálculo da Cofins das pessoas
jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos não
imobiliários, financeiros ou do agronegócio, o custo de aquisição dos
direitos creditórios não pode ser excluído da receita bruta auferida.
Dispositivos legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 3.º, § 8.º.
Assunto: Contribuição para o PIS/Pasep
Securitização. Base de cálculo. Receita bruta.
Para fins de apuração da base de cálculo do PIS/Pasep das pessoas
jurídicas que exploram a atividade de securitização de créditos não
imobiliários, financeiros ou do agronegócio, o custo de aquisição dos
direitos creditórios não pode ser excluído da receita bruta auferida.
Dispositivos Legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 3.º, § 8.º.230
De forma correta, a Receita Federal do Brasil esclareceu o percentual de 8%
de presunção do lucro aplicável para a apuração do IRPJ, e de 12% por cento de
presunção aplicável para a apuração da CSLL.
Entretanto, em relação ao custo de aquisição não ser excluído da receita
bruta, a Receita Federal, na sistemática do lucro presumido, ao entender dessa forma,
acaba por tributar o valor integral dos direitos creditórios, não apurando a efetiva receita
bruta da securitização. Como destacado neste estudo, a remuneração ou receita bruta das
securitizadoras se dá com base no spread, que nada mais é do que o desconto do valor
do ativo adquirido, e não sobre o valor do recebimento do crédito pelo devedor, que se
trata da recuperação do capital pela securitizadora.
4.5.3 O papel da solução de divergência no sistema jurídico brasileiro
As soluções de divergência são atos expedidos pelo Coordenador-Geral de
Tributação da Receita Federal do Brasil (Cosit), e têm como função uniformizar o
entendimento da Receita Federal sobre questões fiscais no País, em todas as suas
Superintendências.
230
Disponível em: <http://www.sinfac.net/20anos/index.php/sindicato/historia/15-noticias/139-nova-
solucao-de-consulta-ratifica-entendimento-sobre-ir-de-securitizadora>. Acesso em: 14 mar. 2016.
180
Em que pese ser um documento de uso interno das Superintendências
Regionais da Receita Federal, vinculante às autoridades fiscais, trata-se de uma norma
geral e concreta que dispõe sobre regras jurídicas no âmbito fiscal federal, orientando
também os contribuintes que poderão se enquadrar nas hipóteses descritas nessa norma
jurídica.
Portanto, a solução de divergência editada pelo Poder Público federal
orienta os administrados, alcançando fatos geradores posteriores à publicação da
Solução de Divergência, podendo retroagir no caso de beneficiar o contribuinte.
Em destaque, a Instrução Normativa n.º 740/2007, aplicada quando da
edição da Solução de Divergência n.º 8/2011, traz o seguinte dispositivo quanto à
edição de ato de caráter geral (produção de efeitos do próprio ato enunciativo de
legalidade): “a Solução de Divergência, uniformizando o entendimento, acarretará a
edição de ato específico de caráter geral”.231
Da mesma forma, a Instrução Normativa n.º 1.396/2013, em vigor, trata-se
de importante ferramenta jurídica a ser utilizada pela Receita Federal do Brasil para
uniformizar as soluções de consulta editadas pelas Disit, aponta entendimento do órgão
federal sobre determinado assunto, permite que contribuintes se enquadrem naquela
decisão (caráter geral), mesmo não tendo sido o consulente, e vincula por critério de
hierarquia as demais autoridades fiscais federais aplicadoras do direito.
4.5.4 A Solução de Divergência n.º 8/2011 editada pela Receita Federal do Brasil
sobre o regime tributário do lucro presumido adotado pelas securitizadoras de
títulos e valores mobiliários
O ato enunciativo de legalidade considerado de suma importância neste
estudo é a Solução de Divergência n.º 8/2011, editada com o intuito de pacificar
controvérsias dentro da Receita Federal do Brasil, tem sua função primordial
orientadora, com efeitos retroativos e futuros, vinculativa em relação às demais
231
Artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007.
181
autoridades fiscais pelo seu caráter hierárquico e, principalmente, assume caráter geral
perante os demais administrados que se enquadrarem em seu texto e contexto.
Editada em um momento em que as Disit de algumas regiões fiscais do País
apresentavam há tempos entendimento quanto ao regime optativo do lucro presumido a
ser adotado pelas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a Solução de
Divergência em análise teve sua função de consolidação. Vejamos os detalhes a seguir.
4.5.4.1 11.º ato enunciativo de legalidade: Solução de Divergência n.º
8/2011 da Cosit
O décimo primeiro ato enunciativo de legalidade foi editado pela
Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), em 13.04.2011. A Solução de Divergência
n.º 08 reafirmou a possibilidade de a atividade de securitização de valores mobiliários
apurar IRPJ e CSLL pela sistemática do lucro presumido, consolidando inclusive as
bases de cálculo presumidas:
Solução de Divergência n.º 8, de 13 de abril de 2011
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo. Para fins de
apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas jurídicas, optantes
pelo regime de lucro presumido, que exploram atividade de
securitização de créditos, inexiste base legal para excluir da receita
bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios. O
percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de 8%.
Excetuam-se do acima disposto as sociedades securitizadoras de
créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, visto que
encontram-se obrigadas à apuração do lucro real, de acordo com o
inciso VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
Ementa: Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo. Para fins de
apuração da base de cálculo da CSLL das pessoas jurídicas, optantes
pelo regime de lucro presumido, que exploram atividade de
securitização de créditos, inexiste base legal para excluir da receita
bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios. O
percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de 12%.
Excetuam-se do acima disposto as sociedades securitizadoras de
créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, visto que
182
encontram-se obrigadas à apuração do lucro real, de acordo com o
inciso VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998.232
A Solução de Divergência, como o próprio nome sugere, tem como objetivo
pacificar e uniformizar o entendimento sobre determinada matéria fiscal.233
À época da edição da Solução de Divergência n.º 8/2011 vigia a Instrução
Normativa n.º 740/2007. Em seu artigo 16 previa o caráter geral dos efeitos do ato
enunciativo produzido pela Cosit:
Art. 16. Havendo divergência de conclusões entre soluções de
consultas relativas à mesma matéria, fundada em idêntica norma
jurídica, caberá recurso especial, sem efeito suspensivo, para a Cosit
ou Coana, conforme a competência prevista no art. 10.
[...]
§ 5.º A Solução de Divergência, uniformizando o entendimento,
acarretará a edição de ato específico de caráter geral.
Da mesma forma, o artigo 21, § 3.º, da Instrução Normativa n.º 1.396/2013
dispõe que, “reconhecida a divergência, a Solução de Divergência acarretará a edição de
ato específico de caráter geral, uniformizando o entendimento, com imediata ciência ao
destinatário da solução reformada, aplicando-se seus efeitos a partir da data da ciência”.
O caso analisado pela Cosit tratou do percentual de presunção aplicado ao
IRPJ e à CSLL na apuração do lucro, sistemática própria do lucro presumido. Com isso,
se há a fixação de uma base de cálculo presumida para as securitizadoras de créditos, a
lógica que se tem do ato enunciativo é de que se permite tal regime para essa
modalidade.
232
Disponível em: <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-
DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.htm&r=6&f=G&l=20&s1=&s3=
&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>; <http://decisoes.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s10
=&s9=NAO+DRJ/$.SIGL.&n=-DTPE&d=DECW&p=1&u=/netahtml/decisoes/decw/pesquisaSOL.
htm&r=5&f=G&l=20&s1=&s3=&s4=&s5=securitiza%E7%E3o&s8=&s7=>. Acesso em: 2 mar.
2016. 233
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 44.
183
Há ainda na Solução de Divergência a distinção das outras três modalidades
de securitização (imobiliária, financeira e agronegócio), que se submetem à apuração
pelo regime do lucro real.
Portanto, esse ato enunciativo de legalidade não só uniformiza o
entendimento sobre a matéria, mas permite que contribuintes que se encontrem na
mesma situação se beneficiem da “decisão” expedida pela Receita Federal do Brasil,
que possui caráter geral, concreto e vinculativo perante as demais autoridades desse
órgão da União.
Por fim, apenas como registro do agente público responsável pela edição da
Solução de Divergência n.º 8/2011, não querendo de modo algum comparar critério de
pessoalidade com o dever e função de agente público que age em nome da
Administração, registra-se que o referido ato enunciativo de legalidade foi assinado pelo
Auditor Fiscal Fernando Mombelli, Coordenador-Geral de Tributação da Secretaria da
Receita Federal do Brasil.
No item seguinte, verificaremos que esse mesmo agente público foi um dos
signatários da mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil, quando da edição
do Parecer Normativo n.º 5/2014, com efeitos retroativos desde a vigência da Lei n.º
9.718/1998, ignorando, por completo aquilo que havia sido pronunciado em caráter
geral e concreto na Solução de Divergência n.º 8/2011.
4.6 Análise do Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil –
aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo
Editado em desrespeito ao princípio da não surpresa, sob a condição de
“oportunidade e esperteza”, que não se confundem com legalidade, segurança jurídica e
democracia, muito atende ao princípio da supremacia do interesse público sob o
privado, pois, para tanto, o princípio corolário a ser inicialmente obedecido é a estrita
legalidade, inexistente nesse ato enunciativo de legalidade. Portanto, o Parecer
Normativo n.º 5/2014 merece duras críticas por este autor.
184
Com caráter direcionado e distorcido, aproveitando as autoridades fiscais
para mudar de entendimento, objetivando estritamente a arrecadação, não porque há
fundamentos ou elementos jurídicos que sustentariam essa mudança, mas porque se
aproveitou de um critério de identidade entre atividades semelhantes, a edição do
parecer normativo a ser analisado a seguir causou estranheza, alerta e receio daqueles
que se submeteram durante anos ao regime de apuração de tributos pelo lucro
presumido.
A confirmação da falta de seriedade e sustentabilidade jurídica será objeto
de análise a seguir.
4.6.1 O papel do parecer normativoda Receita Federal do Brasil no sistema jurídico
brasileiro
O parecer jurídico surge de uma necessidade da administração pública, que
na maioria das vezes se refere à situação individual. Entretanto, há ocasiões, em que
esse mesmo parecer pode se tornar geral, e ser obrigatória a sua aplicação a todos os
casos idênticos que passarem a existir, chamado, nesse caso, de parecer normativo.
Hely Lopes Meirelles, ao tratar do parecer normativo, define:
[...] é aquele que, ao ser aprovado pela autoridade competente, é
convertido em norma de procedimento interno, tornando-se impositivo
e vinculante para todos os órgãos hierarquizados à autoridade que o
aprovou. Tal parecer, para o caso que o propiciou, é ato individual e
concreto; para os casos futuros, é ato geral e normativo.234
Nesse passo, observa-se que, com o ato de aprovação do administrador
público, o parecer passa de norma individual para geral, devendo ser aplicado para
todos os casos assemelhados, servindo como alicerce para a prática de atos
administrativos futuros.
234
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
189.
185
O parecer normativo emitido pela Receita Federal do Brasil é um ato
enunciativo de legalidade que tem como uma das suas funções uniformizar
interpretação de legislação fiscal ou aduaneira, que contenha dúvida ou conflito,
vinculando os agentes públicos federais.
Esse ato enunciativo de legalidade não possui força de lei, não altera
dispositivo de lei, tratando-se de mera opinião normativa vinculativa do órgão federal.
Sob essa premissa, os agentes fiscais federais estão vinculados ao
entendimento expedido pelo chefe maior da Receita Federal do Brasil,235
seja por
questão normativa que lhe confere competência,236
seja por questão de hierarquia dentro
da Administração Pública.
O que nos chama a atenção são as características atribuídas pelo próprio
órgão emitente do parecer normativo, quando enuncia que:
[...] o Parecer Normativo e o Ato Declaratório Normativo, por serem
atos interpretativos, possuem natureza declaratória, retroagindo, sua
eficácia, ao momento em que a norma por eles interpretada começou a
produzir efeitos. Sua normatividade funda-se no poder vinculante do
entendimento neles expresso.
Expressões como “atos interpretativos”, “natureza declaratória”,
“retroagindo”, “eficácia”, “começou a produzir efeitos” apontam evidências de que o
caráter declaratório desses atos enunciativos possui comando “constitutivo”, pois de
plano trazem ordens aos agentes públicos quanto à expedição de normas individuais e
concretas na hipótese de dado fato F” não atender as condições interpretativas “C”,
ainda que o antecedente da norma geral e abstrata não descreva expressamente o fato, o
que tornaria a norma produzida pelo processo de subsunção237
eivada de nulidade
material, porque não teria fundamento de validade na norma geral e abstrata. Nesse
caso, o problema se dá quanto à mensagem prescritiva de conduta.
235
Secretário da Receita Federal do Brasil.
236 Regimento Interno da Receita Federal do Brasil (Portaria MF n.º 203/2012, artigo 280, XXVI).
237 FUSO, Rafael Correia. Seletividade tributária. 2006. Dissertação (Mestrado) – PUC/SP, São Paulo, p.
37.
186
Esse comando constitutivo, logicamente, não está inserido em pareceres
normativos; ele advém, primeiramente, do disposto nos artigos 141 e 142 do Código
Tributário Nacional.
Portanto, o parecer normativo aponta para duas obrigações: vinculação e
regra impositiva para a constituição do crédito tributário pelos agentes fiscais
vinculados à Receita Federal do Brasil, o que inclui os julgadores de primeira instância
administrativa desse órgão da União.
Não estamos afirmando aqui que o parecer normativo é uma regra jurídica
que permite construir uma norma geral e abstrata com fundamento de incidência
tributária por meio da subsunção, pois sequer esse ato enunciativo editado pelo
Secretário da Receita Federal possui condições jurídicas para tanto, haja vista não se
tratar de lei.
Pontua-se, fazendo breve parêntesis, que o processo de subsunção ocorre
entre o fato e o antecedente da norma geral e abstrata, por meio de inclusão da classe do
fato à classe descritiva do antecedente normativo. Com isso, o processo resulta no
nascimento de uma norma individual e concreta, por meio da norma geral e abstrata.
Gregório Robles238
nos ensina que a subsunção consiste em encaixar uma
ação concreta na ação contemplada no texto. Entretanto, para subsumir, é necessário
interpretar. É nessa ida e volta do olhar entre a ação realizada de fato e a ação
contemplada no texto que consiste o mecanismo intelectual que configura a subsunção.
As normas individuais e concretas produzidas pelos agentes públicos serão
autos de infração, as decisões de não homologação de compensações tributárias, os
indeferimentos de restituição ou ressarcimentos de tributos, entre outros, que deverão
atender aos enunciados e conclusões dispostos nos pareceres normativos.
Da mesma forma que esse ato enunciativo de legalidade traz uma mensagem
vinculativa aos agentes públicos, por critério de hierarquia por quem o emite, não
238
ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. São
Paulo: Manole, 2005. p. 38.
187
podemos afirmar que esse mesmo ato expede um comando normativo obrigatório aos
contribuintes para atender àquilo que foi contemplado nesse ato, ainda mais quando se
depara que há leis e princípios sendo notoriamente desrespeitados pelo órgão da União
Federal.
O referido ato impõe, na verdade, um alerta ao contribuinte, que poderá ser
fiscalizado e autuado caso tenha se submetido ou permaneça sujeito ao regime do lucro
presumido, permitindo que esses mesmos contribuintes possam afastar esse ato
enunciativo de ilegalidade perante o Poder Judiciário e junto ao Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
4.6.2 Parecer Normativo n.º 5/2014 da Receita Federal do Brasil
Em 10.04.2014, para a surpresa de todas as securitizadoras de títulos e
valores mobiliários, a Receita Federal do Brasil, por meio da edição do Parecer
Normativo n.º 5, assinado pelo Secretário da Receita Federal, Sr. Carlos Alberto
Barreto, e pelo Subsecretário de Tributação e Contencioso, Sr. Fernando Mombelli, o
mesmo agente que editou a Solução de Divergência n.º 8/2011, entendeu que o regime
de lucro real seria obrigatório para essa atividade desde a edição da Lei n.º 9.718/1998.
Com base nesse Parecer Normativo n.º 5/2014, desprovido de
sustentabilidade e segurança jurídica, as securitizadoras de créditos empresariais se
viram sob a ameaça de sofrerem autuações fiscais, caso tivessem empregado o regime
de apuração do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido, mesmo que tenha se enquadrado
no critério geral e concreto disposto na Solução de Divergência n.º 8/2011, que trazia a
interpretação do próprio fisco quanto à faculdade de se adotar o regime do lucro
presumido.
Portanto, analisaremos a partir de agora a mudança de entendimento da
Receita Federal com efeitos normativos e retroativos da forma de recolhimento de
tributos por empresa Securitizadora de Títulos e Valores Mobiliários.
Em pertinente crítica, Eurico de Santi traduz em poucas palavras sua
irresignação diante da edição do malsinado Parecer Normativo n.º 5/2014, sensação
188
despertada em qualquer estudioso do direito que zela pela legalidade concreta e
segurança jurídica:
Conforme vimos, é inesgotável a capacidade “TRANSCRIATIVA”
para gerar novos sentidos sobre um mesmo texto legal, alargando-se a
competência tributária. A geração de novos sentidos sobre o suporte
físico da mesma lei não é conduta digna do Poder Público:
ESPERTEZA e OPORTUNISMO não fazem rima com
LEGALIDADE e DEMOCRACIA. Para se exigir ética e lealdade do
contribuinte, a Administração Pública deve, antes e sponte própria,
agir de forma modelar. Afinal, ética não se prescreve e não se ensina
com palavras, mas com ação: se houver a omissão do Estado em dar o
primeiro exemplo, sem ética na produção e aplicação da lei, não há
legalidade; sem legalidade, não há Estado de Direito. 239
Destaca-se parte dos enunciados do Parecer Normativo RFB n.º 5/2014,
objeto de comentários e críticas a seguir:
17. No Brasil, a securitização de ativos surgiu em empresas não
financeiras, evoluindo para as instituições financeiras com a edição de
normas, tais como a Lei n.º 9.514, de 1997, e Resolução CMN/Bacen
n.º 2.686, de 26 de janeiro de 2000, para créditos imobiliários, Lei n.º
11.076, de 30 de dezembro de 2004, para créditos agrícolas, e
Resolução CMN/Bacen n.º 2.836, de 30 de maio de 2001, para
créditos financeiros. Além de disciplinar as operações, criaram
instrumentos específicos de emissão exclusiva da securitizadora
regulamentada, tais como o CRI (Certificado de Recebíveis
Imobiliários) e CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio).
Pela falta de regulamentação própria, a securitização de recebíveis
comerciais adotou o uso de instrumento de captação já instituído no
mercado de capitais: a debênture.
18. Dessa forma, o investidor recebe o retorno do investimento por
meio de pagamentos a título de amortizações e encargos na medida
em que os títulos de lastro são liquidados e/ou remunerados,
compondo assim fluxos financeiros combinados, administrados pela
securitizadora. Os títulos inadimplidos e considerados incobráveis são
abatidos do lastro, reduzindo assim os fluxos financeiros, o que,
observados os termos pactuados, resulta, a princípio, em perda tanto
para o investidor quanto para a securitizadora, por diferentes motivos,
melhor compreendidos mais adiante. Não obstante, a securitização
oferece diversas oportunidades econômicas para o investidor, pelas
possibilidades de ganhos com o risco adquirido e não materializado, e
para os cedentes, pela antecipação de recebíveis e redução da pressão
do risco de crédito sobre seus ativos.
239
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Securitizadoras de valores mobiliários, segurança jurídica e
legalidade concreta. Parecer jurídico não publicado. São Paulo, 2014, p. 26.
189
19. Tem-se portanto que, em se tratando de direitos creditórios
comerciais, tanto a securitização quanto a faturização operam a
compra de direitos creditórios originados em vendas a prazo de bens e
serviços, configurando modalidades distintas de fomento mercantil,
que só se distinguem pela destinação dos títulos adquiridos, ou seja, a
securitização se caracteriza pela formação de lastro para os títulos
mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira
própria. Contudo, em ambos os casos a aquisição de recebíveis
comerciais é regida pelas mesmas regras, dispostas nos arts. 287 e 295
do Código Civil (CC).
20. Dessa forma, não há qualquer justificativa para conferir
tratamentos tributários distintos a empresas que exerçam atividade de
securitização de créditos comerciais ainda que não haja
regulamentação específica estabelecida em lei comercial.
21. Por essa razão, e por se tratar de empresas dedicadas à compra de
direitos creditórios originários de vendas a prazo de bens e serviços,
tal como disposto no art. 14, inciso VI, da Lei n.º 9.718, de 1998, as
securitizadoras de direitos creditórios comerciais sujeitam-se a
tributação obrigatória pelo regime do lucro real, assim como as
faturizadoras, cabendo-lhes portanto, o mesmo tratamento tributário.
22. Ademais, a exposição de motivos (EM Interministerial n.º
00180/2009 – MF/MDIC) da MPV n.º 472, de 15 de dezembro de
2009, convertida na Lei n.º 12.249, de 2010, que introduziu o inciso
VII do art. 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, já reconhecia a similaridade
das atividades desenvolvidas pelas securitizadoras de ativos
empresariais e pelas faturizadoras, ao afirmar que “27. As atividades
das securitizadoras de recebíveis se assemelham em muito às
atividades de factoring, as quais se encontram obrigadas à adoção da
apuração pelo lucro real, conforme disposto no inciso VI do art. 14 da
Lei n.º 9.718, de 1998”, o que implica concluir que as securitizadoras
de ativos empresariais não foram incluídas no inciso VII porque já
estavam abrangidas pelo inciso VI.
[...]
31. A complexidade e diversidade de opções de negócio da
securitização demandam ordenamento e disciplina regulamentar, e as
normas editadas até o momento aplicam-se a créditos imobiliários,
financeiros, e agrícolas, porque eram segmentos com demanda
instaurada. Contudo, e muito recentemente, pelos motivos já
discorridos e que não se relacionam com o mercado, surgiram
empresas constituídas como securitizadoras de ativos empresarias,
utilizando, por analogia, as disposições da Lei n.º 9.514, de 1997, e
alegadamente dedicadas a securitização de títulos de crédito
originados em operações de venda de bens e serviços. Embora
admissível, a constituição de pessoas jurídicas com esse objeto social,
sob ponto de vista da exploração econômica, não se distingue de uma
empresa de fomento mercantil, eis que a securitização se desdobra na
captação de recursos por meio da emissão de títulos mobiliários, que
não gera receita própria, combinada com a aquisição de títulos de
crédito, esta sim, atividade que efetivamente gera o acréscimo
patrimonial, pelo valor do deságio obtido na cessão.
32. Assim, a receita bruta das securitizadoras de crédito, de qualquer
espécie, bem como de qualquer pessoa jurídica dedicada à compra de
190
direitos creditórios, é o deságio, assim entendido a diferença entre o
valor de face do título e o respectivo custo de aquisição.
Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que:
a) as pessoas jurídicas que exploram a atividade de securitização de
ativos empresariais estão obrigadas ao regime de tributação do lucro
real, por força do disposto no art. 14, VI, da Lei n.º 9.718, de 1998, e
das demais, por disposição expressa do inciso VII;
b) a receita bruta das pessoas jurídicas que exploram a atividade de
securitização de ativos empresariais, para fins de apuração da base
de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, é o
deságio, assim entendido a diferença entre o valor de face dos títulos
de crédito adquiridos e o custo de aquisição (destacamos).
O parecer declara que a securitização de títulos mobiliários é uma espécie
do gênero fomento mercantil, distinguindo apenas quanto à destinação dos títulos
adquiridos, ou seja, a securitização de ativos empresariais se caracteriza pela formação
de lastro para os títulos mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de
carteira própria.
Uma das formas de distinguir a securitização da atividade de factoring, e
não para descaracterizá-la, é pela emissão de debêntures lastreadas em recebíveis,
permitindo a segregação e diluição do risco. Nesse caso, segundo a doutrina, há a cessão
do lastro, e não apenas do crédito:
Nesse passo, a SPE, como instrumento da operação, realiza a emissão
pública de títulos ou valores mobiliários, aplicando o produto desta
emissão na aquisição dos direitos creditórios da companhia
originadora. O mesmo ocorre com os Findos de Investimento em
Direito Creditório – FIDC –, objeto de análise específica no presente
livro.
Tais títulos terão como lastro (garantia) o fluxo de recebíveis da
empresa originadora que serão cedidos à SPE, sendo que a emissão
dos títulos espelha o fluxo dos recebíveis. Tipicamente, um originador
faz empréstimos aos consumidores para a compra de um bem, um
ativo, como um computador, um fogão, um apartamento; o
empréstimo e garantido pelo ativo financiado. O originador pode,
pois, “empacotar” alguns ou todos os seus recebíveis (crédito junto
aos consumidores) em uma operação de securitização e emitir valores
mobiliários lastreados pelos empréstimos feitos aos seus
consumidores.
Os Valores Mobiliários são quitados pelos pagamentos regulares
feitos pelos investidores-consumidores. Daí a SPE poder ser utilizada
como instrumento de segregação do risco de crédito dos recebíveis.
Esta é uma das diferenças entre a securitização e outras operações a
191
ela assemelhadas, isto é, a separação dos riscos inerentes de cada
negócio, e o fato de que a cessão de crédito ocorre para um fim
específico: a emissão de valores mobiliários, daí a razão de ser tratada
no presente livro não somente como cessão de crédito, mas como de
“cessão de lastro”. É bom que se diga que a cessão de crédito é a que
ocorre com o contrato de factoring (faturização), pois a factoring
utilizará os créditos para emissões de valores mobiliários, como ocorre
com a securitização que na verdade está adquirindo lastro.240
Eurico de Santi, em seu estudo sobre o tema, apontou de plano as seguintes
inconsistências no Parecer Normativo n.º 5/2014, o qual adotamos integralmente:
(i) O Parecer Normativo pretende alterar a interpretação das Leis
9.718/1998 e 12.249/2010 no sentido de que a atividade de
securitização de créditos mobiliários estaria equiparada (desde
sempre) à atividade de factoring, sendo esta sujeita obrigatoriamente
ao lucro real. Entretanto, trata-se de VEÍCULO INAPROPRIADO
para dispor sobre base de cálculo de tributo. A pretensão do Parecer
Normativo desrespeita a LEGALIDADE, ex vi art. 150, I, da
Constituição Federal e art. 97, inciso IV, do Código Tributário
Nacional, uma vez que apenas a LEI pode dispor sobre criação,
modificação ou extinção de tributos;
(ii) O Parecer Normativo pretende dar efeito ex tunc à interpretação
por ele introduzida em 2014 para Leis anteriores (Leis 9.718/1998 e
12.249/2010), novamente desrespeitando o preceito constitucional da
IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA, ex vi art. 150, III, da
Constituição Federal;
(iii) O Parecer Normativo também ignora entendimento da própria
Receita Federal, expresso em acórdão da Delegacia da Receita Federal
do Brasil e Julgamento em Porto Alegre (RS), o qual fundamenta toda
a sua razão de decidir na distinção entre as atividades de factoring e
de securitização de créditos mobiliários, assentando esta última na
condição de lucro presumido;
(iv) Ignora Solução de Divergência no sentido de que a atividade de
securitização de créditos mobiliários pode ser tributada pelo lucro
presumido. Reitera-se que o instituto da Solução de Divergência,
expedida pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), representa
posicionamento oficial da Receita Federal, de CARÁTER GERAL, ex
vi dos artigos 14 e 16 da IN/RFB 740/2007;
(v) Ignora DEZ Soluções de Consulta favoráveis à possibilidade de
empresas securitizadoras de créditos mobiliários optarem pela
sistemática do lucro presumido;
(vi) Ignora DEZ diferenças específicas entre as atividades de factoring
e securitização, utilizadas pela própria Receita Federal na
240
NAJJARIAN, Ilene Patrícia de Noronha. Securitização de recebíveis mercantis. São Paulo: Quartier
Latin, 2010. p. 79.
192
fundamentação de acórdãos e na veiculação de Solução de Consulta e
Solução de Divergência;
(vii) Finalmente, o Parecer Normativo incorre em contradição interna,
uma vez que RECONHECE a INEXISTÊNCIA DE NORMA
EXPRESSA obrigando as securitizadoras de créditos mobiliários a
apurarem o IRPJ/CSLL pelo lucro real. Afirma a existência de norma
apenas para os setores imobiliário, agrícola e financeiro (destaques do
próprio autor).
O fato de ignorar todo o histórico de respostas às consultas, solução de
divergência, decisões da Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), além de
realizar interpretação de critérios por semelhança, e não identidade, dá a entender que a
Receita Federal do Brasil usa da analogia para o enquadramento das securitizadoras no
enunciado disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, o que é vedado no
nosso ordenamento jurídico, desrespeitando estritamente a legalidade.
Buscando entender o processo percorrido pelos intérpretes da Receita
Federal do Brasil, que caminharam pelo processo de interpretação e construção de
sentido no Parecer Normativo n.º 5/2014, partindo do disposto no artigo 14, VI, da Lei
n.º 9.718/1998, passando por outras regras do direito civil brasileiro, para concluir pela
aplicação do regime do lucro real às securitizadoras de títulos e valores mobiliários,
necessita-se investigar o processo de leitura, interpretação e compreensão dos
enunciados do referido dispositivo legal (tomado aqui como objeto).
Interpretar é valorar símbolos, atribuindo significações a objetos. Não se
trata de exclusividade do legislador, mas de todos os que produzem normas e que estão
submetidos a elas. De acordo com Karl Larenz, interpretar é “uma atividade de
mediação, pela qual o intérprete traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe
torna problemático”.241
Outros cientistas entendem que interpretar é algo mais complexo, em que se
busca descobrir o verdadeiro sentido da regra jurídica, procurando a real significação da
definição de conceitos jurídicos. Somos adeptos dessa corrente.
241
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.439.
193
Martin Heidegger242
deixa de lado a hermenêutica normativa, voltando-se
para a filosófica, em que a ontologia passa a ser fundamental no sentido do ser. Para
esse filósofo, a interpretação funda-se na compreensão.
A filosofia hermenêutica percorre três processos básicos, chamados de
funções hermenêuticas: ler, interpretar e compreender. Trata-se de um processo que
deve seguir a ordem exposta; se ocorrer algum obstáculo no primeiro processo, os
outros dois não serão alcançados.
Realizada a leitura do texto (objeto), o segundo passo é a interpretação, que
“consiste em averiguar o sentido coerente do que lemos, com a finalidade de poder
compreendê-lo. A interpretação consiste na aplicação de nossas faculdades
cognoscitivas na captação do sentido de uma realidade, com o objetivo de compreendê-
la”.243
O que se caracteriza na interpretação “é que o intérprete só quer fazer falar o
texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja”.244
Nesse contexto, o intérprete
almeja tão somente conhecer o que a norma prescreve, entendida corretamente no seu
sentido.
Para Gadamer, “o ato de interpretar implica uma produção de um novo
texto, mediante a adição de sentido que o intérprete lhe dá”.245
Trata-se de uma
proposição verdadeira de que todo o processo de interpretação é feito em linguagem de
sobrenível, construída na mente humana, em que se atribui valoração própria do
intérprete nesse processo.
Após a interpretação, considerada como a busca do sentido, o terceiro passo
é a compreensão, que é a fixação ou a captação, na mente humana, desse sentido.
242
Cf. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 190-195. 243
ROBLES, Gregório. O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. São
Paulo: Manole, 2005. p. 50. 244
Entendimento de LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3.
ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 441. 245
Citação feita por Lenio Luiz Streck (Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica
da construção do direito. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 209) sobre Hans-Georg
Gadamer (Verdade e método II. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 405).
194
Compreender é tomar como referência o conteúdo daquilo que se conheceu
e entendeu do texto legal. É atividade que pressupõe a análise experimental de
fenômenos reais e um plus axiológico.246
Para interpretar e compreender as coisas, é necessário partir da linguagem
do direito (objeto), que prescreve direitos e obrigações e regula condutas intersubjetivas.
Entretanto, todo intérprete precisa partir das ideias jurídicas e das possibilidades de
expressão da sua época, considerando o sentido normativo da lei, resguardando ainda as
intenções e as ideias normativas do legislador.
O primeiro contato do intérprete é com a literalidade do texto legal,
percebendo as estruturas morfológicas e gramaticais. Os enunciados prescritivos
observados nessa fase são as orações soltas, com sentido pleno, sem apresentar unidade
completa de significação deôntica.
Após essa primeira visualização, o intérprete começa a ordenar em sua
mente as frases prescritivas, com o objetivo de perceber a ordem de fala.
Karl Larenz nos ensina que “uma interpretação que não se situe já no âmbito
do sentido literal possível já não é interpretação, mas modificações de sentido”.247
Portanto, a interpretação literal ou literalidade textual é o ponto de partida
para o processo hermenêutico, e nessa fase já se apontam limites da atividade
interpretativa, devendo sempre ser trabalhado o direito no campo do possível.
A interpretação literal não é interpretação ainda, haja vista que estamos no
plano da leitura, sem ainda atingir a segunda fase das funções hermenêuticas. Esse
limite traduzido na literalidade deve possibilitar uma interpretação que seja conforme à
ideia de base da norma jurídica, evitando modificações de sentido.
Na linguagem da regra jurídica, pressupõe-se a existência de regras
gramaticais de um dado idioma, com contexto da comunicação, de tal forma que os
246
CARVALHO, Paulo de Barros. Incentivo fiscal: conflito entre estados. Revista Trimestral de Direito
Público, São Paulo: Malheiros, n. 9, p. 131-132, 1995. 247
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamengo. 3. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 454.
195
enunciados aparecem como “formações bem construídas e dotadas de referência
objetiva”.248
Nesse caso, estamos ainda no subsistema da literalidade das regras
jurídicas.
Entretanto, há métodos hermenêuticos que buscam suprir falhas gramaticais
e lógicas existentes nessas regras jurídicas, o que desmistifica essa boa construção
gramatical.
A segunda fase da exegese é a atribuição de valores unitários aos signos
encontrados no texto legal, possibilitando que o intérprete selecione significações e
componha frases portadoras de sentidos.
Nessa segunda fase, nos enveredamos no domínio do plano semântico dos
signos, associando-os e comparando-os com o intuito de estruturar significações
jurídicas. O intérprete procura lidar, por enquanto, com enunciados, isoladamente
compreendidos. Busca encontrar significações de base, novo ponto de partida para os
esforços de contextualização das palavras e das próprias frases.249
Nesse caso, estamos
já no subsistema das significações isoladas de enunciados prescritivos.
Portanto, no plano do conteúdo semântico, encontramos “significações com
referência prescritiva à linguagem da realidade social sem, contudo, possuir capacidade
de regulá-la”.250
No terceiro subsistema de construção da norma jurídica, partimos para o
conjunto articulado das significações normativas, em que o hermeneuta passa a
contextualizar os conteúdos obtidos no processo anterior, com a finalidade de construir
unidades completas de sentido deôntico.
Para construir a norma jurídica na mente do intérprete, é necessário iniciar
pelos enunciados prescritivos, atribuir-lhes valor, extrair deles conteúdos e agrupar
esses enunciados de forma organizada, com o intuito de construir a norma jurídica
248
Entendimento de Paulo de Barros Carvalho sobre a linguagem escrita das regras jurídicas (Direito
tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 66). 249
Ibidem, p. 75.
250 MOUSSALLÉM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 84.
196
completa. Com a criação da norma jurídica, temos as significações de enunciados no
antecedente da regra jurídica. No consequente, constata-se o regramento de condutas
intersubjetivas.
Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, encontramos quatro planos da
linguagem no processo de interpretação e compreensão, e não apenas três:
[...] partindo da interpretação do plano da literalidade textual (S1),
que compõe o texto em sentido estrito, passando, mediante o
processo gerador de sentido, para o plano do conteúdo dos
enunciados prescritivos (S2), até atingir a plena compreensão das
formações normativas (S3), e a forma superior do sistema normativo
(S4), cujo conjunto integra o texto em sentido amplo.251
Destaca-se que para a compreensão do texto legal no processo de
interpretação é necessário existirem no hermeneuta elementos culturais que permitam
uma pré-compreensão do assunto veiculado no texto.
Nesse processo, se partirmos da literalidade do texto disposto no inciso VI
do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, chegaremos à conclusão de que os enunciados
utilizados para atender por critério de identidade a inclusão das securitizadoras de títulos
e valores mobiliários no rol sujeito ao regime de recolhimento de tributos do lucro real
são “compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços”.
Art. 14. Estão obrigadas à apuração do lucro real as pessoas jurídicas:
VI – que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua
de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito,
seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras
de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de
prestação de serviços (factoring) (destacamos).
Todavia, ao enveredarmos para a segunda fase do processo de interpretação,
em que se busca o sentido dado pelo legislador, observa-se que estamos diante de uma
definição da atividade de factoring, visto que há outros enunciados anteriormente
dispostos no texto que compõem a atividade desse instituto de direito privado, como
251
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 165-
166.
197
“atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a
receber”.
No âmbito da compreensão, o legislador nada mais quis senão incluir no rol
do regime do lucro real uma soma de atos que são realizados pelas factorings, que
envolvem serviços e compra de direitos creditórios, ao tratar da conjugação e soma da
expressão “cumulativa”, apresentando a seguinte equação: (1) serviços de assessoria
creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a
pagar e a receber + (2) compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a
prazo ou de prestação de serviços = (3) factoring.
O legislador não tratou somente da atividade de compra de direito
creditório, de maneira em que o intérprete possa, de forma isolada, concluir pela
aplicação do regime do lucro real, pois há uma conjugação de atividades cumulativas
para se definir a atividade de factoring.
Com isso, a interpretação dada pelo Parecer Normativo n.º 5/2014, quanto à
securitizadora de títulos mobiliários, decorre de uma extensão não autorizada pelo artigo
14 da Lei nº 9.718/1998, que não trouxe de forma expressa o enquadramento dessa
modalidade de comercialização de ativos empresariais na obrigatoriedade da apuração
do IRPJ e CSLL pelo lucro real, e por isso fere o princípio da estrita legalidade.252
Ademais, o parecer normativo retroage a fatos geradores pretéritos (desde a
edição da Lei n.º 9.718/1998), o que não teria sentido diante da Solução de Divergência
n.º 8/2011 e seus efeitos de norma geral e concreta, violando inclusive o disposto no
artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007, expedida pelo Ministro da
Fazenda, autoridade superior ao Secretário da Receita Federal.
Acaba por ignorar ainda as Soluções de Consulta editadas durante anos pela
própria Receita Federal do Brasil e confirma a inexistência de norma expressa
252
Artigo 150, I, da CF, visto que o regime jurídico de apuração dos tributos compõem as bases de
cálculo (critério quantitativo da regra matriz de incidência) do IRPJ e da CSLL, como visto neste
trabalho.
198
obrigando as securitizadoras de títulos mobiliários a se submeter ao regime do lucro
real.
Na suposta interpretação realizada pelos agentes da Receita Federal do
Brasil quando da edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, os enunciados do artigo 14,
VI, da Lei n.º 9.718/1998 (signos253
e símbolos254
), analisados e interpretados pela
mesma autoridade administrativa são os mesmos quando da edição da Solução de
Divergência n.º 8/2011, contudo com significado completamente contrário àquele
enunciado pelo intérprete quando do exercício metalinguístico.
Como consequência desse ato enunciativo, sustentamos que não há
legalidade nas normas individuais e concretas expedidas pelos agentes públicos ao se
embasar no Parecer Normativo n.º 5/2014, para exigir o IRPJ e a CSLL no regime de
lucro real das securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
Além dos fundamentos já mencionados, que sustentam essa ausência de
validade e legalidade, não é possível aplicar analogia para se exigirem tributos,
incluindo nessa sistemática os regimes de apuração, haja vista que são componentes da
base de cálculo (critério quantitativo) do IRPJ e da CSLL.
Ademais, não se consegue sob o crivo de apenas um elemento comum, qual
seja a cessão de direitos creditórios fundados em recebíveis originários de títulos de
crédito, afirmar que securitização de títulos e valores mobiliários e factoring são
espécies do gênero fomento mercantil.
253
Signo é um ente que tem o status lógico de relação
, formado por um suporte físico, um significado e uma significação.
A semiótica, denominada de ciência que estuda os signos, apresenta um sistema sígnico dividido em
três planos: (i) o sintático, que estuda as relações entre os signos; (ii) o semântico, que estuda a
relação dos signos com seus objetos; e (iii) o pragmático, que examina a relação dos signos com seus
utentes, quais sejam o emissor e o receptor. Dessa forma, os signos são elementos importantes para o
conhecimento, principalmente para a comunicação entre os homens, feita somente por meio da
linguagem (CARVALHO, Paulo de Barros. Língua e linguagem – signos linguísticos – funções,
formas e tipos de linguagem – hierarquia de linguagens. Filosofia do direito I: apostila de lógica
jurídica. São Paulo: PUC/SP, 2003. p. 13-14). 254
Conceituamos símbolo como uma construção artificial arbitrariamente construída, que não guarda, em
princípio, qualquer relação com o objeto que o símbolo representa.
199
Primeiro, porque a premissa está equivocada, visto que fomento e factoring
possuem a mesma definição, são idênticos em todos os aspectos, divergindo apenas na
acepção da palavra, não existindo gênero e espécie entre eles.
Segundo, porque as distinções entre a securitização e a factoring são
evidentes, já demonstradas neste estudo, seja pela existência de prestação de serviço
neste último não presente na securitização, seja pela estrutura operacional mais
complexa na securitização envolvendo a emissão de debêntures, investidores, empresas
de análise de riscos, entre outras.
Portanto, a interpretação dada no parecer normativo pela equiparação da
securitização de títulos mobiliários com a factoring parte de critérios comuns apenas
quanto ao recebível, passa pela exposição de motivos que sequer fez alterações no texto
legal quanto ao inciso VI do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, ignora todas as outras
diferenças existentes entres esses institutos de direito privado, para concluir pela
inclusão da atividade de securitização de ativos empresariais no lucro real, não fazendo
menção aos outros atos enunciativos de legalidade produzidos até então pela própria
Receita Federal do Brasil.
Essa forma de tratar o assunto causa uma frustração jurídica no setor
econômico, porque é evidente que falta seriedade nesse país para tratar os assuntos
fiscais, haja vista que a própria Receita Federal ignorou princípios e regras jurídicas em
prol da oportunidade e conveniência, pelo simples intuito da necessidade de arrecadação
para cobrir rombos no orçamento do governo federal.
O remédio para isso é o questionamento jurídico pelos contribuintes, no
âmbito administrativo e judicial, como forma de buscar o restabelecimento da
legalidade, a obediência aos princípios constitucionais e o zelo pela segurança jurídica.
Resistam, contribuintes, às ilegalidades e abusos impostos pela União Federal!
O sistema jurídico contempla uma ampla gama de normas, princípios e
regras jurídicas, determinados hierarquicamente. Segundo esse sistema, uma norma
encontra seu fundamento de validade em outra (s), e esta se assenta em princípios, e os
princípios repousam em sobreprincípios, até chegar à norma hipotética fundamental
200
criada por Hans Kelsen,255
como forma de fechar o sistema jurídico, pois essa norma se
encontra no ápice da pirâmide jurídica.256
Consideramos que a expressão “sobreprincípio” é atribuída aos princípios
que possuem maior carga valorativa no sistema jurídico, encontrando-se em um plano
hierárquico acima dos outros princípios, uma vez que regem todo o ordenamento
jurídico, servindo de vigas mestras enraizadas implicitamente na “alma” de todas as
normas jurídicas. A título de exemplificação, temos como sobreprincípio a justiça, a
certeza do direito e a segurança jurídica.257
O sobreprincípio da segurança jurídica, que traz a imagem de proteção do
cidadão em razão do Estado de Direito, exigível a qualquer ato de poder (Legislativo,
Executivo e Judiciário), tem como premissa a garantia da estabilidade jurídica e a
previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos do Poder
Público. O que exigiria, no fundo, seria: 1) fiabilidade, clareza, racionalidade e
transparência dos atos de poder; 2) de forma que, em relação a eles, o cidadão veja
garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos de seus
próprios atos.258
Sobre a segurança jurídica, Humberto Ávila259
nos ensina que, a despeito de
esse princípio possuir ambiguidade e vagueza, a Carta Magna não só protege a
segurança jurídica, mas também a consubstancia, ao definir as autoridades competentes,
os atos normativos a serem expedidos, os procedimentos, as matérias, com o intuito de
clareza, regramento e potencialização dos ideais de conhecimento e confiança
normativa. Desta feita, a segurança jurídica é protegida no âmbito constitucional em
várias dimensões, como a segurança do Direito, pelo Direito, perante o Direito, dos
Direitos e como um direito.
255
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 215. 256
Entendimento de Paulo de Barros Carvalho, que demonstra a presença da norma fundamental no ápice
da pirâmide construída. 257
BORGES, José Souto Maior. Princípio da segurança jurídica na criação e aplicação do tributo. Revista
de Direito Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 63, p. 206, 1993. 258
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1998. p. 109 e 255-256. 259
ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito
tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 678-680.
201
Ao analisarmos os enunciados da Constituição Federal de 1988, estaremos
diante de regras que trazem em maior ou menor medida (de forma implícita ou
explícita) a segurança jurídica. Os princípios da legalidade, o devido processo legal, a
supremacia da lei, a reserva de lei, a anterioridade da lei, a vigência da lei, a
irretroatividade e ultra-atividade da lei, a legalidade administrativa (artigo 37, caput,
CF/1988) e a legalidade tributária são exemplos.260
A nosso ver, esses princípios afirmam e confirmam a existência da segurança
jurídica no nosso ordenamento jurídico como um verdadeiro sobreprincípio.
Não obstante a importante existência desses princípios e sobreprincípios em
nosso ordenamento jurídico, a sociedade não pode tolerar a mudança de regras ou
interpretações sem qualquer justificativa, pelo simples oportunismo e conveniência.
Zelar pela estabilidade do ordenamento jurídico é missão constitucional dos
administradores públicos, pois há regras e diretrizes para qualquer mudança, em seu
tempo, espaço, forma e mediante motivação, tudo isso regido pela lei, mas que não se
viu na edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.
4.7 Autuações das securitizadoras de títulos e valores mobiliários pela Receita
Federal do Brasil
Algumas securitizadoras de títulos mobiliários passaram por autuações pela
Receita Federal do Brasil nos últimos anos.261
A maioria das autuadas sofreu
lançamento por suposta prática simulada de atividade de factoring, a despeito de estar
sob o aspecto formal na atividade de securitização de títulos e valores mobiliários;
outras foram autuadas com fundamento no Parecer Normativo n.º 5/2014, em relação a
fatos pretéritos à edição do parecer.
Em todos os casos o fisco exigiu a diferença de recolhimento do IRPJ e da
CSLL com base no lucro real, descontando os valores recolhidos a título de lucro
260
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed.
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 487. 261
Podemos apontar o Processo Administrativo n.º 11020.721197/2012-44 (caso Lorefac); Processo
Administrativo n.º 16327.720.915/2014-04 (caso MR); Processo Administrativo n.º
10920.003613/2010-5 (1.º caso Taipa), Processo Administrativo n.º 10920.721.367/2013-65 (2.º caso
Taipa), Processo n.º 10920.720870/2014-84 (caso Barcelona), entre outros.
202
presumido, recompondo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL para considerar custos e
despesas necessárias apresentadas pelas empresas autuadas, nos casos em que os
contribuintes possuíam os registros dessas despesas e custos em contabilidade.
No tocante ao PIS/Pasep e à Cofins, a fiscalização, nos casos de equiparação
das securitizadoras às factorings (Parecer Normativo n.º 5/2014) e nas hipóteses de
simulação (securitizadoras exercendo supostamente a atividade simulada de factoring),
aplicaram a essas contribuições o regime não cumulativo, em razão do enquadramento
no regime do lucro real que se submetem as factorings.
Como visto, no regime não cumulativo as alíquotas de 1,65% (PIS) e 7,6%
(Cofins) são superiores às alíquotas de 0,65% (PIS) e 3% (Cofins) adotadas no regime
cumulativo. Com isso, a fiscalização exigiu a diferença desses tributos nos lançamentos
fiscais, como insuficiência de recolhimento dessas contribuições.
Destacamos três autuações262
que merecem análise, pois nelas são usados
três fundamentos e critérios distintos.
A primeira reconhece que a autuada é uma securitizadora de títulos e valores
mobiliários, sujeita ao lucro presumido, porém aplicou bases de cálculo presumidas de
forma equivocada, ou seja, considerou em 32% o lucro presumido existente nas bases
de cálculo do IRPJ e da CSLL:
a) Processo Administrativo n.º 10920.003613/2010-51263
Termo de Verificação Fiscal:
[...]
3.1 Aplicação indevida de coeficiente de determinação do lucro.
Lucro presumido
A fiscalizada desenvolve a atividade de securitização. Para se
determinar a forma de apuração da receita bruta dessa atividade, é
necessário compreender como ocorrem as operações nela realizadas.
Nesse sentido, tem-se que as securitizadoras são instituições não
financeiras, cuja atividade consiste na conversão de um grupo de
262
Informamos que, a despeito de os processos administrativos gozarem de sigilo fiscal, as informações
foram obtidas dos advogados atuantes nos processos administrativos, após autorização das empresas
autuadas. 263
Primeira autuação da Taipa Securitizadora S.A. (1.º caso Taipa).
203
ativos (créditos) gerados por uma determinada empresa (originadora)
em títulos mobiliários passíveis de negociação. Isso provoca a
transformação de títulos de pouca liquidez em títulos mobiliários
líquidos, com a transferência dos riscos associados aqueles, aos
compradores destes. A securitização corresponde, assim, à emissão de
títulos mobiliários lastreados em recebíveis comerciais, com a
consequente distribuição dos riscos de um único credor para vários.
Daí decorre que as companhias securitizadoras têm como principal
atividade a compra de direitos creditórios, ao que é associado o
gerenciamento de créditos (gestão de crédito e a seleção de riscos).
Em razão disso, as atividades desenvolvidas as assemelham as
empresas de factoring (aquisição de direitos de crédito e
gerenciamento de riscos). A principal receita das empresas de
factoring consiste na diferença entre o valor de face do título e o valor
pelo qual ele é adquirido. Por analogia, é razoável que as
securitizadoras apurem a receita da mesma forma. Por conseguinte, a
apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL das securitizadoras
também seguem as disposições aplicáveis, salvo disposições legais
expressas ao contrário, às empresas de factoring. Aqui cabe esclarecer
que as empresas de factoring estão obrigadas à apuração do lucro real,
obrigação esta que não existia para as securitizadoras nos anos-
calendário de 2007 e 2008. As securitizadoras estão obrigadas a
apurar o lucro real a partir da publicação da Medida Provisória n.º
472, de 15.12.2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010. Embora
obrigadas ao lucro real, os dispositivos legais abaixo apresentam o
percentual de presunção do lucro da atividade de factoring. Esse
percentual é utilizado pelas empresas de factoring que optam pela
apuração anual do imposto para o pagamento mensal de estimativas de
IRPJ e para o cálculo do IRPJ na apuração do lucro arbitrado, que
nada mais é do que os percentuais do lucro presumido majorados em
20%. Os dispositivos legais estão mostrados abaixo (grifou-se):
[...]
Pelos motivos e dispositivos legais acima mencionados e conforme o
disposto no artigo 108, inciso I, da Lei n.º 5.172/1966 – Código
Tributário Nacional, a base de cálculo do IRPJ lucro presumido para
as pessoas jurídicas que desenvolvem a atividade de securitização é o
resultado da aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta. A
receita bruta consiste na diferença entre o valor de face do título e o
valor pelo qual ele é adquirido.
3.2 Aplicação indevida de coeficiente de determinação da base de
cálculo da CSLL. Apuração reflexa
Os mesmos argumentos mencionados no item acima se aplicam para a
apuração da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido – CSLL. Os
dispositivos legais aplicáveis no caso da CSLL são mostrados abaixo
(grifou-se).
[...]
Pelos motivos e dispositivos legais acima mencionados e conforme o
disposto no artigo 108, inciso I, da Lei n.º 5.172/1966 – Código
Tributário Nacional, a base de cálculo da CSLL lucro presumido para
as pessoas jurídicas que desenvolvem a atividade de securitização é o
resultado da aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta. A
204
receita bruta consiste na diferença entre o valor de face do título e o
valor pelo qual ele é adquirido (destacamos).
A mencionada autuação equivocou-se quanto à inclusão da atividade de
securitização como prestadora de serviço. Diante desse erro, a DRJ cancelou a autuação
fiscal, sendo convalidada a decisão de primeira instância administrativa por acórdão do
CARF, analisados no item seguinte.
Como mencionado neste estudo, as securitizadoras de ativos empresariais
ou valores mobiliários estão submetidas à obrigação de dar (ceder), e não de fazer,
portanto devem ser enquadradas nas alíquotas de 8% e 12% da base de cálculo
presumida do IRPJ e da CSLL, respectivamente, e não de 32% relativa às prestadoras de
serviços.
Na segunda autuação ora comentada, a fiscalização baseou-se tão somente
nos enunciados do Parecer Normativo n.º 5/2014, reproduzindo os mesmos
fundamentos desse ato editado pelo Secretário da Receita Federal do Brasil:
b) Processo Administrativo n.º 16327.720.915/2014-04
Termo de Verificação Fiscal:
[...]
Tem-se, portanto, que, em se tratando de direitos creditórios
comerciais, tanto a securitização quanto a faturização operam a
compra de direitos creditórios originados de vendas a prazo de bens e
serviços, configurando modalidades distintas de fomento mercantil
que só se distinguem pela destinação dos títulos adquiridos, ou seja, a
securitização se caracteriza pela formação de lastro para os títulos
mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira
própria. Contudo, em ambos os casos a aquisição de recebíveis
comerciais é regida pelas mesmas regras, dispostas nos arts. 287 e 295
do Código Civil.
Nesse diapasão, a Secretaria da Receita Federal do Brasil tem se
manifestado, através do Parecer Normativo COSIT n.º 5, de
10.04.2014, nos seguintes termos: [...]
Dessa forma, não há qualquer justificativa para conferir tratamentos
tributários distintos a empresas que exerçam atividade de securitização
de créditos comerciais.
Por essa razão, e por se tratar de empresas dedicadas à compra de
direitos creditórios originários de vendas a prazo de bens e serviços,
tal como disposto no art. 14, inciso VI, da Lei n.º 9.718, já descrito
acima, as securitizadoras de direitos creditórios comerciais sujeitam-se
205
à tributação obrigatória pelo lucro real, assim como as faturizadoras.
Cabe-lhes o mesmo tratamento tributário.
Mas a forma como as “novas securitizadoras” estão operando em nada
difere das operações típicas de fomento mercantil. Elas contatam
empresas do ramo industrial, comercial e de prestação de serviços
com uma carteira de títulos a receber, negociam a compra desses
títulos por um preço à vista com deságio e só concretizam a operação
após entrar em contato com os clientes devedores para confirmar a
veracidade do título e da entrega do bem ou serviço, ou seja, de que a
dívida existe de fato, para então fechar o negócio.
Como em geral o título já foi emitido e o serviço prestado ou o bem
entregue ou prestes a ser, e o prazo de vencimento da obrigação está
próximo, a questão de semanas, não há tempo hábil para se securitizar
os títulos mediante a emissão de certificados de recebíveis e
identificar eventuais investidores interessados. Esse processo levaria
dias e a empresa credora se compromete, em contrato, a readquirir os
títulos que não forem honrados pelo devedor no prazo de vencimento.
De forma que não há como se falar em securitização desses títulos.
Trata-se de operações de fomento mercantil puro e simples.
O que nos chama a atenção no Termo de Verificação Fiscal supra são os
mesmos fundamentos trazidos no Parecer Normativo n.º 5/2014, apontando que as
regras do direito civil são as mesmas aplicadas em ambas as modalidades (securitização
e factoring), porém da mesma forma omite a existência da Solução de Divergência n.º
8/2011, aplicada aos fatos geradores objeto da autuação (2009, 2010 e 2011). Assim, o
fisco fundamenta o lançamento fiscal com aquilo que lhe é conveniente, o que reforça a
tese da falta de seriedade, moralidade administrativa e boa-fé da Administração Pública.
Sobre esse princípio, Bandeira de Mello destaca a impossibilidade de a
Administração Pública agir de modo malicioso e/ou astucioso:
De acordo com ele (Hauriou) a Administração e seus agentes têm de
atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará
violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a
conduta viciada à invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros
de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição.
Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados
princípios da lealdade e da boa-fé, tão oportunamente encarecidos
pelo mestre espanhol Jesus Gonzáles Peres em monografia preciosa.
Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá
de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza
sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de
206
malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o
exercício de direitos por parte dos cidadãos. 264
Na terceira autuação, a fiscalização considerou que a autuada, na verdade,
agia como uma factoring, não exercendo a atividade de securitizadora de valores
mobiliários:
c) Processo Administrativo n.º 10920.721.367/2013-65
[...]
11.1 IRPJ. Opção indevida pelo lucro presumido. Não declaração de
resultados operacionais
A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório
(factoring), atividade essa que a obriga à tributação no regime do
Lucro Real. No entanto, a fiscalizada simulou outra atividade e optou
indevidamente pelo regime do Lucro Presumido. Comprovada a
simulação, a fiscalizada foi intimada a apresentar a apuração dos seus
tributos no regime do Lucro Real. [...]
11.2 CSLL. Opção indevida pelo lucro presumido. Não
Declaração de resultados operacionais
A opção indevida pelo Lucro Presumido também levou a fiscalizada a
apurar incorretamente a CSLL, que também será objeto de lançamento
de ofício no regime do lucro Real.
11.3 Cofins. Insuficiência de recolhimento
A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório
(factoring), atividade essa que obriga as pessoas jurídicas que a
desenvolvem a apurar o lucro no regime do Lucro Real e a apurar a
Cofins no regime NÃO CUMULATIVO. Assim, a simulação
realizada pela fiscalizada, e a opção indevida pelo Lucro Presumido,
repercutiram também na Cofins, apurada incorretamente pelo regime
cumulativo.
11.4 Contribuição para o PIS. Insuficiência de recolhimento
A fiscalizada desenvolve a atividade de aquisição de direito creditório
(factoring), atividade essa que obriga as pessoas jurídicas que a
desenvolvem a apurar o lucro no regime do Lucro Real e a apurar a
Contribuição para o P15 no regime NÃO CUMULATIVO. Assim, a
simulação realizada pela fiscalizada, e a opção indevida pelo Lucro
Presumido, repercutiram também na Contribuição para o PIS, apurada
incorretamente pelo regime cumulativo. [...]
264
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 61.
207
Identificamos no caso citado, após ter acesso aos autos do processo
administrativo, situação que desabona o trabalho da fiscalização.
O auditor do lançamento fiscal relativo à segunda fase das autuações da
Taipa é o mesmo que realizou o lançamento da primeira autuação. No primeiro
lançamento fiscal o agente fiscal certificou que a empresa era uma securitizadora de
valores mobiliários em todos os seus aspectos, portanto poderia optar pelo lucro
presumido, como visto no Termo de Verificação Fiscal transcrito do Processo
Administrativo n.º 10920.003613/2010-51.
Na segunda autuação, o mesmo auditor muda toda a sua versão factual e
fundamentação para afirmar que a empresa agia de forma simulada como factoring,
portanto estaria sujeita à apuração pelo lucro real.
Após breve leitura dos documentos (provas) existentes nos dois processos
administrativos,265
constata-se que os contratos firmados com os originadores dos
créditos, os nomes dos clientes devedores, os nomes dos investidores, a emissão de
debêntures, os Termos de Securitização, os registros contábeis e as cláusulas de
recompra dos créditos pelos originadores possuíam a mesma roupagem linguística em
todos os períodos-base fiscalizados pelo mesmo auditor, sendo inclusive em quantidade
maior o número de contratos, investidores, emissão de debêntures, em períodos
fiscalizados na segunda autuação. Isso denota falta de critério do agente autuante.
Diante disso, o resultado da fiscalização foi a certificação da securitização
em operações realizadas em 2007 e 2008, aceitando o regime do lucro presumido, e, em
períodos subsequentes (2009, 2010 e 2011), entendeu-se pela simulação com a atividade
de factoring, lavrando em ambos os casos atuações com fundamentos e critérios
distintos. No primeiro caso aplicou a base de cálculo presumida de 32% para o IRPJ e
CSLL, enquanto no segundo caso considerou a atividade como simulada de factoring,
exigindo os tributos com base no regime do lucro real.
265
Por questão de sigilo fiscal não serão objeto de análise objetiva as autuações, até mesmo porque os
processos administrativos ainda estão tramitando e este autor não possui a intenção de realizar a
valoração de provas desses casos, apenas constatar a existência delas nos processos administrativos
ora analisados.
208
Do ponto de vista jurídico, falta coerência. Ou o juízo de valor das provas266
na primeira autuação estava equivocado, valendo a segunda leitura feita na segunda
autuação; ou a primeira autuação atesta a atividade de securitização e a segunda
autuação encontra-se equivocada quanto à análise das provas e à simulação, utilizando-
se dessa conclusão aspectos lógicos em razão da linguagem existente nos documentos
trazidos nos autos processuais.
Ademais, destaca-se que as referidas autuações se deram com aplicação de
multa de ofício. No caso das empresas que supostamente praticaram simulação, segundo
o entendimento do agente autuante, as multas foram de 150%,267
sob o fundamento de
existir fraude pela prática aparente de atividade de securitização sob a essência do
fomento mercantil.
Por sua vez, na multa de ofício aplicada em face da empresa autuada em
razão do Parecer Normativo n.º 05/2014, a fiscalização considerou a penalidade em
75%, não existindo dolo, fraude ou simulação, incidindo apenas o disposto no artigo 44,
I,268
da Lei n.º 9.430/1996.
Não obstante os lançamentos terem presunção de validade, até ulterior
análise, especificamente no caso do lançamento fundado no Parecer Normativo n.º
5/2014, deveria o agente autuante aplicar o disposto na Instrução Normativa n.º
1.396/2014, visto que a Solução de Divergência n.º 8/2011, editada pela Receita
Federal, possui efeitos gerais e amplos aos contribuintes, e, a partir daí, verificar se o
266
Conforme estudo feito pela Professora Fabiana Tomé, não é possível apreciar uma prova, interpretar o
direito, sem interferência de subjetividade, da cultura acumulada pelo julgador ou aplicado do direito.
Esse agente que vive em sociedade, observando os acontecimentos e vivenciando experimentos
diversos, utiliza-se desse conteúdo cultural adquirido ao avaliar as provas, interpretar o direito e
aplicá-lo (A prova no direito tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011/2012. p. 300). 267
“Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:
§ 1.º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput desde artigo será duplicado nos casos
previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n.º 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de
outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.”
“Art. 72. Fraude é toda ação ou emissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas
características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir seu
pagamento.” 268
“I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou
contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de
declaração inexata.”
209
contribuinte se enquadrou ou não no entendimento fixado pela Receita Federal do
Brasil.
O princípio da não surpresa é corolário do sistema jurídico brasileiro, e não
pode ser desrespeitado, ainda mais quando se aplica multa de ofício sob exigência de
tributos que foram recolhidos pelo regime jurídico que a própria Receita Federal
entendia como passível de ser adotado nos períodos anteriores à mudança de
entendimento.
Em razão disso, a multa de ofício aplicada nas autuações fiscais sob o
fundamento do disposto no Parecer Normativo n.º 5/2014, em fatos jurídicos tributários
pretéritos à sua edição, deve ser declarada inválida, pela inexistência de
descumprimento normativo quanto à falta de recolhimento de tributos pela sistemática
do lucro presumido.
Quanto aos casos de simulação, caberá ao julgador administrativo a análise
da multa de ofício, fazendo a valoração das provas e fatos trazidos nos autos de forma a
confirmar ou afastar a simulação ou fraude na atividade de securitização.
4.8 Decisões administrativas quanto às autuações fiscais das securitizadoras de
títulos e valores mobiliários
Ainda de maneira desprovida de aprofundamento sobre o tema, os órgãos
julgadores estão enfrentando as autuações realizadas pela Receita Federal do Brasil
quanto à tributação das securitizadoras e o enquadramento dessa atividade na
sistemática do lucro real ou presumido.
Em razão de a matéria ainda ser recente, não identificamos decisões que
pudessem servir de base para a construção de jurisprudência desses órgãos de
julgamento.
Essa ausência de edição de normas individuais e concretas pelos julgadores
agrava a falta de resposta pelo Poder Público, mantém incertezas jurídicas e não restaura
a ordem e a legalidade.
210
Não obstante, trabalhando com aquilo que já fora decidido sobre a matéria,
cumpre-nos debruçar sobre as decisões proferidas sobre as distinções reconhecidas entre
as atividades das securitizadoras e dos factorigs, tratando-se dos primeiros passos para a
consolidação de entendimento de que estas não são idênticas e poderão ser submetidas a
diferentes regimes de apuração e recolhimento de tributos.
4.8.1 12.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 10-39.873 da 5.ª Turma da
DRJ/POA – distinções entre securitizadoras e factorings
O décimo ato enunciativo de legalidade se deu com a decisão proferida pela
Delegacia da Receita Federal de Julgamento, que reconheceu que as atividades de
factoring e securitização de créditos mobiliários são diferentes, permitindo regimes
distintos de tributação entre elas:
Assunto: Normas gerais de direito tributário
Ano-calendário: 2008, 2009, 2010
Simulação
Comprovada a simulação por meio do conjunto indiciário
convergente, cabe à Fazenda Pública desconsiderar os efeitos dos atos
viciados, para que se operem consequências no plano da eficácia
tributária.
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2008, 2009, 2010
Securitização de ativos empresariais e factoring.
A essência na atividade de securitização está na conversão de
determinados créditos em lastro, suporte e garantia para a emissão de
títulos e valores mobiliários, os quais, no caso de ativos empresariais,
formalizam-se como debêntures. Indicando o conjunto probatório que
o lastro para a emissão e a aquisição das debêntures eram apenas
formais, sem substância negocial, a atividade descortina-se em uma
operação de fomento mercantil.
Factoring. Lucro real.
A pessoa jurídica que explora a atividade de factoring está obrigada à
apuração do imposto de renda pela forma do lucro real, baseada na
escrituração contábil.269
269
Acórdão n.º 10-39.873, 5.ª Turma da DRJ/POA, Processo 11020.721197/2012-44, Sessão de
26.07.2012. Caso Lorefac.
211
Como mencionado neste estudo, a Receita Federal do Brasil autuou
algumas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, por entender que realizavam,
na verdade, atividade de fomento mercantil, utilizando-se da simulação.
O que devemos extrair da decisão supra é que houve o reconhecimento da
distinção das atividades, que só não foi reconhecida a sistemática do lucro presumido
para o contribuinte autuado porque supostamente se estaria praticando a atividade de
fomento mercantil. Questões tipicamente de análise de fatos e provas trazidos nos autos.
Destaca-se da decisão, além da distinção das atividades, a menção à Solução
de Divergência Cosit n.º 08/2011, como fundamento relevante:
O centro do litígio é a definição da real atividade da autuada –
securitizadora ou de fomento mercantil – factoring e a respectiva
tributação dos resultados e das receitas.
O autuante e a defesa apresentaram conceitos sobre o tema em litígio.
Acrescentem-se as descrições que estão na Solução de Divergência n.º
8 – Cosit/RFB:
6.1 [...] a definição da atividade de factoring é a seguinte:
a) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de
contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes
de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).
6.2 Já a operação de securitização, em síntese, compreende um
processo por meio do qual uma sociedade, com o objetivo de antecipar
o recebimento de seus créditos vincendos, agrupa determinados
direitos creditórios e os transfere, com determinado deságio, a uma
sociedade de propósito específico (securitizadora).
A adquirente, tendo por lastro os referidos créditos e a fim de captar
recursos no mercado de capitais, emite títulos e valores mobiliários.
Outro ponto que merece destaque da decisão é a consciência dos julgadores
da DRJ quanto às distinções entre as atividades de factoring e securitização,
descrevendo com detalhes cada uma delas, identificando a semelhança, mas que não
leva à confusão ou equiparação entre elas, como ocorreu no Parecer Normativo n.º
5/2014:
Apesar das óbvias diferenças entre as operações de securitização e
fomento mercantil, recentemente têm-se observado iniciativas isoladas
no mercado de fomento mercantil, no sentido de se utilizar a
securitização em uma estrutura desnaturada, com intuitos diversos
daqueles para os quais a operação se presta. Com efeito, enquanto a
212
operação de fomento mercantil, como o próprio nome leva a entender,
tem por objetivo estímulo à atividade empresarial por meio de
atividades de consultoria e assessoria empresariais e creditícias,
aliadas ao desconto antecipado de títulos, a função da securitização é a
de segregar ativos para emissões de títulos ou valores mobiliários no
mercado de capitais (mesmos princípios do FIDC – por EJS). Embora
possa-se vislumbrar uma semelhança inicial entre a securitização e o
factoring, uma vez que ambos, via de regra, contam com uma cessão
de créditos ou contratos inicialmente, as semelhanças esgotam-se
nessa fase.
No fomento mercantil, após a cessão, a sociedade cessionária passa a
administrar o crédito, por sua conta e risco, até a sua extinção por
pagamento ou outro meio extintivo de obrigações.
No caso da securitização, a cessão de créditos a um veículo de
propósito específico marca apenas o início da operação, que terá seu
ápice na emissão e compra dos valores mobiliários lastreados nos
créditos cedidos pelos investidores. Assim, ainda que se procure, por
meio de contratos ou outros instrumentos jurídicos, transmutar uma
operação de fomento em securitização, materialmente torna-se fácil
distinguir aquelas operações que realmente – e não apenas
formalmente – podem ser caracterizadas como securitização, uma vez
que cumprem plenamente sua função econômica, daquelas que se
transvestem de securitização com intuito de se beneficiar de seu
regime jurídico específico (destacamos).
Nota-se que o acórdão utiliza expressões muito fortes do ponto de vista
jurídico, como “óbvias diferenças”, “embora possa-se vislumbrar uma semelhança
inicial entre a securitização e o factoring”, “as semelhanças se esgotam nessa fase”.
Isso apenas reforça a tese de que o parecer normativo editado pela Fazenda
é desprovido de sustentação jurídica, submetido a ilegalidades, violador de princípios da
irretroatividade, da estrita legalidade, da moralidade administrativa, da boa-fé e da
segurança jurídica.
4.8.2 13.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 14-45.449 da 5.ª Turma da DRJ
de Ribeirão Preto – identificação da base de cálculo presumida
O décimo terceiro ato enunciativo de legalidade foi proferido pela DRJ no
Acórdão n.º 14-45.499, de 10.10.2013, que cancelou integralmente o lançamento fiscal,
reconhecendo que os percentuais presumidos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL
das securitizadoras de títulos mobiliários não se enquadram como prestação de serviços:
213
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2007, 2008
Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.
Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas
jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram
atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir
da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.
O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de
8%.
CSLL. Lançamento reflexo.
Inexistindo disposição específica, aplica-se à Contribuição Social
sobre o Lucro, CSLL, o decido no IRPJ.
Impugnação procedente.
Observa-se que não há qualquer discussão sobre os regimes de apuração do
IRPJ e da CSLL (lucro real x lucro presumido), até mesmo porque a decisão da DRJ
deixa bem evidentes as distinções entre factoring e securitização de ativos empresariais,
reconhecendo que essas atividades não podem ser confundidas, sendo que a primeira
possui, além da cessão de créditos empresariais, a prestação de serviços, enquanto as
securitizadoras se restringem apenas à cessão do crédito, emissão de títulos e valores
mobiliários para captação de recursos de investidores.
Vejamos o que constou no voto do Acórdão n.º 14-45.499 da 5.ª Turma da
DRJ/Ribeirão Preto, que cancelou o lançamento fiscal:
Pela leitura das citadas ementas, infere-se que há divergência entre as
regiões fiscais no tocante a dois pontos em relação às securitizadoras:
- determinação da receita bruta para fins de apuração das bases de
cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na sistemática de
tributação com base no lucro presumido; e
- percentual de presunção a ser aplicado sobre a mencionada receita
bruta.
6. No que tange ao primeiro ponto, a Disit/SRRF09 entende por
receita bruta a diferença entre o valor de face e o valor de aquisição do
título ou direito creditório objeto da operação de securitização. Como
argumento para tal tese, cita o Ato Declaratório Normativo (ADN)
Cosit n.º 31, de 24 de dezembro de 1997, o Ato Declaratório (AD)
SRF n.º 009, de 23 de fevereiro de 2000, e o Decreto n.º 4.524, de 17
de dezembro de 2002.
6.1 No entanto, os atos mencionados dizem respeito à atividade
desenvolvida pelas empresas de fomento comercial (factoring), que
não se confundem com as securitizadoras. De acordo com art. 15, §
214
1.º, inciso III, alínea “d”, da Lei n.º 9.249, de 26 de dezembro de
1995, a definição da atividade de factoring é a seguinte:
“d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria
creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos,
administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos
creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação
de serviços (factoring).”
6.2 Já a operação de securitização, em síntese, compreende um
processo por meio do qual uma sociedade, com o objetivo de
antecipar o recebimento de seus créditos vincendos, agrupa
determinados direitos creditórios e os transfere, com determinado
deságio, a uma sociedade de propósito específico (securitizadora). A
adquirente, tendo por lastro os referidos créditos e a fim de captar
recursos no mercado de captais, emite títulos e valores mobiliários.
6.3 Nesse sentido, a Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, assim
definiu a securitização de créditos imobiliários:
“Art. 3.º As companhias securitizadoras de créditos imobiliários,
instituições não financeiras constituídas sob a forma de sociedade por
ações, terão por finalidade a aquisição e securitização desses créditos
e a emissão e colocação, no mercado financeiro, de Certificados de
Recebíveis Imobiliários, podendo emitir outros títulos de crédito,
realizar negócios e prestar serviços compatíveis com as suas
atividades”.
6.4 Dessa forma, não há como fazer uso das normas que
regulamentam a atividade de factoring para aplicá-las às
securitizadoras, pois estas não prestam de forma cumulativa as
atividades relacionadas no art. 15, § 1.º, inciso III, alínea “d”, da Lei
n.º 9.249, de 1995. São, portanto, operações distintas.
6.5 Feita a devida diferenciação, cabe ratificar o entendimento exposto
pelas Soluções de Consulta Disit/SRRF08 n.º 33, de 2009, e
Disit/SRRF10 n.º 47, de 2008, quando afirmam que inexiste base legal
para excluir da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição
dos direitos creditórios para efeito de apuração das bases de cálculo do
IRPJ e da CSLL no regime de lucro presumido.
(...)
7. Em relação ao percentual de presunção a ser aplicado sobre a
receita bruta para a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL,
a Disit/SRRF09 decidiu que este seria de 32%, relativo à prestação de
serviços em geral, conforme o disposto nos arts. 25, inciso I, e 29,
inciso I, da Lei n.º 9.430, de 1996, combinados com os arts. 15, § 1.º,
inciso III, alínea “a”, e 20 da Lei n.º 9.249, de 1995.
7.1 Todavia, cabe observar que, na operação de securitização, há uma
compra e venda de créditos vincendos, como descrito anteriormente.
A sociedade securitizadora adquire os direitos creditórios com
deságio, passa a ser a legítima credora e os recebe diretamente dos
devedores pelo valor de face do título cedido. Dessa forma, por não se
tratar de atividade caracterizada como prestação de serviços, o caso
enquadra-se na regra geral para fins de opção pelo lucro presumido.
Assim, o percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta
para a apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL é de 8% e
12%, respectivamente (destacamos).
215
Nesses termos, o décimo terceiro ato enunciativo de legalidade foi expedido
por julgadores em primeira instância administrativa (DRJ), órgão vinculado à Receita
Federal do Brasil, em que reconheceram a insustentabilidade do lançamento fiscal,
firmando entendimento de que as securitizadoras são distintas das empresas de
factorings, submetendo-se a uma base de cálculo presumida de IRPJ em 8% e de CSLL
de 12%, caso optem pelo regime do lucro presumido.
4.8.3 14.º ato enunciativo de legalidade: Acórdão n.º 1402-002.005 do CARF –
identificação da base de cálculo presumida
O décimo quarto ato enunciativo de legalidade é o Acórdão n.º 1402-
002.005, proferido em 10.12.2015, pela 2.ª Turma Ordinária da 4.ª Câmara da 1.ª Seção
do CARF, sob a relatoria do Conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto:
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
Ano-calendário: 2007, 2008
Recurso voluntário. Falta de interesse de agir.
Tratando-se de recurso voluntário interposto em face de acórdão de
primeira instância que exonerou a totalidade do crédito tributário em
litígio, o mesmo não deve ser conhecido ante a falta de interesse de
agir da recorrente. Eventuais falhas no cumprimento das decisões
devem ser sanadas no âmbito da unidade encarregada da execução do
acórdão.
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2007, 2008
Securitização. Lucro presumido. Base de cálculo.
Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas
jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram
atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir
da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios.
O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de
8%.
CSLL. Lançamento reflexo.
216
Inexistindo disposição específica, aplica-se à Contribuição Social
sobre o Lucro, CSLL, o decido no IRPJ. Recurso de Ofício Negado.270
Destaca-se no voto do referido Conselheiro Relator o reconhecimento do
regime do lucro presumido para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários:
Compulsando os autos, entendo que a decisão recorrida deve ser
confirmada pelos seus próprios fundamentos.
Conforme se observa, a própria RFB firmou entendimento de que, se
tratando de pessoa jurídica cuja atividade é a securitização, o
coeficiente de presunção aplicável para fins de determinação do IRPJ
e da CSLL para os optantes pelo lucro presumido é de 8% e 12%,
respectivamente.
Os demais fundamentos trazidos no acórdão do CARF foram avocados da
decisão da DRJ, analisada supra, quando tratamos do décimo terceiro ato enunciativo
de legalidade. O referido acórdão teve seu trânsito em julgado administrativo,
submetendo o crédito tributário à extinção nos termos do artigo 156, IX, do Código
Tributário Nacional, que cuida “da decisão administrativa irreformável, assim entendida
a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”.
4.9 Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014 da Receita Federal do Brasil –
aplicação do regime do lucro real com efeito retroativo
Destaca-se ainda que, após a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, a
Receita Federal do Brasil foi submetida a responder consulta fiscal a respeito da
interpretação da legislação tributária fiscal sobre o mesmo tema já veiculado no parecer:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ementa: Securitização. Lucro real. O parecer normativo, por se tratar
de ato interpretativo, possui natureza apenas declaratória, o que faz
com que sua eficácia retroaja ao momento em que a norma por ele
interpretada começou a produzir efeitos. Por essa razão, a
obrigatoriedade de adoção do lucro real pelas pessoas jurídicas que
explorem a atividade de securitização de créditos comerciais, de que
trata o Parecer Normativo Cosit n.º 5, de 2014, subsiste desde a
entrada em vigor do art. 14, VI, da Lei n.º 9.718, de 1998.
270
Processo n.º 10920.003613/2010-51, 2.ª Turma, 4.ª Câmara, 1.ª Seção do CARF, j. 10.12.2015.
Disponível em: <https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/
listaJurisprudenciaCarf.jsf>. Acesso em: 6 mar. 2016.
217
Dispositivos legais: Lei n.º 9.718, de 1998, art. 14, VI; Parecer
Normativo Cosit n.º 5, de 2014; Parecer Normativo Cosit n.º 5, de
1994.
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
Ementa: Consulta ineficaz. É ineficaz a consulta, não produzindo
efeitos, quando a matéria estiver disciplinada em ato normativo
publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação.
Dispositivos legais: Instrução Normativa RFB n.º 1.396, de 2013, art.
18, VII.
Note-se que a consulta tratou da subsunção das securitizadoras de créditos
comerciais (ativos empresariais) ao disposto no artigo 14, VI, da Lei n.º 9.718/1998,
quanto à obrigatoriedade de apuração do imposto de renda com base no lucro real,
sendo respondida pela Cosit.
A consulente alegou incoerência nos enunciados produzidos pela Receita
Federal do Brasil, fazendo um comparativo do disposto na Solução de Divergência n.º
8/2011, com o Parecer Normativo n.º 05/2014.
Diante disso, a consulente solicitou esclarecimentos quanto à sistemática de
recolhimento das securitizadoras de títulos empresariais.271
Consideramos despropositada a consulta formulada, visto que o parecer
normativo, hierarquicamente superior à solução de consulta Cosit, se sobrepõe, até
mesmo porque a autoridade que assinou o referido parecer normativo é o chefe direto do
Coordenador da Cosit, e, portanto, a solução de consulta não poderia contrariar o
parecer.
O entendimento apresentado na Solução de Consulta n.º 202/2014, que não
precisava sequer adentrar nos questionamentos feitos pela consulente, declarou ineficaz
271
Foram formulados na consulta dois questionamentos: “(a) A atividade representada pela impugnante
encontra-se obrigada à adoção do regime do lucro real, por aplicação do inciso VI do artigo 14 da Lei
n.º 9.718/1998? (b) Na eventualidade de a resposta ser positiva, deverá responder também se a novel
orientação firmada no Parecer Normativo n.º 05/2014 apresenta eficácia ex tunc, a despeito da
vedação contida no § 12 do art. 48 da Lei n.º 9.430/1996, no art. 146 do Código Tributário Nacional,
bem como decorrente do princípio da segurança jurídica e seus consectários da irretroatividade,
moralidade administrativa e proteção à confiança”.
218
a consulta formulada,272
enunciando que a obrigatoriedade de adoção do lucro real pelas
securitizadoras de títulos mobiliários está expressa no Parecer Normativo Cosit n.º
5/2014.
Todavia, um ponto nos chama atenção nesse ato enunciativo de legalidade.
A Cosit veio justificar a retroatividade sob o fundamento de que o parecer normativo e o
ato declaratório normativo, por serem atos interpretativos, possuem natureza
declaratória, retroagindo, sua eficácia, ao momento em que a norma por eles
interpretada começou a produzir efeitos.
E continua afirmando que não cabe à Receita Federal do Brasil inovar, via
ato administrativo, no rol de pessoas jurídicas que estão obrigadas à apuração do
imposto de renda com base no lucro real.
Contudo, como visto neste estudo, a Fazenda inovou, incluiu no artigo 14 da
Lei n.º 9.718/1998 a modalidade de securitização de títulos e valores mobiliários no rol
do regime do lucro real.
Pontua-se que, se aplicarmos o disposto no artigo 48, § 12,273
da Lei n.º
9.430/1996, levando em conta o entendimento da Solução de Divergência n.º 8/2011
editada pela Cosit, ainda que se considerasse inexistirem ilegalidades no parecer
normativo, teríamos o cenário de que apenas a partir da publicação do referido parecer
se poderia aplicar o entendimento de que as securitizadoras se submeteriam ao lucro
real.
272
Ineficácia sob o fundamento disposto no artigo 18, VII, da Instrução Normativa da Receita Federal do
Brasil n.º 1.396/2013, que dispõe: “Não produz efeitos a consulta formulada: [...] VII – quando o fato
estiver disciplinado em ato normativo publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação”. No
caso da consulta ora formulada, quando do seu protocolo já havia sido editado o Parecer Normativo
n.º 5/2014, por isso a sua ineficácia e desnecessidade. 273
“Art. 48. No âmbito da Secretaria da Receita Federal, os processos administrativos de consulta serão
solucionados em instância única. [...]
§ 12. Se, após a resposta à consulta, a administração alterar o entendimento nela expresso, a nova
orientação atingirá, apenas, os fatos geradores que ocorram após dado ciência ao consulente ou após a
sua publicação pela imprensa oficial. [...]”
219
Como a opção pela mudança de regime se dá apenas anualmente (até 31 de
janeiro de cada ano), o entendimento sufragado no parecer teria eficácia técnica274
e
jurídica275
somente a partir de 1.º.01.2015, visto que a publicação do parecer normativo
se deu em 11.04.2014, ou seja, as securitizadoras não teriam meios normativos de
alterar a forma do regime de recolhimento no meio do exercício fiscal.
Destaca-se ainda em relação à Solução de Consulta n.º 202/2014 que a Cosit
considerou que a Solução de Divergência n.º 8/2011 possui eficácia e vigência apenas
para os consulentes, e até a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, que em um pior
cenário produziria efeitos até 31.12.2014, visto a impossibilidade de se cumprir a
mudança de regime.
A resposta a que a Solução de Consulta Cosit deveria se ater é outra: Como
ficam os contribuintes que se enquadraram na Solução de Divergência n.º 8/2011,
conforme prescreve o artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007 e o artigo 9.º
da Instrução Normativa n.º 1396/2013, com a redação dada pela Instrução Normativa n.º
1434/2013, em relação aos efeitos gerais àqueles que se enquadrarem nas mesmas
condições, situação que não exige do administrado pedido de consulta formal?
A resposta é simples: o parecer normativo e a Solução de Consulta n.º
202/2014 desrespeitaram os efeitos gerais trazidos nas referidas instruções normativas.
Assim, não temos dúvidas de que estamos diante de prática abusiva do Poder Público,
que editou dois atos enunciativos de ilegalidade.
Outro ponto que merece críticas na Solução de Consulta n.º 202/2014 está
na menção de que não há no Decreto n.º 70.235/1972 (norma que trata do processo
administrativo fiscal federal) e na Lei n.º 9.430/1996 qualquer disposição que confira
efeitos erga omnes às soluções de consulta, ou seja, produz relação jurídico-tributária
entre a consulente e o fisco federal.
274
A possibilidade de produzir efeitos por existência de regras regulamentadoras (eficácia técnica
sintática) e existência de ordem material, apresentando condições de criar em linguagem a incidência
normativa (eficácia técnica semântica) (FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do
direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 197-199). 275
Trata-se de “propriedade do fato de provocar os efeitos que lhe são próprios” (CARVALHO, Paulo de
Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.
55).
220
Nossa concordância se dá apenas em relação à solução de consulta da Disit.
No tocante aos atos da própria Cosit, como a solução de divergência, não podemos
aceitar tamanho menosprezo, visto que tem efeito geral previsto em instruções
normativas.
A própria Solução de Consulta n.º 202/2014 acaba reconhecendo o caráter
geral dela mesma com efeito vinculante, mas se esquece de atribuir os mesmos efeitos à
solução de divergência. O fisco escreve e menciona aquilo que lhe interessa, ignorando
as suas próprias regras e atos.
Portanto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade editados pela Disit
(10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1) para demonstrar que em todos os níveis da
administração pública da União Federal a coerência jurídica e o princípio da legalidade
foram preservados. Infelizmente com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,
acompanhado pela Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014, a Receita Federal do Brasil
ignorou os atos enunciativos de legalidade editados até então, em total desrespeito a
direitos e garantias dos contribuintes.
Assim, a despeito de a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014 possuir
efeitos jurídicos vinculantes aos agentes da Receita Federal do Brasil, não há a
obrigatoriedade exigida em lei para que as securitizadoras de títulos e valores
mobiliários se submetam à apuração dos tributos pelo regime do lucro real, podendo
permanecer ou adotar o regime do lucro presumido caso atendam as denominadas
exceções previstas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.
A despeito da rasteira dada pela Receita Federal, o setor da securitização de
valores mobiliários se uniu e buscou por meio da via judicial atacar o referido Parecer
Normativo n.º 5/2014.276
Não obstante a busca de respostas pelo Poder Judiciário, a 16.ª
Vara Federal de Brasília incorreu no mesmo erro do parecer normativo, e não aceitou o
pedido de afastabilidade e ilegalidade do referido ato interpretativo da Receita Federal.
A esperança no restabelecimento da ordem jurídica permanece agora nas mãos do E.
Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, que julgará recurso de apelação. Nossa torcida
pela reforma da sentença eivada dos mesmos vícios jurídicos tratados neste trabalho.
276
Ação Ordinária n.º 0024161-69.2015.4.01.3400, em trâmite perante a 16.ª Vara Federal de Brasília –
DF, tendo como objeto permitir que as securitizadoras de ativos empresariais associadas à Associação
Nacional das Securitizadoras de Ativos Empresariais possam permanecer optantes do regime de
tributação pelo lucro presumido para fins de IRPJ e CSLL.
221
5
A MIGRAÇÃO DAS SECURITIZADORAS DE TÍTULOS E
VALORES MOBILIÁRIOS PARA OS FUNDOS DE
INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS (FIDC)
Analisaremos a partir de agora alternativa econômica e jurídica para a
securitização de ativos empresariais. O Fundo de Investimento em Direitos Creditórios
(FIDC) possui operações de securitização de recebíveis que guardam semelhanças com
a securitização de títulos e valores mobiliários, atendem o objetivo da atividade e seus
atos estão regulamentados por autoridades monetárias e fiscais, com maior grau de
confiabilidade e segurança jurídica.
5.1 Identidades e distinções entre as securitizadoras de títulos mobiliários e os
fundos de investimento em direitos creditórios
O FIDC tem se mostrado um veículo de securitização alternativo às
sociedades securitizadoras, pois, além de não ser exigida a constituição de uma
sociedade anônima com propósito específico, desonera custos operacionais e fiscais,
não existindo incidências de tributos como ocorre com as securitizadoras.
Trata-se de mais uma fonte de captação de recursos, a custos mais baixos,
sendo lastreados os direitos creditórios em carteira de ativos de risco inferior ao da
própria empresa cedente.
O FIDC também é muito utilizado para equacionar fluxos de caixa de
empresas de um mesmo grupo econômico, podendo desonerar o balanço da instituição,
e, após a cessão, o recebível passa a fazer parte do balanço do adquirente, usando-se a
antecipação feita pelo fundo para abater dívidas.
Ao longo dos últimos dois anos, principalmente após a insegurança jurídica
causada pela Receita Federal do Brasil com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014,
muitas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que possuem determinado porte
222
e capital,277
acabaram constituindo FIDC, migrando suas atividades de compra de
recebíveis.
Destaca-se que os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios são
veículos com maior frequência no Brasil nas operações de securitização:
21. Os três veículos utilizados com maior frequência no Brasil nas
operações locais de securitização são:
[...]
(c) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) são
fundos de investimento cuja parcela significativa da carteira deve ser
constituída de direitos creditórios e instrumentos que os representem,
oriundos de operações realizadas nos setores financeiro, comercial,
industrial, imobiliário, hipotecário, de arrendamento mercantil,
serviços e correlatos, além de outros ativos financeiros e mecanismos
de investimento. Via de regra, as carteiras dos FIDCs são constituídas
de direitos creditórios originários de um único segmento de mercado
ou empresa. A maior vantagem destes fundos em relação às CSCIs
(Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários) e CSCFs
(Companhias Securitizadoras de Créditos Financeiros) está no
tratamento fiscal: por constituírem uma comunhão de bens, eles não
estão sujeitos aos impostos normalmente pagos pelas empresas.278
Nos termos da Instrução CVM n.º 356/2001 (artigo 2.º, I, II e III), que
regulamentou a constituição e o funcionamento do FIDC, destacam-se as seguintes
definições:
a) direitos creditórios são os direitos e títulos representativos de crédito,
originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial,
imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, e os
warrants, contratos e títulos referidos no § 8.º do artigo 40 da referida ICVM n.º
356/2001;
277
O mercado considera viável a abertura de um FIDC mediante emissão de cotas para captação de
recursos por meio de investimento no patamar entre R$ 3 milhões a R$ 20 milhões, uma vez que nesses
patamares os custos são fixos e não modificam. Nesses valores o custo é calculado sobre uma
porcentagem de 0,5% sobre o patrimônio líquido (PL) do fundo. No caso de fundos com valores acima de
R$ 20 milhões até R$ 50 milhões, os custos são de 0,4% do valor do patrimônio líquido, diminuindo de
acordo com o aumento do PL. 278
Parecer n.º 06172/2004/DF. Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Disponível em: <http://www.cade.gov.br/plenario/Sessao_344/Pareceres/ParecerSeae-2004-08012-
007026-HSBC-Valeu.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2015.
223
b) cessão de direitos creditórios é a transferência pelo cedente, credor
originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os
elementos restantes da relação obrigacional;
c) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) são uma
comunhão de recursos que destinam parcela preponderante do respectivo patrimônio
líquido para a aplicação em direitos creditórios.
A constituição de um FIDC deve ser deliberada por seu administrador, que
no mesmo momento deverá aprovar o Regulamento do fundo. É no Regulamento que
estão apontadas as características do fundo, as cotas a serem emitidas, as obrigações
assumidas e a nominação de instituições envolvidas, como o administrador, o
custodiante e o gestor da carteira.
Algumas características gerais do FIDC devem ser analisadas. Vejamos.
Como se trata de um condomínio,279
o FIDC pode ser aberto ou fechado,
podendo ter prazo de duração determinado ou indeterminado. No primeiro critério de
temporariedade, findo o prazo (vencimento), todas as cotas são resgatadas. No fundo
aberto é admissível o resgate das cotas a qualquer tempo, mediante a solicitação do
cotista; outrossim, no fundo fechado, o resgate somente ocorre ao término do prazo do
fundo, ao final de cada série ou classe de cotas.280
Da mesma forma que as securitizadoras, o FIDC trabalha com direitos
creditórios, originados pelas transações realizadas nos segmentos financeiros,
comercial, industrial, imobiliário, hipotecário, arrendamento mercantil, prestação de
serviços etc.
Enquadram-se nessa categoria duplicatas, cheques, notas promissórias,
warrants, CRI, contratos de compra e venda de produtos e serviços para entrega futura,
recebíveis de cartões de crédito, mensalidades escolares, entre outros.
279
“Art. 3.º da Instrução CVM n.º 356: “os fundos regulados por esta instrução terão as seguintes
características:
I – serão constituídos na forma de condomínio aberto ou fechado;
[...].” 280
Artigo 2.º, V e VI, da Instrução CVM n.º 356/2001.
224
Quanto às cotas do FIDC, são classificadas em subordinadas e seniores. A
proporção de cada espécie de cotas deve ser mencionada no regulamento do fundo. As
cotas do FIDC devem ser nominativas e mantidas em conta de depósito em nome dos
titulares.
As cotas subordinadas são aquelas que se subordinam ou se sujeitam às
cotas seniores para efeito de amortização, resgate e distribuição dos rendimentos. Não
são cotas preferenciais. São subscritas pelo originador do FIDC, no ato da constituição
do fundo, para suportar eventuais perdas decorrentes quando se emitem cotas
subordinadas de diversas classes. São remuneradas de acordo com o rendimento
excedente apresentado pelo FIDC, após o pagamento das remunerações dos cotistas
seniores e das demais despesas do fundo.
As cotas seniores são cotas de uma única classe que não se sujeitam às
demais cotas para efeitos de amortização, resgate e distribuição dos rendimentos. São
cotas que têm preferência sobre as cotas subordinadas. No FIDC fechado, a legislação
permite a emissão em séries ou grupos de cotas seniores com características
diferenciadas, possuindo distinção em relação aos valores, valor mínimo de aplicação,
remuneração e prazos distintos para amortização, que pode ser total ou parcial. Por meio
dessas cotas as empresas originadoras captam os recursos financeiros.
Os cotistas qualificados poderão subscrever as cotas seniores do FIDC no
mercado primário281
ou adquiri-las no mercado secundário.282
Atualmente, os principais
investidores do FIDC são os fundos de investimentos, fundo de pensão, tesouraria de
bancos e pessoas físicas com alta renda.
281
O mercado primário é aquele em que os valores mobiliários de uma nova emissão da companhia são
negociados diretamente entre a companhia e os investidores – subscritores da emissão –, e os recursos
são destinados para os projetos de investimento da empresa ou para o caixa. 282
O mercado secundário é formado por títulos e valores mobiliários previamente adquiridos no mercado
primário, ocorrendo apenas a troca de titularidade, isto é, a compra e venda. Não envolve mais o
emissor nem a entrada de novos recursos de capital para quem o emitiu. Seu objetivo é gerar
negócios, isto é, dar liquidez aos títulos.
225
Os cotistas do fundo não são proprietários dos ativos que compõem o
patrimônio do FIDC; são proprietários das cotas que representam uma fração ideal do
patrimônio.283
Atualmente, com a revogação do artigo 3.º, IV, da Instrução CVM n.º
356/2001, pela Instrução CVM n.º 554/2014, não há mais a exigência mínima de valor
de investimento de R$ 25.000,00 como havia anteriormente à revogação. Com isso, o
FIDC está sob a mesma égide das securitizadoras de não se exigirem valores mínimos
de investimentos, embora, como visto neste estudo, o investidor no fundo deverá provar
que possui, no mínimo, R$ 1.000.000,00 em investimentos.
Quanto aos rendimentos, as cotas seniores possuem um benchmark (índice
de referência) de rentabilidade, ou seja, há um rendimento esperado e estimado, não
significando uma promessa de rentabilidade. Alguns FIDC utilizam percentual de
variação do CDI,284
que se trata do benchmark, que poderá ser complementado pelas
cotas subordinadas, e até o limite destas, sendo vedada a promessa de rendimentos
predeterminados aos condôminos.285
As securitizadoras, por sua vez, trabalham da mesma forma com um
percentual de remuneração fixado em CDI, por exemplo, paga-se 100% a 120% do CDI
pelo investimento.
Há ainda alguns fundos e securitizadoras que utilizam como remuneração ao
investidor índices como IGP-M,286
Taxa Prefixada, Selic, CDI + Taxa Prefixada, entre
outros.
Não obstante, quanto maior a remuneração fixada pelo FIDC, maior o risco
para o investidor. Por envolver muitas vezes taxas pré-acordadas, em que não está
283
Observação feita por PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios
(FIDC). 2. ed. São Paulo: Almedina, 2015. p. 64. 284
Certificados de depósitos interbancários (CDI) são títulos que têm lastro em títulos do Tesouro e são
negociados exclusivamente entre as instituições financeiras a fim de sanarem os fluxos de caixas de
curtíssimo prazo de uns bancos com os outros. 285
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENTIDADES DE MERCADOS FINANCEIROS E DE
CAPITAIS. Fundos de investimento em direitos creditórios. Redatores: Antônio Filgueira, Dalton
Boechat. Rio de Janeiro: Anbima, 2015. p. 17. 286
Índice Geral de Preços do Mercado é calculado mensalmente pela Fundação Getulio Vargas.
226
atrelada a competência dos gestores nos resultados, como ocorre com os fundos
multimercado, se houver uma inadimplência muito grande por parte dos devedores dos
recebíveis, por exemplo, os investidores correrão riscos de resultados negativos ou até
de não receberem seus investimentos no resgate ou amortização de cotas.
A credibilidade e o risco do investidor estão intimamente atrelados aos
gestores e administradores do FIDC, que prestam serviços ao fundo.
Quanto aos custos, o patrocinador do FIDC (empresa instituidora) arca
inicialmente com a estruturação, auditoria/análise dos recebíveis, obtenção do rating e
distribuição das cotas seniores. Em um segundo momento, após a distribuição das cotas,
os custos operacionais passam a ser do fundo, como a taxa de administração, a taxa de
custódia, as despesas de auditoria, a obtenção de rating periódico, a divulgação de
informações mensais, trimestrais, anuais, realização de assembleias, consultorias
jurídicas etc.
Aponta-se ainda que os custos na constituição dos fundos de recebíveis são
menores do que a securitização de valores mobiliários realizada por meio de sociedade
de propósito específico, haja vista que nesta última são necessários requisitos legais
preliminares para a constituição de uma sociedade anônima, a elaboração de estatuto
social, o correspondente registro na Junta Comercial, a subscrição das ações em que se
divide o capital social fixado no estatuto por pelo menos dois acionistas, a realização,
como início das operações, de no mínimo 10% do preço de emissão das ações subscritas
em dinheiro e o depósito da parte do capital social em dinheiro em instituição financeira
autorizada pela CVM, além dos custos para emissão de oferta pública pela SPE.
Para o FIDC, os custos incorridos são gastos para a constituição do fundo,
com a obtenção de CNPJ, e seus registros perante a CVM, protocolo de documentos
perante a CVM que instruem a oferta pública das cotas do FIDC (emissões de cotas do
fundo fechado), que fazem parte da oferta das cotas, material de divulgação da oferta,
prospecto, designação de prestadores de serviços contratados para a oferta, além de
227
outros, conforme dispõem os artigos 8.º e 17 da Instrução CVM n.º 356/2001 e artigo 80
da Lei das S.A.287
Outra diferença do FIDC em relação às securitizadoras está na menor
dependência de linhas e limites de créditos, menor custo de captação de investimentos,
flexibilidade e menos onerosidade quanto aos tributos, objeto de estudo a seguir.
Quando as empresas se valem do FIDC com a finalidade de gerirem o caixa
em um grupo econômico, cria-se um fundo fechado com o intuito de as empresas que
têm necessidade de caixa cederem os recebíveis para o fundo, e as outras empresas do
mesmo grupo, com recursos disponíveis, subscrevem as cotas do FIDC (colocação
privada), provendo os recursos ao fundo. Nesse caso, o FIDC passa a exercer o papel de
intermediário financeiro.
O FIDC pode ser classificado nas seguintes espécies:
a) FIDC Fomento Mercantil: investem em carteiras de recebíveis
pulverizadas, decorrentes de duplicatas, notas promissórias, cheques, faturas etc.
Enquadram-se nessa categoria os fundos utilizados como meio de fornecimento de
recursos ou antecipação de receitas para pessoas físicas ou jurídicas por intermédio de
factoring, cooperativas de crédito e firmas de assessoria financeira;
b) FIDC Financeiro: formado por carteira de recebíveis dos seguintes
setores: crédito imobiliário, crédito consignado, crédito pessoal, financiamento de
veículos e multicarteira financeiro;
c) FIDC Agro, Indústria e Comércio: formado por carteira de recebíveis dos
seguintes setores: infraestrutura, comércio, crédito corporativo, agronegócio e
multicarteira agro, indústria e comércio;
d) FIDC Outros: formado por carteira de recebíveis dos seguintes setores:
recuperação, Poder Público e multicarteira entre outros.288
287
Nesse sentido, o importante estudo feito por PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em
Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo: Almedina, 2015. p. 25.
228
A modalidade utilizada pelas securitizadoras de valores mobiliários que
migraram suas atividades para o FIDC adota a espécie FIDC Fomento Mercantil para
realizar suas operações de aquisição de recebíveis.
Da mesma forma que as securitizadoras, o FIDC possui um contrato de
cessão firmado entre a empresa originadora, na qualidade de cedente, e o FIDC,
representado por seu administrador, na qualidade de cessionário. Mantém-se sob esse
prisma o direito de regresso contra a empresa originadora, caso não seja honrado o
pagamento pelo devedor do recebível.
Devem constar do contrato de cessão de direitos creditórios: (i) o objeto da
cessão; (ii) as condições suspensivas, quando houver, e as condições da cessão dos
direitos creditórios ao fundo; (iii) a descrição das etapas da cessão quando é gradativa;
(iv) a descrição do preço que o fundo pagará pelos direitos creditórios, e da forma de
pagamento a ser efetuado pelo custodiante; (v) a descrição das obrigações da cedente;
(vi) o procedimento de cobrança da dívida, bem como a cobrança judicial dos referidos
direitos creditórios; (vii) a forma de notificação dos devedores dos recebíveis em
decorrência da cessão dos direitos creditórios ao fundo; (viii) a descrição dos eventos de
revisão, que, caso ocorram, podem comprometer a saúde financeira da empresa
originadora; (ix) a recompra e substituição dos direitos creditórios pela empresa
originadora; (x) as hipóteses de rescisão contratual.289
Há outras diferenças que podemos observar a seguir, estrategicamente
apontadas com destaque, pois são bases de diferenciação que não se permite afirmar que
há continuidade da atividade de securitização propriamente dita quando se migra para o
FIDC, não se podendo falar em simulação.
288
PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:
Almedina, 2015. p. 89. 289
PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:
Almedina, 2015. p. 121.
229
5.1.1 Sob o aspecto legal
Diferentemente das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que são
regradas por legislações emprestadas de outras modalidades de securitização, o FIDC
possui regras próprias e rígidas, como as Instruções CVM n.º 356/2001 e n.º 393/2003,
e suas alterações (Instruções n.ºs 435, 442, 446; 458, 484, 498, 510, 531, 545 e 554), e a
Resolução CMN n.º 1907/2001, tratando-se das regras gerais que regulam a
constituição, a administração, o funcionamento e a divulgação do FIDC, submetendo-se
ao prévio registro na– Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima).
De acordo com a regulamentação da CVM, a parcela preponderante da
carteira do FIDC deve ser composta por direitos creditórios (no mínimo 50%) e, por
esse motivo, depende do adimplemento dos devedores dos direitos creditórios. As cotas
nominativas do FIDC podem ser adquiridas por investidores qualificados, como as
instituições financeiras, companhias seguradoras, entidades de previdência
complementar e pessoas físicas consideradas investidores profissionais ou qualificados,
já analisadas no presente estudo.
As mesmas instruções da CVM regularam os Fundos de Investimento em
Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FICFIDC). Destaca-se que
nessa subespécie de FIDC deverá ser mantido, no mínimo, 95% do patrimônio líquido
em cotas de Fundo de Recebíveis, sendo que os demais 5% podem ser aplicados em
outros ativos de renda fixa.
No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, a regra geral
aplicada, a despeito de não ser específica para essa modalidade, é a Lei n.º 9.514/1997,
sendo regidas também por dispositivos do Código Civil brasileiro e da Lei das
Sociedades Anônimas, além de outras regras mencionadas no item 2.1. deste estudo,
não existindo regulamentação específica até o presente momento, como ocorre com o
FIDC.
230
5.1.2 Em razão da estrutura operacional
A estrutura operacional de um FIDC apresenta algumas distinções em
relação à estrutura das securitizadoras de títulos e valores mobiliários, especialmente
quanto aos prestadores de serviços envolvidos necessariamente no procedimento.
A atuação de vários participantes no FIDC permite maior transparência na
operação, aumentando a segurança para os investidores. Para tanto, a CVM editou a
Instrução CVM n.º 531/2013, alterando alguns dispositivos da Instrução CVM n.º
356/2001, que contempla as seguintes partes envolvidas no fundo:
a) Administrador
A estrutura do FIDC compreende a participação de diferentes instituições,
que desempenham funções específicas. Todavia, há a necessidade da presença de uma
instituição principal para coordenar e administrar o processo e a participação de
investidores. Essa função é exercida pelo Administrador do fundo.290
O Administrador do FIDC é considerado o responsável legal, para assunção
de obrigações e para o exercício de direitos e deveres atribuídos ao fundo, que possui
várias funções: (i) manter atualizada e em ordem toda a documentação do fundo, como
relativas às operações, registro dos condôminos, livros de Atas das Assembleias, livro
de presença dos condôminos, demonstrativos trimestrais, registros da contabilidade e
relatório de auditoria independente; (ii) receber rendimentos ou valores do fundo
diretamente ou por meio de instituição financeira contratada; (iii) entregar ao
condômino, sem nenhum custo, o Regulamento do fundo, informando sobre o periódico
de divulgação de informações e a taxa de administração; (iv) divulgar e manter
disponíveis em sua sede, agências e instituições custodiantes todas as informações sobre
o valor do patrimônio líquido do fundo, o valor da cota, as rentabilidades acumuladas
no mês e no ano, os relatórios das agências classificadoras de riscos; (v) custear as
290
Instrução CVM n.º 356/2001. “Art. 32. A administração do fundo pode ser exercida por banco
múltiplo, por banco comercial, pela Caixa Econômica Federal, por banco de investimento, por
sociedade de crédito, financiamento e investimento, por sociedade corretora de títulos e valores
mobiliários ou por sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários.”
231
despesas de propaganda do fundo; (vi) fornecer anualmente aos condôminos as
informações de rendimento e extrato contendo o número de cotas de sua propriedade e
respectivo valor; (vii) manter, separadamente, registros analíticos com informações
completas sobre todas as modalidades de operações realizadas pelo fundo; (viii)
providenciar, a cada três meses, a atualização da classificação de risco do fundo ou dos
direitos creditórios; (ix) informar o Banco Central sobre os direitos creditórios
adquiridos, entre outras.291
É defeso ao Administrador prestar qualquer garantia pessoal ou coobrigar-se
nas operações realizadas pelo fundo, bem como utilizar ativos de titularidade própria
como garantia às operações do FIDC.292
Destaca-se que para o Administrador fazer valer suas atribuições poderá
contratar serviços de terceiros quanto à gestão de carteira e serviços de custódia de
ativos. Não obstante, essa contratação não exclui em nada a responsabilidade do
Administrador.
No caso das securitizadoras de títulos e valores mobiliários não há a figura
do Administrador na administração da Sociedade Anônima de Propósito Específico. A
administração, nas securitizadoras, é feita pela própria sociedade constituída.
b) Gestor da carteira
O gestor da carteira é o responsável pela compra e venda dos ativos
integrantes da carteira do fundo, ou seja, é o responsável em aplicar o dinheiro do
participante. Este deverá respeitar a política de investimento e os critérios de
elegibilidade dos direitos creditórios fixados em Regulamento, como os prazos de
vencimento, a origem, os valores máximos e mínimos, histórico de inadimplemento do
devedor etc.
291
Artigo 34 da Instrução CVM n.º 356/2001.
292 Artigo 35 da Instrução CVM n.º 356/2001.
232
Necessariamente o gestor deverá ser pessoa jurídica domiciliada e com sede
no País, devendo possuir autorização da Comissão de Valores Mobiliários para tal
exercício e função.
Essa atividade é realizada para o fundo mediante a celebração de contrato de
prestação de serviços por meio do Administrador.
Da mesma forma, a figura do gestor da carteira não existe nas
securitizadoras de títulos e valores mobiliários, tratando-se de figura importante para o
FIDC.
c) Custodiante
O custodiante é a instituição financeira responsável pelo recebimento,
análise, validação dos direitos creditórios integrantes da carteira do FIDC, efetua a
liquidação física e financeira das cotas e ativos, realiza a guarda e cobrança de
documentos relacionados ao direito creditório, submetendo-se às regras atinentes a um
contrato de depósito, previsto no artigo 617 e seguintes do Código Civil e nos termos da
Instrução CVM n.º 542/2013.
Da mesma forma que o gestor, o custodiante deverá ser cadastrado e
habilitado pela CVM para essa atividade, formalizando-se contrato de prestação de
serviços com o fundo por meio do Administrador.
No processo de cobrança dos recebíveis e recebimento dos recursos
decorrentes dos pagamentos destes, no resgate dos títulos que integram o patrimônio do
fundo, é necessário fazer os depósitos em conta de titularidade do fundo, ou em conta
especial instituída pelas partes em instituições financeiras, sob a forma de contrato,
evitando, com isso, a contaminação com recursos decorrentes de outras operações.293
Destaca-se ainda outra característica do custodiante no FIDC, qual seja
servir como certificador de que o administrador e o gestor estão atendendo ao disposto
no Regulamento.
293
Artigo 38 da IN CVM n.º 356/2001.
233
Não há a figura do custodiante nas securitizadoras de títulos e valores
mobiliários, até mesmo porque os títulos e valores mobiliários não ficam custodiados
em instituição financeira, como ocorre no FIDC. As debêntures ou títulos, no caso das
securitizadoras, ficam em poder dessas sociedades.
d) Cotistas ou condôminos
Os cotistas ou condôminos são: (i) os titulares de cotas subordinadas, nesse
caso a empresa originadora do recebível; e (ii) os titulares de cotas seniores, quais sejam
os investidores qualificados.
Nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, o originador não se
torna cotista quando realiza a cessão do crédito.
No FIDC, os originadores, ao realizarem a cessão do crédito para o fundo,
recebem cotas subordinadas. Em relação aos investidores, quando aportam recursos no
fundo, acabam adquirindo cotas seniores. Ambos são remunerados quando do resgate
ou amortização das cotas.
Essa reunião do originador com o investidor no fundo como cotistas, com
cotas distintas, permite que as cessões sejam realizadas na figura do condomínio,
remunerando-se ambos, seja por meio da aquisição dos recebíveis dos originadores pelo
fundo, seja mediante o resgate de cotas com a respectiva remuneração aos investidores.
Analisaremos como funciona esse processo de cotização e remuneração em gráfico
operacional.
e) Empresa de auditoria independente
A empresa de auditoria independente é necessária para o FIDC na medida
em que auditam-se os recebíveis cedidos e as demonstrações financeiras anualmente.
Deverão ser habilitados e registrados na CVM para o exercício de suas funções.
Entre suas principais atribuições estão a análise da qualidade dos direitos
creditórios que formarão a carteira do FIDC. Também estão sob sua competência a
234
análise e a auditoria das demonstrações financeiras do FIDC, nos termos do artigo 44 da
Instrução CVM n.º 356/2001.
Estão também sob sua atribuição o exame da amortização, a emissão e o
resgate das cotas, a verificação dos limites mínimo e máximo para aplicação em direitos
creditório e o recálculo das despesas contabilizadas no FIDC.
A securitização de ativos empresariais não utiliza, com os mesmos fins
adotados pelo FIDC, as empresas de auditoria independentes, salvo em casos muito
específicos, como ocorre com a qualidade dos direitos creditórios que formam a carteira
de recebíveis e a auditoria das demonstrações financeiras, como forma de dar maior
credibilidade às operações perante os investidores.
f) Agência de rating
Uma das mais importantes vantagens oferecidas pelas cotas de FIDC aos
investidores é a exigência regulamentar de que as classes e séries de cotas destinadas a
oferta pública sejam avaliadas e trimestralmente reavaliadas por agências de riscos em
funcionamento no País, denominadas agências de rating.294
Como já analisado no presente estudo, as agências de rating nas
securitizadoras de títulos e valores mobiliários não são obrigatórias, tratando-se de
importante elemento de avaliação de risco para a fixação da remuneração.
Contudo, em razão de seu elevado custo, as securitizadoras se utilizam
dessas agências nos casos de recebíveis de valores significativos, quando o deságio
também é elevado, como meio para atrair investidores.
A avaliação feita pelas agências de rating do País leva em conta: (i) a
qualidade da carteira de recebíveis, especificamente o risco de inadimplemento; (ii) a
idoneidade e a capacidade de todas as instituições participantes da operação; (iii) a
estrutura do fluxo de caixa, que considera a estatística da carteira diante da
294
Instrução CVM n.º 400/2003.
235
inadimplência; (iv) a possibilidade de antecipação do pagamento dos créditos, o prazo
dos recebíveis e as obrigações do fundo com os cotistas; e (v) a solidez jurídica da
operação.295
Acrescentam-se ainda na avaliação feita pelas agências de rating: (vi) os
riscos legais e operacionais envolvidos; (vii) a espécie de ativo que representa os
recebíveis; (viii) o modo de cobrança e o controle de pagamentos efetuados pelos
devedores; (ix) a análise histórica dos pagamentos efetuados pelos devedores nos
últimos anos; (x) a estrutura jurídica da operação; e (xi) o impacto da ausência de
verificação de lastro pelo custodiante.296
Assim, suas notas de classificações de risco orientam os investidores quanto
à qualidade dos recebíveis e da estrutura dos fundos de investimento em direitos
creditórios.
g) Estruturador
O estruturador é empresa especializada que garante a qualidade técnica e
estratégica na criação e desenvolvimento do FIDC. Auxilia na seleção de recebíveis que
integrarão a carteira do fundo, na estruturação da operação, na contratação de
prestadores de serviços e na análise dos impactos econômicos decorrentes da operação.
Regra geral é contratada pela empresa instituidora do fundo.
Não há estruturador entre os integrantes da estrutura operacional das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários. Trata-se de prestador de serviços
específico das operações envolvendo FIDC.
295
SANTANA, Rogério de Araújo. O fundo de investimento em direitos creditórios como alternativa de
financiamento: 2001 – 2005. 2006. Dissertação (Mestrado em Economia) – PUC/SP, São Paulo, p. 60. 296
PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:
Almedina, 2015. p. 106.
236
h) Escriturador
Trata-se de instituição financeira prestadora de serviços de escrituração de
cotas do fundo, sendo responsável pela atualização dos registros dos cotistas no
respectivo livro de cotas.
Nas securitizadoras, a escrituração das debêntures é feita pelos contadores e
auxiliares administrativos das empresas.
i) Consultoria jurídica
A consultoria jurídica é responsável pela elaboração de contratos e
montagem da estrutura do FIDC, levando em conta todas as regras jurídicas
regulamentadoras. Em determinadas situações, os advogados podem auxiliar
juridicamente na elaboração de instrumento de constituição do FIDC, regulamento,
prospecto, contratos de cessão e documentos relativos à oferta, obtenção de garantias,
apontamentos de cargas e riscos fiscais, entre outros.
Em termos gerais, os consultores jurídicos realizam as mesmas atividades
nas securitizadoras de valores mobiliários.
Assim, o FIDC não se trata de uma pessoa jurídica, é formado pelos
originadores e investidores em forma de condomínio (denominados de participantes),
administrado por uma pessoa jurídica, o Administrador, contudo, possui inscrição
perante a Receita Federa do Brasil por meio de CNPJ.
Como forma de demonstrar as diferenças entre o FIDC e as securitizadoras
de títulos e valores mobiliários, no plano estrutural, apresentamos a seguir o
organograma operacional.
237
5.1.3 No âmbito da tributação
No âmbito fiscal a grande vantagem do FIDC é que não incidem tributos
sobre a carteira do fundo, como o IRPJ, a CSLL, o PIS/Pasep e a Cofins, o que já não
ocorre com a sociedade securitizadora anônima de propósito específico, conforme
estudado no capítulo 3 deste trabalho.
Apenas considerando esse aspecto o FIDC já ganha em eficiência e
resultado, proporcionando um processo que não limita o crescimento desse mercado.
O FIDC terá a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IR-Fonte) a
ser retido quando do pagamento de remuneração, amortização ou resgate das cotas dos
investidores e originadores, e à taxa de fiscalização devida para a CVM, quando as cotas
forem objeto de distribuição pública. Com isso, em relação ao IR-Fonte, o contribuinte
238
serão os cotistas, e o responsável tributário pelo pagamento dos tributos e taxas é o
Administrador.297
No caso dos fundos de condomínio aberto, há incidência de Imposto de
Renda na Fonte298
sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário conforme
descrito a seguir: (i) no último dia útil dos meses de maio e novembro de cada ano, ou
no resgate, se ocorrido em data anterior (“come cotas semestral”),299
e (ii) na data em
que se completar cada período de carência para resgate de cotas com rendimento ou no
resgate de cotas, se ocorrido em outra data, no caso de fundos com prazo de carência de
até 90 dias.
O IR-Fonte, segundo a melhor doutrina, é imposto autônomo de incidência
particular, com regra-matriz distinta do imposto sobre a renda das pessoas físicas e
jurídicas.300
Esse imposto pode ser classificado em duas subespécies: (i) imposto sobre a
renda na fonte definitivo (exclusivo); e (ii) imposto sobre a renda na fonte como
antecipação. O primeiro não exige complemento, o segundo é cobrado como
antecipação de eventual imposto futuro.
No caso do FIDC, se o cotista for pessoa física, a retenção na fonte do IR
será da subespécie definitiva; no caso de o cotista ser pessoa jurídica, a retenção do
imposto será considerada como antecipação, podendo deduzir o montante pago do
imposto quando da apuração do IRPJ.
Todavia, na modalidade antecipação (pessoa jurídica), o impacto fiscal é
maior do que nas pessoas físicas, visto que sobre a receita financeira incidirão, regra
297
Artigo 785 do Decreto n.º 3.000/1999, que trata dos responsáveis pela retenção e pagamento do
imposto. No caso do FIDC, segundo o inciso I do referido dispositivo, o responsável por esses atos
será o Administrador do fundo. 298
Artigo 1.º da Lei n.º 11.033/2004 e Instrução Normativa n.º 1.585/2015, artigos 4.º, 6.º e 7.º, com as
alterações feitas pela Instrução Normativa n.º 1.637/2016, que tratam do IR-Fonte por ocasião do
resgate, os prazos médios das cotas dos fundos e as alíquotas (longo prazo) e artigos 3.º e 8.º, que
tratam dos prazos médios das cotas dos fundos e as alíquotas (curto prazo). 299
Todos os meses de maio e novembro o Governo Federal recebe uma parte dos rendimentos dos
últimos seis meses de investimento. É dessa forma que a União cobra o Imposto de Renda sobre os
rendimentos dos fundos de investimento. 300
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:
Dialética 1998. p. 142.
239
geral, o IRPJ (15%+ 10%) e a CSLL (9%). No tocante ao PIS (0,65%) e Cofins (4%), a
incidência se dará apenas para as pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo
cujo o rendimento tratar-se de receita financeira.301
As Leis n.º 10.637/2002 e n.º 10.833/2003 permitiram, respectivamente, que
as pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa do PIS/Pasep e da
Cofins computassem créditos sobre as despesas financeiras incorridas mensalmente.
Com a edição da Lei n.º 10.865/2004, todavia, passou a ser vedada a apuração dos
referidos créditos sobre as despesas financeiras.
Para contrabalançar as despesas dos contribuintes, o Governo Federal editou
o Decreto n.º 5.442/2005, que reduziu a zero as alíquotas das contribuições ao
PIS/Pasep e à Cofins, incidentes sobre as receitas financeiras, auferidas pelas pessoas
jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições,
sendo restabelecidas as alíquotas com a edição do novo Decreto, objeto de análise no
Capítulo 4 deste trabalho.
O rendimento obtido com a aplicação em cotas de FIDC é considerado
receita financeira para pessoas jurídicas que não possuem atividade financeira, para
efeito de cálculo do IR ou CSLL apurados conforme a legislação aplicável. Se a fonte
de renda da pessoa jurídica for apenas o resultado de sua aplicação em cotas de FIDC,
esta acabará pagando um valor maior de tributos (34%) quando comparado à carga
tributária que incidiria sobre a aplicação caso ela fosse uma pessoa física (entre 22,5% e
15%).
Esse tributo tem fundamento de validade constitucional nos artigos 157302
e
158,303
regulamentado pelo Decreto n.º 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de
Renda), em vários dispositivos.
301
Decreto n.º 8.426/2015 (efeitos desde 1.º de julho de 2015), que restabeleceu as alíquotas da
Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas
pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativo das referidas contribuições. 302
“Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:
I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza,
incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas
fundações que instituírem e mantiverem; [...]” 303
“Art. 158. Pertencem aos Municípios:
240
A alíquota do imposto sobre a renda será determinada de acordo com o
prazo médio da carteira do fundo e com o prazo do investimento.304
Assim, caso a carteira do FIDC tenha prazo médio superior a 365 dias, a
alíquota do imposto de renda na fonte obedecerá a seguinte tabela:
Alíquota Prazo de Investimento
22,5% até 180 dias
20,0% entre 181 e 360 dias
17,5% entre 361 e 720 dias
15,0% acima de 720 dias
Na hipótese de o prazo médio da carteira do fundo ser igual ou inferior a 365
dias, a alíquota do imposto de renda na fonte será determinada da seguinte forma:
Alíquota Prazo de Investimento
22,5% Até 180 dias
20,0% acima de 180 dias
I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza,
incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas
fundações que instituírem e mantiverem; [...]” 304
Artigos 6.º e 7.º da Instrução Normativa n.º 1.585/2015.
241
Para que o fundo se submeta à alíquota de 15% a título de IR-Fonte, o
administrador acaba por investir parte do patrimônio líquido do fundo em títulos de
longo prazo, acima de 720 dias, permitindo que se enquadre nessa alíquota menor.
Não obstante, incide IOF sobre os rendimentos do FIDC, sob a forma de
alíquotas regressivas. A incidência do IOF se dará a alíquota de 1% ao dia sobre o valor
de resgate, cessão, repactuação de títulos de renda fixa e fundos e clubes de
investimento (conforme o prazo e limitado a percentual do rendimento), incidindo sobre
operações com títulos públicos federais, CDB e cotas de Fundos de Renda Fixa, de
prazo inferior a 30 dias. No caso de prazo ser superior a 30 dias, a alíquota será zero. 305
Quanto ao IOF sobre a “compra” ou “venda” dos recebíveis (operações de
carteira do FIDC), sua alíquota é zero.306
Destaca-se ainda que a Medida Provisória n.º 517/2010, convertida da Lei
n.º 12.431/2010, criou incentivos fiscais para instrumentos de financiamento ao
investimento, com o objetivo de estimular a construção de um mercado privado de
financiamentos de longo prazo.
Esses benefícios são para a aquisição por não residentes de títulos de longo
prazo de emissores privados não financeiros, e para detentores de debêntures de
infraestrutura, buscando incentivar a utilização desses instrumentos como forma de
viabilizar a captação de recursos para o financiamento de investimentos e ampliar o
acesso das empresas ao mercado de capitais.
A Lei n.º 12.844/2013 ampliou o escopo dos instrumentos incentivados para
investidores residentes ou domiciliados no Brasil, incluindo os fundos de investimento
em direitos creditórios (FIDC-Projeto), constituídos sob a forma de condomínio
fechado.
305
Decreto n.º 6.306/2007. “Artigo 32. O IOF será cobrado à alíquota de um por cento ao dia sobre o
valor do resgate, cessão ou repactuação, limitado ao rendimento da operação, em função do prazo,
conforme tabela constante do Anexo.” Quanto ao anexo mencionado no caput do referido artigo,
poderá ser acessada em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2007/Decreto/D6306.htm#anexo>. Acesso em: 16 mar. 2016. 306
Decreto n.º 6.306/2007. “Art. 32. [...]
§ 2.º Ficam sujeitas à alíquota zero as operações: [...]
II – das carteiras dos fundos de investimento e dos clubes de investimento” (destacamos).
242
As medidas de incentivo fiscal que inclui o FIDC-Projeto estão a seguir
descritas:
a) Cotas de FIDC fechados – residentes ou domiciliados no exterior, exceto
em país que tenham tributação favorecida: alíquota zero de IR para rendimentos de
títulos privados, com características específicas de prazo médio e remuneração e
recursos captados alocados em projetos de investimento, adquiridos por residentes ou
domiciliados no exterior, cujo originador ou cedente da carteira de direitos creditórios
não seja instituição financeira.307
b) Cotas de FIDC fechados – residentes e não residentes no País: alíquota
zero de IR para rendimentos de debêntures (objeto de distribuição pública) auferidos por
pessoas físicas; alíquota de 15% de IR (tributação na fonte) para rendimentos de
debêntures (objeto de distribuição pública) auferidos por pessoas jurídicas com
características específicas de prazo médio e remuneração e de emissão de SPE,
constituída para implementar projetos de investimento, nas áreas de infraestrutura ou de
produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação (Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação), considerados prioritários.308
O FIDC-Projeto deve apresentar uma série de características para fazer jus
ao incentivo tributário descrito na lei:309
Prazo de duração mínimo de seis anos;
Vedação ao pagamento total ou parcial do principal das cotas nos dois
primeiros anos a partir da data de encerramento da oferta pública de
distribuição de cotas constitutivas do patrimônio inicial do fundo, exceto
nas hipóteses de liquidação antecipada do fundo, previstas em seu
regulamento;
307
Lei n.º 12.431/2011, art. 1.º, com as alterações dadas pela Lei n.º 12.844/2013, MP n.º 601/2012 e
Res. CMN n.º 3.947/2011. 308
Lei n.º 12.431/2011, art. 2.º – Redação dada pela Lei 12.844/2013, MP n.º 601/2012, Res. CMN n.º
3.947/2011 e Decreto n.º 7.603, de 09.11.2011. 309
Anbima. Informe Legislativo n.º 21/2014.
243
Vedação à aquisição de cotas pelo originador ou cedente ou por partes a
eles relacionadas, exceto quando se tratar de cotas cuja classe subordine-
se às demais para efeito de amortização e resgate;
Prazo de amortização parcial de cotas, inclusive as provenientes de
rendimentos incorporados, caso existente, com intervalos de, no
mínimo, 180 dias;
Comprovação de que as cotas estejam admitidas na negociação em
mercado organizado de valores mobiliários ou registrados em sistema de
registro devidamente autorizado pelo Banco Central do Brasil ou pela
CVM;
Procedimento simplificado que demonstre o objetivo de alocar os
recursos obtidos com a operação em projetos de investimento, inclusive
os voltados à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação;
Presença obrigatória no contrato de cessão, no regulamento e no
prospecto, se houver, na forma a ser regulamentada pela CVM,
incluindo o objetivo do projeto ou projetos beneficiados; do prazo
estimado para início ou encerramento (incluindo projetos em fase de
encerramento); do volume estimado dos recursos financeiros (dos
projetos não iniciados ou para a conclusão dos já iniciados) e do
percentual estimado na captação da venda dos direitos creditórios;
Percentual mínimo de 85% de patrimônio líquido representado por
direitos creditórios, e os 15% restantes por títulos públicos federais,
operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais ou
cotas de fundos de investimento que invistam em títulos públicos
federais.
Ressalte-se ainda que o FIDC pode ser constituído para adquirir recebíveis
de um único cedente ou devedor ou de empresas pertencentes ao mesmo grupo
econômico.
Esses benefícios vistos supra não são aplicáveis às securitizadoras de títulos
e valores mobiliários.
244
Por fim, cumpre analisar outra subespécie de FIDC criado pela Instrução
CVM n.º 444/2006, mais flexível que o FIDC tradicional. Trata-se do Fundo de
Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP).310
O artigo 1.º, § 1.º, da Instrução CVM regulamentadora do FIDC-NP permite
que se realizem aplicações em quaisquer percentuais de seu patrimônio líquido, em
direitos creditórios:
Art. 1.º A presente Instrução dispõe sobre a constituição e o
funcionamento dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios
Não padronizados – FIDC-NP.
§ 1.º Para efeito do disposto nesta Instrução, considera-se Não
Padronizado o FIDC cuja política de investimento permita a
realização de aplicações, em quaisquer percentuais de seu patrimônio
líquido, em direitos creditórios:
I – que estejam vencidos e pendentes de pagamento quando de sua
cessão para o fundo;
II – decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como
de suas autarquias e fundações;
III – que resultem de ações judiciais em curso, constituam seu objeto
de litígio, ou tenham sido judicialmente penhorados ou dados em
garantia;
IV – cuja constituição ou validade jurídica da cessão para o FIDC seja
considerada um fator preponderante de risco;
V – originados de empresas em processo de recuperação judicial ou
extrajudicial;
VI – de existência futura e montante desconhecido, desde que
emergentes de relações já constituídas; e
VII – de natureza diversa, não enquadráveis no disposto no inciso I do
art. 2.º da Instrução CVM n.º 356, de 17 de dezembro de 2001.
Note-se do texto legal anterior que entre os direitos creditórios que podem
compor um fundo não padronizado estão aqueles vencidos ou pendentes de pagamento
no momento da cessão, os resultantes de ação judicial em curso, que estejam
penhorados ou dados em garantia, os débitos fiscais e não fiscais que compõem as
310
Refere a fundos que investem em direitos creditórios com características especiais. A criação desse
segmento foi motivada principalmente pelos reiterados pedidos de registro de fundos, analisados pelo
colegiado da CVM, cujas carteiras seriam compostas por direitos creditórios não enquadrados pela
Instrução CVM n.º 356, publicada em 2001, a principal norma que regula o mercado de FIDC. A
edição da IN CVM n.º 444, por conseguinte, ampliou de maneira expressiva a gama de direitos
creditórios passíveis de serem adquiridos, a partir de então, pelo novo veículo, o FIDC-NP.
245
receitas públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e ainda
os originados de empresas em processo de recuperação judicial ou extrajudicial.
O FIDC-NP funciona de forma muito similar ao FIDC tradicional, exceto
pela liberdade maior na escolha dos direitos creditórios, alvo da carteira de
investimento. Há maior risco, porém maior retorno se comparado a um FIDC
tradicional.
A principal diferença reside no fato de o fluxo de caixa de fundo não
padronizado não ser previamente determinado, justamente por tratar-se de operações
vencidas, como dívidas ativas, precatórios e afins.
Em razão de características específicas, é perfeitamente admissível que o
FIDC-NP ofereça uma rentabilidade maior que a dos demais fundos. Em princípio, um
FIDC-NP deveria render mais do que 120% do CDI, enquanto o rendimento médio dos
tradicionais gira em torno de 100% a 120% do Certificado de Depósito Interbancário
(CDI), que é a taxa média dos empréstimos feitos entre os bancos.
Da mesma forma que o FIDC tradicional, o FIDC-NP tem como um dos
principais diferenciais a tributação favorável. O Fundo é isento de tributação acerca das
transações cotidianas, envolvendo a compra de créditos, e somente no momento de
resgate das cotas os quotistas serão tributados pelo IR-Fonte, sobre as mesmas bases
que o FIDC tradicional.
Ademais, o FIDC-NP terá cota de valor nominal unitário mínimo de R$
1.000.000,00, somente sendo permitidas a emissão e a negociação de fração de cotas
para os titulares de pelo menos uma cota com esse valor nominal. Todavia, esse valor
mínimo não se aplica nos casos decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas
dos entes políticos e de natureza diversa.311
Por fim, não podemos apenas destacar as vantagens do FIDC em relação à
securitizadoras, como foi feito até o presente momento. Há desvantagens que merecem
ser apontadas.
311
Artigo 4.º da IN CVM n.º 444/2006.
246
A primeira é a dificuldade que se tem na renegociação dos títulos que
lastreiam os direitos creditórios quando ocorre a inadimplência pelo devedor. Pelo fato
de ter havido a cessão dos direitos creditórios ao fundo pelas empresas originadoras,
aquele assume o papel de credor.
Essa dificuldade existe com as securitizadoras, contudo é mais fácil de ser
administrada, pois os sócios ou os operadores da securitizadora acabam interferindo
diretamente na renegociação.
Em relação ao fundo, por possuir prestadores de serviços vinculados na
operação, com funções e responsabilidades próprias de administração e gestão, a
margem de renegociação torna-se mais difícil.
Uma solução encontrada por ambos foi a troca ou substituição dos títulos
por outro a ser oferecido pelo mesmo originador, devolvendo os títulos inadimplidos à
titularidade da empresa cedente.
No caso do FIDC, a partir de 2011, criou-se a obrigatoriedade de listagem
dos eventos como pré-pagamento, inadimplência, entre outros, o que trouxe maior
transparência ao mercado envolvendo esses fundos.
Outro ponto negativo dos fundos é a capacidade econômica dos
investidores, como os investidores qualificados e profissionais, que exigem valores
muito superiores em relação aos investidores das securitizadoras, visto que nesse último
não há exigência de capacidade econômica mínima.
A terceira desvantagem é a rigidez das regras aplicadas aos fundos e a
burocracia dos registros e procedimentos na CVM e Anbima, o que já não se vislumbra
nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, que possui maior liberdade.
Por fim, outro ponto negativo no tocante às operações de FIDC é o número
restrito de prestadores de serviços que compõem a estrutura operacional dos fundos, o
que pode ensejar o não atendimento das demandas existentes, impactando de forma
negativa o desenvolvimento do setor.
247
Do ponto de vista jurídico, podemos mencionar algumas desvantagens
também para o FIDC, que geram insegurança aos investidores, como:
(i) a responsabilidade pela existência de eventuais recebíveis
fraudulentos na carteira; (ii) a eficácia da coobrigação da cedente
quando a cessão dos direitos de crédito ao fundo é feita com
coobrigação da empresa originadora dos referidos direitos; e (iii) a
cessão realizada dentro do período definido como termo legal da
falência do cedente, o qual poderá ser determinado pelo juiz, ou do
primeiro protesto por falta de pagamento.312
Assim, há vantagens e desvantagens na migração das atividades das
securitizadoras para o FIDC, devendo as empresas customizar e avaliar os riscos
operacionais, sendo certo que no âmbito jurídico o aspecto é mais favorável aos Fundos
de Investimento em Direitos Creditórios, em razão da regulamentação existente, da
estrutura societária e da economia fiscal.
5.2 Legalidade concreta e a busca pela não surpresa
No caso do FIDC, a forma de tributação está consolidada e a segurança
jurídica é maior em relação ao regime de tributação aplicado ao passado, visto tratar de
condomínio em que a tributação ocorre na fonte em relação aos rendimentos dos
cotistas.
Diferentemente se dá com as securitizadoras que operam com recebíveis,
que foram surpreendidas com a mudança do regime do lucro presumido para o lucro
real em razão da edição do Parecer Normativo n.º 5/2014.
Diante dessa instabilidade jurídica, muitas securitizadoras de ativos
empresariais, após a mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil, passaram a
migrar suas operações de ativos empresariais para fundos de investimento em direitos
creditórios, concentrando seus recebíveis em diferentes prazos de vencimentos,
buscando enquadrar sua carteira na categoria de títulos com prazo médio superior a 365
dias, em razão da menor carga tributária (15%).
312
PIRES, Daniela Marin. Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). 2. ed. São Paulo:
Almedina, 2015. p. 77.
248
A migração não é indício e muito menos significa que um contribuinte que
passou a exercer nova atividade continue desempenhando a atividade anterior, como se
presume de forma indevida pelas autoridades fiscais.
É necessário identificar objetivamente um conjunto de elementos
necessários para suportar uma afirmação: o contribuinte continua de fato praticando a
atividade anterior, sob a roupagem, imagem ou aparente ideia de que está exercendo a
nova atividade?
No caso do FIDC, em razão de as diferenças serem tão notórias no âmbito
legal, operacional e fiscal em relação às sociedades securitizadoras, não se permite
afirmar que está praticando a securitização de títulos e valores mobiliários, utilizando-se
da fraude ou simulação sob a forma de FIDC.
Essa migração visa, além da busca da legalidade, da segurança jurídica nas
operações, evitar qualquer surpresa do Poder Público não em relação ao futuro, que é
incerto, mas no tocante àquilo que fora praticado no passado.
O ato do Poder Público de interpretação retroativa desconsiderando seus
próprios atos enunciativos de legalidade denota que a instabilidade jurídica se instalou
no País sob a premissa de a qualquer custo gerar fontes de receitas tributadas para suprir
os caixas do Governo Federal.
A falta de seriedade não só desestimulou o setor da securitização de ativos
empresariais, como gerou fuga de capital para fora do País.
No final de 2014, o Banco Central brasileiro constatou a saída de US$ 11,3
bilhões de dólares.313
É a maior fuga de capitais desde 1982, quando o Banco Central
começou a registrar os dados. Logicamente a justificativa para tal não é apenas a
insegurança jurídica no País, existindo outros fatores, como a crise política.
Não obstante, muitos investidores em direitos creditórios preferiram investir
em papéis e ações no mercado internacional, o que diminuiu também o fluxo de
investimentos em securitizadoras e FIDC.
313
Dados do Banco Central do Brasil de 31.12.2014.
249
Se as regras do sistema jurídico brasileiro não são claras ou são passivas de
interpretações dúbias, caberia ao aplicador do direito solucionar essas falhas. A Receita
Federal buscou fazer esse papel de 2005 até abril de 2014. Todavia, mudou de
entendimento e causou o efeito insegurança jurídica no setor.
O que resta agora às securitizadoras de ativos empresariais é bater à porta do
CARF e do Poder Judiciário para restabelecer a ordem jurídica profundamente abalada,
e aqueles que ainda se sentirem ameaçados pelo Poder Público, no sentido de serem
autuados ao continuarem optando pelo regime do lucro presumido, visto que a Receita
Federal do Brasil não sinaliza em nenhuma hipótese restabelecer o permissivo quanto ao
regime do lucro presumido, poderão realizar a migração para o FIDC, pelo menos para
se agarrar à legalidade concreta e evitar surpresas após a migração, até mesmo porque
em relação aos fundos não há certa margem de liberdade de interpretação das regras
editadas, existindo textos normativos mais claros e objetivos expedidos pela Comissão
de Valores Mobiliários e pela Receita Federal do Brasil.
5.3 A busca pela redução da carga fiscal pelas vias lícitas
No Brasil, reconhece-se o direito dos contribuintes de arranjar seus negócios
de modo a contrair o mínimo de responsabilidade fiscal possível. A despeito de esse
direito se encontrar mitigado por decisões administrativas do CARF, que evoluiu ao
longo de uma década para não aceitar a reorganização societária e operacional tão
somente na busca pela economia fiscal, incluindo outras exigências como o propósito
negocial, o fundamento econômico, entre outros, há no ordenamento jurídico brasileiro
esse preceito e responsabilidade do administrador de pretender organizar os negócios
visando a maior rentabilidade possível.
O estudo do permissivo normativo de se buscar na atividade empresarial,
especificamente na securitização de títulos ou valores mobiliários, incluindo o FIDC, a
redução da carga fiscal pelas vias lícitas, não envolvendo o dolo, fraude ou simulação,
será o nosso próximo passo neste trabalho.
250
Destaca-se, apenas um parêntesis, que a tríade “dolo, fraude e simulação”
fora mencionada no disposto no artigo 149, VII,314
do CTN, autorizando e vinculando o
fisco a realizar o lançamento fiscal com penalidades majoradas ou agravadas, bem como
no artigo 150, §4 .º,315
do CTN, quando o dolo, fraude ou simulação alteram a contagem
do prazo decadencial para o fisco homologar expressamente a atividade exercida pelo
contribuinte, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação.
Também a referida tríade fora mencionada no artigo 154, parágrafo
único,316
do CTN, quando tratou da moratória, e no artigo 180, I,317
do CTN, ao se
referir à anistia.
No contexto do Código Tributário Nacional essa expressão “dolo, fraude ou
simulação” configura vícios produzidos de forma intencional pelo contribuinte, que
utiliza da má-fé, cria uma situação falsa ou de mera aparência, para extinguir, reduzir ou
postergar a incidência tributária.318
O dolo, a fraude ou a simulação configuram crime de sonegação fiscal, nos
termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/1990.
314
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes
casos: [...]
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo,
fraude ou simulação” (destacamos). 315
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao
sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa,
opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida
pelo obrigado, expressamente a homologa. [...]
§ 4.º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato
gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se
homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de
dolo, fraude ou simulação” (destacamos). 316
“Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos
definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo lançamento já tenha
sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo.
Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo
ou do terceiro em benefício daquele” (destacamos). 317
“Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei
que a concede, não se aplicando:
I – aos atos qualificados em lei como crimes ou contravenções e aos que, mesmo sem essa
qualificação, sejam praticados com dolo, fraude ou simulação pelo sujeito passivo ou por terceiro em
benefício daquele; [...]” (destacamos). 318
Nesse sentido é o entendimento de BOZZA, Fábio Piovesan. Planejamento tributário e autonomia
privada. São Paulo: Quartier Latin, 2015. p. 199. (Série Doutrina tributária, v. XV.)
251
Paulus Merks319
nos ensina que sonegação fiscal busca esconder ou
disfarçar certo fato gerador, sem causar efeito no próprio fato gerador, enquanto o
planejamento tributário e a elisão fiscal impactam o fato gerador em si. Em resumo, a
sonegação fiscal pode ser definida como a violação direta de uma lei.
Ademais, nas lições de Charles Mcnaughton, equiparar economia tributária
à fraude encontra barreiras no artigo 150, IV, da CF, pois estaria incorrendo o fisco em
instituição de norma confiscatória.320
Ainda que se constate a existência de dolo, fraude ou simulação, a barreira
para se aplicar a penalidade seria no máximo o valor equivalente ao tributo devido,
como bem assentou o Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no AgR/RE
657372/RS, de 28.05.2013.321
Esse entendimento fixado pelo STF tem total coerência com o direito
patrimonial do contribuinte, pois respeita os abusos fixados pelo legislador, como
ocorre com as multas acima de 100%.
Portanto, trabalharemos a busca da economia fiscal sem o uso de artifício
empregado pelo contribuinte ou por terceiro com o intuito de enganar o fisco.
Utilizando-se do permissivo legal quanto às escolhas, direito constatado
neste estudo em relação aos regimes do lucro real e presumido para as securitizadoras
de títulos e valores mobiliários, ou mesmo a criação de FIDC para o exercício da
atividade de securitização de recebíveis, elucidamos que esses atos não configuram
planejamento fiscal, pois não há nenhum objetivo em elidir a lei, no sentido de
manipular a lei de forma lícita para a obtenção de economia fiscal.322
319
MERKS, Paulus. Sonegação fiscal, elisão fiscal, planejamento tributário agressivo e não agressivo.
Direito tributário internacional: teoria e prática. São Paulo: RT, 2014. p. 624-625. 320
MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva (completabilidade e sistema
tributário). 2013. Tese (Doutorado) – PUC/SP, São Paulo, p. 278. 321
STF, 2.ª Turma, AgR RE 657372/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.05.2013. 322
Nesse sentido é o entendimento de Alberto Xavier e Sampaio Dória sobre a definição do conceito de
Elisão Fiscal (XAVIER, Alberto. A evasão fiscal legítima: o negócio jurídico indireto em direito
fiscal. Revista de Direito Público, São Paulo: RT, ano VI, n. 23, p. 236-253, jan.-mar. 1973; DÓRIA,
Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: Livraria dos Advogados, 1971. p. 25).
252
Adequar a atividade praticada por pessoa jurídica nas hipóteses em que não
há vedação legal, atendendo as regulamentações normativas, não configura ato de elisão
e evasão fiscal. Trata-se do exercício da livre-iniciativa e do livre-arbítrio do
contribuinte, direitos intransponíveis, insculpidos no artigo 1.º, IV, e artigo 5.º, caput,
ambos da CF/1988, fulcrados no permissivo legal.
A melhor doutrina faz a distinção de elisão, elusão e evasão, considerando
que na elisão a finalidade é a legítima economia de tributos, os atos praticados são
lícitos, mas não há violação direta ou indiretamente de dispositivos legais; já a elusão o
contribuinte utiliza atos lícitos, se isoladamente considerados, mas sem causa,
simulados ou em fraude à lei, tudo com o objetivo de economizar tributos. Por fim, na
evasão fiscal o contribuinte age voluntária e dolosamente para suprir, reduzir ou eximir-
se do pagamento do tributo devido.323
Nas lições de Ulhoa Canto,324
evasão fiscal ocorre quando se descumpre a
norma tributária, deixando de recolher tributo mediante a utilização de um mecanismo
para ludibriar a autoridade fiscal sobre esse evento.
Em 2001, a Lei Complementar n.º 104 promoveu alterações no Código
Tributário Nacional, entre as quais a inclusão do parágrafo único no artigo 116, que
prescreve:
[...] a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular ocorrência do fato
gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, observados os procedimentos a serem
estabelecidos em lei ordinária.
Para o jurista Marco Aurélio Greco,325
a norma antielisiva não autoriza a
exigência de tributo por analogia ou sem a efetiva realização do fato gerador previsto
em lei. Não permite conjecturas ou suposições pelo fisco acerca de atos ou negócios que
poderiam ter ocorrido. Afirma que o pressuposto para a aplicação do referido
323
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário e direito privado: autonomia privada: simulação: elusão
tributária. São Paulo: RT, 2003. p. 174-189. 324
CANTO, Gilberto Ulhoa. Elisão e evasão fiscal. Cadernos de pesquisas tributárias. São Paulo:
Resenha Tributária e Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1998. v. 3, p. 44. 325
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2011. p. 548-557.
253
dispositivo é a existência de ato ou negócio lícito, sem patologia, mas que procura fingir
a ocorrência do fato gerador tributário, em desconformidade com o princípio da
capacidade contributiva.
Ainda que tenham surgido importantes teorias sobre a norma antielisiva e a
jurisprudência ter enfrentado de maneira tímida a questão, uma crítica que se faz é que
permanecemos com um dispositivo (artigo 116 do CTN) de alto grau de
indeterminação, vagueza e dependência de lei federal que regule o procedimento, que
necessita de textos mais claros, mais objetivos, menos evasivos, de forma a evitar o
conflito interpretativo entre a liberdade do fisco na desconsideração dos atos ou
negócios jurídicos e a liberdade do contribuinte em se auto-organizar de maneira
fiscalmente menos onerosa.
Segundo Greco, essa liberdade não é absoluta e deve ser observada no plano
do seu exercício para o fim de detectar a eventual existência de um abuso de direito,
devendo existir uma razão extratributária, econômica, empresarial e familiar que a
justifique.326
Essa teoria foi submetida a pertinentes críticas, especialmente quando trata
do abuso de direito327
em matéria fiscal, sustentando a implicação de “inoperância” ou
“ineficácia” do ato em relação ao Fisco, o que não importaria em ilegalidade ou ilicitude
da operação.
Entender dessa forma, mesmo que se afastem os princípios “se não está
permitido está proibido” (que vigora para a Administração) e “se não está proibido está
permitido” (que vigora para o particular), como defende o referido jurista, seria atribuir
ao “abuso de direito” uma ferramenta impositiva ao direito tributário.
326
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética,
1998. p. 139-140. 327
Criado para inibir práticas, embora esteja dentro do campo da licitude, implica, no seu resultado, uma
distorção no equilíbrio do relacionamento entre as partes, seja pela utilização de um poder ou de um
direito em finalidade diversa daquela para a qual o ordenamento assegura sua existência, seja sua
distorção funcional, por implicar inibir a eficácia da lei incidente sobre a hipótese sem sua razão
suficiente que a justifique. Definição dada por Marco Aurélio Greco para sustentar sua tese de
aplicação do abuso de direito no planejamento tributário. Ibidem, p. 128.
254
O abuso de direito pode ser usado com parcimônia para qualificação de atos
jurídicos, especialmente os praticados sem causa.328
Não que esse instituto do direito civil, previsto no artigo 188, I,329
da Lei n.º
10.406/2002, não seja aplicável ao direito tributário, mas estamos diante de algo que
não configura ato ilícito, e que por si só, por não existir proibição legal em praticar atos
que busquem gerar economias tributárias, não pode ser aplicado isoladamente para
desconsiderar atos ou negócios jurídicos realizados pelos contribuintes.
Voltando à questão do direito de escolhas – usado pelas securitizadoras de
valores mobiliários –, seja em se submeter ao regime do lucro presumido ao atender os
requisitos do artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998, seja em constituir um Fundo de
Investimento em Direitos Creditórios para securitizar recebíveis, desde que se
comportem material e formalmente na atividade de securitização, atendendo a todas as
características operacionais, contratuais, normativas perante os investidores e partes
relacionadas na operação, estaremos no campo do possível, do permissivo legal, no
exercício do direito de buscar maior rentabilidade e economia fiscal, fazendo valer a
tributação conforme a lei, e nada mais do que está disposto na lei, condicionado pela
própria lei.
Assim, o exercício da busca pela legalidade, mediante escolhas previstas nas
próprias leis, sequer poderia ser tachado como planejamento tributário sujeito a
qualquer instituto do abuso do direito, do negócio jurídico indireto ou qualquer ato
atentatório à desconsideração de atos ou negócios jurídicos, até mesmo porque há
também obrigações envolvidas. Não é algo gratuito, sem sentido ou sem causa.
Negar esse direito de escolha seria uma violência desmedida fulcrada na
usurpação de direitos dos contribuintes previstos na própria lei.
Poderíamos comparar esse direito de escolha fixado pela lei com a opção
dos contribuintes pessoa física que, ao realizarem sua declaração de imposto sobre a
328
Como bem observado por MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e norma antielisiva
(completabilidade e sistema tributário). 2013. Tese (Doutorado) – PUC/SP, São Paulo, p. 382. 329
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; [...]”
255
renda, farão um comparativo de pagamento do imposto entre adotar a declaração
simplificada e a declaração completa. Aquela que trouxer maior economia fiscal poderá
ser adotada, pois ambas estão previstas em lei.
Atender o que está disposto na Lei, mediante escolhas, não é só uma
obrigação do contribuinte, mas um direito que deve ser preservado sobre todos os
aspectos.
256
6
IMPOSSIBILIDADE DA SECURITIZAÇÃO DA DÍVIDA ATIVA
NO ATUAL ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Neste capítulo, nosso objetivo é aprofundar ainda mais o estudo sobre a
securitização, especificamente a utilização de FIDC-NP (forma mencionada por
instrução CVM) nas antecipações de recebíveis de natureza tributária e não tributária
pelos entes políticos.
Fizemos um novo corte no sistema jurídico para tratar da securitização da
Dívida Ativa, não sendo objeto deste trabalho a securitização de contratos existentes
com o Poder Público, créditos tributários a vencer, créditos tributários parcelados pelos
contribuintes, entre outros, que configuram recebíveis. Buscamos tratar da securitização
da Dívida Ativa em razão de configurar a maior fonte de receita pública dos entes
políticos, com pouca eficácia em termos de recebimento desses créditos.
Constatamos neste estudo que, desde o início de 2009, Estados, Municípios
e o Distrito Federal têm aplicado a securitização no recebimento de recursos de longo
prazo por meio da denominada “Securitização de Dívida Ativa”, envolvendo
antecipação de direitos creditórios. Todavia, foi editada regra pela Comissão de Valores
Mobiliários incluindo a securitização como operação de créditos diante da antecipação
de receita pública, nos termos do artigo 167, IV, da CF/1988, a despeito de não
concordarmos com esse enquadramento. Vejamos o texto constitucional:
Artigo 167. São vedados:
[...]
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou
despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação
dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação
de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para
manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de
atividades da administração tributária, como determinado,
respectivamente, pelos arts. 198, § 2.º, 212 e 37, XXII, e a
prestação de garantias às operações de crédito por
antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8.º, bem como
o disposto no § 4.º deste artigo;
[...]
§ 4.º É permitida a vinculação de receitas próprias geradas
pelos impostos a que se referem os arts. 155 e 156, e dos
257
recursos de que tratam os arts. 157, 158 e 159, I, a e b, e II,
para a prestação de garantia ou contragarantia à União e para
pagamento de débitos para com esta (destacamos).
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
[...]
§ 8.º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho
à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo
na proibição a autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que
por antecipação de receita, nos termos da lei.
Na “Securitização de Dívida Ativa”, que busca antecipar recebíveis fiscais e
não fiscais já vencidos e não pagos, o detentor do direito de receber o crédito (ente
político) cede os direitos creditórios, constituídos em razão de fatos jurídicos já
ocorridos, para securitizadora ou Fundo de Investimento em Direitos Creditórios,
recebendo o ente político recursos financeiros, bem como debêntures (securitizadora) ou
títulos subordinados (FIDC) lastreados nos valores da Dívida Ativa.
A cessão dos direitos creditórios realizada de forma definitiva à
securitizadora ou ao FIDC é considerada uma alienação patrimonial, ou seja, trata-se da
venda de um ativo pertencente ao Poder Público, não possuindo nenhuma característica
de financiamento ou cessão de crédito que possa gerar uma dívida do Poder Público
com a securitizadora caso não se inclua cláusula de recompra dos direitos creditórios na
operação, a despeito de guardar consigo a antecipação do valor de um recebível pelo
originador do crédito.
A discussão que teremos pela frente é se essa operação de securitização está
submetida ou não à Lei de Responsabilidade Fiscal e se possui sustentabilidade diante
de Resoluções editadas pelo Senado Federal.
Para tanto, será necessário analisarmos o Parecer da Procuradoria da
Fazenda Nacional n.º 1579/2014,330
que respondeu consulta sobre o enquadramento da
criação de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) pelo Município de
Nova Iguaçu-RJ no conceito de operação de crédito da Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF).
330
Disponível em: <http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/15792014>. Acesso em:
30 abr. 2016.
258
Destaca-se ainda que o Tribunal de Contas da União enfrentou a
securitização da Dívida Ativa por antecipações de receita, submetendo-se,
liminarmente, à suspensão dos fundos constituídos pelos entes políticos até o
julgamento do mérito da matéria.
Com o intuito de evitar a incidência da LRF, o Senado Federal editou as
Resoluções n.º 11/2015 e n.º 17/2015, alterando a Resolução n.º 43/2001, dispondo que
a securitização de recebíveis de Dívida Ativa não sejam consideradas “operação de
crédito”.
A despeito de o legislador buscar permissão para que a União, Estados,
Distrito Federal e Municípios antecipem recursos financeiros sem infringir a LRF,
apontamos a existência de obstáculos que envolvem desde a indisponibilidade do bem
público, passa pela impossibilidade da cessão do direito creditório, percorre a
ilegitimidade da entidade privada que se sub-rogou no direito do crédito na utilização da
Lei de Execuções Fiscais para cobrar o devedor, adentra ainda a falta de interesse
público após o processo de securitização da dívida ativa, em razão da antecipação e
liquidação do débito perante a Fazenda, para no final apontar as decisões liminares
proferidas pelo Tribunal de Contas da União331
sobre a securitização da Dívida Ativa.
Iniciemos o estudo identificando a natureza jurídica das certidões em Dívida
Ativa, título que permite a cobrança judicial dos débitos fiscais e não fiscais, nos termos
da Lei n.º 4.320/1964.
6.1 Natureza jurídica da certidão de dívida ativa
O artigo 784 do Novo Código de Processo Civil332
prescreve que a certidão
de Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
331
Art. 71 da Constituição Federal. “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]
II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo
Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade
de que resulte prejuízo ao erário público; [...]” 332
Lei n.º 13.105/2015, com vigência desde 18.03.2016. Nos termos do artigo 585, VII, do antigo
Código de Processo Civil, a previsão era a mesma.
259
Municípios é título executivo extrajudicial, possuindo a mesma classificação das notas
promissórias, duplicatas, cheques, debêntures, entre outros, estes últimos passíveis de
securitização, como visto no presente estudo.
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
[...]
IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos
créditos inscritos na forma da lei;
[...] (destacamos).
A Lei n.º 6.830/1980, que trata do processo de execução fiscal,333
dispõe em
seu artigo 2.º que:
Constitui dívida ativa da Fazenda Pública aquela definida como
tributária e não tributária na Lei n.º 4.320, de 17 de março de 1964,334
com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito
financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da
União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Note-se que a definição do conceito de Dívida Ativa é bem ampla, pois
abrange todas as receitas da Fazenda Pública. Isso quer dizer que “qualquer valor”, cuja
cobrança seja atribuída por lei à Fazenda Pública, “será considerado Dívida Ativa”.335
333
Rito expropriatório específico, conforme leciona ASSIS, Araken de. Manual de processo de
execução. 5. ed. São Paulo: RT, 1998. p. 147. 334
Lei n.º 4.320/1964: “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária,
serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas espécies rubricas
orçamentárias [...]
§ 2.º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação
legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não Tributária são os
demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios,
contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias,
foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados
por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis
definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de
sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras
obrigações legais” (destacamos). 335
THEODORO JR., Humberto. Processo de execução. 23. ed. São Paulo: Editora Universitária de
Direito, 2005. p. 173.
260
No âmbito do Estado, receita pública decorre da entrada de recursos,
relativos ao recebimento de dinheiro ou de outras verbas recebidas pelo erário
público.336
A execução da Dívida Ativa depende de ato prévio de controle
administrativo da legalidade do crédito fazendário, que se faz por meio de inscrição em
livro próprio.337
O ato e os requisitos necessários à inscrição do débito em Dívida Ativa
para a formação do título executivo extrajudicial pela Fazenda Pública encontram
guarida no artigo 202 do Código Tributário Nacional.338
Observa-se que o título executivo não é a inscrição da Dívida Ativa, mas a
certidão da dívida, cujos requisitos estão no Código Tributário Nacional antes
mencionado.
Nesse ponto, podemos afirmar que a certidão de Dívida Ativa e os demais
títulos de crédito passíveis de securitização possuem a mesma classificação de títulos
executivos extrajudiciais.
Assim, para que a Fazenda Pública possa cobrar a Dívida Ativa, um dos
requisitos necessários é a sua inscrição, submetendo-se a execução judicial do débito
aos termos da Lei n.º 6.830/1980, diferentemente do que ocorre com os demais títulos
executivos extrajudiciais que seguem o rito de execução do Código de Processo Civil.
O próximo passo é examinarmos o crédito tributário e sua indisponibilidade.
336
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores
Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 123. 337
Artigo 2.º, § 3.º, da Lei n.º 6.830/1980. 338
“Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará
obrigatoriamente:
I – o nome do devedor e, sendo caso, o dos corresponsáveis, bem como, sempre que possível, o
domicílio ou a residência de um e de outros;
II – a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;
III – a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja
fundado;
IV – a data em que foi inscrita;
V – sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.
Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha
da inscrição.”
261
6.2 Crédito tributário como bem público indisponível
Inicialmente, cumpre pontuar que a administração pública deve realizar suas
condutas sempre zelando pelos interesses da sociedade, porém não poderá dispor desses
interesses, uma vez que o administrador não goza de livre disposição dos bens que
administra, haja vista que o titular desses bens é o povo.
Hely Lopes Meirelles339
destaca que a Administração Pública não pode
dispor desse interesse geral e renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela,
mesmo porque ela não é a legítima possuidora do interesse público, cujo titular é o
Estado, que, por isso, mediante lei, poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia.
A Lei Federal n.º 9.784/1999 prevê em seu artigo 2.º, parágrafo único, II, a
indisponibilidade do interesse público pela Administração Pública:
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados,
entre outros, os critérios de:
II – atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou
parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei.
Celso Antônio Bandeira de Mello340
leciona que a indisponibilidade dos
interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da
coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem
quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não
tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é
também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.
Não obstante o conceito de interesse público ser muito amplo, temos que
pensar em uma categoria que não seja a de interesse individual ou de interesse pessoal,
ou seja, precisamos analisar o conjunto, o social, que não se confunde com o somatório
de interesses privados ou particulares, peculiares de cada um.
339
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
103. 340
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 62-63.
262
O artigo 17 da Lei n.º 8.666/1993 dispõe que: “Os fins da administração
pública se resumem num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada.
Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo”.
O tributo, que compõe a Dívida Ativa, fonte de sustentabilidade financeira
dos entes públicos, é um bem enquadrado no interesse público do Estado, tratando-se da
fonte de receita para o exercício do múnus público perante os administrados.
Sua indisponibilidade é inerente a sua natureza jurídica, portanto a
autoridade administrativa não pode dispor sem a existência de lei específica que trata da
redução ou transação e, em razão disso, realizar acordos com os contribuintes.
Portanto, os direitos creditórios originados de créditos tributários,
constituídos ou não, parcelados ou não, cobrados ou não, formadores da receita pública,
são bens públicos indisponíveis, inegociais e irrenunciáveis, porque são necessários ao
cumprimento dos fins do Estado, que busca atender o bem comum e satisfazer as
necessidades públicas, amparados nos princípios da estrita legalidade e da
indisponibilidade dos interesses públicos.
Pontua-se ainda que não se permite delegação de competência para a
instituição de tributos, como se observa do disposto no artigo 7.º, caput, do CTN:
Art. 7.º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das
funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis,
serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária,
conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos
termos do § 3.º do artigo 18 da Constituição.
O que é permitido ao Poder Público é delegar a arrecadação (cobrança e
recebimento) desses tributos à iniciativa privada, atribuição que compreende as
garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público.
É o que se observa no disposto nos §§ 1.º e 3.º do artigo 7.º do Código
Tributário Nacional:
Art. 7.º [...]
§ 1.º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais
que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
263
§ 3.º Não constitui delegação de competência o cometimento, a
pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar
tributos.
Não podemos deixar de mencionar que o instituto da transação como causa
extintiva do crédito tributário tem previsão no artigo 156, III, do Código Tributário
Nacional, e os seus requisitos estão elencados no artigo 171 do mesmo Diploma Legal:
Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos
sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que,
mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e
consequente extinção de crédito tributário.
Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar
a transação em cada caso.
Todavia, não há no ordenamento jurídico lei dispondo e regulamentando a
transação de créditos tributários. O que existe no sistema jurídico são edições de leis
que tratam de anistia de multa e juros (redução ou perdão), que não envolvem o valor do
tributo, prática comum entre os entes políticos brasileiros.
Heleno Tôrres341
assevera que a transação tributária tem como pressuposto a
lide e a vontade das partes de realizar acordo mediante concessões recíprocas. Sem essa
concessão de ambas as partes (Poder Público e contribuinte), não há que falar em
transação e disponibilidade do crédito tributário.
Com isso, é evidente que faltam no ordenamento jurídico atual leis que
possam transpor certas barreiras na administração pública, de forma a viabilizar
eventual securitização de créditos tributários.
Para que se possa realizar a securitização da Dívida Ativa ou mesmo buscar
a conciliação judicial, a transação e a arbitragem em matéria tributária, será necessária
verdadeira transformação do sistema jurídico atual. Apenas a acomodação dos
princípios da indisponibilidade do patrimônio público e a segurança jurídica, com a
eficiência e a simplificação fiscal, não serão suficientes.
341
TÔRRES, Heleno Taveira. Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/consultor-
tributario-novas-medidas-recuperacao-dividas-tributarias?pagina=2>. Acesso em: 3 mar. 2016.
264
É louvável no âmbito da transformação do direito o surgimento de teorias
que enaltecem o princípio jurídico e técnico da praticabilidade da tributação, que impõe
ao legislador dever de buscar caminhos para maior economia, eficiência e celeridade na
constituição e recebimento dos tributos.
Não temos dúvidas de que o princípio da indisponibilidade do interesse
(bem) público, além de ser um obstáculo relativamente instransponível até mesmo para
a própria lei, somente poderia ser superado se o sistema jurídico brasileiro sofresse uma
profunda transformação em relação a valores dados às regras jurídicas, sujeitas inclusive
a modificações de textos legais no âmbito constitucional, de leis complementares e
ordinárias.
Temos consciência de que da forma como as regras estão postas no
ordenamento jurídico brasileiro elas não poderão permanecer. Há a necessidade de o
direito evoluir, mudar e transformar-se, com o objetivo de atender à eficiência da
arrecadação. Isso depende muito da conjugação de esforços e atos do Poder Executivo,
Legislativo e Judiciário, até mesmo porque a ineficiência dos entes públicos em cobrar e
receber os tributos dos administrados é patente, basta olhar os números da Dívida Ativa
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
É reconhecido o esforço do jurista Heleno Tôrres, um dos defensores da
acomodação de princípios, em olhar para o sistema jurídico atual e buscar a aplicação
dessa flexibilização da indisponibilidade do tributo (que se torna objeto da relação
jurídica que se forma no crédito tributário) como bem público, afirmando que “o crédito
tributário – previsto em lei – pode ser disponível para a Administração, segundo limites
estabelecidos pela própria lei, atendendo a critérios de interesse coletivo, ao isolar (a lei)
os melhores critérios para constituição, modificação ou extinção do crédito tributário,
bem como de resolução de conflitos, guardados os princípios fundamentais, muito
especialmente aqueles da igualdade, da generalidade e da definição de capacidade
contributiva. Eis o que merece grande acuidade para alcançar respostas adequadas aos
temas de conciliação, transação, arbitragem e outros pactos na relação tributária,
265
tomando como premissa a inexistência, no direito, de um tal princípio universal de
“indisponibilidade do tributo”.342
Contudo, não podemos concordar que o crédito tributário – previsto em lei –
pode ser disponível para a Administração Pública ao analisar regras e princípios
existentes no sistema jurídico atual, pois a indisponibilidade do crédito tributário, que
decorre da relação jurídica formada entre contribuinte e ente político quanto ao seu
objeto (tributo), impõe ao Poder Público o objetivo e o dever de arrecadar e receber o
seu bem tutelado para custear suas expensas.
Entretanto, não é possível fazer ilação de que o crédito tributário está
desconectado do tributo e, portanto, não estaria sob o manto do princípio da
indisponibilidade do interesse público.
O artigo 139 do CTN prescreve que: “O crédito decorre da obrigação
principal e tem a mesma natureza desta”. Portanto, tendo o crédito a mesma natureza do
tributo, sendo este último um bem público, não poderia o agente administrativo dispor
do crédito tributário.
O crédito decorre da obrigação tributária do contribuinte que tem diante do
ente político que exerceu sua competência. Da mesma forma, o crédito tributário
configura o direito do ente público competente de exigir o tributo do devedor. Trata-se
de mão dupla no âmbito relacional.
O artigo 141 do CTN, que trata do crédito tributário, traz em suas
entrelinhas o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos, ao dispor que:
O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou
extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos
previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob
pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação
ou as respectivas garantias.
342
TÔRRES, Heleno Taveira. Novas medidas de recuperação de dívidas tributárias. Revista Consultor
Jurídico, São Paulo, 17 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/consultor-
tributario-novas-medidas-recuperacao-dividas-tributarias?pagina=2>. Acesso em: 3 mar. 2016.
266
Como bem leciona Paulo de Barros Carvalho,343
excluir o crédito tributário
é excluir o débito, com existências simultâneas, numa correlação antagônica. Na visão
desse jurista, ao comentar o artigo 141 do CTN, que trata do crédito tributário e sua
modificação, extinção ou suspensão, entende que o funcionário da administração
tributária está impedido de dispensar a efetivação do crédito ou as respectivas garantias,
sob pena de responsabilidade funcional, na forma da lei.
Diante disso, na implicitude dessa mensagem, identifica o princípio da
indisponibilidade dos interesses públicos, um dos fundamentos do direito
administrativo, que obstaculiza a securitização da Dívida Ativa, pois o tributo e o
crédito tributário são bens públicos indisponíveis, princípio que impõe restrições
inclusive à própria lei.
6.3 Impossibilidade da cessão do direito creditório tributário a terceiros
A cessão do direito creditório tributário para terceiros, em razão da
transferência do direito de receber o tributo lastreado em título executivo extrajudicial
(certidão de Dívida Ativa) de maneira definitiva e irrevogável à securitizadora ou FIDC,
constituídos pela iniciativa privada, é passível de discussão.
Por mais que haja a extinção do crédito tributário mediante
antecipação/pagamento, atendendo ao direito do fisco em receber a obrigação tributária,
feita pela securitizadora ou FIDC, assumindo o papel de credores no lugar do Poder
Público, a partir de então, estaremos diante de uma nova relação jurídica, agora de
direito privado, que se forma entre securitizadores de direito privado e o devedor do
crédito tributário (contribuinte).
Contudo, a origem que lastreia o direito e o crédito (recebível) ainda é de
mesma natureza. No caso dos tributos, mantém-se a natureza tributária. Não é possível
apagar ou modificar esse critério inerente à formação do crédito. O crédito não se
343
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 439-
440.
267
transforma em outro, apenas as partes credoras se modificam mediante o instituto da
cessão e sub-rogação de direitos.
Pode-se suscitar que eventual criação legal da parafiscalidade, mediante a
atribuição da atividade de arrecadação do tributo à pessoa de direito privado, no caso
em estudo à securitizadora ou ao FIDC, assumindo estes o papel legal de arrecadador,
poderia atender viabilizar a securitização da Dívida Ativa. Contudo, uma das exigências
para a instituição da parafiscalidade será a utilização do produto da arrecadação em prol
da finalidade pública.
É fato que a parafiscalidade harmoniza-se plenamente com o conceito de
tributo, pois a disponibilidade do recurso ao arrecadador que figurar no polo ativo da
relação jurídica tributária, com o objetivo de aplicação dos recursos recebidos nos
propósitos que motivaram a sua exigência, não modifica a sua natureza tributária, como
bem observa Paulo Ayres Barreto.344
A competência tributária pressupõe a capacidade ativa. Isso quer dizer que à
União, Estados e Municípios outorgou-se a faculdade de expedir leis fiscais, atribuindo-
se também o poder de serem sujeitos ativos de relações jurídicas de cunho tributário.345
Tácio Lacerda Gama assevera que competência tributária é “a aptidão
jurídica, modalizada em obrigatório ou em permitido, para criar normas jurídicas que,
direta ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de
tributos”.346
Todavia, em determinadas situações, é possível verificar que a lei
instituidora do tributo indica sujeito passivo diferente daquele que detém a competência
tributária. Sempre que isso ocorrer, estaremos diante de duas situações distintas: (i)
aquele que recebeu a atribuição de arrecadar o tributo exercerá o disposto no artigo 7.º
do CTN, não ficando com o produto arrecadado, ou seja, transfere os recursos apenas ao
ente político; (ii) aquele que recebeu a atribuição de arrecadar o tributo exercerá as
344
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. São Paulo: Noeses,
2006. p. 99. 345
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 292. 346
GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São
Paulo: Noeses, 2011. p. 359.
268
mesmas atribuições do item (i), acrescidas da disponibilidade sobre os valores
arrecadados, para que os aplique no desempenho de suas atividades. Neste último caso
estamos diante da parafiscalidade.347
Regina Helena Costa348
nos ensina que parafiscalidade é conceito que se
relaciona com a capacidade tributária ativa, da aptidão de arrecadar e fiscalizar a
exigência de tributos a outra pessoa, de direito público ou privado – autarquia, fundação
pública, empresa estatal ou pessoa jurídica de direito privado, esta desde que persiga
finalidade pública. Às pessoas delegatárias, em regra, atribui-se, outrossim, o produto
arrecadado.
Não estamos tratando aqui de delegação de competência tributária, que é
vedada.349
A parafiscalidade é a delegação da arrecadação do tributo, por meio da
transferência da capacidade tributária ativa, feita por meio de lei editada pela mesma
pessoa jurídica que tem a competência de instituição do tributo.
Mesmo nessa hipótese, não será passível de aceitar a parafiscalidade na
securitização da Dívida Ativa, pois a pessoa jurídica de direito privado beneficiária
deverá desenvolver atividades de interesse público, e não privado, como ocorre com a
securitização feita por meio de sociedade de propósito específico privada ou FIDC.
Todavia, poder-se-ia cogitar a existência de um cenário diferente se a União,
Estados, Distrito Federal e Municípios criassem por meio de lei própria uma companhia
securitizadora (empresa pública)350
com propósito único e exclusivo de adquirir direitos
creditórios de titularidade daquele ente político, originários de créditos tributários ou
não tributários, objetos de parcelamento administrativos ou judiciais, com a emissão de
347
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 292. 348
COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: constituição e código de direito tributário
nacional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 48-49. 349
Artigos 7.º e 8.º do Código Tributário Nacional. 350
“Artigo 37 da CF/1988. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]
XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa
pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último
caso, definir as áreas de sua atuação.”
269
títulos ou valores mobiliários, de forma a obter recursos no mercado de capitais,
lastreados nos referidos direitos creditórios.
Nesse caso, em que a securitização será realizada por securitizadora sob o
controle público, conforme será visto em item específico a seguir, a Lei de
Responsabilidade Fiscal poderá incidir sobre essas operações.
Não se questiona neste estudo a hipótese de o ente público constituir um
FIDC, visto tratar-se de um condomínio, em que reúne investidores detentores de
direitos creditórios e investidores qualificados.
Todavia, destaca-se que alguns entes públicos vêm se utilizando de FIDC-
NP e companhias securitizadoras para realizar a antecipação de valores da Dívida Ativa,
e essas operações estão sendo questionadas no Tribunal de Contas da União.
Assim, se por um lado o interesse público seria mantido após a securitização
da dívida ativa, não em relação ao ente político, que recebeu os recursos financeiros a
título de antecipação/pagamento realizado pela securitizadora, mas no tocante à
securitizadora de direito privado sob o controle do Poder Público,351
por outro, essa
antecipação de receita pública originada de créditos da Dívida Ativa corre o risco de ser
enquadrada como operação de crédito, submetendo-se à LRF.
A título de exemplo de criação de securitizadora controlada pelo Poder
Público, podemos citar a Companhia Paulista de Securitização (CPSEC), constituída em
15.10.2009, mediante autorização da Lei Estadual n.º 13.723/2009, sociedade anônima
controlada pelo Estado de São Paulo, que faz aquisição de direitos creditórios de
titularidade exclusiva do referido Estado.
Adotar a parafiscalidade nas operações de securitização da Dívida Ativa por
empresas sob o controle público, que se utilizando de investimentos captados no
351
As empresas referidas pela LRF são aquelas instituídas pelo Estado visando à exploração de atividade
econômica, de natureza civil ou comercial, cujo controle acionário é por ele exercido. Entre as
empresas estatais nessa condição, podem ser destacadas as sociedades de economia mista, as
empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Entendimento de
NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores
Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 68-
69.
270
mercado adquirem direitos creditórios de certo ente político, poderia manter o interesse
público na operação no sentido de gerar recursos imediatos ao Estado. Entretanto,
estaremos nos valendo do conceito de interesse público em sua acepção ampla.
Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que
[...] o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos
(situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá
defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se
chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam
com a realização deles.352
Diante disso, somente seria passível de aplicar a parafiscalidade na
securitização da Dívida Ativa se a cessão do direito creditório fosse para empresa
pública, criada por meio de lei exclusivamente para atender aos interesses do Estado,
visto a necessidade de se perseguir o interesse público na operação. Na iniciativa
privada, a securitização mediante a parafiscalidade deixa de ser autorizada, na medida
em que a entidade privada não perseguirá o interesse público.
Iremos nos deparar a seguir com a Instrução CVM n.º 444/2006, que veio
considerar que a securitização da Dívida Ativa se enquadra como operação de crédito,
sujeita à LRF. Antes de estudarmos essa regra, vejamos a seguir mais um obstáculo a
ser analisado quanto à securitização da Dívida Ativa.
6.4 Impossibilidade da substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo
regime de execução do direito privado em razão da natureza jurídica do
crédito tributário
Outro obstáculo que a securitização da Dívida Ativa encontra é a
impossibilidade da substituição do regime jurídico da cobrança do débito pelas regras
de execução do direito privado, atualmente regidas pelo Novo Código de Processo Civil
(artigos 824 e seguintes).
352
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 3. ed. São Paulo:
Malheiros, 1992. p. 66.
271
Isso porque, perante o título executivo extrajudicial, mesmo em face da
cessão do direito creditório na securitização, ocorre a preservação da natureza do
crédito. Os termos e condições previstos em lei quanto à atualização monetária e juros
incidentes sobre o valor principal e multa, que compõem o recebível, deverão ser
integralmente transferidos à securitizadora. Esse é um dos requisitos da cessão do
direito creditório na securitização, preservar a origem do crédito, os critérios de
correção monetária e condições de pagamento.
Destaca-se que, se a Fazenda Pública preservar a relação jurídica de credora
perante o contribuinte, ou seja, não realizar a efetiva transmissão da propriedade do
direito creditório à securitizadora, estaremos diante de uma operação financeira de
empréstimo (crédito) feita pela securitizadora ao ente público e, caso a financiadora
dessa operação seja um banco, estaremos em face de um financiamento (crédito)
bancário dessas operações, haja vista que os créditos permanecerão como garantias do
pagamento da dívida perante o financiador.
A Lei n.º 6.830/1980, que dispõe sobre a execução judicial para cobrança da
Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e suas
respectivas autarquias, não prevê a legitimidade processual às empresas privadas ou sob
o controle do Poder Público na cobrança de valores inscritos em Dívida Ativa.
O artigo 132 da Constituição Federal prevê que a representação judicial das
unidades federadas é atribuição dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal,
organizados em carreira. Esse dispositivo sinaliza a importância da advocacia pública
em relação aos entes públicos, preservando-se nas mãos dos procuradores a
representativa em juízo do ente político.
Isso significa que, se as entidades privadas adentrarem no processo de
Execução Fiscal para cobrar a Dívida Ativa, após a securitização, teremos uma situação
processual incompatível com a Lei n.º 6.830/1980. Isso porque, a referida lei não
outorga legitimidade à entidade privada na cobrança de débitos de natureza pública.
Ademais, o artigo 5.º da Lei de Execução Fiscal dispõe o seguinte: “A
competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública
exclui a de qualquer outro Juízo”. Isso quer dizer que, uma vez o crédito inscrito e
272
representado em certidão de Dívida Ativa, e mantendo-se a sua natureza jurídica com a
securitização, não há outra forma de continuar cobrando o direito creditório senão pela
Lei n.º 6.830/1980.
De um lado, temos a falta de legitimidade das securitizadoras em participar
do polo ativo na cobrança da Dívida Ativa, de outro, temos a fixação da competência ao
Juízo de Execuções Fiscais que segue os dispositivos trazidos na Lei n.º 6.830/1980.
E mais, não podemos afirmar que o interesse público permanece nos autos
da Execução Fiscal após a securitização da Dívida Ativa, salvo se a securitizadora for
empresa controlada pelo Poder Público e atue exclusivamente em prol do interesse
público, mas esta, como visto, não terá legitimidade para continuar nos autos da
Execução Fiscal cobrando o crédito tributário em caso de inadimplemento do devedor.
Nesses termos, a securitização da dívida ativa é incompatível com a forma
de cobrança do direito creditório tributário prevista na Lei n.º 6.830/1980, não podendo
ocorrer a substituição do regime jurídico da execução fiscal pelo regime de execução do
direito privado em razão da natureza jurídica do direito creditório no atual ordenamento
jurídico.
6.5 A Instrução CVM n.º 444/2006 e a Lei de Responsabilidade Fiscal: operação
de crédito na securitização da dívida ativa
O próximo passo será estudar as regras editadas pela Comissão de Valores
Mobiliários, que exerce imprescindível papel na regulamentação da atividade de
securitização, com foco na Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios, fazendo-se um comparativo com pareceres proferidos pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional quanto à aplicação da Lei de Responsabilidade
Fiscal nessas operações.
É importante ressaltar, preliminarmente, que os atos exercidos pelos entes
políticos, a despeito de serem exercidos de forma autônoma, repercutem na situação
jurídica e econômica do País, refletindo no setor público e privado.
273
Eventuais danos ou descontrole fiscal desses entes públicos podem causar
graves problemas econômicos e sociais, sendo criadas regras exatamente para prevenir
ao menor sinal o mau comportamento.
O que se evita com tamanhos controles legais são os atos capazes de
comprometer a saúde fiscal do setor público, com o excesso de endividamento.
Diante desse quadro, podemos afirmar que há um interesse nacional pela
estabilidade fiscal de todos os entes federados, o qual exige uma situação preventiva e
coordenada pelo Poder Executivo e Legislativo, com a efetiva aplicação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF).
Uma questão que deve ficar clara neste estudo é que tanto a Constituição
Federal quanto a própria LRF atribuem os poderes de fiscalização orçamentária e
financeira dos entes federados ao Poder Legislativo respectivo, com o auxílio dos
Tribunais de Contas, e aos órgãos de controle interno de cada Poder e do Ministério
Público.
Portanto, não obstante o Ministério da Fazenda possuir importante papel na
LRF, em nenhum momento foi atribuída competência fiscalizatória, seja prévia, seja a
posteriori, a esse órgão da União Federal. Esse inclusive é o entendimento da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
E mais, a Lei de Responsabilidade Fiscal traz em sua essência a
subordinação do administrador público aos princípios da estrita legalidade, da
impessoalidade, da moralidade administrativa, da eficiência, entre outros, estabelecidos
no artigo 37 da CF/1988.
Diante dessa breve introdução, destaca-se que a CVM editou em
08.12.2006, a Instrução n.º 444, autorizando a securitização de créditos pertencentes aos
entes públicos, suas autarquias e fundações, por meio da estruturação de Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP), estudado no
capítulo 5 deste trabalho.
274
Considerada uma inovação, o artigo 1.º, II,353
da referida Instrução CVM, a
securitização de Dívida Ativa foi classificada como operação de crédito, nos termos do
artigo 29, III, da Lei de Responsabilidade Fiscal, e exige em seu artigo 7.º, §§ 9.º e
10,354
que a constituição do fundo seja previamente autorizada pelo Ministério da
Fazenda, com o respectivo registro na CVM.
Em contrapartida a esse entendimento, a Procuradoria da Fazenda Nacional
vem editando pareceres355
para tratar do assunto.
Como destaque, o Parecer PGFN/CAF n.º 1.579/2014, que traz importante
entendimento sobre a cessão definitiva do direito creditório à securitizadora. A opinião
da Procuradoria é que nos casos em que não há exigência de garantia do pagamento do
crédito pelo Poder Público em caso de inadimplência do devedor, e não havendo a
exigência da substituição do crédito por outro, será descaracterizada a chamada
operação de crédito, não sendo aplicadas inclusive as imposições trazidas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. Vejamos:
9. Primeiramente, como é de conhecimento da STN, esta PGFN
consolidou há muito o entendimento de que a cessão de direitos
creditórios inscritos em dívida ativa tributária ou não tributária,
353
“Art. 1.º A presente Instrução dispõe sobre a constituição e o funcionamento dos Fundos de
Investimento em Direitos Creditórios Não padronizados – FIDC-NP.
[...]
II – decorrentes de receitas públicas originárias ou derivadas da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, bem como de suas autarquias e fundações; [...]” 354
“Art. 7.º O funcionamento dos fundos de que trata esta Instrução, abertos ou fechados, dependerá
de prévio registro na CVM.
[...]
§ 9.º Nos fundos que realizarem aplicações nos direitos creditórios referidos no inciso II do § 1.º
do art. 1.º desta Instrução, ou em direitos creditórios cedidos ou originados por empresas
controladas pelo poder público, deverá ser apresentada manifestação acerca da existência de
compromisso financeiro que se caracterize como operação de crédito, para efeito do disposto na
Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, devendo, em caso positivo, ser anexada
competente autorização do Ministério da Fazenda, nos termos do art. 32 da referida Lei
Complementar.
§ 10. O prazo de que trata o § 7.º ficará estendido para 30 (trinta) dias quando se tratar de fundo
cujos recebíveis se enquadrem no inciso II do § 1.º do art. 1.º desta Instrução, e a CVM tenha
solicitado a manifestação prévia do Banco Central do Brasil ou da Secretaria do Tesouro Nacional
sobre as condições de constituição do fundo” (destacamos). 355
Ver sobre o tema os pareceres: PGFN/CAF/n.º 026/2003, PGFN/CAF/n.º 200/2003,
PGFN/CAT/CAF/n.º 1152/2003, PGFN/CAF/n.º 796/2005, PGFN/CAF/n.º 2063/2005,
PGFN/CAF/n.º 2900/2007, PGFN/CAF/n.º 524/2008, PGFN/CAF//n.º 2174/2010, PGFN/CAF/n.º
1612/2012, PGFN/CAF/n.º 1914/2012.
275
quando puder ser caracterizada como cessão definitiva, isto é, que não
envolva obrigação de pagar, mas, tão somente, de fazer, não se
enquadra no conceito de operação de crédito da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
10. Um complicador, em relação a esse entendimento básico, é o
caso da chamada cessão do fluxo financeiro decorrente de créditos
inscritos em dívida ativa. Isto porque, nesse caso, a titularidade do
crédito não é propriamente transferida pelo cedente ao cessionário,
permanecendo, pois, no ativo do primeiro; mas tão somente o fluxo
financeiro decorrente dos pagamentos efetuados pelos devedores ao
credor. Não obstante, o entendimento desta PGFN é que, desde que
inexistente no caso concreto, por parte do cedente, obrigação de
garantir eventual crédito inadimplido pelo devedor – seja em dinheiro,
seja substituindo-o por outro crédito –, não há que se falar em
operação de crédito; já que inexistiria obrigação de pagar por parte do
cedente, mas apenas obrigação de fazer, no caso, repassar ao
cessionário o numerário entregue ao credor pelo devedor inscrito em
dívida ativa. Tal entendimento, segundo os posicionamentos
consolidados desta PGFN, permanece verdadeiro, mesmo no caso de o
cedente se obrigar a cobrar judicialmente o crédito não adimplido,
tendo em vista que, tal obrigação não se caracteriza enquanto
obrigação de pagar, mas de fazer.
[...]
18 . Pelo exposto, respondemos às questões postas na consulta da
STN, no sentido de que:
a) As operações de cessão definitiva de direitos creditórios ou do
fluxo financeiro decorrente de tais direitos, quando não implicar,
direta ou indiretamente, qualquer compromisso de garantir o
recebimento do valor do crédito cedido, em caso de inadimplemento
por parte do devedor, não constitui operação de crédito, no sentido da
LRF;
b) A submissão de qualquer operação de ente subnacional ao processo
de verificação, pelo Ministério da Fazenda, de limites e condições,
previsto no art. 32 da LRF e em dispositivos correlatos da RSF n.º 43,
de 2001, depende da caracterização da referida operação como
operação de crédito, motivo pelo qual as operações de cessão
definitiva de direitos creditórios ou do fluxo financeiro decorrente de
tais direitos, desde que nas condições descritas no item “a” acima, não
se submetem ao referido processo de verificação;
c) A posição da PGFN sobre as operações de cessão definitiva de
direitos creditórios ou do fluxo financeiro decorrente de tais direitos
tem sido a mesma, em essência, no sentido definido nos itens “a” e
“b” acima, a qual, salvo modificação de entendimento ou enquanto
não houver posicionamento vinculante distinto por parte da cúpula da
Advocacia-Geral da União ou do Tribunal de Contas da União, deverá
servir de orientação básica para a análise por parte da STN das
referidas operações.
Já o Parecer PGFN/CAF n.º 2.035/2014, que reanalisou o mesmo caso
disposto no Parecer PGFN/CAF n.º 1.579/2014, confirmou o entendimento anterior de
276
que em razão de cláusula contratual firmada entre o FIDC-NP e o Município, que obriga
o ente público a honrar com o pagamento do crédito cedido em caso de inadimplência
dos devedores de débitos da Dívida Ativa, será considerada operação de crédito:
12. Feitos os esclarecimentos acima, devem ter ficado bastante claros
os motivos pelos quais entendemos não ser da competência desta
PGFN se manifestar em concreto acerca da referida cláusula 11.7.1 do
regulamento do FIDC – NP – Dívida Ativa do Município de Nova
Iguaçu, o qual se encontra em análise na CVM. Não obstante, em face
da informação constante do Ofício da Semag de que a referida
cláusula “impõe ao município de Nova Iguaçu uma obrigação residual
de pagar em caso de frustração da receita esperada como resultado da
cobrança de dívidas transferidas ao Fundo”, não temos dúvida em
reafirmar nossa posição há muito consolidada de que sempre que, em
uma operação de cessão definitiva de créditos por parte de um ente
federado, existir um compromisso de pagar – e não apenas de fazer,
conforme bem ressaltado na Decisão do Ministro Relator, em
concordância com o posicionamento desta PGFN –, em tese está
caracterizada a existência de operação de crédito para os fins da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
Nesse aspecto corroboramos o entendimento da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional. Não há como confundir securitização com operação de crédito, pois
estamos diante de uma alienação de direitos creditórios (ativos).
Esse posicionamento traz uma questão importante em relação ao processo
de securitização de recebíveis, no caso em questão de Dívida Ativa, a garantia ao
pagamento do débito não adimplido pelo devedor, usualmente utilizada por FIDC ou
securitizadoras por meio de cláusulas de recompra ou garantia.
Portanto, para a Procuradoria da Fazenda Nacional, a securitização de
Dívida Ativa que envolver a cessão definitiva do recebível sem garantias, sem pactos de
recompra e sem a substituição dos créditos por outros pelo cedente, não deverá ser
tratada como operação de crédito, o que não se submeteria à LRF.
Não obstante, como visto, a Instrução CVM n.º 444/2006 traz em seu artigo
7.º, § 9.º, a afirmação de que a securitização da Dívida Ativa deve ser tratada como uma
operação de crédito, utilizando-se para esse procedimento o FIDC-NP.
277
O disposto no artigo 29, III, da LRF definiu a operação de crédito como
[...] compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de
crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens,
recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de
bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações
assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros
(destacamos).
No texto supra estão apontados os critérios e perfis das dívidas
(compromissos financeiros) assumidas pelo Poder Público, incluindo como operação de
crédito o recebimento antecipado de valores provenientes da venda de bens.
O conteúdo da expressão “compromissos financeiros” é muito amplo,
podendo ser incluída nele qualquer operação que gere algum compromisso que implique
endividamento do Poder Público ou mesmo a cessão de recebíveis da Dívida Ativa.
Com uma tipologia aberta, a interpretação do texto caberá ao aplicador do direito, não
se restringindo, como observado neste estudo, à mera leitura do texto legal.
Não obstante, a condição da venda a termo é incompatível com a
securitização, pois o ente público ou cedente não aguardará o vencimento da dívida; a
dívida já venceu e não foi paga pelo devedor, por isso foi inscrita em Dívida Ativa. Na
securitização a cessão do direito creditório é feita de forma imediata, e não ficará
condicionada a algum evento futuro.
Todavia, a despeito da acepção ampla dada pelo legislador quanto à
operação de crédito, ela não guarda coerência e relação com a venda de ativo ou
alienação de direito creditório, pois não haverá endividamento do Poder Público em
razão de direitos creditórios inscritos em Dívida Ativa. Existirá a monetização desses
recebíveis, transferindo a obrigação correspondente à cobrança e recebimento ao
securitizador.
Portanto, não concordamos com o disposto na Instrução CVM n.º 444/2006,
quando equipara a securitização da Dívida Ativa utilizando-se do FIDC às operações de
crédito sujeitas à LRF.
278
Apesar de não concordarmos, o fato é que a imposição dada pela CVM traz
consequências à operação de securitização da Dívida Ativa, condicionada inclusive ao
funcionamento do FIDC-NP, considerando-se a exigência da autorização até do
Ministro da Fazenda. Diante disso, resta inevitável sob o ponto de vista operacional a
incidência dos artigos 32356
e 38357
da Lei Complementar n.º 101/2000, que impõem
exigências e restrições a seguir elencadas:
356
“Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à
realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles
controladas, direta ou indiretamente.
§ 1.º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e
jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o
atendimento das seguintes condições:
I – existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em
créditos adicionais ou lei específica;
II – inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto
no caso de operações por antecipação de receita;
III – observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;
IV – autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;
V – atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição;
VI – observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.
§ 2.º As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de
créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.
§ 3.º Para fins do disposto no inciso V do § 1.º, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total
dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas,
observado o seguinte:
I – não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou
financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de
competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;
II – se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição
financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de
capital;
III – (Vetado.);
§ 4.º Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o
Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas
interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:
I – encargos e condições de contratação;
II – saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e
concessão de garantias.
§ 5.º Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação
automática de débitos e créditos.” 357
“Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender insuficiência de caixa
durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:
I – realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;
II – deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia dez de dezembro de cada
ano;
279
(i) a necessidade de prévia e expressa autorização para a contratação, no
texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;
(ii) a inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos
provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;
(iii) a observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;
(iv) o atendimento ao disposto no inciso III do artigo 167 da CF/1988;358
(v) a obediência ao prazo de liquidação (10 de dezembro de cada ano);
(vi) a impossibilidade de nova contratação enquanto existir operação
anterior da mesma natureza não integralmente resgatada; e
(vii) a impossibilidade da contratação no último ano de mandato dos chefes
do Poder Executivo.
Ainda que a securitização seja realizada por empresa sob o controle público,
efetuando a aquisição do direito creditório tributário sem proceder a qualquer redução
do valor do tributo, o que preservaria o princípio da indisponibilidade do interesse
público, remunerando-se a securitizadora em razão de descontos sobre valores de multas
e juros, necessariamente previstos em lei, e preservando os valores proporcionais
III – não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa de juros da operação,
obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica financeira, ou à que vier a esta substituir;
IV – estará proibida:
a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente resgatada;
b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito Municipal.
§ 1.º As operações de que trata este artigo não serão computadas para efeito do que dispõe o inciso III
do art. 167 da Constituição, desde que liquidadas no prazo definido no inciso II do caput.
§ 2.º As operações de crédito por antecipação de receita realizadas por Estados ou Municípios serão
efetuadas mediante abertura de crédito junto à instituição financeira vencedora em processo
competitivo eletrônico promovido pelo Banco Central do Brasil.
§ 3.º O Banco Central do Brasil manterá sistema de acompanhamento e controle do saldo do crédito
aberto e, no caso de inobservância dos limites, aplicará as sanções cabíveis à instituição credora.” 358
“Art. 167. São vedados:
[...]
III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital,
ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa,
aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.”
280
pertencentes aos outros entes políticos,359
ou seja, a securitização não envolveria receita
de tributos pertencentes a outro ente político, e diante do disposto na regra editada pela
CVM essa operação estará sob a incidência e condições da Lei de Responsabilidade
Fiscal.
A conclusão a que se chega em relação à inovação trazida pela Instrução n.º
444/2006 é que, a despeito de a Comissão de Valores Mobiliários permitir a
securitização de créditos pertencentes aos entes públicos, suas autarquias e fundações,
por meio da estruturação de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Não
Padronizados (FIDC-NP), a operação será considerada de crédito, submetendo à
autorização prévia do Ministério da Fazenda e aos artigos 32 e 38 da Lei de
Responsabilidade Fiscal, obrigatoriamente.
Trata-se de regra regulamentadora que impõe condições às securitizadoras e
aos fundos, portanto são vinculativas sob no sentido de atingir a autorização e o
funcionamento dos cessionários dos direitos creditórios.
Não obstante a referida imposição, a instrução da CVM não vincula os entes
políticos, mas impede o funcionamento do FIDC que vierem a ser criados pela iniciativa
privada ou pela Administração Pública.
O descumprimento da referida regra poderá ocasionar a imposição de
sanções aos securitizadores, sejam sob o controle público ou privado.
Como bem lembra José Maurício Conti,360
há duas sanções para o
descumprimento das regras estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal: as
institucionais e as pessoais, estas últimas arroladas na Lei n.º 10.028/2000.
As sanções impostas às instituições financeiras privadas importam em
nulidade do contrato celebrado, com o consequente cancelamento do negócio, além da
devolução dos recursos emprestados, nos termos do artigo 33 da LRF.
359
Vide artigos 157, 158 e 159 da Constituição Federal. 360
CONTI, José Mauricio. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores Ives Gandra
da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 288.
281
No tocante aos entes da Federação, a obrigação da devolução do valor
recebido sem qualquer acréscimo a títulos de juros e demais encargos financeiros é a
principal sanção. O ente público deverá fazer a devolução no mesmo exercício
financeiro em que houver o recebimento do dinheiro, e, em caso de impossibilidade da
devolução, será constituída reserva específica na lei orçamentária para tanto no
exercício seguinte.
Por fim, além da nulidade do contrato, já mencionado, há penalidades,
dispostas no artigo 23, § 3.º, da LRF, que são extremamente rígidas aos entes públicos:
(i) a proibição do ente federado de receber transferências voluntárias (cooperação,
auxílio ou assistência financeira); (ii) a proibição do infrator de obter garantia, direta ou
indireta, de outro ente; e (iii) a vedação à contratação de operações de crédito, salvo nas
hipóteses de refinanciamento da dívida mobiliária e a redução das despesas com o
pessoal.
Assim, o descumprimento das regras da Lei de Responsabilidade Fiscal nas
operações de crédito (securitização da Dívida Ativa) realizadas pelos entes públicos
com as securitizadoras e os FIDC-NP causará sanções a ambas as partes, que chegam a
inviabilizar a vida financeira daquele que não atender aos limites e condições dessa
regra.
Vejamos a seguir regras que permitem a securitização da Dívida Ativa,
editadas pelo Senado Federal e suas peculiaridades.
6.6 As Resoluções n.º 43/2001, n.º 33/2006, n.º 11/2015 e n.º 17/2015 do Senado
Federal e a securitização da dívida ativa
O artigo 52 da Constituição Federal prevê a competência privativa do
Senado Federal para “VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações
de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público
federal”.
282
Note-se que a competência do Senado Federal está restrita a editar
resoluções para tratar dos limites e condições das operações de crédito externo e interno
dos entes políticos, desde que se respeitem a autonomia de cada membro do Estado
Democrático de Direito. Por isso, cabe-lhe fixar limites globais, não específicos, como
condições gerais para a formação de créditos.
Destaca-se que o artigo 32, § 1.º, III, da LRF confirma a competência
constitucional de que cabe ao Senado Federal a fixação de limites e condições relativos
às realizações de operações de crédito de cada ente da Federação, incluindo as empresas
por eles controladas, direta ou indiretamente.
Isso quer dizer que não são apenas as leis complementares que tratam de
normas gerais de Direito Financeiro ou Tributário, as resoluções do Senado Federal
também têm essa atribuição constitucional, qual seja fixar os limites da dívida
consolidada dos entes federados, ao estabelecer os limites globais e as condições das
operações de crédito interno e externo, assim como do montante da dívida mobiliária
dos entes políticos. Portanto, as Resoluções do Senado ditam os critérios de validade
das ordens jurídicas parciais.361
Diante disso, sobre a questão da securitização da Dívida Ativa, o Senado
Federal editou a Resolução n.º 43/2001, que dispôs originalmente que:
Constitui operação de crédito, para os efeitos desta Resolução, os
compromissos assumidos com credores situados no País ou no
exterior, em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de
título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de
valores provenientes da venda a termo de bens e serviços,
arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive
com o uso de derivativos financeiros.362
Outro destaque a ser feito na referida Resolução é o artigo 5.º, I,363
que veda
aos entes públicos receber antecipadamente valores (acepção ampla) de empresa em que
361
DERZI, Misabel Abreu Machado. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. Organizadores Ives
Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 322-323. 362
Artigo 3.º da Resolução n.º 43/2001 do Senado Federal. 363
“Art. 5.º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
283
o Poder Público detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social com direito
a voto, salvo lucros e dividendos.
Observa-se que, em relação à definição de operação de crédito e à
antecipação de recursos de empresa sob o controle do Poder Público, a Resolução n.º
43/2001 repete o disposto no artigo 29, III, da LRF e proíbe qualquer adiantamento feito
por empresa sob o controle do Poder Público.
Em 13.07.2006, o Senado Federal editou a Resolução n.º 33, muito criticada
por alguns juristas e entidades representativas de Procuradores das Fazendas, dispondo
da permissibilidade de ceder às instituições financeiras a cobrança da Dívida Ativa dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Vejamos:
Art. 1.º Podem os Estados, Distrito Federal e Municípios ceder a
instituições financeiras a sua dívida ativa consolidada, para cobrança
por endosso-mandato, mediante a antecipação de receita de até o valor
de face dos créditos, desde que respeitados os limites e condições
estabelecidos pela Lei Complementar n.º 101, de 4 de maio de 2000, e
pelas Resoluções n.ºs 40 e 43, de 2001, do Senado Federal.
Art. 2.º A instituição financeira endossatária poderá parcelar os
débitos tributários nas mesmas condições em que o Estado, Distrito
Federal ou Município endossante poderia fazê-lo.
Art. 3.º A instituição financeira endossatária prestará contas
mensalmente dos valores cobrados.
Art. 4.º Uma vez amortizada a antecipação referida no art. 1.º, a
instituição financeira repassará mensalmente ao Estado, Distrito
Federal ou Município o saldo da cobrança efetivada, descontados os
custos operacionais fixados no contrato.
Art. 5.º O endosso-mandato é irrevogável enquanto não amortizada a
antecipação referida no art. 1.º.
Note-se que o ato de ceder poderes à instituição financeira para a cobrança
do débito se dá por meio do endosso-mandato. O endosso é um ato praticado pelo
legítimo portador de um título de crédito quando deseja transferi-lo a outrem, cedendo
todos ou alguns direitos que possui o endossante (quem endossa) ao endossatário (quem
recebe o título endossado).
I – recebimento antecipado de valores de empresa em que o Poder Público detenha, direta ou
indiretamente, a maioria do capital social com direito a voto, salvo lucros e dividendos, na forma da
legislação; [...]”
284
Há duas espécies de endosso:
(i) endosso translativo: nessa espécie de endosso, o credor de um título
transfere todos os seus direitos creditícios para o endossatário.
Assim, o endossatário passa a ser o credor do título, podendo
receber o valor do crédito, dar quitação do pagamento e, se o título
for protestado, o endossatário pode declarar sua anuência para o
cancelamento do protesto;
(ii) endosso-mandato: nessa espécie de endosso, o credor de um título
mantém a sua condição originária, realizando o endosso apenas
para que o endossatário possa representá-lo (cláusula mandato ou
procuração). Assim, o endossatário atua no interesse do endossante,
podendo receber o valor do crédito, mas, se o título for protestado,
por exemplo, a declaração de anuência para o cancelamento do
protesto tem que ser feita pelo endossante.
Pontua-se que o endosso-mandato de créditos da Dívida Ativa em nada se
relaciona com a securitização da Dívida Ativa, pois esta última implica cessão ou
transmissão do direito creditório a terceiros, e não há outorga de procuração ou poderes
a outrem para receber a dívida ou praticar atos em nome do Poder Público.
Não obstante a referida alteração dar legalidade à securitização da Dívida
Ativa, essa matéria é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3786),
interposta pela Associação Nacional dos Procuradores de Estado, que aguarda
julgamento no Supremo Tribunal Federal, não sendo apreciada ainda medida cautelar
que pleiteia a suspensão da eficácia técnica364
da Resolução n.º 33/2006, a despeito de
ela já ter sido alterada pelas Resoluções n.º 11/2015 e n.º 17/2015.
364
Robson Maia Lins nos ensina que em eventual concessão de medida liminar em pedido cautelar
haveria a suspensão da eficácia técnico-sintática da regra-matriz de incidência, ou seja, impediria o
agente competente de realizar a incidência da RMIT. A previsão do pedido de inconstitucionalidade
quanto ao deferimento cautelar encontra guarida na Lei n.º 9.868/1999 (LINS, Robson Maia. Controle
de constitucionalidade da norma tributária: decadência e prescrição. São Paulo: Quatier Latin, 2005.
p. 162-163).
285
A autora da ação direta de inconstitucionalidade aponta que a Resolução n.º
33/2006 viola os artigos 52, V a IX, 61, § 1.º, II, “e”, 132 e 146, III, “b”, todos da
Constituição Federal.
Quanto à violação ao artigo 52, o argumento de inconstitucionalidade se
baseia na ausência de competência do Senado Federal para tratar de questões
relacionadas às operações financeiras dos entes da Federação.
Em relação ao artigo 61, afirma que a resolução contraria a competência
exclusiva do Presidente da República quanto à proposição de leis que disponham sobre
os órgãos da Administração Pública.
Sustenta ainda que há violação ao artigo 132 da Constituição Federal no que
concerne à competência dos procuradores dos Estados e do Distrito Federal em exercer
a representação judicial e a consultoria das respectivas unidades federadas.
Por fim, alegaram contradição ao artigo 146 da Constituição Federal, pois a
resolução veio normatizar matéria de natureza tributária, o que já teria uma estrutura
regulamentada pelo artigo 146 da CF/1988.
Não temos o objetivo neste estudo de nos aprofundar nas
inconstitucionalidades da Resolução n.º 33/2006, visto que não configura securitização
o disposto na referida regra, tratando-se de endosso-mandato, que não implica cessão do
direito creditório de forma definitiva à securitizadora ou ao FIDC.
Ademais, em 31.08.2015, o Senado Federal editou a Resolução n.º 11,
incluindo na Resolução n.º 43/2001 a possibilidade de ceder o fluxo de recebimento a
período correspondente ao mandato do chefe do Poder Executivo, e fora do período do
mandato, quando o objetivo do recebível for para a capitalização de Fundos de
Previdência ou para a amortização extraordinária de dívidas com a União. Essa é a
interpretação que se faz ao depararmos com os seguintes enunciados:
Art. 5.º É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VII – em relação aos créditos inscritos em dívida ativa:
a) ceder o fluxo de recebimentos relativos a período posterior ao do
mandato do chefe do Poder Executivo, exceto para capitalização de
286
Fundos de Previdência ou para amortização extraordinária de dívidas
com a União;
b) dar em garantia ou captar recursos a título de adiantamento ou
antecipação do fluxo de recebimentos cujas obrigações contratuais
respectivas ultrapassem o mandato do chefe do Poder Executivo;
c) cedê-los em caráter não definitivo ou quando implicar, direta ou
indiretamente, qualquer compromisso de garantir o recebimento do
valor do crédito cedido, em caso de inadimplemento por parte do
devedor.
§ 2.º Qualquer receita proveniente da antecipação de receitas de
royalties ou da antecipação do fluxo de recebimentos dos créditos
inscritos em dívida ativa será destinada exclusivamente para
capitalização de Fundos de Previdência ou para amortização
extraordinária de dívidas com a União. [...]
No § 2.º do referido dispositivo, observa-se a permissão da securitização da
Dívida Ativa como meio de captação de recursos por meio da cessão de direitos
creditórios para monetização dos recebíveis, não se fazendo qualquer menção à rigidez
e ao controle da Lei de Responsabilidade.
Essa omissão, a nosso ver, é indício de que o Senado Federal logo em
seguida buscaria excluir os entes políticos quanto às operações de securitização da
Dívida Ativa em relação à LRF, até mesmo porque a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional já havia sinalizado de forma positiva à referida operação sem o controle da Lei
Complementar n.º 101/2000.
Diante disso, podemos afirmar que a alínea “c” do inciso VII do artigo 5.º
da Resolução n.º 11/2015 consolida o permissivo da securitização da Dívida Ativa,
mediante a transmissão definitiva do direito creditório e a ausência de garantia quanto
ao pagamento do débito, inexistência de cláusula de recompra e não obrigação de troca
de títulos pelo ente público.
Entretanto, a edição da Resolução n.º 11/2015 vem causar preocupação
quanto ao uso abusivo das antecipações dos créditos da Dívida Ativa, ainda que os
fluxos de recebimentos dos créditos sejam limitados ao período do mandato do chefe do
Poder Executivo.
Ato contínuo, a Resolução n.º 43/2001 do Senado Federal sofreu novamente
alterações em seu texto, em razão da edição da Resolução n.º 17/2015, incluindo
287
expressamente que apenas a cessão do fluxo de recebimento relativo aos direitos
creditórios da Dívida Ativa com assunção, ou seja, sem a efetiva transmissão do ativo à
securitizadora ou FIDC, estará sujeita à LRF, podendo ser extraído do texto a seguir
que, na hipótese de ocorrer a efetiva transferência do direito creditório de forma
definitiva, não haverá a submissão da operação à LRF. Vejamos:
VII – em relação aos créditos inscritos em dívida ativa:
a) ceder o fluxo de recebimentos relativos aos direitos creditórios da
dívida ativa de forma não definitiva ou com cláusula revogatória;
b) ceder o fluxo de recebimentos relativos aos direitos creditórios da
dívida ativa com assunção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo
Município, perante o cessionário, de responsabilidade pelo efetivo
pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de
compromisso financeiro que possa, nos termos da Lei Complementar
n.º 101, de 4 de maio de 2000, caracterizar operação de crédito.
§ 1.º Constatando-se infração ao disposto no caput, e enquanto não
promovido o cancelamento ou amortização total do débito, as dívidas
serão consideradas vencidas para efeito do cômputo dos limites dos
arts. 6.º e 7.º e a entidade mutuária ficará impedida de realizar
operação sujeita a esta Resolução.
§ 2.º Qualquer receita proveniente da antecipação de receitas de
royalties será exclusiva para capitalização de Fundos de Previdência
ou para amortização extraordinária de dívidas com a União.
§ 3.º Nas operações a que se refere o inciso VI, serão observadas as
normas e competências da Previdência Social relativas à formação de
Fundos de Previdência Social.
Assim, quanto à Resolução n.º 17/2015, que alterou o artigo 5.º da
Resolução n.º 43/2001, conclui-se que:
(i) a regra veda a cessão do fluxo de recebimentos relativos aos direitos
creditórios da Dívida Ativa de forma não definitiva ou com cláusula que permita
eventual revogação da operação;
(ii) a regra veda a manutenção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo
Município, perante a securitizadora ou FIDC, de responsabilidade pelo efetivo
pagamento a cargo do contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso
financeiro que possa, nos termos do artigo 29, III, da LRF, caracterizar operação de
crédito.
288
Diante disso, o Senado Federal busca harmonizar suas resoluções com o
disposto na Lei Complementar n.º 101/2000, trazendo para suas regras o entendimento
consolidado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Ainda que estejamos diante de permissivo da securitização da Dívida Ativa,
não podemos esquecer da existência de obstáculos analisados no início deste capítulo,
como:
(i) a indisponibilidade do interesse (bem) público, que apenas seria atendida
sob uma acepção lato sensu do seu conceito no caso de a cessão do direito creditório vir
a ser realizada por securitizadora ou FIDC-NP sob o controle do Poder Público,
devendo se limitar eventual deságio aos valores de multa e juros, respeitando-se ainda a
parcela da receita pública de outro ente da Federação;
(ii) impossibilidade da “antecipação de valores” (acepção ampla da
expressão) aos entes políticos pelas empresas públicas que estiverem direta ou
indiretamente sob o seu controle;
(iii) ilegitimidade de a securitizadora ou de o FIDC-NP vir ao juízo de
Execução Fiscal cobrar o crédito da Dívida Ativa por falta de legitimidade prevista em
lei, considerando a manutenção da natureza jurídica do direito creditório;
(iv) impossibilidade da substituição do regime jurídico de cobrança do
débito pelas regras de execução do direito privado, diante do disposto no artigo 5.º da
Lei n.º 6.830/1980; e
(v) falta de interesse público na operação após a securitização, com a
liquidação do crédito inscrito em Dívida Ativa com a antecipação dos recebíveis, salvo
na hipótese de a securitização vir a ser realizada por empresa pública, que deverá
perseguir apenas o interesse público.
Para finalizar o presente estudo, analisamos brevemente decisões proferidas
pelo Tribunal de Contas da União, que, de forma cautelar, em relação à securitização da
Dívida Ativa, determinou a suspensão dos fundos constituídos até o julgamento do
mérito da matéria.
289
O questionamento feito pela Secretaria de Macroavaliação Governamental
(Semag) do próprio Tribunal, aditada pelo Ministério Publico, nos autos do TC n.º
016.585/2009-0, apensado ao TC n.º 024.270/2015-6 e TC n.º 043.416/2012-8, se dá
quanto à natureza jurídica das operações realizadas por alguns entes da federação
(Municípios de Belo Horizonte, Nova Iguaçu e Distrito Federal) para captar recursos
financeiros no mercado, mediante a cessão de direitos creditórios lastreados na receita
futura de títulos das respectivas Dívidas Ativas decorrentes de créditos tributários
vencidos e não pagos, realizadas por meio de Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP).
Podemos apontar que os questionamentos formulados ao TCU envolveram
três situações fáticas distintas:
(i) Município autoriza efetuar cessão, a título oneroso, de crédito tributário,
parcelado ou não, inscrito ou não em Dívida Ativa, mediante prévia avaliação e
procedimento de alienação legalmente previsto, inclusive leilão em bolsa de valores;
(ii) Município cede e transfere todos os direitos decorrentes dos créditos
tributários de sua competência, inscritos em Dívida Ativa, inclusive seus acessórios,
parcelados ou não, ao FIDC, que adquire de acordo com os termos, condições e
limitações previstos em contrato;
(iii) Município cede direitos creditórios decorrentes do fluxo de caixa do
adimplemento dos parcelamentos de dívidas inscritas ou não em Dívida Ativa,
confessadas pelos contribuintes.
Ao longo da instrução processual, o TCU passou a analisar também as
operações envolvendo o FIDC-NP Nova Iguaçu, o Fundo Especial da Dívida Ativa do
Distrito Federal (Fedat)365
e o FIDC Saneamento Ambiental e Infraestrutura São Paulo,
atual Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura (FMSAI) e a cessão
de direitos creditórios autônomos originados de créditos tributários ou não, parcelados,
do Estado de Goiás.366
365
Lei Distrital n.º 5.424/2014. 366
Lei Estadual n.º 18.873/2015.
290
Portanto, o objeto da lide analisada pelo TCU é a implementação dos fundos
sob análise não submetida à prévia autorização do Ministério da Fazenda, em desacordo
com o exigido pelo artigo 32, caput, da Lei Complementar n.º 101/2000, porquanto a
antecipação do recebimento de recursos de Dívida Ativa realizada por meio de FIDC
poderá caracterizar operação de crédito, na forma definida pelo inciso III do artigo 29
da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A questão é muito relevante, haja vista que, no caso das operações de
crédito, se faz necessária a prévia autorização do Ministério da Fazenda, que possui
competência para verificar o cumprimento dos limites e condições relativos ao
endividamento de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas,
direta ou indiretamente, nos termos do artigo 32 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
No voto proferido pelo Ministro Raimundo Carreiro do TCU, acompanhado
pelos demais ministros do Plenário (Acórdão n.º 772/2016), em 06.04.2016, consignou-
se a necessidade da oitiva da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal,
para que, assim desejando, se manifeste acerca da representação formulada pela
Secretaria de Macroavaliação Governamental do TCU e pelo representante do
Ministério Público de Contas, consoante o Relatório que integra o Acórdão,
especialmente no que tange à parte dispositiva da Resolução SF n.º 43/2001, com
redação dada pela Resolução SF n.º 17/2015, em face dos objetivos declarados no
Parecer CAE n.º 1019, de 2015, relativo ao PRS n.º 50/2015, que fundamentou a
referida norma de alteração.
Contudo, a despeito de o mérito da matéria ainda não ter sido julgado pelo
TCU, antes do apensamento do TC n.º 043.416/2012-8, foram expedidas duas medidas
cautelares, referendadas pelo Plenário do TCU,367
dirigidas à Comissão de Valores
Mobiliárias, nos seguintes termos:
– TC 043.416/2012-8 (expedida pelo Ministro Bruno Dantas, em
25.11.2014):
[...] determinar à Comissão de Valores Mobiliários que suspenda o
registro do FIDC-NP Dívida Ativa de Nova Iguaçu, bem como o
registro de qualquer fundo que tenha em sua constituição direitos
367
Ata do TCU publicada em 11.12.2014, p. 4. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/
Docs/CONSES/TCU_ATA_0_N_2014_48.pdf>. Acesso em: 10 maio 2016.
291
creditórios que se enquadrem na hipótese prevista no art. 1.º, § 1.º,
inciso II, da Instrução CVM 444/2006, caracterizados como
operações de crédito pela análise da CVM, e que não contenham
autorização expressa do Ministério da Fazenda, emitida nos termos
do art. 32 da LRF, até que esta Corte delibere sobre o mérito desta
representação;
– TC 016.585/2009-0 (cautelar expedida por este relator, em
11.12.2014):
[...] determinar cautelarmente à Comissão de Valores Mobiliários que
não proceda, ou suspenda, caso já tenha sido realizado, o registro do
Fundo Especial da Dívida Ativa do Distrito Federal – FEDAT-DF,
até que esta Corte delibere sobre o mérito desta representação.
Entendemos como acertadas as decisões acima transcritas, em razão do
caráter liminar existente nos processos, porquanto o iminente dano ao erário e eventual
violação à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Assim, conforme apontado supra, em relação à securitização da “Dívida
Ativa”, existem conflitos de pareceres da PGFN perante o disposto em instrução CVM,
há resoluções editadas pelo Senado Federal buscando evitar a incidência da Lei de
Responsabilidade Fiscal, há manifestações liminares do Tribunal de Contas da União
determinando a suspensão dos fundos utilizados na securitização da Dívida Ativa,
tratando-se de cenário sujeito a verdadeira insegurança jurídica, não existindo ainda um
caminho menos tormentoso a ser seguido.
Diante do exposto, concluímos não ser possível a securitização da Dívida
Ativa no atual ordenamento jurídico, a despeito da existência de regras permissivas
(instrução CVM e resoluções do Senado Federal) e do esforço da doutrina em buscar
acomodações de princípios jurídicos, existindo outras barreiras que impedem o
processo.
Para que se possa pôr em prática a securitização da Dívida Ativa serão
necessárias mudanças, envolvendo valores e regras jurídicas, de forma a não existirem
surpresas e não se aplicarem punições aos securitizadores e entes da Federação.
292
7
CONCLUSÕES
7.1. Iniciamos o estudo concluindo que securitização é uma forma de
acesso ao mercado de capitais por meio da emissão de títulos ou valores mobiliários,
vinculados em direitos creditórios de uma determinada pessoa jurídica e adquiridos por
investidores, formando-se uma relação jurídico-econômica contratual de compra e
venda entre o originador do crédito e a sociedade securitizadora, com transmissão de
obrigações mediante cessão, dado que o cessionário adquirente sub-roga-se no direito de
cobrar diretamente o devedor.
7.2. A natureza jurídica da securitização decorre da relação contratual de
compra e venda de direitos creditórios firmada entre o originador (vendedor), que por
meio da cessão transfere à securitizadora ativos (direitos creditórios), como forma de
diluir o risco em relação ao recebível.
7.3. Antes da operação de securitização, será necessária a relação jurídico-
contratual entre o originador e o terceiro devedor, sendo este último responsável pelo
pagamento do débito decorrente de compra e venda ou prestação de serviço ao
originador, seja em razão de operação financeira, imobiliária, agrícola ou mobiliária.
7.3. As modalidades de securitização identificadas neste trabalho divergem
basicamente em relação aos ativos ou direitos creditórios negociados, como os
recebíveis decorrentes de exportação por empresas brasileiras, os créditos imobiliários,
os ativos empresariais mediante a emissão de títulos ou valores mobiliários, os créditos
financeiros envolvendo recebíveis bancários e os créditos do agronegócio.
7.4. Identificamos a necessidade da existência de estrutura mínima
operacional do processo de securitização, destacando a emissão de títulos ou valores
mobiliários lastreados nos direitos creditórios, submetidos à aquisição por investidores,
que investem esse capital mediante certa remuneração, capital esse utilizado para
remunerar os originadores em razão da aquisição dos direitos creditórios ou para
reposição de caixa das securitizadoras.
293
7.5. Assim, finalizamos o primeiro capítulo afirmando que a atividade de
securitização permite a monetização imediata de direitos creditórios pelos originadores
e a diluição dos riscos quanto ao inadimplemento com os investidores, tratando-se de
estrutura complexa.
7.6. No segundo capítulo, entendemos que não há legislação específica
regulamentando a securitização de ativos empresariais ou de títulos e valores
mobiliários. A Lei n.º 9.514/1997, que rege a securitização de títulos imobiliários,
acrescida do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas, são os pilares que
emprestam à securitização de títulos e valores mobiliários normatividade naquilo que
não seja incompatível. Identificamos também outras regras que compõem o
ordenamento jurídico da securitização em estudo, como a Lei n.º 4.595/1964, a Lei n.º
6.385/1976, a Resolução CMN n.º 2907/2001 e as Instruções Normativas CVM n.º
307/1999, n.º 408/2004, n.º 480/2009, n.º 554/2014, n.º 555/2014, aplicadas de forma
subsidiária e complementar às operações de securitização em estudo.
7.7. Após breve análise sobre as características da cessão do direito
creditório e a necessidade da utilização da forma de sociedade anônima com propósito
específico pela securitizadora em razão da emissão de debêntures que serão lastreadas
pelos direitos creditórios relativos a recebíveis de ativos empresariais, construímos
organograma operacional específico, com o intuito de distinguir a atividade, as partes
envolvidas e as etapas do processo em relação à atividade de factoring, que não se
confundem.
7.8. Há apenas dois elementos que possamos chamar de critérios
semelhantes existentes nas operações de securitização de ativo empresarial e factoring:
(i) ambas adquirem ativos com fluxo de recebimento futuro, por um valor presente
determinado por um deságio; (ii) os recebíveis advêm de títulos de créditos idênticos,
como duplicatas, cheques, notas promissórias etc. No mais, os objetos e as finalidades
são distintos.
7.9. Identificamos diferenças entre factoring e securitizadora de títulos e
valores mobiliários, no aspecto operacional (comparando organogramas das operações),
no âmbito societário, em relação aos contratos firmados, os riscos assumidos por cada
uma delas, as distinções das espécies de atividades praticadas (factoring = prestação de
294
serviços + compra de direitos creditórios; securitização = compra de direitos
creditórios), a existência ou não de garantias no processo, aplicada apenas na
securitização.
7.10. Por fim, concluímos que a cláusula de recompra ou substituição dos
direitos creditórios em caso de não liquidação da dívida pelo devedor somente poderá
ser veiculada no contrato da securitizadora, sendo vedada em relação à factoring
justamente por ser um aspecto inerente ao tipo de contrato de faturização,
especificamente para evitar a caracterização de atividade de instituição financeira, como
ocorre com os descontos bancários.
7.11. No terceiro capítulo, realizamos novo corte no sistema jurídico, com
o intuito de analisar as incidências e não incidências de tributos sobre a atividade da
securitização de títulos e valores mobiliários. Estudamos as incidências do IRPJ, da
CSLL, do PIS e da Cofins, e a não incidência do IOF e do ISSQN, destacando que a
forma utilizada para conhecer os critérios das normas gerais e abstratas desses tributos
foi a análise e a construção das regras-matrizes de incidência.
7.12. Em razão de os regimes tributários (lucro real e lucro presumido) das
securitizadoras de títulos e valores mobiliários comporem as bases de cálculo do IRPJ e
da CSLL, com reflexos em relação à definição dos regimes cumulativos ou não
cumulativos do PIS e da Cofins, o estudo dos critérios que formam as regras-matrizes
de incidência é imprescindível.
7.13. Em relação ao IRPJ, a regra-matriz de incidência traz os seguintes
critérios:
– Antecedente da regra-matriz do IRPJ:
(i) o critério material possui o verbo “auferir” e o complemento “renda”
(lucro), e o acréscimo patrimonial da sociedade só será computado na medida em que,
após um resultado aritmético, se apura o resultado positivo (lucro) ou negativo
(prejuízo) a partir da atividade empresarial. Em nosso entendimento, o Código
Tributário Nacional previu como hipótese de incidência do imposto a renda em sua
acepção ampla, decorrente da aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica,
295
destacando que essa aquisição de disponibilidade traga um acréscimo patrimonial, isto
é, uma nova riqueza;
(ii) o critério temporal comporta a forma de apuração trimestral ou anual de
acordo com a legislação aplicável ao imposto, seja a apuração do tributo pela
sistemática do lucro real ou lucro presumido. Se o regime de apuração for trimestral, o
critério temporal terá seu momento de incidência do imposto no último dia de cada um
dos quatro trimestres existentes no ano fiscal. Se optar pelo regime anual, os valores
recolhidos pela sociedade mês a mês pelo regime de estimativa, fixados com base na
receita bruta ou apurados mediante a elaboração de balancetes suspensão ou redução,
terão como critério temporal de incidência do IRPJ o último dia do ano do respectivo
calendário, e os recolhimentos desse tributo feitos durante os meses do ano-calendário
serão considerados antecipações, podendo ser abatidos na apuração do imposto no final
do exercício;
(iii) o critério espacial será o lucro auferido pelas sociedades em todo o
território nacional e o lucro de subsidiárias (coligadas ou controladas) auferido no
exterior, em razão do princípio da universalidade;
– Consequente da regra-matriz do IRPJ:
(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal, e em relação
ao sujeito passivo será a pessoa jurídica que auferir lucros;
(v) o critério quantitativo será composto pela base de cálculo e alíquota do
imposto. A base de cálculo do IRPJ será o lucro real, presumido ou arbitrado,
correspondente ao período de apuração. Integram a base de cálculo todos os ganhos e
rendimentos de capital, independentemente da denominação, da forma, da natureza, da
espécie ou existência de título ou contrato, bastando que esses ganhos e rendimentos
decorram de ato ou negócio que tenham os mesmos efeitos previstos na regra de
incidência do imposto. No lucro presumido, o percentual de lucro a ser considerado
pelas securitizadoras será de 8% sobre o valor da receita bruta auferida mensalmente,
visto que a securitização de recebíveis envolve apenas a compra de direitos creditórios,
não envolvendo nenhuma atividade de prestação de serviços. Já a alíquota principal será
de 15% sobre a base de cálculo, acrescida, na apuração do lucro, do adicional de 10%,
296
apenas sobre o valor que exceder a R$ 20.000,00 mensais, ou R$ 60.000,00 trimestrais
ou R$ 240.000,00 anuais, dependendo do período de apuração (mensal, trimestral ou
anual).
7.14. Concluímos, adotando premissa lógica levando em conta a
dedutibilidade de custos e despesas, aplicadas apenas no lucro real, que as
securitizadoras preferem apurar e recolher seus tributos pelo regime tributário do lucro
presumido, pois quase não possuem custos e despesas a serem descontados na apuração
do lucro, e o valor da receita auferida na atividade de securitização de ativos
empresariais é relativamente elevado.
7.15. Uma das desvantagens que podemos apontar no lucro presumido é a
impossibilidade de se deduzir prejuízo fiscal, procedimento esse considerado como um
benefício fiscal, limitado a 30% do valor do lucro apurado, aplicado no regime de
apuração do lucro real.
7.16. No tocante à incidência da CSLL, após identificarmos os princípios
aplicados a esse tributo, concluímos que há diferenças em relação ao IRPJ,
especialmente quanto à destinação e à base de cálculo. Diante disso, construímos a
regra-matriz de incidência tributária como forma de identificarmos os critérios que
compõem a norma geral e abstrata desse tributo.
– Antecedente da regra-matriz da CSLL:
(i) o critério material será “auferir lucro” (verbo + complemento);
(ii) o critério temporal poderá ser identificado na apuração trimestral ou
anual da contribuição. No trimestral, nos casos de lucro real e lucro presumido, a
incidência ocorre nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro
de cada ano-calendário. No lucro real anual, em que a sociedade deverá fazer o ajuste e
apurar saldo devedor a pagar ou saldo negativo (crédito) de CSLL em razão das
antecipações feitas durante os meses do ano-calendário, o critério temporal será o
último dia do ano no respectivo calendário;
297
(iii) o critério espacial será todo o território nacional, atendendo ao princípio
da territorialidade, bem como os lucros e rendimentos auferidos no exterior, em razão
do princípio da universalidade;
– Consequente da regra-matriz da CSLL:
(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal, sendo
arrecadada a CSLL pela Receita Federal do Brasil, e o sujeito passivo será a pessoa
jurídica que auferir o lucro líquido;
(v) o critério quantitativo, composto pela base de cálculo decorrente do
resultado do exercício antes do provisionamento do imposto de renda, qual seja o lucro
líquido, corresponde ao resultado contábil do período ajustado pelas adições
determinadas, pelas exclusões admitidas e pelas compensações de base de cálculo
negativa até o limite definido em legislação específica vigente à época da ocorrência
dos fatos geradores, porém o valor da CSLL não poderá ser deduzido para efeito de
determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo. Quanto à sistemática de
apuração pelo lucro presumido, a base de cálculo da CSLL será auferida por meio de
uma presunção de 12% a título de lucro levando em consideração o valor da receita
bruta. Já a alíquota será de 9% calculada sobre o valor da base de cálculo.
7.17. Quanto à contribuição ao PIS/Pasep, após breve análise sobre a
evolução legislativa referente à ampliação da base de cálculo de faturamento para
receita bruta, construímos a regra-matriz de incidência.
– Antecedente da regra-matriz do PIS/Pasep:
(i) o critério material da norma de incidência será “auferir receita bruta”
(verbo + complemento). A definição de conceito de receita bruta para ambos os regimes
(lucro real e lucro presumido) é a mesma a partir da vigência da Lei n.º 12.973/2014,
que incluem as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores
decorrentes do ajuste a valor presente;
(ii) o critério temporal ocorrerá no último dia de cada mês, tratando-se de
contribuição mensal, seja na sistemática cumulativa (artigo 3.º da Lei n.º 9.718/1998)
298
nos casos de apuração pelo lucro presumido, seja na sistemática não cumulativa (artigo
1.º da Lei n.º 10.637/2002) ou nos casos de apuração pelo lucro real;
(iii) o critério espacial será o território nacional, adotando-se o princípio da
territorialidade;
– Consequente da regra-matriz do PIS/Pasep:
(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo da relação jurídico-tributária a
União Federal. Já o sujeito passivo será a pessoa jurídica que auferir a receita bruta;
(v) o critério quantitativo do PIS/Pasep terá como base de cálculo a receita
bruta, contudo há dois regimes de apuração e recolhimento dessa contribuição social: o
regime cumulativo, que possui base de cálculo a receita bruta auferida e alíquota 0,65%;
e o regime não cumulativo, que possui base de cálculo a receita bruta e alíquota 1,65%.
A receita tributada pelo PIS/Pasep em relação às securitizadoras é o deságio (spread) no
desconto do valor do título, não fazendo parte dessa receita tributada o custo de
aquisição do título. Na sistemática não cumulativa, em que é possível descontar
créditos, apurados da mesma forma que os débitos, levando em conta valores de bens,
serviços, aluguéis, máquinas etc., descritos nos artigos 3.º das Leis n.º 10.637/2002 e n.º
10.833/2003, consideramos como insumos as despesas com a agência de rating e as
taxas e emolumentos necessários para a emissão das debêntures.
7.18. Em relação à Cofins, mais uma contribuição incidente sobre as
atividades das securitizadoras, concluímos que a regra-matriz de incidência possui os
seguintes critérios:
– Antecedente da regra-matriz da Cofins:
(i) o critério material dessa contribuição será “auferir receita bruta”,
proveniente dos fatos que compõem a atividade da sociedade;
(ii) o critério temporal ocorrerá no último dia de cada mês, tratando-se de
uma contribuição social mensal;
(iii) o critério espacial será o território nacional, adotando-se o princípio da
territorialidade;
299
– Consequente da regra-matriz da Cofins:
(iv) o critério pessoal terá como sujeito ativo a União Federal e o sujeito
passivo será a pessoa jurídica que auferir receita bruta;
(v) o critério quantitativo, da mesma forma que a contribuição ao PIS/Pasep,
terá dois regimes de apuração: o regime cumulativo, que possui como base de cálculo a
receita bruta auferida e alíquota de 3%; e o regime não cumulativo, em que a Cofins
possui base de cálculo a receita bruta e alíquota de 7,6%.
7.19. Ao tratarmos dos regimes caixa e competência, que interferem
diretamente no fluxo de caixa das atividades das securitizadoras e apuração de tributos,
destacamos que a regra geral para as sociedades é a apuração pelo regime de
competência, o que impõe à pessoa jurídica registrar e contabilizar suas receitas, os
custos e despesas naquele mês em que efetuou o faturamento, independentemente do
recebimento dos valores faturados.
7.20. Em razão de o Brasil adotar na apuração do IRPJ e da CSLL o
regime de competência para demonstração dos resultados, ocorre a incidência tributária
quando do registro da operação, permitindo que se confrontem os custos e as despesas
com as receitas auferidas, para fins de apuração do lucro que será tributado.
7.21. Contudo, a partir da edição da Instrução Normativa SRF n.º
104/1998, passou a permitir o reconhecimento das receitas da venda de bens ou direitos
ou de prestação de serviços na medida do seu recebimento (adoção do regime de caixa).
O artigo 13 da Lei n.º 9.718, de 1998, dispõe que a receita bruta auferida no ano anterior
será considerada segundo o regime de competência ou de caixa, observado o critério
adotado pela pessoa jurídica.
7.22. O regime caixa é o regime contábil que apropria as receitas e
despesas no período de seu efetivo recebimento ou pagamento, respectivamente,
independentemente do momento em que são realizadas. Nesse regime a receita só será
apurada para fins tributários quando for recebida, ou seja, no dia em que a parcela
correspondente for quitada pelo cliente.
300
7.23. Nas operações de securitização de ativos empresariais, a despeito de
a receita auferida se basear no desconto do valor do deságio quando da aquisição dos
títulos, o momento do fato jurídico tributário para a incidência do IRPJ, da CSLL, do
PIS/Pasep e da Cofins se dará quando do faturamento ou auferimento de receita bruta
(momento da aquisição dos recebíveis), haja vista que é nesse instante que ocorrerá o
desconto do valor da remuneração da securitizadora.
7.24. Já as securitizadoras de ativos empresariais que se submeterem ao
regime de apuração do lucro presumido, atendendo às exceções previstas no artigo 14
da Lei n.º 9.718/1998, poderão apurar e recolher os tributos ora mencionados pelo
regime caixa, tributando quando ocorrer a recuperação do capital com o pagamento do
título pelo devedor, devendo optar por essa modalidade no início do ano-calendário.
7.25. Assim, a opção pelo regime caixa permite que a securitizadora de
títulos e valores mobiliários tenha equilíbrio financeiro (fluxo de caixa), submetendo ao
pagamento de tributos apenas quando do recebimento dos valores pelo devedor do
título, desde que mantenha um controle contábil e fiscal de suas operações.
7.26. Quanto ao IOF, concluímos que a pessoa física ou jurídica que
alienar direitos creditórios decorrentes da venda a prazo às empresas que se dedicam ao
fomento mercantil (factoring) se sujeita à cobrança desse imposto, nas mesmas
alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo, praticadas por
instituições financeiras.
7.27. Em relação às securitizadoras, não há expressa previsão legal para a
incidência do IOF sobre as operações de securitização envolvendo a emissão de títulos
ou valores mobiliários, sendo vedada a aplicação da analogia no sistema jurídico, nos
termos do artigo 108, § 1.º, do CTN.
7.28. Portanto, não existindo no ordenamento jurídico atual regra
prescritiva de direito tratando da tributação das operações de cessão de direitos
creditórios pelas securitizadoras, não há que falar em tributação das operações de
securitização pelo IOF ou IO/Título, por falta de previsão legal. Eventual cobrança pelo
fisco federal implicará violação ao princípio da estrita legalidade.
301
7.29. Quanto ao ISSQN, em razão de a securitizadora não realizar
qualquer prestação de serviço ou obrigação onerosa de fazer, não haverá a incidência
desse imposto de competência municipal. No contrato de aquisição de direitos
creditórios lastreados em títulos ou valores mobiliários, o elemento principal é a entrega
do bem imaterial adquirido por meio do instituto da cessão, que se consubstancia em
verdadeira obrigação de dar.
7.30. Diante disso, sobre a característica necessária para configurar a
incidência do ISSQN, inerente à atividade de prestação de serviço, a legislação que
tratar do conceito de prestação de serviços não poderá alterar a definição e o alcance
predeterminado de Direito Privado, sob pena de ofensa ao artigo 110 do Código
Tributário Nacional.
7.31. Após análise dos impactos tributários sobre a operação de
securitização, tratamos da faculdade da securitizadora de títulos e valores mobiliários
em adotar o regime tributário de apuração pelo lucro presumido, desde que atendidas as
regras de exceção dispostas no artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998.
7.32. Concluímos no quarto capítulo que somente a lei poderá dispor sobre
os regimes de tributação do IRPJ e da CSLL, quais sejam o lucro real e o lucro
presumido.
7.33. O lucro presumido foi criado para simplificar o regime de apuração e
recolhimento de tributos, quando comparado com o regime do lucro real. Esse regime,
além de visar também a arrecadação, apresenta características de desburocratização e
uma opção prevista em lei para a economia fiscal.
7.34. Em análise ao disposto no inciso VI do artigo 14 da Lei n.º
9.718/1998, que trata da obrigatoriedade de se adotar o regime de lucro real pelas
empresas de factoring, ao realizar a inversão do parêntesis em relação ao texto existente
no referido inciso, sob o prisma gramatical do “autorreferenciamento” (falar de si
mesmo), estaremos diante de uma interpretação do enunciado não criativa ou não
transcritiva, concluindo-se que factoring = “atividades de prestação cumulativa e
contínua de serviço de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e
302
riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios
resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços”.
7.35. O artigo 14 da Lei n.º 9.718/1998 sofreu acréscimo com a edição da
Medida Provisória n.º 472/2009, convertida na Lei n.º 12.249/2010, ao introduzir no
inciso VII as securitizadoras de títulos imobiliários, financeiras e agronegócios. A
alteração legislativa mencionada não trouxe em seu texto legal a modalidade de
securitização de títulos e valores mobiliários.
7.36. Diante dessa inclusão, a despeito de a exposição de motivos da MP n.º
472/2009 mencionar que, em razão de critérios de semelhanças com o factoring, as
securitizadoras de recebíveis deverão se sujeitar ao regime do lucro real, a atecnia do
legislador em não incluir no texto da referida medida provisória a previsão legal acabou
fazendo com o que a exposição de motivos se tornasse verdadeira letra morta, sem
nenhuma eficácia técnica, até mesmo porque a validade e a produção de efeitos das
regras jurídicas se dão em relação ao texto introduzido no ordenamento jurídico, e não
sobre a intenção do legislador mencionada em enunciação-enunciada.
7.37. Em relação às consultas respondidas pela Receita Federal do Brasil,
especificamente as respostas expedidas quando da vigência das Instruções Normativas
n.º 740/2007 e n.º 1.396/2013, destacamos a existência de duas espécies de
manifestações do órgão federal, uma que é emitida pelas Disit, e que tem efeito apenas
em relação ao contribuinte consulente, e outra expedida pela Cosit, cujos efeitos dão
caráter de norma individual e concreta para o consulente, e de geral e concreta aos
demais contribuintes que se enquadrarem na mesma situação.
7.38. Identificamos no ordenamento jurídico a edição de dez atos
enunciativos de legalidade publicados pela Disit ao longo de todo o País, que por meio
de soluções de consulta responderam aos contribuintes durante 2005 a 2012 que as
securitizadoras de títulos e valores mobiliários poderiam adotar o regime do lucro
presumido, seja de forma expressa, seja por critério de exclusão com as hipóteses
trazidas quanto aos obrigados ao regime do lucro real, seja como pressuposto das
próprias respostas emitidas.
303
7.39. No tocante à solução de divergência editada pela Receita Federal do
Brasil, destacamos o caráter geral desses atos enunciativos de legalidade concreta, nos
termos das Instruções Normativas n.º 740/2007 e n.º 1.396/2013.
7.40. Em destaque, a Solução de Divergência n.º 8/2001, que
expressamente, produzindo efeitos gerais e concretos, reafirmou a possibilidade de a
atividade de securitização de valores mobiliários apurar IRPJ e CSLL pela sistemática
do lucro presumido.
7.41. Caminhamos para o estudo do Parecer Normativo n.º 5/2014, que
alterou o entendimento sobre o regime tributário das securitizadoras, passando da
faculdade do lucro presumido para a obrigatoriedade do lucro real.
7.42. Antes de se apontarem conclusões sobre a mudança de
entendimento, identificamos que o parecer normativo emitido pela Receita Federal do
Brasil é um ato enunciativo de legalidade que tem como uma de suas funções
uniformizar a interpretação de legislação fiscal ou aduaneira, que contenha dúvida ou
conflito, vinculando os agentes públicos federais.
7.43. Esse ato enunciativo de legalidade não possui força de lei, não altera
dispositivo de lei, tratando-se de mera opinião vinculativa do órgão federal.
7.44. Quanto ao Parecer Normativo n.º 5/2014, a Receita Federal usa o
argumento de que a securitização de títulos mobiliários é uma espécie do gênero
fomento mercantil, distinguindo apenas quanto à destinação dos títulos adquiridos, ou
seja, a securitização de ativos empresariais se caracteriza pela formação de lastro para
os títulos mobiliários emitidos, e a faturização se ocupa da formação de carteira própria.
7.45. Constatamos no referido parecer as seguintes violações: (i) ao
princípio da estrita legalidade, visto que apenas a Lei pode dispor sobre criação,
modificação ou extinção de tributos; (ii) ao princípio da irretroatividade tributária, pois
o parecer pretendeu atribuir efeito ex tunc à interpretação por ele dada a leis anteriores;
(iii) ignorou entendimento da própria Receita Federal, representado em dez soluções de
consulta e em decisões proferidas por DRJ; (iv) ignorou os efeitos gerais produzidos
pela Solução de Divergência n.º 8/2011; (v) ignorou todas as outras diferenças
existentes entre as atividades de factoring e securitização, utilizadas pela própria
304
Receita Federal em decisões e respostas às consultas; (vi) reconheceu a inexistência de
regra jurídica expressa obrigando as securitizadoras de ativos empresariais a apurar o
IRPJ/CSLL pelo lucro real, afirmando que as regras editadas dispõem apenas da
securitização de setores imobiliário, agrícola e financeiro.
7.46. No âmbito da compreensão do disposto no inciso VI do artigo 14 da
Lei n.º 9.718/1998, o legislador nada mais quis senão incluir no rol do regime do lucro
real uma soma de atos realizados pelas factorings, que envolvem serviços e compra de
direitos creditórios, ao tratar da conjugação e soma da expressão “cumulativa”,
apresentando a seguinte equação: (1) serviços de assessoria creditícia, mercadológica,
gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber + (2)
compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação
de serviços = (3) factoring.
7.47. O legislador não tratou da atividade de compra de direito creditório,
de maneira que o intérprete possa concluir isoladamente pela aplicação do regime do
lucro real às securitizadoras de títulos e valores mobiliários.
7.48. Com isso, a interpretação dada pelo Parecer Normativo n.º 5/2014,
quanto à securitizadora de títulos mobiliários, é abusiva e não se sustenta na lei, que não
trouxe de forma expressa o enquadramento dessa modalidade de comercialização de
ativos empresariais na obrigatoriedade da apuração do IRPJ e CSLL pelo lucro real, e,
por isso, fere o princípio da estrita legalidade.
7.49. Conclui-se ainda que o Parecer Normativo retroage a fatos jurídicos
tributários pretéritos (desde a edição da Lei n.º 9.718/1998), o que não teria sentido em
face da Solução de Divergência n.º 8/2011 e seus efeitos de norma geral e concreta,
violando inclusive o disposto no artigo 16, § 5.º, da Instrução Normativa n.º 740/2007,
expedida pelo Ministro da Fazenda, autoridade superior ao Secretário da Receita
Federal.
7.50. Ao ignorar ainda as soluções de consulta editadas durante anos pela
própria Receita Federal do Brasil e ao confirmar a inexistência de norma expressa
obrigando as securitizadoras de títulos mobiliários a se submeter ao regime do lucro
305
real, acaba por violar novamente a estrita legalidade e os atos enunciativos de legalidade
concreta da própria administração pública.
7.51. Ademais, há ilegalidade nas normas individuais e concretas
expedidas pelos agentes públicos fundamentadas no Parecer Normativo n.º 5/2014, para
exigir o IRPJ e a CSLL no regime de lucro real das securitizadoras de títulos
mobiliários, pois esse embasamento não se sustenta na Lei, mas em uma equivocada
construção interpretativa eivada de vícios e sem sustentabilidade jurídica.
7.52. Outro ponto investigado do referido parecer se dá quanto ao disposto
no artigo 48, § 12, da Lei n.º 9.430/1996. Levando em conta o entendimento da Solução
de Divergência n.º 8/2011 editada pela Cosit, ainda que se considerasse inexistirem
ilegalidades no parecer normativo, teríamos o cenário de que apenas a partir da
publicação do referido parecer se poderia aplicar o entendimento de que as
securitizadoras se submeteriam ao lucro real.
7.53. Em razão da impossibilidade legal de mudança de regime no meio
do ano-calendário, o entendimento sufragado no parecer teria eficácia técnica e jurídica
apenas a partir de 1.º.01.2015, visto que a publicação do parecer normativo se deu em
11.04.2014, e as securitizadoras não teriam meios normativos de alterar a forma do
regime de recolhimento no meio do exercício fiscal.
7.54. Investigamos ainda as autuações realizadas pelo fisco federal em
relação às securitizadoras e decisões da DRJ e do CARF, concluindo que inexiste
jurisprudência formada sobre o tema, a despeito da falta de critérios para as autuações,
identificando até contradições do mesmo agente autuante.
7.55. Diante do exposto, analisamos 14 atos enunciativos de legalidade
editados pela Disit (10), Cosit (1), DRJ (2) e CARF (1), para demonstrar que em todos
os níveis da administração pública da União Federal a coerência jurídica e o princípio
da legalidade foram preservados durante anos.
7.56. Com a edição do Parecer Normativo n.º 5/2014, acompanhado pela
Solução de Consulta Cosit n.º 202/2014, a própria Receita Federal do Brasil ignorou
todos os atos enunciativos de legalidade editados até então, em total desrespeito a
direitos e garantias dos contribuintes.
306
7.57. Resta aos contribuintes autuados a busca pela legalidade da
faculdade do regime do lucro presumido por meio da via administrativa e judicial, visto
que o governo federal não sinaliza mudanças sobre o disposto no Parecer Normativo n.º
5/2014.
7.58. Constatamos que a opção da prática da atividade de securitização de
títulos e valores mobiliários com certa segurança jurídica é o Fundo de Investimento em
Direitos Creditórios (FIDC).
7.59. Identificamos no quinto capítulo que o FIDC possui operações de
securitização de recebíveis que guardam semelhanças com a securitização de títulos e
valores mobiliários, atendem ao objetivo da atividade e seus atos estão regulamentados
por autoridades monetárias e fiscais, com maior grau de confiabilidade e segurança
jurídica.
7.60. No plano societário, os custos concernentes ao FIDC são menores
em relação às securitizadoras, visto que não se trata de uma sociedade submetida à
inscrição na Junta Comercial, com custos inerentes à abertura de uma sociedade
anônima de propósito específico, como ocorre com as securitizadoras de títulos e
valores mobiliários.
7.61. No âmbito legal, diversamente das securitizadoras de títulos e valores
mobiliários, que são regradas por legislações emprestadas de outras modalidades de
securitização, o FIDC possui regras próprias e rígidas, como as Instruções CVM n.º
356/2001 e n.º 393/2003, e suas alterações, e a Resolução CMN n.º 1907/2001.
7.62. Em relação ao aspecto operacional, o FIDC conta com um número
grande de prestadores de serviços, que compõem a sua complexa estrutura, destacando o
administrador, o gestor da carteira, o custodiante, os condôminos ou cotistas, a empresa
de auditoria independente, a agência de rating, o estruturador, o escriturador e a
consultoria jurídica, todos com papéis importantes e específicos nas operações do
fundo. Nas securitizadoras de títulos e valores mobiliários, as partes envolvidas são
outras: originador, securitizadora, investidor e devedor, com funções operacionais
relacionadas ao direito creditório.
307
7.63. Quanto ao critério tributário, o FIDC não possui o mesmo impacto
fiscal das securitizadoras, não submetendo ao recolhimento de IRPJ, CSLL, PIS e
Cofins, pois trata-se de um condomínio, incorrendo na retenção do IR-Fonte quando da
remuneração, resgate ou amortização das cotas dos investidores em relação ao valor dos
juros que incorporarem à remuneração destes. Também será submetido ao pagamento
de taxa de fiscalização devida para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quando
as cotas forem objeto de distribuição pública.
7.64. Com isso, o contribuinte do IR-Fonte são os investidores, e, no caso
da pessoa física beneficiária da receita financeira, o imposto sobre a renda na fonte será
considerado tributação definitiva, enquanto na hipótese de a beneficiária tratar-se de
pessoa jurídica o imposto sobre a renda na fonte será considerado uma antecipação.
7.65. Fazendo-se um comparativo em relação aos investidores do FIDC, se
a fonte de renda da pessoa jurídica for apenas o resultado de sua aplicação em cotas de
FIDC, esta acabará pagando um valor maior de tributos (34%) quando comparado à
carga tributária que incidiria caso ela fosse uma pessoa física (entre 22,5% e 15%). No
caso de investidores pessoas jurídicas cujos rendimentos forem considerados receitas
financeiras, incorrerá ainda no pagamento de PIS e Cofins caso recolha essas
contribuições no regime não cumulativo, sujeitando-se à carga tributária de 0,65% e
4%, respectivamente.
7.66. Concluímos ainda que, para que o fundo se submeta à alíquota de
15% a título de IR-Fonte, o Administrador deverá investir parte do patrimônio líquido
do fundo em títulos de longo prazo, acima de 720 dias.
7.67. Apontamos ainda que há incidência do IOF sobre os rendimentos do
FIDC, sob a forma de alíquotas regressivas. A alíquota será de 1% ao dia sobre o valor
de resgate, cessão, repactuação de títulos de renda fixa e fundos e clubes de
investimento, incidindo sobre operações com títulos públicos federais, CDB e cotas de
Fundos de Renda Fixa, de prazo inferior a 30 dias. Se o prazo for superior a 30 dias, a
alíquota será zero. Quanto ao IOF sobre a “compra” ou “venda” dos recebíveis, sua
alíquota é zero.
308
7.68. Concluímos pela existência de desvantagens do FIDC em relação às
securitizadoras: (i) dificuldade na renegociação de créditos em razão da inadimplência
do devedor, haja vista a quantidade de prestadores de serviços vinculados na operação;
(ii) capacidade econômica dos investidores, que exigem valores elevados; (iii) rigidez
das regras aplicadas aos fundos e burocracia dos registros na CVM e Anbima; e (iv)
número restrito de prestadores de serviços que compõem o quadro estrutural dos fundos.
7.69. Portanto, há vantagens e desvantagens na migração das atividades de
securitização para o FIDC, e no âmbito jurídico o quadro é mais favorável para os
Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, em razão da regulamentação existente,
da estrutura societária e da economia fiscal.
7.70. Quanto à migração das atividades das securitizadoras para o FIDC,
concluímos tratar-se de uma opção sob o ponto de vista de se agarrar à legalidade
concreta e evitar surpresas, até mesmo porque, no tocante aos fundos, não há certa
margem de liberdade de interpretação das regras editadas, existindo textos normativos
mais claros e objetivos expedidos pela Comissão de Valores Mobiliários e pela Receita
Federal do Brasil.
7.71. Por fim, para encerrar o quinto capítulo, adotando-se o permissivo
legal quanto ao direito de escolhas, constatado em relação aos regimes do lucro real e
presumido para as securitizadoras de títulos e valores mobiliários, ou mesmo para a
criação de FIDC com o intuito de exercer a atividade de securitização de recebíveis,
concluímos que esses atos não configuram planejamento fiscal, pois não há nenhum
objetivo em elidir a lei, no sentido de manipular a lei de forma lícita para a obtenção de
economia fiscal.
7.72. O fato de adequar a atividade praticada por pessoa jurídica nas
hipóteses em que não há vedação legal, atendendo as regulamentações normativas, não
configura ato de elusão, elisão ou evasão fiscal. Trata-se do direito de escolha previsto
em lei, acrescido do exercício da livre-iniciativa e do livre-arbítrio do contribuinte,
direitos intransponíveis, insculpidos no artigo 1.º, IV, e artigo 5.º, caput, ambos da
CF/1988, fulcrados no permissivo legal.
309
7.73. No último capítulo deste trabalho, aprofundamos nosso estudo da
securitização da Dívida Ativa, fonte de receita dos entes públicos com baixa eficácia de
recebimento e valores vultosos.
7.74. Partimos de algumas conclusões, afirmando que a “Dívida Ativa” é
composta por fontes de receitas públicas tributárias e não tributárias, nos termos da Lei
n.º 4.320/1964.
7.75. A execução da Dívida Ativa depende de ato prévio de controle
administrativo da legalidade do crédito fazendário, que se faz por meio de inscrição em
livro próprio. O ato e os requisitos necessários à inscrição do débito em Dívida Ativa
para a formação do título executivo extrajudicial pela Fazenda Pública estão delineados
e fundamentados no artigo 202 do Código Tributário Nacional.
7.76. Constatamos nos termos do artigo 784 do Código de Processo Civil
atual que a certidão de Dívida Ativa e os demais títulos de crédito passíveis de
securitização possuem a mesma classificação de títulos executivos extrajudiciais.
7.77. O primeiro obstáculo que se aponta quanto à securitização da Dívida
Ativa é a indisponibilidade do interesse público. Os direitos creditórios decorrentes de
tributos, constituídos ou não, parcelados ou não, cobrados ou não, formadores da receita
pública, são bens públicos indisponíveis, inegociais e irrenunciáveis, porque necessários
ao cumprimento dos fins do Estado, que busca atender ao bem comum e satisfazer as
necessidades públicas, amparados nos princípios da estrita legalidade e da
indisponibilidade dos interesses públicos.
7.78. Diante dessa barreira, que impõe até restrições à própria lei, a Dívida
Ativa somente poderia ser securitizada se o sistema jurídico brasileiro sofresse uma
profunda transformação em relação aos valores atribuídos às regras jurídicas,
sujeitando-se necessariamente a modificações de textos legais.
7.79. Outro obstáculo enfrentado na securitização da Dívida Ativa é a
impossibilidade da cessão do direito creditório a quem não possui interesse público.
Mantendo-se a natureza jurídica tributária do crédito objeto da securitização, após a
cessão à securitizadora, apenas as empresas públicas securitizadoras por meio da edição
310
de lei prevendo a parafiscalidade poderiam guardar o interesse público, adotando-se
uma acepção lato sensu do princípio da indisponibilidade do interesse público.
7.79. Outro obstáculo que a securitização da dívida ativa encontra pela
frente é a impossibilidade da substituição do regime jurídico da cobrança do débito
pelas regras de execução do direito privado, atualmente regidas pelo Novo Código de
Processo Civil.
7.80. Na hipótese de a Fazenda Pública preservar a relação jurídica de
credora perante o contribuinte, ou seja, se não houver a efetiva transmissão da
propriedade do direito creditório à securitizadora, estaremos diante de uma operação
financeira de empréstimo (crédito) feita pela securitizadora ao ente público e, caso a
financiadora dessa operação seja um banco, estaremos em face de um financiamento
(crédito) bancário dessas operações, haja vista que os créditos permanecerão como
garantias do pagamento da dívida perante o financiador.
7.81. A Lei de Execução Fiscal não prevê a legitimidade processual às
empresas privadas ou sob o controle do Poder Público na cobrança de valores inscritos
em Dívida Ativa.
7.82. O artigo 5.º da Lei de Execução Fiscal prevê que “A competência
para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de
qualquer outro Juízo”, o que significa que, uma vez o crédito inscrito e representado em
certidão de Dívida Ativa, e mantendo-se a natureza jurídica do crédito com a
securitização, não há outra forma de continuar cobrando o direito creditório senão pela
Lei n.º 6.830/1980 no atual ordenamento jurídico.
7.83. Concluímos ainda que não haverá o interesse público nos autos da
Execução Fiscal após a securitização da Dívida Ativa, salvo se a securitizadora for
empresa controlada pelo Poder Público e atue exclusivamente em prol do interesse
público. Entretanto, o credor de recebíveis da Dívida Ativa não terá legitimidade para
continuar nos autos da Execução Fiscal exigindo o crédito tributário.
7.84. Destacamos que a CVM editou a Instrução n.º 444/2006,
explicitando que securitização de créditos pertencentes aos entes públicos, suas
autarquias e fundações, por meio da estruturação de Fundos de Investimento em
311
Direitos Creditórios Não Padronizados (FIDC-NP), são consideradas operações de
crédito, submetidas, portanto, à Lei de Responsabilidade Fiscal.
7.85. Por seu turno, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional entendeu
que nos casos em que não há exigência de garantia do pagamento do crédito pelo Poder
Público na hipótese de inadimplência do devedor, e não havendo a exigência da
substituição do crédito por outro, será descaracterizada a chamada operação de crédito,
não se submetendo às imposições trazidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
7.86. O inciso III do artigo 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF),
ao definir operação de crédito, trouxe expressão muito ampla, mas que não guarda
correlação com a operação de securitização, visto que esta implica alienação
patrimonial, não se tratando de endividamento do Poder Público.
7.87. A despeito de a edição da Instrução CVM n.º 444/2006 determinar
de forma incorreta a submissão da securitização da Dívida Ativa à operação de crédito
regida pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o não atendimento aos requisitos dispostos
nos artigos 32 e 38 dessa lei importará na não autorização de funcionamento do fundo
pela CVM, submetendo-se ainda o securitizador ao recebimento de penalidades.
7.88. Por fim, analisamos a competência do Senado Federal em editar
Resoluções com o intuito de dispor sobre os limites globais e condições para as
operações de crédito externo e interno dos entes públicos.
7.89. É um verdadeiro contrassenso o fato de o Senado Federal tratar da
securitização da “Dívida Ativa”, excluindo essa operação do conceito de “operação de
crédito”, embora possua apenas competência para dispor sobre operações de crédito
interno e externo nos termos do artigo 52 da CF/1988. Se não se trata de operação de
crédito, então o Senado não teria competência para dispor sobre a securitização da
“Dívida Ativa”.
7.90. Ao investigarmos a Resolução n.º 17/2015, que alterou o artigo 5.º
da Resolução n.º 43/2001, conclui-se que: (i) essa regra veda a cessão do fluxo de
recebimentos relativos aos direitos creditórios da Dívida Ativa de forma não definitiva
ou com cláusula que permita eventual revogação da operação; e (ii) essa regra veda a
manutenção, pelo Estado, pelo Distrito Federal ou pelo Município, perante a
312
securitizadora ou FIDC, de responsabilidade pelo efetivo pagamento a cargo do
contribuinte ou de qualquer outra espécie de compromisso financeiro que possa, nos
termos do artigo 29, III, da LRF, caracterizar operação de crédito.
7.91. Isso quer dizer que a securitização da Dívida Ativa está prevista no
artigo 5.º da Resolução n.º 43/2001, do Senado Federal, com as alterações promovidas
pela Resolução n.º 17/2015.
7.92. Entretanto, embora o Senado Federal busque evitar, de maneira
correta, que a securitização da Dívida Ativa prevista em suas resoluções submeta-se à
incidência da Lei Complementar n.º 101/2000 (LRF), consolidando em termos
normativos o entendimento editado Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em sede de
pareceres, há obstáculos que impedem a securitização da Dívida Ativa, como:
(i) indisponibilidade do interesse (bem) público, que apenas seria atendida
sob acepção lato sensu no caso de a cessão do direito creditório vir a ser feita à
securitizadora ou ao FIDC-NP sob o controle do Poder Público, devendo se limitar
eventual deságio aos valores de multa e juros, respeitando-se ainda a parcela da receita
pública de outro ente da Federação;
(ii) ilegitimidade de a securitizadora ou de o FIDC-NP vir ao juízo de
Execução Fiscal cobrar o crédito da Dívida Ativa por falta de previsão legal,
considerando a manutenção da natureza jurídica do direito creditório;
(iii) impossibilidade da substituição do regime jurídico de cobrança do
débito pelas regras de execução do direito privado, em face do disposto no artigo 5.º da
Lei n.º 6.830/1980; e
(iv) falta de interesse público na operação após a securitização, com a
liquidação do crédito inscrito em Dívida Ativa com a antecipação dos recebíveis, salvo
na hipótese de a securitização vir a ser realizada por empresa pública, que deverá
perseguir apenas interesses públicos.
7.93. Diante do exposto, os primeiros passos para a securitização da Dívida
Ativa foram dados de maneira correta pelo Senado Federal, contudo é necessária a
alteração da legislação, de forma a permitir eventual relativização da disponibilidade do
313
interesse público perante outros importantes princípios de Direito Administrativo e
viabilizar a cobrança dos débitos pelos securitizadores com eventual alteração do rito
processual de cobrança da Dívida Ativa em casos de securitização.
314
8
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