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 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Rodrigo Carvalho de Abreu Lima Padrões privados na Organização Mundial do Comércio: limites entre as regras multilaterais e a governança privada de temas ambientais, sanitários e fitossanitários DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Rodrigo Carvalho de Abreu Lima

Padrões privados na Organização Mundial do Comércio: limites entre as

regras multilaterais e a governança privada de temas ambientais, sanitários

e fitossanitários

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2016

 

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Rodrigo Carvalho de Abreu Lima

Padrões privados na Organização Mundial do Comércio: limites entre as

regras multilaterais e a governança privada de temas ambientais, sanitários

e fitossanitários

DOUTORADO EM DIREITO

Tese de Doutorado apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do título de DOUTOR em Direito das Relações Sociais, subárea Direito das Relações Econômicas Internacionais, sob orientação do Prof. Dr. Cláudio Finkelstein.

SÃO PAULO 2016

 

Banca Examinadora

________________________________________ Professor Dr. Cláudio Finkelstein

______________________________________

Professor Dr. Carlos Roberto Husek

____________________________________________ Professora Dra. Marina Amaral Egydio de Carvalho

_________________________________________ Professora Dra. Vera Helena Thorstensen

________________________________________ Professor Dr. Welber Oliveira Barral

________________________________________ Professora Dra. Juliana de Oliveira Domingues

(suplente)

________________________________________ Professor Dr. Paulo Marcos Rodrigues Brancher

(suplente)

São Paulo, 21 de novembro de 2016

 

À Josiane, que aceitou partilhar a vida passo a passo, decidiu dividir

os desafios do hoje e do amanhã, com respaldo nos momentos e

aprendizados do dia a dia e, sobretudo, enfrentar o mundo pautado

por conhecimento, amor e humanidade.

 

AGRADECIMENTOS

Reconhecer o carinho, o suporte, a dedicação, a motivação e, principalmente, as experiências

que as pessoas que nos cercam têm a ensinar é, talvez, um dos maiores aprendizados que se

pode levar da vida.

O desejo de aprender, refletir e buscar usar o que se aprende como meio para viver de forma

íntegra me foi ensinado desde cedo pelos meus pais, Iza e Sérgio, a quem sou imensamente

grato.

Ao meu irmão, com quem partilho e debato os temas aqui expostos e outros assuntos que

inquietam a mente e exigem pensar, a gratidão pela amizade e fraterno companheirismo.

Agradeço, ainda, o apoio da minha família e amigos que, mesmo distantes dos temas aqui

tratados, sempre me motivaram a pesquisar e aprender.

Ao Professor Dr. Cláudio Finkelstein, pela orientação e confiança ao longo do doutorado, e

por me motivar a estudar desafios que compreendem o direito internacional do comércio e o

direito internacional ambiental.

Devo mencionar as construtivas discussões acerca de vários temas que são tratados na

presente tese com meus amigos e parceiros da Agroicone, bem como com Leandro Rocha de

Araújo, com quem tenho o prazer de debater os rumos da Organização Mundial do Comércio

há tempos.

Agradeço aos professores do Curso de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, em especial os professores Carlos Roberto Husek e Tércio Sampaio

Ferraz Júnior, por me motivarem a pensar e estudar o direito internacional diante do mundo

em constante mudança, o que exige aperfeiçoamentos e a integração das diferentes áreas do

conhecimento humano.

Ao Dilermando Aparecido Borges Martins, pelo suporte com as pesquisas relacionadas ao

universo dos padrões privados, que surgem como instrumentos de soft law no campo do

direito internacional; ao Leonardo Munhoz pela ajuda com as traduções, e ao Professor Carlos

Coelho pelas correções de português.

 

RESUMO

LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Padrões privados na Organização Mundial do

Comércio: limites entre as regras multilaterais e a governança privada de temas ambientais,

sanitários e fitossanitários. 2016. 358 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

O objeto da presente pesquisa é analisar se a Organização Mundial do Comércio regula a

criação, adoção e efeitos de padrões privados ao comércio que visam atingir fins ambientais,

sanitários e fitossanitários, ou se essa agenda é exclusivamente privada e fica fora das regras

do comércio internacional. Com o surgimento de inúmeros modelos de padrões privados,

normalmente criados por indústrias, bancos, ONGs, produtores, redes de supermercados,

academia, incluindo, em certos casos, Membros da OMC, a preocupação de países em

desenvolvimento e países de menor desenvolvimento relativo quanto ao surgimento de

barreiras ao comércio se torna marcante no âmbito do Committee on Technical Barriers to

Trade, do Committee on Sanitary and Phytosanitary Measures e do Committee on Trade and

Environment. Avaliar se a OMC regula esses padrões, ou de que maneira contempla a

discussão de temas como redução de emissões de gases de efeito estufa, conservação da

biodiversidade e uso da água torna-se essencial na medida em que a agenda ambiental ganha

força e enseja a adoção de medidas que podem afetar o comércio internacional. A pesquisa

considera a evolução dos temas ambientais no sistema GATT-OMC, como forma de

estabelecer os parâmetros da regulamentação do comércio multilateral no tocante a questões

ambientais. Além disso, detalha os diferentes modelos de padrões privados e organizações

que incentivam a padronização como meio para se atingir objetivos ambientais ou

relacionados a segurança dos alimentos. Por fim, a jurisprudência do GATT-OMC será

analisada como forma de comprovar ou não que a OMC regula os padrões privados. O maior

objetivo da tese é questionar a capacidade da OMC de regular a adoção dos padrões privados

e, paralelamente, debater de que forma essa discussão pode evoluir no âmbito dos Acordos

TBT e SPS, ou mesmo no Committee on Trade and Environment.

Palavras-chave: Direito. OMC. Padrões privados ao comércio. Barreiras não tarifárias.

Desenvolvimento sustentável. Mudanças do clima. Padrões voluntários. Biodiversidade.

 

ABSTRACT

LIMA, Rodrigo Carvalho de Abreu. Private Standards to Trade in the World Trade

Organization: limits between multilateral rules and the private governance of environmental,

sanitary and phytsanitary issues. 2016. 358 f. PhD (Doctor in Law) – Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

The goal of this research is to analyze whether the World Trade Organization regulates the

design, adoption and the effects of private standards on international trade, established with

the aim at achieving environmental, sanitary and phytosanitary purposes, or if this agenda is

purely private and falls outside the rules of the multilateral trading system. With the surge of

different private standards, usually created by industries, banks, NGOs, producers,

supermarkets, academy and including, in some cases, WTO Members, the developing

countries and least developed countries raise concerns about possible trade barriers, which is

becoming a common agenda for the Committee on Technical Barriers to Trade, the

Committee on Sanitary and Phytosanitary Measures and the Committee on Trade and

Environment. Assess whether the WTO regulates the private standards, or how it

contemplates the discussions around reducing greenhouse gas emissions, biodiversity

conservation and water use, becomes essential considering that the environmental agenda

gains strength and entails the adoption of measures that may affect international trade. This

research considers the evolution of environmental issues in the GATT-WTO system as a way

to set parameters of the multilateral trading rules related to those issues. In addition, it will

detail the different models of private standards and organizations that encourage

standardization as a means to achieve environmental objectives or related food safety goals.

Finally, the case law of the GATT-WTO will be considered, in order to assess if the WTO has

jurisdiction or not over private standards. Hence, the main objective of the thesis is to

question the WTO's ability to regulate the adoption of private standards and, in addition,

discuss how this debate can evolve under the TBT and the SPS Agreements, or even in the

Committee on Trade and Environment.

Key-words: Law. WTO. Private standards to trade. non-tariff measures. sustainable

development. climate change. voluntary standards. biodiversity.

 

LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esquema do funcionamento do Acordo TBT.......................................................... 56

Figura 2 – Esquema do funcionamento do Acordo SPS .......................................................... 76

Figura 3 – Princípios de credibilidade da ISEAL ................................................................... 120

Figura 4 – Membros plenos da ISEAL ................................................................................... 121

Figura 5 – Membros associados da ISEAL ............................................................................ 121

Figura 6 – Infográfico sobre o CGF ....................................................................................... 128

Figura 7 – Cartão Postal Desmatamento Líquido Zero .......................................................... 141

Figura 8 – Distribuição global dos compromissos ligados a redução de desmatamento ....... 151

Figura 9 – Infográfico sobre a GFSI ....................................................................................... 201

Figura 10 – Certificações reconhecidas pela GFSI ................................................................ 204

 

LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Resumo do Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação

de Padrões ................................................................................................................................. 64

Quadro 2 – Princípios para a elaboração de padrões, guias e recomendações

internacionais no Acordo TBT ................................................................................................. 69

Quadro 3 – Comparação entre os Códigos TBT e ISO sobre criação e adoção de padrões ..... 72

Quadro 4 – Conceitos da ISO sobre padrões e padronização ................................................... 94

Quadro 5 – Escopo básico de um padrão: princípios, critérios e indicadores ........................ 102

Quadro 6 – Padrões de acordo com sua criação e governança ............................................... 103

Quadro 7 – Padrões privados e certificações .......................................................................... 105

Quadro 8 – ISEAL Code of Good Practice ............................................................................. 124

Quadro 9 – Membros da FOOD SCD Roundtable ................................................................. 133

Quadro 10 – Princípios da FOOD SCP Roundtable .............................................................. 134

Quadro 11 – Acordos e Tratados Ambientais Internacionais e a proteção de vegetação

nativa ...................................................................................................................................... 160

Quadro 12 – Recomendações de políticas com vistas a reduzir a produção e o consumo

de produtos e bens oriundos de desmatamento e degradação na União Europeia ................. 166

Quadro 13 – Propostas de criar iniciativas voluntárias que certifiquem commodities

livres de desmatamento .......................................................................................................... 167

Quadro 14 – Iniciativas que podem promover o objetivo de reduzir desmatamento em

terceiros países ........................................................................................................................ 169

Quadro 15 – MEAs e dispositivos relativos a coexistência com outras regras de direito

internacional ........................................................................................................................... 237

Quadro 16 – Artigos do Acordo TBT relevantes para a análise de padrões privados ao

comércio ................................................................................................................................. 260

Quadro 17 – Artigos do Acordo SPS relevantes para a análise de padrões privados ao

comércio ................................................................................................................................. 284

 

LISTA DE SIGLAS

Acordo TBT – Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Technical

Barriers to Trade)

Acordo SPS – Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement

on the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures)

AIDCP – Agreement on the International Dolphin Conservation Program

APC – Acordos Preferenciais de Comércio

APPs – Áreas de Preservação Permanente

Bonsucro – The Global Sugarcane Platform

CBC – Código de Boa Conduta

CBD – Convention on Biological Diversity

CDP – Carbon Disclosure Program

CGF – Consumer Goods Forum

CIPV – Convenção Internacional de Proteção Vegetal

CTE – Committee on Trade and Environment

DEFRA UK – Department for Environment, Food and Rural Affairs

DGs – Directorate-Generals

EEA – European Environment Agency

EGA – Environmental Goods Agreement

EMIT – Group on Environmental Measures and International Trade

ESC – Entendimento Relativo às Normas de Procedimentos sobre Solução de Controvérisas

E2E – End to End

FOOD SCP Roundtable – European Food Sustainable Consumption and Production Round

Table

FLEGT – EU Forest Law Enforcement, Governance and Trade

FSANZ – Food Standards Australia New Zealand

FSC – Forest Stewardship Council

FQD – Fuel Quality Directive

GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade)

GATS – Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (General Agreement on Trade in

Services)

GBEP – Global Bioenergy Partnership

 

GEEs – Gases de Efeito Estufa

GFSI – Global Food Safety Initiative

HACCP – Hazard Analysis and Critical Control Point

HBG – Highly biodiverse grassland

HCS – High Carbon Stocks

HCVF – High Conservation Value Forest

HVC – High value carbon

IEC – International Electrotechnical Commission

iLUC – Indirect land use changes

iNDC – Intended Nationally Determined Contributions

IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas

ISEAL – International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance

ISCC – International Sustainability and Carbon Certification

ISO – Organização Internacional de Padronização (International Organization for

Standardization)

ITC – International Telecommunication Union

IUCN – International Union for Conservation of Nature

LCA – Life Cycle Assessment

Low iLUC – Low indirect land-use change risk

MEA – Multilateral Environmental Agreement

MFN – Most Favored Nation Clause

MSC – Marine Stewardship Council

NDC – Nationally Determined Contributions

NYDF – The New York Declaration on Forests

OA – Órgão de Apelação

OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OIE – Organização Mundial de Saúde Animal

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONGs – Organizações não governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

OSC – Órgão de Solução de Controvérsias

 

PEFC – Programme for the Endorsement of Forest Certification

PPMs – Processes or production methods

QMS – Quality Management System

RED – Renewable Energy Directive

REDD plus – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação

RSB – Roundtable on Sustainable Biofuels

RSPO – Roundtable on Sustainable Palm Oil

RTRS – Roundtable on Responsible Soybean

SC – Standards Code

SDGs – Sustainable Development Goals

TFA – Tropical Forest Alliance

TNC – The Nature Conservancy

TPRM – Trade Policy Review Mechanism

TRIPS – Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio

UE – União Europeia

UNCTAD – United Nations Conference on Trade and Development

CSD – United Nations Commission on Sustainable Development

UNCCD – United Nations Convention to Combat Desertification

UNEP – United Nation Environment Program

UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change

UNFF – United Nations Forum on Forests

UNFSS – United Nations Forum on Sustainability Standards

VSS – Voluntary Sustainability Standards

WEF – World Economic Forum

WWF – World Wildlife Fund

 

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14

1 MEIO AMBIENTE, MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS E

PADRÕES PRIVADOS NO SISTEMA GATT-OMC ........................................................ 21

1.1 O Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT) ..................................................... 26

1.2 O Standards Code .............................................................................................................. 36

1.3 Temas ambientais e padrões privados na OMC ............................................................ 40

1.3.1 Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente ..................................................................... 45

1.3.2 Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Acordo TBT) ..................................... 53

1.3.2.1 Principais regras e funcionamento do Acordo TBT ..................................................... 53

1.3.2.2 Padrões privados no âmbito do Acordo TBT ............................................................... 67

1.4 Medidas sanitárias, fitossanitárias e padrões privados ................................................. 73

1.4.1 O Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS) .......... 74

1.4.1.1 Regras centrais e funcionamento do Acordo SPS ........................................................ 74

1.4.1.2 Padrões privados no âmbito do Acordo SPS ................................................................ 83

2 O UNIVERSO DOS PADRÕES PRIVADOS AO COMÉRCIO .................................... 89

2.1 O conceito de padrões privados ao comércio ................................................................. 90

2.2 Diversidade de padrões privados e seus modelos .......................................................... 99

2.3 Iniciativas que promovem padrões privados ............................................................... 114

2.3.1 United Nations Forum on Sustainability Standards (UNFSS) .................................. 114

2.3.2 International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL) ... 118

2.3.3 The Consumer Goods Forum (CGF) ........................................................................... 125

2.3.3.1 Resolução sobre desmatamento .................................................................................. 129

2.3.3.2 Resolução sobre desperdício de alimentos ................................................................. 129

2.3.3.3 Resolução social sobre trabalho forçado .................................................................... 130

2.3.4 European Food Sustainable Consumption and Production Round Table –

FOOD SCP Roundtable ........................................................................................................ 131

3 PADRÕES PRIVADOS: ESTUDO DE CASOS ............................................................ 137

3.1 Desmatamento zero e desmatamento líquido zero ...................................................... 138

3.1.1 Iniciativas que promovem o desmatamento zero ou líquido zero ............................... 143

3.1.2 Redução de desmatamento e degradação no contexto dos MEAs .............................. 159

3.1.3 Desmatamento e regulamentações ............................................................................... 162

 

3.1.4 Desmatamento ilegal versus desmatamento legal: o caso do Brasil .......................... 170

3.2 A política europeia de sustentabilidade para biocombustíveis ................................... 175

3.2.1 Emissões de GEEs e efeitos indiretos do uso da terra ................................................. 178

3.2.2 Biodiversidade como critério de sustentabilidade ....................................................... 186

3.2.3 Voluntary schemes: equivalência entre regulamentações públicas da UE e

padrões privados para a sustentabilidade de biocombustíveis ............................................. 194

3.3 Global Food Safety Initiative (GFSI) ............................................................................. 199

3.3.1 GlobalG.A.P .................................................................................................................. 205

4 “RULES SETTING VS STANDARDS SETTING”: LIMITES ENTRE AS

REGRAS DA OMC E A GOVERNANÇA PRIVADA ..................................................... 207

4.1 Governança ambiental privada e sua interferência no comércio internacional ....... 208

4.2 Regras da OMC e seus destinatários ............................................................................ 219

4.3 Padrões privados e solução de controvérsias na OMC ............................................... 227

4.3.1 O Órgão de Solução de Controvérsias e os objetivos de segurança e

previsibilidade do sistema multilateral de comércio ............................................................. 228

4.3.2 Regras do GATT no contexto dos padrões privados ................................................... 240

4.3.2.1 A cláusula da nação mais favorecida .......................................................................... 241

4.3.2.2 Princípio do tratamento nacional ................................................................................ 245

4.3.2.3 Restrições quantitativas do Artigo XI ........................................................................ 250

4.3.2.4 As exceções gerais do Artigo XX (b) e (g) ................................................................ 253

4.3.3 Regras do Acordo TBT no contexto dos padrões privados ......................................... 260

4.3.4 Regras do Acordo SPS no contexto dos padrões privados .......................................... 284

4.3.5 Questões a serem avaliadas pelos Comitês dos Acordos TBT e SPS .......................... 300

4.3.5.1 Questões para o Comitê do Acordo TBT ................................................................... 302

4.3.5.2 Questões para o Comitê do Acordo SPS .................................................................... 303

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 306

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 316

ANEXO A – Implementation of the iLUC Directive and update of the template used for

the assessment of voluntary schemes ...................................................................................... 346

ANEXO B – Implementation of the recently adopted criteria and geographic ranges of

highly biodiverse grassland .................................................................................................... 348

ANEXO C – New legal reporting requirements for voluntary schemes ............................... 351

ANEXO D – Update of Commission web site, notifications and transparency Measures.... 356

14

INTRODUÇÃO

A relação entre regras do comércio internacional e os temas ambientais é cada vez

mais evidente quando se observa a relevância que temas como mudanças do clima,

biodiversidade e, de forma mais abrangente, desenvolvimento sustentável ganharam nas

últimas décadas. Em contrapartida, o multilateralismo comercial ancorado na Organização

Mundial do Comércio (OMC) não alcança os avanços pretendidos com a Rodada Doha.

Quando a OMC foi criada em 1995, a agenda ambiental ganhava força no plano

internacional, especialmente levando-se em conta os resultados da Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92).

Como organização que visa regular e liberalizar o comércio, a OMC não tem um

acordo específico sobre meio ambiente. Não obstante, trata da agenda ambiental de diversas

formas, com base no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs

and Trade – GATT) e o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on

Technical Barriers to Trade, a seguir denominado Acordo TBT), bem como no Comitê sobre

Comércio e Meio Ambiente (Committee and Trade and Environment – CTE), e nas

negociações de bens ambientais da Rodada de Doha.

É relevante adicionar aos temas ambientais, as medidas sanitárias e fitossanitárias,

que visam proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal são regulamentadas pelo

Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement on the

Application of Sanitary and Phytosanitary Measures, a seguir denominado Acordo SPS).

Vale ressaltar que o Acordo de Marraqueche, que criou a OMC, salienta, logo no

primeiro parágrafo do Preâmbulo, o objetivo de promover o comércio internacional voltado

para aumentar os padrões de vida em nível global, fomentar empregos, equilibrar o uso dos

recursos naturais em linha com o objetivo do desenvolvimento sustentável, protegendo e

preservando o meio ambiente, respeitando-se os diferentes níveis de desenvolvimento

econômico.

Adicionalmente, a promoção do desenvolvimento sustentável foi contemplada na

Rodada Doha, com base no trabalho do CTE. Mapear o efeito de medidas ambientais sobre o

acesso a mercados, especialmente de países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento

relativo, visando evitar restrições ao comércio, e avaliar requisitos de rotulagem (labeling)

com fins ambientais passaram a ser temas examinados pelo Comitê (Parágrafo 32 da

Declaração de Doha).

15

Comércio e meio ambiente podem ser vistos ora como agendas conflitantes, quando

um país adota restrições ao comércio para proteger objetivos relevantes de natureza ambiental

(metas de desmatamento zero, por exemplo), ora com evidentes sinergias, como é o caso das

energias renováveis e tecnologias de baixa emissão de gases de efeito estufa (GEEs).

Em paralelo, a adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias pode ser de extrema relevância

para proteger a saúde humana, animal ou vegetal, mas pode dar margem para a adoção de

barreiras ao comércio que causam discriminação.

Os Acordos da OMC compõem um conjunto de regras que visam governar a

aplicação pelos seus Membros de medidas com direta interferência no comércio internacional

(hard law). Concomitantemente, surgem inúmeras iniciativas privadas que buscam assegurar,

incentivar e promover a adoção de critérios ambientais, sociais, sanitários e fitossanitários que

possuem um caráter não obrigatório (soft law).

Grandes empresas globais de capital aberto (indústria e varejo), bancos, investidores,

fundos de pensão, organizações não governamentais (ONGs), academia e, em alguns casos,

produtores, são atores que incentivam e promovem a criação de padrões privados ao comércio

(também chamados de private standards to trade ou voluntary sustainability standards –

VSS) que afetam as relações no mercado internacional de produtos agrícolas, industriais,

energias e serviços.

Proteção da saúde diante de riscos no consumo de alimentos (segurança dos

alimentos), assegurar que os produtos e serviços cumprem requisitos ambientais relacionados

ao uso da água, níveis de emissões de GEEs, uso do solo e conservação de biodiversidade, uso

de agroquímicos, bem como questões sociais como trabalho escravo, jornada de trabalho,

relação com a comunidade, além de outras demandas dos consumidores são alguns dos temas

contemplados pelos padrões privados.

Em princípio, padrões privados não são regulados pelas regras da OMC, dirigidas

apenas aos seus Membros. No entanto, o universo dos padrões envolve, em vários casos, a

participação cada vez mais marcante de países. Na própria OMC, mais especificamente nos

Comitês do Acordo TBT e do Acordo SPS, o debate sobre padrões privados ganha espaço

principalmente tendo em conta os potenciais impactos ao comércio de produtos de países em

desenvolvimento e países de menor desenvolvimento relativo.

Quando um país incentiva, apoia, inclusive financeiramente, promove ou até mesmo

reconhece padrões privados, não deveria seguir as regras da OMC, notadamente os Acordos

TBT, SPS e o GATT? Padrões voluntários, não mandatórios, criados exclusivamente por

16

organizações privadas, bancos, ONGs, produtores e outros atores, ou em certos casos com a

participação formal de países, devem seguir as regras da OMC ou são meramente privados e,

por isso, ficam fora do escopo das regras multilaterais de comércio?

O fato de os Acordos TBT e SPS considerarem padrões internacionais como

referência para a adoção de medidas sanitárias, fitossanitárias e barreiras técnicas, torna o

debate mais relevante, especialmente quando o conceito de standards (padrões ou normas)

previsto no Acordo TBT sugere que seu cumprimento é voluntário.

Além disso, nos Acordos TBT e SPS há previsão de que os Membros devem adotar

medidas para assegurar que órgãos não governamentais de padronização e outros órgãos não

governamentais (no caso do TBT) e entidades não governamentais (no caso do SPS)

respeitem os dispositivos dos Acordos.

No entanto, não há precedentes no Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) que

permitam ter clareza sobre como essas regras ligadas à criação de padrões por atores de fora

dos governos devem ser ponderadas face aos princípios e Acordos da OMC. Em

contrapartida, a preocupação dos Membros com a adoção de padrões privados que possam

criar obstáculos ao comércio é notória no âmbito do CTE, bem como dos Comitês SPS e

TBT.

No Comitê do Acordo SPS, o tema vem sendo discutido formalmente desde 2005, e

os Membros chegaram a um impasse quanto à aprovação de um conceito de padrões privados

de natureza sanitária e fitossanitária, especificamente pelo fato de não haver consenso sobre

se os atores não governamentais que criam padrões devem ou não respeito às regras do

Acordo SPS.

Já no Acordo TBT, o debate sobre padrões privados tem uma abrangência maior,

especialmente pelo fato de o Acordo permitir a adoção de barreiras técnicas ao comércio com

o propósito de proteger objetivos legítimos de natureza ambiental (Artigo 2.2 do Acordo

TBT). Medidas que tratam de padrões de emissão de GEEs, critérios para uso do solo e

conservação da biodiversidade, desmatamento, dentre outros temas, podem, em tese, ser

respaldadas pelas regras do TBT.

Tendo esse contexto como pano de fundo, o objetivo central da tese é avaliar se a

OMC, com base em suas regas (covered agreements) tem jurisdição para regular padrões

privados ao comércio com fins ambientais, sanitários e fitossanitários, criados por

organizações privadas e iniciativas público-privadas, que podem causar discriminação ao

comércio.

17

A hipótese que norteará a pesquisa assume que a OMC é o foro adequado para tratar

da criação, adoção e implementação dos padrões privados e seus efeitos no comércio

internacional.

Apesar de o OSC ainda não ter analisado uma controvérsia específica sobre os padrões

privados, torna-se fundamental ponderar que a interferência dos padrões no comércio

internacional e a forma como os Membros tratam de algumas questões ambientais se inserem

no escopo das regras multilaterais de comércio e, por isso, devem ser analisadas sob a ótica

dos princípios e dos Acordos da OMC.

Além disso, temas como requisitos ligados a métodos e processos de produção

(processes or production methods – PPMs), critérios não relacionados a PPMs, produtos

similares, necessidade das medidas diante dos objetivos que visam proteger, dentre outros

aspectos, se inserem no debate sobre padrões privados.

Pode-se argumentar, em certa medida, que as regras da OMC precisam ser

aprimoradas, especialmente o Acordo TBT, em linha com os objetivos que norteiam a Rodada

Doha e o estágio das discussões que ocorrem no CTE e Comitês dos Acordos TBT.

Isso se faz necessário na medida em que ao permitir a adoção de medidas que visem

proteger o meio ambiente, o Acordo TBT, bem como o Artigo XX (b) e (g) do GATT, apenas

estabelecem que as medidas não devem criar barreiras e não podem ser mais restritivas do que

o necessário para atingir os objetivos pretendidos, sem contudo, definir com mais clareza o

que significa e quais parâmetros devem ser seguidos para justificar as medidas. Além disso,

os Membros devem adotar medidas para prevenir que atores não governamentais cumpram

com suas regras.

No tocante a medidas sanitárias e fitossanitárias, no entanto, o Acordo SPS é

explícito quanto às justificativas científicas e avaliação de riscos como fundamentos

essenciais para se poder adotar uma medida. Apesar disso, quando o Acordo SPS estabelece

que os Membros devem adotar medidas para evitar que instituições não governamentais

descumpram com suas regras, exige uma interpretação que requer avaliar a agenda de padrões

de forma mais ampla.

A própria conformação das regras de direito internacional do comércio e ambiental

traz argumentos para tanto. É válido ponderar, por exemplo, o alcance das regras da OMC ou

de um Tratado Ambiental Multilateral (Multilateral Environmental Agreements – MEA) em

face dos objetivos pretendidos e de seus destinatários. Nesse sentido, torna-se relevante

18

observar as regras sobre a criação e aplicação dos tratados internacionais previstas na

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados como base.

Até mesmo por que as motivações que fomentam a criação dos padrões privados –

proteção do meio ambiente, da saúde, questões sociais, bem estar animal, segurança dos

alimentos – compreendem assuntos que estão cada vez mais presentes nas relações

internacionais, seja no âmbito de MEAs, da OMC, do Fórum Econômico Mundial, de

políticas nacionais, compromissos do setor privado, ONGs, bancos e outros atores. A

aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) (Sustainable Development

Goals – SDGs) no contexto da Organização das Nações Unidas, em 2015, reflete essa

dinâmica.

Apesar da abrangência de temas que os padrões privados contempla, a tese terá foco

restrito a propósitos ambientais, sanitários e fitossanitários. É essencial salientar que a agenda

social ligada ao comércio, envolvendo temas como trabalho infantil, escravo e análogo ao

escravo, relações com as comunidades, boas práticas nas relações de trabalho é extremamente

relevante. No entanto, definiu-se um escopo limitado pelo fato de os temas sociais não serem

diretamente regulados pelos Acordos da OMC e para que a pesquisa tenha um escopo bem

definido.

A análise dos padrões privados diante das regras da OMC permite ainda avaliar de

que forma temas ambientais passam a ser regulados com base em uma governança privada em

detrimento da regulamentação estatal direta. Sem confrontar regras da OMC diante de

tratados ambientais, o que enseja avaliar a hierarquia e a competência das regras de direito

internacional, é notório o fato de que, em certos casos, os Estados não tratam de certas

agendas ambientais e, mesmo que de forma indireta, terceirizam a regulamentação para

iniciativas e atores privados.

Nesse sentido, a tese buscará avaliar de que forma instrumentos de soft law

interferem em áreas usualmente reguladas por instrumentos de hard law, ora porque os países

não adotam ou não conseguem, de forma eficiente, gerir certas demandas, ora porque as

medidas privadas tendem a ser mais efetivas, dinâmicas e podem lograr maior alcance que

medidas regulatórias.

Essa análise é extremamente relevante diante da hipótese de que a OMC regula os

padrões, e permite, de forma mais abrangente, evidenciar que é preciso que a OMC aprofunde

suas regras sobre como lidar com temas ambientais sob pena de perder efetividade na

regulamentação de regras que interferem no comércio internacional.

19

Para tratar dos objetivos propostos acima, propõe-se, num primeiro momento,

analisar, em uma perspectiva histórica, os pontos de toque entre comércio e meio ambiente no

antigo GATT e na OMC, tendo como referência o Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente e

a experiência reunida no contexto dos Acordos TBT e SPS.

Em paralelo, é importante situar o amadurecimento do direito internacional

ambiental desde a década de 1970, passando pelas Conferências das Nações Unidas voltadas

para discutir temas ambientais relevantes, chegando à Convenção sobre Diversidade

Biológica e à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima e o recém-

aprovado Acordo de Paris.

Essa primeira parte ainda cuidará de situar o papel que a aprovação dos Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável terá perante a agenda multilateral nas próximas décadas.

Com esse contexto delineado, a segunda parte da tese será dedicada ao universo dos

padrões privados com vistas a conhecer padrões que são aplicados no comércio de produtos

agrícolas, bebidas, energias renováveis e serviços, e situar iniciativas que criam, promovem e

aplicam padrões com fins ambientais, sanitários e fitossanitários.

É importante compreender como organizações como a United Nations Forum on

Sustainability Standards (UNFSS), o Consumer Goods Forum (CGF) e a International Social

and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL), que reúnem uma

diversidade de atores em todo o mundo, promovem e fomentam a adoção de padrões.

O segundo capítulo será fundamental para ilustrar a complexidade de atores, modelos

de governança, tipos de critérios ambientais e como os padrões privados efetivamente são

aplicados e, por sua vez, podem interferir no comércio internacional.

A terceira parte será dedicada a três estudos de caso de padrões: a) os compromissos

e iniciativas que visam promover desmatamento zero ou desmatamento líquido zero nas

cadeias produtivas; b) a políticas europeias de sustentabilidade de biocombustíveis; e c)

iniciativas que visam promover padrões ligados à segurança alimentar e questões sanitárias.

Por sua vez, a quarta parte tratará das regras, princípios e jurisprudência da OMC

diante da temática dos padrões privados. Na verdade, a análise de casos julgados pelo OSC

relativos ao Artigo XX (b) e (g) do GATT, bem como diante dos Acordos TBT e SPS, é

fundamental para que se possa buscar acolher ou refutar a tese e a hipótese de que a OMC

regula a agenda de padrões privados.

É fundamental esclarecer, de antemão, que, como não há casos julgados que tratem

de medidas baseadas em padrões privados, a interpretação de alguns precedentes

20

relacionados, por exemplo, com o princípio do tratamento nacional, com a análise de PPMs,

com a adoção ou não do Código de Boa Conduta do Acordo TBT, dentre outros elementos,

será bastante útil.

Há uma extensa jurisprudência do OSC sobre a justificativa e a necessidade de

medidas de caráter ambiental, principalmente diante do Artigo XX (b) e (g) e do Artigo 2.2 do

Acordo TBT. No mesmo sentido, os casos envolvendo a falta ou a existência de evidências

que justificassem medidas sanitárias e fitossanitárias deixam explícita a necessidade de se ter

um mínimo de informações, dados e justificativas científicas quando se adota uma medida

que pode restringir ou até mesmo coibir o comércio visando proteger objetivos legítimos.

Esses elementos serão de extrema importância para ajudar a comprovar ou refutar a tese

proposta.

Com fundamento na estrutura proposta acima a tese buscará comprovar a hipótese

de que a OMC regula os padrões privados, e indicará possíveis ações que poderiam levar ao

aprimoramento das regras dos Acordos TBT e SPS no tocante aos padrões, o que parece

necessário diante da evolução do tema nos últimos anos.

21

1 MEIO AMBIENTE, MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRI AS E PADRÕES

PRIVADOS NO SISTEMA GATT-OMC

O propósito deste Capítulo introdutório é avaliar de que forma as agendas de meio

ambiente e de medidas sanitárias e fitossanitárias estão presentes na Organização Mundial do

Comércio (OMC) e situar a discussão sobre padrões privados ao comércio nesse cenário.

Para tanto, é relevante contextualizar de que forma o sistema multilateral de comércio

trata dessas agendas desde o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on

Tariffs and Trade – GATT 1947) e o Standards Code (SC), passando pelo Comitê sobre

Comércio e Meio Ambiente (Committee on Trade and Environment – CTE), o Acordo sobre

Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on Technical Barriers to Trade – TBT), o Acordo

sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias ao Comércio (Agreement on the

Application of Sanitary and Phytosanitary Measures – SPS), e a Rodada Doha.

De um lado, há uma evidente conexão entre objetivos de natureza ambiental e

comércio, o que se torna explícito nas discussões que ocorrem no âmbito do CTE e do Comitê

do Acordo TBT. De outro, a adoção de medidas que visam proteger a vida e a saúde humana,

animal e vegetal ganhou robustez com as regras do Acordo SPS. Nesse contexto, a adoção e

aplicação de padrões privados que envolvem temas ambientais, sanitários e fitossanitários

influem no comércio internacional e ensejam um profundo debate sobre como a OMC trata

desses padrões.

Os pontos de toque entre valores ambientais e a liberdade de comércio que permeiam

o sistema multilateral de comércio são cada vez mais evidentes, ora sob a perspectiva da

convergência entre demandas ambientais e comércio, ora sob o viés da criação de barreiras

que ensejem restrições justificadas pela proteção do meio ambiente.

De um lado, os Membros da OMC concordam em negociar a redução tarifária para

bens que gerem impactos ambientais positivos – negociações sobre bens ambientais na Rodada

Doha, como um componente evidente da agenda de desenvolvimento sustentável referendada

pela OMC; de outro, a preocupação com requisitos ambientais torna-se crescente, especialmente

na perspectiva dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo.

O amadurecimento do direito ambiental internacional ocorreu concomitantemente ao

adensamento das regras sobre comércio internacional tendo como base o GATT 1947. No

âmbito das Nações Unidas, foi criada a World Commission on Environment and Development,

em 1983, que, liderada pela norueguesa Gro Harlem Brundtland, publicou o Bruntland Report

22

em 1987, cunhando a expressão desenvolvimento sustentável como um enfoque alternativo ao

puro desenvolvimento econômico.

Com o propósito de avaliar, na perspectiva multilateral, como tratar o

desenvolvimento sob um enfoque socioeconômico onde os impactos ambientais sejam

considerados e reduzidos, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)

convocou a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que

ocorreu em 1992.

Além da Agenda 21, como um conjunto global de ações voltadas a promover o

desenvolvimento sustentável, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

e da Declaração com Princípios sobre Florestas, visando reforçar o papel das florestas e seu

manejo em nível global, foram aprovadas a Convenção sobre Diversidade Biológica

(Convention on Biological Diversity – CBD) e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre

Mudanças do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change –

UNFCCC), o que trouxe para o universo multilateral a discussão sobre o que é

desenvolvimento sustentável, como alcançá-lo, financiá-lo e promovê-lo.

A Rio 92, como ficou conhecida a Conferência, serviu como um ponto de partida

para uma ampla discussão de temas ambientais sob a perspectiva do desenvolvimento

sustentável. A partir desse marco, foram negociados acordos sobre pesca em alto mar (UN

Agreement on High Sea Fishing) e desertificação (Convenção das Nações Unidas para o

Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas – United Nations Convention to

Combat Desertification – UNCCD).1

Adicionalmente, foi criada a United Nations Commission on Sustainable

Development (CSD), com o propósito de avaliar e discutir a implementação da Agenda 21 e

dos demais resultados da Rio 92. Comércio e meio ambiente, padrões de produção e consumo,

combate à pobreza, dinâmicas demográficas, mecanismos financeiros, ciência, educação,

transferência de tecnologias limpas e cooperação passaram a ser temas relevantes como forma

de monitorar o cumprimento de metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

Durante a 6ª Sessão da CSD, em 1998, discutiu-se de que forma a criação de padrões

ambientais voluntários pode complementar as regras criadas pelos países com o objetivo de

aprimorar a relação entre políticas e ações que visam ao desenvolvimento sustentável:

50. Os princípios da transparência, reconhecimento mútuo e não discriminação, que servem de pilares para o sistema de comércio

1 UNITED NATIONS. Convention to Combat Desertification. 12 September 1994. Disponível em:

<http://www.unccd.int/Lists/SiteDocumentLibrary/conventionText/conv-eng.pdf>. Acesso em: 5 fev. 2016.

23

multilateral, também deveriam servir de princípios básicos em outras áreas, como no desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento de padrões ambientais, códigos voluntários de conduta e rotulagem verde deveriam ser observados como ferramentas facilitadoras que assegurassem o cumprimento de objetivos ambientais, ao invés de somente elementos necessários a serem verificados para a obtenção e mensuração de sustentabilidade.2 (grifo e tradução nossa).

É importante destacar, desde já, a referência que a CSD fez aos princípios da

transparência, reconhecimento mútuo e não discriminação como norteadores da agenda de

desenvolvimento sustentável. Além disso, a menção a padrões ambientais voluntários, tema

que será avaliado em detalhes ao longo da presente tese.

Vale salientar a presença que alguns temas ambientais ganharam nas últimas décadas,

passando da preocupação com poluição para temas mais abrangentes como mudanças do clima,

biodiversidade, água, conservação dos ecossistemas e planejamento da paisagem, dentre outros.

Nesse cenário, a tradicional preocupação com a segurança dos alimentos (food safety), intensa

entre 1970 e o início dos anos 2000, atualmente concorre com demandas ambientais e sociais

que variam imensamente entre países e regiões.

Como mencionado no início deste capítulo, tanto os padrões privados com objetivos

ambientais quanto com propósitos sanitários ou fitossanitários serão foco da pesquisa. Isso se

deve ao fato de que essas duas agendas são extremamente relevantes no plano das relações

internacionais, mas também porque, ao ponderar os padrões diante das regras da OMC, é

essencial ter como base os Acordos SPS e TBT.

A aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS (Sustainable

Development Goals – SDG) pela Assembleia das Nações Unidas, em 25 de setembro de 2015,

como parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, evidencia a relação entre

comércio e meio ambiente de forma muito enfática, como se pode observar em vários

objetivos:

ODS 2 – Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável; ODS 3 – Garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos em todas as idades;

2 UNITED NATIONS. Commission on Sustainable Development. Report on the Sixth Session, (22

December 1997 and 20 April–1 May 1998). E/1998/29–E/CN.17/1998/20. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/CN.17/1998/20&Lang=E>. Acesso em: 6 abr. 2016. p. 24. Tradução nossa: “50. The principles of transparency, mutual recognition and non-discrimination, which serve as building blocks for the multilateral trading system, should also serve as basic principles in other areas, such as sustainable development. The development of environmental standards, voluntary codes of conduct and eco-labelling should be viewed as facilitating tools to ensure the fulfilment of environmental objectives, rather than as necessary elements to be checked for the achievement and measurement of sustainability.”

24

ODS 7 – Assegurar o acesso à energia confiável, sustentável e moderna para todos; ODS 8 – Promover o crescimento econômico inclusivo e sustentável, o pleno e produtivo emprego e o trabalho digno para todos; ODS 10 – Reduzir as desigualdades dentro e entre os países; ODS 13 – Tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos; ODS 14 – Conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; ODS 17 – Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável3

Comércio internacional, implementação de tratados ambientais, políticas nacionais,

setor privado e instituições financeiras são vetores necessários para promover a agenda de

desenvolvimento sustentável 2030 representada pelos ODS.

De forma ampla, a convergência entre desenvolvimento sustentável e comércio se

torna evidente. Mas é preciso colocar em perspectiva certos objetivos ambientais aplicados

por meio de medidas e requisitos que podem promover ou restringir o comércio a fim de

avaliar essa convergência mútua.

Especificamente no tocante a padrões internacionais e sua adoção pelo setor privado,

vale destacar seu papel como promotores dos ODS no campo ambiental, social e de saúde. De

acordo com o Parágrafo 67 da Decisão que adotou os ODS, Meios de Implementação e

Parceria Global, o papel dos padrões internacionais deve ser considerado como meio para a

implementação dos objetivos:

67. Atividades empresariais privadas, investimento e inovação são os maiores impulsionadores de produtividade, crescimento econômico inclusivo e criação de empregos. Nós reconhecemos que a diversidade do setor privado varia desde pequenas empresas, cooperativas e multinacionais. Nós apelamos a todas as empresas para aplicar sua criatividade e inovação a fim de solucionar os desafios do desenvolvimento sustentável. Nós vamos promover um setor empresarial dinâmico, e ao mesmo tempo proteger os direitos trabalhistas, meio ambiente e saúde, de acordo com padrões internacionais relevantes, como Guia de princípios orientadores sobre empresas e direitos humanos e convenções da Organização Internacional do Trabalho, Convenção sobre os Direitos da Criança e acordos ambientais chave, para as partes de todos esses acordos.4 (grifo nosso).

Em linha com a relevância dos ODS, a aprovação do Acordo de Paris, durante a 21ª

Conferência das Partes da UNFCCC (COP21), em 2015, estabeleceu um novo regime

multilateral de combate às mudanças do clima baseado em compromissos de todas as Partes 3 UNITED NATIONS. Transforming our World : the 2030 Agenda for Sustainable Development. Resolution

adopted by the General Assembly on 25 September 2015c. A/RES/70/1. Disponível em: <http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>. Acesso em: 2 fev. 2016. p. 14.

4 UNITED NATIONS, 2015c, p. 29.

25

da Convenção. O Acordo de Paris deverá entrar em vigor a partir de 2020, e entre 2016 e

2019 vários detalhes serão acordados pelas Partes, o que traz a relação entre comércio e

mudanças do clima para um novo patamar.

De um lado, pela clareza de que a adoção de ações de mitigação e de adaptação têm

o potencial de promover tecnologias de baixa emissão de gases de efeito estufa – GEEs,

aprofundar cortes de emissão em setores como energia, agropecuária e uso da terra e

incentivar ações que visem a resiliência. De outro, por que a liberalização comercial de

produtos com baixa emissão pode trazer benefícios tanto para as mudanças do clima como

para o comércio.

No entanto, é essencial mencionar que a despeito da importância que a agenda de

mudanças do clima ganhou, especialmente tendo o Acordo de Paris como referência, há

vários aspectos das regras comerciais que devem ser ponderados quando se trata da aplicação

das regras da OMC:

Várias regras da OMC podem ser relevantes para examinar medidas de mitigação e adaptação, e a maioria pode ser explicada nesta parte em detalhes. Primeiramente, várias provisões do GATT deveriam ser mencionadas, incluindo: as disciplinas de tarifas, essencialmente proibindo Membros de aplicar tarifas em uma escala superior da acordada na OMC, na agenda de consolidação tarifária; uma proibição geral contra restrições quantitativas; o princípio geral da não discriminação, composto pela cláusula da nação mais favorecida, princípio do tratamento nacional e exceções gerais do GATT que permitam aos membros da OMC adotar políticas de proteção ambiental. Ademais, regras específicas de regulação técnica e padrões presentes no TBT podem ser relevantes e, por exemplo, regras para que essas medidas não sejam mais restritivas que o necessário para atingir objetivos legítimos devem respeitar o princípio da não discriminação e serem baseados em padrões internacionais, quando existirem.5

Além do mais, a discussão sobre precificação de carbono, a criação de padrões que

exijam critérios de redução de emissão de GEEs de produtos agropecuários ou energias

renováveis ou requisitos de desmatamento zero, tema que ganha espaço em políticas

5 WORLD TRADE ORGANIZATION. United Nations Environmental Programme. Trade and climate

change. WTO-UNEP Report. 2009c. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/trade_climate_change_e.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2016. p. 89. Tradução nossa: “A number of WTO rules may be relevant to the examination of mitigation and adaptation measures and most of them are explained in this Part in detail. First, several provisions of the General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) should be mentioned, including: the disciplines on tariffs, essentially prohibiting members from collecting tariffs at levels higher than that provided for in their WTO scheduled consolidation; a general prohibition against quantitative restrictions; a general non-discrimination principle, consisting of the most-favoured-nation and national treatment principles; and the general exceptions of the GATT that allows WTO members to adopt policy measures to protect the environment. Moreover, specific rules on technical regulations and standards as contained in the Agreement on Technical Barriers to Trade (TBT) may be relevant, and for instance the rules that such measures may not be more restrictive than necessary to fulfill a legitimate objective, must respect the principle of non-discrimination and be based on international standards, where they exist.”

26

corporativas e de certos países, são exemplos de temas com amplo apelo ambiental, mas que

podem gerar barreiras ao comércio. Essa discussão será oportunamente aprofundada nos

capítulos seguintes.

A seguir, será feita uma avaliação da emergência da discussão sobre temas

ambientais na OMC, com o propósito de analisar o surgimento do debate sobre padrões

privados ao comércio que visam alcançar objetivos ligados ao meio ambiente.

Adicionalmente, será feita uma análise sobre as medidas sanitárias e fitossanitárias,

especialmente tendo em conta o espaço que a reflexão sobre padrões privados com fins de

proteção da vida e saúde humana, animal e vegetal ganhou dentro do Comitê do Acordo SPS.6

Compreender como a OMC regula medidas que possam ter o objetivo de proteger

valores ambientais é essencial para permitir discutir de que forma o surgimento dos padrões

privados se relaciona ou não com essas regras. Além disso, se a OMC é o foro adequado para

debater e até mesmo dirimir controvérsias ligadas a barreiras em função de padrões privados.

1.1 O Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio (GATT)

O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio foi aprovado em 1947 como um substituto

da almejada Organização Internacional do Comércio, que tinha sido lançada na Conferência

de Bretton Woods (1944) como um pilar do sistema econômico e financeiro do pós-Guerra,

junto com o Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para a

Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) ou Banco Mundial.

Originalmente, o GATT não tinha o escopo de uma organização internacional, mas

de um acordo voltado principalmente para regular questões tarifárias e estabelecer princípios

visando evitar políticas que ensejassem discriminação ao comércio.

Não obstante as inúmeras limitações do GATT, seja pela sua estrutura de acordo

válido somente para os países que o ratificassem (“GATT à la carte”)7, chamados Partes

6 Normalmente os padrões privados ao comércio são compostos por requisitos ambientais, sociais, de

segurança alimentar, questões técnicas, dentre outras. No entanto, a presente tese analisará em detalhes padrões relacionados a meio ambiente e questões sanitárias e fitossanitárias. Essa escolha se justifica em função da necessidade de se definir um escopo claro para a pesquisa, levando em conta a evolução do tema nos Comitês dos Acordos da OMC. Considerações e citações sobre requisitos de outra natureza poderão ser feitas a título exemplificativo.

7 “Um GATT à la carte foi o subproduto de sua natureza estritamente contratual, proveniente do fato que era concebido apenas como uma relação jurídica entre Partes Contratantes. A OMC ultrapassou esse nível de comprometimento. A OMC é uma organização internacional, isto é, uma instituição com sua própria personalidade jurídica. [...] Essa dimensão institucional explica porque o sistema da OMC contém além de normas de comportamento, normas de organização, isto é, normas que condizem juridicamente a convergência dos Estados para a promoção de propósitos comuns.” LAFER, Celso. A OMC e a

27

Contratantes, seja pelo seu foco inicial no tocante a reduções tarifárias, o Acordo continha

princípios estruturantes no tocante a prevenir a discriminação ao comércio, que são até hoje

princípios fundamentais da OMC.

A cláusula da nação mais favorecida (most favored nation clause – MFN), por

exemplo, prevê que quaisquer benefícios ou privilégios concedidos por um país a um produto

oriundo de parceiro comercial deveriam ser dados a produtos similares de outros países como

forma de evitar a discriminação.8 De acordo com a segunda parte do Artigo I.1 do GATT,

Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma Parte Contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originário do território de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado.9

O foco original da MFN eram as tarifas e as regras e formalidades sobre exportação e

importação. Havia exceções à aplicação da MFN contemplando preferências e benefícios

anteriores à assinatura do GATT e, mais importante, o estabelecimento de condições

preferenciais decorrentes de acordos bilaterais ou regionais de comércio, nos termos do Artigo

XXIV do GATT.10

No entanto, é essencial ponderar a MFN como princípio basilar do GATT-OMC

diante de outras medidas que podem interferir no comércio, como barreiras não-tarifárias,

compreendidas no âmbito dos Acordos SPS, TBT e, potencialmente, no contexto dos padrões

privados ao comércio. Perante o objetivo da presente pesquisa, é relevante frisar este aspecto.

A expressão produto similar – like product – contida na MFN é extremamente

relevante, e deve ser lida em conjunto com outro princípio fundamental do GATT, previsto no

Artigo III, que é o tratamento nacional (national treatment). De acordo com Lima,

regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 24.

8 De acordo com este autor, “A cláusula foi sendo lapidada concomitantemente à noção de não-discriminação, contrapondo-se aos efeitos negativos de práticas que acabavam gerando retaliações e, por isso, minando a liberdade comercial. Assim, a partir do século XVIII e principalmente do século XIX, a cláusula da nação mais favorecida passou a ter papel importante no direito do comércio internacional. Traços da MFN existiam nos Quatorze Pontos de Wilson, na Liga das Nações e no Tratado de Versalhes, o que leva a situar a cláusula num plano mais abrangente, onde a paz, e nesse contexto o comércio, era almejada.” LIMA, Rodrigo C. A. Medidas Sanitárias e Fitossanitárias na OMC: neoprotecionismo ou defesa de objetivos legítimos. São Paulo: Aduaneiras, 2005. p. 35. Sobre o histórico do GATT, consultar Jackson, John H. World Trade and the Law of GATT: a legal analysis of the GATT. New York: Bolls-Merril, 1969.

9 Artigo I.1 do GATT: “[...] any advantage, favour, privilege or immunity granted by any contracting party to any product originating in or destined for any other country shall be accorded immediately and unconditionally to the like product originating in or destined for the territories of all other contracting parties.”

10 Para uma análise da MFN e suas exceções, consultar LIMA, 2005, p. 35-38.

28

Enquanto a MFN cuida de obrigar tratamento não menos favorável aos produtos similares das Partes Contratantes, o princípio do tratamento nacional busca obstar a discriminação dos produtos similares quando já no mercado do importador, seja pela imposição de taxas ou outros regulamentos governamentais.11

O princípio do tratamento nacional, previsto nos Artigos III.2 e III.4 do GATT 1947,

deve ser compreendido como um dos pilares da não discriminação, como visto a seguir:

Artigo III.2. Os produtos do território de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, não estão sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espécie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Além disso nenhuma Parte Contratante aplicará de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos nacionais ou importados, contrariamente aos princípios estabelecidos no parágrafo 1. Artigo III.4. Os produtos de território de uma Parte Contratante que entrem no território de outra Parte Contratante não usufruirão tratamento menos favorável que o concedido a produtos similares de origem nacional, no que diz respeito às leis, regulamento e exigências relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuição e utilização no mercado interno. Os dispositivos deste parágrafo não impedirão a aplicação de tarifas de transporte internas diferenciais, desde que se baseiem exclusivamente na operação econômica dos meios de transporte e não na nacionalidade do produto.12 (grifos nossos).

O princípio do tratamento nacional influencia diretamente as políticas domésticas

dos países no tocante a taxas, tarifas e outros requisitos de natureza tributária (Artigo III.2),

bem como regulamentos, leis e requerimentos (Artigo III.4) (embalagem, selos ou medidas

que visam proteger a saúde) tendo como objetivo maior evitar a adoção de medidas que

causem discriminação entre produtos similares.

O conceito de produto similar começou a ser lapidado ainda sob a égide do GATT,

mas foi com os painéis no OSC que se estabeleceram elementos fundamentais a serem

considerados para definir se um produto é similar a outro ou não.

11 LIMA, 2005, p. 38. 12 Artigo III.2 do GATT: “The products of the territory of any contracting party imported into the territory of

any other contracting party shall not be subject, directly or indirectly, to internal taxes or other internal charges of any kind in excess of those applied, directly or indirectly, to like domestic products. Moreover, no contracting party shall otherwise apply internal taxes or other internal charges to imported or domestic products in a manner contrary to the principles set forth in paragraph 1”; Artigo III.4 do GATT: “The products of the territory of any contracting party imported into the territory of any other contracting party shall be accorded treatment no less favourable than that accorded to like products of national origin in respect of all laws, regulations and requirements affecting their internal sale, offering for sale, purchase, transportation, distribution or use. The provisions of this paragraph shall not prevent the application of differential internal transportation charges which are based exclusively on the economic operation of the means of transport and not on the nationality of the product.”

29

O primeiro ponto que deve ser considerado é que a origem de um produto não pode

ser usada como argumento para criar uma discriminação. Para que haja uma quebra do Artigo

III.4 basta a existência de três elementos: a) o produto importado e o doméstico sejam

considerados similares; b) que a medida questionada seja uma lei, regulamentação ou

requerimento que afete a venda, compra, transporte, distribuição ou uso do produto; c) o

produto importado receba tratamento menos favorável que o concedido ao produto similar

doméstico.13

No caso United States – Certain Measures Affecting Imports of Poultry from China

(US – Poultry), o Relatório do Painel definiu quatro critérios gerais para determinar se um

produto é similar (“likeness”):

Parágrafo 7.425. A abordagem tradicional para determinar “semelhança”, consiste em empregar quatro critérios: (i) as propriedades, natureza e qualidade dos produtos; (ii) as finalidades dos produtos; (iii) gosto e hábito dos consumidores – especialmente percepções e comportamentos com relação aos produtos; (iv) classificação de tarifas dos produtos.14 (tradução nossa).

Nos casos Japan – Alcoholic Beverages, Korea – Measures Affecting Imports of

Fresh, Chilled and Frozen Beef e EC – Measures Affecting Asbestos and Asbestos-Containing

Products (EC – Asbestos), o Órgão de Apelação (OA) passou a definir produtos similares em

função de atributos de mercado, como propriedades físicas, uso e finalidades dos produtos,

hábitos dos consumidores, classificação tarifária e riscos para a saúde humana e para o meio

ambiente. Esses critérios abrem margem para interpretação caso a caso do que seja

similaridade dos produtos e são relevantes quando se trata de medidas que visem atingir fins

relacionados ao meio ambiente e/ou anseios dos consumidores.

No caso EC – Asbestos, o OA reverteu posições do Painel no tocante às

características do produto, pois entendeu que as características carcinogênicas e de toxicidade

das fibras de amianto (chrysotile asbestos fibres), quando comparadas aos produtos similares

– fibras de celulose e vidro (PCG) e PVA, não possuem as mesmas propriedades.

13 WORLD TRADE ORGANIZATION. Korea – Measures Affecting Imports of Fresh, Chilled and Frozen Beef.

WT/DS169. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds161_e.htm>. Acesso em: 18 mar. 2016h. parágrafo 113.

14 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States – Certain Measures Affecting Imports of Poultry from China . Report of the Panel. WT/DS392/R. 29 September 2010b. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds392_e.htm>. Acesso em: 28 mar. 2016. Paragraph. 7.425. Tradução nossa: “Para. 7.425. The traditional approach for determining “likeness” has, in the main, consisted of employing four general criteria: “(i) the properties, nature and quality of the products; (ii) the end-uses of the products; (iii) consumers' tastes and habits – more comprehensively termed consumers' perceptions and behaviour – in respect of the products; and (iv) the tariff classification of the products”.

30

Como destacado pelo OA, “Nós não vemos como esta diferença significativa de

impacto não seja uma consideração no exame de propriedades físicas de um produto, como

parte da determinação de semelhança do Artigo III:4 do GATT 1994”.15

Além de considerar as características físicas do produto como um fator essencial para

determinar se um produto é similar no contexto do Artigo III, o OA concluiu que as

preferências dos consumidores devem ser levadas em conta em certos casos, como quando um

produto apresenta riscos para a saúde:

Neste caso, em especial, nós também estamos convencidos que evidências relacionadas às preferências e hábitos dos consumidores poderiam estabelecer que riscos à saúde por fibras de asbestos, influenciem o comportamento dos consumidores para outros tipos de fibras disponíveis. Nós observamos que, com respeito à asbestos e fibras PCG, o consumidor dessas fibras é o fabricante que incorpora esses em outros produtos, como cimento ou lonas de freio. Nós não desejamos especular que evidências sobre esses consumidores poderiam ter indicado, ao invés, nós desejamos enfatizar que o gosto de consumidores sobre fibras, até mesmo neste caso de fabricantes, muito provavelmente será moldado pelos riscos à saúde associados com o produto, o qual é muito conhecido como cancerígeno. O fabricante não pode, por exemplo, ignorar as preferências do consumidor final dos seus produtos. Se os riscos postos por um produto específico são significantes, o consumidor final pode simplesmente deixar de consumi-lo. Isto deveria, certamente, afetar as decisões do fabricante, ademais, no caso de produtos que colocassem em risco a saúde humana, nós consideramos que provavelmente as decisões dos fabricantes serão influenciadas por outros fatores, como a potencial responsabilidade civil, que poderia recair sobre o marketing de produtos que representem riscos à saúde do consumidor final, ou custos adicionais associados com procedimentos de segurança exigidos no uso desses produtos durante a fabricação.16

15 WORLD TRADE ORGANIZATION. EC – Measures Affecting Asbestos and Products Containing

Asbestos. WT/DS135. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds135_e.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016f. Paragraph 114; ver também parágrafos 151 a 154. Tradução nossa: “We do not see how this highly significant physical difference cannot be a consideration in examining the physical properties of a product as part of a determination of ‘likeness’ under Article III:4 of the GATT 1994.”

16 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016f, Paragraph 122. Tradução nossa: “In this case especially, we are also persuaded that evidence relating to consumers’ tastes and habits would establish that the health risks associated with chrysotile asbestos fibres influence consumers’ behaviour with respect to the different fibres at issue. We observe that, as regards chrysotile asbestos and PCG fibres, the consumer of the fibres is a manufacturer who incorporates the fibres into another product, such as cement-based products or brake linings. We do not wish to speculate on what the evidence regarding these consumers would have indicated; rather, we wish to highlight that consumers’ tastes and habits regardingfibres, even in the case of commercial parties, such as manufacturers, are very likely to be shaped by the health risks associated with a product which is known to be highly carcinogenic. A manufacturer cannot, for instance, ignore the preferences of the ultimate consumer of its products. If the risks posed by a particular product are sufficiently great, the ultimate consumer may simply cease to buy that product. This would, undoubtedly, affect a manufacturer’s decisions in the marketplace. Moreover, in the case of products posing risks to human health, we think it likely that manufacturers’ decisions will be influenced by other factors, such as the potential civil liability that might flow from marketing products posing a health risk to the ultimate consumer, or the additional costs associated with safety procedures required to use such products in the manufacturing process.”

31

É importante ressaltar que, apesar de os critérios para definir produtos similares

serem amplos, baseiam-se nas características do produto em si e não necessariamente nos

métodos e processos de produção (process and production methods – PPMs), o que pode se

tornar questionável quando se busca proteger valores ambientais.

Vale mencionar que quando se trata de políticas com fins ambientais, não

necessariamente acolhidas no âmbito da OMC (o que será visto adiante), o tratamento

nacional pode exigir que produtos similares produzidos de forma distinta quanto ao controle

de poluição, emissões de GEEs ou conservação da biodiversidade sejam tratados da mesma

forma.

Como ressalta Bárbara da Costa Pinto Oliveira, isso pode ser negativo diante do

objetivo de proteger o meio ambiente:

O objetivo do dispositivo é o de garantir-se a mesma oportunidade de competição entre o produto interno e o produto estrangeiro, que não precisam ser idênticos (em características ou uso final). Ressalte-se que o conceito de “produtos similares” varia nos diversos dispositivos do Acordo da OMC e seus anexos, não sendo sempre a mesma a sua interpretação. A relevância desse dispositivo para a proteção do meio ambiente é manifesta. Em primeiro lugar, dois produtos, um cujos resíduos poluem o meio ambiente mais que outro, são similares? E dois produtos, um cujo processo de produção é mais amigável ao meio ambiente do que o outro, são similares? Se a resposta é afirmativa, o membro não pode nem privilegiar a entrada de um em detrimento do outro, nem dar um tratamento melhor para um deles, uma vez dentro da sua jurisdição, seja por meio de diferentes critérios de distribuição, acesso ao consumidor, ou tributação.17

É importante destacar que o fato de a análise da similaridade entre produtos poder

considerar, por exemplo, aspectos técnicos, proteção da saúde e vontade dos consumidores,

caso a caso, deve ser ponderada diante da questão dos PPMs. Um país poderia, por

exemplo, adotar uma medida que discrimine um produto importado sob o argumento de que

seu método de produção leva a um produto final que possui características não desejáveis

para a saúde?

A análise sobre PPMs é particularmente importante para o debate sobre requisitos

ambientais e, consequentemente, para a discussão sobre padrões privados. Isso será feito em

detalhes no Capítulo 4.18

17 OLIVEIRA, Bárbara da Costa Pinto. Meio Ambiente e Desenvolvimento na Organização Mundial do

Comércio. Normas para um Comércio Internacional Sustentável. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 120. 18 A jurisprudência quanto ao Artigo III é vasta e passa por vários aspectos e a interrelação entre cada parte do

Artigo III. O objetivo aqui não é fazer uma análise detalhada, exceto de aspectos que interessam para a pesquisa.

32

Por um lado, os princípios da cláusula da nação mais favorecida e do tratamento

nacional representavam o pilar do liberalismo comercial que se almejava com o GATT. Por

outro, as Partes Contratantes aprovaram as chamadas exceções gerais (Artigo XX), por meio

das quais é justificável adotar medidas que restrinjam o comércio diante de objetivos

relevantes, como proteção da vida e da saúde, meio ambiente, moral pública, conservação dos

recursos naturais, dentre outros valores.

Merecem atenção detida, diante dos objetivos propostos na presente pesquisa, as

alíneas (b) e (g) do Artigo XX, a saber:

Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante, das medidas: (b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais; (g) relativas à conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com restrições à produção ou ao consumo nacionais;19 [...].

A base para a adoção de medidas excepcionais que podem restringir o comércio é

que as mesmas não criem discriminação arbitrária ou injustificável, ou impliquem uma

restrição disfarçada ao comércio.

As regras do Artigo XX do GATT, bem como do Acordo TBT, como será visto

abaixo, abrem espaço para a proteção de valores ambientais, desde que as medidas adotadas

não criem obstáculos desnecessários ou restrições disfarçadas ao comércio, e sejam

fundamentadas em evidências científicas e informações técnicas. O grande desafio é ponderar

até que ponto uma medida que visa proteger o meio ambiente é razoável ou necessária para

atingir este objetivo.

Nas palavras de Gabrielle Marceau e Joeal P. Trachtman, quando um Membro

invoca as exceções gerais do Artigo XX, precisa demonstrar que nenhuma outra alternativa

compatível com as regras da OMC ou menos restritiva ao comércio é razoavelmente

disponível para alcançar o objetivo pretendido. Para os autores, a jurisprudência do GATT

19 Artigos XX, (b) e (g) do GATT 1947: “Subject to the requirement that such measures are not applied in a

manner which would constitute a means of arbitrary or unjustifiable discrimination between countries where the same conditions prevail, or a disguised restriction on international trade, nothing in this Agreement shall be construed to prevent the adoption or enforcement by any contracting party of measures: (b) necessary to protect human, animal or plant life or health; (g) relating to the conservation of exhaustible natural resources if such measures are made effective in conjunction with restrictions on domestic production or consumption.”

33

requeria que a medida fosse o menos restritiva possível, o que era fundamental para ponderar

sua razoabilidade diante do que ficou conhecido como teste de necessidade.20

No caso United States – Section 337 of the Tariff Act of 1930, uma Parte Contratante

não poderia justificar que uma medida era inconsistente com outras obrigações do GATT nos

termos do Artigo XX (d) se existe uma medida alternativa para atingir um objetivo

pretendido. Se não existem medidas razoavelmente disponíveis (“reasonably available”) que

cumpram com as disposições do GATT, caberia à Parte adotar medidas que permitam atingir

o mínimo de inconsistência diante das regras.21

Esse enfoque também foi adotado nos casos United States – Measures Affecting

Alcoholic and Malt Beverages (US – Malt Beverages) e Thailand – Restrictions on

Importation of and Internal Taxes on Cigarettes (Thailand – Cigarettes).22

Nos casos United States – Prohibition of Imports of Tuna and Tuna Products from

Canada23 e Canada – Measures Affecting Exports of Unprocessed Herring and Salmon, o

Artigo XX também foi objeto de análise pelo painel, especificamente no tocante à proteção do

meio ambiente.24

Gabrielle Marceau e Joeal P. Trachtman destacam que a expressão “reasonably

available” cunhada na jurisprudência do GATT sobre o Artigo XX, no entanto, foi aprimorada

no contexto dos painéis levados ao OSC, onde o teste de necessidade ganhou novos

parâmetros. No caso United States – Standards for Reformulated and Conventional Gasoline

(US – Gasoline), o OA determinou que o cumprimento do Artigo XX exige analisar se a

medida está coberta por uma das exceções e se a medida não é aplicada de maneira a

constituir discriminação arbitrária ou injustificável ao comércio (requerimentos do preâmbulo

do Artigo XX).25

20 MARCEAU, Gabrielle; TRACHTMAN, Joel P. A Map of the World Trade Organization Law of Domestic

regulation of Goods: The Technical Barriers to Trade Agreement, the Sanitary and Phytosanitary Measures Agreement, and the General Agreement on Tariffs and Trade. Journal of World Trade , v. 48, n. 2, p. 351-432, 2014. p. 369-370.

21 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. United States – Section 337 of the Tariff Act of 1930, Report of the Panel, adopted 7 Nov. 1989. BISD 36S/345, paragraph 5.26.

22 Idem. United States – Measures Affecting Alcoholic and Malt Beverages. Report of the Panel adopted on 19 June 1992 (DS23/R - 39S/206), Paragraph 5.52; GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Thailand – Restrictions on Importation of and Internal Taxes on Cigarettes, adopted on 7 November 1990, BISD 37S/200, paragraph 223.

23 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. United States – Prohibition of Imports of Tuna and Tuna Products from Canada. Adopted on 22 February 1982, BISD 29S/91.

24 Para um resumo dos casos vale analisar WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Trade and Environment. GATT/WTO Dispute Settlement Practice Relating to GATT Art. XX Paragraphs (b), (d) and (g). WT/CTE/W/203. 8 March 2002a.

25 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States - Standards for Reformulated and Conventional Gasoline. Report of the Appellate Body. WT/DS2/AB/R. 29 April 1996e. p. 22: “Having concluded, in the

34

Os casos United States – Import Prohibition of Certain Shrimp and Shrimp Products

(US – Shrimp); European Communities – Measures Affecting Asbestos and Products

Containing Asbestos (EC – Asbestos); India – Import Restrictions; Croatia –Measures

Affecting Imports of Live Animals and Meat Products; United States – Measures Relating to

Shrimp from Thailand; United States – Measures Affecting the Production and Sale of Clove

Cigarettes também ensejaram análise do Artigo XX (b) e (g).

O chamado teste de necessidade visa ponderar se a medida adotada para atingir um

fim ambiental é razoável, necessária e minimamente discriminatória diante das obrigações do

GATT. Medidas minimamente restritivas, proporcionalidade, precaução e, principalmente,

adequação da medida diante do objetivo que visa proteger são elementos que norteiam a

jurisprudência do Artigo XX.26

Por ora, deve-se destacar a relevância da interpretação jurídica do Artigo XX (b) e

(g) diante da adoção de medidas que visam proteger a saúde e o meio ambiente. No Capítulo

4, a jurisprudência será explorada com maiores detalhes.

É preciso ponderar que a evolução do GATT como um acordo de caráter multilateral,

muito embora restrito apenas às Partes Contratantes, acolheu a discussão de novos temas que

iam além da agenda tradicional de redução tarifária, subsídios e regras sobre o comércio de

bens e serviços. Por meio das rodadas de negociações, que buscaram aperfeiçoar as regras do

GATT 1947, as Partes Contratantes foram paulatinamente incluindo novos temas que valiam

apenas para as Partes que acediam às novas decisões, como licenças de importação, compras

governamentais, medidas antidumping, subsídios, dentre outros temas.

Na década de 1970, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) e a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) fizeram um

estudo com o objetivo de catalogar, classificar e entender o mecanismo de funcionamento das

medidas, das barreiras ou ainda dos obstáculos ao livre-comércio.

Já a partir da Rodada Kennedy (1964-1967), a discussão sobre outros temas que

deveriam ser regulados ganhou espaço. O debate sobre requisitos de rotulagem (labelling) e o

preceding section, that the baseline establishment rules of the Gasoline Rule fall within the terms of Article XX(g), we come to the question of whether those rules also meet the requirements of the chapeau of Article XX. In order that the justifying protection of Article XX may be extended to it, the measure at issue must not only come under one or another of the particular exceptions - paragraphs (a) to (j) - listed under Article XX; it must also satisfy the requirements imposed by the opening clauses of Article XX. The analysis is, in other words, two-tiered: first, provisional justification by reason of characterization of the measure under XX(g); second, further appraisal of the same measure under the introductory clauses of Article XX.”

26 Para uma comparação da interpretação do Artigo XX e as regras dos Acordos SPS e TBT, vale consultar WOLFRUM, Rudiger; STOLL, Peter-Tobias; SEIBERT-FOHR, Anja. WTO, Technical Barriers and SPS Measures. Max Planck Commentaries on World Trade Law. Leiden-Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2007. p. 108-117.

35

princípio do tratamento nacional e possíveis impactos ao comércio em função de medidas que

visavam atender demandas dos consumidores ajudou a impulsionar as negociações do que

viria a ser o Standards Code:

6. Com relação às disciplinas do GATT, foi considerado que enquanto este não explicitamente se referir às questões de embalagem e rotulagem, “tratamento nacional” acordado para bens importados, dispostos no Artigo 3 do GATT, em especial no seu inciso 4, se aplicaria leis e normas de rotulagem adotadas pelos países. Entretanto, diversas delegações também expressaram preocupações sobre possíveis efeitos comerciais adversos desses requisitos; por exemplo, em fevereiro de 1971, o Comitê de Comércio de Produtos Industriais no seu segundo relatório para o Conselho concluiu que: “rotulagem... requisitos, muitos dos quais foram desenhados para proteger os consumidores, podem também ter efeitos adversos no comércio (L/3496). Portanto, a necessidade de disciplinas apropriadas de rotulagem no escopo do GATT foi enfatizada. Foi proposto que embalagem e rotulagem fossem resguardadas por provisões relevantes que estavam sendo discutidas no tocante a padrões (L/3496 página 61). O Grupo de Trabalho 3 providenciou no seu relatório (documento COM.IND/W/108 - datado 25 de junho 1973), que incluiu no seu anexo a “Proposta do GATT para Código de Conduta de Prevenção de Barreira Comerciais” ("Draft Standards Code").27

Ainda em 1971, com o propósito de aprofundar o debate sobre meio ambiente no

âmbito do GATT, denominado por Guido Fernando Silva Soares como “universo hermético e

técnico do GATT”, foi criado o Grupo sobre Medidas Ambientais e o Comércio Internacional

(Group on Environmental Measures and International Trade – EMIT). De acordo com o

professor Guido Fernando Silva Soares,

O Grupo EMIT principiaria seus trabalhos com uma agenda destituída de grandes pretensões, limitada a alguns assuntos técnicos, concentrados em três pontos iniciais: (a) compatibilidade do Protocolo de Montreal sobre a camada de ozônio, a Cites e a Convenção da Basiléia, com as provisões do GATT; (b) a transparência multilateral das regulamentações ambientais internas dos Estados que tenham possíveis reflexos no comércio internacional; e (c) os efeitos das novas regulamentações domésticas sobre

27 WORLD TRADE ORGANIZATION. Negotiating History of the Coverage of the Agreement on

Technical Barriers to Trade with Regard to Labelling Requirements, Voluntary Standards, and Processes and Production Methods Unrelated to Product Characteristics. WT/CTE/W/10; G/TBT/W/11, 29 August 1995, paragraph 6. Tradução nossa: “With regard to GATT disciplines, it was considered that while GATT did not explicitly refer to questions of packaging and labelling, "national treatment" accorded to imported goods under Article III of GATT, in particular under Article III:4, would apply to laws and regulations adopted by countries in the area of labelling. However, several delegations also expressed concerns regarding possible adverse trade effects of these requirements; for example, in February 1971, the Committee on Trade in Industrial Products in its second report to the Council concluded that "labelling ... requirements, many of which were designed to protect consumers, could also have adverse trade effects" (L/3496). Thus, a need for appropriate disciplines for labelling requirements within the GATT framework was emphasised. It was proposed that packaging and labelling be covered by the relevant provisions that were being discussed with regard to standards (L/3496, page 61). Working Group 3 provided its report in document COM.IND/W/108 (dated 25 June 1973), which included in its annex a "Proposed GATT Code of Conduct for Preventing Technical Barriers to Trade" ("Draft Standards Code").”

36

embalagens e etiquetagem, com vista na proteção do meio ambiente; contudo, por efeito da ECO/92, incluiria, por Decisão das Partes Contratantes do GATT, na temática de suas preocupações, a partir de julho de 1993, igualmente matérias compreendidas na Agenda 21, a fim de tornar os assuntos do comércio e meio ambiente mutuamente incentivadores.28

Mas foi especificamente durante a Rodada Tóquio (1973-1979) que as Partes

Contratantes discutiram a eliminação das barreiras não tarifárias, o que permitiu criar regras

próprias, anteriormente tratadas basicamente por meio das exceções gerais do Artigo XX do

GATT 1947.

O Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio ou Standards Code (SC) foi

aprovado na Rodada Tóquio e tinha como propósito regulamentar a atuação governamental no

tocante às especificações quanto aos produtos industriais e agrícolas, com o intuito de evitar

distorções ao comércio. O SC será visto em mais detalhes abaixo.

Contudo, o grande passo dado em direção à regulamentação das barreiras não

tarifárias teve lugar com a Rodada Uruguai, quando se celebraram acordos específicos para as

barreiras técnicas e para as barreiras sanitárias e fitossanitárias, acolhendo-se no novo sistema

multilateral de comércio temas visivelmente sensíveis a seus Membros.

1.2 O Standards Code

Depois da Rodada Kennedy, a preocupação com a multiplicidade de padrões

aplicados pelas Partes e seu potencial para criar barreiras ao comércio ganhou força. Era

necessário criar disciplinas para regular os padrões, bem como promover a harmonização e a

cooperação na formulação de padrões, sem, no entanto, interferir na responsabilidade dos

governos quanto à proteção da vida e da saúde de sua população e ao meio ambiente.29

O Código sobre Barreiras Técnicas ao Comércio30 aprovado em 1979 foi o primeiro

acordo que visava tratar de barreiras não tarifárias no âmbito do GATT. Na prática, o

Standards Code – SC era válido apenas entre as Partes Contratantes que acediam às novas

regras, e surgiu como uma proposta dos Estados Unidos que queriam limitar seus efeitos aos

signatários, acabando com a prática que ficou conhecida como free rider.

28 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente. Emergência, obrigações e

responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. p. 147. 29 MARCEAU; TRACHTMAN, 2014, p. 355. 30 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Agreement on Technical Barriers to Trade.

Standards Code. Tokyo Round. Disponível em <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/tokyo_tbt_e.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016. A seguir, denominado simplesmente de Standards Code.

37

O escopo do SC abrangia regulamentações técnicas e padrões relacionados a

produtos industriais e agrícolas, e buscava prevenir a criação, adoção e aplicação de medidas

que viessem a criar obstáculos desnecessários ao comércio.

De acordo com o Anexo I, regulamentações técnicas são especificações técnicas

abrangendo provisões de caráter administrativo, de natureza obrigatória (“with which

compliance is mandatory”). Poderiam tratar de especificações relativas às características de

um determinado produto, de desempenho, qualidade e segurança, ou ainda, dimensões,

terminologias, símbolos, testes, métodos, embalagem e etiquetas. A definição cobre ainda

padrões que tenham se tornado obrigatórios não por uma regulamentação própria, mas sim em

função de lei geral (“by virtue of a general law”).31

Por sua vez, um padrão (standard) é uma especificação técnica aprovada por um

órgão de padronização reconhecido e seu cumprimento não é obrigatório (with which

compliance is not mandatory). Na nota explanatória, esta definição não cobre especificações

técnicas preparadas por uma empresa para seus requisitos de produção e consumo.32

No preâmbulo do SC ficava clara a visão das Partes Contratantes no tocante ao papel

que os padrões internacionais e os sistemas de certificação poderiam ter com vistas a facilitar

o comércio, bem como a preocupação de que não se tornassem barreiras ou obstáculos aos

fluxos comerciais:

Reconhecendo a importante contribuição que os padrões e sistemas de certificação internacional podem fazer a este respeito, para melhorar a eficiência e produção e facilitar a conduta internacional de comércio; Desejando, portanto, encorajar o desenvolvimento desses padrões e sistemas de certificação internacionais; Desejando, entretanto, assegurar regulamentos técnicos e padrões de empacotamento, marca, requisitos de rotulagem e métodos de certificação de conformidade com regulações técnicas e padrões não criem obstáculos desnecessários para o comércio internacional.33

Como expressamente previsto no Artigo 2.1 do SC, os padrões e regulamentações

técnicas não deveriam criar restrições desnecessárias ao comércio e deveriam respeitar o

princípio do tratamento nacional:

31 Standards Code, Anexo 1. 32 Standards Code, Anexo 1, 3. 33 Standards Code, Preâmbulo. Tradução nossa: “Recognizing the important contribution that international

standards and certification systems can make in this regard by improving efficiency of production and facilitating the conduct of international trade; Desiring therefore to encourage the development of such international standards and certification systems; Desiring however to ensure that technical regulations and standards, including packaging, marking and labelling requirements, and methods for certifying conformity with technical regulations and standards do not create unnecessary obstacles to international trade.”

38

Artigo 2.1: Partes devem assegurar que regulamentos técnicos e padrões não sejam preparados, adotados ou aplicados sob a perspectiva de criar obstáculos ao comércio internacional. Além disso, aos produtos importados do território de qualquer Parte, não deve ser concedido tratamento menos favorável do que qualquer produto nacional ou produto fabricado em países com padrões semelhantes. Eles igualmente devem assegurar que nenhum regulamento técnico ou padrão, nem sua aplicação, criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional.34

De acordo com o Artigo 2.2 do SC, as Partes Contratantes poderiam utilizar barreiras

técnicas quando fosse necessário resguardar a segurança nacional, evitar práticas enganosas,

proteger a saúde e a segurança humana, vida e saúde animal e vegetal, o meio ambiente, tendo

em vista fatores climáticos e geográficos, ou, ainda, problemas tecnológicos fundamentais.

Em síntese, o SC permitia a adoção de regulamentações e padrões técnicos voltados

para proteger objetivos legítimos desde que não ensejassem a criação de barreiras ao

comércio. Este racional, que será recorrente ao longo da tese, reflete o enorme desafio que a

OMC enfrenta no tocante à adoção de medidas técnicas, sanitárias, fitossanitárias e de caráter

ambiental propriamente dito.

Para Gabrielle Marceau e Joel P. Trachtman,

Suas principais provisões proibiram discriminação e protecionismo da produção doméstica, por meio de especificações, regulamentos técnicos e padrões. Também condenaram a preparação, adoção e aplicação de regulamentos, especificações e padrões mais restritivos do que o necessário, e pede que as Partes baseiem suas políticas domésticas em padrões internacionais e colaborem e cooperem para harmonização das políticas nacionais.35

Os Artigos 3 e 4 do SC tratavam da preparação, adoção e aplicação de

regulamentações técnicas e padrões por órgãos governamentais e por órgãos não

governamentais. Levando em conta o objetivo da tese, é relevante mencionar que o Artigo 4.1

mencionava expressamente que as Partes devem adotar medidas para assegurar que órgãos

não governamentais dentro de seus territórios cumpram com as provisões do Artigo 2:

34 Standards Code, Artigo 2.1. Tradução nossa: “Article 2.1 - Parties shall ensure that technical regulations and

standards are not prepared, adopted or applied with a view to creating obstacles to international trade. Furthermore, products imported from the territory of any Party shall be accorded treatment no less favourable than that accorded to like products of national origin and to like products originating in any other country in relation to such technical regulations or standards. They shall likewise ensure that neither technical regulations nor standards themselves nor their application have the effect of creating unnecessary obstacles to international trade.”

35 MARCEAU; TRACHTMAN, 2014, p. 355. Tradução nossa: “Its main provisions prohibited discrimination and protection of domestic production through specifications, technical regulations and standards; it also proscribed the preparation, adoption and application of regulations, specifications and standards in a manner more restrictive than necessary; and it urged signatories to base their national measures on international standards and to collaborate and co-operate towards harmonizing of such national norms.”

39

Artigo 4.1: As Partes devem adotar políticas razoáveis, que possam estar disponíveis e assegurar que organizações não governamentais, do seu território, cumpram as provisões do Artigo 2, com exceção do Artigo 2, parágrafo 5, subparágrafo 2 e tendo que comentários e discussões sobre o Artigo 2, parágrafo 5, subparágrafo 4, e parágrafo 6, subparágrafo 3, que também podem ser de interesse de Partes em outras Partes. Adicionalmente, as Partes não devem tomar medidas que afetem direta ou indiretamente, requerendo ou encorajando tais organizações não governamentais a agir de forma inconsistente com quaisquer provisões do Artigo 2.36 (grifo nosso).

A exceção do Artigo 2.5 e do subparágrafo 2 previa a obrigação de notificar as Partes

Contratantes quando um produto fosse sujeito a uma regulamentação técnica e não existisse

padrão internacional relevante ou o conteúdo da regulamentação técnica não fosse

substancialmente o mesmo de padrões internacionais existentes e esses requisitos pudessem

afetar o comércio.

Na prática, é interessante ponderar que, desde o SC, havia previsão expressa de que

as Partes Contratantes deveriam adotar medidas razoáveis para assegurar que órgãos não

governamentais cumprissem com a obrigação central do Código, ou seja, evitar a criação de

obstáculos ao comércio em decorrência da adoção de medidas de natureza técnica que

tivessem como propósito assegurar objetivos relevantes como, por exemplo, proteção da

saúde e do meio ambiente. Os Artigos 2.1 e 2.2 do SC, como será visto adiante, guardam uma

relação próxima com o Artigo 2 do Acordo TBT.

Vale ainda observar que o Artigo 5, que tratava da conformidade com os padrões e

regulamentações técnicas, deveria ser observado por órgãos governamentais e não

governamentais (Artigo 6), bem como sistemas de certificação operados por órgãos

governamentais centrais (Artigo 7) e por órgãos governamentais locais e órgãos não

governamentais (Artigo 8).

Soma-se a obrigação de notificar as medidas como forma de dar transparência para

as regulamentações e padrões adotados (Artigo 2.5 do SC), bem como a criação pelas Partes

dos chamados enquiry points (pontos de informação ou averiguação) com o objetivo de dar

informações sobre as medidas e regulamentos criados pelas Partes Contratantes, o que tem

relação direta com a necessidade de transparência (Artigo 10 do SC).

36 Standards Code, Artigo 4.1. Tradução nossa: “Article 4.1 - Parties shall take such reasonable measures as

may be available to them to ensure that non-governmental bodies within their territories comply with the provisions of Article 2, with the exception of Article 2, paragraph 5, sub-paragraph 2 and provided that comment and discussion referred to in Article 2, paragraph 5, sub-paragraph 4 and paragraph 6, sub-paragraph 3 may also be with interested parties in other Parties. In addition, Parties shall not take measures which have the effect of, directly or indirectly, requiring or encouraging such non-governmental bodies to act in a manner inconsistent with any of the provisions of Article 2”.

40

Por sua vez, o Artigo 13 do SC previu a criação do Comitê sobre Barreiras Técnicas,

como foro para discutir as medidas adotadas, as notificações das Partes e outros temas da

agenda de barreiras não tarifárias de caráter técnico. Vale ainda destacar que o SC tratava da

possibilidade de atuação de peritos nas controvérsias relacionadas com barreiras técnicas.

Como salientado por Lima,

Muito embora o SC motivasse a adoção de padrões internacionais, cabe assinalar que seu alcance estava limitado de imediato pelo “GATT à la carte”, visto que, das 102 Partes Contratantes que participaram das negociações, apenas 42 o acolheram. Como decorrência, importantes países produtores agrícolas, como a Austrália, por exemplo, ficavam fora da regulamentação do SC, o que prejudicava possíveis discussões sobre as barreiras técnicas e dentre elas as sanitárias e fitossanitárias. Além disso, as regras não tratavam dos processos e métodos de produção (process and production methods – PPMs), mas somente dos produtos acabados, o que restou evidenciado quando não se formou um grupo de peritos (com base no artigo 14.5, do SC) para analisar a barreira europeia contra a carne norte-americana, uma vez que o combate de uma medida relativa ao uso de substâncias promotoras de crescimento não fazia parte dos objetivos do SC, visto que os processos e métodos de produção não eram acolhidos por seu Anexo I.37

Além disso, o SC não acolhia de forma adequada barreiras aos produtos agrícolas, o

que criou uma limitação evidente ao longo dos anos e salientou a necessidade de se adotar

regras com foco em questões sanitárias e fitossanitárias. Entre 1980 e 1994, do total de

notificações submetidas ao Comitê do SC, 47% se relacionavam a saúde e a segurança

humana.38

Como destacado por este autor,

[...] apesar das deficiências do SC, importa reconhecer que ajudou a conformar a base sobre a qual o tema barreiras não-tarifárias foi sendo tratado, propiciando na Rodada Uruguai a negociação de acordos mais lapidados e específicos, de abrangência multilateral.39

A seguir, far-se-á uma análise mais ampla da agenda ambiental e padrões já no

contexto da OMC.

1.3 Temas ambientais e padrões privados na OMC

A criação da OMC, em 1995, representou um avanço do multilateralismo em direção

à liberalização do comércio. Diferentemente do GATT 1947, a nova organização inaugurou 37 LIMA, 2005, p. 91-92. 38 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Technical Barriers to Trade. Notifications Made Under

the Tokyo Round Agreement on Technical Barriers to Trade, G/TBT/W/18, 26/01/1996a. 39 LIMA, op. cit., p. 93.

41

um novo modelo regulatório pautado por acordos comerciais válidos para todos os seus

Membros (single undertaking).

O Anexo 1A do Acordo de Marraqueche trata dos acordos relacionados ao comércio

de bens, merecendo destaque: Acordo TBT, Acordo sobre Subsídios e Medidas

Compensatórias, Acordo sobre Salvaguardas, Acordo sobre Agricultura, Acordo SPS, Acordo

sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio, dentre outros.

Logo no primeiro parágrafo de seu preâmbulo, o Acordo de Marraqueche salienta o

papel da OMC com vistas a promover o comércio internacional voltado para aumentar os

padrões de vida em nível global, fomentar empregos, equilibrar o uso dos recursos naturais de

acordo com o objetivo do desenvolvimento sustentável, protegendo e preservando o meio

ambiente, respeitando os diferentes níveis de desenvolvimento econômico.

Essa menção à preocupação com o meio ambiente não significa, todavia, que a OMC

tenha um acordo específico voltado para temas ambientais, muito embora a preocupação com

o meio ambiente esteja contemplada no Acordo de Marraqueche e, mais especificamente, nas

exceções gerais do GATT (Artigo XX), bem como no Acordo TBT, como será visto adiante.

Além disso, a OMC tem na cooperação com outras organizações internacionais uma

forma de promover seus objetivos. Nesse sentido, é válido mencionar que a relação das regras

da OMC com os acordos ambientais internacionais (Multilateral Environmental Agreements –

MEAs), bem como o intercâmbio de informações entre os secretariados dos acordos

ambientais e dos Comitês da OMC deve ser incentivada e promovida.

Além dos Acordos da OMC que tocam na temática ambiental, a Decisão Ministerial

de Marraqueche sobre Comércio e Meio Ambiente criou o Comitê sobre Comércio e Meio

Ambiente – CTE, com um mandato de identificar e compreender as relações entre medidas

comerciais e ambientais com vistas a promover o desenvolvimento sustentável, bem como

recomendar mudanças nas regras multilaterais que se façam necessárias para um sistema

aberto, equitativo e não discriminatório.

Como será visto abaixo, o CTE tem um papel relevante no âmbito da OMC, na

medida em que funciona como foro de discussão e decisão sobre questões ambientais

relacionadas a comércio. Vale destacar, no entanto, que, diferentemente de outros Comitês

ligados ao Conselho para o Comércio de Bens – Acordos TBT, SPS, GATS, TRIPS,

42

Agricultura, Regras de Origem, dentre outros –, o CTE não tem como pano de fundo um

acordo ambiental que traz regras para os Membros.40

Nesse sentido, o Comitê desempenha um papel consultivo e, por que não dizer,

prospectivo, especialmente quando seu mandato fala em evitar choques que causem

discriminação ao comércio e, na medida do acordado pelos Membros, aprimorar as regras da

OMC.

Por sua vez, a Declaração Ministerial de Doha, que adotou um novo mandato

negociador em 2001, previu expressamente o objetivo de aprimorar o apoio mútuo entre

comércio e meio ambiente tendo como base a relação entre regras específicas da OMC e

MEAs dos quais os Membros sejam Partes; aprimorar a troca de informações entre os

Secretariados dos MEAs e Comitês dos Acordos da OMC; a redução ou, quando apropriado, a

eliminação de tarifas e barreiras não tarifárias ao comércio de serviços e bens ambientais.41

Além disso, acordou-se limitar subsídios à pesca.

Mais especificamente, o Parágrafo 32 da Declaração de Doha previu que:

32. Instruímos o Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente, em prosseguir os trabalhos sobre todos os temas de sua agenda dentro de seus termos atuais de referência, para dar especial atenção: (i) ao efeito das medidas ambientais sobre o acesso a mercados, especialmente em relação aos países em desenvolvimento, em particular países de menor desenvolvimento relativo, e as situações em que a eliminação ou redução das restrições e distorções comerciais poderiam ser benéficas ao comércio, meio ambiente e desenvolvimento; (ii) as disposições pertinentes do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio; e (iii) requisitos de rotulagem para fins ambientais.42 (grifo nosso).

O CTE deveria reportar o andamento dos trabalhos, incluindo a identificação da

necessidade de aprimorar regras da OMC durante a 5ª Sessão Ministerial da OMC e

recomendar futuras ações. O resultado dessas negociações deveria ser compatível com a

natureza aberta e não discriminatória do sistema multilateral de comércio, e não deveria

adicionar ou reduzir direitos e obrigações dos Membros diante do Acordos da OMC, em

particular o Acordo SPS, tendo em conta especialmente as necessidades dos países em

desenvolvimento e menor desenvolvimento relativo.

40 Para maiores informações sobre a estrutura organizacional da OMC consultar:

<https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org2_e.htm>. 41 WORLD TRADE ORGANIZATION. Doha Ministerial Declaration. WT/MIN(01)/DEC/1. 20

November 2001a. Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_e.htm#tradeenvironment>. Acesso em: 21 mar. 2016. Parágrafo 31.

42 Ibidem, Parágrafo 32.

43

Por fim, o Parágrafo 51 da Declaração de Doha previu que o Comitê de Comércio e

Desenvolvimento e o CTE deveriam identificar e debater, dentro de seus respectivos

mandatos, aspectos ambientais e de desenvolvimento relacionados às negociações de Doha, a

fim de ajudar a alcançar o objetivo do desenvolvimento sustentável.

É válido destacar que a agenda ambiental de Doha compõe um conjunto de temas

que não propriamente formam uma agenda de negociações, mas sim, de discussões em

diferentes órgãos da OMC. Diferentemente das negociações sobre agricultura, subsídios,

propriedade intelectual, meio ambiente foi contemplado somente no contexto das negociações

sobre acesso a mercados para bens não agrícolas (conhecida como Non-agricultural Market

Access – NAMAs), visando liberalizar o comércio para bens ambientais.43

A ideia de liberalizar o comércio de bens que tenham impactos positivos ao meio

ambiente por meio da redução tarifária é o que move as negociações de bens ambientais,

denominada de Environmental Goods Agreement (EGA). Estados Unidos, Japão, Austrália,

Canadá, Coréia do Sul, Nova Zelândia, Suíça, Noruega, União Europeia, China, Costa Rica e

Hong Kong são os Membros mais envolvidos nas negociações de EGA e esperam fechar o

acordo ainda em 2016.

Vale ressaltar que o enfoque de se negociar temas específicos tem permitido aos

Membros da OMC avançar independentemente de um acordo que envolva todos os temas da

Rodada Doha. Nessa linha, no âmbito do Nairobi Package foram adotadas decisões relevantes

como o Information Technology Agreement, sobre regras de origem e sobre subsídios à

exportação no tocante a agricultura. O EGA deverá contemplar preferências para o comércio

de produtos para tratamento de poluição, de água, de solo, energias renováveis, dentre

outros.44

No entanto, é relevante salientar que essa agenda de negociações que podem

beneficiar externalidades ambientais positivas é restrita diante das preocupações dos

Membros com barreiras ao comércio em função de requisitos e medidas de caráter ambiental,

como se observa no World Trade Report 2012:

43 WORLD TRADE ORGANIZATION. Doha Work Programme. Decision Adopted by the General Council

on 1 August 2004. WT/L/579. 2004b, Annex B, page B-3: “We furthermore encourage the Negotiating Group to work closely with the Committee on Trade and Environment in Special Session with a view to addressing the issue of non-agricultural environmental goods covered in paragraph 31 (iii) of the Doha Ministerial Declaration.”

44 Para maiores detalhes sobre a negociação de EGA, consultar: <https://ustr.gov/trade-agreements/other-initiatives/environmental-goods-agreement>. Para ver a lista dos bens ambientais que estão sendo negociados, consultar: <http://www.apec.org/Meeting-Papers/Leaders-Declarations/2012/2012_aelm/2012_aelm_annexC.aspx>.

44

A natureza de transformação do comércio internacional, entretanto, cria novas considerações políticas que podem motivar a necessidade de formas mais profundas de integração. Igualmente, crescentes preocupações sobre medidas de TBT/SPS, trouxeram a questão de convergência regulatória para a OMC, levantando vários desafios. O Relatório examina as disciplinas do GATT/WTO interpretadas na resolução de conflitos, mostrando que as regras do GATT sobre NTM [non-tariff measures] são geralmente consistentes com a abordagem superficial de integração, mas que o TBT e o SPS promovem uma integração mais aprofundada. Sob a luz de uma análise econômica e legal, o Relatório identificou diversos desafios para a cooperação internacional e, especialmente, para a OMC. Primeiro, a transparência de medidas não-tarifárias e serviços precisa ser melhorada e a OMC tem o papel central com os seus múltiplos mecanismos de transparência. Segundo, atualmente, as disciplinas da OMC talvez nem sempre consigam o equilíbrio certo entre os compromissos de políticas e flexibilidade. Por exemplo, economistas discutem a favor de um papel mais proeminente das reclamações para não violação. Advogados apontam que membros da OMC, em geral, não seguem este caminho, preferindo desafiar as NTM, com base em regras específicas, que supostamente violam. Terceiro, um critério mais eficaz é necessário para identificar o motivo que uma medida é utilizada. Melhor integração de análise econômica e legal pode ajudar a atingir este objetivo.45

É visível o espaço que certos temas ambientais ganham na OMC, muitas vezes com o

enfoque da criação de barreiras ao comércio. O WTO Annual Report 2015 ressalta a relevância

das discussões sobre pegada ambiental e esquemas de rotulagem no contexto do CTE, citando a

EU Single Market for Green Products Initiative da União Europeia, um padrão que visa medir a

pegada hídrica na Organização Internacional de Estandardização (ISO), e o projeto da OCDE

sobre rotulagem ambiental. No entanto, destaca que:

Membros da OMC permanecem engajados nessas discussões sobre pegada ambiental e esquemas de rotulagem. Alguns se manifestaram com preocupação sobre o exagero da proliferação e impacto desses esquemas no mercado de acesso para pequenas e médias empresas de países em desenvolvimento.

45 WORLD TRADE ORGANIZATION. World Trade Report 2012: Trade and public policies: A closer look

at non-tariff measures in the 21st century. 2012e. Disponível em: <http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/world_trade_report12_e.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2014. p. 221-222. Tradução nossa: “The changing nature of international trade, however, creates new policy considerations that may motivate the need for deeper forms of institutional integration. Also, growing concerns about TBT/SPS measures have brought the issue of regulatory convergence to the WTO, raising a number of difficult challenges. The Report has set out to examine GATT/WTO disciplines as interpreted in dispute settlement, showing that GATT rules on NTMs are generally consistent with a shallow integration approach but that the TBT and SPS agreements promote deeper integration. In the light of both the economic and the legal analysis, the Report has identified several challenges for international cooperation, and the WTO more specifically. First, the transparency of non-tariff measures and services measures must be improved and the WTO has a central role to play with its multiple transparency mechanisms. Secondly, current WTO disciplines may not always strike the right balance between policy commitments and flexibility. For instance, economists argue in favour of a more prominent role for non-violation complaints. Lawyers, in turn, observe that WTO members generally do not take this path, preferring to challenge the NTM on the basis of the specific rule it allegedly violates. Thirdly, more effective criteria are needed to identify why a measure is used. Better integration of economic and legal analysis may help achieve this goal.”

45

Precisa-se levar em conta os princípios chave da OMC, como transparência e tratamento não discriminatório.46

Como será visto em detalhes a seguir, a preocupação com o surgimento de inúmeros

padrões que visam acolher ou assegurar o cumprimento de requisitos ambientais, sanitários e

fitossanitários é notadamente presente nas discussões que ocorrem no âmbito do CTE, bem

como dos Comitês dos Acordos SPS e TBT. Dessa forma, é válido analisar de que forma cada

Comitê trata do assunto, o que será feito a seguir.

Antes, contudo, vale citar que a discussão sobre padrões também ocorre no contexto

do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços. Em 1998 foram aprovadas Disciplinas sobre

Regulação Doméstica no Setor de Contabilidade,47 onde o uso de padrões criados por

relevantes organizações internacionais é possível, desde que voltados para proteger objetivos

legítimos, como proteção dos consumidores, por exemplo. Nesse sentido, a fundamentação se

torna essencial para evitar medidas que criem discriminação.

1.3.1 Comitê sobre Comércio e Meio Ambiente

O CTE sucedeu o Grupo EMIT, que iniciara o debate sobre temas de comércio e

meio ambiente no contexto do GATT. De acordo com Guido Fernando Silva Soares, o CTE

passaria a elaborar, no universo do GATT-OMC, o conceito de desenvolvimento sustentável

estabelecido no Relatório Bruntland e acolhido pelo Acordo de Marraqueche como base para

a nova organização.48 Os termos de referência para o CTE abrangem um mandato amplo:

i. As relações entre as regras do sistema multilateral de comércio e medidas comerciais com propósitos ambientais, incluindo os MEAs;

ii. A relação entre políticas ambientais relativas a comércio e meio ambiente que tenham impactos ao comércio e relação com as regras da OMC;

iii. A relação de medidas multilaterais de comércio com impostos e taxas com objetivos ambientais; requerimentos relacionados a produtos com propósitos ambientais, incluindo padrões e regulamentações técnicas, embalagens, rotulagem e reciclagem (grifo nosso);

iv. Questões ligadas a transparência de medidas comerciais utilizadas para fins ambientais e os impactos que essas medidas podem ter no comércio;

46 WORLD TRADE ORGANIZATION. Annual Report 2015. 2015c. Disponível em:

<https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/anrep_e/anrep15_e.pdf>. Acesso em: 18 maio. 2016. p. 72. Tradução nossa: “WTO members remained engaged in these discussions on environmental footprint and labelling schemes. Some voiced concern over the proliferation and impact of these schemes on market access for small and medium-sized enterprises and developing countries. The need to take account of key WTO principles, such as transparency and non-discriminatory treatment, was stressed.”

47 WORLD TRADE ORGANIZATION. Working Party on Professional Services. Disciplines On Domestic Regulation in the Accountancy Sector. Draft.S/WPPS/W/21. 30 November 1998f.

48 SOARES, 2001, p. 148.

46

v. A relação entre o mecanismo de solução de controvérsias da OMC e mecanismos dos MEAs;

vi. Os efeitos de medidas ambientais no acesso a mercados, especialmente em relação a países em desenvolvimento, em particular países de menor desenvolvimento relativo, e os benefícios ambientais de se remover distorções e barreiras ao comércio (grifo nosso);

vii. Exportação de bens proibidos domesticamente, especialmente produtos perigosos;

viii. O CTE deverá ainda considerar o programa de trabalho da Decisão sobre Comércio de Serviços e Meio Ambiente e aspectos oriundos do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS);

ix. A relação da OMC e seus órgãos com organizações intergovernamentais e não governamentais.49

Desde o início do funcionamento do CTE, o debate sobre possíveis barreiras ao

comércio em função de questões ambientais é marcante. No relatório do CTE de 1996 é

visível a preocupação no tocante a padrões de eco-labelling ou etiquetagem criados e

administrados por órgãos centrais, locais e mesmo órgãos não governamentais. Na visão de

alguns Membros, apesar de, em tese, serem voluntários, os padrões podem ser influenciados

por demandas de grupos de consumidores e afetar acesso a mercados e condições de

competição, criando, por sua vez, restrições ao comércio.

É válido notar o tom dos debates relacionando esses padrões de caráter ambiental ao

Acordo TBT:

69. Alguns consideram que todos os padrões voluntários de eco-labelling estão sujeitos as provisões de transparência do Código de Boa Conduta para a Preparação, Adoção e Aplicação de Padrões (anexo 3 do TBT). Outros consideram que esquemas/programas voluntários baseados no LCA parecem não englobar totalmente as provisões de transparência do TBT, de forma que os critérios sobre non-product-related PPMs não se adequem na definição de “padrão” do Anexo 1. Adicionalmente, de acordo com este ponto de vista, a cobertura parcial em termos práticos não parece sensata, já que na operacionalização desses esquemas/processos, todos os critérios estabelecidos para categorias específicas de produtos precisam ser levados em consideração de forma coletiva ao serem certificados. 70. Com respeito à segunda questão, muitas delegações expressaram a opinião de que a história de negociação do TBT indica claramente que não havia intenção de legitimar o uso de medidas baseadas em non-product-related PPMs dentro do escopo do TBT, e que padrões voluntários baseados em PPMs são inconsistentes com as provisões do GATT. Há objeção para qualquer tentativa, por meio do trabalho do CTE sobre eco-labelling no

49 WORLD TRADE ORGANIZATION. Marrakesh Ministerial Decision on Trade and Environment. 15

April 1994. Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/56-dtenv_e.htm>. Acesso em: 18 mar. 2016.

47

escopo do TBT, para permitir o uso de padrões baseados em non-product-related PPMs.50

A discussão sobre a análise de ciclo de vida (life cycle approaches ou life cycle

assessment) de produtos com base em iniciativas ou programas de eco-labelling que visam

atestar que um produto segue determinados padrões ambientais, envolvendo critérios sobre as

características ou performance de um produto, métodos e processos de produção (processes or

production methods – PPMs) ou questões não relacionadas a métodos e processos de

produção (non-product-related PPMs) ganhou espaço na agenda do CTE.51

O Canadá, por exemplo, propôs que as provisões do Acordo TBT e do seu Código de

Boa Conduta para a Preparação, Adoção e Aplicação de Padrões (a seguir denominado

Código de Boa Conduta) devem ser aplicadas para qualquer iniciativa de etiquetagem,

voluntária ou mandatória, administrada por órgãos do governo ou órgãos não ligados ao

governo (non-governmental bodies). Vale ressaltar esse enfoque diante dos objetivos da tese.

Além disso, o CTE e o Comitê do Acordo TBT deveriam analisar o assunto,

incluindo o uso de padrões baseados em non-product-related PPMs que sigam orientações

(guidelines) internacionais acordadas multilateralmente, baseadas em critérios científicos,

transparentes e não discriminatórias.52

Para os Estados Unidos, o desenvolvimento econômico acompanhado de políticas

ambientais adequadas pode aprimorar a proteção do meio ambiente, ao passo que a abertura

dos mercados agrícolas pode proporcionar uma melhor alocação de recursos, suportando o

desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, políticas agrícolas e ambientais que internalizem

50 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report 1996 of the Committee on Trade and Environment.

WT/CTE/1. 12 November 1996f. p. 17. Tradução nossa: “69. Some consider that all voluntary eco-labelling standards are subject to the transparency provisions of the Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and the Application of Standards (Annex 3 of the TBT Agreement). Some others consider that voluntary schemes/programmes based on LCA do not seem to be fully covered by the transparency provisions of the TBT Agreement to the extent that criteria concerning non-product-related PPMs do not fall within the definition of "Standard" in Annex 1. Furthermore, in accordance with this view, a partial coverage is not in practical terms sensible, because in the operation of these schemes/programmes all criteria established for specific categories of products have to be jointly taken into account when awarding the label. 70. With regard to the second issue, many delegations expressed the view that the negotiating history of the TBT Agreement indicates clearly that there was no intention of legitimizing the use of measures based on non-product-related PPMs under the TBT Agreement, and that voluntary standards based on such PPMs are inconsistent with the provisions of the Agreement as well as with other provisions of the GATT. There is objection to any attempt through CTE work on eco-labelling to extend the scope of the TBT Agreement to permit the use of standards based on non-product-related PPMs.”

51 O debate sobre PPMs e non-product-related PPMs será oportunamente feito na parte dedicada ao Acordo TBT e no Capítulo III, que tratará das discussões jurídicas sobre os padrões privados.

52 WORLD TRADE ORGANIZATION. Draft Decision on Eco-labelling Programmes. Communication from Canada. WT/CTE/W/38 - G/TBT/W/30. 24 July 1996d. WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Trade and Environment. Committee on Technical Barriers to Trade. Communication from Canada. WT/CTE/W/21 - G/TBT/W/21. 21 February 1996c.

48

externalidades ambientais podem contribuir para alcançar benefícios sociais, econômicos e de

qualidade ambiental.53

É válido notar que, para alguns Membros, a adoção de padrões ambientais se insere

no universo dos MEAs e pode criar distorções entre diferentes países. Neste sentido, medidas

de natureza ambiental relacionadas a non-product-related PPMs e de análise de ciclo de vida

não devem ser adotadas de forma a diferenciar produtos similares, o que pode ensejar

discriminação.54

Essa discussão que ocorre no CTE, mas também no Comitê do Acordo TBT, como

será visto a seguir, é extremamente relevante quando se trata da adoção de padrões que visam

assegurar níveis de proteção ambiental. De um lado, deve-se ponderar se o fato de a maioria

dos padrões serem criados por grupos privados desobriga os Membros de cumprir as regras da

OMC, notadamente o Acordo TBT. De outro, se os padrões discriminam produtos similares,

se envolvem PPM e non-product-related PPMs.

Tanno ilustra o debate sobre a criação de padrões e as regras do Acordo TBT no

contexto do CTE de forma interessante:

Nesse sentido, muitas das exigências que são feitas hoje em dia e que dizem respeito a métodos e processos de produção, não estariam sujeitos às provisões do TBT, uma vez que não revelam caraterísticas do produto. Os esquemas de rótulos ambientais, extremamente disseminados nos países desenvolvidos, incluem, na maioria dos casos, exigência de métodos e processos de produção que não alteram características dos produtos. Esta questão pode ser exemplificada através da comparação entre um lápis fabricado a partir de madeira proveniente de florestas com manejo sustentável e um lápis produzido com madeira extraída sem preocupações com a preservação do meio ambiente. Sem que o consumidor seja informado sobre os processos envolvidos para a fabricação do lápis, não há diferenças entre as características dos dois produtos.55 (grifo nosso).

53 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Technical Barriers to Trade. Trade Liberalization and

the Environment. A Contribution by the United States, WT/CTE/W/35, 23 July 1996b. 54 “Principle 11 of the Rio Declaration was recalled. This Principle recognizes that "States shall enact effective

environmental legislation. Environmental standards, management objectives and priorities should reflect the environmental and development context to which they apply. Standards applied by some countries may be inappropriate and of unwarranted economic and social cost to other countries, in particular developing countries." Measures based on non-product-related PPMs were referred to particularly in this regard. Some expressed concern that while it might prove necessary to base environmental measures on life cycle analysis and non-product-related PPMs, these should not be applied in such a way as to differentiate "like products" at the border. Some have noted that Members have a responsibility to ensure that activities within their jurisdiction do not cause physical environmental damage elsewhere, but transboundary environmental problems should be resolved cooperatively through the negotiation of MEAs; claims that unilateral action may be necessary where it proves difficult to negotiate an MEA are unacceptable and such action would damage seriously the trading system.” WORLD TRADE ORGANIZATION, 1996d, Paragraph 102.

55 TANNO, Grace. Etiquetagem e Barreiras Técnicas: posicionamentos da Suíça, União Européia, Canadá, Estados Unidos, Japão e Austrália. 2003. Disponível em:

49

No relatório do CTE sobre a V Conferência Ministerial, realizada em Cancun (2003),

é possível avaliar a tônica dos debates sobre a preocupação com barreiras ao comércio e

objetivos ambientais. Para alguns Membros, os Acordos TBT e SPS são suficientes para

regular a adoção de medidas que visem proteger objetivos legítimos de natureza ambiental.

Nesse sentido, os desafios para evitar distorções ao comércio passam pelos seguintes

passos: a) as medidas devem ser consistentes com as regras da OMC; b) devem ser inclusivas;

c) levar em conta as capacidades dos países em desenvolvimento; d) alcançar os objetivos

legítimos almejados pelo país importador.56

Agricultura, energia, pesca, florestas são alguns dos setores nitidamente relacionados

ao debate de assegurar objetivos legítimos de caráter ambiental por meio de medidas

relacionadas ao comércio.

Para alguns Membros, a compatibilidade das regras da OMC com medidas que visam

restringir o comércio de madeira oriunda do desmatamento torna-se questionável quando os

produtos derivados dessa madeira não entram no escopo das medidas. Para outros Membros,

medidas dessa natureza seriam automaticamente compatíveis com a OMC, bastando citar o

Artigo XX (g) do GATT.

A discussão sobre barreiras a produtos oriundos de desmatamento será tratada em

detalhes no Capítulo 2, como um caso concreto que motiva a criação de padrões privados que

se relacionam com MEAs, políticas nacionais e a própria OMC.

O enfoque seguido pelo CTE para analisar o Parágrafo 32 de Doha, divide-se em

dois aspectos:

i. o efeito das medidas ambientais sobre o acesso a mercados, especialmente em relação

aos países em desenvolvimento, em particular países de menor desenvolvimento

relativo (aspectos de acesso a mercado);

ii. as situações em que a eliminação ou redução das restrições e distorções comerciais

poderiam ser benéficas ao comércio, meio ambiente e desenvolvimento (análise

setorial).

No tocante ao Parágrafo 32 (iii) de Doha, relativo a etiquetagem, o relatório do CTE

da Conferência de Cancun evidencia a falta de consenso dos Membros quanto à convergência

de medidas de caráter ambiental e a liberalização do comércio. Para a maioria dos Membros,

iniciativas de etiquetagem voluntárias, participatórias, voltadas ao mercado e transparentes

<http://www.inmetro.gov.br/producaointelectual/obras_intelectuais/135_obraIntelectual.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2016. p. 3.

56 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Trade and Environment. Report to the 5th Session of the WTO Ministerial Conference in Cancun. Paragraph 5. WT/CTE/8.

50

podem, potencialmente, ser instrumentos econômicos eficientes para informar ao mercado

sobre produtos ambientalmente amigáveis.

Além disso, essas medidas tenderiam, de forma geral, a ser menos restritivas ao

comércio, desde que não fossem usadas com o propósito de proteger mercados domésticos.

Para tanto, as medidas deveriam ser não discriminatórias e não resultar em barreiras

desnecessárias e restrições disfarçadas ao comércio.

Em julho de 2009, o CTE organizou o Workshop on Environment-Related Private

Standards, Certification and Labelling, reunindo organizações internacionais que trabalham

com padrões, bem como organizações privadas e outros atores. Para vários Membros, a rápida

proliferação de padrões privados de certificação e etiquetagem, seus impactos ao comércio, a

falta de transparência sobre as iniciativas e de envolvimento dos Membros na criação das

mesmas são pontos que ensejam preocupação.

A falta de critérios científicos para a criação de padrões, o fato de serem mais rígidos

do que as regras dos países, em certos casos, também são questões relevantes. Vale notar que

alguns Membros ressaltaram a preocupação com padrões voluntários unilaterais ligados a

emissões de carbono.57

Na visão do Codex Alimentarius, muitas vezes os produtores e exportadores

precisam cumprir com os padrões privados adicionalmente às regulamentações dos Membros,

o que traz custos adicionais. No universo dos produtos orgânicos, existem mais de 400 órgãos

de certificação privados e públicos, e a falta de equivalência e harmonização entre os padrões

gera custos e barreiras para certos produtores.58

Em fevereiro de 2010 foi organizada uma sessão informal sobre pegada de carbono e

esquemas de etiquetagem. Membros apresentaram suas experiências com padronização ligada a

emissões de GEEs e pegada de carbono, bem como organizações como a ISO, o World Resources

Institute e o World Business Council for Sustainable Development. Os tópicos de interesse

levantados pelos Membros ilustram a preocupação com a criação de padrões que tenham a agenda

de carbono como fundamento:

As implicações que esses esquemas trazem para a competitividade da indústria nacional; os impactos de custo e acesso à mercados para países em desenvolvimento e para pequenas e médias empresas, especialmente no

57 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report 2009 of the Committee on Trade and Environment.

WT/CTE/16. 30 October 2009b. parágrafo 4. 58 DOYRAN, Selma H. Proliferation and Harmonisation: the Example of the Organic Sector.

Committee on Trade and Environment Workshop on Environment-Related Private Standards, Certification and Labelling, Geneva, 9 July 2009. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/envir_e/wksp09_roundtable_e.zip>. Acesso em: 10 ago. 2015.

51

contexto de múltiplos esquemas e padrões; o potencial de não neutralidade de metodologias de pegada de carbono; a falta de uniformidade de metodologias para cálculo de pegadas de carbono, riscos de discriminação com base em processos e procedimentos não relacionados com non-product-related PPMs; o papel da pegada de carbono para identificar hotspots de emissões no processo de produção e a relevância do TBT nesta discussão.59

Na reunião do CTE que ocorreu em 16 de outubro de 2013, os Membros trataram de

selos ambientais adotados pela França e requisitos suíços voltados para a “economia verde”.

Países de menor desenvolvimento relativo e países em desenvolvimento destacaram possíveis

impactos no comércio internacional em função de medidas adotadas com diversos propósitos

ambientais.

A França descreveu seu projeto piloto sobre como informar consumidores sobre os impactos ambientais dos produtos por meio de seus rótulos. O Projeto engloba todo o país, mas é voluntário. Ele tem como objetivo mudar os métodos de produção dos produtos, incluindo detergentes, vestuário e alimentos, para métodos mais sustentáveis. O projeto inclui mensurar os efeitos dos produtos no meio ambiente, baseando-se em padrões internacionais, sendo que as empresas possam analisar esses impactos nos vários estágios do processo de produção. Os resultados serão compilados no Parlamento Francês e os membros dos comitês deverão atualiza-los. A Suíça descreveu o seu plano nacional como avançar para uma economia verde, provendo consumidores com melhores informações sobre os produtos e verificação sobre esses produtos. A Suíça entende que as medidas propostas não irão impactar o comércio.60

O Relatório 2013 do CTE denota o quanto temas ambientais ganham peso nas

discussões entre os Membros. Em linha com a primeira parte do Parágrafo 32(i) do Mandado

de Doha, que trata dos efeitos de medidas ambientais sobre o acesso a mercados, Membros

59 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Trade and Environment. Report 2010 of the

Committee on Trade and Environment. WT/CTE/17. 30 November 2010a. parágrafo 7, p. 2. Tradução nossa: “The competitiveness implications of these schemes for domestic industry; the cost and market access impact of these schemes for developing countries and small and medium sized enterprises (SMEs), especially in the context of multiple, overlapping schemes and standards; the potential non-neutrality of carbon footprint methodologies; the lack of a uniform methodology for calculating carbon footprints; the risk of discrimination on the basis of non-product related processes and production methods (PPMs); the role of carbon footprint for identifying emissions "hotspots" in the production process; and the relevance of the TBT Agreement to this discussion”.

60 Disponível em: <http://www.wto.org/english/news_e/news13_e/envir_16oct13_e.htm>. Acesso em 11 jul. 2014. Tradução livre: “France described its pilot project on informing consumers about the environmental impact of the goods they buy, through labels on the products. The project covers the whole of France but is voluntary. It aims to change production methods on products including detergents, clothing and food to more environment-friendly methods. The project includes measuring the effects of the products on the environment, based on internationally-agreed standards, so that companies can analyse the impact at various stages of production. The results will be conveyed to the French Parliament, and members speaking in the committee asked to be updated. Switzerland described its national plan for moving towards a green economy by providing consumers with better information on products and by screening the products better. Switzerland said the planned actions will not distort trade.”

52

expuseram casos de iniciativas voltadas para fomentar a produção sustentável, reduzir

emissões de gases de efeito estufa e mensurar a pegada ambiental dos produtos. Como

exemplos de iniciativas, vale destacar:

a) European Union's Single Market for Green Products Initiative

b) Publicly Available Specification (PAS) 2050- British Standards Institute

c) Product Carbon Footprint and Labelling Programme - Chinese Taipei

d) Carbon Footprint Labelling Scheme – Republic of Korea

e) Product Carbon Footprint (PCF) Project – Thailand

f) ISO 14067 technical specification related to the requirements and guidelines for

quantification and communication of GHG footprint of products.61

Duas questões merecem atenção. De um lado, o fato de que há regulamentações

aplicadas pelos Membros. De outro, o fato de que existem padrões sendo aplicados pelos

Membros, com incentivos concretos para a adoção de requisitos que visam atender questões

ambientais.

A iniciativa European Union’s Single Market for Green Products busca estabelecer

métodos harmonizados para a mensuração da performance ambiental – Product

Environmental Footprint (PEF) and the Organisation Environmental Footprint (OEF) – e,

dessa forma, permitir uma comunicação mais clara com os consumidores. A iniciativa

recomenda a utilização desses padrões, prevendo um período de três anos de testes para

construir regras para setores e produtos com base em um processo de consulta entre diferentes

stakeholders.62

Para alguns Membros, a iniciativa é relevante por buscar harmonizar as

metodologias, muito embora vários Membros levantem a preocupação com o fato de que o

surgimento de diversos esquemas de etiquetagem pode criar barreiras para países em

desenvolvimento e o acesso a mercados de pequenas e médias empresas, e que essa agenda

deve ser pautada pelos princípios da harmonização internacional, transparência e não

discriminação. Na visão de outros Membros, as iniciativas ambientais tidas como voluntárias

podem se tornar mandatórias ao longo do tempo, e é necessário encontrar soluções

multilaterais para lidar com o tema.63

61 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report 2013 of the Committee on Trade and Environment.

WT/CTE/20. 11 November 2013b. 62 EUROPEAN UNION. Single Market for Green Products, Disponível em:

<http://ec.europa.eu/environment/eussd/smgp/index.htm>. Acesso em: 11 jul. 2014. 63 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Trade and Environment. Report 2014 of the

Committee on Trade and Environment. WT/CTE/21. 3 December 2014b. Parágrafo 7.

53

As discussões no âmbito do CTE evidenciam a preocupação dos Membros com a

legitimidade das iniciativas de etiquetagem (o que neste caso engloba padrões e certificações

com base nos padrões) com propósitos ambientais diante das regras da OMC, especialmente

do Acordo TBT.

A possibilidade de que padrões voluntários sejam criados pelos Membros ou por

organizações não governamentais, e que venham a criar barreiras ao comércio é marcante e

possui uma relação evidente com os princípios que norteiam a não discriminação como será

visto adiante.

1.3.2 Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Acordo TBT)

Antes de analisar as discussões sobre padrões privados no Comitê do Acordo TBT, é

essencial entender qual é a estrutura e quais as regras centrais do Acordo. De que forma se dá

a dinâmica das regras que permitem com que os Membros adotem medidas de caráter técnico

com propósitos ambientais.

Com esse objetivo, este item tratará das regras do Acordo TBT para depois avaliar de

que forma os padrões privados são discutidos no contexto do Comitê do TBT.

1.3.2.1 Principais regras e funcionamento do Acordo TBT

Como observado acima, o propósito de criar regras que tratem de requisitos e critérios de

natureza técnica que afetem o comércio é um tema marcante desde o GATT, com base no

Standards Code e, mais especificamente, com a aprovação do Acordo TBT.

O Acordo TBT trata de regulamentações, adotadas pelos Membros, e padrões criados

por órgãos reconhecidos, que tenham como objetivo permitir que os Membros visem proteger

objetivos legítimos, como segurança nacional, saúde e meio ambiente. O Anexo 1 do TBT

traz os conceitos de regulamentações (mandatórias) e normas ou padrões (voluntários), em

linha com os conceitos já citados do SC:

Regulamento Técnico: Documento que enuncia as características de um produto ou os processos e métodos de produção a ele relacionados, incluídas as disposições administrativas aplicáveis, cujo cumprimento é obrigatório. Poderá também tratar parcial ou exclusivamente de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção. Norma: Documento aprovado por uma instituição reconhecida, que fornece, para uso comum e repetido, regras, diretrizes ou características para produtos ou processos e métodos de produção conexos, cujo

54

cumprimento não é obrigatório. Poderá também tratar parcial ou exclusivamente de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção. Nota explicativa: Os termos definidos no Guia ISO/IEC 2 cobrem produtos, processo e serviços. Este Acordo trata apenas de regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação de conformidade relacionados a produtos ou processos e métodos de produção. As normas, tal como definidas pelo Guia ISO/IEC 2 podem ser obrigatórias ou voluntárias. Para os propósitos deste Acordo as normas são definidas como documentos voluntários e os regulamentos técnicos como obrigatórios. As normas preparadas pela comunidade internacional de normalização são baseadas no consenso. Este Acordo cobre também documentos que não são baseados no consenso.64 (grifo nosso).

Vale salientar, desde já, que o autor prefere usar a expressão padrões em vez de

normas, uma vez que padrões são mais abrangentes e permitem acolher a diversidade de

iniciativas que buscam estabelecer princípios, critérios e indicadores que visam atingir

objetivos como proteção do meio ambiente, da saúde, dentre outros.

Dessa forma, sempre quando se falar em padrão é válida a vinculação com as normas

oriundas da tradução do Acordo TBT para o português bem como das normas ISO. No

Capítulo 2 será feita uma discussão mais ampla sobre o conceito de padrões (normas).

A distinção entre regulamentações mandatórias e padrões voluntários é

extremamente relevante. Mais ainda, o fato de os regulamentos e padrões poderem tratar de

produtos, processos e métodos de produção.

O caráter mandatório de regulamentações é inato ao fato de serem criadas por

autoridades, órgãos, agências de um país, visando regular determinada atividade. Quando um

país adota uma regulamentação, baseada em uma lei, decreto, regulamentação comunitária,

como no caso da União Europeia, ou outros atos legais, exige que os atores a quem este ato se

64 Acordo TBT. Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/17-tbt_e.htm>:

“Anexo 1.1: Technical regulation: Document which lays down product characteristics or their related processes and production methods, including the applicable administrative provisions, with which compliance is mandatory. It may also include or deal exclusively with terminology, symbols, packaging, marking or labelling requirements as they apply to a product, process or production method. Anexo 1.2: Standard: Document approved by a recognized body, that provides, for common and repeated use, rules, guidelines or characteristics for products or related processes and production methods, with which compliance is not mandatory. It may also include or deal exclusively with terminology, symbols, packaging, marking or labelling requirements as they apply to a product, process or production method. Explanatory note: The terms as defined in ISO/IEC Guide 2 cover products, processes and services. This Agreement deals only with technical regulations, standards and conformity assessment procedures related to products or processes and production methods. Standards as defined by ISO/IEC Guide 2 may be mandatory or voluntary. For the purpose of this Agreement standards are defined as voluntary and technical regulations as mandatory documents. Standards prepared by the international standardization community are based on consensus. This Agreement covers also documents that are not based on consensus.”

55

destina o cumpram. Regulamentações são vinculantes (binding) e implicam obrigações no

caso de descumprimento.

Exigências quanto ao desenho técnico e qualidade de peças utilizadas na produção de

carros feitas por um país importador precisam ser cumpridas pelo país exportador como

requisito para que a transação aconteça.

Os requisitos devem ser fundamentados por justificativas científicas relacionadas a

segurança e durabilidade das peças, por exemplo, de acordo com regras publicadas por um

órgão de padronização do país importador. Ou podem considerar um padrão/norma da ISO a

respeito. O importante é que exista justificativa científica e a medida adotada seja necessária

para evitar que peças fora do padrão possam ser importadas e causem impactos à indústria em

questão e até mesmo aos consumidores dos carros.

Por definição, padrões são voluntários e podem fundamentar regulamentações dos

Membros. Essa voluntariedade dos padrões, no entanto, é uma característica que pode ser

questionada diante da potencial criação de barreiras quando os padrões não são cumpridos.

Este aspecto será tratado em detalhes adiante.

56

Figura 1 – Esquema do funcionamento do Acordo TBT Fonte: Acordo TBT; Elaboração: autor

58

O Artigo 2.2 é considerado o núcleo do Acordo TBT, na medida em que resume o

objetivo do Acordo e traz as limitações gerais para a adoção das barreiras técnicas:

Artigo 2.2 - Os Membros assegurarão que os regulamentos técnicos não sejam elaborados, adotados ou aplicados com a finalidade ou o efeito de criar obstáculos técnicos ao comércio internacional. Para este fim, os regulamentos técnicos não serão mais restritivos ao comércio do que o necessário para realizar um objetivo legítimo, tendo em conta os riscos que a não realização criaria. Tais objetivos legítimos são, inter alia: imperativos de segurança nacional; a prevenção de práticas enganosas; a proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do meio ambiente. Ao avaliar tais riscos, os elementos pertinentes a serem levados em consideração são, inter alia: a informação técnica e científica disponível, a tecnologia de processamento conexa ou os usos finais a que se destinam os produtos.65 (grifos nossos).

O primeiro fato que merece atenção é que o TBT legitima a adoção de medidas que

visem proteger certos objetivos, desde que não sejam mais restritivas ao comércio do que o

necessário para atingir os objetivos pretendidos.

A importância de uma determinada medida para atingir um fim ambiental – nível de

emissões de GEEs na produção de um biocombustível ou de carne, por exemplo – envolve

questões puramente científicas que devem ser avaliadas caso a caso. Quais são os estritos

limites de emissões que devem ser cumpridos para garantir que o biocombustível ou a carne

seguem padrões de emissão aceitáveis? Existem esses limites? Quais metodologias foram

seguidas? O país que cobra os requisitos adota os mesmos padrões produtivos?

O debate sobre a necessidade de uma medida diante do objetivo que ela visa proteger

é fundamental quando se analisa as barreiras técnicas. Vale ressaltar, como previsto na parte

final do Artigo 2.2, que as medidas devem levar em conta informações científicas e técnicas

existentes, bem como processos tecnológicos.

Os objetivos legítimos que as barreiras técnicas visam acolher – requerimentos de

segurança nacional, prevenção de práticas enganosas, proteção da vida e da saúde humana,

animal e vegetal, e o meio ambiente – são de extrema importância para fundamentar medidas

que restrinjam o comércio quando for necessário proteger interesses relevantes.

65 Acordo TBT, Artigo 2.2: “Members shall ensure that technical regulations are not prepared, adopted or

applied with a view to or with the effect of creating unnecessary obstacles to international trade. For this purpose, technical regulations shall not be more trade-restrictive than necessary to fulfil a legitimate objective, taking account of the risks non-fulfilment would create. Such legitimate objectives are, inter alia: national security requirements; the prevention of deceptive practices; protection of human health or safety, animal or plant life or health, or the environment. In assessing such risks, relevant elements of consideration are, inter alia: available scientific and technical information, related processing technology or intended end-uses of products.”

59

No Capítulo 4 será feita uma avaliação da jurisprudência do OSC no tocante aos

principais temas tratados pela presente pesquisa, mas é válido ponderar, por ora, que a lista de

objetivos legítimos presentes no Artigo 2.2 não é exaustiva.

No caso United States – Certain Country of Origin Labelling COOL Requirements,

onde Canadá e México foram os demandantes, o Painel entendeu que fornecer informações

sobre a origem dos produtos é um objetivo legítimo no contexto do Artigo 2.2 do Acordo

TBT, ponto que é de extrema relevância quando se observa o debate sobre os padrões

privados:

Parágrafo 7.650: Nós estamos convencidos, com base nas evidências referentes às preferências do consumidor americano, bem como na prática de uma porção considerável dos Membros da OMC, que os consumidores no geral estão interessados nas informações sobre a origem dos produtos que consomem. Nós também observamos que muitos Membros da OMC responderam com interesse em aplicar medidas, requerendo provisões dessas informações, embora com diferentes definições do termo “origem”. Neste sentido, mais uma vez, relembrar as palavras do painel do EC-Sardines, que se referem à conclusão do painel do Canadá-Pharmaceutical Patents, que legitimou os objetivos de proteção dos interesses que são justificáveis no sentido de que são suportados por políticas públicas relevantes e outras normas sociais. (Panel Report on EC – Sardines, para. 7.121, se referindo sobre o Panel Report on Canada – Pharmaceutical Patents, para. 7.69). No nosso ponto de vista, se o objetivo é legitimo, não pode ser determinado em um “vácuo”, mas precisa ser analisado de acordo com a relevância e considerando se um objetivo específico de um governo pode ser considerado legítimo. Para nós, com base nas evidências, parece que fornecer informações aos consumidores sobre a origem dos produtos consumidos é manter conformidade com os requisitos e normas sociais correntes em uma parte considerável dos Membros da OMC. Parágrafo 7.651. “À luz do acima exposto, concluímos que disponibilizar informações aos consumidores sobre a origem dos produtos é um objetivo legítimo dentro do escopo do Artigo 2.2.66 (grifos nossos).

66 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States – Certain Country of Origin Labelling (COOL)

Requirements. Report of the Panel. WT/DS384/R. WT/DS386/R. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds384_e.htm>. Acesso em: 28 mar. 2016l. Paragraphs 7.650 and 7.651. Tradução nossa: “Paragraph. 7.650. We are persuaded, based on the evidence before us regarding US consumer preferences as well as the practice in a considerable proportion of WTO Members, that consumers generally are interested in having information on the origin of the products they purchase. We also observe that many WTO Members have responded to that interest by putting measures in place to require the provision of such information, albeit with different definitions of “origin”. In this regard, we once again recall the words of the panel in EC – Sardines referring to the conclusion of the panel in Canada – Pharmaceutical Patents that a legitimate objective refers to “protection of interests that are 'justifiable' in the sense that they are supported by relevant public policies or other social norms”. (Panel Report on EC – Sardines, para. 7.121, referring to Panel Report on Canada – Pharmaceutical Patents, para. 7.69). In our view, whether an objective is legitimate cannot be determined in a vacuum, but must be assessed in the context of the world in which we live. Social norms must be accorded due weight in considering whether a particular objective pursued by a government can be considered legitimate. It seems to us, based on the evidence before us, that providing consumers with information on the origin of the products they purchase is in keeping with the requirements of current social norms in a considerable part of the WTO

60

As expressões obstáculos desnecessários ao comércio internacional e o fato de as

medidas deverem ser não mais restritivas do que o necessário para atingir um objetivo

legítimo são essenciais para a compreensão do Acordo TBT. Refletem, como será visto, o

enorme desafio de ponderar os objetivos diante da natureza e das características das barreiras

técnicas adotadas.

O Artigo 2.1, por sua vez, prevê que os Membros devem assegurar que produtos

importados do território de um Membro recebam tratamento não menos favorável do que o

concedido a produtos similares de origem nacional ou de outros países. Reflete o princípio do

tratamento nacional previsto no Artigo III.4 do GATT 1947.

A preocupação com medidas restritivas é marcante no Acordo TBT. Quando as

circunstâncias que ensejam a adoção de uma medida cessam, por exemplo, e os objetivos

podem ser alcançados de forma menos restritiva ao comércio, as medidas devem ser retiradas

(Artigo 2.3).

O Artigo 2.4 trata da utilização de padrões internacionais (“relevant international

standards”), ou parte deles, como referência para fundamentar uma barreira técnica. Quando

uma regulamentação técnica é adotada e segue padrões internacionais, presume-se que a

medida não cria obstáculos desnecessários ao comércio e, por isso, segue as regras do Acordo

TBT (Artigo 2.5). Este dispositivo é relevante, pois visa promover padrões internacionais de

referência como a base para as barreiras técnicas.

A Organização Internacional de Padronização – ISO é reconhecida pelo Acordo TBT

como referência na criação de padrões. Apesar de ser uma organização privada criada em

1946, a ISO cria padrões (ou normas ISO) relativos a inúmeros temas como: saúde,

desenvolvimento sustentável, alimentos e segurança dos alimentos, água, eficiência

energética, poluição, indústria automobilística, mudanças do clima e acessibilidade.67

Em paralelo, a previsão de que os Membros devem buscar harmonizar suas

regulamentações técnicas e, na medida do possível, devem participar da criação de padrões

internacionais é outro dispositivo que visa evitar a adoção de barreiras não fundamentadas e

desnecessárias ao comércio (Artigo 2.6).

A equivalência entre medidas adotadas por diferentes Membros é outra obrigação

relevante, e implica no reconhecimento de que as medidas exigidas por duas ou mais

Membership.” Paragraph. 7.651. “In light of the foregoing, we conclude that providing consumer information on origin is a legitimate objective within the meaning of Article 2.2.”

67 A ISO possui 162 membros e mais de 19.500 normas aprovadas. Para consultar os membros e documentos sobre a ISO, ver <http://www.iso.org/iso/home/about/iso_members.htm>.

61

regulamentações técnicas equivalem e permitem alcançar os mesmos objetivos legítimos

(Artigo 2.7).

Embora a harmonização e a equivalência sejam instrumentos extremamente

relevantes para evitar barreiras, nem sempre são utilizados. A equivalência ganha importância

ainda maior diante da discussão de padrões privados, considerando que, em alguns casos,

Membros reconhecem a equivalência entre uma regulamentação e padrões privados, o que

será visto em detalhes no Capítulo 2.

As regulamentações técnicas devem, sempre que possível, levar em conta

requerimentos para os produtos em termos de desempenho ao invés de desenho ou

características descritivas (Artigo 2.8).

Por sua vez, os Membros têm obrigação de notificar as barreiras técnicas adotadas

com o propósito de permitir que os demais Membros tenham conhecimento antecipado,

possam fazer comentários e se adequar às medidas em questão (Artigo 2.9).

Excepcionalmente, podem adotar medidas imediatamente quando for necessário assegurar um

objetivo legítimo (Artigo 2.10).

A preparação, adoção e aplicação de regulamentos técnicos é outro aspecto

importante do Acordo TBT. É relevante notar que os Membros não devem adotar medidas

que encorajem instituições públicas locais (ou órgãos do governo local) ou instituições ou

órgãos não governamentais dentro de seus territórios a agir de maneira inconsistente com as

obrigações do Artigo 2, notadamente a não discriminação.

Em linha com os Artigos 3.4 e 3.5 do Acordo TBT, os Membros devem zelar pela

observância do Artigo 2 e devem adotar medidas que coíbam ações de órgãos do governo ou

instituições não governamentais que possam contrariar o Acordo:

Artigo 3.4 - Os Membros não tomarão medidas que obriguem ou encorajem instituições públicas locais ou instituições não governamentais existentes em seu território a agir de forma incompatível com as disposições do Artigo 2. Artigo 3.5 - Os Membros são inteiramente responsáveis sob este Acordo pela observância de todas as disposições do Artigo 2. Os Membros formularão e implementarão medidas positivas e mecanismos de apoio à observância das disposições do Artigo 2 por instituições que não sejam do governo central.”68 (grifo nosso).

68 Artigos 3.4 e 3.5 do Acordo TBT: “Article 3.4 - Members shall not take measures which require or

encourage local government bodies or non-governmental bodies within their territories to act in a manner inconsistent with the provisions of Article 2. Article 3.5 - Members are fully responsible under this Agreement for the observance of all provisions of Article 2. Members shall formulate and implement positive measures and mechanisms in support of the observance of the provisions of Article 2 by other than central government bodies.”

62

Essa obrigação de assegurar que instituições de fora do governo não ajam de maneira

inconsistente ao preparar, adotar e aplicar regulamentações técnicas é de extrema importância

para a discussão sobre padrões privados, como será visto adiante.

Vale salientar que o Artigo 2 do TBT, que na prática reúne o princípio da não

discriminação, os objetivos legítimos, a harmonização, avaliação de riscos e a equivalência

destina-se diretamente às regulamentações criadas pelos Membros. Não prevê expressamente

que padrões devem seguir essas regras, muito embora estabeleça que os Membros deverão

utilizar padrões existentes e relevantes como base para suas regras.

Adicionalmente, ao prever que os Membros devem participar das organizações de

padronização com vistas a promover a harmonização de suas regulamentações, exige o

cumprimento de todas as obrigações do Artigo 2.2.

Essa falha em prever expressamente que padrões internacionais devem seguir

criteriosamente os requisitos do Artigo 2, mas que devem seguir o Código de Boa Conduta

previsto no Anexo 3, ressalta uma falha na construção do Acordo TBT. Na medida em que

uma barreira técnica que visa acolher um certo objetivo legítimo pode ser adotada por meio de

uma regulamentação ou de um padrão, as regras gerais que visam assegurar que a medida não

será discriminatória abrange ou a regulamentação em questão, ou o padrão.

Tanto é assim, que os Artigos 3.4 e 3.5 estabelecem que os Membros devem adotar

ações para fazer com que as organizações não governamentais cumpram as regras do Acordo

no tocante a aplicação de regulamentos técnicos, e o Artigo 4 segue o mesmo racional mas

diante da elaboração, adoção e aplicação de padrões.

Quando se trata de padrões, é essencial lembrar que órgãos governamentais e não

governamentais de padronização precisam aderir ao Código de Boa Conduta para a Elaboração,

Adoção e Aplicação de Normas (Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and

Application of Standards), citado no Anexo 3 do TBT. Dessa forma, o Artigo 4.1 prevê as

regras para a preparação, adoção e aplicação de padrões:

Os Membros assegurarão que suas instituições de normalização do governo central aceitem e cumpram o Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de Normas contido no Anexo 3 a este Acordo (doravante denominado "Código de Boa Conduta"). Eles tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que as instituições de normalização públicas locais ou não governamentais existentes em seu território , bem como as instituições de normalização regionais das quais eles ou uma ou mais instituições existentes em seu território sejam Membros, aceitem e cumpram este Código de Boa Conduta. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições de

63

normalização a agir de forma incompatível com o Código de Boa Conduta. As obrigações dos Membros, a respeito do cumprimento das disposições do Código de Boa Conduta pelas instituições de normalização, se aplicarão independentemente de uma instituição de normalização ter aceito ou não o Código de Boa Conduta.69 (grifo nosso).

Antes de avaliar o Código de Boa Conduta do Acordo TBT, é importante mencionar

que seu Anexo 1.8 define o que são órgãos ou instituições não governamentais: “Instituição

que não seja do governo central nem instituição pública local, inclusive uma instituição não

governamental legalmente habilitada para fazer cumprir um regulamento técnico”.70

Pela definição, os órgãos não governamentais cobertos pelo Acordo TBT são aqueles

legalmente habilitados para fazer cumprir um regulamento técnico (que tem caráter

obrigatório). Quando se trata de padrões (de caráter voluntário) criados ou aplicados por

órgãos não governamentais de padronização, o Acordo TBT apenas menciona que devem

expressamente seguir o Código de Boa Conduta.

Na essência, o objetivo deste CBC é fazer com que as instituições normalizadoras sigam alguns parâmetros e, assim, nos seus trabalhos de definição de normas ou mesmo regulamentos técnicos, não violem os princípios do tratamento nacional ou da cláusula da nação mais favorecida, e não criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional – ideias-chave para a eficácia de uma exigência técnica sob o ponto de vista da promoção dos fluxos de comércio.71

A grande questão que se coloca, ao analisar essas regras e ponderá-las diante dos

inúmeros casos de padrões privados, é que nem sempre as iniciativas que criam padrões

seguem o Código de Boa Conduta do TBT.

Até maio de 2016, 176 órgãos de padronização de 135 países aderiram ao Código de

Boa Conduta do TBT.72 No Brasil, a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT é o

69 Artigo 4.1, Acordo TBT: “Members shall ensure that their central government standardizing bodies accept

and comply with the Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and Application of Standards in Annex 3 to this Agreement (referred to in this Agreement as the “Code of Good Practice”). They shall take such reasonable measures as may be available to them to ensure that local government and non-governmental standardizing bodies within their territories, as well as regional standardizing bodies of which they or one or more bodies within their territories are members, accept and comply with this Code of Good Practice. In addition, Members shall not take measures which have the effect of, directly or indirectly, requiring or encouraging such standardizing bodies to act in a manner inconsistent with the Code of Good Practice. The obligations of Members with respect to compliance of standardizing bodies with the provisions of the Code of Good Practice shall apply irrespective of whether or not a standardizing body has accepted the Code of Good Practice.”

70 Anexo 1.8, Acordo TBT: “Body other than a central government body or a local government body, including a non-governmental body which has legal power to enforce a technical regulation.”

71 PRAZERES, Tatiana Lacerda. Comércio Internacional e Protecionismo: as barreiras técnicas na OMC. São Paulo, Aduaneiras. 2003. p. 132.

72 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. Standardizing Bodies Having Notified Acceptance of the WTO TBR Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and

64

único órgão que aderiu ao Código.73 A ABNT é membro fundador da ISO e representa

formalmente o Brasil nas negociações de normas/padrões que, em tese, são reconhecidos por

seguir as regras do Acordo TBT.

No entanto, como será debatido ao longo da pesquisa, o número de organizações e

atores que criam padrões que afetam as relações comerciais é enorme.

Vale questionar se um padrão exclusivamente privado deve cumprir as regras do

Acordo? Em outras palavras, se os Membros devem exigir que seus atores internos sigam

certas práticas ou requisitos ao criar padrões a fim de evitar questionamentos diante do

Acordo TBT?

É essencial analisar o Código de Boa Conduta e delimitar as obrigações que traz no

tocante à formulação dos padrões. Vale anotar que as definições de regulamentações, padrões

e avaliação de conformidade do Anexo 1 do TBT são essenciais para o Código. O Quadro 1

resume as principais obrigações do Código de Boa Conduta:

O Código está aberto à adoção por qualquer instituição de normalização existente no território de um Membro da OMC, seja ela uma instituição do governo central, uma instituição pública local, ou uma instituição não governamental; de qualquer instituição de normalização governamental regional da qual um ou mais países sejam Membros da OMC; e a qualquer instituição de normalização não governamental regional da qual um ou mais membros estejam situados no território de um Membro da OMC (entendidos como órgãos de padronização). Os órgãos de padronização que aderirem ao Código devem notificar este fato ao Centro de Informações da ISO/IEC. No tocante aos padrões, o órgão de padronização deve conceder aos produtos originários do território de qualquer outro Membro da OMC tratamen to não menos favorável do que o concedido a produtos similares de origem nacional e a produtos originários de qualquer outro país. O órgão de padronização deve assegurar que os padrões não sejam elaborados, adotados ou aplicados com vistas a, ou com o efeito de, criar obstáculos desnecessários ao comércio internacional. Quando existem padrões internacionais ou sua formulação definitiva for iminente, os órgãos de padronização devem usá-los como base, exceto quando forem insuficientes para atingir um nível de proteção ou a fatores geográficos ou climáticos fundamentais ou problemas tecnológicos fundamentais. Com vistas a promover a harmonização dos padrões, os Membros deverão, na medida do possível, participar da preparação de padrões por relevantes órgãos de padronização internacionais relativos aos temas envolvidos nos padrões. Os órgãos de padronização devem ao máximo evitar a duplicação com outros órgãos de padronização em seu território ou relativo ao trabalho de relevantes órgãos de padronização ou órgãos regionais. Os órgãos devem ao máximo alcançar consenso sobre os padrões que desenvolvem. Por vez, os órgãos regionais devem evitar duplicação ou sobreposição com o trabalho de relevantes órgãos de padronização internacionais.

Application of Standards. Disponível em: <http://www.standardsinfo.net/info/docs_wto/20151210/tbtList_2015-12-10.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2016.

73 A ABNT é uma associação civil sem fins lucrativos considerada de utilidade pública pela Lei 4.150 de 21 de novembro de 1962, responsável pela elaboração de normas técnicas brasileiras (ABNT NBR). A ABNT integra o Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro) e o Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro) que compõem o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).

65

Sempre que apropriado, o órgão de padronização deve especificar padrões baseados em requerimentos dos produtos em termos de desempenho em vez de desenho ou características descritivas. Ao menos a cada 6 meses, o órgão de padronização deverá publicar seus dados (nome e endereço), os padrões que está desenvolvendo e os que adotou no período precedente. Um padrão está em preparação a partir do momento no qual se adotou uma decisão para sua criação até o momento no qual é aprovado. Os títulos da proposta inicial do padrão devem ser públicos em inglês, francês e espanhol. Uma notícia sobre a existência do programa de trabalho relativo à criação do padrão deve ser publicada em meios nacionais ou regionais, quando o caso. A transparência quanto aos padrões sendo construídos devem seguir as regras da ISONET, e a ISO/IEC Information Centre em Genebra deve ser notificada. O membro nacional da ISO/IEC deve adotar todas as ações para se tornar membro da ISONET ou indicar outro órgão para tanto. Outros órgãos de padronização devem buscar ser membros da ISONET. Antes de adotar um padrão, o órgão de padronização deve abrir um período de 60 dias para envio de comentários por partes interessadas nos territórios de Membros da OMC. Em casos de urgência, como segurança, saúde e meio ambiente, este período pode ser menor. Antes do prazo para comentários, o órgão deve notificar se o padrão em questão difere de outros relevantes padrões internacionais. Qualquer parte interessada dentro do território de um Membro da OMC pode pedir uma cópia do padrão que foi disponibilizado para comentários. O órgão criador do padrão deve prover cópias caso requisitado. Comentários devem ser levados em consideração pelo órgão de padronização. Comentários recebidos por órgãos que seguem este Código de Boa Conduta devem ser respondidos o mais breve possível, com explicações quando o padrão difere de outro internacional. Uma vez que o padrão é aprovado, deve ser prontamente publicado. Com base no pedido de qualquer parte interessada dentro do território de um Membro da OMC, o órgão de padronização deve prontamente prover cópias dos projetos de padronização em desenvolvimento. O órgão de padronização deverá considerar oportunidades para consultas relativas ao funcionamento deste Código apresentadas por órgãos de padronização que aceitaram o Código de Boa Conduta, e deverá buscar resolver quaisquer queixas.

Quadro 1 – Resumo do Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de Padrões Fonte: Anexo 3 do Acordo TBT, Código de Boa Conduta.

Na prática, o CBC trata das obrigações e princípios norteadores do Acordo TBT no

tocante à criação de padrões por organizações. Transparência, não discriminação,

razoabilidade dos padrões diante dos objetivos que visam atingir e harmonização são

elementos essenciais que devem ser seguidos por organizações que criam padrões para que

possam ser considerados de acordo com o Acordo TBT.

A avaliação de conformidade diante das regulamentações técnicas e dos padrões é

outro elemento importante do Acordo TBT. Em síntese, os órgãos governamentais de

padronização devem cumprir com certos requisitos quando o cumprimento de uma

regulamentação ou padrão é requerido, nos termos dos Artigos 5.1.1 e 5.1.2 do TBT:

Artigo 5.1.1 - Os procedimentos de avaliação de conformidade serão elaborados, adotados e aplicados de modo a conceder acesso a fornecedores de produtos similares originários dos territórios de outros Membros sob condições não menos favoráveis do que as concedidas a fornecedores de produtos similares de origem nacional ou originários de qualquer outro país, numa situação comparável; acesso implica o direito do fornecedor a uma avaliação de conformidade sob as regras do procedimento, incluindo, quando previsto por este procedimento, a possibilidade de efetuar as atividades de

66

avaliação de conformidade no local das instalações e de receber a marca do sistema. Artigo 5.1.2 - Os procedimentos de avaliação de conformidade não serão elaborados, adotados ou aplicados com a finalidade ou o efeito de criar obstáculos desnecessários ao comércio internacional. Isto significa, inter alia, que os procedimentos de avaliação de conformidade não deverão ser mais rigorosos ou ser aplicados mais rigorosamente do que o necessário para dar ao Membro importador confiança suficiente de que os produtos estão em conformidade com os regulamentos técnicos ou normas aplicáveis, levando em conta os riscos que a não conformidade criaria.”74 (grifo nosso).

Um aspecto interessante da avaliação de conformidade no tocante a padrões é que as

taxas necessárias para avaliar a conformidade de produtos originados no território de outros

Membros devem ser equitativas com as taxas cobradas para acessar a conformidade com

produtos similares de origem nacional ou produzidos em outros países, levando-se em conta

diferenças em função de transporte, comunicação e outros custos (Artigo 5.2.5).

Essa regra, se extrapolada para o universo dos padrões privados, tende a criar

conflitos, uma vez que os custos das certificações privadas variam imensamente de acordo

com cada iniciativa, profundidade e grau de complexidade dos critérios envolvidos, dentre

outros aspectos.

O Artigo 5 traz diversos detalhes que devem ser seguidos quanto à avaliação de

conformidade, relativos à transparência e acesso a informações, harmonização e outros

aspectos. Já o Artigo 6 trata do reconhecimento da avaliação de conformidade por órgãos

governamentais, devendo-se destacar a previsão de que os Membros devem reconhecer

procedimentos de avaliação de conformidade de outros Membros, mesmo que sejam distintos,

mas desde que sejam equivalentes.

Quando a avaliação de conformidade é feita por órgãos não governamentais, os

Membros devem buscar assegurar que tais órgãos sigam as obrigações dos Artigos 5 e 6,

basicamente quanto à criação dos sistemas de avaliação de conformidade, transparência e

equivalência (Artigo 8 do TBT). Este aspecto pode ser extremamente relevante no caso de

74 Acordo TBT, Artigos 5.1.1 e 5.1.2: “Article 5.1.1: Conformity assessment procedures are prepared, adopted

and applied so as to grant access for suppliers of like products originating in the territories of other Members under conditions no less favorable than those accorded to suppliers of like products of national origin or originating in any other country, in a comparable situation; access entails suppliers’ right to an assessment of conformity under the rules of the procedure, including, when foreseen by this procedure, the possibility to have conformity assessment activities undertaken at the site of facilities and to receive the mark of the system; Article 5.1.2: Conformity assessment procedures are not prepared, adopted or applied with a view to or with the effect of creating unnecessary obstacles to international trade. This means, inter alia, that conformity assessment procedures shall not be more strict or be applied more strictly than is necessary to give the importing Member adequate confidence that products conform with the applicable technical regulations or standards, taking account of the risks non-conformity would create.”

67

padrões privados e de como cada iniciativa que cria um padrão cobra conformidade com os

mesmos.

As demais regras tratam de assistência técnica no tocante aos regulamentos e padrões

criados por órgãos governamentais, bem como tratamento especial e diferenciado dado aos

países de menor desenvolvimento relativo. Além disso, regras sobre solução de possíveis

controvérsias que devem ter no Comitê do Acordo TBT como foro para discussão e,

naturalmente, o OSC.

Vale destacar que o Artigo 14.2 prevê a possibilidade de se criar grupos de peritos

técnicos para esclarecer e avaliar medidas questionadas perante o OSC. Em linha com o

Acordo SPS, a capacidade de avaliar se uma medida realmente é necessária para atingir um

determinado objetivo, por vezes depende de peritos e especialistas. Este ponto pode se tornar

relevante diante de critérios de natureza ambiental existentes em diferentes iniciativas que

criam padrões privados, notadamente em função da razoabilidade das medidas ou da

necessidade das mesmas diante dos objetivos que visam alcançar.

1.3.2.2 Padrões privados no âmbito do Acordo TBT

Uma vez compreendidas as principais regras do Acordo TBT, torna-se essencial

avaliar de que forma os Membros debatem a temática dos padrões privados, medidas

ambientais e outras exigências nesse campo.

Antes, contudo, é válido mencionar que as discussões sobre eco-labelling, critérios e

padrões ambientais ocorrem simultaneamente no CTE e no Comitê do Acordo TBT. Com

base nos dois Comitês, os Membros discutem preocupações relacionadas com critérios

ambientais e barreiras técnicas.

Em uma reunião do CTE, realizada em junho de 1995, os Membros requereram que

o Secretariado preparasse uma síntese sobre o histórico das negociações do Acordo TBT no

tocante a requerimentos de certificação, padrões voluntários e processos e métodos de

produção não relacionados a características dos produtos.

O relatório Negotiating History of the Coverage of the Agreement on Technical

Barriers to Trade with Regard to Labelling Requirements, Voluntary Standards, and

Processes and Production Methods Unrelated to Product Characteristics, publicado em

agosto de 1995, fez um amplo resumo do histórico da definição de padrões, preparação,

adoção e aplicação de padrões, procedimentos de avaliação de conformidade, PPMs e outros

68

assuntos relevantes para a agenda de padrões, desde o GATT até a aprovação do Standards

Code, chegando até o Acordo TBT.75

Curiosamente, o histórico das negociações do Standards Code e sua posterior revisão

que levou ao Acordo TBT aponta para fatos interessantes quando se analisa o debate sobre

padrões privados. Durante as negociações do SC, em 1975, uma proposta apresentada pelo

chamado TBT Sub-Group conceituava “voluntary standards body” como qualquer

organização não governamental que prepara padrões voluntários para uso público.

Já o conceito de “international standards body” era o de qualquer organização

internacional com status reconhecido, governamental ou não governamental, que prepara

padrões e que admite órgãos relevantes para participar na preparação dos padrões. Distinguia

ainda as expressões “national standards body” e “regional standards body”.76

Esses conceitos não foram adotados no SC e no TBT, e sugerem uma clareza maior

quanto ao papel de entidades e/ou organizações não governamentais na criação de padrões, o

que é extremamente relevante no contexto da presente pesquisa.

A proposta feita pelo Japão nas negociações do SC em 1976 quanto ao conceito de

“standardizing body” reforça ainda mais a visão de que as Partes Contratantes chegaram a

negociar uma linguagem mais aprimorada sobre como tratar da criação de padrões por órgãos

não ligados aos governos:

Qualquer regulamentação técnica aprovada por um organismo, seja um órgão governamental central, órgão governamental local, órgão regulatório, um organismo que não seja um órgão governamental central ou local, uma organização não governamental ou qualquer outro organismo de normalização, para aplicação continuada e com a qual não existe nenhuma obrigação legal de cumprimento.77

O Relatório do Comitê do Acordo TBT do ano 2000 salienta o fato de que vários

órgãos de padronização não governamentais estão envolvidos na criação e adoção de padrões, e

que é importante que os Membros possam participar desses processos de padronização. A

imparcialidade, transparência, abertura, consenso, relevância e efetividade na aprovação dos

padrões foram aprovados como elementos fundamentais para evitar discriminação ao comércio

e fomentar a implementação do TBT:

75 WORLD TRADE ORGANIZATION, 1995. 76 Ibidem, paragraphs 28 and 29. 77 Ibidem, Paragrapfh 35: “[…] Any technical regulation approved by a body, either central governmental body,

local governmental body, regulatory body, a body other than a central or local governmental body, a non-governmental organization or any other standardizing body, for continued application and with which there is no legal obligation to comply.”

69

Para que se comprove a qualidade dos padrões internacionais e assegurar a eficácia da aplicação do Acordo, o Comitê acordou que há a necessidade de desenvolver princípios de transparência, imparcialidade e consenso, eficácia, coerência no desenvolvimento dos interesses dos países que iriam esclarecer e fortalecer o conceito de padrões internacionais sob o Acordo e contribuir para o avanço dos seus objetivos. Neste sentido, o Comitê adotou uma decisão contendo uma série de princípios, considerando o desenvolvimento de importantes padrões internacionais (Anexo 4). Esses princípios pareciam igualmente relevantes na elaboração de padrões internacionais, guias e recomendações de conformidade e análise de procedimentos. A disseminação desses princípios pelos membros e organizações de padronização nos seus territórios, poderiam encorajar as diversas organizações internacionais para esclarecer e fortalecer suas regras de procedimento no desenvolvimento de padronização, portanto, contribuindo para o avanço dos objetivos do Acordo.78 (grifo nosso).

O Anexo 4 do Relatório do Comitê do Acordo TBT do ano 2000 contém a Decision

of the Committee on Principles for the Development of International Standards, Guides and

Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement que trata em

detalhes de cada um dos princípios.79

Apesar de a decisão ter foco em padrões internacionais, é válido observar alguns

elementos quando se analisa as iniciativas de padronização privadas, mesmo que não criem

padrões internacionais no sentido de terem sido criados por organizações internacionais ou

organizações de referência como a ISO, a OIE, o Codex e a CIPV.

Nesse sentido, vale observar alguns requisitos inerentes a cada princípio, resumidos

no Quadro 2.

Transparência Informações sobre os programas, propostas de padrões, guias e recomendações sendo considerados ou em estágio final de aprovação devem ser facilmente acessíveis para todas as partes interessadas nos territórios dos Membros da OMC.

Abertura

A filiação nos órgãos de padronização deve ser aberta de maneira não discriminatória a órgãos relevantes de todos os Membros da OMC. A abertura compreende a não discriminação quanto à participação em qualquer estágio de desenvolvimento de um padrão.

Imparcialidade e Todos os órgãos dos Membros da OMC devem ter a oportunidade de contribuir no

78 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report 2000 of the Committee on Technical Barriers to Trade.

G/L/412. 14 November 2000d. Paragraph 20. Tradução nossa: “In order to improve the quality of international standards and to ensure the effective application of the Agreement, the Committee agreed that there was a need to develop principles concerning transparency, openness, impartiality and consensus, relevance and effectiveness, coherence and developing country interests that would clarify and strengthen the concept of international standards under the Agreement and contribute to the advancement of its objectives. In this regard, the Committee adopted a decision containing a set of principles it considered important for international standards development (Annex 4). These principles were seen as equally relevant to the preparation of international standards, guides and recommendations for conformity assessment procedures. The dissemination of such principles by Members and standardizing bodies in their territories would encourage the various international bodies to clarify and strengthen their rules and procedures on standards development, thus further contributing to the advancement of the objectives of the Agreement”.

79 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2000d, Annex 4.

70

consenso processo de elaboração de um padrão internacional, evitando-se que haja possíveis privilégios de atores em particular. O consenso deve ser a base para a adoção dos padrões.

Efetividade e relevância

Com vistas a facilitar o comércio e evitar barreiras desnecessárias ao comércio internacional, os padrões internacionais devem ser relevantes e responder de maneira efetiva às necessidades regulatórias e de mercado, bem como aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos dos países.

Coerência Com o objetivo de evitar a criação de padrões conflitantes, é importante que os órgãos de padronização internacionais evitem a duplicação e sobreposição de trabalho.

Dimensão de desenvolvimento

Restrições dos países em desenvolvimento em participar do processo de criação de um padrão devem ser endereçadas.

Quadro 2 – Princípios para a elaboração de padrões, guias e recomendações internacionais no Acordo TBT Fonte: Decision of the Committee on Principles for the Development of International Standards, Guides and Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement.

Efetividade e relevância, por exemplo, são princípios fundamentais no tocante a

fundamentação de barreiras técnicas. Tratam, na verdade, de evidências e motivação para uma

determinada medida que, na prática, busca proteger um objetivo legítimo, como proteção do

meio ambiente.

A coerência, por sua vez, tem relação com o propósito de evitar a multiplicação de

padrões e conflitos entre diferentes padrões. De que forma os Membros, por meio das

discussões no Comitê do Acordo TBT, ou de casos levados ao OSC, conseguem ou podem

buscar assegurar a implementação dos princípios adotados pelo Comitê, explicitados no

quadro acima?

Durante a Segunda Revisão trienal do Acordo TBT, o Comitê reiterou a importância

do reconhecimento da equivalência entre regulamentos técnicos de diferentes Membros, como

previsto pelo Artigo 2.7 do Acordo TBT. Deve-se ressaltar a equivalência entre

regulamentações, especialmente considerando que o nível de exigências com o propósito de

assegurar um bem de natureza ambiental, por exemplo, sempre pode variar de um país para

outro.80

O fato de o Artigo 2.7 tratar da equivalência apenas entre regulamentações de

diferentes Membros pode ser visto como uma brecha do Acordo TBT, na medida em que uma

barreira técnica pode ser fundamentada em regulamentações e/ou padrões. Em vários casos,

os padrões é que na prática alimentam e dão o conteúdo técnico exigido pelas

regulamentações. Limitar a equivalência apenas entre regulamentações é olvidar o fato de

que, na verdade, inúmeras barreiras técnicas têm por base fundamentos em padrões.

80 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report 2003 of the Committee on Technical Barriers to Trade.

G/L/657. 11 November 2003c. Paragraph 12.

71

Como será visto no Capítulo 3, que tratará de estudos de caso de padrões, a União

Europeia reconhece várias iniciativas como equivalentes ou similares aos requisitos que

impõe no tocante a sustentabilidade dos biocombustíveis.

No âmbito dos padrões privados, a equivalência poderia ser uma alternativa para se

evitar a multiplicidade de padrões que na prática, geram certificações que contêm

procedimentos de avaliação de conformidade específicos. Vale ainda mencionar que a

equivalência entre regulamentações carece de uma formalização entre os Membros

envolvidos.

No caso dos requisitos de sustentabilidade para biocombustíveis na União Europeia,

é possível celebrar acordos bilaterais para este fim. Mas na prática, a UE reconhece padrões

privados como equivalentes aos seus requisitos, o que cria uma categoria de equivalência

entre a regulamentação e padrões privados.

É válido, ademais, ponderar que os princípios para a elaboração de padrões devem

ser lidos em conjunto com o Código de Boa Conduta. Na verdade, os princípios reforçam os

dispositivos do Código. Em paralelo, é relevante mencionar que em 2000 o Comitê do Acordo

TBT publicou uma nova versão da comparação entre o Código de Boa Conduta e o ISO/IEC

Guide 59 – Code of Good Practice for Standardization.

Enquanto o objetivo principal do Código de Boa Conduta é minimizar barreiras ao

comércio oriundas da preparação, adoção e aplicação de padrões, o objetivo central do

ISO/IEC Guide 59 é assegurar a coerência e a efetividade dos processos de padronização.

Estabelece princípios que devem ser respeitados para o desenvolvimento de padrões adotados

por consenso, sua relação com o mercado, a abertura da participação no processo de

desenvolvimento dos padrões e a necessidade de assegurar a coordenação e transparência por

meio de sistemas de informação adequados.

O Quadro 4 compara elementos relevantes de ambos os códigos no tocante ao

escopo, objetivos, como tratam de padrões e discriminação ao comércio e organizações de

padronização. No âmbito do TBT, padrões não necessariamente exigem consenso; já no

contexto da ISO, o consenso é obrigatório para a adoção de um padrão. Perante o TBT, os

padrões não devem ser preparados, adotados e aplicados com vistas a criar obstáculos

desnecessários ao comércio. O Código da ISO define como os padrões devem ser criados mas

não trata dos efeitos de sua aplicação.81

81 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Technical Barriers to Trade. Factual Comparison

between the Annex 3 of the WTO/TBT Agreement - Code of Good Practice for the Preparation,

72

Code of Good Practice, TBT ISO/IEC Guide 59 - Code of Good Practice for Standardization

B. This Code is open to acceptance by any standardizing body within the territory of a Member of the WTO, whether a central government body, a local government body, or a non-governmental body; to any governmental regional standardizing body one or more members of which are Members of the WTO; and to any non-governmental regional standardizing body one or more members of which are situated within the territory of a Member of the WTO (referred to in this Code collectively as "standardizing bodes" and individually as "the standardizing body").

3. General provisions 3.1 This code is intended for use by any standardizing body, whether governmental or non-governmental, at international, regional, national or sub-national level. Standardizing bodies that have adopted this code may notify this fact to the ISO or IEC member in their country, which will forward the notification to the ISO/IEC Information Centre in Geneva. The notifications should include the name and address of the body concerned and the scope of its current and expected standardization activities. Regional or international standardizing bodies in countries without ISO or IEC members, may notify their adoption of this code directly to the ISO/IEC Information Centre.

D. In respect of standards, the standardizing body shall accord treatment to products originating in the territory of any other Member of the WTO no less favourable than that accorded to like products of national origin and to like products originating in any other country

5.5 Standards shall neither be written nor adopted so as to discriminate among products on the basis of the place of origin.

E. The standardizing body shall ensure that standards are not prepared, adopted or applied with a view to, or with the effect of, creating unnecessary obstacles to international trade.

5. Advancement of international trade 5.1 Standards should be written to meet the needs of the market-place and should contribute to advancing free trade in the broadest possible geographic and economic contexts. Standards shall not be written so as to impede or inhibit international trade. 5.2 Standards shall not be written as a means to fix prices, nor to exclude competition or otherwise inhibit commerce beyond that necessary to meet requirements of relevant technical regulations or other legitimate sectorial or local requirements for compatibility, environmental protection, health and safety.

F. Where international standards exist or their completion is imminent, the standardizing body shall use them, or the relevant parts of them, as a basis for the standards it develops, except where such international standards or relevant parts would be ineffective or inappropriate, for instance, because of an insufficient level of protection or fundamental climatic or geographical factors or fundamental technological problems.

5.3 When international standards exist or their completion is imminent, they, or their relevant parts, shall be used as the basis for corresponding national or regional standards, except where such international standards or relevant parts would be ineffective or inappropriate, for instance because of an insufficient level of protection or fundamental climatic or geographical factors or fundamental technological problems.

Quadro 3 – Comparação entre os Códigos TBT e ISO sobre criação e adoção de padrões Fonte: WORLD TRADE ORGANIZATION, 2000c.

Ainda no relatório do Comitê do Acordo TBT de 2003, foi constatado que, em

alguns casos de padrões voluntários, os órgãos de padronização não aderiram ao Código de

Boa Conduta. Este ponto é interessante quando se analisa os padrões privados e será debatido

no Capítulo 4.

Adoption and Application of Standards and the ISO/IEC Guide 59 - Code of Good Practice for Standardization. G/TBT/W/132. 29 March 2000c.

73

Na reunião do Comitê do Acordo TBT, realizada em novembro de 2011, a

International Trade Centre reportou que o Standards Map, plataforma que permite procurar e

comparar os diferentes padrões privados considerando sua estrutura de governança, critérios

sociais, ambientais e econômicos, bem como requerimentos de implementação dos padrões,

tinha 43 padrões privados criados por organizações não governamentais e entidades privadas.

Dentre eles, vale citar: Fair Labour Association, GoodWeave, Green Seal, Green-e,

International Featured Standards – IFS, KRAV, Roundtable on Responsible Soy – RTRS, SQF

Program, Cotton Made in Africa, Gold Standard, ProTerra, Rótulo Ecológico ABNT –

Qualidade Ambiental, Food Alliance. Outros nove padrões seriam inseridos no site da ITC em

breve.82

No Capítulo 2 será visto que o mapeamento dos padrões privados contido no

Standards Map já alcançou 219 padrões destinados ao setor agrícola, industrial e de serviços

(atualizado em 1 de setembro de 2016).

Pode-se perceber que há uma intensa discussão sobre os padrões privados no âmbito

do Acordo TBT. A diferença do debate no CTE é que este Comitê não está atrelado a um

acordo específico, mas funciona como foro para debater e até mesmo propor decisões que

podem, em princípio, aprimorar de que forma a OMC trata da questão dos padrões privados.

1.4 Medidas sanitárias, fitossanitárias e padrões privados

A possibilidade de um Membro adotar medidas que visem proteger a vida e a saúde

humana, animal e vegetal é um tema essencial inerente às relações comerciais, que ganhou

com o surgimento do Acordo SPS uma estrutura peculiar. Na vigência do GATT, a

preocupação das Partes Contratantes com medidas não tarifárias relacionadas ao comércio de

produtos agrícolas era intensa, tanto que motivou a negociação de um acordo específico que,

na prática, tem relação próxima com o antigo Standards Code e atual Acordo TBT.

Os padrões privados de natureza sanitária ou fitossanitária, ou simplesmente

chamados padrões privados SPS, merecem atenção especial por várias razões. De um lado,

tratam da possibilidade de se adotar requisitos ou até barreiras quando se torna necessário

proteger a saúde animal da entrada da doença vaca louca, ou requerer o tratamento de

embalagens de madeira para evitar a entrada de uma doença quarentenária. Resumidamente,

permitem que os Membros protejam objetivos legítimos como vida e saúde.

82 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Technical Barriers to Trade. Information on Activities

of the ITC. G/TBT/GEN/127, 26 January 2012a. Paragraphs 12 and 13.

74

De outro lado, as regras do Acordo SPS são claras quanto aos requisitos mínimos

para se adotar uma medida, que pode ser fundamentada em padrões internacionais. No

entanto, a possibilidade de que se adotem medidas que visem proteger a vida e a saúde em

função de requisitos sanitários ou fitossanitários, com base em padrões privados, exige uma

atenção detida diante da obrigação de não criar barreiras desnecessárias ao comércio e

restrições comerciais.

Além disso, é coerente avaliar de que forma padrões privados fogem ou não das

regras do Acordo SPS. Nesse sentido, as principais obrigações do SPS serão detalhadas

abaixo, como base para tratar das discussões sobre padrões privados.

1.4.1 O Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Acordo SPS)

Antes de analisar as discussões sobre os padrões privados no contexto do Acordo SPS

é essencial conhecer seu escopo e o racional que fundamenta a criação de medidas que visem

proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal.

1.4.1.1 Regras centrais e funcionamento do Acordo SPS

O Acordo SPS regula a adoção de medidas que visem proteger a vida e a saúde

humana, animal e vegetal. As medidas sanitárias e fitossanitárias, conforme conceituadas no

Anexo A do Acordo, tratam de requisitos voltados para proteger objetivos legítimos como a

vida e a saúde humana, animal e vegetal:

1. Medida sanitária ou fitossanitária – Qualquer medida aplicada: a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal dos riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas, doenças ou organismos patogênicos ou portadores de doenças; (b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal dos riscos resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal; (c) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal de riscos resultantes de pragas transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas; ou (d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros prejuízos resultantes da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas.83

83 Acordo SPS, Anexo A.1: “1. Sanitary or phytosanitary measure — Any measure applied: (a) to protect

animal or plant life or health within the territory of the Member from risks arising from the entry, establishment or spread of pests, diseases, disease-carrying organisms or disease-causing organisms; (b) to protect human or animal life or health within the territory of the Member from risks arising from additives,

75

As medidas podem se dar com base em leis, decretos, regulamentações,

requerimentos e procedimentos, incluindo critérios para produtos finais, processo e métodos

de produção, testes, inspeção, certificação e procedimentos de aprovação, testes de

quarentena, requisitos para o transporte de animais e plantas, métodos de avaliação de risco,

dentre outros requisitos (Anexo A.1).

O racional do Acordo SPS é permitir que os Membros adotem medidas, por vezes

restritivas ao comércio, desde que haja fundamentos que justifiquem a necessidade de

proteger valores relevantes, como, por exemplo, a saúde animal. Os Membros são livres para

adotar medidas dessa natureza, baseadas em características e condições regionais, na medida

em que a importação de um produto possa trazer vírus, bactérias ou pragas que possam se

disseminar em seu território e causar impactos.

contaminants, toxins or disease-causing organisms in foods, beverages or feedstuffs; (c) to protect human life or health within the territory of the Member from risks arising from diseases carried by animals, plants or products thereof, or from the entry, establishment or spread of pests; or (d) to prevent or limit other damage within the territory of the Member from the entry, establishment or spread of pests.”

76

Figura 2 – Esquema do funcionamento do Acordo SPS Fonte: Acordo SPS; Elaboração: autor

77

De acordo com o Artigo 2.2 do SPS, as medidas sanitárias e fitossanitárias devem ser

aplicadas somente na medida do que for necessário para proteger a vida e a saúde humana,

animal e vegetal; devem ser baseadas por princípios científicos e não devem ser mantidas sem

suficientes evidências científicas, exceto em casos muito particulares:

Artigo 2.2 – Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária e fitossanitária seja aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem evidência científica suficiente, à exceção do determinado pelo parágrafo 7 do Artigo 5.84

Adicionalmente, as medidas sanitárias e fitossanitárias não devem causar

discriminação arbitrária ou injustificável entre Membros onde prevaleçam condições similares

ou idênticas. Neste sentido, as medidas devem ser aplicadas de maneira a não constituírem

restrições disfarçadas ao comércio internacional.

Pode-se dizer que o Artigo 2.2 é uma regra extremamente relevante para avaliar

medidas SPS. A necessidade da medida, ou, em outras palavras, a relevância da medida diante

dos fatos que a exigem, e a importância de que seja fundamentada em um mínimo de

evidências científicas são fatores essenciais de uma medida SPS.

Além disso, os Membros devem ao máximo buscar harmonizar a aplicação de

medidas em linha com padrões, orientações e recomendações internacionais existentes. O

Acordo SPS reconhece expressamente três organizações internacionais que criam padrões

relacionados ao escopo de suas medidas: a Organização Mundial para Saúde Animal (OIE), a

Convenção Internacional de Proteção Vegetal (CIPV) e o Codex Alimentarius.

As medidas que sejam fundamentadas nos padrões dessas organizações são

presumivelmente consistentes com as regras do Acordo SPS. No entanto, um Membro pode

criar padrões mais rígidos, desde, naturalmente, que tenha fundamentos para tanto, em linha

com o Artigo 2.2 do SPS.

É relevante notar que a harmonização é um conceito relevante do Acordo SPS, na

medida em que permite a adoção de padrões distintos, mas minimamente alinhados. A

premissa para tanto é considerar padrões, orientações e recomendações internacionais

existentes.

84 Acordo SPS, Artigo 2.2: “Members shall ensure that any sanitary or phytosanitary measure is applied only to

the extent necessary to protect human, animal or plant life or health, is based on scientific principles and is not maintained without sufficient scientific evidence, except as provided for in paragraph 7 of Article 5.”

78

O Artigo 3.1 trata da harmonização das medidas sanitárias e fitossanitárias, levando-

se em conta preferencialmente os padrões, orientações e recomendações internacionais, ou

padrões criados pelos Membros que visem atingir um nível apropriado de proteção sanitária

ou fitossanitária, nos termos do Artigo 3.3 do SPS. 85 As medidas que se baseiam nos padrões

internacionais são, a priori, consistentes com as regras gerais do Acordo SPS.

Por sua vez, os Membros devem reconhecer a equivalência entre suas medidas e de

outros Membros, desde que o Membro que exporta um produto demonstre objetivamente que

seus padrões sanitários ou fitossanitários alcançam o nível de proteção que o Membro

importador determina apropriado (Artigo 4 do SPS). O reconhecimento da equivalência é

desejável, muito embora não ocorra em inúmeros casos.

Na discussão de padrões, a equivalência nos moldes do previsto no Acordo SPS pode

promover o equilíbrio entre medidas distintas mas com um mesmo fim, e facilitar o cumprimento

das medidas pelos agentes do mercado. Em outros casos, a equivalência pode se dar quando um

Membro da OMC reconhece determinados padrões como equivalentes às suas regras, autorizando

a importação de um produto desde que siga certos padrões privados (caso da política europeia de

sustentabilidade de biocombustíveis que será analisada em detalhes no Capítulo 3).

Quando se observa que o Acordo SPS permite a adoção de medidas que possam

restringir ou até bloquear o comércio para atingir determinados objetivos, é essencial observar

o Artigo 5.1 do Acordo, que trata da avaliação de riscos.

Artigo 5.1 – Os Membros assegurarão que suas medidas sanitárias e fitossanitárias são baseadas em uma avaliação, adequada às circunstâncias, dos riscos à vida ou à saúde humana, animal ou vegetal, tomando em consideração as técnicas para avaliação de risco elaboradas pelas organizações internacionais competentes. Artigo 5.2 – Na avaliação de riscos, os Membros levarão em consideração a evidência científica disponível; os processos e métodos de produção pertinentes; os métodos para teste, amostragem e inspeção pertinentes; a prevalência de pragas e doenças específicas; a existência de áreas livres de pragas ou doenças; condições ambientais e ecológicas pertinentes; e os regimes de quarentena ou outros.86

85 Acordo SPS, Artigo 3.3: “Members may introduce or maintain sanitary or phytosanitary measures which

result in a higher level of sanitary or phytosanitary protection than would be achieved by measures based on the relevant international standards, guidelines or recommendations, if there is a scientific justification, or as a consequence of the level of sanitary or phytosanitary protection a Member determines to be appropriate in accordance with the relevant provisions of paragraphs 1 through 8 of Article 5.(2) Notwithstanding the above, all measures which result in a level of sanitary or phytosanitary protection different from that which would be achieved by measures based on international standards, guidelines or recommendations shall not be inconsistent with any other provision of this Agreement.”

86 Acordo SPS, Artigo 5.1: “Members shall ensure that their sanitary or phytosanitary measures are based on an assessment, as appropriate to the circumstances, of the risks to human, animal or plant life or health, taking into account risk assessment techniques developed by the relevant international organizations. Article 5.2. In

79

Sem avaliar riscos da entrada ou disseminação de uma peste pela importação de uma

planta ou fruta, ou da entrada de uma doença que pode afetar peixes, por exemplo, não é

razoável fundamentar medidas e justificá-las perante o Acordo SPS. Em outros termos,

qualquer medida deve minimamente ter justificativas científicas como embasamento.

Levando-se em conta a natureza das medidas sanitárias e fitossanitárias – proteger a

vida e saúde humana, animal e vegetal – a avaliação de riscos compreende processos

científicos, metodologias, análise de dados e outras ferramentas ligadas a entender o

funcionamento das pestes e doenças, da transmissão, controle e monitoramento de vírus e

bactérias, do tratamento e medidas que podem evitar a contaminação, dentre outros fatores.

Outros aspectos que devem ser ponderados, quando um Membro busca avaliar riscos

e determinar um nível apropriado de proteção, são fatores econômicos como as perdas de

produção e de vendas motivadas pela entrada, estabelecimento ou disseminação de uma

doença, os custos do controle ou erradicação no território do Membro importador e a relativa

eficácia dos custos de métodos alternativos que visem reduzir riscos (Artigo 5.3).

Como destacado por este autor,

[...] na realidade, falar em verificação de risco importa buscar ter comprovação de que a medida aplicada não irá simplesmente restringir o comércio internacional, mas sim visará garantir a proteção de objetivos legítimos, como a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal (artigo 2.1, do SPS).87

Ao reconhecer a possibilidade de se adotar medidas restritivas, mas necessárias para

alcançar objetivos legítimos, os Artigos 5.4 e 5.5 do SPS tratam de evitar ou minimizar

impactos negativos ao comércio e de se ter consistência na aplicação de medidas sanitárias e

fitossanitárias evitando-se distinções arbitrárias e injustificáveis ao comércio.88

the assessment of risks, Members shall take into account available scientific evidence; relevant processes and production methods; relevant inspection, sampling and testing methods; prevalence of specific diseases or pests; existence of pest — or disease — free areas; relevant ecological and environmental conditions; and quarantine or other treatment.”

87 LIMA, 2005, p. 116. 88 Acordo SPS, Artigo 5.4: “Members should, when determining the appropriate level of sanitary or

phytosanitary protection, take into account the objective of minimizing negative trade effects.” Artigo 5.5 do Acordo SPS “With the objective of achieving consistency in the application of the concept of appropriate level of sanitary or phytosanitary protection against risks to human life or health, or to animal and plant life or health, each Member shall avoid arbitrary or unjustifiable distinctions in the levels it considers to be appropriate in different situations, if such distinctions result in discrimination or a disguised restriction on international trade. Members shall cooperate in the Committee, in accordance with paragraphs 1, 2 and 3 of Article 12, to develop guidelines to further the practical implementation of this provision. In developing the guidelines, the Committee shall take into account all relevant factors, including the exceptional character of human health risks to which people voluntarily expose themselves.”

80

A consistência na aplicação das medidas é um assunto extremamente relevante, pois,

na verdade, exige que se pondere o nível de exigência das medidas diante dos elementos que a

justificam e dos objetivos a serem alcançados. Em outras palavras, requer que existam

evidências que atestem a necessidade de uma determinada medida, que se mostra necessária

para garantir certos objetivos relevantes.

Na discussão sobre os padrões privados, o conceito de consistência entre as medidas

aplicadas/exigidas, os riscos e os fins a que se destinam é extremamente interessante quando

se pretende avaliar os padrões diante das regras da OMC.

É preciso mencionar, no entanto, que em alguns casos podem inexistir evidências

científicas e a adoção de determinada medida ser necessária na visão de um Membro. Para

regular esses casos, o Artigo 5.7 do Acordo SPS estabelece o seguinte:

Artigo 5.7 – Nos casos em que a evidência científica for insuficiente, um Membro pode provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base em informação pertinente que esteja disponível, incluindo-se informação oriunda de organizações internacionais relevantes, assim como de medidas sanitárias ou fitossanitárias aplicadas por outros Membros. Em tais circunstâncias, os Membros buscarão obter a informação adicional necessária para uma avaliação mais objetiva de risco e revisarão, em consequência, a medida sanitária ou fitossanitária em um prazo razoável.89

O racional do Artigo 5.7 é permitir a adoção de medidas que levem em conta

informações disponíveis, mesmo sem que haja comprovação científica suficiente. Mas para

tanto, o Membro deve, em um período razoável de tempo, avaliar os riscos, buscar evidências

e conhecimento científico que respaldem a medida. Como salientado por este autor,

O artigo reconhece a falibilidade da ciência ao prever que nem todos os conhecimentos e riscos podem ser acessados de imediato, o que denota os traços do princípio de precaução, nascido no âmbito do Direito Internacional Ambiental, e previsto de forma abrangente na Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – RIO 92, como o princípio 15 da Agenda 21.90

89 Acordo SPS, Artigo 5.7: “ In cases where relevant scientific evidence is insufficient, a Member may

provisionally adopt sanitary or phytosanitary measures on the basis of available pertinent information, including that from the relevant international organizations as well as from sanitary or phytosanitary measures applied by other Members. In such circumstances, Members shall seek to obtain the additional information necessary for a more objective assessment of risk and review the sanitary or phytosanitary measure accordingly within a reasonable period of time.”

90 LIMA, 2005, p. 123.

81

O enfoque de precaução, usualmente presente nos MEAs como um princípio basilar

voltado à proteção do meio ambiente é extremamente relevante quando se observa o debate

entre comércio e meio ambiente.91

As regras citadas acima compõem a substância do Acordo SPS no tocante à natureza

das medidas e quais requisitos devem conter para seguirem o Acordo. É evidente a presença

de um nexo de causalidade entre a necessidade de se aplicar uma medida sanitária, por

exemplo, e a medida efetivamente adotada e seus elementos.

O tratamento exigido para maçãs a fim de evitar que possam trazer bactérias que

contaminem a produção local é uma demanda legítima, desde que realmente exista um

mínimo de evidências sobre a probabilidade da entrada e a disseminação das bactérias no país

importador e uma ponderação sobre quais requisitos a medida fitossanitária deve ter para

evitar a entrada das bactérias, seja um tratamento a ser aplicado nas maçãs ou uma barreira

efetiva.

A seguir, serão avaliadas as regras de processo do Acordo SPS, especialmente no

tocante a quais procedimentos os Membros devem seguir ao adotar as medidas. A notificação

das medidas sanitárias e fitossanitárias criadas pelos Membros torna-se essencial para que os

demais Membros possam tomar conhecimento, adequar-se e/ou questionar.

O artigo 7 do SPS, bem como seu Anexo B, que trata da transparência das

regulamentações de natureza sanitária e fitossanitária, estabelecem que os Membros devem

notificar ao Comitê suas medidas, bem como informações relativas, quando os padrões,

normas ou recomendações que embasem uma medida forem distintos dos padrões

internacionais, ou estes não existam (Anexo B, parágrafo 5).

O parágrafo 2 do Anexo B prevê que, exceto em circunstâncias urgentes, os

Membros devem conceder um intervalo de tempo entre a publicação de um regulamento

sanitário ou fitossanitário e sua entrada em vigor, permitindo que os produtores dos países

exportadores, especialmente de países em desenvolvimento, busquem adequar seus processos

e métodos de produção às novas regras.

Além disso, os Membros devem criar pontos focais para cuidar das notificações,

responder dúvidas sobre as medidas adotadas, a existência de avaliação de risco, medidas de

inspeção e controle, dentre outras questões relativas às medidas SPS. A ideia central que

91 Para uma análise do princípio e do enfoque de precaução diante das regras da OMC, consultar LIMA,

Rodrigo C. A. O Princípio de Precaução no Comércio Multilateral. Revista Seqüência, Florianópolis, v. 47, p. 187-216, 2003b.

82

embasa o princípio da transparência é assegurar que as medidas adotadas pelos Membros

possam ser de conhecimento dos demais Membros.

O Artigo 8 trata de controle, inspeção e procedimentos de aprovação relativos aos

processos que cada Membro adota para aprovar, exigir e reconhecer requisitos sanitários ou

fitossanitários. Por sua vez, o Artigo 9 prevê que os Membros devem prover assistência

técnica para países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo, especialmente

no tocante à criação de sistemas regulatórios em matéria sanitária e fitossanitária, tecnologias

de processamento, infraestrutura, dentre outros assuntos.

O Artigo 9.2 prevê que, quando um país em desenvolvimento exportador necessite de

investimentos substanciais para cumprir com as medidas SPS de um país importador, este deve

considerar prover assistência técnica para auxiliar o exportador a cumprir com suas medidas.

Esse dispositivo deve ser avaliado em conjunto com o Artigo 10, que prevê o

tratamento especial e diferenciado na adoção de medidas SPS quando envolverem países em

desenvolvimento. Quando requerido por um país em desenvolvimento, o Comitê SPS pode

conceder, excepcionalmente, maior tempo para que o Membro se adeque às disposições do

Acordo.

É essencial, ainda, observar o Artigo 13 do Acordo SPS, que trata da implementação

de suas regras pelos Membros:

Os Membros são integralmente responsáveis, no presente Acordo, pelo cumprimento de todas as obrigações aqui estabelecidas. Os Membros formularão e implementarão medidas e mecanismos positivos em favor da observação das disposições do presente Acordo por outras instituições além das instituições do governo central. Os Membros adotarão as medidas razoáveis que estiverem a seu alcance para assegurar que as instituições não governamentais existentes em seus territórios, assim como os órgãos regionais dos quais instituições pertinentes em seus territórios sejam membros, cumpram com as disposições relevantes do presente Acordo. Ademais, os Membros não adotarão medidas que tenham o efeito de, direta ou indiretamente, obrigar ou encorajar tais instituições não governamentais ou regionais, a agirem de forma incompatível com as disposições do presente Acordo. Os Membros assegurarão o uso dos serviços de instituições não governamentais para a implementação de medidas sanitárias ou fitossanitárias apenas se tais entidades cumprirem com as disposições do presente Acordo.92 (grifo nosso).

92 Acordo SPS, Artigo 13: “Members are fully responsible under this Agreement for the observance of all

obligations set forth herein. Members shall formulate and implement positive measures and mechanisms in support of the observance of the provisions of this Agreement by other than central government bodies. Members shall take such reasonable measures as may be available to them to ensure that non-governmental entities within their territories, as well as regional bodies in which relevant entities within their territories are members, comply with the relevant provisions of this Agreement. In addition, Members shall not take measures which have the effect of, directly or indirectly, requiring or encouraging such regional or non-governmental entities, or local governmental bodies, to act in a manner inconsistent with the provisions of

83

As regras da OMC se direcionam diretamente a seus Membros e indiretamente aos

órgãos, entes e atores regulados no contexto das regras de cada país. Quando um Membro cria

uma lei que regula a adoção de padrões sanitários para carne, contendo requisitos sobre

quarentena para os animais, abate, qualidade, inspeção, embalagem, dentre outros critérios,

espera-se que este país exija o cumprimento de medidas equivalentes quando da importação

de carne.

Seus atores privados – pecuaristas, laboratórios e órgãos de inspeção veterinária,

frigoríficos, varejo – devem observar as regras para que possam vender a carne no mercado

interno, mas também para exportar. Na exportação, no entanto, é preciso que se negocie

certificados sanitários que reconheçam que as medidas adotadas no país exportador asseguram

os requisitos exigidos no país importador.

Nesse sentido, é natural que os agentes privados dentro de um Membro tenham que

cumprir com as regras em matéria sanitária adotadas pelo Membro, que, por sua vez, devem

seguir os preceitos gerais do Acordo SPS. Se não fosse assim, a desarmonia entre requisitos

sanitários e fitossanitários seria tão grande que impactaria negativamente o comércio

internacional, fugindo dos objetivos da OMC.

1.4.1.2 Padrões privados no âmbito do Acordo SPS

O objetivo deste item é avaliar o debate sobre padrões privados que ocorre no âmbito

do Acordo SPS. Desde 2005, o tema integra a agenda de reuniões do Comitê do Acordo SPS,

com o propósito de avaliar de que forma padrões privados que tenham relação com medidas

sanitárias ou fitossanitárias podem interferir no comércio de produtos agrícolas.

Em junho de 2005, São Vicente e Granadinas levantaram a preocupação com os

padrões exigidos por importadores de bananas. Os padrões da certificação GlobalGAP (na

época conhecida como EurepGAP), criados pelo Euro-Retailer Produce Working Group,

eram mais rígidos do que as regras da União Europeia sobre o assunto. Argentina, Equador,

Jamaica, México e Peru apoiaram a preocupação.

Em outubro de 2006, realizou-se uma sessão informal prévia à reunião do Comitê,

com representantes do Euro-Retailer Produce Good Agricultural Practices (EurepGAP) e da

United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD). Em 2007, os padrões

this Agreement. Members shall ensure that they rely on the services of non-governmental entities for implementing sanitary or phytosanitary measures only if these entities comply with the provisions of this Agreement.”

84

privados passaram formalmente a integrar a agenda das reuniões do Comitê, com o apoio de

vários Membros, principalmente países de menor desenvolvimento relativo e países em

desenvolvimento.

No início de 2007, São Vicente e Granadinas e as Bahamas notificaram ao Comitê

suas preocupações com a existência de padrões privados mais rígidos do que os padrões

internacionais. Em junho de 2007, foi realizada uma nova sessão informal organizada pela

UNCTAD em parceria com a OMC, onde várias preocupações foram levantadas:

a) a inclusão de questões sociais e ambientais nos padrões privados;

b) como a OMC tratará de um futuro caso levado ao OSC sobre o assunto?;

c) a necessidade de que os padrões sejam fundamentados em evidências científicas;

d) o potencial de criar barreiras injustificadas e/ou restrições disfarçadas ao comércio;

e) custos para cumprir com os padrões.

Em 2008, os Membros aprovaram a criação de um grupo de trabalho ad hoc com o

objetivo de identificar possíveis ações do Comitê no tocante aos padrões privados. Em março

de 2011, o Comitê adotou uma agenda baseada em 5 ações:

Ação 1: O Comitê do Acordo SPS deveria desenvolver uma definição para padrões privados SPS e limitar discussões relacionadas a este conceito; Ação2: O Comitê do Acordo SPS deveria informar regularmente o Codex, OIE e CIPV sobre os desenvolvimentos relevantes na consideração do SPS relacionados aos padrões privados e deveria convidar essas organizações para igualmente informar regularmente o Comitê sobre os desenvolvimentos relevantes das suas respectivas organizações; Ação 3: O Comitê do Acordo SPS convida o Secretariado a informar o Comitê de sobre desenvolvimentos da OMC que poderiam ser relevantes nas discussões; Ação 4: Membros são encorajados a se comunicar com entidades envolvidas nos padrões privados relacionados ao SPS para sintetiza-los nas questões levantadas pelo Comitê do Acordo SPS e enfatizar a importância de padrões internacionais estabelecidos pelo Codex, OIE e CIPV; Ação 5: O Comitê do Acordo SPS deveria explorar a possibilidade de trabalhar com o Codex, OIE e CIPV para apoiar o desenvolvimento e/ou disseminação de informações e material destacando a importância de padrões internacionais.93

93 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Sanitary and Phytosanitary Measures. Actions

Regarding SPS-Related Private Standards. G/SPS/55, 6 April 2011a. Tradução nossa: Action 1: The SPS Committee should develop a working definition of SPS-related private standards and limit any discussions to these. Action 2: The SPS Committee should regularly inform the Codex, OIE and IPPC regarding relevant developments in its consideration of SPS-related private standards, and should invite these organizations to likewise regularly inform the SPS Committee of relevant developments in their respective bodies. Action 3: The SPS Committee invites the Secretariat to inform the Committee on developments in other WTO for a which could be of relevance for its discussions on SPS-related private standards. Action 4: Members are encouraged to communicate with entities involved in SPS-related private standards in their territories to sensitize them to the issues raised in the SPS Committee and underline the importance of international standards established by the Codex, OIE and IPPC. Action 5: The SPS Committee should explore the

85

Uma sexta ação, não aprovada, tratava da troca de informações sobre os padrões

privados, e de que forma os mesmos se relacionam com padrões internacionais ou criados

pelos países. Vale notar que, embora este item não tenha sido contemplado na agenda de

trabalho do Comitê SPS sobre padrões privados, ele é de fundamental importância levando-se

em conta a obrigação de harmonização prevista no Artigo 3.3 do SPS.

A proposta de conceito de padrões privados feita pelo grupo ad hoc evidencia a

complexidade do tema:

Padrões privados relacionados ao Acordo SPS são exigências [voluntárias], as quais são [formuladas, aplicadas, certificadas e controladas] [estabelecidas e/ou adotadas e aplicadas] por uma organização não governamental [relacionada com] [para atingir] um dos quatro objetivos estabelecidos no Anexo A, parágrafo 1, do SPS e que pode [direta ou indiretamente] afetar o comércio internacional. Esses objetivos são: a) Proteger fauna e flora, dentro dos territórios dos países membros, de riscos advindos da entrada, estabelecimento ou disseminação de pestes, organismos portadores de doenças ou causadores de doenças; b) Proteger vida e saúde humana e animal, dentro dos territórios dos Membros, de riscos advindos de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos causadores de doenças em alimentos, bebidas e rações; c) Proteger vida e saúde humana e animal, dentro dos territórios dos Membros, de riscos advindos de doenças originadas de animais, plantas ou produtos, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pestes, e; d) Prevenir ou limitar o dano dentro do território de um Membro, da entrada, estabelecimento ou disseminação de pestes.94

Quatro elementos merecem atenção: a) padrões voluntários; b) estabelecidos e/ou

aplicados e adotados por entidades não governamentais; c) relacionados ao cumprimento de

um dos objetivos do Acordo; d) podem, direta ou indiretamente afetar o comércio

internacional.

O fato de os padrões serem voluntários e, neste caso, não causarem restrições ao

comércio, é uma característica discutível quando se trata do dia a dia do comércio

possibility of working with the Codex, OIE and IPPC to support the development and/or dissemination of informative materials underlining the importance of international SPS standards.”

94 WORLD TRADE ORGANIZATION. Proposed Working Definition on SPS-Related Private Standards. G/SPS/W/265. 6 March 2012b. Tradução nossa: “SPS-related private standards are [voluntary] requirements which are [formulated, applied, certified and controlled] [established and/or adopted and applied] by non-governmental entities [related to] [to fulfill] one of the four objectives stated in Annex A, paragraph 1 of the SPS Agreement and which may [directly or indirectly] affect international trade. These four objectives are: (a) to protect animal or plant life or health within the territory of the Member from risks arising from the entry, establishment or spread of pests, diseases, disease-carrying organisms or disease-causing organisms; (b) to protect human or animal life or health within the territory of the Member from risks arising from additives, contaminants, toxins or disease-causing organisms in foods, beverages or feedstuffs; (c) to protect human life or health within the territory of the Member from risks arising from diseases carried by animals, plants or products thereof, or from the entry, establishment or spread of pests; and (d) to prevent or limit other damage within the territory of the Member from the entry, establishment or spread of pests.”

86

internacional. Um padrão deixa de ser voluntário na medida em que exija o cumprimento de

uma série de requisitos, nem sempre fundamentados, o que enseja, dependendo do caso, a

criação de barreiras de fato à exportação. Ou o exportador/produtor cumpre com o padrão ou

deixa de vender.

A criação dos padrões é outro ponto relevante, podendo ser um ente estatal ou um

ator não governamental. Em princípio, padrões criados por atores não ligados ao governo

excluem a responsabilidade do Membro no tocante às medidas exigidas, muito embora o

Artigo 13 estabeleça expressamente que os Membros são inteiramente responsáveis pela

observância das regras do Acordo, incluindo entidades não governamentais.

Outro elemento interessante da proposta de conceito de padrão privado de natureza

SPS é que o padrão poderia atingir ou cumprir com regras do Acordo. A despeito de não

haver consenso sobre este aspecto na proposta, pois está entre colchetes [related to] [to fulfill] ,

é importante observar que os padrões privados podem assegurar objetivos presentes nos

Acordos da OMC, muito embora possam ir além deles, englobando outros temas, como

questões trabalhistas.

Por fim, vale tocar no ponto de impactos diretos ou indiretos ao comércio

decorrentes dos padrões. Esses quatro elementos são essenciais quando se discute de que

forma os padrões privados estão cobertos ou não pelas regras do Acordo SPS.

Na publicação Connecting to global markets, Challenges and opportunities: case

studies presented by WTO chair-holders, a preocupação dos países em desenvolvimento e de

menor desenvolvimento relativo quanto aos padrões privados é evidente:

Muitos padrões privados SPS afetam o comércio, notadamente nos mercados dos países desenvolvidos. Basicamente, há padrões privados voluntários de empresas (PVS), PVS coletivos nacionais e PVS coletivos internacionais. Exemplos dos primeiros PVS são o “Nature Choice” do Tesco e o “Filière Qualité do Carrefour. Exemplos de sistemas coletivos nacionais são o British Retail Consortium Global Standard, o Label Rouge e o Food and Drink Federation. Exemplos de padrões internacionais coletivos são o EuropGAP, ISO 22000 e ISO 22005 (OMC, 2007). A OMC destacou que a diversidade de sistemas de padrões tem a tendência de se harmonizar com o setor (igualmente com a cadeia de produção) e a distinção entre normas voluntárias privadas e públicas tende a desaparecer sempre que a antiga se torna amplamente aceita e exigida para acesso à mercados (OMC, 2007). De acordo com a OMC (2007), governos têm duas preocupações associados com normas privadas: seu conteúdo em termos de falta de justificativa científica e a capacidade interna de países em desenvolvimento de obedece-las. Na Argentina, enquanto alguns produtores e empresas enfatizam os benefícios dos padrões privados em termos de acesso à mercados, melhoraram a produção ou gestão da empresa, nova e melhor consciência ambiental, diferenciação de produtos e melhores preços e rastreabilidade;

87

outros destacaram crescentes custos e exigências, falta de harmonização de diferentes padrões, falta de recursos para possibilitar a aplicabilidade dos padrões e, as vezes, a falta de diferenciação de produtos (Alonso and Idigoras, 2011). Na forma de questionário para seus Membros, a OMC descobriu que os produtos mais afetados são os frescos – frutas, vegetais e carnes – enquanto os mercados mais afetados são a Austrália, Canadá, EU, Japão e os Estados Unidos (WTO, G/SPS/GEN/932). Visto da perspectiva de exportação da Argentina, o desenvolvimento de padrões privados europeus afeta produtos como frutas, soja, óleos e carnes, enquanto os padrões americanos afetam produtos como o suco concentrado de maçã.95

Na reunião do Comitê de março de 2014, os Membros não conseguiram aprovar um

conceito de padrões privados ao comércio ligados à segurança dos alimentos e à vida e saúde

animal e vegetal. Com base em uma proposta do Canadá, foi acordado que as discussões serão

pautadas pela busca de conceitos de padrões privados em outros fóruns internacionais, como

forma de buscar criar um conceito válido no contexto do Acordo SPS.

A falta de consenso dos Membros sobre o conceito de padrões privados ligados ao

Acordo SPS reflete o quanto o tema é sensível. De um lado, os países de menor

desenvolvimento relativo pressionam para a intensificação das discussões sobre esses padrões.

De outro, os países desenvolvidos argumentam que o fato de os padrões serem voluntários e

criados por atores não governamentais tira o tema do âmbito da OMC.

Esse ponto é extremamente relevante para o contexto da tese, na medida em que, a

despeito de não haver um conceito de padrões privados no âmbito da OMC, há uma intensa

discussão no seio do Acordo SPS que expõe a fragilidade da Organização em tratar do tema.

95 JANSEN, Marion; JALLAB, Mustapha Sadni; SMEETS, Maarten (Ed.). Connecting to global markets,

Challenges and opportunities: case studies presented by WTO chair-holders. Geneva: World Trade Organization, 2014. p. 92. Tradução nossa: “Many private SPS standards affect trade, notably in developed-country markets. Basically, there are companies’ private voluntary standards (PVS), national collective PVS and international collective PVS. Examples of the first are Tesco’s “Nature’s Choice” and Carrefour’s “Filière Qualité”. Examples of national collective systems are the British Retail Consortium Global Standard, the Label Rouge and the Food and Drink Federation. Examples of international collective systems are EuropGAP, ISO 22000 and ISO 22005 (WTO, 2007). The WTO has highlighted the diversity of systems, the tendency to harmonize them within a sector (along the production chain) and the way the distinction between voluntary private and public norms tends to disappear whenever the former becomes widely accepted and required for market access (WTO, 2007). According to the WTO (2007), governments have two concerns associated with private norms: their content in terms of the lack of scientific justification and the internal capacity of developing countries to comply with them. In Argentina, while some producers and firms emphasize the benefits of private standards in terms of market access, improved production or company management, new and greater environmental consciousness, product differentiation, and better prices and traceability, others highlight increasing costs and requirements, a lack of harmonization of different standards, a lack of resources to carry standards forward and, sometimes, a lack of product differentiation (Alonso and Idigoras, 2011). By means of a questionnaire put to its members, the WTO has found that the most affected products are fresh ones – fruit, vegetables and meat – while the main affected markets are Australia, Canada, the European Union (EU), Japan and the United States (WTO, G/SPS/GEN/932). As seen from the standpoint of Argentina’s export basket, the development of the EU’s private standards affects products such as fruit, soy, oils and meat, while US standards affect products such as concentrated apple juice.”

88

O tema continua na pauta das reuniões do Comitê. Em paralelo, é válido citar que

nenhum caso ligado ao Acordo SPS e padrões privados foi levado ao OSC até hoje.

Isso, no entanto, parece ser questão de tempo, pois na medida em que importadores

adotam padrões rígidos, que não seguem padrões internacionais – no caso do SPS, os padrões

são estabelecidos pelo Codex Alimentarius, pela Convenção Internacional de Proteção

Vegetal e pela Organização Mundial de Saúde Animal – a chance de que surjam barreiras ao

comércio tende a aumentar. Ademais, o fato de os padrões serem impostos por atores privados

e a possível vinculação dos Membros é um assunto que ganha peso.

89

2 O UNIVERSO DOS PADRÕES PRIVADOS AO COMÉRCIO

Uma vez conhecidas as regras da OMC ligadas a questões ambientais, sanitárias e

fitossanitárias, bem como situada a discussão sobre padrões privados que ocorre no âmbito do

CTE e dos Comitês dos Acordos TBT e SPS, é essencial ilustrar o universo de padrões

privados que diretamente ou indiretamente podem afetar o comércio de produtos e serviços.

Quais são os tipos de padrões, quem os cria, quais organizações estão envolvidas,

como são aplicados, quem os fomenta, inclusive sob a perspectiva financeira, e, na prática,

como os padrões são aceitos e acolhidos no dia a dia do comércio internacional. Essas

questões se tornam relevantes quando se observa uma proliferação de iniciativas.

Tendo em conta o objetivo central desta pesquisa, o mapeamento dos padrões e

organizações envolvidas na padronização ambiental, sanitária e fitossanitária é de extrema

relevância para avaliar se os padrões privados são, de alguma forma, regulados ou não pelas

regras da OMC.

Vale destacar que a aplicação de medidas e padrões que possam interferir no

comércio com o propósito de assegurar bens considerados fundamentais, como vida e saúde,

meio ambiente, exige o cumprimento dos princípios da transparência, da razoabilidade, da

equidade e da harmonização, como destacado no Capítulo 1. Como salienta Makane Moïse

Mbengue,

Portanto, do ponto de vista de alguns Membros da OMC, padrões privados podem ter um papel de maior importância no sistema de comércio multilateral, caso continuem bem fundamentados nas normas e princípios de transparência da OMC. É verdade que o Acordo TBT abre espaço para isso. Se órgãos de padronização privados tiverem status de ONGs, Membros da OMC parecem definitivamente ter de obedecer a obrigação de “tomar medidas razoáveis que estejam disponíveis, e assegurem que governos locais e órgãos não governamentais de padronização de seus territórios [...] aceitem e se conformem com este Código de Boa Conduta.96

A participação de atores governamentais e não governamentais na criação dos

padrões é um fator relevante que deve ser considerado, especialmente levando-se em conta

96 MBENGUE, Makane Moïse. Private standards and WTO Law. Bridges Trade BioRes, v. 5, n. 1, apr. 2011.

Disponível em: <http://ictsd.org/i/news/bioresreview/103540/#_ftnref>. Acesso em: 14 ago. 2012. p. 2. Tradução nossa: “Therefore, from the point of view of some WTO members, private standards may play a greater role in the multilateral trading system if they abide by well-embedded WTO law principles like the principle of transparency. It is true that the TBT Agreement opens the door for such compliance. If private standardisation bodies are to be given the status of ‘non-governmental bodies’, WTO members states seem definitely to be under an obligation to “take such reasonable measures as may be available to them to ensure that local government and non-governmental standardising bodies within their territories (…) accept and comply with this Code of Good Practice.”

90

que se discute, nos Acordos SPS e TBT, de que forma atores não governamentais devem ou

não seguir as regras comerciais.

Dessa forma, a primeira parte deste segundo capítulo tratará do enfoque conceitual

sobre os padrões privados. A segunda parte será dedicada a ilustrar os diferentes modelos e

natureza dos padrões, bem como exemplos de padrões com fins ambientais, sanitários e

fitossanitários. A governança compreendida na criação dos padrões envolve diversos atores

privados e da sociedade civil, e merece atenção diante dos objetivos da presente pesquisa.

Por sua vez, a terceira parte tratará de organizações que, embora não criem

diretamente padrões, incentivam, promovem e fomentam a padronização com vistas a atingir

objetivos ambientais e de segurança dos alimentos.

2.1 O conceito de padrões privados ao comércio

Padronização é o processo de desenvolver, criar e acordar princípios, critérios,

diretrizes, orientações, indicadores, métodos que visam orientar, aprimorar, mudar o

comportamento dos produtores, da indústria e de outros agentes econômicos no tocante a

questões técnicas, ambientais, sociais, de segurança dos alimentos, saúde, qualidade, higiene,

bem-estar animal, dentre outros aspectos relacionados a produtos e serviços.

Um padrão pode ser compreendido como um documento criado por consenso e

aprovado por um órgão reconhecido, ou um conjunto de entidades que visam atingir determinados

objetivos, contendo usualmente princípios, critérios e indicadores. Normalmente, padrões são

fundamentados em conhecimento científico, dados concretos, tecnologias e experiências que

permitam aprimorar, alterar consolidar práticas e processos produtivos.97

Um padrão internacional é criado por uma organização internacional de

padronização, ou uma organização reconhecida em uma determinada área – saúde, meio

ambiente, alimentação, que são disponibilizados para uso de diversos atores, públicos e/ou

privados.

Como destacado no Capítulo 1, o Anexo 1 do Acordo TBT traz os conceitos de

regulamentações técnicas e padrões (ou normas), salientando que os padrões são aprovados

97 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. IEC Information Centre . Disponível

em: <http://www.standardsinfo.net/info/standards_regulations.html>. Acesso em: 12 jun. 2016. “ Standard: document, established by consensus and approved by a recognized body, that provides, for common and repeated use, rules, guidelines or characteristics for activities or their results, aimed at the achievement of the optimum degree of order in a given context. NOTE: Standards should be based on the consolidated results of science, technology and experience, and aimed at the promotion of optimum community benefits.”.

91

por um órgão reconhecido (recognized body), não são obrigatórios (são necessariamente

voluntários) e tratam de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou

rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção. Para o Acordo TBT, os

padrões internacionais são aprovados por consenso, muito embora o Acordo também trate de

padrões não aprovados por consenso.

Para a OMC, os padrões podem ser criados por organizações reconhecidas por sua

experiência e atuação no campo técnico, como é o caso da ISO, da International

Electrotechnical Commission (IEC) e da International Telecommunication Union (ITU) no

contexto do Acordo TBT, e do Codex, da OIE e da CIPV no âmbito do Acordo SPS.

Adicionalmente, os padrões podem ser criados por outras organizações de

padronização, o que exige ressaltar uma possível falha do Acordo TBT. Em seu Anexo 1.8, o

TBT conceitua organizações ou instituições não governamentais como entidades que não

sejam do governo central nem uma organização pública local, incluindo organizações não

governamentais legalmente habilitadas para fazer cumprir uma regulamentação técnica.98

No entanto, o TBT não conceitua o que são órgãos de padronização não

governamentais, embora estabeleça que os Membros devem adotar medidas para prevenir que

tais órgãos não ajam de forma inconsistente com o Código de Boa Conduta (Artigo 4).

Nesse sentido, pode-se argumentar que os órgãos, iniciativas e entidades que criam

padrões com objetivos ambientais e/ou sanitários e fitossanitários são órgãos de padronização

não governamentais, ou que contemplam a participação de atores governamentais deveriam

seguir as regras do Acordo TBT.

Já no contexto do Acordo SPS, os padrões, guias e recomendações que não sejam

criados pelo Codex, OIE e CIPV são estabelecidos por outras organizações internacionais

relevantes. O Acordo SPS não traz detalhes sobre o conceito dessas organizações, exigindo

apenas que sejam abertas à participação dos Membros.99

Toda organização de padronização nacional reconhecida pelo governo, incluindo

órgãos não governamentais que são membros da ISO, seguem o Código de Boa Conduta do

Acordo TBT e os princípios da transparência, abertura, coerência, imparcialidade e consenso,

efetividade e relevância, endereçando ainda preocupações dos países em desenvolvimento.

Em tese, organizações que aderem ao Código de Boa Conduta e visam seguir os princípios

aprovados na 2a Revisão Trienal do Acordo TBT, e confirmados na 5a Revisão Trienal,

cumprem com as disposições do Acordo TBT. 98 Anexo 1.8 do Acordo TBT. 99 Anexo A.3 (d) do Acordo SPS.

92

O questionamento quando a efetivamente cumprir as regras do TBT se deve pela

necessidade de ponderar o grau de exigências que um padrão traz diante dos objetivos que

visa acolher, o que tem relação explícita com os objetivos legítimos do Artigo 2.2 do TBT e a

necessidade da medida adotada.

Nesse sentido, parece prematuro afirmar que uma organização de padronização

automaticamente segue o TBT por aderir ao Código de Boa Conduta e ser membro da ISO.

Torna-se essencial ponderar se os padrões que criam seguem efetivamente os princípios da

coerência, efetividade e relevância, que possuem relação direta com a necessidade e as

justificativas que fundamentam o padrão. No entanto, é válido frisar que as organizações de

padronização que aderem ao Código de Boa Conduta presumivelmente cumprem as regras do

Acordo TBT.

Em síntese, pode-se dizer que, diante do Acordo TBT, organizações de padronização

devem seguir o Código de Boa Conduta e os princípios para a elaboração, aplicação e adoção

de padrões. Adicionalmente, precisam ser abertas à participação de Membros da OMC. Nesse

sentido, esses critérios qualificam organizações internacionais de padronização, formalmente

reconhecidas pela OMC, que criam padrões internacionais.

Qualquer organização pode reivindicar ter desenvolvido um “padrão”, e até, pode subsequentemente, estabelecer um esquema de certificação/marketing/rotulagem, que demonstre a conformidade com este padrão. Entretanto, nem todos os padrões são criados de forma igual. As disciplinas da OMC, para o uso de padrões, como base de medidas regulatórias, demandam que “padrões internacionais” sejam desenvolvidos por organizações designadas, no caso do Acordo SPS, ou de acordo com os princípios internacionais de desenvolvimento, no caso do Acordo TBT. Padrões formais internacionais, como os do ISO e IEC, seguem tais princípios e são convencionalmente não considerados como “padrões privados”. Assim, é imperativo que uma distinção entre padrões internacionais que usem princípios para padrões internacionais dispostos nos acordos da OMC e disciplinas estabelecidas por meio a aceitação dos Códigos de Boas Práticas, dentre outros padrões que podem ser descritos como privados, não tendo aderidos aos princípios e disciplinas da OMC.100

100 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. International Standards And

“Private Standards” . Geneva, 2010. p. 8. Tradução nossa: “Any organization may claim to have developed a “standard” and, even further, may subsequently establish a certification/marking/labeling schemethat demonstrates conformance to such a “standard”. However, not all standards are created equal. WTO disciplines for use of standards as the basisfor regulatory measures demand that “international standards” be developed by designated organizations in the case of the SPS Agreement or according principles for international standards development in the case of the TBT Agreement. Formal international standards, such as those from ISO and IEC, follow such principles and are conventionally not considered “private standards”. It is therefore urged that a distinction be made between international standards which use principles for international standards set out in the WTO agreements and disciplines established through acceptance of the Code of Good Practice, from other standards that may be described as private standards, not having adhered to these WTO principles and disciplines.”

93

Em linha com o entendimento expresso na citação acima, extraída do documento

International Standards And “Private Standards” da ISO, os padrões internacionais seguem

os princípios da OMC e especificamente o Código de Boa Conduta.

Embora a ISO seja uma organização reconhecida pelo TBT como organização de

padronização internacional, é válido ponderar que diferentemente das organizações

reconhecidas pelo SPS (OIE, Codex e CIPV), a ISO é uma organização privada. Nesse

sentido, seus padrões ou normas são criados mediante propostas e negociações que se

estabelecem perante atores de diversos países, normalmente Membros da OMC, mas que, na

prática, são órgãos de padronização nacionais, como é o caso da ABNT no Brasil.

Não se pretende fazer uma análise profunda sobre os padrões ISO e seu status

perante as regras da OMC, mas, sim, apontar que existe uma diferença explícita de como os

Acordos TBT e SPS tratam das organizações de padronização e, principalmente, da

justificativa para as medidas que visam atingir determinados objetivos legítimos.

Como ressaltado no Capítulo 1, o Acordo SPS exige avaliação de risco e um mínimo

de evidências científicas para fundamentar uma medida. Por sua vez, o Acordo TBT fala dos

objetivos legítimos mas menciona de maneira bastante superficial a questão da avaliação de

riscos e justificativa das medidas diante dos objetivos pretendidos, enfatizando a

harmonização entre regulamentações e padrões. Essa diferença é extremamente relevante

quando se analisa a proliferação de padrões, especialmente com fins ambientais.

Vale ressaltar que órgãos reconhecidos pelo Acordo TBT, além das organizações

como a ISO, IEC e ITU, podem ser compreendidos como outras organizações que criam

padrões internacionais, regionais, locais, que não necessariamente aderiram ao Código de Boa

Conduta e aos princípios para criação de padrões do Acordo TBT, como é o caso da grande

maioria dos padrões privados.

As imprecisões dos conceitos do Acordo TBT sobre padrões, órgãos de

padronização, órgãos não governamentais, órgãos não governamentais de padronização,

padrões internacionais, órgãos reconhecidos, denotam a necessidade de se aprimorar os

conceitos e/ou se adotar decisões que permitam esclarecer a relação de outros órgãos que

criam padrões e que visivelmente causam interferência no comércio internacional.

Durante as negociações que levaram ao Standards Code, no âmbito do grupo “non-

tariff measures”, subgrupo “Technical Barriers to Trade”, havia propostas de conceitos mais

precisos no tocante a padrões e órgãos não governamentais, incluindo até mesmo a expressão

certificação:

94

a) órgão regulatório: órgão governamental ou não governamental que possui força legal

para aplicar uma regulamentação técnica. Este órgão pode ou não ser o mesmo órgão

que preparou ou adotou a regulamentação técnica;

b) órgão de padronização: órgão governamental ou não governamental, que tem suas

atividades reconhecidas no campo da criação de padrões;

c) padrão internacional: um padrão adotado por um órgão internacional de padronização;

d) órgão ou sistema internacional: órgão ou sistema aberto a participação de órgãos

relevantes de ao menos todos os Membros aderentes ao presente Código;

e) a preparação, adoção e uso de regulamentações técnicas e padrões por órgãos não

governamentais deveria cumprir com as regras do Código;

f) a conformidade com regulamentações ou padrões, mediante testes, métodos ou

procedimentos administrativos deve seguir o princípio do tratamento nacional,

equivalência entre processos de certificação e transparência;

g) sistemas de certificação operados por órgãos não governamentais deveriam seguir as

regras do Código especificamente quanto a não adoção de obstáculos desnecessários

ao comércio internacional, respeito ao princípio do tratamento nacional e

transparência.101

Os conceitos do Acordo TBT parecem mais limitados quando comparados com as

expressões e definições debatidas à época da negociação do Standards Code. No entanto, é

válido ponderar que os conceitos presentes no ISO/IEC Guide 2: 1991, General Terms and

Their Definitions Concerning Standardization and Related Activities se aplicam ao Acordo

TBT.

Levando-se em conta que os conceitos do TBT não são precisos quanto ao significado

de certas expressões, como órgãos não governamentais de padronização, por exemplo, parece

válido citar todos os conceitos da ISO que podem orientar uma compreensão mais clara no

tocante a criação de padrões por órgãos além das organizações internacionais expressamente

reconhecidas no contexto dos Acordos TBT e SPS.

Normalização (padronização)

Atividade que estabelece, em relação a problemas existentes ou potenciais, prescrições destinadas à utilização comum e repetitiva, com vistas à obtenção do grau ótimo de ordem, em um dado contexto. Nota 1: Em particular, a atividade consiste nos processos de elaboração, difusão e implementação de normas. Nota 2: A normalização proporciona importantes benefícios, melhorando a

101 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Multilateral Trade Negotiations. Group “Non-

tariff Measures”, Sub-group “Technical Barriers to Trade”. Technical Barriers to Trade, Revision. MTN/NTM/W/192/Rev.1, 5 December 1978.

95

adequação dos produtos, processos e serviços às finalidades para as quais foram concebidos, contribuindo para evitar barreiras comerciais e facilitando a cooperação tecnológica.

Objeto da normalização

Tema a ser normalizado Nota 1: A expressão “produto, processo ou serviço” foi adotada neste Guia para abranger o objeto de normalização em sentido amplo, e convém que seja interpretada igualmente para cobrir, por exemplo, qualquer material, componente, equipamento, sistema, interface, protocolo, procedimento, função, método ou atividade. Nota 2: A normalização pode ser limitada a aspectos particulares de qualquer assunto. Por exemplo, no caso de calçados, os critérios de tamanho e durabilidade podem ser normalizados separadamente.

Normalização internacional

Normalização na qual a participação é aberta aos organismos pertinentes de todos os países.

Normalização regional

Normalização na qual a participação é aberta aos organismos pertinentes de todos os países de uma única região geográfica, econômica e política do mundo.

Normalização nacional

Normalização realizada no âmbito de um país específico. Nota: Dentro de um país ou fração territorial de um país, a normalização pode também ocorrer em partes de uma organização ou setores (por exemplo, um ministério), nível local, e associações, indústrias, fábricas, oficinas e escritórios.

Normalização territorial

Normalização realizada no âmbito de fração territorial de um país.

Consenso

Parte importante dos interesses envolvidos, através de um processo que busca levar em conta as posições de todas as partes interessadas e a conciliação das opiniões conflitantes. Nota: Consenso não implica, necessariamente, unanimidade.

Objetivos da normalização

Nota: Os objetivos gerais da normalização decorrem da definição de 1.1. A normalização pode ter um ou mais objetivos específicos. Notadamente em relação à adequação ao propósito de um produto, processo ou serviço. Tais objetivos podem ser, mas não estão restritos a: controle de variedade, facilidades de uso, compatibilidade, intercambialidade, saúde, segurança, proteção do meio ambiente, proteção do produto, entendimento mútuo, desempenho econômico, comércio. Estes objetivos podem estar sobrepostos.

Segurança

Ausência de risco inaceitável de dano. Nota: Em normalização, a segurança de produtos, processos e serviços geralmente adota um enfoque, visando à obtenção do equilíbrio ótimo de um certo número de fatores, incluindo fatores não técnicos, tal como o comportamento humano, de modo a resultar em limitação dos riscos evitáveis de danos pessoais ou materiais a um nível aceitável.

Proteção do meio ambiente

Preservação do meio ambiente contra danos inaceitáveis decorrentes dos efeitos e da aplicação de produtos, processos e serviços.

Norma (padrão)

Documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece, para uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou características para atividades ou seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. Nota: Convém que as normas sejam baseadas em resultados consolidados da ciência, tecnologia e da experiência acumulada, visando à otimização de benefícios para a comunidade.

Norma ou padrão Norma que é adotada por uma organização internacional com atividades de

96

internacional

normalização, ou por uma organização internacional de normalização, e colocada à disposição do público.

Norma ou padrão nacional

Norma que é adotada por um organismo nacional de normalização e colocada à disposição do público.

Outras normas ou padrões

Nota: Normas também podem ser adotadas em outras bases, isto é, normas setoriais ou de empresas. Tais normas podem ter um impacto geográfico cobrindo vários países.

Código de prática

Documento que recomenda práticas ou procedimentos para projeto, produção, instalação, manutenção ou utilização de equipamentos, estruturas ou produtos. Nota: Um código de prática pode ser uma norma, parte de uma norma ou independente de uma norma.

Regulamento

Documento que contém regras de caráter obrigatório e que é adotado por uma autoridade.

Regulamento técnico

Regulamento que estabelece requisitos técnicos, seja diretamente, seja pela referência ou incorporação do conteúdo de uma norma, de uma especificação técnica ou de um código de prática. Nota: Um regulamento técnico pode ser complementado por diretrizes técnicas, estabelecendo alguns meios para obtenção da conformidade com os requisitos do regulamento. Isto é, alguma prescrição julgada satisfatória para obter conformidade.

Organismo

Responsável por normas e regulamentos; entidade de direito público ou privado, com funções e composição específicas. Nota: Exemplos de organismos: organização, autoridade, empresa, fundação.

Organização

Organismo baseado na participação ou adesão de outros organismos ou de particulares e que tem uma constituição estabelecida e administração própria.

Organismo com atividades de normalização

Organismo que exerce atividades reconhecidas no âmbito da normalização.

Organização internacional com atividades de normalização

Organização com atividades de normalização que está aberta ao organismo nacional pertinente de todos os países.

Organismo de normalização

Organismo com atividades de normalização, reconhecido em nível nacional, regional ou internacional, que, em virtude de seus estatutos, tem como uma de suas funções principais a preparação, aprovação ou adoção de normas, que são colocadas à disposição do público. Nota: Um organismo de normalização pode também ter outras funções principais.

Organismo nacional de normalização

Organismo de normalização reconhecido em nível nacional, que é indicado para ser o membro nacional da correspondente organização internacional e regional de normalização.

Organismo internacional de normalização

Organização de normalização em que a associação está aberta ao organismo nacional de todos os países.

Normas harmonizadas

Normas equivalentes. Normas sobre um mesmo assunto, aprovadas por diferentes organismos com atividades de normalização, que estabelecem intercambialidade de produtos, processo ou serviços, ou entendimento mútuo dos resultados de ensaios ou das informações fornecidas de acordo com estas normas. Nota: As normas harmonizadas dentro desta definição podem ter diferenças na apresentação e mesmo no conteúdo, por exemplo, em notas explicativas, em

97

diretrizes sobre o modo de satisfazer requisitos da norma, em preferências por alternativas ou variedades.

Normas harmonizadas internacionalmente

Normas em que a harmonização se dá com uma norma internacional.

Normas comparáveis

Normas sobre os mesmos produtos, processos ou serviços, aprovadas por diferentes organismos com atividade de normalização, nas quais requisitos diferentes são baseados nas mesmas características e avaliados pelos mesmos métodos, permitindo, sem ambiguidade, a comparação de diferenças nos requisitos. Nota: Normas comparáveis não são normas harmonizadas (ou equivalentes).

Adoção de uma norma internacional (em um documento normativo nacional)

Publicação de um documento normativo nacional baseado em uma norma internacional correspondente, ou o reconhecimento da norma internacional como tendo a mesma condição de um documento normativo nacional, com a identificação de desvios identificados em relação à norma internacional. Nota: Algumas vezes o termo "adoção" é empregado com o mesmo sentido de ''internalização'', por exemplo: "adoção de uma norma internacional como uma norma nacional".

Norma ou padrão mandatório

Norma cuja aplicação é obrigatória em virtude de uma lei geral, ou de uma referência exclusiva em um regulamento.

Quadro 4 – Conceitos da ISO sobre padrões e padronização Fonte: ABNT, ISO/IEC Guia 2. Normalização e atividades relacionadas – vocabulário geral. Nota: o autor utiliza “padrão” (standard) como equivalente a “norma” e “padronização” como equivalente a “normalização”.

O conceito de organismo (body), por exemplo, aponta para entidades responsáveis por

padrões ou regulamentos, compreendendo entidades legais ou administrativas que tenham objetivos

e composição específicas como, por exemplo, organizações, autoridades, empresas e fundações.

Como o TBT menciona que órgãos (ou organismos) reconhecidos criam padrões, e o

conceito de organismo da ISO prevê que organismos não estão limitados a entidades legais ou

administrativas, abrangendo entidades responsáveis por normas ou regulamentos, parece

válido ponderar que padrões privados criados por diversos stakeholders, por vezes com

participação efetiva dos Membros, se enquadram no contexto de órgãos/organismos da

ISO/TBT.

A grande questão que se impõe, caso a caso, é definir de que forma uma entidade,

grupo, organismo se torna responsável, ou tem mandato para criar normas ou padrões.

Partindo-se da premissa de que tratam de normas ou padrões, o que independe de mandato

público, determinado por órgãos do governo, a criação de um padrão emerge da vontade do

grupo que visa estabelecê-lo para atingir determinados objetivos.

Dessa forma, apesar de o conceito de organismo parecer aberto, ou sujeito a

interpretações, é perfeitamente razoável sugerir que um grupo de atores que tenha objetivos

98

comuns, governança e transparência pode criar padrões. Se eles serão razoáveis ou seguirão

os preceitos da OMC dependerá de uma análise caso a caso.

A expressão norma ou padrão mandatório (mandatory standard), por exemplo, trata

de um padrão expressamente previsto por uma regulamentação ou referenciado em uma

regulamentação. Quando a União Europeia reconhece a equivalência de suas exigências

relacionadas à sustentabilidade dos biocombustíveis vis a vis às iniciativas que denomina

voluntary schemes poder-se-ia enquadrar os padrões na categoria de mandatory standard?

Ademais, tendo em conta que alguns países promovem, financiam e participam de

iniciativas que criam e/ou incentivam a adoção de padrões parece razoável inquirir se os

mesmos não se tornam mandatórios ou quase-mandatórios, independentemente de não serem

expressos por meio de uma regulamentação. Nesse contexto, vale lembrar que a governança

privada de certos temas tem muito mais peso e eficácia do que regras criadas pelos países.

O conceito de consenso também é relevante, na medida em que para a ISO o

consenso na adoção de uma norma/padrão não requer unanimidade. Levar em conta as

posições de todas as partes interessadas e a conciliação das opiniões conflitantes no processo

de criação de um padrão não significa, necessariamente, que há equilíbrio na participação de

todas as partes interessadas que participam, ou deveriam participar, especialmente as partes

que serão diretamente afetadas pelo padrão.

Ainda, que a conciliação de visões opostas diante de um certo critério levou a um

resultado minimamente satisfatório para todas as partes em questão. Isso depende da

governança, transparência, forma de aprovação e outros procedimentos que devem existir ao

adotar, criar e aplicar um padrão. Vale anotar, ainda, que o próprio TBT prevê expressamente

que suas regras se aplicam a padrões não adotados por consenso.

Vencida essa análise conceitual, é importante frisar que os padrões podem ser

divididos em padrões para produtos, padrões para processos e padrões de gestão. Os padrões

para produtos, que merecem atenção explícita na presente pesquisa, consideram diferentes

questões de sustentabilidade atinentes aos produtos e serviços e de que forma o escopo e a

aplicação do padrão podem afetá-los.

Por sua vez, os padrões de processos especificam métricas e definições que podem

direta ou indiretamente afetar os processos produtivos (condições de trabalho, consequências

ambientais, aprimoramentos tecnológicos, dentre outros fatores). Já os padrões de gestão

99

estabelecem requisitos para os processos produtivos que podem alterar os impactos no tocante

à sustentabilidade, permitindo identificar gargalos e promover melhorias.102

O caráter privado dos padrões é extremamente relevante para a tese. Neste sentido,

padrões privados ao comércio são orientações, princípios, critérios, indicadores,

especificações ou guias que buscam orientar, alterar, substituir ou aperfeiçoar produtos,

processos produtivos e práticas atreladas a produtos e serviços.

São criados por atores de forma independente, por vários atores, reunidos em grupos

informais ou organizações, envolvendo, mas não limitado a produtores, indústria, bancos,

ONGs, academia, consumidores e mesmo atores públicos, como governos e seus órgãos.

É essencial pontuar que, ao longo da tese, a expressão padrões privados ao comércio

terá a mesma conotação que esquemas voluntários (voluntary schemes) ou voluntary

sustainability standards (VSS) e ainda certificações. O caráter voluntário dos padrões privados,

especialmente com fins ambientais, é marcante e, por vezes, as expressões se confundem.

Já o conceito de certificação tem relação com um processo pelo qual um órgão

externo avalia o cumprimento de um determinado padrão. A avaliação normalmente toma

como base indicadores que permitem atestar ou monitorar o cumprimento de certos critérios e

levam, por fim, à emissão de um documento, certificado, selo ou marca que atesta que certo

produto ou processo produtivo cumpre os requisitos esperados.

Em certos momentos, o conceito de padrões privados poderá ser comparado ao de

certificações. Isso se deve ao fato de que os padrões podem fundamentar iniciativas de

certificação.

2.2 Diversidade de padrões privados e seus modelos

A proliferação de padrões privados que são utilizados no dia a dia do comércio

internacional como instrumentos para assegurar o cumprimento de um conjunto de requisitos

ambientais, sociais, sanitários e técnicos é uma realidade cada vez mais presente. Somente

com fins ambientais, existem centenas de padrões que tratam de temas como desmatamento,

água, biodiversidade, poluição, emissão de GEEs, dentre outros fatores.

Apesar de a tese ter foco nos padrões ambientais, sanitários e fitossanitários, é válido

mencionar que o universo dos padrões privados alcançam diversas áreas como: produção de

tecidos e vestuário (com foco em questões sociais e trabalhistas), padrões para construção 102 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO Guide 82. Guidelines for

addressing sustainability in standards. 2014. p. 11.

100

civil sustentável (green building), eficiência energética, aparelhos médicos, relatórios sobre

desenvolvimento sustentável, mineração, dentre outras áreas.

A produção e comercialização de soja, carnes, peixes, açúcar, café, arroz, chá,

produtos lácteos, cacau, cítricos, frutas, verduras, papel, celulose, madeira, etanol, biodiesel e

outros biocombustíveis renováveis são exemplos de produtos sujeitos a padrões que visam

assegurar a qualidade, a segurança dos alimentos e o cumprimento de requisitos sociais e

ambientais. Esses padrões, em certos casos, formam na prática certificações ou selos e

etiquetas na linguagem do Acordo TBT.

Pode-se dizer que uma certificação tem como conteúdo padrões compostos por

princípios, critérios e indicadores, e um processo de avaliação de conformidade.

Produzir etanol de acordo com critérios ambientais, que envolvam desmatamento

zero, critérios rígidos para o balanço de emissões de GEEs, uso de insumos, pegada hídrica,

proteção da biodiversidade e cumprimento das Convenções da Organização Internacional do

Trabalho (OIT) e das leis trabalhistas brasileiras é um requisito fundamental para poder

comercializar etanol brasileiro com países europeus.

Produzir soja de acordo com critérios que proíbam ou evitem o desmatamento,

mesmo permitido por lei, considerando a não produção em áreas relevantes para a

biodiversidade, que cumpram todos os requisitos legais do país produtor torna-se uma

exigência comum quando os compradores são europeus. Já quando os compradores são

chineses, essas exigências não são necessariamente as mesmas. Essa diferenciação pode advir

de requisitos impostos pelos países e/ou por outros atores (importadores diretamente, ONGs,

varejo, bancos, dentre outros atores).

É importante notar que o nível de exigências que um país faz para assegurar a

proteção da saúde (conhecido no Acordo SPS como nível apropriado de proteção sanitária) é

um tema que recai normalmente no escopo do Acordo SPS. O mesmo racional vale para

medidas que buscam proteger o meio ambiente, que podem recair no escopo do Acordo TBT,

especialmente de seu Artigo 2.2.

Como os atores privados envolvidos no comércio internacional devem seguir as

regras comerciais dos países (teoricamente alinhadas às disposições da OMC), mas criam

outras exigências que buscam assegurar a proteção da saúde com justificativas na vontade dos

consumidores, por exemplo, as regras da OMC se aplicam ou se trata de uma relação

meramente privada?

101

O etanol brasileiro exportado para a União Europeia que cumpre um padrão privado

equivalente aos requisitos das Diretivas 2009/28/CE e 2009/30/CE é autorizado pela UE pois

assegura o cumprimento dos requisitos ambientais necessários diante das exigências do

mercado interno europeu. Já o etanol produzido de acordo com todas as regulamentações

brasileiras, mas que não tem um selo aceito pela UE, não pode entrar no mercado europeu.

Por sua vez, um importador europeu que exige soja livre de desmatamento, mesmo que

legal, vai além dos requisitos sanitários, fitossanitários e ambientais exigidos pela Comissão

Europeia. Aplica uma exigência que pode, na prática, criar uma barreira ao comércio.

Em contrapartida, o importador de soja chinês que requeira basicamente o

cumprimento de padrões fitossanitários e de qualidade, sem critérios específicos sobre

desmatamento, exigindo apenas o cumprimento das leis brasileiras, tem um outro nível de

exigências. Cabe ao exportador conseguir cumprir com essas exigências europeias e chinesas

para poder vender seu produto.

Os exemplos das exigências para biocombustíveis, padrões ligados a desmatamento e

questões sanitárias serão avaliados a seguir, e ilustram casos efetivos de como a adoção de

medidas privadas interferem no comércio internacional. Vale frisar que essa relação não

necessariamente causa barreiras ao comércio ou cria impactos negativos. O objeto da tese é

estritamente jurídico, e não pretende discutir a pertinência ou não dos requisitos, mas, sim,

sua vinculação ou não com as regras da OMC.

Antes de entrar na discussão sobre os modelos e exemplos de padrões é importante

diferenciar padrões que visam distinguir produtos similares tendo em vista uma região

produtiva e/ou características que diferenciem um produto em função da região de produção,

clima, sabor, textura, dentre outros aspectos.

Produtos com denominação de origem controlada ou com indicação geográfica

normalmente carregam selos que permitem diferenciá-los no mercado, podendo conter

informações de natureza ambiental e social, mas são necessariamente padrões que se destinam

a diferenciar um produto em função de atributos muito específicos do produto, seja a região

produtiva, o clima ou outros fatores que são determinantes para o produto. Os vinhos da

região do Vale dos Vinhedos, o café da Região do Cerrado Mineiro, a carne do Pampa

Gaúcho, o queijo do Serro são algumas das indicações geográficas concedidas no Brasil, que

naturalmente compreendem a diferenciação dos produtos com selos.103

103 No Brasil, a indicação geográfica possui duas categorias: a) indicação de procedência; b) denominação de

origem. Sua regulamentação se dá pela Lei da Propriedade Industrial n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Atualmente existem vários produtos já registrados no Brasil, especialmente café, queijos, vinhos, doces,

102

É importante ponderar que parte dos requisitos exigidos em um padrão representam

nada mais do que o cumprimento das leis nacionais sobre os critérios exigidos (leis

trabalhistas, por exemplo), enquanto outra parte visa garantir o cumprimento de critérios que

vão além da lei. Essa distinção é de extrema relevância quando se questiona a

responsabilidade dos países diante dos padrões privados.

Normalmente os padrões se baseiam em princípios gerais, comuns entre várias

iniciativas, e critérios que estabelecem requisitos relacionados a vários temas – ambientais,

técnicos, sociais, sanitários e fitossanitários.

Princípios

� Princípios gerais que fundamentam um padrão e servem como base para os critérios e indicadores;

� Princípios são normalmente presentes em vários padrões, podendo variar dependendo do escopo que o padrão visa atingir;

� Exemplos: cumprimento da lei, melhoria contínua dos processos produtivos, adoção de processos produtivos eficientes e que promovam práticas sustentáveis; respeito aos direitos humanos e trabalhistas, conservação dos ecossistemas, relacionamento com a comunidade, dentre outros.

Critérios

� Critérios são exigências relacionadas com os temas que o padrão visa assegurar e que deverão ser implementados pelos atores que desejam ser certificados ou provar cumprimento do padrão;

� Exemplos: redução de emissões de GEEs; uso racional e conservação da água; conservação da biodiversidade; manejo de dejetos; relação com a comunidade; boas práticas produtivas; questões trabalhistas e sociais;

� Um critério pode trazer requisitos mínimos, que devem ser obrigatoriamente cumpridos, bem como determinar melhorias que deverão ser alcançadas no decorrer do tempo;

� Os critérios podem conter requisitos mais rígidos ou ambiciosos do que leis e outras regulamentações.

Indicadores

� Indicadores que permitem mensurar o cumprimento dos critérios de acordo com metas, objetivos e períodos predeterminados;

� Exemplos: comprovação da idade dos trabalhadores; ausência de trabalho forçado; direito à negociação coletiva; produtividade; eficiência industrial; emissões de GEEs por tonelada; ações de manejo de impacto ambiental; práticas de conservação da biodiversidade; quantidade de pesticidas aplicados por ano e por hectare; uso de energia; práticas de manejo; práticas para o uso de biotecnologia; dentre inúmeros outros aspectos;

� A quantidade e o grau de detalhamento dos indicadores refletem a complexidade de um padrão e são extremamente relevantes para o processo de auditoria ou de avaliação de conformidade.

Quadro 5 – Escopo básico de um padrão: princípios, critérios e indicadores Fonte: Elaborado pelo autor.

Os princípios, critérios e indicadores são, na prática, negociados e acordados durante

o processo de criação de um padrão, envolvendo os atores que participam, que variam

dependendo de cada iniciativa. Nesse sentido, existem diferentes modalidades de padrões ou

iniciativas, como se pode observar a seguir:

cachaças e produtos de artesanato. Para uma lista completa, consultar <http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/indicacao-geografica/pedidos-de-indicacao-geografica-no-brasil>.

103

Modelo-Governança

Quem cria os princípios, critérios e indicadores

Características

Unilateral

Estabelecidos de forma unilateral, sem discussão e validação com os atores que deverão implementar e cumprir os critérios

� Possuem baixa credibilidade caso não sejam auditados de forma independente;

� Certificação de primeira parte ou autocertificação normalmente possui baixa credibilidade quando comparada a certificação de terceira parte ou independente;

� Exemplos: padrões adotados por redes varejistas (Garantia de Origem Carrefour; Tesco Nurture Scheme).

Bilateral ou regional

Órgãos/agências de dois governos criam padrões com o objetivo de harmonizar exigências

� Modelo muito particular, utilizado por alguns países, que acabam criando padrões comuns válidos entre si;

� Exemplo: Food Standards Australia New Zealand (FSANZ).

Setorial

Criados pelo próprio setor ou entidade que busca mostrar o cumprimento de práticas sustentáveis

� Modelo desenvolvido por uma associação empresarial que cria padrões para o setor e verifica se as empresas cumprem com os mesmos;

� Exemplo: Selo de Pureza da ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café).

Organizações internacionais

Organizações internacionais

� São padrões internacionais de referência sobre temas relevantes como saúde, questões técnicas, meio ambiente, etc.;

� Normalmente gozam de credibilidade e aceitação pelo fato das organizações serem reconhecidas e, por vezes, compostas por países;

� Podem ser reconhecidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC);

� Exemplos: Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), Comissão do Codex Alimentarius, Convenção Internacional de Proteção Vegetal (IPPC) e Organização Internacional de Padronização (ISO).

Multi Stakeholder

Grupos com vários atores (produtores, indústria, bancos, ONGs, academia, dentre outros) que negociam, debatem e acordam princípios, critérios e indicadores que irão compor o padrão

� Padrões que possuem modelos de governança acordados previamente ao processo de criação dos princípios, critérios e indicadores;

� Padrões criados normalmente por consenso; � Certificações levam em conta os princípios, critérios e

indicadores criados pelo grupo ou iniciativa; � Transparência e governança da iniciativa são fatores

essenciais para que o padrão tenha credibilidade e legitimidade;

� Normalmente esses padrões são auditados por terceiras partes independentes, o que confere credibilidade;

� Exemplos: Forest Stewardship Council (FSC); Marine Stewardship Council (MSC); Bonsucro; Round Table on Responsible Soy (RTRS), dentre outros.

Multi

Stakeholder & Governo

O processo de criação dos padrões envolve stakeholders de diferentes organizações e atores governamentais

� Iniciativas que podem criar padrões com credibilidade e transparência;

� Em tese, padrões dessa natureza podem gerar o cumprimento de requisitos previstos em regulamentações, o que pode criar equivalência entre o padrão e regras dos países;

� O padrão pode gerar demanda para que os países criem regras, consolidando a importância de um tema quando ainda não há regas específicas;

� Exemplo: SCP Roundtable (União Europeia).

Quadro 6 – Padrões de acordo com sua criação e governança Fonte: Elaborado pelo autor.

104

O desenho dos padrões exige atenção, especialmente por que os atores envolvidos na

criação dos princípios, critérios e indicadores podem ter múltiplos interesses, por vezes

conflitantes, o que exige um processo de governança e transparência ligado à criação do

conteúdo que dará forma ao padrão. Deve-se levar em conta que os modelos unilaterais e

setoriais são normalmente criados por grupos restritos, sem que se estabeleça uma ampla

discussão com vários atores, o que tende a limitar seu escopo e, até mesmo, sua legitimidade.

No entanto, os modelos multistakeholder e multistakeholder & governo são os casos

mais evidentes, ao menos quando se trata de temas ambientais e sociais com foco em produtos

agropecuários e energias renováveis. Antes de entrar no campo da discussão sobre os

diferentes modelos de governança, vale salientar os diversos casos de padrões/modelos de

certificação existentes globalmente.

Um estudo contratado pela Comissão Europeia em 2010, apontou para a existência

de 441 iniciativas de certificação existentes no âmbito dos 27 membros do bloco à época, que

trazem padrões para carnes, lácteos, ovos, peixes, frutas e vegetais, cereais, óleos, açúcar,

vinhos, outros produtos agrícolas e produtos processados.

As iniciativas abrangem requisitos relacionados à segurança e higiene,

rastreabilidade, saúde animal, produção orgânica, manejo integrado de pragas, manejo

ambiental, uso sustentável dos recursos, mudanças do clima, procedimentos socioeconômicos,

qualidades organolépticas, dentre outros aspectos.104

O quadro a seguir traz exemplos de padrões compilados pela International Trade

Centre compreendendo alimentos, serviços, turismo, mineração, entre outros setores. Os

padrões são divididos de acordo com as seguintes categorias: produção e extração,

processamento e manufatura, serviços, comércio e varejo.

104 EUROPEAN COMMISSION. Study inventory of certification schemes for agricultural products and

foodstuffs, done by the consultant Areté for the European Commission. 2010c. Disponível em: <http://ec.europa.eu/agriculture/quality/certification/inventory/global-view-sectors_en.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2016.

105

Nome Natureza/objetivo

Produção e extração

Processamento e manufatura

Serviços Comércio e varejo

4C Association x x ABNT Ecolabel x x x Accredited Fish Farm Scheme x ADM Responsible Soybean Standard x AFRISCO x x Agricultura Certificada x Alliance for Responsible Mining - ARM x x Alliance for Water Stewardship x x x x Amaggi Responsible Soy Standard x Aquaculture Stewardship Council – ASC Pangasius x x x Aquaculture Stewardship Council – ASC Salmon x Aquaculture Stewardship Council – ASC Shrimps BEMEFA x Better Cotton Initiative – BCI x x x Bio Suisse x x x Biosphere Responsible Tourism x Blusign System x x Bonsucro x x BOPP Standard – Grower Standards x BOPP Standard – Packhouse Standard x Botswana Ecotourism Certification System Accomodation Standards

x

Botswana Ecotourism Certification System Ecotour Standards

x

BRC Global Standards – Food x x Bunge Pro-S Assuring Sustainable Sourcing x Business Social Compliance Initiative Code of Conduct – BSCI

x x

CandaGAP x Carbon Trust Footprinting Company - Carbon Label

x x x

Cargill Triple S Soya Products x x Cefetra Certified Responsible Soya Standard x Certified Wildlife Frendly x China Environmental Labeling x China GAP x China Social Compliance for Textile & Apparel Industry CSC9000T

x

Chinese National Organic Products Certification Program

x x x

Clean Clothes Campaign - Code of Labour Practices x x x Climate, Community & Biodiversity Standards - CCB Standards

x x

Code of Practice for Sustainable Flower Production - EHPEA

x

Codex Alimentarius - Food Hygiene HACCP Codigo Nacional de Sustentibilidad de la Industria Vitivinicola

Cotton made in Africa x x Disha Common Code of Conduct - CCC x East African organic products standard (EAOPS) x x Echar PA'LANTE - Colcocoa x Eco Awards Namibia x Ecotourism Kenya Eco-Rating x EcoVadis x x x x

106

Ekolabel Indonesia Electronic Industry Citizenship Coalition - EICC x x x EO100TM Standard (Equitable Origin - EO) x x EPEAT x Equitable Food Initiative - EFI x x x Ethical Tea Partnership – ETP x x x Ethical Trading Initiative – ETI x EU Organic Farming x x EurepGAP European Feed Ingredients Safety Certification – EFISC

x

Fair Flowers Fair Plants – FFP x x x Fair For Life x x Fair Labor Association x x Fair Stone x x Fair Trade Tourism Product Certification Standard - FTT

x

Fair Trade USA x x x Fair Wear Foundation x Fairtrade International - Small Producers Organizations

x x x

Fairtrade International - Hired Labour x x x FairWild x x x Fairmined Standard-Requirements for ASMO x FAMI-QS x FEFAC Soy Sourcing Guidelines x FEMAS Responsible Sourcing of Agricultural & Natural Products

x x

FLA Workplace Code of Conduct x x Flor Ecuador x FLORIMARK GTP x Florverde Sustainable Flowers x x Food Alliance x x x Food Safety System Certification 22000 x Forest Stewardship Council - FSC - Forest Management

x

FSC Standard for Chain of Custody x FOS - Wild - Generic Sustainable fishing Requirements

Framework for Responsible Mining Friend of the Sea – Master x Global Aquaculture Alliance - Best Aquaculture Practices

x x

Global Organic Textile Standard - GOTS x x x Global Red Meat Standard x x x Global Reporting Initiative - GRI x x x x Global Social Compliance Programme x x Global Sustainable Tourism Criteria for Destinations x GLOBALG.A.P. Aquaculture GLOBALG.A.P. Crops GLOBALG.A.P. Floriculture GlobalG.A.P. Livestock GLOBALG.A.P. Risk Assessment on Social Practice (GRASP)

x

GoodWeave x x Good Environmental Choice Australia - GECA x x x Green Food x x Green Lead

107

Green Mark Taiwan Green Seal x x x Green-e x x GreenLine Responsible Tourism GMP+ Feed Certification x x Guide on Social Responsibility for Chinese Int Contractors

x

Halal - Cosmetic and Personal Care - MS 2200:PART1:2008

x x x x

Halal - Requirements for Retailing - MS 2400-3:2010 -

x x x x

Halal Cosmetic and Personal Hygiene Products - PNM 08.0.802

x x x

Halal Food - MS 1500:2009 - General Guidelines x x x x Halal Food - NM 08.0.800 - 2012 (Morocco) x x x x Halal Food – SMIIC x x x x Halal Food Preparation - Turkish Standard x x Halal Standard India - Halal Certification Terms & Conditions

x x x x

Hand In Hand (HIH) - Fair Trade Rapunzel x x Harvested by Women Norms and Standards x Heritage Certification - Hotels and Tourist Accommodation

x

Hong Kong Green Label Scheme - HKGLS x x x ICTI CARE Process x x IFC Performance Standards on Environmental&Social Sustainability

x

IFFO Global Standard for Responsible Supply (IFFO RS)

x x

IFOAM Standard x x x IFS Food x International Code of Conduct for the Production of Cut Flowers

x

International Council on Mining and Metals x x x International Labour Organization Labour Standards

x x x x

International Council on Mining and Metals - ICMM International Labour Organization Labour Standards - ILO

x x x x

IRMA ISCC EU x x ISCC Plus x x x ISCC PLUS - Voluntary Add-ons x x kenya Flowers Council Institute - KFC "Gold and Silver Level"

x

KRAV x x x LEAF Marque x x x LIFE Certification Marine Aquarium Council - MAC Marine Stewardship Council – MSC x McDonalds Supplier Workplace Accountability x x x x Milieukeur Plant Products - Protected Cultivation x Milieukeur Standard for Citrus Production - South Africa

x

MPS-ABC x MPS-GAP x x MPS-Socially Qualified - SQ x National Ecolabelling Programme - Green Choice

108

Philippines Naturland Standards on Production x x x x NTA 8080- Sustainability criteria for biomass for energy purpose

x x x

OECD Guidelines for Multinational Enterprises x x x OEKO-TEX® 100 x x x OFDC Organic Certification Standards x x x Pacific Organic Standard Animal x x x Pacific Organic Standard Aquaculture x x x Pacific Organic Standard Crop x x x Programme for Endorsement of Forest Certification (PEFC)

x x

PEFC International - Chain of Custody of Forest Based Products

x

Pharmaceutical Supply Chain Initiative x x Predator Friendly Standards x PrimusGFS x x Protected Harvest Certification Standards: Stonefruit x x Protected Harvest Standards for Lodi Winegrapes x x x Protected Harvest Standards for Oranges and Mandarines

x x

ProTerra Foundation x x Rainforest Alliance Verification Standard for Tourism Services

x

Red Tractor Combinable Crops and Sugar Beet Standards

x

Red Tractor Fresh Produce Standards x RESPECT'in x Responsible Jewellery Council (RJC) x x x Responsible Tourism Tanzania x Round Table on Responsible Soy Association - RTRS x x x Roundtable on Sustainable Biomaterials - RSB x x x Roundtable on Sustainable Palm Oil - RSPO x x RSG Requirements (based on RTRS) x x x Rurgmark Safe Quality Food Program – SQF x x x SAI Platform -- Farm Sustainability Assessment x Sedex Global (Supplier Ethical Data Exchange) x x Sedex Members Ethical Trade Audit - SMETA Best Practice Guidance

x x x

Seychelles Sustainable Tourism Label x SGE 21 x x x Singapore Green Labelling Scheme Small Producers Symbol x x Social Accountability International - SA8000 x x SOCIALCARBON® Standard x x Soil Association organic standards x x x STeP by OEKO-TEX ® x x x Sustainability Assessment of Food and Agriculture systems - SAFA

Sustainability Initiative of South Africa (SIZA) x Sustainable Agriculture Network - Rainforest Alliance

x x

Sustainable Forestry Initiative - SFI x x x Sustainably Grown x x x x Swiss Norme Halal n°12014-03 - Les aliments Halal - Exigences

x x x x

TerraChoice -EcoLogo Program (UL Ecologo x x

109

Quadro 7 – Padrões privados e certificações Fonte: <http://www.standardsmap.org/identify

A lista mostra 219 padrões que são utilizados para aferir o cumprimento de valores e

aspectos ambientais, sociais e culturais, sendo que 124 tratam especificamente de produtos

agrícolas (compreendendo chá, quinoa, óleo de palma, café, frutas, carnes, dentre outros

inúmeros produtos).

Outro mapeamento de iniciativas, denominado Ecolabel Index, aponta que existem

465 ecolabels (padrões, esquemas de certificações) abrangendo 25 setores em 199 países.105

Por sua vez, no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

existe uma plataforma que permite pesquisar padrões privados e regulamentações de natureza

ambiental dentre os Membros da OCDE e outros países.106

105 ECOLABEL Index. Disponível em: <http://www.ecolabelindex.com/>. Acesso em: 10 set. 2016. 106 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. Database on instruments

used for environmental policy. Disponível em: <http://www2.oecd.org/ecoinst/queries/Query_6.aspx?QryCtx=1>. Acesso em: 25 ago. 2016.

Certification) Test x x TFT Responsible Stone Program x x Thai Green Label The Carbon Neutral Protocol The EU Ecolabel x x x The European Ecotourism Labelling Standard x The Gold Standard x x Together for Sustainability x x TourCert Travelife Award of Excellence x Travelife Gold Award for large hotels/groups x Travelife Gold Award for small/medium-sized hotels x Triple Sello x x x x U.S. Soybean Sustainability Assurance Protocol x x UN Global Compact x x x x Unilever Sustainable Agriculture Code x Union for Ethical BioTrade – UEBT x x x USDA National Organic Program x x x UTZ x x Verified Carbon Standard – VCS x x Veriflora x x x Water Stewardship Initiative WFTO Guarantee System x x x Wine and Agricultural Ethical Trading Association (WIETA)

x x

Workplace Condition Assessment (WCA) x x x Worldwide Responsible Accredited Production – WRAP

x

XertifiX x x Zerya x

110

A quantidade e o detalhamento dos padrões evidenciam de forma marcante que a

padronização com foco em produtos – alimentos, bebidas, energias, eletrônicos etc., e

serviços – financeiros, turismo etc. é uma realidade cada vez mais presente no dia a dia das

empresas e organizações.

A complexidade dos critérios estabelecidos pelos padrões pode gerar restrições ao

comércio, como destacado nas reuniões do Comitê dos Acordos TBT, SPS e no CTE. Em

contrapartida, pode aprimorar práticas e processos produtivos, reduzir impactos ambientais e

levar aos consumidores produtos e serviços que efetivamente são menos impactantes. Nesta

linha de argumentação, é preciso destacar dois elementos quando se analisa a padronização

diante das regras da OMC.

O primeiro trata do conteúdo dos padrões, ou dos temas que pautam a criação dos

princípios e critérios que são estabelecidos para alcançar certos objetivos, como segurança dos

alimentos e proteção do meio ambiente. Naturalmente, um padrão que visa certificar produtos

orgânicos terá um conjunto de critérios que proíbem o uso de pesticidas e exigem práticas de

manejo específicas. Esses requisitos são inatos à produção orgânica.

No entanto, um padrão que visa atestar a sustentabilidade ambiental de um produto

pode criar critérios discutíveis quando se trata da necessidade dos mesmos para assegurar que

o produto é sustentável. Metodologias para emissões de GEEs, por exemplo, podem ser

determinadas considerando padrões adotados pela ISO, pelas metodologias estabelecidas no

âmbito do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), ou por metodologias

criadas por empresas, por exemplo.

Dependendo de qual método seja utilizado para mensurar os impactos de emissão, os

resultados podem ser diferentes e um produto pode não cumprir com o padrão exigido, sem

que necessariamente traga impactos significativos ao meio ambiente.

Os critérios para definir áreas relevantes para a biodiversidade, que serão analisados

no caso da política europeia de sustentabilidade de biocombustíveis são um exemplo muito

interessante quanto a possível discricionariedade na fundamentação de um critério e, portanto,

nas justificativas que devem fundamentar a necessidade do critério e indicadores diante dos

objetivos que visam proteger.

Nos painéis da OMC, temas econômicos, ambientais, sanitários, dentre outros,

normalmente ensejam a criação de grupos de peritos como forma de avaliar criteriosamente o

quanto uma medida é razoável, necessária e efetivamente relevante para atingir os objetivos

que propõe alcançar.

111

O segundo elemento tem relação com a legitimidade dos padrões. Em outras

palavras, a transparência e a participação na formulação dos padrões são fatores relevantes

para permitir criar padrões que poderão ser amplamente aceitos e evitar restrições ao

comércio. Nesse sentido, padrões unilaterais e setoriais tendem a ter menos credibilidade e

aceitação.

Os padrões criados por vários atores e grupos de interesse, conhecidos como

multistakeholder, tendem a envolver diretamente atores das cadeias produtivas, dos bancos,

de ONGs, dentre outros, e normalmente envolvem processos de governança e transparência.

Como destaca Michael Conroy,

A criação de uma gama de padrões baseados em partes interessadas, para promover o melhoramento de práticas coorporativas. Isto não significa que grupos pró meio ambiente e sociais não estejam dentro dessa gama de padrões, na verdade, a participação da indústria é crítica para assegurar que os padrões negociados sejam fundamentalmente factíveis, na medida que elevem os parâmetros para as empresas. Isto é igualmente importante para que grupos de advocacy aceitem o sistema, caso tenha legitimidade e credibilidade no Mercado.107

A despeito da abertura para participar dos processos multistakeholder ser um fator

relevante, não necessariamente o resultado da negociação dos princípios e critérios que se

tornarão a base do padrão é equilibrado perante a visão de todos os atores. A negociação exige

normalmente o consenso e, para tanto, os atores acabam ponderando interesses e aceitando

certos critérios tendo como base o conjunto de critérios como um todo.

Outro aspecto relevante, quando se fala da abertura para participar e do envolvimento

da maioria dos atores, é a falta, em certos casos, da participação de atores que estão na base de

uma cadeia produtiva. O enfoque bottom-up (de baixo para cima) deve ser ponderado, na

medida em que um padrão formado top-down (de cima para baixo) tende a estabelecer

critérios não necessariamente factíveis ou razoáveis para os produtores que na prática deverão

cumpri-los.

No entanto, apesar dos debates sobre legitimidade e fundamentação dos critérios

criados, a dinâmica da criação de padrões privados é uma realidade que está na agenda das

107 CONROY, Michael E. Branded. How the Certification Revolution is Transforming Global

Corporations. New Society Publishers, 2007. p. 17. Tradução nossa: “The creation of a stakeholder-based set of standards for improving corporate practices. This doesn’t mean the social and environmental advocacy groups go off and set the standards; in fact, the participation of the industry is critical to ensure that the negotiated standards are fundamentally feasible, as they raise the bar for the companies. It is similarly critical to have the advocacy organizations buy in to the system if it is to have legitimacy and credibility in the marketplace.”

112

empresas, bancos, produtores, organizações e de países que, por vezes, acabam encontrando

nos padrões privados uma forma indireta de regular temas de interesse.

De um lado, os padrões privados podem criar custos e barreiras ao comércio,

especialmente para países de menor desenvolvimento relativo. De outro, podem promover

melhorias de práticas de manejo e gestão, internalizar custos ambientais e sociais, promover a

adoção de tecnologias limpas, incentivar a competitividade de produtos sustentáveis.

É válido ainda destacar uma característica dos padrões privados que é amplamente

divulgada e é contemplada pelo conceito de padrões do Acordo TBT e da ISO. Em linha com

a descrição dada pela ITC, os padrões são voluntários:

O Standards Map prove de informação de mais de 210 padrões, códigos de conduta, protocolos de auditoria para hot spots de sustentabilidade nas cadeias globais de fornecimento. Esses mapas fornecem informações didáticas, transparentes e verificadas nos padrões voluntários de sustentabilidade e outras iniciativas semelhantes, cobrindo questões de qualidade dos alimentos e segurança. O principal objetivo do programa é fortalecer a capacidade de produtores, exportadores, legisladores e compradores, de participar em uma produção e comércio mais sustentáveis.108

É relevante salientar a expressão Voluntary Sustainability Standards (VSS) e a

qualificação dos padrões privados como de natureza voluntária, destinados a tratar de temas

como qualidade e segurança dos alimentos, temas regulados no contexto do Acordo SPS.

Retomando o exemplo citado acima da exportação de soja para a União Europeia e para a

China, dependendo das exigências privadas no tocante a questões de desmatamento e

conservação de biodiversidade, o exportador pode enfrentar restrições para vender seu

produto ora para os europeus, ora para a China.

A despeito de os padrões serem criados por grupos de atores que não

necessariamente envolvem órgãos do governo, muito embora em alguns casos a participação

do governo é explícita, o que será visto adiante, o grau de exigências que certos critérios

trazem com o propósito de proteger valores ambientais pode, facilmente, criar restrições ao

comércio.

108 INTERNATIONAL TRADE CENTRE. Standards Map. Disponível em:

<http://www.intracen.org/itc/market-info-tools/voluntary-standards/standardsmap/>. Acesso em: 29 ago. 2016a. Tradução nossa: “Standards Map provides information on over 210 standards, codes of conduct, audit protocols addressing sustainability hotspots in global supply chains. Standards Map provides comprehensive, verified and transparent information on voluntary sustainability standards and other similar initiatives covering issues such as food quality and safety. The main objective of the programme is to strengthen the capacity of producers, exporters, policymakers and buyers, to participate in more sustainable production and trade.”

113

Nesse sentido, se o importador requer o cumprimento de um padrão que o exportador

não cumpre, seja por que os custos são elevados e/ou inviabilizam a produção, seja por que o

produtor de antemão cumpre com as leis nacionais e não aceita adotar o padrão mais elevado,

cria-se, de fato, uma barreira que potencialmente obsta o comércio.

A voluntariedade de cumprir com os requisitos privados é tênue, pois, na prática, se

um produtor/exportador não cumpre com o padrão, não consegue vender seu produto e

acessar o mercado desejado. Como argumenta Manuela Kirshner Amaral:

Padrões privados voluntários podem se tornar, portanto, “quase mandatórios” se grandes empresas ou grupos de grandes empresas exigem a certificação de produtores para que esses possam fazer parte de sua cadeia de suprimentos. A obrigatoriedade da conformidade depende, dessa forma, do poder daqueles que os adotam (cadeias de supermercados, por exemplo) e que reconhecem o valor da conformidade daqueles que os implementam (produtores). A concentração em determinados setores da economia pode, ainda, aumentar essa tendência. Em resumo, a distinção entre normas voluntárias privadas e requisitos obrigatórios “oficiais” ou “públicos” pode, além de não ser muito clara, não ser de grande valia. Padrões privados estão, crescentemente, adquirindo papel regulatório na sociedade, seja como antecipação à atuação Estatal, seja em sua completa substituição.109

Vera Thorstensen e Andreia Costa Vieira seguem a mesma linha ao argumentar que a

expressão voluntária quase que naturalmente inata aos padrões privados, abre margem para

que os padrões, ou mesmo certos critérios que passam a ser cobrados pelos padrões, se tornem

exigências mandatórias:

Padrões voluntários de Mercado, elaborados por empresas privadas, podem se tornar obrigatórios, como o setor de alimentos, cadeias de supermercados, produtores e cooperativas. Mesmo não sendo obrigatórios para produtores, a única opção além do preenchimento dos requisitos dos padrões é não englobar o mercado. Já que os padrões ganharam o mercado internacional, também ganham reconhecimento internacional, porém, questões relacionadas à legitimidade ainda são preocupantes. Dessa forma, na prática, a diferença entre padrões públicos e privados podem não ser relevantes para produtores, já que ambos criam pesados ônus no processo de produção e barreias comerciais.110

109 AMARAL, Manuela Kirscher do. O desafio do “protecionismo privado” e as regras multilaterais de

comércio da OMC. Revista Brasileira de Comércio Exterior, Rio de Janeiro, n. 115, p. 56-79, abr./jun. 2013. p. 60-61.

110 THORSTENSEN, Vera. VIEIRA, Andreia Costa. Private Standards or Market Standards in search for legitimacy in the International Trading System. Disponível em: <http://ccgi.fgv.br/sites/ccgi.fgv.br/files/file/Publicacoes/Private%20Standards%20or%20Market%20Standards_%20in%20search%20for%20legitimacy%20in%20the%20International%20Trading%20System.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2016a. p. 68. Tradução nossa: “Voluntary market standards prepared by private companies might become de facto mandatory, such as in the food sector, supermarket chains, producers and cooperatives. Even though they are not binding on producers, the only option left besides fulfilling the

114

O debate sobre a natureza voluntária ou mandatória dos padrões privados é

extremamente interessante. No entanto, o argumento de serem criados fora do enfoque

puramente regulatório, característico das leis e regras adotadas pelos países, usualmente

utilizado nas reuniões dos Comitês dos Acordos SPS e TBT, merece uma análise detalhada, o

que será feito no Capítulo 4.

Antes, contudo, serão avaliadas algumas iniciativas que, apesar de não criarem

padrões, servem como plataforma para disseminá-los, promovê-los e para gerar uma

conscientização global acerca da relevância de agendas relacionadas ao desenvolvimento

sustentável.

Como a tese tem como pano de fundo o direito internacional econômico mesclado ao

direito internacional ambiental, é essencial analisar organizações que se tornam reconhecidas

por países, empresas, bancos, academia, ONGs, ou por vezes são formadas por países.

2.3 Iniciativas que promovem padrões privados

O objetivo de analisar, mesmo que brevemente, iniciativas que, embora não criem

padrões, os promovem justifica-se pela dimensão que o tema dos padrões privados voluntários

ganhou na última década, agregando centenas de empresas, multinacionais ou não, órgãos das

Nações Unidas, países e diversos outros atores interessados na agenda dos VSSs.

Os casos da United Nations Forum on Sustainability Standards (UNFSS), da

International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL), do

Consumer Goods Forum (CGF) e da Global Food Safety Initiative (GFSI) serão analisados a

seguir em maiores detalhes.

2.3.1 United Nations Forum on Sustainability Standards (UNFSS)

A United Nations Forum on Sustainability Standards (UNFSS) é uma organização

pública, criada em 2012, com sede em Geneva. Foi formalmente lançada em março de 2013,

em uma conferência que tinha como tema central “Policy Making and Sustainability

Standards: How can governments and private sector work together to achieve sustainable

development goals?”

standard requirement is to leave out the market. Since a standard has gained the international market, it also gains international recognition but issues related to legitimacy are still a concern. Therefore, in practice, the difference between a private and a public standard might not be important, at the end, for producers, since they both create heavy burdens in the production process and overall barriers to international trade.”

115

Embora a UNFSS não seja propriamente uma organização de padronização, pois não

cria padrões, é uma plataforma criada no âmbito da ONU para debater e fomentar a agenda de

padrões privados que visam promover práticas sustentáveis ligadas a segurança ocupacional,

questões ambientais, sociais e bem-estar animal.

Uma característica marcante da UNFSS é que sua criação teve como motivação o uso

de Voluntary Sustainability Standards (VSS) como meios para se atingir desenvolvimento

sustentável. A despeito de os VSS poderem criar obstáculos e prejuízos para pequenos

produtores e países subdesenvolvidos, o maior objetivo da UNFSS é potencializar o uso dos

VSS como ferramentas que promovam melhorias e evitem restrições ao comércio.

Dentre os objetivos acordados na Conferência de lançamento da UNFSS, vale

destacar:

a) fornecer informações independentes e com credibilidade sobre os custos, benefícios

e desafios dos VSS, tendo como referência a base de dados do ITC sobre Comércio

e Desenvolvimento Sustentável;

b) promover capacitação para pequenas e médias empresas que produzem bens que

podem ser certificados por meio de VSS;

c) reforçar a interoperabilidade dos VSS, incluindo a sua harmonização e equivalência;

d) facilitar a cooperação entre, e fornecer orientações para iniciativas de padrões com o

propósito de aumentar sua credibilidade com foco no desenvolvimento

sustentável.111

A organização visa aos interesses e bens públicos inerentes aos padrões, ao invés do foco

em sua mera utilização como instrumento que pode diferenciar produtos e serviços no mercado.

Para a UNFSS, os VSS representam um sistema de meta-governança (meta-governance system)

para as cadeias produtivas internacionais que não se vinculam às regras da OMC.

Em princípio, pode-se argumentar que os VSS estão fora da OMC, sendo que o foco

da UNFSS são na verdade os padrões criados por organizações não governamentais e atores

privados. Como salientam Vera Thorstensen e Andreia Costa Vieira:

Embora não excluindo VSS produzido por órgãos governamentais, o foco primário das atividades de UNFSS é sobre VSS, desenvolvido por organizações não governamentais e empresas privadas -chamado nesta obra de “padrões de mercado”, que têm sido caracterizados em categorias

111 Para maiores informações sobre a Conferência de lançamento da UNFSS, consultar: UNITED NATIONS

FORUM ON SUSTAINABILITY STANDARDS. United Nations Forum on Sustainability Standards Launching Conference. March 21-22, 2013a. Disponível em: <https://unfss.files.wordpress.com/2013/05/unfss-launch-report_summary-version-final_1.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2016.

116

distintas: i) padrões business-to-business; ii) padrões orientados por consumidores; iii) padrões meta, cobrindo diferentes questões e grupos de produtos; iv) padrões para comodities específicas e v) padrões específicos para empresas.112

No entanto, os “padrões de mercado”, como denominados pelas autoras, podem e

devem ser analisados diante das regras dos Acordos TBT e SPS, quando criam barreiras

desnecessárias ao comércio levando-se em conta que os atores não governamentais devem ser

regulados pelos Membros da OMC. Esse debate sobre atores ou entidades não

governamentais reflete, na verdade, o núcleo da presente tese, o que será amplamente

discutido no Capítulo 4.

Na prática, para a UNFSS, o debate sobre os VSS e regras de comércio ainda é

incipiente e precisa ser feito com profundidade:

As discussões sobre padrões privados e outras relacionadas com o comércio internacional não se desenvolveram muito. A UNFSS irá trabalhar no sentido de preencher este vazio, analisando o impacto dos VSS e estratégias requeridas que proativamente lidem com VSS, com abordagem analítica de países, bem como setores específicos, fornecendo informações científicas sobre custos e benefícios desses impactos. A UNFSS irá explicitamente lidar com preocupações relacionadas ao comércio e desenvolvimento relativas a VSS e outras questões relacionadas aos padrões, como fundamentação científica para VSS seja proporcional aos riscos reais que visam acolher, e que o ônus de conformidade seja distribuído de forma justa.113

O enfoque científico que fundamenta os VSS e sua proporcionalidade diante dos

riscos que visa endereçar são pontos de toque com as regras da OMC na medida em que as

medidas que visem proteger objetivos legítimos devem ser minimamente fundamentadas e

não devem criar obstáculos desnecessários ao comércio.

A UNFSS é composta por um Comitê Diretivo formado por cinco agências da ONU:

Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (United Nations Food and 112 THORSTENSEN; VIEIRA, 2016a, p. 18. Although not excluding VSS produced by governmental bodies,

the primary focus of the UNFSS activities is on VSS developed by non-governmental organizations and private companies – named in this essay ‘market standards’, which have been categorized into distinct categories: i) business-to-business standards; ii) consumer-oriented standards; iii) meta standards covering different issues and groups of products; iv) issue and commodity specific standards; and v) company-specific standards.

113 UNITED NATIONS FORUM ON SUSTAINABILITY STANDARDS. Voluntary Sustainability Standards. Today’s Landscape of Issues & Initiatives to Achieve Public Policy Objectives. March 2013b. Disponível em: <https://unfss.files.wordpress.com/2013/02/unfss_vss-flagshipreportpart1-issues-draft1.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2016. Tradução nossa: “Discussions on private standards in other related international trade fora have not gone very far, UNFSS will work towards filling this gap by analyzing the impact of VSS and required strategies to pro-actively address VSS, with a country as well as sector specific analytical approach and by providing scientifically based information about costs, benefits and impacts. UNFSS will also explicitly deal with the trade and development concerns regarding VSS and some systemic standard issues, such as, that VSS are scientifically based, are proportionate to the real risk they claim to address, and that the burden of compliance is distributed fairly.”

117

Agriculture Organization – FAO); Centro de Comércio Internacional (International Trade

Centre – ITC); Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (United

Nations Conference on Trade and Development – UNCTAD); Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente (United Nations Environmental Program – UNEP); Organização das

Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (United Nations Industrial Development

Organization – UNIDO).

Adicionalmente, possui um painel consultivo composto por membros dos seguintes

países: Uruguai, Reino Unido, Uganda, Suíça, Malásia, Etiópia, Holanda, Canadá, Estados

Unidos, Quênia, Bélgica, França, Suécia. Estes membros representam os principais grupos-

alvo, quais sejam: produtores, comerciantes, consumidores, formadores de padrões,

organismos de certificação, diplomatas comerciais, ONGs e pesquisadores.

Na verdade, a UNFSS visa facilitar um diálogo que promova a troca de

conhecimentos sobre as agendas de sustentabilidade, além de funcionar como um fórum para

que atores intergovernamentais se comuniquem e se envolvam com stakeholders, como

produtores, comerciantes, consumidores, formadores de padrões, organismos de certificação,

diplomatas, ONGs e pesquisadores.

Para promover a importância dos padrões perante diversos atores são publicados os

UNFSS Discussion Papers:

1. Meta�governance in the Realm of Voluntary Sustainability Standards: Early

Experiences and Their Implications;

2. Review of Key Systemic Issues and Findings Resulting from Activities of the

International Task Force on Harmonization and Equivalence in Organic Agriculture

(ITF) and the Global Organic Market Access (GOMA);

3. Competition and Cooperation in the Market of Voluntary Sustainability Standards;

4. Public-Private Collaboration on Policy, Standards, Regulations and Trade

Facilitation for Organic Agriculture;

5. Plurilateral Regulatory Cooperation on Organic Agriculture and Traden;

6. Assuring Coherence between the Market-access and Livelihood Impact of Private

Sustainability Standards.114

Adicionalmente, é possível criar grupos de trabalho para aprofundar temas

específicos no escopo da UNFSS. O primeiro deles é o grupo de trabalho para reforçar a

interoperabilidade dos VSS visando implementar atividades práticas para a cooperação

114 Documentos disponíveis em: <https://unfss.org/documentation/discussion-paper-series/.

118

multiplataforma (cross-plataform). A ideia é que se produzam modelos e exemplos de casos

para melhorar esta interoperabilidade. O foco inicial deste grupo de trabalho são os padrões

para agricultura orgânica.115

O segundo grupo de trabalho é o “Grupo de Trabalho sobre Avaliação de Impacto dos

VSS”, que objetiva criar vínculos com programas de avaliação de impacto para fornecer análise

e promoção de sua credibilidade, além de interpretar e divulgar suas pesquisas no contexto da

política de desenvolvimento sustentável sobre custos, benefícios e desafios dos VSS.

A despeito das discussões sobre se os VSS estão ou não cobertos pelas regras da OMC,

se criam barreiras ao comércio ou promovem o comércio e o desenvolvimento sustentável, se

voltam-se exclusivamente para interesses e fins privados, é essencial salientar que os VSS estão

na agenda de países, organizações internacionais, atores privados, ONGs e bancos.

A própria criação da UNFSS como organização no contexto da ONU reflete a

relevância que o tema ganhou nos últimos anos, e que deverá ganhar tendo como premissa o

fato de que os VSS podem efetivamente promover melhorias relacionadas aos Objetivos de

Desenvolvimento Sustentável.

De que forma os VSS se relacionam ou não com as regras da OMC é uma questão

essencial a ser aprofundada. No entanto, é inexorável reconhecer a força e a amplitude que o

tema ganhou nos últimos anos, especialmente quando se observa a criação de organizações

como a UNFSS e a ISEAL que, apesar de não criarem padrões, servem como plataformas

para promovê-los.

2.3.2 International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL)

A International Social and Environmental Accreditation and Labelling Alliance

(ISEAL) é uma organização sem fins lucrativos baseada no Reino Unido, criada formalmente

em 2002, com base no engajamento de diferentes iniciativas de certificação, com o propósito

de promover colaboração diante de suas agendas e fomentar seus interesses perante governos

e outros atores.

No final dos anos 1990, FSC (florestas), International Federation of Organic

Agriculture Movements (IFOAM) (orgânicos), Fairtrade e Marine Stewardship Council

(MSC) (pesca) começaram a se reunir e discutir a possibilidade de trabalhar conjuntamente

em temas transversais de suas agendas. Em 2000, decidiram criar uma organização e com a 115 Para maiores informações, consultar: <https://unfss.org/work-areas/working-groups/working-group-on-

enhancing-interoperability-of-vss/>.

119

junção da International Organic Accreditation Service, Marine Aquarium Council, Rainforest

Alliance e Social Accountability International nasceu a ISEAL em 2002.

A ISEAL tem como missão fortalecer os sistemas de padrões de sustentabilidade para

o benefício das pessoas e do meio ambiente. Especificamente, possui quatro objetivos

principais:

a) demonstrar e melhorar os impactos de sistemas de padrões de sustentabilidade;

b) melhorar a eficácia dos sistemas de padrões de sustentabilidade;

c) aumentar a adoção de sistemas de padrões de sustentabilidade;

d) definir práticas críveis para sistemas de padrões de sustentabilidade.

A primeira ação da organização foi desenvolver um entendimento comum sobre as

melhores práticas para a criação de padrões de sustentabilidade, que resultou na aprovação do

ISEAL Code of Good Practice for Setting Social and Environmental Standards, a seguir

simplesmente denominado ISEAL Standard Setting Code.

O objetivo central do ISEAL Standard Setting Code é avaliar e aprimorar o processo

de criação de padrões de sustentabilidade, partindo da premissa de que um bom processo de

criação de padrões pode levar a padrões de qualidade que alcançam objetivos relevantes

relacionados a questões sociais, ambientais e econômicas no plano internacional, regional,

nacional e subnacional.

Com base na adesão ao ISEAL Standard Setting Code, diferentes padrões

multistakeholder e órgãos de acreditação podem se tornar membros da ISEAL.

Adicionalmente, há mais dois códigos que norteiam o trabalho da organização: ISEAL Code

of Good Practice for Assessing the Impacts of Social and Environmental Standards (ISEAL

Impacts Code); ISEAL Code of Good Practice for Assuring Compliance with Social and

Environmental Standards (ISEAL Assurance Code). Um padrão que siga os três códigos

oferece um nível de confiança e eficácia.

O ISEAL Impacts Code tem o propósito de servir como um guia para o

desenvolvimento, monitoramento e avaliação dos padrões de sustentabilidade. Aprimorar a

eficácia dos padrões e promover sua credibilidade são objetivos centrais.116

116 Os objetivos do ISEAL Impacts Code são: “Improve the standards system and its effectiveness in achieving

its stated social, environmental and economic objectives; 2. Build capacity by learning from experience, not only for the standards system but also for clients and others involved in the standards system; 3. Inform strategy regarding policy decisions; 4. Provide accountability to stakeholders and to those who are affected by, and are meant to benefit from the activities of the standards system; 5. Earn credibility through willingness to be open about the results (good or bad) of the standards system; and 6. Enhance societal learning by feeding results into the sustainability tools landscape to understand the cumulative impacts of sustainability standards systems.” Para mais informações consultar: INTERNATIONAL SOCIAL AND

120

Por sua vez, o ISEAL Assurance Code estabelece critérios mínimos para a

implementação de sistemas de verificação/garantia (avaliação de conformidade) como forma

de assegurar que os padrões cumprem com os objetivos propostos.117

Como base para os três códigos, foram aprovados em 2013 dez princípios de

credibilidade, por meio de um longo processo de consulta com mais de 400 stakeholders em

todo o mundo. Os ISEAL Credibility Principles são os seguintes:

Figura 3 – Princípios de credibilidade da ISEAL Fonte: <http://www.isealalliance.org/our-work/defining-credibility/credibility-principles>

Há duas categorias de membros: a) membros plenos, que cumprem o ISEAL

Standard Setting Code e estão a caminho de cumprir o Impacts Code e o Assurance Code;

além disso, estão comprometidos com os princípios de credibilidade que representam os

valores centrais da criação de padrões; b) membros associados, compreendem organizações

que seguem os princípios de credibilidade e estão comprometidos a seguir e adotar os três

códigos.

ENVIRONMENTAL ACCREDITATION AND LABELLING ALLIANCE – ISEAL. Assessing the Impacts of Social and Environmental Standards Systems. ISEAL Code of Good Practice, Version 2.0 – December 2014a. Disponível em: <http://www.isealalliance.org/sites/default/files/ISEAL_Impacts_Code_v2_Dec_2014.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2016.

117 INTERNATIONAL SOCIAL AND ENVIRONMENTAL ACCREDITATION AND LABELLING ALLIANCE – ISEAL. Assuring Compliance with Social and Environmental Standards Code of Good Practice. Disponível em: <http://www.isealalliance.org/sites/default/files/ISEAL_Assurance_Code_Version_1.0.pdf>. Acesso em: 29 ago. 2016.

121

As figuras a seguir destacam os membros plenos e associados que envolvem

organizações de padronização e acreditação ligadas a setores como pesca, agricultura,

florestas, biocombustíveis, têxteis e mineração.

Figura 4 – Membros plenos da ISEAL Fonte: An Introduction to ISEAL; <http://www.isealalliance.org/our-members>

Figura 5 – Membros associados da ISEAL Fonte: An Introduction to ISEAL; <http://www.isealalliance.org/our-members>

A sexta versão do ISEAL Code of Good Practice foi aprovada em 2014 pelo ISEAL

Technical Committee, um órgão de governança composto por diversos atores, que é

responsável pelo processo de revisão dos códigos da ISEAL, que ocorre a cada quatro anos. O

Código é dividido em três categorias:

a) Desired outcomes: os resultados que as organizações de padronização visam alcançar;

contêm requerimentos que devem ser cumpridos e por isso são mensuráveis;

122

b) Aspirational good practices: são recomendações não mandatórias contendo

requerimentos de como cumprir com o Standard Setting Code;

c) Guidance: trazem informações suplementares sobre os requerimentos, com

interpretação sobre elementos relevantes dos requerimentos; o Guidance é um

suplemento não obrigatório do Standard Setting Code que deve ser levado em

consideração ao criar e/ou revisar padrões.

É importante destacar que o Standard Setting Code visa assegurar que a criação e a

aplicação dos padrões permitam mensurar o cumprimento de requisitos ambientais e sociais

evitando a criação de barreiras desnecessárias ao comércio. Adicionalmente, o Código visa

evitar a duplicação de padrões e aprimorar a consistência entre padrões. Para tanto, o ISEAL

Standard Setting Code leva em conta o Código de Boa Conduta do Acordo TBT e o ISO/IEC

Guide 59 Code of Good Practice for Standardization:

Ao aderir aos processos e práticas verossímeis para elaboração de padrões, as organizações de padronização ajudam a assegurar que a aplicação dos seus padrões resulte em progressos mensuráveis com relação aos seus objetivos sociais e ambientais, sem criar barreiras desnecessárias ao comércio internacional. Adicionalmente, o Standard-Setting Code pode servir como um parâmetro mínimo por meio do qual se pode mensurar o desenvolvimento de padrões de sustentabilidade. A intenção do Standard-Setting Code é evitar a duplicação e melhorar a consistência entre padrões pelos quais pode-se reforçar a efetividade. Práticas para elaboração de padrões deveriam ser baseadas em documentos normativos internacionais, caso aplicável. O Anexo 3 do Acordo TBT, Código de Boa Conduta para a Preparação, Adoção e Aplicação de Padrões e o ISO/IEC Guide 59 Code of Good Practice for Standardization são relevantes documentos normativos que são aplicados primeiramente para padrões relacionados à produtos. Mesmo não integralmente relevantes em relação à padrões de sustentabilidade, todas as organizações de elaboração de padrões deveriam lutar por práticas que sejam as mais consistentes possíveis com esses documentos de referência. O Standard-Setting Code tem como finalidade construir esses documentos normativos ao incluir requisitos adicionais que sejam específicos na revisão dos padrões de sustentabilidade que sejam fundamentados nas boas práticas mais atuais.118

118 INTERNATIONAL SOCIAL AND ENVIRONMENTAL ACCREDITATION AND LABELLING

ALLIANCE – ISEAL. ISEAL Code of Good Practice. Version 6.0 – December 2014b. Disponível em: <http://www.isealalliance.org/sites/default/files/ISEAL%20Standard%20Setting%20Code%20v6%20Dec%202014.pdf, p. 5. Tradução nossa: “By adhering to credible practices and procedures for setting standards, standard-setting organisations help to ensure that the application of their standard results in measurable progress towards their social and environmental objectives, without creating unnecessary barriers to international trade. In addition, the Standard-Setting Code can serve as a minimum bar against which to measure processes to develop sustainability standards. An intention of the Standard- Setting Code is to avoid duplication and improve consistency between standards, thereby enhancing their effectiveness. Standard-setting practices should be based on relevant international normative documents, where appropriate. The WTO Technical Barriers to Trade (TBT) Agreement Annex 3 Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and Application of Standards and ISO/IEC Guide 59 Code of Good Practice for Standardization are relevant international normative documents that apply primarily to product-related standards. While not relevant in their entirety to sustainability

123

É válido assinalar que, ao reconhecer o Código de Boa Conduta do Acordo TBT e

prever que visa incluir requerimentos adicionais para padrões de natureza ambiental e social,

o Código se torna importante diante dos fundamentos que justificam uma medida ou padrões

em face ao objetivo que visam assegurar.

A expressão “that are based on more current understanding of good practice”

presente na introdução do Código é extremamente relevante na medida em que o

entendimento corrente sobre quais são as melhores práticas voltadas para proteger o meio

ambiente pode variar em função da região, do mercado que visa atingir, de preferências de

grupos de consumidores e outras fundamentações.

Quais são as boas práticas e fundamentos que justificam uma medida ou padrão são

aspectos essenciais quando se trata de justificar medidas perante os Acordos TBT e SPS.

Práticas comuns e que são exigidas em certos padrões podem ser distintas quando se trata de

emissões de GEEs ou proteção da biodiversidade. O grande desafio de medidas que visam

atingir objetivos legítimos ambientais é justamente ponderar a necessidade e a razoabilidade

de uma medida.

Uma comparação dos códigos da ISEAL, ISO e TBT reflete os objetivos centrais de

cada um nos seguintes termos:

O principal objetivo do Código OMC/TBT é minimizar os obstáculos ao comércio que surgem da preparação, adoção e aplicação de padrões. Também se incluiu aqui as recomendações da 2ª Revisão Trienal do TBT. O objetivo do Guia ISSO/IEC 59.1994 é assegurar um grau de ordem, coerência e efetividade nos processos de padronização mundial. O Código ISEAL de Boas Práticas para Estabelecimento de Padrões Sociais e Ambientais é uma ferramenta para avaliar e fortalecer o processo de elaboração de padrões voluntários que preencham objetivos de políticas ambientais, econômicas e sociais.119

Alguns aspectos do ISEAL Code of Good Practice merecem ser destacados, especialmente

diante do Código de Boa Conduta do Acordo TBT e dos princípios para a elaboração de padrões.

standards, all standard-setting organisations should strive for practices that are as consistent as possible with these reference documents. The Standard-Setting Code aims to build on these normative documents by including additional requirements that are specific to the development and revision of sustainability standards and that are based on more current understanding of good practice.”

119 INTERNATIONAL SOCIAL AND ENVIRONMENTAL ACCREDITATION AND LABELLING ALLIANCE – ISEAL. Comparison of Standard-Setting Code and WTO TBT. R025 Version 3.0 – March, 2010. Disponível em: <http://www.isealalliance.org/sites/default/files/R025%20StdSetting%20Code%20WTO%20TBT%20ISO59%20Comparison%20v3.0%20Mar10.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2016. Tradução nossa: “The principle objective of the WTO/TBT Code is to minimize obstacles to trade which arise from the preparation, adoption and application of standards. Also included here are recommendations from the 2nd Triennial Review of the TBT Agreement. The objective of ISO/IEC Guide 59:1994 is to ensure a degree of order, coherence and effectiveness in worldwide standardization processes. The ISEAL Code of Good Practice for Setting Social and Environmental Standards is a tool to evaluate and strengthen the process for setting voluntary standards that fulfil social, environmental and economic policy objectives”

124

Primeiramente vale citar que os princípios de credibilidade da ISEAL se aplicam, devendo-se

destacar a relevância, transparência, engajamento/abertura como princípios comuns.

Clause 5.1 Terms of Reference Desired Outcome

The standard-setting organisation has clearly articulated what the standard aims to achieve and why the standard is needed

Requirement 1. At the outset of a new standards development process and as needed thereafter, the standard-setting organisation shall develop or update the terms of reference (TOR), which shall include the following elements: a. the proposed scope of the standard and the intended geographic application; b. a justification of the need for the standard, including: an assessment of the most important sustainability issues falling within the scope of the standard; an explanation of whether the proposed standard will meet an expressed need; and documentation of other standards operating or in development that meet all or part of the expressed need; c. clear social, environmental and economic outcomes that the standard seeks to achieve and how those are linked to the organisation’s intended change (see ISEAL Impacts Code); and d. an assessment of risks in implementing the standard and how to mitigate these, including: identification of factors that could have a negative impact on the ability of the standard to achieve its outcomes; unintended consequences that could arise from its implementation; and possible corrective actions that could be taken to address these potential risks. (see Impacts Code 7.6 and 7.4)

Guidance ‘As needed thereafter’ could include prior to any subsequent revisions of the standard. Clause 6.1 Sustainability Outcomes Desired Outcome

The standard only contains requirements that support achievement of the defined sustainability outcomes.

Requirement 1. The standard-setting organisation shall state the defined social, environmental and economic outcomes clearly and explicitly in the standard. (see ISEAL Impacts Code). 2. The standard-setting organisation shall ensure in its standard that: a. criteria are included to address all of the defined social, environmental and economic outcomes; and b. only criteria that are relevant to meeting these outcomes are included. 3. The standard-setting organisation shall ensure that any claims made about the standard or about compliance with the standard are consistent with the defined social, environmental and economic outcomes. (see ISEAL Impacts Code 6.5 and ISEAL Claims Good Practice Guide).

Guidance Making these links can be accomplished by including introductory language in each section of the standard indicating to which outcomes the criteria relate, or by noting this correlation beside each criterion. Claims made about the standard are a type of marketing claim that is used to promote an aspect of, or relationship with a standards system. An example would be an advertisement promoting association with a standard or standards system. Claims made about compliance with the standard usually result from an assurance process. Examples of assured claims include use of logos/labels/trust marks and claims of certification against a standard.

Clause 6.2 Performance Level Desired Outcome

Requirements in the standard are set at a performance level that results in significant positive sustainability impacts.

Requirement 1. Standards shall: a. meet or exceed existing regulatory requirements; and b. clearly reference relevant, existing national and/or international laws and regulations.

Guidance Where compliance with regulatory requirements would result in significant positive sustainability impacts (e.g. where regulations would not otherwise be enforced), or where regulations are consistent with international good practice, then standards’ requirements that meet these regulations are sufficient. In other cases, it is expected that standards’ requirements will exceed regulatory requirements.

Quadro 8 – ISEAL Code of Good Practice Fonte: ISEAL Code of Good Practice, Version 6.0, December 2014.

125

Os pontos destacados acima são essenciais quando se compara com as regras do Acordo

TBT, especialmente os objetivos que o padrão visa atingir e as justificativas que na prática

embasam seus critérios e indicadores. O fato de os padrões poderem exceder exigências cobradas

por regulamentações é um fator marcante dos padrões privados que, na verdade, corrobora a visão

de que em certos temas os Estados abrem mão de regular ou o fazem de forma genérica, abrindo

espaço para a regulamentação privada dos temas ambientais.

Vale destacar que o ISEAL Standard Setting Code é amplamente reconhecido e

utilizado por diversas organizações que criam e/ou aplicam padrões com foco em objetivos

ambientais. FAO, UK Department for Environment, Food and Rural Affairs (Defra), Banco

Mundial, United Nations Conference on Trade and Development e WWF são apenas algumas

organizações que utilizam o Código. É interessante ponderar que, dentre essas organizações,

há bancos, órgãos regulatórios de países, ONGs e órgãos das Nações Unidas.

O fato de a ISEAL ser uma organização que congrega atores centrais que estão

relacionados ao universo de padrões ambientais e sociais a torna uma organização de

referência quando se trata de padrões e, consequentemente, do debate sobre padrões privados.

Além dos membros plenos e associados, a ISEAL tem mais de uma centena de entidades

signatárias120 que, juntas com os membros, formam a comunidade ISEAL.

É inegável o papel que a ISEAL alcança quando se trata da criação e da efetividade

de padrões ambientais. O enfoque proposto com base nos três códigos, na revisão periódica

dos mesmos e na ampla participação dos atores é extremamente relevante para a

credibilidade, alcance, transparência e efetividade dos padrões, pontos extremamente

importantes quando se pondera a relação meio ambiente e regras da OMC.

2.3.3 The Consumer Goods Forum (CGF)

O Consumer Goods Forum (CGF) é uma organização criada em dezembro de 2009,

com base na fusão de três organizações empresariais: International Committee of Food

Chains (CIES), The Global Commerce Initiative (GCI) e Global CEO Forum.

A missão do CGF é reunir fabricantes de bens de consumo e varejistas para buscar

práticas empresariais eficientes que promovam mudanças positivas na indústria, beneficiando

compradores, consumidores e o mundo, sem impedir a concorrência. O CGF atua em quatro

grandes áreas:

120 Para ter acesso a todos os signatários, consultar: <http://www.isealalliance.org/online-

community/organisations?type=Subscriber&tid=All>.

126

a) sustentabilidade: agir em conjunto para posicionar a indústria como líder na proteção

dos impactos das mudanças do clima, redução do desperdício e promoção do

cumprimento de boas práticas ambientais e de trabalho;

b) segurança dos produtos: aumentar a confiança na entrega de alimentos seguros em

nível mundial por meio de melhorias contínuas dos sistemas de gestão de segurança

dos alimentos;

c) saúde e bem-estar: permitir aos consumidores tomar as decisões certas e ajudá-los a

adotar estilos de vida mais saudáveis;

d) padrões e cadeia de valor de ponta a ponta (End-to-End Value Chain & Standards):

identificar e implementar padrões globais, protocolos e princípios para a gestão de

dados, processos e capacidades relacionados às cadeias de valor (rastreabilidade,

gestão de crises, identificação de novos produtos).

Com base nessas quatro áreas, o CGF promove e incentiva a adoção de ações que

permitam alcançar seus objetivos. Dentre elas, vale destacar:

a) otimizar a cadeia global de valor para consumidores e reforçar o desempenho das

indústrias de bens de consumo;

b) promover a colaboração de maneira não competitiva com vistas a apoiar a prestação

de melhores produtos e serviços aos consumidores em um modelo mais eficiente e

sustentável;

c) fornecer um fórum global para os principais executivos e seus representantes para

trocar ideias e informações sobre as tendências futuras, técnicas atuais e melhores

práticas na indústria mundial;

d) melhorar os padrões profissionais e desempenho das companhias no serviço do

consumidor;

e) investigar e comparar métodos utilizados ao redor do mundo;

f) conquistar o progresso técnico e o crescimento da produtividade;

g) ter contatos e relações entre as companhias e organizações do setor em vários países;

h) organizar congressos e outros encontros internacionais;

i) publicar pesquisas, periódicos e revistas;

j) assumir ou iniciar qualquer ação suscetível de contribuição direta ou indireta que

promova o alcance de seus objetivos.

127

O Consumer Goods Forum possui 410 membros, dentre empresas do setor agrícola e

de bebidas, indústrias, varejistas, atacadistas, serviços, educação, bem como organizações

como o World Economic Forum e o Fundo Monetário Internacional.121

Além disso, o CGF possui alianças estratégicas com 15 parceiros que podem fomentar

os objetivos da organização. Dentre os parceiros, vale citar: European Brands Association;

European Retail Round Table; Food & Consumer Products of Canada; Food Industry Asia;

Food Marketing Institute; FoodDrinkEurope; Grocery Manufacturers Association; GS1,

dentre outras organizações.122

Existem Comitês e grupos que tratam das agendas centrais do CGF, como, por

exemplo:

a) Comitê de Sustentabilidade: liderado por Marks & Spencer e Unilever, tem como

papel identificar temas prioritários na agenda de sustentabilidade e recomendar ações

ao Conselho de Administração;

b) Global Food Safety Initiative Technical Working Group: composto por especialistas

técnicos dos varejistas, fabricantes, operadores de serviços alimentares, prestadores de

serviços, organismos de certificação, organismos de acreditação, associações

industriais;

c) The Health & Wellness Steering Committee: tem a missão de categorizar a dinâmica

existente na saúde e bem-estar. Ele também tem o objetivo de desenvolver ações da

indústria de colaboração entre varejistas e fabricantes para melhor promover a saúde e

bem-estar para os consumidores;

d) Conselho Consultivo Científico Externo, criado para fornecer orientações e mais

experiência para o Comitê, responsável por ajudar a alinhar o trabalho do Health &

Wellness Pillar e apoiar sua missão de capacitar os consumidores em todo o mundo a

adotar estilos de vida mais saudáveis por meio da cultura de prevenção e de

colaboração de vários atores.

Adicionalmente, o CGF possui diversos grupos menores, com mais de 1.500

especialistas engajados, que podem auxiliar o trabalho desenvolvido nos quatro pilares. E em

121 Para detalhes sobre os membros, pesquisar: THE CONSUMER GOODS FORUM. Our members.

Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/about-the-forum/our-members>. Acesso em: 5 set. 2016c.

122 Para maiores informações sobre os parceiros, vale consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM. Our strategic alliances. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/partners-and-sponsors/our-strategic-alliances>. Acesso em: 5 set. 2016d.

128

paralelo existem atividades regionais como o CFG América Latina, o Japan Day e o GFSI

Focus Days, dentre outras.

Figura 6 – Infográfico sobre o CGF Fonte: <http://www.mygfsi.com/images/mygfsi/gfsifiles/information-kit/CGF_Infographic.pdf>.

129

É relevante citar que, dentre os principais temas de sua agenda, o CGF aprova resoluções

contendo objetivos a serem perseguidos por seus membros.

2.3.3.1 Resolução sobre desmatamento

Em novembro de 2010, o Conselho Diretor do CGF adotou a Deforestation

Resolution, estabelecendo o compromisso de mobilizar recursos no âmbito dos negócios de

seus membros para ajudar a alcançar desmatamento líquido zero123 até 2020 nas cadeias

produtivas. Esse objetivo será perseguido de forma individual pelas empresas e por meio de

parcerias com governos e ONGs.

Serão desenvolvidos planos de ação para atacar os desafios ligados a desmatamento

nas diferentes cadeias produtivas que originam commodities como palma, soja, carne, papel e

celulose. O CGF trabalhará com ONGs, bancos, governos, dentre outros atores, com vistas a

criar mecanismos financeiros que incentivem a conservação das florestas e permitam levar ao

desmatamento zero líquido e, em paralelo, permitir que os países atinjam suas metas de

desenvolvimento econômico.124

2.3.3.2 Resolução sobre desperdício de alimentos

Em 2015, foi aprovada a Food Waste Resolution, reconhecendo que o desperdício de

alimentos é um grande desafio social, ambiental e econômico que tolhe a segurança alimentar,

contribui para as mudanças do clima, consome recursos naturais desnecessariamente e custa

dinheiro.

Dessa forma, os membros do CGF se comprometem a ajudar a evitar o desperdício de

alimentos e maximizar sua recuperação com o objetivo de reduzir pela metade o desperdício

dentro das operações de varejo e manufatura dos membros do CGF até 2025, tendo como

linha de base o ano de 2016.

Adicionalmente, como forma de contribuir para o alcance dos SDG até 2030, reduzir

pela metade o desperdício de alimentos per capita a nível do consumidor e reduzir as perdas

123 No Capítulo 3 será feita uma análise profunda do debate sobre desmatamento zero e desmatamento líquido

zero. 124 Para maiores informações sobre a Deforestation Resolution, consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM.

Deforestation Resolution. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/sustainability-strategic-focus/sustainability-resolutions/deforestation-resolution>. Acesso em: 3 jun. 2016a.

130

de alimentos ao longo de cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-

colheita, bem como maximizar o valor dos resíduos alimentares restantes.125

2.3.3.3 Resolução social sobre trabalho forçado

Em janeiro de 2016, o Conselho do CGF aprovou a Social Resolution on Forced

Labour por meio da qual os membros reconhecem seu papel como empresas responsáveis por

respeitar e promover os direitos humanos e condições decentes de trabalho no mundo todo,

alinhadas com esforços como os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e

os Direitos Humanos, a Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no

Trabalho, Orientações da OCDE para Empresas Multinacionais e os SDG.

Além disso, os membros reconhecem o amplo problema social da escravidão

moderna e da necessidade de erradicar o trabalho forçado das cadeias de valor.

Com vistas a implementar os compromissos da resolução, e levando em conta o

poder da ação coletiva como um grupo da indústria para identificar e resolver problemas e

geografias de preocupação comum, serão desenvolvidos planos de ação específicos de apoio à

erradicação do trabalho forçado, alinhado com os princípios da OIT.

Para tanto, o CGF trabalhará com os governos e com a sociedade civil. Algumas das

ações que serão desenvolvidas: a) tratar de temas e áreas geográficas específicas; b) adotar

ações conjuntas para evitar violações de regras; c) promover a harmonização das normas e

sistemas de cadeia de suprimentos da indústria; d) compartilhar melhores práticas.126

Vale ainda destacar as resoluções sobre saúde e bem-estar e sobre refrigeração. Além

disso, os compromissos sobre saúde e bem-estar, segurança dos alimentos e Cadeia de Valor

End to End e Padrões (E2E Value Chain & Standards).127

É importante mencionar que o CGF não visa expressamente a criação de padrões,

muito embora se engaje em discussões sobre padrões voluntários como forma de promover

parte de seus propósitos. Da mesma forma que a UNFSS e a ISEAL, o CGF não pode ser 125 Para maiores informações sobre a Food Waste Resolution, consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM.

Food Waste Resolution. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/sustainability-strategic-focus/sustainability-resolutions/food-waste-resolution>. Acesso em: 5 set. 2016b.

126 Para maiores informações sobre a Social Resolution on Forced Labour, consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM. Social Resolution on Forced Labour. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/strategic-focus/social-sustainability/our-social-sustainability-work>. Acesso em: 5 set. 2016g.

127 Para informações sobre essas resoluções e compromissos, consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM. Resolutions & Commitments: driving positive business action. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/strategic-focus/public-resolutions-commitments>. Acesso em: 5 set. 2016f.

131

caracterizado como uma organização de padronização, que elabora e cria padrões de forma

direta. Mas, sim, uma organização que promove as iniciativas de padronização, serve como

foro de debates e de discussão sobre como promover melhores práticas com base em VSS.

Algumas das publicações recentes do CGF que, apesar de não serem padrões

propriamente ditos, estabelecem certos critérios e requisitos que devem ser adotados por seus

membros globalmente:

a) Calculation Guidelines for the Measurement of Embedded Soy Usage in Consumer

Goods;

b) CGF Sustainable Soy Sourcing Guidelines;

c) Refrigeration Booklet - Real-Life Examples;

d) 2015 CGF Soy Ladder;

e) The Sustainable Palm Oil Sourcing Guidelines;

f) Sustainability Climate Change Booklet - Real-Life Examples;

g) The Sustainable Soy Sourcing Guidelines;

h) The Pulp, Paper & Packaging Guidelines;

i) Sustainability Activation Toolkit;

j) Sustainability Communications Glossary;

k) Global Protocol on Packaging Sustainability 2.0.128

De certa forma, o trabalho desenvolvido no âmbito do CGF reflete a criação de

instrumentos que podem ser caracterizados como soft law, especialmente quando se observam

a abrangência dos membros e o objetivo de engajar governos, bancos, ONGs e outros atores

nas ações do CGF.

No Capítulo 4, o pilar de sustentabilidade do CGF será analisado em detalhes tendo

como referência o objetivo de se alcançar cadeias produtivas livres de desmatamento.

2.3.4 European Food Sustainable Consumption and Production Round Table – FOOD

SCP Roundtable

A European Food Sustainable Consumption and Production Round Table – FOOD

SCP Roundtable é uma iniciativa público-privada criada em maio de 2009 em Bruxelas, co-

128 Para acessar as publicações, consultar: THE CONSUMER GOODS FORUM. Pillar resources: supporting

implementation; driving change. Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/sustainability-resources/publications>. Acesso em: 5 set. 2016e.

132

presidida pela Comissão Europeia e parceiros da cadeia de alimentos, com apoio da United

Nation Environment Program (UNEP) e da European Environment Agency (EEA).

A visão da FOOD SCP Roundtable é promover uma abordagem científica e coerente

com o consumo e a produção sustentáveis no setor de alimentos em toda a Europa, levando

em conta as interações ambientais em todas as fases da cadeia alimentar. Para tanto, segue o

princípio de que a informação ambiental comunicada ao longo da cadeia alimentar, incluindo

os consumidores, deve ser cientificamente confiável e consistente, compreensível e não

enganosa, de modo a apoiar a escolha informada pelos consumidores.

Dessa forma, a cadeia de alimentos pode e deve contribuir para a produção e

consumo sustentáveis na UE. A SCP Roundtable pode ajudar a fortalecer a competitividade

das cadeias de alimentos europeias, mas também suportar objectivos políticos, nomeadamente

as apresentadas no European Commission’s Action Plan on Sustainable Consumption and

Production and Sustainable Industrial Policy. Além disso, garantir a conformidade com as

regras do mercado único da União Europeia, evitando as distorções da concorrência.

Especificamente, os objetivos da FOOD SCP Roundtable são:

a) identificar métodos de avaliação ambiental cientificamente confiáveis e uniformes

para produtos alimentares e bebidas, incluindo produtos de categorias específicas que

sejam relevantes, considerando seus impactos significativos ao longo de todo o ciclo

de vida do produto;

b) identificar ferramentas de comunicação adequadas para os consumidores e outras

partes interessadas, olhando para todos os canais e meios de comunicação;

c) promover a elaboração de relatórios sobre a melhoria ambiental contínua ao longo de

toda a cadeia de abastecimento alimentar e se engajar em um diálogo aberto com as

partes interessadas;

d) desenvolver e promover a sustentabilidade da cadeia de alimentos europeia;

e) promover a coordenação e a consistência de políticas sobre sustentabilidade em nível

internacional. 129

A estrutura de governança da SCP Roundtable baseia-se em um Plenário, Comitê de

Direção, Secretariado, Grupos de Trabalho, organizações de suporte, observadores e experts

convidados. Os membros é que financiam a iniciativa, de acordo com decisões do Plenário

baseadas em propostas do Comitê de Direção.130

129 FOOD SCP Roundtable. Disponível em: <http://www.food-scp.eu/node/20>. Acesso em: 5 maio 2016. 130 Para detalhes sobre o funcionamento e a governance da FOOD SCP Roundtable, ver os Termos de Referência

em: <http://www.food-scp.eu/sites/default/files/terms_of_reference.pdf>.

133

É interessante ressaltar que como organização oco-presidente, a Comissão Europeia

deve participar assegurando o envolvimento dos seus departamentos, conhecidos como

Directorate-Generals (DGs). Dentre os DGS envolvidos vale destacar: Agriculture and Rural

Development, Climate Action, Communications Networks, Content and Technology, Energy,

Environment, Health and Food Safety, Trade, dentre outros.131

Organização Co-presidente

Comissão Europeia

Organizações de suporte

European Environment Agency (EEA) United Nation Environment Program (UNEP)

Membros fundadores

European Farmers and European Agri-Cooperatives European Organization for Packaging and the Environment European Feed Manufacturers Federation European Fertilizer Manufacturers Association FoodDrinkEurope

Membros associados

The Sustainability Consortium

Outros membros Alliance for Beverage Carton and the Environment European Crop Protection Association Extended Producer Responsibility Alliance European Container Glass Association Flexible Packaging Europe European Primary Food Processors Industry Association

Organizações observadoras

Agriculture and Agri-Food Canada Dutch Ministry of Agriculture, Nature and Food Quality Italian National Agency for New Technologies, Energy and Sustainable Economic Development Eurogroup for Animals Food and Agriculture Organization of the United Nations French Environment & Energy Management Agency Hungarian Ministry of Rural Development French Ministry for Ecology, Energy, Sustainable Development and the Sea Agrifood Research Finland Netherlands Ministry for Environment Spanish Agriculture Ministry Spanish Consumers Union Swedish National Food Administration Swiss Federal Office for the Environment Technical University of Denmark UK Department for Environment, Food and Rural Affairs UK Food Safety Authority UK Food Standards Agency United Nations Development Programme - UNDP U.S. Department of Agriculture at the U.S. Mission to the EU

Quadro 9 – Membros da FOOD SCD Roundtable Fonte: <http://www.food-scp.eu/node/29>.

Em 2010 foram aprovados os princípios da SCP Roundtable, tendo como premissa o

reconhecimento de que as informações ambientais devem ser comunicadas ao longo da cadeia

131 Para mais informações sobre os DGs da Comissão Europeia, consultar:

<http://ec.europa.eu/about/ds_en.htm>.

134

de alimentos, envolvendo os consumidores, baseado em informações científicas consistentes,

compreensíveis e que evitem confundir e permitam escolhas informadas com base nas

melhores informações.

Principles for the voluntary environmental assessment of food and drink products Principle 1: Identify and analyse the environmental aspects at all life-cycle stages Principle 2: Assess the significant potential environmental impacts along the life-cycle Principle 3: Apply recognised scientific methodologies Principle 4: Periodically review and update the environmental assessment Principles for the voluntary communication of environmental information Principle 5: Provide information in an easily understandable and comparable way so as to support informed choice Principle 6: Ensure clarity regarding the scope and meaning of environmental information Principles for both voluntary environmental assessment and communication Principle 7: Ensure transparency of information and underlying methodologies and assumptions Principle 8: Ensure that all food chain actors can apply the assessment methodology and communication tools without disproportionate burden Principle 9: Support innovation Principle 10: Safeguard the Single Market and international trade

Quadro 10 – Princípios da FOOD SCP Roundtable Fonte: <http://www.food-scp.eu/sites/default/files/Guiding_Principles.pdf>.

Com base nos princípios, a agenda da SCP Roundtable é desenvolvida com base no

trabalho de quatro grupos: a) avaliação ambiental; b) informações ambientais; c) melhorias

contínuas; d) aspectos internacionais e não ambientais.

Levando-se em conta a comparação do padrão frente às regras da OMC, vale

destacar o princípio 3 que prevê o uso de reconhecidas metodologias como base para a criação

de métodos de avaliação de impacto ambiental. É importante recordar que a fundamentação

das medidas que visem proteger um fim como reduzir impactos ambientais e informar os

consumidores torna-se essencial como forma de dar legitimidade para as mesmas. Sem

fundamentação, preferencialmente baseadas nas melhores informações e conhecimento

científico disponíveis, as medidas podem criar restrições não fundamentadas ou

desnecessárias ao comércio.

O grupo de avaliação ambiental tem como foco criar métodos para avaliar impactos

ambientais da produção de alimentos visando a metodologias harmonizadas e que permitam

levar aos consumidores informações precisas e que evitem confusão. Em novembro de 2013,

este grupo aprovou o Environmental Assessment of Food and Drink Protocol – ENVIFOOD

Protocol 1.0, um padrão para avaliação ambiental de produtos alimentares e bebidas. O

Protocolo é um documento vivo que poderá ser revisado levando em conta o aprimoramento

das metodologias de avaliação de impacto ambiental.

135

O Protocolo foi construído considerando seus princípios e relevantes padrões

internacionais para avaliação de ciclo de vida (life cycle assessment – LCA), selos ambientais,

eco-design (como os padrões ISO 14040/14044, ISO/TS 14067, ISO1402X, ISO/TR14062), o

International Reference Life Cycle Data System (ILCD) Handbook: General Guide for Life

Cycle Assessment – Detailed Guidance, o Product Environmental Footprint (PEF) Guide da

Comissão Europeia, metodologias, guidelines e outros documentos.132

O grupo de informações ambientais tem como foco promover a avaliação ambiental

voluntária de produtos alimentícios e bebidas e a comunicação voluntária das informações

ambientais. O relatório Communicating environmental performance along the food chain faz

uma análise crítica dos desafios e objetivos ligados à comunicação de impactos ambientais

diretamente relacionada aos consumidores e aponta recomendações sobre como aperfeiçoá-la.

Dentre suas conclusões, a comunicação é essencial para sensibilizar os consumidores

e parceiros da cadeia de alimentos sobre aspectos ambientais dos produtos e serviços, para

aumentar a sua familiaridade e compreensão do desempenho ambiental e para ajudar a

informar suas decisões de compra e apoiar escolhas mais sustentáveis.

É interessante ponderar que, dentre as opções apontadas como forma de comunicar

impactos ambientais, as certificações/padrões privados/VSS são apontadas como ferramentas

que têm cada vez mais aceitação pelos consumidores, muito embora não cubram todos os

aspectos de LCA. Além disso, há uma infinidade de iniciativas, o que pode motivar confusão

de informações e, até mesmo, trazer impactos para pequenos produtores. O uso das

certificações deverá ser analisado com mais detalhes pela SCP Roundtable.133

Dentre os aspectos não ambientais é importante destacar temas que são relevantes

sob a perspectiva de avaliação de impacto social: segurança alimentar, desenvolvimento rural,

confiança dos consumidores e escolha, saúde e nutrição, bem-estar animal e regularização

fundiária e propriedade da terra.134 Esses temas ainda precisam ser avaliados com mais

acuidade no âmbito da SCP Roundtable, e evidenciam uma agenda ampla que merece atenção

na medida em que podem levar à criação de metodologias de avaliação de impacto.

132 Para maiores detalhes sobre o conteúdo do ENVIFOOD Protocol 1.0, consultar: <http://www.food-

scp.eu/files/ENVIFOOD_Protocol_Vers_1.0.pdf>. 133 EUROPEAN FOOD SUSTAINABLE CONSUMPTION AND PRODUCTION ROUND TABLE.

Communicating environmental performance along the food chain. 8 December 2011. Disponível em: <http://www.food-scp.eu/files/ReportEnvComm_8Dec2011.pdf>. Acesso em: 10 set. 2016. p. 17-18.

134 Critérios definidos de acordo com o Guidelines for Social Life Cycle Assessment of Products adotado no âmbito da UNEP. Para maiores informações, consultar: UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME. Guidelines for Social Life Cycle Assessment of Products. 2009. Disponível em: <http://www.unep.fr/shared/publications/pdf/DTIx1164xPA-guidelines_sLCA.pdf>. Acesso em: 8 set. 2016.

136

Como mensurar cientificamente temas sociais como regularização fundiária e

propriedade da terra e segurança alimentar são desafios que podem motivar a criação de

padrões que gerem restrições ao comércio.

O foco da SCP Roundtable em promover avaliação de impactos ambientais baseado

em LCA, que tem relação direta com emissões de GEEs, reflete a importância deste tema

diante da produção, consumo e comercialização em nível global.

Em princípio, pode-se dizer que a SCP Roundtable pode ser reconhecida como uma

organização que visa harmonizar metodologias e promover a adoção de padrões e regras que

permitam avaliar impactos e comunicá-los aos consumidores. No entanto, há que se ponderar

até que medida as ações adotadas são efetivamente fundamentadas em dados científicos, não

causam discriminação e seguem os requisitos para elaboração de padrões do Acordo TBT.

137

3 PADRÕES PRIVADOS: ESTUDO DE CASOS

Após avaliar diferentes padrões privados que visam atingir objetivos de natureza

ambiental, sanitária e fitossanitária, e diferentes modelos de governança aliados aos padrões, é

essencial para os fins propostos na tese, detalhar casos que permitam avaliar os padrões

perante as regras da OMC.

Na medida em que os padrões privados ou VSS passam a ser adotados por um

número relevante de empresas, bancos, países e outros atores, podem incentivar melhorias em

processos produtivos, promover benefícios ambientais, sociais e para segurança dos

alimentos, e aperfeiçoar cadeias produtivas em diversos setores.

Em paralelo, os padrões podem gerar custos e, em certos casos, dependendo do grau

das exigências que traz, restrições ou barreiras ao comércio. A não discriminação das medidas

adotadas para proteger o meio ambiente, a vida e a saúde humana, animal e vegetal, exige na

OMC, o cumprimento de requisitos essencialmente relacionados à fundamentação das

medidas, à transparência e ao cumprimento dos princípios da OMC, notadamente, cláusula da

nação mais favorecia e tratamento nacional.

Para que seja possível fazer uma análise jurídica dos padrões privados diante das

regras multilaterais do comércio, propõe-se analisar casos concretos que, na visão do autor,

podem gerar controvérsias na OMC e, portanto, merecem atenção.

O primeiro caso será dos padrões e iniciativas que visam promover desmatamento

zero ou desmatamento líquido zero em diferentes cadeias produtivas, por meio de políticas

corporativas, compromissos envolvendo empresas, ONGs, países e bancos, regulamentações

de países ou tratados ambientais internacionais.

A dimensão que a agenda de evitar desmatamento ganhou no plano internacional

transcende os MEAs e políticas adotadas pelos países para reduzir emissões de GEEs e

implementar as metas de biodiversidade, por exemplo.

Expressões como desmatamento evitado, cadeias livres de desmatamento, produção

livre de desmatamento, desmatamento zero e desmatamento líquido zero se tornam marcantes

em grandes discussões globais que ultrapassam o campo diplomático e pontuam agendas de

investidores, fundos de pensão, bancos, empresas multinacionais, ONGs e produtores.

O segundo caso tratará dos requisitos de sustentabildiade para a produção e

importação de biocombustíveis na União Europeia, tendo como base a Diretiva 2009/28/EC,

138

conhecida como Renewable Energy Directive (RED)135, que trata da promoção do uso de

energias renováveis e a Diretiva 2009/30/EC (Fuel Quality Directive – FQD)136 que

estabeleceu padrões e regras para a qualidade dos biocombustíveis e critérios de

sustentabilidade ligados ao cálculo das emissões de GEEs ao longo do ciclo de vida dos

biocombustíveis, incluindo os efeitos indiretos do uso da terra (indirect land use changes –

iLUC).

No contexto da política comunitária de energias renováveis, a criação de padrões de

sustentabilidade para biocombustíveis e o reconhecimento de certificações privadas como

forma de cumprir com os mesmos reflete o papel que a governança privada alcança no tocante

a certos temas ambientais.

O terceiro caso abordará uma iniciativa que, apesar de não criar padrões propriamente

ditos, promove padrões com fins sanitários e fitossanitários, mais especificamente temas

relacionados à segurança dos alimentos, a Global Food Safety Initiative (GFSI) e um dos

padrões reconhecidos pela GFSI, o GlobalG.A.P.

3.1 Desmatamento zero e desmatamento líquido zero

Desmatamento é um tema marcante no âmbito de padrões privados, certificações e

iniciativas que visam promover critérios de proteção ambental. Produtos livres de

desmatamento e/ou cadeias produtivas livres de desmatamento é a tônica debatida por grandes

empresas da cadeia de alimentos e energias renováveis, bancos, fundos de pensão, ONGs,

consumidores, países e organizações internacionais.

Seja pelo desafio de reduzir emissões de GEEs, ou de promover a conservação da

biodiversidade, passando por aspectos sociais ligados às populações que vivem e dependem

das florestas, a redução do desmatamento se tornou um objetivo que compõe agendas em

nível global. Basta ver que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que compõem a

135 EUROPEAN COMMISSION. Directive 2009/28/EC of the European Parliament and of the Council of 23

April 2009: on the promotion of the use of energy from renewable sources and amending and subsequently repealing Directives 2001/77/EC and 2003/30/EC. Official Journal of the European Union, I. 239/1, 5 June 2009a. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32009L0028&from=EN>. Acesso em: 13 jun. 2016.

136 EUROPEAN COMMISSION. Directive 2009/30/EC of the European Parliament and of the Council of 23 April 2009: amending Directive 98/70/EC as regards the specification of petrol, diesel and gas-oil and introducing a mechanism to monitor and reduce greenhouse gas emissions and amending Council Directive 1999/32/EC as regards the specification of fuel used by inland waterway vessels and repealing Directive 93/12/EEC. Official Journal of the European Union, I. 140/88, 5 June 2009b. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2009:140:0088:0113:EN:PDF>. Acesso em: 13 jun. 2016.

139

agenda 2030 da ONU, englobam a conservação das florestas e outros recursos naturais de

forma bastante contundente.

O propósito de avaliar o caso das demandas relacionadas a desmatamento é de

extrema relevância para o objetivo desta tese, especialmente levando-se em conta os

diferentes atores que promovem padrões que contemplam desmatamento zero ou

desmatamento líquido zero e/ou fazem exigências que podem afetar o comércio internacional.

Saliente-se, todavia, que o caso ilustra a importância do debate sobre padrões,

governança privada de temas ambientais e fortalecimento de instrumentos de soft law, o que

exige repensar regras e sistemas multilaterais como a OMC. Como em todos os casos

analisados na presente pesquisa, não se pretende apoiar ou criticar como posição pessoal, mas

simplesmente como forma de fomentar o pensamento crítico sobre o tema.

Medidas oriundas diretamente de um Membro da OMC devem ser avaliadas à luz do

Artigo XX (b) do GATT e do Artigo 2.2 do Acordo TBT. Por sua vez, medidas criadas por

um grupo de empresas, ONGs, bancos e outros atores, devem ou não seguir as regras da

OMC? Medidas criadas por vários atores com o suporte ou apoio de Membros da OMC se

chocam ou não com as regras comerciais? Essas questões são extremamente relevantes diante

da hipótese proposta, e serão oportunamente avaliadas no Capítulo 4.

Nesse sentido, é essencial entender de onde vem a pressão pelo desmatamento zero

ou desmatamento líquido zero. Antes, contudo, é importante ponderar que não há conceitos

harmonizados ou internacionalmente aceitos para essas expressões, especialmente para

desmatamento líquido zero ou zero net deforestation.

Desmatamento zero ou desmatamento bruto zero (gross deforestation) pode ser

entendido como a não conversão e degradação de florestas e/ou outras formas de vegetação

nativa (campos, vegetação secundária ou em estágio de revegetação137, vegetação arbustiva)

137 No Brasil, vegetação secundária ou em regeneração é a “vegetação resultante dos processos naturais de

sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer espécies remanescentes da vegetação primária” (BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA. Resolução 423/2010. Brasília, DF, 2010a. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=628>. Acesso em: 1 fev. 2016). Para a FAO, “Secondary forests are forests regenerating largely through natural processes after significant removal or disturbance of the original forest vegetation by human or natural causes at a single point in time or over an extended period, and displaying a major difference in forest structure and/or canopy species composition with respect to pristine primary forests. Secondary vegetation is generally unstable, and represents successional stages. If undisturbed by recurrent disturbances such as grazing, tree felling, and frequent fires, secondary vegetation may slowly be invaded by primary forest trees and can eventually revert to the original type. But the speed of change depends on the frequency and intensity of disturbance, and the availability of seed parents.” (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. The state of secondary forests in anglophone sub-saharan african countries: challenges and opportunities for sustainable management in Africa. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/006/j0628e/J0628E16.htm>. Acesso em: 3 jul. 2016).

140

comparada a um dado período no tempo, o que, na prática, exige que os países tenham leis

que proibam qualquer modalidade de desmatamento e capacidade de monitorar e coibí-lo.

No Brasil, a Lei n.º 12.651/2012, informalmente conhecida como Código Florestal,

permite a conversão de parte da propriedade, seguindo critérios atrelados ao bioma, a efetiva

conservação das chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e das áreas de Reserva

Legal e a legalidade da propriedade no tocante a desmatamentos anteriores.138

É relevante apontar que o Código Florestal exige a conservação de vegetação nativa em

cada posse ou propriedade. As APPs são áreas ao longo de rios, nascentes, encostas e morros, e as

áreas a serem preservadas variam de acordo com a largura dos rios, declividade das montanhas e

tamanho da propriedade. As áreas de Reserva Legal variam de acordo com o bioma (na Amazônia

Legal, de 80% a 50% nas áreas de florestas e 35% no Cerrado; 20% nos demais biomas).

No bioma Mata Atlântica, por exemplo, é proibida a conversão de vegetação nativa,

exceto em casos excepcionais, devendo haver a compensação mediante proteção de área

equivalente localizada na mesma bacia hidrográfica e/ou microbacia, e mesmo município nos

casos de conversão em área urbana.139

De acordo com o World Wildlife Fund (WWF), a expressão desmatamento líquido

zero parte da premissa de que o desmatamento, até certo limite, pode ser compensado pela

restauração de florestas:

Desmatamento líquido zero reconhece que a perda florestal poderia ser compensada pela restauração. Desmatamento líquido zero não é sinônimo de proibição total de conversão da floresta. Mas, deixa espaço para uma mudança na configuração no mosaico do uso da terra, desde que a quantidade, qualidade e densidade líquida de carbono das florestas seja mantida. Reconhece que em algumas circunstâncias, a conversão de florestas em um terreno, pode contribuir para o desenvolvimento sustentável e a conservação de uma paisagem mais ampla (ex.: reduzir a pecuária em áreas protegidas pode requerer a conversão de floresta em zona de amortecimento para prover campos agrícolas para comunidades locais).140

138 BRASIL. Lei n.º 12.727, de 17 de outubro de 2012. Altera a Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, que

dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, n.º 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e n.º 11.428, de 22 de dezembro de 2006; e revoga as Leis n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965, e n.º 7.754, de 14 de abril de 1989, a Medida Provisória n.º 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do art. 167 da Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o § 2o do art. 4º da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012. Brasília, DF, 2012b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/L12727.htm>. Acesso em: 18 maio 2016.

139 BRASIL. Lei 11.428/2006, de 22 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências. Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11428.htm>. Acesso em: 14 maio 2016.

140 WORLD WIDE FUND FOR NATURE. Zero net deforestation by 2020. A WWF Briefing Paper. Disponível em: <http://awsassets.panda.org/downloads/wwf_2020_zero_net_deforest_brief.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016. Tradução nossa: “Zero net deforestation" acknowledges that some forest loss could be offset by forest

141

É importante mencionar que a WWF propôs este conceito apoiada por 67 países

durante a 9a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica realizada em

Bonn, em 2009. O Secretário Executivo da CDB, Dr. Ahmed Djoghlaf, ministros, chefes de

delegação, o Comissário Europeu de Meio Ambiente e várias organizações assinaram um

cartão postal endereçado ao Diretor Geral da WWF, Sr. James Leape, pedindo o

desmatamento líquido zero.

Dentre os 67 países que assinaram o cartão postal, vale citar Brasil, Colômbia,

Paraguai, Peru, Indonésia, Congo, Guiné Equatorial (países com desmatamento), Japão,

Holanda, Nova Zelândia, México, Austrália, África do Sul, Reino Unido, dentre outros, além

da Comissão Europeia.141

Apesar de ter sido uma manifestação informal, pois não se tratava de uma decisão da

CDB, a campanha da WWF teve um impacto significativo e pode-se dizer que deu força para

a discussão sobre desmatamento zero e/ou desmatamento líquido zero.

Figura 7 – Cartão Postal Desmatamento Líquido Zero Fonte: WORLD WILDLIFE FUND FOR NATURE, 2016.

restoration. Zero net deforestation is not synonymous with a total prohibition on forest clearing. Rather, it leaves room for change in the configuration of the land-use mosaic, provided the net quantity, quality and carbon density of forests is maintained. It recognizes that, in some circumstances, conversion of forests in one site may contribute to the sustainable development and conservation of the wider landscape (e.g. reducing livestock grazing in a protected area may require conversion of forest areas in the buffer zone to provide farmland to local communities)”.

141 Para ver a lista completa, ver WORLD WIDE FUND FOR NATURE, 2016.

142

Embora esse conceito de desmatamento líquido zero não tenha sido formalmente

adotado em nenhum dos tratados ambientais internacionais relacionados às florestas, a

expressão ganha espaço em diversos foros.

Romain Pirard, Akiva Fishman, Sophia Gnych, Krystof Obidzinski, Pablo Pacheco

resumem a discussão conceitual tomando como base as seguintes expressões:

a) desmatamento zero, livre de desmatamento ou não desmatamento: expressões mais

neutras e amplamente utilizadas, mas não especificam como mensurar;

b) desmatamento bruto zero: exige que a área de florestas não seja convertida e esteja

relacionada com a indústria em questão; desconsidera o reflorestamento e a

regeneração natural;

c) desmatamento líquido zero: é uma expressão controversa na medida em que aceita que

o desmatamento em algum lugar seja compensado pela restauração em outro (como

assegurar que a restauração terá relação com a indústria que “gera” um

desmatamento?);

d) desmatamento ilegal zero: é um termo que basicamente significa cumprimento das

leis, o que, na prática, leva a compromissos frágeis e difíceis de serem mensurados;

e) desmatamento líquido positivo: expressão que combina o desmatamento bruto zero

com restauração de florestas como forma de não converter mais áreas.

Para os autores,

O terceiro termo “desmatamento líquido zero” é mais complexo e controverso. Ele aborda atividades potencialmente desenvolvidas fora de áreas de fornecimento para a indústria. Isto significa a conversão de florestas naturais em uma localidade, que podem ser compensadas por florestas em outra localidade, o que representa uma série de problemas. Por exemplo, nesta extensão de cobertura florestal adicional, isto é, pode ser atribuída pelos esforços dos fornecedores que são responsáveis por essa conversão (ou a indústria consumidora), ou esta nova área reflorestada equivalente com a outra área convertida dentro do escopo de serviços ambientais (e, portanto, também de uma perspectiva socioeconômica além de atributos ecológicos)? ONGs vêm, tradicionalmente, se opondo à esta abordagem. De fato, isto é menos ambicioso, restritivo e conecta com controvérsias ao redor de um papel e impactos das florestas plantadas nos trópicos. Ao mesmo tempo, o desmatamento líquido zero pode também incluir plantações protetivas e até áreas restauradas com florestas naturais ou seminaturais142

142 PIRARD, Romain et al. Deforestation-free commitments: The challenge of implementation – An application

to Indonesia. Center for International Forestry Research (CIFOR). Disponível em: <http://www.cifor.org/publications/pdf_files/WPapers/WP181Pirard.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2016. p. 5. Tradução nossa: “The third term “zero net deforestation” is more complex and controversial. It deals with activities potentially undertaken outside of the area of supply for the industry. This means that conversion of a natural forest somewhere can be offset by an extension of the forest cover elsewhere, which poses a number of problems. For instance, is this extended forest cover additional, i.e. can it be attributed to the efforts of the

143

A discussão conceitual sobre os compromissos que visam assegurar não

desmatamento atrelado a produtos e bens é enorme. A despeito da falta de consenso sobre

como quantificar e mensurar o desmatamento ou o não desmatamento, há diversas iniciativas

que tratam do tema, o que será visto a seguir.

3.1.1 Iniciativas que promovem o desmatamento zero ou líquido zero

Óleo de palma, soja e seus inúmeros produtos derivados, carne produzida na

Amazônia e no Cerrado, açúcar, etanol, papel, madeira, milho, algodão, cítricos e produtos

lácteos são alvos da demanda de produção livre de desmatamento. Mesmo que o

desmatamento seja permitido no país de origem, a demanda por desmatamento zero torna-se

cada vez mais presente, e afeta a produção, exportação, investimentos e a imagem de

empresas ligadas direta ou indiretamente ao desmatamento.

O Consumer Goods Forum, por exemplo, adotou uma meta de alcançar

desmatamento líquido zero até 2020. Para tanto, as empresas devem investir na originação

responsável de commodities como soja, palma, papel e celulose e carne, a fim de assegurar

que são produzidas livres de desmatamento. Levando em conta que esse desafio é

extremamente ambicioso, é fundamental estabelecer parcerias com governos, ONGs, indústria

e produtores.

Os membros do CGF endossam o conceito de desmatamento líquido zero da WWF, e

se opõem à conversão de florestas primárias para a produção de qualquer alimento. Embora o

desmatamento líquido zero não implique na proibição total contra qualquer desmatamento,

requer que a densidade de carbono e qualidade das florestas seja mantida no balanço entre

desmatamento e restauração.

Nesse sentido, os compromissos dos membros do CGF compreendem ações como:

a) acabar com desmatamento em suas cadeias de produção;

b) fomentar um mercado de matérias-primas produzidas de forma a reduzir o

desmatamento de florestas tropicais;

supplier that is responsible for forest conversion in the first place (or the supplied industry), or is this newly forested area comparable to the converted one in terms of ecosystem services (and hence also from a socioeconomic perspective beyond ecological attributes)? NGOs have traditionally opposed such an approach. Indeed, it is the least ambitious and constraining, and connects to controversies around the role and impacts of timber plantations in the tropics. At the same time, “zero net deforestation” might also include protective plantations or even restored areas with natural or semi-natural forests.”

144

c) trabalhar com fornecedores para desenvolver fontes de originação livres de

desmatamento;

d) assegurar dentro de suas cadeias o cumprimento de leis e regulamentações que

promovam a conservação das florestas tropicais;

e) trabalhar junto com atores influentes da cadeia produtiva, incluindo empresas de

commodities, governos e setor financeiro;

f) promover a conscientização sobre as questões de sustentabilidade nos mercados em

que este tema é pouco presente.143

Em paralelo, a Tropical Forest Alliance (TFA), iniciativa público-privada criada

durante a RIO+20, com base no compromisso de desmatamento líquido zero assumido pelo

CGF, tem a agenda de evitar desmatamento na produção de palma, soja, carne, papel e

celulose como forma de reduzir emissões de GEEs, melhorar as condições de vida de

pequenos agricultores, conservar os hábitats naturais e proteger as florestas tropicais para as

futuras gerações.

É importante observar que o CGF, em parceria com os Estados Unidos, criaram a

TFA como uma iniciativa voltada para promover a agenda de desmatamento líquido zero. Os

membros da TFA compreendem diversas ONGs (TNC, WWF, Solidariedad, National

Wildlife Federation), empresas (Golden Agri-Resources, Nestle, Unilever, Cargill, Mondelez,

Mars, Marfrig, M&S, Mc Donalds, PWC, Wilmar International, Walmart, dentre outras) e

países (Estados Unidos, Reino Unido, Indonésia, Noruega, Liberia, Gana, Holanda, Costa do

Marfim, dentre outros).

Em junho de 2015, o secretariado da TFA passou a ser conduzido no âmbito do

World Economic Forum, em Genebra, com suporte financeiro da Noruega e do Reino Unido.

Promover cadeias produtivas livre de desmatamento é o objetivo central da TFA:

Cadeias de fornecimento livres desmatamento são críticas para o desenvolvimento de baixo carbono. Com uma população mundial esperada em 9 bilhões de pessoas em 2050, é estimado um adicional de 70% nos alimentos, enquanto a demanda para produtos madeireiros também continuará crescente. Nas últimas décadas, atingir a crescente demanda de alimentos e produtos tem frenquentmente um custo para as florestas, fazendo da agricultura comercial o principal propulsor do desmatamento de florestas tropicais. Nos últimos anos, tem sido gerado um nível sem precedentes no comprometimento das nações, empresas, povos indígenas e outras organizações para frear as causas do desmatamento, enquanto ao mesmo

143 THE CONSUMER GOODS FORUM, 2016a.

145

tempo, atingir metas ousadas de reflorestamento e restauração. A Tropical Alliance 2020 foi desenvolvida para auxiliar a atinigir esses objetivos por meio participações público-privada.144

É interessante observar que, apesar de o CGF e a TFA serem iniciativas

preponderantemente privadas, contam com participação de países e, especialmente,

financiamento de países. São, na prática, iniciativas público-privadas. Esse aspecto é

extremamente relevante para o objeto da presente tese.

Vale anotar que, dentre os diversos modelos de padrões privados, há casos explícitos

de iniciativas que contam com a participação formal de países que são Membros da OMC,

seja por meio de apoio à iniciativa, seja com suporte financeiro. Este aspecto parece uma

realidade cada vez mais presente no contexto de temas ambientais. No Capítulo 4 será feita

uma ponderação desses casos diante das regras da OMC, notadamente o Acordo TBT e as

regras do GATT.

Pode-se dizer que a demanda por práticas que promovam desmatamento zero e/ou

desmatamento líquido zero teve origem em países desenvolvidos, notadamente na União

Europeia e nos Estados Unidos. O envolvimento de países em desenvolvimento, como

Indonésia e Brasil, onde os estoques florestais são estratégicos, dá-se pela pressão de

empresas multinacionais, bancos e ONGs que defendem essa agenda e promovem formas de

alcançá-la.

No dia 23 de setembro de 2014, durante a UN Secretary-General’s Climate Summit,

aproximadamente 150 atores, envolvendo países, empresas, representantes de populações

indígenas e organizações assinaram a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas (The New

York Declaration on Forests – NYDF, ou simplesmente Declaração) com o propósito de

reduzir pela metade as taxas globais de desmatamento até 2020 e zerar o desmatamento até

2030, além de impulsionar ações de reflorestamento e restauração florestal.

Dez objetivos norteiam as ações e iniciativas dos atores que aderiram a Declaração

de Nova Iorque:

144 TROPICAL Forest Alliance. Disponível em: <https://www.tfa2020.org/about-tfa/objectives/>. Acesso em:

21 jun. 2016. Tradução nossa: “Deforestation-free supply chains are critical to low emission development. With the world’s population predicted to reach 9 billion by 2050, it is estimated that 70% more food calories will be needed, while demand for wood products will also continue to increase. Over the past decades, meeting the rising demand for food and consumer goods has often come at the expense of forests, making commercial agriculture the main driver of tropical deforestation. Over the last few years this issue has generated an unprecedented level of commitment from nations, companies, indigenous people and other organizations to stop commodity-driven deforestation, while at the same time achieving ambitious reforestation and forest restoration targets. The Tropical Forest Alliance 2020 was developed to help achieve these commitments through dedicated public-private collaborations.”

146

a) ao menos reduzir pela metade a taxa de perda de florestas naturais em todo o mundo

em 2020 e se esforçar para acabar com a perda de florestas naturais em 2030;

b) apoiar e ajudar a cumprir a meta do setor privado de eliminar o desmatamento da

produção de commodities agrícolas, tais como óleo de palma, soja, papel e produtos de

carne bovina no máximo até 2020, reconhecendo que muitas empresas possuem metas

mais ambiciosas;

c) reduzir significativamente o desmatamento derivado de outros setores da economia até

2020;

d) criar alternativas de apoio contra o desmatamento causado por necessidades básicas

(tais como agricultura de subsistência e da dependência da madeira como combustível

para a energia) de forma a aliviar a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável

e equitativo;

e) restaurar 150 milhões de hectares de paisagens degradadas e florestas até 2020 e

aumentar significativamente a taxa de restauração florestal a nível global, para

posteriormente restaurar pelo menos um adicional de 200 milhões de hectares até

2030;

f) incluir metas ambiciosas e quantitativas de conservação florestal e restauração para

2030 no quadro de desenvolvimento global pós-2015, como parte de novas metas

internacionais de desenvolvimento sustentável;

g) em 2015, acordar reduzir as emissões do desmatamento e degradação florestal como

parte de um acordo climático global pós-2020, de acordo com as regras aprovadas

internacionalmente e consistentes com o objetivo de limitar o aumento da temperatura

em no máximo 2°C;

h) fornecer suporte para o desenvolvimento e implementação de estratégias para reduzir

as emissões florestais;

i) recompensar países e jurisdições que, por meio de ações de redução de emissões

florestais, particularmente por meio de políticas públicas para expandir o pagamento

por reduções de emissões verificadas e commodities livres de desmatamento;

j) fortalecer a governança florestal, a transparência e o estado de direito, e ao mesmo

tempo capacitar as comunidades e reconhecer os direitos dos povos indígenas,

especialmente os referentes a suas terras e recursos.145

145 UNITED NATIONS. Climate Summit 2014: The New York Declaration on Forests. New York, 23

September 2014a. Disponível em: <http://www.un.org/climatechange/summit/wp-

147

A implementação desses objetivos em conjunto poderá permitir reduções de emissão

de 4,5 a 8,8 bilhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente) por ano até 2030.

Promover a conservação, a restauração e o manejo florestal é essencial para trazer benefícios

para todos, e essas ações estão em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável.

O compromisso conjunto de países, empresas, ONGs, populações indígenas e outros

atores em busca de acabar com o desmatamento, embora expresso em um instrumento não

vinculante (non legally binding), tem um significado relevante no contexto de política

internacional, bem como de compromissos privados.

Dentre os signatários originais, figuram 36 países, incluindo Japão, Estados Unidos,

Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Noruega, Holanda, Reino Unido, Dinamarca e União

Europeia, países notadamente demandantes da agenda ambiental, e República Democrática do

Congo, Togo, Indonésia, Peru, dentre outros, como países alvo das pressões contra

desmatamento, incluindo o desmatamento legal.

Embora o Brasil não tenha assinado, o que, dentre outras razões, tem relação com os

compromissos voluntários de redução de emissões de desmatamento inscritos na UNFCCC

em 2010, com a agenda de implementação do Código Florestal e com razões das estratégias

da diplomacia brasileira nas negociações de clima, tendo em vista que se esperava, no final de

2015, aprovar um novo acordo (Acordo de Paris), que tem a redução do desmatamento como

objetivo central. No entanto, é relevante assinalar a participação dos estados do Acre, Amapá

e Amazonas como atores subnacionais.

Além da participação pública, o engajamento privado foi ainda mais expressivo, com

53 empresas, 54 ONGs e 16 entidades representantes dos povos indígenas.

Dentre as ações previstas na Declaração de Nova Iorque como forma de alcançar a

redução do desmatamento no tocante aos governos, vale citar:

a) implementar as Metas de Aichi sobre Biodiversidade da CDB;

b) reduzir emissões de GEEs oriundas do desmatamento por meio de projetos REDD

plus;

c) facilitar a implementação de projetos REDD plus em linha com o Framework de

Varsóvia para REDD plus, com o objetivo de incentivar pagamento por resultados;

d) alinhar incentivos fiscais e econômicos para promover a restauração de florestas;

content/uploads/sites/2/2014/07/New-York-Declaration-on-Forest-%E2%80%93-Action-Statement-and-Action-Plan.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2016 p. 3-4.

148

e) instituir políticas que protejam as florestas que incentivem o manejo florestal

sustentável e a mudança da expansão de atividades produtivas para áreas já

convertidas e degradadas;

f) implementar marcos legais de proteção da vegetação nativa;

g) prover apoio para produtores, especialmente pequenos agricultores, a fim de que

adotem melhores práticas produtivas, façam adequação ambiental e aumentem a

produtividade;

h) acabar com a importação de commodities produzidas ilegalmente;

i) criar alternativas econômicas para as populações que dependem das florestas.

No âmbito corporativo, as empresas devem buscar:

a) adotar compromissos de eliminação de cadeias produtivas com desmatamento,

incluindo produtores terceiros o mais breve possível, no máximo em 2020;

b) mais empresas devem seguir o exemplo daquelas que já adotaram compromissos de

eliminação do desmatamento de suas cadeias de fornecedores;

c) adotar os padrões mais elevados de conservação florestal, especialmente quando se

trata de áreas com elevados estoques de carbono, não produção em áreas úmidas e

proteção dos direitos humanos e direito de propriedade;

d) adotar compromissos de rastreabilidade e transparência no tocante aos fornecedores;

e) compromissos de alto padrão quanto a manejo florestal sustentável;

f) aprimorar e expandir compromissos de bancos e outras instituições financeiras, tendo

como base a Banking Environmental Initiative (instrumentos para fomentar produção

sustentável; padrões e operações que promovam produtos livres de desmatamento);

g) criar parcerias para qualificar critérios de produção sustentável de commodities;

h) adotar compromissos de comprar produtos de países e jurisdições que adotem planos

ambiciosos de redução de desmatamento;

i) adotar compromissos claros e ambiciosos de reduzir emissões nas cadeias de valor

agropecuárias.

Já as ONGS devem:

a) construir suporte público para políticas de proteção florestal ambiciosas;

b) contribuir para o desenvolvimento de políticas de conservação e restauração;

c) ajudar os países e as empresas a adotar padrões ambiciosos para definir

sustentabilidade e commodities produzidas seguindo esses critérios;

d) expandir suporte técnico para governos, empresas e comunidades;

149

e) promover campanhas de conscientização, incluindo produção e consumo sustentável.

A Declaração ainda recomenda uma série de ações, que devem ser desenvolvidas

pelos atores em separado ou de forma conjunta. Notadamente parte dessas ações tem uma

relação automática com MEAs que tratam de florestas (ver Tabela 9 abaixo), o que envolve

políticas e ações públicas, mas vão muito além do âmbito de atuação pública.

Como a Declaração se baseia em uma agenda de ações, e não define um processo ou

uma forma de monitorar o cumprimento dos objetivos previstos, foram criados indicadores

para cada um dos dez objetivos. O documento Progress on the New York Declaration on

Forests: An Assessment Framework and Initial Report visa elencar indicadores que permitirão

acompanhar e avaliar o cumprimento de cada objetivo.

O Objetivo 2, por exemplo, que trata da eliminação de desmatamento nas cadeias

produtivas, tem dois indicadores:

a) a participação de mercado de commodities certificadas (óleo de palma, soja, papel e

carne);

b) empresas e governos que apoiam a produção de commodities com pouco

desmatamento ou commodities livres de desmatamento.146

É relevante observar, como indicador, o número de empresas e governos que adotam

políticas corporativas e políticas regulatórias pautadas pela redução do desmatamento ou

desmatamento zero nas cadeias produtivas. A NYDF, como iniciativa que reúne atores

diversos, incluíndo países e atores subnacionais, tem como propósito explícito promover,

incentivar e motivar a adoção de políticas que visem desmatamento zero. Esse aspecto é de

extrema relevância para a tese.

Até setembro de 2016, o número de signatários da Declaração de Nova Iorque tinha

ultrapassado 180 atores.

Um relatório publicado pelo Carbon Disclosure Program (CDP) em dezembro de

2015, denota que 298 investidores, detentores de ativos que representam 19 trilhões de

dólares, que são signatários do programa de florestas do CDP e requereram que as empresas

reportassem dados sobre os riscos de desmatamento em suas cadeias, preocupam-se com

riscos corporativos ligados ao desmatamento.

146 THE NEW YORK DECLARATION ON FORESTS. Progress on the New York Declaration on Forests

An Assessment Framework and Initial Report. November 2015. Disponível em: <http://forestdeclaration.org/wp-content/uploads/2015/10/NYDF-Progress-Report.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2016.

150

O relatório avaliou políticas e ações de 171 empresas ao redor do mundo, e propõe a

adoção de um enfoque pautado por cinco passos como forma de alcançar cadeias produtivas

livres de desmatamento:

a) aprimorar políticas de compra;

b) comunicação efetiva;

c) monitorar progresso;

d) colaborar ao longo da cadeia;

e) rever o que está e não está funcionando.

Das 171 empresas, 88% reportaram oportunidades relacionadas à produção

sustentável ou à comercialização de produtos livres do desmatamento. Além disso, 70% das

empresas reportaram que adotaram compromissos para zerar ou reduzir desmatamento em

suas cadeias.147 Dentre os riscos reportados, vale citar:

Os efeitos físicos das mudanças climáticas sobre a oferta e os preços das commodities; Restrições à oferta de commodities causada pela introdução de políticas ou outras medidas de proteção das florestas; Fornecedores que quebram acordos para deter o desmatamento, diretamente ou por meio de seus próprios fornecedores; Disputas sobre uso e a posse da terra que ameaçam licenças corporativas de operar; Reduzida disponibilidade de crédito levando em conta que bancos se comprometem a parar de financiar atividades que contribuem para o desmatamento; Materiais ilegais que entram nas cadeias de abastecimento.148

A iniciativa Forest Trends, formada por indústrias do setor florestal, doadores e

organizações ambientais e academia, publicou um denso relatório sobre compromissos

corporativos sobre cadeias produtivas livres de desmatamento. O estudo aponta que existem

366 compromissos corporativos que visam alcançar cadeias livres de desmatamento,

concentradas principalmente na União Europeia e nos Estados Unidos.

Os compromissos têm foco em quatro commodities: soja, carne, papel e celulose e

óleo de palma. É interessante notar que, das 366 empresas, 67% são do setor de manufatura,

27% do varejo, 14% de produtores, 19% processadores e 9% de traders (o total excede 100%

pelo fato de que algumas empresas operam em mais de um ramo de atividade).

147 Vale observar quais empresas reportaram suas ações/compromissos sobre desmatamento zero e/ou

desmatamento líquido zero, e quais não reportaram. Para detalhes do relatório, consultar: CARBON DISCLOSURE PROJECT. Realizing Zero-deforestation, Transforming supply chains for the future. December 2015. Disponível em: <https://www.cdp.net/CDPResults/CDP-global-forests-report-2015.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2016. p. 28-39.

148 Ibidem, p. 10.

151

Figura 8 – Distribuição global dos compromissos ligados à redução de desmatamento Fonte: McCarthy, Ben; Rothrock, Philip. Leonard, Jonathan; Donofrio, Stephen. Forest Trends´ Ecosystem Marketplace. Supply Change: Tracking Corporate Commitments to Deforestation-free Supply Chains, June 2016.

Os autores argumentam que a adoção de esquemas de certificação pode ser uma

forma de reduzir riscos oriundos do desmatamento:

Padrões e esquemas de certificação criam melhores práticas corporativas, padrões para monitoramento de perfomance e, em alguns casos, rotulagem que provevalmente seja reconhecida pelos consumidores. Pesquisas também sugerem que certificações podem ajudar a promover melhorias operacionais. Por exemplo, o estudo RSPO 2016 identificou que produtores de palma da Malásia e Indonésia, com altas taxas de certificação RSPO, atinigiram um aumento de 35% de rendimento por hectare. Ademais, descobriu-se que commodities certificadas demandam um preço de $3.33 por tonelada de palma RSPO certificada, $1.80 por metro cúbico de toras de madeira certificadas FSC e entre $3 e $4 por tonelada de soja certificada. Críticos dos esquemas de certificação as vêem como “tapa-buracos” que visam se sobrepor a falta de regulamentações governamentais adequadas, alegando que não abordam questões de sustentabilidade relevantes. Resultados das certificações são inerentemente limitadas pela eficácia dos esquemas e a independência de auditores. Críticos discutem que essas certificações encorajam uma “race to the bottom”, em outras palavras, a perseguição de

152

medidas de corte de gastos e atingimento de padrões mínimos, ao invés de uma “race to the top”.149

Pacheco e Gnych argumentam que o balanço entre as ações que visam desmatamento

zero ou desmatamento líquido zero não é fácil de ser alcançado:

Para muitos governos e negócios, tomadores de decisões no Brasil, na Indonésia, e também em outros países, o trade-off associado com os compromissos do desmatamento zero ainda não é claro. Governos miram no desmatamento ilegal zero, enquanto os negócios desejam o desmatamento liquido zero. Entretanto, esses alvos podem minar objetivos sociais e econômicos, se condições apropriadas para fomentar uma transição para uma agricultura intensiva e eco-eficiente não existirem. Alguns esforços para conter o desmatamento já surtiram efeitos colaterais resultantes da mudança indireta do uso da terra em outras regiões, ou levaram a exclusão de pequenos agricultores. Por exemplo, esforços para conter o desmatamento na Amazônia têm levado a uma alta perda de cobertura vegetal em outro ecossistemas, enquanto uma nova qualidade de padrões ambientais no setor de palma da Indonésia poderia levar à exclusão de pequenos agricultores, como discutido pelo governo Indonésio. Compromissos das empresas também são vistos como vetores para aumentar as assimetrias de mercado, levando-se em conta que atores da cadeia mais próximos aos produtores podem maior controle de mercado e efetivamente desempoderar proprietários de terras.150

149 MCCARTHY, Ben et al. Forest Trends’ Ecosystem Marketplace. Supply Change: Tracking Corporate

Commitments to Deforestation-free Supply Chains. June 2016. Disponível em: <http://www.forest-trends.org/documents/files/doc_5248.pdf>. Acesso em: 7 jun. 2016. p. 8. Tradução nossa: “Standards and overlying certification schemes establish industry best practices, standardized metrics for monitoring performance, and, in some cases, labeling that is likely to be recognized by consumers. Research also suggests that certifications can help companies achieve operational improvements. For example, a 2016 RSPO study found that Malaysian and Indonesian palm producers with higher proportion of RSPO certification achieved a 35% increase in yields per hectare.14 Further, certified commodities have been found to demand a price premium of $3.33 per tonne for RSPO-certified palm, $1.80 per cubic meter for FSC-certified roundwood, and between $3 and $4 per tonne for certified soy. Critics of these certification schemes view these as imperfect stopgaps for weak government regulation and enforcement and claim they do not address underlying issues of sustainability. Certification outcomes are inherently limited by the effectiveness of the scheme (pervasiveness, stringency, etc.) and the independence of the auditors. Critics contend that ultimately these certifications encourage a race to the bottom, or in other words, a pursuit of cost-cutting measures while meeting only minimum standards, rather than a race to the top.”

150 PACHECO, Pablo; GNYCH, Sophia. Why ‘zero deforestation’ is only one piece of the sustainability puzzle. CIFOR. 17 March 2016. Disponível em: <http://blog.cifor.org/40617/why-zero-deforestation-is-only-one-piece-of-the-sustainability-puzzle?fnl=en>. Acesso em: 20 jun. 2016. p. 3. Tradução nossa: “For many government and business decision makers in Brazil and Indonesia, as in other countries, the trade-offs associated with ‘zero deforestation’ commitments are not yet clear. Governments aim for zero illegal deforestation while businesses aim for zero (net) deforestation. However, these aims can undermine social and economic goals if the appropriate conditions for transitioning toward more intensive and eco-eficient agriculture are not in place. Some efforts to contain deforestation have already had leakage effects, resulting in indirect land-use change in other regions, or have risked the exclusion of smallholders. For example, efforts to contain deforestation in the Amazon have led to higher tree cover loss in other ecosystems, whereas new quality and environmental standards in the palm oil sector in Indonesia could lead to smallholder exclusion, as argued by the Indonesian government. Company commitments are also seen as leading to increased market asymmetries, as actors downstream in the value chain might take greater market control and effectively disempower landholders.”

153

Os desafios para incrementar a adoção de práticas mais sustentáveis nas cadeias

produtivas, que contemplem redução do desmatamento, ou até mesmo as ambiciosas metas de

desmatamento zero, exigem aprofundar o debate sobre os principais fatores que causam a

conversão de áreas em diferentes países.

Além disso, é preciso diminuir a diferença entre os custos de produtos que adotam

práticas sustentáveis e produtos que não levam em conta critérios dessa natureza. Enquanto há

um desequilíbrio entre os padrões e regras que norteiam a produção das commodities ao redor

do mundo, produtos originados sem critérios de proteção ao meio ambiente e de questões

sociais como direitos trabalhistas, por exemplo, terão um diferencial competitivo lastreado no

descumprimento legal ou na adoção de práticas que desconsideram padrões mínimos.

É necessário criar um level playing field diante de padrões mínimos que permitam

colocar ao menos todos os grandes países produtores em condições igualitárias de

competição, considerando práticas e critérios semelhantes no tocante à proteção ambiental.

O estudo Incentivising the trade of sustainably produced commodities. A Discussion

Paper, preparado para o Banking Environment Initiative’s Sustainable Trade Finance

Council, faz referência à importância de se reduzir os custos entre produtos sustentáveis e que

desconsideram práticas reconhecidamente relevantes:

O custo das commodites produzidas de forma sustentável pode ser mais alto do que das commodities não sustentáveis, ao menos enquanto o mundo está em transição. Em tempos de muita produção, o diferencial de preço (i.e., a diferença entre produção sustentável e não sustentável) pode se alargar, fazendo com que os produtos sustentáveis pareçam mais caros. Se preços de produtos não sustentáveis cairem, importadores e processadores de produtos sustentáveis se tornarem menos competitivos, podendo ter suas fatias de mercados reduzidas. A queda dos preços pode resultar da superprodução como também da queda de demanda. Em tempos de recessão ou queda de demanda, muitos produtores podem realmente aumentar a produção, tentando manter lucros e cobrir custos, mesmo que reduzam margens. Alguns podem argumentar que isto afeta o alto custo dos produtores, então o efeito no produto sustentável pode ser exacerbado. Se um foco nos drivers de custos da importação de commodites resultar no estreitamento do real ou aparente preço diferencial entre produção sustentável e não sustentável de commodites, isto encorajaria importadores a progressivamente apoiar alternativas de produção sustentáveis. Por sua vez, isto iria enviar sinais importantes para produtores no sentido de adotar mudanças de métodos a favor da sustentabilidade e fazer que produtos não sustentáveis sejam menos aceitos pelo Mercado.151

151 INSTITUTE FOR SUSTAINABILITY LEADERSHIP. University of Cambridge. Incentivising the trade of

sustainably produced commodities. A Discussion Paper prepared for the Banking Environment Initiative’s Sustainable Trade Finance Council. Disponível em: <http://www.cisl.cam.ac.uk/publications/publication-

154

As certificações podem ser vistas como ferramentas para diferenciar produtos e

reduzir riscos de não cumprimento legal ou de falta de adoção de padrões ambientais

mínimos, mas sua adoção nas principais commodities – soja, carne, papel e celulose e óleo de

palma – ainda é pequena.

Aproximadamente 21% da produção global de palma é certificada pela Roundtable

on Sustainable Palm Oil (RSPO) e de 10 a 15% da produção de madeira (a maioria em

regiões não tropiciais) é certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC) e/ou pelo

Programme for the Endorsement of Forest Certifications (PEFC). No entanto, nas cadeias de

soja e de carne as certificações ainda são muito pouco adotadas.152

Dados da ISEAL Alliance apontam, por exemplo, que os custos da certificação nos

setores de cacau, café e algodão estão reduzindo significativa, o que permite benefícios

concretos para os produtores. Ganhos de produtividade, adoção de boas práticas de manejo e

gestão que levam a ganhos ambientais e sociais. A rentabilidade de produtores certificados

aumento em 49% na produção de cacau na Costa do Marfim, 13% na produção de café no

Vietnã e 52% na produção de algodão na Índia.153

pdfs/incentivising-the-trade-of-sustainably-produced.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2016. p. 5. Tradução nossa: “The cost of sustainably produced commodities can be higher than its unsustainable counterpart, at least while the world is in a period of transition. In times of plentiful production the price differential – the difference between the two types of production – can widen, making the sustainable product appear more expensive. If prices for unsustainable product fall, importers and processors of sustainable product become less competitive and could see their market share diminished. A fall in prices can be the result of over production just as much as falling demand. In times of recession or falling market demand, many producers actually increase production in an attempt to maintain cash profit levels and to cover costs even though it strains margins. Some may argue that this affects high cost producers the most, so the effect on sustainable product can be exacerbated. If a focus on the cost drivers for importing commodities results in narrowing the actual or perceived price differential between sustainably and unsustainably produced commodities, this should encourage importers to increasingly favour sustainably produced alternatives. In turn, this would send important signals to producers to undertake the switch in production methods towards sustainability and make unsustainable product less acceptable in the market place”

152 “Some companies aspire to make commitments addressing these business risks, but they may be unwilling to do so without a clear way to operationalize their goals and achieve measurable results. Certification schemes provide a turnkey option toward sustainability that many companies are pursuing. Around 21% of global palm production is certified under the Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO),and 10-15% of managed forest area – mostly non-tropical – is certified under the Forest Stewardship Council (FSC) and/or the Programme for the Endorsement of Forest Certifications (PEFC). By contrast, the Round Table for Responsible Soy (RTRS) covers less than 1% of global soy production despite having a globally recognized certification scheme. Cattle product supply chains lack an industry-supported, comprehensive global standard. The Leather Working Group audits a little over 10% of global leather production, while the Global Roundtable on Sustainable Beef (GRSB) does not intend to set standards or to create a certification program – though it is working toward regional roundtables which may better be able to address geographic variations in cattle ranching.” (MCCARTHY et al., 2016, p. 8).

153 INTERNATIONAL SOCIAL AND ENVIRONMENTAL ACCREDITATION AND LABELLING ALLIANCE – ISEAL. Cost-benefits of sustainability standards. Disponível em http://www.standardsimpacts.org/sites/default/files/Inforgraphic_FINAL.pdf. Acesso em 2 Out.2016.

155

É válido notar, no tocante ao mercado financeiro, que os bancos que compõem a

Banking Environment Initiative154 lançaram, em parceria com o CGF, o Soft Commodities

Compact como uma iniciativa voltada para mobilizar recursos financeiros com vistas a

promover a meta de desmatamento zero até 2020. Dentre os propósitos, vale citar:

Os bancos que aderiram ao Compact irão priorizar o estabelecimento de mecanismos internos para que até 2020 todos os clientes do sistema bancário corporativo e de investimentos que tenham operações que incluam produção significativa ou processamento de óleo de palma, produtos madeireiros ou soja, em mercados de alto risco de desmatamento tropical verifiquem que essas operações sejam consistentes com o desmatamento líquido zero. Concomitantemente, com seus próprios processos de auditoria, até 2020, os bancos que aderiram ao Compact irão confirmar que essas operações atingiram critérios de verificação internacionais que o CGF está priorizando. Para cada commodity, o ponto de início será: Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) para óleo de palma, Forest Stewardship Council (FSC) ou um esquema nacional endossado pelo the 2010 Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC), para produtos madeireiros, e Round Table on Responsible Soy (RTRS) para a soja. Os bancos do Compact reconhecem que outras fontes de verificação existentes estão em constante evolução e melhoramento. Caso as fontes de verificação sejam consideradas equivalentes ou superiores pela CGF, poderão ser incluídas nesses compromissos. Mecanismos para o BEI e o CGF possam rastrear e responder a tais evoluções serão disponibilizados.155

Romain Pirard, Akiva Fishman, Sophia Gnych, Krystof Obidzinski, Pablo Pacheco

destacam alguns elementos que precisam ser avaliados caso a caso diante dos diversos

compromissos ligados a produtos livres de desmatamento:

154 Os bancos que compõem a iniciativa são: Barclays, BNP Paribas, BNY Mellon, Deutsche Bank, Goldman

Sachs, Lloyds Banking Group, Northern Trust, RBS, Santander, Standard Chartered, Westpac. Para maiores informações, consultar: BANKING ENVIRONMENT INITIATIVE. Soft Commodities Compact. Cambridge: University of Cambridge, 2016. Disponível em: <http://www.cisl.cam.ac.uk/business-action/sustainable-finance/banking-environment-initiative/pdfs/the-bei-and-cgfs-soft-commodities-compact.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2016. .

155 BANKING ENVIRONMENT INITIATIVE, 2016. Tradução nossa: “Compact banks will prioritise the establishment of the internal mechanisms such that by 2020 all corporate and investment banking customers whose operations include significant production or processing of palm oil, timber products or soy in markets at high risk of tropical deforestation can verify that these operations are consistent with zero net deforestation. Alongside their own due diligence processes, by 2020 Compact banks will confirm that these customers’ operations have achieved the same internationally-recognised means of verification that the CGF is prioritising. For each commodity, the starting point is: Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) certification for palm oil Forest Stewardship Council (FSC) verification or that of a national scheme endorsed against the 2010 Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) meta standard for timber products Round Table on Responsible Soy (RTRS) certification for soy. Compact banks recognise that other sources of verification exist and are in a constant state of evolution and improvement. As sources of verification are deemed equivalent or superior by the CGF, they may be included in this commitment. Mechanisms for the BEI and CGF to track and respond to such evolutions will be put in place.”

156

a) o escopo dos compromissos, que normalmente vai além da conversação das florestas

puramente, e tendem a adotar desmatamento bruto líquido como base (o que

desconsidera ações de reflorestamento e restauração como contrapartida para

compensar desmatamento);

b) a definição de florestas e, consequentemente, da qualificação de desmatamento (os

conceitos de High Conservation Value Forest – HCVF e High Carbon Stocks – HCS

como base para definir áreas onde não se pode produzir, conhecidas como no-go areas);

c) a escala da área a ser monitorada, o que varia com o tamanho e o crescimento da

empresa que assume um compromisso;

d) o papel dos governos;

e) a fragilidade da governança pública (relativa, por exemplo, a direito de propriedade da

terra, direitos de comunidades locais etc.);

f) o impacto que um compromisso de desmatamento zero pode gerar para pequenos

produtores.156

Adicionalmente, os autores argumentam que

Para determinar qual modelo seria mais eficaz para preservar florestas, é necessário considerar os seguintes aspectos: grau de heterogeneidade entre os cumprimentos; vontade das empresas em concordar com os mesmos padrões e regras; capacidade de acordo com diferentes commodities em cadeias de fornecimento dentro de um único sistema; probabilidade de que os mesmos desafios sejam baseados em compromissos frágeis; na vontade e capacidade dos governos de atacar a questão conjuntamente e de forma concreta; só para listar algumas. Essas questões terão de ser respondidas, caso diferentes modelos sejam comparados, e se o desejo de viabilidade e de uma governança centralizada de promessas seja promovida. Porém, o movimento toma suas raízes na governança privada, a implicação de bens públicos e a larga escala de desafios exigem um papel ativo a ser feito por governos e até outros atores também. Fraca governança em vários países que são crucialmente importantes para o desmatamento ilustra dois fatores: por um lado, exige ações só do setor privado para preencher o espaço e responder de forma prática; por outro lado, pleiteia melhorias =nas condições públicas de supervisão e gerenciamento do uso da terra.157

156 PIRARD, 2016, p. 6-8. 157 PIRARD, 2016, p. 12. Tradução nossa: “In order to determine which model would be the most effective for

preserving forests, it is necessary to consider the following aspects: degree of heterogeneity among pledges; willingness of companies to agree to the same standards and rules; capacity to deal with different commodities and supply chains within one single system; probability that consensual targets are based on the weakest pledges; and the willingness and capacity of governments to coalesce in order to tackle the issue together and in a concrete manner, just to name a few. These questions will have to be answered if different models are to be compared, and if the desirability and feasibility of a centralized governance of pledges are to be promoted. Although the movement takes its roots in private governance, the implication of public goods and the large scale of the challenge call for an active role to be played by governments, if not other stakeholders as well. Weak governance in many countries that are crucially important for deforestation is double-edged: on the one hand, it calls for action by the private sector to fill the gap and deliver on the

157

Até o momento foram analisadas iniciativas de natureza preponderantemente

privadas ou público-privadas que promovem e incentivam a adoção de práticas, padrões e

certificações que contemplem desmatamento zero ou desmatamento líquido zero. O

Consumer Goods Forum se destaca como um catalisador dessa agenda, congregando diversas

empresas multinacionais. Bancos também integram esse objetivo.

É imperioso situar a participação de países ora com base em mero apoio político, ora

com recursos financeiros. A TFA e a Declaração de Nova Iorque sobre Florestas são casos

relevantes da participação pública com vistas a promover cadeias de commodities livres de

desmatamento.

A despeito da profusão de compromissos de desmatamento zero e líquido zero, é

relevante destacar que as formas para se alcançar essas metas são incertas e imprecisas. Como

alcançar esse objetivo, especialmente quando quem demanda (indústria, mercados, bancos e

ONGs) não necessariamente tem o envolvimento de produtores e governos, permanecerá um

enorme desafio nos próximos anos.

É válido salientar, no entanto, o papel de alguns países ao promover abertamente

esses compromissos ligados à redução de desmatamento:

Vários atores estão trabalhando para apoiar compromissos de desmatamento zero que foram feitos por empresas, governos e outros grupos. Um tipo de suporte é financeiro. A US Agency for International Development lançou um projeto multimilionário de três anos em 2011, implementado pela The Nature Conservancy, Rainforest Alliance e outras ONGs – para desenvolver zonas ZND [zero net deforestation] de demonstração de projetos no Peru, Equador e Colômbia, para demonstrar como mover a ZND no sentido de uma escala a longo prazo. A frente do UN Climate Summit 2014, a Noruega pleiteou $100 milhões para apoiar cadeias de fornecimento com desmatamento zero. O Reino Unido, de forma semelhante, pleiteou 160 milhões de libras para ser usado em parte para apoiar empresas que sejam compromissadas em retirar de suas cadeias ao desmatamento. A Alemanha também está apoiando esforços de desmatamento zero na Colômbia e Peru.158

ground, but on the other hand, it pleads for an improvement of the conditions for public oversight and management of land uses”

158 FISHMAN, Akiva. Understanding ‘Deforestation-Free’: The State of Play and Issues to Consider during TFD’s. October 2014 Dialogue. October 2014. Disponível em: <http://theforestsdialogue.org/sites/default/files/files/Understaning%20Deforestation-Free_background_Final%20(1).pdf>. Acesso em: 13 jun. 2016. Tradução nossa: “A number of actors are working in the background to support the deforestation-free commitments that have been made by companies, governments, and other groups. One type of support is financial. The US Agency for International Development launched a three-year multi-million dollar project in 2011—implemented by The Nature Conservancy, the Rainforest Alliance, and several local NGO partners—to develop ZND zone demonstration projects in Peru, Ecuador, and Colombia that demonstrate how to move toward ZND at scale in the longer term.130 Ahead of the UN Climate Summit 2014, Norway pledged $100 million in part to

158

O envolvimento direto de países, seja via apoio político, mas principalmente com

suporte financeiro, torna-se de especial relevância para o objetivo proposto pela tese.

Ressalta-se que, apesar de os Membros da OMC, notadamente países desenvolvidos,

serem refratários a debater e aceitar que padrões privados são contemplados pelas regras dos

Acordos TBT e SPS, há evidências que mostram o envolvimento de Membros em vários

esquemas de certificação/padronização. Esse debate será feito em detalhes no Capítulo 4.

A adoção de certificações pode ser uma forma de reduzir riscos de desmatamento nas

cadeias, mas esse caminho possui limitações. A promoção de práticas, projetos e iniciativas

que permitam reduzir o risco de produzir em áreas desmatadas é uma outra opção que deve

ser considerada caso a caso, de acordo com os vetores de desmatamento, políticas e outras

questões ligadas a uma dada região.

Além disso, é importante lembrar que essas metas podem se chocar com políticas

nacionais que permitem conversão legal de vegetação nativa, como será visto a seguir.

Nesse sentido, Sandra Brown e Daniel Zarin argumentam que metas de

desmatamento zero são atrativas por um lado, mas de díficil alcance, por outro:

Metas de desmatamento zero globais são particularmente difíceis. Por um lado, se o objetivo é desmatamento bruto zero a nível global, como defendido pelo Parlamento Europeu, isso não consegue acomodar nenhuma expansão de infraestrutura ou produção agropecuária de áreas de florestas nativas, incluindo países em transição. Isto parece tanto inatingível como inviável. Por outro lado, um desmatamento líquido zero tem como meta equilibrar proteção de serviços de alto carbono/biodiversidade/hidrológico com valor de floresta nativa e com plantação de florestas de baixo valor. Como ideal, desmatamento zero é atraente. Parece simples e preciso e, portanto, atraente. Mas meta global significa muito mais do que atingível se o significado é “bruto”, muito menos, se é “líquido”. Internacionalmente ou não, esses termos estão sendo utilizados de forma ambígua e algumas vezes de forma intercambiável, o que gera confusão e gera cenários de resultados perversos. Governos, empresas e ONGs deveriam traçar em separado metas ambiciosas de redução bruta de desmatamento e reflorestamento. Algumas metas de desmatamento bruto, incluindo produção de commodities em países em desenvolvimento, poderiam ser alcançadas ou próximo a zero. Até que as metas sejam esclarecidas e parâmetros acordados, “zero” pode não significar nada ao final.159

support deforestation-free supply chains.131 The United Kingdom similarly pledged £60 million, to be used in part to support companies that are committed to removing deforestation from their supply chains.132 Germany is also supporting deforestation-free efforts in Colombia and Peru”

159 BROWN, Sandra; ZARIN, Daniel. What Does Zero Deforestation Mean. Science, v. 342, n. 6160, p. 805-807, 15 nov. 2013. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/258529149_What_Does_ Zero_Deforestation_Mean>. Acesso em: 3 jun. 2016. p. 806-807. Tradução nossa: “Global zero deforestation targets are particularly challenging. On the one hand, if the target is zero gross deforestation globally, as urged by the European Parliament, it cannot accommodate any expansion of infrastructure or agricultural production in native forest areas, including pretransition countries. This seems both infeasible and inequitable. On the other hand, a global

159

A seguir, serão avaliados os MEAs que tratam da proteção das florestas, da

restauração e da recuperação de áreas degradadas, sempre tendo como enfoque que a

participação nos MEAs se dá mediante os países.

3.1.2 Redução de desmatamento e degradação no contexto dos MEAs

Adicionalmente, reduzir desmatamento, evitar a conversão e promover a conservação

de vegetação são objetivos endereçados por diferentes MEAs, bem como iniciativas no

contexto das Nações Unidas. Na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do

Clima (UNFCCC), a proteção de florestas e outras formas de vegetação nativa é essencial

para evitar emissões de CO2, e tratada no contexto de Redução de Emissões por

Desmatamento e Degradação (REDD plus).

Já na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a proteção de vegetação nativa

e, consequentemente, do uso sustentável da diversidade biológica, são objetivos basilares da

Convenção. Dentre as Metas de Aichi sobre Biodiversidade, adotadas em 2010, vale destacar

a meta 5, que propõe reduzir a perda de cobertura vegetal próximo a zero até 2020, bem como

da degradação, a meta 11, que prevê que os países devem conservar ao menos 17% de seus

territórios na forma de áreas protegidas, e as metas 14 e 15 que tratam respectivamente de

restauração de ecossistemas e incremento de estoques de carbono em áreas degradadas.

A proteção e restauração das florestas, e a promoção do manejo florestal sustentável

são objetivos no contexto do United Nations Forum on Forests (UNFF), bem como dos

recém-aprovados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Vale ainda citar o United

Nations Global Compact160 como iniciativa que visa engajar e incentivar o envolvimento do

setor privado na agenda de desenvolvimento sustentável, que tem princípios ambientais que,

mesmo de forma indireta, tocam no objetivo de evitar desmatamento.

A tabela a seguir destaca os acordos/tratados internacionais e sua relação com a

proteção das florestas.

zero net deforestation target equates protecting high carbon/biodiversity/hydro-logic-service-value native forests with the planting of lower-value new forests. As an ideia, zero deforestation is compelling. It seems simple and precise, and therefore attractive. But as a global target, it means much more than what is achievable if the meaning is “gross”, and much less if it is “net”. Intentionally or not, these terms are being used ambiguously and sometimes interchangeably, which fosters confusion and sets the stage for perverse outcomes. Governments, corporations, and nongovernamental organizations should instead set separate, ambitious targets for reductions in gross deforestation and for reforestation. Some gross deforestation targets, including for commodity production in transition countries, could be actionable at or near zero. Until targets are clarified, and metrics agreed upon, zero may mean nothing at all”.

160 UNITED NATIONS GLOBAL COMPACT. The ten principles of the un global compact. Disponível em: <https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc/mission/principles>. Acesso em: 12 maio 2016.

160

Acordo Multilateral Ambiental

Instrumento relacionado à proteção das florestas, vegetação nativa e ecossistemas

Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)

Metas de Aichi sobre Biodiversidade Target 5: By 2020, the rate of loss of all natural habitats, including forests, is at least halved and where feasible brought close to zero, and degradation and fragmentation is significantly reduced. Target 11: By 2020, at least 17 per cent of terrestrial and inland water, and 10 per cent of coastal and marine areas, especially areas of particular importance for biodiversity and ecosystem services, are conserved through effectively and equitably managed, ecologically representative and well connected systems of protected areas and other effective area-based conservation measures, and integrated into the wider landscapes and seascapes. Target 14: By 2020, ecosystems that provide essential services, including services related to water, and contribute to health, livelihoods and well-being, are restored and safeguarded, taking into account the needs of women, indigenous and local communities, and the poor and vulnerable. Target 15: By 2020, ecosystem resilience and the contribution of biodiversity to carbon stocks has been enhanced, through conservation and restoration, including restoration of at least 15 per cent of degraded ecosystems, thereby contributing to climate change mitigation and adaptation and to combating desertification.161

Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC)

Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD plus) 70. Encourages developing country Parties to contribute to mitigation actions in the forest sector by undertaking the following activities, as deemed appropriate by each Party and in accordance with their respective capabilities and national circumstances: (a) Reducing emissions from deforestation; (b) Reducing emissions from forest degradation; (c) Conservation of forest carbon stocks; (d) Sustainable management of forests; (e) Enhancement of forest carbon stocks; 72. Also requests developing country Parties, when developing and implementing their national strategies or action plans, to address, inter alia, the drivers of deforestation and forest degradation, land tenure issues, forest governance issues, gender considerations and the safeguards identified in paragraph 2 of appendix I to this decision, ensuring the full and effective participation of relevant stakeholders, inter alia indigenous peoples and local communities;

United Nations Forum on Forests (UNFF)

Non-legally binding instrument on all types of forests IV. Global objectives on forests 5. Member States reaffirm the following shared global objectives on forests and their commitment to work globally, regionally and nationally to achieve progress towards their achievement by 2015: Global objective 1: Reverse the loss of forest cover worldwide through sustainable forest management, including protection, restoration, afforestation and reforestation, and increase efforts to prevent forest degradation; Global objective 2: Enhance forest-based economic, social and environmental benefits, including by improving the livelihoods of forest-dependent people; Global objective 3: Increase significantly the area of protected forests worldwide and other areas of sustainably managed forests, as well as the proportion of forest products from sustainably managed forests;

161 CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY, The Strategic Plan for Biodiversity 2011-2020 and the

Aichi Biodiversity Targets. UNEP/CBD/COP/DEC/X/2, 29 October 2010b.

161

Global objective 4: Reverse the decline in official development assistance for sustainable forest management and mobilize significantly increased, new and additional financial resources from all sources for the implementation of sustainable forest management.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDGs)

Goal 15. Protect, restore and promote sustainable use of terrestrial ecosystems, sustainably manage forests, combat desertification, and halt and reverse land degradation and halt biodiversity loss 15.1 By 2020, ensure the conservation, restoration and sustainable use of terrestrial and inland freshwater ecosystems and their services, in particular forests, wetlands, mountains and drylands, in line with obligations under international agreements 15.2 By 2020, promote the implementation of sustainable management of all types of forests, halt deforestation, restore degraded forests and substantially increase afforestation and reforestation globally 15.5 Take urgent and significant action to reduce the degradation of natural habitats, halt the loss of biodiversity and, by 2020, protect and prevent theextinction of threatened species 15.b Mobilize significant resources from all sources and at all levels to finance sustainable forest management and provide adequate incentives to developing countries to advance such management, including for conservation and reforestation

United Nations Global Compact*

Principle 7: Businesses should support a precautionary approach to environmental challenges; Principle 8: undertake initiatives to promote greater environmental responsibility; and Principle 9: encourage the development and diffusion of environmentally friendly technologies.

Collaborative Partnership on Forests (CPF)

CPF’s mission is to promote sustainable management of all types of forests and to strengthen long-term political commitment to this end. The CPF brings together 14 international forest-related organizations, instruments and secretariats with a two-fold objective: i) to support the work of the United Nations Forum on Forests (UNFF) and its member countries; ii) to enhance forest cooperation and coordination among CPF members.

Bonn Challenge*

Iniciativa lançada em 2011 pelo Ministério de Meio Ambiente Alemão e a International Union for Conservation of Nature (IUCN) para promover a restauração com um enfoque de paisagem, e servir como uma plataforma para compromissos como as Metas de Aichi e projetos REDD plus. A meta até 2020 é restaurar 150 milhões de hectares de áreas desmatadas e degradadas, e alcançar 350 milhões de hectares em 2030.

Quadro 11 – Acordos e Tratados Ambientais Internacionais e a proteção de vegetação nativa Fontes: Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development; Convention on Biological Diversity. The Strategic Plan for Biodiversity 2011-2020 and the Aichi Biodiversity Targets. UNEP/CBD/COP/DEC/X/2. 29 October 2010; United Nations Forum on Forests. Non-legally binding instrument on all types of forests. A/RES/62/98. 31 January 2008; United Nations Framework Convention on Climate Change. The Cancun Agreements. Decision 1/CP16. FCCC/CP/2010/7/Add.1; Bonn Challenge. Disponível em: <http://www.bonnchallenge.org/content/challenge Acesso em 5/06/2016>; Collaborative Partnership on Forests, Promoting sustainable forest management. Elaborado pelo autor. Nota: * Embora Global Compact e Bonn Challenge não sejam iniciativas diretamente oriundas de MEAs, são citadas na tabela na medida em que tem relação com as Nações Unidas e objetivos presentes em vários MEAs. É importante compreender quais MEAs trazem obrigações para os países no tocante

à conservação de vegetação nativa e/ou redução paulatina do desmatamento. Na medida em

que as Partes de um MEA também são membros da OMC, há um nível hierárquico de

162

comprometimento com metas e ações que devem ser adotadas ao longo do tempo, de acordo

com regulamentações nacionais e compromissos adotados pelos países de acordo com sua

soberania.

Quando um padrão privado é mais exigente do que obrigações internacionais

assumidas em um MEA, e/ou do que as regras internas de um país, e um terceiro país apoia

expressamente este padrão, cria-se um caso interessante de conflito entre MEAs,

regulamentações nacionais e padrões privados que pode ser avaliado diante das regras da

OMC caso enseje restrições comerciais e discriminação ao comércio.

3.1.3 Desmatamento e regulamentações

Após avaliar diferentes iniciativas que promovem redução do desmatamento ou

desmatamento zero nas cadeias produtivas, torna-se essencial citar leis nacionais que tratam

do assunto. O caso brasileiro será usado como exemplo.

Antes, contudo, é relevante mencionar que, em 2014, Noruega, Alemanha e Reino

Unido anunciaram, durante a UN Climate Summit realizada em Nova Iorque, o anseio de

promover compromissos nacionais para encorajar cadeias livres de desmatamento, incluindo

compras governamentais relacionadas ao comércio de commodities como carne, soja, óleo de

palma, papel e celulose.

Em maio de 2016, a Noruega adotou uma política de compras públicas livres de

desmatamento. A recomendação partiu do Norwegian parliament’s Standing Committee on

Energy and the Environment, tornando o país o primeiro com um compromisso interno de

desmatamento zero nas políticas de compras públicas.162

A grande dúvida que deve ser endereçada é de que forma a Noruega comprovará que

os produtos que compra do exterior serão livres de desmatamento? As certificações privadas

podem ser uma forma de atestar o cumprimento de critérios dessa natureza, o que significa

reconhecer que certos padrões privados são instrumentos de governança ambiental aceitos e

adotados por países e autoridades públicas.

Por sua vez, as políticas europeias de compras públicas – Green Public Procurement

(GPP) ou green purchasing – contêm vários critérios ligados a questões ambientais, bem-estar

animal, segurança dos alimentos. Erosão de solo, destruição de florestas e perda de

162 RAINFOREST FOUNDATION NORWAY. Norwegian State Commits to Zero Deforestation. Disponível

em: <http://www.regnskog.no/en/news/norwegian-state-commits-to-zero-deforestation-1>. Acesso em: 8 jun. 2016.

163

biodiversidade são impactos considerados por essas políticas, embora não exista um padrão

específico para desmatamento zero.163

No âmbito das GPPs, é interessante mencionar o papel que padrões privados podem

ter, como é o caso dos produtos florestais, papel e celulose. A compra pública de produtos que

tenham as certificações Forest Stewardship Council (FSC) ou Programme for the

Endorsement of Forest Certification (PEFC) é automaticamente aceita como forma de

cumprir os requisitos ambientais preconizados pela GPP e, consequentemente, por várias

regulamentações comunitárias, incluindo a EU Forest Law Enforcement, Governance and

Trade (FLEGT) Action Plan e a EU Timber Regulation (EU 995/2010).164

Em abril de 2009, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre os desafios

do desmatamento e da degradação florestal em face das mudanças do clima e da perda de

biodiversidade. É importante destacar a necessidade de aprimorar a coordenação entre

políticas internas e também externas nesse sentido:

1. Enfatiza a necessidade de maior coerência entre conservação florestal e políticas de gestão sustentável e outras políticas externas da União Europeia; chama por uma avaliação de impacto de florestas que seja quantificada nas regulações Europeias como energia (especialmente biocombustíveis), agricultura, produção e consumo sustentável, comércio e desenvolvimento cooperativo; 6. Considera que um significativo suporte financeiro seja fornecido para países em desenvolvimento, de forma a parar desmatamento tropical bruto até 2020 no máximo, e que a demonstração de compromissos para isso seja decisiva nas negociações internacionais para um acordo global de clima pós 2012 compreensivo.165

Além disso, a Comissão Europeia deveria publicar um estudo avaliando os impactos

da produção, consumo e comércio de produtos alimentícios e outras commodities não

alimentícias no desmatamento e degradação. No relatório The impact of EU consumption on

163 EUROPEAN COMISSION. Catering & Food Green Public procurement (GPP) Product Sheet. Bruxelles, 2008a.

Disponível em <http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/toolkit/food_GPP_product_sheet.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2015.

164 EUROPEAN COMISSION, 2008a. 165 EUROPEAN COMISSION. European Parliament Resolution of 23 April 2009 on addressing the challenges of

deforestation and forest degradation to tackle climate change and biodiversity loss (2010/C 184 E/08). 23 April 2009c. Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=TA&reference=P6-TA-2009-0306&language=GA>. Acesso em: 31 maio 2016. Tradução nossa: “1. Stresses the need for more coherence between forest conservation and sustainable management policies and other EU internal and external policies; calls for a quantified evaluation of the impact on forests of EU policies such as energy (especially biofuels), agriculture, sustainable production and consumption, procurement, trade and development cooperation; 6. Considers that significant financial support must be provided to developing countries to halt gross tropical deforestation by 2020 at the latest, and that demonstration of commitment to this will be decisive in the international negotiations for a comprehensive global post-2012 climate agreement.”

164

deforestation: Identification of critical areas where Community policies and legislation could

be reviewed, publicado em 2013, foram definidos critérios que devem ser levados em conta

nas políticas comunitárias com vistas à redução de desmatamento em terceiros países:

1.a. Reduzir o uso da terra ligado à produção de commodities primárias na fonte; a demanda por terra produtiva, tanto doméstica como de países em desenvolvimento que estão associados com o consumo da UE devem ser reduzidos - mesmo que o consumo da UE permaneça inalterado – produzindo commodities primárias de forma mais eficiente considerando a extensão de área necessária por unidade de produto. O impacto do uso da terra em países em desenvolvimento também pode ser reduzido ao aumentar a produção de commodities primarias dentro da UE. O critério 1.a. se concentra na produção de commodities primárias e produtos florestais com um mínimo de uso de terra, 1.b. Reduzir o nível de desmatamento ligado à fonte de produção de commodities primárias identificadas, com impacto de uso de terra equivalente ao consumo da UE, o impacto do desmatamento poderia ser reduzido pela procura de fontes de commodities primárias de outras terras que não sejam resultado de desmatamento. O impacto do desmatamento associado com produtos importados pela UE poderia ser realizado por meio de melhoria na sustentabilidade dos produtos importados e serviços. Para este objetivo, a internalização dos custos (social, ambiental etc.) é um instrumento importante. O critério 1.b. concentra-se na produção de commodities primárias de agricultura e produtos florestais em terras que não sejam resultados de desmatamento, sem reduzir o uso da terra. 2. Reduzir o desmatamento baseado em produtos; reduzindo o desmatamento baseado na cadeia de produção, ex.: reduzir desperdício ou aumentar a reciclagem e reuso reduzuz a pressão sobre as florestas. A UE 27 pode controlar os processos de produção dentro do seu próprio território e, portanto, ter influência completa se o desmatamento é causado ou não. Isto, entretanto, não é fácil, uma vez que produtos são importados. O critério 2 concentra-se nos processos de produção por meio de commodities agrícolas e produtos florestais que são transformados em produtos ou serviços; 3. Contribuir para a cadeia de fornecimento de commodities, produtos e serviços com menor impacto de desmatamento; aumentando a eficiência de toda uma cadeia de fornecimento de produtos com baixo impacto de desmatamento, reduzindo a demanda por terra, e, consequentemente, a pressão sobre as florestas. O critério 3 concentra-se na cadeia de fornecimento e em particular no como trazer produtos de baixo impacto para o consumidor. Busca trazer os produtos certos para os consumidores. 4. Reduzir o consumo na UE (em geral, mais especificamente em commodities, produtos e serviços que têm impactos de desmatamento em uma escala global). Quando o consumo europeu é reduzido, a demanda por produtividade na terra, tanto doméstica, como em outros países também é reduzida – com todos os outros parâmetros permanecendo iguais – e ajuda a reduzir o impacto do desmatamento em países em desenvolvimento. Porém,

165

o desejado uso da terra somente será reduzido quando o que está sendo consumido não seja produzido de forma menos eficiente em termos de terra necessária por unidade de produto. O critério 4 procura reduzir o consumo geral..166 (grifos nossos)

Dentre as políticas comunitárias relacionadas ao uso da terra, que valem ser citadas

no tocante aos desafios de tratar do desmatamento associado à produção de commodities e

bens “embodied deforestation”, vale citar:

a) EU Climate and Renewable Energy Policy;

b) Common Agricultural Policy;

c) EU Forestry Strategy;

d) EU Biodiversity Strategy 2020;

e) Sustainable Production and Consumption Policy;

f) EU Trade Policy 2020;

g) EU Investment Policy;

h) EU Development Cooperation Policy;

i) EU Research and Innovation Policy.

166 EUROPEAN COMISSION. The impact of EU consumption on deforestation: Identification of critical

areas where Community policies and legislation could be reviewed. 2013c. Disponível em: <http://ec.europa.eu/environment/forests/pdf/2.%20Report%20policies%20identification.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016. p. 18-19. Tradução nossa: “1.a. Reduce the land use linked to the production of primary commodities at source; the demand for productive land, both domestic and in third countries that is associated with EU consumption, may be reduced – even if EU consumption remains unchanged – by producing primary commodities more efficiently in terms of the land needed per unit of output. The land use impact in third countries could also be reduced by increasing the production of primary commodities within the EU. Criterion 1.a. concentrates on primary production of agricultural commodities and forestry products with minimum land use; 1.b. Reduce the level of deforestation linked to the source of production of the identified primary commodities; with equal land use impact of EU consumption, the deforestation impact could be reduced by seeking to source primary commodities from pieces of land that are not the result of deforestation. The deforestation impact associated with EU imports could be realised by improving the sustainability of the imported goods and services. For this objective, internalisation of all costs (social, environmental …) is an important instrument. Criterion 1b concentrates on primary production of agricultural commodities and forestry products on land that is not the result of deforestation, without reducing land use; 2. Reduce the embedded deforestation of products produced; reducing the embedded deforestation in the production chain, e.g. by reducing waste or increasing recycling and re-use, reduces the pressure on forests. The EU27 can control production processes within its own territory and thus have full influence over whether deforestation is caused or not. This, however, is not easy when products are imported. Criterion 2 concentrates on (intermediary or final) production processes through which agricultural commodities and forestry products are transformed into products and services; 3. Contribute to the supply chain of commodities, products and services with no or lower deforestation impact; increasing the efficiency throughout the entire supply chain of products with low deforestation impact reduces the demand for land and thus the pressure on forests. Criterion 3 concentrates on the supply chain, and in particular on how to bring products with low deforestation impact to the consumer. It aims at bringing the right products to customers; 4. Reduce EU consumption (in general, and more specifically of commodities, products and services having deforestation impacts at global scale) When EU consumption is reduced, the demand for productive land, both domestic and in third countries, is decreased and this might – all other parameters remaining equal – have a reductive effect on third country deforestation. However, the required land use will only decrease when what is being consumed has not been produced less efficiently in terms of the land needed per unit of output. Criterion 4 aims at reducing consumption in general”

166

Por sua vez, o relatório The impact of EU consumption on deforestation: Proposal of

specific Community policy, legislative measures and other initiatives for further consideration

by the Commission recomenda uma série de políticas que devem ser consideradas para

promover a redução de desmatamento e degradação nos produtos produzidos dentro e fora da

União Europeia. A tabela abaixo ilustra as principais recomendações:

� Promote and strengthen FLEGT, and expand to other commodities; � Promote relevant concepts and measures for ‘climate smart agriculture; � Promote sustainable intensification of agricultural and forest production in areas where current production

is well below the agronomic and silvicultural production potential; � Raise awareness of the linkages between EU consumption and deforestation; � Mandatory labelling of the origin of food products, main ingredients and ingredients that are associated

with deforestation; � Mandatory labelling of the forest footprint of (food) products; � General requirement to apply stringent public procurement principles with respect to the deforestation

impact of products and services; � Strengthen voluntary initiatives certifying sustainably produced (deforestation-free) commodities; � Strengthen the environmental provisions in trade agreements; � Increase the import tariffs of commodities that are associated with deforestation; � Attach sustainability criteria to the import of commodities that are associated with deforestation; � Promote Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation (REDD+); � Include “indirect land use” (ILUC) in sustainability criteria for biofuels; � Extend the sustainability criteria for biofuels to other uses of the same crops (food, feed, products,

materials). Quadro 12 – Recomendações de políticas com vistas a reduzir a produção e o consumo de produtos e bens oriundos de desmatamento e degradação na União Europeia Fonte: EUROPEAN COMMISSION. The impact of EU consumption on deforestation: Proposal of specific Community policy, legislative measures and other initiatives for further consideration by the Commission. 2013d. Disponível em: <http://ec.europa.eu/environment/forests/pdf/3.%20eport%20policies%20proposal.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2016.

Diante do foco da presente pesquisa, é interessante observar as recomendações

relativas à criação de mandatory labelling (que obrigatoriamente teriam que ser embasados

por regulamentações comunitárias ou de membros da UE) e de voluntary sustainability

criteria.

Vale recordar o debate sobre a voluntariedade no cumprimento de padrões privados,

tendo em vista seu potencial efeito de causar restrições ao comércio. Além disso, é relevante

mencionar que o conceito de mandatory standards da ISO equivale a mandatory labelling

diante dos objetivos da UE e, neste sentido, poderiam ser questionados na OMC caso criem

barreiras ao comércio.

Além disso, é essencial destacar que em face do objetivo de evitar produtos e bens

oriundos de desmatamento (mesmo que desmatamento legal), o relatório recomenda a criação

de iniciativas voluntárias privadas. A tabela abaixo cita em detalhes a proposta:

167

Name

Strengthen voluntary initiatives certifying sustainably produced (deforestation-free) commodities

Problem targeted

Voluntary multi-stakeholder sustainable certification initiatives like the Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), Roundtable on Responsible Soy (RTRS) and the Roundtable on Sustainable Biofuels (RSB) assist businesses in the supply chain to find standards to achieve their environmental and social goals. The standards and monitoring and verification practices of these initiatives currently cannot ensure that the goods they certify as ‘sustainable’ are effectively deforestation-free. (Calen May et al., 2012)

Objective Strengthen certification schemes to ensure that certification means that the produced, processed or traded commodities are deforestation-free.

Description Support the development of existing (or new) certification schemes to ensure that certification by these schemes means that the produced, processed or traded commodities are effectively deforestation-free.

Link with policy evaluation criteria

1.a. Produce commodities with low land use impact 1.b. Produce commodities with low deforestation impact 2. Produce products with low deforestation impact 3. Organize supply chain of products with low deforestation impact 4. Reduce EU consumption (in general, and more specifically of commodities and products having deforestation impacts

Type of measure

Regulatory measure Voluntary measure Market-based instrument Information and awareness raising Funding mechanism Capacity building

Initiator European Commission Target group Voluntary multi-stakeholder sustainable certification initiatives and supply chain

actors. Critical considerations

As many of the existing initiatives have been initiated and/or designed by those private companies that are already dominating the market one should make sure smallholders can also access to such schemes

Impact on deforestation

Effectiveness Low The fact that there exist certification schemes that can effectively ensure that certification means the produced, processed or traded commodities are deforestation-free does not mean that absolute deforestation is lowered. Strong sustainability certification schemes are, however, a tool to demonstrate a particular company produces commodities that are not associated with deforestation. Such certification schemes are an indispensible building block of other identified policy proposals Magnitude High The product and geographical scope of the certification schemes is potentially very broad.

Efficiency of the measure

Impact on deforestation Medium Resources input Low The resource input required to strengthen existing certification schemes is relatively limited.

Possible side effects

n.a.

Links to other measures and legislation

Policy proposal 16: Consumer tax on meat products Policy Proposal 18: Mandatory labelling of the forest footprint of (food) products. Policy proposal 19: General requirement to apply stringent public procurement principles with respect to the deforestation impact of products and services. Policy proposal 1: Extend the sustainability criteria for biofuels for other uses of

168

the same crops (food, feed, products, materials). Policy proposal 4: Promote Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation (REDD+) Policy proposal 25: Investment tax (for portfolio investors investing in corporations with a ‘positive’ forest footprint). Policy proposal 26: Make the protection of foreign direct investments under Bilateral Investment Treaties (BITs) conditional upon specific deforestation related responsible investment criteria. Policy proposal 27: Make the protection of foreign direct investments by export credits dependent on specific deforestation related responsible investment criteria. Policy proposal 22: Strengthen the environmental provisions in trade agreements. Policy proposal 23: Increase the import tariffs of commodities that are associated with deforestation. Policy proposal 24: Attach sustainability criteria to the import of commodities that are associated with deforestation.

Quadro 13 – Proposta de criar iniciativas voluntárias que certifiquem commodities livres de desmatamento Fonte: EUROPEAN COMMISION, 2013d.

Dentre as propostas de políticas para endereçar produtos livres de desmatamento é

interessante observar o propósito de estender os critérios de sustentabilidade para

biocombustíveis para outros usos dos mesmos produtos (alimentos, rações, produtos e

materiais), incluir critérios de sustentabilidade para a importação de commodities associadas a

desmatamento e promover e fortalecer a FLEGT e expandi-la para outras commodities.

Como será visto a seguir, o fato de a União Europeia aceitar que operadores que

cumpram padrões/certificações privadas possam vender biocombustíveis para importadores

europeus reflete, de um lado, a inabilidade de se criar formas de reconhecimento de práticas

ambientais entre países e, de outro, o reconhecimento de que padrões privados são uma forma

de alcançar objetivos desejados pelos países.

Promover a criação de certificações privadas para commodities ou mesmo do modelo

da FLEGT, que exige o reconhecimento da equivalência entre critétios exigidos na UE para a

produção de madeira e manejo florestal e a devida comprovação dos mesmos pelo exportador,

o que pode se dar via uma certificação privada como o FSC ou PEFC, significa terceirizar

para os atores privados a obrigação de adotar ações que permitam atingir objetivos relevantes

do ponto de vista das políticas nacionais.

Nesse sentido, vale recordar a multiplicidade de padrões privados que compõem

certificações voluntárias com aspectos ambientais e sociais, de segurança dos alimentos,

dentre outros. A proliferação de iniciativas ganha respaldo pelo envolvimento de países e

suporte efetivo na elaboração de padrões que visem assegurar requisitos relevantes diante de

169

regulamentações nacionais e/ou de políticas de longo prazo que não possuem instrumentos

efetivos.

Vale lembrar que como alguns países defendem objetivos que têm relação direta com

a produção em terceiros países, a criação de políticas internas que possam ter efeito nos países

exportadores tende a ser limitada. Exceto pela imposição de tarifas de importação mais

elevadas ou barreiras explícitas, promover a produção sustentável com critérios internos em

terceiros países é uma tarefa questionável. E, neste contexto, o uso de padrões privados pode

se tornar uma ferramenta eficiente.

Por fim, é importante destacar que a Comissão Europeia reconhece várias iniciativas,

compostas por diferentes atores, que adotam medidas visando reduzir/controlar

desmatamento. Algumas adotadas por membros do bloco, outras por grupos estritamente

privados, outras com participação pública e privada.

Initiatives

Member state

initiatives

• Guide sustainable procurement (Federaal Actieplan Duurzame Overheidsopdrachten) – Belgium;

• Sectorial agreement of 1 March 2011 aiming at increasing the supply of wood products sourced from forests that are managed sustainably – Belgium;

• Dutch Sustainable Trade Initiative (IDH) – The Netherlands; • Forest Initiative for Global development / Focali (Forest, Climate, and Livelihood

research network) – Sweden; • Generational goal – Sweden • Network on reducing food waste (private sector, governments, knowledge institutions)

– Sweden, Denmark, Norway, Finland; • Promotion of • environmentally smarter food choices – initiated at EU level by Sweden; • Time-bound voluntary private sector commitments – UK; • Consumer information – UK; • Awareness raising (consumers and business) – UK; • Sustainable public sector procurement – UK; • REED+ Finance – UK

R&D – UK;

Multilateral

initiatives

• REED Finance; • (European) Roundtable on Sustainable Consumption and Production (SCP); • Partnership to benchmark the environmental performance of livestock food chains –

FAO Animal Production and Health Division (AGA) has the lead; • The United Nations-backed Principles for Responsible Investment Initiative (PRI); • International Finance Corporation’s (IFC’s) work on responsible finance. Worldbank; • FAO’s Voluntary Guidelines on the • Responsible Governance of Tenure of Land, Fisheries and Forests in the Context of

National Food Security;

• OECD Guidelines for Multinational Enterprises; • OECD due diligence guidance for responsible supply chains of minerals from conflict

affected and high-risk areas Private sector • Forest Footprint Disclosure (FFD) project (water, forest and carbon will be

integrated);

170

initiatives

(some in

multi-

stakeholder

setting)

• TFT (tropical forest trust), and Nestlé working together; • Food waste – voluntary commitments of manufacturers; • Roundtable on responsible soy (RTRS); • Roundtable on responsible palm oil (RSPO); • Global Roundtable for sustainable beef (GRSB); • Private Company Standards; • IKEA: zero deforestation policy (due diligence system for timber; certified palm oil;

leather due diligence); • Unilever: 2020 Sustainability Plan; • Retail Forum a multi-stakeholder platform deforestation to be addressed in the coming

years);

• Leaders For Nature – Netherlands; • The Equator Principles Association (UK based)

National

initiatives

(outside EU)

• Moratoria, land use planning and certification –Brazil, Argentina, Indonesia:

INDONESIA- TIMBER, PALM OIL: On May 20, 2011, Indonesian President Susilo Bambang Yudhoyono signed a Presidential Instruction (“decree”) putting into effect a two-year moratorium on issuing new permits for use of primary natural forest and peatland. The highly anticipated moratorium is part of a broader $1 billion Indonesia-Norway partnership to reduce emissions from deforestation and degradation (known as REDD+). BRAZIL – BEEF: Four of the world's largest cattle producers and traders have agreed to a moratorium on buying cattle from newly deforested areas in the Amazon rainforest, reports Greenpeace. JBS-Friboi, Bertin, Minerva and Marfrig will implement certification and monitoring systems to ensure that beef and leather in their supply chains is not being produced as a result of new forest clearing. The companies also agreed to ban buying of cattle from ranches using slave labor or illegally occupying protected areas and indigenous reserves. BRAZIL / SOY The moratorium was established in July 2006 in response to concerns among big soy buyers — notably McDonalds and Carrefour — that soy expansion was driving large-scale destruction of Earth's largest rainforest. Soy producers in the region have since registered their holdings in order to sell their product to major crushers and traders. Registered properties are monitored via satellite, airplane flyovers, and on-the-ground visits for compliance.

Quadro 14 – Iniciativas que podem promover o objetivo de reduzir desmatamento em terceiros países Fonte: EUROPEAN COMMISION, 2013d, p. 8-14.

3.1.4 Desmatamento ilegal versus desmatamento legal: o caso do Brasil

Em outubro de 2015, o Brasil enviou para o Secretariado da UNFCCC, as

contribuições nacionalmente determinadas que pretende adotar envolvendo ações de

mitigação e de adaptação às mudanças do clima. As chamadas iNDCs (intended nationally

determined contributions) representam as ações que os países voluntariamente aceitam

promover e adotar como contribuições no âmbito do novo acordo ou protocolo que deveria

ser aprovado pelas Partes da UNFCCC na COP21, em dezembro de 2015.

171

Com a aprovação do Acordo de Paris na COP21, as iNDCs passam a ser

contribuições nacionalmente determinadas (nationally determined contributions – NDCs) e

serão a base das ações que cada país deverá adotar no âmbito do Acordo de Paris.

Dentre as iNDCs brasileiras no tocante ao uso da terra (setor considerado na

Convenção como forma de calcular emissões e remoções de GEEs) vale citar:

a) implementar o novo Código Florestal;

b) zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030;

c) compensar as emissões oriundas de desmatamento legal até 2030;

d) restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas para usos múltiplos;

e) incrementar o manejo florestal sustentável.167

O papel da conservação, restauração e manejo de florestas e outras formas de

vegetação nativa tem destaque e fundamenta-se, em grande parte, na implementação do

Código Florestal.

Como anteriormente mencionado, a Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, dispõe

sobre a proteção de vegetação nativa e altera diversas regulamentações que criavam as regas

de proteção e conservação de vegetação em propriedades privadas e áreas urbanas, conhecida

como Código Florestal.168

O novo Código Florestal, como ficou informalmente conhecido, é parte das

contribuições brasileiras ao Acordo de Paris. Espera-se que as obrigações assumidas no

Acordo passem a vigorar a partir de 2020, e as NDCs iniciais levadas pelos países sejam o

primeiro esforço coletivo comum diante do objetivo de limitar o aumento da temperatura em

no máximo 2°C. Como destacado por este autor,

O debate sobre precificação de carbono, citado de diferentes formas na COP21, e presente no Acordo, é uma realidade. Tanto em políticas nacionais ou subnacionais quanto em ações privadas, quantificar e dar valor ao carbono gerado em produtos diversos da economia é uma realidade que será, cada vez mais, presente a nível global. Novamente, produtos agrícolas e florestais brasileiros, incluindo alimentos, rações, fibras, e biocombustíveis, devem fazer uso deste movimento, pois apresentam, de maneira geral,

167 BRASIL. Intended Nationally Determined Contribution Towards Achieving the Objective of The

United Nations Framework Convention on Climate Change. Disponível em: <http://www4.unfccc.int/submissions/INDC/Published%20Documents/Brazil/1/BRAZIL%20iNDC%20english%20FINAL.pdf>. Acesso em: 18 maio 2016.

168 O Código Florestal de 1965 (Lei n.º 4.771/1965) foi alterado inúmeras vezes até a Medida Provisória 2.166-67 de 2001, quando a negociação da reforma do Código ganhou peso e tramitou no Congresso Nacional até a aprovação da Lei n.º 12.651 em 2012, com as alterações trazidas pela Lei n.º 12.727/2012. Para uma visão mais ampla sobre os debates que levaram ao novo Código Florestal, é válido consultar: VISÃO AGRÍCOLA: Revista da USP Esalq, ano 7, n. 10, jan./abr. 2012; SPAROVEK, Gerd et al. A Revisão do Código Florestal Brasileiro. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n. 89, mar. 2011.

172

pegadas de carbono muito positivas se comparadas aos seus produtos concorrentes. Neste cenário, ainda mais oportunidades podem ser desenvolvidas na agenda de regularização do novo Código Florestal. A regularização, tendo o CAR como ponto de partida, é um processo em movimento, que ajudará a moldar a dinâmica de uso e ocupação do solo. Comprovar a regularidade perante o novo Código Florestal será uma ferramenta de garantia de origem dos produtos brasileiros no tocante ao uso da terra, à produção e à conservação.169

O Brasil assinou o Acordo de Paris juntamente com mais 173 países na cerimônia de

abertura do Acordo para assinaturas em abril de 2016, em Nova Iorque. O Congresso

Nacional recebeu por meio da Mensagem de Acordos, Convênios, Tratados e Atos

Internacionais n° 235/2016 o texto do Acordo em português juntamente com a exposição de

motivos para ratificação.170

No dia 12 de setembro de 2016, o Brasil ratificou o Acordo de Paris.171 Com a

ratificação, as contribuições relacionadas com desmatamento e restauração florestal no

Código Florestal serão vinculantes (legally binding) do ponto de vista do direito internacional,

o que reforça ainda mais seu caráter legal internamente.

Algumas das ações já são fundamentadas por regulamentações como é o caso do

Código Florestal, que envolve restaurar 12 milhões de hectares de florestas e zerar

desmatamento ilegal. No entanto, espera-se que sejam criadas novas políticas que visem, por

exemplo, promover restauração florestal em escala, manejo florestal sustentável, a adoção de

projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD plus), dentre

outras.

Nesse sentido, é importante destacar que a implementação do Código Florestal

permitirá dar transparência para a conservação e a restauração de vegetação nativa nas áreas

privadas brasileiras. Produtores que protegem áreas em suas propriedades, a despeito de ser

uma obrigação legal, poderiam ter um diferencial quanto a seus produtos comparados com

produtos vindo de países que possuem pouca ou nenhuma vegetação nativa?

169 LIMA, Rodrigo C A; ANTONIAZZI, Laura. O Acordo de Paris e o futuro do uso da terra no Brasil.

Disponível em: <http://www.inputbrasil.org/wp-content/uploads/2016/05/Acordo_de_Paris_e_futuro_do_ uso_da_terra_no_Brasil_Agroicone.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2016. p. 10.

170 BRASIL. Mensagem de Acordos, Convênios, Tratados e Atos Internacionais n° 235/2016c. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=E11238527D0C6B22E3A25DB6B21398B5.proposicoesWeb1?codteor=1457472&filename=MSC+235/2016>. Acesso em: 14 maio 2016.

171 BRASIL. Decreto Legislativo 140/2016. Aprova o texto do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - UNFCCC, celebrado em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e assinado em Nova York, em 22 de abril de 2016a. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/2016/decretolegislativo-140-16-agosto-2016-783505-acordo-150960-pl.html>. Acesso em: 19 set. 2016.

173

Dados do Cadastro Ambiental Rural publicados pelo Serviço Florestal Brasileiro do

Ministério do Meio Ambiente, evidenciam que existem 97 milhões de hectares de vegetação

nativa nas fazendas que fizeram o CAR. Até agosto de 2016, 387 milhões de hectares foram

cadastrados, representando 97,3 % da área total estimada.172

Essa área, que abrange Áreas de Preservação Permanente, áreas de Reserva Legal e

remanescentes de vegetação nativa, tende a crescer com a finalização do CAR, e deverá

ultrapassar a área protegida com base no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (113

milhões de hectares). A validação dos cadastros é o próximo passo a ser dado pelos órgãos

ambientais como forma de assegurar que as informações prestadas estão corretas.173

Em tese, os produtores que cumprem o Código Florestal têm um diferencial em

termos de conservação de vegetação (o que se traduz em manutenção de estoques de carbono,

conservação de biodiversidade e de água) comparativamente a produtores de países que não

tenham regras como as brasileiras. Em linha com o princípio do tratamento nacional, o Brasil

poderia exigir que seus parceiros comerciais tivessem regras de proteção de vegetação

minimamente parecidas com as nacionais?

A importância de reconhecer o Código Florestal como instrumento relevante diante

do desafio de promover cadeias produtivas livres de desmatamento é marcante no Brasil. O

diferencial que a implementação da lei poderá trazer para a agropecuária no tocante a

benefícios ambientais deve ser ponderada. Pedro Amaral e Isabella Vitali argumentam que,

No Brasil, o panorama atual proporciona um arcabouço legal (i.e., o novo Código Florestal [CF], regido pela lei 12.651/2012) e uma série de iniciativas que, se apoiados e implementados, devem colaborar para o atendimento de boa parte dos compromissos. Em 2014, reconhecendo esse panorama, um grupo de ONGs brasileiras assinou um compromisso instando as empresas a implementar o CF como passo crucial para atender seus compromissos. Em 2015, o CGF, em uma reunião de seu grupo de trabalho sobre soja sustentável, em conjunto com stakeholders brasileiros, reconheceu a importância do CF para seus compromissos. Em uma reunião da Tropical Forest Alliance 2020 (TFA 2020), em junho de 2015, um grupo que reuniu empresas, ONGs e o CGF, concordou em desenvolver orientações para empresas sobre como implementar seus compromissos para eliminar o desmatamento de cadeias de commodities no Brasil. Esse processo seria calcado nas leis, iniciativas e incentivos existentes. No mesmo mês, a

172 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Serviço Florestal Brasileiro. Cadastro Ambiental Rural, Boletim

Informativo até 31 de agosto de 2016e. Disponível em: <http://www.florestal.gov.br/cadastro-ambiental-rural/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3503&Itemid=303>. Acesso em: 2 out. 2016.

173 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Serviço Florestal Brasileiro. Cadastro Ambiental Rural, Boletim Informativo 2 anos, abr. 2016d. Disponível em: <http://www.florestal.gov.br/cadastro-ambiental-rural/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=3131&Itemid=303>. Acesso em: 12 maio 2016..

174

Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, em seu lançamento, destacou a importância do CF para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, da sigla em inglês) Brasileira.174

Quando se observam as iniciativas e compromissos ligados a desmatamento zero ou

desmatamento líquido zero, de que forma as contribuições brasileiras ao Acordo de Paris

devem ser vistas? Esta colocação tem caráter relevante pois coloca a agenda de redução de

desmatamento e restauração em um nível hierárquico que ultrapassa regras nacionais, e

alcança MEAs como a UNFCCC e o Acordo de Paris, as metas de biodiversidade da CDB,

bem como outros instrumentos internacionais como visto na Tabela 9 acima.

Em outras palavras, a efetiva implementação das contribuições brasileiras parecem

cruciais para se alcançar desmatamento líquido zero (onde as taxas de conversão sejam

compensadas pela restauração de vegetação). Em princípio, tendo essas metas como parte de

regulamentações nacionais e de compromissos assumidos pelo Brasil em tratados

internacionais, essas ações têm uma hierarquia legal elevada.

Quando um padrão privado, criado com suporte de países que são Membros da

OMC, exigido por um importador de soja ou carne, impõe de imediato desmatamento zero,

independentemente de leis e compromissos assumidos pelo país, cria-se um caso interessante

de possível restrição ao comércio.

Parece válido argumentar que o produtor/exportador de soja ou carne brasileiro que

siga as leis no tocante a uso da terra, e que não consiga vender seu produto em função do

padrão mais exigente, poderia enfrentar uma barreira de fato que poderia ser levada pelo

Brasil na OMC.

Como sustenta Manuela Kirschner do Amaral,

A governança privada surge, muitas vezes, para complementar a atuação estatal, seja por que não existe regulamentação na área, seja por que a existente não é adequada. Assim, padrões privados proliferaram justamente em áreas em que a iniciativa regulatória do Estado encontra-se fragmentada. A regulação privada pode, dessa forma, consistir em solução adequada para os casos em que a atuação estatal não se torna possível. Esses sistemas têm ganhado cada vez mais apoio da sociedade civil e do governo em áreas nas quais, sobretudo, a regulação em nível internacional não tem sido possível.

174 AMARAL, Pedro; VITALI, Isabella. Cumprimento legal e eliminação do desmatamento na

produção de commodities no Brasil: ferramentas e iniciativas úteis às cadeias de valor. PROFOREST, WWF, TFA, maio 2016. Disponível em: <http://www.proforest.net/en/publications/iniciativas_cumprimento_legal_eliminacao_desmatamento_brazil.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016. p. 4.

175

Nesse contexto, é compreensível a proliferação de padrões privados relativos à proteção do meio ambiente e a outros valores sociais.175

A despeito da visão de que as regras da OMC somente se aplicam aos seus Membros,

e que os atores privados ficam de fora de sua abrangência176, é especialmente importante

destacar o papel que Membros da OMC acabam tendo ao promover e até mesmo financiar os

chamados padrões privados. Essa discussão será feita em detalhes no Capítulo 4.

3.2 A política europeia de sustentabilidade para biocombustíveis

Levando em conta o debate sobre padrões privados e as regras da OMC, que

norteiam a presente pesquisa, o objetivo deste item é analisar os critérios de sustentabilidade

exigidos pela União Europeia para a produção interna e importação de biocombustíveis e

biolíquidos (eletricidade e aquecimento) tendo como base dois requisitos: a) emissões de

GEEs oriundas do uso da terra, mais especificamente efeitos indiretos do uso da terra (indirect

land use changes – iLUC) e; b) critérios para produção em função de biodiversidade.

Além disso, analisar de que forma os membros da UE podem comprovar o

cumprimento desses padrões e, em função disso, importar biocombustíveis produzidos em

terceiros países.

O debate sobre a sustentabilidade de biocombustíveis abrange temas como

desmatamento, emissões de GEEs, biodiversidade, água, o embate entre alimentos versus

energias (food vs fuel), propriedade da terra, dentre outros aspectos.

O surgimento de diversos modelos de certificações ou de padrões privados que

buscam atestar a produção sustentável de biocombustíveis se intensificou na medida em que

países adotaram mandatos obrigatórios para o uso de biocombustíveis, como os Estados

Unidos e a União Europeia.

A busca para assegurar critérios sustentáveis motivou uma corrida pelo

estabelecimento de padrões em diversos países: a Renewable Transport Fuel Obligation no

Reino Unido; a Cramer Comission na Holanda; o trabalho a Meo Consulting para o governo

alemão; os investimentos da empresa Sekab na sustentabilidade de biocombustíveis na Suécia;

o padrão Low Carbon Fuel Standard na Califórnia e a Renewable Fuel Standard nos Estados

175 AMARAL, 2013, p. 247. 176 BRACK, Duncan. Interaction of WTO Rules with Measure to Restrict the Trade of Unsustainable

Commodities. In: RAUTNER, Mario; LEGGETT, Matt; DAVIS, France. The Little Book of Big Deforestation Drivers. Oxford: Global Canopy Programme, 2013. p. 148.

176

Unidos; a iniciativa do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia –

INMETRO no Brasil.177

No plano regional e multilateral é válido citar a Global Bioenergy Partnership

(GBEP), e as iniciativas privadas como a Roundtable on Sustainable Biofuels (RSB), a The

Global Sugarcane Platform (Bonsucro), a Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), a

Rountable on Responsible Soybean (RTRS), a International Sustainability & Carbon

Certification (ISCC).

Na União Europeia, a Renewable Energy Directive (RED) (Diretiva 2009/28/CE)

estabeleceu metas para o uso de energias renováveis – ao menos 20% do total de energia

oriunda de renováveis até 2020, e 10% do consumo de combustíveis no setor de transportes

em todos os estados membros até 2020. A meta foi expandida para 27% de renováveis até

2030, como parte das ações da UE no contexto do combate às mudanças do clima.178

No entanto, apesar de promover o uso de renováveis, a RED estabelece vários

critérios de sustentabilidade que devem ser cumpridos por operadores internos e de terceiros

países:

a) redução de emissões de GEEs de pelo menos 35% comparado ao uso de combustíveis

fósseis;

b) a partir de 1/01/2017, essa redução de emissões deverá ser de pelo menos 50%;

c) a partir de 1/01/2018, a redução deverá ser de pelo menos 60% (para instalações cuja

produção tenha tido início em 1/01/2017 ou após essa data);

d) os biocombustíveis não podem ser produzidos a partir de matérias-primas

provenientes de áreas que, a partir de 2008, fossem denominadas áreas de alto valor de

biodiversidade – high biodiversity value (áreas de floresta primária ou terrenos

arborizados, área indígenas, áreas protegidas por lei, áreas de proteção de espécies

ameaçadas de extinção); áreas de pastagem com valor de biodiversidade – high

biodiversity grassland (pastagens naturais e plantadas); ou áreas com elevado estoque

de carbono – high carbon stocks (zonas úmidas e áreas de florestas).179

Esses critérios são válidos tanto para a produção como para a importação de

biocombustíveis. Somente biocombustíveis que comprovadamente cumpram os requisitos são

elegíveis para a meta de energias renováveis que os membros da UE devem cumprir até

177 Em 2007 o INMETRO consultou órgãos do governo e atores privados sobre a elaboração de um padrão

nacional de sustentabilidade para biocombustíveis, mas a iniciativa não levou a efetiva aprovação de um padrão.

178 A policy framework for climate and energy in the period from 2020 to 2030. 179 Artigo 17 da Diretiva 2009/28/CE (EUROPEAN COMMISSION, 2009a).

177

2020180, bem como para receber suporte financeiro para o consumo de biocombustíveis

(subsídios).

O Artigo 18 da RED trata da verificação do cumprimento dos requisitos de

sustentabilidade, e exige que os membros cobrem dos operadores a comprovação dos

critérios. Por fim, os membros devem reportar à Comissão. É importante destacar que o

Artigo 18.4 prevê a possibilidade de comprovar o cumprimento dos requisitos via acordos

bilaterais e multilaterais com a UE. Este tópico será visto em maiores detalhes a seguir.181

Adicionalmente, o Artigo 19 da RED trata dos métodos para calcular o impacto de

emissões dos diferentes biocombustíveis e biolíquidos, aspecto essencial tendo em vista o

potencial de reduzir emissões diante de combustíveis fósseis, mas que deve ser ponderado

com base em critérios científicos que assegurem que os biocombustíveis gerem benefícios em

termos de emissão, não incentivem desmatamento, mesmo que indireto, e aprimorem os

níveis de redução de emissões ao longo do tempo.

Em paralelo, a Fuel Quality Directive (FQD) (Diretiva 2009/30/CE) estabeleceu

especificações técnicas sobre motores e veículos em função de questões ambientais, padrões e

regras para a qualidade dos biocombustíveis e critérios de sustentabilidade ligados ao cálculo

das emissões de GEEs ao longo do ciclo de vida dos biocombustíveis, incluindo os efeitos

indiretos do uso da terra (indirect land use changes – iLUC)182.

A Comissão Europeia deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho, a cada

dois anos, um relatório sobre as medidas adotadas para garantir o cumprimento dos critérios

de sustentabilidade (países do bloco e de fora) e para a proteção dos solos, da água e do ar.

Além disso, o relatório deverá conter uma análise sobre o impacto do aumento da

demanda por biocombustíveis na sustentabilidade social dentro do bloco e em países terceiros,

180 Para informações sobre as metas de cada membro da EU, consultar: <https://ec.europa.eu/energy/node/71>. 181 “Article 18.4. The Community shall endeavour to conclude bilateral or multilateral agreements with third

countries containing provisions on sustainability criteria that correspond to those of this Directive. Where the Community has concluded agreements containing provisions relating to matters covered by the sustainability criteria set out in Article 17(2) to (5), the Commission may decide that those agreements demonstrate that biofuels and bioliquids produced from raw materials cultivated in those countries comply with the sustainability criteria in question. When those agreements are concluded, due consideration shall be given to measures taken for the conservation of areas that provide, in critical situations, basic ecosystem services (such as watershed protection and erosion control), for soil, water and air protection, indirect land-use changes, the restoration of degraded land, the avoidance of excessive water consumption in areas where water is scarce and to the issues referred to in the second subparagraph of Article 17(7).” É interessante notar que eventuais acordos devem contemplar outros critérios ambientais relacionados a proteção de nascentes, erosão, proteção do solo, consumo de água, dentre outros, que não são critérios explícitos no Artigo 17 da RED.

182 A discussão sobre efeitos indiretos do uso da terra (iLUC) ganhou peso em 2009 e 2010, e inúmeros cientistas e pesquisadores buscaram modelar possíveis emissões indiretas de GEEs, ligadas a desmatamento, que tolheriam os benefícios dos biocombustíveis em relação a emissões reduzidas quando comparados aos combustíveis fósseis.

178

bem como impactos ligados à segurança alimentar. O relatório deve apontar, ainda, se os

países produtores ratificaram e aplicam Convenções da Organização Internacional do

Trabalho, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, a Convenção sobre o Comércio

Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção.

O cumprimento dos requisitos de sustentabilidade cabe aos operadores econômicos,

que poderão fazê-lo por meio de regimes voluntários ou acordos bilaterais ou multilaterais.

Isso implica na realização de auditorias e/ou o cumprimento de esquemas de certificação que

visem atestar o cumprimento de critérios de sustentabilidade.

Em linhas gerais, a RED e a FQD criam uma demanda previsível e crescente de

energias renováveis, com base em parâmetros ambientais que precisarão ser definidos ao

longo do tempo – iLUC e highly biodiverse grassland. Além disso, prevê que o aumento do

consumo de biocombustíveis deve se dar concomitantemente ao incremento de redução de

emissões.

3.2.1 Emissões de GEEs e efeitos indiretos do uso da terra

Na parte preambular da Diretiva 2009/30/EC, fica evidente a preocupação com a

expansão da produção de biocombustíveis e impactos ao uso da terra em termos de emissões

de GEEs, ora pela conversão de áreas com high carbon stocks, ora em função do aumento da

demanda de biocombustíveis que levaria à produção em áreas de pastagens e utilizadas por

outras culturas, e causaria a expansão dessas culturas sobre a floresta, gerando emissões de

GEEs indiretas:

22) A procura global de matérias-primas agrícolas está a aumentar. Parte da resposta a essa procura crescente consistirá no aumento da superfície dos terrenos consagrados à agricultura. Um dos meios de aumentar a superfície dos terrenos disponíveis para o cultivo é a reconstituição dos solos que, em estado de grave degradação ou forte contaminação, não podem ser explorados para fins agrícolas. Dado que a promoção dos biocombustíveis contribuirá para o crescimento da procura de matérias-primas agrícolas, o regime de sustentabilidade deverá promover a utilização de terrenos degradados reconstituídos. Mesmo que os biocombustíveis sejam produzidos a partir de matérias-primas provenientes de terrenos já utilizados para outras culturas, o aumento líquido da procura de culturas provocado pela promoção dos biocombustíveis poderá conduzir ao aumento líquido da área cultivada. Esse aumento poderá afetar terrenos ricos em carbono, e nesse caso poderão verificar-se perdas nocivas do carbono armazenado. Para reduzir esse risco, é conveniente introduzir medidas de acompanhamento para incentivar a melhoria da taxa de aumento da produtividade em terrenos já utilizados para

179

culturas, a utilização de terrenos degradados e a imposição de requisitos de sustentabilidade, comparáveis aos estabelecidos na presente diretiva para o consumo de biocombustíveis na Comunidade, em outros países consumidores de biocombustíveis. A Comissão deverá conceber uma metodologia concreta para reduzir ao mínimo as emissões de gases com efeito de estufa causadas por alterações indiretas do uso do solo. Para esse efeito, a Comissão deverá analisar, com base nos melhores conhecimentos científicos disponíveis, em especial, a inclusão de um fator relativo às alterações indiretas do uso do solo no cálculo das emissões de gases com efeito de estufa e a necessidade de incentivar os biocombustíveis sustentáveis que minimizam os impactos das alterações do uso do solo e de aumentar a sustentabilidade dos biocombustíveis relativamente às alterações indiretas do uso do solo. Ao elaborar esta metodologia, a Comissão deverá, nomeadamente, ter em conta as potenciais alterações indiretas do uso do solo resultantes da utilização de biocombustíveis produzidos a partir de materiais celulósicos não alimentares e de materiais lenhocelulósicos.183

Até 31 de dezembro de 2010, a Comissão deveria apresentar relatório revisando os

impactos dos efeitos indiretos do uso da terra e prevendo formas de minimizá-los. Para tanto,

deveria levar em conta as melhores informações científicas disponíveis e uma proposta de

metodologia considerando estoques de carbono no solo e emissões decorrentes de mudanças

indiretas no uso do solo. Até dezembro de 2012 o Parlamento e o Conselho deveriam decidir

sobre a proposta.

O Relatório da Comissão sobre as alterações indiretas da utilização dos solos

relativas aos biocombustíveis e biolíquidos, apresentado pela Comissão em dezembro de

2010, concluiu que, apesar da clareza quanto à importância de minimizar os impactos de

emissões de GEEs associadas a alterações indiretas do uso da terra, é preciso avançar nos

modelos destinados a mensurar esses impactos:

No que respeita às alterações indiretas da utilização dos solos, com base no trabalho realizado até hoje, a Comissão acredita que é possível tirar algumas conclusões. Reconhece que continua por resolver uma série de deficiências e incertezas associadas à modelização necessária para estimar os impactos, o que pode ter impacto significativo nos resultados do trabalho de análise efetuado até agora. Por esse motivo, irá prosseguir os trabalhos neste domínio a fim de assegurar que as decisões políticas se baseiem nos melhores dados científicos disponíveis e de cumprir as suas futuras obrigações de elaboração de relatórios sobre esta matéria. No entanto, a Comissão reconhece que as alterações indiretas da utilização dos solos podem ter impacto nas reduções de emissões de gases com efeito de estufa associadas aos biocombustíveis, podendo em certas circunstâncias diminuir a sua contribuição para os objetivos políticos, caso não sejam

183 Parágrafo 22 da Diretiva 2009/30/EC (EUROPEAN COMMISSION, 2009b).

180

adotadas medidas. Assim, a Comissão considera que, se for necessária ação, as alterações indiretas da utilização dos solos devem ser objeto de uma abordagem baseada no princípio de precaução.184

A questão central em relação à iLUC é que a dificuldade de se adotar um modelo

científico confiável, que permita medir impactos consistentes desses efeitos indiretos, pode

criar exigências rígidas que prejudiquem países produtores sem que os critérios definidos

sejam necessários para minimizar os impactos em termos de emissões de GEEs.185

Pode-se argumentar, no entanto, que os requisitos sobre iLUC são relevantes para

evitar emissões e, desta forma, atingir objetivos relevantes no tocante a meio ambiente, em

linha com as políticas europeias na agenda de mudanças do clima. Uma medida ou padrão

ligado à iLUC recairia, em tese, no âmbito do Artigo 2.2 do Acordo TBT e/ou Artigo XX(b)

do GATT.

É importante lembrar que quando um assunto estritamente técnico é objeto de um

painel, é criado grupo de peritos que trazem conhecimento científico para ajudar a definir a

necessidade ou não da medida em questão.

O relatório Impact Assessment apresentado pela Comissão Europeia, em outubro de

2012, ressalta a dificuldade de tratar a questão de impactos indiretos, e propõe algumas

soluções que deverão ser analisadas na reformulação da política de promoção e uso de

energias renováveis.

É interessante observar que há uma evidente preocupação com o fato de as definições

terem impactos em outros países, o que é visivelmente crítico sob o ponto de vista da criação

de barreiras ao comércio, com o alegado propósito de evitar impactos decorrentes de emissões

indiretas de GEEs, o que, como destacado pela própria Comissão, não é uma tarefa fácil de se

mensurar com bases científicas.

184 COMISSÃO EUROPEIA. Relatório da Comissão sobre as alterações indirectas da utilização dos solos

relativas aos biocombustíveis e biolíquidos. Bruxelas, 22 de dezembro de 2010. Disponível em: <http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2010:0811:FIN:PT:PDF>. Acesso em: 12 maio 2016.

185 PAVLOVSKAIA, Evgenia. Legal Analysis of the European Union Sustainability Criteria for Biofuels. Journal of Sustainable Development Law And Policy: Afe Babalola University, v. 3, n. 1, p. 4-21, 2014. Disponível em: <http://www.ajol.info/index.php/jsdlp/article/download/122610/112158. Acesso em 5/04/2016>. Acesso em: 18 maio 2016. p. 13: “Estimating the GHG impact due to iLUC is rather complex. Some researchers have perceived potential sustainability criteria on iLUC as “too ambitious,” and have argued that they could “scare away investors”. Other analyses have shown that it is a problem that iLUC is actually not included in the EU sustainability criteria that deal with the calculation of GHG emissions and biodiversity consequences. Farming of energy crops for biofuel production is displacing current agricultural food and feed production, as well as production of forest-related products, such as fiber and timber, to other areas, which leads to iLUC effects. There is also a risk that this displacement can move previous agricultural production to areas outside of a country, making it very complicated to estimate the consequences.”

181

Os critérios de sustentabilidade das Diretivas têm base legal no Artigo 14 do Tratado: mercados internos. As mudanças indiretas do uso da terra possuem impactos transnacionais que não podem ser abordados de forma satisfatória pelo Estados-Membros, quando a UE quer estabelecer um mercado europeu funcional de biocombustíveis. Já que também haverá comércio internacional de biocombustíveis fora da UE, isto não pode ser adequadamente regulado a nível nacional. É preciso considerar se e como os objetivos podem ser alcançados mediante ações concretas da UE: o teste do “valor adicionado europeu”. O racional para as ações da Europa no tocante aos biocombustíveis foram anteriormente decididos com a adoção das Fuel Quality and Renewable Energy Directives. Isto surge da natureza transnacional do problema identificado e o desejo de criar um mercado único de energia e transportes renováveis com baixa emissão de GEEs. Por essas razões, a política de objetivos traçada na seção 3 do presente relatório de análise de impactos não pode ser suficientemente atingida somente por ações de Estados-Membros, mas por uma ação coordenada e harmoniosa da UE.186

Dentre as sugestões propostas sobre como tratar dos efeitos indiretos, que deverão

ser consideradas na revisão da política europeia, vale citar:

a) a não adoção de ações no momento, enquanto continua a monitorar o assunto;

b) aumentar os limites mínimos dos benefícios de redução de emissões dos

biocombustíveis;

c) criar requisitos adicionais de sustentabilidade para determinadas categorias de

biocombustíveis;

d) atribuir uma quantidade de emissões de GEEs para os biocombustíveis, a fim de

refletir a estimativa do impacto do uso indireto da terra;

e) limitar a contribuição dos biocombustíveis convencionais para as metas da União

Europeia sobre o uso de energias renováveis.187

186 EUROPEAN COMMISSION. Impact Assessment Accompanying the document Proposal for a Directive

of the European Parliament and of the Council amending Directive 98/70/EC relating to the quality of petrol and diesel fuels and amending Directive 2009/28/EC on the promotion of the use of energy from renewable sources. SWD(2012) 343 final. Brussels, 17 October 2012a. Disponível em: <http://ec.europa.eu/energy/renewables/biofuels/doc/biofuels/swd_2012_0343_ia_en.pdf>. Acesso em: 18 maio 2016. p. 27. Tradução nossa: “The sustainability criteria of the Directives have their legal basis in Article 114 of the Treaty: internal market. The indirect land-use change impacts necessarily have transnational aspects which cannot be dealt with satisfactorily by Member States, when the EU wants to establish a functional EU-wide market for biofuels. Since there will also be international trade in biofuels with countries outside the EU, this can also not be properly regulated at Member State level. It has to be considered whether and how the objectives could be better achieved by action on the part of the EU: the “test of European added value”. The rationale for European action in the field of biofuels has already been decided with the adoption of the Fuel Quality and Renewable Energy Directives. This stems from the transnational nature of the identified problem and the desire to create a single market in renewable and lower greenhouse gas intensity energies for transport. For these reasons, the policy objectives set out in section 3 of the present Impact Assessment report cannot be sufficiently achieved by actions of the Member States alone, but have to be coordinated and harmonised across the EU.”

187 EUROPEAN COMMISSION, 2012a, p. 32.

182

Em 2015, foi aprovada a Diretiva EU 2015/1513, que trouxe algumas mudanças no

tocante à RED. A participação dos biocombustíveis produzidos com base em cereais, culturas

ricas em amido, açúcares e culturas oleaginosas deve ser de no máximo 7% do consumo final

de energia no setor de transportes até 2020. Além disso, os membros podem definir limites

para a participação desses biocombustíveis.

Novos critérios para calcular os impactos de emissões de GEEs em função das

mudanças indiretas no uso da terra, considerando valores para estoques de carbono,

produtividade das diferentes matérias-primas, possível bônus de carbono em função da

restauração de áreas, conteúdo energético das matérias-primas.188

A nova regulamentação criou o conceito de “low indirect land-use change-risk

biofuels”, como forma de buscar reduzir as incertezas ligadas às dificuldades de se mensurar

iLUC. Biocombustíveis feitos de matérias-primas produzidas no âmbito de programas que

reduzem o deslocamento da produção de outras culturas produzidas com outras finalidades

que não seja a produção de biocombustíveis e que sigam os critérios de redução de emissões.

Nenhuma decisão foi adotada até o momento sobre como adotar o conceito de low

indirect land-use change risk. A Comissão contratou estudos científicos, mas até o momento não

há clareza de quais elementos serão adotados para fundamentar um biocombustível com baixo

risco de mudanças do uso da terra indiretas. De acordo com estudo da consultoria Ecofys,

Combustíveis de baixo risco iLUC são produzidos de biomassa proveniente de áreas onde o risco de impactos indiretos é reduzido. Uma área de baixo risco pode ser atingida se o biocombustível é produzido por meio de biomassa que é criada adicionalmente ao atual modelo de níveis de produção agropecuário usado para alimentos e rações, significando que o deslocamento da produção de alimentos é evitado. Baixo risco iLUC de biocombustíveis convencionais poderia ser uma parte aceitável e desejável do sistema de transporte de baixo carbono.189

188 EUROPEAN COMMISSION. Directive (EU) 2015/1513 of the European Parliament and of the Council of 9

September 2015: amending Directive 98/70/EC relating to the quality of petrol and diesel fuels and amending Directive 2009/28/EC on the promotion of the use of energy from renewable sources. Official Journal of the European Union, I. 239/1, 9 September 2015a. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:32015L1513&from=EN>. Acesso em: 13 jun. 2016. Anexos I e 4.

189 PETERS, Daan et al. Methodologies for the identification and certification of Low ILUC risk biofuels . ECOFYS. 2 June 2016. p. 2. Tradução nossa: “Low iLUC risk biofuels are produced from biomass of which displacement is reduced to such an extent that the displacement risk can be considered as low. A low displacement risk can be achieved if biofuels are produced from biomass that is created additionally to current and trend-based future agricultural production levels used for food and feed, meaning that displacement of food production is avoided. Low ILUC risk conventional biofuels could be an acceptable, even desirable part of a low carbon transport system.”.

183

O debate sobre iLUC e, mais recentemente, Low iLUC, evidencia a complexidade da

política europeia no tocante à sustentabilidade de biocombustíveis. O fato de ser um requisito,

embora não se tenha clareza sobre como alcançá-lo, faz com que a Comissão Europeia

periodicamente financie estudos, usualmente desenvolvidos por consultorias privadas (como,

por exemplo, Ecofys e MEO Carbon Solutions).

Além disso, levando em conta o reconhecimento de esquemas privados de

certificação pela Comissão, o que será visto em maiores detalhes a seguir, iniciativas como

Bonsucro, ISCC, RSB, dentre outras, tratam de iLUC como um requisito central.190

Em julho de 2012, a RSB, em parceria com a consultoria Ecofys e a WWF

International, publicaram o estudo Low Indirect Impact Biofuel (LIIB) Methodology, como

um enfoque para diferenciar biocombustíveis com menor risco de iLUC.191 Várias medidas de

mitigação de risco de efeitos indiretos são propostas, como, por exemplo:

1. Produção de biomassa em “terra não usada” – terra que não oferece serviços. Porque isto não motiva outros usos humanos na terra, não sofre impactos indiretos. Expandir a produção em terra não usada não conduz a um LUC direto, e tal LUC direto é controlável (ex. por meio da certificações) e pode ser limitado a essas áreas onde os impactos sejam aceitáveis. 2. Aumento de oferta de grãos para biocombustíveis, sem o aumento da pressão em terras, por meio de aumento de produção e produtividade. Potencial impacto negativo ambiental e social por conta da intensificação de modelos deve ser levado em consideração. 3. Produção de biomassa em “terras subutilizadas” – se encaixa entre as duas categorias acima e é de relevância especial para operações de pequenos produtores em países em desenvolvimento. 4. Aumento de oferta de grãos por meio da redução de resíduos pós-colheita. Isto é especialmente relevante em alguns países em desenvolvimento onde os resíduos pós-colheita sejma significativos (ex.: por conta do armazenamento inadequado) 5. Integrar produção de alimentos e biocombustíveis de forma a promover a maior produtividade da terra e, consequentemente, reduzir a pressão adicional por novas áreas; 6. A produção de biocombustíveis oriunda de co produtos (end-of-life). As funções e usos desses resíduos devem ser compreendidos com maior propriedade; caso contrário, o deslocamento e impactos indiretos associados podem continuar ocorrendo.

190 A literatura sobre iLUC e padrões privados é densa e constantemente atualizada. Como o propósito deste

item é ilustrar o debate sobre iLUC no contexto da RED e de padrões privados ou esquemas de certificação, não será feita uma ampla revisão, uma vez que o foco não é detalhar como cada iniciativa trata do assunto. Para detalhes, recomenda-se consultar documentos oficiais das iniciativas (Bonsucro, ISCC, RSB, dentre outras).

191 ECOFYS; EPFL; WWF International. Low Indirect Impact Biofuel (LIIB) Methodology . Version 0, July 2012. Disponível em: <http://www.ecofys.com/files/files/12-09-03-liib-methodology-version-0-july-2012.pdf>. Acesso em: 10 jul. 2016.

184

7. Produção de bioenergia de grãos que requeiram menor uso da terra, como biomassa aquática (algas), desde que, sejam atualmente não utilizadas para outros propósitos.192

Como essa metodologia será utilizada e aplicada em diferentes países e, se

efetivamente poderá minimizar efeitos indiretos são perguntas que dependerão da aplicação

caso a caso. No entanto, é importante assinalar que é uma metodologia criada por uma

consultoria e uma ONG juntamente com a RSB, que é um dos esquemas de certificação

expressamente reconhecidos pela Comissão Europeia.

A metodologia pode facilitar o cumprimento dos requisitos ligados a iLUC, mas

também pode trazer restrições não razoáveis para certos produtores. Isso pode criar barreiras

para um determinado produtor obter a certificação que é voluntária e, na prática, restringir seu

acesso ao mercado europeu.

É importante mencionar que o desenvolvimento dos princípios e critérios da RSB

fazem referência ao Guia ISO 59 (Código de Boas Práticas de Normalização), ao Código de

Boas Práticas para Estabelecimento de Normas Sociais e Ambientais da International Social

and Environmental Accreditation and Labelling Alliance (ISEAL), ao Código de Boa

Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de Normas do Anexo 3 do Acordo sobre

Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT) e sua segunda revisão trienal (anexo 4, Princípios para

o Desenvolvimento da padrões internacionais, Guias e Recomendações com relação aos

artigos 2, 5 e Anexo 3 do Acordo).

Isso, no entanto, não significa que seus critérios não possam causar restrições ao

comércio que desrespeitem os princípios de não discriminação, transparência e

proporcionalidade, fundamentais diante do Acordo TBT, Acordo SPS e Artigo XX do GATT.

Dependendo de como os critérios sobre iLUC ou biocombustíveis com baixo iLUC

forem estabelecidos, o potencial de se criar restrições ao comércio pode se tornar evidente.

192 ECOFYS; EPFL; WWF International, 2012, p. 9. Tradução nossa: 1. Biomass production on “unused land” -

land that does not provide provisioning services. Because this does not displace other human uses of the land, it does not cause indirect impacts. Expanding production on unused land does lead to a direct LUC, but such direct LUC is controllable (e.g. through certification) and can be limited to those areas where impacts are acceptable. 2. Increasing feedstock availability for biofuels without increasing the pressure on land through increased yield or land productivity. Potential negative environmental or social impacts from intensification models have to be taken into consideration. 3. Biomass production on “underused land” – falls between the above two categories, and is of special relevance in smallholder farming operations in developing countries. 4. Increasing feedstock availability through reduction of post-harvest waste. This is especially relevant in some developing countries where post-harvest waste (e.g. due to inadequate storage facilities) can be significant. 5. Integrating food and fuel production in ways that lead to a higher overall land productivity and thereby prevent additional pressure on land. 6. Bioenergy production from end-of-life products (residues and wastes). Current functions and uses of these residues must be well understood; otherwise displacement, and the associated indirect impacts, may still occur. 7. Bioenergy production from feedstocks that require little land, such as aquatic biomass (algae), as long as they are currently not used for other purposes.”

185

Vale salientar, em linha com o objetivo da tese, o fato de que as exigências de iLUC

ou low iLUC têm origem em uma regulamentação de um membro da OMC (União Europeia e

seus membros) que encontra nos padrões privados uma forma de aplicação.

A comunicação entre a Comissão Europeia e os padrões reconhecidos como

equivalentes, que serão analisados em detalhes no item 2.3.2.3 a seguir, evidencia que,

embora os padrões sejam voluntários, a Comissão delega ou recomenda aos padrões o papel

de monitorar o cumprimento de requisitos exigidos pelos países do bloco.

No dia 18 de novembro de 2015, a Comissão enviou carta intitulada Implementation

of the iLUC Directive and update of the template used for the assessment of voluntary

schemes193 aos esquemas voluntários, que nada mais são do que os padrões privados

reconhecidos pela UE (To the voluntary schemes that have been recognised by the

Commission for demonstrating compliance with the sustainability criteria for biofuels).

A Carta tratou das mudanças trazidas no cálculo de iLUC pela Diretiva EU

2015/1513 (citada integralmente como Anexo I). É extremamente interessante observar este

tipo de comunicação na medida em que a própria Comissão não oferece meios de se

comprovar que um terceiro país produtor cumpre com seus requisitos. Cria-se, na prática, um

modelo de governança público-privado baseado no reconhecimento da equivalência entre os

fins e os meios para se atingir objetivos relevantes.

Os fins são os objetivos em si, no caso, evitar que biocombustíveis causem efeitos

indiretos ao uso da terra e, consequentemente, gerem emissões indiretas de GEEs. Os meios

são os esquemas voluntários de certificação como ferramentas que visam assegurar que um

biocombustível produzido em um país por certo produtor/indústria cumpre integralmente a

finalidade pretendida.

É interessante ponderar que as regras trazidas pela UE na RED e regulamentações

subsequentes com vistas a definir critérios para biocombustíveis sustentáveis são fins

almejados. No entanto, a regulamentação comunitária não oferece uma via formal de

comprovar o cumprimento dos requisitos que exige, a não ser que o Brasil celebre um acordo

com a UE neste campo, o que fragiliza os meios para se atingir o fim pretendido. E é

justamente aí que entram os padrões privados, que funcionam como meios para se assegurar

que certos fins foram cumpridos, o que traduz uma governança privada marcante.

193 EUROPEAN COMMISSION. Directorate-General for Energy. Implementation of the ILUC Directive and

update of the template used for the assessment of voluntary schemes. 18 November 2015b. Disponível em: <https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/PAM%20to%20vs%20new%20assessment%20cycle.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016.

186

3.2.2 Biodiversidade como critério de sustentabilidade

Evitar a perda de biodiversidade em função da produção de biocombustíveis é um

dos focos da RED. Para tanto, biocombustíveis e biolíquidos não devem ser feitos com

produtos cultivados em áreas ou terrenos com alto valor de biodiversidade (high biodiverity

value), que tivessem as seguintes características em ou depois de janeiro de 2008,

independentemente da terra continuar a ter esta característica:

(a) Floresta primária e outros terrenos arborizados, isto é, floresta e outros terrenos arborizados de espécies nativas, caso não haja indícios claramente visíveis de atividade humana e os processos ecológicos não se encontrem significativamente perturbados; (b) Áreas designadas: (i) por lei ou pela autoridade competente para fins de proteção da natureza, ou; (ii) para a proteção de espécies ou ecossistemas raros, ameaçados ou em risco de extinção, reconhecidas por acordos internacionais ou incluídas em listas elaboradas por organizações intergovernamentais ou pela União Internacional para a Conservação da Natureza, sem prejuízo do seu reconhecimento nos termos do segundo parágrafo, do número 4 do Artigo 18; a menos que se comprove que a produção das referidas matérias-primas não afetou os referidos fins de proteção da natureza; (c) Terrenos de pastagem ricos em biodiversidade, isto é: (i) terrenos de pastagem naturais, ou seja, que continuariam a ser terrenos de pastagem caso não tivesse havido intervenção humana, e que mantêm a composição de espécies e as características e processos ecológicos naturais, ou; (ii) terrenos de pastagem não naturais, ou seja, terrenos de pastagem que deixariam de ser terrenos de pastagem caso não tivesse havido intervenção humana, com grande variedade de espécies e não degradados, a menos que se comprove que a colheita das referidas matérias-primas é necessária para a preservação do seu status de terrenos de pastagem.194

Além disso, a produção em áreas úmidas e de florestas contínuas (áreas com mais de

1 hectare, com árvores maiores que cinco metros, com uma cobertura de copa maior do que

30% ou árvores que possam alcançar esses limiares in situ) também é proibida.195

Essa exigência tem relação direta com evitar emissões e perda de biodiversidade pela

produção de biocombustíveis em áreas que são desmatadas para este propósito. Dessa forma,

evitar a conversão de áreas com high carbon stocks é um requisito central para ser elegível

como biocombustível na União Europeia.

194 Artigo 17.3, Diretiva 2009/28/EC. (EUROPEAN COMMISSION, 2009a). 195 Artigo 17.4, Diretiva 2009/28/EC. (Ibidem).

187

Em outras palavras, emissões diretas do uso da terra – direct land use changes –

oriundas da produção de biocombustíveis desqualificam o produto para o cumprimento das

metas de energias renováveis adotadas pela União Europeia e, desta forma, inviabilizam a

compra de biocombustíveis que tenham sido produzidos em áreas com essa característica.

No entanto, para os biocombustíveis produzidos em highly biodiverse grassland, a

Comissão deveria adotar critérios. O Regulamento n.º 1.307/2014 estabeleceu conceitos neste

sentido, a saber:

1) Terrenos de pastagem, os ecossistemas terrestres dominados por vegetação herbácea ou arbustiva durante, pelo menos, cinco anos consecutivos. Esta definição inclui prados ou pastagens para a cultura de feno, mas exclui terrenos cultivados para a produção de outras culturas e as terras em pousio temporário. Exclui também zonas continuamente arborizadas, de acordo com o Artigo 17, n 4, alínea b), da Diretiva 2998/28/CE, a menos que se trate de sistemas agroflorestais, que incluem sistemas de utilização dos solos em que as árvores são geridas paralelamente às culturas ou aos sistemas de produção animal em contextos agrícolas. A predominância de vegetação herbácea ou arbustiva significa que a superfície combinada de terreno que esta ocupa é superior à ocupada pelas copas das árvores. 2) Intervenção humana, a gestão da pastagem, da ceifa, do corte, da colheita ou da queima. 3) Terrenos de pastagem naturais ricos em biodiversidade, os terrenos de pastagem que: a) continuariam a ser terrenos de pastagem caso não tivesse havido intervenção humana; e b) mantêm a composição de espécies e as características e processos ecológicos naturais. 4) Terrenos de pastagem não naturais ricos em biodiversidade, os terrenos de pastagem que: a) deixariam de ser terrenos de pastagem caso não houvesse intervenção humana; e b) não se encontram em estado de degradação, ou seja, não se caracterizam por uma perda de biodiversidade a longo prazo, devido, por exemplo, a sobrepastoreio, danos mecânicos na vegetação, erosão do solo ou perda de qualidade do solo; e c) dispõem de uma grande variedade de espécies, o que significa que são: i) um habitat de importância significativa para espécies gravemente ameaçadas, ameaçadas ou vulneráveis, de acordo com a classificação da lista vermelha de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza ou de outras listas com objetivos semelhantes para as espécies ou os habitats previstos na legislação nacional ou reconhecidos por uma autoridade nacional competente no país de origem da matéria-prima; ou ii) um habitat de importância significativa para espécies endémicas ou com limites restritos; ou iii) um habitat de importância significativa para a diversidade genética intraespécies; ou iv) um habitat de importância significativa para importantes concentrações mundiais de espécies migratórias ou espécies

188

gregárias; ou v) um ecossistema importante a nível regional ou nacional ou muito ameaçado ou único. 196

A preocupação com a conversão de pastagens em áreas para produção de

biocombustíveis tem relação com o papel que essas áreas guardam na conservação de

estoques de carbono, de água e de biodiversidade. Evitar a conversão massiva de pastagens é,

no contexto da RED e suas regulamentações subsequentes, essencial para assegurar impactos

da expansão de biocombustíveis.

Pode-se argumentar, por exemplo, que a adoção deste conceito se faz necessária até

com fundamento no princípio de precaução, previsto no Artigo 191 do Tratado de Lisboa.197

No entanto, torna-se essencial qualificar o conceito de highly biodiverse grassland

como fator determinante da sustentabilidade de um biocombustível tendo a biodiversidade

como bem a ser protegido. Isto por que dependendo de como o conceito seja interpretado,

pode-se coibir a produção em certas áreas legalmente permitidas dentro de um país, que, em

determinados casos, pode ter mais áreas voltadas para a conservação da biodiversidade que

países europeus.

Vale destacar, ademais, que áreas com pastagens não naturais podem ser

caracterizadas como no-go areas e, desta feita, não serem elegíveis para produção de

biocombustíveis. Na consulta pública promovida pela Comissão sobre quais critérios devem

ser usados para definir as highly biodiverse grasslands, o Joint Nature Conservation

Committee do Reino Unido sustentou um argumento interessante que demonstra o quanto o

critério de pastagens não naturais pode ser complexo:

O propósito destas definições é particularmente incerto – elas são definições de pastagens naturais, não naturais ou definições de pastagens naturais e não naturais de alta biodiversidade? Por exemplo, a definição de áreas não naturais ricas em espécies e áreas não degradadas com base nos termos da Diretiva 2009/28/EC infere que algum grau de tentativa para definir

196 EUROPEAN COMMISSION. Commission Regulation (EU) No 1307/2014 on defining the criteria and

geographic ranges of highly biodiverse grassland for the purposes of Article 7b(3)(c) of Directive 98/70/EC of the European Parliament and of the Council relating to the quality of petrol and diesel fuels and Article 17(3)(c) of Directive 2009/28/EC of the European Parliament and of the Council on the promotion of the use of energy from renewable sources. 8 December 2014a. Artigo 1.

197 WORLD WIDE FUND FOR NATURE. WorkinG Paper 2. Operationalising Criteria to Protect Highly Biodiverse Grasslands under the Renewable Energy Directive (2009/28/EC). February 2010. Disponível em: <http://d2ouvy59p0dg6k.cloudfront.net/downloads/grassland_working_paper_2___final.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2016. p. 9. “Embodying the Precautionary Principle - The Lisbon Treaty, Article 191 specifies that EU policy on the environment “shall be based on the precautionary principle”, that is there is an institutional preference in support of a precautionary approach to environmental change. It is fundamental that the principle of precaution be applied to the development of grasslands, given the irreversibility of damage to grasslands from ploughing and reseeding for crop based production with potential significant impacts upon biodiversity and carbon stocks. In the event of uncertainty over the biodiverse status of a grassland, development should not be pursued”.

189

pastagem não natural que tem alta biodiversidade. A definição de pastagem natural na Diretiva 2009/28/EC não aprofunda a questão. A definição de não natural no paper consultivo é confusa, sem a referência do que seria alta biodiversidade e, portanto, inconsistente com a definição da Diretiva. Arar e semear geralmente leva a redução de diversidade de espécies, enquanto roçar e pastar são frequentemente técnicas usadas para manter ou aumentar diversidade biológica em pastagens não naturais.198

Até hoje a Comissão Europeia não definiu critérios objetivos para definir quais tipos

de pastagens qualificam-se como higly biodiverse grassland. Na prática, a Comissão

reconhece esquemas voluntários de certificação que exigem a proteção estrita de quaisquer

tipos de pastagens, independentemente de seu valor para biodiversidade. Com base nesse

enfoque, qualquer biocombustível produzido em áreas que eram pastagens em 2008 ou

posteriormente a esta data não cumprem os critérios da UE.

A publicação Inventory of data sources and methodologies to help Economic Operators

identify land status Relating to EU sustainability criteria for biofuels and bioliquids, preparada

pela consultoria Ecofys, denota o quanto esse tema pode gerar barreiras ao comércio.199

Na carta Implementation of the recently adopted criteria and geographic ranges of

highly biodiverse grassland (Anexo II) enviada aos esquemas voluntários em 29 de janeiro de

2015, a Comissão salienta que,

Verificar o cumprimento de proteção de pastagens de alta biodiversidade requer parcialmente conhecimento técnico que vai além das competências que podem ser esperadas de auditores dos operadores de mercado. Por exemplo, analisar se as pastagens mantêm a composição natural de espécies e características ecológicas e processos e se a pastagem é rica em espécies somente ser feita por peritos que adquiriram qualificação especifica para este propósito. Esses peritos devem ser independentes da atividade sendo auditada e livres de quaisquer conflitos de interesse. O papel do perito deveria estabelecer caso a caso, se uma parcela específica de terra é, ou em

198 EUROPEAN COMMISSION. Highly Biodiverse Grasslands, Biofuels and Bioliquids. Consultation

response by the Joint Nature Conservation Committee, 8 February 2010a. Disponível em: <http://jncc.defra.gov.uk/pdf/0959_JNCCresponse.pdf>. Acesso em: 18 maio 2016. p. 5. Tradução nossa: “It is particularly unclear as to the purpose of these definitions – are they definitions of natural or non-natural grasslands or definitions of highly biodiverse natural and non-natural grasslands? For example, the definition of non natural encompassing “species-rich” and “not degraded” terminology in Directive 2009/28/EC infers some level of attempt to define non- natural grassland which is highly biodiverse. The definition of natural grassland in Directive 2009/28/EC does not go to such lengths. The definition of non-natural in the consultation paper is confusing, with no inferred reference to what is highly biodiverse and is therefore inconsistent with the Directive definition. Ploughing and sowing will generally lower species diversity, whereas mowing and livestock grazing are often management techniques used to maintain or increase (high) species diversity in non-natural grasslands.”

199 ECOFYS. Inventory of data sources and methodologies to help Economic Operators identify land status Relating to EU sustainability criteria for biofuels and bioliquids. 2011. Disponível em: <https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/2011_bsc_inventory_of_data__sources_and_methodologies.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2016.

190

caso de conversão, foi uma pastagem de alta biodiversidade. Tal análise não pode ser realizada anualmente. Frequentemente, é suficiente que seja feita uma única vez, por exemplo, parcelas de terras convertidas em pasto arado para produção agrícola. Por outro lado, o papel de um auditor independente é estabelecer se a análise era necessária; se um resultado alegado pelo operador foi obtido e se o perito conduziu a análise preenchendo todos os requisitos.200

O fato de a Comissão Europeia recomendar para as iniciativas de certificação de que

forma devem endereçar o conceito de highly biodiverse grassland reflete, novamente, o

enfoque público-privado da aplicação dos critérios de sustentabilidade de sua política de

biocombustíveis.

Como os padrões voluntários precisam adotar formas de recepcionar a agenda de

biodiversidade em seus critérios sob pena de não poderem ser utilizados pelos operadores que

exportam para os países europeus, cada iniciativa – Bonsucro, ISCC, RSB, para citar apenas

algumas – adota um caminho ao tratar do tema.

Como exemplo, vale analisar o caso da metodologia GRAS, desenvolvida pela

consultoria Meo Carbon Solutions, em parceria com organizações de distintas naturezas:

a) Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt (centro de pesquisa aeronáutico e espacial

da Alemanha);

b) Kiel Institute for the World Economy (centro de pesquisa em economia global, política

econômica e economia educacional);

c) Genscape Inc (empresa de consultoria em avaliação, modelagem e visualização de

imagens de satélite);

d) Wabion (empresa especializada em soluções de tecnologia da informação);

e) The Nature Conservancy – TNC (ONG);

f) Department of Agriculture and Agri-Food (Canadá);

200 EUROPEAN COMMISSION. Directorate-General for Energy. Implementation of the recently adopted

criteria and geographic ranges of highly biodiverse grassland. 9 January 2015c. Disponível em: <https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/PAM%20to%20vs%20on%20HBG.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016. Tradução nossa: “Veryfying compliance with criterion protection highly biodiverse grassland partially requires technical knowledge that goes beyond the competences that can be expected from the auditors verifying the claims made by the market operators. For instance assessing whether grassland maintains the natural species composition and ecological characteristics and processes and whether grassland is species-rich can only be done by experts that have acquired a specific qualification for this purpose. These experts must be external, independent of the activity being audited and free from conflict of interest. The role of the expert would be to establish case by case whether a specific piece of land is, or in case of conversion, was highly biodiverse grassland. Such an assessment does not need to be done annually. Often, it is sufficient that it is done once e.g. if a piece of grassland is converted into arable land to grow agricultural raw materials. In contrast the role of the independent auditor is to establish whether an assessment was necessary, whether it came to the conclusion claimed by the operator and whether the expert that conducted the assessment fulfilled all requirements.”

191

g) German Welthungerhilfe;

h) Energy Resources Center (ERC) of the University of Illinois at Chicago;

i) Casa da Floresta (consultoria brasileira especializada em biodiversidade);

j) ISCC – International Sustainability and Carbon Certification (iniciativa voluntária de

certificação).201

A ISCC utiliza a metodologia desenvolvida pela GRAS, tendo como base, no tocante

à biodiversidade, mapas oficiais do governo brasileiro, Sistema Nacional de Unidades de

Conservação (SNUC), Mapa das Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e

Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira, bem como mapeamento realizado pela

TNC no tocante a outras áreas relevantes. Além disso, a metodologia mescla mapas de

estoques de carbono e de mudanças no uso da terra.202

A possibilidade de restringir áreas que vão além das áreas protegidas de acordo com

a legislação brasileira, seja na forma de áreas protegidas pelo SNUC, Áreas de Preservação

Permanente e de Reserva Legal no âmbito do Código Florestal, e outras formas de áreas

protegidas cria uma situação que extrapola os requisitos legais para os produtores. Vale

considerar, ademais, que existe o Zoneamento Agroecológico da Cana de açúcar, aprovado

em 2009,203 como base para definir onde se pode ou não produzir biocombustíveis no país.

É válido destacar que, a despeito da amplitude que os elementos conceituais trazidos

pelas regras comunitárias a respeito do que seja área de alto valor de biodiversidade,

especialmente quando se trata de áreas de pastagens, existem ferramentas para buscar

caracterizar áreas relevantes para a biodiversidade. Pode-se destacar algumas fontes, a saber:

a) World Database on Protected Areas;

b) Module 1 of the Bioenergy and Food Security Project of the FAO;

c) Module 5 on Land Resources of the UN-Energy Bioenergy Decision Support Tool;

d) Global HCVF Toolkit (HCV Resource Network);204

e) Áreas prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da

Biodiversidade brasileira;205

201 Para maiores informações sobre os membros da GRAS consultar: <https://www.gras-system.org/why-

gras/partners/>. 202 Detalhes sobre as metodologias podem ser buscados no seguinte endereço: <https://www.gras-

system.org/sustainability/methodology/>. 203 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Zoneamento Agroecológico da Cana-de-

açúcar. Expandir a produção, preservar a vida, garantir o futuro. Rio de Janeiro, set. 2009b. (Documentos, 110). Disponível em: <http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPS-2010/14408/1/ZonCana.pdf>. Acesso em 5 maio 2015.

204 Para se ter vários detalhes sobre o enfoque adotado para delimitar as áreas de alto valor de biodiversidade, consultar: <https://www.hcvnetwork.org/about-hcvf/resources/folder.2006-09-29.6584228415>.

192

f) High Conservation Value and Biodiversiy (FSC)206.

Vale ressaltar, no entanto, que as regras dos países devem ser consideradas de forma

prioritária. Esse foi o enfoque adotado pela Decisão X/37, Biocombustíveis e Biodiversidade,

na COP10 da CDB, ao estabelecer que os países devem mapear áreas relevantes para a

conservação da biodiversidade, podendo restringir ou incentivar a produção, visando sempre

reduzir impactos da produção de biocombustíveis.

7. Convida as Partes, reconhecendo as diferentes condições nacionais, outros governos e organizações relevantes, tendo em mente funções e serviços dos ecossistemas, para: a) desenvolver inventário nacional para identificação de áreas com alto valor de biodiversidade, ecossistemas críticos e áreas importantes com comunidades locais e povos indígenas; b). Analisar e identificar áreas e, caso apropriado, ecossistemas que possam ser usados ou isentos, da produção de biocombustíveis. Dessa forma, auxiliar reguladores a adotar medidas de conservação apropriadas e identificar áreas consideradas inapropriadas para a produção de matérias primas para biocombustíveis, promover impactos positivos e minimizar impactos negativas da produção de biocombustíveis com participação plena e efetiva de povos indígenas, comunidades locais e atores, aplicando análises de risco relevantes207

Com base nessa decisão da CDB, pode-se argumentar, por exemplo, que o

Zoneamento Agroecológico da Cana de açúcar somado ao cumprimento dos requisitos de

conservação de vegetação nativa, trazidos pelo Código Florestal, diferenciam a produção de

biocombustíveis no Brasil no tocante à conservação da biodiversidade.

Metodologias criadas por organizações privadas ou ONGs são evidentemente

válidas, mas tendem a ir além dos requisitos legais. Neste sentido, e levando-se em conta o

propósito da tese de avaliar a adequação dos padrões privados às regras da OMC, é

importante anotar que normalmente os padrões privados extrapolam os requisitos legais.

205 CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. Biofuels and Biodiversity, CBD Technical Series 65,

September 2012; BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria n.º 9, de 23 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/biodiversidade31.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016.

206 FOREST STEWARDSHIP COUNCIL. High Conservation Value and Biodiversiy: identification, management and monitoring. Disponível em: <https://ic.fsc.org/preview.high-conservation-values-and-biodiversity-identification-management-and-monitoring.a-275.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2016.

207 CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY. Biofuels and Biodiversity, Decision X/37. UNEP/CBD/COP/DEC/X/37, 29 October 2010a. paragraph 7. Tradução nossa: “7. Invites Parties, acknowledging different national conditions, other Governments and relevant organizations, bearing in mind ecosystem functions and services, to: (a) Develop, national inventories so as to identify areas of high biodiversity value, critical ecosystems, and areas important to indigenous and local communities; and (b) Assess and identify areas and, where appropriate, ecosystems that could be used in, or exempted from, the production of biofuels; so as to assist policy-makers in applying appropriate conservation measures and identifying areas deemed inappropriate for biofuel feedstock production, to promote the positive and minimize or avoid the negative impacts of biofuel production and use on biodiversity, with the full and effective participation of indigenous and local communities and stakeholders, applying relevant impact assessments.”

193

Essa constatação é importante quando se questiona a necessidade de uma medida diante

do objetivo que ela pretende proteger. Até que medida caracterizar uma área como pastagem de

alta biodiversidade é relevante e necessária para assegurar a proteção da biodiversidade? Quando

o Artigo 2.2 do Acordo TBT permite a adoção de medidas para proteger o meio ambiente, exige

que as medidas adotadas não criem restrições disfarçadas ao comércio.

O debate sobre áreas de alto valor de biodiversidade extrapolou a política europeia

para biocombustíveis e é considerado no âmbito de iniciativas para produção de outras

commodities, como soja e palma, por exemplo.

O critério de não produção em áreas de alto valor para a biodiversidade e áreas de

pastagem também foi adotado pelo Consumer Goods Forum como uma meta a ser adotada

pelas empresas. O ano de 2009 foi adotado como data limite para conversão dessas áreas,

independentemente do desmatamento posterior a esta data ser legalmente autorizado ou não.

Em linha com isso, o Fórum questiona empresas a não comprar soja produzida em áreas de alto valor de conservação (High Conservation Value - HCV) e e alto estoque de carbono (high-carbon stock). A CGF reconhece a complexidade e extensão da cadeia de fornecimento de soja para trabalhar em conjunto e implementar o CGF Sustainable Soy Sourcing Guidelines. Essas Partes incluem (mas não se limitam a isso) vendedores de commodities, produtores de ração, organizações agropecuárias, ONGs, etc.208

O padrão Round Table on Responsible Soy, por exemplo, adota critérios específicos que

coíbem a conversão de áreas, incluindo pastagens adotando a data de 3 de junho de 2016 como

data de corte. Isso pode significar, por exemplo, que um produtor que esteja em área de Cerrado e

que cumpra todos os requisitos legais de conservação de vegetação não pode produzir em áreas

convertidas mesmo que legalmente. Vale ainda citar o debate sobre limpeza de campos

caracterizada como desmatamento ou não, o que torna o critério ainda mais estrito.209

A despeito do debate sobre a legitimidade de exigências mais estritas do que as

regras dos países, é preciso anotar que a governança privada que se estabeleceu sobre o tema

trabalha com esse enfoque. E, nesse ambiente, há países que dão suporte explícito para as

208 THE CONSUMER GOODS FORUM. The Sustainable Soy Sourcing Guidelines. Second Edition.

Disponível em: <http://www.theconsumergoodsforum.com/files/Publications/201605-CGF-Sustainable-Soy-Sourcing-Guidelines-Second-Edition.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2016i. Tradução nossa: “In line with this The Forum asks companies not to source soy from production on land with High Conservation Value (HCV), and high-carbon stock. The CGF recognizes the complexity and length of the soy supply chain and call upon other stakeholders along the supply chain to work together to implement the CGF Sustainable Soy Sourcing Guidelines. These parties include (but are not limited to) commodity traders, feed manufacturers, agricultural organisations, NGOs, etc.”

209 ROUNDTABLE ON RESPONSIBLE SOY. Padrão RTRS para a Produção Responsável de Soja Versão 3.0. Disponível em: <http://www.responsiblesoy.org/wpdm-package/padrao-rtrs-para-a-producao-responsavel-de-soja-versao-3-0/?lang=pt#>. Acesso em: 12 jun. 2016.

194

iniciativas. Não se trata de afirmar que padrões ambientais elevados são questionáveis per se,

ou ferem as regras do comércio. Mas há que se ponderar certos elementos tendo sempre como

pano de fundo o princípio da não discriminação e as justificativas que embasam as exigências,

que serão avaliados com detalhe no Capítulo 4.

3.2.3 Voluntary schemes: equivalência entre regulamentações públicas da UE e

padrões privados para a sustentabilidade de biocombustíveis

Até o momento foram avaliados os principais critérios de sustentabilidade exigidos

pela União Europeia em sua política para biocombustíveis. Como forma de verificar se os

critérios estabelecidos no tocante à redução de emissões de GEEs e biodiversidade, a

Comissão pode estabelecer acordos bilaterais ou multilaterais com terceiros países com o

propósito de comprovar que os critérios são efetivamente cumpridos pelos países

produtores.210

Uma vez celebrado um acordo bilateral ou multilateral, é relevante mencionar que o

acordo deverá ser reconhecido de maneira similar aos esquemas voluntários de

padronização.211

Por sua vez, a segunda parte do Artigo 18.4 trata de outra forma de assegurar o

cumprimento dos padrões de sustentabilidade, mediante o reconhecimento de regimes ou

esquemas de padronização voluntários nacionais ou internacionais (voluntary national or

international schemes setting standards):

A Comissão pode decidir que os regimes voluntários nacionais ou internacionais que estabelecem normas para a produção de produtos de biomassa contêm dados precisos para efeitos do Artigo 17(2) ou demonstram que os lotes de biocombustíveis cumprem os critérios de sustentabilidade previstos no Artigo 17(3) a (5). A Comissão pode decidir que esses regimes contêm dados precisos para efeitos de informação sobre as medidas tomadas para a preservação de zonas que prestam serviços básicos aos ecossistemas em situação crítica (por exemplo, proteção das bacias hidrográficas, controle da erosão), a proteção dos solos, da água e do ar, a recuperação de terrenos degradados, a prevenção do consumo excessivo de água em zonas em que a

210 Artigo 18.4, primeira parte, Diretiva 2009/28/EC. (EUROPEAN COMMISSION, 2009a). 211 “The Union can conclude bilateral or multilateral agreements with third countries containing provisions on

sustainability criteria that correspond to those of the Directive. Such an agreement would, after conclusion, still need to be recognised for the purposes of the Directive in a similar way as for voluntary schemes. This process could include taking into account relevant parts of Section 2.2.2.” Artigo 2.6. EUROPEAN COMMISSION. Communication from the Commission on voluntary schemes and default values in the EU biofuels and bioliquids sustainability scheme. (2010/C 160/01). 26 January 2013a. Disponível em: <http://www.emissions-euets.com/component/content/article/330>. Acesso em: 13 jun. 2016.

195

água é escassa e as questões referidas no segundo parágrafo do Artigo 17(7). Para efeitos do disposto no Artigo 17(3)(b)(ii) a Comissão pode igualmente reconhecer zonas destinadas à proteção de espécies ou ecossistemas raros, ameaçados ou em risco de extinção, reconhecidos por acordos internacionais ou incluídos em listas elaboradas por organizações intergovernamentais ou pela União Internacional para a Conservação da Natureza. 212

A Comissão deve decidir sobre o reconhecimento dos voluntary schemes caso

atendam critérios elevados de confiabilidade, transparência e auditoria independente. No

tocante a emissões de GEEs, as iniciativas devem levar em conta os requisitos metodológicos

constantes no Anexo V da RED. Por sua vez, a lista de áreas de alto valor de biodiversidade

deve considerar padrões objetivos e coerência com padrões internacionais reconhecidos além

de facultar procedimentos de apelação.

Vale mencionar que a Comissão menciona expressamente listas elaboradas por

organizações intergovernamentais ou pela União Internacional para a Conservação da

Natureza (International Union for Conservation of Nature – IUCN). A IUCN é uma

organização criada em 1948 que possui um extenso trabalho voltado para promover a

conservação da biodiversidade. É composta por países e atores da sociedade civil, e funciona

como um foro neutro onde governos, ONGs, cientistas, empresas, comunidades locais,

populações indígenas, dentre outros atores, debatem e criam ações para fomentar a

conservação dos recursos naturais.213

Uma vez que a iniciativa seja formalmente reconhecida pela Comissão, poderá

operar por um período de 5 anos. Para que uma voluntary scheme seja reconhecida no âmbito

da RED, deve assegurar que:

a) produtores de matérias-primas estão em conformidade com os critérios de

sustentabilidade;

b) seja possível rastrear as características de sustentabilidade relativas a origem da

matéria-prima;

c) todas as informações sejam documentadas de maneira apropriada;

d) as empresas sejam auditadas antes de começar a participar do regime e auditorias

periódicas ocorram regularmente;

e) uso de auditores externos e independentes;

f) os auditores devem possuir habilidades genéricas e específicas relativas aos critérios

que devem mensurar.

212 Artigo 18.4, segunda parte, Diretiva 2009/28/EC. (EUROPEAN COMMISSION, 2009a). 213 Para informações mais detalhadas sobre a IUCN, consultar: <https://www.iucn.org/secretariat/about>.

196

Além disso, os operadores poderão cumprir com os requisitos provendo informações

e dados para as autoridades nacionais dos membros. No entanto, é relevante ponderar que

seguir procedimentos específicos com cada membro da UE pode se tornar uma forma custosa

e complexa para os operadores.

Para a Comissão, reconhecer os esquemas voluntários é uma forma de reduzir custos

administrativos para os operadores. As iniciativas devem contemplar todos os requisitos

exigidos pela RED, mas podem considerar outros critérios também. Usualmente, os padrões

ou esquemas de certificação contemplam critérios adicionais aos exigidos pela UE,

considerando questões sociais (trabalho forçado, trabalho análogo ao escravo, relações com a

comunidade, dentre outros), uso da água etc.

É interessante ponderar que a UE requer que seus membros exijam os critérios de

emissões de GEEs e biodiversidade para que possam contabilizar os biocombustíveis para

suas metas de consumo de energias renováveis. Isso poderia, em princípio, servir como uma

forma de justificar, perante as regras da OMC, a adoção de medidas que visam proteger o

meio ambiente, e são exigidas tanto da produção interna quanto de terceiros países,

respeitando, desta forma, o princípio do tratamento nacional e a cláusula da nação mais

favorecida.

No entanto, como argumenta Evgenia Pavlovskaia,

Há uma explicação para que a UE tenha escolhido não fazer uma lista mais detalhada de critérios de sustentabilidade, por que seria inviável justificar medidas não justas no comércio internacional perante a OMC. Como resultado, isto é, foram meramente incluídos nos requisitos de monitoramento e relato para Estados-Membros. Pode ser especulado somente um número limitado de critérios vinculantes de sustentabilidade que poderiam fundamentar um potencial caso na OMC. Um desenvolvimento legal futuro poderá mostrar até que ponto os critérios de sustentabilidade da UE para biocombustíveis são compatíveis com as regras da OMC. Provavelmente, a OMC poderia legalmente aceitar o direito de seus Membros de criar restrições de cunho ambiental para produtos importados. Tal decisão poderia responder as demandas ambientais do nosso planeta.214

214 PAVLOVSKAIA, 2014, p. 12. Tradução nossa: There is an explanation that EU has chosen not to make a

more de- tailed list of the sustainability criteria, because it would be unable to justify trade-distorting measures of this kind to the WTO. As a result, these is- sues were merely included in reporting and monitoring requirements for the Member States. It can be speculated that only a limited number of binding sustainability criteria would hold ground in case of a potential WTO conflict. Future legal development will show to what extent the EU sustainability criteria for biofuels are compatible with the WTO regulations. Probably, the WTO would legally accept the right of its members to set restrictions of an environmental character for imported products. Such a decision would answer the environmental demands of our planet.”

197

Do ponto de vista de substância, pode ser plausível justificar as medidas para

assegurar a sustentabilidade dos biocombustíveis desde que os princípios da não

discriminação e transparência, bem como da necessidade da medida sejam comprovados.

Como uma questão de processo, a aferição do cumprimento dos critérios por meio do

cumprimento de padrões privados torna-se outro ponto questionável diante do Acordo TBT.

Esses pontos serão avaliados em detalhe no Capítulo 4.

É essencial, no entanto, avaliar o quanto a Comissão delega para os padrões privados

a tarefa de exigir, monitorar, controlar e reportar de volta para as autoridades europeias de que

forma os operadores lograram comprovar que cumprem os requisitos. No preâmbulo da

Diretiva UE 2015/1513, o mandato expresso conferido pela Comissão aos voluntary schemes

é evidente:

(24) Os regimes voluntários desempenham um papel cada vez mais importante, na medida em que demonstram a compatibilidade com os requisitos de sustentabilidade previstos nas Diretivas 98/70/CE e 2009/28/CE. É, por conseguinte, adequado atribuir à Comissão um mandato que lhe permita exigir aos regimes voluntários, inclusive os que já foram reconhecidos pela Comissão nos termos do Artigo 7c(6) da Diretiva 98/70/CE e do Artigo 18(6) da Diretiva 2009/28/CE, a apresentação regular de relatórios sobre as suas atividades. Estes relatórios deverão ser tornados públicos, a fim de aumentar a transparência e melhorar o controle por parte da Comissão. Além disso, esses relatórios deverão fornecer à Comissão as informações necessárias para que esta possa apresentar um relatório sobre o funcionamento dos regimes voluntários, tendo em vista definir boas práticas e, se for caso disso, apresentar uma proposta para intensificar a promoção dessas boas práticas.215 (grifo nosso).

Como destacado no parágrafo 25, como forma de promover o apropriado

funcionamento do mercado interno é essencial o princípio do reconhecimento mútuo entre os

voluntary schemes e a verificação do cumprimento dos requisitos exigidos pela UE.

Esse reconhecimento pode, de maneira interpretativa, ser comparado ao

reconhecimento da equivalência entre as medidas adotadas por diferentes países, central nos

Acordos TBT e SPS. No entanto, o que se compara neste caso são as medidas adotadas pela

UE com os critérios exigidos por padrões voluntários que visam certificar a produção

sustentável de biocombustíveis.

Antes de citar quais esquemas voluntários são expressamente reconhecidos pela

Comissão, vale mencionar que no dia 1o de setembro de 2015 a Comissão enviou Carta

215 EUROPEAN COMMISSION, 2015a, parágrafo 24 do preâmbulo.

198

dirigida aos padrões privados tratando de New legal reporting requirements for voluntary

schemes, onde ressalta detalhes sobre os relatórios que devem ser submetidos pelas

iniciativas, contendo diversos tipos de informação (biocombustíveis e matérias-primas

certificadas, país de origem, dentre outras) e formatos para os relatórios como forma de

permitir a comparação entre os diferentes padrões (Anexo III).216

É interessante ponderar que o nível de detalhes que o agente público delega para o

privado evidencia, na prática, a relação de fins e meios citada anteriormente, onde os critérios

da RED são as finalidades a serem atingidas, e os esquemas voluntários de certificação são os

meios utilizados para tanto. Mais ainda, é possível dizer que a governança privada em temas

ambientais ganha forma concreta no caso da RED, tendo os padrões privados ou voluntary

schemes, compostos por diferentes atores, com processos de governança próprios, como base.

Atualmente, a Comissão Europeia reconhece 19 voluntary schemes como

instrumentos que podem ser utilizados para cumprir com os requisitos de sustentabilidade da

RED:

1. ISCC (International Sustainability & Carbon Certification)

2. Bonsucro EU

3. RTRS EU RED (Round Table on Responsible Soy EU RED)

4. RSB EU RED (Roundtable of Sustainable Biofuels EU RED)

5. 2BSvs (Biomass Biofuels voluntary scheme)

6. RBSA (Abengoa RED Bioenergy Sustainability Assurance)

7. Greenergy (Greenergy Brazilian Bioethanol verification programme)

8. Ensus voluntary scheme under RED for Ensus bioethanol production

9. Red Tractor (Red Tractor Farm Assurance Combinable Crops & Sugar Beet Scheme)

10. SQC (Scottish Quality Farm Assured Combinable Crops (SQC) scheme)

11. Red Cert

12. NTA 8080

13. RSPO RED (Roundtable on Sustainable Palm Oil RED)

14. Biograce GHG calculation tool

15. HVO Renewable Diesel Scheme for Verification of Compliance with the RED

sustainability criteria for biofuels

16. Gafta Trade Assurance Scheme 216 Adicionalmente, vale citar a Carta EUROPEAN COMMISSION. Directorate-General for Energy. Update of

Commission web site, notifications and transparency measures. 12 March 2015e. Disponível em: <https://ec.europa.eu/energy/sites/ener/files/documents/PAM%20to%20vs%20on%20transparency%20ARES%202015%201094930.pdf>. Acesso em: 12 maio 2016. (Anexo IV).

199

17. KZR INIG System

18. Trade Assurance Scheme for Combinable Crops

19. Universal Feed Assurance Scheme217

Quando um operador em terceiro país cumpre um desses padrões, torna-se elegível

para exportar para qualquer membro da UE. No caso do Brasil, por exemplo, existem algumas

iniciativas – Bonsucro e ISCC – que começam a ser adotadas por algumas empresas.

Levando-se em conta que não há acordo bilateral Brasil-UE para o reconhecimento de

equivalência no tocante a critérios para produção sustentável de biocombustíveis, os padrões

privados tornam-se a única saída para acessar o mercado europeu.

Ressalte-se, por fim, que o objetivo da análise proposta não visa criticar os padrões e

simplesmente contrapô-los às regras da OMC. Os padrões podem promover melhorias de

gestão e processo nas diferentes cadeias produtivas, reduzindo impactos ambientais e

permitindo que o consumidor tenha informações minimamente consistentes sobre o produto.

No entanto, é essencial ponderar a necessidade de certos requisitos, a forma como é adotada e

seus impactos diante das regras da OMC, especialmente quando se trata de países em

desenvolvimento e países de menor desenvolvimento relativo.

3.3 Global Food Safety Initiative (GFSI)

A Global Food Safety Initiative (GFSI) é uma iniciativa criada no ano 2000 pela

indústria, com o objetivo de fornecer liderança e orientação sobre sistemas de gestão da

segurança dos alimentos e controles necessários para assegurar cadeias de alimentos e

abastecimento seguras (food safety).

A base da criação do GFSI foram as crises alimentares da década de 1990, com o

aparecimento da doença da vaca louca, surtos ligados a bactérias (Escherichia coli, Listeria,

Salmonella), contaminação de rações e alimentos com dioxinas, nitrofuranos, cianeto e outros

contaminantes.

A GFSI é uma colaboração entre especialistas em segurança dos alimentos de

empresas do varejo, manufatura e serviços, bem como de organizações, governos,

universidades e prestadores de serviços para a indústria global de alimentos. Seus objetivos

centrais são:

217 Dados disponíveis no endereço eletrônico da Comissão Europeia: <https://ec.europa.eu/energy/node/74>.

200

a) reduzir riscos de segurança dos alimentos por meio da equivalência e convergência

entre sistemas de gestão;

b) gerir custos do sistema alimentar global, eliminando redundância e melhorando a

eficiência operacional;

c) desenvolver competências e capacitação em segurança dos alimentos para criar

sistemas globais de alimentos coerentes e eficazes;

d) fornecer uma plataforma internacional única que reúna todos os atores interessados

para promover a colaboração, o intercâmbio de conhecimentos e relacionamento.218

Para tanto, a GFSI visa promover mudanças globais na cadeia de alimentos por meio

de projetos multi-stakeholder relacionados a temas estratégicos de segurança dos alimentos,

especificar requerimentos mínimos que promovam a governança efetiva de iniciativas ligadas

à segurança dos alimentos, incentivando a equivalência de medidas ao longo das cadeias e

reunir especialistas para tanto.

Vale ressaltar que a organização não cria políticas, padrões ou certificações, não provê

serviços de acreditação ou avaliação de conformidade diante de certificações, não fornece

treinamento, não se engaja em ações de lobby e não trata de outros temas que vão além da

segurança alimentar como qualidade, bem-estar animal, requisitos ambientais e sociais.

Possui um Conselho, Grupos de Trabalho Técnico, Grupos Locais (China, Japão,

México e América do Norte) e um Grupo de Stakeholders. A GFSI é secretariada pelo

Consumer Goods Forum. Vale lembrar que segurança dos alimentos é um dos pilares do

CGF.219

A GFSI não é um padrão. Visa, na prática, promover conhecimento e melhores práticas

relacionadas à segurança dos alimentos por meio de um enfoque de comparação e referência de

diferentes sistemas de certificação/padrões (benchmarking approach). Um sistema ou iniciativa

de manejo de segurança alimentar é reconhecido pela GFSI quando alcança requerimentos

mínimos reconhecidos internacionalmente, desenvolvidos por vários stakeholders.

218 GLOBAL FOOD SAFETY INITIATIVE. GFSI Governance Model and Rules of Procedure. February

2015. Disponível em: <http://www.mygfsi.com/files/GFSI_Governance_Model.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2016. Article II.

219 Para maiores informações sobre a governança da GFSI, consultar: <http://www.mygfsi.com/files/GFSI_Governance_Model.pdf>.

201

Figura 9 – Infográfico sobre a GFSI Fonte: <http://www.mygfsi.com/files/Information_Kit/GFSI_Infographic_2016.pdf>.

202

O GFSI Guidance Document estabelece orientações sobre requisitos de segurança dos

alimentos e gestão. É um documento baseado em informações científicas, alinhado com os

padrões criados pelo Codex Alimentarius, que funciona como a base do processo de

reconhecimento de iniciativas aceitas pela GFSI. Além disso, o GFSI Guidance Document visa

promover a harmonização e a equivalência entre iniciativas de gestão de segurança dos alimentos.

O GFSI Guidance Document é dividido em quatro partes:

a) o processo de benchmarking;

b) requerimentos para as iniciativas de gestão;

c) iniciativas governamentais utilizadas como base para equivalência entre requerimentos

técnicos;

d) elementos para a produção segura de alimentos e rações, ou relacionados a serviços no

tocante à segurança dos alimentos (Scheme Scope and Key Elements).

Não se pode dizer que o GFSI Guidance Document é um padrão de segurança dos

alimentos. No entanto, as iniciativas, padrões e certificações existentes podem pleitear

reconhecimento dentro do escopo da GFSI. Atualmente 77 mil empresas possuem

certificações reconhecidas pela GFSI, envolvendo 150 mil fazendas e 10 padrões.

Uma iniciativa pode pleitear o reconhecimento de seus requisitos no tocante à

segurança dos alimentos perante o GFSI Benchmark Committee,220 que avaliará a

equivalência com base nos requerimentos para gestão de sistemas (Parte II do GFSI

Guidance) bem como nos requerimentos relacionados ao escopo e elementos principais das

iniciativas (Parte IV do GFSI Guidance). O Conselho Diretor da GFSI é quem aprova ou não

a equivalência entre a iniciativa e os objetivos e requisitos da GFSI.

Vale mencionar que iniciativas de certificação governamentais também podem pleitear

o reconhecimento diante da GFSI. Isso é interessante na medida em que regulamentações

criadas por Membros da OMC podem ser reconhecidas como equivalentes e aceitas por um

universo de atores do setor privado.

Os critérios que fundamentam o conteúdo dos requisitos da GFSI baseiam-se em

quatro categorias:

220 O GFSI Benchmark Committee possui Termos de Referência, mandato e regras de funcionamento e eleição

de seus membros. Como órgão que recomenda ou não o reconhecimento das iniciativas, julga recursos e analisa em detalhes a equivalência entre as medidas que fundamentam um padrão diante das medidas que fundamentam a GFSI, é um órgão central da organização. Para detalhes sobre seu funcionamento vale consultar: GLOBAL FOOD SAFETY INITIATIVE. GFSI Guidance Document. Sixth Edition 6.4. November 2015. Disponível em: <http://www.mygfsi.com/files/technical_documents/gfsi_guidance_document_2015.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2016. p. 41-49

203

a) requerimentos de gestão da segurança de alimentos e rações;

b) requerimentos para boas práticas industriais;

c) Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (em inglês Hazard Analysis and

Critical Control Point – HACCP) ou requerimentos baseados em perigos;

d) certificação de organizações com várias plantas (instalações produtivas) com base em

amostragem.

Com base nessas quatro categorias são analisados requisitos sobre questões gerais

sobre manejo da segurança dos alimentos, até pontos bastante específicos como

rastreabilidade, etiquetagem, manejo de dejetos, tratamento de água, uso de agroquímicos,

controle biológico, treinamento de pessoal, solo, instalações industriais, estocagem, dentre

inúmeros outros aspectos.221

Levando-se em conta a força que o CGF e, consequentemente, a GFSI possuem diante

do comércio internacional, obter a certificação perante uma iniciativa reconhecida pela GFSI

tende a ser uma porta de entrada para acesso a mercados. Certificações (ou padrões) como a

GlobalG.A.P, a Global Aquaculture Alliance e a BRC Global Standards são algumas das

iniciativas reconhecidas. Vale destacar como iniciativa governamental a China HACCP. A

figura abaixo ilustra as iniciativas não governamentais reconhecidas pela GFSI até setembro

de 2016.

221 Para maiores detalhes sobre todos os requisitos que são analisados na avaliação de equivalência no âmbito da

GFSI, consultar a Parte IV do Guidance Document (GLOBAL FOOD SAFETY INITIATIVE, 2015b, p. 100-161).

204

Figura 10 – Certificações reconhecidas pela GFSI Fonte: <http://www.mygfsi.com/schemes-certification/recognised-schemes.html>.

205

3.3.1 GlobalG.A.P

O histórico da GlobalG.A.P remonta a 1997, quando varejistas que formavam o

Euro-Retailer Produce Working Group criaram a chamada EUREPGAP, como iniciativa

voltada para tratar de temas importantes para os consumidores como segurança dos alimentos,

impactos ambientais e para a saúde, saúde e segurança dos trabalhadores e dos animais. Seu

foco de atuação seria harmonizar os padrões de seus membros e desenvolver um sistema de

certificação independente para promover boas práticas agrícolas (Good Agricultural Practice

– G.A.P).

Em 2007 a EUREPGAP mudou seu nome para GlobalG.A.P, e hoje a iniciativa

conta com 405 membros ao redor do mundo, envolvendo produtores (193 membros), varejo e

food service (47 membros) e os chamados membros associados (165 membros). É importante

destacar que dentre os membros associados, há diversas empresas e associações de empresas

ligadas a insumos utilizados na produção de alimentos, e várias empresas de certificação, bem

como desenvolvedores de padrões privados.222

Atualmente a GlobalG.A.P possui 16 padrões para grãos, pecuária e aquicultura, 228

produtos certificados, abrangendo 140.000 produtores certificados em mais de 118 países.

Adicionalmente, o GlobalG.A.P cria soluções customizadas para seus membros, denominadas

localg.a.p e GlobalG.A.P + Add-on.

As certificações criadas tratam dos seguintes temas: segurança dos alimentos e

rastreabilidade; meio ambiente (incluindo biodiversidade); saúde, segurança e bem estar dos

trabalhadores; bem estar animal, manejo integrado de culturas e controle integrado de pragas,

Sistemas de Qualidade de Manejo (Quality Management System - QMS) e Análise de Perigos

e Pontos Críticos de Controle (Hazard Analysis and Critical Control Points - HACCP).

Para ilustrar, vale citar dentre os padrões criados para pecuária, que abrangem carne

bovina, aves, ovinos, porcos e lácteos, a existência de centenas de critérios relacionados com

saúde animal, bem estar animal, rações, higiene, abate, controle de resíduos, uso de

equipamentos, inspeção, dentre outros temas.223

Existem cinco comitês técnicos que coordenam os trabalhos de elaboração, revisão e

adoção dos padrões: i) grãos; ii) pecuária; iii) aquicultura; iv) GRASP (GLOBALG.A.P. Risk

222 Para informações detalhadas sobre os membros da GlobalG.A.P consultar:

<http://www.globalgap.org/uk_en/who-we-are/members/>. 223 GLOBALG.A.P. GlobalG.A.P Livestock. Disponível em:

<http://www.globalgap.org/export/sites/default/.content/.galleries/documents/120404-InfoKIT_Livestock_web_en.pdf>. Acesso em: 3 out. 2016.

206

Assessment on Social Practice); (v) sistemas e regras. A composição dos comitês reúne

produtores e varejistas, que trabalham levando em conta Termos de referência específicos

para cada comitê. Os membros dos comitês são eleitos a cada 4 anos.

Adicionalmente é importante mencionar que o Conselho da GlobalG.A.P ‘é

composto por 10 membros, 5 de produtores e 5 do varejo, e seu secretariado tem sede em

Colônia, na Alemanha. O mandato do Conselho é de 5 anos, e suas funções principais são

determinar as estratégias, definir os procedimentos para a criação dos padrões, adotar os

padrões e definir regras para a certificação com base nos padrões criados.

Como iniciativa que cria diversos padrões, é relevante mencionar que a GlobalG.A.P

não aderiu ao Código de Boa Conduta do Acordo TBT, e também não segue o ISEAL Code of

Good Practice. É válido questionar se um padrão da GlobalG.A.P que seja mais restritivo do

que os padrões internacionais criados pela OIE, Codex e CIPV, por exemplo, poderiam ser

questionados diante do Acordo SPS ou não.

O fato de serem padrões criados por uma iniciativa eminentemente privada em tese

excluí eventual responsabilidade dos Membros da OMC, como debatido ao longo da pesquisa.

No entanto, é válido usar o exemplo da GlobalG.A.P como iniciativa promovida pelo setor

privado e por organizações que contam com o apoio e suporte de países, como a Global Food

Safety Initiative e o Consumer Goods Forum.

Vale lembrar, ainda, que os Acordos TBT e SPS exigem que os Membros adotem

medidas para evitar que organizações não governamentais criem medidas que possam

contrariar os Acordos. Essa discussão será detalhada no Capítulo 4.

207

4 “RULES SETTING VS STANDARDS SETTING”: LIMITES ENTRE AS REGRAS

DA OMC E A GOVERNANÇA PRIVADA

Após avaliar de que forma a OMC, com base em seus diferentes Acordos e Comitês,

trata do debate sobre padrões privados ao comércio, e de analisar diferentes casos de

padronização, iniciativas e sua possível interferência no comércio internacional, é essencial

ponderar a aplicação das regras dos Acordos TBT, SPS e do GATT diante dos padrões

privados ou voluntary sustainability standards.

Apesar de até hoje o OSC não ter julgado um painel com foco em padrões privados,

há jurisprudências que tocam em certos aspectos relevantes para essa discussão e que

permitem apontar conclusões relevantes de como a OMC regula ou não a criação e os efeitos

da aplicação de padrões privados com fins ambientais, sanitários e fitossanitários.

A priori, o enfoque privado não recai sobre as regras da OMC, especialmente na

visão de países desenvolvidos, como visto nos debates sobre o tema nos Comitês dos Acordos

TBT, SPS e no próprio CTE. No entanto, o surgimento de inúmeros padrões enseja avaliar em

detalhes alguns requisitos exigidos por esses Acordos, especialmente no que concerne ao

princípio da não discriminação.

A primeira parte deste Capítulo final tratará da governança ambiental privada e da

interferência de mecanismos de soft law no direito internacional e, especificamente, nas regras

multilaterais do comércio internacional.

A segunda parte abordará a formação dos tratados internacionais, com foco na OMC,

com vistas a identificar os destinatários finais das obrigações vinculantes acordadas pelos

países ao aderir aos tratados. Isso se torna essencial na medida em que a OMC, mas também

os MEAs no âmbito das Nações Unidas, ou as Convenções da OIT, vinculam diretamente os

países ao seu cumprimento e promoção de seus objetivos, mas alcançam os atores privados

dentro de cada país.

Por sua vez, a terceira parte será dedicada a análise dos padrões privados vis a vis às

regras da OMC, notadamente os Acordos TBT, SPS e GATT, tendo como base a

jurisprudência do OSC e a interpretação das regras dos Acordos.

Espera-se, com base nessa análise, confirmar ou não a hipótese de que a OMC regula

os padrões privados, e que os Membros deveriam adotar medidas para prevenir que órgãos

não governamentais não contrariem as regras dos Acordos.

208

4.1 Governança ambiental privada e sua interferência no comércio internacional

Antes de avaliar a jurisprudência do OSC no tocante a discussão sobre padrões

privados, é válido retomar o debate feito no Capítulo 2, que tratou dos diversos casos de

padrões, modelos de governança e de iniciativas que, apesar de não criarem padrões,

promovem sua utilização como meios para se alcançar objetivos ligados a meio ambiente e

segurança dos alimentos.

Dentre os casos citados, é enriquecedor retomar o exemplo do Consumer Goods

Forum como grupo extremamente representativo – mais de 400 membros em 70 países – que

visa promover padrões ligados à sustentabilidade envolvendo aspectos ambientais, sociais e

econômicos, segurança dos alimentos, saúde e bem-estar, além de cadeias de valor End to End

(E2E) e padrões.

É notório o poder que um grupo de atores com atuação global – produtores,

varejistas, atacadistas, provedores de serviços, associações setoriais – somadas a parcerias

com bancos e iniciativas de padronização e de avaliação de conformidade podem ter ao

promover a importância da adoção de padrões por seus parceiros comerciais, governos e

outros atores.

A harmonização de procedimentos e medidas relacionadas com temas ambientais,

por exemplo, pode reduzir os riscos desses atores diante de consumidores, bancos,

investidores, ONGs e até mesmo países e, ao mesmo tempo, promover melhorias nas cadeias

produtivas que fornecem produtos a esses atores.

Ao mesmo tempo, dependendo do grau de exigências de um padrão, dos custos para

alcançá-lo, e da capacidade do produtor de um insumo primário ou da indústria processadora

para adotar melhorias que permitam cumprir com o padrão, pode-se criar restrições parciais

ou até barreiras ao comércio.

Nesse sentido, é relevante ponderar se quem cria e exige os padrões promove ações

de capacitação e treinamento com os atores que deverão cumprir com os princípios e critérios,

especialmente quando se trata de países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento

relativo.

O universo de padrões ilustrado no Capítulo 2 reflete uma pressão por elevar os

níveis de proteção à saúde humana, à segurança dos alimentos, à saúde animal com a agenda

de questões sanitárias e de bem-estar animal, questões sociais e ambientais. As motivações

para tanto advêm de consumidores, ONGs, investidores, bancos e países.

209

A grande questão inata à criação dos padrões, bem como de medidas TBT e SPS na

OMC, é a justificativa para a adoção de requisitos – princípios, critérios e indicadores – ou

mesmo a necessidade dos mesmos diante dos objetivos que visam proteger.

O caso da política europeia de energias renováveis e seus critérios de

sustentabilidade para biocombustíveis ilustra com muita clareza o objetivo de alcançar

parâmetros de proteção ambiental elevados, sobre temas que exigem conhecimento e

avaliação criteriosa.

Quando a UE reconhece que cumprir uma das chamadas voluntary schemes é um

meio hábil para assegurar que todos os critérios de sustentabilidade foram cumpridos e um

determinado biocombustível é elegível para as metas comunitárias de consumo de energias

renováveis, transfere a entes privados um papel que usualmente deveria ser governamental.

Não parece razoável, contudo, argumentar que a UE faria acordos bilaterais ou

regionais com vários países produtores de biocombustíveis, seja pelos custos políticos de se

negociar acordos entre países, seja pela dificuldade em assegurar que cada produtor dentro de

um país cumpriria com os requisitos. A equivalência entre as medidas que a UE pretende

alcançar seria quase que automática para todos os produtores de um país produtor, o que

fatalmente ensejaria casos de não cumprimento com os padrões.

O uso dos voluntary schemes, voluntary sustainability standards ou simplesmente

padrões privados, pode ser um meio para alcançar objetivos que países e outros atores

privados determinem importantes. Quando se trata de países, é válido argumentar que se

transfere para mecanismos privados objetivos almejados por regulamentações públicas, o que

caracteriza a governança ambiental privada no tocante a temas como, por exemplo, emissões

de GEEs e conservação da biodiversidade.

A capacidade ou habilidade dos países de regular o cumprimento de certos requisitos,

especialmente quando se trata de produtos e serviços vindos de terceiros países é

notoriamente limitada. A equivalência entre medidas – regulamentos – adotadas entre país

importador e país exportador, ou a harmonização de padrões utilizados pelos países pode ser

uma forma de se alcançar minimamente certos padrões.

No entanto, equivalência e harmonização, instrumentos previstos pelos Acordos TBT

e SPS da OMC, nem sempre são usados. Nesse sentido, a utilização de padrões privados

ganha espaço, refletindo novas formas de se proteger objetivos legítimos ou bens comuns

dados como relevantes para os Membros.

210

De acordo com Peter Barnes, a ideia de acolher e preservar bens comuns – common –

como ar, água, biodiversidade e serviços ecossistêmicos, saúde, música, línguas, parques e

outras áreas protegidas, internet, decorre do fato de que a noção de common compreende

valores que devem ser protegidos justamente por representarem bens essenciais para a vida e

as futuras gerações.

Nessa linha, o autor argumenta que os governos, por si só, não conseguem regular

e/ou criar formas de proteger os bens comuns, o que exige do mundo corporativo ações que

acabam buscando, mesmo que de forma imperfeita, proteger um conjunto de bens comuns.224

Como argumenta Michael Conroy,

[…] o fator chave é que nem os governos, nem as empresas atuando sozinhas vão proteger, ou muito menos construir, os nossos bens comuns globais. Há a necessidade crítica de atores adicionais. A revolução da certificação incorpora um dos mais poderosos conjuntos de instrumentos alternativos criado nos últimos anos para perseguir esse objetivo. A sociedade civil do mundo, respondendo à destruição dos bens naturais, especialmente em indústrias extrativistas, começou a criar novos mecanismos de governança colaborativos, que encorajam e recompensam níveis mais altos de responsalidade ambiental das empresas, transformando as formas pelas quais interagem com a natureza e possibilitando benefícios para as gerações presentes e futuras.225

Simon Zadek propõe que a governança colaborativa se tornou um instrumento

relevante no campo da responsabilidade corporativa e que esse enfoque pode substituir, em

certos casos, a abordagem regulatória – rules setting – adotada pelos países:

[…] uma colaboração deliberativa de vários stakehoders para estabelecer regras de comportamento de alguns ou de todos os envolvidos no seu desenvolvimento e, potencialmente, uma comunidade mais ampla de atores. Governança colaborativa poderia englobar um ou mais elementos de elaboração de regras, por exemplo, desenho, desenvolvimento e implementação, incluindo a sua execução. As formas de execução/ implementação, podem ser não estatutárias, estatutárias ou uma combinação que se modifica com o tempo.226

224 BARNES, Peter. Capitalism 3.0. A Guide to Reclaiming the Commons. San Francisco: Berrett-Koehler, 2006.

Disponível em: <https://www.boell.de/sites/default/files/capitalism_3.0_peter_barnes.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2016. 225 CONROY, 2007, p. 41. Tradução nossa: “[...] the key fact is that neither governments nor corporations acting

alone are likely to protect, much less build, our global commons. There is a critical need for additional actors. The certification revolution incorporates one of the most powerful sets of alternative tools created in recent years to pursue that goal. Global civil society, responding to the destruction of natural commons, especially in extractive industries, has begun to create new mechanisms of collaborative governance that encourage and reward higher levels of environmental accountability on the part of corporations, transforming the ways in which they interact with nature and delivering benefits to present and future generations.”

226 ZADEK, Simon. The Logic of Collaborative Governance. Corporate Responsibility, Accountability, and the Social Contract. Corporate Social Responsibility Initiative. Cambridge, MA: John F. Kennedy School of Government, Harvard University, 2006. (Working Paper No. 17). Disponível em: <http://www.zadek.net/wp-content/uploads/2011/04/Harvard_The_Logic_of_Collaborative_Governance_Simon-Zadek_2006.pdf>. Acesso em:

211

Essa governança colaborativa, que mescla interesses e atores privados e públicos,

que se utilizam da criação de padrões para alcançar objetivos comuns, aponta para uma

tendência marcante no mercado global de produtos e serviços. Quando se observa que existem

mais de 400 padrões somente com foco em produtos alimentares, bebidas, energias

renováveis e serviços, fica evidente a força que o uso de instrumentos dessa natureza ganhou.

Para Michael P. Vandenbergh, a emergência da governança privada ambiental sugere

pensar em novas formas coletivas para endereçar problemas que impedem a proteção

ambiental a nível doméstico e global. O modelo privado identifica as fontes de pressão no

comportamento das empresas que geram impactos e não nas regulamentações dos países, que

geralmente são mais custosas e ineficientes ao gerar impactos em escala.

Adicionalmente, nem sempre os países conseguem regular um tema de forma eficaz

e os modelos privados, mesmo imperfeitos, o fazem com maior rapidez e escala. Por fim, os

modelos de governança privada permitem identificar novas formas colaborativas para tratar

de problemas ambientais e, por vezes, são mesclados com um enfoque híbrido, envolvendo

modelos públicos-privados.227

De acordo com Vanderbergh,

Nas atividades privadas de governança ambiental, preferências ambientais são expressadas não por meio do voto ou por outras formas de participação no processo politico, mas por meio de aquisição, empréstimo ou investimento e nas decisões das cadeias de fornecimento. Estabelecimento de padrões não ocorre por meio do Congresso e agências reguladoras, mas por meio do setor privado e grupos de stakeholders ou contratos de negociação de stakeholders. A execução e aplicação não ocorre em tribunais federais e/ou estaduais, mas em negociações privadas, mediação e arbitragem. Como resultado, a governança privada cria incentivos para mudanças no comportamento ambiental corporativo e individual, sem gerar novos estatutos, regulações e decisões judiciais.228

2 jul. 2016. p. 20. Tradução nossa: “[...] deliberative multi-stakeholder collaboration in establishing rules of behavior governing some or all of those involved in their development and potentially a broader community of actors. Collaborative governance could cover one or more of the elements of rule-setting - for example, design, development, and implementation, including enforcement. The means of enforcement, importantly, might be non-statutory or statutory, or some combination that changes over time”.

227 VANDENBERGH, Michael P. Private Environmental Governance. Vanderbilt University Law School. Cornell Law Review, v. 99, 2013a. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2237515>. Acesso em: 21 mar. 2016. p. 138-139.

228 VANDENBERGH, 2013a, p. 196. Tradução nossa: “In private environmental governance activities, environmental preferences are expressed not through voting or other forms of participation in the political process but through purchasing, lending, investing, and supply-chain contracting decisions. Standard-setting does not occur through Congress and agencies but through private stakeholder groups or supply-chain contract negotiations. Enforcement occurs not through administrative inspections and sanctions but through shaming, boycotts, and contract disputes. Dispute resolution often occurs not in federal or state courts but in private negotiations and mediation or arbitration proceedings. As a result, private governance creates incentives for shifts in corporate and individual environmental behavior without generating new statutes, regulations, government enforcement actions, or court decisions.

212

A emergência dos padrões privados tem um papel relevante no contexto de novos

arranjos sócio-político-econômicos que decorrem de vários fatores. As crises alimentares que

motivaram a conscientização sobre a importância da segurança dos alimentos, a criação e

proteção de marcas, a intensa globalização e seus efeitos nos mercados de alimentos e nas

cadeias produtivas, as crises ambientais e impactos às populações vulneráveis são fatores que

ajudam a explicar o surgimento de padrões privados.229

Na visão de Jan Tatenhove, a tradicional divisão entre Estado, mercado e sociedade

civil está desaparecendo gradativamente, ao passo que as interações entre estas esferas

excedem o Estado-nação, resultando em novas coalizões entre órgãos do Estado, agentes de

mercado e atores civis a nível local e global.230

O relatório Food Safety and Agricultural Health Standards: Challenges and

Opportunities for Developing Country Exports, publicado pelo Banco Mundial em 2005,

evidencia o quanto a proliferação de padrões sobre segurança dos alimentos é uma realidade e

pode trazer impactos para países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo:

Dada a diversidade dos padrões aplicados dentro e entre países, há um escopo para diferentes “velocidades” na “estrada” de padrões de compliance. Na maioria das vezes, fornecedores em países em desenvolvimento não se deparam com a possibilidade de escolha para determinar investimento ou outras mudanças necessárias para entrar em conformidade com possíveis objetivos de mercado. Os mercados permanecem onde os requisitos de segurança alimentar e agrícola sustentável são menos onerosos e que ofereçam oportunidades de mercado para países com menor capacidade de atingir padrões sofisticados. Inevitavelmente, escolhas devem ser feitas sobre quais desses mercados podem ser considerados como mais rentáveis. Em muitos casos, pode haver oportunidades amplas e rentáveis para servir um mercado doméstico ou regional ou em desenvolvimento, sem ter de investir imediatamente na qualidade, sistemas de segurança ou outra infraestrutura necessária para acesso à mercados restritos.231

229 WOUTERS, Jan; MARX, Axel; HACHEZ, Nicolas. Private Standards, Global Governance and

Transatlantic Cooperation: The Case of Global Food Safety Governance. Leuven, Belgium: Leuven Centre for Global Governance Studies. Disponível em: <https://ghum.kuleuven.be/ggs/projects/biosafety_biodiversity/publications/wouters-.marx-hachez_final.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2016. p. 8-9.

230 TATENHOVE, Jan; ARTS, Bas; LEROY, Pieter. Political Modernization. In: TATENHOVE, Jan et al. Political Modernization and the Environment: The Renewal of Environmental Policy Arrangements. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2000. p. 48.

231 JAFFEE, Steven et al. Food Safety and Agricultural Health Standards: Challenges and Opportunities for Developing Country Exports. Report No. 31207. The World Bank, January 2005. Disponível em: <http://siteresources.worldbank.org/INTRANETTRADE/Resources/Topics/Standards/standards_challenges_synthesisreport.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2016. p. 56. Tradução nossa: “Given the diversity of standards applied within and between countries, there is scope for different speeds on the highway of standards compliance. In most instances, developing country suppliers do not face an all or nothing choice when determining the investments or other changes they must make to conform to emerging standards in target markets. Markets remain where food safety and agricultural health requirements are less onerous than elsewhere and that offer market opportunities for countries with lower levels of capacity to meet sophisticated standards. Inevitably,

213

A constatação de que os padrões privados são uma realidade que afeta o comércio

internacional e que pode promover melhorias em termos de redução de impactos ambientais,

ganhos de produtividade, dentre outros aspectos, mas que podem causar restrições a certos

produtores é patente.

Um estudo da Food and Agriculture Organization aponta que os impactos dos padrões

precisam ser melhor avaliados no tocante a oportunidades de mercados, especialmente para

países em desenvolvimento:

a) as quantidades de produtos certificados de acordo com padrões privados;

b) distribuição dos custos de conformidade e valor acrescentado ao longo da cadeia de

abastecimento por meio da transmissão de preços;

c) a disposição dos consumidores por pagar preços mais altos para os alimentos

certificados e rotulados;

d) o impacto dos padrões privados sobre a posição competitiva das indústrias de produtos

frescos nos países em desenvolvimento;

e) opções políticas e o impacto das diferentes opções políticas relativas aos padrões

privados;

f) a eficácia das diferentes abordagens para a assistência técnica;

g) implicações do GATS para a definição padrão e serviços de avaliação da

conformidade.232

A constatação de que a governança privada de certas agendas ganha força e ultrapassa

os tradicionais instrumentos regulatórios dos Estados é corroborada pelo papel que os

intrumentos de soft law ganham no direito internacional. Como destaca Salem Hikmat Nasser,

Deve-se notar que, instrumentos concertados que são, os da chamada soft law são negociados e adotados por determinado número de Estados. Claro, porque por princípio não são obrigatórios, atraem a aceitação de um maior número, mas não necessariamente a unanimidade. Claro está que deve ser levada em conta a grande variedade de instrumentos, assim como o que já se observou acerca da diversidade de conteúdos possíveis. Dependendo do conteúdo, a modalidade e aprovação ou adoção, assim como o número dos que aprovam ou adotam, pode ser muito significativa para a determinação da existência ou nascimento de opinio juris. […] É possível dizer, à luz do exposto, que os instrumentos da soft law participam da formação do direito

choices have to be made regarding which of these markets can be targeted most profitably. In many cases, there may be large and profitable opportunities to service one’s domestic market or other regional or developing country markets without having to invest immediately in quality and safety assurance systems or other specialized facilities required for access to the strictest markets.

232 FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION. Private Standards in the United States and European union Markets for Fruits and Vegetabels. Implications for Developing Countries. FAO Commodity Studies. 2007. Disponível em: <http://www.fao.org/3/a-a1245e.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2016. p. 147.

214

internacional, sobretudo, pelas influências que operam sobre a fonte costumeira, cujo “mistério continua inteiro”. Eles desempenham um papel na aceleração do processo e na gradativa preponderância da opinio juris sobre a prática. O mais importante, talvez, é que ensejam uma transformação no processo costumeiro que, de espontâneo, se transforma em procedimento negociado de elaboração de documentos. O direito costumeiro, em outras palavras, passa a ser construído, e por escrito, ao invés de surgir do tecido e das práticas sociais.233

No campo ambiental, é extremamente ilustrativo citar os tratados e acordos como a

UNFCCC, a CDB e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que

formam a agenda 2030 das Nações Unidas, como um amalgama de hard law e instrumentos

de soft law, que possuem caráter normativo e influenciam as regras dos Estados, muito

embora nem sempre sejam normas obrigatórias.234

Os princípios, declarações, decisões, relatórios, guidelines e outros documentos

criados no seio de tratados ambientais multilaterais inegavelmente possuem influência no

campo normativo e, mesmo que não sejam juridicamente obrigatórios, possuem por vezes,

força legal.

Como fontes do direito internacional, os costumes e os princípios têm um peso

marcante na evolução do direito internacional, juntamente com as convenções e tratados

internacionais, como previsto pelo Artigo 38 da Corte Internacional de Justiça.235

A evolução do Direito Internacional Ambiental, dos Direitos Humanos, do Direito

Internacional do Trabalho, bem como outras áreas do universo jurídico, acolhem instrumentos

que possuem a natureza soft law na medida em que os costumes e o amadurecimento de certos

233 NASSER, Salem Hikmat. Fontes e Normas do Direito Internacional: um estudo sobre a soft law. São

Paulo: Atlas, 2005. p. 157. 234 AHMED, Arif; MUSTOFA, Md. Jahid. Role of Soft Law in Environmental Protection: an overview. Global

Journal of Politics and Law Research, v. 4, n. 2, p. 1-18, mar. 2016. p. 3: “In fact, the growth of soft law norms regarding the environmental protection commenced immediately after the Stockholm Conference, one of the consequences of which was the creation of a special subsidiary organ of the UNGA devoted to the promotion of both global and regional environmental law. This UNEP has played a key role in the promotion of regional conventions aimed at protecting seas against pollution. Though it was not supposed to develop in such a manner, UNEP has also evolved into a standing structure for negotiating draft resolutions sent, after their elaboration, to the UNGA, where their contents have been either passed as is or expressly referred to in resolutions. A leading instance of this phenomenon is provided by the 1978 UNEP Draft Principles of Conduct in the Field of the Environment for the Guidance of States in the Conservation and Harmonious Utilization of Natural Resources Shared by Two or More States.”

235 O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, que faz parte da Carta das Nações Unidas, foi promulgado pelo Decreto 19.841 de 1945. BRASIL. Decreto n.º 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm>. Acesso em: 5 jul. 2016.

215

temas exigem que as estruturas normativas dos Estados passem a endereçá-los, quase como

um dever moral.236

Ao analisar as negociações entre a União Europeia e o Mercosul, com vistas a formar

um bloco regional, Henrique Liam destaca o papel da soft law no campo do desenvolvimento

sustentável com o objetivo de criar compromissos, guidelines e declarações, e ressalta que

esses instrumentos de soft law passam paulatinamente a ser incorporados nos tratados e

tornam-se princípios e costumes que, como fontes, exercem um papel extremamente relevante

no direito internacional.237

Apesar de os tratados em si vincularem os países que os ratificam, passando a ser

normas em âmbito interno que geram efeitos legais e dirigidos a diversos atores relacionados

em maior ou menor grau ao tema em questão, certas decisões efetivamente possuem um status

normativo inferior, não vinculante ou de natureza interpretativa. É o caso, por exemplo, das

Metas de Biodiversidade de Aichi, adotadas na COP10 da CDB, que reúne um conjunto de 17

metas globais de biodiversidade que devem nortear metas nacionais a serem adotadas pelas

Partes.

A partir do momento no qual um país Parte da CDB aprova suas metas de

biodiversidade, tendo as metas globais como base, cria um instrumento que pode ser

meramente aspiracional ou uma norma efetiva que vincula órgãos do governo e atores

privados ao cumprimento de certas ações.

A Resolução 6/2013 adotada pela Comissão Nacional de Biodiversidade do

Ministério do Meio Ambiente aprovou as metas nacionais de biodiversidade 2020 tendo a

decisão da COP10 como referência. Pode-se argumentar, com base neste exemplo, que uma

decisão da CDB motivou a criação de uma norma interna que cria obrigações e vincula

diferentes atores.

É inegável o papel que instrumentos soft passam a ter no campo do direito

internacional, mesmo que possuam uma natureza meramente interpretativa ou

recomendatória. As chamadas guidelines, que visam orientar e/ou trazer conhecimento para as

Partes sobre um determinado assunto, podem ser utilizadas como referência para a criação de

normas em âmbito interno, mesmo sendo voluntárias. De que forma passam a gerar efeitos

236 SOUZA, Leonardo da Rocha de; LEISTER, Margareth Anne. A influência da soft law na formação do direito

ambiental. Revista de Direito Internacional: UNICEUB, v. 12, n. 2, p. 767-783, 2015. 237 LIAN, Henrique; FIGUEIREDO, Aline Marscicano (Org.). International Law of Sustainable

Development, Trade and Competitiveness: a bi-regional perspective. São Paulo: Instituto Ethos/Fundação Friedrich Naumann, 2015. p. 73-74.

216

vinculantes e obrigações depende de como cada país as adota e do próprio amadurecimento

em torno do tema tratado.

Nesse contexto, a observação de Arif Ahmed e Md. Jahid Mustofa é válida no

sentido de salientar a expressão dos instrumentos de soft law no campo ambiental,

especialmente levando-se em conta a diversidade de países e a relevância de se criar

interpretações, recomendações e elementos harmonizados para permitir que minimamente

cada vez mais países passem a endereçar as agendas ambientais.

A família de instituições da ONU espalhou um conjunto de normas e adoção de regulações ambientais e internacionais que inclinam para o soft law. Essas instituições oferecem para a comunidade internacional uma estrutura que controla permanentemente as negociações políticas, econômicas entre os estados membros. Além disso, o papel mais importante das ONGs é oferecer um suplemento eficaz para o atual cenário intergovernamental, criando uma dinâmica diplomática entre os estados e opinião pública global. Estrategistas ambientais têm preferido o soft law em função de sua diversidade de componentes. A necessidade de incluir países em desenvolvimento nos planos internacionais/ambientais tem feito necessário adaptar e reexaminar diversas normas internacionais tradicionais que não foram elaboradas no momento que esses países eram parte de um grupo de proteção ambiental global.238

Parece válido argumentar que certos instrumentos de soft law funcionam ou

emergem ao longo do tempo como uma transição que pode levar a instrumentos de hard law.

A relevância política que os temas ganham é um fator importante dessa transição, juntamente

com a compreensão científica e/ou fática aliada ao tema. Ademais, a conscientização de

diferentes atores sobre a importância de se criar regras acerca de agendas como meio

ambiente é outro fator marcante.239

238 AHMED; MUSTOFA, 2016, p. 12. Tradução nossa: “The UN family of institutions has spearheaded

legislation and adoption of international environmental regulations that inclines toward the dimension of soft law. These institutions provide the global community with a standing structure of organization that controls permanent and ongoing political, economic and essential negotiations among the member States of the international community. Moreover, the important role of NGOs offers an effective complement to the present intergovernmental Framework by creating a dynamic inter-state diplomacy and global public opinion. Environmental strategists have opted for soft law because of the diversification of the components of the world community. The need of including underdeveloped countries on the international environmental plans has made it necessary to adapt and re-examine the diverse international traditional norms that had not been elaborated when these countries were not part of the global environmental protection team.”

239 SKJÆRSETH, Jon Birger; STOKKE, Olav Schram; WETTESTAD, Jørgen. Soft Law, Hard Law, and Effective Implementation of International Environmental Norms. Disponível em: <http://www.fni.no/pdf/JBS-OSS-JW-GEP-2006-3.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2016. p. 119: “Second, whenever ambitious soft law has succeeded in putting political pressure on laggards in the operation of hard law institutions, one or several additional factors have been decisive for the outcome. One such factor is political saliency, notably that the soft law norm aligns or fuses with other important policy concerns among the group of states which engage in hard law negotiations. Examples include the marine algae explosion in the 1980s and the rise of the development issue in the asheries subsidy talks. A second factor is the state of knowledge, in that soft law backed by scientiac evidence that is well established or generated by widely

217

O aspecto mais interessante, no entanto, é o fato de que não necessariamente certos

temas exigem uma normatização tradicional por meio dos processos legislativos inerentes aos

países para gerar efeitos na sociedade. E é aí que reside a importância de instrumentos de soft

law que podem ou não contar com a participação dos Estados.

Parece ser válido argumentar que os padrões privados podem se enquadrar no

conceito de soft law, especialmente os padrões que de alguma forma são incentivados e/ou

promovidos por países. Adicionalmente, padrões que são referenciados e fomentados no

âmbito de organizações como a UNFSS, que funciona como um fórum de debates sobre

padrões, ou padrões que são mencionados em decisões oficiais de tratados ambientais.

Indo ainda mais longe, vale mencionar o papel de compromissos adotados

publicamente por grupos representativos que contam, em menor ou maior proporção, com o

suporte de países, como é o caso do Consumer Good Forum. Vale notar que o Secretariado do

CGF é feito no âmbito do Fórum Econômico Mundial, e que os efeitos políticos das

recomendações e decisões tomadas nesse foro tocam países e atores privados em geral,

especialmente no setor financeiro e produtivo.

Independentemente da origem, é válido recordar que a criação e o uso de padrões que

visam promover fins sustentáveis estão no âmago do debate sobre desenvolvimento

sustentável desde a década de 1990 no seio da United Nations Commission on Sustainable

Development. E a participação dos países nesse cenário é marcante, juntamente com outros

atores – ONGs, indústria, academia, populações indígenas, organizações da sociedade civil,

dentre outros – que refletem novas formas de governança não exclusivamente baseadas na

ação estatal.

Como salienta Robert Falkner, a governança privada reflete uma nova fase de

reestruturação global na qual se estabelecem padrões ambientais voltados para o mercado, que

se sobressaem à capacidade dos Estados de regular certos temas. Para este autor, regimes

privados – em certos casos, regimes híbridos público-privados – ganham legitimidade e

aceitação:

Portanto, regimes privados como padrões ISO ganham força e legitimidade, pelo fato de serem adotados por Estados e organizações internacionais. Frequentemente são regimes híbridos criados por uma rede de políticas transnacionais que consistem de representantes da indústria e reguladores. Atualmente, eles existem somente fora do sistema Estatal, uma vez que a

respected bodies has a better chance to influence the contents of binding rules. A third condition is that those who have successfully pressed for more ambitious soft law norms do not and themselves in a discernibly weaker bargaining position, for instance due to changes in membership or sectoral representation, within the hard law institution.”

218

comunidade internacional não traçou padrões equivalentes. Estados, entretanto, influenciam consideravelmente tais formas de governança e até encorajam sua criação e manutenção pelo setor privado. Dicotomias simplistas entre regimes público-privado não ajudam em compreender as dinâmicas da governance ambiental privada.240

Michael Vandenbergh argumenta que a governança privada em matéria ambiental

influi explicitamente nas regras públicas e as complementa por permitir alcançar objetivos

mais ambiciosos que nem sempre estão ao alcance das regras públicas, seja por questões

políticas, falta de conhecimento sobre temas complexos ou até mesmo questões territoriais em

zonas de fronteira. Na prática, a governança privada pode criar a conscientização no tocante a

determinado tema e abrir espaço para que políticas públicas regulem o assunto ou incitem que

atores privados adotem medidas para endereçá-lo a custos razoáveis.241

Em meio a esse cenário marcado pela governança privada, especialmente de temas

ambientais, torna-se essencial ponderar de que forma a criação de padrões se distancia das

regras da OMC ou segue os preceitos dos Acordos TBT e SPS, bem como do Artigo XX (b) e

(g) do GATT. Algumas questões merecem ser avaliadas em detalhes, como por exemplo:

1. Os critérios presentes nos padrões privados visam atingir objetivos legítimos acolhidos

pelas regras da OMC?

2. Há evidências ou um mínimo de justificativa científica para sustentar o nível de

exigências que cada critério impõe? As medidas são necessárias para atingir os fins

que se propõem alcançar?

3. Os critérios são razoáveis, coerentes e transparentes?

4. Os critérios causam discriminação arbitrária ou injustificável ao comércio?

5. Os padrões são criados por um órgão de padronização governamental e/ou por órgãos

não governamentais (internacionais, nacionais, regionais ou outros)?

6. O órgão de padronização governamental ou não governamental aderiu ao Código de

Boa Conduta do Acordo TBT? E segue os princípios para a elaboração de padrões?

240 FALKNER, Robert. Private environmental governance and international relations: exploring the links.

Global environmental politics, v. 3, n. 2, p. 72-87, May 2003. Disponível em: <http://eprints.lse.ac.uk/17689/1/__libfile_repository_Content_Falkner,%20R_Private%20environmental%20governance%20and%20international%20relations%20(lsero).pdf>. Acesso em: 22 mar. 2016. p. 75. Tradução nossa: “Thus, private regimes such as ISO standards gain in strength and legitimacy because they are adopted by states and international organizations. More often than not, they are hybrid regimes created by transnational policy networks consisting of industry representatives and regulatory officials. They exist outside the states-system only insofar as the international community has not set comparable standards. States do, however, exercise considerable influence over such private forms of governance in that they tolerate, and even encourage, their creation and maintenance by the private sector. Simplistic dichotomies between private and public regimes do not help in understanding the dynamics involved in [private environmental governance] PEG”.

241 VANDENBERGH, 2013, p. 184-192.

219

7. Os padrões são equivalentes ou harmônicos a outros padrões internacionais existentes?

8. Países em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo possuem tratamento

especial e diferenciado para adotar e cumprir com os padrões?

9. Os Membros participam ativamente e/ou apoiam a iniciativa que criou os padrões?

Essas e outras questões advêm do debate sobre padrões privados na OMC e da

preocupação de alguns Membros, em especial países de menor desenvolvimento relativo,

quanto à aplicação prática dos padrões.

A seguir, buscar-se-á traçar um racional jurídico da criação dos padrões privados

diante das regras da OMC, a fim de comprovar se os Membros devem buscar controlar a

criação dos mesmos e, caso os padrões criem barreiras ao comércio, se podem ser

questionados perante o OSC.

4.2 Regras da OMC e seus destinatários

O propósito de analisar a jurisprudência da OMC que pode ter relação com padrões

privados e inferir possíveis formas de se questionar padrões caso criem restrições ao comércio

motiva uma reflexão sobre a quem se destinam as regras criadas pelos Membros da OMC.

Isso por que quando se argumenta que um padrão é privado e, por isso, fica de fora das regras

da OMC, deve-se ponderar o papel dos países diante da criação dos padrões e das suas

obrigações perante os Acordos da OMC.

A relutância de alguns Membros, notadamente países desenvolvidos, de aceitar o

conceito de padrões privados SPS, no âmbito do grupo ad hoc criado pelo Comitê do Acordo

SPS para discutir o assunto, merece ser colocada em perspectiva.

Não há consenso sobre se os padrões são voluntários e se devem ser considerados

pela OMC na medida em que são criados por atores privados, a despeito de o Artigo 13 do

Acordo SPS usar expressamente as seguintes expressões:

Os Membros adotarão as medidas razoáveis que estiverem a seu alcance para assegurar que as instituições não-governamentais existentes em seus territórios , [...] cumpram com as disposições relevantes do presente Acordo. Os Membros assegurarão o uso dos serviços de instituições não-governamentais para a implementação de medidas sanitárias ou fitossanitárias apenas se tais entidades cumprirem com as disposições do presente Acordo.242

242 Artigo 13 do Acordo SPS.

220

Adicionalmente, o Acordo TBT prevê expressamente o papel dos Membros ao

buscar prevenir que instituições ou organizações não governamentais e organizações não

governamentais de padronização descumpram as obrigações do Acordo:

Artigo 3.4 – Os Membros não tomarão medidas que obriguem ou encorajem instituições públicas locais ou instituições não governamentais existentes em seu território a agir de forma incompatível com as disposições do Artigo 2. Artigo 4 – […] Eles tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que as instituições de normalização públicas locais ou não governamentais existentes em seu território, bem como as instituições de normalização regionais das quais eles ou uma ou mais instituições existentes em seu território sejam Membros, aceitem e cumpram este Código de Boa Conduta. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições de normalização a agir de forma incompatível com o Código de Boa Conduta. As obrigações dos Membros, a respeito do cumprimento das disposições do Código de Boa Conduta pelas instituições de normalização, se aplicarão independentemente de uma instituição de normalização ter aceito ou não o Código de Boa Conduta.243 (grifo nosso).

As expressões non-governmental entities, non-governmental bodies e non-

governmental standardazing bodies sugerem que atores não governamentais devem ser

regulados pelos Membros com vistas a evitar a adoção de medidas que contrariem os Acordos

SPS e TBT. Em outras palavras, que as regulamentações nacionais busquem, minimamente,

evitar que seus atores privados adotem medidas que possam contrariar as regras da OMC,

notadamente no tocante à discriminação.

Partindo-se do fato de que a OMC é um rules based system alicerçado nos acordos

celebrados na Rodada Uruguai, que compõem um vasto conjunto normativo – Acordo que

estabelece a OMC, acordos específicos sobre bens, serviços e propriedade intelectual, solução

de controvérsias, compromissos de acesso a mercados, acordos plurilaterais –, vale

argumentar que suas regras vinculam exclusivamente seus Membros e só podem ser

modificadas mediante consenso entre eles.

A leitura de que as regras do sistema GATT-OMC vinculam somente os países tem

relação com o histórico das negociações das rodadas do GATT e da própria Rodada Uruguai,

onde as sensibilidades para sair do modelo GATT a la carte e chegar ao enfoque single

undertaking, vinculando todos os países ao objetivo de liberalização comercial, não

ultrapassava as fronteiras do Estado.

243 Artigos 3.4 e 4 do Acordo TBT.

221

Na prática, é relevante anotar que o surgimento do GATT e da OMC como tratados

internacionais vinculando os países se deu no decorrer de um processo de transformação e

amadurecimento geopolítico que pode ser compreendido como uma transição da “lei da

coexistência” para a “lei da cooperação” entre os países.

De acordo com o Professor Wolfgang Friedman, os conflitos eram o principal

instrumento a serviço dos interesses nacionais e as regras de direito internacional na prática

acabavam endereçando o que denomina de “lei da coexistência” entre os países. No entanto,

conflito e cooperação passaram a ser instrumentos dos interesses nacionais no contexto da

sociedade internacional em constante evolução.244

A evolução da OMC como organização multilateral que regula diversos temas é

evidente se comparada ao GATT e o foco em temas tarifários. O aprofundamento da

interpretação de seus Acordos no contexto do OSC, e mesmo dos Comitês, permite constatar

o amadurecimento da organização e delimitar brechas que, sob a perspectiva da liberdade de

comércio, devem ser tratadas. Muito embora a Rodada de Doha busque aprimorar vários

elementos, como visto no Capítulo 1, há limitações evidentes para tanto.

A clareza quanto aos limites da OMC diante de certos temas, como as questões

sociais e ambientais, reflete a importância da discussão proposta sobre os padrões privados.

Considerando que nenhum painel foi levado ao OSC questionando uma barreira criada por um

padrão privado, torna-se essencial ponderar de que forma o OSC interpretaria a atuação de

atores de fora dos governos e a criação de padrões que afetam o comércio entre diferentes

Membros.

No entanto, parece relevante traçar um racional da criação das regras pelos países,

especialmente depois que passam a ser Membros da OMC, tendo como premissa o fato de que

a participação na OMC exige a plena adesão aos seus Acordos.

O single undertaking approach que distingue a OMC do GATT 1947, exigiu que os

Membros da OMC aceitassem todos os resultados alcançados com a Rodada Uruguai. Essa

característica é marcante e ressalta o objetivo de regular diversos temas da agenda comercial

visando à liberalização do comércio. Nas palavras de John Howard Jackson,

Várias características extremamente significativas dos resultados das negociações devem ser destacadas. Talvez a mais importante seja o enfoque de “single-package”, que os negociadores adotaram alguns anos antes e decidiram que seria um importante aspecto das negociações. A ideia era que

244 FRIEDMAN, Wolfgang. The Changing Structure of International Law. New York: Columbia University

Press, 1964. Chapter 4. Vale frisar, no entanto, que não se pretende analisar a evolução do direito internacional como base para a discussão proposta.

222

deveria haver um texto elaborado completo ao qual todos aqueles que queriam se tornar membros da nova estrutura deveriam aderir e aceitar. Esta seria, em contraste com o resultado da Rodada Tóquio, que inclui acordos individuais específicos que eram opcionais (GATT à la carte).245

Ao longo do tempo, a implementação dos Acordos, o julgamento de painéis no OSC

e o funcionamento dos diversos Comitês dos Acordos foram dando formato para a OMC e as

regras do comércio, sempre tendo como base o conjunto das regras multilaterais. Isso implica

que os Membros devem buscar seguir os Acordos e outras decisões adotadas no âmbito da

organização, o que exige uma harmonização de regras e políticas internas que devem refletir

as regras multilaterais.

Ao interpretar o Artigo III do GATT que regula o princípio do tratamento nacional

no caso Japan - Taxes on Alcoholic Beverages, o OA entendeu que o Acordo da OMC é um

tratado equivalente a um contrato que vincula suas partes. Dessa forma, ao entrar na OMC, os

Membros fizeram uma barganha e aceitaram exercer sua soberania de acordo com as regras

dos Acordos. Uma dessas regras é o princípio do tratamento nacional, Artigo III do GATT

1994, pelo qual os Membros podem buscar adotar taxas e outras medidas relacionadas a

produtos domésticos, desde que não criem discriminação com produtos similares

importados.246

Partindo-se do princípio pacta sunt servanda previsto pelo Artigo 26 da Convenção

de Viena sobre Direitos dos Tratados, pelo qual todo tratado em vigor obriga as partes que

devem cumpri-lo de boa fé, e levando em conta o livre consentimento e autonomia dos

Estados ao participar dos tratados, é relevante destacar que, ao aderir a um tratado, o país deve

buscar seguir seus objetivos.

Ademais, nos termos do Artigo 2.1 da Convenção de Viena sobre o Direito dos

Tratados, “[...] a ratificação, aceitação, aprovação e adesão significam, conforme o caso, o ato

245 JACKSON, John H. The World Trading System: law and policy of international trading relations. 2. ed.

Cambridge/London: MIT Press, 1997. p. 47. Tradução nossa: “Several extremely significant characteristics of the negotiation results should be noted. Perhaps foremost is the ‘single-package’ idea, which the negotiators hade embraced some years earlier and had resolved to make and important aspect of the negotiation. The idea was that there should be one complete elaborate text to which all those who wanted to become members of the new structure must adhere and accept. This would be in contrast to the Tokyo Round result which includes specific individual agreements that where optional (GATT à la carte’).”

246 WORLD TRADE ORGANIZATION. Japan - Taxes on Alcoholic Beverages. Report of the Appellate Body. WT/DS8/AB/R; WT/DS10/AB/R; WT/DS11/AB/R. 4 October 1996e. p. 15: “The WTO Agreement is a treaty - the international equivalent of a contract. It is self-evident that in an exercise of their sovereignty, and in pursuit of their own respective national interests, the Members of the WTO have made a bargain. In exchange for the benefits they expect to derive as Members of the WTO, they have agreed to exercise their sovereignty according to the commitments they have made in the WTO Agreement. One of those commitments is Article III of the GATT 1994, which is entitled "National Treatment on Internal Taxation and Regulation”.

223

internacional assim denominado pelo qual um Estado estabelece no plano internacional o seu

consentimento em obrigar-se por um tratado.”247

Dessa forma, a implementação dos Acordos da OMC geram obrigações para seus

Membros de rever políticas internas que devem minimamente se alinhar às suas regras. Vale

recordar que “[...] uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para

justificar o inadimplemento de um tratado”248 e os tratados obrigam suas partes em relação a

todo o seu território, exceto quando previsto de forma distinta.249

É natural que o sistema GATT-OMC vincule seus Membros, mas é imperioso

reconhecer e ponderar os limites do sistema multilateral de comércio quando voltado

exclusivamente para o Estado, afinal, as regras que visam promover comércio e evitar

barreiras abrangem os Estados num primeiro momento, como criadores de regras internas,

mas atores privados como agentes que, na prática, promovem o comércio.

Não se trata de argumentar que os atores privados são diretamente tomadores das

obrigações de Direito Internacional. Mas sim, reconhecer que os Estados, estes sim

vinculados pelos tratados aos quais aderem, assumem obrigações que em maior ou menor

grau, trarão obrigações para seus atores privados.

Vale ainda mencionar que qualquer país que queira se tornar Membro da OMC pode

pleitear sua acessão, como previsto pelo Artigo XII do Acordo de Marraqueche,250 desde que

acolha todos os Acordos. Durante o processo de acessão é formado um grupo de trabalho que

fica encarregado pelo processo de negociação da entrada do novo Membro, a qual deverá ser

expressamente aprovada pela Conferência Ministerial por maioria de 2/3 dos Membros.251

O processo de acessão representa uma minuciosa avaliação das diferentes políticas

adotadas pelo país postulante, envolvendo os distintos temas abrangidos pelos Acordos da

247 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969. Internalizada pelo

Decreto n.º 7.030/2009. BRASIL. Decreto n.º 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília, DF, 2009a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm>. Acesso em: 5 jul. 2016.

248 Artigo 27, Direito Interno e Observância de Tratados, Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. (BRASIL, 2009a).

249 Artigo 29, Aplicação territorial dos tratados, Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. (BRASIL, 2009a).

250 Acordo de Marraqueche. “Article 12. 1. Any State or separate customs territory possessing full autonomy in the conduct of its external commercial relations and of the other matters provided for in this Agreement and the Multilateral Trade Agreements may accede to this Agreement, on terms to be agreed between it and the WTO. Such accession shall apply to this Agreement and the Multilateral Trade Agreements annexed thereto. 2. Decisions on accession shall be taken by the Ministerial Conference. The Ministerial Conference shall approve the agreement on the terms of accession by a two-thirds majority of the Members of the WTO.”

251 Para mais informações sobre o processo de adesão, vale consultar: <https://www.wto.org/english/thewto_e/acc_e/cbt_course_e/c4s1p1_e.htm>.

224

OMC. Uma consulta aos documentos de adesão da China, por exemplo, mostra a preocupação

dos Membros sobre a não utilização, pela China, de padrões internacionais no contexto do

Acordo TBT.252

As preocupações levantadas por Membros sobre de que forma a China adota e aplica

padrões internacionais reflete o quanto o enfoque de se ter regras comuns, minimamente

harmonizadas, é relevante para se ter um level playing field válido para todos os Membros.

Adicionalmente, a China pretendia participar cada vez mais das entidades de padronização

internacional, reestruturar agências internas, aderir ao Código de Boa Conduta do Acordo

TBT, harmonizar seus padrões na medida do possível.

Partindo-se da premissa de que a China deveria adequar suas políticas para seguir o

racional das regras da OMC, é preciso ter em mente que, em tese, criaria regras harmonizadas

que fatalmente criariam obrigações para seus atores privados. Não parece razoável

argumentar que os processos de acessão dos 39 países que se tornaram Membros da OMC

após 1995253 trataram exclusivamente do intuito de harmonizar regras que não tocam, em

última instância, em obrigações dirigidas aos atores privados.

Vale, ainda, ponderar que o Artigo 19 do ESC prevê que quando um grupo especial

ou o OA concluir que uma medida adotada por um Membro é incompatível com as regras de

um acordo da OMC, deverá recomendar que o membro modifique-a, desde que isso não

implique reduzir ou ampliar direitos dos Membros perante os Acordos da OMC.

Isso implica dizer que uma medida condenada exige a revisão de políticas nacionais

que, por sua vez, trazem obrigações para atores privados. Quando os Membros são instados a

adotar medidas razoáveis para evitar que atores não governamentais descumpram obrigações

previstas pelos Acordos da OMC, fica evidente o papel que a norma internacional exerce, ou

252 WORLD TRADE ORGANIZATION. Report of the Working Party on the Accession of China.

WT/ACC/CHN/49. 1 October 2001c. p. 35: “179. Several members of the Working Party requested information on the extent to which international standards were used as the basis for existing Chinese standards, details on China's plans for using international standards as the basis for new standards, and details on China's plans for reviewing existing standards so as to harmonize them with relevant international standards.180. In response, the representative of China stated that, as a full member of, for example, ISO, IEC and ITU, China actively participated in the development of relevant international standards. With China's efforts in restructuring government agencies, China would, not later than four months after accession, notify acceptance of the Code of Good Practice. The representative of China stated that for government standardizing bodies, a clear policy existed to periodically review existing standards, inter alia, to harmonize them with relevant international standards where appropriate. Furthermore, China would speed up its process of revising the current voluntary national, local and sectoral standards so as to harmonize them with international standards. The Working Party took note of these commitments.”

253 Para consultar a lista dos Membros da OMC e suas datas de acessão ou ratificação, consultar: <https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm>.

225

ao menos deveria exercer diante das relações sociais, reguladas, por sua vez, pelos Estados

soberanos que aceitam se vincular a um tratado.

Como salienta Silvia Maria Pinheiro,

No âmbito de um tratado que cria direito a todas as partes, as regras obrigam a todos, independentemente de violações esporádicas de um ou outro membro. Sem dúvida é fundamental destacar que os Acordos Multilaterais elaborados no âmbito das organizações internacionais reúnem número expressivo de membros e de não-membros tão ou mais interessados no pleno funcionamento de suas regras. Tais acordos fundamentam-se em valores ou princípios que, quando desafiados, ameaçam a estabilidade de todo o sistema.254

A interpretação dos tratados, como previsto nos Artigos 31 e 32 da Convenção de

Viena, por sua vez, exige colocar em perspectiva a rigidez do rules based system da OMC,

voltado exclusivamente para o texto dos Acordos e os princípios gerais da organização:

Artigo 31: Regra Geral de Interpretação 1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. 2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e anexos: a) qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado; b) qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado. 3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto: a) qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; b) qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; c) quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes. 4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes. Artigo 32: Meios Suplementares de Interpretação Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31: a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.255

254 PINHEIRO, Silvia Marina. Responsabilidade Internacional dos Estados na OMC. São Paulo: Aduaneiras,

2007. p. 116-117. 255 Artigos 31 e 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. (BRASIL, 2009s).

226

A evolução da OMC está intrinsecamente vinculada à interpretação de suas regras

pelo OA, mas também ao trabalho de seus órgãos, Comitês dos Acordos e mandatos

acordados pelos Membros. Tanto é assim que os Artigos 31 e 32 da Convenção de Viena

explicitamente influenciam a interpretação dos covered agreements pelo OA quando se tem

uma controvérsia.

No caso Japan – Taxes on Alcoholic Beverages o OA foi enfático ao reconhecer a

importância dos Artigos 31 e 32 como forma de buscar definir o sentido efetivo dos tratados e

o significado de suas provisões.256

De um lado, o Artigo 31 reflete, ademais, o reconhecimento de que os costumes se

tornam relevantes para ajudar a compreender e interpretar os efeitos das regras de direito

internacional. Enquanto isso, o Artigo 32 se torna extremamente relevante em casos em que a

compreensão das regras primárias gera ambiguidade ou leva a resultados absurdos ou não

razoáveis. O uso de meios suplementares de interpretação reforçam, na prática, os resultados

atingidos com o uso do Artigo 31.257

As negociações que se estabelecem nos Comitês dos Acordos visando alcançar

decisões, naturalmente levando-se em conta um mandato acordado pelos Membros, são de

extrema importância para o amadurecimento da OMC pois permitem lapidar os Acordos.

O próprio lançamento da Rodada Doha, apesar de ainda não ter logrado os efeitos

pretendidos, evidencia que a interpretação das regras que compõem o sistema multilateral de

comércio é desejável e naturalmente relevante para a OMC. Caso assim não fosse, estar-se-ia

diante de um regime fechado e, consequentemente, limitado.

Parece válido traçar um paralelo com tratados de outra natureza, como os MEAs. A

ratificação da UNFCCC pelos países vincula as Partes da Convenção ao cumprimento de seus

objetivos e decisões subsequentes. Quando o Acordo de Paris, aprovado na COP21, entrar em

vigor, será legalmente vinculante (legally binding) para todas as suas Partes (países que o

ratificarem), tendo como premissa a implementação das contribuições nacionalmente

determinadas submetidas pelos países.

256 WORLD TRADE ORGANIZATION, 1996e, p. 12 “The provisions of the treaty are to be given their

ordinary meaning in their context. The object and purpose of the treaty are also to be taken into account in determining the meaning of its provisions. A fundamental tenet of treaty interpretation flowing from the general rule of interpretation set out in Article 31 is the principle of effectiveness (ut res magis valeat quam pereat). In United States - Standards for Reformulated and Conventional Gasoline, we noted that "[o]ne of the corollaries of the general rule of interpretation’ in the Vienna Convention is that interpretation must give meaning and effect to all the terms of the treaty. An interpreter is not free to adopt a reading that would result in reducing whole clauses or paragraphs of a treaty to redundancy or inutility".

257 GRUSZCZYNSKI, Lukasz. Regulating Health and Environmental Risks under WTO Law. A Critical Analysis of the SPS Agreement. Oxford University Press, 2010, p. 40.

227

Como visto no Capítulo 2, o Brasil submeteu formalmente as contribuições que

pretende adotar, que passaram, com a ratificação do Acordo, a ser a base das contribuições

brasileiras. Isso significa, do ponto de visto do direito internacional, que a ratificação do

Acordo de Paris pelo Brasil no início de setembro de 2016, vincula o país à adoção de

políticas e ações que visem implementar as contribuições que submeteu para a UNFCCC.

Como as contribuições tratam de ações nos setores de energia, uso da terra,

agropecuária, indústria, é natural que as futuras políticas climáticas que serão adotadas pelo

Brasil se destinem aos atores privados que, na prática, terão obrigações de reduzir emissões,

promover a adoção de tecnologias de baixo carbono, dentre outras, com vistas a cumprir com

as metas de redução de emissões assumidas pelo país.

Nesse sentido, não parece factível argumentar, ao menos no tocante aos MEAs, que o

país se vincule a um tratado e as obrigações decorrentes são exclusivamente atribuíveis aos

atores públicos, seja em nível federal e/ou estadual.

A discussão sobre os efeitos das regras do direito internacional do comércio e

ambiental e os direitos e obrigações que geram para atores públicos e/ou privados é um campo

de estudos amplo e absolutamente relevante quando se trata da efetividade do direito

internacional. A breve análise feita acima buscou, tão somente, levantar a discussão sobre

efeitos que os tratados internacionais assumidos pelos países geram aos seus atores privados,

como base para a discussão da relação dos padrões privados na OMC.

4.3 Padrões privados e solução de controvérsias na OMC

Para que seja possível avaliar a jurisprudência da OMC diante da agenda dos padrões

privados é necessário definir um racional para interpretar de que forma um painel poderia ser

instado a avaliar efeitos de restrições impostas pela adoção de um padrão.

Tendo como foco requisitos de natureza ambiental, é factível imaginar que uma

medida questionada tomaria como base os Acordos TBT e GATT. O Acordo SPS poderia ser

levantado como base para padrões ligados à segurança dos alimentos, bem-estar animal,

limites de resíduos nos alimentos, saúde animal, dentre outros aspectos. A análise a seguir

buscará contemplar todos os pontos relevantes que potencialmente podem estar relacionados

com o questionamento de um caso envolvendo um padrão privado na OMC.

A despeito do debate sobre economia processual (judicial economy) que pode

inviabilizar a análise de certas alegações de violação dos dispositivos da OMC, é importante

228

frisar que o Órgão de Apelação (OA) já se manifestou sobre a relevância de analisar todas as

alegações necessárias para chegar a uma solução satisfatória da controvérsia.258

Levando-se em conta que não há um caso concreto de padrões privados levados ao

OSC, será feita uma análise de um potencial painel envolvendo uma barreira a

biocombustíveis em função dos requisitos de sustentabilidade para biocombustíveis da União

Europeia.

Antes, contudo, é preciso salientar as premissas que norteiam o funcionamento do

OSC, como órgão que visa dar segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de

comércio, definir a técnica interpretativa que norteia o OSC e pontuar debates sobre os limites

de interpretação das regras de direito internacional vis a vis os Acordos da OMC.

4.3.1 O Órgão de Solução de Controvérsias e os objetivos de segurança e previsibilidade do

sistema multilateral de comércio

A criação do Órgão de Solução de Controvérsias como mantenedor do equilíbrio

entre as obrigações contidas nos princípios e Acordos da OMC e as medidas adotadas pelos

Membros representou uma mudança marcante do sistema multilateral de comércio comparada

ao enfoque do antigo GATT 1947.

O Artigo 3.2 do Entendimento Relativo às Normas de Procedimentos sobre Solução

de Controvérsias (ESC) reflete os fins almejados pelo OSC, tendo como premissa um sistema

baseado em regras mutuamente acordadas (rules oriented), o que significou uma guinada

diante do enfoque tradicional que marcava as relações internacionais (power oriented):

O sistema de solução de controvérsias da OMC é elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Os Membros reconhecem que esse sistema é útil para preservar direitos e obrigações dos Membros dentro dos parâmetros dos acordos abrangidos e para esclarecer as disposições vigentes dos referidos acordos em conformidade com as normas correntes de interpretação do direito internacional público. As recomendações e decisões do OSC não poderão promover o aumento ou a diminuição dos direitos e obrigações definidos nos acordos abrangidos. (grifo nosso)

258 WORLD TRADE ORGANIZATION. Australia – Measures Affecting Importation of Salmon.

WT/DS18/AB/R. 20 October 1998b, “Paragraph 223. The principle of judicial economy has to be applied keeping in mind the aim of the dispute settlement system. This aim is to resolve the matter at issue and "to secure a positive solution to a dispute". To provide only a partial resolution of the matter at issue would be false judicial economy. A panel has to address those claims on which a finding is necessary in order to enable the DSB to make sufficiently precise recommendations and rulings so as to allow for prompt compliance by a Member with those recommendations and rulings "in order to ensure effective resolution of disputes to the benefit of all Members”.

229

A inversão da regra do consenso, que tolhia a efetividade da solução de controvérsias

no âmbito do GATT, a unificação dos procedimentos que guiavam o processo de solução de

uma controvérsia, o estabelecimento de prazos para cada fase do processo e o estabelecimento

automático de um painel, caso os Membros não lograssem solucionar sua disputa na fase de

consultas, são elementos marcantes do ESC.

Mais relevante, ainda, foi a criação do Órgão de Apelação (OA), como instância

incumbida de analisar os relatórios dos painéis no que concerne a matérias de direito e

interpretação das normas. O direito a recorrer das decisões dos painéis se tornou relevante

quando se propõe conferir segurança e previsibilidade a um sistema normativo denso. Nas

palavras de Celso Lafer,

O novo Direito Internacional Econômico da OMC requer, consequentemente, promoção das normas de mútua colaboração negociadas na Rodada Uruguai. Essa promoção no âmbito da organização encontra-se ligada às técnicas de administrar os riscos envolvidos num tratado internacional voltado para patrocinar a interdependência dos interesses comuns de suas partes contratantes. Estas técnicas são confidence building measures, cujo objetivo e função é manter a força mútua, ingrediente crítico para a sustentabilidade política da liberalização comercial acima mencionada. [...] O ESC (Entendimento sobre Soluções de Controvérsias), administrado pelo Dispute Settlement Body, tem como função evitar o unilateralismo da interpretação e a “auto-ajuda” na interpretação de normas criadas em comum. Ao oferecer um caminho jurídico para os contenciosos econômicos, na impossibilidade de uma solução negociada que é sempre a preferida, o Dispute Settlement Body tutela a segurança e a previsibilidade do sistema multilateral de comércio.259

Como ressalta o professor Alberto do Amaral Júnior, o ESC foi criado com o

enfoque de balizar a aplicação de acordos que surgiram de décadas de amadurecimento do

que seria um sistema multilateral de comércio. O papel das normas de julgamento,

especialmente quando os Acordos da OMC estipulam obrigações concretas e que abrangem

vários temas, torna-se fundamental para o funcionamento de um mercado onde haja um

mínimo de previsibilidade que permita traduzir o mundo abstrato das regras para o mundo

concreto da realidade.260

O OA tem o papel de assegurar a correta aplicação das regras e evitar distorções que

desviem da vontade dos Membros ao negociar e aprovar os diferentes acordos que compõem

a OMC. Como destaca Carla Amaral de Andrade Junqueira,

259 LAFER, Celso. Comércio, desarmamento e direitos humanos: reflexões sobre uma experiência

diplomática. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 40. 260 AMARAL JUNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008. p. 103-104.

230

A legitimidade do sistema multilateral de comércio está relacionada ao estabelecimento de um sistema fundado nas regras do Direito, de um sistema que comporte segurança, previsibilidade, equilíbrio entre os Membros e que seja menos suscetível às influências e aos condicionamentos do poder. […] Ao assegurar a observância fiel das regras estipuladas pelos Membros, o OA tem, como órgão máximo a assegurar o sistema rule-oriented, papel fundamental no fortalecimento da confiança dos Membros da OMC em relação ao sistema multilateral de comércio e, ainda, na adesão desses Membros ao referido regime internacional. Esse órgão fundamental é o OA, que tem por finalidade precípua assegurar os direitos e obrigações estabelecidos pelos Membros quando da negociação dos diversos acordos abrangidos. Para isso, o método de interpretação dos acordos é fundamental já que, fosse esse composto de critérios subjetivos e constantemente variáveis, não traria a previsibilidade e segurança jurídica desejados pelos Membros da OMC. 261

Ao ponderar a legitimidade do OA como órgão máximo da OMC, guardião das

regras que visam orientar, fomentar e balizar as ações dos Membros no tocante ao comércio

internacional, Carla Amaral de Andrade Junqueira ressalta que a técnica interpretativa do OA

é permeada por influências do direito civil e do direito comum, formando um sistema misto.

Para a autora, essa técnica interpretativa será legítima se observar as regras de interpretação

estabelecidas pelos Membros da OMC, atender as necessidades específicas do sistema

multilateral de comércio (segurança e previsibilidade) e for aceita por consenso entre os

Membros.

E é justamente o desafio de assegurar segurança e previsibilidade para o sistema

multilateral de comércio que traz a interpretação para um plano extremamente importante, em

linha com os Artigos 31 e 32 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

Levando-se em conta o princípio do pacta sunt servanda, pelo qual os Membros

devem cumprir suas obrigações internacionais de boa fé, não está explícito nas regas da OMC

que o OSC, compreendendo os painéis e o OA, deve funcionar como uma corte de jurisdição

ampla que deve assegurar o cumprimento de todas as obrigações de direito internacional entre

os Membros.

Nesse sentido, a segurança e a previsibilidade previstas no Artigo 3.2 do ESC,

podem ensejar uma interpretação restritiva, pela qual apenas regras costumeiras de

interpretação do direito internacional público devem ser aplicadas pelo OSC, ou uma

interpretação extensiva, por meio da qual outras regras de direito internacional – direito

261 JUNQUEIRA, Carla Amaral de Andrade. A técnica interpretativa do Órgão de Apelação da Organização

Mundial do Comércio. 2010. 267 f. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2135/tde-31012011151312/publico/Carla_doc_2010fin_tese.pdf>. Acesso em: 8 ago. 2016. p. 33.

231

consuetudinário, tratados ou outros instrumentos em vigor para as partes em disputa – devem

ser utilizadas como meios de interpretação utilizados pelos OSC.

Debra Steger, por exemplo, entende que o fato de a jurisdição compulsória da OMC

estar ligada aos seus Acordos, e causar dúvidas no tocante à aplicação de obrigações externas

baseadas em outros tratados, não é suficiente para estender sua jurisdição sobre outras áreas

do direito que não formam a base acordada pelos Membros. Para esta autora, a interpretação

restritiva das regras da OMC se faz necessária ao menos até que os Membros decidam criar

mandato específico para tanto:

Não se pode simplesmente inferir com base no princípio pacta sunt servanda que os Membros da OMC consentiram em dar jurisdição aos painéis da OMC e ao Órgão de Apelação para interpretar e adjudicar sobre obrigações ou regras oriundas de tratados além da OMC. [...] A OMC não é, e não pode, tratar de questões relacionadas à proteção do meio ambiente, direitos humanos, padrões trabalhistas ou de saúde humana até e ao menos que seus Membros decidam estender seu mandato sobre essas áreas. Na Declaração Ministerial de Doha, os Membros da OMC acordaram começar negociações sobre certas questões específicas relativas à relação ente os Acordos da OMC e os tratados multilaterais ambientais com o objetivo de esclarecer certas exceções do Acordo TRIPS para permitir maior acesso a remédios em países pobres, mas eles não acordaram negociar questões mais abrangentes sobre meio ambiente, saúde humana, padrões trabalhistas ou direitos humanos.262 (tradução livre)

Ademais, é preciso destacar que a jurisdição ampla encontra espaço na Corte

Internacional de Justiça, que deverá tratar de todos os litígios submetidos pelas partes,

podendo versar sobre todos os assuntos previstos na Carta das Nações Unidas ou nos tratados

e convenções vigentes.263

Joost Pauwelyn, ao contrário, defende que a interpretação extensiva pode ser adotada

e, na prática, torna-se essencial para que o OSC possa buscar conferir segurança e

previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. Para este autor, certas medidas podem ter

aspectos intrinsecamente relacionados ao comércio e outros não diretamente ligados a

questões comerciais, baseados em obrigações legally binding diante dos Acordos da OMC,

bem como outros tratados internacionais que vinculam as Partes. As regras lex specialis e lex

posterior devem ser ponderadas na avaliação de qual obrigação deve ter prioridade.264

262 STEGER, Debra P. Jurisdiction of the WTO . Proceedings of the 98th Annual Meeting of the American

Society of International Law, 2004. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2467273>. Acesso em: 16 jul. 2016. p. 5 e 6.

263 Artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. (BRASIL, 1945). 264 PAUWELYN, Joost. Sources of International Trade Law: Mantras and Controversies at the World Trade

Organization. 5 September 2016. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2834772>. Acesso em: 22 mar. 2016.

232

Pauwelyn pondera a legitimidade da criação de normas que, em princípio, é

exclusiva dos Membros da OMC, notadamente com base nos Acordos da OMC e futuras

regras negociadas, diante do papel que outros atores podem ter ao criar ou influenciar a

criação de regras. Cita o Órgão de Apelação como um ator não estatal e o próprio

Secretariado como órgão que elabora rascunho de regras e interpretações dos Acordos da

OMC. Além disso, ressalta o papel que grupos de peritos e outras organizações acabam tendo

nos painéis, especialmente sobre temas que envolvem questões científicas, meio ambiente,

economia, dentre outros. 265

Vale salientar, diante dos objetivos propostos pela presente tese, que, na visão de

Joost Pauwelyn, os padrões internacionais criados pelo Codex Alimentarius, pela ISO,

iniciativas de proteção ambiental (em linha com os Artigos 3.1 do SPS e 2.4 do TBT,

prevendo que os Membros devem basear medidas domésticas em padrões internacionais) e

decisões não vinculativas no contexto do direito internacional, mas que influenciam na

interpretação dos tratados podem influenciar a interpretação das regras da OMC.266

Apesar da visível relação dos Acordos da OMC com outras regras de direito

internacional, especialmente quando se tem em vista a agenda compreendida pela Rodada

Doha, as discussões que ocorrem nos Comitês dos Acordos TBT e SPS, bem como em outros

órgãos como o CTE, por exemplo, a compreensão da OMC pautada por suas regras é

marcante. Não agregar novos direitos e obrigações ao conjunto normativo da OMC é uma

cláusula pétrea do ESC, que norteia todo o trabalho dos painéis e do OA:

O fato de o OA privilegiar a interpretação textual demonstra a sua intenção de permanecer o mais próximo possível da vontade dos negociadores do acordo, que é o objetivo principal da interpretação. A consolidação de um método regular e deferente à intenção dos negociadores é coerente com a proibição de aumentar os direitos e obrigações das partes. Ao mesmo tempo, a diversidade das regras contidas na Convenção de Viena dá margem a um exercício dinâmico de interpretação que, embora enquadrado em uma técnica bastante estruturada, se movimenta dentro de certas margens. A orientação do OA em direção à coerência entre as decisões, por meio da

265 PAUWELYN, 2016, p. 7: “The first source-related debate in the WTO is, therefore, whether other actors

beyond WTO members can create law or influence law establishment. It is a debate centered on who has legitimate authority to make law. The most controversial non-State actor is the Appellate Body. Others are: (i) the WTO Secretariat and its prominent role in the drafting of WTO rulings, or the legal value to be attached to Secretariat notes issued during negotiations in the interpretation of WTO treaty text; (ii) outside expert individuals advising WTO panels on technical/scientific questions of health, environmental protection, safety, economics, or translation; and (iii) other international organizations (IOs), such as the Codex Alimentarius Commission, the International Organization for Standardization (ISO), the IMF, the World Health Organization (WHO), the World Customs Organization (WCO) or the World Intellectual Property Organization (WIPO) who are regularly consulted by WTO panels to gather information and advice in, respectively, sanitary, standards, monetary, health, customs, or IP-related disputes.”

266 Ibidem, p. 14.

233

utilização sistemática de um mesmo método interpretativo, reforça a idéia de continuidade e unicidade, pretendida pelos Membros em sua busca por previsibilidade e segurança jurídica.267

No entanto, o OA reconhece, com base no Artigo 31 da Convenção de Viena, que o

Acordo Constitutivo da OMC não vive e não pode viver em isolamento clínico (clinical

isolation) em relação ao direito internacional. A conduta interpretativa deve se basear no texto

dos Acordos, mas não pode olvidar questões legais levantadas por um Membro que alega

ambiguidade ou lacunas.

Dessa forma, o método “objetivo e finalidade” utilizado pelo OA adota como ponto

de partida da análise o tratado como um todo, não excluindo a consideração de termos

específicos em caso relevante (Artigo 31.1 da Convenção de Viena).268

Como destaca Alberto do Amaral Junior,

[...] a atitude do Órgão de Apelação de interpretar os acordos da OMC com base na Convenção de Viena fornece um guia não só para os painéis, mas para os membros que procuram conduzir-se nos limites das obrigações contraídas. O Órgão de Apelação compreendeu, muito cedo, a função “constitucional” que desempenha na elucidação do significado e alcance das normas que interpreta. A OMC é, assim, um sistema de regras, cujo significado é definido pela atuação de órgãos jurisdicionais. O uso da Convenção de Viena pelo Órgão de Apelação contribui para promover a coerência entre as decisões do Órgão de Solução de Controvérsias e de outras instâncias jurisdicionais, sobretudo a Corte Internacional de Justiça. Outra consequência associada a este expediente é o aumento da legitimidade e aceitação política das decisões do Órgão de Solução de Controvérsias, em nítido fortalecimento das funções que lhe foram atribuídas desde a criação da OMC.269

Além disso, o OA reconhece as práticas ou acordos subsequentes adotados pelas

partes bem como outras regras de direito internacional público que possam dar suporte ao

processo interpretativo. Para que seja possível dar significado e efeito a todos os termos do

tratado, sem que um termo possa ser considerado ambíguo ou obscuro, ou leve a um resultado

não razoável, o OA pode até mesmo utilizar de meios suplementares de interpretação, como o

trabalho preparatório do tratado e elementos atinentes a sua conclusão.

Como destaca Gabriele Marceau, o Artigo 31.3(c) da Convenção de Viena busca

permitir atingir certa coerência na interpretação dos tratados, o que exige analisar o tratado

diante de outras regras de direito internacional de forma que ambas as regras se

267 JUNQUEIRA, 2010, p. 207. 268 THORSTENSEN, Vera; OLIVEIRA, Luciana. O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC: uma

primeira leitura. São Paulo: Aduaneiras, 2014. p. 58-59. 269 AMARAL JUNIOR, 2008, p. 166 e 167.

234

complementem e evitem conflitos. É com esse enfoque que os acordos da OMC devem ser

interpretados.270

Quando se pondera a relação entre comércio e meio ambiente, surge um potencial

conflito entre os Acordos da OMC e os MEAs, que tratam especificamente de certas agendas

ambientais, como mudanças do clima, biodiversidade, poluentes. De acordo com Gabrielle

Marceau, para que seja possível avaliar a relação dos Acordos da OMC com outros tratados, é

preciso examinar as dimensões normativa e jurisdicional previstas pelas regras, com ênfase a

questões substantivas e procedimentais. Como a natureza do OSC atrai jurisdição sobre temas

compreendidos pelos Acordos da OMC, excluindo outros foros, é preciso considerar a lei

aplicável perante o OSC, buscando-se evitar conflitos.271

No tocante a possíveis conflitos entre Acordos da OMC e MEAs, Gabriele Marceau

cita seis situações que precisam ser consideradas:

Quando um MEA é adotado por ambos os Membros da controvérsia:

a) a medida que motiva a controvérsia é exigida por um MEA;

b) a medida que motiva a controvérsia não é exigida mas é expressamente autorizada;

c) a medida que motiva a controvérsia é adotada para promover os objetivos do MEA.

Quando um MEA é adotado apenas por um Membro da disputa;

a) a medida que motiva a controvérsia é exigida por um MEA;

b) a medida que motiva a controvérsia não é exigida mas explicitamente autorizada;

c) a medida que motiva a controvérsia é adotada para promover os objetivos do MEA.272

Analisando os casos em que ambas os Membros de uma disputa são Partes de um

determinado MEA, pode-se argumentar que medidas adotadas para cumpri-lo, em princípio,

270 MARCEAU, Gabrielle. Conflicts of norms and conflicts of jurisdictions: the relationship between the WTO

agreement and MEAs and other treaties. Journal of World Trade , v. 35, n. 6, p. 1.081-1.131, 2001. p. 1089: “Arguably, Article 31.3(c) of the Vienna Convention aims at promoting some "coherence" in the interpretation of treaty obligations, so that the treaty being interpreted and other relevant international law rules are read in a way that is mutually supportive and avoids conflict, in compliance with the international law presumption against conflicts, developed by Jenks and others in the context of Article 30 of the Vienna Convention. States are presumed to enforce their treaty obligations in good faith. The good faith principle also implies that States are presumed to have negotiated ail their treaties in good faith, that is taking into account all their other international law obligations (general principles, custom and treaty obligations). In this sense, States' obligations are cumulative and, thus, should be read together. In this context, the WTO Agreement, as with any other treaty, should be interpreted taking into account other relevant and applicable rules between the same parties, with a view to avoiding conflicts with other relevant rules of international law applicable to the relations between the same countries.”

271 Ibidem, p. 1.082. 272 Ibidem, p. 1.097.

235

satisfariam os requisitos do Artigo XX do GATT e, por isso, não haveria um conflito per se (o

que, por exemplo, não necessariamente seria verdade diante de restrições quantitativas que

criem barreiras, nos termos do Artigo XI do GATT 1947).

O caso de medidas não expressamente exigidas, mas na prática autorizadas por um

MEA, enseja ponderar o papel que uma regra especial pode ter, neste caso, visando proteger o

meio ambiente, o que poderia ensejar uma interpretação onde a lex specialis, ou mais

especificamente, a medida fundamentada com base no MEA, seja reconhecida como de

acordo com as regras da OMC.

Já o caso de medidas não requeridas por um MEA, mas adotadas por um Membro

sob a alegação de que a adotou para cumprir um objetivo previsto pelo tratado, cria uma

situação mais complexa de potencial conflito, que exige ponderar qual é efetivamente a

necessidade da medida em questão para atingir os objetivos que pretende.

Assumindo o foco da tese quanto aos padrões privados, que por sua vez são

justificados e respaldados por objetivos presentes em MEAs, parece essencial agregar novas

situações ao mapa de potenciais conflitos levantados por Gabrielle Marceau, partindo da

premissa de analisar as dimensões normativa e jurisdicional dos conjuntos normativos.

Instrumentos de soft law que levam em conta objetivos gerais de MEAs e que

fundamentam medidas que interferem no comércio:

a) instrumentos de soft law, que não possuem força legal mas que foram aprovados por

consenso por um amplo número de países (como os Objetivos de Desenvolvimento

Sustentável, por exemplo);

b) padrões privados criados com apoio formal de países que são Membros da OMC e/ou

Parte de MEAs, inclusive com aporte financeiro ou suporte político expresso;

c) padrões privados recomendados/apoiados por países;

d) padrões privados promovidos por organizações não governamentais e pelo setor

privado, inclusive financeiro, dentro de um país.

A dimensão jurisdicional desses instrumentos é, em tese, privada e torna a análise sob

essa perspectiva complexa, devendo ser feita caso a caso. No entanto, a dimensão normativa é

extremamente pertinente na medida em que, ao adotar as regras da OMC como base para a

análise, torna-se imperioso debater qual o papel dos Membros no tocante à criação dos

padrões. Isso requer uma ampla discussão jurídica, especialmente diante das regras do Acordo

TBT, o que será feito abaixo.

236

Vale anotar, por ora, que, se a dimensão normativa pode contemplar esses novos

instrumentos de potencial conflito entre MEAs e OMC, a dimensão jurisdicional será

contemplada na medida em que ou OSC da OMC, ou mecanismos de solução de controvérsias

de MEAs tratem de casos específicos. Levando-se em conta que o OSC resguarda a

competência de analisar casos fundamentados em regras da OMC, é de se esperar que acabe

analisando casos dessa natureza.

Ressalte-se, ademais, que o formato da solução de controvérsias na OMC confere uma

distinção à organização no plano internacional, pois permite ponderar a aplicação de suas

regras e emitir decisões que vinculam e obrigam seus Membros. Entre 1995 e 2014, 488

disputas foram levadas ao OSC, sendo que, dentre elas, 48 trataram do Acordo TBT, 42 do

Acordo SPS e 387 tratavam de argumentos relativos ao GATT 1994.273

Lígia Maura Costa faz uma análise dos casos julgados até janeiro de 2014 e aponta

que em 46 painéis havia elementos que compõem o conceito de desenvolvimento sustentável.

Embora conclua que ainda é prematuro afirmar que há uma explícita promoção do

desenvolvimento via o sistema multilateral de comércio, em certos casos, a OMC reconhece a

possibilidade de que medidas que visem proteger fins ambientais, vida e saúde, sejam

adotadas mesmo que restrinjam o comércio. Para a autora,

[...] do total de casos da OMC examinados, apenas 46 deles mencionam argumentos relacionados ao desenvolvimento sustentável. Trata-se de percentual um pouco superior a 10% do total de litígios da OMC. Do exame desses litígios, é possível concluir que a noção de desenvolvimento sustentável é tratada apenas obliquamente, pois ela não corresponde ao fim último da medida discriminatória pretendida. Não é, contudo, despropositado afirmar, diante da decisão proferida no caso European Communities - measures affecting asbestos and asbestos-containing products, que o conceito de sustentabilidade pode ser protegido pela OMC; mas desde que esteja refletido de fato em seus Acordos. Diante disso, é importante que os países-membros da OMC reconheçam as limitações da instituição e consigam alcançar uma agenda comum que dê suporte à noção de desenvolvimento sustentável na liberalização do comércio internacional. É certo que a exequibilidade de aspectos relacionados ao desenvolvimento sustentável causa desconforto entre os países membros, além de inúmeras controvérsias. Mas o desenvolvimento sustentável veio para ficar. Uma opção realista para combater as medidas protecionistas que clamam pela proteção de aspectos relacionados ao desenvolvimento sustentável, mas que na verdade nada mais são do que medidas discriminatórias disfarçadas, é por

273 WORLD TRADE ORGANIZATION. Resolving trade disputes between WTO Members, WTO Dispute

Settlement. Disponível em: <https://www.wto.org/english/thewto_e/20y_e/dispute_brochure20y_e.pdf>. Acesso em: 22 set. 2016i.

237

meio de uma declaração ministerial, que sirva como base e guia de conduta e de interpretação para o OSC e para o sistema da OMC como um todo.274

É extremamente relevante ponderar que – apesar do argumento de que

regulamentações e medidas adotadas para implementar MEAs são em princípio permitidas

pela OMC, que na prática acolhe objetivos relacionados à promoção do desenvolvimento

sustentável desde que não criem restrições arbitrárias ou disfarçadas ao comércio – é preciso

analisar essa relação de apoio mútuo entre regras da OMC e MEAs com mais acuidade.

Isso por que normalmente os objetivos previstos pelos MEAs são abrangentes e não

necessariamente prescrevem ações a serem adotadas por suas Partes. Conservar a

biodiversidade e reduzir emissões de GEEs, por exemplo, são objetivos amplos que podem ser

alcançados de várias formas.

Para que seja possível analisar de que forma alguns MEAs abordam a relação com

outras regras de direito internacional e, por conseguinte, ponderar a coexistência mútua e

pacífica entre medidas de caráter ambiental e de comércio, o quadro a seguir cita

expressamente alguns dispositivos.

The Nagoya – Kuala Lumpur Supplementary Protocol on Liability and Redress to the Cartagena Protocol on Biosafety

Recognizing that trade and environment agreements should be mutually supportive with a view to achieving sustainable development, Emphasizing that this Protocol shall not be interpreted as implying a change in the rights and obligations of a Party under any existing international agréments; Article 10.1: Parties retain the right to provide, in their domestic law, for financial security. Article 10.2: Parties shall exercise the right referred to in paragraph 1 above in a manner consistent with their rights and obligations under international law, taking into account the final three preambular paragraphs of the Protocol. Article 16.3: Except as otherwise provided in this Supplementary Protocol, the provisions of the Convention and the Protocol shall apply, mutatis mutandis, to this Supplementary Protocol. Article 16.4: Without prejudice to paragraph 3 above, this Supplementary Protocol shall not affect the rights and obligations of a Party under international law.

Cartagena Protocol on Biosafety

Article 2.1: Each Party shall take necessary and appropriate legal, administrative and other measures to implement its obligations under this Protocol. Article 2.3: Nothing in this Protocol shall affect in any way the sovereignty of States over their territorial sea established in accordance with international law, and the sovereign rights and the jurisdiction which States have in their exclusive economic zones and their continental shelves in accordance with international law, and the exercise by ships and aircraft of all States of navigational rights and freedoms as provided for in international law and as reflected in relevant international instruments. Article 2.4: Nothing in this Protocol shall be interpreted as restricting the right of a Party to take action that is more protective of the conservation and sustainable use of biological diversity than that called for in this Protocol, provided that such action is consistent with the objective and the provisions of this Protocol and is in

274 COSTA, Ligia Maura. Desenvolvimento sustentável no Órgão de Solução de Controvérsias da Organização

Mundial do Comércio: demolindo mitos e barreiras. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 6, p. 1.353-1.373, nov./dez. 2015. p. 1.367.

238

accordance with that Party's other obligations under international law. Article 2.5: The Parties are encouraged to take into account, as appropriate, available expertise, instruments and work undertaken in international forums with competence in the area of risks to human health.

Aarhus Convention (Convention on Access to Information, Public Participation in Decision-Making and Access to Justice on Environmental Matters)

Article 3.1: Each Party shall take the necessary legislative, regulatory and other measures, including measures to achieve compatibility between the provisions implementing the information, public participation and access-to-justice provisions in this Convention, as well as proper enforcement measures, to establish and maintain a clear, transparent and consistent framework to implement the provisions of this Convention. Article 3.5: The provisions of this Convention shall not affect the right of a Party to maintain or introduce measures providing for broader access to information, more extensive public participation in decision-making and wider access to justice in environmental matters than required by this Convention. Article 3.6: This Convention shall not require any derogation from existing rights of access to information, public participation in decision-making and access to justice in environmental matters. Article 3.7: Each Party shall promote the application of the principles of this Convention in international environmental decision-making processes and within the framework of international organizations in matters relating to the environment.

The Nagoya Protocol on Access and Benefit-sharing

Article 4.1: The provisions of this Protocol shall not affect the rights and obligations of any Party deriving from any existing international agreement, except where the exercise of those rights and obligations would cause a serious damage or threat to biological diversity. This paragraph is not intended to create a hierarchy between this Protocol and other international instruments. Article 4.2: Nothing in this Protocol shall prevent the Parties from developing and implementing other relevant international agreements, including other specialized access and benefit-sharing agreements, provided that they are supportive of and do not run counter to the objectives of the Convention and this Protocol. Article 4.3: This Protocol shall be implemented in a mutually supportive manner with other international instruments relevant to this Protocol. Due regard should be paid to useful and relevant ongoing work or practices under such international instruments and relevant international organizations, provided that they are supportive of and do not run counter to the objectives of the Convention and this Protocol. Article 4.4: This Protocol is the instrument for the implementation of the access and benefit-sharing provisions of the Convention. Where a specialized international access and benefit-sharing instrument applies that is consistent with, and does not run counter to the objectives of the Convention and this Protocol, this Protocol does not apply for the Party or Parties to the specialized instrument in respect of the specific genetic resource covered by and for the purpose of the specialized instrument.

Quadro 15 – MEAs e dispositivos relativos à coexistência com outras regras de direito internacional Fontes: Cartagena Protocol on Biosafety; The Nagoya Protocol on Access and Benefit-sharing; The Nagoya – Kuala Lumpur Supplementary Protocol on Liability and Redress to the Cartagena Protocol on Biosafety; Convention on Access to Information, Public Participation in Decision-Making and Access to Justice on Environmental Matters.

A linguagem adotada nos MEAs citados no quadro acima evidencia a liberdade das

partes em adotar medidas para implementar os objetivos de cada tratado e, ao mesmo tempo,

prevê que as disposições dos acordos não devem restringir obrigações e direitos oriundos de

outras regras de direito internacional. É natural que os tratados contenham dispositivos dessa

239

natureza, essencialmente redigidos de forma a permitir acomodar os interesses dos países que

o negociam.

Nesse sentido, a linguagem que fundamenta a coexistência mútua e pacífica dos

MEAs perante as regras da OMC não pode ser compreendida como implicitamente

garantidora dessa condição.

Reduzir emissões de GEEs adotando tecnologias de baixo carbono é essencial e

natural diante da UNFCCC e do recém-aprovado Acordo de Paris. Como cada país, ou de que

forma atores privados o fazem, depende de vários fatores. Em tese, as medidas adotadas para

tanto podem motivar o comércio de tecnologias limpas, o que é inclusive promovido pela

OMC, mas, dependendo dos critérios que compõem a medida, pode facilmente gerar barreiras

ao comércio, especialmente se envolver PPMs e questões não relacionadas a PPMs.

Em uma análise sobre possíveis impactos da eventual adoção de garantias financeiras

previstas pelo Artigo 10 do Nagoya – Kuala Lumpur Supplementary Protocol on Liability and

Redress to the Cartagena Protocol on Biosafety, este autor salienta que

A grande pergunta que precisa ser respondida pelas partes ao exigir garantias financeiras é quanto à necessidade de se adotar medidas dessa natureza para permitir reparar possíveis danos causados por OVMs à biodiversidade. De um lado, não existem casos de danos que mostrem a relevância dessas garantias; de outro, não se tem clareza como essas garantias seriam aplicadas no dia-a-dia, e essas indefinições geram um cenário de insegurança que certamente levaria à adoção de barreiras ao comércio. As regras da OMC são bastante claras ao exigir evidências científicas para poder justificar medidas que visem a proteger o meio ambiente e a saúde humana. É preciso ao menos um mínimo de evidências, e, no caso do enfoque de precaução, faz-se necessário que as medidas considerem possíveis evidências, sejam revistas em um período razoável de tempo e que seja realizado um maior número de análises de riscos para efetivamente comprovar ou não a necessidade da medida.275

Não se trata de coibir medidas para proteger o meio ambiente, mas há que se

reconhecer que a necessidade das medidas diante dos objetivos que visam proteger pode dar

margem para medidas restritivas. As garantias financeiras ou seguros aplicados a qualquer

organismo vivo modificado ou produto derivado, por exemplo, seriam necessárias para

garantir a proteção da biodiversidade? Ou uma medida dessa natureza seria extremamente

exigente levando-se em conta que o comércio destes produtos é autorizado pelos países

produtores e importadores?

275 LIMA, Rodrigo C. A. Garantias financeiras no Protocolo de Nagóia e Kuala Lumpur e as regras da

Organização Mundial do Comércio. Revista Brasileira de Comércio Exterior, Rio de Janeiro, ano 25, n. 108, p. 74-87, jul./set. 2011. p. 86-87.

240

Não se pretende fazer uma análise detida do debate sobre as regras de interpretação

adotadas pelo OSC, mas tão somente destacar que, apesar de a OMC ter como base seus

Acordos, princípios, jurisprudência e decisões de seus órgãos, parece inevitável que sofra

influência de outros instrumentos do direito internacional e de fontes de soft law como

destacado acima.

A visão da OMC como um regime fechado, isento de influências que advêm de

outras fontes tradicionais do direito internacional e, de forma mais abrangente ainda, novos

instrumentos que influenciam o direito e acabam em certos casos levando à criação de regras,

é tolhida pela realidade do cotidiano do comércio internacional.

Tanto é assim que vários Comitês de Acordos da OMC vivenciam, na prática, uma

ampla discussão sobre lidar ou não, e de que forma, com novos temas que visivelmente

marcam as relações comerciais. O caso dos padrões privados ao comércio ou voluntary

sustainability standards é ilustrativo neste sentido.

Como forma de aprofundar o debate sobre os padrões privados e as regras da OMC,

a análise a seguir tratará de ponderar os dispositivos dos Acordos TBT, SPS e GATT diante

das peculiaridades dos padrões que visam assegurar objetivos fundamentados na proteção do

meio ambiente e de fins ligados a saúde humana, animal e vegetal.

4.3.2 Regras do GATT no contexto dos padrões privados

Antes de avaliar dispositivos do GATT relevantes para o debate sobre padrões

privados, é válido lembrar que o GATT 1947 e a evolução das rodadas de negociações que

culminaram com a criação da OMC ao final da Rodada Uruguai em 1995 estabeleceram as

bases do sistema multilateral de comércio.

O enfoque de se criar regras comuns que visem à liberalização do comércio,

englobando vários temas que vão além da redução tarifária, mas acolhem propriedade

intelectual, medidas sanitárias e fitossanitárias, barreiras técnicas, agricultura, subsídios,

dumping, serviços, dentre outros temas, é notadamente marcado pelo enfoque da não

discriminação.

Evitar a discriminação e a adoção de medidas que possam criar restrições

injustificadas, arbitrárias ou disfarçadas ao comércio de produtos e serviços é um mantra da

OMC que permeia as relações entre seus Membros, o funcionamento de seus órgãos e a

interpretação de seus Acordos e regras pelo OSC. A não discriminação se assenta em dois

241

princípios-base do GATT: a cláusula da nação mais favorecida (Artigo I) e o princípio do

tratamento nacional (Artigo III).

Além disso, o Artigo XI, que trata da eliminação de restrições quantitativas também

é relevante quando se questiona a adoção de tarifas, quotas, licenças e outras medidas que

podem interferir nas relações comerciais.

Por fim, as exceções gerais previstas no Artigo XX do GATT, especificamente em

suas alíneas (b) e (g), são de extrema relevância na medida em que permitem a adoção de

medidas que visem proteger objetivos ambientais. É crucial destacar que o amadurecimento

do sistema multilateral de comércio no tocante à sua relação com temas ambientais tem no

Artigo XX (b) e (g) suas bases, que evoluíram com a criação do Acordos TBT e SPS, bem

como com as discussões que permeiam o CTE e mesmo a Rodada Doha.

Como será visto a seguir, as regras de não discriminação do GATT também estão

presentes nos Acordos especificamente. No TBT, por exemplo, o Artigo 2.1 prevê que as

barreiras técnicas não devem ensejar tratamento menos favorável ao concedido a produtos

similares de origem nacional e produtos oriundos de outros países.

A seguir, será feita uma análise dessas regras diante da interpretação dada pelo OSC,

visando pinçar precedentes e enfoques que possam se relacionar com possíveis futuros casos

relacionados com padrões privados.

4.3.2.1 Cláusula da nação mais favorecida

Como destacado no Capítulo 1, o objetivo da cláusula da nação mais favorecida

(most favoured nation clause – MFN) (Artigo I do GATT) é evitar a discriminação entre

produtos similares e garantir a concessão das mesmas vantagens, favores, privilégios ou

imunidades relativas a tarifas aduaneiras, transferência internacional de pagamentos, sobre os

métodos de aplicação das tarifas ou impostos, sobre as regras e formalidades relativas à

exportação e importação.

Adicionalmente, a não discriminação engloba os parágrafos 2 e 4 do Artigo III, no

tocante a taxas e encargos internos, leis, regulamentos, requerimentos que afetam a venda no

mercado interno, a oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso.

Partindo-se da interpretação literal feita pelos painéis e o Órgão de Apelação, o

Artigo I é analisado quanto ao objetivo e finalidade, âmbito de aplicação, ordem de exame,

vantagens, favores ou privilégios, atribuição de cotas tarifárias, produtos similares, dentre

242

outros elementos que compõem o artigo. Os elementos centrais relevantes para a discussão

sobre padrões privados tratam do objetivo e de produtos similares.

No caso Canada – Certain Measures Affecting the Automotive Industry (Canadá –

Autos), o Japão e as Comunidades Europeias questionaram as medidas que concediam

tratamento diferenciado para veículos vindos de certos países. Ao analisar o objetivo e a

finalidade do Artigo I.1, o OA entendeu que a medida canadense concedia isenção de imposto

de importação para veículos de alguns países que cumpriam certos requisitos de desempenho,

o que contrariava o princípio da não discriminação contido no Artigo I.1.276

Em 1981, o relatório do Painel do caso European Economic Community - Imports of

Beef from Canada examinou se a quota tarifária livre de impostos de carne de alta qualidade

de animais alimentados a pasto era compatível com o Artigo I, em função da exigência de um

certificado de autenticidade. O Painel entendeu que produtos similares oriundos de outros

países, além dos Estados Unidos, não teriam acesso ao mercado europeu, e que a expressão

“Beef graded USDA choice or prime” contemplava os requisitos definidos pela Comunidade

Europeia e poderiam dar um acesso privilegiado dos produtos norte-americanos ao mercado

europeu, ferindo, desta feita, o princípio da não discriminação.277

276 WORLD TRADE ORGANIZATION. Canada – Certain Measures Affecting The Automotive Industry .

WT/DS139/AB/R. WT/DS142/AB/R. 31 May 2000b. “Paragraph 84. The object and purpose of Article I:1 supports our interpretation. That object and purpose is to prohibit discrimination among like products originating in or destined for different countries. The prohibition of discrimination in Article I:1 also serves as an incentive for concessions, negotiated reciprocally, to be extended to all other Members on an MFN basis. Paragraph 85. The measure maintained by Canada accords the import duty exemption to certain motor vehicles entering Canada from certain countries. These privileged motor vehicles are imported by a limited number of designated manufacturers who are required to meet certain performance conditions. In practice, this measure does not accord the same import duty exemption immediately and unconditionally to like motor vehicles of all other Members, as required under Article I:1 of the GATT 1994. The advantage of the import duty exemption is accorded to some motor vehicles originating in certain countries without being accorded to like motor vehicles from all other Members. Accordingly, we find that this measure is not consistent with Canada's obligations under Article I:1 of the GATT 1994.”

277 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. European Economic Community – Imports Of Beef From Canada. Report of the Panel adopted on 10 March 1981. (L/5099 - 28S/92). 1981a. “Paragraph 4.2 (a) The Panel found that products meeting the description in Article 1(1)(d) of Commission Regulation (EEC) Nº2972/79 were "like products" for the purposes of Article I of the General Agreement. The Panel further found that exports of like products of other origin than that of United States were in effect denied access to the EEC market considering that the only certifying agency authorized to certify the meat described in Article 1(1)(d), listed in Annex II of the Commission Regulation, was a United States agency mandated to certify only meat from the United States. Paragraph 4.2 (b) The Panel further found that the mention "Beef graded USDA 'choice', or 'prime' automatically meets the definition above" could accord an advantage to products of United States' origin in so far as other like products were not mentioned in the same manner. The Panel found, however, that only the practical application of the Commission Regulation would make it possible to judge whether this mention in itself was inconsistent with Article I of the General Agreement. Paragraph 4.3 The Panel concluded that Commission Regulation (EEC) No. 2972/79 and its Annex II, in their present form had the effect of preventing access of "like products" from other origin than the United States, thus being inconsistent with the most-favoured-nation principle in Article I of the General Agreement.”

243

Ainda no caso Canadá – Autos, no que concerne à abrangência das medidas –

qualquer vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedida por qualquer Membro – o OA

ressaltou o caráter abrangente da proibição contra quaisquer medidas discriminatórias.

Qualquer vantagem concedida a um ou mais países que possa discriminar produtos similares

de outros países deve ser concedida a todos os Membros sem distinção.278

A abrangência e alcance das medidas é um aspecto relevante quando se considera

medidas de caráter não tarifário que são adotadas no tocante a processos e métodos de

produção, por exemplo.

O entendimento do Painel quanto à relação da MFN e o conceito de produto similar é

outro elemento relevante para a análise proposta. No caso Indonesia – Certain Measures

Affecting the Automobile Industry (Indonésia – Autos), no qual as Comunidades Europeias,

Japão e Estados Unidos questionaram medidas que concediam reduções tarifárias ou isenções

a importação de peças e veículos de luxo baseada em conteúdo local. O Painel entendeu que a

política adotada pela Indonésia era contrária ao Artigo I.1 do GATT porque as vantagens

concedidas às importações provenientes da Coréia do Sul não foram dadas

incondicionalmente a produtos similares de outros países.279

Já no caso United States – Certain Measures Affecting Imports of Poultry from

China, o Painel definiu que as medidas adotadas pelos Estados Unidos no tocante à

importação de produtos de frango criava desincentivos apenas para a China, e concedia

vantagens a qualquer outro país exportador desses produtos.280 O Painel fez uma interpretação

278 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2000b. “ Paragraph 94. We note next that Article I:1 requires that “any

advantage, favour, privilege or immunity granted by any Member to any product originating in or destined for any other country shall be accorded immediately and unconditionally to the like product originating in or destined for the territories of all other Members.” (emphasis added) The words of Article I:1 refer not to some advantages granted “with respect to” the subjects that fall within the defined scope of the Article, but to “any advantage”; not to some products, but to “any product ”; and not to like products from some other Members, but to like products originating in or destined for “all other Members”.

279 WORLD TRADE ORGANIZATION. Indonesia - Certain Measures Affecting the Automobile Industry . Report of the Panel. WT/DS54/R, WT/DS55/R, WT/DS59/R e WT/DS64/R, 1998c. “Paragraph 14.141: We have found in our discussion of like products under Article III:2 that certain imported motor vehicles are like the National Car (8). The same considerations justify a finding that such imported vehicles can be considered like National Cars imported from Korea for the purpose of Article I. We also consider that parts and components imported from the complainants are like imports from Korea. Indonesia concedes that some parts and components are exactly the same for all cars. As to the parts and components which arguably are specific to the National Car, Indonesia does not contest that they can be produced by the complainants’ companies. This fact confirms that the parts and components imported for use in the National Car are not unique. As before, we note in addition that the criteria for benefitting from reduced customs duties and taxes are not based on any factor which may affect per se the physical characteristics of those cars and parts and components, or their end uses. In this regard, we note that past panels interpreting Article I have found that a legislation itself may violate that provision if it could lead in principle to less favourable treatment of the same products.”

280 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2010b. “Paragraph 7.441. No other country was subject to the funding prohibition that Section 727 imposed on China. This means that China is the only WTO Member that is

244

denominada hipotética da expressão produtos similares, levando em conta uma possível

discriminação baseada na origem do produto.

Na prática, a cláusula da nação mais favorecida prevê que os Membros devem

aplicar o mesmo tratamento aos produtos oriundos de todos os países. Caso aplique um

tratamento mais benéfico, deve estender os mesmos benefícios a todos os países. As exceções

à obrigação de aplicar a MFN previstas nos Artigos XXIV (uniões aduaneiras ou acordos

bilaterais e regionais de comércio) e XXV (waiver) do GATT, bem como casos de tratamento

especial e diferenciado onde há concessões tarifárias para países de menor desenvolvimento

relativo são casos excepcionais.

Como destacado por este autor, “[...] pode-se dizer que a cláusula da nação mais

favorecida representava, na realidade, o núcleo do GATT, um denominador comum a partir

do qual as negociações e os compromissos assumidos pelas Partes Contratantes deveriam

gravitar, sob pena de perder de vista o sentido de liberdade comercial.”281

Ao analisar a jurisprudência do OSC sobre o Artigo I, Vera Kanas Grytz e Felipe de

Andrade Krausz destacam que

Tais disposições positivam a obrigação jurídica de manutenção da concorrência entre produtos similares, independentemente de sua origem ou destino, na medida em que ingerências discriminatórias de política comercial, quando instituídas pelos Membros, são proibidas. Exige-se, assim, que a cada Membro sejam concedidas vantagens como se fossem as mais benéficas, simultaneamente à expansão de benefícios negociados aos demais Membros da OMC. Estabelece-se uma implicação automática e direta das concessões bilaterais, que se tornam coletivas, uma vez que todos os Membros, mesmo que não tenham participado diretamente das negociações, adquiram as mesmas vantagens acordadas por aqueles que as negociaram.282

O foco dos Artigos I e III no tocante a tarifas, taxas, regras e formalidades atinentes à

exportação e à importação, vantagens, favores, privilégios ou imunidades que norteiam as

regras do comércio internacional ganha outra dimensão quando se observa a multiplicidade de

denied the advantage that the Panel identified earlier – the opportunity to export poultry products to the United States after the successful completion of the FSIS procedures. Therefore, Section 727 discriminates against China with respect to other WTO Members by denying the above-mentioned advantage, and this discriminatory treatment means that the United States is not extending an advantage "immediately and unconditionally”.

281 LIMA, 2005, p. 38. 282 GRYTZ, Vera Kanas; KRAUSZ, Felipe de Andrade. Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994 (GATT 1994),

Artigo I. In: THORSTENSEN, Vera; OLIVEIRA, Luciana Maria de. Releitura dos Acordos da OMC como Interpretados pelo Órgão de Apelação: efeitos na aplicação das regras do comércio internacional. Disponível em: <http://ccgi.fgv.br/sites/ccgi.fgv.br/files/file/Publicacoes/02%20Acordo%20Geral%20sobre%20Tarifas%20e%20Com%C3%A9rcio%201994%20%28GATT%201994%29.pdf>. Acesso em: 12 set. 2016. p. 13.

245

requisitos feitos diretamente pelos países, com fundamentos na proteção do meio ambiente,

bem como a diversidade de padrões privados.

De um lado, é essencial debater quais são os fundamentos para proteger o meio

ambiente, quais são as justificativas para tanto, e se as medidas são efetivas e necessárias para

atingir os fins a que se destinam. Quais são as políticas internas de proteção da biodiversidade

ou redução de emissões de GEEs adotadas por um Membro que faz exigências dessa natureza

para terceiros países, por exemplo.

Vale questionar se um objetivo ambiental (fim) que visa ser assegurado ou

preservado por um Membro por meio da adoção de padrões (meios) pode impor

discriminação a produtos similares? A discriminação poderia se dar, por exemplo, pela

origem de um produto feito em países que possuem critérios ambientais que o Membro

entende relevante proteger e, que, por essa razão, enseja a adoção de medidas na forma de

padrões.

Os critérios de proteção da biodiversidade adotados pela União Europeia no tocante

aos requisitos de sustentabilidade para biocombustíveis poderiam, por exemplo, causar

discriminação entre países produtores de acordo com as medidas que cada país adota para

proteger a biodiversidade ou em função dos elementos que, de acordo com os critérios

europeus, qualificam ou não um biocombustível a ser importado por um operador em um dos

países membros?

4.3.2.2 Princípio do tratamento nacional

Juntamente com a MFN, o princípio do tratamento nacional compõe a base da não

discriminação sobre a qual o GATT 1947 e a OMC foram alicerçadas.

Enquanto a MFN cuida de obrigar tratamento não menos favorável aos produtos similares das Partes Contratantes, o princípio do tratamento nacional busca obstar a discriminação dos produtos similares quando já no mercado do importador, seja pela imposição de taxas ou outros regulamentos governamentais.283

Como destacado no Capítulo 1, os Artigos III.1, III.2 e III.4284 proíbem a

discriminação entre produtos nacionais e similares importados no tocante a tributos, taxas,

283 LIMA, 2005, p. 38. 284 Sobre artigos III.1, III.2 e III.4 do GATT, conferir: WORLD TRADE ORGANIZATION. The General

Agreement on Tariffs and Trade (GATT 1947). Disponível em: <https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/gatt47_01_e.htm#articleIII>. Acesso em 28 mar. 2016e.

246

leis, regulamentações e requerimentos que afetem a venda no mercado interno e a importação

de produtos similares. A concessão de tratamento menos favorável a produtos similares

importados, favorecendo os similares de origem nacional é expressamente vedada e pode, na

prática, se dar pela imposição de taxas, tarifas, requisitos de embalagens, selos e até mesmo,

critérios aplicados mediante padrões privados.

O conceito de produtos similares é relevante para compreender o alcance dos Artigos

I e III, bem como medidas adotadas com base no Acordo TBT. Ainda no âmbito do GATT,

no painel Spain – Tariff Treatment Of Unroasted Coffee, o Brasil questionou a política

espanhola que criou tarifas preferenciais para alguns tipos de café não torrado (“Colombian

mild,” “other mild” ) enquanto os tipos “unwashed Arabica”, “ Robusta” e “other” tinham

uma tarifa 7% ad valorem. O Painel entendeu que o GATT não impõe modelos de

classificação dos produtos, mas, sim, exige que o mesmo tratamento tarifário deve ser

concedido a produtos similares.285

É essencial ponderar que a análise da similaridade de produtos deve ser feita caso a

caso. O Painel no caso United States – Measures Affecting Alcoholic And Malt Beverages

definiu que a análise da similaridade entre produtos deve levar em conta as características

físicas, mas também ponderar os propósitos do Artigo III no sentido de assegurar que tributos

internos, leis e regulamentos não fossem aplicados a produtos domésticos e importados com

vistas a garantir proteção para a produção doméstica.286

285 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Spain – Tariff Treatment Of Unroasted Coffee.

Report of the Panel adopted on 11 June 1981 (L/5135 - 28S/102). 1981b. Paragraph 4.6: “The Panel examined all arguments that had been advanced during the proceedings for the justification of a different tariff treatment for various groups and types of unroasted coffee. It noted that these arguments mainly related to organoleptic differences resulting from geographical factors, cultivation methods, the processing of the beans, and the genetic factor. The Panel did not consider that such differences were sufficient reason to allow for a different tariff treatment. It pointed out that it was not unusual in the case of agricultural products that the taste and aroma of the end-product would differ because of one or several of the above-mentioned factors. Paragraph 4.10 – The Panel further noted that Brazil exported to Spain mainly "unwashed Arabica" and also Robusta coffee which were both presently charged with higher duties than that applied to "mild" coffee. Since these were considered to be "like products", the Panel concluded that the tariff régime as presently applied by Spain was discriminatory vis-à-vis unroasted coffee originating in Brazil.”

286 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE, 1992. Paragraph 5.72: “The Panel recognized that the treatment of imported and domestic products as like products under Article III may have significant implications for the scope of obligations under the General Agreement and for the regulatory autonomy of contracting parties with respect to their internal tax laws and regulations: once products are designated as like products, a regulatory product differentiation, e.g. for standardization or environmental purposes, becomes inconsistent with Article III even if the regulation is not "applied ... so as afford protection to domestic production". In the view of the Panel, therefore, it is imperative that the like product determination in the context of Article III be made in such a way that it not unnecessarily infringe upon the regulatory authority and domestic policy options of contracting parties. The Panel recalled its earlier statement that a like product determination under Article III does not prejudge like product determinations made under other Articles of the General Agreement or in other legislative contexts”.

247

A jurisprudência do GATT sobre o conceito de produtos similares é extensa.287 Já na

década de 1970, o debate sobre quais critérios devem ser utilizados para apontar a

similaridade entre produtos ganhou força no âmbito do Working Party Report on Border Tax

Adjustments. A análise deve ser feita caso a caso e considerar aspectos como uso final dos

produtos, gostos e hábitos dos consumidores, propriedade, natureza e qualidade dos produtos:

No que diz respeito à interpretação do termo “produtos similares”, que ocorre dezesseis vezes ao longo do Acordo Geral, é preciso considerer que considerável discussão já foi feita … e que nenhum aprimoramento sobre o termo foi alcançado. O Grupo de Trabalho concluiu que os problemas resultantes da interpretação dos termos devem ser examinados caso-a-caso. Isso permitiria uma avaliação justa em cada caso dos diferentes elementos que constituem um produto similar. Alguns critérios foram sugeridos para determinar, caso a caso, se um produto é "semelhante": utilizações finais do produto em um determinado mercado; gostos e hábitos dos consumidores, que mudam de país para país; as propriedades do produto, natureza e qualidade.288

No entanto, foi com base nas controvérsias julgadas pelo OSC que se definiram

critérios objetivos para tratar da expressão like products. Como destacado no Capítulo 1,

vários casos levados ao OSC trataram do debate sobre produtos similares. Os critérios

definidos para avaliar a similaridade devem considerar quatro aspectos: a) propriedades,

natureza e qualidade dos produtos; b) a finalidade dos produtos (end-uses); c) os gostos,

hábitos, percepções e comportamento dos consumidores; d) classificação tarifária dos

produtos.

A análise da jurisprudência com o propósito de definir possíveis parâmetros relativos

aos padrões privados merece atenção no tocante à definição de produtos similares com base

em demandas dos consumidores. Isso por que exigências trazidas por padrões com fins

ambientais podem ensejar discriminação entre produtos que, em princípio, são caracterizados

como similares com base em suas propriedades e finalidades, mas não necessariamente

quanto a hábitos e percepções dos consumidores. 287 Para uma análise detalhada da jurisprudência do GATT 1947 sobre o Artigo III, consultar: WORLD TRADE

ORGANIZATION. Article III – National treatment on internal taxation and regulation. In: ______. Analytical Index of the GATT . p. 121-207. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/gatt_ai_e/art3_e.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016b.

288 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Report by the Working Party Report on Border Tax Adjustments. L/3464. 20 November 1970. Paragraph 18. Tradução nossa: “With regard to the interpretation of the term ‘like or similar products’, which occurs some sixteen times throughout the General Agreement, it was recalled that considerable discussion had taken place . . . but that no further improvement of the term had been achieved. The Working Party concluded that problems arising from the interpretation of the terms should be examined on a case-by-case basis. This would allow a fair assessment in each case of the different elements that constitute a ‘similar’ product. Some criteria were suggested for determining, on a case-by-case basis, whether a product is ‘similar’: the product's end-uses in a given market; consumers' tastes and habits, which change from country to country; the product's properties, nature and quality.”

248

Nesse sentido, é válido destacar o entendimento do OA no caso EC – Measures

Affecting Asbestos and Products Containing Asbestos, para o qual a similaridade entre os

produtos contendo fibras de asbestos e outros produtos similares (PVA, produtos de fibras de

vidro e celulose “PCG”) necessariamente deveria considerar além dos aspectos relativos a

propriedades físicas, finalidade e classificação tarifária, os gostos e hábitos dos consumidores.

Os riscos à saúde associados aos produtos contendo asbestos influenciavam o

comportamento dos consumidores e poderiam influir no mercado dos produtos. Para o OA, os

potenciais riscos à saúde não eram desprezíveis e deveriam ser considerados na análise de

similaridade. Nesse sentido, o OA reverteu o entendimento do Painel de que os produtos com

fibras de asbestos eram similares a produtos com fibras de celulose e vidro.289

A caracterização de similaridade entre dois produtos é essencial para avaliar a

adequação de uma medida aos Artigos I e III. No entanto, é preciso que, além da similaridade,

a medida enseje tratamento menos favorável. Esse foi o entendimento do OA no caso EC –

Measures Affecting Asbestos and Products Containing Asbestos bem como no caso EC –

Approval and Marketing of Biotech Products.

Neste último caso, a Argentina questionou as políticas europeias no tocante ao

processo de avaliação e aprovação de produtos derivados da biotecnologia. Embora tenha

alegado que as políticas concediam tratamento menos favorável aos produtos da

biotecnologia, o Painel entendeu que a Argentina não alegou a discriminação com base na

origem dos produtos, mas sim na percepção entre a diferença entre produtos transgênicos e

não transgênicos no tocante a sua segurança.290

289 WORLD TRADE ORGANIZATION. European Communities – Measures Affecting Asbestos and

Asbestos-Containing Products. WT/DS135/AB/R. 12 March 2001b, Paragraphs 109-126. 290 WORLD TRADE ORGANIZATION. European Communities – Measures Affecting the Approval and

Marketing of Biotech Products. Reports of the Panel. WT/DS291/R; WT/DS292/R; WT/DS293/R. 29 September 2006. “Paragraph 7.2513 – In considering Argentina's contention, the first thing to be observed is that Argentina has not provided specific factual information about the treatment accorded by the European Communities to the non-biotech products which Argentina considers to be like the biotech products at issue. It appears to be Argentina's contention, however, that these non-biotech products may be marketed in the European Communities, whereas the relevant biotech products may not be marketed. Paragraph 7.2514 - At any rate, even if it were the case that, as a result of the measures challenged by Argentina, the relevant imported biotech products cannot be marketed, while corresponding domestic non-biotech products can be marketed, in accordance with the aforementioned statements by the Appellate Body this would not be sufficient, in and of itself, to raise a presumption that the European Communities accorded less favourable treatment to the group of like imported products than to the group of like domestic products. We note that Argentina does not assert that domestic biotech products have not been less favourably treated in the same way as imported biotech products, or that the like domestic non-biotech varieties have been more favourably treated than the like imported non-biotech varieties. In other words, Argentina is not alleging that the treatment of products has differed depending on their origin. In these circumstances, it is not self-evident that the alleged less favourable treatment of imported biotech products is explained by the foreign origin of these products rather than, for instance, a perceived difference between biotech products and non-biotech products in terms of their safety, etc. In our view, Argentina has not adduced argument and evidence

249

No caso Canada – Certain Measures Affecting the Automotive Industry, o Painel

entendeu que uma medida pode ser sujeita ao Artigo III.4 mesmo que seu cumprimento não

seja obrigatório. Japão e Comunidade Europeia questionaram a isenção de imposto de

importação para certos fabricantes juntamente com os requisitos do Canadian Value Added e

requisitos de produção baseados nas vendas.291

Apesar de tratar de uma isenção de imposto que ensejou tratamento menos favorável,

este aspecto da interpretação do Painel é interessante pois contempla a possibilidade de que

outras medidas, não necessariamente baseadas em regulamentações, possam ser questionadas

com base no Artigo III.4.

Mais relevante ainda, o Painel examinou a consistência dos compromissos

assumidos pelas empresas montadoras de veículos em suas cartas dirigidas ao governo

canadense para promover a agregação de valor à produção de veículos, e se a ação de

partes privadas correspondia ao conceito de requerimentos (“requirement”) diante do

Artigo III.4.292

O fato de a política canadense incentivar as empresas produtoras de carro a adotar

certas práticas é relevante como forma de ponderar que medidas adotadas pelos Membros

podem incentivar e/ou coibir ações de atores privados. Este aspecto é de extrema relevância

para o debate sobre padrões privados.

Adicionalmente, é importante pontuar que, quando a única característica que

distingue dois produtos é a origem, a similaridade fica comprovada.293

Além destes pontos, é válido ponderar o fato de que, perante o GATT, os Membros

da OMC é que devem atenção e respeito ao cumprimento de suas regras e não atores

privados.294 Este entendimento poderia, por um lado, afastar uma alegação de quebra do

sufficient to raise a presumption that the alleged less favourable treatment is explained by the foreign origin of the relevant biotech products.”

291 WORLD TRADE ORGANIZATION. Canada – Certain Measures Affecting the Automotive Industry . Report of the Panel. WT/DS139/R; WT/DS142/R. 11 February 2000a. Paragraph 10.73. “Paragraph 10.73 - We note that it has not been contested in this dispute that, as stated by previous GATT and WTO panel and appellate body reports, Article III:4 applies not only to mandatory measures but also to conditions that an enterprise accepts in order to receive an advantage, including in cases where the advantage is in the form of a benefit with respect to the conditions of importation of a product. The fact that compliance with the CVA requirements is not mandatory but a condition which must be met in order to obtain an advantage consisting of the right to import certain products duty-free therefore does not preclude application of Article III:4.”

292 Ibidem, Paragraph 10.123. 293 Relatório do Painel nos casos Canada – Autos, Turkey – Rice, China – Auto Parts, China – Publications and

Audiovisual Products, Thailand – Cigarettes. 294 The broad purpose of Article III of avoiding protectionism must be remembered when considering the

relationship between Article III and other provisions of the WTO Agreement. Although the protection of negotiated tariff concessions is certainly one purpose of Article III, the statement in Paragraph 6.13 of the Panel Report that "one of the main purposes of Article III is to guarantee that WTO Members will not undermine

250

princípio do tratamento nacional por uma medida baseada em um padrão privado. No entanto,

é válido mencionar, como será visto adiante, que Os Acordos TBT e SPS possuem previsões

que exigem que os Membros adotem medidas para prevenir que atores não governamentais

ajam contrariamente às suas regras.

A limitação aparente do Artigo III a concessões tarifárias e outras medidas

regulatórias decorre, em parte, do próprio momento histórico da criação do princípio do

tratamento nacional. Parece natural que a leitura do princípio nos dias de hoje contemple as

chamadas barreiras não tarifárias sob o contexto de “ internal regulatory measures”. A grande

questão que se coloca é até que medida o princípio pode acolher ou não padrões privados que

criam discriminação entre produtos similares.

4.3.2.3 Restrições quantitativas do Artigo XI

Dentre as regras criadas pelo GATT 1947 que tratam de eventuais barreiras adotadas

indiscriminadamente pelos Membros, vale ressaltar o Artigo XI.1, que trata da eliminação de

restrições quantitativas:

Nenhuma Parte Contratante instituirá ou manterá, para a importação de um produto originário do território de outra Parte Contratante, ou para a exportação ou venda para exportação de um produto destinado ao território de outra Parte Contratante, proibições ou restrições a não ser direitos alfandegários, impostos ou outras taxas, quer a sua aplicação seja feita por meio de contingentes, de licenças de importação ou exportação, quer por outro qualquer processo.295

Em casos específicos, restrições são permitidas, como em quando é necessário

prevenir ou remediar situações críticas ligadas a falta de alimentos e outros produtos

essenciais, ou aplicação de padrões e regulamentações referentes ao controle de qualidade.

Mas isso não exime o Membro de cumprir com as obrigações oriundas dos Acordos.

through internal measures their commitments under Article II" should not be overemphasized. The sheltering scope of Article III is not limited to products that are the subject of tariff concessions under Article II. The Article III national treatment obligation is a general prohibition on the use of internal taxes and other internal regulatory measures so as to afford protection to domestic production. This obligation clearly extends also to products not bound under Article II. This is confirmed by the negotiating history of Article III.

295 Artigo XI do GATT 1947: “No prohibitions or restrictions other than duties, taxes or other charges, whether made effective through quotas, import or export licences or other measures, shall be instituted or maintained by any contracting party on the importation of any product of the territory of any other contracting party or on the exportation or sale for export of any product destined for the territory of any other contracting party.” (Tradução nossa).

251

No caso Japan – Trade in Semi-conductors, julgado no âmbito do GATT, o Painel

analisou orientações administrativas não obrigatórias que interferiam no comércio de

semicondutores, e entendeu que o Artigo XI abrange, de forma mais ampla, medidas adotadas

pelo Japão, independentemente do seu status legal.296

Com o objetivo de ponderar se as medidas não mandatórias poderiam ser

compreendidas como uma contradição ao Artigo XI, o Painel estabeleceu dois critérios de

análise: a) se existia boas razões para acreditar que havia suficientes incentivos ou

desincentivos para que medidas não mandatórias fossem adotadas; b) a operação das medidas

visando restringir a exportação de semicondutores a preços abaixo dos custos de algumas

companhias era essencialmente dependente da ação ou interferência do governo.

Após ponderar os fatos, o Painel concluiu que as complexas medidas constituíam um

coerente sistema por meio do qual o governo japonês exercia pressão sobre o setor privado a

fim de evitar exportações abaixo dos custos de produção de certas empresas.

Diante do debate de padrões privados, este caso é relevante na medida em que o

Painel entendeu que medidas não mandatórias, mas que de alguma forma são adotadas ou

sofrem interferência do governo, e que envolvem diretamente atores privados, podem ser

condenadas diante do Acordo XI do GATT.297

Ainda no contexto das controvérsias do GATT, o Painel no caso Japan – Restrictions

on Imports of Certain Agricultural Products entendeu que orientações administrativas

informais utilizadas pelo governo japonês para restringir a produção de produtos agrícolas

poderiam ser consideradas medidas governamentais de acordo com o Artigo XI.2.298

296 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Japan – Trade in Semi-conductors. Report of

the Panel, Paragraph 106: “The Panel concluded that the complex of measures constituted a coherent system restricting the sale for export of monitored semi-conductors at prices below company-specific costs to markets other that the United States, inconsistent with Article XI.1.he Panel then examined the contention of the Japanese Government that the measures complained of were not restrictions within the meaning of Article XI:1 because they were not legally binding or mandatory. In this respect the Panel noted that Article XI:1, unlike other provisions of the General Agreement, did not refer to laws or regulations but more broadly to measures. This wording indicated clearly that any measure instituted or maintained by a contracting party which restricted the exportation or sale for export of products was covered by this provision, irrespective of the legal status of the measure.”

297 Ibidem, Paragraph 108: “The Panel recognized that not all non-mandatory requests could be regarded as measures within the meaning of Article XI:1. Government-industry relations varied from country to country, from industry to industry, and from case to case and were influenced by many factors. There was thus a wide spectrum of government involvement ranging from, for instance, direct government orders to occasional government consultations with advisory committees. The task of the Panel was to determine whether the measures taken in this case would be such as to constitute a contravention of Article XI.”

298 GENERAL AGREEMENT ON TARIFFS AND TRADE. Japan - Restrictions On Imports Of Certain Agricultural Products . Report of the Panel adopted on 2 February 1988 (L/6253 – 35S/163), Paragraph 5.4.1.4: “Although the Panel had some difficulty during its initial proceedings in establishing the exact nature of the domestic restrictions, Japan fully cooperated in providing the necessary detailed information, from which it became clear that the measures did in fact emanate from the government. As regards the method

252

Já no âmbito do OSC, o Painel no caso Japan – Measures Affecting Consumer

Photographic Film and Paper mencionou o entendimento do Painel no caso Japan – Trade in

Semi-conductors no sentido de que, embora uma medida possa ser considerada não

mandatória, pode violar o Artigo XI do GATT.299

Apesar do fato de que medidas fundamentadas por orientações ou documentos não

vinculantes relacionados ao governo podem ser consideradas contrárias ao Artigo XI do

GATT, é fundamental que exista algum nível de envolvimento governamental na criação ou

aplicação da medida.

No tocante ao Artigo III.4, que será visto a seguir, nos casos Korea – Various

Measures on Beef 300 e China – Publications and Audiovisual Products301 confirmaram a

necessidade de um mínimo envolvimento governamental no tocante a medidas não

mandatórias que interfiram no comércio como forma de confirmar possível quebra do

princípio do tratamento nacional.

Como ressalta Manuela Kirschner Amaral,

No âmbito do GATT 1994, as condutas de entes privados têm sido atribuídas ao Estado sem muita polemica. A extensão desse entendimento do Acordo TBT contribuirá sobremaneira para a responsabilização do Estado quanto a medidas técnicas restritivas ao comércio.302

Pode-se dividir o envolvimento governamental na elaboração de padrões em três

categorias: i) quando o governo participa diretamente da elaboração de um padrão e/ou requer

seu cumprimento em certas políticas públicas; ii) quando apesar de não participar da elaboração

o governo incentiva e promove o uso dos padrões; e iii) quando o governo expressamente

used to enforce these measures the Panel found hat the practice of "administrative guidance" played an important role. Considering that this practice is a traditional tool of Japanese Government policy based on consensus and peer pressure, the Panel decided to base its judgments on the effectiveness of the measures in spite of the initial lack of transparency. In view of the special characteristics of Japanese society the Panel wishes, however, to stress that its approach in this particular case should not be interpreted as a precedent in other cases where societies are not adapted to this form of enforcing government policies.”

299 WORLD TRADE ORGANIZATION. Japan – Measures Affecting Consumer Photographic Film and Paper. Report of the Panel, WT/DS44/R 31 March 1998e. Paragraph 10.45.

300 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016h, Paragraph 149. 301 WORLD TRADE ORGANIZATION. China – Measures Affecting Trading Rights And Distribution

Services For Certain Publications And Audiovisual Entertainment Products. Report of the Panel. WT/DS363/R. 12 August 2009a, Paragraph 7.1693: “The United States has not been able to demonstrate that China's regulation and rules either de jure or de facto create the distribution duopoly. In other words, the United States has not established that the distribution duopoly is attributable to China. As the duopoly is not attributable to China it is not a "measure" of another Member that can be challenged before the WTO dispute settlement system.

302 AMARAL, Manuela Kirschner do. Padrões Privados e outras Fontes Não Tradicionais de Governança no Âmbito dos Regimes de Mudança Climática e Multilateral de Comércio da OMC: Conflito ou Convergência? 2014. 312 f. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Brasília, 2014. p. 272.

253

reconhece padrões como equivalentes a requisitos internos e exige que seus operadores

comprovem o cumprimento de padrões para poder produzir e/ou importar produtos.

4.3.2.4 As exceções gerais do Artigo XX (b) e (g)

A possibilidade de um Membro adotar medidas que restrinjam o comércio em função

do objetivo de proteger fins ambientais tem como base o Artigo XX (b) e (g) do GATT. As

chamadas exceções gerais, na prática, significaram a porta de entrada para analisar a

adequação ou não de medidas de caráter ambiental no antigo GATT.

Como destacado no Capítulo 1, o escopo das exceções gerais no tocante a meio

ambiente abrange a adoção de medidas necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas

e dos animais e à preservação dos vegetais (Alínea b) e medidas relativas à conservação dos

recursos naturais esgotáveis, se tais medidas forem aplicadas conjuntamente com restrições à

produção ou ao consumo nacionais (Alínea g).

Para que possam ser aplicadas sem contrariar as regras do GATT-OMC, as medidas

devem evitar criar discriminação arbitrária ou injustificável, ou criar restrições disfarçadas ao

comércio. Em síntese, a medida precisa ser necessária para atingir os objetivos que pretende, e

razoavelmente fundamentada.

Atingir o cumprimento de objetivos ambientais é tema marcante dos padrões privados.

Dentre os princípios, critérios e indicadores que compõem certos padrões no tocante a questões

ambientais, é possível delinear objetivos como assegurar níveis máximos de emissão de GEEs,

conservação da biodiversidade, uso racional da água, controle da poluição. Neste sentido, é válido

argumentar que um padrão contempla várias medidas e que cada uma deve, em linha com o

Artigo XX, ser minimamente fundamentada e, consequentemente, justificada.

Como bem ressaltado por Gabriele Marceau,

A comunidade internacional tem identificado o problema como suficientemente sério, para efetuar uma resposta internacional, com o argumento que medidas que aprofundem esses objetivos são baseadas em motivações ambientais. Isto é especialmente verdadeiro com o novo “teste de necessidade”, desenvolvido pelo órgão de Apelação. que deixa explícito que analisar se as medidas se qualificam para os propósitos do Artigo XX (b), envolvendo um processo de mensurar uma série de fatores, os quais incluem a importância de interesses comuns ou valores protegidos pela medida, sua eficácia em perseguir políticas voltadas para acompanhar impactos na Lei ou regulação em importações e exportações. O Órgão de Apelação afirmou que a política mais vital e importante está voltada para este propósito. O fato da tal medida ser aplicada de acordo com o framework traçado naquele tratado ambiental, também pode ser pertinente para analisar

254

se a medida foi aplicada em conformidade com as provisões do caput do Artigo XX, já que a função do painel é avaliar se a medida foi aplicada com boa fé e não sendo confundida como restrição ao comércio internacional.303

A necessidade e a razoabilidade das medidas são requisitos indispensáveis diante do

Artigo XX, que na prática são aspectos centrais do Acordo SPS e, de forma menos explícita,

do Acordo TBT, como será visto adiante.

No caso Korea – Various Measures on Beef, o Painel definiu que, para se ponderar a

necessidade de uma medida é preciso balancear uma série de fatores que incluem a

contribuição assegurada pela medida em questão, a importância dos interesses e valores

comuns que visa proteger, bem como o impacto da regulamentação que impõe a medida sobre

as importações e exportações.304

Essa ponderação de fatores para ajudar a definir se uma medida é necessária ou não

soma-se a determinação do quanto a medida é restritiva a fim de definir se na verdade, a

medida em questão é a menos restritiva para atingir um objetivo pretendido.

No caso EC – Asbestos, o OA, citou o enfoque de “weighing and balancing process”

adotado pelo Painel no caso Korea – Various Measures on Beef, como parte fundamental da

análise da compatibilidade de uma medida diante do Artigo XX (b). O nível de proteção

adotado pela França para proteger a vida e a saúde humana no tocante ao uso de produtos que

continham asbestos.305

303 MARCEAU, 2001, p. 1.098. Tradução nossa: “That the international community has identified an

environmental problem as sufficiently serious to warrant an international response lends weight to a claim that a measure that furthers its goals is based on environmental motivations. This is especially true with the new "necessity test" developed by the Appellate Body, where it was nude clear that assessing whether a measure qualifies for the purpose of Article XX(b) involves a process of weighing and balancing a series of factors which include the importance of the common interests or values protected by the n1easure, the efficacy of such measure in pursuing the policies aimed at, and the accompanying impact (trade restrictiveness) of the law or regulation on imports or exports. The Appellate Body stated that the more vital or important the policies aimed at, the easier it would be to accept as "necessary" a measure designed for that purpose. The fact that the said measure is applied in accordance with the framework set out in that MEA can also be of some relevance in assessing whether the measure was applied in compliance with the provisions of the chapeau of Article XX, since the function of the panel is ta assess whether the measure is applied in good faith without being a disguised restriction on international trade.”

304 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016h. “Paragraph 164. In sum, determination of whether a measure, which is not "indispensable", may nevertheless be "necessary" within the contemplation of Article XX(d), involves in every case a process of weighing and balancing a series of factors which prominently include the contribution made by the compliance measure to the enforcement of the law or regulation at issue, the importance of the common interests or values protected by that law or regulation, and the accompanying impact of the law or regulation on imports or exports.”

305 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2001b, p. 63.“Paragraph 172. We indicated in Korea – Beef that one aspect of the "weighing and balancing process … comprehended in the determination of whether a WTO-consistent alternative measure" is reasonably available is the extent to which the alternative measure "contributes to the realization of the end pursued". In addition, we observed, in that case, that "[t]he more vital or important [the] common interests or values" pursued, the easier it would be to accept as "necessary" measures designed to achieve those ends. In this case, the objective pursued by the measure is the

255

No caso Brazil – Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres, no qual a União

Europeia questionou as restrições brasileiras à importação de pneus recauchutados, alegando

que as medidas eram mais restritivas do que o necessário para assegurar a proteção do meio

ambiente e da saúde, o Órgão de Apelação manteve o entendimento do Painel no sentido de

afirmar que as alternativas propostas pela UE como forma de evitar uma barreira não eram

razoáveis diante dos objetivos que a medida visava proteger.306

Como ressaltou o OAP, a contribuição que a medida traz para efetivamente atingir o

objetivo que pretende é essencial na ponderação do quanto é necessária. Essa contribuição

existe quando há uma evidente relação de fins e meios entre o objetivo pretendido e a medida

adotada para alcançá-lo. Para ser necessária, uma medida não precisa ser indispensável. No

entanto, sua contribuição para atingir os objetivos deve ser material, não meramente marginal

ou insignificante, especialmente se a medida é tão restritiva como uma barreira à importação.

Como um componente essencial de uma política compreensiva que visa reduzir os riscos oriundos do acúmulo de restos de pneus, a barreira a importação produz uma contribuição material para realizar o objetivo a que se propõe. Como o Painel, nós consideramos que esta contribuição é suficiente para concluir que a barreira à importação é necessária, na ausência de alternativas disponíveis que sejam razoáveis.307

A contribuição material da medida diante dos objetivos que visa assegurar é um

elemento essencial para o “teste de necessidade” do Artigo XX.

No caso Thailand – Customs And Fiscal Measures On Cigarettes From The

Philippines, o Artigo XX (d) foi arguido como justificativa para descumprir o Artigo III.4

(tratamento nacional). Para o OA, no entanto, quando o tratamento menos favorável a um

produto se assenta em diferenças nas regras para produtos importados e produtos similares

domésticos, a análise da defesa, com base no Artigo XX (d), deve ponderar se as diferenças

nas regras são realmente necessárias para assegurar o cumprimento de regras que não violem

o GATT.308

preservation of human life and health through the elimination, or reduction, of the well-known, and life-threatening, health risks posed by asbestos fibres. The value pursued is both vital and important in the highest degree. The remaining question, then, is whether there is an alternative measure that would achieve the same end and that is less restrictive of trade than a prohibition.”

306 WORLD TRADE ORGANIZATION. Brazil – Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres. Report of the Appellate Body. WT/DS332/AB/R. 3 December 2007. Paragraph 151.

307 Ibidem, Paragraph 210. 308 WORLD TRADE ORGANIZATION. Thailand – Customs And Fiscal Measures On Cigarettes From

The Philippines. Report of the Appellate Body. WT/DS371/AB/R. 17 June 2011c. “Paragraph 177: A Member will successfully discharge that burden and establish its Article XX(d) defence upon demonstration of three key elements, namely: (i) that the measure at issue secures compliance with "laws or regulations" that are themselves consistent with the GATT 1994; (ii) that the measure at issue is "necessary" to secure

256

A jurisprudência do Artigo XX (b) e (g) é extensa e permite afirmar que medidas que

visam proteger o meio ambiente e a saúde podem ser adotadas pelos Membros, mesmo que

criem restrições ou mesmo barreiras ao comércio. No entanto, não se pode justificar uma

quebra a outras obrigações presentes nos Acordos da OMC com fundamento puro e simples

nas exceções do Artigo XX.

Neste sentido, é sempre essencial retomar o caput do Artigo XX:

Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante, das medidas:309 (grifo nosso)

Como sustenta Fernando Antônio Wanderley Cavalcanti Júnior, o equilíbrio

dinâmico entre os objetivos comerciais e não comerciais é operado por meio das

condicionantes presentes no Artigo XX e pelo adensamento trazido pela jurisprudência do

OSC quando as medidas de exceção. Para o autor,

[...] o OA evidencia que o sistema multilateral de comércio não adota balizas fixas ou rígidas sobre o limite da autonomia dos Membros para os objetivos não comerciais. Ao avaliar os fatores como a importância relativa do objetivo perseguido, a contribuição efetiva da medida para a consecução desse objetivo e a existência de medidas alternativa menos restritivas ao comércio, a jurisprudência da OMC demonstra que a medida exata para equilibrar objetivos não comerciais e comerciais no sistema multilateral de comércio deve ser delimitada caso a caso, dependendo das circunstâncias específicas que envolvem a política não comercial em questão, seus impactos sobre o comércio internacional e o seu modo de execução.310

Juntamente com a cláusula da nação mais favorecida e o princípio do tratamento

nacional, o caput do Artigo XX trata das obrigações de não discriminação que permeiam

todos os Acordos da OMC.

such compliance; and (iii) that the measure at issue meets the requirements set out in the chapeau of Article XX. Furthermore, when Article XX(d) is invoked to justify an inconsistency with Article III:4, what must be shown to be "necessary" is the treatment giving rise to the finding of less favourable treatment. Thus, when less favourable treatment is found based on differences in the regulation of imports and of like domestic products, the analysis of an Article XX(d) defence should focus on whether those regulatory differences are "necessary" to secure compliance with "laws or regulations" that are not GATT-inconsistent.”

309 Caput do Artigo XX do GATT: “Subject to the requirement that such measures are not applied in a manner which would constitute a means of arbitrary or unjustifiable discrimination between countries where the same conditions prevail, or a disguised restriction on international trade, nothing in this Agreement shall be construed to prevent the adoption or enforcement by any contracting party of measures:”

310 CAVALCANTI JÚNIOR, Fernando Antônio Wanderley. O Artigo XX do GATT e a persecução de objetivos não comerciais pelos Membros da OMC: um equilíbrio dinâmico. In: BENJAMIN, Daniela Arruda (Org.). O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC: uma perspectiva brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2013. p. 397-416. p. 415.

257

O Acordo TBT, por exemplo, é explícito em permitir a adoção de medidas que visam

proteger o meio ambiente, desde que não criem obstáculos desnecessários ao comércio

internacional, não ensejem tratamento menos favorável do que o concedido a produtos

similares de origem nacional e de outros países e não sejam mais restritivos ao comércio do

que o necessário para atingir um objetivo legítimo (preâmbulo e Artigo 2.2 do Acordo TBT).

Perante o Acordo SPS, as medidas não devem constituir discriminação arbitrária ou

injustificável entre Membros em situações em que prevaleçam as mesmas condições e não

constituam restrições veladas ao comércio (preâmbulo e Artigo 2.2 do Acordo SPS).

Adicionalmente, uma medida sanitária ou fitossanitária deve ser aplicada apenas na

medida necessária para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal, deve se basear

em princípios científicos e não ser mantida sem evidências científicas suficientes. Por fim,

devem ser baseadas em avaliação, adequada às circunstâncias, dos riscos à vida ou à saúde

humana, animal ou vegetal.

Não se pode pressupor que uma medida é necessária sem que existam fundamentos

para tanto. No caso dos requisitos de sustentabilidade para biocombustíveis da União

Europeia, pode-se argumentar que os critérios para delimitar as áreas denominadas high

biodiversity grassland são necessários para atingir o nível apropriado de proteção ambiental

no tocante à conservação de biodiversidade.

Ou que os critérios para identificação, rastreabilidade e alimentação de vacas leiteiras

do GlobalG.A.P seguem as obrigações do Acordo SPS e, por isso, necessárias para atingir os

níveis de saúde animal e segurança dos alimentos determinados pela GlobalG.A.P.

Os padrões que buscam promover desmatamento zero ou desmatamento líquido zero

ao longo das cadeias produtivas podem gerar uma análise interessante diante do Artigo XX

(b) ou (g). A despeito de argumentos de que padrões privados ficam de fora das obrigações da

OMC, hipótese questionada por esta pesquisa, há que se reconhecer que a necessidade de uma

barreira total a qualquer tipo de desmatamento, mesmo permitido pelo Membro onde o

produto é produzido, pode ser amplamente discutida. A razoabilidade de uma medida desta

natureza, e a possibilidade de que crie discriminação entre produtos similares com base na

origem do produto importado parece bastante factível.

Duncan Brack sustenta que as regras da OMC se aplicam tão somente aos governos

dos países, e os atores privados possuem total liberdade para controlar suas cadeias de

suprimento. Os governos podem ter um papel importante ao apoiar iniciativas do setor

privado e da indústria que promovem a produção e o consumo sustentável sem ter

258

implicações perante as regras da OMC. Como exemplos, cita o compromisso de

desmatamento líquido zero, adotado no âmbito do Consumer Goods Forum, e iniciativas de

certificação.311

É importante ressaltar que, como os padrões privados contemplam uma série de

critérios, a análise da necessidade de cada um perante os objetivos que visam atingir seria

requerida no caso de um painel questionando uma restrição. Não se pode considerar o padrão

como um todo, mas, sim, seus princípios, critérios e indicadores. A medida em questão

(measure at issue) seria o padrão com os critérios que causam restrição.

Vale lembrar que, no caso de um painel, os Membros podem argumentar

descumprimento de várias obrigações da OMC. Não é possível prejulgar se no tocante a

padrões com fins ambientais os argumentos tocariam primeiro no Artigo XX (b) ou (g) ou no

Artigo 2.2 do TBT. Independentemente, é possível afirmar que a medida precisaria se provar

necessária para atingir os fins a que se propõe, bem como comprovar que não cria restrições

disfarçadas ao comércio.

Por fim, é interessante observar que medidas com base no Artigo XX podem buscar

justificar ações em territórios de outros Membros.

No relatório do Painel, no caso United States – Restrictions on Imports of Tuna, o

qual não foi adotado, foram examinadas provisões da Marine Mammal Protection Act que

proibia a importação de atum albacora (yellowfin tuna) e seus produtos e a barreira à

importação com base nessas provisões. Para os Estados Unidos, as medidas eram necessárias

diante do Artigo XX (b) para proteger a vida e a saúde dos golfinhos nas águas fora de sua

jurisdição, em decorrência das redes de pesca que capturavam os golfinhos também.

Já o México considerava que o Artigo XX (b) não era aplicável para proteger a vida

de animais fora da jurisdição dos Estados Unidos, bem como havia medidas alternativas que

poderiam ser utilizadas na pesca e captura dos atuns sem prejudicar os golfinhos, que era a

cooperação entre os dois países.

Ao ponderar os argumentos, especialmente no tocante à alegação americana de que a

medida era necessária para proteger os animais em águas além de seu território, o Painel

retomou o histórico das negociações que levaram ao Artigo XX do GATT, notadamente o

Rascunho da Organização Internacional do Comércio proposto pelos Estados Unidos, que

previa em seu Artigo 32: “Nada no Capítulo IV [sobre políticas comerciais] deste Capítulo

311 BRACK, 2013, p. 148.

259

deve ser construído para prevenir a adoção ou aplicação por qualquer Membro de medidas: ...

(b) necessárias para proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal”.

Por sua vez, no Rascunho de Nova Iorque da Organização Internacional do

Comércio, o preâmbulo tinha sido revisado e dizia: “(b) para o propósito de proteger a vida e

a saúde humana, animal e vegetal, desde que medidas domésticas correspondentes no

contexto de condições similares existam no país importador ”.312 (grifo nosso).

O Painel entendeu que, a partir de uma interpretação ampla do Artigo XX (b), como

sugerida pelos Estados Unidos, cada país poderia unilateralmente determinar regras para a

proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal de outros países, o que prejudicaria

direitos e obrigações no âmbito do GATT.313

É natural que medidas adotadas com base no Artigo XX, bem como nos Acordos

TBT e SPS, causem efeitos em terceiros países, afinal, as regras regulam medidas que

interferem no comércio internacional. Uma exigência fitossanitária com o objetivo de evitar

que frutas vindas de um terceiro país tragam bactérias e doenças quando importadas exige que

o país produtor/exportador adote certos tratamentos.

O que motiva essa referência é a redação preliminar da alínea (b) do Artigo XX, que

previa que medidas poderiam ser adotadas desde que medidas domésticas correspondentes no

contexto de condições similares fossem adotadas no país importador. Apesar de não ter sido a

redação aprovada no GATT, pois as Partes Contratantes entenderam que era necessário que

medidas sanitárias e fitossanitárias protegessem a vida e a saúde humana, animal e vegetal no

território de terceiros países,314 a redação poderia trazer efeitos importantes no tocante a

medidas de caráter ambiental.

Uma medida para proteger a biodiversidade, ou requisitos quanto a emissões e GEEs,

por exemplo, somente poderiam ser adotadas se medidas semelhantes fossem implementadas

pelo país que impõe a medida. Apesar do caput usar a expressão “entre os países onde existem

312 WORLD TRADE ORGANIZATION. Article XX, General Exceptions. In: ______. Analytical Index of the GATT.

p. 561-597. Disponível em: <https://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/gatt_ai_e/art20_e.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2016d. p. 569.

313 “The Panel considered that if the broad interpretation of Article XX(b) suggested by the United States were accepted, each contracting party could unilaterally determine the life or health protection policies from which other contracting parties could not deviate without jeopardizing their rights under the General Agreement. The General Agreement would then no longer constitute a multilateral framework for trade among all contracting parties but would provide legal security only in respect of trade between a limited number of contracting parties with identical internal regulations”. (Ibidem, p. 569-570).

314 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016d, p. 569: “This added proviso reflected concerns regarding the abuse of sanitary regulations by importing countries. Later, Commission A of the Second Session of the Preparatory Committee in Geneva agreed to drop this proviso as unnecessary. Thus, the record indicates that the concerns of the drafters of Article XX(b) focused on the use of sanitary measures to safeguard life or health of humans, animals or plants within the jurisdiction of the importing country.”

260

as mesmas condições” e do princípio do tratamento nacional coibir discriminação entre

produtos similares, a expressão “desde que medidas domésticas correspondentes no contexto

de condições similares existam no país importador” traria maior consistência para avaliar

casos de exigências ambientais.

4.3.3 Regras do Acordo TBT no contexto dos padrões privados

Para que seja possível analisar a jurisprudência do OSC sobre o Acordo TBT que

possa ter relação com a elaboração, aplicação e efeitos de padrões privados, é importante

destacar os principais artigos que podem ter relação direta com um possível caso envolvendo

padrões privados. O quadro a seguir traz as regras centrais do Acordo TBT que, na visão do

autor, podem se relacionar com padrões privados:

Conceito (escopo)

“Anexo 1.1. Regulamento Técnico – Documento que enuncia as características de um produto ou os processos e métodos de produção a ele relacionados, incluídas as disposições administrativas aplicáveis, cujo cumprimento é obrigatório. Poderá também tratar parcial ou exclusivamente de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção” “Anexo 2.2 – Norma – Documento aprovado por uma instituição reconhecida, que fornece, para uso comum e repetido, regras, diretrizes ou características para produtos ou processos e métodos de produção conexos, cujo cumprimento não é obrigatório. Poderá também tratar parcial ou exclusivamente de terminologia, símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem aplicáveis a um produto, processo ou método de produção.”

Objetivos legítimos

“Artigo 2.2 – Os Membros assegurarão que os regulamentos técnicos não sejam elaborados, adotados ou aplicados com a finalidade ou o efeito de criar obstáculos técnicos ao comércio internacional. Para este fim, os regulamentos técnicos não serão mais restritivos ao comércio do que o necessário para realizar um objetivo legítimo, tendo em conta os riscos que a não realização criaria. Tais objetivos legítimos são, inter alia: imperativos de segurança nacional; a prevenção de práticas enganosas; a proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do meio ambiente. Ao avaliar tais riscos, os elementos pertinentes a serem levados em consideração são, inter alia: a informação técnica e científica disponível, a tecnologia de processamento conexa ou os usos finais a que se destinam os produtos.”

Como o acordo trata de entidades/órgãos não-governamentais

“Artigo 3.4 – Os Membros não tomarão medidas que obriguem ou encorajem instituições públicas locais ou instituições não governamentais existentes em seu território a agir de forma incompatível com as disposições do Artigo 2. Artigo 3.5 – Os Membros são inteiramente responsáveis sob este Acordo pela observância de todas as disposições do Artigo 2. Os Membros formularão e implementarão medidas positivas e mecanismos de apoio à observância das disposições do Artigo 2 por instituições que não sejam do governo central. Artigo 4.1 – Os Membros assegurarão que suas instituições de normalização do governo central aceitem e cumpram o Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de Normas contido no Anexo 3 a este Acordo (doravante denominado "Código de Boa Conduta") . Eles tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que as instituições de normalização públicas locais ou não governamentais existentes em seu território, bem como as instituições de

261

normalização regionais das quais eles ou uma ou mais instituições existentes em seu território sejam Membros, aceitem e cumpram este Código de Boa Conduta. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições de normalização a agir de forma incompatível com o Código de Boa Conduta. As obrigações dos Membros, a respeito do cumprimento das disposições do Código de Boa Conduta pelas instituições de normalização, se aplicarão independentemente de uma instituição de normalização ter aceito ou não o Código de Boa Conduta. Artigo 8.1 – Os Membros tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar o cumprimento das disposições dos Artigos 5 e 6 por instituições não governamentais existentes em seu território que operam procedimentos de avaliação de conformidade, com exceção da obrigação de notificar os projetos de procedimentos de avaliação de conformidade. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições a agir de forma incompatível com as disposições dos Artigos 5 e 6. Artigo 8.2 – Os Membros assegurarão que suas instituições de governo central só contem com procedimentos de avaliação de conformidade operados por instituições não governamentais se estas instituições cumprem com as disposições dos Artigos 5 e 6, com exceção da obrigação de notificar projetos de procedimentos de avaliação de conformidade. Artigo 10.3 – Cada Membro tomará as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que existam um ou mais centros de informação capazes de responder todas as consultas razoáveis de outros Membros e partes em outros Membros que estejam interessadas, bem como fornecer os documentos pertinentes, ou informação sobre onde podem ser obtidos, referentes: Artigo 10.3.1 – a quaisquer normas adotadas ou em projeto em seu território por instituições de normalização não governamentais, ou por instituições de normalização regionais dos quais tais instituições sejam Membros ou participantes; e 10.3.2 – a quaisquer procedimentos de avaliação de conformidade, ou projeto de procedimentos de avaliação de conformidade, que sejam operados em seu território por instituições não governamentais, ou por instituições regionais das quais tais instituições sejam Membros ou participantes; 10.3.3 – à condição de Membro e à participação de instituições não governamentais pertinentes existentes em seu território em sistemas de avaliação de conformidade e instituições de normalização internacionais ou regionais, bem como em arranjos bilaterais ou multilaterais no âmbito deste Acordo; eles deverão também ser capazes de fornecer as informações que seria razoável esperar sobre as disposições de tais sistemas e arranjos;”

Harmonização

“Artigo 2.6 – Com o objetivo de harmonizar o mais amplamente possível os regulamentos técnicos, os Membros participarão integralmente, dentro do limite de seus recursos, da preparação, pelas instituições de normalização internacionais apropriadas, de normas internacionais para os produtos para os quais tenham adotado, ou prevejam adotar, regulamentos técnicos.”

Equivalência

“Artigo 6.1 – Sem prejuízo das disposições dos parágrafos 3 e 4, os Membros assegurarão, sempre que possível, que sejam aceitos os resultados dos procedimentos de avaliação de conformidade de outros Membros, mesmo que estes procedimentos difiram dos seus, desde que estejam convencidos de que aqueles oferecem uma garantia de conformidade com os regulamentos técnicos ou normas aplicáveis equivalente a seus próprios procedimentos. Reconhece-se que consultas prévias podem ser necessárias para se chegar a um entendimento mutuamente satisfatório em relação a, em particular: Artigo 6.1.1 – Competência técnica adequada e persistente das instituições de avaliação de conformidade relevantes existentes no Membro exportador, de modo que possa existir confiança na confiabilidade continuada dos resultados; a este respeito, o cumprimento comprovado, por exemplo, por meio do credenciamento, de guias ou recomendações pertinentes emitidas por instituições de normalização internacionais serão levadas em consideração como uma indicação de competência técnica adequada.”

Tratamento “Artigo 12.3 – Os Membros levarão em conta as necessidades especiais de

262

especial e diferenciado

desenvolvimento, financeiras e comerciais dos países em desenvolvimento Membros na elaboração e aplicação de regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação de conformidade, com vistas a assegurar que tais regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação de conformidade não criem obstáculos desnecessários às exportações de países em desenvolvimento Membros. Artigo 12.4 – Os Membros reconhecem que, embora possam existir normas, guias e recomendações internacionais, os países em desenvolvimento, face às suas condições socioeconômicas e tecnológicas particulares, podem adotar certos regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação de conformidade destinados a preservar a tecnologia autóctone e os métodos e processos de produção compatíveis com suas necessidades de desenvolvimento. Os Membros, portanto, reconhecem que não se deve esperar que os países em desenvolvimento Membros utilizem como base de seus regulamentos técnicos e normas, inclusive métodos de ensaio, normas internacionais que não sejam adequadas às suas necessidades de desenvolvimento, financeiras e comerciais. Artigo 12.6 – Os Membros tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que as instituições internacionais de normalização, a pedido de países em desenvolvimento Membros, examine a possibilidade, e, se possível, elabore normas internacionais referentes a produtos de especial interesse para países em desenvolvimento Membros. Artigo 12.7 – Os Membros prestarão, de acordo com as disposições do Artigo 11, assistência técnica aos países em desenvolvimento Membros para assegurar que a elaboração e aplicação de regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação de conformidade não criem obstáculos desnecessários à expansão e diversificação das exportações dos países em desenvolvimento Membros. Ao determinar os termos e condições da assistência técnica, será levado em conta o estágio de desenvolvimento do país solicitante e, em particular, dos países de menor desenvolvimento relativo Membros. Artigo 12.9 – Durante as consultas, os países desenvolvidos Membros terão em mente as dificuldades especiais que enfrentam os países em desenvolvimento Membros na formulação e implementação de normas, regulamentos técnicos e procedimentos de avaliação de conformidade e, desejando assistir os países em desenvolvimento Membros em seus esforços nesta direção, os países desenvolvidos Membros levarão em conta as necessidades especiais daqueles em relação a financiamento, comércio e desenvolvimento.”

Quadro 16 – Artigos do Acordo TBT relevantes para a análise de padrões privados ao comércio Fonte: Acordo TBT.

O racional para a aplicação de uma medida ou barreira técnica é alcançar algum

objetivo, nos termos do Artigo 2.2. Os objetivos legítimos como proteção da vida e da saúde

humana e meio ambiente, por exemplo, são instituídos por meio de regulamentações dos

Membros ou padrões internacionais e não devem criar obstáculos desnecessários ao comércio.

Para tanto, não devem ser mais restritivos do que o necessário para atingir os objetivos

pretendidos.

Além disso, as medidas não podem ensejar discriminação entre produtos similares,

de acordo com o princípio do tratamento nacional. Vale recordar que as regulamentações

criadas pelos Membros são mandatórias e os padrões criados por organizações de

padronização são, de acordo com o Anexo 1.2 do Acordo TBT, voluntárias.

As medidas podem se basear em padrões criados por organizações reconhecidas,

desde que as entidades de padronização sigam o Código de Boas Práticas. Os Membros

263

devem buscar participar das organizações de padronização com vistas a harmonizar suas

regulamentações com padrões internacionais.

É importante salientar a relação entre padrões criados no âmbito do TBT e o Código

de Boas Práticas. Isso por que, em tese, os órgãos de padronização, sejam públicos ou

privados, devem aderir ao Código e, adicionalmente, devem seguir os princípios da

transparência, abertura, imparcialidade e consenso, efetividade e relevância, coerência,

dimensão de desenvolvimento, de acordo com a Decision of the Committee on Principles for

the Development of International Standards, Guides and Recommendations with Relation to

Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement.315

A mera aderência ao Código de Boa Conduta não implica, automaticamente, no

cumprimento das obrigações que exigem com que as medidas não criem discriminação,

notadamente a MFN, princípio nacional, e o Artigo 2.2 do Acordo TBT. Apesar de o Artigo

4.2 do TBT estabelecer uma presunção de que as organizações de padronização que tenham

aceito e cumpram com o Código de Boa Conduta cumprem os princípios do Acordo, é

essencial qualificar o que significa a expressão “cumprir”, o que deve ser feito caso a caso. Por sua vez, os meios de avaliação de conformidade das medidas adotadas devem

respeitar as obrigações previstas nos Artigos 5 a 8, destacando-se a transparência, a

participação e a equivalência como princípios relevantes.

A interpretação da expressão padrões presente no Anexo I do Acordo TBT faz

menção explícita aos conceitos presentes no ISO/IEC Guide 2:1991, General Terms and Their

Definitions Concerning Standardization and Related Activities, exceto quando diferentemente

previsto pelo TBT. De acordo com a subcláusula 3.2 do ISO/IEC Guide 2 (a seguir

denominado ISO Guide), padrões são aprovados por consenso e podem ser obrigatórios ou

voluntários.

Para o TBT, padrões não são, necessariamente, aprovados por consenso e são

obrigatoriamente voluntários, como consta da nota explicativa do Anexo I. No caso European

Communities – trade description of sardines, a Comunidade Europeia argumentou que

somente padrões aprovados por órgãos reconhecidos mediante consenso podem ser

considerados no escopo do Artigo 2.4 do TBT, o que inviabilizaria que o Codex Stan 94, que

não foi aprovado por consenso, fosse compreendido como um relevante padrão internacional.

O OA, por sua vez, confirmou o entendimento de que padrões no contexto do

Acordo TBT não são necessariamente aprovados por consenso. Além disso, definiu que a

315 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2000d.

264

palavra “documentos” presente na nota explicativa deve se referir a padrões em geral, e não

apenas àqueles adotados por entidades distintas dos órgãos internacionais.316

Esse entendimento confere uma amplitude maior para os padrões que podem recair

no contexto do Acordo TBT, o que é importante no tocante à análise de padrões privados, que

não necessariamente são aprovados por consenso.

Vale agora analisar quem aprova um padrão. O conceito de padrões do Anexo 1

apenas menciona que são criados por órgãos reconhecidos (recognized body) sem, no entanto,

qualificar o que isso significa. A nota explicativa traz a expressão “international

standardization community”, enquanto o ISO Guide define órgão de padronização como

“body that has recognized activities in standardization”. 317

No caso United States – Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale

of Tuna and Tuna Products, o Painel entendeu que as Partes do Agreement on the

International Dolphin Conservation Program (AIDCP) agiram coletivamente como um órgão

de padronização ao estabelecer resoluções contendo provisões para uso comum e repetido

relativa à pesca de atum, métodos de processamento e produção bem como requisitos de

rotulagem.

No âmbito da Inter-American Tropical Tuna Commission, a AIDCP desenvolveu

provisões para uso comum ligadas à mortalidade de golfinhos relacionada à pesca de atum,

questões sobre a sustentabilidade dos estoques de atum e requisitos sobre o uso racional dos

recursos pesqueiros, o que pode ser caracterizado como uma atividade de padronização.318

É importante ressaltar que, para o ISO Guide, os órgãos de padronização

internacionais devem ser abertos à participação de relevantes órgãos de todos os países. Essa

previsão é relevante quando se observa que o Acordo TBT, bem como o SPS no tocante às

medidas sanitárias e fitossanitárias, reconhecem organizações internacionais de referência que

criam padrões em suas respectivas áreas (ISO, IEC, OIE, CIPV e Codex).

Ambos os Acordos estabelecem que os Membros devem buscar, na medida do

possível, participar das organizações de padronização, especialmente visando harmonizar suas

regulamentações com relevantes padrões internacionais.

316 WORLD TRADE ORGANIZATION. European Communities – Trade description of sardines. Report of

the Appellate Body. WT/DS231/AB/R. 26 September 2002c. Paragraphs 224-227. 317 Cláusula 4.3 do INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC Guide

2:2004. Disponível em: <http://isotc.iso.org/livelink/livelink/fetch/2000/2122/4230450/8389141/ ISO_IEC_Guide_2_2004_%28Multilingual%29_-_Standardization_and_related_activities_--_General_vocabulary.pdf?nodeid=8387841&vernum=-2>. Acesso em: 12 jul. 2016.

318 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States – Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products. Report of the Panel. WT/DS381/R. 15 September 2011e. Paragraphs 7.666-7.687.

265

No entanto, nem sempre os órgãos de padronização são abertos à participação de

países. Nesse sentido, é válido destacar o conceito de level of standardization do ISO Guide,

pelo qual a padronização tem relação com o envolvimento geográfico, político e econômico.

Dessa forma, a padronização internacional requer a abertura para participação dos países,

enquanto que a regional comporta o envolvimento de órgãos dos países, a nacional ocorre no

nível de um país específico, podendo envolver ministérios, associações, empresas, e a

provincial ocorre a nível de divisão territorial de um país. 319

Partindo-se da premissa de que os órgãos de padronização estabelecem regras,

orientações ou características para produtos ou métodos e processos de produção para uso

comum e repetido, e que o TBT reconhece os conceitos do ISO Guide quando não trata

especificamente sobre o tema, é válido ponderar se os grupos ou iniciativas que criam padrões

privados que estabelecem requisitos ambientais para diversos produtos podem ser

considerados órgãos de padronização.

Na prática, as atividades de padronização não podem ser compreendidas apenas nos

limites de organizações internacionais amplamente reconhecidas como a ISO, a OIE e o

Codex, por exemplo. A criação de diretrizes, regras, referências e critérios para uso comum e

repetido, envolvendo características dos produtos e métodos e processos de produção é cada

vez mais presente quando se observam as inúmeras iniciativas de padronização citadas nos

Capítulos 2 e 3.

Assumindo que estabelecem requisitos que visam atingir objetivos no tocante à

proteção ambiental, segurança dos alimentos, bem-estar animal, dentre outros aspectos, pode-

se argumentar que buscam alcançar um grau ótimo de proteção em um dado contexto

(Standardization: activity of establishing, with regard to actual or potential problems,

provisions for common and repeated use, aimed at the achievement of the optimum degree of

order in a given context, Cláusula 1.1 do ISO Guide).

Dessa forma, levando em conta que o TBT não define com clareza o que são as

organizações de padronização, apenas vincula tais órgãos a níveis governamentais e não

governamentais (Anexo 1.4, 5, 6, 7 e 8 do Acordo TBT), parece razoável argumentar, em

linha com o conceito de padronização nacional do ISO Guide, que iniciativas setoriais,

empresas e associações podem ser compreendidas como órgãos de padronização.

319 Cláusula 1.6.3 do ISO Guide: “national standardization: standardization that takes place at the level of one

specific country. NOTE Within a country or a territorial division of a country, standardization may also take place on a branch or sectoral basis (e.g. ministries), at local levels, at association and company levels in industry and in individual factories, workshops and offices.”

266

Outro aspecto importante que deve ser ressaltando no tocante a expressão

“ recognized body” é que o critério de abertura dos órgãos à participação dos Membros da

OMC, como previsto no Anexo 1.4 do TBT, levanta uma dúvida sobre se “openness”

significa abertura para participar da negociação e criação do padrão, ou somente quando o

padrão já foi adotado.

A decisão adotada durante a 2a Revisão Trienal do Acordo TBT, em 2000,

denominada Principles for the Development of International Standards, Guides and

Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement ajudou a

esclarecer o significado de “openness”, da seguinte forma:

A adesão a um organismo internacional de padronização deve ser aberta em uma base não-discriminatória para os organismos competentes de pelo menos todos os Membros da OMC. Isto incluiria a abertura sem discriminação no que diz respeito à participação ao nível da elaboração de políticas e em todas as fases de desenvolvimento de padrões, tais como a:

• proposta e aceitação de novos itens de trabalho; • discussão técnica sobre as propostas; • apresentação de comentários sobre os projetos de forma a que

possam ser levados em conta; • revisão das padrões existentes; • votação e aprovação de padrões; e • divulgação dos padrões adotados.320

Em linha com a interpretação do OA no caso United States – Measures Concerning

the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products, a Decisão serve como base

para interpretar e aplicar as regras do Acordo TBT e deve ser usada para este propósito.321 É

320 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Technical Barriers to Trade. Second Triennial Review of the Operation and Implementation of The Agreement on Technical Barriers to Trade. G/TBT/9, 13 November 2000, Annex 4, Paragraph 6. 321 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States – Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products. Report of the Appellate Body. WT/DS381/AB/R. 16 May 2012d, Paragraph 372: “With respect to the question of whether the terms and content of the Decision express an agreement between Members on the interpretation or application of a provision of WTO law, we note that the title of the Decision expressly refers to "Principles for the Development of International Standards, Guides and Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement".321 We further note that the TBT Committee undertook the activities leading up to the adoption of the Decision "[w]ith a view to developing a better understanding of international standards within the Agreement"321 and decided to develop the principles contained in the Decision, inter alia, "to ensure the effective application of the Agreement" and to "clarify and strengthen the concept of international standards under the Agreement".321 We therefore consider that the TBT Committee Decision can be considered as a "subsequent agreement" within the meaning of Article 31(3)(a) of the Vienna Convention. The extent to which this Decision will inform the interpretation and application of a term or provision of the TBT Agreement in a specific case, however, will depend on the degree to which it "bears specifically"321 on the interpretation and application of the respective term or provision. In the present dispute, we consider that the TBT Committee Decision bears directly on the interpretation of the term "open" in Annex 1.4 to the TBT Agreement, as well as on the interpretation and application of the concept of "recognized activities in standardization”.

267

essencial ressaltar que os princípios trazidos pela Decisão são de extrema valia para analisar e

interpretar os dispositivos do Acordo TBT. Se não fosse assim, na verdade, de nada adiantaria

os Membros negociarem textos dessa natureza nos Comitês dos Acordos.

Outro aspecto relevante do Acordo TBT que merece ser debatido diante dos padrões

privados trata da questão de medidas relativas a métodos e processos de produção não

relacionados às características do produto (non product related PPMs). Isso por que os

conceitos de regulamentações e padrões previstos no Anexo 1.1 e 1.2 do TBT tratam de

características de um produto ou processos e métodos de produção, envolvendo terminologias,

símbolos, requisitos de embalagem, marcação ou rotulagem.

Os métodos e processos de produção relacionados às características dos produtos e

que afetam o produto final são explicitamente cobertos pelo TBT, enquanto os métodos e

processos de produção que não guardam relação com as características do produto e não

influenciam na qualidade do produto final em princípio ficam de fora do Acordo.

Essa discussão remonta a fase de negociações do Acordo TBT, e como ressalta

Enrico Partiti, a oposição a inclusão de non product related PPMs remonta às negociações

que levaram ao Acordo TBT, na qual prevaleceu o enfoque de que somente métodos e

processo de produção relacionados às características finais dos produtos estariam cobertos.322

Na verdade, ainda nas negociações da Rodada Tóquio, o Sub-grupo de Barreiras

Técnicas ao Comércio debatia o conceito de padrões exclusivamente compreendendo medidas

relacionadas aos produtos, sem incluir PPMs. Foi a partir de 1977, no grupo de Agricultura,

que se definiu a importância de incluir PPMs no futuro Standards Code. Mas a questão de

PPMs não relacionados a características dos produtos ficou de fora.323

A questão de PPMs e non product related PPMs é marcante quando se discute

padrões privados. Na medida em que os padrões compreendem uma série de critérios

ambientais voltados para mensurar impactos do ciclo de vida de um produto, é razoável

esperar que muitos dos critérios não sejam diretamente relacionados às características dos

produtos e seus métodos e processos de produção.

Madeira oriunda de manejo florestal sustentável certificada e madeira oriunda do

desmatamento ilegal levam a madeira e produtos de madeira com processos de produção

idênticos. Carne produzida com técnicas de intensificação da pecuária, com pasto bem

manejado e em áreas sem desmatamento, e carne produzida em áreas de desmatamento ilegal

322 PARTITI, Enrico. The Appellate Body Report in US – Tuna II and its Impact on Eco-labelling and Standardization. Legal Issues of Economic Integration, v. 40, n. 1, p. 73-94 2013. p. 79. 323 Sobre o histórico dessas negociações vale consultar WORLD TRADE ORGANIZATION, 1995.

268

e até grilagem de terra, levam ao mesmo produto. Intrinsecamente, madeira certificada e

madeira do desmatamento ilegal, e carne da pecuária intensiva e da pecuária ilegal possuem

as mesmas características, muito embora existam elementos não relacionados ao processo e

método de produção que podem, sob uma perspectiva ambiental, distinguir os dois produtos.

Pode-se argumentar que países podem discriminar produtos que são, em princípio,

similares, por exigir requisitos não relacionados ao processo produtivo, como nos exemplos

da madeira e da carne citados acima?

Vale retomar as conclusões do OA no caso EC – Measures Affecting Asbestos and

Asbestos-Containing Products, para o qual as características relacionadas aos hábitos e gostos

dos consumidores, interpretadas na forma como os consumidores percebem e tratam os

produtos como meios alternativos para executar funções específicas a fim de satisfazer uma

necessidade ou demanda específica, devem ser avaliadas junto com as propriedades, natureza

e qualidade dos produtos, seus usos finais e classificação tarifaria a fim de caracterizar um

produto como similar ou não.324

Os aspectos relacionados à saúde foram determinantes para o OA considerar que as

fibras de amianto e fibras de vidro e celulose não eram considerados produtos similares, e os

critérios ligados a percepção dos consumidores foram marcantes para tanto. Na mesma linha,

ao considerar que levar informações relevantes aos consumidores pode ser uma medida

legítima, como será analisado a seguir no caso United States – Certain Country of Origin

Labelling (COOL) Requirements, o OA parece abrir espaço para uma interpretação mais

abrangente que poderia contemplar medidas de caráter ambiental não necessariamente

relacionadas a métodos e processos de produção.

Ainda é válido destacar a visão do OA no caso United States – Measures Concerning

the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products, ao analisar o conceito de

regulamentação técnica do Artigo 1.1 do TBT:

Em relação ao assunto de um regulamento técnico, podemos constatar que a linguagem no Anexo 1.1 esclarece que um regulamento técnico pode estabelecer ou prescrever "características do produto ou dos respectivos processos e métodos de produção". Adicionalmente, o Anexo 1.1 do Acordo TBT prevê que um regulamento técnico pode incluir ou "trata exclusivamente de terminologia, símbolos, embalagem, marcação ou rotulagem que se aplicam a um produto, processo ou método de produção." Quanto ao significado do conceito de "requisitos de rotulagem", nota-se que a palavra "exigência" significa "uma condição que deve ser cumprida". O termo "requisitos de rotulagem" refere-se, assim, às disposições que

324 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2001b, Paragraphs 101-126.

269

estabelecem critérios ou condições que devem ser cumpridas a fim de usar um rótulo específico.325

Apesar de não tratar diretamente de um argumento baseado em non product related

PPMs, o OA dá a entender que regulamentos técnicos podem estabelecer quaisquer tipos de

requisitos, incluindo exigências não relacionadas a características dos produtos e seus

processos produtivos em uma rotulagem. Como pontua Pedro Henrique Fleider Wolanski,

Chama a atenção o fato de o OA não ter feito expressa menção a métodos e processos de produção, ou a qualquer uma de suas categorias, limitando-se a fazer referencia a critérios e condições que devem ser observados para a obtenção de determinado rótulo. Ainda que não se tenha decidido expressamente se medidas que tratem de processos e métodos de produção sem repercussão no produto final podem ser consideradas regulamentos técnicos, o caso “Estados Unidos – Atum II” parece relevar tendência do Órgão de Apelação de reconhecer que disciplinas de rotulagem relacionadas àqueles processos estão sob o escopo do Acordo TBT.326

É válido ainda, argumentar que rotulagem ou requisitos previstos em

regulamentações e/ou padrões privados, que compreendam critérios não relacionados às

características dos produtos quanto ao seu processo e método de produção, podem ser

inseridos no escopo das regras do Acordo TBT.

Os requisitos de sustentabilidade para biocombustíveis no tocante a biodiversidade

nas regras europeias, por exemplo, parecem um caso bastante evidente de non product related

PPM, previsto por uma regulamentação e alcançado utilizando-se esquemas de certificação

que trazem como prova de compliance, um selo ou rótulo. A efetiva interpretação de casos

como esse ainda não foi feita pelo OA, muito embora a jurisprudência esparsa sobre certos

aspectos inatos aos padrões, permita concluir que o Acordo TBT regula sua criação, adoção e

implementação.

Cruzar a fronteira dos PPMs, e trazer non product related PPMs para o centro do

debate reflete, na verdade, uma porta de entrada para temas ambientais e requisitos que são

325 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2011e, Paragraph 186. Tradução nossa: “Regarding the subject matter of a technical regulation, we note that the language in Annex 1.1 clarifies that a technical regulation may establish or prescribe "product characteristics or their related processes and production methods". Annex 1.1 to the TBT Agreement further states that a technical regulation may include or "deal exclusively with terminology, symbols, packaging, marking or labelling requirements as they apply to a product, process or production method." Regarding the meaning of the notion of "labelling requirements", we note that the word "requirement" means "a condition which must be complied with". The term "labelling requirements" thus refers to provisions that set out criteria or conditions to be fulfilled in order to use a particular label.” 326 WOLANSKI, Pedro Henrique Fleider. A jurisprudência recente do Órgão de Apelação sobre o Acordo TBT: os casos “EUA – Atum II” e “EUA – Cigarros de cravo”. In: BENJAMIN, Daniela Arruda (Org.). O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC: uma perspectiva brasileira. Brasília, DF: Fundação Alexandre de Gusmão, 2013. p. 417-436. p. 429-430.

270

adotados pelos Membros visando assegurar ou informar consumidores sobre certas

características. O OA já se manifestou positivamente no tocante a relevância que certas

medidas podem ter ao informar os consumidores, a proteger a saúde e o meio ambiente. O

debate não parece mais se forcado em aceitar ou não que medidas dessa natureza estão no

escopo da OMC, mas sim, de tratar de suas justificativas, o que será visto a seguir.

Como ressaltam Adil Najam, Mark Halle e Ricardo Meléndez-Ortiz,

Há uma necessidade urgente para o debate de olhar para o ciclo de vida do produto inteiro em vez de apenas uma parte dele. Grande parte do debate sobre comércio e meio ambiente até hoje tem sido resolvido em torno de métodos e processos de produção (PPMs). Isto é, evidentemente, muito importante. No entanto, agora é hora de que o foco do debate ser ampliado para incluir o ciclo de vida do produto inteiro, o que inclui não apenas as externalidades resultantes da produção de bens, mas também do seu consumo e descarte. O foco obsessivo em PPMs injustamente transfere a carga para os países em desenvolvimento como os vilões da degradação ambiental acaba rotulando métodos de produção ultrapassados utilizados principalmente nos países em desenvolvimento, sem ser igualmente vigilantes sobre externalidades decorrentes do consumo exacerbado e descarte irresponsável. Alguns dos maiores efeitos ambientais não são oriundos de PPMs, mas do consumo e disposição dos produtos.327 (tradução nossa)

De acordo com o Artigo 2 do Acordo TBT, os Membros podem adotar barreiras

técnicas com vistas a atingir a proteção de objetivos legítimos, desde que não sejam mais

restritivas do que o necessário e não causem discriminação arbitrária ou injustificável ao

comércio. No caso European Communities – Trade description of sardines, o Painel definiu

que a autonomia regulatória dos Membros é limitada pela não adoção de medidas que causem

discriminação, e reconheceu que o Acordo TBT, como o GATT 1994, não definem

parâmetros para balizar essa autonomia regulatória.328

327 NAJAM, Adil; HALLE, Mark; MELÉNDEZ-ORTIZ, Ricardo. Trade and Environment. A Resource Book.

International Institute foi Sustainable Development. International Centre for Trade and Sustainable Development. The regional and International Networking Group. 2007. p. 7-8. Tradução nossa: There is an urgent need for the debate to look at the entire product lifecycle rather than just one part of it. Much of the trade and environment debate to date has resolved around process and production methods (PPMs). This is, of course, very important. However, it is now time that the focus of the debate be broadened to include the entire product lifecycle, which includes not just externalities stemming from the production of goods, but also from their consumption and disposal. The obsessive focus on PPMs unfairly shifts the burden onto developing countries as the villains of environmental degradation ends up targeting outdated production methods mostly used in developing countries, without being equally vigilant about externalities stemming from lavish consumption and irresponsible disposal. Some of the most severe environmental effects come not from PPMs, but from consumption and disposal of products.”

328 WORLD TRADE ORGANIZATION. European Communities – Trade description of sardines. Report of the Panel. WT/DS231/R. 29 May 2002b. “Paragraph 7.120: Article 2.2 and this preambular text affirm that it is up to the Members to decide which policy objectives they wish to pursue and the levels at which they wish to pursue them. At the same time, these provisions impose some limits on the regulatory autonomy of Members that decide to adopt technical regulations: Members cannot create obstacles to trade which are unnecessary or which, in their application, amount to arbitrary or unjustifiable discrimination or a disguised

271

A autonomia regulatória dos Membros diante do estabelecimento de medidas que

possam restringir o comércio é, em tese, abrangente. E é justamente este aspecto que merece

ser analisado caso a caso, tendo como parâmetros a jurisprudência relacionada ao Artigo XX

(b) e (g), especialmente no tocante à necessidade das medidas, mas também quanto ao

princípio do tratamento nacional e cláusula da nação mais favorecida.

Adicionalmente, para que uma medida não crie restrições disfarçadas ou

desnecessárias, nos termos do Artigo 2.2 do Acordo TBT, bem como de seu preâmbulo, é

essencial que as barreiras técnicas sejam fundamentadas em dados e evidências. Na verdade, o

Artigo 2.2 contempla as obrigações de não discriminação, e pode ser compreendido em

sintonia com o Artigo XX (b) do GATT, como expressamente reconhecido pelo Painel no

caso United States - Certain Country of Origin Labelling (COOL) Requirements.329

A razoabilidade de uma medida e sua fundamentação diante dos objetivos a que se

propõe atingir são fatores que devem ser analisados caso a caso e que devem ser, na medida

do possível, ponderados diante das melhores informações científicas disponíveis.

De acordo com este racional, no caso United States – Measures Affecting the

Production and Sale of Clove Cigarettes, o Painel entendeu que a restrição adotada pelos

Estados Unidos contra a importação de cigarro de cravo da Indonésia não era mais restritiva

do que o necessário para atingir o objetivo de desestimular e reduzir o hábito de fumar perante

a população jovem.330

No mesmo sentido, no caso EC – Measures Affecting Asbestos and Asbestos-

Containing Products, a restrição aos produtos com fibras de amianto foram acolhidas como

procedentes em função do objetivo maior de proteger a saúde e a vida humana.331

restriction on international trade. Thus, the TBT Agreement, like the GATT 1994, whose objective it is to further, accords a degree of deference with respect to the domestic policy objectives which Members wish to pursue. At the same time, however, the TBT Agreement, like the GATT 1994, shows less deference to the means which Members choose to employ to achieve their domestic policy goals. We consider that it is incumbent upon the respondent to advance the objectives of its technical regulation which it considers legitimate.”

329 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016l. “Paragraph 7.669: We do not consider the United States' arguments as supporting its position that the legal interpretive approach under Article XX is not relevant to Article 2.2. We agree that Article 2.2 of the TBT Agreement and Article XX of the GATT 1994 are two independent provisions under two different WTO covered agreements. This does not mean, however, that the legal interpretive approach under one provision and the legal interpretive approach under another cannot inform each other. In our understanding, the United States highlights the differences between these provisions without explaining why such differences render the legal test under Article XX irrelevant for an analysis under Article 2.2.”

330 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States – Measures Affecting the Production and Sale of Clove Cigarettes. Report of the Panel. WT/DS406/R. 2 September 2011d. Paragraphs 7.325-7.432.

331 Idem, 2001f, Paragraph 172.

272

É importante destacar que a interpretação da expressão objetivos legítimos deve ser

analisada diante da medida e de seus efeitos. A lista de objetivos legítimos presente na

segunda parte do Artigo 2.2 do Acordo TBT é ilustrativa e não deve ser analisada de forma

restritiva.

No caso United States – Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale

of Tuna and Tuna Products, o Painel entendeu que a lista de objetivos não é exaustiva e as

medidas devem ser avaliadas em um contexto mais amplo. O objetivo de evitar que os

consumidores de atum sejam enganados por falsas alegações sobre o uso de dispositivos

amigáveis na pesca de atum, bem como a proteção da vida dos animais, não necessariamente

ameaçados de extinção, são objetivos que devem ser considerados legítimos.332

Para fundamentar um objetivo legítimo, o Membro deve avaliar riscos considerando

elementos como informações técnicas e científicas disponíveis, processos tecnológicos e o

uso final pretendido para os produtos.

Não há uma regra sobre avaliação de riscos como forma de se chegar a evidências

que justifiquem ou não uma medida, como no caso do Acordo SPS. No entanto, o Acordo

TBT prevê a avaliação de conformidade com uma dada medida e estabelece que os processos

devem assegurar condições não menos favoráveis ao comércio de produtos similares em

situações comparáveis (Artigo 5.1).

É importante destacar que o Artigo 2.2 trata dos objetivos legítimos no contexto de

regulamentações adotadas pelos Membros, o que, teoricamente, excluiria padrões como

formas de se adotar medidas que visem atingir os objetivos previstos. Vale, contudo, citar que

o Artigo 2.4 prevê que relevantes padrões internacionais devem ser a base das

regulamentações quando os mesmos existem ou estão sendo elaborados, exceto quando os

padrões podem não ser efetivos para atingir o objetivo pretendido.

Neste sentido, é relevante anotar que quando o Artigo 4 do TBT trata da elaboração,

adoção e aplicação de padrões, não cita expressamente que os mesmos estão ou podem estar 332 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2011e. “Paragraph 7.437: Article 2.2 of the TBT Agreement provides

a non-exhaustive list of legitimate objectives under this provision. This list includes, as the United States has pointed out, the "prevention of deceptive practices" and the "protection of ... animal or plant life or health, or the environment". We are satisfied that the objectives of the US dolphin safe provisions, as described in the previous section, fall within the scope of these two categories of legitimate objectives. The objective of preventing consumers of tuna products from being deceived by false dolphin safe allegations falls within the broader goal of preventing deceptive practices. Similarly, the protection of dolphins may be understood as intended to protect animal life or health or the environment. In this respect, a measure that aims at the protection of animal life or health need not, in our view, be directed exclusively to endangered or depleted species or populations, to be legitimate. Article 2.2 refers to "animal life or health" in general terms, and does not require that such protection be tied to a broader conservation objective. We therefore read these terms as allowing Members to pursue policies that aim at also protecting individual animals or species whose sustainability as a group is not threatened.”

273

relacionados aos objetivos legítimos do Artigo 2.2. Pode-se dizer que o Artigo 4 trata apenas

de regras de processo quanto aos órgãos de padronização (devem aderir e cumprir o Código

de Boa Conduta), enquanto o Artigo 2 trata de regras de processo e substância quanto às

regulamentações adotadas pelos Membros, que não devem ser mais restritivas do que o

necessário para atingir objetivos legítimos.

De acordo com o OA, no caso United States – Certain Country of Origin Labelling

(COOL) Requirements, para que seja possível fazer uma análise objetiva e independente dos

objetivos que um Membro deseja atingir com uma medida, nos termos do Artigo 2.2 do TBT,

o painel deve considerar todas as evidências incluindo textos legais, histórico legislativo e

outras evidências relativas a estrutura e funcionamento da regulamentação técnica em

questão.333

Parece inegável, no entanto, que padrões devam estar relacionados aos objetivos

legítimos. Se não fosse esse o interesse das Partes Contratantes do GATT ao negociar o

Standards Code e posteriormente o TBT, não teriam previsto os padrões como base para as

barreiras técnicas. Esta diferença é um aspecto que parece falho na construção do Acordo

TBT e que mereceria ser revisto como forma de dar maior previsibilidade e segurança diante

do princípio da não discriminação.

Adicionalmente, como ressaltado pelo OA no caso United States – Measures

Concerning the Importation, Marketing and Sale of Tuna and Tuna Products, a expressão

“ fulfill a legitimate objective” do Acordo 2.2 deve ser vista em sintonia com o sexto parágrafo

do preâmbulo, a saber:

Reconhecendo que não se deve impedir nenhum país de tomar medidas necessárias a assegurar a qualidade de suas exportações, ou para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, do meio ambiente ou para a prevenção de práticas enganosas, nos níveis que considere apropriados, à condição que não sejam aplicadas de maneira que constitua discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevaleçam as mesmas condições ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional, e que estejam no mais de acordo com as disposições deste Acordo334 (grifo nosso).

De acordo com o OA, ao preparar, adotar e aplicar uma medida com vistas a atingir

um objetivo legítimo, um Membro articula, implicitamente ou explicitamente, o nível a que

deseja chegar para alcançar seu objetivo. Adicionalmente, é preciso avaliar o quanto a medida

333 WORLD TRADE ORGANIZATION. United States - Certain Country of Origin Labelling (COOL)

Requirements. Report of the Appellate Body. WT/DS384/R. WT/DS386/R. 29 June 2012c. 334 Acordo TBT, 6º parágrafo do preâmbulo.

274

é restritiva, considerando, por exemplo, sua contribuição para atingir os objetivos e a natureza

dos riscos relacionados à não proteção dos objetivos pretendidos.335

É interessante mencionar que, ao rever as conclusões do Painel quanto à legitimidade

das medidas do sistema COOL, adotado pelos Estados Unidos como forma de levar

informações sobre a origem das carnes aos consumidores, o OA manteve a decisão e refutou

os argumentos do Canadá, salientando que as informações eram consideradas objetivos

legítimos diante do Artigo 2.2.336 Adicionalmente, reverteu o entendimento do Painel de que

a medida era mais restritiva do que o necessário para atingir seu objetivo.

Em síntese, como ilustrado na Figura 1 sobre o funcionamento do Acordo TBT, no

Capítulo 1, as barreiras técnicas são adotadas por meio de regulamentações ou padrões, e

independentemente de qual meio é escolhido pelo Membro para atingir determinado objetivo,

sua medida deve seguir o princípio da não discriminação.

Isso significa que, ao criar suas regulamentações, os Membros devem levar em conta

informações técnicas e científicas próprias que determinam relevantes para fundamentar uma

medida que visa atingir um fim proposto. Novamente, o Acordo TBT é falho ao não prever

regras sobre de que forma os Membros devem buscar fundamentar as medidas, sejam

adotadas no formato de regulamentações ou de padrões.

É importante comparar o racional adotado pelo Acordo TBT com o Acordo SPS

quanto ao uso de padrões internacionais como forma de embasar as medidas. Isso porque o

Acordo SPS é explícito quanto à possibilidade de os Membros adotarem níveis apropriados de

proteção (sanitária e fitossanitária no caso) (Artigos 5.3 e 5.4 do Acordo SPS) ou medidas que

resultem em um nível mais elevado do que o proporcionado por padrões internacionais

(Artigo 3.3 do Acordo SPS). Via de regra, porém, as medidas sanitárias e fitossanitárias

devem preferencialmente se basear nos padrões internacionais criados pelas organizações de

referência do SPS (OIE, CIPV e Codex).

De um lado, o Artigo 2.2 traz os objetivos legítimos. De outro, prevê que as

regulamentações não podem ser mais restritivas do que o necessário para atingir os objetivos

335 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2012d, Paragraphs 316-332. 336 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2012c. “Paragraph 453: Based on all of the above, we see no reason to

disturb the Panel's finding with respect to the legitimacy of the objective pursued by the United States through the COOL measure, namely, to provide consumers with information on the countries in which the livestock from which the meat they purchase is produced were born, raised, and slaughtered. The Panel's analysis reveals that the arguments and evidence submitted by the complainants failed to persuade the Panel that providing consumers with information on origin, as defined under the COOL measure, is not a legitimate objective. On appeal, Canada has not shown that the Panel erred in rejecting its arguments and evidence in this regard. We therefore dismiss this ground of Canada's appeal and find that the Panel did not err, in paragraph 7.651 of the Panel Reports, in finding the provision of consumer information on origin is a legitimate objective within the meaning of Article 2.2 of the TBT Agreement.”

275

pretendidos e não devem criar obstáculos desnecessários ao comércio. Adicionalmente, a

parte final do Artigo 2.2 prevê que a avaliação de riscos deve considerar, inter alia,

informações técnicas e científicas disponíveis, tecnologias de processamento e usos finais a

que se destinam os produtos.

Vale notar, no entanto, que, embora essa lista não seja limitada, o enfoque de

avaliação dos riscos que são relevantes ou necessários para fundamentar uma medida não é

detalhado, o que pode significar uma fragilidade do Acordo TBT no tocante à fundamentação

das medidas.

Se as justificativas que embasam uma certa regulamentação derivam de um

determinado padrão, espera-se que o padrão siga o mesmo racional. Até por esta razão, o

Comitê do Acordo TBT aprovou princípios que devem nortear a criação de padrões (Decision

of the Committee on Principles for the Development of International Standards, Guides and

Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement).

A diferença entre o enfoque adotado pelo Acordo SPS no tocante a justificar e

fundamentar uma medida (evidências científicas, mínimo de fundamentação, avaliação de

riscos, Artigos 2 e 5 do SPS) e o enfoque adotado pelo Acordo TBT (não ser mais restritivo

do que o necessário para atingir um objetivo legítimo e fazer avaliação dos riscos

considerando informações técnicas e científicas pertinentes, Artigo 2.2 do TBT) é marcante,

especialmente quando se espera que as medidas, SPS ou TBT, não criem restrições

desnecessárias, o que exige um mínimo de fundamentação.

Nesse sentido, o Artigo 3.4 é de extrema relevância ao prever que os Membros não

devem adotar medidas que requeiram ou encorajem órgãos do governo local e órgãos não

governamentais a agir de maneira inconsistente com o Artigo 2. Além disso, o Artigo 3.5

prevê que os Membros devem adotar medidas que promovam o cumprimento do Artigo 2 por

outros atores além dos órgãos governamentais centrais (by other than central government

bodies).

Pode-se argumentar que padrões utilizados por um Membro diretamente, ou como

fundamento para uma regulamentação, devem respeitar o Artigo 2, especificamente, e o

Acordo TBT de forma mais ampla. Adicionalmente, um processo de avaliação de

conformidade, que seja inteiramente baseado em um padrão e aceito/utilizado por uma

regulamentação, impõe que os atores envolvidos sigam as regras do Acordo.

Extrapolando esse raciocínio para o debate sobre padrões privados, ou padrões

criados por organizações e atores fora do governo central ou local, vale ponderar até que

276

ponto o Artigo 2 se aplica quando os Membros baseiam suas medidas em padrões e os

incentivam, ou adotam procedimentos de avaliação de conformidade.

Neste caso, os Membros devem adotar medidas razoáveis para assegurar o

cumprimento das regras sobre avaliação de conformidade pelos órgãos não governamentais

(incluindo transparência, prazo para comentários, dentre outros aspectos dos Artigos 5 e 6 do

TBT).

Em seguida, vale ponderar que o Artigo 2.4 incita os Membros a adotarem padrões

internacionais ou parte deles como base para suas regulamentações. No caso European

Communities – Trade Description of Sardines, o OA definiu que não basta argumentar que a

regulamentação considera aspectos de um padrão para que seja considerada condizente com o

mesmo, é preciso que o padrão realmente defina as bases da regulamentação.337

Neste caso, o OA ainda concluiu que, de acordo com a Nota Explicativa do conceito

de padrão (norma) do Anexo 1 do TBT, padrões criados pela comunidade internacional não

precisam ser necessariamente aprovados por consenso.338

Este aspecto é extremamente relevante para o debate sobre a criação de padrões

privados, pois nem sempre são aprovados por consenso, pelo contrário. Na prática, a definição

dos princípios, critérios e indicadores que compõem um padrão normalmente surgem de

intensas negociações pautadas por um modelo de governance previamente acordado, onde

não necessariamente o consenso é uma regra.

No caso United States – Measures Concerning the Importation, Marketing and Sale

of Tuna and Tuna Products, o OA concluiu que as resoluções adotadas no âmbito do

Agreement on the International Dolphin Conservation Program – AIDCP339 sobre a pesca de

atum sem predar os golfinhos eram padrões que traziam orientações para o uso repetido e

características; por isso, deveriam ser compreendidas como um padrão.340

Apesar de a AIDCP ser um acordo multilateral que vincula seus membros (países), é

válido ressaltar que o OA reconheceu uma organização internacional, composta por alguns

países, como um órgão de padronização no contexto do TBT, o que é extremamente relevante

para a discussão proposta na presente pesquisa.

Ainda no tocante à Nota Explicativa do conceito de padrões, é relevante citar que o

Painel no caso United States – Measures Affecting the Production and Sale of Clove

337 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2002c, Paragraph 250. 338 Ibidem, Paragraph 222. 339 Para maiores informações sobre a AIDCP, consultar o site da International Dolphin Conservation Program,

disponível em: <https://www.iattc.org/IDCPENG.htm>. 340 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2011e, Paragraphs 7.664 e 7.665.

277

Cigarettes concluiu que, como o Acordo TBT não define a expressão padrão internacional,

usa como referência a definição constante no ISO/IEC Guide 2, padrão adotado por uma

organização internacional de padronização e que é disponibilizado para o público.

A harmonização pode levar à adoção de regulamentos técnicos ou padrões

semelhantes por diferentes Membros, alcançando objetivos comuns e, consequentemente,

facilitando o comércio entre ambos. No entanto, nem sempre a harmonização é um objetivo

entre dois países, especialmente quando se pondera que cada um pode adotar as medidas que

entenda razoáveis e necessárias para atingir seus objetivos legítimos.

Como destaca Marina Amaral Egydio de Carvalho, “[...] a identidade dos objetivos

políticos dos países no detalhe pode ser difícil e a heterogeneidade dos objetivos pode ser

causada por fatores como nível de desenvolvimento, cultura, preferências de consumo e

outras idiossincrasias”.341

O Artigo 3, de forma mais ampla, trata da preparação, adoção e aplicação de

regulamentações técnicas por órgãos do governo e órgãos não governamentais. Na medida em

que esses órgãos podem adotar medidas, desde que visem assegurar objetivos legítimos e não

criem restrições disfarçadas ao comércio, não há que se falar em descumprimento do Artigo 2,

que na prática contempla as regras centrais do Acordo TBT.

Até o momento, nenhum painel levado ao OSC questionou violação aos dispositivos

do Artigo 3, mais especificamente Artigos 3.4 e 3.5, que envolvem os atores não

governamentais e que são relevantes para o debate sobre padrões privados.

No caso de uma barreira que proíba a entrada de etanol brasileiro em algum país

europeu em função do não cumprimento dos critérios de sustentabilidade definidos pelas

regras comunitárias, seria válido argumentar, por exemplo, se a União Europeia poderia ser

questionada diante dos Artigos 3.4 e 3.5 do Acordo TBT, por não adotar medidas positivas e

mecanismos que promovam o cumprimento do Artigo 2 por órgãos não governamentais.

Além disso, é preciso ponderar se os critérios exigidos pela UE, especialmente

quanto à conservação da biodiversidade, cumprem os requisitos do Artigo 2.2. Em outras

palavras, se a UE e os voluntary schemes fizeram uma avaliação de riscos apropriada para

concluir que o critério de high biodiversity grassland é realmente necessário para atingir seus

objetivos, e se não há outras medidas que possam assegurar essa conservação.

341 CARVALHO, Marina Amaral Egydio de. Negociação de Regras sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

nos Acordos Preferenciais de Comércio. 2013. 243 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. p. 59.

278

Vale anotar que produtores brasileiros que cumpram o Código Florestal possuem no

mínimo 20% da área de sua propriedade com vegetação nativa, critério que varia de acordo

com as regras do Código, podendo chegar a 80% do total da propriedade na Amazônia

(ressalte-se, no entanto, que não há produção de etanol no bioma Amazônia, até mesmo pelas

limitações impostas pelo Zoneamento Agroecológico da cana-de-açúcar). Os critérios de

conservação de vegetação em áreas privadas brasileiras poderiam ser compreendidos como

medidas razoáveis de conservação? Vale ainda ponderar se os países que impõem uma

medida dessa natureza possuem critérios semelhantes de conservação?

O mesmo raciocínio é válido em relação a padrões criados no âmbito da

GlobalG.A.P ou de iniciativas que visam promover desmatamento zero ou líquido zero em

diferentes cadeias produtivas.

É essencial frisar que, no caso dos 19 voluntary schemes reconhecidos pela Comissão

Europeia, há um envolvimento explícito da Comissão, incluindo troca de orientações

mediante cartas enviadas para as iniciativas, conforme expressamente citado nos Anexos da

presente pesquisa.

O Artigo 4 trata da preparação, adoção e aplicação de padrões que, nos termos do

Anexo 1 do Acordo TBT, visam estimular o uso comum e repetido de regras, orientações e

características relacionadas aos produtos ou métodos e processos de produção. Nenhum painel

tratou deste artigo até o momento, merecendo destaque, no entanto, a decisão adotada pelo

Comitê no tocante a princípios que devem nortear a criação de padrões (cf. Quadro 2 citado

no Capítulo 1).

A efetiva implementação dessa decisão por meio dos princípios – transparência,

abertura, imparcialidade e consenso, efetividade e relevância, coerência e dimensão de

desenvolvimento – é extremamente ampla e abre margem para um denso debate sobre de que

forma um padrão segue cada um dos princípios.

A decisão é relevante e necessária para o amadurecimento e transparência no tocante

à criação de padrões no contexto do Acordo TBT. Mas parece inegável que exista um elevado

grau de subjetividade quanto ao princípio da efetividade e relevância, bem como da coerência

em relação ao processo de criação de um padrão. Parece recomendável ponderar, caso a caso,

a adequação da medida diante dos princípios, tendo como base as regras de não discriminação

e, principalmente, da necessidade da medida diante dos objetivos que pretende assegurar.

O princípio da efetividade e da relevância, por exemplo, estabelece que, para evitar

barreiras desnecessárias ao comércio, os padrões internacionais devem ser relevantes e

279

responder de maneira efetiva às necessidades regulatórias e de mercado, bem como aos

desenvolvimentos científicos e tecnológicos dos países. A noção de relevância deve ser

ponderada com a necessidade e o grau de restritividade da medida, e a consideração de

informações científicas e técnicas também, que na prática compõem o enfoque de avaliação

de riscos do Acordo TBT.

Efetividade e relevância são conceitos amplos que podem ser utilizados de forma

bastante discricionária, especialmente levando-se em conta quais interesses estão por trás de

uma medida criada por um grupo de atores específico, como no caso dos padrões privados.

Ressalte-se, ademais, que, quando se espera que os órgãos de padronização cumpram com o

Código de Boa Conduta e os princípios, não pode-se assumir que a mera adesão ao Código

implique reconhecimento explícito do cumprimento das obrigações do Acordo TBT.

Por fim, a avaliação de conformidade prevista pelo Artigo 5 contempla padrões e não

apenas regulamentações. Novamente é relevante citar que não há interpretação dos vários

dispositivos do Artigo 5 pelo OSC,342 o que prejudica a análise ora proposta, especialmente

quando se observa o disposto no Artigo 5.4:

Nos casos em que seja exigida uma declaração positiva de que os produtos estão em conformidade com regulamentos técnicos ou normas, e existam guias ou recomendações pertinentes emitidas por instituições de normalização internacionais, ou sua formulação definitiva for iminente, os Membros assegurarão que as instituições do governo central utilizarão estas guias ou recomendações, ou seus elementos pertinentes, como base de seus procedimentos de avaliação de conformidade, exceto quando, conforme devidamente explicado, caso solicitado, tais guias ou recomendações, ou seus elementos pertinentes, sejam inadequados para os Membros em questão, por razões como, inter alia: imperativos de segurança nacional, a prevenção de práticas enganosas; a proteção da saúde ou segurança humana, da saúde ou vida animal ou vegetal, ou do meio ambiente; fatores climáticos ou outros fatores geográficos fundamentais; problemas fundamentais tecnológicos ou de infra-estrutura.343 (grifo nosso).

342 No caso European Communities – Measures Affecting the Approval and Marketing of Biotech Products

(WORLD TRADE ORGANIZATION, 2006), o Artigo 5.2 foi levantado mas o painel entendeu que a medida em questão era sanitária e não técnica, o que prejudicou a análise do Artigo. Por sua vez, o Artigo 5.6 foi invocado e o Painel entendeu que não é necessário indicar violação específica de cada item do Artigo, bastando que o Artigo 5.6 seja levantado como um todo.

343 Artigo 5.4 do Acordo TBT: “In cases where a positive assurance is required that products conform with technical regulations or standards, and relevant guides or recommendations issued by international standardizing bodies exist or their completion is imminent, Members shall ensure that central government bodies use them, or the relevant parts of them, as a basis for their conformity assessment procedures, except where, as duly explained upon request, such guides or recommendations or relevant parts are inappropriate for the Members concerned, for, inter alia, such reasons as: national security requirements; the prevention of deceptive practices; protection of human health or safety, animal or plant life or health, or the environment; fundamental climatic or other geographical factors; fundamental technological or infrastructural problems.”

280

É importante destacar que a avaliação de conformidade é um instrumento utilizado

para avaliar se um produtor ou a indústria seguem requisitos predeterminados no tocante ao

método e processo de produção de um produto visando, por exemplo, reduzir impactos

ambientais. Os padrões privados usualmente criam sistemas de avaliação de conformidade

diante de seus princípios, critérios e indicadores, ou reconhecem diferentes auditorias e pares

que fazem essa avaliação em diversos lugares onde se pretende aplicar o padrão.

Retomando o caso dos voluntary schemes reconhecidos pela UE, vale argumentar

que se tornam processos de avaliação de conformidade explicitamente reconhecidos pela

Comissão Europeia, que abrangem inclusive padrões não exigidos pela UE. Para que um

produtor/exportador de etanol consiga cumprir com os critérios precisa atingir todos os

requisitos formulados.

Quando um Membro reconhece um procedimento de avaliação de conformidade

estabelecido por um padrão, utiliza esses critérios como base para atingir objetivos que adota

com base em uma regulamentação. Vale, neste sentido, questionar se os órgãos de padronização

e os procedimentos de avaliação da conformidade cumprem as obrigações do TBT.

Como previsto nos Artigos 8.1 e 8.2 do TBT,

Artigo 8.1: Os Membros tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar o cumprimento das disposições dos Artigos 5 e 6 por instituições não governamentais existentes em seu território que operam procedimentos de avaliação de conformidade, com exceção da obrigação de notificar os projetos de procedimentos de avaliação de conformidade. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições a agir de forma incompatível com as disposições dos Artigos 5 e 6. Artigo 8.2: Os Membros assegurarão que suas instituições de governo central só contem com procedimentos de avaliação de conformidade operados por instituições não governamentais se estas instituições cumprem com as disposições dos Artigos 5 e 6, com exceção da obrigação de notificar projetos de procedimentos de avaliação de conformidade.344

As regras dos artigos 5 e 6 tratam basicamente de requisitos de não discriminação,

transparência, custos, harmonização, concessão de prazos para comentários sobre os

344 Artigos 8.1 e 8.2 do Acordo TBT: “8.1: Members shall take such reasonable measures as may be available to them

to ensure that non-governmental bodies within their territories which operate conformity assessment procedures comply with the provisions of Articles 5 and 6, with the exception of the obligation to notify proposed conformity assessment procedures. In addition, Members shall not take measures which have the effect of, directly or indirectly, requiring or encouraging such bodies to act in a manner inconsistent with the provisions of Articles 5 and 6.” “8.2: Members shall ensure that their central government bodies rely on conformity assessment procedures operated by non-governmental bodies only if these latter bodies comply with the provisions of Articles 5 and 6, with the exception of the obligation to notify proposed conformity assessment procedures.”

281

requisitos da avaliação de conformidade e reconhecimento de diferentes sistemas de

avaliação.

Apesar de não haver análise do OSC sobre controvérsias envolvendo procedimentos

de avaliação de conformidade, é extremamente relevante ponderar que o reconhecimento

explícito da avaliação de conformidade criada por órgãos de padronização, mesmo que outros

órgãos que não os tradicionalmente reconhecidos como a ISO, IEC e ITU, vincula os

Membros ao cumprimento das regras do Acordo.

Por fim, vale destacar que para o Acordo TBT, a expressão non-governmental body

representa órgãos distintos dos órgãos centrais governamentais ou órgãos governamentais

locais, incluindo um órgão não governamental que tenha poder legal de aplicar uma

regulamentação técnica (Anexo 1.8).

O Artigo 10, que trata de informações sobre regulamentações técnicas, padrões e

procedimentos de avaliação de conformidade, estabelece que os pontos de informação

(enquiry points) criados pelos Membros devem responder questões e prover documentos

sobre regulamentações técnicas adotadas ou propostas por órgãos não governamentais que

tenham o poder de aplicar uma regulamentação técnica, bem como de padrões adotados ou

propostos por órgãos governamentais centrais ou locais.

Em princípio, o alcance da expressão órgãos não governamentais é limitado pela

ação de impor ou aplicar regulamentações criadas pelos Membros. Como até o momento

nenhum painel questionou o papel dos órgãos não governamentais diante de medidas no

escopo do TBT, não é possível apontar como o OSC avalia o termo.

Vale destacar, no entanto, que essa limitação prevista pelo Anexo 1.8 no tocante ao

conceito de órgãos não governamentais, não alcança a expressão non-governmental

standardizing bodies, prevista no Artigo 4:

Artigo 4.1: Os Membros assegurarão que suas instituições de normalização do governo central aceitem e cumpram o Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de Normas contido no Anexo 3 a este Acordo (doravante denominado "Código de Boa Conduta"). Eles tomarão as medidas razoáveis a seu alcance para assegurar que as instituições de normalização públicas locais ou não governamentais existentes em seu território , bem como as instituições de normalização regionais das quais eles ou uma ou mais instituições existentes em seu território sejam Membros, aceitem e cumpram este Código de Boa Conduta. Adicionalmente, os Membros não tomarão medidas que tenham o efeito direto ou indireto de obrigar ou encorajar tais instituições de normalização a agir de forma incompatível com o Código de Boa Conduta. As obrigações dos Membros, a respeito do cumprimento das disposições do Código de Boa Conduta pelas

282

instituições de normalização, se aplicarão independentemente de uma instituição de normalização ter aceito ou não o Código de Boa Conduta. Artigo 4.2: As instituições de normalização que tenham aceito e estejam cumprindo o Código de Boa Conduta serão consideradas cumpridoras dos princípios deste Acordo pelos Membros.345 (grifo nosso).

Os Membros devem assegurar que seus órgãos de padronização aceitem e cumpram

com as disposições do Código de Boas Práticas, bem como devem adotar medidas razoáveis

para assegurar que órgãos de padronização não governamentais aceitem e cumpram o Código.

A adesão e o cumprimento do Código significam que o órgão de padronização,

governamental e não governamental, seguem os princípios do Acordo TBT. A grande questão

que merece ser analisada caso a caso, como ressaltado acima, é o que efetivamente significa

cumprir com esses requisitos levando-se em conta os requisitos necessários para cumprir com

o princípio da não discriminação.

Além do mais, medidas razoáveis é uma expressão que pode dar margem para ações

discricionárias, ora pela adoção de medidas, ora pela não adoção de medida alguma que

previna ações questionáveis. Neste sentido, parece válido citar que o apoio expressivo que

certos Membros dão a iniciativas de padrões privados poderia, dependendo do caso,

caracterizar a adoção de medidas que acabem levando a padrões que não necessariamente

seguirão o Código de Boa Conduta e os princípios para elaboração de padrões, especialmente

o da efetividade e relevância.

Como ressalta Gabrielle Marceau, o histórico de criação dos acordos da OMC ajuda

a compreender certas limitações, inclusive quanto à relação com outras normas de direito

internacional:

Ao agrupar dentro do framework agreement vários textos negociados, sem nenhuma discussão de organização interna ou hierarquia das normas da OMC, os negociadores esperavam que a flexibilidade inerente a algumas provisões dos tratados da OMC poderiam ser suficientes para reconciliar tensões entre as suas várias provisões. No entanto, a redação em algumas

345 Artigos 4.1 e 4.2 do Acordo TBT: “Article 4.1 - Members shall ensure that their central government

standardizing bodies accept and comply with the Code of Good Practice for the Preparation, Adoption and Application of Standards in Annex 3 to this Agreement (referred to in this Agreement as the “Code of Good Practice”). They shall take such reasonable measures as may be available to them to ensure that local government and non-governmental standardizing bodies within their territories, as well as regional standardizing bodies of which they or one or more bodies within their territories are members, accept and comply with this Code of Good Practice. In addition, Members shall not take measures which have the effect of, directly or indirectly, requiring or encouraging such standardizing bodies to act in a manner inconsistent with the Code of Good Practice. The obligations of Members with respect to compliance of standardizing bodies with the provisions of the Code of Good Practice shall apply irrespective of whether or not a standardizing body has accepted the Code of Good Practice.” “Article 4.2 - Standardizing bodies that have accepted and are complying with the Code of Good Practice shall be acknowledged by the Members as complying with the principles of this Agreement.”

283

provisões da OMC não apóia tal esperança. Isso torna muito difícil definir claramente e de forma precisa os parâmetros legais das relações entre provisões de diferentes Acordos da OMC.346

Vale recordar que quando vários países assinaram a Declaração de Nova Iorque

sobre Florestas, e outros apoiam financeiramente iniciativas de padronização que visam

promover cadeias livres de desmatamento, parecem adotar medidas positivas que levem a

criação de padrões. Sem entrar no mérito e na relevância do tema, dependendo de como os

padrões sejam estabelecidos podem criar barreiras e ensejar uma análise pormenorizada diante

do Acordo TBT.

É essencial destacar que o Acordo TBT, no entanto, não conceitua órgãos de

padronização não governamentais. Mas exige dos órgãos de padronização, sem especificar se

apenas dos governamentais, o cumprimento dos princípios centrais do Acordo TBT no tocante

a não discriminação e criação de obstáculos desnecessários ao comércio internacional:

D. No que se refere a normas, a instituição de normalização concederá aos produtos originários do território de qualquer outro Membro da OMC tratamento não menos favorável do que o concedido a produtos similares de origem nacional e a produtos originários de qualquer outro país. E. A instituição de normalização assegurará que as normas não sejam elaboradas, adotadas ou aplicadas com vistas a, ou com o efeito de, criar obstáculos desnecessários ao comércio internacional.347 (grifo nosso).

Na verdade, não é possível precisar de que forma as organizações de padronização

não governamentais seriam tratadas em um eventual caso perante o OSC. No entanto, parece

válido mencionar que, no âmbito do ISO Guide, seguido pelo Acordo TBT, quando não traz

conceitos específicos, o processo de criação de padrões pode ocorrer setorialmente,

envolvendo associações, empresas e indústrias a nível individual (national standardization,

Cláusula 1.6.3). Ainda, é importante lembrar que o conceito de outros padrões da ISO –

“standards may also be adopted on other bases, e.g. branch standards and company

346 MARCEAU; TRACHTMAN, 2014, p. 353. Tradução nossa: “In grouping under a framework agreement

various negotiated texts, without any extensive discussion of the internal organization and hierarchy of WTO norms, negotiators may have hoped that the flexibility inherent in some of the WTO treaty provisions would suffice to reconcile all tensions among its various provisions. The wording of some WTO provisions does not always support such hope. It becomes vey difficult to define clearly and precisely the legal parameters of the relationships among the provisions of the different WTO agreements”

347 Anexo 3 do Acordo TBT, Disposições substantivas: “D. In respect of standards, the standardizing body shall accord treatment to products originating in the territory of any other Member of the WTO no less favourable than that accorded to like products of national origin and to like products originating in any other country.” “E. The standardizing body shall ensure that standards are not prepared, adopted or applied with a view to, or with the effect of, creating unnecessary obstacles to international trade.”

284

standards. Such standards may have a geographical impact covering several countries” –

engloba padrões privados de forma explícita.348

Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que padrões criados por diversos atores –

indústrias, bancos, ONGs, produtores, varejistas, academia, incluindo ou não órgãos públicos

ou país de forma mais ampla – devem seguir os preceitos do Acordo TBT. A grande dúvida

assenta-se no fato de que normalmente os Membros é que devem seguir as regras da OMC.

Porém, conforme argumentado acima, os Membros devem agir com vistas a evitar que órgãos

ou grupos que criam padrões criem barreiras ao comércio.

Como amplamente destacado no Capítulo 1, essa discussão tem espaço no CTE, no

Comitê do Acordo TBT e também no Comitê do Acordo SPS. A seguir, busca-se analisar a

jurisprudência relativa ao Acordo SPS com o propósito de encontrar respaldo para comprovar

a hipótese de que os padrões privados devem seguir as regras da OMC e os Membros podem

ser questionados no OSC, caso um padrão crie restrições ao comércio.

4.3.4 Regras do Acordo SPS no contexto dos padrões privados

Antes de analisar a jurisprudência do OSC sobre o Acordo SPS que pode ser útil para

o debate de padrões privados, é importante destacar os principais dispositivos do Acordo que

podem, na visão do autor, ter relação com a criação e implementação de medidas sanitárias e

fitossanitárias que adotem, como base ou referência, padrões privados. O Quadro 17 resume

essas regras:

Conceito (escopo)

“Anexo A.1 – Medida sanitária ou fitossanitária – Qualquer medida aplicada: (a) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde animal ou vegetal dos riscos resultantes da entrada, do estabelecimento ou da disseminação de pragas, doenças ou organismos patogênicos ou portadores de doenças; (b) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal dos riscos resultantes da presença de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos em alimentos, bebidas ou ração animal; (c) para proteger, no território do Membro, a vida ou a saúde humana ou animal de riscos resultantes de pragas transmitidas por animais, vegetais ou por produtos deles derivados, ou da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas; ou (d) para impedir ou limitar, no território do Membro, outros prejuízos resultantes da entrada, estabelecimento ou disseminação de pragas. As medidas sanitárias e fitossanitárias incluem toda legislação pertinente, decretos, regulamentos, exigências e procedimentos incluindo, inter alia, critérios para o produto final; processos e métodos de produção; procedimentos para testes, inspeção, certificação e homologação; regimes de quarentena, incluindo exigências pertinentes associadas com o transporte de animais ou vegetais, ou com os materiais necessários

348 INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO/IEC Guide. General Terms and Their

Definitions Concerning Standardization and Related Activities, 6th Edition, 1991. Cláusula 3.2.2.

285

para sua sobrevivência durante o transporte; disposições sobre métodos estatísticos pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de avaliação de risco; e requisitos para embalagem e rotulagem diretamente relacionadas com a segurança dos alimentos.”

Objetivos legítimos

“Artigo 2.1 - Os Membros têm o direito de adotar medidas sanitárias e fitossanitárias para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as disposições do presente Acordo. Artigo 2.2 - Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária e fitossanitária seja aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem evidência científica suficiente, à exceção do determinado pelo parágrafo 7 do Artigo 5.”

Como o acordo trata de entidades/órgãos não governamentais

“Artigo 13 – Os Membros são integralmente responsáveis, no presente Acordo, pelo cumprimento de todas as obrigações aqui estabelecidas. Os Membros formularão e implementarão medidas e mecanismos positivos em favor da observação das disposições do presente Acordo por outras instituições além das instituições do governo central. Os Membros adotarão as medidas razoáveis que estiverem a seu alcance para assegurar que as instituições não governamentais existentes em seus territórios, assim como os órgãos regionais dos quais instituições pertinentes em seus territórios sejam membros, cumpram com as disposições relevantes do presente Acordo. Ademais, os Membros não adotarão medidas que tenham o efeito de, direta ou indiretamente, obrigar ou encorajar tais instituições não governamentais ou regionais, a agirem de forma incompatível com as disposições do presente Acordo. Os Membros assegurarão o uso dos serviços de instituições não governamentais para a implementação de medidas sanitárias ou fitossanitárias apenas se tais entidades cumprirem com as disposições do presente Acordo.”

Harmonização

“Artigo 3.1 – Com vistas a harmonizar as medidas sanitárias e fitossanitárias da forma mais ampla possível, os Membros basearão suas medidas sanitárias e fitossanitárias em normas, guias e recomendações internacionais, nos casos em que existirem, exceto se diferentemente previsto por este Acordo, e em especial no parágrafo 3. Artigo 3.2 – Presumir-se-ão como necessárias à proteção da vida ou da saúde humana, animal e vegetal, assim como serão consideradas compatíveis com as disposições pertinentes do presente Acordo e do GATT 1994 as medidas sanitárias e fitossanitárias que estejam em conformidade com normas, guias e recomendações internacionais. Artigo 3.3 – Os Membros podem introduzir ou manter medidas sanitárias e fitossanitárias que resultem em nível mais elevado de proteção sanitária ou fitossanitária do que se alcançaria com medidas baseadas em normas, guias ou recomendações internacionais competentes, se houver uma justificação científica, ou como consequência do nível de proteção sanitária ou fitossanitária que um Membro determine ser apropriado, de acordo com as disposições relevantes dos parágrafos 1 a 8 do Artigo 52. Não obstante o acima descrito, todas as medidas que resultem em nível de proteção sanitária ou fitossanitária diferente daquele que seria alcançado pela utilização de medidas baseadas em normas, guias ou recomendações internacionais não serão incompatíveis com qualquer outra disposição do presente Acordo. Artigo 3.4 – Os Membros terão participação plena, dentro dos limites de seus recursos, nas organizações internacionais competentes e em seus órgãos subsidiários, em especial na Comissão do Codex Alimentarius, no Escritório Internacional de Epizootias e em organizações internacionais e regionais que operem no contexto da Convenção Internacional sobre Proteção Vegetal, para promover, em tais organizações, a elaboração e revisão periódica de normas, guias e recomendações com respeito a todos os aspectos das medidas sanitárias e fitossanitárias.”

Equivalência

“Artigo 4.1 – Os Membros aceitarão as medidas sanitárias e fitossanitárias de outros Membros como equivalentes, mesmo se tais medidas diferirem de suas próprias medidas ou de medidas usadas por outros Membros que comercializem o mesmo produto, se o Membro exportador demonstrar objetivamente ao Membro importador que suas medidas alcançam o nível adequado de proteção sanitária e fitossanitária do Membro importador. Para tal fim, acesso razoável deve ser concedido, quando se solicite, ao Membro importador, com vistas a inspeção, teste e outros procedimentos

286

relevantes. Artigo 4.2 – Os Membros, quando se solicitem, realizarão consultas com o objetivo de alcançar acordos bilaterais e multilaterais para reconhecimento da equivalência das medidas sanitárias ou fitossanitárias específicas.”

Avaliação de risco

“Artigo 5.8 – Quando um Membro tiver razão para crer que uma medida sanitária ou fitossanitária introduzida ou mantida por um outro Membro é restritiva ou tem o potencial de restringir suas exportações e que a medida não está baseada em normas, guias ou recomendações internacionais pertinentes, ou que tais normas guias ou recomendações não existem, poderá solicitar – e o Membro que mantém a medida terá que fornecer – uma explicação das razões para a existência de tal medida sanitária ou fitossanitária.”

Tratamento especial e diferenciado

“Artigo 10. 1 – Na elaboração e aplicação das medidas sanitárias ou fitossanitárias, os Membros levarão em consideração as necessidades especiais dos países em desenvolvimento Membros, e, em especial, dos países de menor desenvolvimento relativo Membros.”

Quadro 17 – Artigos do Acordo SPS relevantes para a análise de padrões privados ao comércio Fonte: Acordo SPS.

Apesar de o foco da presente pesquisa ser voltado para os padrões privados relativos

a temas ambientais, a agenda de padrões privados ligados a medidas sanitárias e

fitossanitárias merece atenção.

De um lado, porque a discussão sobre padrões privados que ocorre no Comitê do

Acordo SPS é mais avançada do que o debate no Comitê do Acordo TBT e do próprio CTE.

De outro, porque, levando em conta o propósito de avaliar até que medida a OMC regula os

padrões privados, é recomendável analisar os padrões de forma mais abrangente e não com

foco exclusivo nas questões ambientais.

Dessa forma, a análise a seguir considerará o estado atual das negociações no âmbito

do Ad hoc Working Group on SPS-related Private Standards to the SPS Committee para, em

um segundo momento, tratar da jurisprudência relativa ao Acordo SPS no OSC.

Como resultado das discussões sobre padrões privados SPS no contexto do grupo ad

hoc criado no âmbito do Comitê, os Membros adotaram cinco ações que deverão ser

paulatinamente implementadas:

Ação 1: O Comitê SPS deveria desenvolver uma definição operacional de padrões privados SPS e limitar as discussões a eles; Ação 2: O Comitê SPS deveria informar regularmente o Codex, a OIE e a CIPV sobre desenvolvimentos relevantes sobre as considerações de padrões privados SPS; igualmente, deveriam convidar essas organizações para regularmente informar o Comitê SPS sobre seus respectivos desenvolvimentos; Ação 3: O Comitê da SPS convida o Secretariado para informá-lo sobre o desenvolvimento em outros foros da OMC, que podem ser relevantes para a discussão de padrões privados SPS; Ação 4: Membros são encorajados para se comunicar com entidades/organizações nos seus territories que estejam envolvidas com padrões privados SPS, para sensibiliza-las sobre a importância de questões

287

levantadas no Comitê SPS e destacar a importância de padrões internacionais estabelecidos pelo Codex, OIE e CIPV; Ação 5: O Comitê SPS deveria explorar a possibilidade de trabalhar com o Codex, OIE e CIPV para apoiar o desenvolvimento e/ou disseminação de material informativo destacando a importância de padrões internacionais SPS.349

Outras ações propostas que não foram aprovadas pelos Membros tocam em aspectos

relevantes como: a) de que forma os padrões privados SPS se relacionam com padrões

internacionais e regulamentações dos países; b) o Comitê deveria criar um fórum para discutir

specific trade concerns relacionados com padrões privados SPS; c) o Comitê deveria criar

orientações voltadas para promover a implementação do Artigo 13, que trata do cumprimento

do Acordo inclusive por outros órgãos, além de órgãos centrais do governo e entidades não

governamentais; d) o Comitê deveria desenvolver um código de boas práticas para a

preparação e adoção de padrões privados, dentre outros aspectos.350

É fundamental destacar a resistência, especialmente dos Membros desenvolvidos,

quanto à interpretação do Artigo 13, notadamente no tocante às expressões other than central

government bodies e non-governmental entities. A proposta de conceito de padrões privados

349 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2011a. Tradução nossa: “Action 1: The SPS Committee should

develop a working definition of SPS-related private standards and limit any discussions to these. Action 2: The SPS Committee should regularly inform the Codex, OIE and IPPC regarding relevant developments in its consideration of SPS-related private standards, and should invite these organizations to likewise regularly inform the SPS Committee of relevant developments in their respective bodies. Action 3: The SPS Committee invites the Secretariat to inform the Committee on developments in other WTO for a which could be of relevance for its discussions on SPS-related private standards. Action 4: Members are encouraged to communicate with entities involved in SPS-related private standards in their territories to sensitize them to the issues raised in the SPS Committee and underline the importance of international standards established by the Codex, OIE and IPPC. Action 5: The SPS Committee should explore the possibility of working with the Codex, OIE and IPPC to support the development and/or dissemination of informative materials underlining the importance of international SPS standards.”

350 WORLD TRADE ORGANIZATION. Committee on Sanitary and Phytosanitary Measures. Report of the Ad hoc Working Group on SPS-related Private Standards to the SPS Committee. G/SPS/W/256. 3 March 2011b. “Action 6: Members are encouraged to exchange relevant information regarding SPS-related private standards to enhance understanding and awareness on how these compare or relate to international standards and governmental regulations, without prejudice to the different views of Members regarding the scope of the SPS Agreement. Action 7: The SPS Committee should provide a forum for the discussion of specific trade concerns related to SPS-related private standards. Action 8: The SPS Committee should develop guidelines on the implementation of Article 13 of the SPS Agreement. Action 9: The SPS Committee should develop a transparency mechanism regarding SPS-related private standards. Action 10: The SPS Committee should develop a Code of Good Practice for the preparation, adoption and application of SPS-related private standards. Action 11: The SPS Committee should develop guidelines for the governments of WTO Members to liaise with entities involved in SPS-related private standards. Action 12: The SPS Committee should seek clarification as to whether the SPS Agreement applies to SPS-related private standards”.

288

SPS feita no âmbito do grupo ad hoc em 2012 buscou inserir expressamente o termo non-

governamental entities, mas até o momento os Membros não acordaram um conceito.351

Vale ponderar que no Acordo TBT as expressões non-governamental bodies e

governamental standardizing bodies podem ser comparadas aos conceitos do SPS, muito

embora sejam mais imprecisas.

Pode-se argumentar que órgãos, no âmbito do Acordo TBT, abrangem não só um

órgão responsável por cobrar a adoção de uma regulamentação, o que na prática é uma tarefa

procedimental (processo). Se uma barreira técnica pode ser adotada com base em uma

regulamentação ou em um padrão, é de se esperar que a medida tenha embasamento em um

conteúdo e justificativas (substância).

Vale ponderar que se no Acordo SPS é visível que uma entidade não governamental

ou órgãos além do governo central devem cumprir as previsões do Acordo, especialmente no

tocante a justificativas e fundamentos para uma medida sanitária (Artigo 2 cumulado com o

Artigo 5 do SPS).

Vale mencionar que os Artigos 13 do SPS e 4 do TBT contêm previsões que visam

atingir os mesmos objetivos, ou seja, requerer que os Membros adotem medidas para evitar

que órgãos ou entidades não governamentais ajam em desconformidade com suas regras.

A necessidade de uma medida sanitária ou fitossanitária é de extrema relevância

perante o Acordo SPS, tendo como premissa central não criar restrições desnecessárias ao

comércio. Neste sentido, a jurisprudência sobre o Artigo 2.2 é vasta e deixa claro quais sãos

os requisitos para que um Membro possa adotar uma medida.

No caso European Communities – Measures Affecting the Approval and Marketing

of Biotech Products, o Painel definiu três elementos básicos que devem ser analisados para

comprovar a adequação de uma medida sanitária ou fitossanitária: a) a medida deve ser

aplicada até onde seja necessário para proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal; b)

a medida deve ser fundamentada por princípios e evidências científicas; c) a medida não deve

ser mantida sem suficientes evidências científicas.352

O requisito de necessidade é central para uma medida que visa atingir um objetivo

como proteção da vida e saúde humana, animal ou vegetal. A necessidade se relaciona com o

351 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2012b. 352 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2006. “Paragraph 7.1424: It is apparent from the text of Article 2.2

that this provision contains three separate requirements: (i) the requirement that SPS measures be applied only to the extent necessary to protect human, animal or plant life or health; (ii) the requirement that SPS measures be based on scientific principles; and (iii) the requirement that SPS measures not be maintained without sufficient scientific evidence.”

289

Artigo XX (b) e (g), como visto acima, e na prática funciona como um atributo essencial

diante da adoção de medidas que podem criar restrições ao comércio, abrangendo

principalmente os Acordos SPS, TBT e Artigo XX do GATT.

No caso United States – Certain Measures Affecting Imports Of Poultry From China,

o Painel esclareceu que as evidências ou informações científicas devem estabelecer uma

relação racional com a medida em questão, devem ser suficientes para demonstrar a existência

de um risco que na prática a medida visa reduzir e devem ser pautadas por avaliação dos

riscos inerentes.353

Sem justificativas para fundamentar uma medida que exija o tratamento de frutas

para prevenir a entrada de uma doença, ou limites máximos de resíduos nos alimentos como

forma de proteger a saúde humana, a possibilidade de que se criem barreiras ao comércio se

torna marcante. Consequentemente, quando uma medida não considera padrões internacionais

reconhecidos e visa atingir um nível apropriado de proteção determinado pelo Membro, há

que se ter ao menos um mínimo de evidências, o que requer avaliar os riscos como forma de

determinar qual a melhor forma de alcançar o objetivo pretendido.

A jurisprudência relativa aos Artigos 2 (direitos básicos e obrigações) e 5 (avaliação

de riscos) é farta e bastante clara quanto à necessidade de se fundamentar as medidas em

evidências, evitando-se, desta forma, a adoção de medidas desnecessárias e que causem

restrições ao comércio. No caso European Communities – Measures Concerning Meat and

Meat Products, o OA determinou que avaliação de riscos e medidas fundamentadas são

pilares fundamentais do Acordo SPS, estabelecendo uma relação extremamente importante

entre objetivos legítimos, fundamentos para alcançá-los e avaliação de riscos e justificativas

para tanto.354

A medida sanitária ou fitossanitária precisa ter uma relação muito clara com os

dados, informações e evidências científicas que a justificam. Para tanto, é essencial que haja

um risco que a medida vise acolher.

353 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2010b. “Paragraph 7.200: […] to maintain Section 727 with sufficient

scientific evidence, the scientific evidence must bear a rational relationship to the measure, be sufficient to demonstrate the existence of the risk which the measure is supposed to address, and be of the kind necessary for a risk assessment.”

354 WORLD TRADE ORGANIZATION. European Communities – Measures Concerning Meat and Meat Products (Hormones). WT/DS26 and WT/DS48. Disponível em: <https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds26_e.htm>. Acesso em: 12 abr. 2016g. “Paragraph 177: The requirements of a risk assessment under Article 5.1, as well as of “sufficient scientific evidence” under Article 2.2, are essential for the maintenance of the delicate and carefully negotiated balance in the SPS Agreement between the shared, but sometimes competing, interests of promoting international trade and of protecting the life and health of human beings.”

290

O quanto as evidências são suficientes é outro aspecto de extrema relevância.

Assumindo que os Membros podem adotar medidas próprias, diferentes dos padrões

internacionais, e que as medidas devem ser necessárias para atingir fins específicos, não se

pode esperar que as medidas sejam fundamentadas em argumentos frágeis ou cientificamente

questionáveis.

No caso Australia – Measures Affecting the Importation of Salmon, que tratava de

restrições adotadas pela Austrália contra as importações de salmão fresco, resfriado ou

congelado dos Estados Unidos e do Canadá, envolvendo proibição de importar certos

produtos, temperatura mínima de aquecimento utilizada no tratamento e requerimentos para a

entrada não comercial de carne e ovas, após intensa discussão científica entre as autoridades

sanitárias no tocante aos requisitos e à prevenção da entrada de doenças, a Austrália adotou

medidas restritivas mesmo considerando que a probabilidade da contaminação com doenças

era baixa, muito embora tivesse preocupação com efeitos econômicos indesejáveis que

pudessem afetar a produção comercial e a pesca recreativa. Na visão deste autor,

Felizmente tanto o painel quanto o OA reforçaram a relação entre os artigos 2.2 e 5.1, socorrendo-se no precedente criado no caso dos hormônios, pois uma vez que uma medida sanitária não é baseada em verificação de risco como requerem os artigos 5.1 e 5.2, pode-se presumir, de forma genérica, que não se baseia em princípios científicos ou é mantida sem suficientes evidências científicas, o que reflete afronta ao artigo 2.2. Numa leitura despropositada do SPS, pareceria lógica a vinculação entre os artigos 2.2 e 5.1, pois é da natureza do Acordo cuidar de questões que carecem de evidências científicas, de pesquisas e avaliações que nem sempre são possíveis, seja pela própria limitação da ciência ou pela inexistência de recursos financeiros e de capacitação técnica.355

A importância de ressaltar o papel das evidências científicas e da avaliação de riscos

na interpretação do Acordo SPS deve-se ao fato de que a criação de padrões privados SPS tem

propósitos – proteger a saúde animal, por exemplo – que precisam ser fundamentados, sob

pena de ensejarem restrições e barreiras, especialmente para países em desenvolvimento e de

menor desenvolvimento relativo.

O fato de diferentes atores se unirem para criar padrões tem relação direta com

interesses e objetivos comuns, como proteção da saúde e vida humana, animal e vegetal,

proteção de valores ambientais e sociais, dentre outros.

Neste sentido, é relevante mencionar o conceito de international standards,

guidelines and recommendations previsto pelo Anexo A.3 do Acordo SPS:

355 LIMA, 2005, p. 199.

291

Normas, guias e recomendações internacionais (a) para a segurança dos alimentos, as normas, guias e recomendações estabelecidos pela Comissão do Codex Alimentarius no que se refere a aditivos para alimentos; drogas veterinárias e resíduos pesticidas; contaminantes; métodos para análise e amostragem; e códigos e guias para práticas de higiene; (b) para saúde animal e zoonoses, as normas, guias e recomendações elaboradas sob os auspícios do Escritório Internacional de Epizootias; (c) para saúde vegetal, as normas, guias e recomendações internacionais elaborados sob os auspícios do Secretariado da Convenção Internacional sobre Proteção Vegetal, em cooperação com organizações regionais que operam no contexto da Convenção Internacional sobre Proteção Vegetal; e (d) para temas não cobertos pelas organizações acima, normas, guias e recomendações adequados promulgados por outras organizações internacionais pertinentes abertas à participação de todos os Membros, conforme identificadas pelo Comitê.356

Padrões internacionais criados pelas organizações irmãs do Acordo SPS – OIE,

CIPV e Codex – são automaticamente reconhecidos como condizentes com as regras do

Acordo. Vale ressaltar, no entanto, que, de acordo com o item (d), outras organizações que

criam normas, guias e recomendações devem ser abertas à participação dos Membros, sem, no

entanto, definir critérios ou parâmetros para tanto.

Indo mais além, e tendo o Artigo 13 como base especialmente quando estabelece que

os Membros devem adotar medidas para evitar que non-governmental entities e other than

central government bodies cumpram com as disposições do Acordo, parece natural questionar

a limitação de escopo que o conceito de padrões internacionais traz no tocante a quem cria os

padrões.

Isso porque há diversas iniciativas de padronização além das três irmãs do Acordo

SPS – OIE, Codex e CIPV – que criam padrões privados que passam a ser adotados por

empresas e que podem criar restrições ao comércio.

Durante a 76a Sessão Geral da Organização Mundial de Saúde Animal, em 2008,

após uma intensa discussão sobre o estabelecimento de padrões privados com foco em

356 Acordo SPS, Anexo A.3: “International standards, guidelines and recommendations:

(a) for food safety, the standards, guidelines and recommendations established by the Codex Alimentarius Commission relating to food additives, veterinary drug and pesticide residues, contaminants, methods of analysis and sampling, and codes and guidelines of hygienic practice; (b) for animal health and zoonoses, the standards, guidelines and recommendations developed under the auspices of the International Office of Epizootics; (c) for plant health, the international standards, guidelines and recommendations developed under the auspices of the Secretariat of the International Plant Protection Convention in cooperation with regional organizations operating within the framework of the International Plant Protection Convention; and (d) for matters not covered by the above organizations, appropriate standards, guidelines and recommendations promulgated by other relevant international organizations open for membership to all Members, as identified by the Committee.”

292

medidas sanitárias relacionadas à saúde animal, os Membros da OIE adotaram a Resolução

26, denominada Roles of public and private standards in animal health and animal welfare.

De acordo com a Resolução, os padrões privados podem gerar benefícios, mas com

foco em reforçar os padrões internacionais e evitar a criação de padrões que possam causar

confusão sobre segurança de alimentos que cumprem com padrões oficiais. Dentre as

resoluções adotadas, vale citar:

2. Reafirmar os padrões publicados pela OIE, no tema de saúde animal, incluindo zoonoses, como a garantia oficial para segurança do comércio internacional de animais e produtos de animais, ao mesmo tempo evitando barreiras sanitárias injustificadas, e promovendo a prevenção e controle das doenças animais. 8. O Diretor Geral deve manter cooperação próxima sobre padrões sanitários com relevantes organizações internacionais, sendo que a OMC e FAO/WHO Codex Alimentarius Commission devem estabelecer um framework transparente para lidar com padrões sanitários privados que afetem o comércio internacional;357

Outra discussão tratada pela Resolução refere-se a padrões sobre bem-estar animal,

que, no entender da OIE, devem ser tratados em sintonia com os padrões que estão sendo

criados pela Organização.358

Vale lembrar que padrões e boas práticas sobre bem-estar animal é um tema da

agenda do Consumer Goods Forum, que poderia ser tratado no contexto do Acordo TBT e,

em tese, do Acordo SPS.359 Padrões privados sobre bem-estar animal que contrariem ou sejam

mais exigentes do que padrões da OIE poderiam ser questionados na OMC diante do Acordo

SPS?

357 WORLD ORGANIZATION FOR ANIMAL HEALTH. Resolution 26, Roles of public and private standards

in animal health and animal welfare.. Disponível em: <http://doc.oie.int:8080/dyn/portal/index.seam?page=alo&aloId=21400&fonds=&cid=341>. Acesso em: 25 set. 2016. p. 173. Tradução nossa: 2. To reaffirm the standards published by the OIE in the field of animal health, including zoonoses, as the official guarantees for safe international trade in animals and animal products, while avoiding unjustified sanitary barriers to trade and promoting the prevention and control of animal diseases worldwide; 8. That the Director General maintain close cooperation on sanitary standards with relevant international organisations, notably the WTO and the FAO/WHO Codex Alimentarius Commission, to establish a transparent framework for dealing with private sanitary standards that affect international trade within the WTO”

358 O debate sobre bem estar animal, sua inclusão ou não no contexto do Acordo SPS e potenciais barreiras ao comércio é um assunto bastante relevante e que merece atenção dos Membros. Neste sentido, vale consultar, JOSLING, Tim; ROBERTS, Donna; ORDEN, David. Food Regulation and Trade. Toward a Safe and Open Global System. Washington DC: Institute for International Economics, March 2004. p. 174-181.

359 Apesar de a OIE criar padrões sobre bem-estar animal, não há clareza sobre se este tema recai no âmbito de medidas sanitárias ou do Acordo TBT. Vale analisar a discussão do grupo de trabalho criado na OIE para debater padrões privados, especialmente a visão de Gretchen Stanton da OMC a respeito do tema. Para tanto, consultar: <http://www.oie.int/doc/ged/D6545.PDF>.

293

Adicionalmente, é importante ressaltar a possibilidade de se adotar medidas

provisionais de forma excepcional, contida no Artigo 5.7 do SPS, que nada mais é, na prática,

do que o enfoque de precaução no direito ambiental internacional:

Nos casos em que a evidência científica for insuficiente, um Membro pode provisoriamente adotar medidas sanitárias ou fitossanitárias com base em informação pertinente que esteja disponível, incluindo-se informação oriunda de organizações internacionais relevantes, assim como de medidas sanitárias ou fitossanitárias aplicadas por outros Membros. Em tais circunstâncias, os Membros buscarão obter a informação adicional necessária para uma avaliação mais objetiva de risco e revisarão, em consequência, a medida sanitária ou fitossanitária em um prazo razoável.360

De um lado, as medidas excepcionais podem transparecer a possibilidade de

justificar medidas relevantes para alcançar os objetivos do Acordo SPS. De outro,

dependendo de como as medidas sejam adotadas tendo o Artigo 5.7 como fundamento, abre-

se a oportunidade para a criação de requisitos ou até mesmo barreiras que podem, em

princípio, ser questionáveis diante do racional dos Artigos 2 e 5.

Levando em conta que o enfoque de precaução tem origem no direito ambiental, e

tornou-se ao longo dos anos base para vários MEAs e políticas nacionais, representa uma

forma de se buscar proteger objetivos ambientais relevantes para países e atores privados.

Deve-se salientar, no entanto, que a análise de medidas que consideraram o Artigo 5.7

permitiu consolidar requisitos essenciais para a aplicação de medidas excepcionais.

No caso Japan – Measures Affecting Agricultural Products, o Painel definiu quatro

requisitos cumulativos que devem ser observados ao adotar uma medida provisional: a) a

medida adotada trata de um caso onde relevantes informações científicas são insuficientes; b)

a medida é adotada com base em informações pertinentes que sejam disponíveis. Caso a

medida cumpra esses dois requisitos, é preciso avaliar se o Membro: c) busca obter

informações adicionais para uma análise mais objetiva dos riscos; e d) revê a medida dentro

de um período razoável de tempo.361

360 Artigo 5.7 do Acordo SPS: “In cases where relevant scientific evidence is insufficient, a Member may

provisionally adopt sanitary or phytosanitary measures on the basis of available pertinent information, including that from the relevant international organizations as well as from sanitary or phytosanitary measures applied by other Members. In such circumstances, Members shall seek to obtain the additional information necessary for a more objective assessment of risk and review the sanitary or phytosanitary measure accordingly within a reasonable period of time”.

361 WORLD TRADE ORGANIZATION. Japan – Measures Affecting Agricultural Products. Report of the Panel. WT/DS76/R. 27 October 1998d. “Paragraph 8.54: In our view, the first sentence of Article 5.7 allows Members to provisionally adopt phytosanitary measures if two elements, cumulative in nature, are met: i) the measure is imposed in respect of a situation where "relevant scientific information is insufficient"; and ii) the measure is adopted "on the basis of available pertinent information. However, even if a measure meets both of these elements, the second sentence of Article 5.7 imposes additional obligations on the Member

294

Como destacado por este autor,

É importante notar que o Artigo 2.2 fala em justificação científica e requer a suficiência de tais provas, prevendo como exceção o artigo 5.7 – enfoque de precaução como entendido pelo OSC –, o que permitiria a adoção de medidas provisionais sem que a noção de suficiência fosse alcançada de imediato; contudo, atrela tal possibilidade à verificação de risco, que importa em buscar novas provas que sejam capazes de fundamentar a medida. Desta forma, justificação científica e verificação de risco são compromissos obrigatórios a serem cumpridos para que se possa fundamentar uma medida no princípio de precaução ou no enfoque precaucional, como quer o OSC. Quando o OA vê no artigo 3.3 matizes do que entende por enfoque precaucional, concede ao artigo uma interpretação positiva ao permitir a adoção de medidas sanitárias ou fitossanitárias que sejam baseadas em padrões, guias ou recomendações mais restritivas que as internacionalmente adotadas, desde que, para tanto, haja justificação científica. O tratamento dado pelo OA à matéria é construtivo, uma vez que o SPS busca proteger a vida e a saúde humana, animal e vegetal e, por este motivo, trabalha com riscos e incertezas científicas. A existência de posicionamentos distintos é por vezes natural e salutar, merecendo, desta forma, o devido acolhimento caso haja evidências objetivas capazes de sustentá-las.362

A importância do Artigo 5.7 e de medidas que visem garantir bens relevantes no

campo ambiental, mesmo que não exista consenso sobre como melhor tratar certos assuntos é

visível. Basta ver a amplitude de temas que compõem critérios de um padrão – emissões de

GEEs, conservação da biodiversidade, uso de água, níveis de poluição, desmatamento, bem-

estar animal, biotecnologia, dentre outros.

A grande questão subjacente à construção de um padrão internacional e/ou privado,

envolvendo princípios, critérios e indicadores, é quais são os objetivos que se pretende atingir

(finalidade), quais evidências existem para fundamentar o padrão e qual o formato final da

medida ou das medidas que serão adotadas. Ora os padrões são usados diretamente pelos

países, ora diretamente pelos atores privados, e, em alguns casos, por ambos.

A harmonização de regulamentações e padrões, incentivada pelo Artigo 3.1, é

relevante nesse contexto. Isso porque, ao usar padrões internacionais, orientações e

recomendações, os Membros tendem a promover a adoção de medidas similares e,

consequentemente, incentivar a liberdade de comércio.

A liberdade para adotar medidas baseadas em critérios próprios é cabível e pode ser

exercida desde que haja justificativa científica e avaliação dos riscos envolvidos. Nesse

provisionally adopting the measure, namely the obligation to iii) "seek to obtain the additional information necessary for a more objective assessment of risk"; and iv) "review the … phytosanitary measure accordingly within a reasonable period of time.”

362 LIMA, 2003b.

295

sentido, o Artigo 3.3 é explícito quanto ao fato de que medidas que sejam distintas dos

padrões internacionais devem, obrigatoriamente, seguir as disposições do Acordo SPS:

Os Membros podem introduzir ou manter medidas sanitárias e fitossanitárias que resultem em nível mais elevado de proteção sanitária ou fitossanitária do que se alcançaria com medidas baseadas em normas, guias ou recomendações internacionais competentes, se houver uma justificação científica, ou como consequência do nível de proteção sanitária ou fitossanitária que um Membro determine ser apropriado, de acordo com as disposições relevantes dos parágrafos 1 a 8 do Artigo 52 . Não obstante o acima descrito, todas as medidas que resultem em nível de proteção sanitária ou fitossanitária diferente daquele que seria alcançado pela utilização de medidas baseadas em normas, guias ou recomendações internacionais não serão incompatíveis com qualquer outra disposição do presente Acordo.363 (grifo nosso)

A jurisprudência do OSC é madura no tocante à interpretação do Artigo 3. Já no

primeiro caso levado ao OSC com base no SPS, European Communities – Measures

Concerning Meat and Meat Products, o OA definiu o papel da harmonização como forma de

promover a adoção de medidas que são relevantes para atingir os objetivos legítimos do

Acordo sem ensejar discriminação ao comércio.364

Além disso, levando em conta o direito de adotar medidas próprias como previsto

pelo Artigo 3.3, o OA manifestou seu entendimento de que existe uma relação deste

dispositivo com o Artigo 5.7.365 Na prática, a adoção de níveis apropriados de proteção

sanitária ou fitossanitária é possível, mas é necessário que existam fundamentos para tanto. A

relação com medidas provisionais, quando há poucas evidências, exige que o Membro em

363 Artigo 3.3 do Acordo SPS: “Article 3.3 - Members may introduce or maintain sanitary or phytosanitary

measures which result in a higher level of sanitary or phytosanitary protection than would be achieved by measures based on the relevant international standards, guidelines or recommendations, if there is a scientific justification, or as a consequence of the level of sanitary or phytosanitary protection a Member determines to be appropriate in accordance with the relevant provisions of paragraphs 1 through 8 of Article 5.(2) Notwithstanding the above, all measures which result in a level of sanitary or phytosanitary protection different from that which would be achieved by measures based on international standards, guidelines or recommendations shall not be inconsistent with any other provision of this Agreement.” A tradução da parte final que melhor se adequa ao propósito da redação em inglês é “utilização de medidas baseadas em normas, guias ou recomendações internacionais não deverão ser incompatíveis com qualquer outra disposição do presente Acordo”.

364 WORLD TRADE ORGANIZATION, 2016g. “Paragraph 177: In generalized terms, the object and purpose of Article 3 is to promote the harmonization of the SPS measures of Members on as wide a basis as possible, while recognizing and safeguarding, at the same time, the right and duty of Members to protect the life and health of their people. The ultimate goal of the harmonization of SPS measures is to prevent the use of such measures for arbitrary or unjustifiable discrimination between Members or as a disguised restriction on international trade, without preventing Members from adopting or enforcing measures which are both ‘necessary to protect’ human life or health and ‘based on scientific principles’, and without requiring them to change their appropriate level of protection.”

365 Ibidem, Paragraph 124.

296

questão siga os quatro requisitos para adoção de medidas em caráter provisório, como

destacado acima.

O World Trade Report 2016 ressalta a importância que a harmonização pode ter ao

equilibrar padrões, regulamentações técnicas e administrativas, evitando processos

independentes de testes e certificações, custos e mesmo barreiras:

A falta de harmonização de padrões, para regulamentações técnicos e requisites administrativos, cria muitas barreiras ao comércio, por aumentar significativamente os custos de conformidade. (Ex.: duplicação de testes e procedimentos de certificação) e por atrasar a entrada no mercado. A indústria é unânime ao afirmar que cada área de certificação deveria ter um padrão global, um teste global e um certificado global. Consultas entre o presidente do Comitê, Mr. Andrew Staines, e os Membros da OMC estão sendo realizadas para examinar as recomendações feitas pelos representantes das indústrias como forma de encontrar possíveis caminhos. Essas recomendações incluem estabelecer um banco de dados de requisitos administrativos (ex.: processos de análise de conformidade) e requisitos técnicos (ex.: padrões) para cada área de certificação, por conduta, por produto e por país, para resolver a falta de transparência. Outras recomendações incluem a adoção de e-labelling, como uma solução simples para os problemas da proliferação de requisitos. Muitos países já endossaram o e-labelling.366

Outro mecanismo relevante que vale ser citado é a equivalência entre as medidas

adotadas por diferentes Membros, prevista no Artigo 4. Reconhecer que uma medida SPS

equivale a outra adotada por outro Membro significa que os níveis de proteção sanitária ou

fitossanitária alcançam graus parecidos ou iguais de proteção de um dos objetivos legítimos

acolhidos pelo SPS.

O tema é extremamente relevante e levou os Membros a negociar uma decisão a

respeito no contexto do Comitê, a qual conceitua equivalência como “acceptance of

366 WORLD TRADE ORGANIZATION. Annual Report 2016. Disponível em:

<https://www.wto.int/english/res_e/booksp_e/anrep_e/anrep16_e.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2016b. p. 72. Tradução nossa: The lack of harmonization for standards, for both administrative and technical regulations, creates many barriers to trade by significantly increasing the costs of compliance (e.g. duplication of testing and certification procedures) and by delaying market entry. The industry is unanimous in saying that for each area of certification (for example, electromagnetic compatibility (EMC), safety, telecom approvals, radio emission, and energy efficiency), there should be one global standard, one global test, one global certificate. Consultations between the chair of the Committee, Mr. Andrew Staines (United Kingdom), and WTO members are under way to examine the recommendations of industry representatives and a possible way forward. These recommendations include establishing a centralized database of administrative requirements (e.g. conformity assessment procedures)and technical requirements (e.g. standards) per area of certification (e.g. EMC, safety, radio, environment) per product and per country to solve the lack of transparency. Other recommendations include adoption of e-labelling as a simple solution to the problem of the proliferation of requirements. Many countries have already endorsed e-labelling.”

297

alternative measures that meet an importing Member’s appropriate level of sanitary or

phytosanitary protection”.367

A equivalência entre medidas adotadas por diferentes Membros é uma forma de se

reconhecer que os objetivos almejados podem ser acolhidos por ambas as medidas, embora

sejam distintas. No universo dos padrões privados, a equivalência entre padrões nem sempre é

possível, seja pela diversidade dos critérios presentes em cada um, seja pelo próprio fato de

que na medida em que os padrões se tornem certificações, visam atender mercados

específicos.

No entanto, é importante mencionar que a comparação de diferentes padrões, o que

se costuma denominar benchmarking, torna-se uma prática comum justamente pela

multiplicidade de iniciativas e a necessidade de encontrar convergências e critérios

particulares entre diferentes iniciativas.368

É preciso considerar, contudo, que os casos em que um Membro da OMC reconhece

a equivalência de medidas adotadas por meio de uma regulamentação com padrões privados,

abre espaço para uma nova categoria de equivalência. Como anteriormente destacado, a

União Europeia reconhece os 19 voluntary schemes como equivalentes aos critérios de

sustentabilidade definidos pela Comissão Europeia. Parece um caso que notadamente pode

ensejar uma potencial violação das regras da OMC, o que é extremamente ilustrativo diante

da hipótese proposta pela presente tese.

Com o enfoque de benchmarking, a GlobalG.A.P reconhece, por exemplo, os

padrões sobre a segurança de frutas e vegetais criados pela Certification and Accreditation

Administration of the People's Republic of China, criando um padrão denominado

ChinaG.A.P.369 Vale notar que o órgão de padronização chinês é um órgão público, e

novamente é importante ponderar a equivalência entre padrões ou regulamentações adotadas

por um órgão público e uma iniciativa preponderantemente privada.

A Global Food Safety Initiative, analisada no Capítulo 3, é uma iniciativa que

promove a comparação entre os padrões e os reconhece como padrões que podem ser aceitos

por seus membros.

367 WORLD TRADE ORGANIZATION. Decision on the Implementation of Article 4 of the Agreement on

the Application of Sanitary and Phytosanitary Measures. G/SPS/19/Rev.2. 23 July 2004a. 368 Como exemplo, vale considerar o reconhecimento da equivalência entre a GlobalG.A.P e outras iniciativas.

Conferir: <http://www.globalgap.org/uk_en/what-we-do/the-gg-system/benchmarking/>. 369 Para informações sobre a ChinaG.A.P consultar: <http://www.globalgap.org/uk_en/what-we-do/the-gg-

system/benchmarking/scheme-profile/ChinaGAP/>.

298

Deve-se destacar, no entanto, como bem colocado por Gretchen Stanton, que

benchmarking não necessariamente implica na equivalência em linha com o Acordo SPS. No

âmbito do SPS, os governos devem aceitar outras formas de produzir ou tratar um

determinado produto se o resultado final leva a um produto saudável.

Dessa forma, produtores em países mais pobres podem adotar métodos de produção

menos custosos que atingem níveis de proteção elevados sem trazer prejuízos para a saúde.

Na visão da autora, apesar de os padrões serem em princípio voluntários, podem se tornar

mandatórios de fato, em função da consolidação e força da indústria, o que torna a diferença

entre padrões voluntários e requerimentos mandatórios tênue.370

O único caso que motivou uma interpretação do Artigo 13 foi o Painel de

implementação (Artigo 21.5) do caso Australia – Measures Affecting the Importation of

Salmon. A discussão se deu em torno do reconhecimento ou não de que a Tasmânia poderia

ser reconhecida como “other than a central government body”, o que levaria suas restrições à

importação de salmão canadense a serem condenadas. O Painel reconheceu que as medidas

adotadas pelo governo da Tasmânia, no contexto de um órgão distinto dos órgãos centrais do

governo, como reconhecido pela Austrália, exigia que cumprisse as regras do Acordo SPS,

mesmo diante das medidas da Tasmânia.371

Apesar de o caso tratar de uma medida adotada por um órgão externo ao governo

central, ao invés de entidades ou organizações não governamentais, é relevante como passo

para afirmar que os Membros são responsáveis pelos atos de certos atores diante das regras do

Acordo SPS. 370 STANTON, Gretchen H. Food Safety-related Private Standards. The WTO Perspective. In: MARX, Axel (et

al.). Private Standards and Global Governance. Economic, Legal and Political Perspectives. Belgium: Leuven Centre for Global Governance Studies and Institute for International Law at KU Leuven, 2012. p. 235-254. p. 241.

371 WORLD TRADE ORGANIZATION. Australia – Measures Affecting the Importation of Salmon. Report of the Panel. WT/DS18/R. 12 June 1998a. “Paragraph 7.13: As recognized by Australia in its letter of 9 December 1999, the Tasmanian measures "could be characterized as … measures taken by 'other than a central government body' in the sense of Article 13 of the SPS Agreement, and would constitute measures 'taken by a regional government' within Australia's territory, in the sense of Article 22.9 of the DSU". Article 13 of the SPS Agreement provides unambiguously that: (1) "Members are fully responsible under [the SPS] Agreement for the observance of all obligations set forth herein"; and (2) "Members shall formulate and implement positive measures and mechanisms in support of the observance of the provisions of this Agreement by other than central government bodies". Reading these two obligations together, in light of Article 1.1 of the SPS Agreement referred to earlier, we consider that sanitary measures taken by the Government of Tasmania, being an "other than central government" body as recognized by Australia, are subject to the SPS Agreement and fall under the responsibility of Australia as WTO Member when it comes to their observance of SPS obligations. In addition, Article 22.9 of the DSU states clearly that "[t]he dispute settlement provisions of the covered agreements [including the DSU itself] may be invoked in respect of measures affecting their observance taken by regional or local governments or authorities within the territory of a Member", including, as acknowledged by Australia, the measures taken by Tasmania at issue here. As a Panel acting under these dispute settlement provisions, we are thus entitled to consider whether the Tasmanian measures observe the SPS Agreement.”

299

No contexto da discussão sobre padrões privados SPS no plano da OIE, Christiane

Wolff e Michael Scannell sustentam que, embora possa se discutir se a expressão entidades

não governamentais do Artigo 13 abrangeria órgãos e iniciativas que criam padrões privados,

o que tendem a concordar, é expressamente previsto que os Membros devem adotar medidas

razoáveis para assegurar que essas entidades não desrespeitem as regras do Acordo SPS.

Para os autores, o Comitê do Acordo SPS deveria, de acordo com seu Artigo 12.7,

elaborar uma proposta de emenda ao Acordo para que seja definido com clareza qual é o

entendimento do Artigo 13, muito embora conseguir consenso dos Membros sobre este

assunto não seria fácil.372

Gretchen Stanton também salienta a relevância das discussões sobre o Artigo 13 e o

alcance da expressão entidades não governamentais, e a obrigação dos Membros de adotarem

medidas razoáveis para evitar que essas entidades desrespeitem o Acordo. Para Stanton, o

tema evoluiu significativamente no Comitê do Acordo SPS, muito embora ainda existam

muitas incertezas sobre se a OMC realmente é o foro para regular esses padrões.373

A despeito de normalmente os países desenvolvidos evitarem a discussão sobre os

atores não privados – o que ficou patente nas negociações sobre padrões privados SPS –, o

assunto torna-se cada vez mais presente, seja no CTE, SPS ou TBT.

Como destacam Vera Thorstensen e Andreia Costa Vieira,

Recentemente, tem sido observado tanto de forma implícita como explícita, o apoio governamental a padrões de Mercado que se tornaram questões de certificação, barreiras regulatórias ao comércio. Algumas delas têm mencionado até regulamentos de contratos públicos. A zona cinzenta entre envolvimento estatal e do setor privado torna ainda mais difícil identificar esta questão no sistema da OMC. Mesmo assim, parece que sempre que é possível demonstrar evidência do envolvimento estatal na implementação de padrões privados, é possível levantar questões sobre a responsabilidade do Estado. Tal entendimento não pode ser ignorado no contexto dos Specific Trade Concerns levantados nos Comitês dos Acordos TBT e SPS.374

372 WOLFF, Christiane; SCANNELL, Michael. Implication of Private Standards in International T rade

of Animals and Animal Products. 76th General Session. World Organization for Animal Health. Paris, 25-30 May 2008. Disponível em: <http://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Internationa_Standard_Setting/docs/pdf/A_private_20standards.pdf>. Acesso em: 29 set. 2016. p. 5-6.

373 STANTON, 2012, p. 243-252. 374 THORSTENSEN; VIEIRA, 2016a, p. 86. Tradução nossa: “Recently, it has been observed either implicit or

explicit government support for market standards and they have become, mainly in matters of certification, a regulatory barrier to trade. Some of them have been mentioned even on State’s regulation or public procurement contracts. The grey area between the State’s involvement and the private sector’s only involvement makes it more difficult to point out a violation issue under the WTO system. Nevertheless, it seems that whenever it is possible to show evidence of State’s involvement in the private standard implementation, it might be possible to raise an issue of State’s responsibility. Such an understanding cannot be ignored under Specific Trade Concerns in the TBT and SPS Committees.”

300

Com base nesse cenário, torna-se evidente uma lacuna da OMC no tocante a como

tratar dos padrões privados, especialmente diante dos Acordos SPS e TBT. A dinâmica que

permeia a criação e adoção de padrões privados tem uma velocidade enorme e envolve atores

que são, na prática, destinatários das regulamentações dos Membros da OMC.

4.3.5 Questões a serem avaliadas pelos Comitês dos Acordos TBT e SPS

Pode-se esperar que esse debate evolua, seja nos Comitês dos Acordos SPS e TBT,

no CTE, ou mediante futuros painéis levados ao OSC. O que não parece razoável é que a

OMC simplesmente fique de fora dessa discussão, e a governança ambiental, sanitária e

fitossanitária privada ganhe a amplitude que aparenta ter sem relação alguma com o sistema

multilateral de comércio. Se for assim, a OMC perderá cada vez mais espaço quando se trata

da proteção de objetivos legítimos no tocante a temas ambientais, de segurança dos alimentos,

saúde e bem-estar animal.

Na verdade, levando-se em conta o status que essas discussões já atingiram na OMC,

parece salutar que possa evoluir no âmbito dos Acordos TBT e SPS, especialmente, bem

como no plano do CTE. Negligenciar que a criação e a adoção de padrões privados podem

trazer impactos ao comércio, e que ao menos em certos casos os Membros têm participação e,

consequentemente, responsabilidade perante os Acordos da OMC, é olvidar uma realidade

que tenderá a ser debatida no OSC.

A despeito da escassa jurisprudência no tocante a aspectos que possuem relação

próxima com os padrões privados, principalmente as obrigações citadas nos Quadros 13 e 14

acima, a relação dos padrões privados, em tese voluntários, é cada vez mais presente no

contexto das relações comerciais e, desta feita, perante as regras que regem o sistema

multilateral de comércio.

Os relatórios dos painéis e principalmente do OA permitem interpretar e aprimorar o

escopo, alcance e limites das regras da OMC. Levando-se sempre em conta que a proteção de

objetivos legítimos perante o Artigo XX (b) e (g) do GATT e dos Acordos TBT e SPS exige

justificativas minimamente fundamentadas por evidências e informações científicas, é

relevante reconhecer que a não discriminação permeia a adoção de medidas que visam atingir

esse objetivos.

Como sustentado pela presente pesquisa, os padrões privados se tornam ferramentas

ou meios hábeis para se alcançar esses objetivos. No entanto, há que se ponderar se

301

efetivamente seguem regras basilares como o princípio do tratamento nacional, a cláusula da

nação mais favorecida, necessidade das medidas e justificativa científica.

Partindo-se da hipótese de que a OMC tem mandato e deve regular a adoção e

implementação de padrões privados, considerando que a OMC não é um self contained

regime e que suas regras devem ajudar a fomentar o desenvolvimento sustentável, torna-se

imperioso que os Comitês dos Acordos TBT e SPS aprofundem o entendimento dos Membros

sobre essa agenda.

Parece questão de tempo para que o OSC se depare com uma controvérsia onde as

medidas questionadas sejam oriundas de aplicação de um padrão privado e seus princípios,

critérios e indicadores. A necessidade de interpretar conceitos como órgãos reconhecidos, órgãos

não governamentais de padronização, entidades não governamentais, medidas razoáveis, padrões

voluntários, dentre outras expressões presentes nos Acordos SPS e TBT, seria marcante.

No entanto, uma das formas de tentar reduzir as incertezas e promover o equilíbrio

entre direitos e obrigações dos Membros, levando em conta as preocupações reiteradamente

levantadas pelos Membros há pouco mais de uma década quanto a impactos dos padrões

privados, seria definir um mandato no âmbito dos Comitês TBT e SPS para que os Membros

adotassem ou uma decisão sobre o tema, ou até mesmo emendassem os respectivos Acordos

como permitido pelo Artigo 12.7 do SPS375 e Artigo 15.4 do TBT376.

Os Membros poderiam aprofundar o debate sobre os padrões no próprio CTE, com o

objetivo específico de definir com maior clareza a relação entre as regras da OMC e medidas

com fins ambientais, que podem incluir objetivos adotados nos MEAs. Pode-se argumentar

que o CTE poderia propor um encaminhamento para o tema, muito embora na visão deste

autor seria mais adequado tratar do assunto expressamente nos Acordos TBT e SPS.

Naturalmente, qualquer proposta de emenda ou decisão de natureza interpretativa das

regras originais aprovadas com a criação da OMC em 1995 não seria um processo simples,

afinal, exigiria o consenso de todos os Membros.

375 Artigo 12.7 do Acordo SPS: “O Comitê revisará a operação e a implementação do presente Acordo três anos

após a data da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC e, posteriormente, conforme necessário. Quando apropriado, o Comitê poderá submeter propostas ao Conselho para o Comércio de Bens, para emendas ao texto do presente Acordo, com relação, inter alia, à experiência acumulada em sua implementação.”

376 Artigo 15.4 do Acordo TBT: “Antes do encerramento do terceiro ano da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC e ao final de cada período trienal subsequente, o Comitê examinará o funcionamento deste Acordo, incluídas as disposições relativas a transparência, com vistas a recomendar um ajustamento dos direitos e obrigações deste Acordo onde seja necessário para assegurar vantagens econômicas mútuas e equilíbrio de direitos e obrigações, sem prejuízo das disposições do Artigo 12. Tendo em conta, inter alia, a experiência ganha na implementação do Acordo, o Comitê deverá, quando apropriado, apresentar propostas para emenda do texto deste Acordo ao Conselho para o Comércio de Bens.”

302

No entanto, é plausível ponderar aspectos que não são claros e exigem respostas

como forma de permitir que o sistema multilateral de comércio evolua e, mais importante,

possa efetivamente abrir mais espaço para tratar de temas cada vez mais relevantes para

inúmeros Membros, ligados à agenda de desenvolvimento sustentável e intrinsecamente

relacionados com medidas que afetam o comércio.

Nesse sentido, sugere-se algumas questões que deveriam ser avaliadas pelos Comitês

dos Acordos TBT e SPS.

4.3.5.1 Questões para o Comitê do Acordo TBT

O Comitê do Acordo TBT deveria:

a) criar um grupo ad hoc para tratar da interação das regras do Acordo TBT e os

padrões privados;

b) definir o conceito de padrões privados TBT;

c) definir o que significa instituições reconhecidas (recognized body) nos termos do

conceito de padrões (normas) previsto no Anexo I.2;

d) aprovar um entendimento relativo ao alcance dos Artigos 3.4, 3.5 e 4.1 no tocante

às expressões “instituições não governamentais”, “medidas positivas e

mecanismos de apoio à observância das obrigações do Artigo 2” e “instituições de

normalização não governamentais”;

e) levando em conta a obrigação de que os Membros devem assegurar que as

entidades de padronização públicas e não governamentais cumpram com o Código

de Boa Conduta prevista no Artigo 4, definir critérios objetivos para avaliar o

cumprimento dos preceitos previstos no Código e requerer que os Membros

reportem informações neste sentido periodicamente;

f) analisar no contexto do Código de Boa Conduta e da Decision of the Committee on

Principles for the Development of International Standards, Guides and

Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of the Agreement,

qual o alcance dos princípios da efetividade e relevância, bem como coerência dos

padrões, especialmente diante a necessidade dos critérios ou medidas perante os

objetivos legítimos que visam proteger;

303

g) ainda com base nos Princípios para Elaboração de Padrões, definir qual o alcance

do princípio da abertura à participação de Membros da OMC nas organizações de

padronização, especialmente considerando organizações além da ISO, IEC e ITU;

h) aprimorar o entendimento sobre o Artigo 8.1 no tocante à adoção pelos Membros

de medidas razoáveis que devem implementar para assegurar o cumprimento das

regras sobre avaliação de conformidade dos Artigos 5.6 por instituições não

governamentais existentes em seus territórios que operam procedimentos de

avaliação de conformidade;

i) definir critérios para o reconhecimento da equivalência entre medidas adotadas

pelos Membros, seja via regulamentações ou baseadas em padrões, com padrões

criados por organizações de padronização públicas ou não governamentais;

j) definir qual o alcance da regra que prevê que as organizações internacionais

devem ser abertas à participação de todos os Membros;

k) requerer que os Membros notifiquem periodicamente informações sobre a

elaboração e a efetiva adoção de padrões privados, de organizações não

governamentais que estejam negociando padrões em seu território, especialmente

se houver participação efetiva ou apoio do Membro para tanto;

l) requerer a notificação pelos Membros de padrões que são expressamente

reconhecidos como equivalentes ou similares a requisitos adotados em suas

regulamentações, bem como padrões que são incentivados ou expressamente

exigidos em função de políticas nacionais, incluindo compras públicas;

m) organizar, em paralelo às reuniões do Comitê, workshops para trocar experiências

entre Membros que adotam, reconhecem ou apoiam padrões privados com foco em

temas ambientais, iniciativas de padronização, incluindo organizações que não

criam mas promovem padrões como a UNFSS, a ISEAL e o CGF e as

organizações internacionais de padronização reconhecidas pelo TBT (ISO, IEC,

ITU).

4.3.5.2 Questões para o Comitê do Acordo SPS

O Comitê do Acordo SPS deveria:

a) criar um novo mandato para que o grupo ad hoc que trata de padrões privados

possa aprofundar a interação entre padrões privados SPS e as regras do Acordo;

304

b) aprovar o conceito de padrões privados SPS;

c) definir de que forma o Artigo 13 vincula os Membros diante da criação de padrões

por entidades não governamentais e qual deve ser o entendimento relativo a

adotarem medidas razoáveis para evitar que essas entidades não descumpram as

obrigações do Acordo SPS;

d) aprovar um Código de Boa Conduta para a Elaboração, Adoção e Aplicação de

Padrões Privados SPS, em linha com o Código do Acordo TBT;

e) definir qual é a relação dos Artigos 2 e 5 no tocante à justificativa científica e

avaliação de risco para os critérios que compõem um padrão;

f) definir qual o alcance da regra que prevê que as organizações internacionais

devem ser abertas à participação de todos os Membros;

g) requerer que os Membros notifiquem periodicamente informações sobre a

elaboração e a efetiva adoção de padrões privados, de organizações não

governamentais que estejam negociando padrões em seu território, especialmente

se houver participação efetiva ou apoio do Membro para tanto;

h) requerer a notificação pelos Membros de padrões que são expressamente

reconhecidos como equivalentes ou similares a requisitos adotados em suas

regulamentações, bem como padrões que são incentivados ou expressamente

exigidos em função de políticas nacionais, incluindo compras públicas;

i) definir critérios para o reconhecimento da equivalência entre medidas adotadas

pelos Membros, seja via regulamentações ou baseadas em padrões, com padrões

criados por organizações de padronização públicas ou não governamentais;

j) organizar, em paralelo às reuniões do Comitê, workshops para trocar experiências

entre Membros que adotam, reconhecem ou apoiam padrões privados, iniciativas

de padronização, incluindo organizações que não criam mas promovem padrões

como a UNFSS, a ISEAL, o CGF e a GFSI e as organizações internacionais de

padronização reconhecidas pelo SPS (OIE, Codex e CIPV).

O amadurecimento dessas questões é de fundamental relevância para alcançar os

objetivos da OMC e, preferencialmente, criar bases comuns sobre como medidas privadas e

regulamentações públicas podem interagir e promover o comércio de bens que

comprovadamente tenham impactos ambientais e sociais reduzidos. Como ressalta o professor

305

John Jackson, ainda não se sabe se a OMC regula ou deve tratar de certos temas de forma

mais explícita:

But it still remains to be seen wheter the WTO can mediate on such a wide landscape of policy goals as we have outlined in the previous secton, or will the WTO be essentially a somewhat more narrow trade organization. Can it successfully accommodate many diverse policy approaches in areas such as the environment, competition policy, labour standards, economies in transition, developing country particular needs and so on? And do we want an organization to have much control or a relative monopoly of the international regulatory activity concerning economics in the world? Rather, do nations prefer to have a number of organizations so they can each be kept relatively weaker?377

A capacidade da OMC de promover maior harmonização sobre a adoção de medidas

de caráter privado e, em alguns casos, público-privado, que tocam em temas ambientais,

sanitários e fitossanitários relevantes para os Membros e outros atores exige que se aprofunde

esse debate, sob pena de que seja tratado somente sob a ótica de uma controvérsia perante o

OSC. Apesar de plausível que isso aconteça, não parece ser a forma mais apropriada para que

a OMC comece, de forma mais enfática, a regular essas agendas.

377 JACKSON, 1997, p. 351.

306

CONCLUSÕES

A proliferação de padrões privados ao comércio, também denominados voluntary

sustainability standards ou voluntary schemes, é uma realidade marcante que afeta as relações

comerciais e motiva atenção dos Membros da Organização Mundial do Comércio. Ora podem

promover melhorias de manejo, redução de impactos e custos e gerar benefícios para as

cadeias produtivas e para os consumidores, ora fomentar a adoção de barreiras ao comércio

tendo como base padrões que, em tese, são voluntários.

O aparecimento de padrões com foco em temas ambientais ressalta não só a frágil

relação entre comércio e meio ambiente, mas expõe as fragilidades do sistema multilateral de

comércio. A criação de padrões que visam atender objetivos de natureza sanitária e

fitossanitária, temas em princípio adequadamente regulados pelo Acordo SPS, salienta a

existência de uma governança privada que coexiste e até mesmo compete com as regras

multilaterais do comércio.

Com base no Artigo XX (b) e (g) do GATT e nos Acordos TBT e SPS, cria-se a

possibilidade de que os Membros adotem medidas de caráter ambiental, incluindo a agenda de

segurança dos alimentos e saúde animal e vegetal. Ao passo que o sistema multilateral de

comércio amadureceu e ganhou consistência, tornou-se necessário regular temas relevantes

para os Membros que fossem além da tradicional agenda de tarifas.

Pode-se dizer que tanto as exceções gerais do GATT quanto os dois acordos que

tratam das chamadas barreiras não-tarifárias, TBT e SPS, criaram as bases que permitiram aos

Membros criar um nível harmonizado e previsível de regras voltadas para evitar barreiras

discriminatórias ao comércio, ao passo que permitiam restrições quando se torne necessário

proteger objetivos legítimos como saúde e meio ambiente.

Em paralelo ao funcionamento da OMC, existem Acordos Multilaterais Ambientais

(MEAs) que tratam de relevantes temas como mudanças do clima e conservação de

biodiversidade, criando obrigações para suas Partes que, em grande medida, também são

Membros da OMC.

Enquanto a OMC se baseia em um conjunto de regras obrigatórias para seus

Membros e conta com um Órgão de Solução de Controvérsias, os MEAs vinculam suas Partes

a adotar medidas que visem atingir seus objetivos e normalmente remetem possíveis

controvérsias relacionadas a sua implementação à jurisdição da Corte Internacional de Justiça.

307

Tanto na OMC como nos MEAS, meios pacíficos de solução de controvérsias são

incentivados.

Entre 1995 e setembro de 2016, o OSC analisou 512 controvérsias e, apesar das

limitações que a solução de conflitos na OMC possa ter, é inegável seu papel como garantidor

da segurança e previsibilidade das regras comuns que orientam as ações dos Membros.

Apesar de a OMC e os MEAs criarem obrigações diretas para os países que os

ratificam, vale destacar que as regulamentações criadas pelos países, seja levando em conta os

Acordos da OMC ou MEAs, geram efeitos para diferentes atores privados quando produzem,

por exemplo, alimentos, energias, bens industriais, produtos de tecnologia da informação,

serviços para consumo interno ou para exportação.

Essas regras criam obrigações para atores privados, ora sob a perspectiva do

cumprimento de requisitos de conservação de vegetação nativa, de redução de emissões de

GEEs, de controle epidemiológico, do manejo de produtos no processamento industrial, de

padrões de higiene e embalagem, dentre inúmeros temas.

É válido ponderar que as regras dos países e os acordos/tratados dos quais fazem

parte – OMC, acordos preferenciais de comércio, MEAs – compõem, por si, um emaranhado

de regras, objetivos de longo prazo e medidas que podem ter relação direta com a produção,

consumo e comércio de produtos e serviços.

Nesse contexto, surgiram os padrões privados ao comércio, criados por diversos

atores – indústria, produtores, varejistas, food service, bancos, academia, ONGs e, em alguns

casos, com participação de países – abrangendo temas como mudanças do clima,

biodiversidade, água, tecnologias, bem-estar animal, segurança dos alimentos, questões

sociais.

A principal diferença entre os padrões privados e os tradicionais padrões

internacionais reconhecidos no âmbito dos Acordos TBT e SPS deve-se basicamente aos

atores que os criam e ao processo de governança para tanto. As organizações internacionais

reconhecidas pela OMC (OIE, CIPV, Codex, ISO, IEC e ITU) devem ser abertas à

participação direta dos Membros ou de seus órgãos. Já nos padrões privados, as organizações,

entidades ou iniciativas são compostas por uma complexidade de atores, podendo ou não

envolver países e órgãos dos governos centrais ou locais.

Além disso, via de regra, padrões são aprovados por consenso entre todas as partes

que participam de sua criação. No entanto, no âmbito do Acordo TBT, padrões nem sempre

são aprovados por consenso, o que também ocorre no contexto de padrões privados.

308

Por definição, os padrões privados são voluntários, mas, na prática, podem ensejar

restrições ou até mesmo barreiras ao comércio. Como visto no capítulo 2, o universo de

padrões privados que estabelecem critérios para produção de produtos e serviços e a

abrangência dos atores que acabam adotando os padrões como base para seus negócios, torna

o cumprimento dos mesmos uma condição necessária (de facto) e, porque não dizer, comum

no comércio internacional.

Não se trata de argumentar que os padrões privados criam obstáculos ao comércio

per se. Mas parece razoável ponderar que em alguns casos, dependendo do grau de exigências

que os princípios, critérios e indicadores presentes em um padrão fizerem, pode gerar

dificuldades para que certos atores o cumpram, causando restrições ou mesmo barreiras ao

comércio. Esta preocupação é comum para vários Membros no contexto das discussões que

ocorrem no CTE e nos Comitês dos Acordos TBT e SPS.

A capacidade de países em desenvolvimento e, especialmente, países de menor

desenvolvimento relativo cumprirem com requisitos exigidos por uma cadeia de varejistas ou

um padrão multistakeholder criado em um país desenvolvido reflete, em parte, o receio de que

os padrões privados criem barreiras. Naturalmente, há que se levar em conta o direito dos

Membros de adotar requisitos para proteger a saúde dos consumidores, dos animais, o meio

ambiente, dentre outros objetivos, desde que haja fundamentação para tanto.

É válido refletir sobre o papel que os padrões privados podem exercer no comércio

internacional quando uma rede crescente de atores passa a exigir certos critérios. O caso do

Consumer Goods Forum ilustra com clareza essa asserção, abrangendo mais de 400 membros

em 70 países, envolvendo varejo, produtos e serviços, que juntos representam € 3.5 trilhões

em vendas e 10 milhões de empregos.

A agenda do CGF, envolvendo saúde e bem-estar, sustentabilidade ambiental e

social, segurança dos produtos e end-to-end value chain e padrões, denota a amplitude de

temas que seus membros tratam sob uma perspectiva comum que pode gerar, na prática,

novos padrões exigidos globalmente.

O envolvimento de países nas iniciativas que criam padrões é outro aspecto que

merece atenção. O caso da New York Declaration on Forests, por exemplo, que conta com o

apoio de mais de 50 governos (nacionais e subnacionais), e se conecta ao objetivo

compartilhado pelos inúmeros compromissos corporativos de assegurar cadeias produtivas

livres de desmatamento ou que alcancem o chamado desmatamento líquido zero é um

exemplo de como países podem fomentar ou meramente apoiar a criação de padrões que

309

podem afetar positivamente, ou mediante a criação de certas restrições, o comércio

internacional.

Mais relevante ainda é o caso de Membros da OMC que reconhecem a equivalência

de suas regulamentações com padrões privados, como é o caso da União Europeia no tocante

a critérios de sustentabilidade para biocombustíveis. Os objetivos legítimos de proteção do

meio ambiente são fins comuns almejados pela UE e pelos atores que criam os padrões

privados. E os padrões, neste caso denominados voluntary schemes, se tornam os meios para

se comprovar o cumprimento dos requisitos ambientais relevantes, tanto para os países

europeus quanto para os atores dos padrões.

Como destacado ao longo da tese, não se trata de questionar as iniciativas e os

padrões, mas de salientar que podem se tornar a linha de base aplicada nas transações

comerciais, ultrapassando, por vezes, as políticas exigidas pelos Membros da OMC.

Não se pode dizer que as discussões sobre padrões privados na OMC alcançaram

uma sofisticação que permita ter respostas claras para questionamentos como:

a) Os conceitos de órgãos não governamentais, órgãos não governamentais de

padronização, órgão reconhecido (Acordo TBT), órgãos além do governo central e

entidades não governamentais (Acordo SPS) podem abranger atores privados que

criam padrões aplicados no comércio internacional?

b) Qual é a relação entre o conceito proposto de padrões privados no âmbito do Comitê

do Acordo SPS e sua relação com o Artigo 13 do Acordo?

c) Como conceituar padrões privados que visam atingir os objetivos legítimos previstos

no Acordo TBT?

d) O reconhecimento de equivalência entre regulamentações e padrões privados não tem

implicação alguma quando os padrões criam restrições ao comércio?

e) Os Membros que apoiam, inclusive com suporte financeiro, iniciativas que criam

padrões privados, devem respeito às regras da OMC?

f) As regulamentações criadas pelos Membros, tendo como parâmetros e objetivos as

regras da OMC e de MEAs, destinam-se aos seus atores privados?

g) O Código de Boa Conduta do Acordo TBT se aplica exclusivamente aos órgãos de

padronização nacionais ou deve ser expandido a qualquer entidade de padronização

que cria padrões utilizados no comércio internacional?

310

h) A Decision of the Committee on Principles for the Development of International

Standards, Guides and Recommendations with Relation to Articles 2, 5 and Annex 3 of

the Agreement, e os princípios da transparência, abertura, imparcialidade e consenso,

efetividade e relevância, coerência, dimensão de desenvolvimento devem ser aplicados

na criação e adoção de padrões privados? Ao menos dos padrões privados que tenham

envolvimento direto de Membros da OMC e/ou que sejam formalmente reconhecidos

como equivalentes a regulamentações?

i) Como ponderar os princípios de efetividade e relevância, e coerência diante da

obrigação de fundamentar medidas que visam atingir objetivos legítimos em

justificativas e evidências científicas, podendo considerar padrões internacionais, a fim

de evitar a adoção de medidas que criem restrições desnecessárias ou disfarçadas ao

comércio internacional (compreendendo os princípios do tratamento nacional e da

nação mais favorecida)?

j) Como definir e tratar de medidas positivas ou mecanismos a serem adotados pelos

Membros para evitar que seus órgãos de padronização e órgãos ou instituições não

governamentais cumpram com as disposições dos Acordos TBT e SPS?

k) O Acordo SPS não deveria ter um código de boa conduta para a criação e adoção de

padrões privados SPS em linha com o Código de Boa Conduta e a Decisão do Comitê

TBT sobre princípios para o desenvolvimento de padrões?

l) Como fica o princípio da transparência em relação à adoção de padrões privados,

especialmente os que contam com envolvimento de Membros, no tocante ao

tratamento especial e diferenciado no contexto do TBT e do SPS?

m) Quando um padrão privado for mais exigente ou restritivo que um padrão

internacional criado por uma organização reconhecida pelos Acordos SPS e TBT

(OIE, Codex, CIPV, ISO, IEC, ITC) e criar uma barreira ao comércio, os Membros

dos países envolvidos na criação e aplicação do padrão não têm obrigação alguma

diante das regras da OMC?

A jurisprudência do OSC e a experiência acumulada diante do CTE, Comitê do

Acordo TBT e Comitê do Acordo SPS não permitem responder essas questões com

profundidade. Vale destacar que a não aprovação do conceito de padrões privados SPS até o

momento se deve, em boa medida, à resistência em se reconhecer que os Membros devem ser

responsáveis pelos atos de entidades não governamentais que criam padrões.

311

Evitar medidas que causem discriminação e barreiras disfarçadas ao comércio – não

discriminação – é o núcleo central das regras que compõem a OMC. Quando se analisam

essas regras, em especial perante os Acordos TBT e SPS, diante do que se denominou

universo de padrões privados, é razoável dizer que a OMC não acompanha a dinâmica e os

efeitos que os padrões podem criar ao comércio, sejam positivos ou negativos.

A velocidade com que os padrões são formados, a quantidade de atores que estão

envolvidos na criação e aplicação de padrões, incluindo Membros da OMC, o grau de

sofisticação do conteúdo dos padrões (princípios, critérios e indicadores), a abrangência

(temas ambientais, sociais, de segurança dos alimentos, saúde animal, bem-estar animal,

dentre outros), o tamanho dos mercados que adotam e sofrem impactos dos padrões é

crescente e evidencia que a padronização privada ultrapassa o alcance dos instrumentos de

regulamentação pública da agenda ambiental.

É válido dizer que, apesar de os Membros tratarem do debate sobre padrões privados

na OMC, ainda o fazem de maneira incipiente, sem alcançar o estágio de sofisticação que esse

tema ganhou no plano da governança privada. Em parte, isso se deve à falta de clareza de

certos conceitos do Acordo SPS, e principalmente do Acordo TBT, mas também à resistência

de alguns Membros, em especial países desenvolvidos, de amadurecer o entendimento do que

são os padrões privados e como a OMC deve ser portar diante deles.

Levando em conta que até hoje nenhum painel tratou especificamente de um caso

envolvendo um padrão privado, o próprio OSC e principalmente seu OA nunca se

manifestaram a respeito, o que torna a discussão a nível de interpretação das regras

praticamente inexistente, a não ser pela comparação com alguns dispositivos SPS e TBT

analisados.

Vale ponderar, por exemplo, como a OSC se posicionaria sobre padrões privados

criados com a participação formal ou mesmo indireta de Membros da OMC. Quando se

observa que os países transferem para os atores privados a responsabilidade pela governança

de certos aspectos da agenda ambiental, o que se denominou governança ambiental privada, é

de se esperar que surjam casos de barreiras ao comércio que mereçam, na visão do autor,

ponderação diante das regras da OMC. O mesmo é válido para padrões sanitários ou sobre

bem-estar animal, tema que pode ou não ser compreendido dentro do Acordo SPS.

Quando o Estado abre mão de regular certos temas e transfere, mesmo que

indiretamente, esse papel para atores privados, não se pode esperar que esses modelos de

governança sigam, necessariamente, as regras da OMC. E, quando tais padrões ou exigências

312

criam barreiras especialmente para países em desenvolvimento e países de menor

desenvolvimento relativo, parece justificável exigir da OMC algum posicionamento mais

contundente.

A agenda ambiental é, na prática, tratada de forma superficial na OMC, e não alcança

a profundidade que ganha no formato de padrões privados. A ambição de que as regras do

comércio internacional possam fomentar o desenvolvimento sustentável, presente desde o

Acordo de Marraqueche, e explícita no mandado do CTE (que inclui, por exemplo, explorar a

relação da OMC e dos MEAs), ganha potencial aplicação quando se negocia reduzir tarifas

para bens ambientais, promover energias renováveis e de que forma o comércio pode induzir

o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O enfoque convergente entre comércio e meio ambiente é desejável e deve ser

amplamente promovido. Mas é inegável que a preocupação com potenciais barreiras, que

motiva as discussões sobre a interseção entre as regras dos Acordos TBT e SPS e os padrões

privados, traz para o centro do debate a agenda ambiental nem sempre com um enfoque

comum.

Mudanças do clima se tornou agenda positiva quando se trata do comércio de

energias limpas, mas não é factível pensar em barreiras ao comércio pela imposição de

metodologias que visam capturar balanço de GEEs em certos produtos? Conservar

biodiversidade e promover externalidades positivas em termos ambientais é um objetivo

incontestável. A grande questão que se coloca é de que forma fazê-lo, respeitando-se as regras

e diferenças de cada país.

O quanto as medidas (padrões) são necessárias para atingir objetivos legítimos se

torna um debate complexo e, por vezes, intimamente ligado ao nível de exigências que um

país e/ou atores privados dentro desse país querem alcançar. Quando as demandas dos

consumidores se tornam a base para certos requisitos, e a OMC em parte reconhece que os

consumidores podem justificar certas medidas, como no caso United States – Certain Country

of Origin Labelling (COOL) Requirements, torna-se extremamente válido ponderar a

proliferação de padrões perante as regras de comércio.

No mesmo sentido, é possível que se adotem medidas que visem proteger a saúde,

como concluiu o OA no caso EC – Measures Affecting Asbestos and Products Containing

Asbestos. O aspecto mais relevante de medidas dessa natureza se volta para os fundamentos

das exceções gerais do Artigo XX (b) e (g), no tocante à não discriminação e fundamentação

das medidas diante dos objetivos que se propõem atingir.

313

É importante ponderar que o Acordo TBT, em função do próprio histórico de

negociações que levou ao seu antecessor, o Standards Code, não contém obrigações claras no

tocante à justificativa das medidas e existência de um mínino de evidências para tanto, como é

o caso do Acordo SPS, especialmente diante dos Artigos 2 e 5. O TBT basicamente condena a

adoção de medidas discriminatórias e que são mais restritivas para atingir seus objetivos, e

menciona sucintamente no final do Artigo 2.2 aspectos genéricos de avaliação de riscos.

O caráter de soft law que permeia os padrões, seus diferentes modelos de governança

e organizações que os promovem, com seu enfoque voluntário, parece se sobrepor à

capacidade e até mesmo interesse dos países de regular certos requisitos por meio de leis e

regulamentações mandatórias (hard law).

Se os Membros abrem mão de criar regras para as demandas sociais que

fundamentam os padrões – o que é ressaltado pela enormidade de iniciativas de padronização

– os atores privados o fazem. Nesse contexto, cabe questionar o papel dos Membros de adotar

medidas que previnam que seus atores não governamentais criem padrões (voluntários) que

contrariem as regras da OMC.

Caso os padrões privados, incluindo os que gozam de apoio público e/ou

reconhecimento de equivalência com regulamentações, fiquem realmente fora do sistema

GATT-OMC, parece válido concluir que a OMC terá um campo de atuação limitado diante de

temas cada vez mais presentes no comércio e na agenda internacional de forma mais

abrangente.

Essa conclusão, no entanto, parece limitada. Ora pelo fato de que os Membros

discutem os padrões privados com uma preocupação marcante em relação a possíveis

barreiras sem que as medidas sejam fundamentadas, ora porque uma controvérsia pode

ensejar a interpretação do tema no OSC.

A tese permite comprovar que a OMC regula a elaboração, adoção e efeitos dos

padrões privados, ao menos daqueles que contam com algum nível de participação dos

Membros, muito embora os Acordos TBT e SPS apresentem lacunas que precisam ser

aprimoradas.

Pode-se observar três categorias de padrões privados tomando como base a

participação, em maior ou menor grau, de países: a) padrões que não contam com a

participação de países e/ou órgãos públicos de padronização ou outras áreas; b) padrões que

contam com apoio político/institucional de países que, por sua vez, os promovem e estimulam

314

seu uso; c) padrões criados por vários atores com o suporte expresso de países, inclusive

financeiro e político.

A tese conclui que ao menos os padrões que contam com participação, apoio ou

suporte, mesmo que apenas político/institucional, mas especialmente os que contemplam

suporte financeiro, estão no escopo das regras da OMC e vinculam os Membros ao

cumprimento dos princípios e obrigações dos seus Acordos.

Caso um produtor de etanol não consiga cumprir com algum critério de um dos 19

esquemas voluntários expressamente reconhecidos pela Comissão Europeia, há

responsabilidade da União Europeia diante da OMC, mais especificamente perante o Acordo

TBT e o Artigo XX (b) do GATT. Nesse caso, a Comissão não ajudou a criar os padrões, mas

dá apoio explícito aos mesmos e não só incentiva sua adoção, como indiretamente a exige.

No caso dos padrões que não contam com nenhuma participação do Estado, é

razoável apontar que somente estarão fora do escopo da OMC a partir do momento em que o

OSC e, mais especificamente, o OA, se manifestarem sobre as regras dos Acordos TBT e SPS

que exigem que os Membros adotem medidas que previnam órgãos ou instituições não

governamentais de criar medidas que possam ser contrárias à OMC.

Dessa forma, a hipótese de que a OMC regula a agenda de padrões privados

prevalece e sugere que é essencial aprofundar o entendimento de alguns dispositivos dos

Acordos SPS e TBT, seja por meio de decisões de seus Comitês, seja por meio de propostas

de emendas aos acordos. Caso esse não seja o enfoque adotado nos próximos anos, o tema

acabará motivando essa interpretação via OSC.

Outra forma de buscar aprofundar o entendimento dos Membros sobre os padrões

privados, é fazer essa discussão no âmbito do CTE, considerando seu mandato para avaliar a

relação entre comércio e meio ambiente.

Cabe à OMC, como organização multilateral que busca regular o comércio

internacional em mínima harmonia com diferentes agendas que perpassam as relações entre

os países, aprimorar suas regras voltadas para a agenda de desenvolvimento sustentável,

notadamente marcada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Naturalmente esse enfoque é complexo e depende da vontade dos Membros. No

entanto, como se pode observar ao longo da tese, a interconexão ou mesmo interdependência

das agendas de comércio e meio ambiente, exige esse aprofundamento lastreado por regras

acordadas entre os países. Sem isso, a governança privada tenderá cada vez mais a ganhar

espaço, mesmo que, em certos casos, aja de maneira contrária aos objetivos da OMC.

315

A previsibilidade e segurança do sistema multilateral de comércio, aliada a efetiva

promoção de medidas que contribuam para o desenvolvimento sustentável ao passo que

permitem a adoção de medidas para proteger valores ambientais, sanitários e fitossanitários

relevantes, tenderá a ser um grande desafio para a OMC nas próximas décadas. Cabe aos

Membros escolher um enfoque mais abrangente, por meio dos Comitês dos Acordos TBT e

SPS, ou esperar para que o OA comece a interpretar a agenda de padrões privados quando

surgir uma controvérsia.

316

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346

ANEXO A – Implementation of the iLUC Directive and update of the template used for the

assessment of voluntary schemes

347

348

ANEXO B – Implementation of the recently adopted criteria and geographic ranges of highly

biodiverse grassland

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ANEXO C – New legal reporting requirements for voluntary schemes

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354

355

356

ANEXO D – Update of Commission web site, notifications and transparency Measures

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358