PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP … · 2017. 2. 22. · pontifÍcia...
Transcript of PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP … · 2017. 2. 22. · pontifÍcia...
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
ARTHUR PAIVA MONTEIRO RÊGO
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SUJEIÇÃO PASSIVA
TRIBUTÁRIA
SÃO PAULO
2015
ARTHUR PAIVA MONTEIRO RÊGO
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SUJEIÇÃO PASSIVA
TRIBUTÁRIA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob orientação do Prof. Doutor Paulo de Barros Carvalho.
SÃO PAULO
2015
Banca Examinadora:
AGRADECIMENTOS
Chegado o fim de mais um ciclo na vida, acadêmica e pessoal, é hora
de parar, refletir, aprender e agradecer. Não tenho dúvidas a respeito de que
tudo que se passou, por mais doloroso que tenha sido em algum momento,
deixou uma boa lição, pois Deus escreve certo em linhas tortas. Eis o motivo
da minha fé, propulsora da minha força e do meu foco para realização das
tarefas em momentos árduos.
Agradeço à minha família não só pelo apoio na busca pelo grau de
mestre, mas pela bênção de tê-los ao meu lado. Damião e Diana, meus pais, e
minha irmã, Daniella, que me incentivaram com todo carinho, paciência, às
vezes com a rigidez necessária, com a abstenção dolorosa, mas com o amor,
sempre. Sem vocês nada há sentido, são fonte das minhas vontades e razão
do meu viver. Declarar amor a vocês nunca será demais.
A Luís Henrique, meu cunhado, deixo um abraço fraterno e os eternos
agradecimentos por ter me recebido como um irmão nessa reta final da
dissertação.
Ao Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq –, por ter financiado este
sonho através da bolsa de estudos. Há de ser reconhecido que o fomento da
educação através de órgãos como este traduz, de certa forma, uma sociedade
solidária. Portanto, deixo meu agradecimento ao cidadão, pagador de tributos,
que contribuiu diretamente para a produção deste trabalho.
Agradeço ao meu orientador Paulo de Barros Carvalho, pela
oportunidade de conviver semanalmente e sempre poder aprender com suas
profundas lições filosóficas e tributárias. A honra de ser seu orientando decorre
não só do grande professor que é, mas da sua vasta, densa e influente obra
jurídico-literária. Um exemplo a ser seguido.
Meu muito obrigado ao professor Robson Maia Lins, homem do bem e
generoso, conterrâneo que galgou voos altos no âmbito jurídico tributário, mas
não se esqueceu das raízes. Foi quem estendeu a mão para que eu subisse o
primeiro degrau na vida acadêmica.
Agradeço, também, aos professores José Artur Lima Gonçalves,
Fabiana Del Padre Tomé, Aurora Tomazini de Carvalho, pelos ensinamentos e
oportunidade de convívio semanal em sala de aula.
Ao mestrado da PUC devo às amizades de Luiza Noronha Siqueira,
Luis Henrique Toselli, Raquel Soufen, Rafael Vega Possebon, Monica Judice,
André Ulrich Pinto, Diogo Nogueira, Breno Vieira, Felipe Fleury, Maurício
Zockun e vários outros amigos cujo espaço impossibilita nominar, o convívio
acadêmico ao lado de vocês foi fantástico.
Jerônimo Dix-Neuf, Marcelo Rocha, Carlos Daniel, Vanessa Lima,
Marcelo Macedo, todos queridos amigos e vizinhos ao lado de quem pude ter
a honra de compartilhar risos e momentos geniais. Vizinhos não tão próximos,
mas amigos para vida toda, também, não posso deixar de agradecer a Milena
Abdalla e Alessandro Chicarelli.
Um agradecimento especial deve ser dedicado ao amigo Márcio César
Costa, um dos meus maiores incentivadores e sem dúvida baluarte para o
término deste trabalho. Serei eternamente grato pelas observações e horas
dedicadas à leitura dessa produção. O sentido de ser humano é concretizado
na sua pessoa.
Por fim, agradeço a todos os meus amigos que saíram de Natal e que
tornaram a convivência nessa selva de pedras, que é São Paulo, algo muito
mais fácil de lidar. Camile Chakra, Carol Procópio, Felipe Coelho, Gabriel
Veiga, Giovana Andrade, Jair Alecrim, Leo Almeida, Lucas Azevedo, Matheus
Freire, Paula Leão, Pedro Veiga, Priscila Holanda, Renata Feijó, Rodrigo
Dantas, Gabriela Azevedo, Luiza Sena e Fernanda Gois, vocês foram
responsáveis pelos meus risos, distrações e melhores momentos aqui nesta
cidade.
Deixo meu abraço a todos.
RESUMO
Esta dissertação buscou investigar o critério pessoal da regra-matriz de
incidência tributária a partir da Constituição da República. Como aspectos
preliminares para desenvolvimento do tema, foram trazidas noções da filosofia
da linguagem, na tentativa de explicar a construção do conhecimento, sendo
forma de se chegar ao elemento basilar do Direito a norma jurídica. A partir de
um método analítico e hermenêutico, foi analisada a estrutura da norma
jurídica, utilizando-se das lições de Paulo de Barros Carvalho, no que se refere
à regra-matriz de incidência tributária, focando na relação jurídica, mais
precisamente no critério pessoal. Assim, foi feito um estudo sobre a obrigação
tributária, os princípios constitucionais tributários e qual a relação deste com o
critério pessoal. Por fim, tentou-se demonstrar que há um “destinatário
constitucional do tributo” a partir do exame das materialidades dos tributos
postas na Constituição.
Palavras-chave: Direito tributário. Regra-Matriz de Incidência. Critério pessoal.
Fundamentos Constitucionais. Destinatário constitucional tributário.
ABSTRACT
This dissertation investigates the personal criteria of the rule tax incidence
matrix from the Constitution. As preliminary aspects for theme development,
philosophy of language concepts were brought forward to explain the
construction of knowledge, and how to get to the crucial point of law, the rule of
law. From an analytical and hermeneutical method, the structure of the rule of
law was analyzed, using the lessons of Paulo de Barros Carvalho, with regard
to the rule array of tax incidence, focusing on the legal relationship, precisely on
personal criteria. Thus, a study was done on the tax liability, tax constitutional
principles and of its relationship with personal criteria. Finally, we tried to show
that there is a "constitutional recipient tribute" from the examination of the
materiality of taxes put in the Constitution.
Keywords: Tax law. Rule Incidence Matrix. Personal criteria. Constitutional
bases. Tax constitutional recipient.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 10
1 ASPECTOS PRELIMINARES .................................................................... 14
1.1 Linguagem, realidade e Direito Positivo ................................................. 14
1.2 Semiótica e Direito ................................................................................. 15
1.3 Conhecimento e Direito .......................................................................... 18
1.4 Interpretação do Direito Positivo ............................................................. 20
1.5 Norma Jurídica ....................................................................................... 23
1.5.1 Regra-matriz de Incidência Tributária ................................................ 25
2 SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO ............................................ 31
2.1 Noção de sistema jurídico ...................................................................... 31
2.2 Estado de Direito e Sociedade ............................................................... 32
2.3 República e federação ............................................................................ 34
2.4 Tributo .................................................................................................... 36
2.4.1 Espécies Tributárias ........................................................................... 40
2.5 Competência Tributária .......................................................................... 43
3 NOTAS SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ........................................ 46
3.1 Das obrigações em geral ........................................................................ 46
3.2 Obrigação tributária no CTN ................................................................... 53
3.3 Natureza jurídica da obrigação em matéria tributária ............................. 55
3.4 Obrigação tributária patrimonial e Obrigação tributária instrumental ...... 57
3.5 Fato jurídico tributário e vínculo obrigacional ......................................... 61
3.5.1 Causalidade e relação no direito ........................................................ 62
4 RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA ......................................................... 64
4.1 Teoria das relações e aplicação ao Direito ............................................. 64
4.2 Da relação jurídica em geral ................................................................... 65
4.2.1 Relação no Direito Público ................................................................. 67
4.3 Sujeitos da relação jurídico-tributária ..................................................... 68
5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SUJEITO PASSIVO
DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ................................................................ 71
5.1 Princípio da legalidade ........................................................................... 71
5.2 Princípio da igualdade ............................................................................ 78
5.3 Princípio da capacidade contributiva ...................................................... 82
5.4 Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco ....................... 86
6 SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA .......................................................... 90
6.1 Sujeição passiva: conceitos, definições e legislação. ............................. 90
6.2 Destinatário constitucional tributário ....................................................... 94
6.2.1 O que é?............................................................................................. 94
6.2.2 Quem é ou quem pode ser? ............................................................. 100
6.2.1.1 Taxas ........................................................................................... 100
6.2.1.2 Contribuição de Melhoria ............................................................. 103
6.2.1.3 Tributos Municipais ...................................................................... 106
6.2.1.3.1 Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana ......... 107
6.2.1.3.2 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos – ITBI ................................................ 111
6.2.1.3.3 Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza ....................... 112
6.2.1.3.4 Contribuição para Custeio de Iluminação Pública – COSIP ...................................................................................... 114
6.2.1.4 Tributos Estaduais ....................................................................... 114
6.2.1.4.1 Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD ..................................................................................... 115
6.2.1.4.2 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA ......................................................................................... 116
6.2.1.4.3 Imposto sobre as Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ........................................................................................ 117
6.2.1.5 Tributos Federais ......................................................................... 118
6.2.1.5.1 Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II ..... 120
6.2.1.5.2 Imposto sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou Nacionalizados – IE ................................................................. 120
6.2.1.5.3 Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IR ........................................................................... 121
6.2.1.5.4 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI ......................... 122
6.2.1.5.5 Imposto sobre as Operações Financeiras – IOF ...................... 124
6.2.1.5.6 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR ............... 126
6.2.1.5.7 Contribuições ........................................................................... 127
CONCLUSÕES ............................................................................................. 133
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 144
10
INTRODUÇÃO
Entre o Direito Positivo – objeto cultural, criação humana apta a regular
condutas intersubjetivas – e a realidade social, formada pela multiplicidade de
condutas interpessoais, há uma variedade de modos possíveis a uma
aproximação dos objetos de estudo para que o sujeito cognoscente possa
comunicar-se com seus destinatários.
Paulo de Barros Carvalho, em suas impecáveis lições, afirma no Direito
Tributário, Linguagem e Método que
[…] a consistência do saber científico depende do quantum de retroversão que o agente realize na estratégia de seu percurso, vale dizer, na disponibilidade do estudioso para ponderar sobre o conhecimento mesmo que se propõe construir. Expressando-me de outra maneira, estou convicto que o discurso da Ciência será tanto mais profundo quanto mais se ativer, o autor, ao modelo filosófico por ele eleito para estimular sua investigação.1
Desse modo, cabe destacar que o método aqui seguido é o mesmo
utilizado pelo referido mestre, um método analítico e hermenêutico, pautado na
filosofia da linguagem, no qual se interpreta o Direito Positivo analisando seus
planos sintático, semântico e pragmático, tudo como instrumental hábil à
compreensão do direito posto e sua metalinguagem, a ciência do direito.
Utiliza-se de noções lógicas, ainda que basilares, para que fique claro
que onde houver linguagem certamente haverá um plano lógico responsável
pela morfologia e pela sintaxe do repertório ou conjunto de signos.
A linguagem, como constitutiva da realidade, certamente o é do Direito
Positivo, também. Assim, o que se tem no Direito é a comunicação
intersubjetiva; a todo tempo há comportamentos produzidos pela sociedade.
Todavia, para o Direito, apenas interessam as condutas humanas por ele
reguladas. E, no caso em tela, estudam-se as condutas que envolvem a
1 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 03.
11
atividade de tributação do Estado e as que, porventura, com esta se
relacionem.
Atentando-se, sempre, para a linguagem do direito posto, busca-se
interpretar os enunciados prescritivos da forma que mais se aproxime da
linguagem jurídica e finalidades postas pela Constituição da República.
Desse modo, invoca-se, como aspectos preliminares, a relação entre a
língua, a realidade e o Direito Positivo, com intuito de mostrar, descrever, que
o conhecimento jurídico é adquirido através da interpretação dos enunciados
prescritivos postos, que a construção de sentido é a construção da realidade
dentro da pragmática linguística.
Como produto da construção de sentido dos enunciados prescritivos
do direito posto, tem-se a norma jurídica que, apesar de sua unidade conceitual
e formal, é possível fazer uma desconstrução, em outras palavras, um estudo
analítico no qual se reduz a norma jurídica a critérios básicos, ao mínimo
irredutível do deôntico. É a regra-matriz de incidência tributária, criação genial
de Paulo de Barros Carvalho, a decomposição da estrutura da norma jurídica
tributária, mediante um estudo analítico. Constitui-se num excelente
instrumental teórico para análise do direito posto, tendo em vista que possibilita
aferir os requisitos de permanência da norma no sistema jurídico e todos os
elementos que a constituem.
O cerne do trabalho encontra-se no critério pessoal da regra-matriz de
incidência tributária, mais precisamente, no sujeito passivo, aquele que sofrerá
a exação tributária.
No primeiro capítulo, introduz-se a noção da filosofia da linguagem, sua
relação com o mundo e com o direito, a forma pela qual o homem trava contato
com o universo e adquire ou constrói seu conhecimento, sendo, portanto,
imprescindíveis tais lições para que se chegue ao elemento basilar do Direito,
a norma jurídica.
No segundo capítulo, posta a ideia do que é a norma jurídica e como
esta é formada, busca-se entender a forma como o Direito se estrutura, se o
12
conjunto de normas jurídicas válidas e vigentes em determinado tempo e
espaço consistem num sistema.
Ainda no mesmo capítulo, faz-se um escorço histórico a respeito da
formação do Estado de Direito, como se chegou até a conjuntura atual e quais
os ideais norteadores da Constituição da República, ressaltando-se a forma
republicana, suas características e implicações de sua adoção, bem como a
estrutura da atual federação, quais suas finalidades e modos de funcionamento.
Discute-se, também, o que vem a ser o tributo, quais suas
características, como este se define, quais suas finalidades e seu objeto. Não
se olvida da matéria da competência tributária, ou seja, quem pode, quando,
como e sob quais fundamentos é possível instituir o tributo.
No terceiro capítulo, estuda-se a relação jurídico-tributária observando-
se a teoria das relações e sua aplicação no Direito, e, baseando-se na obra de
Lourival Vilanova, faz-se um estudo do juízo hipotético-condicional como forma
de estudar a estrutura da norma jurídica, destacando a relação jurídica no
âmbito do direito público.
No quarto capítulo, estudam-se a obrigação tributária, sua forma
positivada no Código Tributário Nacional e as considerações doutrinárias a
respeito do assunto, levando-se em conta o estudo das obrigações em geral no
âmbito do direito privado e a sua influência no âmbito do direito público, fazendo
o estudo da dicotomia público-privado, quais as aproximações e distinções
existentes no que se refere ao estudo das obrigações.
No quinto capítulo, há o estudo dos princípios constitucionais que se
relacionam diretamente com o sujeito passivo da obrigação tributária. Optou-se
por falar apenas dos princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade
contributiva e da vedação de tributo com efeitos de confisco. Em todas as
ocasiões, buscou-se mostrar os enunciados prescritivos que fundamentam a
existência de tais normas, qual a influência destas no sujeito passivo da
obrigação tributária, colacionaram-se julgados do Supremo Tribunal Federal
como meio de fundamentação e confirmação de alguns posicionamentos
13
adotados e, em alguns casos, fez-se um escorço histórico no quanto ao
surgimento e aplicação de determinados princípios no Direito Pátrio.
No sexto capítulo, estuda-se propriamente a sujeição passiva tributária.
Aborda-se a matéria à luz da doutrina brasileira, desde os primeiros a se
dedicarem ao tema até os autores contemporâneos, buscando apontar quais
pontos convergem e quais divergem.
O foco do capítulo e do trabalho não é tratar de todas as espécies e
formas de sujeição passiva existentes no direito brasileiro; restringe-se apenas
ao estudo da figura chamada “destinatário constitucional do tributo”.
Nessa linha, busca-se responder se há um “destinatário constitucional
do tributo”; se afirmativo, se este é expresso ou implícito. Outra questão a ser
respondida é se há a individualização de um sujeito capaz de constranger e
vincular a atividade legislativa infraconstitucional, bem como outras questões
decorrentes da adoção da posição a ser tomada.
Frise-se, portanto, que não é escopo do trabalho elencar, delimitar e
explicar as hipóteses de responsabilidade tributária, solidariedade, substituição
e demais classificações eventualmente existentes de sujeito passivo tributário.
Evidentemente, havendo uma correlação entre estas hipóteses e o assunto
“destinatário constitucional do tributo”, serão tratadas na medida conveniente e
necessária à explicação.
Ressalte-se, ainda, que estão fora da análise do trabalho os tributos
dos artigos 148 e 154 da Constituição da República, por serem situações
excepcionais, que fogem ao interesse da pesquisa.
Por final, apresentam-se as conclusões, considerações e
recomendações finais, como fruto sobre o tema ora proposto nesta dissertação
de mestrado.
14
1 ASPECTOS PRELIMINARES
1.1 Linguagem, realidade e Direito Positivo
Um dos problemas eternos do pensamento, eternos porque insolúveis
– até então –, é conhecer por outro meio que não seja através da língua.
A língua, em sua forma idiomática, é, cria, forma e propaga a
realidade2, pois aquilo que nos chega pela percepção dos sentidos, chamados
por Vilém Flusser de “dados brutos”, só o é e só a estes se apreende através
da língua3.
Em outras palavras: “a língua deve ser aceita como o dado bruto por
excelência, e suas regras devem ser aceitas como a estrutura da realidade. O
conhecimento é resultado da observação dessas regras”4.
É possível afirmar que da experiência sensorial o ser humano percebe
a língua por dois ângulos distintos: externa e internamente. Pelo prisma
externo, esta consistirá no conjunto de todos os signos percebidos e
perceptíveis, quando ligados entre si segundo regras preestabelecidas. Da
perspectiva interna, tem-se o intelecto que é produto e produtor da língua, tendo
em vista que conhece dos sentidos e dos dados brutos que colhe, mas só o faz
em forma de palavras5.
Transportando as ideias já expostas para o Direito Positivo e aos
propósitos que o trabalho propõe atingir – os fundamentos constitucionais da
sujeição passiva tributária –, tem-se que a língua é forma de expressão e o
modo de ser do Direito, ou seja, através dela é possível apreender um conjunto
de normas jurídicas válidas, em determinado espaço e tempo, cujo escopo é
regulação de condutas humanas intersubjetivas que visam à manutenção da
2 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007. 3 Ibid., p. 70. 4 Ibid., p. 102. 5 Ibid., p. 49, 57.
15
ordem social e, no caso do Brasil, dos valores constitucionalmente
consagrados.
Desse modo, que fique consignado que “ali onde houver direito haverá
sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente,
uma linguagem que lhes sirva de veículos de expressão”6. E mais, onde houver
uma linguagem, certamente haverá a possiblidade de utilização da semiótica
como técnica de análise para tanto.
1.2 Semiótica e Direito
Eleger a Semiótica como técnica para a análise da linguagem jurídica
é adotar um “conjunto de regras aptas a dirigir eficazmente”7 um procedimento
que envolve, de um lado, um processo de decomposição, ou seja, parte-se de
um todo, especificando-o e segregando-o, realizando-se, desse modo,
distinções e classificações. O outro lado constitutivo da análise é procedimento
regressivo, que se verifica com o estabelecimento de um plexo de proposições
baseado em outra proposição que, por suposição, soluciona o problema trazido
à baila, “remontando às condições globais de solução, constituindo-se num
sistema”8.
Nesse sentido, faz-se necessária a noção de diferenciação e ligação.
Diferenciação é recurso analítico no sentido de decomposição, que consiste numa desvinculação de elementos que se manifestam como formando um todo ou, por suposição, um conjunto solidário. Já ligação é um recurso analítico que se refere ao sentido de procedimento regressivo e consiste na aproximação de elementos distintos, estabelecendo-se entre eles uma solidariedade, tornando-os compatíveis dentro de um conjunto.9
6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 7 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012,
p. 1106. 8 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 70. 9 Ibid., loc. cit.
16
A Semiótica, com seus aspectos modernos, teve dois fundadores,
quase que contemporaneamente, entre o final do século XIX e início do século
XX. De um lado, o europeu Ferdinand Saussure, que a tinha como “disciplina-
mãe da linguística e como parte da ‘psicologia social’”10. O outro fundador foi o
filósofo norte-americano Charles Sanders Peirce, que tratou a semiótica como
uma disciplina filosófica, ligada com a lógica e fenomenologia.
Costuma-se chamar de Semiótica a disciplina que se ocupa dos signos,
do sentido e da comunicação11.
Estudar signos é ter como objeto de observação, a partir de um suporte
físico, uma relação entre significado e significação. Daí a afirmação de que o
“signo é um ente que tem o status lógico de relação”12.
Em apertada síntese, cabe dizer, a título de esclarecimento, que
suporte físico é a palavra falada ou escrita, o significado é um objeto do mundo
constituído pelo signo, e a significação é a proposição ou juízo construído a
partir do significado.
A língua como um conjunto de signos ordenados segundo regras
preestabelecidas, quando organizados em frases, enunciados, orações ou
qualquer outra forma de comunicação, pode ser analisada por três aspectos
distintos de um mesmo objeto, quais sejam: a sintaxe, a semântica e a
pragmática.
Os denominados planos semióticos (sintático, semântico e pragmático)
são caracterizados da seguinte forma: a) o plano sintático estuda a relação dos
signos entre si, os vínculos lógicos e estruturais que se formam quando
articulados em discurso; b) no plano semântico é examinada a relação entre o
signo e a realidade por ele trazida, o conteúdo – objeto; c) o plano pragmático
observa o modo como o emissor e destinatário lidam com o signo dentro
processo comunicacional.
10 VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica. São Paulo: Loyola, 2007, p. 13. 11 Ibid., loc. cit. 12 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 33.
17
Nessa linha, precisa e adequada é a lição de Aurora Tomazini de
Carvalho:
Aplicando esta técnica ao direito positivo, o estudo de seu plano sintático, que tem a Lógica como forte instrumento, permite conhecer as relações estruturais do sistema e de sua unidade, a norma jurídica. O ingresso no seu plano semântico possibilita a análise dos conteúdos significativos atribuídos aos símbolos positivados. É nele que lidamos com os problemas de vaguidade, ambiguidade e carga valorativa das palavras e que estabelecemos a ponte que liga a linguagem normativa à conduta intersubjetiva que ela regula. E as investidas de ordem pragmática permitem observar o modo com os sujeitos utilizam-se da linguagem jurídica para implantar certos valores almejados socialmente. É nele que se investiga o manuseio dos textos pelos tribunais, bem como questões de criação e aplicação de normas jurídicas.
Em suma, o ângulo sintático conduz a uma análise estrutural, o semântico a uma análise conceitual (de conteúdo) e o plano pragmático a uma análise do uso da linguagem jurídica. Cada um destes planos caracteriza-se como um ponto de vista sobre o direito, de modo que para conhecê-lo devemos percorrer todos eles.13
Sempre que se fala no plano semântico, ou seja, dos conteúdos, é
necessário observar que os signos estão impregnados de propriedades que
são predicadas ao objeto, bem como do conjunto de objetos possíveis
abarcados pelo signo. Cumpre, então, acrescentar as noções de conotação e
denotação.
A conotação consiste no conjunto de predicados atribuídos ao signo,
constituindo, desse modo, as notas para sua extensão. Já a denotação é
conjunto de elementos que preenchem as notas de um signo, sendo, portanto,
os objetos que compõem a extensão do signo.
A partir da noção de conotação e denotação constante de todos os
signos, percebe-se do uso linguístico que estes são potencialmente vagos e
ambíguos. Em outras palavras, são denotativamente vagos porque geralmente
possuem vários elementos em sua extensão e conotativamente ambíguos,
tendo em vista a impossibilidade de se enunciar com máxima precisão as
13 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2014, p. 165-166.
18
propriedades que, uniformemente, devem aparecer em todos os casos nos
quais tal signo é usado.
Ensina Aurora Tomazini de Carvalho que
O uso da Semiótica como técnica metodológica favorece o estudo analítico. Não podemos esquecer, no entanto, que esta perspectiva está sempre envolta por critérios ideológicos delimitados pelas vivências do intérprete, principalmente no que diz respeito aos planos semânticos e pragmáticos, o que só reforça nossas convicções a respeito da propriedade do método hermenêutico-analítico empregado no estudo do direito positivo.14
Feitas as devidas considerações, analisar o Direito Positivo através da
Semiótica é ter em mãos os documentos normativos, para que se observem as
estruturas e vínculos lógicos de seu discurso, reduzindo as ambiguidades e
vagueza dos signos utilizados, para que se atinja a ordem social
constitucionalmente consagrada.
1.3 Conhecimento e Direito
Afirma Lourival Vilanova15 que “o conhecimento é um fato complexo”
decorrente da relação do sujeito com o objeto, cuja origem é a experiência
sensorial. Segundo o autor, os componentes discerníveis, mas inseparáveis,
do conhecimento são: “a) o sujeito cognoscente; b) os atos de percepção e de
julgar; c) o objeto do conhecimento (coisa, propriedade, situação objetiva); d) a
proposição (onde diversas relações de conceitos formam estruturas)”16.
Portanto, dizer que há complexidade no conhecimento é afirmar que a relação
do sujeito com o objeto é um tecido de partes heterogêneas inseparavelmente
associadas.
14 CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses,
2014, p. 166. 15 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo:
Noeses, 2010, p. 01. 16 Ibid., loc. cit.
19
O conhecimento é o resultado e, ao mesmo tempo, forma do ato de
consciência, sendo esta a função através da qual o homem entra em contato
com suas vivências interiores e exteriores, ou seja, a experiência sensorial.
Para esclarecer, Edmund Husserl17 diferencia: a) o ato de consciência; b) o
resultado deste ato, que a forma; e c) o conteúdo do ato, que consiste no objeto
captado pela consciência, formador da relação sujeito-objeto, que é articulável
em nosso intelecto.
Frise-se que tanto o conhecimento quanto o seu objeto são
construções intelectuais, cujo “ser” só o é através da linguagem.
Mapeando o assunto, Leonidas Hegenberg18 identificou três etapas do
conhecimento: a) saber de – dá-se com o acúmulo de sensações, permitindo a
identificação de objeto sempre que se repitam; por exemplo, é o conhecer a
existência; b) saber que – usando-se a razão somada às ações, cria-se uma
lógica aos acontecimentos do mundo; por exemplo, se não for cuidadoso com
o fogo, sofrerei uma queimadura; e c) saber como – espécie mais elaborada de
conhecimento, que possibilita a execução de ações.
A linguagem é a capacidade de comunicação do ser humano, através
de uma língua/idioma – sistema de signos vigente em determinada sociedade
–, que se expressa na fala, sendo esta o ato individual que instaura a
comunicação mediante utilização e atualização da língua.
Pois bem, trazida a ideia de como se opera o conhecimento, sua
construção linguística e técnica de análise dos signos (Semiótica), é vital
destacar a necessidade de um sistema de referência para execução do
conhecimento. Tal assertiva decorre do fato de o ato de conhecer ser marcado
por associações pautadas, sempre, no horizonte cultural do sujeito
cognoscente e nas coordenadas de espaço e tempo em que são emanadas e
processadas. Logo, para se conhecer algo, é necessário partir de um ponto de
17 Apud CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 08. 18 HEGENBERG, Leonidas. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade. Petrópolis:
Vozes, 2001, p. 24-33, 62-85.
20
referência com objetivo de delimitar, principalmente, o campo semântico e
pragmático do que está sendo posto.
Assim, conclui-se que o sujeito cognoscente constrói linguisticamente
o conhecimento, em sua complexidade, dentro de determinado sistema de
referência, e o emite mediante execução de atos de fala, expressados numa
língua.
O jurista é quem, no caso do direito, trava contato com os documentos
normativos, constituídos por um plexo de linguagens que regula condutas
humanas intersubjetivas. E, tratando-se de Direito Tributário, onde são
comandadas normas que dizem respeito ao exercício da tributação, deve o
operador do direito buscar uma delimitação da atividade estatal, conhecendo
os enunciados prescritivos que tratam da criação, instituição e arrecadação de
tributos, através dos fundamentos constitucionais.
1.4 Interpretação do Direito Positivo
A Hermenêutica é a linguagem científica que versa sobre a
interpretação, ou seja, visa à construção e sistematização de sentido dos textos
do Direito Positivo.
Interpretar, na hermenêutica tradicional19, era explicar, dar significado
aos gestos, atitudes ou vocábulos, reproduzir um pensamento outrora
exteriorizado, mostrar o verdadeiro sentido de uma expressão.
Todavia, desde as ideias do “giro-linguístico”, o sujeito cognoscente
está inserido no “cerco inapelável da linguagem”, ou seja, é mediante
articulações linguísticas que se cria, intelectualmente, o objeto.
19 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva,
2011, p. 07.
21
Assim, o interpretar passou a ser visto como o ato de construção de
sentido, no qual, mediante o emprego da linguagem, o intérprete atribui valores
aos signos, confere significações e, através destas, faz referências a objetos20.
Nessa linha, é importante descrever o modelo de interpretação
proposto pelo professor Paulo de Barros Carvalho21, que, dividindo em quatro
planos (S1 – plano dos enunciados ou de expressão, S2 – plano das
proposições ou proposicional, S3 – plano das normas jurídicas ou normativo e
S4 – plano da sistematização), demonstrou o percurso gerador de sentido dos
textos jurídicos.
O plano dos enunciados ou de expressão é aquele no qual o intérprete
se depara com os enunciados prescritivos trazidos pela literalidade do texto
normativo.
No que tange ao plano proposicional, pode-se dizer que é o início do
processo de interpretação, pois é nele que o intérprete passa a atribuir valores
aos símbolos que compõem os enunciados prescritivos, de forma isolada.
Ao chegar ao plano normativo, o intérprete passa a concatenar as
proposições valoradas no plano S2 e cria uma forma estruturada dos valores
atribuídos aos signos dos enunciados prescritivos (HC), chegando à
construção da norma jurídica.
Por fim, o plano da sistematização visa organizar as normas jurídicas
observando os critérios de subordinação e coordenação.
As relações de coordenação decorrem da organização horizontal do
direito e atendem a um critério de complementação nos planos semântico
(complementação em razão da matéria) e pragmático (complementação em
razão da forma). Já as relações de subordinação aparecem na organização
vertical do direito, pressupondo uma hierarquia entre normas, nas quais as
20 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 103. 21 Ibid., p. 104-127.
22
normas inferiores fundamentam-se formal e materialmente nas normas
superiores ou das regras superiores derivam as regras inferiores.
Os limites à interpretação são inerentes ao próprio intérprete, pois são
seus horizontes culturais que, ao travarem contato com o plano de expressão,
determinarão os valores a serem atribuídos aos enunciados prescritivos,
desencadeando as proposições e dando sequência ao percurso da construção
do sentido dos textos jurídicos.
O sentido não está no objeto, mas no intérprete. Portanto, o que
determina sentido ao texto é o valor a ele atribuído, que não existirá sem o
homem. Daí se falar em inesgotabilidade como axioma da interpretação, tendo
em vista que haverá sempre a possiblidade de, no campo semântico, serem
construídos e reconstruídos os sentidos do texto.
Outro axioma da interpretação é a intertextualidade, que se caracteriza
pelo diálogo que os textos mantêm entre si. Ela pode ser em sentido
estritamente jurídico (entre os vários ramos do ordenamento) e jurídico em
acepção ampla (entre o direito e os setores que têm o direito como objeto). Daí
decorre o dialogismo, relação de sentido estabelecida entre dois textos, ou seja,
constrói-se um enunciado com base em outros enunciados e o primeiro
somente é compreendido em virtude da relação dialógica que mantém com o
segundo.
Como leciona o Paulo de Barros Carvalho,
[…] sempre é bom lembrar que o processo de positivação do direito inaugura-se como os preceitos competenciais cravados nos Texto Supremo e avança, gradativamente, em direção aos comportamentos inter-humanos para discipliná-los e tornar possível a convivência social22.
Portanto, a Constituição Federal é o texto que guiará a construção de
todos os demais enunciados do ordenamento jurídico, sendo este o motivo pelo
qual todo enunciado prescritivo emanado pelas autoridades legislativas e todas
22 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 121.
23
proposições jurídica criadas pelos intérpretes devem manter uma relação
dialógica e subordinada às linhas constitucionais.
1.5 Norma Jurídica
O documento normativo, sob a ótica do constructivismo lógico-
semântico, é o suporte físico do operador do direito, o ponto de partida para a
aplicação e interpretação dos enunciados prescritivos. O enunciado prescritivo
é a forma linguística acabada, ou seja, as frases contidas o discurso normativo,
cujo conteúdo sempre será uma ordem. A partir da interpretação de tais
enunciados, é possível a construção de proposições jurídicas e normas
jurídicas.
Como várias outras expressões linguísticas, “norma jurídica” não
escapa de sentidos ambíguos. Por esse motivo, Paulo de Barros Carvalho23
dividiu norma jurídica em sentido amplo (designa frases, como suporte físico
do direito posto ou texto legal) e sentido estrito (aduz as significações
fabricadas a partir dos enunciados do direito positivo).
Ainda no que diz respeito às normas jurídicas, o referido autor diz que
[…] ali onde houver direito haverá sempre normas jurídicas, e onde houver normas jurídicas haverá, certamente, uma linguagem que lhes sirva de veículo de expressão. Pois bem, para que haja o fato jurídico e a relação entre sujeitos de direto que dele, fato, se irradia, necessária se faz também a existência de uma linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experiência e linguagem que relato o vínculo jurídico que se instala entre duas ou mais pessoas24.
Completa, ainda, dizendo que a
[…] positivação normativa se faz também com a linguagem que certifica os acontecimentos factuais e expede novos comandos normativos sempre com a mesma compostura formal: um
23 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 40-44. 24 Ibid., p. 32-33.
24
antecedente de cunho descritivo e um consequente de teor prescritivo25
Utilizando noções de lógica, é possível obter a seguinte formalização
da norma jurídica:
D(HC)
Essa seria a estrutura básica, representada por um juízo hipotético-
condicional, na qual dentro da hipótese (H) há um fato (f) ligado por um
conectivo implicacional () a uma consequência (C), sendo esta preenchida
por uma relação entre sujeitos (S’, S’’).
A partir de uma visão das estruturas lógicas do Direito, observa-se que
quando o legislador cria a norma jurídica (em sentido amplo) prevê classes
(hipóteses normativas) que visam separar os fatos e as relações deles
decorrentes, que serão relevantes para o direito, ou seja, aptos a serem
qualificados respectivamente como fato jurídico e relação jurídica. Nesse
passo, pode-se afirmar que a hipótese e o consequente conotam as
propriedades e elementos que devem estar contidos na construção da norma
jurídica, a primeira relativa aos fatos a serem juridicizados, o segundo em
observação às relações jurídicas a serem instauradas com o acontecimento
dos fatos previstos na hipótese.
O antecedente é descritor de uma possível situação fática do mundo,
assentado no modo ontológico da possibilidade26. Já o consequente da norma
jurídica apresenta-se como uma proposição prescritiva de condutas
intersubjetivas, ou seja, sempre será uma proposição relacional que vincula
dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como
proibida, permitida ou obrigatória.
Nesse passo, relação jurídica consiste num vínculo abstrato resultante
da implicação ocorrida em decorrência do acontecimento do antecedente da
norma jurídica. Em outras palavras, a relação jurídica é parte integrante do
25 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 32. 26 VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo:
Noeses, 2010, p. 50.
25
consequente da norma que, modalizada deonticamente, permite, obriga ou
proíbe determinada conduta entre os sujeitos de direito. Frise-se que, para
haver a relação jurídica, sempre deverá existir um elemento subjetivo (sujeitos
de direito) e um elemento prestacional (define a conduta modalizada
deonticamente).
A norma jurídica completa é composta pela norma primária (aquela que
prevê a vinculação deôntica da ocorrência de um fato à prescrição de uma
conduta) e pela norma secundária (prescreve uma sanção, de cunho coercitivo,
a ser aplicada pelo Estado-Juiz nos casos de desobediência da norma
primária).
Diante desta perspectiva, não se pode afirmar que há normas jurídicas
sem sanção (aqui entendida como possibilidade de ir a juízo pleitear direito
subjetivo).
Nessa linha, afirma Paulo de Barros Carvalho que “somente a norma
jurídica, tomada em sua integridade constitutiva, terá o condão de expressar o
sentido cabal dos mandamentos da autoridade que legisla”27.
Em suma: a norma jurídica é a significação construída a partir dos
enunciados prescritivos do direito posto, observadas as relações de
subordinação e coordenação existentes no sistema jurídico. A função do
consequente é selar a relação jurídica entre credor e devedor, bem como
delinear o objeto prestacional.
1.5.1 Regra-matriz de Incidência Tributária
A regra-matriz de incidência tributária é o mínimo irredutível de
manifestação do deôntico, ou seja, marca o núcleo de incidência do tributo,
trazendo em sua estrutura apenas os elementos suficientes para que se
constate o dever-ser da norma.
27 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 41.
26
O intérprete, a partir de estímulos sensoriais provocados pela
observação do documento normativo, constrói o sentido do texto e tem na
regra-matriz de incidência tributária a possibilidade de estudar a norma de
forma analítica, facilitando a delimitação do âmbito de incidência normativa e a
verificação ou não da subsunção e causalidade jurídica.
O juízo hipotético-condicional é a forma pela qual os conteúdos
normativos se apresentam. Consoante dito anteriormente, sabe-se que a
hipótese é o local sintático onde estará descrito um fato a ser juridicizado e o
consequente será onde haverá preenchimento das implicações decorrentes do
fato jurídico.
A regra-matriz de incidência tributária é composta pelos seguintes
critérios: a) critério material; b) critério temporal; c) critério espacial; d) critério
pessoal; e) critério quantitativo28.
No critério material encontra-se o comportamento humano que marca
o núcleo da hipótese normativa. Na lição de Paulo de Barros Carvalho, a
materialidade será formada
[…] invariavelmente, por um verbo e seu complemento. Daí porque aludirmos a comportamento humano, tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer, abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação), como aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.)29
O critério espacial é aquele que identifica os elementos necessários e
suficientes para se verificar o lugar onde exatamente foi realizado o fato
jurídico.
Segundo Lucas Galvão de Britto30, há cinco elementos limitadores à
escolha do lugar do tributo, ou seja, do critério espacial da regra-matriz de
incidência.
28 Teoria da Norma Tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 125-184. 29 Ibid., p. 126. 30 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 134-136.
27
O primeiro constrangimento segundo o referido autor está ligado à
distribuição de competências na Constituição da República. Nessa linha, afirma
que “é preciso que o lugar eleito pelo legislador, na escolha dos critérios
delineadores do fato jurídico tributário, guarde relação com a matéria a ele
designada pela Constituição”31
A segunda limitação imposta ao legislador quando da escolha do
critério espacial está a cargo da territorialidade. Nesse caso, deve haver uma
relação entre o lugar escolhido e o domínio de vigência das normas fixadoras
da extensão territorial do sujeito de direito público. Em outras palavras, há “uma
imposição na implicitude da Constituição que prescreve que a escolha do lugar
do tributo somente pode suceder com relação a movimentos cuja ocorrência
seja imputável no território do ente tributante.”32
O terceiro constrangimento são conceitos de Direito Privado,
aproveitando-se da primeira limitação na qual o critério espacial deve manter
íntima relação com a materialidade constitucionalmente posta e considerando
que, “em sendo essa materialidade um conceito de utilização no discurso
jurídico, não pode a facticidade tributária ser recortada para além dos contornos
dados em outros domínios do direito”33.
As leis complementares em matéria tributária cujo conteúdo verse
sobre limitações constitucionais ao poder de tributar e conflito de competências
constituem o quarto constrangimento ao legislador quanto à escolha do critério
espacial, que poderá ser feita de duas formas:
(1) ou estipulando tal critério para atribuir a competência a um dos entes, excluindo os demais; (2) ou autorizando a opção de mais de um local. Dessa maneira, permite que diferentes legisladores instituam tributos distintos sobre aquele mesmo conjunto de movimentos que, dados os diferentes significados construídos pelas normas, passará a ser base material de duas (ou mais) condutas diversas.34
31 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 137. 32 Ibid., p. 177. 33 Ibid., p. 150-151. 34 Ibid., loc. cit.
28
O quinto e último constrangimento reside no artigo 98 do CTN, quando
prescreve que a aplicação dos tratados internacionais tem sobre a legislação
nacional.
O motivo dessa aplicação preferencial é a especificidade de suas disposições sempre de menos abrangência em relação à norma nacional geral e abstrata. Não é o caso de revogação, pois tal fenômeno seria incompatível com as outras prescrições do sistema.
Ante a pluralidade de elementos que possam ser eleitos para a definição do lugar do tributo em uma opção internacional qualquer, os tratados podem dispor de maneira semelhante à Lei Complementar: (1) ou fornecendo critério para atribuir a aplicação à lei de um dos Estados, excluindo os demais; (2) ou autorizando o emprego de mais de um local e, dessa forma, permitindo que diferentes leis possam incidir sobre o mesmo conjunto de movimentos. Desse modo, não se estará diante de conduta única, mas de duas (ou mais), correspondendo cada qual à diferente norma nacional que tenha instituído o tributo35.
Já o critério temporal é o instante exato, ou seja, a unidade de tempo
colhida hábil a “assinalar o surgimento de um direito subjetivo para o Estado
(em sentido amplo) e de um dever jurídico para o sujeito passivo”36. No critério
pessoal, serão identificados os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica
tributária. Por fim, o critério quantitativo indicará a base cálculo e alíquota do
tributo.
Separando os referidos critérios e alocando-os parte na hipótese e
parte no consequente, Paulo de Barros Carvalho disse que
[…] no descritor da norma (hipótese, suposto, antecedente) teremos diretrizes para identificação de eventos portadores de expressão econômica. Haverá um critério material (comportamento de alguma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Já na consequência (prescritor), toparemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). A conjunção desses dados indicativos nos oferece a possibilidade de exibir, na plenitude, o núcleo lógico-estrutural da norma-padrão, preenchido com os
35 BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014, p. 179. 36 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 332.
29
requisitos significativos necessários e suficientes para o impacto jurídico da exação.37
Há divergências quanto à divisão dos referidos critérios entre hipótese
e consequente. Sacha Calmon Navarro Coelho38 e Luís Cesar Souza de
Queiroz39 aduzem a necessidade de um critério pessoal na hipótese da norma
jurídica.
Na verdade, a terminologia utilizada por Sacha Calmon substitui o signo
“critério” por “aspecto”, afirmando que,
[…] ao lado dos aspectos material, temporal e espacial, acrescentamos ao fato jurígeno, na hipótese da endonorma, um aspecto pessoal. É que o fato jurígeno (um “ser”, “estar” ou “fazer”) está sempre ligado a uma pessoa, e, às vezes, os tributos ou qualificações dessa pessoa são importantes para a delimitação da hipótese de incidência40.
A lição de Luís Cesar Souza de Queiroz vem no sentido de que
[…] não existe a menor possibilidade de se imaginar uma norma impositiva de imposto que não possua um critério pessoal em seu antecedente. Repita-se o critério pessoal do antecedente da norma impositiva de imposto é sempre simbolizada pela descrição de um sujeito de direito que é titular de uma riqueza […] A identificação desse critério pessoal do antecedente é fundamental para a precisa construção do consequente da norma impositiva de imposto, mais especificamente, para a determinação do sujeito de direito (sujeito passivo) que terá a obrigação de entregar certa quantia em dinheiro ao Estado41.
Pois bem, por tudo que já foi dito, adota-se aqui o posicionamento do
professor Paulo de Barros Carvalho. A regra-matriz de incidência tributária deve
abarcar em sua estrutura apenas os elementos suficientes para a verificação
do comando normativo, é a “expressão mínima e irredutível de manifestação
do deôntico”42. Ademais, como o direito é o instrumento, por excelência, de
37 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 133. 38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da
Exoneração Tributária. São Paulo: Dialética, 2003. 39 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense,
1998. 40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 95-96 (grifos do original). 41 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de, op. cit., p. 170. 42 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 609.
30
regulação das condutas humanas e o direito tributário, em regra, visa atingir o
patrimônio de alguém, o verbo do critério material tem como pressuposto a
existência e a conduta de uma pessoa (natural ou jurídica) que será produtora
da atividade refletida ou espontânea constante do verbo, sendo, portanto,
desnecessário critério (ou aspecto) pessoal no antecedente da regra-matriz de
incidência tributária.
Dessa forma, dividindo critério da regra-matriz de incidência tributária
entre a hipótese e o consequente (HC), obtém-se a seguinte estrutura lógica:
D { [ Cm (v . c) . Ce . Ct ] [ Cp (Sa . Sp) . Cq (bc . al) ] }
Esclarecendo: D representa a forma deôntica do comando normativo;
Cm equivale ao critério material composto por um verbo (v) mais um
complemento (c); o critério espacial representado por Ce; o critério temporal,
por Ct; representando o critério pessoal, tem-se (Cp), formado pela relação
entre sujeitos ativo e passivo (Sa . Sp); por fim, tem-se o critério quantitativo
(Cq), composto pela base de cálculo (bc) e pela alíquota (al).
Em que pese a possibilidade de formalização ao falar em critérios
componentes de uma norma jurídica, não se pode olvidar que esta consiste
numa unidade conceitual, sendo tais critérios e componentes construídos para
fins didáticos e de estudos analítico.
O que se quer dizer é que a norma jurídica é uma construção de
sentido, uma significação resultado da interpretação do Direito Positivo, não se
resume a critérios ou fórmulas lógicas, que são apenas instrumentos e meios
de estudos. Pois, dentro do contexto comunicacional do Direito, a norma
jurídica figura como uma mensagem, que não será compreendida caso esteja
mutilada, fatiada em fragmentos textuais que a tornem sem sentido jurídico.
31
2 SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
2.1 Noção de sistema jurídico
Acredita-se na possibilidade de se definir sistema como um conjunto
de elementos (repertório), organizados numa estrutura (regras de
relacionamentos), unidos via um conceito aglutinante, ou seja, um vetor
comum.
Aplicando-se a referida ideia ao sistema do direito, tem-se que este é
um conjunto de normas jurídicas válidas (existentes) construído em torno de
princípios coerentes e harmônicos, em função de objetivos constitucionalmente
consagrados.
Bebendo das lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior43, o professor
José Artur Lima Gonçalves44 ensina que
[…] repertório é o conjunto de elementos que integram um determinado sistema; e estrutura é o conjunto de regras de relacionamento entre os elementos componentes do sistema. Ambos (repertório e estrutura) integram o sistema – que deles se compõe.
A noção de sistema trazida por Geraldo Ataliba45 é de um “conjunto
unitário e ordenado de elementos em função de princípios coerentes e
harmônicos”. Sendo, um sistema normativo, nessa linha, o “conjunto unitário e
ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais,
reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento
comum”.
A sistemática deve ser entendida como o princípio das relações do
sistema; traduz a harmonia fundamental inerente aos princípios deste, sendo
determinante das relações recíprocas entre seus elementos. Pode-se dizer que
43 Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas,
2012, p. 145-147. 44 Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 42. 45 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1968, p. 19.
32
é o método de ordenação dos elementos que conduz a edificação de um
sistema.
Desse modo, insta acrescentar que “os elementos integrantes de um
sistema não lhe constituem o todo mediante sua soma, mas, desempenham
funções coordenadas, uns em função dos outros e todos, harmonicamente, em
função do todo (sistema)”46. Daí é possível concluir que os sistemas normativos
são compostos pela disposição hierarquizada e sistemática das normas que o
formam. A hierarquia impõe graus de superioridade e inferioridade entre as
normas, regendo as relações de subordinação e coordenação entre elas.
Geraldo Ataliba47 ressalta que, dentro de um sistema normativo, há
diversos sistemas parciais, conclusão construída a partir de perspectivas
materiais diversas. Assim, esses subsistemas compõem o sistema global, não
pela soma, mas pela conjugação recíproca, de forma harmônica e
hierarquizada.
Nesse passo, é possível afirmar que o conjunto de normas
constitucionais forma o sistema constitucional. Portanto, o conjunto de normas
constitucionais que trata de matéria tributária forma o sistema
(parcial/subsistema) constitucional tributário.
2.2 Estado de Direito e Sociedade
Sabe-se que o conteúdo das normas jurídicas é a regulação de
condutas intersubjetivas, ou seja, comportamentos cujo fiel cumprimento reflete
e realiza objetivos social e constitucionalmente consagrados.
As leis postas pelo Direito nada mais refletem que condições sob as
quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, que,
mediante o sacrifício de uma parcela da liberdade individual, reúnem-se,
46 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1968, p. 07. 47 Ibid., p. 20.
33
regulam comportamentos, buscando a possibilidade de gozar da liberdade
restante com segurança e tranquilidade.
A soma das porções de liberdade sacrificada em detrimento do bem
comum forma a soberania de uma nação, sendo o soberano seu legítimo
depositário e administrador.
Bobbio48 traça uma linha evolutiva dos direitos do homem, afirmando
que o direito de um povo a decidir seu próprio destino revelou-se pela primeira
vez na Revolução Francesa. Viu-se, naquele momento, o direito de liberdade
como autodeterminação, autonomia, como a capacidade de legislar para si
mesmo, construindo uma antítese em relação a toda forma de poder absoluto,
que caracterizava os governos despóticos tradicionais.
Kant define a liberdade jurídica como “a faculdade de só obedecer a
leis externas às quais pude dar o meu assentimento”49. Em sentido semelhante,
define Rousseau: “a obediência à lei que nós mesmos nos prescrevemos”50.
As definições de liberdade jurídica trazem a ideia de que o povo é o
detentor da soberania, ou seja, de quem emana a fonte do poder.
No Brasil, está expresso na Constituição da República que o país
constitui-se em Estado Democrático de Direito, sendo a soberania um de seus
fundamentos.
Como será visto adiante, inobstante o poder seja exercido pelos eleitos
para tanto, o soberano é povo, sendo aqueles apenas mandatários da vontade
popular.
Nessa linha, feliz e oportuna é a afirmação de Roque Antônio Carrazza:
“O Estado de Direito assegura o império da lei, como expressão da vontade
popular”51.
48 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 80-102. 49 Apud ibid., p. 80. 50 Apud ibid., loc. cit. 51 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 259.
34
2.3 República e federação
Quando da decisão de criar o Estado, o povo, reunido em constituinte,
confere os poderes (funções) hábeis e necessários ao exercício das atribuições
que decide estabelecer, ou seja, não se pode entender que os cidadãos
consentem que o Estado, através de seus órgãos, exercite tais funções em
detrimento de seus interesses ou ferindo seus direitos essenciais. Portanto, a
ação do Estado está reduzida à edição de leis ou dar-lhes aplicação.
A Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 1º caput que
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.
Em sequência, destaca o parágrafo único que “Todo o poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição”.
A acepção de “Poder”52 é variável na Constituição, sendo possível
destacar três para o presente trabalho: a) poder como revelação de soberania
(parágrafo único, art. 1º da CR); b) poder como órgãos do Estado (tripartição
de poderes, art. 2º da CR); c) poder como função (poder de tributar –
competências).
Nessa linha, o termo “poder” empregado no parágrafo único, art. 1º da
CF é no sentido de soberania, soberano.
No Brasil, a forma de governo adotada foi a República, podendo esta
ser definida como “o regime político em que os exercentes de funções políticas
(executivas e legislativas) representam o povo e decidem em seu nome,
52 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2012,
p. 119-120.
35
fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediante mandatos
renováveis periodicamente”53.
O exercício da soberania é forma e meio de manutenção da República,
assegurando a tripartição do exercício do poder, a periodicidade dos mandatos
políticos, com consequentes responsabilidades dos mandatários.
O Brasil consiste numa Federação, marcada pela descentralização
política, quer dizer, uma união institucional de Estados, autônomos, que dão
lugar a um novo Estado, o Federal.
O liame entre República e Federação reside na tripartição de poderes,
em virtude da delegação das funções administrativa, legislativa e jurisdicional.
Em outras palavras: “tudo que puder ser feito pelos escalões intermediários
haverá de ser de sua competência; tudo o que povo puder fazer por si mesmo,
a ele próprio incumbe”54.
A partir das noções de soberania e de que as leis figuram a vontade
popular, pode-se dizer que a res publica é de todos e para todos. Em outros
termos, os poderes que o Estado do povo recebe devem ser revertidos em
benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos.
Resta, assim, assentada a ideia de que o Estado é detentor apenas da
força que o povo lhe atribui; seu uso arbitrário, fora dos limites consentidos
contra o cidadão, deve ser afastado.
Daí vem a afirmação de Roque Antonio Carrazza:
[…] os tributos, no Brasil, devem ser instituídos e arrecadados sem se ferir a harmonia entre os direitos do Estado e os direitos de cada um do povo […] Constitucionalmente, pois, um tributo não pode ter outro escopo que o de instrumentar o Estado a alcançar o bem comum55.
53 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 15. 54 Ibid., p. 44. 55 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 86.
36
2.4 Tributo
A noção de tributo é ponto nuclear para a compreensão e estudo do
Direito Tributário. Deveras, dada a própria etimologia do adjetivo que qualifica
este ramo, há a necessidade de uma definição de tributo.
De acordo com a dicção do art. 3º do Código Tributário Nacional – CTN,
“tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e
cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Apesar de constar do CTN, a chamada definição legal de tributo não
merece ser descartada, mas deve ser analisada com cautela, pois sua
aceitação deve ser na medida em que for compatível com parâmetros
constitucionais.
É da lição de Geraldo Ataliba que se constata tal afirmação:
[…] evidentemente, não é função de lei nenhuma formular conceitos teóricos. O art. 3º do CTN é precepto didactico, como o qualificaria o eminente mestre espanhol Sainz de Bujanda. Por outro lado, o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. É que ele é conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do ‘regime tributário’, conjunto de princípios e regras constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado ‘pode de tributar’, exercido nas respectivas faixas delimitadas de competências, por União, Estados e Municípios. Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes56.
Compete ao legislador, dentre as funções do Estado57, a função
legislativa, que consiste no plexo de competências no qual “o Estado, e
somente ele, exerce por via de normas gerais, normalmente abstratas, que
inovam inicialmente na ordem jurídica, isto é, que se fundam direta e
56 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
32-33 (grifos do original). 57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 32.
37
imediatamente na Constituição”58. Assim, cabe ao referido órgão criar o Direito
Positivo, ou seja, enunciados prescritivos aptos a regular comportamentos
humanos. Dessa forma, pode-se afirmar que construção de sentido, de
definições e de conceitos a partir do Direito Positivo é tarefa afetada ao
intérprete.
Essa ressalva vale, dado ao fato de que, como bem observa Paulo de
Barros Carvalho,
[…] a linguagem do legislador é uma linguagem técnica, o que significa dizer que se assenta no discurso natural, mas aproveita em quantidade considerável palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao domínio das comunicações científicas. Os membros das Casas Legislativas, em países que se inclinam por um sistema democrático de governo, representam os vários segmentos da sociedade. Alguns são médicos, outros bancários, industriais, agricultores, engenheiros, advogados, dentistas, comerciantes, operários, o que confere um forte caráter de heterogeneidade, peculiar aos regimes que se queiram representativos. E podemos aduzir que tanto mais autêntica será a representatividade do Parlamento quanto maior for a presença, na composição de seus quadros, dos inúmeros setores da comunidade social. Ponderações desse jaez nos permitem compreender o porquê dos erros, impropriedades, atecnias, deficiências e ambiguidades que os textos legais cursivamente apresentam. Não é, de forma alguma, o resultado de um trabalho sistematizado cientificamente. Aliás, no campo tributário, os diplomas têm se sucedido em velocidade espantosa, sem que a cronologia corresponda a um plano preordenado e com a racionalidade que o intérprete almejaria encontrar59.
É com argúcia a observação de Paulo de Barros Carvalho a respeito
das acepções que a palavra “tributo” pode e tem assumido na doutrina, na
jurisprudência e nos textos de direito positivo. As aparições de tributo
experimentam, na visão do professor, as seguintes significações: “a) quantia
em dinheiro; b) prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo;
58 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 35-36. 59 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 36-
37.
38
c) direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo; d) sinônimo de relação jurídica
tributária; e) norma jurídica tributária; e, norma, fato e relação jurídica”60.
A partir de uma leitura da Constituição da República, é possível verificar
que a palavra “tributo” e suas derivações aparecem diversas vezes61, sugerindo
ao intérprete possíveis propriedades que conotariam o conceito constitucional
de tributo. Nesse passo, é possível afirmar que “constrói-se o conceito jurídico-
positivo de tributo pela observação e análise das normas jurídicas
constitucionais”62.
Para uma construção de sentido de “tributo” a partir da Constituição
República é necessário passear pelos ideais republicanos, observar os direitos
e garantias fundamentais, verificar limites e responsabilidades da
Administração Pública, bem como não olvidar das disposições do Sistema
Constitucional Tributário. Em outras palavras: deve-se ler o Texto Supremo em
sua íntegra.
Consoante consta da Constituição de 1988, como foi demonstrado no
item anterior, no Brasil a república foi adotada como forma de governo, sendo
o território dividido numa federação, composta da união indissolúvel dos
Estados, Municípios e Distrito Federal. O povo é o soberano, detentor do poder,
cujo exercício se dá através de representantes eleitos nos termos da CR.
É garantido constitucionalmente a todos o direito à vida, liberdade,
igualdade, propriedade e segurança, não sendo ninguém obrigado a fazer ou
deixar algo senão em virtude de lei. Mas, para atingir os objetivos da
República63, prover a manutenção do Estado, assegurar os direitos e garantias
individuais entre outras coisas, são necessários recursos financeiros. Da
60 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51. 61 Mais precisamente, 59 (cinquenta e nove) vezes podem-se encontrar entre: i) tributo; ii)
tributar iii) tributação; iv) tributário(a)(s). 62 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
33. 63 “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir
uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição da República de 1988).
39
análise constitucional, o tributo parece configurar-se o instrumento, por
excelência, para tanto.
Pinçando-se trechos de algumas das passagens constitucionais que
mais sugerem as propriedades do que seria “tributo”, observa-se a presença
de alguns símbolos recorrentes, tais como: “receitas tributárias”, “montantes
arrecadados”, “execução da dívida ativa de natureza tributária”, “obrigação,
crédito, prescrição e decadência tributários”, “obrigação tributária”, “exigir ou
aumentar tributo sem que lei o estabeleça” e “competência para instituir e
arrecadar”64.
Portanto, a partir dos excertos constitucionais, tributo consiste numa
classe de objetos conotados pelas seguintes propriedades: quantia pecuniária,
ex lege, que não se constitui em sanção de ato ilícito, cobrada pela
administração pública (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e a ser
paga por pessoa físicas ou jurídicas.
Compulsando a doutrina para delimitar o que se entende por “receita”,
encontra-se uma relação da palavra com valores pecuniários, dinheiro. Na lição
de Geraldo Ataliba,
[…] o conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres de determinada entidade. Nem toda entrada é receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que vem a integrar o patrimônio da entidade que a recebe65.
É em tom semelhante que Sainz de Bujanda, definindo as receitas
públicas, diz que estas são “as somas de dinheiro que recebem o Estado e os
demais entes públicos […]”66. Resta, assim, demonstrado o caráter pecuniário
do tributo.
64 Art. 7º, parágrafo único; art. 29-A; art. 30; art. 34, inciso V, alínea b; art. 37, inciso XXII; art.
48; art.131, § 3º; art. 145; art. 146, inciso III, alínea a; art. 150, inciso I e § 7º; art. 162; art. 165, § 6º; art. 204, parágrafo único, todos da Constituição da República.
65 ATALIBA, Geraldo. ISS e base imponível. Estudos e pareceres de direito tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 85.
66 Apud BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 38.
40
O fato de a Constituição da República prescrever a necessidade de lei
para exigência do tributo configura a forma de nascimento da obrigação de
pagar a quantia em dinheiro, qual seja ex lege.
Tributo não constitui sanção de ato ilícito. Tal afirmação constata-se de
plano quando verificada discriminação de competência tributária feita na
Constituição. Todas as materialidades passíveis de tributação, como já foi dito,
estão versadas em verbos que conotam atividades refletidas ou espontâneas,
não sendo em nenhuma delas conduta ilícita.
É esta a noção de tributo tida como conceito aglutinante do sistema
jurídico tributário.
2.4.1 Espécies Tributárias
É longo e duradouro o debate a respeito de quais e quantas são as
espécies de tributo existentes no direito brasileiro.
Com o advento da Constituição da República de 1988, houve a
inserção das contribuições e empréstimos compulsórios que estão sob a égide
de um regime jurídico tributário e que possuem natureza jurídica de tributo.
Todavia, a doutrina travou longos debates para se discutir a real
natureza de tais figuras, se tributárias ou não, e, caso fossem tributárias, se
autônomas ou não.
Quando se fala em espécies tributárias, pressupõe-se uma
classificação, ou seja, uma distribuição em classes.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho:
Classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais classes. Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os
41
grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais extenso que contém as espécies.67
Classe é um conjunto, sistema de objetos, ou seja, elementos dotados
de uma mesma propriedade comum. Seria a extensão, o campo de
aplicabilidade de um termo, podendo ser: (i) universal, que é aquela que contém
todos os objetos como elementos – na verdade é sempre em relação a uma
situação específica, quer dizer, o conjunto das entidades que importa estudar
em determinado instante; (ii) vazia, que é aquela despida de qualquer
elemento, nenhum elemento preenche seu critério de pertinência; e (iii) unitária,
aquela cuja extensão apenas comporta um elemento.
Da observação e adoção das lições de Paulo Ayres Barreto, constata-
se que, para distribuir os tributos em diferentes classes, é necessário
(i) eleger um único fundamento para divisão, em cada etapa do processo classificatório; (ii) as classes identificadas em cada etapa desse processo deve esgotar a classe superior; e, (iii) as sucessivas operações de divisão deve ser feitas por etapas, de forma gradual.68
Dessa forma, o referido Paulo Ayres Barreto utilizou três critérios para
construir uma classificação dos tributos; são eles: (i) vinculação, ou seja, os
tributos possuem em sua materialidade uma vinculação ou não a uma atividade
estatal; (ii) destinação, verifica se o produto da arrecadação dos tributos está
atrelado a uma finalidade constitucionalmente determinada, pela materialidade
seja do tributo, seja da atribuição de competência para a instituição; e (iii)
restituição, o tributo será restituível e não restituível, quando expressa a
determinação de devolução do valor pago a título de tributo.
Chega-se à seguinte divisão69:
67 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 117-118. 68 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 70. 69 Ibid., p. 72.
42
Restituíveis
Destinados
Não Restituíveis
Vinculados
Restituíveis
Não destinados
Não Restituíveis
Restituíveis
Destinados
Não Restituíveis
Não Vinculados
Restituíveis
Não destinados
Não Restituíveis
Por fim, conclui-se com Paulo Ayres Barreto que:
1) se o tributo for vinculado, destinado e restituível, teremos um empréstimo compulsório, cuja materialidade pode ser de uma taxa ou de uma contribuição de melhoria;
2) se o tributo for vinculado, destinado e não restituível, estaremos diante de uma taxa ou de uma contribuição de me-lhoria, a depender do critério material eleito;
3) em face das premissas adotadas, não haveria a possibi-lidade lógica de um tributo ser vinculado, não destinado e restituível; o tributo vinculado tem o produto de sua arrecada-ção destinado a uma finalidade constitucionalmente determi-nada;
43
4) o mesmo raciocínio desenvolvido para o item anterior aplica-se a hipótese de tributo vinculado, não destinado e não restituível;
5) se o tributo for não vinculado, destinado e restituível, estaremos diante de empréstimo compulsório;
6) se o tributo for não vinculado, destinado e não restituível, teremos, necessariamente, uma contribuição que não a de melhoria;
7) não há previsão, em nosso sistema tributário, de tributo não vinculado, não destinado e restituível;
8) se o tributo for não vinculado, não destinado e não restituível, estaremos diante de um imposto.70
São essas as espécies e possibilidades de tributos no Brasil,
atualmente.
2.5 Competência Tributária
Consoante dito anteriormente, o Brasil é composto por unidades
federativas, e um dos traços marcantes deste modelo é a descentralização da
função legislativa, que consiste, primariamente, na aptidão e plexo de
atribuições para criação e instituição de leis.
A partir do modelo federativo, é assegurada a autonomia dos entes
políticos mediante a distribuição de competência para criar leis.
Como bem leciona Antônio Roberto Sampaio Dória71, “a autonomia
política das unidades que compõem a federação é alicerçada em
correspondente autonomia financeira”, e “a autonomia financeira, que respeita
ao exercício do poder tributário, se realiza pela outorga de competência
impositiva aos entes federados, em caráter privativo ou concorrente”.
Não basta a fragmentação do espaço nacional, um pluralismo territorial
de unidades políticos-administrativas autônomas para se configurar uma
70 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 74. 71 Discriminação de Rendas Tributárias. São Paulo: José Bushtsky, 1972, p. 14.
44
federação, é necessário garantir a autonomia financeira, sendo esta
assegurada pela rígida discriminação de competências tributárias.
A CR de 1988 delimitou exaustivamente o rol de competências
tributárias entres os entes federativos. Desse modo, imprime uma certeza de
quem pode tributar e o que estes podem tributar.
A competência tributária consiste, grosso modo, na possibilidade de
União, Estados e Municípios expedirem enunciados prescritivos aptos a regular
condutas em matéria tributária, inovando a ordem jurídica. Em outras palavras:
é a aptidão para instituir/criar tributos, mediante a edição de um veículo
legislativo adequado, exercida pelos órgãos credenciados a emanarem normas
jurídicas, cujo exercício se dá através do processo de enunciação criador do
direito positivo.
Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho:
[…] a competência tributária é, em síntese, uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”72.
Roque Antonio Carrazza também tratou do tema e leciona que:
[…] competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos. No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstracto, por meio de lei (art. 150, I, CF), que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária. Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Estes elementos essenciais só podem ser veiculados por meio de lei […] Em suma, a competência tributária identifica-se com a permissão para criar tributos, isto é, com o direito subjetivo de editar normas jurídicas tributárias73.
72 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 240. 73 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 533-536.
45
Ademais, não há que se confundir competência tributária com
capacidade tributária ativa. A primeira é o poder legislar; a segunda é a
possibilidade de integrar a relação jurídica enquanto sujeito ativo.
Nesse passo, ressalta Carrazza que,
[…] embora a competência tributária – aptidão para criar tributo – seja indelegável, a capacidade tributária ativa – aptidão para arrecadar o tributo – é delegável por lei (lei, é claro, da própria pessoa política competente). Assim, nada impede que pessoa diversa daquela que criou o tributo venha, afinal, desde que autorizada por lei, a arrecadá-lo74.
Em suma, criar tributos é legislar (competência tributária); arrecadá-los,
administrar (capacidade tributária ativa).
Partindo da noção de homogeneidade sintática das normas jurídicas,
Tácio Lacerda Gama75 afirma que a norma de competência, em sua estrutura
normativa, deve trazer os seguintes elementos: a) qualificação do sujeito que
pode criar a norma; b) indicar o processo de criação de normas; c) indicar o
espaço no qual a criação de normas deve se realizar; d) indicar as condições
de tempo em que a ação deve ser desempenhada; e) estabelecer o vínculo
entre quem cria norma e quem deve se sujeitar à sua prescrição; f) modalizar
deonticamente a conduta de criar outra norma; e g) estabelecer a programação
material inferior (sujeito, espaço, tempo e comportamento). Na hipótese da
norma de competência, haverá os elementos de “a” a “d”; no consequente, os
elementos de “e” a “g”.
Assim, dada noção de competência tributária, sua estrutura normativa
e mobilidade de funcionamento dentro do modelo federativo, constata-se que
os entes políticos estão rigidamente subordinados à Constituição da República.
74 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 251. 75 Competência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 2. ed. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 55-97.
46
3 NOTAS SOBRE A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
3.1 Das obrigações em geral
Antes do início, necessária uma digressão no que já foi dito.
O direito consiste numa unidade, um conjunto de normas jurídicas
sistematicamente dispostas. A existência de subsistemas é construção do
intérprete para verificar regime jurídico de determinados enunciados
prescritivos, sem, contudo, se afastar da unidade do todo (sistema).
Assim, para se falar em Direito Tributário, pressupõe-se a existência de
“princípios que lhe são peculiares e que guardem entre si uma relação lógica
de coerência e unidade compondo um sistema ou regime”76, sendo o conceito
fundamental e aglutinante a noção de tributo.
Nesse passo, urge destacar a dicotomia entre público e privado.
Bobbio afirma que:
[…] a distinção entre direito privado e direito público é uma distinção total, porque, uma vez estabelecida, quaisquer que sejam os critérios distintivos propostos para fundá-la, não há ente do universo jurídico – seja ele relação, norma, instituição (segundo as diversas teorias do direito, as quais discriminei alhures em teorias do direito como relação, ou como norma, ou como instituição) – que não esteja inserido em uma ou outra das partes. Não conheço teoria do direito que tenha tentado subtrair-se ao aut aut imposto pela distinção entre direito privado e direito público, imaginando um tertium genus. Discute-se, acerca da pertença de um instituto a um ou ao outro, o que depende tanto do modo diverso pelo qual pode ser interpretado ou configurado o instituto quanto do diverso critério adotado para a distinção. Mas não se discute acerca da insuficiência da distinção para abraçar todos os entes do universo, que é objeto do discurso. Em outras palavras, não há ente do universo jurídico que não pertença nem ao direito privado nem ao direito público77.
76 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 53. 77 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:
Manole, 2007, p. 144.
47
Em apertada síntese, o direito privado é aquele que se ocupa das
relações entre particulares, regidas pela autonomia da vontade, quer dizer, no
âmbito privado, é possível estabelecer normas conforme os interesses das
partes, seja em acordos bilaterais (contratos) ou manifestações de vontade
unilateral (doação). A legalidade, na esfera privada, é operada de forma mais
branda, tendo em vista que, se não houver proibição nem obrigação de agir, ao
particular é permitido consoante sua vontade.
No tocante ao direito público, diz-se que este regula as relações entre
os Estados (na ordem interna e externa – internacional), bem como as relações
entre particulares e o Estado, quando houver interesse público.
O conjunto dos princípios gerais, que identifica o regime jurídico do
direito público, é composto, na lição de Carlos Ari Sunfeld78, dos seguintes
elementos: a) autoridade pública; b) submissão do Estado à ordem jurídica; c)
função; d) igualdade dos particulares perante o Estado; e) devido processo; f)
publicidade; g) responsabilidade objetiva; h) igualdade das pessoas políticas.
Em “a” é evidenciado o exercício de um plexo de competências,
outorgadas ao Estado como forma de tutelar o interesse público frente aos
particulares. De “b” até “g” ficam sublinhados os limites da atividade estatal,
controlando-se o exercício das competências atribuídas à autoridade pública.
A igualdade das pessoas políticas já foi evidenciada como forma de
manutenção da República Federativa.
Frise-se que, apesar de serem feitas tais distinções de regime jurídico,
o direito é um só, pois “a dogmática procura entender o direito como um todo,
postulando sua unidade”79, sendo, portanto, distinções didáticas e de cunho
operacional pragmático.
A doutrina do direito civil se ocupa com estudos a respeito das
obrigações ao longo dos séculos. É destacada pelos estudiosos do direito
78 SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013,
p. 153. 79 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 112.
48
privado a importância de se beber na fonte dos direitos obrigacionais, qual seja,
o Direito Romano.
Nesse sentindo, por tomarem pontos de partida semelhantes, a
definição de obrigação converge para um ponto comum entre os doutrinadores
do direito privado.
A etimologia é uma boa ferramenta para se conhecer do sentindo de
“obrigação”, que do latim, ob+ligatio, imprime a ideia de vinculação, liame,
constrangimento da liberdade de ação, em benefício de pessoa determinada
ou determinável80.
Nessa linha, juristas de escol construíram suas definições a respeito da
matéria.
Savigny, por exemplo, minucioso e frio, ensina: “A obrigação consiste na dominação sobre uma pessoa estranha, não sobre toda a pessoa (pois que isto importaria em absorção da personalidade), mas sobre atos isolados, que seriam considerados como restrição à sua personalidade, ou sujeição à nossa vontade.”
Mais sucinto é Vittorio Polacco, quando diz da obrigação: “Relação jurídica patrimonial em virtude da qual o devedor é vinculado a uma prestação de índole positiva ou negativa para com o credor.”
Mais analítico é Giorgi: “Um vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas determinadas, em virtude do qual uma ou mais delas (devedor ou devedores) são sujeitas à outra ou às outras (credor ou credores) a fazer ou não fazer qualquer coisa.”
Muito extenso, Clóvis Beviláqua define: “Relação transitória de direito, que nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós esta ação ou omissão.”
Deste, aproximado é o Prof. Washington de Barros Monteiro: “Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa,
80 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.
II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 3-4.
49
devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.
Já o nosso Coelho da Rocha definia-a como “o vínculo jurídico pelo qual alguém está adstrito a dar, fazer ou não fazer alguma coisa”.81
Caio Mário da Silva Pereira assinala que
[…] obrigação é o vínculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável […] Nela estão os seus elementos subjetivos, o credor e o devedor, o sujeito ativo e o sujeito passivo, a pessoa que pode exigir e a que deve cumprir a prestação. Nela está caracterizado o requisito objetivo, a prestação, que a nosso ver há de ser dotada de patrimonialidade. E nela ainda é de vislumbrar-se a dualidade de aspectos, o débito e a responsabilidade, que na concepção moderna lhe são peculiares82.
Na lição de Pontes de Miranda, “obrigação é a relação jurídica entre
duas (ou mais) pessoas, de que decorre a uma delas, ao debitor, ou a algumas,
poder ser exigida, pela outra, creditor, ou outras, prestação”83.
A obrigação é composta de três elementos84: sujeitos, objeto e o
vínculo jurídico.
O elemento subjetivo determina os sujeitos que compõem a relação
obrigacional. Nesse passo, há o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo
(devedor). O primeiro possui o direito de exigir a prestação, e o segundo tem o
dever de prestar.
O objeto da obrigação é a prestação, sendo esta o comportamento
humano de dar, fazer ou não fazer. A partir daí, chama-se positiva a obrigação
81 Apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das
Obrigações. v. II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 6. 82 Ibid., p. 7. 83 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito das Obrigações: Auto-regramento da
vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. In: ______. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 12.
84 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 15.
50
cujo cumprimento se dá por um facere ou um dare. Há, também, a figura da
obrigação negativa, que implica uma abstenção do devedor.
O vínculo jurídico consiste no “poder” criador de um liame que traduz a
possibilidade de o sujeito ativo exigir ao devedor uma ação positiva ou negativa,
dentro de dois limites85, que são: a seriedade da prestação e a liberdade
individual. Assim, não se pode tolher por completo a liberdade individual do
devedor, sob pena de a prestação se tornar abusiva, tampouco é possível fugir
do razoável para estipular prestações insignificantes.
A questão da seriedade da prestação parece surgir como limite do
vínculo jurídico apenas nas obrigações autodeterminadas, ou seja, contraídas
pela autonomia da vontade dos particulares, já que as heterodeterminadas –
ou seja, criadas por lei – são como todas as demais normas jurídicas
prescritoras de condutas humanas relevantes para o Direito, portanto sempre
haverá seriedade da prestação nestes casos. Como bem afirma Lourival
Vilanova, “o conteúdo possível do jurídico é a conduta humana e quando os
fatos do mundo puramente natural são relevantes para o direito, é sempre em
função da conduta humana”86.
Parafraseando Otto Meyer, Pontes de Miranda afirma que “o direito
público também contém direito das obrigações, mas as regras jurídicas dêsse
são próprias (publicísticas), pôsto que, por vêzes, coincidam com as do direito
privado das obrigações”87. Eis o motivo de demonstração da doutrina privada,
tendo em vista que é grande influenciadora dos conceitos de obrigação no
direito tributário.
85 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.
II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 24. 86 VILANOVA, Lourival. Sobre o Conceito do Direito. In: ______. Escritos Jurídicos e
Filosóficos. v. 1. São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2003, p. 39. 87 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito das Obrigações: Auto-regramento da
vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. In: ______. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 17.
51
Transportando, de um modo geral, as lições do Direito Privado, mais
precisamente do Direito Civil, a doutrina brasileira em âmbito construiu
definições a respeito do que seria a obrigação tributária.
Rubens Gomes de Sousa88 afirma que o Direito Tributário é um direito
de natureza obrigacional, tendo em vista que seu objeto é a arrecadação de
tributos, somente concretizada através de prestações positivas efetivamente
realizadas pelas pessoas obrigadas, ou seja, mediante pagamento do tributo.
O professor define obrigação como
[…] o poder jurídico por força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) em virtude de uma circunstância reconhecida pelo direito como produzindo aquêle efeito (causa da obrigação)89.
Nessa linha, a prestação positiva de pagar tributo configura a obrigação
tributária principal.
Assim, o referido autor define obrigação tributária como “o poder
jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular
(sujeito passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto da obrigação) nas
condições definidas pela lei tributária (causa da obrigação)”90. Dissecando esta
definição, constata-se a existência de quatro elementos na obrigação tributária,
quais sejam: I) sujeito ativo; II) sujeito passivo; III) objeto (prestação); IV) causa
(a própria lei).
Alfredo Augusto Becker91 ensina que a relação jurídica tributária não é
diferente de nenhuma outra relação jurídica. Portanto, será composta de um
sujeito ativo portador de um direito de obter a determinada prestação, que, por
outro lado, impõe um dever a um sujeito passivo de efetuar a referida
88 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro:
Financeiras, 1952, p. 28-29. 89 Ibid., p. 57. 90 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro:
Financeiras, 1952, p. 57. 91 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 280.
52
prestação. Nesse caso, a pretensão configura o poder de exigir a prestação, e
“a obrigação é o não poder negar-se à exigência da prestação”92.
Leciona o autor gaúcho, com base nas lições de Pontes de Miranda,
que
[…] o direito tem como correlativo o dever; não pode existir sem este e vice-versa. A pretensão tem como correlativo a obrigação; não pode existir aquela sem esta e vice-versa. A coação tem como correlativo a sujeição; não pode existir aquela sem esta e vice-versa93.
Assim, conclui que
[…] da incidência da regra jurídica sobre sua hipótese de incidência pode irradiar-se uma eficácia jurídica (efeitos jurídicos) mínima, média ou máxima; noutras palavras, a relação jurídica pode ser conteúdo mínimo (direito e dever) ou de conteúdo médio (direito, pretensão e dever, obrigação) ou de conteúdo máximo (direito, pretensão, coação e dever, obrigação, sujeição)94.
Alcides Jorge Costa95 considera que o que distingue uma relação
jurídica de caráter obrigacional e o mero cumprimento de deveres é o objeto da
prestação; logo, se for dinheiro ou possível de avaliação em dinheiro, será uma
obrigação. Caso contrário, será, simplesmente, um dever.
Nessa esteira, diz que “a obrigação tributária é sempre de dar e que
pode ser definida como vínculo jurídico em razão do qual o sujeito ativo
(Estado) exige do sujeito passivo (contribuinte) uma prestação patrimonial nas
condições definidas por lei”96.
Em obra dedicada à obrigação tributária, Américo Masset Lacombe
denomina, consoante dispõe o CTN, de obrigação tributária principal a “relação
jurídica que se traduz num vínculo que une o sujeito ativo ao sujeito passivo,
92 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 366. 93 Ibid., p. 365. 94 Ibid., p. 366. 95 COSTA, Alcides Jorge. Obrigação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 09. 96 Ibid., p. 14.
53
estabelecendo o crédito do lado ativo e o correspondente débito do lado
passivo”97.
Por fim, imperioso destacar o entendimento do professor Paulo de
Barros Carvalho a respeito da matéria, que vê na obrigação tributária uma
relação jurídica patrimonial,
[…] é o nexo lógico que se instala a contar de um enunciado factual, situado no consequente de u’a norma individual e concreta, juntamente com a constituição do fato jurídico tributário descrito no suposto da mesma norma. A edição dessa regra, como norma válida no sistema positivo, tem o condão de introduzir no ordenamento dois fatos: o fato jurídico tributário (fato gerador) e o fato relacional que conhecemos por ‘relação jurídica tributária’98.
Em linhas gerais, observa-se que as obrigações, tanto no Direito
Privado quanto no Direito Público, possuem, pelo menos de uma análise
perfunctória, a mesma organização sob o aspecto estrutural.
3.2 Obrigação tributária no CTN
A disciplina da obrigação tributária consta expressamente do Código
Tributário Nacional.
Apesar de o CTN tratar da matéria, entende-se que a obrigação
tributária é de cunho constitucional e possui raízes na definição de tributo, tendo
em vista que as propriedades que o definem são hábeis em indicar notas para
a construção de uma relação entre sujeitos que possua um elemento
prestacional.
Todavia, merecem atenção as disposições infraconstitucionais
constantes do CTN, tendo em vista que são válidas e vigentes.
Prescreve caput do artigo 113 do Código Tributário que a obrigação
tributária será principal ou acessória. A obrigação tributária principal, segundo
97 LACOMBE, Américo Masset. Obrigação Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977,
p. 74. 98 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 496.
54
o referido dispositivo legal, surgirá em decorrência do fato gerador, tendo como
objeto o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária, extinguindo-se
juntamente com o crédito dela decorrente. Já obrigação acessória é
decorrência da legislação tributária, tendo por objeto prestações, positivas ou
negativas, consubstanciadas no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos. Frise-se que sua inobservância acarretará a conversão em
obrigação principal no tocante à penalidade pecuniária.
As críticas mais uma vez têm por objeto a linguagem técnica do
legislador, que insiste em definir conceitos jurídicos-positivos invés de apenas
captar fatos hábeis a regular condutas humanas.
Percebe-se que a adoção da terminologia principal e acessória é rótulo
prejudicial quando se verifica o conteúdo semântico próprio de cada uma das
referidas obrigações. Na verdade, parece ter havido uma usurpação de
conceitos do direito civil, regulados pelo regime jurídico privado, que em nada
se coaduna com a prescrição e finalidade do enunciado ora analisado.
A divisão entre obrigação principal e acessória no Direito Civil parece
ter como critério de distinção a autonomia ou não de uma obrigação para com
a outra. Nos ditos de Caio Mário da Silva Pereira, “é principal a obrigação
quando tem existência autônoma, independente de qualquer outra. E é
acessória quando, não tendo existência em si, depende de outra que adere ou
de cuja sorte depende”99. Em outras palavras: se a principal se extingue, a
acessória não subsiste e também desaparecerá; prescrita aquela, reputa-se
também a desta.
Lourival Vilanova100 trata do assunto como uma espécie de relação
entre relações jurídicas, ou seja, principais em face das acessórias. O professor
pernambucano afirma que as primeiras existem per se, já as segundas são
fundadas nas primeiras. Importante é que o direito positivo estabelecerá o nexo
99 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v.
II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 117. 100 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 180-181.
55
entre principal e acessória, mas há a necessidade de uma relação de
dependência da segunda para com a primeira.
Ademais, destaque-se que a interpretação a ser dada quanto ao
surgimento da “obrigação principal” é em atenção ao momento em que se
constitui, em linguagem competente, a norma que documenta incidência
jurídica. Nessa linha, tanto a obrigação quanto o crédito tributários aparecem,
concomitantemente, no momento de aplicação da norma jurídico-tributária.
Assim, o crédito não decorre da obrigação; na verdade, estão
indissociavelmente ligados, sendo aquele o direito subjetivo do sujeito ativo da
obrigação tributária.
3.3 Natureza jurídica da obrigação em matéria tributária
Feitas a devidas considerações a respeito da obrigação, nos âmbitos
público e privado, percebe-se que a doutrina, de modo geral, se apoia em
estruturas semelhantes para definir obrigação, aplicando apenas as
peculiaridades do objeto da prestação para caracterizar a natureza e o regime
jurídico.
Todavia, conforme acentuou José Souto Maior Borges101, “obrigação”
não é um conceito lógico-jurídico, mas um conceito jurídico-positivo. Portanto,
é decorrente de construção dogmática e variável dentro de cada sistema
jurídico.
A Teoria Geral do Direito é uma abordagem formal do direito positivo;
somente através dela é possível formular constantes formais, obtidas mediante
um processo de abstração isolador de conteúdos e enunciados de determinado
sistema jurídico no espaço e no tempo, obtendo-se ao fim uma invariabilidade
conceitual102.
101 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: Uma Introdução Metodológica. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 1999, p. 38. 102 Ibid., p. 31.
56
Todavia, não se confunde Teoria Geral do Direito com interpretação de
enunciados prescritivos isolados, pois
[…] ela apenas abstrai esses conteúdos normativos contingenciais, para edificar um arcabouço formal, indispensável à construção cineticamente autônoma que empreende […] incumbe ao método formal o estudo da estrutura e funcionamento da norma jurídica103.
A forma lógico-jurídica na qual está inserida a “obrigação” é o “dever”.
Há, portanto, uma relação de forma e conteúdo entre os referidos símbolos. A
primeira, construção dogmática; o segundo, categoria formal da Teoria Geral
do Direito.
Desse modo, cumpre destacar que a obrigação, seja tributária ou
qualquer outra, terá necessariamente contornos definidos pelo Direito Positivo.
O que a determina como obrigacional são os atributos construídos a partir dos
enunciados prescritivos positivados.
Afirma Kelsen que o dever jurídico “não é, porém, senão a norma
jurídica positiva que prescreve a conduta deste indivíduo pelo fato de ligar à
conduta oposta uma sanção”104. Em outras palavras, o dever está refletido
numa conduta obrigatória, que, na inobservância de seu comando, enseja a
possiblidade de aplicar a respectiva sanção.
De fato, da análise das disposições constitucionais que pressupõem o
conceito de tributo e, por consequência, conotam propriedades para chegar até
a obrigação tributária, bem como dos enunciados constantes do CTN, percebe-
se esta última configura-se como um dever jurídico existente no sistema
jurídico.
Assim, entende-se por obrigação tributária todo conteúdo de dever
jurídico, submetido ao regime jurídico tributário, que aparece sob a forma de
103 BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: Uma Introdução Metodológica. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 1999, p. 33. 104 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2009, p. 129-130.
57
relação jurídica cuja prestação, patrimonial ou não, consiste num dar, fazer ou
não fazer.
A obrigação é tributária porque o regime jurídico é tributário, e não o
contrário. A constituição federal, ao fornecer notas do conceito de tributo,
acaba, indiretamente, fornecendo notas para o conceito de obrigação em
matéria tributária. Todavia, este se completa com a interpretação do artigo 113
do CTN, tendo em vista que não se pode aceitar que a obrigação tributária é
conceito coextensivo de tributo, principalmente quando se observa o que
dispõe o Código Tributário no que tange ao crédito e débito tributários.
Apesar da imprecisão do legislador quanto ao que se entende pelos
referidos termos, é possível enxergar que há obrigações sob o regime jurídico
tributário que não possuem prestação de efetivamente recolher o tributo. Ou
seja, a obrigação tributária trespassa os limites do tributo e pode consistir,
também, ainda que em sentido amplo, naquela que almeja o recolhimento dos
valores relativos às penalidades tributárias.
Constituído o fato jurídico tributário, surge para o sujeito ativo o direito
ao crédito que se configura como uma pretensão, bem como o dever de prestar
o objeto da obrigação por parte do sujeito passivo, consubstanciado no débito.
Portanto, é possível observar que crédito e débito são lados opostos da mesma
moeda, reportam-se ao objeto da prestação, mas são portados por sujeitos
distintos, com interesses contrapostos.
3.4 Obrigação tributária patrimonial e Obrigação tributária instrumental
Consoante foi dito anteriormente, a obrigação como conceito jurídico-
positivo terá conteúdo construído a partir dos contornos da ordem jurídica
positivada.
Da análise do artigo 113 do CTN, observa-se a existência de dois tipos
de obrigação positivados: as já referidas e chamadas obrigações principal e
acessória.
58
Todavia, percebe-se que a primeira possui um objeto patrimonial, tendo
em vista que a prestação sempre consistirá em um dar (fazer entrega de) certa
quantia em dinheiro, possui conteúdo economicamente apreciável. Já a
obrigação “acessória” consistirá num fazer, não fazer ou tolerar, inexistindo,
pois, a patrimonialidade.
A obrigação tributária será patrimonial quando o objeto da prestação
consistir em dar algo economicamente apreciável, ou seja, conote
patrimonialidade.
Lembre-se que o Código Tributário Nacional, ao tratar da chamada
“obrigação principal” fala que o sujeito passivo terá como objeto da prestação
o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária (art. 121, CNT). Desse
modo, a referida codificação imprime a existência de duas acepções de débito
tributário.
Pode-se dizer que débito tributário, em sentindo estrito, consiste no
dever jurídico de pagar o tributo. Já em sentindo amplo, refere-se à obrigação
composta pela obrigação de pagar o tributo e às penalidades pecuniárias105.
Atentando para o fato de que as condutas intersubjetivas reguladas
pelo Direito são, quando da enunciação legislador, valoradas positiva ou
negativamente, deve-se lembrar do binômio norteador do mundo jurídico,
licitude/ilicitude. O que é lícito decorre de juízo positivo, portanto em
conformidade com a lei. Já o ilícito é o não lícito, ou seja, as condutas
reprováveis para o Direito, bem como as contrárias aos prescritores jurídico-
normativos.
No campo tributário, o ilícito surge, conforme Paulo de Barros Carvalho,
da não prestação do tributo ou do não cumprimento das “obrigações
acessórias”, isto é, constitui uma infração, desrespeito ao consequente da
norma tributária. Nessa esteira, cumpre trazer à baila a definição, feita pelo
referido doutrinador, de infração tributária “como toda ação ou omissão que,
105 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 506.
59
direta ou indiretamente, represente descumprimento dos deveres jurídicos
estatuídos em leis fiscais”106. Ou seja, não há diferença entre ilícito tributário e
infração tributária.
A multa tributária é consequência da infração tributária, ou seja, sanção
(tida aqui como penalidade imposta ao infrator) decorrente do não cumprimento
do consequente da norma tributária.
Os crimes contra a ordem tributária são tratados dentro da esfera penal
do Direito posto, portanto constituem ultima ratio e somente serão aplicados
através da coação do Estado, único detentor do poder jurisdicional punitivo.
Nessa linha, cumpre frisar que a diferença entre os crimes contra a ordem
tributária e as infrações tributárias reside no fato de os primeiros revestirem-se
de caráter criminal, ao passo que as últimas atendem aos princípios do direito
administrativo, estão dentro do regime jurídico administrativo, podendo ser
verificadas e punidas, dentro dos limites legais, pelo Fisco.
Pois bem, é evidente que o sistema jurídico tributário brasileiro
comporta relações de cunho obrigacional, sendo uma patrimonial existente
entre sujeitos de direito, cujo objeto é uma prestação pecuniária e outra de
condutas prescritas em um “fazer” ou “não fazer”, que resultam em relações
jurídicas, hábeis ao bom exercício e fiel cumprimento da tributação (controle,
arrecadação, apuração, fiscalização e conhecimento dos valores devidos a
título de tributo).
A multa criará, sim, um vínculo obrigacional que é denominado de
tributário no CTN, mas que constitui uma mera obrigação de pagamento de
dinheiro ao Estado, uma “sanção aflitiva de um preceito que impõe um
comportamento determinado”107. Em suma: decorre do tributo, está inserida no
contexto de vínculo tributário, mas não tem natureza tributária, pois seu
conteúdo em nada converge para o que se denomina de tributo.
106 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 853. 107 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
37.
60
Assim, conclui-se que há uma obrigação tributária patrimonial, que
consiste, estritamente, na relação jurídica entre sujeito ativo e passivo, com
objetivo de adimplemento do tributo, e uma obrigação tributária instrumental,
configurada na relação de jurídica com objetivos de atender ao interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos, mediante a obrigação de condutas
(fazer ou não fazer) a serem prestadas pelo sujeito passivo.
Fala-se em obrigação tributária instrumental porque versada em
enunciados prescritivos que têm
[…] por finalidade prover a pessoa competente (que exerce a função de fiscalização) de informações a respeito (i) da ocorrência de fatos jurídicos que ensejam o nascimento de obrigações tributárias materiais; e (ii) de adimplemento pelo sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica tributária […] A obrigação tributária instrumental visa a instrumentalizar a função estatal consistente na apuração da ocorrência de fatos jurídicos tributário e eventual adimplemento da obrigação tributária substantiva […] a finalidade dessa norma jurídica é abastecer com informações a pessoa credenciada pelo ordenamento jurídico para uma específica atividade, instrumentalizando sua atuação, reputamos oportuno designar a norma jurídica que veicula essa prescrição de norma jurídica instrumental e a relação jurídica formada entre seus sujeitos e respectivo objeto (bem jurídico) obrigação tributária instrumental108.
A adoção da terminologia “obrigação tributária instrumental” invés de
“dever instrumental”, deve-se ao fato de não se reputar requisito necessário da
obrigação tributária (ou qualquer outra obrigação) o caráter patrimonial, pois,
como já dito anteriormente, a obrigação é conceito jurídico-positivo; dessa
forma, para sua construção, deve-se observar o ordenamento jurídico, que,
atualmente, prevê obrigação essencialmente patrimonial (como a de pagar o
tributo e penalidade pecuniárias), mas também prescreve obrigações não
patrimoniais, tendo em vista que obriga o sacrifício de interesse próprio em
benefício de interesse alheio, como no caso das obrigações tributárias
instrumentais.
108 ZOCKUN, Maurício Garcia Pallares. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 124-125.
61
3.5 Fato jurídico tributário e vínculo obrigacional
Como bem disse Tércio Sampaio Ferraz Júnior109, é preciso fazer a
distinção entre fato e evento. Nessa linha, evento é um acontecimento
qualquer, despido de organização linguística. Fato é a conferência de realidade
ao evento, ou seja, um elemento linguístico que possibilita a organização de
uma situação como realidade. Já o fato jurídico é aquele que produz efeitos na
ordem jurídica, ou seja, que relata o evento em linguagem jurídica.
Exemplificando o assunto, o autor diz que
[…] a travessia do Rubicão por César é evento. Todavia, ‘César atravessou o Rubicão’ é um fato. Quando, pois, dizemos que ‘é um fato que César atravessou o Rubicão’, conferimos realidade ao evento. “Fato” não é, pois, algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade. A possibilidade de usar o elemento ‘é fato que’ depende, porém, de regras estruturais. Pode ser usado para o passado e o presente, mas não para o futuro (‘é fato que amanhã vai chover’)110.
De início, é válido esclarecer que não há diferença entre incidência e
aplicação do direito, tendo em vista que a norma não incide sozinha. Frise-se
que o direito precisa de um aplicador para construir o sentido dos suportes
físicos do direito posto. Portanto, não há incidência se não houver o ser humano
para buscar fundamento de validade em norma jurídica geral e abstrata e
construir a norma individual e concreta para aplicá-la ao fato juridicamente
relevante ocorrido.
O fenômeno da incidência ocorre quando o aplicador do direito
observa, no plano do “dever-ser”, as classes de hipótese e consequente, e,
partindo dos eventos, constituindo-os em fatos e relações sociais ocorridos no
plano do “ser”, verifica se houve uma inclusão de classes tanto na hipótese
quanto no consequente e, em caso positivo, partirá para as operações lógicas
entre conceitos, a subsunção e relação de causalidade jurídica, fazendo com
que a norma geral e abstrata construída a partir da estrutura (HC) incida na
109 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 244. 110 Ibid., loc. cit.
62
norma individual e concreta construída a partir dos fatos ocorridos. Aduz o
Professor Paulo de Barros sobre as duas operações: “subsunção do fato
concreto à classe de fatos descrita na hipótese e a relação de causalidade entre
o fato concreto e o efeito previsto no consequente, por força da implicação
normativa”111.
É que as normas gerais e abstratas não ferem diretamente as condutas intersubjetivas, para regulá-las. Exigem o processo de positivação, vale dizer, reclamam a presença de norma individual e concreta a fim de que a disciplina prevista para a generalidade dos casos possa chegar ao sucesso efetivamente ocorrido, modalizando deonticamente as condutas.112
Portanto, para que a norma individual e concreta seja sacada deve
haver sua materialização em linguagem competente. Nessa linha é dito “que o
impacto da exação fica na contingência desse expediente de individualização,
cumprido por agente competente e por intermédio de linguagem”113. Assim,
ocorrendo no mundo dos eventos, constituindo-se o fato descrito na hipótese
da regra-matriz de incidência tributária e havendo a aplicação da norma, surge
um vínculo obrigacional, denominado de obrigação tributária, deonticamente
modalizado como obrigatório.
3.5.1 Causalidade e relação no direito
Analisando a estrutura da norma jurídica, verifica-se que, quando da
sua construção, o intérprete se depara com duas proposições intranormativas,
que são o antecedente e consequente. Para que a norma incida, o aplicador do
direito fará operações lógicas dentro das referidas proposições, sendo a
subsunção no descritor e a relação de causalidade jurídica no prescritor.
A causalidade jurídica é a operação lógica realizada pelo aplicador
entre o fato jurídico e o efeito previsto no consequente, sendo tal por força da
111 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 136. 112 Ibid., p. 135. 113 Ibid., loc. cit.
63
implicação normativa. É uma relação causa/efeito. É um nexo que foi estatuído
pelas normas e, como tal, será uma relação formal, ou seja, lógica.
Kelsen114 distingue as leis da natureza, submetidas ao princípio da
causalidade física, e as leis jurídicas, organizadas pela imputação deôntica. Na
primeira, a síntese do ser; aqui, na segunda, do dever-ser.
Dentro da estrutura lógica da norma jurídica, encontra-se um “dever-
ser” modalizado num dos operadores deônticos (permitido, proibido e
obrigatório), que estará inserido no consequente da norma, dentro da
proposição-tese, o que lhe confere caráter intraproposicional e o permite
aproximar dois ou mais sujeitos, em torno de uma conduta prescrita que deve
ser cumprida por um e pode ser exigida pelo outro.
É possível afirmar que a imputação é sinônima de causalidade jurídica,
tendo em vista que ambas constituem uma relação implicacional, modalizadas
pelo “dever-ser”, prescritas por uma autoridade competente.
A diferença entre a causalidade jurídica e causalidade natural consiste
no fato de a primeira não se dar naturalmente, seu valor de verdade ser válido
ou inválido. Já a causalidade natural ocorre, como próprio nome diz,
naturalmente, e seu valor da verdade é verdadeiro ou falso.
Como ensina Paulo de Barros Carvalho,
[…] na região do jurídico, porém, o dever-ser estará sempre ligado às condutas inter-humanas, tendo, portanto, significação, ainda que nada denote, pois não aponta para objetos do mundo, inexistindo fatos ou situações que lhe possam especificamente corresponder”115.
É por isso que a causalidade jurídica sempre vinculará sujeitos de
direito, criando uma relação jurídica entre eles.
114 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2009, p. 86-91. 115 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 125.
64
4 RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA
4.1 Teoria das relações e aplicação ao Direito
Considerando que o direito positivo é um sistema, deve-se levar em
conta que as proposições que constam do direito são as partes do sistema e
que, ali onde houver sistema, haverá relações e elementos que se articulam
segundo leis; tem-se que os elementos (proposições) obedecem em sua
composição interior a leis de formação ou de construção.
Assim, é possível concluir que as estruturas formais normativas
possíveis são:
a) uma hipótese implica uma só consequência;
b) várias hipóteses implicam uma só consequência;
c) várias hipóteses implicam várias consequências;
d) uma hipótese implica várias consequências.
Pois, como ensina o Professor Paulo de Barros Carvalho,
[…] a Teoria das Relações (ou Lógica dos Predicados Poliádicos) não admite outras junções, somente essas: a) um com um; b) um com vários; c) vários com um; e d) vários com vários. E o legislador, como todos os demais seres pensantes, será prisioneiro dessa combinatória formal116.
A relação jurídica como vínculo existente entre sujeitos de direito é
marcada pela irreflexibilidade, tendo em vista que o direito regula, apenas,
condutas intersubjetivas. Diz-se reflexiva a relação na qual um sujeito ocupa a
posição de predecessor e sucessor, ou seja, os dois polos da relação.
No tocante à simetria, as relações jurídicas são assimétricas, uma vez
que os polos ativo e passivo trazem, sempre, condutas inversas entre os
sujeitos de direito. A conversa não será a mesma. “Relação conversa é aquela
116 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 114.
65
que se obtém pela inversão da ordem de sucessão de seus membros. Opera-
se uma troca de posições, em que o sucessor passa ao tópico de predecessor
e este assume o lugar do sucessor”117.
Esse raciocínio é também decorrente da Lógica dos predicados
poliádicos.
4.2 Da relação jurídica em geral
O direito como objeto cultural é criação do homem hábil a regular
condutas humanas e estrutura-se através de um conjunto de normas válidas
em determinado tempo e espaço.
Consoante dito anteriormente, as normas jurídicas são dotadas de
homogeneidade sintática, razão pela qual será possível, sempre, observá-las a
partir de juízo hipotético-condicional (HC). Assim, dada a referida hipótese,
há a implicação da consequência.
A partir da análise da regra-matriz de incidência, foi aprendido que o
consequente é dotado de um critério pessoal, ou seja, dispõe quais sujeitos
estão vinculados a partir da implicação decorrente da hipótese.
Afirma Lourival Vilanova que “as relações jurídicas são jurídicas pelo
conteúdo social da conduta e dos fatos naturais relevantes para a conduta
juridicamente conformada […] Fora do universo jurídico, inexistem faculdades,
pretensões, obrigações, deveres, que implicam relações”118.
A relação jurídica nada mais é que um vínculo abstrato que une os
sujeitos de direito, e que, mediante a constituição do fato descrito na hipótese,
verifica a imputação de uma consequência, modalizada em obrigatório,
permitido ou proibido.
117 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 106. 118 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 116.
66
Conforme dito acima, a relação jurídica é sempre intersubjetiva, tendo
em vista que ao Direito não interessam fatos intrassubjetivos. Assim, a conduta
é fato-de-relação.
Desdobra-se como ação ou omissão, que percute na conduta de outrem. Outrem é pronome pessoal indefinido. É qualquer outra pessoa. Não outra coisa. A relação imediata sujeito/coisa só é juridicamente relevante se mediatamente existe a relação sujeito a sujeito.119
No direito, pode-se dizer que há relações jurídicas em sentido amplo –
consiste na multiplicidade de conexões existente entre o repertório do sistema
jurídico, formando sua estrutura – e relação jurídica em sentido estrito – um
vínculo abstrato, presente no consequente da norma individual, decorrente de
uma imputação normativa, no qual uma pessoa (sujeito ativo) tem o direito
subjetivo de exigir uma prestação de outra (sujeito passivo), tendo esta última
o dever jurídico de adimpli-la.
Para estabelecer a existência de relações, é preciso a construção de
enunciados. As relações jurídicas são enunciados fáticos. O antecedente e
consequente da norma geral e abstrata figuram como enunciado conotativo,
tendo em vista que apontam notas e propriedades de que podem ser sujeitos
da referida relação. Já quanto à norma individual e concreta, fala-se em
enunciado denotativo, pois apontam-se os elementos constitutivos da
relação120.
Sabe-se que a relação jurídica sempre é estabelecida no presente para
o futuro. Assim, os efeitos produzidos são sempre do presente para o futuro,
numa linha cronológica desde o nascimento da relação jurídica. Mas, quando
se trata de efeitos retroativos, estes, apesar da nomenclatura, ainda operam
para o futuro, tendo em vista que eles não operam sobre a relação já existente
e, sim, constituem uma nova relação que extingue os efeitos da anterior,
119 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 111. 120 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 199.
67
consequentemente dando margem ao surgimento de outras relações até então
impossíveis.
As relações jurídicas, enquanto enunciados, podem ser extintas em
três hipóteses: a) quando há falha de produção, em decorrência de erro na
enunciação; b) quando há falha na materialidade, quando não se prova o
suporte fático; e c) quando há a desconstituição do fato jurídico que deu causa
à relação.
Até agora só foi falado da relação enquanto objeto topológico do
consequente, mas há a possibilidade de uma relação jurídica ocupar a posição
do fato jurídico.
Tal fenômeno ocorre quando o legislador, no exercício de sua
liberdade, elege uma relação jurídica, ora prescrita no consequente de uma
norma jurídica, para compor o antecedente de outra norma jurídica, ou seja,
como fato jurídico.
Como exemplo, pode-se trazer a relação jurídico-tributária: ocorrida a
hipótese de incidência tributária, surge a relação jurídica entre o contribuinte e
o fisco; o adimplemento dessa relação é constitutivo do direito à certidão
negativa.
4.2.1 Relação no Direito Público
A relação no direito público, assim como no direito privado, possui em
seus extremos, compondo sua estrutura, o que, tecnicamente, são
denominados de sujeitos de direito121.
Assim, cabe lembrar que os
[…] termos-sujeitos das relações jurídicas podem ser pessoas individuais ou coletivas, privadas ou públicas, estas de direito interno ou de direito internacional. A publicização de uma relação não é determinada pelo titular da relação. Assim, a
121 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 251.
68
pessoa física pode ingressar em relação publicística […] o Estado e outros entes públicos não publicizam sempre a relação em que tomam parte122.
O Estado manifesta sua vontade através das pessoas que compõem
seus quadros e estruturam seu aparato, que são os agentes públicos.
Para que haja Estado é o necessária a existência de um povo (grupo
de pessoas), de um território (espaço físico) e de poder (competências,
funções). Em outras palavras: “há Estado se uma coletividade estabiliza-se
espacialmente e se provê de indivíduo-órgão para o exercício do Poder”123.
O Estado é o responsável por administrar a coisa pública. Atualmente,
no Brasil, há três blocos orgânicos que compõem, diretamente, a Administração
Pública, exercendo, cada um, uma função preponderante, que fora conferida
ao Estado, quais sejam: Executiva, Legislativa e Judiciária.
A desconcentração estatal em órgãos não lhes confere personalidade
jurídica, tendo em vista que são apenas parte de um todo. São plexos de
competências, razão pela qual possuem apenas capacidade judiciária para
defendê-las. Eis o motivo pelo qual os órgãos fazendários não ocupam a
qualidade de sujeito de direito na relação jurídica tributária, mas apenas
cumprem suas funções designadas pelas pessoas políticas da qual fazem
parte.
4.3 Sujeitos da relação jurídico-tributária
A relação jurídica-tributária é uma relação de direito público, tendo em
vista que se manifesta através de atos administrativos.
Celso Antônio Bandeira de Mello define ato administrativo como a
[…] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante
122 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 253. 123 Ibid., p. 255.
69
providências jurídicas complementares da lei a título de lha dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional124.
Com a constituição do ato administrativo, o agente exprime sua
vontade, que, por sua vez, vale como vontade do órgão; em consequência, será
a vontade do Estado125.
A República Federativa do Brasil é composta, consoante dispõe a
Constituição de 1988, pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal.
Assim, a relação jurídica em matéria tributária não difere das demais,
terá um sujeito ativo e um sujeito passivo.
Em regra, esse sujeito ativo se confundirá com o detentor da
competência tributária, ou seja, com aquele que pode criar e instituir o tributo.
Mas não se pode olvidar das hipóteses nas quais pode haver a delegação da
capacidade tributária ativa.
Ensina Roque Antonio Carrazza que, havendo delegação da
capacidade tributária ativa, “duas situações jurídicas podem surgir,
dependendo, evidentemente, do que a lei específica estipular: 1) a terceira
pessoa arrecada o tributo em seu próprio nome, mas para a entidade tributante;
2) a terceira pessoa arrecada o tributo para si próprio, vale dizer, para o
implemento de suas finalidades”126
Quanto ao sujeito passivo da relação jurídica, será aquele incumbido
de realizar a prestação; por óbvio é essa a conclusão a que se chega a partir
de uma análise de toda e qualquer relação de cunho obrigacional. O sujeito
passivo é o obrigado a fazer o comportamento da prestação por força de uma
relação jurídica.
124 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 389. 125 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 284. 126 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 252.
70
Todavia, em matéria de sujeição passiva tributária, há, como se disse
anteriormente, a possiblidade de uma relação jurídica (A’) ocupar a posição de
fato (F’) que implica outra relação (A’’) entre sujeitos diversos da primeira
relação; assim sendo, nem sempre a obrigação de prestar na relação (A’) será
adimplida pelo ocupante do polo passivo desta.
Assim, nos capítulos a seguir serão discutidos os fundamentos
constitucionais da sujeição passiva tributária, com intuito de delimitar quem
pode ser sujeito passivo em matéria tributária.
71
5 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS AO SUJEITO PASSIVO
DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
5.1 Princípio da legalidade
Costuma-se atribuir à Magna Carta de 1215 a introdução da prescrição
de que seria proibida a imposição de prestação pecuniária que não fosse
deliberada pelos órgãos legislativos – aprovação de lei ou consentimento dos
representantes da nação. Todavia, a origem é encontrada em momento
anterior; e.g., na Inglaterra o Rei exigia dos vassalos impostos e recebia
subsídios pelo Direito Consuetudinário, que, embora praticamente impossível,
tinha a possibilidade de impugnar as cobranças.127
A transmutação do consenso individual (Rei) para o coletivo
(colegiados) é noticiada no ano de 1179 com o Lateran Council, no qual,
mediante manifestação dos arquidiáconos, houve a proibição aos bispos de
taxar o clero without their consent.
Para custear as despesas da cruzada contra Saladino, corpos colegiais
realizaram três assembleias para decidirem a respeito da instituição de um
tributo no montante de 10% sobre a renda (the saladin tithe), a ser pago tanto
pelos leigos quanto pelo clero. Em que pese a participação do Rei nas
assembleias, sua atuação era no sentido de obter o consentimento dos
contribuintes ao pagamento do tributo.
Em 1192, com intuito de resgatar Ricardo I, aprisionado pelo Duque da
Áustria, e confiá-lo a Henrique IV, convocaram-se reuniões e assembleias nas
quais restou deliberada a exigência de prestações pecuniárias do clero e dos
vassalos. Apesar de consuetudinária, a ajuda para pagar contou com o
consentimento de todos os tenants, o que foi essencial para recolher a soma
de cem mil libras esterlinas.
127 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco
Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 09-20.
72
Houve, também, The Oxford debate on foreign services, no ano de
1197, cujo objeto da assembleia foi a instituição de uma prestação pecuniária
que viesse a substituir o dever de prestar o serviço militar exigido pelo Rei.
Já no ano de 1207, embora tenha havido um dissenso no clero,
consentiu-se o lançamento e arrecadação de um imposto equivalente a 1/13
(um treze avos) das rendas, sendo este pago por todos os proprietários de
terras dos tenants in chief. O objetivo de tal arrecadação seria reconquistar
terras perdidas na França.
Todavia, apesar de todos esses episódios pretéritos, o povo ainda
sofria com o peso e as injustiças nas exigências financeiras e com atos de
autoridade do Rei, sendo somente no reinado de João Sem Terra que os
barões se rebelaram, não deixando outra alternativa ao Rei senão acatar o
texto que lhe apresentaram, editando-se, assim, a Magna Charta. Dessa forma,
no ano de 1215, foi quando, de forma escrita, o Rei deveria obter prévio
consentimento dos representantes da nação para arrecadar prestações
financeiras.
Em seguida, houve a compilação da Petition of Rights (1628) e anos
depois foi estabelecida a Bill of Rights (1689), ambas com a prescrição que
ninguém do povo poderia ser compelido a pagar tributo sem que houvesse
consentimento do Parlamento.
Frise-se que esse breve escorço histórico, no qual se deitam as raízes
do princípio da legalidade, está restrito à Inglaterra, mas, ainda na Idade Média,
outros Estados já prescreviam a necessidade de o Monarca obter
consentimento dos súditos para instituição de tributos, por exemplo, Espanha,
França e Itália.
Após as revoluções francesa e norte-americana, surge, no ocidente, a
constitucionalização dos direitos. Foi a partir daí que se reconhece
constitucionalmente o princípio da legalidade tributária. Nesse passo, a
Constituição norte-americana de 1787 atribuiu ao Congresso o poder de dispor
sobre a instituição e arrecadação de tributos. Mais tarde, esse exemplo foi
73
seguido na Declaração de Direitos, de 1789, ao prescrever que o imposto não
poderia ser votado senão pela nação ou seus representantes.128
No Brasil, há a presença do princípio da legalidade em todas as
Constituições.
Na Constituição do Império, a legalidade veio de forma genérica, ou
seja, o cidadão não poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão
em virtude de lei, sendo omissa em matéria tributária.
Com advento da proclamação da república (1889) e sua primeira
Constituição (1891), além da legalidade genérica, restou prescrita a legalidade
tributária, na qual: “nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado,
senão em virtude de uma lei que o autorize” (art. 72, § 30, CR de 1891).
A Constituição de 1934 prescreveu o princípio da legalidade (genérico)
no artigo 113, inciso II. Já em matéria tributária, o artigo 17, inciso VII,
prescrevia a vedação de cobrar quaisquer tributos sem lei.
Apesar do regime ditatorial, a Constituição de 1937 vedava a expedição
de decretos-leis para regular impostos durante o recesso do Parlamento ou em
caso de dissolução da Câmara. Mas, em virtude das peculiaridades do regime
político da época, a matéria tributária permaneceu sob a égide de uma
disposição transitória, na qual era autorizado ao Presidente da República
expedir decretos-leis enquanto não reunido o Parlamento.129
A Constituição de 1946 também prescreveu o princípio da legalidade
em sua forma genérica e específica em matéria tributária; ambos os enunciados
vinham expressos no artigo 141, § 2º e § 34, respectivamente.
Em 1967, o Brasil recebe uma nova Constituição; esta é a primeira a
dispor de um capítulo exclusivo ao Sistema Tributário, sendo o artigo 20, inciso
I, o responsável por prescrever a legalidade tributária. A emenda nº 1, de 1969,
128 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco
Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 20-29. 129 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Porto Alegre:
Forense, 2010, p. 57.
74
que alterou radicalmente a Constituição de 1967, não revogou o princípio da
legalidade tributária, apenas alterou sua topografia na Constituição,
correspondendo então ao enunciado do artigo 19, inciso I.
Atualmente, estamos sob a vigência da Constituição de 1988, em cujo
art. 5º, inciso II, em termos genéricos, o princípio da legalidade está positivado:
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”. Na mesma linha das Constituições anteriores e para assegurar
o cumprimento da legalidade em matéria tributária, o constituinte acrescentou
que, “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, inciso I).
A partir da noção de Estado de Direito, legalidade e igualdade, Alberto
Xavier130 destaca um ponto comum na doutrina a respeito do tema:
É que a noção de Estado de Direito, pelo menos, na sua formulação original, reveste um duplo sentido, material e formal: o conteúdo material do Estado de Direito está na afirmação de que a finalidade essencial do Estado consiste na realização da justiça, concebida, sobretudo, com uma rigorosa delimitação da livre esfera dos cidadãos, em ordem a prevenir o arbítrio do poder e a dar, assim, a maior expressão possível à segurança jurídica; o aspecto formal do Estado de Direito, por seu turno, envolve basicamente a ideia de que, na realização dos seus fins, o Estado deve exclusivamente utilizar as formas jurídicas, de que sobressai a lei formal. Por outras palavras: o Estado de Direito foi, ao menos inicialmente, concebido como aquele que tem por fim o Direito e atua segundo o Direito; isto é, aquele que tem a justiça por fim e a lei como meio da sua realização.
Observa-se que o princípio da legalidade funciona como um dos
mecanismos de realização da justiça, valor permanentemente buscado e
protegido pelo Direito.
O que se pode verificar é que o princípio da legalidade traduz a ideia
de que: i) os tributos somente serão criados por meio de lei formal, cuja
competência, num Estado no qual há estrita separação de poderes, será dos
130 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978, p. 08.
75
órgãos legislativos; ii) por vivermos num Estado de Direito, as intervenções
estatais nas esferas de liberdade e propriedade dos cidadãos necessitam de
leis que as autorizem, ou seja, estão sob uma reserva de lei (atributo verificado
no artigo 37 da Constituição da República)131.
A reserva de lei impõe que, para o exercício de todo e qualquer ato
administrativo, haja autorização legal ainda que não intervenha diretamente no
âmbito privado. A doutrina classifica a reserva de lei em duas espécies, reserva
de lei material e formal, distinguindo-as da seguinte forma:
No primeiro caso, basta que a conduta da Administração seja autorizada por uma qualquer norma geral e abstrata, seja ela a lei constitucional, a lei ordinária ou mesmo regulamento. No segundo caso, torna-se necessário que o fundamento legal do comportamento do órgão executivo seja um ato normativo dotado de força de lei, isto é, de um ato provindo de órgão com competência legislativa norma e revestido da forma externa legalmente prescrita.132
Desse modo, os cidadãos possuem duas garantias em relação ao
Fisco: i) material – só podem ser compelidos a pagar tributos criados por lei
pela pessoa competente; ii) formal – é assegurado o direito de prestação
jurisdicional a fim de verificar se a Administração Fazendária agiu ou está
agindo consoante determina a lei, na cobrança dos tributos.
Todavia, não basta a mera exigência de uma lei, tratando-se de
legalidade tributária, há necessidade de uma reserva absoluta de lei.
A reserva “absoluta” de lei consiste na
[…] exigência constitucional de que a lei deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério de decisão do órgão de aplicação do direito no caso concreto, ao invés do que sucede na “reserva relativa”, em que muito embora seja indispensável a lei como fundamento para as intervenções da Administração nas esferas de liberdade e propriedade dos cidadãos, ela não tem que fornecer necessariamente o critério de decisão no caso
131 XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1978, p. 07. 132 Ibid., p. 17-18.
76
concreto, que o legislador pode confiar à livre valoração do órgão de aplicação do direito, administrador ou juiz.133
O Supremo Tribunal Federal inclina-se para o referido posicionamento,
conforme se apreende do julgado abaixo:
Mediante o reconhecimento da natureza tributária, a exação deve sujeitar-se a todas as limitações ao poder de tributar, notadamente naquilo que tange à observância do princípio da legalidade tributária.
A reserva absoluta de lei tributária requer que o legislador estabeleça todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária, afastando, portanto, a possibilidade de que a Administração tributária ou outras entidades com capacidade tributária ativa venham a editar atos que integrem a norma tributária impositiva no caso concreto.134
Assim, é possível afirmar que a reserva absoluta de lei faz com que o
princípio da legalidade tributária se exprima como um princípio da tipicidade da
tributação.
A tipicidade da tributação tem como mecanismos de realização o
princípio da seleção, princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo
e o princípio da determinação.135
O princípio da seleção assevera que os tributos devem ser descritos
em tipos que exprimam uma seleção das realidades que se pretende tributar.
Já o princípio do numerus clausus impõe que a tipologia tributária seja taxativa;
de outro modo, o fato tributário é um fato típico que, para produzir seus efeitos,
precisa que haja o preenchimento de todos os elementos descritos em lei. O
princípio do exclusivismo exprime a ideia de conformação entre as condutas
realizadas e os tipos tributários, e não só é necessário como também suficiente
à tributação (art. 114 do CTN – “situação definida em lei como necessária e
suficiente à sua ocorrência”). Já o princípio da determinação prescreve que os
elementos do tipo tributário devem ser precisos e determinados o suficiente, de
133 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 17-18. 134 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 829.272/RS, Rel. Ministro Luís Roberto
Barroso. 135 XAVIER, Alberto, op. cit., p. 18.
77
modo que o órgão aplicador não possa introduzir critérios subjetivos de
apreciação quando da aplicação da norma.
Considerando a noção de tipicidade da tributação, percebe-se que o
Fisco deve atuar mediante a existência de lei e conforme esta autoriza e
determina. A inocorrência deste comportamento importa na
inconstitucionalidade do tributo, garante ao cidadão o direito de não o recolher
e impõe ao Judiciário, assim que provocado, o dever de tutelar a pretensão do
jurisdicionado.
Sabe-se que a Constituição da República fixa um núcleo essencial das
hipóteses de incidência136 no tocante aos tributos nela elencados, o que, de
modo geral, torna implícita a base de cálculo e o sujeito passivo.
Com esta descrição do núcleo essencial dos tipos tributários a Constituição desempenha uma dupla função: uma função horizontal de repartição de competências tributárias entre os entes políticos integrantes da Federação, atribuindo a cada um o poder de tributar certas classes de fatos geradores; e uma função vertical, garantística, dirigida aos cidadãos, pela qual se estabelece um catálogo seletivo das manifestações de capacidade contributiva potencialmente sujeitas à tributação, fora do qual o poder tributário não pode ser exercido.137
Quando texto constitucional trata, no artigo 146, inciso III, alínea “a”, da
“definição de tributos e de suas espécies […] dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes”, deve o legislador entender que sua atividade
encontra-se pautada, muitas vezes, na determinação da extensão (conotação)
e elementos (denotação) dos conteúdos semânticos dos conceitos
constitucionais, devendo, assim, explicitar o que está implícito e conformar o
que está autorizado.
136 XAVIER, Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo:
Dialética, 2001, p. 22. 137 Ibid., p. 23.
78
5.2 Princípio da igualdade
Uma das características mais marcantes quando se trata de Estado de
Direito é a prescrição de igualdade de direitos e deveres dos cidadãos,
estatuída nas Constituições.
Segundo Victor Uckmar, a igualdade no âmbito tributário pode ser vista
em dois sentidos:
a) em sentido jurídico, como paridade de posição com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idênticas situações sejam submetidos a idêntico regime fiscal;
b) em sentido econômico, como dever de contribuir aos encargos públicos em igual medida, entendida em termos de sacrifício, isto é, como melhor será visto a seguir, em relação à capacidade contributiva dos indivíduos.138
A Constituição da República em seu artigo 5º, caput, prescreve que
“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, instituindo
expressamente o princípio da igualdade no direito pátrio.
Há de se frisar que o princípio da igualdade não se restringe apenas a
atingir um nivelamento entre os cidadãos diante do direito positivo posto, mas
visa, também, à própria edição da lei em conformidade com a isonomia.
Outro ponto salutar é o fato de tanto o aplicador da lei quanto o próprio
legislador estarem adstritos aos limites do princípio da igualdade. Não há
sentido apenas nivelar os cidadãos; toda produção legislativa deve estar sujeita
ao tratamento igualitário entre as pessoas.
A necessidade de tratamento equânime entre todos os cidadãos não
deriva apenas do Estado Democrático de Direito, nem dos ideais republicanos,
mas, também, pelo fato de a lei ser um instrumento regulador de condutas
138 UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco
Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p. 54.
79
humanas, da vida social, daí se afirmar que “a lei não deve ser fonte de
privilégios ou perseguições”.139
Em suma, o que se persegue com o princípio da igualdade é
impossibilitar desequiparações fortuitas ou injustificadas. Dessa forma, tolhem-
se favoritismos e propicia-se uma garantia individual. Pois, no Direito não é
suficiente saber se os sujeitos são ou não são iguais (igualdade descritiva).
Importa saber, também, se as pessoas devem ou não devem ser tratadas de
forma igual (igualdade prescritiva).
Eis o motivo pelo qual Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que
[…] as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.140
É que a igualdade necessariamente pressupõe uma relação entre
sujeitos, marcada por um critério de diferenciação, devendo este ser utilizado
para atingir determinada finalidade, cotejando os sujeitos, a partir da
observação das propriedades escolhidas e havidas como relevantes, que
possuam ligação com a referida finalidade.
Ensina Humberto Ávila que
A igualdade pode, portanto, ser definida como sendo a relação entre dois ou mais sujeitos, com base em medida(s) ou critério(s) de comparação, aferido(s) por meio de elemento(s) indicativo(s), que serve(m) de instrumento para a realização de uma determinada finalidade.141
Os critérios para aferir se houve desrespeito ou não à isonomia são:
1. dissecar a regra-matriz de incidência tributária em seus cinco critérios;
139 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São
Paulo: Malheiros, 2012, p. 10. 140 Ibid., p. 17, grifos do autor. 141 ÁVILA, Humberto. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 42.
80
2. identificar qual é o elemento de discriminação utilizado pela norma analisada;
3. verificar se há correlação lógica entre o elemento de discriminação e a diferenciação de tratamento procedida; e,
4. investigar se há relação de subordinação e pertinência lógica entre a discriminação procedida e os valores positivados no texto constitucional.142
O princípio da isonomia tributária está prescrito no artigo 150, inciso II,
da CR, no qual há a vedação de a União, Estados, Distrito Federal e Municípios
[…] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Um exemplo de diferenciação de tratamento procedida pela legislação
está prescrito na própria Constituição, quando afirma que cabe à lei
complementar a “definição de tratamento diferenciado e favorecido para as
microempresas e para as empresas de pequeno porte” (art. 146, inciso III,
alínea “d”).
O tratamento tributário diferenciado e favorecido a tais empresas
decorre de uma necessidade de mercado; a indústria e as empresas de grande
porte precisam de micro e pequenas empresas para dar suporte no consumo
de bens e serviços. Todavia, a carga tributária padrão incidente sobre as
pessoas jurídicas muitas vezes torna inviável o desenvolvimento da atividade e
da livre-iniciativa dado os altos custos financeiros.
Outro exemplo é o caso de isenções concedidas sem que o fator de
discriminação tenha correlação lógica com a diferenciação do tratamento
concedido aos sujeitos da relação jurídico-tributária.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA
142 GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993,
p. 75.
81
FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988. Supremo Tribunal Federal Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 6596575. Supremo Tribunal Federal Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 20Ementa e Acórdão ADI 4276 / MT 3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.143
O Ministro Luiz Fux julgou procedente, declarando a
inconstitucionalidade da lei mato-grossense. Dentre os argumentos levantados
restou considerada a ofensa ao princípio da isonomia tributária, tendo em vista
que a lei atacada instituía tratamento desigual entre contribuintes que se
encontravam em situações equivalentes, pois promovia uma distinção em
razão de ocupação profissional ou função por eles exercida.
Nessa linha, afirma o Ministro Fux que
Não só os oficiais de justiça estaduais fazem uso, no amplo leque de categorias que compõem o funcionalismo público, dos respectivos carros particulares para o cumprimento de deveres
143 ADI 4.276, Rel. Min. Luiz Fux.
82
funcionais, de modo que não se faz presente qualquer justificativa plausível para o tratamento pontual estabelecido na lei em pauta.144
Em outras palavras, a lei prescrevia privilégios e favoritismos à classe
dos oficiais de justiça, fulminando as finalidades da Constituição da República
no que diz respeito à igualdade. Já que, apesar de a faculdade ser da essência
do poder de tributar, “a exigência da igualdade fiscal deve, pois, se harmonizar
com as desigualdades econômicas, ou de outra natureza, em função das quais,
e somente delas, o poder tributário se há de exercitar com justiça”.145
5.3 Princípio da capacidade contributiva
A noção de que cada cidadão deve contribuir para as despesas da
coletividade, em razão da sua capacidade econômica, data de tempos remotos,
tendo em vista que há relatos de tal princípio entre os antigos egípcios. Mas,
apesar de a expressão “capacidade contributiva” ter sido usada por diversas
leis de matéria tributária da Idade Média e por algumas leis datadas dos
primeiros séculos da Idade Moderna, convenciona-se que seu estudo como
princípio, algo preciso e coerente, decorre do estudo das disciplinas
econômicas, regidas pelas Ciências das Finanças.146
No Brasil, as Constituições do Império, de 1891, de 1934 e de 1937,
foram todas omissas quanto a enunciados que tratassem da capacidade
contributiva. Apenas em 1946 os brasileiros tiveram expressamente no texto
constitucional que os tributos teriam caráter pessoal sempre que possível e
deveriam ser graduados segundo a capacidade econômica dos contribuintes.
Mas, com advento da Emenda Constitucional 18, de 01/12/1965, veio o
144 ADI 4.276, Rel. Min. Luiz Fux. 145 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e "Due Process Of Law".
2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 136. 146 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 513-514.
83
retrocesso e a supressão do enunciado que tratava da capacidade contributiva,
permanecendo a omissão tanto na Constituição de 1967 e emendas.147
É expresso no art. 145, § 1º da Constituição vigente que,
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Assim, percebe-se que a Constituição de 1988 prescreve o princípio da
capacidade contributiva nas exações tributárias pátrias.
Considerando que a capacidade contributiva aqui estudada, apesar
das menções às Ciências das Finanças e disciplinas econômicas, é um
conceito a ser trabalhado no plano jurídico-positivo, objetivando-se afastar a
ambiguidade que a expressão porta. Pois, como bem ensina Becker148:
Dizer que as despesas públicas devem ser partilhadas entre os contribuintes conforme as respectivas possiblidades de suportar o peso do tributo é incorrer numa tautologia: as palavras ‘capacidade contributiva’, sem alguma outra especificação, não constituem um conceito científico. Elas nem oferecem um metro para determinar a prestação do contribuinte e para adequá-la às prestações dos demais; nem dizem se existe e qual seja o limite dos tributos. Esta expressão, por si mesma, é recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos; trata-se de locução ambígua que se presta às mais variadas interpretações.
A doutrina aponta dois tipos de capacidade contributiva: i) absoluta ou
objetiva; ii) relativa ou subjetiva.
A capacidade contributiva absoluta ou objetiva revela-se quando se
verifica um fato que se constitua em manifestação de riqueza, ou seja,
coaduna-se com a atividade de eleição feita pelo legislador, ao colher eventos
que denotem situações aptas para custeio das despesas públicas. Dessa
147 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 21-22. 148 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses,
2010, p. 515.
84
forma, a colheita de tais eventos aponta para a existência de um sujeito passivo
em potencial.149
No tocante à capacidade contributiva relativa ou subjetiva, tem-se,
como o próprio nome sugere, a individualização do sujeito, referindo-se à
aptidão de contribuir na medida das condições econômicas pessoais. Logo, o
sujeito potencialmente capaz de contribuir (absoluta ou objetiva) torna-se
efetivamente passivo e absorvedor da carga tributária.150
Paulo de Barros Carvalho ensina, acertadamente, que,
Consoante ousamos supor, no Brasil, o sistema do direito positivo exibe, em todas as figuras tributárias conhecidas, a observância do princípio da capacidade contributiva absoluta, uma vez que os fatos escolhidos são aqueles que denotam signos de riqueza. Em outras palavras, por capacidade contributiva deve entender-se apenas a absoluta e, mesmo assim, como dado pré-jurídico. Realizar o princípio da capacidade contributiva quer significar, portanto, a opção a que se entrega o legislador, quando elege para o antecedente das normas tributárias fatos de conteúdo econômico que, por terem essa natureza, fazem pressupor que as pessoas que deles participam apresentem condições de colaborar com o Estado mediante parcelas de seu patrimônio.151
Não poderia ser de outra forma, já que o legislador enuncia signos
presuntivos de riqueza, ou seja, manifestações objetivas de riqueza do
contribuinte e não sua real situação, como bem exemplifica Renato Lopes
Becho152:
Podemos demonstrar que a capacidade contributiva é objetiva com o exemplo do devedor proposital que, a despeito de demonstrar vasta fortuna, é um endividado.
Se assim não fosse, poderíamos até criar uma situação extrema de um sujeito que afirmasse não ter capacidade contributiva, para honrar seus tributos sobre o patrimônio, apresentando a situação de devedor contumaz, possuidor de automóvel importado, de valor bastante elevado, porém pagando-o a duras prestações. Morador de mansão luxuosa,
149 COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2012, p. 28. 150 Ibid., loc. cit. 151 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 335. 152 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 424.
85
mas financiada. Seria fácil deixar de pagar certos tributos, à única atenção de se envolver em elevadas dívidas para adquirir portentoso patrimônio. Mesmo do Imposto sobre a Renda não se deve safar, pois que este tributa a renda, não a equação positiva entre débitos e créditos.
Se a capacidade contributiva fosse subjetiva, ele não recolheria impostos.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a
necessidade de se respeitar a capacidade contributiva dos contribuintes
asseverando que:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ITR. PROGRESSIVIDADE DE ALÍQUOTAS EM PERÍODO ANTERIOR À EC 42/2003. LEI 8.847/1994. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À REDAÇÃO ORIGINAL DO 153, § 4º, DA CF. ART. 145, § 1º, DA CF. NECESSIDADE DE TODOS OS IMPOSTOS GUARDAREM RELAÇÃO COM A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA DO SUJEITO PASSIVO, INDEPENDENTEMENTE DE POSSUIREM CARÁTER REAL OU PESSOAL. IMPOSTOS DIRETOS. UTILIZAÇÃO DE ALÍQUTOAS PROGRESSIVAS. CONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – Nos termos do art. 145, § 1º, da CF, todos os impostos, independentemente de seu caráter real ou pessoal, devem guardar relação com a capacidade contributiva do sujeito passivo e, tratando-se de impostos diretos, será legítima a adoção de alíquotas progressivas.
II – Constitucionalidade da previsão de sistema progressivo de alíquotas para o imposto sobre a propriedade territorial rural mesmo antes da EC 42/2003.
III – Agravo regimental a que se nega provimento.153
Nesse passo, falar em alíquotas progressivas e capacidade
contributiva nada mais é do que afirmar a objetividade dos signos presuntivos
de riqueza. Em outras palavras, se os impostos deverão ser graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º da CR),
aqueles que apresentem maiores manifestações de riqueza,
independentemente de ser ou não sua real situação (como bem pontuou
Becho), deverão contribuir com alíquota maior, ou seja, compatível com sua
153 AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 720.945/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
86
capacidade de desfazer-se do próprio patrimônio sem prejuízo às
necessidades vitais e de sustento de si e dependentes.
5.4 Princípio da proibição de tributos com efeito de confisco
Na atual Constituição da República está prescrito que é vedado à
União, Estados, Distrito Federal e Municípios a cobrança ou utilização de
tributos com efeito de confisco (art. 150, inciso IV, da CR).
Analisando o modo ou forma pelas quais o Estado poderia confiscar o
patrimônio do contribuinte, constata-se que o efeito confiscatório está ligado ao
critério quantitativo da regra-matriz de incidência ou até mesmo no critério
pessoal, mediante a eleição de sujeito passivo que não tenha elemento de
conexão com o signo presuntivo de riqueza descrito na hipótese da norma
jurídico-tributária, carecendo não só de capacidade contributiva, mas, também,
tendo seu patrimônio confiscado pelo Estado.
O confisco, para fins tributários, pode ser considerado como “a
transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da
tributação, da propriedade do contribuinte para o a do Estado”.154
A noção do que significa confisco não é o cerne da questão ou
dificuldade que obste a análise deste princípio constitucional tributário; o
problema é a subjetividade da definição e delimitação do conceito para se
considerar o tributo confiscatório. Assim é a lição de Paulo de Barros Carvalho:
O problema reside na definição do conceito, na delimitação da ideia como limite a partir do qual incide a vedação do artigo 150, IV, da Constituição da República. Aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios, para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência tributária.155
O que efetivamente pode-se buscar, em termos pragmáticos, é realçar
a noção de confisco com a média do que seja razoável e proporcional, não
154 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 432. 155 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 328.
87
olvidando da capacidade contributiva, da legalidade e outras garantias
individuais. Em outras palavras, para se verificar se algo é ou não confiscatório
propõe-se, sempre, um cotejo entre a exação tributária supostamente
confiscatória e os princípios constitucionais tributários enunciados, bem como
a garantias individuais, tendo em vista a ausência de legislação prescrevendo
em termos expressos o que é ou não utilização de tributo com efeito de
confisco, a partir de quanto um critério quantitativo é confiscatório.
Nesse passo, apesar da ausência de lei, a jurisprudência não é omissa
na utilização do princípio da proibição de tributação com efeito de confisco, pelo
contrário é justamente uma baliza, uma bússola no sentido de nortear o
aplicador das leis tributárias na construção e delimitação do sentido de que vem
a ser ou não confiscatório.
Assim, entende-se que não só os tributos não podem ser utilizados com
efeito de confisco, mas também outras obrigações oriundas destes, como, por
exemplo, multas.
O princípio do não confisco é norma dirigida ao Estado como um contrapeso ao poder de tributar. Impede o exercício ilimitado do arbítrio do legislador na instituição de tributos e sanções. Por força da vedação ao confisco, o gravame que traduzir o poder de esvaziar a revelação de riqueza sobre a qual incide a exação será tido como inconstitucional.
Em que pese sua importância, o princípio do não confisco ainda não teve suas linhas demarcatórias bem definidas, de modo que o seu conteúdo vem sendo circunstancialmente construído ao longo do tempo. Permanece sem definição objetiva o quantum que pode ser considerado exacerbado ao ponto de comprometer o patrimônio e a renda, de modo a ultrapassar os limites da capacidade econômica do contribuinte.
É inequívoco que o efeito de confisco deve ser um conceito aberto para comportar a relativização dos referenciais com os quais o princípio lida. É absolutamente natural que o dimensionamento do gravame revele, em concreto, consequências distintas, conforme a gravidade da conduta do contribuinte. Mostra-se evidente que o intento malicioso e preordenadamente voltado a promover locupletamento indevido não pode receber o mesmo tratamento de um mero atraso. O ardil sempre será merecedor de maior reprimenda que um mero descuido.
88
No âmbito do direito tributário existem basicamente três tipos de multas: as moratórias, as punitivas isoladas e as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício. As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas, por sua vez, visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito não repercute no montante de tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do encargo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa aplicada por sonegação.
Com base nas considerações expostas, observo que o fato de o princípio do não confisco ter um conteúdo aberto permite que se proceda a uma dosimetria quanto a sua incidência em correlação com as diversas espécies de multa. As multas moratórias possuem como aspecto pedagógico o desestímulo ao atraso. As multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável adotar o mesmo parâmetro para o desestímulo e a reprimenda.
A multa punitiva que busca afastar a sonegação é aplicada em situações nas quais se verifica o descumprimento voluntário da obrigação tributária prevista na legislação pertinente. Nesse caso, a sanção tende a ser aplicada em conjunto com o lançamento de ofício, considerando que inidoneidade das declarações do contribuinte dá ensejo a supressão indevida do tributo. Considerando tal circunstância, conferindo especial destaque ao caráter pedagógico da sanção – seja para impedir o cometimento de futuras infrações, seja para coibir o locupletamento indevido –, há que se reconhecer a possibilidade de aplicação desta espécie de multa em percentuais mais rigorosos.
Diante da natureza axiológica da vedação ao confisco, é possível admitir que o princípio mostre uma faceta mais ou menos gravosa conforme o caráter pedagógico da sanção revelado pelo caso concreto. Tendo em conta as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a atuação fazendária.
À luz do cenário descrito, O Supremo Tribunal Federal tem entendido que são confiscatórias as multas punitivas que ultrapassem o percentual de 100% (cem por cento) do valor do tributo devido. Nas palavras do Ministro Marco Aurélio, “Embora haja dificuldade, como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende como
89
multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal” (ADI 551, Rel. Min. Ilmar Galvão).156
Conforme se depreende do julgado acima transcrito, o próprio Supremo
Tribunal Federal tem dificuldade em estipular o que seria ou não confiscatório,
achando percentual apenas para as penalidades pecuniárias oriundas dos
tributos, mas não se manifestando diretamente em relação ao próprio tributo.
Todavia, já serve de parâmetro tanto para o cidadão quanto para legislador e
aplicadores do direito.
O que importa ser frisado é a dimensão do princípio do não confisco
em matéria tributária, como bem conclui Paulo de Barros Carvalho:
Enfim, o princípio que veda o confisco no âmbito tributário encontra aplicação em todas as espécies de tributo, inclusive nas contribuições, as quais, reitero, apresentam indiscutível natureza jurídico-tributária, considerando que a tributação interfere no patrimônio dos cidadãos, subtraindo parcelas deste, é inadmissível a imposição de ônus insuportáveis, ainda que se vise à arrecadação de recursos para fins específicos, como ocorre com a contribuição destinada ao custeio da seguridade social. Também essa figura tributária deve observância à razoabilidade, sendo vedada sua imposição excessiva, de modo que ultrapasse os limites da capacidade contributiva dos particulares.157
156 AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 836.828/RS. Rel. Min. Luis
Roberto Barroso. 157 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 329.
90
6 SUJEIÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA
6.1 Sujeição passiva: conceitos, definições e legislação
Compulsando a Constituição da República e o Código Tributário
Nacional – CTN a respeito da matéria de sujeição passiva tributária, percebe-
se que a primeira é um tanto quanto omissa, em enunciados expressos, no
tocante ao tema, ao passo que o CTN aborda o assunto a partir do artigo 121
e seguintes.
Observando o assunto analiticamente, ser sujeito passivo é ocupar um
local sintático existente no consequente da norma jurídica, que obriga, permite
ou proíbe determinada conduta.
No caso das normas jurídicas de matéria tributária aqui estudadas, tem-
se o estudo de uma obrigação, tendo em vista que o objeto da relação tributária
é o comportamento em levar dinheiro aos cofres públicos, ou seja,
juridicamente, o tributo consiste nisso.
Em suma: o sujeito passivo está obrigado a levar dinheiro aos cofres
públicos, pagar o tributo.
A Constituição da República fala em contribuinte em várias passagens
do capítulo “Do Sistema Tributário Nacional” e responsável (art. 150, § 7º),
sendo possível concluir que sejam as pessoas obrigadas ao pagamento do
tributo.
No Código Tributário Nacional, a matéria vem fatiada em dois capítulos:
i) capítulo IV, intitulado de “Sujeito Passivo”, cujo assunto é tratado nos artigos
121 a 127; ii) capítulo V, denominado de “Responsabilidade Tributária”, no qual
a matéria está disposta nos artigos 128 a 138.
O que se deve deixar claro é que tanto as pessoas descritas nos
capítulos “Sujeito passivo” e “Responsabilidade tributária” do CTN são
passíveis, em algum momento, de serem obrigadas a pagar o tributo, seja por
simples imputação legal, seja como forma de punição. Em outras palavras,
91
todos podem estar num estado de sujeição passiva tributária, situação na qual
sacrificarão interesses próprios em favor dos interesses prescritos pela lei
(sentido lato).
O primeiro autor a dedicar monografia exclusiva ao tema da sujeição
passiva tributária foi Arnaldo Borges, ensinando que:
Instaurada a obrigação principal, pode o Estado exigir de alguém o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária. Esta pessoa de quem o Estado exige qualquer destas prestações chama-se sujeito passivo da obrigação principal.158
Afirma-se que o contribuinte é aquela pessoa que “realiza” o fato gerador do tributo, ou que se “beneficia” do fato gerador, ou que tenha com ele relação pessoal e direta. É essa relação da pessoa com o fato hipoteticamente previsto em lei o critério para se conceituar o contribuinte.159
Todavia, em que pese a não exclusividade dos textos ao tema, não se
pode olvidar de outras doutrinas, importantes e de influência cenário jurídico
nacional.
A respeito do assunto tratou Paulo de Barros Carvalho, da seguinte
forma:
Sujeito passivo da obrigação tributária é, por sua vez, a pessoa física ou jurídica, privada ou pública, de que se exige o cumprimento da prestação pecuniária. Esse é, em termos jurídicos, o contribuinte, ou seja, aquele deve realizar o pagamento dos tributos eventualmente devidos.160
Na lição de Geraldo Ataliba:
Sujeito passivo da obrigação tributária é o devedor, convencionalmente chamado contribuinte. É a pessoa que fica na contingência legal de ter o comportamento objeto da obrigação, em detrimento do próprio patrimônio e em favor do sujeito ativo. É a pessoa que terá diminuição patrimonial, com a arrecadação do tributo.161
158 BORGES, Arnaldo. O Sujeito Passivo da Obrigação Tributária Principal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1981, p. 57. 159 Ibid., p. 58-59. 160 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 630. 161 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
86.
92
Renato Lopes Becho:
Extraímos do critério pessoal os sujeitos passivos da obrigação tributária que, nos tributos discriminados na Constituição, serão necessariamente aquelas pessoas que realizarem, inquestionavelmente, a materialidade prevista na norma constitucional tributária. Nos tributos não-discriminados, serão aquelas pessoas que realizarem as condutas descritas em dita materialidade. Os sujeitos passivos tributários estão, portanto, umbilicalmente relacionados com a materialidade descrita na norma.162
Luís Cesar de Souza de Queiroz163 ensina que “sujeito passivo
tributário ou contribuinte é o sujeito de direito titular do pólo passivo de uma
relação jurídica tributária (determinada e individualizada)”. Afirma ainda que “se
o sujeito passivo for outro (responsável ou substituto, p. ex.), a norma terá
necessariamente natureza diversa da tributária”.
Maria Rita Ferragut, a partir das lições de Paulo de Barros Carvalho,
define sujeito passivo tributário como:
A pessoa física ou jurídica, privada ou pública, detentora de personalidade, e de quem juridicamente exige-se o cumprimento da prestação. Consta, obrigatoriamente, do polo passivo de uma relação jurídica, única forma que o direito reconhece para obrigar alguém a cumprir determinada conduta.
Não percamos de vista esse ponto fundamental: sujeito passivo é aquele que figura no polo passivo da relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal.
[…]
Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário e que cumulativamente encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver ausente, ou o sujeito será o responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas insuficiente.164
162 BECHO, Renato Lopes. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo:
Dialética, 2000, p. 190. 163 QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense,
1998, p 180. 164 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São
Paulo: Noeses, 2013, p. 33-34.
93
Nesse passo, percebe-se que a doutrina não é uníssona em relação ao
sujeito passivo da obrigação tributária: uns individualizam este na figura do
contribuinte; outros entendem haver uma pluralidade de pessoas possíveis de
ocupar o polo passivo da relação tributária, ou seja, submeter-se ao estado de
sujeição passiva tributária.
Nessa linha, importante destacar os ensinamentos de Marçal Justen
Filho, que dizem:
A expressão sujeição passiva tributária, como é usual, pode indicar uma pluralidade de conceitos. Para os fins da presente tese, utilizamo-la para indicar a situação de submissão, direta ou indiretamente vinculada à figura do tributo. Ou seja, submetida ao regime jurídico tributário.
Identifica-se o regime jurídico tributário como um conjunto de normas e princípios jurídicos cuja unidade decorre de três aspectos.
O primeiro é a destinação e adequação ao suprimento de recurso financeiros ao Estado. O segundo é a relevância econômica (patrimonialidade) das situações eleitas como pressuposto normativo para o dever de entregar ao Estado. O terceiro é a estrita legalidade-tipicidade que caracteriza as normas tributárias.165
O autor paranaense enxerga a sujeição passiva tributária como uma
categoria não unitária, ou seja, vislumbra a possibilidade de estabelecer
classificações e distinções dentro dela, desde que utilizados critérios
jurídicos.166
Da análise da legislação e doutrina pátria, percebe-se que é possível
identificar três figuras capazes de submeter-se a um estado de sujeição passiva
tributária: i) contribuinte; ii) responsável; iii) substituto.
165 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 345. 166 Ibid., loc. cit.
94
6.2 Destinatário constitucional tributário
6.2.1 O que é?
Pois bem, o que se pretende a partir de agora não é dissecar cada tipo
de sujeito passivo ou elencar as hipóteses incidência de cada um deles. Mas
investigar os fundamentos constitucionais que informam a sujeição passiva
tributária, a partir da noção de destinatário constitucional tributário.
Com objetivo de afastar o uso indiscriminado, generalizado e indevido
do termo “contribuinte”, deve-se utilizar a expressão “destinatário constitucional
tributário”.
Como bem ensina Marçal Justen Filho:
De fato, a eleição de uma certa situação para compor a materialidade da hipótese de incidência importa automática seleção de sujeitos. Se foi eleita, como evidenciadora de riqueza que autoriza a tributação, uma certa situação, é inegável que a regra imperiosa será a de que o sujeito obrigado ao dever tributário seja exatamente aquele titular dessa riqueza ou está com ela referido. Porque, a não ser assim, o resultado seria o de que haveria uma desnaturação da norma, acarretando a incidência do dever sobre a pessoa diversa e a tributação sobre riqueza distinta.167
O objetivo da expressão é afirmar a existência de um ou mais sujeitos
que poderão ser escolhidos pelo legislador infraconstitucional, ou seja, as
pessoas que poderão ou que deverão ocupar a condição de sujeito passivo na
regra-matriz de incidência tributária. Não coincide, necessariamente, com a
pessoa que vai recolher o tributo, pois, como se disse anteriormente, há as
figuras do responsável e do substituto tributário.
O que deve ficar claro é que, implicitamente, na Constituição da
República, cada materialidade gera a possibilidade de o intérprete identificar
sujeitos destinatários da carga tributária que, quando propriamente eleitos pelo
legislador infraconstitucional a pagarem o tributo, são os contribuintes. Caso
167 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 262.
95
contrário, sempre que o sujeito passivo pagador do tributo for diferente do
destinatário constitucional tributário, será ou responsável ou substituto
tributário.
Definindo o que seria destinatário constitucional do tributo, Marçal
Justen Filho diz que:
É aquela categoria de pessoas que se encontram em relação com a situação prevista para inserir-se no núcleo da hipótese de incidência tributária e que são as pessoas sujeitáveis à condição de sujeito passivo tributário (aos menos, em princípio). O destinatário constitucional tributário é aquele que, em princípio, pode dizer-se como eleito constitucionalmente para vir sofrer a sujeição passiva tributária.
Em essência, o destinatário constitucional tributário seria aquela pessoa cuja riqueza é resumida através da situação prevista na Constituição para compor a materialidade da hipótese de incidência tributária.168
O que se entende da noção de destinatário constitucional tributário é
que, a partir da interpretação da Constituição da República, há um conjunto de
elementos indicativos e limitadores da atividade legislativa infraconstitucional,
no tocante à eleição do sujeito passivo tributário.
Na verdade, há um grupo de pessoas que pode ser identificado a partir
das materialidades tributárias constitucionalmente elencadas, sendo eles os
destinatários constitucionais tributários.
Todavia, a doutrina não é uníssona no sentido de que há elementos
indicadores do sujeito passivo na Constituição.
Paulo de Barros Carvalho ensina que
A Constituição Federal não aponta quem deva ser o sujeito passivo das exações cuja competência legislativa faculta às pessoas políticas. Invariavelmente, o constituinte alude a um evento, deixando a cargo do legislador ordinário, que deverá girar em torno daquela referência constitucional, mas, além disso, escolher o sujeito que arcará com o peso da incidência fiscal, fazendo as vezes de devedor da prestação tributária.169
168 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 263. 169 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 630.
96
Divergente é o entendimento de Roque Antonio Carrazza:
A constituição aponta o sujeito passivo de cada tributo, isto é, a pessoa que poderá ser colocada, pela lei, na contingência de efetuar o pagamento. É a pessoa que – evidentemente desde que apontada na lei – faz nascer a obrigação tributária, realizando seu fato imponível (fato gerador “in concreto).
[…] as pessoas políticas não possuem total liberdade para elegerem o sujeito passivo dos tributos que criam “in abstrato”. Pelo contrário, devem necessariamente levar em conta o sujeito passivo possível da exação, assinalado na Lei Maior.
[…]
Positivamente o legislador não pode, tendo em vista apenas facilitar ou ampliar a arrecadação, considerar sujeitos passivos tributários, quaisquer pessoas, ainda que sem relação com o fato imponível (fato gerado “in concreto). Elas têm o direito subjetivo de só serem consideradas sujeitos passivos de tributos: a) previstos na Constituição; b) criados legislativamente, em total sintonia com os ditames que ela consagra; e, é claro, c) após a ocorrência de seus fatos imponíveis.170
Explica, por fim, o autor:
É certo que a Constituição não indica, de modo expresso, o sujeito passivo de nenhum tributo. Todavia, sinaliza quem, ocorrido o fato imponível, poderá ser compelido a ocupar esta posição: a pessoa que provoca, desencadeia ou produz a materialidade da hipótese de incidência tributária.171
Porém, a crítica ao fato de a Constituição Federal não apontar
efetivamente quem deve ser sujeito passivo tributário, encara esses limites
constitucionais.
Deve-se observar, portanto, a lição de Maria Rita Ferragut:
Desconhecemos a existência de qualquer norma constitucional que indique quem deva ser o sujeito passivo de uma relação jurídica tributária. Por isso, entendemos que a escolha é infraconstitucional.
Tome-se como exemplo o ITBI: o artigo 156, II, da Constituição, não estabelece quem deva ser contemplado pela lei como
170 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo:
Malheiros, 2011, p. 161-162. 171 Ibid., p. 162.
97
contribuinte, vale dizer, se o alienante do bem imóvel ou o adquirente. A Carta Magna prevê apenas a materialidade passível de tributação, e a competência dos Municípios para tributá-la.172
Consoante se observa do excerto acima, a autora afirma inexistir norma
constitucional que indique quem será o sujeito passivo da relação jurídica
tributária, deixando a escolha ao legislador infraconstitucional. O que, de certa
forma, está correto. Todavia, ao trazer um exemplo para justificar seu
posicionamento, esbarra nos referidos fundamentos constitucionais da sujeição
passiva tributária, pois, ao suscitar a dúvida entre “alienante” e “adquirente”
para submeter-se ao estado de sujeição passiva, a autora pinça este conjunto
de pessoas a partir da leitura da materialidade constitucional prescrita, ou seja,
o destinatário constitucional tributário.
Nesse passo, é possível concordar com Ferragut que a escolha será
do legislador infraconstitucional, mas com a ressalva de que este não pode
olvidar dos limites impostos pela Constituição.
Pois como leciona, rigorosamente, Marçal Justen Filho:
Sempre e necessariamente, haverá uma norma tributária instituindo o contribuinte. Ou seja, atribuirá a condição de sujeito passivo tributário ao ocupante da condição de titular do aspecto pessoal da hipótese de incidência tributária.
Será inconstitucional qualquer disposição que pretenda atribuir a condição de contribuinte a quem não seja o ‘destinatário constitucional tributário’ – ou seja, a pessoa envolvida na situação signo presuntiva de riqueza inserida na materialidade da hipótese de incidência tributária, por escolha da própria Constituição Federal.173
O que deve ficar claro é que o contribuinte deverá ser necessariamente
umas das pessoas possíveis da classe “destinatário constitucional tributário”,
ou seja, aquelas que têm ligação com situação presuntiva de riqueza.
A tributação é pautada na legalidade que vincula à atividade legislativa.
O legislador não tem carta branca para exercer sua competência de tributar
172 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São
Paulo: Noeses, 2013, p. 34-35, grifo nosso. 173 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986, p. 347-348.
98
pessoas que não possuem capacidade contributiva para tanto, sob pena de
utilizar tributos com efeito de confisco.
A eleição do sujeito passivo tributário guarda intimidade, antes de tudo,
com a identificação do contribuinte, que, necessariamente, será um elemento
constante da categoria “destinatário constitucional tributário”.
Apesar de Maria Rita Ferragut afirmar que,
Como todas as materialidades referem-se a um comportamento de pessoas (um fazer, um dar, um ser), elas pressupõem a existência do realizador da conduta humana normativamente qualificada. É ele, certamente, quem praticará o fato passível de tributação, manifestador de riqueza. Mas não é ele, obrigatoriamente, quem deverá manter uma relação jurídica tributária com o Fisco.
São dois aspectos distintos. O primeiro diz respeito ao sujeito realizador do fato previsto no antecedente da regra-matriz de incidência tributária, fato esse que, como regra, encontra-se indicado na Constituição.
Já o segundo refere-se ao sujeito obrigado a cumprir com a prestação objeto da relação jurídica, ou seja, aquela pessoa que integra o polo passivo da obrigação. Essa pessoa é a única obrigada ao pagamento do tributo, e pode ou não coincidir com o sujeito que realizou o fato jurídico revelador de capacidade contributiva: se realizou, será contribuinte; se não, responsável.
E ao distinguir o contribuinte do responsável, Ferragut diz que
O responsável diferencia-se do contribuinte por ser necessariamente um sujeito qualquer (i) que não tenha praticado o evento descrito no fato jurídico tributário; e (ii) que disponha de meios para ressarcir-se do tributo pago por conta do fato praticado por outrem.
Ou nos casos em que não é possível um ressarcimento do tributo pago,
o responsável seja o agente que cometeu algum ilícito tipificado em lei como
apto a gerar a responsabilidade tributária.
Ferragut174 afirma que só é contribuinte quem realiza o fato e
cumulativamente figura no polo passivo da relação jurídica tributária, o que, na
174 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São
Paulo: Noeses, 2013, p. 34.
99
essência, não diverge de Marçal Justen Filho, quanto à pessoa que se
denomina contribuinte, mas apenas há possibilidade de se verificar ou não este
sujeito no texto constitucional.
O fato de haver a possibilidade de ressarcimento do responsável pelos
valores pagos em nome do contribuinte só reforça a ideia de que a exação
tributária possui um destinatário certo. Ainda que se argumente contrário, tendo
em vista que na responsabilidade tributária ensejada por atos ilícitos não seja
possível o ressarcimento, tal fato ocorre, pois a pena, de um modo geral no
Direito, não deve passar da figura do infrator.
As normas tributárias cujo pagamento do tributo seja feito por um
responsável ou substituto possuem uma relação de coordenação com a regra-
matriz de incidência tributária, aquela que determina o contribuinte, para,
durante o percurso gerador de sentido, haver a mudança no critério pessoal,
mais precisamente, do sujeito passivo.
O tributo, como prestação pecuniária compulsória, somente será
devolvido àqueles que o pagaram quando o for indevido, ou seja, dentro de
duas possibilidades: (i) quando recolhido montante devido, mas pago valor
maior do que se devia; e (ii) quando recolhido valor que não era devido ou
reputado inconstitucional. Dessa forma, o ressarcimento ao responsável, por
parte do contribuinte, não se configura como uma relação jurídica tributária,
apesar de derivar desta, pois relação jurídica tributária é aquela existente entre
um sujeito passivo e aquele ente dotado de capacidade tributária ativa.
O que forma os fundamentos constitucionais da sujeição passiva
tributária é a conjugação da noção de destinatário constitucional tributário com
os princípios constitucionais tributários, bem como garantias individuais dos
cidadãos. Tudo pautado numa certeza da tributação como forma de imprimir
segurança jurídica ao Sistema Constitucional Tributário.
100
6.2.2 Quem é ou quem pode ser?
Distribuída a competência tributária entre os entes federativos, é
possível verificar na Constituição da República tributos cuja possibilidade de
criação é dada à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.
O destinatário constitucional tributário consiste numa categoria de
pessoas, que mediante colheita de elementos indicativos e limitadores
constantes da Constituição, constrangem o legislador infraconstitucional na
escolha de quem será o contribuinte da exação tributária.
6.2.1.1 Taxas
A taxa está prevista na Constituição República no artigo 145, inciso II,
cuja redação prevê duas possibilidades para sua cobrança: (i) em virtude do
exercício de poder de polícia; (ii) utilização, efetiva ou potencial, de serviço
público específico e divisível, efetivamente prestado ou posto à disposição do
cidadão.
Ademais, é assegurado que as taxas não poderão ter base de cálculo
própria de impostos (art. 145, § 2º da CR).
O poder de polícia possui uma definição no artigo 78 do Código
Tributário Nacional, sendo considerado como:
Atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Em que pese a definição trazida pelo Código, o poder de polícia é
definido de uma forma mais completa e hialina pela doutrina. Pois, como bem
ensina Celso Antônio Bandeira de Mello,
101
A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘poder de polícia’. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. […]
A expressão ‘poder de polícia’ pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinada a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.175
Conforme se pode observar, o poder de polícia possui sentido amplo e
restrito. No caso das taxas decorrentes do poder de polícia, a noção que deve
ser levada em consideração é mais limitada, tendo em vista que remete à
atividade de polícia administrativa – fiscalização e controle – responsável pela
atividade estatal que ensejará o fato jurídico tributário das taxas, já que estas
são tributos vinculados a uma atividade estatal.
Em relação às taxas decorrentes da prestação de serviço público, este
pode ser definido como:
Toda atividade de oferecimentos de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.
[…]
Conclui-se, pois, espontaneamente, que a noção de serviço público há de se compor necessariamente de dois elementos: (a) um deles, que é seu substrato material, consistente na prestação de utilidade ou comodidade fruível singularmente pelos administrados; o outro, (b) traço formal indispensável, que lhe dá justamente caráter de noção jurídica, consistente
175 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 838.
102
em um específico regime de Direito Público, isto é, numa ‘unidade normativa’.
Esta unidade normativa é formada por princípios e regras caracterizados pela supremacia do interesse público sobre o interesse privado e por restrições especiais, firmados uns e outros em função da defesa de valores especialmente qualificados no sistema normativo.176
Conforme a dicção constitucional, a prestação do serviço deve ser
específica e divisível.
A especificidade do serviço é verificada com a “individualização no
oferecimento da utilidade e na forma como é prestada”177
Já a divisibilidade é constatada com a possibilidade de mensuração do
serviço. Nas lições de Paulo de Barros Carvalho, consiste num “elemento
correlato à especificidade, pois, se o serviço mostra-se individualizado,
importará admitir que permitirá o cálculo de seu custo relativamente a cada
usuário, tornando possível a exigência de taxa”.178
Em relação à utilização do serviço público, pode ser: (i) efetiva, aquela
devidamente usufruída pelo cidadão a qualquer título; (ii) potencial, em
decorrência da compulsoriedade de prestação e utilização do serviço, se este
estiver em pleno funcionamento, presume-se utilizado.
Em relação ao sujeito passivo das taxas, Bernardo Ribeiro de Moraes
ensina que,
Para a existência da taxa, mister se faz a existência de uma atividade estatal dirigida a determinada pessoa. Existe, assim, também, um cidadão, isolado da massa, que aufere a atividade estatal. Somente haverá taxa quando exista um liame preciso, de caráter jurídico, que una a atividade estatal ao referido cidadão. O legislador é livre para adotar um critério, mas não poderá se afastar desse liame, de escolher o contribuinte como
176 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 687-690. 177 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 787. 178 Ibid., p. 787-788.
103
uma pessoa que, de qualquer forma, se ache ligada à atividade estatal, causa jurídica da taxa.179
Walter Alexandre Bussamara, em relação às taxas, afirma que
[…] o sujeito passivo dessa modalidade tributária será aquela pessoa que requer, provoca ou, de alguma forma, relaciona-se com a atuação estatal, seja um serviço público, sempre específico e divisível, ainda que, sob certas situações, à sua disposição (apenas nos casos de taxa de serviço), seja o exercício do poder de polícia.180
Assim, destrinchados os contornos das materialidades das taxas é
possível delimitar seu destinatário constitucional tributário.
Serão destinatários constitucionais das taxas: (i) no caso das taxas
decorrentes do exercício do poder de polícia, aqueles sujeitos que sofram com
a fiscalização e controle de sua liberdade e propriedade, em detrimento dos
interesses coletivo; e, (ii) tratando-se de taxa de serviço público, as pessoas
que usufruírem, efetiva ou potencialmente, da atuação estatal, específica e
divisível.
São essas pessoas que possuem um liame com a atividade estatal e
que, portanto, podem sofrer a exação tributária.
6.2.1.2 Contribuição de Melhoria
O primeiro registro de Contribuição de Melhoria, em sede
constitucional, consta do Texto Magno de 1934. Em seguida, a Carta de 1937
teve o tributo expresso em suas linhas, fato este que suscitou dúvidas quanto
à constitucionalidade de sua cobrança. Todavia, a doutrina fundamentou que a
omissão do texto constitucional não excluía a Contribuição de Melhoria do
179 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo: Quartier Latin,
2007, p. 218. 180 BUSSAMARA, Walter Alexandre. Taxas: Limites Constitucionais. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 119.
104
Sistema Tributário, sendo esse posicionamento ratificado pelo Supremo
Tribunal Federal – STF.181
Com a Constituição de 1946, a Contribuição de Melhoria tem sua
cobrança autorizada quando fosse verificada a valorização do imóvel, por
consequência de obra pública, com a ressalva de que não se poderia exigir
valores acima da despesa realizada, nem acima do montante acrescido ao
imóvel beneficiado.182
O referido tributo assim permaneceu até a Emenda 23/83, quando foi
atribuída competência à União, Estados e Municípios para instituir a
Contribuição de Melhoria, cujo contribuinte seria o proprietário de imóvel
beneficiado por obra pública, sendo o total da despesa realizada o limite para
cobrança.183
A atual Constituição prevê expressamente no artigo 145, inciso III, a
Contribuição de Melhoria, que deve ser instituída pela União, Estados ou
Municípios, em decorrência de obra pública.
Pode-se dizer que há três abordagens184 principiais que fundamentam
a cobrança da Contribuição de Melhoria.
A primeira corrente enaltece o benefício trazido para o contribuinte ou
valorização de seu imóvel, tendo em vista que a finalidade do tributo é a
promoção da justiça, por coibir o benefício gerador de um enriquecimento sem
causa.
Na segunda abordagem, entende-se que a Contribuição de Melhoria é
o instrumento hábil a proporcionar a recuperação da despesa pública, ou seja,
independentemente da valorização do imóvel, deve-se recuperar os gastos
feitos pela Administração.
181 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os
tributos na constituição. v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 483. 182 Ibid., loc. cit. 183 Ibid., p. 483-484. 184 Ibid., p. 484-489.
105
Já a terceira corrente fala sobre o real fundamento da Contribuição de
Melhoria no binômio mais-valia/realização da obra pública. Deve-se buscar um
equilíbrio entre o custo da obra e o benefício produzido. Assim, para que haja
a cobrança do tributo, é necessário que se respeite o limite global (custo da
obra) e o limite individual (valorização do imóvel), em conjunto.
A Constituição menciona “contribuição de melhoria, decorrente de
obras públicas” (art. 145, inciso III, da CR). Nessa linha, deve haver uma
correlação lógica entre uma melhoria causada pós-obra pública e o status quo
do bem que sofreu melhoria. Tendo em vista que a materialidade do tributo ora
em análise está condicionada à execução de uma obra pública, mister se faz a
sua definição.
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público. Obra pública não é serviço público. De fato, serviço e obra pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da seguinte comparação: a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade, algo dinâmico; b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o serviço é a própria operação ensejadora do desfrute; c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação, é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria prestação; assim, depende sempre integralmente dela; d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma obra que lhe constitui o suporte material.185
As obras poderão ser executadas pelo Poder Público, de forma direta
– ainda que por suas entidades auxiliares, como autarquias (direito público) ou
empresas públicas e sociedades de economia mista (direito privado) – ou
contratadas com terceiros (execução indireta).186
185 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2013, p. 698-699. 186 Ibid., p. 711-713.
106
A competência para instituir a Contribuição de Melhoria será da pessoa
política que realizou a obra, já que se trata de um tributo de competência
concorrente.
A forma de interpretação mais lógica e plausível de entender a
instituição da Contribuição de Melhoria é adotando a ideia de que a benesse
causada pela obra pública recai sobre bem imóvel situado nas adjacências
desta, tendo em vista que a obra, como definiu Celso Antônio Bandeira de
Mello, é um produto estático e sua fruição, diretamente, independe de uma
prestação. Assim, não outro bem, que não imóvel, seja beneficiado pela obra
pública.
Dessa forma, havendo um cotejo entre o antes e o depois do bem, deve
haver uma melhoria, cujo modo de se expressar é no valor do imóvel, já que os
tributos têm em comum a peculiaridade de recolher dinheiro aos cofres
públicos. Não cabe falar em outra base de cálculo, na Contribuição de Melhoria,
fora da operação matemática entre valor do imóvel antes e depois da obra
pública.
Portanto, havendo a melhoria, ou seja, valorização do imóvel, o único
sujeito que se pode determinar como destinatário constitucional da
Contribuição de Melhoria é o proprietário do imóvel. Somente ele possui
capacidade contributiva e denota o signo presuntivo de riqueza.
6.2.1.3 Tributos Municipais
Os Municípios possuem competência para criar taxas, contribuição de
melhoria, os impostos elencados no artigo 156 da Constituição da República,
bem como para instituir a contribuição para custeio do serviço de iluminação
pública – COSIP (art. 149-A, da CR).
Cabe lembrar que, consoante prescreve o art. 147 da CR, os impostos
de competência dos Municípios poderão ser instituídos pelo Distrito Federal e
pela União, no caso dos Territórios Federais, se estes não forem divididos em
107
Municípios. Frise-se que a COSIP também é de competência do Distrito
Federal, conforme art. 149-A, da CR.
Prescreve o artigo 156 da Constituição da República que:
Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
6.2.1.3.1 Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
Do passeio realizado na Constituição da República, o signo
“propriedade” é um termo vago e ambíguo, sendo utilizado em duas acepções:
(i) um direito subjetivo; (ii) um espaço físico, cujo detentor será o proprietário
ou não.
A acepção que deve ser levada em consideração é a de propriedade
como um direito subjetivo, tendo em vista que, ainda que nos casos o termo
tenha sido utilizado como sinônimo de espaço, há marcas que remetem ao
direito subjetivo, nunca há dissociação da figura do proprietário, sempre há um
complemento que enuncia os poderes do proprietário.
Ainda que se busque uma definição de propriedade no Código Civil,
não será possível encontrar. Encontram-se apenas poderes outorgados ao
proprietário (art. 1.228, do CC), mas cujas raízes já estão espalhadas na
Constituição, principalmente quando se observa a prescrição do art. 191 da CR,
onde se faculta a possibilidade usucapião nas determinadas circunstâncias.
Caio Mário da Silva Pereira aborda o assunto da seguinte forma:
Fixando a noção em termos analíticos, e mais sucintos, dizemos, como tanto outros, que a propriedade é o direito de
108
usar, gozar, e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha.
[…]
Podem estes atributos reunir-se numa só pessoa, e tem-se neste caso a propriedade em toda a sua plenitude, propriedade plena, ou simplesmente a propriedade ou propriedade sem qualificativos: plena in re potestas. Mas pode ocorrer o desmembramento, transferindo-se a outrem uma das faculdades, como na instituição do direito real de usufruto, ou de uso, ou de habitação em que o dominus não deixa de o ser (domínio eminente), embora a utilização ou fruição da coisa passe ao conteúdo patrimonial de outra pessoa (domínio útil). Pode, ainda, perder o proprietário a disposição da coisa, como inalienabilidade por força de lei ou decorrente da vontade. Em tais hipóteses, diz-se que a propriedade é menos plena, ou limitada.
O direito de propriedade é em si mesmo uno, tornamos a dizer. A condição normal da propriedade é a plenitude. A limitação, como toda restrição ao gozo ou exercício do direito, é excepcional. A propriedade, como expressão da senhoria sobre a coisa, é excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, é exclusiva: plures eamdem rem in solidum possidere non possunt.187
Como se pode observar, o direito de propriedade consiste numa soma
de direitos, são eles: (i) uso; (ii) gozo; (iii) dispor da coisa; e (iv) reivindicação.
Estes podem estar sob a tutela de uma só pessoa, consistindo num direito de
propriedade pleno, como, também, podem ser desmembrados entres sujeitos.
Das lições de Paulo de Barros Carvalho a respeito da regra-matriz de
incidência tributária, para se verificar o critério material de um tributo há
necessidade de um verbo somado a um complemento.
Considerando que o signo “propriedade” na Constituição é sinônimo de
direito subjetivo, o verbo mais adequado para compor o critério material é “ser”,
no caso, “ser proprietário”, configura o critério material do IPTU. Em outras
palavras, ser detentor do direito de propriedade.
Todavia, não se pode olvidar do artigo 32 do Código Tributário Nacional
que prescreve:
187 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014, p. 75-77.
109
O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
Percebe-se que o legislador infraconstitucional impõe que a exação,
além de sobre o direito de propriedade, deve incidir sobre o domínio útil e sobre
a posse a qualquer título.
O domínio útil, como visto acima, se configura quando a utilização e
fruição da coisa passa ao conteúdo patrimonial de outra pessoa. Em outras
palavras, o detentor do domínio tem o direito subjetivo de propriedade, mas não
é pleno.
No tocante à posse, Caio Mário da Silva Pereira ensina que,
Sem embargo dos diferentes entendimentos, em todas as escolas está sempre em foco a ideia de uma situação de fato, em que uma pessoa, independentemente de ser ou de não ser proprietária, exerce sobre uma coisa poderes extensivos, conservando-as e defendendo-a. É assim que procede o dono em relação ao que é seu; é assim que faz o que tem apenas a fruição juridicamente cedida por outrem (locatário, comodatário, usufrutuário); é assim que se porta o que zela por coisa alheia (administrador, inventariante, síndico); é assim que age o que se utiliza de coisa móvel ou imóvel, para dela sacar proveito ou vantagem (usufrutuário). Em toda posse há, pois, uma coisa e uma vontade, traduzindo a relação de fruição.
Mas, nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse. Às vezes o é. Outras vezes não passa de mera detenção, que muito se assemelha à posse, mas que dela difere na essência, como nos efeitos. Aí é que surge a doutrina, com os elementos de caracterização, e com os pressupostos que autorizam estremar uma de outra. Mas é daí, também, que advém a infindável polêmica. O poder de partida de toda teoria sobre a posse, segundo Martin Wolff, é, então, o poder efetivo sobre uma coisa, senhorio este que pode exercer qualquer pessoa (física ou jurídica), e sobre qualquer coisa ou partes dela. Ou ainda, como explica De Page, na posse existe ínsita a ideia de servir-se alguém da coisa como senhor dela.188
188 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014, p. 12-13.
110
E complementa:
Ius possidendi (literalmente, direito de possuir) é a faculdade que tem uma pessoa, por já ser titular de uma situação jurídica, de exercer a posse sobre determinada coisa. O proprietário, o usufrutuário, o locatário etc. têm ius possidendi sobre o objeto da respectiva relação jurídica. Ius possessionis é o direito originado da situação jurídica da posse, e independe da preexistência de uma relação. Aquele que encontra um objeto e o utiliza, não tem o ius possidendi, embora tenha o ius possessionis, porque procede como possuidor, embora lhe falte um título para possuir. O que cultiva uma gleba de terra abandonada tem o ius possessionis, embora lhe falte o ius possidendi. A lei confere ao possuidor, com fundamento no ius possessionis, defesas provisórias, ainda no caso de lhe faltar ius possidendi. Outras vezes, aliada a posse a outros requisitos que compõem a usucapião, a lei converte o ius possessionis em propriedade, que, a seu turno, gera ius possidendi sobre a mesma coisa.189
Assim, Caio Mário da Silva Pereira conclui considerando o direito de
posse “como direito real especificamente qualificado de ‘direito real provisório’,
para distingui-lo da propriedade que é direito real definitivo”.190
Cabe destacar que a perda do direito de propriedade ocorre apenas
com: (i) a alienação, (ii) a renúncia, (iii) o abandono, (iv) o perecimento do
objeto, (v) usucapião e (vi) desapropriação.191
Deste modo, verificados os critérios que informam a posse e as formas
possíveis de perder o direito de propriedade, conclui-se que a única posse que
se sujeita à exação tributária, a partir do CTN, é a posse ad usucapionem, ou
seja, que detenha a possibilidade de se adquirir a propriedade plena.
Pela noção de direito de propriedade colacionada, o destinatário
constitucional tributário do IPTU é a pessoa ou grupo de pessoas que detêm o
direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão estes que possuem ligação
com o critério material e denotam capacidade contributiva.
189 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2014, p. 19. 190 Ibid., p. 22. 191 Ibid., p. 199-208.
111
São estas as balizas para o legislador infraconstitucional, seja nacional,
em sede de lei complementar para dirimir conflito de competências, seja
municipal.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) sumulou o entendimento da
seguinte forma: “Cabe à legislação municipal estabelecer o sujeito passivo do
IPTU” (Súmula 399).
Merece ressalva a referida súmula quanto aos elementos indicadores
e limitadores da atividade legislativa no tocante ao destinatário constitucional
tributário. O princípio da legalidade constrange o legislador a fazer aquilo que
a lei autoriza, não podendo este se esquecer de parâmetros e balizas
constitucionais que configuram a dimensão do tributo, pois delimitadores da
atividade estatal.
6.2.1.3.2 Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos
a eles Relativos – ITBI
A redação do artigo 156 da Constituição da República outorga
competência aos Municípios para instituir imposto sobre a
Transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.
Completando, no § 2º do art. 156, que o referido imposto
Não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Pois bem, os requisitos para que se tenha o ITBI são: (i) transmissão
de bem imóvel ou de direito real sobre imóvel; (ii) a transmissão seja por ato
oneroso; (iii) aconteça entre sujeito vivos.
112
Se se pressupõe ato oneroso no ITBI, sempre haverá um transmitente
(alienante) e um transmitido (adquirente).
Nessa linha, como a transmissão decorre de ato oneroso, tanto o
alienante quanto adquirente denotam signo presuntivo de riqueza, tendo em
vista que valores em moeda, ou que nesta se possam exprimir, serão “trocados”
entre si.
Portanto, tanto o alienante quanto adquirente podem ser considerados
destinatários constitucionais do ITBI, sendo eles os sujeitos possíveis a serem
considerados contribuintes do referido tributo.
6.2.1.3.3 Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
Prescreve a Constituição Federal a competência dos Municípios para
instituírem o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS/QN.
Nas lições de Aires Fernandino Barreto:
É lícito afirmar, pois, que serviço é uma espécie de trabalho. É o esforço humano que se volta para outra pessoa; é fazer desenvolvido para outrem. O serviço é, assim, um tipo de trabalho que alguém desempenha para terceiros. Não é esforço desenvolvido em favor do próprio prestador, mas de terceiros. Conceitualmente, parece que são rigorosamente procedentes essas observações. O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem se serve. Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho “para si mesmo”, não o é afirmar-se que se prestou serviço “a si próprio”. Em outras palavras, pode haver trabalho, sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço no bojo de uma relação jurídica.192
Todavia, para ser tributado, o serviço deve ser revestido de um
conteúdo econômico; assim complementa o autor:
Só é serviço tributável, destarte, o esforço humano com conteúdo econômico. Somente aqueles fatos que tenham real conteúdo econômico poderão ser erigidos em materialidade da hipótese de incidência do ISS, dado que é a dimensão econômica de cada fato que irá permitir que a sua ocorrência
192 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009, p.
29.
113
concreta dimensione, de alguma maneira, o tributo, e, portanto, possa ser reconhecida como indício de capacidade contributiva.193
O que se pretender alcançar com o conteúdo econômico é a dimensão
do serviço em termos pecuniários, quanto este custou. Dessa forma, mais
coerente entender que o prestador do serviço é que mensurará, em moeda, o
quanto vale seu esforço. Aquele que fruiu, consumiu ou utilizou do serviço não
parece denotar capacidade contributiva.
Aires F. Barreto diz que
Deflui da genérica descrição constitucional que só é tributável a prestação de serviço, e não o seu consumo, a sua fruição, a utilidade ou a sua utilização. Toda vez que o legislador constituinte descreve um fato – ao distribuir competências tributárias – está fazendo referência à pessoa produtora do fato, ou de alguma maneira a ele ligada por um tipo de conexão constitucionalmente qualificada para produzir não só o efeito de fazer nascer a obrigação tributária, como, ainda, o especial efeito de fazê-la nascer tendo por sujeito passivo uma determinada pessoa. Sendo a síntese do critério material do ISS representada pelo verbo prestar e pelo respectivo complemento serviço, o correto é que o tributo atinja o produtor da ação “prestar serviço”, o agente dessa ação, que inexoravelmente é o prestador do serviço.194
Desse modo, é possível concluir que somente a prestação do serviço
é tributável, tendo em vista que esta é o que indica o prestador como
beneficiário do conteúdo econômico, ou seja, reveladora do signo presuntivo
de riqueza, ligando diretamente o prestador ao critério material.
Assim, conclui-se que o destinatário constitucional do ISS/QN é o
prestador de serviços.195
193 BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009, p.
30. 194 Ibid., p. 31. 195 Conforme legislação do Município de São Paulo, o contribuinte do imposto (sujeito passivo)
é o prestador do serviço, de acordo com o artigo 5º da Lei 13.701/2003 – “Art. 5º Contribuinte é o prestador do serviço”.
114
6.2.1.3.4 Contribuição para Custeio de Iluminação Pública – COSIP
A contribuição para custeio de iluminação pública não visa remunerar
serviço de iluminação, mas tem como finalidade ser fonte de recursos para
ampliação da rede elétrica e pontos de iluminação pública.
O que se remunera mediante pagamento da fatura de energia é a
quantidade de quilowatts consumidos. Nada tem a ver com o custeio da
iluminação pública.
Conforme prescreve o parágrafo único, do artigo 149-A, da
Constituição da República, é facultada aos Munícipios e Distrito Federal a
cobrança da COSIP na fatura de consumo energia elétrica. Se assim o fizerem,
todas as pessoas físicas ou jurídicas, consumidoras de energia elétrica, ou
seja, que possuam fatura em seus nomes, serão destinatários constitucionais
do tributo.
Todavia, o que merece ser frisado é que a finalidade da COSIP é
atender os interesses coletivos de uma melhor e mais ampla rede de iluminação
pública; dessa forma, qualquer do povo é apto a pagar a referida para atender
o interesse público. O fato de se limitar aos consumidores de energia elétrica
deve-se à circunstância de ser a única hipótese possivelmente pensada e
aventada aqui e na Constituição.
6.2.1.4 Tributos Estaduais
Os Estados possuem competência para criar taxas, contribuição de
melhoria, os impostos elencados no artigo 155 da Constituição da República.
Frise-se que são, também, da competência do Distrito Federal os impostos do
art. 155, da CR.
Prescreve o artigo 155 da Constituição da República que:
Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
115
I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III - propriedade de veículos automotores.
6.2.1.4.1 Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação –
ITCMD
O ITCMD é o imposto incidente sobre a transmissão de quaisquer bens
e direitos, a título gratuito, decorrentes de doação ou causa mortis.
O critério material do imposto variará de acordo com a situação: (i)
transmitir causa mortis quaisquer bens e direitos; (ii) doar quaisquer bens e
direitos.
Na primeira hipótese, não há como delimitar outro destinatário
constitucional tributário que não o herdeiro ou legatário, tendo em vista que são
estes que denotarão capacidade contributiva para arcar com a carga tributária,
são eles que terão o patrimônio incrementado.
Quanto à doação, não há dúvida que o donatário será o sujeito cujo
patrimônio sofrerá aumento e, apesar de não realizar propriamente o verbo
“doar”, é quem deve ser considerado destinatário constitucional do ITCMD, pois
juridicamente denota capacidade contributiva. Fosse o doador, haveria a
utilização de tributo com efeito de confisco, já que haveria tributação sobre o
patrimônio restante daquele que resolveu usar e dispor de sua propriedade,
sem abuso, mas de maneira livre e desimpedida, e não sobre a doação.
116
6.2.1.4.2 Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores –
IPVA
O IPVA é o imposto cujo fato jurídico tributário é delimitado pelo “ser
proprietário” de um veículo automotor.
Assim, o que se pode concluir em relação ao destinatário constitucional
tributário do IPVA é que qualquer pessoa, física ou jurídica, pode ser
contribuinte do imposto.
Um detalhe que deve ser observado quanto à individualização do
proprietário do veículo automotor é no que diz respeito ao licenciamento do
veículo.
Apesar de não ser a legislação mais adequada para tratar do
licenciamento veicular, a Constituição da República já aponta para a
necessidade deste ato fiscalizatório que, não obstante seja para cobrança do
IPVA, pode ser remunerado por taxa.
O artigo 158, inciso III, da CR, prescreve que “cinqüenta por cento do
produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos
automotores licenciados em seus territórios” pertencem ao município (grifo
nosso).
Nesse passo, a indicação do proprietário do veículo, por ser um bem
móvel, está atrelada ao licenciamento do veículo. Todavia, apesar de a matéria
ser tratada em sede de legislação infraconstitucional (Código Nacional de
Trânsito), a Constituição já aponta o destinatário constitucional o proprietário
do veículo automotor.
117
6.2.1.4.3 Imposto sobre as Operações relativas à Circulação de
Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS
O ICMS é o imposto de competência estadual que tributa operações de
circulação de mercadorias e determinadas prestações de serviços.
Segundo as lições de Paulo de Barros Carvalho, há na legislação
constitucional três antecedentes normativos consagrados. São eles:
a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias;
b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior, prestações essas que deverão concluir-se ou ter início dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas as prestações no instante da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes;
c) prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal.196
No tocante às operações relativas à circulação de mercadorias, o que
se deve ter em mente é que o tributo não incide nem sobre a circulação nem
sobre a mercadoria, mas sobre um negócio jurídico cujo requisito para
configurar fato jurídico tributário do ICMS é a “circulação de mercadoria”.
Observe-se que “‘operações’, ‘circulação’ e ‘mercadorias’ são três
elementos essenciais para a caracterização da venda de mercadorias”.197
Nas definições de Paulo de Barros Carvalho tem-se que
[…] o vocábulo “operações”, no contexto, exprime o sentido de atos ou negócios jurídicos hábeis para provocar a circulação de mercadorias. “Circulação”, por sua vez, é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, com a consequente mudança de patrimônio. Já o adjunto adnominal “de mercadorias” indica que nem toda a
196 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 733. 197 Ibid., p. 735.
118
circulação está abrangida no tipo proposto, mas unicamente aquelas que envolvam mercadorias.198
Roque Antonio Carrazza ensina, suscintamente, que “o ICMS é devido
quando ocorrem operações jurídicas que levam mercadorias da produção para
o consumo, com fins lucrativos”199.
Para definir o âmbito de incidência do ICMS que envolve operações de
circulação de mercadorias, Carrazza afirma:
Remarcamos, em remate, que: a) a mercadoria é essencialmente vendida com fito do lucro (a vida mercantil é feita para especular); e, b) o ICMS incide sobre os negócios jurídicos regidos pelo direito comercial, que acarretam circulação de mercadoria.200
Assim, definidos os contornos da materialidade constitucional do ICMS,
entende-se que é destinatário constitucional do ICMS qualquer pessoa física
ou jurídica que seja envolvida, em caráter habitual, com a práticas de
operações mercantis.201
No tocante ao ICMS que envolve tanto a prestação de serviço de
transporte quanto a prestação de serviço de comunicação, segue-se a linha
adotada quanto ao ISS, ou seja, somente o prestador do serviço, seja pessoa
física ou jurídica, deve ser considerado destinatário constitucional tributário.
6.2.1.5 Tributos Federais
Os tributos de competência da União estão prescritos na Constituição
em artigos esparsos.
O artigo 148 da CR prescreve a possibilidade de a União instituir os
empréstimos compulsórios. Já no artigo 149 e 195, ambos da CR, estão
prescritas as contribuições.
198 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 736. 199 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 51. 200 Ibid., p. 52. 201 Nesse sentido, também entende Carrazza em ICMS. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 45.
119
Os impostos de competência da União estão prescritos nos artigos 153
e 154, todos da CR.
Frise-se que tanto os empréstimos compulsórios (art. 148, da CR)
quanto os impostos do artigo 154 não serão objeto de análise deste estudo.
Consoante dispõe o artigo 149 da Constituição da República,
Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
A partir do texto normativo acima transcrito, é possível verificar três
tipos de contribuição: (i) as sociais; (ii) de intervenção no domínio econômico;
e (iii) as de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
O artigo 153 da Constituição da República prescreve que
Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
Nessa linha, este é o leque de impostos que a União pode,
ordinariamente, instituir.
Dos impostos prescritos no artigo 153 da CR, apenas não será tratado
o imposto sobre grandes fortunas, tendo em vista que não se pretende
desenvolver o conteúdo semântico da expressão “grandes fortunas”.
120
6.2.1.5.1 Imposto sobre a Importação de Produtos Estrangeiros – II
O imposto sobre a importação é um dos chamados tributos aduaneiros,
cuja finalidade extrafiscal é sobressalente na medida em que criam uma
barreira comercial ou produzem uma discriminação em relação aos produtos
estrangeiros, como forma de prestigiar ou estimular a economia local em
determinadas situações.
A materialidade eleita pela constituição é “importar produtos
estrangeiros”; dessa forma, não se pode interpretar de outro jeito que não seja
fixar a figura do “importador” como sendo o destinatário constitucional do
tributo.
Na lição de Paulo de Barros Carvalho:
Não resta outra inferência senão a de que o contribuinte dos impostos incidentes sobre a entrada de bens no território nacional é aquele que realizar a conduta de importar, ou seja, a pessoa que faça vir produtos do exterior, em cujo nome dá-se a importação figurando como tal na declaração que documenta o fato.202
O que deve ficar claro é que não interessa a destinação do produto
estrangeiro, mas quem o importou, ou seja, o realizador da conduta “importar”,
seja pessoa física ou jurídica.
6.2.1.5.2 Imposto sobre a Exportação de Produtos Nacionais ou
Nacionalizados – IE
Na mesma linha do imposto sobre a importação, o imposto sobre a
exportação é tributo aduaneiro, cuja função extrafiscal é preponderante,
incentivado a economia nacional a vender e exportar produtos para o comércio
exterior.
202 CARVALHO, Paulo de Barro. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses,
2011, p. 709.
121
Observando a materialidade prescrita na Constituição, qual seja,
“exportar produtos nacionais ou nacionalizados”, deve-se considerar como
destinatário constitucional tributário o “exportador”, em outras palavras, o
realizador da exportação, seja pessoa física ou jurídica.
6.2.1.5.3 Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza –
IR
No tocante ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza,
para se chegar ao destinatário constitucional tributário, é necessária a definição
de renda. Pois, como bem ensina José Artur Lima Gonçalves, “o conceito de
renda é gênero que encampa ‘proventos de qualquer natureza’, razão pela qual
referiremos aqui apenas o gênero, sem preocupação de tratar separadamente
da espécie”.203
Acredita-se que é possível detectar um conteúdo semântico mínimo de
“renda” na Constituição da República, qual seja: “(i) saldo positivo resultante do
(ii) confronto entre (ii.a) certas entradas e (ii.b) certas saídas, ocorridas ao longo
de um dado (iii) período”.204
Nos ensinamentos de José Artur Lima Gonçalves:
Renda haverá, portanto, quando houver sido detectado um acréscimo, um plus; tenha ele, ou não, sido consumido; seja ele, ou não, representado por instrumentos monetários, direitos, ou por bens, imateriais ou físicos, móveis ou imóveis.205
E complementa:
Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do
203 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 174. 204 Ibid., p. 179. 205 Ibid., p. 180.
122
objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito.206
Conclui-se que “renda” é o acréscimo patrimonial a ser percebido por
determinado sujeito. Assim, para conformar o substantivo “renda” com um
verbo e obter o critério material do Imposto sobre a renda, deve-se interpretar
que o que se almeja tributar é o acréscimo patrimonial, ou seja, este montante
revertido em dinheiro deverá ser a base de cálculo do tributo. Desse modo, o
verbo “auferir” parece ser o mais apto a ser complementado por renda.
Logo, quem “auferir renda” deve pagar o IR, tendo em vista que será
quem denota capacidade contributiva. Portanto, como destinatário
constitucional do IR, tem-se qualquer pessoa, física ou jurídica, que auferir
renda, com a ressalva de observação dos constrangimentos ao critério espacial
da regra-matriz de incidência tributária.
6.2.1.5.4 Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI
O IPI é um tributo cujo constituinte foi um pouco lacônico em relação
ao campo semântico da materialidade, mas deu características capazes de
individualizá-lo.
Com um regime jurídico tributário bem peculiar, percebe-se, através do
art. 153, § 3º, que o IPI:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;
II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;
III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.
IV - terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto, na forma da lei.
Em relação à seletividade do IPI, afirma Ricardo Lobo Torres que
206 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 180.
123
[…] seletividade em função da essencialidade é o único critério para a incidência do IPI e significa que o tributo recai sobre os bens na razão inversa de sua necessidade para o consumo popular e na razão direta de sua superfluidade. A essencialidade admite graduação, de modo que a alíquota ou não existirá, quando o produto se tornar absolutamente essencial para atender às necessidades primárias, ou será fixada em escala ascendente na proporção em que menor for a sua utilidade social.207
Percebe-se, portanto, que a seletividade é o elemento que norteia a
tributação do IPI; o critério quantitativo da regra-matriz de incidência deste
tributo merece o destaque, pois, apesar de normas jurídicas não incidirem
sobre coisas, mas sobre relações intersubjetivas, será através deste que se
revelará uma função extrafiscal do tributo.
Como o que se deseja atingir com a instituição do IPI são os produtos
industrializados, a construção da materialidade deve ter como pressuposto
lógico operações (negócios jurídicos) e a circulação desses bens
industrializados. Tal interpretação decorre da leitura do art. 153, § 3º, inciso II,
da CR, que prescreve: “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (grifo nosso).
Assim, conclui-se que há necessidade de um negócio jurídico que
circule os produtos industrializados. Todavia, não se pode equiparar produtos
industrializados com mercadoria, sob pena de confusão entre as materialidades
do IPI e ICMS.
Nessa linha, Eduardo Domingos Bottallo explica:
O IPI incide sobre operações jurídicas praticadas com produtos industrializados. Nos termos da Constituição, ele deve ter por hipótese de incidência o fato de alguém industrializar produto e levá-lo para além do estabelecimento produtor, por força da celebração de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade.208
207 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os
tributos na constituição. v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 179. 208 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009, p.
22.
124
Desse modo, a partir da Constituição da República, é possível afirmar
como destinatário constitucional do IPI, o industrial, aquela “pessoa que efetua
a industrialização e promove a respectiva operação pertinente à saída de
produto de seu estabelecimento”.209
6.2.1.5.5 Imposto sobre as Operações Financeiras – IOF
O IOF, conforme prescreve a Constituição da República (art. 153, inciso
V), incide sobre operações de: (i) crédito; (ii) câmbio; (iii) seguro; e (iv) títulos
ou valores mobiliários.
Tendo em vista que o IOF incide sobre determinadas operações do
mercado financeiro, é importante acrescentar a lição de Roberto Quiroga
Mosquera:
O mercado financeiro e o mercado de capitais atuam, essencialmente, como intermediadores entre a poupança e aqueles que necessitam de financiamento para a realização de seus negócios. O primeiro é conhecido também por mercado de crédito, uma vez que viabiliza o fluxo de recursos entre o poupador e o tomador de crédito. Já o segundo denomina-se também mercado de valores mobiliários, no qual as instituições financeiras têm papel intermediador obrigatório nas operações de captação de recursos mediante a emissão de títulos ou valores mobiliários. Sendo assim, já se pode vislumbrar a relevância do estudo do imposto que onera as operações que têm por objeto o crédito e as operações relativas a títulos ou valores mobiliários.
Da mesma forma, reveste-se de elevada relevância o estudo da regra-matriz do imposto incidente sobre as operações de câmbio. Estas operações viabilizam a concretização dos investimentos externos no país, bem como a obtenção de recursos estrangeiros para financiamento de projetos nacionais.
Já as operações concernentes a seguros não se encaixam no mesmo contexto das operações de crédito, câmbio e relativas a títulos ou valores mobiliários, as quais são realizadas no âmbito do mercado financeiro e de capitais. No entanto, como o imposto incidente sobre operações de seguro encontra-se também previsto no inciso V, do artigo 153 da Carta Magna de 1988, no qual também está mencionado o imposto sobre
209 MELLO, José Eduardo Soares de. IPI – Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 17.
125
operações de crédito, câmbio e relativas a títulos ou valores mobiliários, far-se-á, aqui, um breve estudo da regra-matriz do referido tributo.210
Apesar de no excerto o autor falar de um breve estudo da regra-matriz
de incidência, restringe-se aqui à observação apenas do critério material e
pessoal da regra-matriz, tendo em vista a finalidade de se chegar ao
destinatário constitucional tributário.
É clarividente que a Constituição utilizou o signo “operações” para
delimitar as materialidades do IOF. Assim, complementa Roberto Quiroga
Mosquera:
[…] conclui-se que o legislador constitucional, no artigo 153, inciso V, serviu-se do termo operações na mesma acepção dada no artigo 155, inciso II. Ou seja, como negócio jurídico bilateral, no qual há manifestação inequívoca de vontade das partes. A produção de efeito jurídicos por parte destes atos, fatos ou situações gera uma relação regulada pelo Direito.
No bojo do conceito de operações está inserida uma concepção dinâmica das relações sociais, em detrimento de uma visão estática. Os negócios jurídicos concernentes às operações são bilaterais e pressupõem a existência de pessoas em relação oposta. Tome-se como exemplo uma operação de crédito. Nesta temos aquele que dá crédito e aquele que o recebe. E da mesma forma ocorre em relação às operações de câmbio, seguro e relativas a títulos ou valores mobiliários.211
Concluindo com o referido autor, são os negócios jurídicos que
envolvam crédito, câmbio, seguro e títulos ou valores mobiliários, passíveis de
serem tributados.
Considerando que a Constituição apenas gravou obrigação sobre as
“operações”, é possível entender que o verbo que informa o critério material
dos referidos tributos é “realizar”. Em outras palavras, estão sujeitos ao IOF
quem “realizar operação de: (i) crédito; (ii) câmbio; (iii) seguro; e (iv) títulos ou
valores mobiliários”
210 MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os impostos sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguro
ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – Conceitos Fundamentais. In: ______; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; ZILVETI, Fernando Aurelio. (Orgs.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 101-102.
211 Ibid., p. 121-122.
126
Todas as operações acima referidas não são serviços, nem se
revestem na qualidade de produtos ou mercadorias, mas são contratos cujo
objeto sempre será um montante em dinheiro, seja: i) no crédito; ii) na compra
e venda de moeda; iii) compra da apólice e pagamento do prêmio do seguro;
iv) compra dos títulos e a obtenção dos lucros deles advindos.
Nessa linha, como se trata de um negócio jurídico bilateral, no qual há
manifestação de vontade de ambos os sujeitos, não há individualização do
signo do presuntivo de riqueza, portanto entende-se que pode ser destinatário
constitucional do tributo: i) tanto quem dá quanto quem recebe o crédito; ii) tanto
quem vende quanto quem compra o câmbio; iii) segurado ou segurador; e iv)
tanto quem vende quanto quem compra títulos.
6.2.1.5.6 Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR
Tendo em vista que o ITR possui materialidade semelhante ao IPTU,
todavia exigindo o tributo do proprietário do imóvel localizado na zona rural,
adotam-se as mesmas posições já apresentadas em relação ao IPTU.
Assim, pela noção direito de propriedade já apresentada, o destinatário
constitucional tributário do ITR é a pessoa ou grupo de pessoas que detêm o
direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão estes que possuem ligação
com o critério material e denotam capacidade contributiva.
A noção de zona rural para fins de determinar o destinatário
constitucional do tributo é, de certa forma, irrelevante, tendo em vista que o
liame que liga o pagador do tributo ao Estado são fatores inerentes ao direito
de propriedade. Portanto, a definição de zonas urbana e rural em sede de
legislação infraconstitucional será apenas para dirimir eventual conflito de
competência, em relação ao qual tributo deve ser instituído, por quem será
cobrado.
127
6.2.1.5.7 Contribuições
A partir da leitura da Constituição da República, é possível constatar a
existência dos seguintes tipos de contribuições: (i) as sociais; (ii) de intervenção
no domínio econômico; e (iii) as de interesse das categorias profissionais ou
econômicas.
Leciona Paulo Ayres Barreto, a respeito dos traços típicos das
contribuições, que
A etimologia do vocábulo ‘contribuição’ não há de ser desprezada. A contribuição em matéria tributária haverá sempre de referir à parte a que está sujeita o cidadão, para formação de fundos necessários ao custeio de determinada(s) despesa(s) pública(s). Deflui do próprio signo a noção de parte que cabe a cada um em certa despesa ou encargo comum. Se a contribuição for de natureza tributária, a despesa a ser rateada será pública.
De outra parte, a atividade estatal deverá se voltar para o grupo de pessoa instado a contribuir para o órgão, fundo ou despesa. Configura requisito essencial na contribuição a noção de parcialidade em relação à coletividade. Assim, é traço característico das contribuições a existência de um grupo econômico ou social para o qual se volta ou se dirige a finalidade constitucional autorizadora de sua instituição.
Há que se verificar uma vantagem ou benefício que vincule aquele que suporta o custo ou despesa (contribuinte), em relação à atividade a ser desenvolvida pelo Estado que o gera.
Além disso, tem que existir uma necessária correlação entre o custo da atividade estatal e o montante a ser arrecadado. O montante a ser arrecadado com a contribuição deve ser compatível com a despesa a ser por ela financiada. O critério de rateio desse custo deve levar em consideração, ainda, a participação de cada contribuinte na geração da despesa.
Por fim, o produto da arrecadação deve, necessariamente, ser aplicado na finalidade que deu causa à instituição da contribuição. Não basta a mera previsão legislativa nesse sentido. É fundamental que, uma vez pago o tributo ao ente tributante, surja para tal ente o dever jurídico de destinar esse montante ao correspectivo órgão, fundo ou despesa que deu causa à instituição do tributo.212
212 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 118.
128
Dos excertos acima podem ser extraídas pelo menos as seguintes
características das contribuições: (i) consistem numa parte de determinada
despesa a ser rateada entre sujeitos; (ii) o produto arrecadado será vinculado
a um órgão, fundo ou despesa; (iii) há uma finalidade constitucional
autorizadora; (iv) deve haver uma vantagem ou benefício vinculado ao cidadão
que arcou com o custo ou despesa; e (v) o produto da arrecadação deve,
necessariamente, ser aplicado na finalidade que deu causa à contribuição.
As contribuições para a seguridade social estão prescritas no artigo
195, incisos e parágrafos. Para uma melhor compreensão, transcreve-se:
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.
§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.
129
§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b".
§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
§ 8º - O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.
§ 9º - As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
§ 10 - A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos.
§ 11 - É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar.
§ 12 - A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.
§ 13 - Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente
130
na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento (grifos nossos).
O que se interpreta do artigo acima transcrito é que parte das
contribuições para a seguridade social possui materialidade
constitucionalmente delimitada, bem como indicação do destinatário
constitucional do tributo, consoante se verifica nos grifos.
Nesse sentido, Paulo Ayres Barreto ensina que
As contribuições sociais destinadas à seguridade social têm materialidades definidas constitucionalmente, existindo a outorga de uma competência residual, cujo exercício é condicionado à observância das restrições posta no art. 154, I da Constituição Federal. Além disso, são submetidas à chamada anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição.213
E complementa:
Além das contribuições sociais destinadas à seguridade social, outras contribuições sociais podem ser instituídas, desde que sirvam de instrumento de atuação da União na área social e observem o disposto no art. 146, III e 150, I e III da Carta Magna. Não há circunscrição às materialidades constitucionalmente previstas. O que a Constituição Federal não autoriza é que sejam criadas outras contribuições sociais que não aquelas cuja materialidade foi por ela prevista, com hipótese de incidência de impostos, conferidos à competência privativa de Estados, Distrito Federal e Municípios.214
Não se pode falar em destinatário constitucional tributário de
contribuições cuja materialidade não está prescrita na Constituição. Porém,
observados os traços típicos das contribuições acima expostos,
independentemente de haver ou não materialidade na Constituição da
República, deve haver uma vantagem ou benefício vinculado ao cidadão que
arcou com o custo ou despesa, ou seja, indiretamente se verifica quem
possivelmente poderá arcar com uma contribuição.
É nesse sentido que escreve Estevão Horvath, quando trata das
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE:
213 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 102. 214 Ibid., p. 198.
131
Este mesmo raciocínio se pode aplicar às contribuições de intervenção – e também às demais. Conquanto a Constituição não tenha trazido todas as ‘materialidades’ – como fez com relação aos impostos, se o critério material deve ter conexão com a finalidade escolhida para ser perseguida, os sujeitos passivos da contribuição somente poderão ser aqueles que estejam relacionados ao fato tributável (hipótese de incidência) colocado como núcleo desta. Em outras palavras, nem que seja por via indireta, há como se chegar ao destinatário constitucional da contribuição, que é o único que pode ser colocado como destinatário da carga tributária.215
No tocante às CIDEs, Tácio Lacerda Gama é objetivo e enfático ao
afirmar que “o critério material das contribuições interventivas deve ser
escolhido entre atividades relacionadas ao setor da economia que sofrerá a
intervenção”.216
Tratando de quem poderá sofrer a carga tributária da CIDE, ou seja,
destinatário constitucional do tributo – ou como denomina o autor, “sujeito
passivo possível” –, Tácio Lacerda Gama não diverge do que já foi
apresentado, tendo em vista afirmar que
O sujeito passivo das contribuições interventivas deve ser escolhido entre os integrantes do setor da economia sujeito à intervenção. Atribuir o encargo destas contribuições a sujeitos não referidos à intervenção estatal constitui violação à norma de competência, por contrariar os enunciados qualificadores do ‘sujeito passivo possível’.217
Merecem, também, atenção as Contribuições de interesse de
categorias profissionais ou econômicas que visam promover a regulação,
organização e fiscalização dessas atividades, bem como a representação e
defesa dos interesses coletivos de tais grupos.
Ensina Paulo Ayres Barreto que
As contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas podem ser exigidas dos membros dessa categoria e deverão ser rateadas em função da parte que cabe a cada um nas despesas ou encargos comuns. Tais despesas são
215 HORVATH, Estevão. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo:
Dialética, 2009, p. 91, grifos do autor. 216 GAMA, Tácio Lacerda. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo:
Quartier Latin, 2003, p. 206. 217 Ibid., p. 216.
132
suportadas pelo delegatário da capacidade tributária ativa a quem serão carreadas, também, as receitas advindas dos rateios. Trata-se de hipótese típica de parafiscalidade.218
Conclui-se, portanto, que em relação às contribuições, de um modo
geral, há um traço típico que determina o destinatário da carga tributária, ou
seja, se todas as contribuições devem ter materialidade atrelada a determinada
finalidade, causa ou motivo constitucional, será identificável um grupo de
beneficiários desta causa, motivo ou finalidade a serem considerados, que
possivelmente arcarão ou serão solidariamente custeados por outro grupo.
218 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São
Paulo: Noeses, 2011, p. 198.
133
CONCLUSÕES
Chegada a etapa final, põe-se termo à dissertação, sempre pautada
em vários momentos expressamente e, a todo tempo, implicitamente nas lições
de Paulo de Barros Carvalho, ousando em discordar em alguns momentos, mas
pelo rigor pregado por ele, meu mestre, espera-se ter alcançado os objetivos
da dissertação de mestrado, discorrer e abordar um assunto determinado,
colhendo conclusões a respeito deste. Aqui estão:
1 A língua é forma de expressão e o modo de ser do mundo, e através dela é
possível construir um conjunto de normas jurídicas, em determinado espaço
e tempo, cujo escopo é regulação de condutas humanas intersubjetivas que
visam à manutenção da ordem social e dos valores constitucionalmente
consagrados. Cria-se um objeto cultural chamado Direito.
1.1 Adotadas as noções do “giro-linguístico”, há de se dizer que todos estão
num cerco inapelável da linguagem, o que permite concluir que a
pragmática linguística é versada em comunicação; não há apreensão de
objetos, mas a comunicação a respeito de sua existência. No final das
contas, os signos são rótulos convencionados para que haja a
comunicação.
1.2 A Semiótica é a disciplina que se ocupa dos signos, utilizando-o como
suporte físico para construir uma relação entre significado e significação,
é o chamado triângulo semiótico, o que possibilita a construção de sentido
e a comunicação.
1.3 Os signos quando organizados por regras da língua, em sua forma
idiomática, constituem enunciados, frases, orações e outras formas de
comunicação. Desse modo, podem ser analisados pelos planos
semióticos (sintático, semântico e pragmático), que são caracterizados da
seguinte forma: a) o plano sintático estuda a relação dos signos entre si,
os vínculos lógicos e estruturais que se formam quando articulados em
discurso; b) no plano semântico é examinada a relação entre o signo e a
realidade por ele trazida, o conteúdo – objeto; c) o plano pragmático
134
observa o modo como o emissor e destinatário lidam com o signo dentro
processo comunicacional.
1.4 Os signos são denotativamente vagos, porque geralmente possuem
vários elementos em sua extensão, e conotativamente ambíguos, tendo
em vista a dificuldade de se enunciar com máxima precisão as
propriedades que, uniformemente, devem aparecer em todos os casos
nos quais tal signo é usado. Logo, analisar o Direito Positivo através da
Semiótica é ter em mãos os documentos normativos para que se
observem as estruturas e vínculos lógicos de seu discurso, reduzindo as
ambiguidades e vagueza dos signos utilizados, para que se comunique a
ordem social constitucionalmente consagrada.
1.5 A Hermenêutica é a linguagem científica que versa sobre a interpretação,
ou seja, visa à construção e sistematização de sentido dos textos do
Direito Positivo. É com ato de construção de sentido, mediante o emprego
da linguagem, que o intérprete atribui valores aos signos, confere
significações e, através destas, faz referências a objetos comunicando-se
com o mundo.
1.6 O jurista é, dentro do complexo da linguagem jurídica, responsável por
conhecer o Direito Positivo (saber de), construir o campo semântico do
conhecimento jurídico emitindo proposições na forma (HC), ou seja,
saber que há implicações em relação ao uso do conteúdo conhecido,
verificar empiricamente as proposições descritivas e aplicar a linguagem
prescritiva, quer dizer, efetuar a incidência das normas (saber como),
executar o conhecimento, devendo toda essa atividade cognoscente ser
construída linguisticamente com base e referência na Constituição
Federal vigente, uma vez que é esse o documento normativo que norteia
a compreensão do Sistema Jurídico.
1.7 A norma jurídica é a significação construída a partir dos enunciados
prescritivos do direito posto, observadas as relações de subordinação e
coordenação existentes no sistema jurídico. Utilizando noções de lógica,
é possível obter a seguinte formalização da norma jurídica: D(HC),
135
representada por um juízo hipotético-condicional, na qual dentro da
hipótese (H) há um fato (f) ligado por um conectivo implicacional () a
uma consequência (C), sendo esta preenchida por uma relação entre
sujeitos (S’, S’’).
1.8 A análise sintática da norma jurídica permite chegar ao mínimo irredutível
do deôntico, representado pela regra-matriz de incidência tributária, ou
seja, marca o núcleo de incidência do tributo, trazendo em sua estrutura
apenas os elementos suficientes para que se constate o dever-ser da
norma, sendo composta pelos seguintes critérios: a) critério material;
b) critério temporal; c) critério espacial; d) critério pessoal; e) critério
quantitativo.
2 A sistemática deve ser entendida como o princípio das relações do sistema;
traduz a harmonia fundamental inerente aos princípios deste, sendo
determinante das relações recíprocas entre seus elementos. Pode-se dizer
que é o método de ordenação dos elementos que conduz a edificação de
um sistema, sendo possível concluir que os sistemas normativos são
compostos pela disposição hierarquizada e sistemática das normas que o
formam; logo, a hierarquia impõe graus de superioridade e inferioridade
entre as normas, regendo as relações de subordinação e coordenação entre
estas.
2.1 A partir das noções de soberania e de que as leis figuram a vontade
popular, pode-se dizer que a res publica é de todos e para todos. Em
outros termos, os poderes que o Estado recebe do povo devem ser
revertidos em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. Em
suma, o Estado é detentor apenas da força que o povo lhe atribui, seu uso
arbitrário, fora dos limites consentidos contra o cidadão deve ser afastado.
2.2 A partir de excertos constitucionais, tributo consiste numa classe de
objetos conotados pelas seguintes propriedades: quantia pecuniária, ex
lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cobrada pela
administração pública (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e a
ser paga por pessoas físicas ou jurídicas.
136
2.3 A competência tributária é a aptidão para instituir/criar tributos mediante a
edição de um veículo legislativo adequado, exercida pelos órgãos
credenciados a emanarem normas jurídicas, cujo exercício se dá através
do processo de enunciação criador do direito positivo.
3 A relação jurídica é um vínculo abstrato que une os sujeitos de direito e que,
mediante a constituição do fato descrito na hipótese, verifica a imputação de
uma consequência, modalizada em obrigatório, permitido ou proibido.
3.1 Há relações jurídicas em sentido amplo – consiste na multiplicidade de
conexões existente entre o repertório do sistema jurídico, formando sua
estrutura – e relação jurídica em sentido estrito – um vínculo abstrato,
presente no consequente da norma individual, decorrente de uma
imputação normativa, no qual uma pessoa (sujeito ativo) tem o direito
subjetivo de exigir uma prestação de outra (sujeito passivo), tendo esta
última o dever jurídico de adimpli-la.
3.2 A desconcentração estatal em órgãos não confere a estes personalidade
jurídica, tendo em vista que são apenas parte de um todo. São plexos de
competências, razão pela qual possui apenas capacidade judiciária para
defendê-las. Eis o motivo pelo qual os órgãos fazendários não ocupam a
qualidade de sujeito de direito na relação jurídica tributária, mas apenas
cumprem suas funções designadas pelas pessoas políticas da qual fazem
parte.
4 A obrigação é composta de três elementos: sujeitos, objeto e o vínculo
jurídico. O elemento subjetivo determina os sujeitos que compõem a relação
obrigacional. Nesse passo, há o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo
(devedor). O primeiro possui o direito de exigir a prestação, e o segundo tem
o dever de prestar. O objeto da obrigação é a prestação, sendo esta o
comportamento humano de dar, fazer ou não fazer. A partir daí, chama-se
positiva a obrigação cujo cumprimento se dá por um facere ou um dare. Há,
também, a figura da obrigação negativa, que implica uma abstenção do
devedor.
137
4.1 As obrigações, tanto no Direito Privado quanto no Direito Público,
possuem, pelo menos de uma análise perfunctória, a mesma organização
sob o aspecto estrutural.
4.2 “Obrigação” não é um conceito lógico-jurídico, mas um conceito jurídico-
positivo, portanto é decorrente de construção dogmática e variável dentro
de cada sistema jurídico. A Teoria Geral do Direito é uma abordagem
formal do direito positivo, somente através dela é possível formular
constantes formais, obtidas mediante um processo de abstração isolador
de conteúdos e enunciados de determinado sistema jurídico no espaço e
no tempo, obtendo-se ao fim uma invariabilidade conceitual.
4.3 A obrigação é tributária porque o regime jurídico é tributário, e não o
contrário. A constituição federal, ao fornecer notas do conceito de tributo,
acaba, indiretamente, fornecendo notas para o conceito de obrigação em
matéria tributária. Todavia, este se completa com a interpretação do artigo
113 do CTN, tendo em vista que não se pode aceitar que a obrigação
tributária é conceito coextensivo de tributo, principalmente quando se
observa o que dispõe o Código Tributário no que tange ao crédito e débito
tributários.
4.4 A obrigação principal possui um objeto patrimonial, tendo em vista que a
prestação sempre consistirá em um dar (fazer entrega de) de certa quantia
em dinheiro, possui conteúdo economicamente apreciável. Já a obrigação
“acessória” consistirá num fazer, não fazer ou tolerar, inexistindo, pois, a
patrimonialidade.
4.5 Conclui-se que há uma obrigação tributária patrimonial, que consiste,
estritamente, na relação jurídica entre sujeito ativo e passivo com objetivo
de adimplemento do tributo, e uma obrigação tributária instrumental,
configurada na relação jurídica com objetivos de atender ao interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos, mediante a obrigação de
condutas (fazer ou não fazer) a serem prestadas pelo sujeito passivo.
4.6 A causalidade jurídica é a operação lógica realizada pelo aplicador entre
o fato jurídico e o efeito previsto no consequente, sendo tal por força da
138
implicação normativa. É uma relação causa/efeito. É um nexo que foi
estatuído pelas normas e, como tal, será uma relação formal, ou seja,
lógica.
5 Os princípios constitucionais tributários são normas jurídicas de forte
conotação axiológica que, dentro da hierarquia sistêmica do direito, denotam
valores constitucionalmente consagrados, como forma de imprimir certeza
do direito e o ideal da justiça.
5.1 O princípio da legalidade traduz a ideia de que: i) os tributos somente
serão criados por meio de lei formal, cuja competência, num Estado no
qual há estrita separação de poderes, será dos órgãos legislativos; ii) por
vivermos num Estado de Direito, as intervenções estatais nas esferas de
liberdade e propriedade dos cidadãos necessitam de leis que as
autorizem, ou seja, estão sob uma reserva de lei (atributo verificado no
artigo 37 da Constituição da República.
5.2 Os cidadãos possuem duas garantias em relação ao Fisco: i) material, só
podem ser compelidos a pagar tributos criados por lei pela pessoa
competente; ii) formal, é assegurado o direito de prestação jurisdicional a
fim de verificar se a Administração Fazendária agiu ou está agindo
consoante determina a lei, na cobrança dos tributos.
5.3 O que se persegue com o princípio da igualdade é impossibilitar
desequiparações fortuitas ou injustificadas. Dessa forma, tolhem-se
favoritismos e propicia-se uma garantia individual, pois no Direito não é
suficiente saber se os sujeitos são ou não são iguais (igualdade
descritiva). Importa saber, também, se as pessoas devem ou não devem
ser tratadas de forma igual (igualdade prescritiva).
5.4 A capacidade contributiva absoluta ou objetiva revela-se quando se
verifica um fato que se constitua em manifestação de riqueza, ou seja,
coaduna-se com a atividade de eleição feita pelo legislador ao colher
eventos que denotem situações aptas para custeio das despesas
públicas. Dessa forma, a colheita de tais eventos aponta para a existência
de um sujeito passivo em potencial.
139
5.5 Somente se deve levar em consideração a capacidade contributiva
objetiva; sendo assim, aqueles que apresentem maiores manifestações
de riqueza, independentemente de ser ou não sua real situação, deverão
contribuir com alíquota maior, ou seja, compatível com sua capacidade de
desfazer-se do próprio patrimônio sem prejuízo às necessidades vitais e
de sustento de si e dependentes.
5.6 Para verificar se algo é ou não confiscatório, propõe-se, sempre, um
cotejo entre a exação tributária supostamente confiscatória e os princípios
constitucionais tributários enunciados, bem como a garantias individuais,
tendo em vista a ausência de legislação prescrevendo, em termos
expressos, o que é ou não utilização de tributo com efeito de confisco, a
partir de quanto um critério quantitativo é confiscatório.
6 Analiticamente, ser sujeito passivo é ocupar um local sintático existente no
consequente da norma jurídica, que obriga, permite ou proíbe determinada
conduta.
6.1 A doutrina não é uníssona em relação ao sujeito passivo da obrigação
tributária: uns individualizam este na figura do contribuinte; outros
entendem haver uma pluralidade de pessoas possíveis de ocupar o polo
passivo da relação tributária, ou seja, submeter-se ao estado de sujeição
passiva tributária.
6.2 Há um conjunto de elementos indicativos e limitadores da atividade
legislativa infraconstitucional, no tocante à eleição do sujeito passivo da
regra-matriz de incidência tributária.
6.3 Interpreta-se que na Constituição da República cada materialidade gera a
possibilidade de o intérprete identificar sujeitos destinatários da carga
tributária, que, quando propriamente eleitos pelo legislador
infraconstitucional a pagarem o tributo, são os contribuintes. Caso
contrário, sempre que o sujeito passivo pagador do tributo for diferente do
destinatário constitucional tributário, será ou responsável ou substituto
tributário.
140
6.4 O destinatário constitucional tributário consiste num conjunto de pessoas
que, mediante colheita de elementos indicativos e limitadores constantes
da Constituição, constrangem o legislador infraconstitucional na escolha
de quem será o contribuinte da exação tributária.
6.5 Serão destinatários constitucionais das taxas: (i) no caso das taxas
decorrentes do exercício do poder de polícia, aqueles sujeitos que sofram
com a fiscalização e controle de sua liberdade e propriedade, em
detrimento dos interesses coletivos; e, (ii) tratando-se de taxa de serviço
público, as pessoas que usufruírem, efetiva ou potencialmente, da
atuação estatal, específica e divisível.
6.6 O único sujeito que se pode determinar como destinatário constitucional
da Contribuição de Melhoria é o proprietário do imóvel. Somente ele
possui capacidade contributiva e denota o signo presuntivo de riqueza.
6.7 O destinatário constitucional tributário do IPTU é a pessoa ou grupo de
pessoas que detêm o direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão
estes que possuem ligação com o critério material e denotam capacidade
contributiva.
6.8 Tanto o alienante quanto adquirente podem ser considerados
destinatários constitucionais do ITBI, sendo eles os sujeitos possíveis a
serem considerados contribuintes do referido tributo.
6.9 Somente a prestação do serviço é tributável, tendo em vista que esta é o
que indica o prestador como beneficiário do conteúdo econômico, ou seja,
reveladora do signo presuntivo de riqueza, ligando diretamente o
prestador ao critério material. Assim, conclui-se que o destinatário
constitucional do ISS/QN é o prestador de serviços.
6.10 A finalidade da COSIP é atender os interesses coletivos de uma melhor e
mais ampla rede de iluminação pública; dessa forma, qualquer do povo é
apto a pagar a referida para atender o interesse público. O fato de se
limitar aos consumidores de energia elétrica deve-se à circunstância de
141
ser a única hipótese possivelmente pensada e aventada aqui e na
Constituição e que foi aceita pelo legislador infraconstitucional.
6.11 O critério material do imposto variará de acordo com a situação: (i)
transmitir causa mortis quaisquer bens e direitos; (ii) doar quaisquer bens
e direitos. Na primeira hipótese, não há como delimitar outro destinatário
constitucional tributário que não o herdeiro ou legatário, tendo em vista
que são estes que denotarão capacidade contributiva para arcar com a
carga tributária, são eles que terão o patrimônio incrementado. Quanto à
doação, não há dúvida que o donatário será o sujeito cujo patrimônio
sofrerá aumento e, apesar de não realizar propriamente o verbo “doar”, é
quem deve ser considerado destinatário constitucional do ITCMD, pois
juridicamente denota capacidade contributiva. Fosse o doador, haveria a
utilização de tributo com efeito de confisco, já que haveria tributação sobre
o patrimônio restante daquele que resolveu usar e dispor de sua
propriedade, sem abuso, mas de maneira livre e desimpedida, e não
sobre a doação.
6.12 A indicação do proprietário do veículo, por ser um bem móvel, está
atrelada ao licenciamento do veículo. Todavia, apesar de a matéria ser
tratada em sede de legislação infraconstitucional (Código Nacional de
Trânsito), a Constituição já aponta o destinatário constitucional o
proprietário do veículo automotor.
6.13 É destinatário constitucional do ICMS qualquer pessoa física ou jurídica
que seja envolvida, em caráter habitual, com práticas de operações
mercantis. No tocante ao ICMS, que envolve tanto a prestação de serviço
de transporte quanto a prestação de serviço de comunicação, segue-se a
linha adotada quanto ao ISS, ou seja, somente o prestador do serviço,
seja pessoa física ou jurídica, deve ser considerado destinatário
constitucional tributário.
6.14 Quanto ao Imposto sobre Importação, a materialidade eleita pela
constituição é “importar produtos estrangeiros”; dessa forma, não se pode
interpretar de outro jeito que não seja fixar a figura do “importador” como
142
sendo o destinatário constitucional do tributo. O que deve ficar claro é que
não interessa a destinação do produto estrangeiro, mas quem o importou,
ou seja, o realizador da conduta de “importar”, seja pessoa física ou
jurídica.
6.15 No que se refere ao Imposto sobre Exportação, a materialidade prescrita
na Constituição, qual seja, “exportar produtos nacionais ou
nacionalizados”, deve considerar como destinatário constitucional
tributário o “exportador”, em outras palavras, o realizador da exportação,
seja pessoa física ou jurídica.
6.16 Como destinatário constitucional do IR, tem-se qualquer pessoa, física ou
jurídica, que auferir renda, com a ressalva de observação dos
constrangimentos ao critério espacial da regra-matriz de incidência
tributária.
6.17 A partir da Constituição da República, é possível afirmar como destinatário
constitucional do IPI o industrial, aquela pessoa que efetua a
industrialização e promove a respectiva operação pertinente à saída de
produto de seu estabelecimento.
6.18 No que se refere ao IOF, como se trata de um negócio jurídico bilateral,
no qual há manifestação de vontade de ambos os sujeitos, não há
individualização do signo do presuntivo de riqueza; portanto, entende-se
que pode ser destinatário constitucional do tributo: i) tanto quem dá quanto
quem recebe o crédito; ii) tanto quem vende quanto quem compra o
câmbio; iii) segurado ou segurador; e iv) tanto quem vende quanto quem
compra títulos.
6.19 O destinatário constitucional tributário do ITR é a pessoa ou grupo de
pessoas que detêm o direito propriedade, seja pleno ou não, pois serão
estes que possuem ligação com o critério material e denotam capacidade
contributiva.
6.20 Conclui-se, portanto, que em relação às contribuições, de um modo geral,
há um traço típico que determina o destinatário da carga tributária, ou seja,
143
se todas as contribuições devem ter materialidade atrelada a determinada
finalidade, causa ou motivo constitucional, será identificável um grupo de
beneficiários desta causa, motivo ou finalidade a serem considerados, que
possivelmente arcarão ou serão solidariamente custeados por outro
grupo.
Por fim, é indubitável que há limites na atribuição da pessoa que deverá
levar o valor tributário aos cofres públicos; o sujeito passivo deverá estar ligado
com a materialidade tributária. Ou seja, somente quem efetivamente praticar o
“verbo” material – auferir renda, praticar a atividade empresarial e jurídica de
circular a mercadoria, industrializar o produto, prestar o serviço etc. – é quem
poderá e deverá ocupar o polo passivo da relação jurídica tributária na condição
de contribuinte.
144
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
ATALIBA, Geraldo. ISS e base imponível. Estudos e pareceres de direito tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 81-85, 1978.
______. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
______. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.
ÁVILA, Humberto. Conceito de Renda e Compensação de Prejuízos Fiscais. São Paulo: Malheiros, 2011.
______. Sistema Constitucional Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Teoria da Igualdade Tributária. São Paulo: Malheiros, 2009.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Porto Alegre: Forense, 2010.
BARRETO, Aires Fernandino. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2009.
BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: Regime Jurídicio, Destinação e Controle. São Paulo: Noeses, 2011.
______. Imposto Sobre a Renda e Preços de Transferência. São Paulo: Dialética, 2001.
BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Responsabilidade Tributária de Terceiros: CTN, Arts. 134 e 135. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Sujeição Passiva e Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2000.
145
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
______. Da Estrutura à Função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007.
BORGES, Arnaldo. O Sujeito Passivo da Obrigação Tributária Principal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.
BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária: Uma Introdução Metodológica. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. São Paulo: Dialética, 2009.
BRITTO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014.
BUSSAMARA, Walter Alexandre. Taxas: Limites Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.
CALIENDO, Paulo. Direito Tributário: três modos de pensar a tributação: elementos para uma teoria sistemática do direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
______. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2012.
______. Imposto Sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos). São Paulo: Malheiros, 2009.
CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de teoria geral do direito. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2014.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.
______. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2011.
______. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2010.
______. Teoria da Norma Tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
146
CHIESA, Clélio. A Competência Tributária do Estado Brasileiro: Desonerações Nacionais e Imunidades Condicionadas. São Paulo: Max Limonad, 2002.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração Tributária. São Paulo: Dialética, 2003.
COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre IPI, ICMS e ISS. São Paulo: Dialética, 2009.
______. Obrigação Tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975.
COSTA, Regina Helena. Princípio da Capacidade Contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do direito, à sociologia do direito e à logica jurídica, norma jurídica e aplicação do direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Direito Constitucional Tributário e "Due Process Of Law". 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
______. Discriminação de Rendas Tributárias. São Paulo: José Bushtsky, 1972.
ENCHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, María Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, Proposición y Norma. Buenos Aires: Astrea, 1980.
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2013.
FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil de 2002. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2013.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
______. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2007.
FURLAN, Valéria. IPTU. São Paulo: Malheiros, 2004.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: Fundamentos para uma Teoria da Nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2009.
______. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2003.
147
GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GONÇALVES, José Artur Lima. Isonomia na norma tributária. São Paulo: Malheiros, 1993.
______. Imposto Sobre a Renda: Pressupostos Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2002.
HEGENBERG, Leonidas. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade. Petrópolis: Vozes, 2001.
HORVATH, Estevão. Contribuições de intervenção no domínio econômico. São Paulo: Dialética, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição Passiva Tributária. Belém: CEJUP, 1986.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
LACOMBE, Américo Masset. Obrigação Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.
LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito Tributário: Teoria Geral do Tributo. Barueri/SP; Madrid/ES: Manole; Macial Pons, 2007.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
______. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2012.
______. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Malheiros, 2012.
MELLO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
______. IPI – Teoria e Prática. São Paulo: Malheiros, 2009.
______. ICMS – Teoria e Prática. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2009.
MICHELI, Gian Antonio. Curso de Direito Tributário. Trad. Marco Aurélio Greco e Pedro Luciano Marrey Jr. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Doutrina e Prática das Taxas. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
148
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011.
MOSQUERA, Roberto Quiroga. Os impostos sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguro ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – Conceitos Fundamentais. In: ______; SANTI, Eurico Marcos Diniz de; ZILVETI, Fernando Aurelio. (Orgs.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, p. 101-175, 2005.
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto sobre a renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
PAULSEN, Leandro; VELLOSO, Andrei Pitten. Contribuições: Teoria Geral, Contribuições em Espécie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações. v. II, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
______. Instituições de Direito Civil. Direitos Reais. v. IV, 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
PIGNATARI, Décio. Informação. Linguagem. Comunicação. 3. ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. In: ______. Tratado de Direito Privado. Tomo XXIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
QUEIROZ, Luís Cesar Souza de. Sujeição Passiva Tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Barueri: Manole, 2004.
RODRIGUES, Priscilla Figueiredo da Cunha. Contribuição de Melhoria. São Paulo: Malheiros, 2002.
SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Financeiras, 1952.
SUNFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
149
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011.
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário: os tributos na constituição. v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
UCKMAR, Victor. Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário. Trad. Marco Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.
VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2010.
______. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
______.Sobre o Conceito do Direito. In: ______. Escritos Jurídicos e Filosóficos. v. 1. São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2003.
VILLEGAS, Héctor B. Curso de Direito Tributário. Trad. Roque Antonio Carrazza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
VOLLI, Ugo. Manual de Semiótica. São Paulo: Loyola, 2007.
WARAT, Luís Alberto. O Direito e sua Linguagem. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995.
XAVIER, Alberto. Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
______. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001.
ZILVETI, Fernando Aurélio. Obrigação Tributária: fato gerador e tipo. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
ZOCKUN, Maurício Garcia Pallares. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo: Malheiros, 2005.