Políticas para a primeira infância: notas sobre experiências ...

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Brasília, janeiro de 2005 Políticas para a Primeira Infância: notas sobre experiências internacionais

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Brasília, janeiro de 2005

Políticas para a Primeira Infância:notas sobre experiências internacionais

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©UNESCO 2005 Edição publicada pelo Escritório da UNESCO no Brasil.

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Conselho Editorial

Jorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneCélio da Cunha

Comitê para a Área de Educação

Alvana BofCélio da CunhaCandido GomesKatherine GrigsbyMarilza Machado Gomes Regattieri

Revisão e diagramação: Eduardo Perácio (DPE Studio)Revisão técnica: Angela Rabelo Barreto, Alvana Bof e Julia BuarqueAssistente editorial: Rachel Gontijo de AraújoProjeto gráfico: Edson Fogaça e Paulo ValérioTradução: Patrícia ZimbresDesenho infantil da capa: Maria Augusta Botafogo Proença

Edições UNESCO

Políticas para a primeira infância : notas sobre experiências internacio-nais. – Brasília: UNESCO, 2005.

114p.

1. Educação infantil–Políticas Educacionais. 2. Políticas Governa-mentais–Crianças. I. UNESCO CDD: 372

©UNESCO, 2004

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaRepresentação no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9º andar.70070-914 – Brasília – DF – BrasilTel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

85-7652-025-7

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SUMÁRIO

Apresentação à edição brasileira.....................................................................7Apresentação........................................................................................................ 91. Primeira infância – cuidados? desenvolvimento? educação?........... 112. A integração da primeira infância na educação:

o caso da Suécia......................................................................................... 173. Relação entre mulheres, trabalho e primeira infância:

países desenvolvidos e em desenvolvimento..................................... 233.1 – Trabalho feminino e serviços para a primeira infância........ 233.2 – Situação empregatícia das mulheres nos países em

desenvolvimento e implicações para políticas para aprimeira infância................................................................................... 30

4. Serviços de Base domiciliar para a primeira infância:o caso da Nova Zelândia........................................................................ 37

5. O programa de pré-escola na língua vernácula dePapua-Nova Guiné................................................................................... 43

6. As transformações sociais e suas implicações para a demandaglobal de cuidados e educação para a primeira infância................ 49

7. A coordenação intersetorial nas questões da primeira infância:lições a serem aprendidas.........................................................................55

8. As crianças em idade escolar em famílias com filhos pequenos:risco para as oportunidades educacionais............................................ 61

9. A aprendizagem ao longo da vida e a política socialpara a primeira infância............................................................................ 67

10. A reforma da força de trabalho da educação e cuidadona primeira infância na Inglaterra, na Escócia e na Suécia..............7510.1 – A integração de serviços de educação e cuidado................ 7510.2 – A reforma da força de trabalho de educação e cuidado..81

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11. O impacto da Aids sobre os cuidados e a educaçãoda primeira infância................................................................................... 87

12. A reforma dos cuidados e da educação para a primeirainfância na República da Coréia.............................................................93

12.1 – “A escola para a primeira infância”............................................ 9312.2 – A lei da educação para a primeira infância............................ 100

13. O papel da educação e do cuidado para a primeira infânciana promoção da igualdade de oportunidades................................ 107

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APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA

A expansão e o aprimoramento da educação e cuidado na primeirainfância constituem uma das seis metas fixadas no Marco de Dacar,cujos compromissos foram assumidos por 189 países, incluindo o Brasil,reunidos no Fórum Mundial de Educação para Todos, realizado noSenegal, em 2000. O destaque dado à educação nessa faixa etária,tornando-a objeto de uma meta específica, decorre do reconhecimentoda importância das experiências vividas nos primeiros anos para odesenvolvimento e a aprendizagem ao longo de toda a vida.

Evidências apresentadas em estudos internacionais a respeito dosimpactos positivos da participação das crianças em programas deeducação infantil justificam a relevância atribuída a tais programas comoinstrumento de promoção de eqüidade educacional e de melhoria daqualidade de vida das crianças de classes socioeconômicas menosfavorecidas. Além disso, programas de educação e cuidado na primeirainfância têm contribuído para oportunizar às mulheres condições parauma participação mais eqüitativa no mercado de trabalho.

No Brasil, a área do cuidado e educação infantil apresenta um marcoimportante na Constituição de 1988, que reconheceu, como um direito,a educação das crianças de zero a seis anos de idade, em creches e pré-escolas. Entretanto, apesar dos avanços ocorridos na legislação, com ainclusão da educação infantil como primeira etapa da educação básicana Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), e oestabelecimento de metas e objetivos de ampliação e melhoria dessaetapa educacional no Plano Nacional de Educação (2001), um grandeesforço deverá ser realizado nos próximos anos para que as diretrizese objetivos definidos nesses instrumentos legais sejam de fatoconcretizados.

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Considerando a importância da educação e cuidado na primeirainfância como meta fundamental da Educação para Todos, a UNESCOvem empreendendo esforço especial de cooperação internacional nessecampo. No Brasil, tem apoiado e prestado colaboração nas açõesempreendidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, nos âmbitosfederal, estadual e municipal, apoiado e realizado debates, estudos, eproduzido publicações sobre temas de interesse da área.

Dando continuidade a esta colaboração, a Representação daUNESCO no Brasil coloca à disposição da comunidade brasileira atradução para a língua portuguesa destas notas internacionais sobrePolíticas para a Primeira Infância, publicadas pela Seção de Educaçãopara a Primeira Infância e para a Família, da Divisão de EducaçãoBásica, da UNESCO-Paris. Elaboradas por consultores de instituiçõesde grande expressão ou pela própria Seção de Educação para a PrimeiraInfância e para a Família, as notas tratam de realidades diversas, incluindoora países desenvolvidos, ora países em desenvolvimento, ora ambos.Os temas abordados referem-se a questões presentes no cenáriointernacional, incluindo debates sobre a diversidade de termos utilizadosna área, a integração e a coordenação intersetorial de políticas eprogramas para a primeira infância, as transformações sociais e suasimplicações para a primeira infância, as relações entre o trabalhofeminino e a educação e o cuidado na primeira infância, o papel daspolíticas de educação e cuidado da primeira infância na igualdade deoportunidades, e o impacto da Aids sobre a educação e o cuidado naprimeira infância. Nesta edição brasileira, algumas notas sobre o mesmotópico que originalmente foram veiculadas separadamente são agrupadasem um único capítulo, visando a facilitar a leitura.

Espera-se, com esta iniciativa, contribuir para o debate das questõesrelativas à educação e cuidado na primeira infância que perpassam oscenários nacional e internacional, bem como oferecer subsídios aosque, direta ou indiretamente, estejam relacionados à formulação depolíticas públicas no setor.

Jorge WertheinDiretor da UNESCO no Brasil

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As Notas sobre Políticas para a Primeira Infância, da UNESCO, são umasérie de breves textos sobre questões relativas às políticas direcionadasà primeira infância e à família. Seu objetivo é responder às dúvidasmais freqüentes entre as instâncias de formulação política, com respei-to ao planejamento e à implementação de políticas para a primeirainfância e a família. Para maiores informações e também para a versãoeletrônica das Notas, dirigir-se a http://www.unesco. org/education/educprog/ecf/index.htm

Para comentários e informações, favor entrar em contato com:

UNESCO, Seção de Educação para a Primeira Infância e para aFamília, 7, Place de Fontenoy, 75352 PARIS 07 SP, França Fone: 33 145 68 08 12 Fax: 33 1 45 68 56 26 [email protected]

APRESENTAÇÃO

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1. PRIMEIRA INFÂNCIA – CUIDADO?DESENVOLVIMENTO? EDUCAÇÃO?*

A área da Primeira Infância1 é conhecida por diversos nomes, tantoentre países quanto dentro de um mesmo país, uma vez que as diferentespartes interessadas usam referenciais diversos. Nem mesmo osorganismos internacionais empregam um termo* escolhido de comumacordo, o que provoca debates quanto a qual termo usar, sempre queum documento é redigido conjuntamente por mais de uma instituição.Os pesquisadores vêm tentando unificar a área sob uma mesmadenominação, mas ainda sem sucesso.

O “ensino primário” também é designado por diferentes nomes(ele é chamado de ensino elementar ou básico)2, mas, ao contrário doque ocorre com o termo Primeira Infância, há uma compreensãorelativamente consensual quanto ao que ele se refere e às maneiras depraticá-lo. Os termos associados à Primeira Infância vão além de sim-ples rótulos: eles implicam diferenças em termos dos objetivos, daspráticas pedagógicas e das modalidades de prestação desses serviços,sem falar nas grandes disparidades de situação social e econômica dasequipes de profissionais em questão. A diversidade de termos é tão

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 1, de março de 2002. Elaborada e publicada pela Seção deEducação da Primeira Infância e da Família. Divisão de Educação Básica. UNESCO,Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 Primeira Infância é aqui grafado com maiúsculas para fazer distinção entre a acepção deárea profissional ou disciplina e a acepção de estágio inicial do ciclo da vida.

2 Em alguns casos, ensino elementar refere-se unicamente às primeiras séries do ensinoprimário, enquanto que este último é reservado às séries mais avançadas. Do mesmomodo, educação básica pode abranger outros níveis de educação abaixo ou acima daeducação primária, bem como outros programas não formais.

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ampla, que, muitas vezes, a própria identidade da Primeira Infânciacomo disciplina distinta é questionada.

Um dos termos comumente usados, Educação para a Primeira Infância(Early Childhood Education – ECE), tem a preferência das autoridadeseducacionais e de outros que tendem a ver a primeira infância a partirde uma ótica educacional. O aprendizado é um tema de importânciacentral, nessa tradição. Cuidado e Educação na Primeira Infância (em inglês,Early Childhood Care and Education – ECCE) é uma ampliação daECE, com o acréscimo do componente “cuidado”. A ordem podeser alterada para Educação e Cuidado na Primeira Infância (Early ChildhoodEducation and Care – ECEC), a fim de manter a ênfase na educação.Há, também, o Cuidados para a Primeira Infância (Early Childhood Care– ECC), sem o componente educacional. No mundo em desenvolvi-mento, os Cuidados para a Primeira Infância tendem a ser associados àatenção dada a saúde, nutrição e higiene da criança, ao passo que, nospaíses desenvolvidos, eles, freqüentemente, são entendidos como umserviço social prestado às mães que trabalham e têm filhos pequenos.Em termos históricos, os Cuidados para a Primeira Infância sempre foramassociados às instituições de assistência social para crianças carentes oudeficientes, enquanto a Educação para a Primeira Infância foi vista comoum serviço voltado às etapas iniciais do processo de aprendizagem dacriança.3 Numa tentativa de reafirmar que os Cuidados para a PrimeiraInfância e a Educação para a Primeira Infância são conceitos inseparáveis,os pesquisadores cunharam o termo Educare (em inglês, Education eCare). Esse termo, entretanto, permaneceu confinado à comunidadeacadêmica, não tendo ingressado no discurso político dos governos.4

Desenvolvimento da Primeira Infância (Early Childhood Development –ECD) é um outro termo que vem ganhando popularidade. Ele dáênfase a um enfoque holístico, voltado para o desenvolvimento físico,

3 Ver HADDAD, L. An integrated approach to early child education and care. Paris : UNESCO,2002. (Early childhood and family policy series.)

4 Uma exceção pode ser encontrada na África do Sul, onde o termo Educare é usadojuntamente com Desenvolvimento da Primeira Infância. (http:/www.isisa.co.za/isisa/default.htm).

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emocional, social e cognitivo da criança. Embora sua amplitude o tor-ne de difícil definição, e apesar de ele colocar o foco na criança, e nãono agente social ou no processo de cuidado ou educação, o ECD vemganhando terreno como um dos termos mais genéricos para designaressa área. Uma variante comum desse termo é Cuidados e Desenvolvimentoda Primeira Infância (Early Childhood Care and Development – ECCD),que também tenta reintegrar num mesmo conceito os cuidados, porum lado, e o desenvolvimento/educação, por outro. Há ainda uma outravariante, os Cuidados para o Desenvolvimento da Primeira Infância, que dá ênfaseaos cuidados que afetam o desenvolvimento e o aprendizado.

Muitos outros termos são usados, mas eles são ou variações ourecombinações dos três conceitos básicos – cuidados, desenvolvimentoe educação para a primeira infância – ou programas específicosformulados para eles (por exemplo, educação pré-escolar, para Educaçãopara a Primeira Infância).

Da perspectiva do desenvolvimento da criança, esses três conceitosnão podem ser tratados independentemente. O desenvolvimento daprimeira infância abrange uma série de processos de aprendizagem, aolongo dos quais a criança aprende sobre seu ambiente e sobre ela própria.É desnecessário dizer que a sobrevivência e o crescimento da criançatêm de ser assegurados, por meio do fornecimento de uma boaassistência à saúde e à nutrição. Mas o crescimento físico da criançapequena tem também de ser acompanhado de um processo deaprendizagem de qualidade adequada. Aprendizado e crescimento nãopodem ocorrer de forma seqüencial, sendo, ambos, partes integrantesdo processo de cuidar do desenvolvimento integral da criança.

Na verdade, nem sempre os Cuidados na Primeira Infância, o De-senvolvimento da Primeira Infância e a Educação na Primeira Infânciasão institucionalizados e praticados separadamente. Por exemplo, nãoé difícil encontrar um Departamento de Educação para a PrimeiraInfância que tenha sob sua responsabilidade todo o espectro deprogramas para a primeira infância, incluindo creches para criançasmenores de três anos e jardins de infância para crianças de idade umpouco superior. Na maioria dos países desenvolvidos, o ensino nos

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jardins de infância é centrado na criança, dando ênfase a seu desenvol-vimento integral. Nesses casos, não haveria necessidade de distinguir aEducação para a Primeira Infância do Desenvolvimento da PrimeiraInfância. Em alguns países em transição5, educação pré-escolar é umtermo genérico para os programas destinados à primeira infância, in-clusive para as crianças menores de três anos, que, em outros países,seriam classificados como Cuidados na Primeira Infância.

Na política institucional, a questão das diferentes denominações acabapor se converter em um ponto de controvérsia. Os organismos dãopreferência a um termo ou a outro dependendo das funçõesinstitucionais que lhes são atribuídas. Essas discrepâncias encontradasentre os diferentes organismos – e não a maneira de encarar a psicolo-gia ou o desenvolvimento infantil – não raro são difíceis de conciliar.No nível nacional, é possível que o Ministério da Educação dê preferênciaao termo Educação para a Primeira Infância, uma vez que é mais fáciljustificar a participação e os investimentos em educação que na assis-tência a crianças pequenas. Caso o Ministério estabeleça uma distinçãoentre Educação para a Primeira Infância, Cuidados com a PrimeiraInfância e Desenvolvimento da Primeira Infância, isso talvez se deva àsua intenção de atribuir responsabilidades diferentes a diferentes setores.Nesse particular, não é mera coincidência que, em alguns países emdesenvolvimento, o Desenvolvimento da Primeira Infância freqüen-temente venha acompanhado de estratégias de mobilização comunitáriae de arrecadação de contribuições voluntárias, enquanto as verbaspúblicas são prioritariamente direcionadas à Educação para a PrimeiraInfância. Os educadores que trabalham fora do campo da Educaçãopara a Primeira Infância têm menores possibilidades de ser chamadosde professores, uma vez que essa denominação implicaria um certonível de remuneração, a ser paga pelo governo, para a qual, na maioriados países em desenvolvimento, não haveria disponibilidadeorçamentária.

Dada a natureza multifacetada da primeira infância, a existência dediversas denominações talvez seja mesmo inevitável. O âmbito dos

5 Na antiga União Soviética.

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interesses institucionais é de tal amplitude que, talvez, chegar a um termoúnico seja de fato uma tentativa vã. Além disso, o mesmo termo podeser interpretado de formas diferentes em diferentes contextos sociais,culturais e lingüísticos, e o conceito de primeira infância, ou “primeirainfância” como um construto da formulação de políticas, varia,dependendo da idade de ingresso na escola. Comparar esses diferentesconceitos, para não falar em unificá-los, portanto, talvez seja uma tentativainfrutífera. Nesse sentido, insistir na necessidade de um termo consensualtalvez não represente um esforço construtivo, uma vez que o que realmenteprecisamos é compreender o âmbito geral da Primeira Infância. Nascomparações internacionais, o mais importante seria uma definiçãooperacional capaz de caracterizar as políticas adotadas pelos diferentespaíses, independentemente dos termos em uso. E mais importante ainda,esse foco na terminologia da Primeira Infância pode desviar nossa aten-ção de outras questões igualmente importantes, tais como a maneira pelaqual os serviços destinados à primeira infância, seja qual for a denominaçãodada a eles, se relacionam a outros serviços educacionais e sociais desti-nados a crianças em idade escolar.

Mesmo deixando de lado as rotulações, alguns pontos fundamentaisdevem ser ressaltados.

Em primeiro lugar, o principal objetivo de qualquer programa volta-do para a primeira infância deve ser o bem-estar e o desenvolvimentointegral da criança e, independentemente do contexto institucional, oprograma deve incorporar uma prática adequada, em termos de de-senvolvimento, que trate da saúde, da nutrição, da segurança e da apren-dizagem. Na verdade, contanto que esse enfoque holístico seja postoem prática, o contexto físico ou institucional de um programa é depouca importância. Em segundo lugar, à medida que as crianças crescem,elas podem passar de um programa a outro, programas esses quepodem receber nomes diferentes e pertencer ao âmbito de ministériosdiferentes. Mas esses programas têm de manter entre si continuidade eintegridade pedagógica, embora não necessariamente institucional. Emterceiro lugar, deve haver o máximo de coordenação possível dasuperposição de programas direcionados para a mesma faixa etária,que recebem nomes diferentes. Uma tal superpo-sição pode vir a

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provocar ineficiência administrativa e desperdício de recursos. Por últi-mo, mas não menos importante, é que, independentemente do nomeque lhe for dado, o programa para o estágio que precede o ensinoprimário deve ser formulado de modo a facilitar a preparação dacriança para o ingresso na escola e sua transição para o ensino formal.A continuidade pedagógica entre o último ano do programa voltadopara a primeira infância e o primeiro ano da escolaridade formal é damaior importância.

A questão das denominações não é puramente conceitual, nemlimitada às discussões teóricas sobre o desenvolvimento infantil. Aocontrário, ela está inseparavelmente vinculada, entre outras coisas, àsresponsabilidades institucionais e às atribuições das partes interessadas,que não podem ser tratadas de forma eficaz sem uma clara posturapolítica com relação às questões da Primeira Infância.

A formulação de uma posição que envolva todos os setores dogoverno, ou que possa ser subscrita por todas as partes interessadas,com relação às denominações a serem usadas, talvez seja um bomponto de partida para o desenvolvimento de políticas voltadas para aPrimeira Infância.

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2. A INTEGRAÇÃO DA PRIMEIRA NFÂNCIANA EDUCAÇÃO: O CASO DA SUÉCIA*

Em 1996, a responsabilidade governamental pelo Cuidado dasCrianças1, na Suécia, foi transferida do Ministério da Saúde e AssuntosSociais para o Ministério da Educação e Ciência. Durante esse processo,turmas de Pré-Escola foram criadas para crianças de seis anos, passandoa fazer parte do sistema de ensino compulsório2 e usando o mesmocurrículo das escolas primárias. As pré-escolas, que antes da transiçãoatendiam a crianças de um a seis anos, converteram-se no nível inicialdo sistema educacional do país, atendendo a crianças de um a cincoanos,3 tendo seu próprio currículo nacional.4 O governo, além disso,ampliou o direito à educação pré-escolar, oferecendo-a a todas as cri-

* Notas sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 3, de maio de 2002. Elaborada e publicada pela Seção deEducação da Primeira Infância e da Família. Divisão de Educação Básica. UNESCO,Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm). Este textobaseou-se no estudo sobre o sistema integrado para a primeira infância da Suécia,realizado por Hillevi Lens Taguchi, Instituto de Educação de Estocolmo, e IngmarieMinkammar, da Universidade de Tecnologia de Lulea.

1 O Cuidado das Crianças, na Suécia, refere-se tanto às atividades pré-escolares paracrianças de um a cinco anos quanto a serviços de cuidados para crianças em idadeescolar, entre seis e 12 anos.

2 Essa decisão representou mais uma renomeação da educação pré-primária existenteque a criação de um novo programa. Nos termos da Lei Nacional das Pré-Escolas,de 1975, foi exigido dos municípios que oferecessem a todas as crianças de seis anosde idade pelo menos 525 horas anuais de atividades pré-escolares. A maioria dascrianças de seis anos, na Suécia, freqüentou esse programa de educação pré-primárianas pré-escolas. A partir dessa decisão, o programa foi convertido nas Turmas dePré-Escola e desmembrado das pré-escolas. As Turmas de Pré-Escola já não fazemmais parte do ensino pré-escolar, termo esse que hoje é reservado para os cuidadose a educação da primeira infância, destinado a crianças de um a cinco anos.

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anças, independentemente da situação empregatícia de seus pais.5 Umaoutra reforma compensou as disparidades entre as diferentes categori-as de professores, fornecendo uma estrutura unificada de treinamentopara professores de pré-escolas, de escolas e para pedagogos de horasde lazer.6 As normas e regulamentos do cuidado das crianças, na Suécia,são hoje regidos pela lei educacional (School Act).

A transição foi relativamente simples e aconteceu sem maiores difi-culdades em seus estágios finais.7 Os estágios preliminares, contudo,provocaram debates e apreensão. Uma das fontes de resistência foi omedo de que a pré-escola viesse a se tornar formalizada, como ocor-reu em outros países. Os acadêmicos se preocupavam que a pedagogiada pré-escola viesse a perder sua ênfase no brincar, nas estratégias natu-rais do aprendizado infantil e no desenvolvimento integral. As pessoasque trabalhavam no setor de cuidados temiam que o foco das ativida-des pré-escolares poderia ser maciçamente transferido para a educa-ção e interpretaram a integração como uma ameaça à sua profissão.

3 Na Suécia, os serviços de cuidados para crianças, fora de casa, começam com um anode idade, sendo que as mais novas são cuidadas em casa, por seus pais, que sebeneficiam da licença-maternidade/paternidade patrocinada pelo governo.

4 As atividades pré-escolares, na Suécia, também são fornecidas em Creches Familiares e emPré-Escolas Abertas. Mas esses serviços não fazem parte do sistema educacional e nãoseguem as diretrizes do Currículo Nacional para as Pré-Escolas.

5 A partir de 2001, os filhos de pais desempregados também passaram a ter direito a trêshoras diárias de educação pré-escolar. Anteriormente, apenas os filhos de pais quetrabalhavam ou estudavam tinham acesso à educação pré-escolar. As criançasportadoras de necessidades especiais sempre têm direito prioritário.

6 Anteriormente, os professores de pré-escola e os pedagogos de horas de lazer recebiamtreinamento de três anos de duração em universidades, enquanto o período detreinamento dos professores de escola era de três anos e meio. Hoje, todas essascategorias recebem treinamento universitário de três anos e meio.

7 No nível central, a transição envolveu a transferência do departamento da primeirainfância do Ministério da Saúde e Assuntos Sociais para o Ministério da Educação eCiência, que ocorreu sem grandes conflitos. No nível local, a mudança foi ainda maistranqüila, uma vez que os municípios já haviam integrado suas estruturas administrativas,tais como conselhos conjuntos para escolas e pré-escolas. Diz-se que o processo dedescentralização, no qual o município tornou-se o empregador dos professores, tanto dasescolas como das pré-escolas, facilitou essa integração.

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Elas temiam também que o cuidado das crianças, que no Ministério daSaúde e Assuntos Sociais recebia alta prioridade, como uma política deapoio à família, viesse a perder sua primazia e ser relegado a umaposição marginalizada, no setor da educação.

As observações feitas até o presente sugerem resultados mistos. Algumtipo de formalização de fato ocorreu, mas há também sinais de que ostemores eram exagerados. No que diz respeito à turma de pré-escola paracrianças de seis anos, hoje funcionando nas escolas, a influência da pedago-gia escolar foi evidente. Um estudo de avaliação, realizado em âmbitonacional, revela que os professores organizam suas atividades de maneiraformal, com base em seus conceitos do que a escolarização formal é oudeveria ser. Em alguns casos, suas idéias sobre escolarização formal sãomais rígidas do que as dos próprios professores das escolas primárias. Asautoridades educacionais do país vêm fazendo recomendações no sentidode corrigir esses problemas, incentivando os professores de pré-escola adar maior atenção ao desenvolvimento holístico das crianças. No entanto,essa formalização não foi observada nas pré-escolas para crianças de um acinco anos. Ao contrário, com a transferência das crianças de seis anos paraas turmas de pré-escola, as pré-escolas, liberadas da responsabilidade pelaeducação pré-primária, puderam se concentrar mais em enfoques de de-senvolvimento, nas atividades voltadas para as crianças de um a cinco anos.8

Com relação aos investimentos, além de liberar as pré-escolas da res-ponsabilidade pelas crianças de seis anos,9 o governo, em tempos recentes,anunciou duas medidas importantes para reduzir as mensalidades das pré-escolas10 e oferecer ensino pré-escolar gratuito para todas as crianças de

8 O novo currículo nacional para pré-escolas dá ênfase ao aprendizado, o que é vistopelos professores de pré-escola como algo “novo”. Mas há poucos indícios de queessa ênfase na aprendizagem tenha prejudicado os enfoques e as práticas pedagógi-cas embasados no desenvolvimento infantil.

9 A participação nas turmas de pré-escola é voluntária, mas os municípios são obrigados aoferecer vagas gratuitas para as crianças que desejam se matricular. As crianças cujos paistrabalham ou estudam ou as que exigem cuidados especiais têm direito às vagas gratuitas.

10 Ao estabelecer um teto para a taxa a ser cobrada pelas pré-escolas para crianças de uma cinco anos, o governo uniformizou as diferentes taxas cobradas pelos municípios.Essa medida reduziu de fato as mensalidades de pré-escola para todas as famílias.

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quatro a cinco anos, a partir de 2003, confirmando seu compromisso deuniversalizar o ensino pré-escolar. Essas medidas aplacaram os temores deque o ensino pré-escolar, ao ser transferido para o setor de educação,receberia baixa prioridade em termos de investimentos. Pelo contrário,com a integração do ensino pré-escolar no sistema educacional, o argu-mento de que ele deveria estar disponível a todas as crianças, como direitoda criança, mais que como direito dos pais, conferiu-lhe maior legitimida-de, resultando em um aumento dos investimentos públicos.

Além do mais, as escolas primárias vêm-se tornando mais semelhantesàs pré-escolas, e mais voltadas para o desenvolvimento integral dos alunos.Embora o conceito convencional de escolarização ainda prevaleça, éconsenso geral que as escolas suecas de hoje sejam vistas como lugaresonde as crianças de idade escolar são cuidadas de forma integral enquan-to seus pais trabalham. Cada vez mais, as escolas vêm-se tornandosubstitutas do ambiente familiar para as crianças de idade escolar, comoas pré-escolas já eram para as crianças mais novas, onde os professores eos profissionais de cuidados infantis colaboram para assegurar seu de-senvolvimento integral. No passado, as escolas tendiam a se omitir quantoaos problemas emocionais, sociais, de comportamento e de saúde dosalunos, que não eram vistos como atribuição dos professores, cuja prin-cipal tarefa era a de cuidar das questões “educacionais”. Mas, hoje emdia, os professores começaram a falar da situação e do progresso do“desenvolvimento” dos alunos, e não apenas de seu desempenhoacadêmico, e, cada vez mais, vêm dando atenção à necessidade de coo-perar de maneira mais estreita com os pais.

Essa integração ascendente, na qual as pré-escolas vêm influenciandoas escolas, é surpreendente para as pessoas de fora, uma vez que o quecostuma ser esperado é exatamente o oposto. Ela também é significativa,na medida em que sinaliza o início de mudanças há muito esperadas nasescolas, em favor de uma estrutura de aprendizado ao longo de toda avida, que coloque forte ênfase no aluno. Na mesma medida em que sãoinesperadas e significativas, essas mudanças também são complexas, emtermos de como elas ocorreram. Elas são o resultado de um conjuntode políticas que têm origem não apenas no setor educacional, mas tam-bém nos setores sociais e econômicos, para não mencionar os fatores

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financeiros e ideológicos. As reformas e suas conseqüências têm de servistas nesse contexto mais amplo. Mas é significativo que essa integraçãoascendente tenha sido, afinal de contas, uma meta política, estabelecida eperseguida de forma explícita pelo governo, como ilustrado a seguir.

Na década de 80, quando o governo tentou reduzir a idade de in-gresso na escola, as pessoas objetaram, vendo essa idéia como uma ten-tativa de encurtar a primeira infância, que os suecos vêem como a faseáurea da vida. A proposta foi rejeitada, e o enfoque adotado, desdeentão, foi o de importar para as escolas a pedagogia da pré-escola, maisdo que ampliar o ensino escolar para abranger as crianças mais jovens.Em 1991, quando foi votado o projeto de lei sobre a Flexibilização daIdade de Ingresso na Escola, permitindo que crianças de seis anos deidade iniciassem sua escolarização, caso fosse da vontade de seus pais, oministro da educação ressaltou que o desenvolvimento integral das crian-ças deveria ser uma preocupação de todos os professores, enfatizandoque esse desenvolvimento integral era importante não apenas para osalunos mais jovens, mas também para seus colegas mais velhos. Em1996, quando o primeiro-ministro divulgou sua idéia de educação aolongo de toda a vida, para a Suécia, ele afirmou que o ensino pré-escolardeveria ser parte dessa visão da educação, e que ela deveria exercer influ-ência sobre o ensino escolar, ao menos em seus primeiros anos.

Essas declarações públicas foram acompanhadas de ações políticasconcretas, visando a levar a pedagogia da pré-escola para as escolasprimárias. Um estudo nacional, realizado em 1994, “As Bases doAprendizado por Toda a Vida: Uma Escola Voltada para a Maturidadedas Crianças”, incentivava as escolas suecas a se tornarem mais sensíveisàs necessidades e estilos de aprendi-zagem de cada criança,individualmente. Seu argumento era que a integração das pré-escolas nasescolas permitiu que as primeiras transformassem as últimas. Esse pontofoi devidamente levado em consideração na revisão dos currículos esco-lares11, que incorporaram muitas das práticas pedagógicas das pré-esco-

11 Essa revisão foi necessária para abranger as turmas de pré-escola para crianças deseis anos e os Centros de Horas de Lazer, uma das principais formas de serviços decuidados infantis para as crianças de idade escolar integradas às escolas em 1991.

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12 O sistema educacional (formal) é um subconjunto do sistema de educação contínua,que envolve não apenas o aprendizado formal, mas também o não formal e oinformal.

13 A definição da infância, segundo a Convenção dos Direitos da Criança.

las. O aprendizado veio a substituir o ensino, transferindo o foco sobre osprofessores para o foco nos alunos. As atividades artísticas e o brincar,de importância central nas atividades pré-escolares, foram reconhecidoscomo meios importantes de aprendizagem e comunicação para as criançasde idade escolar. Estabelecendo essas atividades como metas pedagógicasda escola, o currículo revisado facilitou a integração ascendente.

Os cuidados e a educação para a primeira infância muitas vezes sãovistos como a última fronteira a ser conquistada, para que completemoso quadro de um sistema educacional capaz de promover o aprendizadopermanente,12 que deve começar a partir do nascimento. Desse pontode vista, a primeira infância é um elo que falta, uma vez que, na maioriados casos, ele não faz parte do sistema educacional dos países, ou doenfoque do aprendizado por toda a vida. A experiência sueca mostraque esse elo faltante tem o potencial de galvanizar os esforços de um paísno sentido de tornar as escolas mais centradas no aluno, de modo aprovocar uma mudança de paradigma, na qual cuidados, desenvolvimento e apren-dizagem não mais serão conceitos alheios ao conceito de educação. Masessa integração não implica, necessariamente, que tenhamos de encontraresse elo faltante e encaixá-lo na estrutura existente, ou que um setor tenhade absorver o outro – principalmente, as escolas absorvendo as pré-escolas. É perfeitamente possível que escolas e pré-escolas venham aconstruir uma visão comum dos cuidados, do desenvolvimento e doaprendizado das crianças.

O mais importante é que a reforma sueca dos cuidados para ascrianças representa para nós um desafio, incitando-nos a ir além daprimeira infância e a desenvolver uma abordagem nova e holística dotrabalho com crianças, que irá abranger seu desenvolvimento e suaaprendizagem segundo um conceito unificado de infância, indo donascimento aos 18 anos de idade,13 do qual a primeira infância é parteintegrante e indispensável.

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3. RELAÇÃO ENTRE MULHERES,TRABALHO E PRIMEIRA INFÂNCIA:PAÍSES ESENVOLVIDOS E EMDESENVOLVIMENTO*

O tópico é tratado em duas partes. A primeira parte cobre a relaçãoentre as mulheres trabalhadoras e as políticas governamentais voltadaspara a assistência aos filhos pequenos de pais que trabalham. A hipóte-se apresentada é que essa relação talvez não seja tão pronunciada nospaíses em desenvolvimento quanto o é nos países desenvolvidos, emrazão da diferença entre as situações empregatícias das mães quetrabalham, nessas duas regiões. Dados relativos aos países desenvolvi-dos são apresentados e discutidos, e os dados sobre o emprego femi-nino nos países em desenvolvimento, bem como uma discussão sobresuas implicações no tocante à primeira infância e às políticas de assis-tência à família, são tratados na segunda parte.

3.1 – TRABALHO FEMININO E SERVIÇOS PARA APRIMEIRA INFÂNCIA

Tanto os cuidados e a educação para a primeira infância quanto osbenefícios e serviços1 direcionados aos pais com filhos pequenos, nos

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 4, de junho de 2002, e número 5, de julho-agosto de 2002.Elaboradas pela Seção de Educação da Primeira Infância e da Família. Divisão deEducação Básica. UNESCO, Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm). O material de referência foi fornecido pela Dra Val Podmore, daVictoria University, da Nova Zelândia.

1 Licenças-maternidade, paternidade ou parental; benefícios fiscais; auxílio financeiroàs crianças; etc.

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países industrializados, se desenvolveram pari passu com o aumento daparticipação das mulheres no mercado de trabalho. Na medida emque um número maior de mães trabalha fora, coloca-se a questão decomo cuidar das crianças pequenas deixadas em casa.

Nos países desenvolvidos, as respostas dos governos à necessidadee à demanda de cuidados e educação para a primeira infância e debenefícios e serviços destinados às famílias dessas crianças, nemsempre foram uniformes. Os países com fortes convicções relativasà igualdade entre os gêneros e à democracia social (os países nórdicos,por exemplo) reagiram de maneira rápida e positiva, com medidasdestinadas a reconciliar as neces-sidades do trabalho e da família.Porém, os países caracterizados por ideologias liberais e orientadaspara o mercado (os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália,por exemplo) tenderam, até tempos recentes, a deixar a questão acargo das famílias, minimizando a participação do governo. Osenfoques também variam. Alguns países concentraram-se na assis-tência aos pais (tanto pais quanto mães) e, outros, em oferecer serviçosvoltados para as crianças.

Nos países industrializados, o emprego feminino decerto que nãofoi o único fator a exercer influência sobre o desen-volvimento doscuidados e da educação para a primeira infância e dos benefícios eserviços destinados às famílias. A proteção às crianças foi umapreocupação que ganhou importância em inícios do século XX,juntamente com o aprimoramento do desen-volvimento das criançase a necessidade de prepará-las para a escola primária. Em tempos maisrecentes, a crescente valorização da educação, como base para oaprendizado permanente da criança, levou muitos países desenvolvi-dos a voltar sua atenção política a esses temas.

No mínimo, a presença de um maior número de mães trabalhadorasconscientizou os governos quanto às questões relativas aos cuidados eà educação para a primeira infância e aos benefícios e serviços destinadosàs famílias, que, anteriormente, eram vistos como assuntos da alçadaparticular das famílias. Em muitos casos, o crescimento da força detrabalho feminina levou os governos a examinar esses temas de maneira

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mais minuciosa, em todos os setores das políticas públicas.2 Não há dúvida deque a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho éuma das razões mais freqüentemente mencionadas para justificar aparticipação dos governos nesse setor.3

Com o envelhecimento e o decréscimo de suas populações, aexpansão de seu setor de serviços e o aumento do nível educacionaldas mulheres, é provável que os países desenvolvidos assistam a umcrescimento ainda mais rápido do emprego feminino, e as políticaspara reconciliar as responsabilidades do trabalho e da família continuarãoa ser de importância crítica para suas estratégias econômicas e sociais.4A causalidade entre o emprego feminino e a expansão dos cuidados eda educação para a primeira infância e dos benefícios e serviçosdestinados às famílias dessas crianças é de difícil quantificação, mas ainter-relação é indiscutível.

Será possível esperar que o mesmo venha a ocorrer nos países emdesenvolvimento, com o crescimento do emprego feminino estimu-landoa preocupação e o apoio dos governos ao desenvolvimento dos cuidadose da educação para a primeira infância e dos benefícios e serviços desti-nados às famílias com filhos pequenos? Antes de responder a essa per-gunta, temos de entender um aspecto particular do vínculo entre oemprego feminino e as políticas dessa natureza. O fato é que a demandaexplícita por esses serviços e benefícios não se manifesta em todos os tipos deemprego feminino, mas, principalmente, naqueles que exigem que a mãese ausente de casa, impossibilitando-a de desempenhar o papel de cuidarda casa e da família em tempo integral. Falando em termos de situação

2 CALLISTER, P.; PODMORE, V. N. Striking a balance: families, work and earlychildhood education. Wellington: New Zealand Council for Education Research,1995.

3 OLMSTED, P.; WEIKART, D. (1989). How nations serve young children: profiles ofchild care and education in 14 countries. Michigan: The High/Scope Press, 1989.OECD. Early Childhood education and care policy in the Netherlands, Portugal,the US, and Sweden. OECD Country Notes, 1999. Disponível em <http://www.oecd.org>. STARFIELD, B. Starting strong: early childhood education andcare. (2001). Paris: OECD, 2001.

4 OECD. OECD employment outlook, 2000 (2001). Paris: OECD, 2001.

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empregatícia, o trabalho assalariado tem maiores probabilidades de au-mentar a demanda por cuidados e educação para a primeira infância epor benefícios e serviços destinados às famílias dessas crianças do que otrabalho de colaboração familiar não-remunerada.5

Isso, obviamente, não significa que as mães que trabalham ematividades não-assalariadas, ou que trabalham em casa ou na vizinhança,não tenham necessidade de cuidados e educação para a primeira infânciae de benefícios e serviços destinados à família. Na verdade, qualquermãe trabalhadora, independentemente do tipo de trabalho exercidopor ela, arca com a sobrecarga de acumular as duas responsabilidades,no mínimo mais do que ocorreria com um pai, na mesma situação. E,tendo em vista as maiores dificuldades muitas vezes enfrentadas pelostrabalhadores não-assalariados (por exemplo, jornada de trabalho maislonga e irregular, trabalho intensivo de mão-de-obra, sazonal e de baixaremuneração), sem falar do fator da pobreza, é possível que, no casodas mães não-assalariadas, a necessidade de cuidados e educação para aprimeira infância e de benefícios e serviços destinados às famílias sejaequivalente, se não maior que a das mães assalariadas.

5 Estas são as três grandes categorias da situação empregatícia reconhecidas pela OIT:“Empregados são todos os trabalhadores que têm empregos definidos como trabalhoassalariado, onde os funcionários em questão têm contratos empregatícios explícitosou implícitos que lhes dão uma remuneração básica que não seja diretamente dependentedos rendimentos da unidade para a qual eles trabalham.” Os trabalhadores autônomossão “aqueles cuja remuneração depende diretamente dos lucros derivados da produçãode bens e serviços e, como tal, podem contratar uma ou mais pessoas para trabalharpara eles”. Os que trabalham em regime de colaboração familiar são “aqueles que têmum trabalho autônomo em um estabelecimento voltado para o mercado, administra-do por um parente que mora na mesma casa”. O trabalhador familiar não-remuneradotrabalha “sem remuneração em um negócio administrado por um parente que mora namesma casa”. Uma alta proporção dos trabalhadores que operam ndependentemente,administrando sua própria empresa, indica um crescimento lento do setor formal e umcrescimento rápido do setor informal do mercado de trabalho. Uma alta proporção depessoas que trabalham em atividades familiares não-remuneradas está associada adesenvolvimento lento, mercado de trabalho fraco e economia rural. Uma economiaque apresenta um setor informal de grandes proporções tende a ter uma maiorproporção de trabalho autônomo e de trabalho familiar não-remunerado. ILO. Key –indicators of the labour market, 2001-2002. Geneva: OIT, 2003.

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Mas uma distinção tem de ser feita entre a demanda e a necessidadede cuidados e educação para a primeira infância e de benefícios e ser-viços destinados a suas famílias. Uma necessidade não se traduz, neces-sariamente, em demanda, a não ser que o agente responsável pela ofertaseja levado a perceber essa necessidade e sinta-se obrigado a atendê-la.Quanto a isso, o trabalho assalariado é mais vantajoso que o trabalhoautônomo ou o trabalho de colaboração familiar não-remunerada, nosentido de que ele tem maiores probabilidades de ser reconhecido comotrabalho. Além disso, ele acontece em ambientes onde a ação coletiva eas negociações visando ao bem-estar dos trabalhadores é possível emais freqüente. Desse ponto de vista, se a mãe tem um emprego queela exerce em casa ou na vizinhança, a demanda explícita por cuidadose educação para a primeira infância e por benefícios e serviços destina-dos à família não seria tão grande quanto se ela trabalhasse fora decasa, apesar de a necessidade não ser menor.

Da perspectiva única da situação empregatícia da mulher6, a ques-tão de se os países em desenvolvimento seguirão o padrão estabeleci-do pelos países desenvolvidos, em termos de cuidados e educaçãopara a primeira infância e de benefícios e serviços destinados às famí-lias dessas crianças, parece admitir respostas tanto positivas quanto ne-gativas. As pesquisas de mercado de trabalho prevêem que os paísesem desenvolvimento tendem a, futuramente, adotar um padrão demudanças na participação da força de trabalho semelhante ao dos pa-íses desenvolvidos.7 Os dados mostram que as trabalhadoras dos paí-ses em desenvolvimento estão, de fato, se afastando do setor informal(por exemplo, na agricultura), indo para a indústria, os serviços e ocomércio, e passando do trabalho de colaboração familiar não-remu-

6 A demanda explícita por cuidados e educação na primeira infância e benefícios eserviços para a família também pode ser influenciada pela existência de outraspessoas da família dispostas a tomar conta das crianças enquanto os pais estãotrabalhando fora, pelas atitudes culturais e pelas tradições com relação às mulherese à sua participação social, e também pelo grau de percepção que as mulheres têm deque sua situação é função de sua condição de ser mães, para não falar do sistemaideológico e político do país.

7 ILO. Op. cit..

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nerada para o trabalho assalariado.8 Prevê-se, desse modo, que, nospaíses em desenvolvimento, o número de mulheres que trabalham forade casa virá a crescer, com um aumento correspondente das necessida-des explícitas e, o que é mais importante, da demanda por cuidados eeducação para a primeira infância e por benefícios e serviços destina-dos às famílias dessas crianças.

No entanto, o vínculo entre o emprego feminino e o apoiogovernamental a esses serviços e benefícios, nos países em desen-volvimento, tende a se solidificar de forma mais lenta. Esse prog-nóstico pouco tem a ver com o tamanho real da força de traba-lho feminina nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, umavez que não há diferença particular entre eles. Por exemplo, em1998, a força de trabalho feminina, como percentual da força detrabalho total nos países de baixa renda, de renda média, de rendabaixa e média e de alta renda era de 40,6%, 38,6%, 40,1% e 42%,respectivamente.9

Considerando a situação do emprego feminino, entretanto, uma grandedisparidade é verificada entre norte e sul, o que, ao que se supõe, explicariaa diferença entre a demanda explícita por cuidados e educação para aprimeira infância e por benefícios e serviços destinados às famílias dessascrianças, nessas duas regiões. Nos países desenvolvidos, a maioria dasmulheres trabalha em empregos assalariados, ao passo que, nos paísesem desenvolvimento, principalmente na Ásia-Pacífico e na África, amaioria delas, ao que tudo indica, exerce trabalhos não-remuneradosde cooperação familiar. Nos países desenvolvidos, a participação das

8 Essa tendência é particularmente pronunciada na América Latina e no Caribe.9 Indicadores Mundiais de Desenvolvimento (2002). Banco Mundial. Quando são comparados

os índices de participação das mulheres entre 24 e 54 anos na força de trabalho, ospaíses em desenvolvimento apresentam um índice ainda maior que o dos países desen-volvidos: a média dos 21 países em desenvolvimento com relação à situação de BaixoDesenvolvimento Humano, identificada no Relatório sobre Desenvolvimento Hu-mano de 2001 (PNUD) para os anos de 1995-2000 foi de 78.4%, ao passo que, nospaíses desenvolvidos, em 1999-2000 (com exceção da Grécia, cujos dados são de1998) a média foi de 72%. Dados calculados com base em ILO. Op. cit..

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mulheres no mercado de trabalho começou com empregos remune-rados em fábricas, escritórios e atividades de serviços, que surgiram àmedida que a industrialização se disseminava pela maior parte da Eu-ropa Ocidental e da América do Norte, em inícios do século XX.Como mostrado na tabela 1 a seguir, a maioria das mulheres trabalha-doras, nos países desenvolvidos, já alcançou condição assalariada.

Tabela 1: População Feminina Economicamente Ativa por Setor emPaíses Desenvolvidos Selecionados (1946-1960), como % da

totalidade do setor10

No caso da Noruega, 88,4% das mulheres economicamente ativas,em 1946, eram assalariadas, e esse índice foi alcançado apesar de aparticipação total das mulheres na força de trabalho ser de menos de25%,12 o que sugere que o trabalho assalariado foi o que, desde o início,atraiu as mulheres para o mercado de trabalho. Também é interessantedestacar que a Noruega e a Suécia, dois dos países mais desenvolvidosem termos de apoio governamental aos cuidados e à educação para a

Fonte: OIT. Anuário de Estatísticas do Trabalho: edição retrospectiva sobrecensos populacionais. 1945-1989. Genebra: OIT, 1990.

10 Calculados a partir de dados fornecidos no Anuário. Dados sobre outros paísesdesenvolvidos que não estão incluídos na Tabela apresentam o mesmo padrão.

11 Empregador/trabalhador autônomo é a pessoa que administra seu próprio negócio,ou pratica de forma independente uma profissão ou negócio.

12 Os índices da população feminina economicamente ativa como porcentagem dototal nos outros países, nos anos mencionados. foram: 39,3% (Finlândia), 34%(França), 37% (Alemanha), 25,4% (Itália) e 29,7% (Suécia).

11

Discriminação setorial País

Ano Empregadores/

trabalhadores autônomos

Empregados assalariados

Trabalhadores familiares não-remunerados

Sem classificação

Finlândia 1960 8,9 64,7 26,2 – França 1954 13,8 58,0 25,9 2,1 Alemanha 1961 7,3 70,6 22,0 – Itália 1951 11,0 58,0 24,2 6,7 Noruega 1946 11,5 88,4 – – Suécia 1950 10,6 83,8 5,1 0,4

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13 Em dados de séries temporais, cobrindo o período de 1990 a 1997, com valor médiode 1,3% (Austrália), variando entre 0,2% (Estados Unidos) e 24% (Grécia). Referência:ILO. World Employment Report: life at work in the information economy (2001).Genebra: OIT, p. 21. In: OECD. OECD: employment outlook 2000. Op. cit. p. 21.

14 WORLD BANK. African Development Indicators (2002). Washington, DC: World Bank, 2002.

3.2 – SITUAÇÃO EMPREGATÍCIA DAS MULHERES NOSPAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E IMPLI-CAÇÕESPARA POLÍTICAS PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA

A maior parte das trabalhadoras mulheres, nos países em desenvol-vimento, particularmente na região Ásia/Pacífico e na África, não tem empregosassalariados. Nessas regiões, as mulheres trabalham principalmente na agri-cultura, na condição de trabalhadoras em atividades familiares não-remune-radas. Na África Subsaariana, a maioria da população feminina economica-mente ativa trabalha na agricultura (68%).14 Na Ásia e no Pacífico, essa tendênciaé tão mais pronunciada quanto mais baixo for o nível de renda do país,sendo que, nos países menos desenvolvidos da região, cerca de 78% dastrabalhadoras mulheres estão empregadas na agricultura (tabela 2).

Segundo os dados disponíveis sobre a situação empregatícia em algunspaíses em desenvolvimento, as trabalhadoras com empregos assalariadosperfazem menos de 10% do total (tabela 3). A preponderância dastrabalhadoras mulheres nos empregos não-assalariados, contudo, não éuniforme em todos os países em desenvolvimento. Na América Latina eno Caribe, a proporção de mulheres que trabalham sem remuneraçãoem atividades familiares caiu consideravelmente, sendo que, hoje, a maioriadas mulheres é ou assalariada ou autônoma. Mas o florescimento do

primeira infância e aos benefícios e serviços destinados às famílias des-sas crianças, tinham os maiores índices de mulheres trabalhando ematividades assalariadas. Em 1985, na Suécia, a população de mulhereseconomicamente ativas trabalhando em base assalariada já alcançava96,5%. Segundo dados recentes da OCDE, a proporção do trabalhofeminino em atividades familiares não-remuneradas tem caído de for-ma constante, em 11 de seus 13 países-membros.13

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setor informal nessa região17 sugere que muitas mulheres contadas comoassalariadas talvez não tenham situações empregatícias regularizadas, masse encontrem em situações marginais, como as que trabalham em casaou são trabalhadoras domésticas ou eventuais.

Tabela 3: Emprego de mulheres por situação empregatícia empaíses em desenvolvimento selecionados (1991-97), como % da

situação empregatícia total

15 Calculados com base nos dados apresentados na referência citada.16 CESAP – Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacifico, o braço regional do

Secretariado das Nações Unidas para a região Ásia/Pacifico, com 52 estados-membros(e nove membros associados).

17 De 47,4%, em 1990, para 50%, em 1998. ILO. World employment report: Life at workin the information economy. Op. cit.

Tabela 2: Força de Trabalho Feminina por Divisão Industrial na Ásia eno Pacífico (1990), como % da totalidade dos setores15

Fonte: UNITED NATIONS. Statistics on women in Asia and the Pacific, 1999.ILO. Economically active population, 1950-2010. Genebra: OIT, 1996. UNFPA.World population prospect: the 1998 revision, New York: UNFPA, 1999.

Fonte: OIT. Key-Indicators of the labour market, 2001-02. Op. cit..

Situação de Emprego País

Ano

Assalariadas

Autônomas Trabalhadoras em

Colaboração Familiar

Bangladesh 1991 1996

5,,2 8,7

6,4 7,8

83,3 77,3

Benin 1992 2,6 63,8 28,6 Etiópia 1994

1999 4,0 6,8

25,4 33,1

69,6 59,5

Uganda 1991 1994

4,6 6,7

25,4 39,1

53,3 54,0

Setor Econômico Grupo de Renda Agricultura Indústria Serviços

Menos desenvolvido 77,8 13,5 8,6 Baixa renda 73,7 14,2 11,9 Renda média 65,7 15,3 18,8 Alta renda 9,9 26,4 63,5 Total para a Cesap 64,6 15,7 19,6 16

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Nos países em desenvolvimento, supõe-se que a proporção demulheres que trabalham em situação não-assalariada seja maior que asugerida pelos dados disponíveis. Na maioria dos países, as estatísticassobre o setor informal provêm unicamente das áreas urbanas, e muitasmulheres rurais, que trabalham informalmente, não são contadas. Alémdo mais, a maioria das mulheres dos países em desenvolvimento dedica-se a atividades que geralmente não figuram nas estatísticas trabalhistas,ou sequer são reconhecidas como trabalho, como a agricultura de sub-sistência e o trabalho doméstico. Embora essas atividades sejam deimportância vital para a sociedade e para a economia doméstica, elasnão têm reconhecido seu valor de mercado.

As principais conclusões a serem extraídas dessas observaçõessão, em primeiro lugar, que não se pode ter como certo que asmães, nos países em desenvolvimento, estejam disponíveis paracuidar das crianças em tempo integral e, em segundo lugar, que,nesses países, a demanda por cuidados e educação para a primeirainfância e por benefícios e serviços destinados às famílias dessascrianças é enorme, entre as mães que trabalham. Essa demanda,contudo, não é explícita.18 Para que os governos se sintam motivadosa intensificar sua participação e seus investimentos nos cuidados ena educação para a primeira infância e nos benefícios e serviçosdestinados a suas famílias, essa demanda oculta tem de ser tornadamanifesta. Para tal, as estatísticas sobre a força de trabalho têm dese tornar mais sensíveis às questões de gênero, mais especificamen-te, conferindo valor de mercado aos trabalhos de tipo não-assalariadoe ao trabalho familiar não-remunerado – aos bens produzidos emcasa pelas mulheres (Myers, 1992).19

Também deve haver disponibilidade de dados que demonstremque as mães que desempenham trabalhos não-assalariados não têmcondições de cuidar de seus filhos em tempo integral. A ironia é que,apesar de suas dificuldades, as mães que trabalham em situação não-

18 Nas áreas rurais, a presença de parentes e avós também contribui para mascarar ademanda por esses serviços e benefícios.

19 MYERS, R. The twelve who survive. London: Routledge, 1992.

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assalariada, principalmente as que possuem baixa escolaridade etrabalham na agricultura, em áreas rurais, tendem a acumular as res-ponsabilidades pelo trabalho e pela família, geralmente com maior fre-qüência que as assalariadas.20 Muitas dessas mulheres simplesmente nãotêm alternativa, mas essa carga dupla só faz perpetuar o mito de que as“mulheres que ficam em casa” têm disponibilidade para cuidar dospróprios filhos, não necessitando de cuidados e de educação para aprimeira infância e de benefícios e serviços destinados a suas famílias.

Nos países em desenvolvimento, essas observações trazemimplicações quanto às políticas que tratam dos cuidados e da educaçãopara a primeira infância e dos benefícios e serviços destinados às famíliasdessas crianças.

Em primeiro lugar, não há grande probabilidade de as medidas deassistência à família, tais como licença parental, concedidas nos paísesdesenvolvidos a pais e mães de filhos menores de dois anos,21 virem aser adotadas nos países em desenvolvimento, pelo menos em um futu-ro próximo. A razão para tal é que, além dos obstáculos óbvios, comoas limitações de recursos, os governos dos países em desenvolvimentotêm dificuldade em fornecer esses serviços de assistência à família àpopulação-alvo, devido ao problema técnico de mapear a presença demães e pais que trabalham no setor informal, uma vez que inexisteminstrumentos contratuais. Os sistemas de licença parental exigem umaestrutura administrativa sofisticada de acompanhamento das condiçõese da situação empregatícia dos pais.

Em segundo lugar, dado o custo por criança relativamente alto, osserviços institucionais para crianças de menos de três anos tambémestão fora das possibilidades da maioria dos países em desenvolvimento.No que diz respeito aos cuidados e à educação de crianças pequenasem seus primeiros anos de vida, uma alternativa possível seria educaros pais para as tarefas básicas de higiene, alimentação e interação com

20 ZAMBIA. Statistics Centre of Zambia. Zambia demographic health survey, 1996. Zambia:Statistics Centre of Zambia.

21 Ou, no máximo, de três anos de idade.

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a criança. A educação dos pais, que não exige um sistema administrativosofisticado, uma vez que pode ser oferecida por meios não formais,pode vir a ter um impacto significativamente positivo no desenvolvi-mento da primeira infância, aumentando a eficiência dos pais comoeducadores de seus filhos pequenos. A educação parental não ajuda aresolver o problema da ausência dos pais, mas faz com que eles setornem mais eficientes na educação de seus filhos pequenos nas horasem que estão presentes.

No entanto, como afirmado acima, as mães em situação carente, oprincipal grupo-alvo dos programas de educação parental, não têm muitotempo livre para assistir a essas aulas. Por essa razão, foram formuladosprogramas domiciliares, a fim de mobilizar mães para atuar como educa-doras coletivas de primeira infância para grupos de crianças que moram navizinhança. Essa solução permite que as mães trabalhem, enquanto seusfilhos estão sendo cuidados por alguém que recebeu um mínimo de trei-namento. No entanto, os programas domiciliares e os de educação parentalnão devem ser vistos como alternativas permanentes, não devendo substituir,em base definitiva, os investimentos governamentais em cuidadosprofissionais e educação para crianças carentes. Além disso, para que umamaior qualidade seja alcançada, esses programas também exigem apoio eparticipação governamental, a fim de montar a necessária infra-estruturaadministrativa.

Por fim, no longo prazo, os investimentos na educação de meninas emulheres exercerá um efeito sinérgico sobre o desenvolvimento doscuidados e da educação para a primeira infância e dos benefícios e serviçosdestinados às famílias. Já foi demonstrado que o nível educacional dasmães guarda uma correlação negativa com suas taxas de fertilidade: asmães de maior nível educacional têm menos filhos. Famílias pequenas, porsua vez, permitem que o governo aumente seus gastos com cada criança,nos investimentos em serviços voltados para a primeira infância, aumen-tando assim o acesso a eles e sua qualidade. As mães com maiorescolarização não necessitam de educação parental extensiva, e tampoucoprecisam ser convencidas da importância dessa educação, o que já nãoocorre com as mães de menor nível educacional. Essas mães mais educadas,além disso, têm maiores probabilidades de estar empregadas no setor

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22 Nos países-membros da União Européia, as mães de maior nível educacional têmprobabilidades duas ou três vezes maior de trabalhar, mesmo tendo filhos pequenos,do que as mães de menor escolaridade.

formal22, e a maior visibilidade de sua presença na economia aumenta ademanda explícita por cuidados e educação para a primeira infância e porbenefícios e serviços destinados às famílias dessas crianças, levando ogoverno a fornecer esses serviços.

Os investimentos governamentais representam uma decisão política,resultante do estabelecimento de prioridades. Para desencadear esseprocesso, a demanda tem de ser claramente explicitada. As lúgubresestatísticas sobre o desenvolvimento infantil (por exemplo, as taxas demortalidade infantil) talvez revelem a necessidade de cuidados e educaçãopara a primeira infância e de benefícios e serviços destinados às famílias,mas, infelizmente, a necessidade, por si só, não basta para conquistarinvestimentos públicos. Embora as mães não sejam as únicas beneficiáriasdos serviços e benefícios voltados para a primeira infância, elas são asbeneficiárias estratégicas, no sentido que é delas a voz capaz de manifestaressa demanda. Nesse particular, incentivar as mulheres, por meio de umamelhor educação, a ter uma participação mais ativa no mercado de trabalhoformal, não é apenas uma estratégia econômica acertada, mas tambémuma boa estratégia para o fomento dos cuidados e da educação para aprimeira infância e dos benefícios e serviços destinados às famílias. Damesma forma, os investimentos nesses serviços e benefícios representamum reforço para o desenvolvimento positivo das crianças, o que, por suavez, é uma estratégia econômica acertada, uma vez que esses investimen-tos, no longo prazo, se traduzirão em economia, em termos de progra-mas sociais e educacionais de natureza corretiva.

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4. SERVIÇOS DE BASE DOMICILIARPARA A PRIMEIRA INFÂNCIA: O CASODA NOVA ZELÂNDIA*

O principal objetivo desta nota é fornecer breves informações so-bre os serviços para a primeira infância existentes na Nova Zelândia,ressaltando a importância do papel desempenhado pelo governo noapoio à qualidade dos serviços oferecidos às crianças em creches do-miciliares. Pretende-se que essas informações sejam de utilidade paraoutros países que estejam desenvolvendo políticas de cuidados e deeducação de base domiciliar. Cada vez mais, as creches domiciliares, naNova Zelândia, orientam-se para a educação e buscam oferecerdiversidade. Esta nota resume os principais detalhes e as impli-caçõesimportantes, em termos de participação e administração (financiamen-to, avaliação, regulamentação, qualificação da equipe profissional,currículos etc.).

DEFINIÇÃO

As creches domiciliares oferecem cuidados e educação a um pe-queno grupo de crianças, na casa de uma “mãe-crecheira”. Esses servi-ços (também conhecidos como “creches familiares”) são definidos peloMinistério da Educação como “um conjunto de casas de família funci-

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 6, de setembro de 2002. Elaborada por Valerie N. Podmore,Instituto de Estudos sobre a Primeira Infância, Victoria University, Wellington,Nova Zelândia. Publicada pela Seção de Educação da Primeira Infância e da Famí-lia. Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm). A autora agradece à Dra Anne Meade e à Jane Couch,que foram de grande auxílio na revisão de uma versão anterior desta nota.

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onando sob a supervisão de um coordenador de base domiciliar. Essecoordenador distribui as crianças entre as diversas creches familiarespreviamente aprovadas, onde elas permanecerão por um númeropreestabelecido de horas semanais”1. Diferentemente do serviço privadooferecido na casa da própria criança (babás ou empregadas), acessíveisapenas às classes mais privilegiadas, as creches domiciliares atendem afamílias de diferentes faixas de renda.

DESENVOLVIMENTO E PARTICIPAÇÃO

Em fins do século XX, na Nova Zelândia, como também em outrospaíses industrializados, o aumento dos índices de participação dascrianças em serviços de educação para a primeira infância desenvolveu-se simultaneamente a uma maior participação das mulheres no mercadode trabalho. Em 2001, uso mensurado dos serviços voltados à primei-ra infância por crianças de zero a cinco anos atingiu 60%. No período1990-2000, o percentual de crescimento das matrículas nos serviços decreches domiciliares foi maior que os dos demais serviços deatendimento à primeira infância (ver tabela 1). A principal razão paraesse aumento das matrículas nesses serviços (e em serviços de “educaçãoe cuidados”), e para a diminuição das matrículas nos “centros de lazer”(centros criados e administrados por cooperativas de pais) foi ocrescimento do trabalho assalariado entre as mães. Os pais de bebês ecrianças pequenas muitas vezes preferem uma creche domiciliar a umcentro de lazer, por optarem por um ambiente familiar.2

Em 2001, havia 184 creches domiciliares funcionando na NovaZelândia, atendendo a 8.546 crianças de zero a cinco anos. A principalclientela dessas creches domiciliares são crianças neozelandesas de origemeuropéia e de origem maori (7.015 e 1.012, respectivamente).3 Umnúmero ligeiramente maior de meninos que de meninas estava matri-

1 Disponível em: <http://www.minedu.govt.nz/webment_page.cfn?id=6189&p=1037.3832.6120/>.

2 CALLISTER, P.; e PODMORE, V. N. et al. Striking a balance: families, work and earlychildhood education: Wellington:Educational Research Council of New Zealand, 1995.

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3 Uma definição sumária desses serviços seria: Jardins de infância: estabelecimentosindependentes, gerenciados pela comunidade e funcionando em turnos (adminis-trados por associações regionais) para crianças de três e quatro anos. Centros delazer: cooperativas de pais, funcionando em turnos (administrados por associaçõesregionais) para crianças a partir do nascimento até a idade de ingresso na escola. Oseducadores e administradores são os pais das crianças matriculadas. Centros deeducação e cuidados: centros de cuidados infantis, com diversos regimes de proprie-dade e administração, em tempo integral ou turnos distintos. Creches domiciliares:as crianças são cuidadas em casas de família e, nas últimas décadas, muitas vezes,sob os auspícios da Barnardo’s NZ. Escolas por correspondência: as primeiras etapasdo ensino são ministradas a distância, sendo oferecidas pela escola porcorrespondência do estado. Te Kohanga Reo: total imersão das crianças, do nasci-mento até o ingresso na escola, na cultura, na língua e nos valores maoris. Osestabelecimentos são administrados por um venerável conselho de anciãos maoris.Os educadores e administradores são os pais ou os membros mais velhos dacomunidade maori.

4 Disponível em: <http:www.minedu.govt.nz>.

Tabela 1: Número de matrículas de Crianças Pequenas, na NovaZelândia, por Tipo de Serviço, com Percentual de Mudança entre

1990 e 2001

.. não-disponível / ... não-aplicável /*inclui matrículas duplas / ** incluídos nosgrupos de brincadeiras nos anos anteriores.Fonte: Unidade de Administração de Dados do Ministério da Educação da NovaZelândia, julho de 2002.

Tipo de serviço 1990 2001 % de mudança

Serviços licenciados para a primeira infância Jardins de infância Centros de lazer Serviços de educação e cuidados Creches domiciliares Escolas por correspondência* Te Kohanga Reo

Serviços para a primeira infância isentos de licenciamento Financiados pelo Desenvolvimento para a Primeira Infância

Grupos de brincadeiras Nga Puna Kohungahunga** Grupos de PI para as Ilhas do Pacífico Centros de lazer Kohanga Reo isento de licenciamento

43.792 22.668 29.786 1.611

861 10.108

5.565 ...

2.729 .. ..

45.439 14.786 73.192 8.546

947 9.594

15.457 209

2.545 404 214

3,8

-34,8 145,7 430,5 10,0 -5,1

177,8 ...

-6,7 – –

Total 117.120 171.333 46,3

3

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culado em 2001 (4.405 meninos e 4.141 meninas). Nesse mesmo ano,havia 282 coordenadoras de creches domiciliares, todas elas mulheres.

ADMINISTRAÇÃO, FINANCIAMENTO, REGULAMEN-TAÇÃO E QUALIFICAÇÕES

Anteriormente a 1986, na Nova Zelândia, o Departamento de Bem-Estar Social era o principal responsável pela administração dos serviçosde creches domiciliares para a primeira infância. Em 1986, a responsa-bilidade pela assistência às crianças (inclusive os serviços de base domici-liar) foi oficialmente transferida do Departamento de Bem-Estar para oDepartamento de Educação.5 Atualmente, o Ministério da Educação éresponsável pela administração e pelo financiamento (parcial) dos serviçosde cuidados e educação oferecidos nas creches domiciliares. Todos osestabelecimentos domiciliares recebem o mesmo nível de financiamento,por criança e por hora, que o destinado aos serviços oferecidos eminstituições. Os níveis de financiamento, portanto, estão atrelados aosíndices de participação. Uma vez que as matrículas nas crechesdomiciliares cresceram com relação aos demais serviços (tabela 1), omesmo ocorreu com os níveis de financiamento.

O crescimento dos serviços voltados para a primeira infância, inclusiveos domiciliares, foi acompanhado de pesquisas, de pressão exercida porlobbies e de ações governamentais destinadas a elevar a qualidade dessesserviços. As pesquisas norte-americanas sobre creches domiciliares con-firmam a importância de: licenciamento e regulamentação dos serviços,qualificação dos provedores e disposição, por parte desses provedores,de cuidar das crianças e aprender sobre desenvolvimento infantil e sobreos cuidados dispensados às crianças.6 Foram poucos os estudos realizadosna Nova Zelândia que enfocaram, especificamente, a qualidade dos

5 Meade, A. e Podmore, V. N. (2002) Early childhood education policy co-ordination under theauspices of the Department/Ministry of Education: A case study of New Zealand. UNESCOEarly Childhood and Family Policy Series nº 1. Paris, França.

6 P. ex., GALINSKY, E. et. alii. The study of children in family childcare and relative care.Nova York: Families and Work Institute, 1994.

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ambientes domiciliares,7 embora alguns estudos aprofundados, de pe-quena escala, estejam atualmente em fase de execução. As iniciativas dogoverno da Nova Zelândia no sentido de fomentar e monitorar aqualidade dos serviços incluem exigências quanto a acompanhamento,regulamentação e qualificação.

Os serviços de base domiciliar, como também outros serviços paraa primeira infância subsidiados por verbas públicas, são objeto deacompanhamento externo pela Divisão de AcompanhamentoEducacional (Education Review Office – ERO), o departamento do governoresponsável pela divulgação da qualidade da educação oferecida pelosserviços/escolas para a primeira infância. O ERO avalia a segurançadas crianças, os programas de aprendizagem e o desempenho daadministração. Os serviços de base domiciliar para a primeira infânciasão regulamentados nos termos do Decreto da Educação (Cuidadosde Base Domiciliar) de 1992. Esse decreto especifica os requisitos quantoa instalações e equipamentos, e exige que todos os coordenadorestenham suas qualificações aprovadas pelo Secretário (o titular doMinistério da Educação). No entanto, até o presente, não foram espe-cificados requisitos de qualificação formal em questões de primeirainfância para os responsáveis pelas creches domiciliares. Estão sendo,atualmente, implementadas mudanças nessas qualificações, no sentidode exigir dos coordenadores dos serviços de base domiciliar umdiploma em licenciatura em educação infantil ou grau equivalente.8Um relatório de plano estratégico, recentemente elaborado para oMinistério da Educação, recomenda que o sistema de qualificaçõespara os educadores domiciliares necessita de maior desenvolvimen-to. As novas exigências de qualificação para os coor-denadores dosserviços domiciliares são idênticas às requeridas para os responsáveispelas instituições de atendimento à primeira infância. A estrutura cur-

7 EVERISS (1999), Bringing it back to mind: two decades of family day-care developmentin New Zealand. Wellington: Institute for Early Childhood Studies, VictoriaUniversity, 1999. (Occasional articles; 5).

8 Uma qualificação desse nível de diploma exige, no mínimo, dois anos de estudos emtempo integral (ou equivalente), em uma instituição credenciada de ensino superior.

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ricular (Te Whaariki) adotada e todos os serviços para a primeira infân-cia são biculturais e uniformes em todo o país. O Te Whaariki foidesenvol-vido em parceria com os maori (o povo nativo) e é pratica-do também nos serviços de base domiciliar. Foram adotadas, ainda,iniciativas políticas visando a incentivar o aperfeiçoamento dos servi-ços por meio da auto-avaliação dos educadores.

IMPLICAÇÕES

Quais são as implicações para os países onde os programas de basedomiciliar estão em mãos de indivíduos, sem receber qualquer tipo desupervisão ou financiamento por parte do governo? Na Nova Zelândia,como também em outros países onde os governos vêm acatando osresultados das pesquisas sobre os benefícios educacionais e sociais dosserviços de educação e cuidados de alta qualidade para crianças pequenas,as prioridades são o aumento da participação e a elevação da qualidadede um amplo espectro de serviços. O atendimento dessas prioridadespode vir a incluir:

• o desenvolvimento de infra-estruturas administrativas adequadas, deregulamentação, de currículos e de sistemas de apoio;

• o fomento da qualidade por meio da educação (qualificação doscoordenadores e das pessoas responsáveis por cuidar das crianças, comtreinamento profissional permanente).

Esses requisitos são importantes, a fim de evitar os problemas defragmentação administrativa e, principalmente, para elevar a qualidadedos serviços. Uma das principais razões para o apoio e a regulamentaçãopor parte do governo é que a qualidade dos serviços para a primeirainfância, das creches domiciliares inclusive, está associada a benefícioseducacionais e sociais de longo prazo para as crianças e as famílias.

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5. O PROGRAMA DE PRÉ-ESCOLA NALÍNGUA VERNÁCULA DEPAPUA-NOVA GUINÉ*

A diversidade cultural e lingüística ocorre por diversas razões. Nospaíses desenvolvidos, dentre essas razões, freqüentemente encontra-seo ingresso de imigrantes, de refugiados e de estudantes estrangeiros,enquanto um grande número de países em desenvolvimento sempreconteve, dentro de suas fronteiras, uma diversidade de grupos lingüísticos.Dentre os desafios colocados pela educação de crianças pequenas emambientes dessa natureza estão: promover a identidade nacional,incentivar a participação na vida nacional, lidar com a globalização, alíngua e outras questões culturais, fornecer serviços, tanto nas áreasrurais quanto nas urbanas, e distribuir os recursos fiscais.

Alguns países vêm tentando enfrentar esses desafios com uma políticade educação bilíngüe, estratégia essa que estende a educação básica a todos.Esse objetivo não pode ser alcançado, a não ser que as línguas minoritáriasou vernáculas sejam incluídas no sistema de educação formal.

Papua-Nova Guiné, uma nação insular situada no Pacífico Sul, aonorte da Austrália e a leste da Indonésia, é um dos países emdesenvolvimento que possui uma política educacional bilíngüe. Areforma do sistema educacional, que anteriormente usavaexclusivamente o inglês, teve início em 1995, após o movimento a

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 7, de outubro de 2002. Elaborada por Diane Wroge, do SILInternacional (anteriormente Instituto Summer de Lingüística), Papua-Nova Guiné.Publicada pela Seção de Educação da Primeira Infância e da Família. Divisão deEducação Básica. UNESCO, Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

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1 LITTERAL, R. Basic Education in Papua New Guinea: past, present and future. In: FirstFaculty of Humanities Conference Bridging Borders: Moving Boundaries: Defining/Redefining the Humanities into the New Millenium, Goroka, 30 Oct.-3 Nov. 2000Report. Goroka, Papua New Guinea: University of Goroka, 2000.

favor de pré-escolas não formais e de base comunitária usando a lín-gua vernácula ter-se espalhado por todo o país. A partir de então, apolítica governamental passou a exigir que o sistema nacional de ensinoformal incorporasse o ensino da língua vernácula nos primeiros anosda escolarização das crianças e implementasse uma transição gradualpara o uso do inglês como uma das línguas de instrução.

Papua-Nova Guiné é um caso único em diversos sentidos, se com-parada a outros países em desenvolvimento, sendo o país de maiordiversidade lingüística em todo o mundo, com 823 línguas vivas faladaspor uma população de 5,2 milhões de habitantes (Censo de 2000).Apenas 50 mil pessoas falam inglês como primeira língua. A popula-ção de cada grupo lingüístico é pequena, se comparada com outraslínguas nativas faladas no mundo, e 80% da população de Papua-NovaGuiné reside em áreas rurais. Uma vez que o maior grupo lingüísticopossui apenas 165 mil pessoas, nenhum deles é numérica ou politica-mente dominante. O multilingüismo é comum, e muitas pessoas falamsua língua materna, uma ou ambas as línguas francas, o pidgin melanésioe o hiri motu e/ou a língua oficial, o inglês. É importante observar que,na Papua-Nova Guiné, o inglês é aprendido num contexto de línguaestrangeira, em grande parte por meio do sistema educacional, e nãoem um contexto de segundo idioma. A maioria das pessoas tem poucocontato com o inglês, exceto aquelas que moram nas proximidadesdos centros urbanos.

De 1870 até 1950, a maioria das escolas em Papua-Nova Guiné foifundada por missões, e as línguas vernáculas eram usadas como a línguade instrução. Uma política dando exclusividade ao inglês foi adotadana década de 50. Por ocasião da independência de Papua-Nova Guiné,em 1975, essa política passou por uma revisão, embora tendo sidomantida no Plano de Educação de 1975. A instrução nas línguasvernáculas foi restabelecida em 1995.1

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Em 1979, pais de alunos moradores da ilha de Bougainville, na pro-víncia de North Solomons, manifestaram sua preocupação de que osistema escolar exclusivamente de língua inglesa estava alienando seusfilhos de sua própria língua e cultura. As crianças que não passavam nosexames de admissão à escola secundária tinham de retornar a suas aldei-as, mas, então, não eram capazes de se reintegrar na vida de sua comuni-dade. A proposta dos habitantes da ilha de Bougainville era oferecer aseus filhos dois anos de educação pré-escolar em sua própria língua,antes do primeiro ano da escola primária, na qual a língua oficial era oinglês. O sistema das Vile Tok Ples Skul (VTPS) (escolas na língua daaldeia) surgiu, então, como uma alternativa de ensino pré-escolar nãoformal e de base comunitária. Mais tarde, essas escolas passaram a serchamadas de Tok Ples Pri Skul (TPPS) (pré-escolas de língua vernácula).

O governo da Província de North Solomons alocou uma grandequantidade de profissionais e de recursos orçamentários nesse programa,com o auxílio de uma organização não-governamental (ONG), queelaborou o material necessário para a alfabetização nas línguas vernáculas.Na década de 80, três outros governos provinciais e quatro outrascomunidades lingüísticas seguiram o exemplo de North Solomons. Aspré-escolas em língua vernácula rapidamente se espalharam pelo país,sendo que as ONGs desempenharam um papel de importância vitalna maioria desses programas. Os membros da comunidade e as ONGspromoveram pré-escolas vernáculas até mesmo nas províncias cujosgovernos, inicialmente, não apoiaram a idéia. A participação dascomunidades, dos governos provinciais e das ONGs no movimentodas pré-escolas de línguas vernáculas, posteriormente, foi incorporadaà política de Reforma Educacional do governo. Esses grupos investi-ram tempo, dinheiro e pessoal no planejamento e na implementaçãodos programas em suas respectivas áreas.

De 1979 a 1995, os programas de pré-escolas de língua vernáculapermaneceram na área da educação não formal. Eles não estavamsujeitos a exigências padronizadas quanto a currículos, critérios de seleçãode professores ou cursos de treinamento de pessoal docente. Os alunospoderiam concluir um programa de pré-escola em um ou dois anos.Os professores recebiam menos treinamento que os professores das

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escolas primárias certificadas. Muitos deles trabalhavam em base vo-luntária, principalmente nas comunidades ou nas províncias que nãoofereciam apoio financeiro.

Uma análise dos programas de VTPS concluiu não apenas que ascrianças que haviam freqüentado uma pré-escola vernácula de aldeiaantes de ingressar na primeira série se beneficiavam de nítidas vantagenseducacionais, mas também que suas comunidades auferiam benefíciossociais e culturais (Delpit e Kemelfield, 1985).2 Os professores de escolaprimária notaram que a transição para as turmas de língua exclusiva-mente inglesa era muito mais fácil para as crianças que haviam freqüen-tado as pré-escolas vernáculas, se comparadas com as que não haviamtido qualquer experiência educacional prévia. Os membros e anciãosda comunidade, mesmo os que, eles próprios, não sabiam nem lernem escrever, foram convidados para passar às crianças, em sala deaula, conhecimentos e informações importantes.

Em julho de 1991, após a proliferação das pré-escolas vernáculasem Papua-Nova Guiné, funcionários dos departamentos nacionais eprovinciais de educação concordaram, de forma unânime, que o sistemade educação formal necessitava de reestruturação. Esse consenso le-vou, posteriormente, à Lei da Educação de 1995. A Reforma Educa-cional, formulada para aumentar o acesso à educação e sua igualdade equalidade, incentiva a instrução em língua vernácula nos três primeirosanos da escolaridade da criança (elementar-prep., elementar 1 e ele-mentar 2). O inglês oral é introduzido como parte do currículo da sérieelementar 2. As séries primárias iniciais (3-5) são ensinadas na línguavernácula e em inglês. A partir daí, ocorre uma transição gradual para oinglês e, na medida em que as séries avançam, mais tempo é dedicadoao inglês como veículo de instrução (3ª série, 60% vernáculo, 40% inglês;4ª série, 40% vernáculo, 60% inglês; e 5ª série, 30% vernáculo, 70%inglês). Em 1997, todas as vinte províncias já haviam começado a

2 DELPIT, L.; KEMEFIELD, G. (1985). An evaluation of the Viles Tok Ples Skul schemein the North Solomon Province. Goroka, Papua New Guinea: University of Papua NewGuinea, 1985.

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implementar um Plano Provincial de Educação, aprovado nacional-mente.

A política de Reforma da Educação reconhece a importância dospapéis desempenhados pela comunidade, pelas ONGs e pelo governo,no desenvolvimento, na disseminação e na implementação dosprogramas de língua vernácula na pré-escola. Esse plano incentiva todasessas partes interessadas a dar continuidade à sua participação. O De-partamento Nacional de Educação estabelece as diretrizes curricularese os critérios para a seleção de professores e para formadores deprofessores. Por seu lado, o Departamento Provincial de Educaçãotem a tarefa de implementar a Reforma Educacional de conformidadecom seu próprio plano. Os responsáveis pela formação dos professo-res, no nível provincial e distrital, planejam e organizam esses cursos detreinamento. Quando uma nova escola primária é aprovada e registrada,e seus professores já passaram por treinamento, eles têm permissãopara começar a dar aulas nas línguas vernáculas. Os membros dacomunidade são incentivados a construir as salas de aula para as escolasprimárias, indicar professores e colaborar com eles no desenvolvimentode currículos culturalmente relevantes.

Ocorreram conflitos, quando membros de algumas comunidadese ONGs colocaram a objeção de que estava havendo intervenção dogoverno nos programas que eles próprios haviam desenvolvido. Umexemplo desses conflitos ocorreu na província de East New Britain, aúltima a dar início à implementação da Reforma Educacional. O go-verno provincial e as comunidades locais, que haviam obtido êxito nodesenvolvimento de pré-escolas com seus próprios esforços, reluta-ram em ceder o controle dessas escolas ao governo nacional. Uma vezque a política da Reforma Educacional permite, embora não exija, ainclusão das línguas vernáculas nas pré-escolas pertencentes ao sistemade ensino primário, algumas províncias incorporaram esses idiomas eos professores que os lecionavam, ao passo que outras não o fizeram.

Os principais elementos da Reforma Educacional de Papua-NovaGuiné são o incentivo ao ensino nos anos iniciais nas línguas vernáculase uma aproximação gradual ao inglês, como fonte de comunicaçãomais ampla. Ela inclui também o desenvolvimento de currículos e ma-

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teriais que possuam relevância cultural, e a oferta de nove anos de edu-cação básica, em vez de seis, em ambiente mais próximo à aldeia nativada criança. Em fins de 2000, a Reforma Educacional abrangia 380grupos lingüísticos. Na experiência de Papua-Nova Guiné, um movi-mento a favor de uma educação não formal, em língua vernácula,oferecida nas próprias aldeias, lecionada por professores com treina-mento mínimo, acabou por fazer com que o país, como um todo, selançasse à ambiciosa empreitada de oferecer educação na língua que ascrianças de início dominam melhor: a sua própria. Elas, então, estarãomais bem preparadas, em termos cognitivos, acadêmicos e de desen-volvimento, para transferir sua capacidade de aprendizado, de sua línguamaterna, para o inglês.

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6. AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS E SUASIMPLICAÇÕES PARA A DEMANDA GLOBALDE CUIDADOS E DUCAÇÃO PARA APRIMEIRA INFÂNCIA*

Na medida em que as instâncias de formulação de políticas planejam,para a próxima década, o desenvolvimento dos programas de cuidadose educação para a primeira infância, será de fundamental importânciapoder contar com informações sobre as tendências que, com grandeprobabilidade, irão afetar de forma drástica a demanda por cuidadose educação para a primeira infância, a fim de que os planos que estãoatualmente sendo formulados sejam capazes de aumentar a oferta deserviços viáveis, disponíveis, acessíveis e de qualidade. A demanda porserviços para a primeira infância, em todo o mundo, vem passandopor grandes transformações, provocadas por uma série de forçasdemográficas de grande impacto. Dentre essas forças estão aurbanização, a transferência de homens e mulheres do trabalho agrícolapara o não-agrícola e do setor informal para o formal, bem como anecessidade de desenvolver uma força de trabalho de maior níveleducacional, capaz de competir com sucesso na economia globalizada.

Estimativas das Nações Unidas prevêem que, no ano 2030, mais de56% da população do mundo em desenvolvimento estará morandoem cidades. Em inícios do século XX, apenas 18% da populaçãomundial vivia em áreas urbanas. Mas, ao final daquele mesmo século,

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 8, de novembro de 2002. Elaborada por Jody Heymann, Ph.D.,Universidade de Harvard. Publicada pela Seção de Educação da Primeira Infânciae da Família. Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

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quase metade dessa população já morava em cidades. No mundo emdesenvolvimento, as grandes transformações ocorreram nos últimoscinqüenta anos. Por que a urbanização é importante para as crianças demenos de cinco anos? É comum que, ao se mudarem para as cidades,os adultos se separem de suas famílias mais amplas. Ao mesmo tempoem que deixam de poder contar com a ajuda de suas famílias, os paisque moram em cidades geralmente fazem parte da força de trabalhoformal – e mesmo aqueles que trabalham no setor informal geralmenteexercem atividades nas quais é difícil ou impossível trazer criançaspequenas para o trabalho com um mínimo de segurança. As transfor-mações que afetaram o local de moradia das famílias com filhospequenos foram acompanhadas por uma transformação igualmentemarcante no local de trabalho dos adultos. Os homens vêm, comfreqüência cada vez maior, abandonando a agricultura para ingressarnas economias industriais e pós-industriais. A transferência dos pais detipos de trabalho onde seus filhos podiam acompanhá-los paraempregos situados longe de casa e da família ocorreu simultaneamenteà participação crescente das mulheres na força de trabalho assalariada.

Embora essas tendências demográficas relativas à força de trabalhoestejam documentadas em dados, os estudos atualmente disponíveisnão chegaram a examinar o número de crianças menores de cincoanos que vivem hoje em famílias onde, em conseqüência dessastendências, todos os adultos trabalham. Há vários anos, eu fundei oProjeto Global sobre Famílias Trabalhadoras, sediado na Universidadede Harvard, mas que possui uma equipe de campo espalhada portodo o mundo, com o objetivo de dar partida a um processo deresponder a essas perguntas, e outras do mesmo teor, sobre crianças eadultos que vivem em famílias trabalhadoras em todo o mundo.1 Dentreoutros projetos, a equipe de pesquisa e eu analisamos diversoslevantamentos de situação familiar, executados em países da AméricaLatina, da África, da Ásia, da América do Norte e da Europa. Maioresdetalhes sobre os resultados dessas pesquisas serão apresentados em

1 Para maiores informações sobre o Projeto Global sobre Famílias Trabalhadoras, ver<www.globalworkingfamilies.org>.

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outras ocasiões.2, 3 A presente nota enfocará apenas os resultados iniciaisdiretamente relacionados à disponibilidade de membros da família quepossam cuidar das crianças pequenas.

No México, analisamos os dados recolhidos em um levantamento denível nacional abrangendo mais de 14 mil famílias, a Encuesta Nacional deIngresos y Gastos de los Hogares. Embora um número significativo de criançasestivesse sendo criada em casas de famílias mais amplas, em 38% dasfamílias com filhos pequenos, todos os adultos trabalhavam comoassalariados. Em 21% das famílias com um ou mais filhos de zero acinco anos, pai e mãe trabalhavam e não contavam com parentes paraauxiliá-los no cuidado dessas crianças; em 3% das famílias, as criançaspequenas viviam com um único genitor que trabalhava e em 14% dasfamílias, os pais viviam com suas famílias mais amplas, mas todos osadultos de idades entre 25 e 55 anos faziam parte da força de trabalho.

Nos estudos realizados por nós em outros países, encontramospercentuais ainda maiores de famílias com filhos pequenos onde todosos adultos faziam parte da força de trabalho. Usando o Levantamentode Indicadores Múltiplos, realizado pela Agência Central de Estatística,examinamos a experiência de 6.188 famílias, em Botswana. Em 44%das famílias com filhos de zero a cinco anos, todos os adultostrabalhavam. Embora ainda fosse bastante comum crianças de zero acinco anos morarem com famílias mais amplas, em quase metade doscasos, todos os adultos entre 25 e 55 anos, tanto da família nuclearquanto da família ampla, estavam empregados. No Brasil e na Rússia,os números eram igualmente altos. No Brasil, em 42% das famíliascom filhos pequenos, todos os adultos entre 25 e 55 anos trabalhavam.O mesmo ocorria em 52% das famílias russas nas quais havia crianças

2 Os resultados detalhados dessas entrevistas aprofundadas serão divulgados na íntegranum livro a ser publicado em 2004, pela Oxford University Press.

3 Os resultados iniciais foram também apresentados em HEYMANN, S. J.; FISCHER,A.; ENGELMAN, M., Labor conditions and the health of children, elderly anddisabled family members, In: (Ed.) Global inequalities at work: the impact of work onthe health of individuals, families and societies. New York: Oxford UniversityPress, 2003.

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pequenas. No Vietnã, as cifras eram ainda mais elevadas. Em 88% dasfamílias com filhos pequenos, todos os adultos trabalhavam.

Ainda existem diferenças regionais importantes, que são de inte-resse para a situação de assistência às crianças. Dentre elas, estão ocrescimento muito mais rápido da população de idosos nos paísesindustrializados e a enorme pressão colocada sobre os serviços àprimeira infância no Cone Sul da África, em razão dos índices maisaltos de doenças como o HIV/Aids.4 Mesmo assim, apesar dessasdiferenças regionais significativas, existem ainda claros fatoresdemográficos comuns a todo o mundo, que, fundamentalmente, irãodar forma às necessidades de cuidados e educação para a primeirainfância. Em todo o espectro de ambientes nacionais, uma percenta-gem significativa de crianças pequenas está hoje crescendo em famíliasnas quais todos os adultos trabalham.

A fim de entender melhor como as transformações do trabalhodos pais vêm afetando os cuidados e a educação para a primeira infância,nosso Projeto Global sobre Famílias Trabalhadoras realizou entrevistasdetalhadas com cerca de 1.000 pais e com prestadores de serviços decuidados e de saúde a crianças, em cinco regiões. Os primeiros resultadossão aqui apresentados.5

Nas situações onde as famílias trabalhadoras não tinham acesso acentros de atendimento a crianças, verificamos que os cuidados e aeducação de um número significativo de seus filhos sofriam prejuízosde, no mínimo, três tipos. Primeiro, as crianças menores de cinco anos

4 Uma futura nota sobre políticas tratará da intersecção da epidemia da Aids e danecessidade de cuidados e educação para a primeira infância.

5 Em todos os países discutidos nesta nota, pais que usavam serviços ambulatoriais desaúde, em cidades selecionadas, foram entrevistados de forma detalhada. Os índicesde resposta foram superiores a 80%, em todos os locais. Os resultados enfatizamclaramente a existência de um problema de dimensões significativas. Embora asamostras tenham sido tanto incomumente representativas e razoavelmente subs-tanciais para entrevistas aprofundadas, será importante realizar levantamentos ob-jetivos mais amplos, de nível nacional, a fim de estimar com maior precisão asfreqüências.

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eram deixadas em casa, ou sozinhas ou sob os cuidados de crianças deidade escolar. Em algumas famílias, essa situação era de rotina, ao pas-so que, em outras, era intermitente. Em muitos casos, o resultado eramdoenças evitáveis e ferimentos graves. Segundo, essas crianças eramlevadas para o local de trabalho dos pais, mesmo quando as circuns-tâncias, nesses locais, eram nocivas a seu desenvolvimento. Terceiro, ascrianças eram deixadas sob os cuidados informais de pessoasdespreparadas, em ambientes inadequados. Entrevistas detalhadas mos-traram que esses cuidados informais, pelos quais os pais de baixa rendapodiam pagar, eram, geralmente, de qualidade extremamente precária.

No México, 23% das famílias que entrevistamos, que tinham filhosem idade pré-escolar, deixavam essas crianças em casa sozinhas ou sobos cuidados de irmãos mais velhos. Em Botswana, 29% das famíliasque tinham pelo menos um filho de cinco anos ou menos, já haviamdeixado seus filhos em casa, ou sozinhos ou sob os cuidados de outrascrianças. No Vietnã, onde uma alta percentagem das famílias (56%)tinha acesso e fazia uso de serviços formais de cuidados infantis, apenas9% dos pais que tinham pelo menos um filho de menos de cinco anosjá haviam deixado seus filhos sozinhos em casa, ou sob o cuidado deirmãos mais velhos. Avós e outros parentes em geral moravam longedemais dos pais trabalhadores para poder ajudar a cuidar dessas crianças.Mesmo aqueles que moravam perto de sua família mais ampla,acabavam tendo de deixar seus filhos pequenos sem a supervisão deum adulto, uma vez que os avós tinham saúde precária, precisando, elespróprios, de cuidados, enquanto outros também precisavam trabalharpara seu próprio sustento. No México, 45% dos pais entrevistados pornós, que tinham filhos entre zero e cinco anos, viam-se obrigados alevá-los regularmente para o trabalho. Em Botswana, embora essenúmero fosse menor, 9% dos pais de crianças pequenas também tinhamde levar seus filhos para o trabalho, todos os dias. Embora sejamnecessários estudos mais detalhados, incluindo grandes levantamentosde nível nacional, para fornecer maiores detalhes tanto sobre as cir-cunstâncias nas quais as crianças são deixadas quanto estimativas precisas,discriminadas por país, esses resultados preliminares documentamclaramente a existência de problemas importantes.

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São diversas as implicações do cruzamento dos dados dos levanta-mentos nacionais e dos resultados das entrevistas detalhadas. Em pri-meiro lugar, as transformações que vêm ocorrendo em termos danatureza e da localização do trabalho dos pais têm como efeito limitara capacidade de pais e mães de cuidar de seus filhos pequenos. Emsegundo lugar, os membros da família estendida, muitas vezes, nãoestão disponíveis para ajudar no cuidado das crianças, porque aurbanização vem separando as famílias nucleares das famílias maisamplas, em termos de local de residência, e porque os membros adul-tos das famílias amplas geralmente também trabalham. Em terceirolugar, na ausência de serviços direcionados a elas, a saúde e o desenvol-vimento das crianças de idade pré-escolar são colocados em risco,quando elas são deixadas sozinhas, sob os cuidados de outras criançasou levadas para o local de trabalho dos pais, onde não podem serdevidamente assistidas. Tomadas em conjunto, nossas conclusões do-cumentam uma grande e crescente necessidade de melhor assistência àscrianças pequenas e a suas famílias trabalhadoras. Essa assistência deveriatanto possibilitar que os próprios pais cuidem de seus filhos, por meiode licença remunerada para pais e mães – que são de particular impor-tância nos casos de bebês e crianças doentes –, quanto oferecer serviçosde cuidados e educação para a primeira infância. Não apenas astendências demográficas ressaltam a demanda, já grande e cada vezmaior, por serviços de cuidados e educação para a primeira infância,como também pesquisas de grande âmbito demonstram os enormesbenefícios trazidos por serviços de qualidade para o desenvolvimentocognitivo, social e emocional das crianças. Além do mais, em razãotanto de seu papel de suporte ao trabalho dos pais quanto de sua capa-cidade de melhorar os resultados educacionais das crianças, os serviçosde alta qualidade de cuidado e a educação para a primeira infânciadesempenham papel fundamental no aumento da capacidade dos paísesde competir na economia global.

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7. A COORDENAÇÃO INTERSETORIALNAS QUESTÕES DA PRIMEIRA INFÂNCIA:LIÇÕES A SEREM APRENDIDAS*

Os cuidados e a educação para a primeira infância são da responsabi-lidade de muitos setores do governo, principalmente das áreas deeducação, assuntos sociais e saúde. A coordenação entre esses setores,no desenvolvimento e na implementação das políticas, é essencial paragarantir o desenvolvimento integral da criança e o uso eficiente dosrecursos públicos. A coerência na regulamentação, na concessão de verbase nas questões de recursos humanos, como também uma visão comuma todos os setores, a respeito do que vêm a ser esses cuidados e essaeducação, são os principais fatores que determinam a qualidade dosprogramas para a primeira infância.1, 2

A coordenação intersetorial é difícil, entretanto, principalmente nonível nacional. Ela é uma das grandes tarefas a serem enfrentadas pormuitos governos, tanto de países desenvolvidos quanto de países emdesenvolvimento, que querem promover um enfoque holístico daprimeira infância. As respostas a esse desafio têm variado de um país aoutro. Alguns tentaram eliminar o problema no nível estrutural,integrando toda a área num ministério único. Essa é uma das tendênciasverificadas nos países desenvolvidos. Outros tentaram demarcar as res-

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 9, de janeiro de 2003. Elaborada e publicada pela Seção deEducação da Primeira Infância e da Família. Divisão de Educação Básica. UNESCO,Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 STARFIELD. Op. cit. Starting strong: early childhood education and care (2001).Paris: OCDE. / Education Policy Analysis (2002). Paris: OCDE, 2002.

2 A falta de coordenação entre os setores públicos e privados, bem como entre asautoridades centrais e locais, também provoca prejuízos à qualidade.

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ponsabilidades setoriais segundo a faixa etária (por exemplo, as crian-ças de zero a três anos no ministério da previdência/assuntos sociais eas de quatro a cinco anos no ministério da educação). A maioria dospaíses, entretanto, vem optando por um enfoque menos radical nessabusca de coerência entre as políticas e a administração, lançando mãodos mecanismos de coordenação.

Em termos gerais3, os mecanismos de coordenação têm eficáciaquando sua função é coordenar um programa específico para a primeira infância.Por exemplo, em 2000, o governo de Cingapura, tentando coordenaros programas de educação pré-escolar oferecidos, tanto pelo Ministérioda Educação quanto pelo Ministério do Desenvolvimento Comunitá-rio e dos Esportes, montou uma Comissão Organizadora da EducaçãoPré-Escolar, confe-rindo a liderança ao Ministério da Educação. Combase nas contribuições dessa Comissão, foi criada uma estrutura amplade currículos de jardins de infância, a ser usada por ambos os ser-viços,e uma Lei dos Jardins de Infância encontra-se, atualmente, em elaboração.Por intermédio de uma outra comissão mista, os dois ministériosconseguiram também desenvolver uma estrutura comum de capacitaçãode professores de pré-escola e credenciar cursos de treinamento e osprofissionais responsáveis por eles, duas medidas de grande importânciapara o desenvolvimento de um sistema nacional de formação deprofessores de pré-escola, visando a melhorar a qualidade dessesdocentes.

Um mecanismo de coordenação que focalize a mesma população-alvotambém parece ser útil no incentivo à convergência e à cooperação entreos diferentes setores. Um caso dessa natureza é a Comissão Nacional de

3 Uma vez que há grandes variações entre os processos políticos e administrativos pormeio dos quais os Mecanismos de Coordenação são criados e postos em operação, édifícil generalizar quanto aos fatores funcionais desses Mecanismos. Mas algumasobservações consistentes, embora episódicas, nos permitem compreender melhor oque funciona e o que não funciona nesses mecanismos. Esta nota pretende resumiressas percepções iniciais, a fim de atrair a atenção dos formuladores de políticas paraos riscos e as promessas dos Mecanismos de Coordenação que, atualmente, parecemestar proliferando, na esteira dos esforços governamentais de promover um enfoqueholístico à primeira infância.

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Coordenação e Assuntos Técnicos do Programa Oportunidades, do Mé-xico. Esse mecanismo foi de grande utilidade no fornecimento, a famíliasextremamente pobres, de um programa integrado de assistência social queincorpora elementos de educação, saúde e nutrição. “O fornecimento deserviços específicos continua sendo da responsabilidade de cada setor, masum esforço conjunto é feito para que esses serviços atinjam a mesma po-pulação, tentando assim tirar partido dos efeitos sinérgicos, como concen-tração e conver-gência”.4 O sucesso dessa Comissão foi atribuído ainda aofato de seus membros, originários de todos os setores afetos à questão,estabelecerem as normas de funcionamento e aprovarem as novas iniciati-vas de forma conjunta.

Os Mecanismos de Coordenação, ao que tudo indica, são tambémeficazes na execução de uma tarefa específica por um determinado perí-odo de tempo. A Equipe de Projeto da Unidade de Estratégia, doGabinete do Reino Unido, que efetuou a Revisão Interdepartamentaldos Cuidados Infantis, é um bom exemplo. Os membros dessa equipeforam convocados nos diversos setores do governo, e também nainiciativa privada e nos setores voluntários. A pedido do Departamen-to de Educação e Capacitação, o principal órgão do governo na áreada primeira infância, a equipe realizou uma ampla revisão intersetorialdos assuntos da primeira infância, produzindo um relatório cujos resul-tados foram usados pelo governo em processos orçamentários impor-tantes, relacionados à área da primeira infância.

Embora os Mecanismos de Coordenação tenham funcionado bemna coordenação dos setores que tratam de programas e tarefas especí-ficas5, eles não foram muito bem-sucedidos na promoção de uma políticaampla e coerente, nem na coordenação administrativa entre esses seto-res. Isso, em parte, tem relação com sua situação ad hoc. Numa tentativa

4 MYERS, R. (em elaboração). Early childhood policy and program coordination: a Mexicancase study, Paris: UNESCO, (no prelo). (UNESCO early childhood working paper).

5 Os Mecanismos de Coordenação também são úteis para reunir diversos setores, paratroca de informações e para compartilhar e divulgar atividades e material de defesa(advocacy). Eles, freqüentemente, são criados para esses fins.

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de manter a neutralidade setorial, o mecanismo de coordenação, mui-tas vezes, é criado como um órgão ad hoc, externo à estrutura do minis-tério e sem poder decisório. Esses Mecanismos de Coordenação po-dem, na melhor das hipóteses, fazer recomendações aos ministérios, masa maioria deles mostrou ter pouca influência, principalmente no que dizrespeito a decisões relativas a mudanças políticas e aplicação de verbas, anão ser que, como no exemplo britânico, as recomendações feitas peloMecanismo tenham sido solicitadas pela principal autoridade do setor.

Para contrabalançar essa falta de autoridade, os Mecanismos deCoordenação, com freqüência, são vinculados ao gabinete de uma figurapolítica importante (por exemplo, presidente, primeiro-ministro,primeira-dama). Não há dúvida de que essa vinculação política contribuapara aumentar a visibilidade e a capacidade de comandar a cooperação.Mas esse patrocínio político pode ter seu preço: quando muda o governo,o Mecanismo pode também passar por uma “transformação”. Namaioria dos casos, ele é extinto. Se ele permanece em operação, suasfunções e suas atribuições são alteradas ou reduzidas, prejudicando suacontinuidade.

Da mesma forma, sugere-se, ainda, que o Mecanismo de Coorde-nação ocupe uma posição de alto nível na hierarquia do governo, comoreforço a sua autoridade.6 A participação de autoridades dotadas donecessário poder de decisão e da capaci-dade de assumir compromissosé, obviamente, de importância crucial. Mas quando se solicita dessasaltas autoridades que elas participem de um Mecanismo que não lidecom temas ou decisões que exijam seu nível de autoridade, a tendênciaé elas delegarem a responsabilidade a membros menos graduados desua equipe. A experiência mostra que esse processo de delegarparticipação é dispendioso em termos de tempo, e que as pessoasindicadas para a tarefa, em geral, não se engajam por completo ecostumam comparecer às reuniões com menor freqüência que osmembros de um Mecanismo criado como um órgão técnico compatívelcom seu nível de operação. Pode até mesmo acontecer de esse proces-

6 Cf. TORKINGTON, K. (2001) WGECD policy project: a synthesis report. s. I.:ADEA Working Group on Early Childhood Development, 2001.

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so de delegar participação ser a causa do fracasso do mecanismo, emrazão da dificuldade de agendar reuniões.7

Uma estratégia de natureza estrutural, visando a assegurar que osMecanismos de Coordenação contem com poder decisório, é inseri-los na estrutura de um ministério técnico.8 Essa estratégia exige que aliderança do processo seja conferida a um dos setores do governo, oque consiste num desafio, quando se trata de serviços para a primeirainfância.

Em primeiro lugar, caso o governo já não tenha estabelecido umclaro vínculo entre as questões da primeira infância e esse setor específico,a escolha de um setor pode representar um risco, por mais necessáriaque ela seja, uma vez que essa decisão pode, inadvertidamente, vir adiminuir os papéis dos demais setores.9

Em segundo lugar, a escolha de um setor representa uma decisãoque depende de muitos fatores. Como é compreensível, ela variasegundo o contexto ideológico, e também segundo as prioridadesrelativas à primeira infância, naquele país. Não há uma soluçãouniversalmente aplicável, cada país tem de passar por seus própriosprocessos consultivos, de reflexão e de aprendizado.

Por fim, uma vez designado um setor, ele tem de estar abertoa um enfoque amplo, que abra espaço aos interesses de todos ossetores envolvidos e que seja capaz de mobilizar os pontos fortese competências desses outros setores. Mas, em muitos países, esseequilíbrio entre liderança e parceria não é fácil, e poucos são osque dominaram essa arte, principalmente entre os países em de-

7 JOB, H. (em elaboração) Early childhood policy co-ordination mechanisms in Namibia. Paris:UNESCO, (no prelo). (UNESCO early childhood working paper).

8 Essa também é uma das maneiras estratégicas para que os Mecanismos de Coordena-ção garantam verbas para sua operação.

9 A predominância de um setor específico, se necessária, pode ser em certa medidaminimizada, se for designada para chefiar o Mecanismo uma pessoa ou organizaçãoexterna ao setor governamental que assumiu a liderança, mesmo se o Mecanismopermanece no âmbito desse setor do governo.

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senvolvimento, onde a primeira infância nunca foi objeto das po-líticas públicas do governo.

Apesar de todos esses desafios, para que um Mecanismo deCoordenação funcione de fato, é necessário designar um setor paraassumir a responsabilidade por essa coordenação, principalmente seo Mecanismo tiver como objetivo provocar mudanças nos níveispolítico e administrativo. Diferentemente das outras funçõesesperadas de um Mecanismo de Coordenação, o desenvolvimentoe a implementação de um sistema político e administrativo tratandoda primeira infância exige mais do que a reunião de diferentes setores.Tem de haver uma clara compreensão de onde se localiza o centrodessa coordenação e, o que é ainda mais importante, o líderreconhecido deve ser capaz de exercer a autoridade necessária e, aomesmo tempo, agregar em torno de si uma parceria que inclua todosos setores envolvidos.

Isso, por fim, significa a importância de uma decisão nacional quantoao setor que irá liderar as questões da primeira infância, sem o quenem mesmo uma solução conciliatória moderada, como a criação deum Mecanismo de Coordenação, virá a surtir efeito.

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8. AS CRIANÇAS EM IDADE ESCOLAREM FAMÍLIAS COM FILHOS PEQUENOS:RISCO PARA AS OPORTUNIDADESEDUCACIONAIS*

A disponibilidade e a acessibilidade financeira a serviços de cuidadose educação para a primeira infância afetam, bastante, os resultadoseducacionais das crianças em idade escolar. Quando as crianças recebemcuidados e educação para a primeira infância de alta qualidade, elas, maistarde, chegarão à escola mais bem preparadas para aprender e com mai-ores probabilidades de vir a completar a escola primária e secundária.Esse importante fato foi bem documentado em diversas fontes. Estanota trata de um segundo tópico, ao qual muito menos atenção foi dada:as formas pelas quais a disponibilidade de cuidados e educação paracrianças de zero a cinco anos pode afetar o fato de as crianças de seis a 14anos poderem freqüentar a escola e prosseguir seus estudos.

Esta nota examinará as conclusões preliminares de uma série deestudos atualmente em andamento, que fazem parte do Projeto Globalsobre Famílias Trabalhadoras, que vêm trazendo novas informações acercado impacto, sobre as crianças em idade escolar, da precariedade doscuidados e da educação para a primeira infância.1 Como parte desse

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 10, de fevereiro de 2003. Elaborada por Jody Heymann, Ph.D.,Diretora-fundadora do Projeto Global sobre Famílias Trabalhadoras, Universidadede Harvard. Publicada pela Seção de Educação da Primeira Infância e da Família.Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 O Projeto Global sobre Famílias Trabalhadoras, fundado pela autora, tem sua sede naUniversidade de Harvard, mas possui uma equipe de campo espalhada por todo omundo, com o objetivo de darpartida a um processo de responder às perguntas sobre

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Projeto, a equipe de pesquisa, por mim liderada, vem analisando gran-des levantamentos de situação familiar executados em países da Amé-rica Latina, da África, da Ásia, da América do Norte e da Europa, afim de investigar o impacto sobre as oportunidades educacionais dascrianças em idade escolar da necessidade de oferecer cuidados às cri-anças de zero a cinco anos. Realizamos análises complementares desseslevantamentos nacionais de situação familiar e de entrevistas detalhadasfeitas em nível local, em diversos países.

Tomados em conjunto, esses estudos sugerem o seguinte: em primeirolugar, quando os pais de crianças de seis a 14 anos trabalham, seus filhostêm maiores possibilidades de freqüentar a escola. O aumento da rendafamiliar proveniente desse trabalho possibilita que os pais paguem men-salidades escolares, comprem uniformes e livros e enfrentem os custosadicionais, que ocorrem até mesmo nas escolas públicas. Além do mais,o aumento da renda familiar diminui as probabilidades de as própriascrianças terem de exercer trabalho remunerado, uma vez que as famíliastêm dinheiro para as necessidades básicas de comida, moradia e vestuário.Em segundo lugar, embora o trabalho dos pais geralmente aumente aprobabilidade de que todas as crianças da família freqüentem a escola,quando os pais de crianças pequenas (zero a cinco anos) têm de trabalharsem contar com serviços de cuidados e educação para a primeira infân-cia, as crianças de seis a 14 anos podem vir a ser tiradas da escola paracuidar de seus irmãos mais novos, primos e de outras crianças da família.

Em terceiro lugar, embora tanto meninos quanto meninas sejamafastados da escola para cuidar de irmãos mais novos, as meninas sãoafetadas de forma desproporcional.

Em termos específicos, as análises de dados provenientes de grandeslevantamentos nacionais, realizados em Botswana, no Brasil, no México,na Rússia, na África do Sul e no Vietnã, revelam o seguinte:2 na maioria

as experiências de crianças e adultos que vivem em famílias trabalhadoras em todoo mundo. Para maiores informações, acessar o site <www.globalworkingfamilies.org>.

2 O número de famílias com filhos de seis a 14 anos pesquisadas em cada país é oseguinte: 3.547 em Botswana; 2.955 no Brasil; 1.215 na Rússia, 9.529 no México e4.488 na África do Sul.

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dos casos, o fato de existir pelo menos uma criança de zero a cincoanos numa família na qual todos os adultos trabalham levava a umaumento da probabilidade de que as crianças de seis a 14 anos nãofreqüentassem a escola (tabela 1).

Observação: Foram conduzidas análises em famílias nas quais os adultos tinham entre25 e 55 anos, e onde havia, pelo menos, uma criança entre seis e 14 anos. Aspequenas dimensões das amostragens e as diferentes definições adotadasimpossibilitaram, no levantamento russo, análises comparáveis de famílias de umúnico genitor na qual esse genitor trabalhava e, nas análises sul-africanas, as defamílias amplas, em que todos os adultos trabalhavam.

Tabela 1: Percentual de famílias com filhos de 6 a 14 anosque não freqüentam a escola

Em Botswana, no México e na África do Sul, a presença de criançasde zero a cinco anos necessitando de cuidados reduzia a possibilidadede que as de seis a 14 anos freqüentassem a escola, tanto em famílias deum único genitor quanto nas de dois genitores e nas famílias amplas,em que todos os adultos trabalhassem. No Brasil e na Rússia, a presen-ça de crianças pequenas neces-sitando de cuidados diminuía a freqüên-cia à escola na maior parte das categorias para as quais dados suficientesestavam disponíveis. O único país estudado por nós que não seguiaesse padrão foi o Vietnã. É digno de nota que o Vietnã foi o único país

com irmãos de zero a cinco anos (quando todos os adultos trabalham)

sem irmãos de zero a cinco anos (quando todos os adultos trabalham)

Botswana família de um único genitor 19 11 família de dois genitores 17 10 família ampla 24 13

Brasil família de um único genitor 30 7 família de dois genitores 3 7 família ampla 19 5

México família de um único genitor 32 7 família de dois genitores 9 7 família ampla 18 13

Rússia família de dois genitores 9 6 família ampla 14 8

África do Sul família de um único genitor 14 10 família de dois genitores 9 7

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3 Nos ambientes predominantemente rurais, a natureza do trabalho parental e dacapacidade dos pais de levar os filhos pequenos para o trabalho apresenta diferençassignificativas da situação verificada nos ambientes urbanos. Para uma discussãomais detalhada do impacto da urbanização, ver Heyman, S.J. (Ed.) Global inequalitiesat work: work’s impact on the health of individuals, families and societies Oxford: OxfordUniversity Press, 2003.Todas as demais amostragens nacionais de famílias aquiestudadas foram significativamente menos rurais: Botswana (50%), Brasil (22%);México (27%), Rússia (25%) e África do Sul (54%).

onde a maioria esmagadora das famílias com filhos em idade escolarentrevistadas (80%) viviam em áreas rurais.3

Por fim, com base nos dados dos levantamentos nacionais, em qua-tro dos cinco países em que havia dados suficientes, as meninas eram asmaiores prejudicadas, e sua freqüência à escola decrescia em famíliascom crianças de zero a cinco anos necessitando de cuidados.

Apenas um dos grandes levantamentos nacionais permitiu que nósexaminássemos diretamente as horas trabalhadas pelas crianças em tarefasde cuidar de irmãos menores: o levantamento russo nos permitiu analisarde que forma o trabalho dos pais afetava as horas diárias despendidaspor crianças entre seis e 14 anos nos cuidados às crianças da família comidades entre zero e 14 anos. Nas situações em que todos os adultostrabalhavam, aumentava a probabilidade de as crianças mais velhas gas-tarem dez horas semanais ou mais cuidando de crianças pequenas.

Embora essas conclusões, extraídas por nós dos dados resultantesdas análises dos levantamentos familiares, sejam sugestivas, ainda sãonecessárias pesquisas adicionais, a fim de determinar até que ponto asdiferenças de freqüência à escola, observadas nos países que não aRússia, se devem à necessidade de cuidar de irmãos menores ou aoutros fatores. O tipo das perguntas colocadas nos grandes levanta-mentos nacionais limita as conclusões passíveis de ser extraídas dessesestudos, tomados isoladamente. Em razão da limitação desses conjuntosde dados, nós planejamos e realizamos entrevistas aprofundadas comquase 1.000 famílias trabalhadoras em cinco regiões do mundo, inclu-indo amostragens representativas de cidades grandes e pequenas, noMéxico, em Botswana e no Vietnã.

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Esses estudos aprofundados confirmam que um número significa-tivo de pais trabalhadores com filhos de zero a cinco anos, para cuidarde seus filhos pequenos, usam o trabalho, remunerado ou não, de ou-tras crianças. No México, 43% das famílias com filhos entre zero ecinco anos, com quem discutimos essa questão de cuidar de criançaspequenas, afirmaram fazer uso do trabalho de crianças mais velhaspara essa tarefa, ocasionalmente ou de forma constante, e o mesmoocorreu com 47% dos entrevistados em Botswana e 36% no Vietnã.Em alguns casos, essa situação ocorria quando as formas rotineiras decuidar das crianças falhavam, exigindo que as crianças mais velhas fal-tassem à escola em dias intermitentes. Em outras situações, essas tare-fas ocupavam o tempo fora da escola das crianças mais velhas, impe-dindo-as de fazer seus deveres de casa e expondo-as ao risco de atra-sarem-se ou ser reprovadas na escola. Em outros casos, ainda, as crian-ças mais velhas eram obrigadas a abandonar de todo a escola paracuidar dos irmãos em tempo integral. Em todos os países, as famíliasmais pobres eram as que mais tendiam a fazer uso do trabalho dascrianças mais velhas e dos jovens da família para cuidar das criançasmenores, ao contrário das famílias de maior nível de renda.

No passado, os debates políticos tendiam a contrapor a necessida-de de investir recursos públicos na educação das crianças de seis a 14anos à necessidade de investir em cuidados e educação para crianças dezero a cinco anos. Nossa análise dos melhores dados disponíveis suge-re que os investimentos em cuidados e educação para a primeira infân-cia não devem ser vistos como competindo com as necessidades dogrupo em idade escolar, mas sim como uma maneira complementarde atender às necessidades das crianças mais velhas.

Em suma, os investimentos em cuidados e educação para a primei-ra infância são de importância crucial tanto para a educação primáriaquanto para a secundária, por duas razões. Em primeiro lugar, os cui-dados e a educação para a primeira infância dão apoio direto ao de-senvolvimento físico, social, emocional e cognitivo das crianças peque-nas, preparando-as, de forma importante, para um bom desempenhona escola primária. Em segundo lugar, a disponibilidade e a acessibili-dade de serviços de cuidados para crianças pequenas significa que os

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pais, principalmente os que vivem em condições de pobreza, não pre-cisarão tirar seus outros filhos da escola para cuidar das crianças peque-nas, enquanto os adultos trabalham para ganhar o sustento da família.

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9. A APRENDIZAGEM AO LONGO DAVIDA E A POLÍTICA SOCIAL PARA APRIMEIRA INFÂNCIA*

Na Noruega, os cuidados e a educação da primeira infância, hámuito, estão sob a responsabilidade do ministério encarregado dosassuntos sociais/familiares/infantis. Atualmente, vem sendo debatida apossibilidade de a responsabilidade administrativa passar para o setoreducacional.

A fim de examinar em maior profundidade essa questão, que giraem torno de até que ponto a política social é capaz de incorporar aperspectiva educacional com relação à primeira infância, foi combinadauma entrevista telefônica com o Sr. Einar Juell, especialista em primeirainfância do Sindicato Educacional da Noruega.1

Essa entrevista foi conduzida pela Srª Soo-Hyang Choi, daUNESCO de Paris, que elaborou o seguinte resumo. As opiniõesexpressas na presente nota não refletem as do Governo da Noruega,nem as da UNESCO.

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 11, de março de 2003. Elaborada por Soo-Hyang Choi, Chefeda Seção de Educação da Primeira Infância e da Família. Divisão de EducaçãoBásica. UNESCO, Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 Esse debate foi trazido à atenção da UNESCO por esse especialista, que tambémnos forneceu subsídios por escrito, que foram incorporados nesta nota. O SindicatoEducacional da Noruega congrega professores de pré-escolas, escolas primárias esecundárias e professores universitários, na Noruega (http://www.utdanningsforbundet.no).

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Choi: Pelo que sabemos, atualmente, a responsabilidade adminis-trativa pelos Barnehager2, os serviços integrados de cuidadose educação para a primeira infância para crianças de zero acinco anos, cabe ao Ministério das Crianças e dos AssuntosFamiliares (MCAF). O Ministério da Educação e da Pesquisa(MEP) tem algum papel a desempenhar?

Juell: O MEP é responsável pelo treinamento e pela educação3 dospedagogos e dos professores treinados dos Barnehager.4 Eleprepara o currículo de treinamento e formação dessesprofissionais e credencia suas qualificações, como parte de suaresponsabilidade geral sobre a formação e o treinamento detodos os professores do país. Ele também é responsável pelocredenciamento das instituições e programas de treinamento.

Choi: Ouvimos dizer que, na Noruega, vem surgindo um debate entreos profissionais e praticantes da área, sobre a integração dos

2 Barnehager (singular, Barnehage) referem-se aos serviços de cuidados e educação paraa primeira infância na Noruega, atendendo a crianças com idades entre zero e cincoanos. Os Barnehager originaram-se em duas instituições tradicionais: as creches detempo integral e os jardins de infância de tempo parcial. A Lei dos Barnehager, de1975, reconheceu esses dois tipos de serviço como um único, integrando os cuida-dos e a educação das crianças pequenas. Os Barnehager variam em termos de regimede propriedade (pública ou privada), de administração (tempo parcial ou tempointegral), em fontes de financiamento (com ou sem subsídios governamentais) etambém em termos da idade das crianças atendidas, mas todos eles encontram-seintegrados dentro do mesmo sistema administrativo do MCAF (Ministério dasCrianças e dos Assuntos Familiares). Cerca de 74%, 68% e 49% das crianças decinco, quatro e três anos, respectivamente, freqüentam os Barnehager (1997). Paramaiores informações, ver o NORWAY. Norway background report for EECD: thematicreview of early childhood education and care policy. Norway: s.e., (1998); OCDE.OECD country note: early childhood education and care policy in Norway. Paris:OECD, 1999. Disponível em: < (1999) (http://www.oecd.org>.).

3 O MCAF vem participando desse processo, reforçando o vínculo entre o currículonacional dos Barnehager, desenvolvido pelo ministério, e o currículo para os profes-sores que trabalham nos Barnehager, cujo desenvolvimento é da responsabilidadedo MEP.

4 Três tipos de profissionais trabalham nos Barnehager: um diretor (styree), responsávelpela direção administrativa e educacional, um professor (pedagogiske ledere), que trata

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Barnehager no sistema educacional, e a transferência de seu patro-cínio administrativo para o MEP, embora esse debate ainda nãoocorra de forma oficial, no nível nacional. O senhor poderianos dar maiores informações sobre o contexto desses debates?

Juell: Em 1995, o MCAF desenvolveu o primeiro currículo nacionalpara o Barnehager, o Plano Estrutural. O Plano, baseado napremissa de que os Barnehager faziam parte do sistemaeducacional, representou um acontecimento importante parao reforço da função educacional dos Barnehager. Embora aatual posição do MCAF seja a de que os Barnehager deveriamser uma interface com as famílias, e não com o sistema edu-cacional, o Plano, paradoxalmente, intensificou os vínculosentre os Barnehager e a educação.

Choi: Essa é a primeira vez que os Barnehager são vinculados àeducação?

Juell: Logo após a Segunda Guerra, quando o governo tentoureorganizar o sistema educacional público, foi levantada aquestão de se os Barnehager5 deveriam ser vistos como partedo sistema educacional. Mas essa discussão não teveprosseguimento. Foi apenas nos últimos anos que esse temafoi levantado de forma mais séria. A importância dada pelopaís à aprendizagem permanente, ao longo de toda a vida,tem muito a ver com esse fato.

Choi: Na Noruega, os cuidados e a educação para a primeirainfância, há 150 anos, são da responsabilidade de umministério social ou de assuntos da família. O avanço dafilosofia da aprendizagem ao longo da vida afetaria de algummodo essa tradição?

dos processos educacionais, com os alunos, os pais e os assistentes. Os styree e ospedagogiske ledere têm de ser pedagogos, ou professores formados, e têm de representar34% da força de trabalho dos Barnehager (1997).

5 Àquela época, os Barnehager eram um programa de jardins de infância que atendiamapenas a crianças com mais de três anos.

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6 Por exemplo, uma maior ênfase foi colocada no desenvolvimento cognitivo da criança.

Juell: Não se deve dramatizar essa tendência, mas é verdade que,atualmente, a primeira infância é vista, cada vez mais, nocontexto da aprendizagem ao longo da vida. O Relatório dosAntecedentes da Aprendizagem ao Longo da Vida de 1999, executadopelo governo, é, em grande parte, responsável por essa maneirade ver. Nesse relatório, foi usada, pela primeira vez, aexpressão “do berço ao túmulo”, fazendo com que o paísincluísse a primeira infância em seu conceito de aprendizagemao longo da vida.

Choi: Embora a aprendizagem ao longo da vida não pertença nemdeva pertencer exclusivamente ao ministério da educação,como ele é o ministério que detém a liderança desse setor, aassociação dos Barnehager com a aprendizagem ao longoda vida pode implicar uma participação mais ativa, se nãoexclusiva, do MEP, e é com relação a isso que é possíveldizer que um novo desafio foi colocado.

Juell: Sim, é verdade. Recentemente, têm surgido diversas iniciativas,por parte do MEP, de melhorar a qualidade dos Barnehager,como sendo a base da aprendizagem permanente. Essasiniciativas enfocaram principalmente o aperfeiçoamento datransição dos Barnehager para a educação escolar e o desen-volvimento de indicadores sobre a primeira infância.

Choi: Esse interesse na qualidade é um ponto interessante. O fatode o MCAF ter desenvolvido esse plano e sua decisão dereforçar a função educacional6 dos Barnehager, para nós, sãosinais importantes de que também o MCAF se preocupacom a qualidade e, o que também é importante, é capaz deimplementar medidas de aumento da qualidade, como, porexemplo, o desenvolvimento de currículos. Ainda seria pos-sível argumentar a favor da transferência para o MEP combase nessas razões de qualidade?

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Juell: Um dos aspectos da qualidade que preocupa ao MEP é acontinuidade e a coerência da experiência de aprendizagemda criança, e o atual sistema de Barnehager tem falhas quantoa esse aspecto específico da qualidade. Em primeiro lugar,enquanto a responsabilidade administrativa pelos Barnehagercabe ao MCAF, o MEP é responsável pelo ensino escolar.A colaboração entre esses dois ministérios é possível, comode fato acontece, mas o vínculo entre o ensino escolar e osBarnehager poderia ser mais forte, se ambos estivessem soba responsabilidade de uma única autoridade. Em segundolugar, o Plano é incumbência do MCAF, mas o currículo deformação de professores é da responsabilidade do MEP.A coerência entre os dois currículos poderia ser maior, seuma única autoridade controlasse todo o processo. Porúltimo, e o que é mais importante, no nível local, osBarnehager estão sob a responsabilidade das autoridadesda área da educação, mas no nível nacional, essa responsa-bilidade cabe ao MCAF. Os sistemas administrativos locaise central dos Barnehager têm de ser compatibilizados. Emsuma, sim, um esforço independente, tentando aperfeiçoara pedagogia dos Barnehager é importante, mas o que éigualmente importante é a continuidade e a coerência sistêmicados Barnehager com o restante do processo de aprendiza-gem e desenvolvimento das crianças, e é esse o aspectoespecífico da qualidade que interessa ao MEP.

Choi: Qual a reação do MCAF a esse debate?

Juell: Como o debate ainda não chegou ao nível nacional, nem oMCAF nem o MEP manifestaram uma posição oficial sobrea questão. Em termos gerais, o MCAF reconhece as funçõeseducacionais dos Barnehager, embora seja de opinião deque as crianças não deveriam ser obrigadas a freqüentar osBarnehager, ou qualquer outro tipo de serviço externo àcasa da família, a não ser que elas assim o desejem. O MCAFacredita que o principal responsável por cuidar das criançaspequenas deveria ser a família, e não uma instituição, e que

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essas famílias deveriam poder optar entre colocar seus fi-lhos em um Barnehage ou deixá-los em casa.

Choi: Mas a freqüência aos Barnehager seria tornada obrigatória,se eles forem transferidos para o MEP?

Juell: Em inícios da década de 70, ocorreu uma discussão sobretornar os Barnehager obrigatórios para crianças de seis anos.Essa idéia não vingou, mas, em 1997, a idade de ingresso naescola primária foi reduzida, e a educação compulsória acaboupor ter início aos seis anos de idade. Esse histórico podedesencadear temores de que algo semelhante poderiaacontecer de novo, ou seja, que os Barnehager, novamente,virão a ser invadidos pela pedagogia escolar, e de que a par-ticipação das crianças será menos voluntária, ou até mesmoobrigatória.

Choi: Então, o cerne dos debates é a questão filosófica mais ampla,de como encarar a primeira infância – como um tempo paraa criança ou um tempo para o futuro.

Juell: Sim, é muito importante observar que os dois setores nãodiscordam quanto ao conteúdo pedagógico e a metodologiados Barnehager, uma vez que há consenso suficiente, entreambas as partes, de que bons cuidados levam a uma boaaprendizagem, e que uma boa aprendizagem leva a bonscuidados, e que as crianças aprendem melhor brincando esendo elas mesmas, e que, por meio desse desenvolvimentointegral, elas se preparam melhor para o futuro. Mas, na ver-dade, parece haver uma diferença entre eles quanto aopropósito dos Barnehager.

Choi: A Noruega possui uma boa política de assistência às famílias(por exemplo, licença-maternidade/paternidade, abatimentosfiscais, ajuda financeira etc.). Haveria alguma mudança nessaspolíticas, caso a transferência venha a ocorrer?

Juell: Não, nenhuma mudança será necessária, porque a política deassistência às famílias permanecerá no âmbito do MCAF. Mas

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a transferência para o setor educacional fará com que sejamlevantadas questões quanto a quem tem direito a freqüentaros Barnehager. Se eles se tornarem um serviço educacional,haverá maiores pressões para que eles sejam oferecidos atodas as crianças, o que, por sua vez, poderá pressionar ogoverno a torná-los mais baratos.7 Aliás, já se fala, dentro dogoverno, de tentar a aprovação de legislação que estabeleçaum teto para as mensalidades dos Barnehager. Esse é umsinal de que o governo já vem-se preparando para o acessouniversal aos Barnehager, independentemente do atual debate.

Choi: Para terminar, em sua opinião, qual seria a desvantagem datransferência dos Barnehager para o setor educacional?

Juell: Se os Barnehager passarem a ser vistos, preponderantemen-te, como o primeiro estágio da aprendizagem ao longo davida, isso pode levar a um excesso de ênfase nos resultados,gerando tentativas de medir o desenvolvimento da criança,ou sua aptidão para a escola, o que seria prejudicial aodesenvolvimento das crianças.

7 Nos Barnehager públicos, os pais contribuem com 29% dos custos totais; nos priva-dos, 46% (1996).

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10. A REFORMA DA EDUCAÇÃO ECUIDADO NA PRIMEIRA INFÂNCIA NAINGLATERRA, NA ESCÓCIA E NA SUÉCIA*

10.1 – A INTEGRAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃOE CUIDADO

A Inglaterra e a Escócia (em 1998) e a Suécia (em 1996) transferirama responsabilidade pela educação e pelos cuidados para a primeirainfância (serviços para crianças pequenas) e os cuidados para as criançasem idade escolar (serviços de cuidados a crianças em idade escolar)dos departamentos da área social para os da área educacional.Examinaremos aqui o grau de integração em cada país, e o que essaintegração significou para a relação entre escolas e outros serviços.1

INGLATERRA

À época da transferência, os serviços para crianças pequenas tinhamdesenvolvimento precário e eram fragmentados. Por exemplo, eles se

* Notas sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on Early Childhood)números 12 e 13, de abril e maio de 2003. Elaboradas por Bronwen Cohen e JenniferWallace, Children in Scotland (www.childreninscotland.org.uk) e Peter Moss e PatPetrie, Unidade de Pesquisas Thomas Coram, Instituto de Educação, Londres. Publicadaspela Seção de Educação da Primeira Infância e da Família. Divisão de Educação Básica.UNESCO, Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 Estas notas sobre políticas baseiam-se em um trabalho de pesquisa financiado peloConselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido (R000239373), executa-do por Peter Moss e Pat Petrie (Unidade de Pesquisa Thomas Coram, Instituto deEducação, Londres), Bronwen Cohen e Jennifer Wallace (Children in Scotland), como apoio de Bjorn e Lisbeth Flising (Universidade de Goteberg). Um livro baseado napesquisa, A New Deal for Children? Re-forming Education and Care in England, Scotland andSweden, foi publicado pela The Policy Press, em maio de 2004.

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dividiam entre o atendimento prestado pelas escolas (que já eram res-ponsabilidade do Departamento de Educação) e os serviços de “cui-dados infantis” (de responsabilidade do Departamento de Saúde). Osníveis de atendimento eram baixos e havia muitos tipos de serviços ede prestadores de serviços, a maioria deles pertencente ao setor privado.

Após 1998, a estreita relação entre educação e cuidados infantis foiressaltada em documentos oficiais. Por exemplo, a Estratégia Nacionalde Cuidados Infantis diz que “não há distinção perceptível entre umaboa educação e bons cuidados, nos estágios iniciais”. Na prática, contudo,a continuidade dessa integração foi bastante limitada. Além do mais,em fins de 2002, a responsabilidade pela educação e pelos serviçosdestinados a crianças pequenas foi novamente dividida, desta vez entreo Departamento de Educação e o Departamento do Trabalho.

Essa integração fica mais aparente em duas áreas. Em primeirolugar, os financiamentos públicos para a “educação nos primeiros anos”(para crianças de três e quatro anos de idade; a escolarização compulsóriacomeça aos cinco anos) passaram a atingir todos os tipos de serviço –escolas, creches e creches domiciliares – que preencham determinadascondições. Essas condições incluem a adoção de um novo currículo, oEstágio Fundamental, que abrange também o primeiro ano daescolaridade compulsória, especificando os “objetivos iniciais da apren-dizagem”. Em segundo lugar, a regulamentação foi integrada ecentralizada: uma inspetoria nacional do ensino é responsável pelaregulamentação de todos os serviços de educação e cuidados infantisem todo o país.

Um programa, recentemente anunciado, de “centros infantis” temcomo objetivo integrar os cuidados, a educação e outros serviços – masapenas em áreas carentes. Também recentemente, a legislação passou acapacitar as escolas a assumir um papel mais amplo. Por exemplo, asescolas, ou seus parceiros, têm agora permissão para criar serviços decuidados infantis e de outros tipos. Mas ainda não há sinais dedesenvolvimento de um sistema integrado de “escolas de tempo integral”.

Com a adoção das “transferências condicionadas de renda paracuidados infantis” e de muitas outras fontes de financiamento, as verbas

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públicas aumentaram. No entanto, o financiamento dos serviços tor-nou-se agora mais complexo do que era antes. Os recursos humanos eas qualificações continuam fragmentados. Por exemplo, a remuneraçãoe o treinamento dos profissionais de cuidados infantis são desiguais.

Um dos principais temas foi a colaboração entre as diferentesagências, mais ampla do que a que ocorre entre os serviços para osprimeiros anos da infância, os cuidados a crianças em idade escolar eas escolas. O governo criou uma Unidade de Crianças e Jovens, quevem desenvolvendo uma “estratégia abrangente para todos os servi-ços voltados a crianças e jovens”. Um programa liderado peloTesouro, o Sure Start (Bom Começo) financia programas locais emáreas carentes, integrando cuidados infantis, saúde, assistência às fa-mílias e outros serviços para crianças de menos de quatro anos e suasfamílias.

ESCÓCIA

Na Escócia, as reformas tiveram lugar no contexto da devolução,com o restabelecimento de um parlamento escocês, o que abriu maisespaço ao debate e à legislação.

A Inglaterra e a Escócia ainda têm muito em comum. Por exemplo,antes da transferência de responsabilidade, em 1998, a estrutura e onível dos serviços de cuidados para crianças pequenas e crianças emidade escolar, na Escócia, eram semelhantes aos da Inglaterra. Ambosos países aumentaram as verbas destinadas aos primeiros anos daeducação e a extensão da integração posterior é mais evidente.

Mas há importantes diferenças de ênfase e de enfoque. Da mesmaforma que na Inglaterra, há um currículo que abrange crianças de três aseis anos. Mas o “Currículo de Pré-Escolas” escocês é menos prescritivoque o Estágio Fundamental inglês, oferecendo uma exposição de boaspráticas, mas sem especificação de objetivos de aprendizado. A regula-mentação dos cuidados infantis permanece no âmbito do setor social,embora uma inspeção integrada esteja sendo desenvolvida juntamentecom o setor educacional.

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Uma política importante e peculiar à Escócia é a Iniciativa das No-vas Escolas da Comunidade. O programa piloto, lançado em 1998,está agora sendo estendido a todas as escolas. O objetivo é um enfoqueintegrado e centrado na criança, no tocante tanto à educação quanto àsaúde e à assistência à família. Esse enfoque tem implicações relativas àaprendizagem por toda a vida, e as escolas ou sediam ou estão vincu-ladas aos serviços voltados a crianças pequenas e a crianças em idadeescolar, e também à educação de adultos.

Uma outra característica distintiva é que a responsabilidade pelaassistência às crianças, no nível nacional, foi integrada ao departamentode educação, juntamente com as escolas e os serviços de cuidados acrianças pequenas e em idade escolar. Foi colocada uma forte ênfase nacolaboração entre as diversas agências. Um relatório do governorecomenda que todos os serviços que abrangem a faixa que vai donascimento até os 18 anos (incluindo educação, assistência à criança,assistência social, saúde, lazer e recreação) devem ser vistos como umsistema unitário. Uma Força-Tarefa Ministerial vem implementando comsucesso esse enfoque integrado de todos os serviços infantis.

SUÉCIA

Antes de 1996, a integração já estava bem adiantada. A maioria dasautoridades locais já havia incorporado em um único departamento aresponsabilidade pelos serviços de cuidados para a primeira infância,pelas escolas e pelos serviços de cuidados a crianças em idade escolar.Havia um sistema amplo e bem-dotado de recursos financeiros paraos serviços destinados aos primeiros anos da infância, já então comple-tamente integrados. A integração às escolas dos cuidados às criançasem idade escolar, criando as “escolas de tempo integral”, já estavaavançada, como também a transferência das crianças de seis anos dascreches para as “turmas de pré-escola”, agregadas às escolas. O trabalhode equipe entre professores de pré-escola, professores de escola epedagogos de horas de lazer já era prática comum. Agrupamentos deserviços – primeiros anos, cuidados para crianças em idade escolar eescolas –, com freqüência cada vez maior, eram administrados por um

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rektor, que poderia pertencer a qualquer uma das profissões acima men-cionadas.

A partir da transferência da responsabilidade do setor social paraos departamentos educacionais, que ocorreu em 1996, os princípioseducacionais foram ampliados de modo a abranger os primeiros anose os serviços de cuidados para crianças em idade escolar. Esses serviçossão de acesso universal a todas as crianças de idades entre um e 12anos. Todos os serviços, atualmente, obedecem a currículos: um paraos serviços voltados aos primeiros anos da infância e outro abran-gendo as escolas e os cuidados para crianças em idade escolar. Foiadotado um período de freqüência optativa para crianças de quatro ecinco anos de idade. A medida mais radical foi a unificação dotreinamento do pessoal docente para todos esses serviços.2

CONCLUSÕES

O processo de integração diferiu bastante nesses três países, refle-tindo suas singulares histórias, contextos e agendas políticas. A Suécia jápossui um sistema coerente e integrado de serviços universais, tanto naárea social quanto na educação. “O cuidado infantil para pais trabalha-dores” já havia sido alcançado, e os níveis de pobreza eram baixos.Nenhum desses temas representava uma questão política premente.

Nessas condições, as reformas suecas concentraram-se na educação,visando a atingir um enfoque comum a todos os serviços, que deveriamcompartilhar a maneira de encarar a aprendizagem, os cuidados e ainfância. Essa integração foi embasada numa forte tradição pedagógicade orientação holística, resumida no currículo sueco para as pré-escolas:“a pré-escola deve oferecer às crianças atividades pedagógicas de boaqualidade, em que os cuidados, o desenvolvimento e a aprendizagemformem um todo coerente”.

2 Ver UNESCO. A Integração da Primeira Infância na Educação: o caso da Suécia. Notassobre Políticas para a Primeira Infância, Paris: UNESCO, n. 3, de mai. de 2002.Capítulo 2, desta publicação.

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Na Inglaterra e na Escócia, ao contrário, os processos de integraçãoocorreram em um contexto onde dominava uma forte agenda social,voltada para a redução dos níveis de pobreza e para o aumento dodesemprego. Foi dada prioridade a reforçar “os cuidados infantis parapais trabalhadores”. Há falta de tradições e de princípios políticos ca-pazes de apoiar a integração dos cuidados e da educação. Por exemplo,não existe um conceito de “pedagogia”, e a política baseia-se em inter-venções públicas focalizadas, limitadas, de cuidados infantis, e ofertauniversal de educação financiada por verbas públicas.

A situação escocesa é muito mais parecida com a da Inglaterra doque com a da Suécia, com um forte foco na área social. No entanto, háuma ênfase maior na inclusão social, contrastada à redução da exclusão.Programas tais como as Novas Escolas da Comunidade adotam umavisão mais universalista.

APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA

Nos três países, a integração concentrou sua atenção na escolaridadecompulsória e em sua relação com os demais serviços. Seria possívelcriar “uma relação forte e igualitária” (como recomendado pelorecente relatório da OCDE, Starting Strong)? Ou isso a que os suecoschamam de “escolificação” é mais provável, com a adoção, pelosdemais serviços, de um enfoque escolar estreito e tradicional? NaInglaterra e na Escócia, uma “relação igualitária” foi dificultada pela“economia mista” de serviços públicos, privados e sem fins lucrativos,que gerou uma certa dose de tensão entre a promoção das escolascomo recursos comunitários e as políticas voltadas para o mercado,que dão ênfase ao direito dos pais de escolher a escola a ser freqüentadapor seus filhos.

A experiência desses três países levanta diversas outras questões. Umaintegração ampla exige não apenas repensar, mas também reestruturar.Um conceito inerentemente integrativo, como a pedagogia, embasa deforma sólida esse repensar. Por fim, a integração é dificultada, caso osserviços em questão possuam valores, princípios e objetivos muitodiferentes.

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10.2 – A REFORMA DA FORÇA DE TRABALHO DEEDUCAÇÃO E CUIDADO

INGLATERRA

Antes de 1998, a Inglaterra possuía uma força de trabalhocompartimentada e hierárquica. Os professores, geralmenteformados em universidades e relativamente bem pagos, trabalhavamnos jardins de infância e nas escolas primárias e secundárias defreqüência obrigatória. No outro extremo, encontravam-se os cuida-dores das creches domiciliares, com pouco treinamento e saláriosmuito baixos. No nível intermediário, vinham os “profissionais decuidados infantis”, que trabalhavam em centros, tanto com criançaspequenas quanto com as de idade escolar, e também as assistentesde sala de aula, que na maioria das vezes trabalhavam em turmas decrianças de três a cinco anos e prestavam assistência a criançasportadoras de necessidade especiais. Para estes últimos, tanto o trei-namento quanto os salários, eram baixos, embora melhores que osdos cuidadores das creches domiciliares.

A partir de 1998, a força de trabalho continuou compartimentadae hierárquica. Houve um grande aumento no número de assistentesde sala de aula, devido às políticas adotadas pelo governo, e umaqueda no número dos cuidadores de creches domiciliares, em razãoda queda da oferta. As políticas concentraram-se no aperfeiçoa-mento da força de trabalho ocupada nos cuidados infantis: porexemplo, por meio de mais treinamento “em serviço”: racionali-zando o número excessivo de qualificações, de modo a criar uma“escala progressiva” que facilitasse a mobilidade, tanto vertical quantohorizontal, dos profissionais, e também da criação de novos cami-nhos de progressão funcional, como, por exemplo, uma qualifica-ção de “profissional sênior”. O recrutamento de pessoal para otrabalho de cuidados infantis também se converteu em uma priori-dade: por exemplo, por meio de uma campanha nacional derecrutamento e do estabelecimento de metas para grupos comrepresentação insuficiente, como os homens.

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ESCÓCIA

Em muitos sentidos, a situação anterior e posterior a 1998 foisemelhante à da Inglaterra. Há, contudo, algumas diferenças significativas.Um relatório sobre o futuro da profissão docente levou a umconsiderável aumento salarial para os professores e ao aumento dadisparidade entre os professores e demais grupos profissionais, entreeles os de cuidados infantis e os assistentes de sala de aula. Um segundorelatório recomendou a criação de um exercício de planejamento úni-co da força de trabalho, abrangendo as questões de recrutamento,treinamento e desenvolvimento profissional do pessoal dos serviçosvoltados às crianças. Um exercício de mapeamento da força de traba-lho está atualmente em elaboração. A iniciativa das Novas EscolasComunitárias, cujo objetivo é criar um modo mais integrado de enfocara educação, a saúde e a assistência à família, vem estabelecendo víncu-los entre os diferentes setores e incorporando novos tipos de profissi-onais: cargos de “gerente de integração” (ou equivalente) foram criadosem muitas áreas, enquanto Glasgow reuniu as instituições de educaçãoinfantil e as escolas primárias e secundárias em “comunidades deaprendizagem”, cada uma com um diretor, que pode pertencer aqualquer um desses níveis educacionais.

SUÉCIA

Antes de 1996, havia três grandes categorias profissionais. Osprofessores de pré-escola (Förskollärare) trabalhavam nos serviçosvoltados para os primeiros anos e com as crianças menores dasescolas; os professores das escolas trabalhavam com crianças detodo o espectro da escolaridade obrigatória e com jovens de 16 a19 anos, nas escolas secundárias superiores (gymnasia), enquanto ospedagogos de horas de lazer (fritidspedagog) trabalhavam nosserviços de cuidados às crianças em idade escolar. Essas trêsprofissões eram treinadas separadamente, e os professores dasescolas tinham níveis consideravelmente mais altos de treinamentoe de salários, embora as diferenças não fossem tão grandes. Todaselas tinham formação de nível superior, os professores por, no mí-

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nimo, três anos e meio, e os professores de pré-escola e os pedagogosde horas de lazer por três anos.

Havia também alguns assistentes, principalmente nos serviçosvoltados para os primeiros anos da infância. Mas eles eram minoria, ea tendência era de que a equipe profissional fosse mais numerosa. Amaioria das pessoas que trabalhavam nas creches domiciliares eracontratada pelas autoridades locais, recebendo salários melhores queos da Inglaterra e da Escócia. Já os níveis de treinamento eram igualmentebaixos nos três países.

Um forte movimento em favor das “escolas de tempo integral”havia integrado as escolas (inclusive as “turmas de pré-escola”, paracrianças de seis anos de idade) com os serviços para crianças em idadeescolar. Em muitos casos, as equipes das escolas de dia inteiro provi-nham dos três grupos profissionais, trabalhando com crianças de seis anove anos de idade. Os agrupamentos de serviços – primeiros anos dainfância, cuidados para crianças em idade escolar e escolas – tendiam,cada vez mais, a ser administrados por um rektor, originário de qual-quer uma das três categorias profissionais. A demarcação entre essesgrupos vinha-se tornando menos nítida.

Após 1996, ocorreu uma reforma radical da força de trabalho. Umnovo sistema de formação foi adotado em 2001, abrangendo o trabalhocom crianças e jovens, do nascimento até os 19 anos. As três profissõesprincipais e respectivos sistemas de formação vêm-se transformandoem uma profissão única, com um único sistema de formação. Todosos estudantes agora têm de passar por um curso de bacharelado de, nomínimo, três anos e meio e, ao se formar, terão o título de professor.

Os primeiros dezoito meses dessa formação são constituídos pormatérias básicas, a serem cursadas por todos os estudantes, quer eles seproponham a trabalhar com crianças de 18 meses ou de 18 anos. Essaárea comum da formação, segundo o Ministério da Educação da Suécia,“deve compreender, por um lado, áreas de conhecimento que são deimportância central para a profissão docente, tais como pedagogia,educação para portadores de necessidades especiais, desenvolvimentodas crianças e jovens e, por outro lado, matérias interdisciplinares”. O

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restante do curso consta de estudos de natureza mais especializada: porexemplo, sobre trabalho com a primeira infância e outras áreas especí-ficas. Os estudantes não têm de decidir de partida sua área de especia-lização docente, o que será feito no decorrer do curso, ao contrário doque ocorria no passado.

CONCLUSÕES

Após a transferência da responsabilidade por todos os serviçospara a área da educação, a Inglaterra e a Escócia adotaram aperfeiçoa-mentos quantitativos, sem uma reestruturação fundamental da forçade trabalho, que continua discriminada em professores, assistentes desala de aula e profissionais de cuidados infantis. A força de trabalhotornou-se mais diferenciada, com a introdução de novos cargos de“profissional sênior”, e um maior número de assistentes de sala de aula.Permanecem as grandes diferenças, em termos de treinamento, saláriose status, entre os professores e os demais grupos.

A Suécia deu preferência à reforma estrutural. O objetivo é umaprofissão única, trabalhando com uma faixa etária ampla e em ambientesdiversos – de crianças pequenas, nos jardins de infância, aos adolescentes,nos gymnasia. A idéia norteadora é radical: a integração exige práticasnovas na totalidade do sistema – e não apenas a extensão, para outrosgrupos etários, dos métodos tradicionais de ensino escolar. Por exem-plo, um professor de Física, em um gymnasium, pode encontrarinspiração nas práticas pedagógicas desenvolvidas nos serviços para aprimeira infância e nos serviços de cuidados para crianças em idadeescolar. Ao mesmo tempo, essa reforma implica riscos consideráveis.Foram manifestadas preocupações de que um número excessivo deestudantes irá optar pelo ensino escolar, gerando carência de pessoalnos serviços para os primeiros anos da infância, pois, embora a for-mação esteja agora integrada, os professores de escola ainda são bene-ficiados por melhores salários e condições de trabalho. As reformasforam introduzidas ao longo de um período de tempo bastante curto,mas elas irão exigir mudanças radicais nos métodos usados pelasuniversidades para a formação de professores.

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APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA

Nos três países, a experiência sugere que, para que haja relaçõesmais estreitas entre os diferentes serviços, deve haver novos tipos deadministradores, capazes de trabalhar com os diferentes serviços. Masa reforma, no nível dos profissionais, depende de uma série de condições,inclusive conceitos compartilhados e investimentos públicos. Na Suécia,a integração teve como base um repensar os conceitos de criança e deaprendizagem, e também um bem estabelecido conceito de pedagogia,que trata de forma holística as crianças e os jovens, a fim de apoiar seudesenvolvimento integral. A reforma da força de trabalho sueca baseou-se também em investimentos públicos constantes e de grande monta,o que levou à redução das diferenças salariais e de treinamento entre asvárias categorias profissionais, cuja formação foi agora integrada.Segundo a OCDE, a Suécia gasta 2% de seu PIB apenas nos serviçosvoltados aos primeiros anos da infância.

Nenhuma dessas condições se aplica à Inglaterra ou à Escócia. Aforça de trabalho compartimentada reflete uma arraigada cisãoconceitual entre “cuidados infantis” e “educação”. Mesmo após osrecentes aumentos, os gastos públicos com os primeiros anos da infânciae com os serviços de cuidados a crianças em idade escolar, tomadosem conjunto, perfazem menos de 0,3% do PIB. São necessários inves-timentos muito maiores para reduzir as disparidades entre as diferentescategorias profissionais, e existe um grande obstáculo para que issovenha a ocorrer. Tanto a Inglaterra como a Escócia – como a maioriados países de língua inglesa – possuem sistemas de “cuidados infantis”fornecidos por provedores privados, que operam com regras demercado. As verbas públicas são relativamente poucas, basicamenteum subsídio à demanda (por exemplo, transferências condicionadasde renda) pago diretamente às famílias de baixa renda: a maior partedos serviços, em si, não recebe financiamentos públicos.

Não está ainda claro se os sistemas que dependem fortemente demensalidades pagas pelos pais são capazes de sustentar uma reformaradical da força de trabalho ocupada com os “cuidados infantis”, emtermos de treinamento e salários. Os proprietários dos serviços talvez

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até concordem que os profissionais de cuidados infantis necessitam demelhor treinamento e melhor remuneração. Mas quem paga a conta?As transferências condicionadas de renda, na Grã-Bretanha, sãoconcedidas a 3% das famílias: na média, elas recebem 39 libras esterlinassemanais, quando o custo médio de um jardim de infância é de 120libras. Os pais arcam com custos altos, mas a equipe profissional recebebaixos salários. Enfrentando problemas de recrutamento que só fazemse agravar, quando aumenta a demanda por profissionais enquanto aoferta se reduz, a estrutura de categorias profissionais, aindacompartimentada e hierárquica, tanto na Inglaterra quanto na Escócia,talvez não seja apenas um obstáculo a um enfoque integrado dosserviços, mas, além disso, uma situação insustentável.

A aprendizagem ao longo da vida, a partir do nascimento, que tornaindistintas as fronteiras entre a aprendizagem formal e a informal, etambém entre cuidados e educação, requer uma visão ampla. A discussãoda integração não pode-se limitar aos serviços voltados para osprimeiros anos da infância: ela tem de abranger os serviços para aspré-escolas e também para as crianças em idade escolar, e tanto osserviços de “cuidados infantis” quanto as “escolas”. Um enfoqueholístico das crianças e dos jovens tem de ser acompanhado por umareforma da força de trabalho, na qual desapareçam as disparidades,em termos de treinamento, status e remuneração, entre os profissionaisque trabalham com crianças mais novas e os que lidam com criançasmais velhas.

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11. O IMPACTO DA AIDS SOBRE OSCUIDADOS E A EDUCAÇÃO DAPRIMEIRA INFÂNCIA*

A SITUAÇÃO ATUAL DA PANDEMIA DO HIV

A epidemia do HIV transformou a infância, a juventude e a idadeadulta de milhões de pessoas em todo o mundo. Mais de três milhõesde crianças e 38 milhões de adultos encontram-se infectados pelo vírus,em todo o mundo. A epidemia afeta a primeira infância tanto peladoença e morte das próprias crianças quanto pela doença e morte deseus pais, professores e outras pessoas responsáveis por cuidar delas.

Embora as marcas da pandemia do HIV sejam sentidas em todo omundo, seu impacto, atualmente, é maior no Cone Sul da África. Só noano passado, ocorreram 3,5 milhões de novos casos de infecção entreadultos e crianças na África Subsaariana. Entretanto, países muito dis-tantes da África também foram afetados. Em tempos recentes, o rápi-do crescimento dos índices de infecção na Ásia e na Europa Central eOriental passaram a atrair a atenção. No Leste Europeu e na Ásia Central,1,2 milhão de adultos e crianças estão vivendo com o HIV. A Índiatem 4 milhões de adultos e crianças infectados, um total inferior apenasao da África do Sul. Caso a atual tendência se mantenha, em 2010, 10milhões de chineses estarão infectados.

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 10, de maio de 2003. Elaborada por Jody Heymann, Ph.D.,Diretora-fundadora do Projeto Global sobre Famílias Trabalhadoras, Universidadede Harvard. Pubblicada pela Seção de Educação da Primeira Infância e da Família.Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

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Ao mesmo tempo em que, em países com escassez de recursos,novos programas destinados a aumentar o acesso ao tratamento tra-zem novas esperanças de uma sobrevida mais longa para as pessoasinfectadas, a disponibilidade de medicamentos é apenas um dos aspec-tos das medidas que se fazem necessárias. Um dos maiores desafiospara os países que já apresentam altos índices de infecção é como cui-dar das crianças saudáveis e, simultaneamente, atender às necessidadesdos adultos e crianças já infectados. Para alguns países, essa tarefa é departicular urgência. Na África do Sul, estima-se que cerca de 20% dosadultos em idade reprodutiva estejam infectados; no Zimbabwe, essacifra é de 34%; em Botswana, de 39%; na Swazilândia, de 33%; noLesoto, de 31%; na Namíbia, de 23%; em Zâmbia, de 22%; e emMalawi, de 15%.1

UM ESTUDO PARA ENTENDER O IMPACTO DO HIVSOBRE A INFÂNCIA

A fim de entender a melhor maneira de dar assistência às famílias quecriam seus filhos em meio à epidemia de HIV, o Projeto Global sobreFamílias Trabalhadoras realizou um levantamento representativo,abrangendo mais de 1.000 pais e outros responsáveis por crianças, usandoos serviços de três localidades de Botswana.2 Essas pessoas foramentrevistadas na capital do país, Gabarone, na grande cidade de Lobatsee na aldeia urbana de Molepolole. O estudo foi planejado de modo aobter amostragens proporcionais ao número total dos habitantes dasgrandes cidades, das cidades e das aldeias urbanas, em todo o país – astrês grandes classificações censitárias adotadas em Botswana. O índice derespostas foi de 96%. Foi colocada aos pais uma série de perguntas deta-lhadas sobre saúde, cuidados e educação das crianças em idades pré-

1 Estatísticas adicionais podem ser obtidas nas publicações: UNAIDS/. WHO. 2002.Epidemological fact sheets on HIV/AIDS and sexually transmitted infections;UNAIDS/WHO, 2002. Aids Epidemics Update. Dezembro. 2002.

2 Este estudo foi desenvolvido por Jody Heymann e coordenado por Divya Rajaraman,como parte de uma parceria entre o Ministério da Saúde de Botswana e a Universi-dade de Harvard.

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escolar e escolar, e tanto os pais quanto os outros responsáveis respon-deram a perguntas detalhadas sobre os cuidados dispensados aos mem-bros adultos da família, inclusive os infectados pelo vírus da Aids.

A análise dos resultados do levantamento deixa claro que o HIVvem tendo um impacto crítico tanto sobre as crianças infectadas quantosobre aquelas que têm parentes infectados pelo HIV.

RESULTADOS: CUIDADOS INFANTIS

Os pais que cuidam de parentes infectados com o HIV3, muitomais do que os que não têm essa incumbência, tendem a afirmar queestão preocupados com a qualidade dos cuidados recebidos por seusfilhos (53% contra 34%). Eles se preocupam principalmente com oscuidados recebidos pelas crianças, quando elas adoecem. Entre os paisque cuidam de pessoas com Aids, 75% se preocupam com os cuida-dos que seus filhos irão receber, caso adoeçam.

RESULTADOS: CUIDANDO DE CRIANÇAS DOENTES

Na ausência de cuidados adequados para crianças infectadas com oHIV, quando elas desenvolvem os sintomas da doença, os pais são osque têm de assumir esses cuidados. Conseqüentemente, eles, muitasvezes, têm de faltar ao trabalho para atender à criança enferma. Entreos pais que cuidam de doentes de Aids, 29% faltam ao trabalho pelomenos uma vez por mês, para atender a crianças doentes, contra 19%entre os que não têm esse encargo. A necessidade de se ausentar dotrabalho para cuidar de crianças doentes freqüentemente leva à redu-ção dos rendimentos e, às vezes, à perda do emprego. Ambas essaspossibilidades podem ter sérias implicações para a capacidade das fa-mílias de dar assistência adequada a seus filhos pequenos, uma vez quea redução de sua renda pode levá-los a uma situação de pobreza aindamais grave.

3 Os resultados relatados nesta nota descrevem famílias nas quais havia, pelo menos,uma criança entre zero e cinco anos de idade.

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RESULTADOS: O TEMPO QUE OS PAIS TÊM PARAPASSAR COM OS FILHOS

As crianças pequenas não-infectadas, mesmo assim são profunda-mente afetadas pela epidemia – tanto quando seus pais adoecem comoquando eles têm de cuidar de outros doentes. A necessidade de cuidarde familiares infectados afeta a capacidade dos pais de oferecer aosfilhos sadios os cuidados de rotina. Os pais sobrecarregados com essaresponsabilidade gastam cerca de 74 horas por mês cuidando de seusfilhos, 22 horas a menos que os que não precisam cuidar de um doen-te. As horas necessárias para cuidar de familiares infectados diminuemsignificativamente o tempo disponível para seus filhos, que, em 48%dos casos, se reduz a duas horas diárias, ou menos ainda.

RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICAS

Diversas considerações importantes, de ordem política, surgem apartir do que estamos começando a aprender sobre o impacto doHIV nas famílias com filhos pequenos. Em particular, essas conside-rações dizem respeito à quantidade e à natureza dos serviços de cuidadose educação para a primeira infância que se fazem necessários, bemcomo ao apoio que tem de ser dado aos pais para que, tanto elescomo outros membros de suas famílias mais amplas, possam cuidardas crianças infectadas pelo HIV, ou de outro modo afetadas pelaepidemia.

Em primeiro lugar, temos de aumentar a oferta de cuidados eeducação para a primeira infância nos países que apresentam os maioresíndices de HIV. Muitos pais, que antes cuidavam de seus filhos em casa,deixaram de poder fazê-lo, em razão de doença ou morte. Ao mesmotempo, os pais sobreviventes precisam trabalhar, ou, nos casos em queambos os genitores morreram, os membros da família mais amplatêm de trabalhar, o que vem aumentando a demanda por serviços decuidados e educação para a primeira infância. Além do mais, comodemonstrado acima, o tempo que os pais sadios têm para cuidar deseus filhos, seja como o principal ou o único responsável, vem-se

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reduzindo, uma vez que eles têm de passar mais tempo cuidando dosfamiliares doentes.

Em segundo lugar, o HIV vem alterando a natureza da demandapor cuidados para a primeira infância. As crianças infectadas ouafetadas passaram a enfrentar desafios maiores em termos de saúdee desenvolvimento. Para enfrentar essa grave situação, teremos deaumentar a capacidade dos responsáveis por cuidados infantis delidar, tanto com crianças doentes quanto com crianças que apresen-tam problemas de desenvolvimento, e aumentar também apossibilidade dos pais ou guardiães de obter licenças para se ausentardo emprego, sem perda de remuneração, para que eles possam cuidarde seus filhos, no caso de esses serviços de cuidados infantis nãoestarem disponíveis. Ambas as medidas são praticáveis. Fazendo usotanto de atendimento domiciliar por profissionais de saúde e assistênciasocial quanto encaminhando as crianças para serviços públicos situadosna vizinhança, os programas de cuidados domiciliares, no sul da África,já estão funcionando de modo a assistir nos cuidados com a saúdefísica e mental das crianças que foram deixadas órfãs, ou cujos paisestão doentes demais para cuidar delas. Programas de creches podemser mais baratos que os residenciais, podendo oferecer o mesmonível de assistência, tão necessária às crianças que residam nacomunidade, quer elas estejam doentes ou sejam de outro modoafetadas pelo vírus.

O aumento da disponibilidade de licenças remuneradas, um ingre-diente de importância capital para o papel desempenhado por pais ouguardiães, também é praticável. Vinte países africanos, como muitosoutros em todo o mundo, já prevêem, em seus códigos trabalhistas ouem suas políticas públicas, licenças remuneradas para tratamento desaúde do próprio empregado. Essas políticas têm apenas de sofreralguns ajustes, de modo a estender a licença remunerada a doenças defamiliares. A África do Sul já adotou uma política de licenças remune-radas em caso de doenças dos filhos dos empregados, ou de morte nafamília. Embora os países africanos sejam os que enfrentem os maisaltos índices de incidência do HIV, mudanças políticas como essas sãoigualmente necessárias em todas as regiões do mundo. Essas mudanças

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representariam um avanço da maior importância para os trabalhado-res do setor formal, em todo o mundo. Têm ainda de ser desenvolvi-das iniciativas paralelas para disponibilizar essas licenças remuneradasaos que trabalham no setor informal.

Em suma, os cuidados com a saúde e o desenvolvimento das crian-ças infectadas ou afetadas pela epidemia da Aids, cada vez mais, terãode ser divididos entre suas famílias e os profissionais dos serviços decuidados para a primeira infância. Apenas a união de seus esforçospermitirá que as crianças recebam cuidados adequados, e que seus paisou guardiães continuem trabalhando para obter a renda necessária parasua sobrevivência. Está claro que a necessidade geral de bons serviçosde cuidados para a primeira infância vem aumentando, em conseqüênciada Aids. Não apenas é necessário o aumento da oferta desses serviços,mas também é preciso que eles se adaptem, de modo a atender àsnovas demandas colocadas pelas crianças infectadas ou afetadas peloHIV. Os serviços de cuidados para a primeira infância podem desem-penhar um papel de importância essencial face à epidemia da Aids, naassistência à sobrevivência das famílias e das sociedades. Simultanea-mente, os pais e demais responsáveis por esses cuidados a criançasinfectadas ou afetadas pelo HIV precisam ter condições de trabalho eapoio de seus empregadores, para que eles possam assumir, de fato,seu papel nessa parceria, e enfrentar essa tarefa de importância tãocrucial.

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12. A REFORMA DOS CUIDADOS E DAEDUCAÇÃO PARA A PRIMEIRA INFÂN-CIA NA REPÚBLICA DA CORÉIA*

12.1 – “A ESCOLA PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA”

Em 1997, a então Comissão Presidencial para a Reforma Educacionalanunciou uma proposta de reforma para o sistema de cuidados eeducação para a primeira infância do país, introduzindo o conceito deEscolas para a Primeira Infância (EPIs), ou Yoo-Ah-Hak-Kyo, um ser-viço integrado de cuidados e educação, apresentando também o textoda Lei da Educação para a Primeira Infância. Seis anos depois, essasidéias de reforma ainda são objeto de acalorados debates, e poucoprogresso foi feito quanto à sua implementação. Para saber mais sobreessa reforma e sobre o impasse que a cerca, foi combinada uma entre-vista com o Dr. Jung Na, Pesquisador Sênior do Instituto Coreano deDesenvolvimento Educacional, o arquiteto dessa proposta.1 Essaentrevista foi feita pela Srª Soo-Hyang Choi, da sede da UNESCO, emParis, que organizou os trechos abaixo citados. As opiniões expressasnesta nota não refletem as do Governo da Coréia, nem tampouco asda UNESCO.

* Notas sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) números 15 e 16, de julho-agosto e setembro de 2003. Elaboradas porSoo-Hyang Choi, Chefe da Seção de Educação da Primeira Infância e da Família.Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www. unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

1 Para maiores detalhes, ver Na, J.; e Moon, M. (2003). Integrating policies and systems forearly childhood education and care: the case of the Republic of Korea. Paris: UNESCO,2003. (UNESCO, early childhood and family policy series; n 7).

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Choi: O senhor poderia nos falar sobre as Escolas para a PrimeiraInfância (EPIs) criadas pela Proposta de Reforma de 1997(doravante referida como a Proposta)?

Na: As EPIs são um serviço integrado de cuidados e educaçãopara crianças de três a cinco anos de idade, visando a promovero desenvolvimento integral da criança, bem como a atenderaos pais em sua demanda de cuidados infantis. Aresponsabilidade administrativa pelas EPIs, que serão integradasao sistema nacional de educação, será assumida pelo Ministé-rio da Educação e do Desenvolvimento de Recursos Huma-nos (MERH).

Choi: As EPIs seriam uma nova forma de serviço, que viria asubstituir os serviços hoje existentes?

Na: As EPIs não pretendem substituir os serviços existentes. Osserviços atuais – jardins de infância, os serviços de cuidado eos Hakwons2 – serão transformados em EPIs, após a adoçãode determinados padrões.3 As EPIs, portanto, são um novoconceito – uma “escola centrada nos cuidados” para criançaspequenas – a ser implementado dentro dos serviços já existentes.

Choi: Por que foi necessário esse conceito, enfatizando a inte-gração?

Na: Os serviços para a primeira infância, na Coréia, sãobifurcados, sendo ou um serviço educacional ou um serviço

2 As crianças pequenas geralmente freqüentam os Hakwons para aprender desenho,piano, dança, esportes, aritmética, línguas estrangeiras, caligrafia etc. Esses Hakwons,muitas vezes, oferecem serviços de cuidados e educação para a primeira infância,pelo menos parcialmente.

3 Por exemplo, muitos jardins de infância privados já funcionam em horário integral,mas os que funcionam em tempo parcial teriam de ampliar seus serviços para sequalificarem a se converter em EPIs; e as creches e Hakwons deveriam seguir, pelomenos em parte, o currículo nacional para os jardins de infância, contratar professo-res credenciados para a educação de crianças pequenas e passar por inspeções dasautoridades educacionais.

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de cuidados, raramente ambos. Essa situação se deve ao fatode haver responsabilidades administrativas paralelas, no quediz respeito às crianças de três a cinco anos, algumas dessasresponsabilidades cabendo ao Ministério da Educação edo Desenvolvimento de Recursos Humanos e outras, aoMinistério da Saúde e dos Assuntos Sociais (MSAS).4 Háuma superposição dos planos de cada um desses ministéri-os para a expansão dos serviços, para treinamento e para aestrutura pedagógica dos serviços voltados para criançasde três a cinco anos – no MSAS, tratando dos serviços decuidados, e, no MERH, dos serviços educacionais de jardinsde infância. O resultado dessa duplicação de sistemas é odesperdício de recursos humanos e financeiros. Além disso,a competição entre os fornecedores de serviços de cuida-dos e de educação para o mesmo grupo-alvo de crianças éenorme.

Choi: Como uma denominação para um serviço integrado,contudo, “Escolas para a Primeira Infância” não parece ser onome mais apropriado, por estar muito associado à educação.Houve alguma razão especial para a escolha desse nome?

Na: A Coréia tem uma propensão natural a respeitar a aprendi-zagem e a educação. Os pais vêem a escola como uma insti-tuição para onde eles têm de mandar as crianças. A palavra“escola” também traz à mente a imagem de um lugar deaprendizagem séria. O nome EPI, portanto, foi pensado

4 O MSAS gere os serviços destinados a crianças de zero a cinco anos, enquanto oMERH é responsável pelos serviços de jardins de infância, freqüentados porcrianças de três a cinco anos. Mas como, na Coréia, a maioria das crianças de zeroa dois anos de idade fica em casa, as de três a cinco são o principal grupo-alvo dosserviços de cuidados infantis do MSAS, o que torna ainda mais intensa a tensão ea duplicação de funções entre os dois ministérios. Em reação à proposta dereforma do MERH para as crianças de três a cinco anos, o MSAS, nesse ínterim,desenvolveu e implementou uma proposta de subsidiar os serviços para a faixa dezero a dois anos.

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5 No entanto, os jardins de infância públicos que funcionam nas escolas recebemsubsídios do governo, da mesma forma que as escolas. Essa discriminação, portanto,tem mais a ver com a exclusão, pelo setor público, dos serviços privados, de naturezacomercial.

como uma maneira estratégica de valorizar a percepção queas pessoas têm das instituições para a primeira infância, emobilizar a atenção do governo para esse grupo etário.

Choi: Como os pais reagiram a esse nome?

Na: Quando perguntados, eles davam a impressão de que EPIera o nome preferido para o novo serviço.

Choi: Mas essa preferência pode indicar que eles esperam que asEPIs sejam uma instituição de aprendizagem séria, e eu imaginoque essa aspiração educacional talvez prejudique a intenção defazer das EPIs um sistema integrado.

Na: Uma das razões pelas quais o conceito de EPIs agrada aospais é que elas funcionariam como um serviço de tempo integral,atendendo a suas necessidades de cuidar de seus filhos. Eles,portanto, são plenamente favoráveis a um serviço amplo, queabranja tanto os cuidados quanto a educação. Mas não se podedescartar a possibilidade de as EPIs serem assimiladas, em termospedagógicos, pelas escolas – a chamada “escolificação”. Umavez que esse perigo de fato existe, alguns especialistas chegarama sugerir que “jardins de infância” seria um nome melhor.

Choi: Por que essa sugestão não foi levada em conta?

Na: Em primeiro lugar, para abarcar todos os serviços existentes,precisávamos de um terceiro nome, que não fosse associadoa nenhum deles. Mas houve também uma razão mais realista.Na Coréia, de acordo com as leis vigentes, os jardins deinfância são reconhecidos como a primeira modalidade deescola, mas os jardins de infância privados, com fins lucrativos,que representam 78% das matrículas em jardins de infânciaem todo o país, não recebem apoio financeiro do governo,pela simples razão de não levarem o nome de “escola”.5

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Portanto, jardim de infância não era um nome estratégico,desse ponto de vista.

Choi: É compreensível que os jardins de infância privados tenhamgostado muito da Proposta. Mas eles gostaram da perspectivade estender seu atendimento de turno único para umatendimento em tempo integral, a fim de se converter emEPIs?

Na: A Proposta trazia um plano de universalizar a freqüênciade crianças de cinco anos às EPIs, e isso se aplicaria tanto àsEPIs públicas quanto às privadas. Os jardins de infânciaprivados interpretaram isso como uma forma de apoio dogoverno, que, finalmente, estaria disponível aos serviçosoferecidos por eles. Por essa razão, eles estavam dispostos aaceitar quaisquer “cargas” adicionais implicadas nesse pro-cesso de transformação.

Choi: E quanto aos provedores de serviços de cuidados infantis?Devido à grande afinidade com a educação, o conceito deEPI não deve ter sido muito confortável para eles.

Na: Os serviços públicos de cuidados infantis, subsidiados pelogoverno, temiam perder o apoio deste. Mas os provedoresprivados ficaram satisfeitos com a “mobilidade social”associada às EPIs, uma vez que os serviços prestados poreles seriam considerados como escolas, e eles assumiriam otítulo de “diretor”6. Mas, com o passar do tempo, osprovedores de serviços de pequena escala ou de baixaqualidade começaram a temer que seus serviços nãoconseguiriam atender aos padrões exigidos pelas EPIs, edesapareceriam. Esse medo também era comum entre osoperadores comerciais dos Hakwon, cujo ensino tendia anão contar com a aprovação dos educadores especializados

6 Atualmente, eles são chamados de “responsáveis pelo estabelecimento”, e os serviçosdirigidos por eles são “os estabelecimentos”, termos esses que não são vistos comorespeitáveis.

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em primeira infância. A resistência apresentada por esses gru-pos vem sendo feroz.

Choi: Esse medo era infundado?

Na: Sim, era. A Proposta deixou claro que nenhum serviço exis-tente seria eliminado para a criação das EPIs, e que o governopretendia trabalhar em medidas de apoio, a fim de aperfeiçoaros serviços existentes, para que eles pudessem ser incorpora-dos à estrutura das EPIs.

Choi: Qual foi a reação do MSAS às EPIs?

Na: O MSAS interpretou as EPIs como um serviço orientadopara a educação, que seria adequado apenas para as criançasde classe média. Para as crianças carentes, o ministério insistiaem que um enfoque baseado mais nos cuidados seria maisapropriado. O MSAS fazia uma distinção estrita entre cuidadose educação, como se fossem dois conceitos diferentes.

Choi: Haveria alguma perspectiva de que a competência financei-ra do MSAS venha a ser reduzida com a introdução dasEPIs, o que, creio eu, seria uma razão mais válida para essaoposição?

Na: O orçamento do MSAS não seria reduzido em termos devolume, mas sim canalizado unicamente para os serviçosvoltados a crianças de zero a dois anos, uma vez que aresponsabilidade pelos serviços voltados às crianças de três acinco anos passaria para o MERH. Na versão revisada daProposta, essa divisão de trabalho inicial sofreu outros ajustes,para permitir que tanto o MSAS quanto o MERHmantivessem autoridade financeira sobre seus respectivosserviços de cuidados e educação, quando estes forem con-vertidos em EPIs. Nesse meio tempo, o MERH teria seuorçamento aumentado, para fazer face às suas novas respon-sabilidades de treinar o pessoal das EPIs e oferecer freqüênciagratuita às EPIs às crianças de cinco anos. Um aumento deverbas foi também planejado, para permitir que o MSAS

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apoiasse a criação de novas EPIs. Em suma, o objetivo eraum enxugamento da superposição das responsabilidadesfinanceiras, embora sem cortes no orçamento de nenhumdos ministérios.

Choi: Nesse caso, qual, em sua opinião, foi a verdadeira razão daresistência apresentada pelo MSAS à Proposta?

Na: O MSAS temia que as responsabilidades administrativas efinanceiras relativas às EPIs acabassem por ser transferidas parao MERH, uma vez que o conceito que embasava essas escolasestava intrinsecamente associado à educação, e que o MSASperderia seu controle sobre os serviços para a faixa de três acinco anos.

Choi: O MERH estava disposto a aceitar as novas e maioresresponsabilidades relativas às EPIs?

Na: O MERH concordava, basicamente, com a direção tomadapela reforma, inclusive a idéia das EPIs. Com suaconcordância, a Proposta poderia ser apresentada, antes dequalquer coisa, ao então Presidente Kim, e em seguidaanunciada. Mas, quando o MERH teve de enfrentar aoposição do MSAS e de seus defensores, ele não “reagiu”.7Uma das razões para tal, segundo acredito, é que a educaçãode crianças pequenas não é uma prioridade do MERH, eseria difícil criar um orçamento, dentro do setor educacional,para fazer face a essa nova responsabilidade. Essa falta deapoio por parte do principal ministério técnico, em parte,contribuiu para que a Proposta perdesse ímpeto.

7 O MERH, no entanto, participou, em alguma medida, do trabalho preparatório,encomendando aos Institutos Coreanos de Desenvolvimento Educacionaluma série de estudos sobre a experiência das EPIs, seus modelos deorganização, seus métodos de treinamento integrado e seu vínculo com oensino primário, para citar apenas alguns aspectos. Para referênciascorrelacionadas ao tema, entrar em contato com o Dr. Jung Na([email protected]).

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12.2 – A LEI DA EDUCAÇÃO PARA A PRIMEIRAINFÂNCIA

Choi: O senhor poderia nos falar sobre o contexto noqual a Lei da Educação para a Primeira Infância foiproposta?

Na: Quando o Ministério da Educação e do Desenvolvi-mento de Recursos Humanos8, em 1997, elaborou a re-visão da Lei da Educação, visando a reformá-la, os espe-cialistas em primeira infância e as partes interessadas nessaárea solicitaram que uma lei separada fosse redigida, tra-tando especificamente da educação para a primeira in-fância. Mas a área foi novamente colocada sob a jurisdi-ção da Lei da Educação Primária e Secundária.9 Essa ques-tão inacabada necessitava de atenção.

Choi: O fato de não haver uma lei separada para a primeirainfância causava problemas específicos?

Choi: Qual seu conselho a outros países que estejam tentan-do implementar uma reforma dessa natureza?

Na: O patrocínio do governo aos serviços para a primeirainfância deveria ser aperfeiçoado, antes de tudo, visan-do a assegurar o desenvolvimento integral das crian-ças. Deve-se sempre ter em mente o ideal de colocaro interesse das crianças acima de qualquer outra consi-deração. Se a reforma for vista, pelos ministérios inte-ressados, como uma oportuni-dade de expansão oude redução “territorial” ela será, no máximo, um re-mendo.

8 Na época, o nome desse órgão era Ministério da Educação. Em 2001, o nomemudou para Ministério da Educação e do Desenvolvimento de RecursosHumanos.

9 Mesmo anteriormente, a educação para a primeira infância era abrangida pelaLei da Educação Primária e Secundária.

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Na: Em primeiro lugar, essa inclusão na educação pri-mária e secundária faz com que não seja dado reco-nhecimento específico à educação para a primeirainfância, como um estágio distinto da educação. Emsegundo lugar, a Lei da Educação Primária e Secun-dária não foi considerada adequada para a nova Es-cola para a Primeira Infância (EPI) integrada,10 queabrange não apenas as funções educacionais, mas tam-bém as funções de cuidados. Em terceiro lugar, o apoiogovernamental é negado aos jardins de infânciaprivados, com base na alegação de que não existe umalei tratando dos jardins de infância.11 Esses não têmdireito, por exemplo, aos subsídios governamentaispara o arroz usado no preparo dos almoços e merendasdas crianças, ajuda essa disponível aos estabelecimen-tos escolares. Por fim, de acordo com a lei vigente, osprofessores de escola primária podem-se tornar pro-fessores de pré-escola sem necessidade de treinamentoespecífico. Uma lei separada foi necessária para retirarda lei atualmente em vigor essas características potenci-almente nocivas à pedagogia para a primeira infância.

Choi: Já faz seis anos que a Proposta para a Lei da Educa-ção para a Primeira Infância foi divulgada, transforma-da em projeto e apresentada aos legisladores.12 Mas essalei ainda não foi aprovada. Qual tem sido o problema?

Na: Um dos problemas é que a Proposta não foi apre-sentada pelo ministério competente, o Ministério da

10 Um serviço integrado, de horário integral, para crianças de três a cinco anos,apresentado na Reforma de 1997.

11 Os jardins de infância nacionais/públicos que funcionam nas escolas são trata-dos como escolas, tendo direito ao apoio governamental reservado a estas.

12 A Proposta foi apresentada por quatro vezes, em 1997, 1999, 2001 e 2003.Na Coréia, se uma proposta não chega a ser tratada em uma determinadaSessão Anual, ela é automaticamente abandonada. Para que ela mantenhasua condição de proposta, ela tem de ser reapresentada na Sessão Anualseguinte.

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13 Serviços comerciais oferecendo aulas de arte, piano, dança, esportes, aritmética, línguasestrangeiras etc. para crianças pequenas. Esses serviços oferecem programas quecombinam cuidados para a primeira infância e atividades educativas.

Educação e Desenvolvimento de Recursos Humanos, massim pelos Membros da Assembléia Nacional.

Choi: Se a Proposta foi colocada na pauta por iniciativa internada Assembléia Nacional, ela deve ter recebido algum apoio,pelo menos partindo de seus Membros. Isso não foisuficiente?

Na: A Proposta da Assembléia Nacional para a Lei daEducação para a Primeira Infância foi gerada, inicialmente,por argumentos apresentados pelos operadores de jardinsde infância. Mais tarde, os fornecedores de serviços decuidados para a primeira infância e os operadores dosHakwon13 participaram de um lobby pedindo o veto daProposta. Nesse processo, os membros da Comissão deEducação, que apresentou a Proposta, passaram a seperguntar se essa Proposta não favoreceria indevidamenteos jardins de infância. Eles, portanto, hesitaram em trabalharpor ela, o que, em parte, contribuiu para o impasse naaprovação da Lei.

Choi: Em que situação se encontra agora a Proposta?

Na: Este ano ela foi novamente apresentada pela AssembléiaNacional, e rejeitada. Recentemente, entretanto, ficamossabendo que o Ministério da Educação e Desenvolvimentode Recursos Humanos está examinado a possibilidade deelaborá-la na forma de uma Proposta Governamental. Seisso acontecer, será mais fácil superar o impasse.

Choi: A Proposta Governamental do Ministério da Educação eDesenvolvimento de Recursos Humanos para a Lei daEducação para a Primeira Infância será semelhante à sugeridana Reforma de 1997?

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Na: Sim, mas ela tratará apenas dos jardins de infância, deixandode fora os serviços de cuidados para a primeira infância e osHakwon. Na verdade, a reforma original foi revista em 1997,visando a restringir o âmbito da Proposta, de modo a incluirapenas os jardins de infância. A Proposta Governamentalpara a Lei provavelmente refletirá essa revisão.

Choi: A reforma revisada ainda era centrada no conceito de Escolapara a Primeira Infância (EPI)?

Na: Sim, a principal concepção de EPI – ou seja, criar serviçosintegrados de cuidados e educação em tempo integral – foimantida. Mas ficou decidido que o serviço integrado não sechamaria EPI. Desse modo, a Proposta Governamental paraa Lei da Educação para a Primeira Infância, apresentada peloMinistério da Educação e Desenvolvimento de Recursos Hu-manos usaria o termo Jardins de infância, não Escolas para aPrimeira Infância.

Choi: Caso a Lei da Educação para a Primeira Infância tratandoapenas dos jardins de infância seja aprovada, o senhor aindaassim a veria como um avanço?

Na: Sim, em primeiro lugar, com uma Lei da Educação para aPrimeira Infância, a Lei Educacional do país contará comlegislações para o conjunto completo dos ciclos da vida,cobrindo a primeira infância, os ensinos primário, secundário,superior e a educação de adultos. Em segundo lugar, a Leida Educação para a Primeira Infância certamente irá prepararo terreno para o apoio governamental aos jardins de infânciaprivados.

Choi: Uma das mudanças significativas que a Lei da Educaçãopara a Primeira Infância tenta estabelecer é transformar osjardins de infância em serviços de horário integral, paraatender às necessidades dos pais com relação ao cuidadodos filhos pequenos. A demanda de serviços de cuidado paraa primeira infância é grande na Coréia?

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Na: O cuidado para a primeira infância é uma das principaisrazões que impedem as mães de procurar emprego fora decasa. Recentemente, o baixo índice de fertilidade do país foiatribuído, em parte, à carga do trabalho de cuidar de criançaspequenas. De modo que existe uma crescente preocupaçãocom a necessidade de serviços para a primeira infância,visando a aumentar a participação feminina no mercado detrabalho e a promover a igualdade entre os gêneros.

Choi: Dado o contexto social do país, o senhor acredita que aimplementação da Reforma teria sido facilitada caso ela tivessese centrado na questão do cuidado para a primeira infância,argumentando a favor de uma maior responsabilidade serconferida ao setor do bem-estar social?

Na: Poderia ter sido mais fácil.

Choi: Nesse caso, poder-se-ia dizer que a reforma de cunhonitidamente educacional, centrada no aumento da responsa-bilidade do setor da educação, representou um equívoco?

Na: Não, como o próprio Ministério da Educação e do Desen-volvimento dos Recursos Humanos concordou, a Reformaaponta para a direção certa a ser tomada pelo país, emboraela seja de difícil implementação. E chegou a hora depensarmos seriamente em nosso futuro. Com relação àperspectiva educacional, eu gostaria de observar que integraro cuidado e a educação sob a responsabilidade do setoreducacional é a direção que, ultimamente, vem sendo adotadae examinada pelos países desenvolvidos. Mas, alguns anosatrás, os investimentos desses países na primeira infância tam-bém eram justificados principalmente como uma forma deaumentar a participação das mulheres na força de trabalho ede promover a igualdade entre os gêneros. A Coréia encontra-se nesse estágio inicial de desenvolvimento, mas ela logo pas-sará a uma fase mais avançada. Portanto, a reforma teria defato sido equivocada e anacrônica, caso ela privilegiasse umaperspectiva que, logo em seguida, viria a ser substituída por

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uma outra. Corrigir uma reforma malfeita é mais difícil emais caro do que implementar uma reforma nova. Uma re-forma deveria estabelecer uma visão de futuro.

Choi: Qual o seu conselho aos países que estão tentando começarum esforço legislativo dessa natureza?

Na: Os governos não devem ter medo de trazer a primeirainfância para dentro da estrutura educacional. Como nóstentamos, com o conceito de Escolas para a Primeira Infância,pode-se chegar a um serviço cujo objetivo seja tanto aeducação quanto o cuidado. O problema surge apenas quandoo conceito de educação é entendido e interpretadoestritamente no “velho” sentido da escolarização. Mas agoraque os países, embora lentamente, estão deixando para trás oconceito de educação convencional e restrito ao ensino,adotando uma visão ampliada da educação, os programaspara a primeira infância que apresentam características tantode ensino quanto de cuidado devem conquistar uma posiçãosólida. Já é tempo de o conceito de educação se tornar maisflexível e aberto, em vez de a primeira infância ser distorcidade modo a caber no antigo conceito.

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13. O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DOCUIDADO PARA A PRIMEIRA INFÂNCIANA PROMOÇÃO DA IGUALDADE DEOPORTUNIDADES*

ANTECEDENTES

Tanto nos países industrializados quanto nos países em desenvol-vimento, os programas de educação pré-escolar vêm-se provandocapazes de trazer ganhos de importância crítica para o desenvolvimentosocial, emocional e cognitivo das crianças. Além do mais, estudos vi-sando a acompanhar as crianças ao longo dos anos passados emprogramas de educação para a primeira infância e, subseqüentemente,na escola, vêm demonstrando que as crianças que tiveram a oportuni-dade de receber cuidado e educação de qualidade nos seus primeirosanos têm desempenho acadêmico significativamente superior, quer elasestejam sendo criadas na América Latina, na África, na Ásia, na Américado Norte ou na Europa. Em razão dos benefícios trazidos pelaeducação para a primeira infância, é de importância fundamental –caso tenhamos a intenção de assegurar oportunidades iguais a todas ascrianças – que haja igualdade no acesso a serviços de qualidade, volta-dos à educação e cuidado para a primeira infância (ECPI). A presentenota de política examina a atual situação do acesso a esses serviços.

* Nota sobre Políticas para a Primeira Infância (UNESCO Policy Briefs on EarlyChildhood) número 18, de novembro-dezembro de 2003. Elaborada por JodyHeymann, Ph.D., Diretora-fundadora do Projeto Global sobre Famílias Trabalha-doras, Universidade de Harvard. Pubblicada pela Seção de Educação da PrimeiraInfância e da Família. Divisão de Educação Básica. UNESCO, Paris (http:/www.unesco.org/education/educprog/ecf/index.htm).

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No decorrer dos estudos aprofundados, entrevistamos uma amos-tra representativa de famílias atendidas em centros de saúde para pre-

AS ATUAIS DISPARIDADES ENTRE CLASSES SOCIAISQUANTO AO ACESSO A CUIDADOS INSTITUCIONA-LIZADOS

Realizamos estudos aprofundados em grandes e pequenas cidadesdo México, de Botswana e do Vietnã, e analisamos também dadosnacionais do Brasil e do Vietnã. Os resultados desses estudos sãomostrados a seguir.

As cifras para cada país demonstram, ao longo de uma vasta gamade tipos de famílias, que as crianças que vivem em famílias onde o graude escolaridade dos pais é mais baixo, têm menores probabilidades devir a receber educação para a primeira infância entre as idades de três acinco anos (ver Tabela 1).

* AP – Amostragem pequena demais para permitir estimativas.

Tabela 1: Percentagem de crianças de três a cinco anos matriculadasem educação para a primeira infância, por tipo de família e grau de

escolaridade dos pais

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venção e consultas de rotina, em cidades escolhidas, tanto grandes quantopequenas. Os resultados dessas entrevistas revelam disparidades entreas classes sociais em termos do acesso a serviços formais de educaçãoe cuidado para crianças com idade inferior a seis anos, disparidadesessas semelhantes às encontradas nos dados nacionais.

Duas conclusões importantes tornaram-se evidentes. Em primeirolugar, as diferenças em termos de acesso a Educação e Cuidado naPrimeira Infância colocavam em situação de desvantagem, a partir deuma idade muito precoce, as crianças de famílias das classessocioeconômicas mais baixas. Em segundo lugar, e de igual importância,as políticas adotadas pelos países podem ter efeitos benéficos, tantoem termos do número total de famílias a ter acesso a esses serviçosquanto no que se relaciona a diminuir a disparidade de acesso entre asdiferentes classes sociais.

Em Botswana, 19% dos pais com escolaridade de nível médio oumenor tinham menos oportunidades de mandar seus filhos a instituiçõesde cuidado e educação infantil. Por outro lado, 35% dos pais com nívelde escolaridade secundário ou superior tinham acesso a esses serviços.

Embora essas disparidades sejam observáveis também no México,o sistema mexicano de seguridade social estabelece a obrigatoriedadede seguro social para os empregados no setor não formal. Essacobertura inclui: seguro por riscos no ambiente de trabalho, licença-maternidade e para tratamento de saúde, seguro por incapacitação física,aposentadoria e creches para crianças entre seis semanas e quatro anos.Os serviços de creches são oferecidos a todas as mães ou a pais viúvosou divorciados que tenham a guarda dos filhos.1, 2 Conseqüentemente,enquanto apenas 20% dos pais com nível médio ou menos tinhamfilhos que freqüentavam creches institucionalizadas ou serviços deeducação para a primeira infância, 52% dos pais com nível secundário

1 EVALUATION of the reforms: the Americas social security report 2003. In:CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE SEGURIDADE SOCIAL, México,Oct. de 2003. Report. México: s.e., 2003. pp. 150-159.

2 Para maiores detalhes, ver <http://natlex,ilo.org/>, onde a íntegra da Lei deSeguridade Social mexicana pode ser acessada.

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ou mais (e que, portanto, tinham maiores chances de conseguir empre-go no setor formal) tinham filhos em serviços institucionalizados deeducação e cuidado na primeira infância.

No Vietnã, as medidas adotadas pelo setor público também levarama um aumento do número de famílias atendidas e a uma diminuição dasdisparidades. Naquele país, uma lei de 1999 organizou as responsabilidadespelos programas de pré-escola no âmbito do Ministério da Educação eTreinamento. Os maiores avanços foram alcançados no acesso a educaçãoe cuidado na primeira infância para as crianças de três a cinco anos, emáreas urbanas.3 Para o Vietnã, as cifras correspondentes foram de 53%versus 63%.

Quando a renda é usada para medir a classe social, ficam evidentesas disparidades paralelas entre as classes. Examinamos o caso detrabalhadores de baixa renda que ganhavam menos que 10 dólares pordia. Foi feita uma equivalência entre os salários dos diversos países,com base não apenas nas taxas de câmbio, mas também na paridadede poder de compra, usando dados numéricos do Banco Mundial.

Em Botswana, só 10% das famílias de baixa renda tinham acesso ainstituições formais de educação e cuidado na primeira infância,percentual esse bem inferior aos 35% das famílias de renda mais altaque tinham acesso a esses serviços.

No México, onde a seguridade social elevou o número total defamílias com acesso a instituições formais para a primeira infância, nítidasdiferenças ainda permaneciam entre as classes sociais. Apenas 22% dasfamílias de baixa renda entrevistadas por nós na Cidade do México eem Chiapas podiam mandar seus filhos a essas instituições, contra 58%das famílias de renda mais alta.

Dos países estudados por nós, o que tinha o maior número defamílias servidas por instituições formais de educação e cuidado naprimeira infância era o Vietnã, que apresentava também as menores

3 Para maiores informações, consultar <http://www.unescobkk.org/education/ece/policies/vietnam/htm>.

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diferenças entre as classes sociais, em razão da disponibilidade de ser-viços públicos. Em Ho Chi Minh, 57% das famílias de menor renda e62% das de renda mais alta podiam enviar uma criança a essas institui-ções formais.

DISPARIDADES EM TERMOS DE CUIDADOS INFANTISINFORMAIS, PRESTADOS POR ADULTOSREMUNERADOS

O potencial de desigualdade no acesso a cuidados infantis não selimita às instituições formais de educação e cuidado na primeira infância.Encontramos fortes diferenças entre as classes sociais no que diz respeitoao acesso a cuidados infantis informais, prestados por adultos remu-nerados por esse serviço, tanto em casa quanto fora dela. No México,19% das famílias de menor renda entrevistadas por nós contavam comos serviços informais de adultos remunerados, contra 53% dos pais derenda mais alta. (Algumas das famílias de maior renda tinham acessotanto a cuidados informais prestados por adultos contratados quantoa instituições formais). Em Botswana, 24% das famílias de menor rendaconseguiam pagar outros adultos para ajudá-las a cuidar informalmen-te de seus filhos, contra 62% das famílias de renda mais alta. No Vietnã,as cifras correspondentes eram de 22% para 27%, com uma menorpercentagem do total (se comparada com os outros países) fazendouso de serviços informais, uma vez que os serviços prestados porinstituições formais são relativamente acessíveis. Disparidades seme-lhantes surgem quando a classe social é medida com base no grau deescolaridade dos pais. Os pais que receberam os menores níveis deoportunidades educacionais são os que menos podem pagar outrosadultos para prestar cuidados informais a seus filhos.

Em razão da pouca disponibilidade de serviços institucionalizadosde cuidados infantis de preço acessível e da dificuldade das famílias depagar por serviços informais prestados por outros adultos, os pais demenor renda e menor nível educacional eram os que tinham as maioresprobabilidades de deixar seus filhos pequenos aos cuidados de outrascrianças, ou de ter de levá-los para o local de trabalho, onde o ambiente,

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muitas vezes, não apresentava condições de segurança. Em Botswana,33% dos pais de menor renda e 25% dos pais com grau de escolarida-de média ou menos tinham de deixar seus filhos sob os cuidados deoutras crianças, que não recebiam remuneração por esse serviço. NoVietnã, 17% dos pais de menor renda e 17% dos pais com grau deescolaridade média ou menos tinham de recorrer aos cuidados presta-dos por uma criança não remunerada. No México, 21% dos pais comgrau de escolaridade média ou menos recorriam aos serviços nãoremunerados de uma criança para cuidar informalmente de seus filhos,e 53% deles costumavam levar os filhos para o trabalho.

A IMPORTÂNCIA DO SETOR PÚBLICO PARA APROMOÇÃO DE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Atualmente, as crianças que vivem em condições de pobreza têmuma probabilidade significativamente menor de receber educação paraa primeira infância, cuidados formais e até mesmo cuidados informaisprestados por um adulto remunerado (e não por uma criança). Adisparidade nas percentagens de crianças que freqüentam instituiçõesde prestação de cuidados ou que contam com os serviços de um adultopara cuidar delas deve-se às diferenças de acesso e de capacidade parapagar serviços de educação e cuidado na primeira infância de qualidadeaceitável.

As disparidades atualmente existentes têm graves conseqüências paraa saúde, o desenvolvimento e a educação das crianças. Toda uma gamade métodos pode ser usada para aumentar o acesso a cuidados eeducação para a primeira infância para as crianças de todo o mundo.Parcerias com o setor privado e regulamentação dos serviços ofereci-dos por este, por meio de sistemas de seguridade social, são um exem-plo de uma maneira eficaz de aumentar o acesso a esses serviços, quandoos pais são empregados no mercado de trabalho formal. Da mesmaforma, a oferta direta de serviços pelo poder público, ou subsídiospúblicos para esses serviços, podem aumentar o acesso a eles, paracrianças cujos pais trabalham tanto no setor formal quanto no informal(uma vez que o setor informal não é devidamente abrangido pelas leis

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trabalhistas e pelos sistemas obrigatórios de seguridade social). Sejamquais forem os mecanismos escolhidos, necessitamos urgentemente deapoio público para a educação e o cuidado na primeira infância, partindotanto das políticas nacionais quanto das globais, a fim de diminuir asdesigualdades atualmente existentes.