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118 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 N o 39 POLÍTICAS DE NACIONALIDADE E POLÍTICAS DE IMIGRAÇÃO NA FRANÇA Rossana Rocha Reis RBCS Vol. 14 n o 39 fevereiro/99 França, outono de 1989. Três meninas na cidade de Creuil são proibidas por seus professores de ir à escola portando os véus que as identificam como muçulmanas. Em pouco tempo, a discussão a propósito da pertinência ou não da proibição do véu toma conta de todo o país e provoca veemen- tes manifestações em todos os setores da vida política e cultural francesa. O “affaire du foulard”, como ficou conheci- do, à medida que se foi desenvolvendo e envolven- do cada vez mais as altas esferas da política nacional, e até mesmo as relações da França com os países do mundo islâmico, foi revelando muito sobre a natureza da identidade nacional francesa, e como ela se constrói em relação ao outro, represen- tado pelo estrangeiro. 1 No caso citado, nós temos, simbolicamente, uma confrontação entre a identidade nacional fran- cesa e o outro. A decisão de permitir ou não o uso do véu islâmico resume em si a maneira, ou as maneiras, como a nação francesa constrói a sua identidade. Atualmente, a relação nacional/estrangeiro adquiriu uma imensa importância na França, a julgar pela freqüência com que ela é discutida nos meios de comunicação, nas ruas, nos meios políti- cos, pela relevância que ela adquire nas vésperas de eleições, pela imensa quantidade de leis, circu- lares e decretos que concernem a essa relação, passando até por uma reforma no código de nacio- nalidade, a primeira desde 1945. Não que a França não tenha mais com o que se preocupar; afinal, o país passa por momentos difíceis desde o fim do período de crescimento econômico pós-Segunda Guerra, conhecido como “trinta gloriosos”, enfren- tando altas taxas de desemprego e baixas taxas de crescimento. No entanto, nenhum tema parece suscitar tantas paixões como a questão dos imigran- tes e estrangeiros. De acordo com o tipo de discurso que se vem desenvolvendo dentro do país, até mesmo a questão do desemprego parece subordinada ao problema dos imigrantes. Na verdade, o “problema da imigração” é um termo muito restrito para abraçar a totalidade do problema francês; a dificuldade do Estado francês de controlar suas fronteiras e reduzir o número de imigrantes no país é apenas um dos aspectos dessa questão. O “outro”, quando se discute a identidade, pode ser não só o imigrante, como o francês naturalizado ou os franceses de nascimento. De fato, o grande problema, já que estamos falando de identidade, é definir o que é ser francês.

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118 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 14 No 39

POLÍTICAS DENACIONALIDADE E POLÍTICAS DEIMIGRAÇÃO NA FRANÇA

Rossana Rocha Reis

RBCS Vol. 14 no 39 fevereiro/99

França, outono de 1989. Três meninas nacidade de Creuil são proibidas por seus professoresde ir à escola portando os véus que as identificamcomo muçulmanas. Em pouco tempo, a discussão apropósito da pertinência ou não da proibição dovéu toma conta de todo o país e provoca veemen-tes manifestações em todos os setores da vidapolítica e cultural francesa.

O “affaire du foulard”, como ficou conheci-do, à medida que se foi desenvolvendo e envolven-do cada vez mais as altas esferas da políticanacional, e até mesmo as relações da França com ospaíses do mundo islâmico, foi revelando muitosobre a natureza da identidade nacional francesa, ecomo ela se constrói em relação ao outro, represen-tado pelo estrangeiro.1

No caso citado, nós temos, simbolicamente,uma confrontação entre a identidade nacional fran-cesa e o outro. A decisão de permitir ou não o usodo véu islâmico resume em si a maneira, ou asmaneiras, como a nação francesa constrói a suaidentidade.

Atualmente, a relação nacional/estrangeiroadquiriu uma imensa importância na França, ajulgar pela freqüência com que ela é discutida nosmeios de comunicação, nas ruas, nos meios políti-

cos, pela relevância que ela adquire nas vésperasde eleições, pela imensa quantidade de leis, circu-lares e decretos que concernem a essa relação,passando até por uma reforma no código de nacio-nalidade, a primeira desde 1945. Não que a Françanão tenha mais com o que se preocupar; afinal, opaís passa por momentos difíceis desde o fim doperíodo de crescimento econômico pós-SegundaGuerra, conhecido como “trinta gloriosos”, enfren-tando altas taxas de desemprego e baixas taxas decrescimento. No entanto, nenhum tema parecesuscitar tantas paixões como a questão dos imigran-tes e estrangeiros. De acordo com o tipo dediscurso que se vem desenvolvendo dentro dopaís, até mesmo a questão do desemprego parecesubordinada ao problema dos imigrantes.

Na verdade, o “problema da imigração” é umtermo muito restrito para abraçar a totalidade doproblema francês; a dificuldade do Estado francêsde controlar suas fronteiras e reduzir o número deimigrantes no país é apenas um dos aspectos dessaquestão. O “outro”, quando se discute a identidade,pode ser não só o imigrante, como o francêsnaturalizado ou os franceses de nascimento. Defato, o grande problema, já que estamos falando deidentidade, é definir o que é ser francês.

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Desde meados dos anos 70, mas sobretudodepois da queda do muro de Berlim, a questão dasidentidades vem ocupando um espaço cada vezmaior no cenário mundial. São os conflitos raciaisentre negros e brancos em Los Angeles, a guerra daIugoslávia, trazendo de volta a “limpeza étnica”,um sem-número de conflitos de “tribo” na África,atentados de skin heads na Alemanha, paradoxal-mente num período em que é cada vez maisdifundida e aceita a idéia da globalização, do fimdas fronteiras.

A hipótese de que os conflitos de identidadefossem uma manifestação residual, que tenderia adesaparecer com o avanço do processo de globali-zação, parece desde já totalmente descartada, sepensarmos que: primeiro, à medida que o processoavança, os conflitos se intensificam; segundo, longede ser uma tendência que se encontra somente naperiferia do sistema, os conflitos de identidadedesenvolvem-se também no centro do sistema mun-dial, como mostra o affaire du foulard na França.

Nos anos 80, intensificou-se a consciênciadesse processo de globalização, o que resultou nosurgimento de inúmeras teorias que iam desde o fimdo Estado-nação até o fim da história, com a vitóriafinal do liberalismo e da democracia. Também nosanos 80 intensificaram-se legislações cada vez maisrestritivas em relação aos movimentos migratórioscomo um todo, sobretudo nos países de economiacapitalista desenvolvida, onde justamente veremosressurgir ainda nessa década, e com grande vigor,manifestações de racismo e xenofobia.

Minha hipótese é a de que a política migrató-ria e, numa concepção mais abrangente, a políticade nacionalidade têm uma relação que pode sedescrita como dialética com a construção da iden-tidade nacional, e que essa relação tem sido pro-fundamente alterada pelo que chamamos de pro-cesso de globalização.

Por política migratória entende-se o conjuntode leis, circulares e disposições de um governorelativas à entrada, circulação e estadia de estran-geiros no território de soberania do Estado-nação.Por política de nacionalidade entende-se o conjun-to de leis e de medidas que regulamentam ascondições de acesso à nacionalidade em um deter-minado Estado-nação.

O caso da França, dada a importância que aquestão nacional assumiu nos últimos anos, forne-ce várias evidências da relação entre política migra-tória, construção do Estado nacional e globaliza-ção. Um pouco tardiamente, tomou-se consciênciade que os imigrantes que entraram no país a partirde 1945, no contexto da política de imigraçãodesenvolvida no pós-guerra, não eram temporá-rios, como se desejou a princípio; eles tinham idopara ficar, o que tornou necessário que a política deimigração contemplasse não somente a questão docontrole das fronteiras como também a maneiracomo se daria a inserção desses estrangeiros nasociedade.

O affaire du foulard proporcionou para asociedade francesa uma oportunidade de rediscutiras possibilidades dessa inserção. Partidários dasmais diferentes correntes vieram a público paraexpor as suas posições e propor uma solução. Defato, desde meados dos anos 80, a preocupaçãocom a forma de inserção dos estrangeiros tornou-seum dos pontos principais da política francesa e foimotivo de reformas e modificações mais ou menosamplas na legislação referente a nacionalidade eimigração.

Neste artigo, a legislação e suas modificaçõesserão enfocadas como uma espécie de cristalizaçãode processos sociais, das diferentes maneiras deconceber a nação. Deixando de lado aqui a reper-cussão das mudanças na legislação, ou pelo menosuma reflexão aprofundada nesse sentido, o objeti-vo é compreender o quadro conceitual dentro doqual ocorrem as mudanças na política. Em outraspalavras, o trabalho é uma tentativa de compreen-der como as diferentes ideologias que concorrempara a formação da identidade nacional influem naelaboração das políticas de nacionalidade e imigra-ção.2

No caso francês, existem no mínimo trêsmaneiras diferentes de se conceber a nação, quetêm influenciado profundamente as políticas denacionalidade e imigração nesse país. A primeiradelas, que vem exercendo sua hegemonia pelomenos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, éo republicanismo, que define a nação por umcritério exclusivamente político, o contrato social, econsidera que os homens são fundamentalmente

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iguais. A segunda, a qual eu chamo de tradiciona-lismo, defende a existência de uma ligação estreitaentre nacionalidade e cultura, determinada pelosangue do indivíduo, e que os homens são funda-mentalmente diferentes. Por fim, mais recentemen-te, surge o multiculturalismo, que pretende afirmara diferença entre os homens mas acredita que anacionalidade não deve ser fundada nessas dife-renças, reivindicando direitos culturais específicospara diferentes grupos sociais dentro da nação.Cada uma dessas ideologias possui uma concepçãode humanidade própria e uma maneira específicade diferenciar nacional e estrangeiro, que determi-na o tipo de relação que deve ser estabelecida entreesses dois termos.3

A França, apesar de não se reconhecer comoum país de tradição na área, é um país de imigraçãohá mais de um século, ao longo do qual elaproduziu uma extensa legislação a respeito doassunto. Todavia, o período que mais nos interessaé a partir de meados dos anos 70, quando se esgotaa crença no caráter provisório dos fluxos de imigra-ção de trabalho que tiveram início com o fim daSegunda Guerra Mundial, aumenta a percepçãodos nacionais a respeito da população estrangeirana França, e esta começa a ser vista como umproblema, de modo que, da década de 80 emdiante, as modificações nas leis de imigração enacionalidade começam a ser mais e mais freqüen-tes. Além disso, depois da Circular de 5 de julho de1974, que estabelecia o fim da imigração de traba-lho na França, aumentou consideravelmente onúmero de imigrantes ilegais.

A apreciação da imigração como um proble-ma repousa em uma série de crenças. A primeiradentre elas, e a mais difundida, é a de que estariahavendo um grande aumento do número de estran-geiros no país. Esse argumento é no mínimo discu-tível, uma vez que as estatísticas disponíveis apon-tam para o fato de que, em 20 anos, a taxa deestrangeiros em relação ao total da população naFrança não mudou: o censo de 1975 contava que6,5% da população era estrangeira, quase a mesmaporcentagem verificada pelo censo de 1990 (6,4%).No entanto, é preciso ressaltar que não são osmesmos estrangeiros nas duas pesquisas. A popu-lação imigrante modificou-se, a proporção de asiá-

ticos e africanos na população estrangeira comoum todo aumentou, e muitos dos recenseadoscomo estrangeiros em 1975 tornaram-se francesespor naturalização, mas nem por isso deixaram deser percebidos na sociedade como estrangeiros(Bernard, 1993). De um modo geral, qualquerargumento a respeito da proporção numérica deestrangeiros na França fica bastante prejudicadopela inexatidão das estatísticas, problema que éapontado por praticamente todos os pesquisadoresda área. Não existe, por exemplo, um cálculo donúmero de retornos, pois o estrangeiro não éobrigado a declarar a sua saída da França. Alémdisso, é praticamente impossível chegar a uma cifraconfiável a respeito da população ilegal (Weil,1991).

Outro fator que contribuiu para uma maiorpercepção da presença dos estrangeiros na popula-ção foi a crise econômica, que aumentou muito onível de desemprego no país e ajudou a difundir acrença de que os estrangeiros roubavam os empre-gos dos franceses. Paralelamente, o Estado de Bem-Estar francês entrou numa grave crise fiscal, enovamente os estrangeiros foram acusados, sobre-tudo os africanos e árabes, por terem famílias muitograndes e abusarem dos benefícios estatais.

Essas duas crenças também podem ser con-testadas. Existem vários argumentos a favor econtra os estrangeiros. De uma maneira geral, osestudos de migrações internacionais têm demons-trado que os imigrantes geralmente ocupam aque-les postos de trabalhos que são recusados pelosnativos, e isso não é diferente na França (Portes,1984; Piore, 1979; OIT, 1987). Além disso, o proble-ma do desemprego e o fenômeno da exclusão sãotendências mundiais, que dificilmente podem serimputadas à presença de uma alta taxa de estran-geiros no país. Existe na França uma outra crençabastante difundida: a de que a não existência dosimigrantes teria como resultado um aumento dopadrão de vida do francês, o que é bem poucoprovável. Existem pesquisas da própria Comunida-de Econômica Européia (CEE) que apontam para afragilidade demográfica da França, devido ao baixonúmero de nascimentos no país, fragilidade que fazcom que a imigração seja fundamental para equili-brar a situação fiscal do Estado (Le Courier Interna-

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tional, 2 a 8/5/1996). Os estrangeiros participamcom 12% da taxa de fertilidade na França e suacontribuição é fundamental para conter a baixa nanatalidade francesa. Além disso, as famílias demaghrebinos4 tendem cada vez mais a se aproxi-mar do modelo de família nuclear francês, compoucos filhos. Em dez anos, a taxa de natalidadedos maghrebinos baixou para a metade (3,8% naFrança, contra 7% na Argélia). Também a taxa decasamento das mulheres maghrebinas de 18 anosna França é hoje bem menor que na Argélia, e bempróxima daquela registrada pelas francesas (LeBras, 1988).

Nos anos 80, os imigrantes tornaram-se maisvisíveis politicamente dado o aumento do númerode associações e reivindicações, com destaquepara o movimento da segunda geração de imigran-tes maghrebinos, conhecidos como beurs. O multi-culturalismo e a idéia de valorização da diferençacomeçam a influenciar esses movimentos, o quevai chocar boa parte da opinião pública francesa,republicana, e, em alguma medida, colaborar parao ressurgimento do tradicionalismo na França.

Esse ressurgimento, em termos políticos, vaimanifestar-se com a criação do Front National, opartido de extrema direita liderado por Jean-MarieLe Pen, que embora nunca tenha ultrapassado 15%dos votos em toda a França, começa a ter um papelfundamental na discussão a respeito dos imigrantesno país.

Ao longo dos últimos anos, os estrangeirosforam, de alguma forma, responsabilizados pelodesemprego, pela crise do Estado de Bem-Estar,pelo crescimento da insegurança e da violência nasgrandes cidades, por colocar em risco a culturafrancesa, entre outras coisas. As dificuldades eco-nômicas e políticas por que atravessa o país podemter contribuído para que o “problema dos estran-geiros” se tornasse visível, mas não criaram oproblema. Em outras palavras, a crise econômicapor si só não explica o fato de o estrangeiro ter sidoalçado à condição de grande responsável pelosproblemas franceses, o que também não significaque não exista um problema imigratório na França.Os processos de globalização em curso levaram aum enfraquecimento do Estado-nação francês e daideologia nacional hegemônica, o republicanismo,

o que acabou conduzindo o país a uma crise deidentidade, que se manifesta também numa crisede relacionamento com o outro — no caso, oestrangeiro.

É a relação entre, de um lado, a ideologianacional e a crise do Estado-nação e, de outro, aspolíticas de nacionalidade e imigração que meinteressa no presente artigo, sobretudo a partir dosanos 80, quando, pelos motivos já citados, essarelação torna-se mais complicada. A partir desseperíodo, as políticas de nacionalidade e imigração,refletindo a agitação que o assunto provoca nasociedade, vão ser objeto de inúmeras reformas.

A relação entre essas duas políticas — denacionalidade e de imigração — é bastante com-plexa. Antes de mais nada, a delimitação do que énacional e do que é estrangeiro é fundamental paradefinir o que é considerado migração; por outrolado, a política de nacionalidade depende do tipode intenção que se tenha quanto ao estabelecimen-to de imigrantes em solo nacional.

O artigo concentrar-se-á em três momentosimportantes da legislação francesa sobre nacionali-dade e imigração. Primeiramente, as modificaçõesou tentativas de modificações no código de nacio-nalidade francês, a partir dos anos 80 (vale lembrarque, desde 1945, esse código não sofreu pratica-mente nenhuma alteração). O acesso à nacionali-dade é um ponto fundamental na política imigrató-ria, pois ele determina não só a menor ou maiorpossibilidade de enraizamento da população es-trangeira, como também, e sobretudo, as condiçõesde acesso dessa população enraizada à cidadania.Fazendo menção a Habermas (1995), “não existenenhum Estado que não tenha definido as suasfronteiras em termos de cidadania”. Em seguida,abordarei o processo de aprovação das leis Pasqua,relativas ao combate à imigração clandestina, e,finalmente, o seu fracasso parcial, que vai levar àadoção da Lei Debré. O artigo será concluído comuma análise do impasse francês, a partir dessasnovas políticas de nacionalidade e imigração, ecom considerações a respeito da questão direitosdo homem versus direitos do cidadão.

No final do ano de 1997, no início do governosocialista do primeiro-ministro Lionel Jospin, alegislação foi novamente modificada, com base no

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relatório do sociólogo Patrick Weil. Entretanto, nãose produziram mudanças significativas em tornodessas questões, o que causou uma certa decepçãoentre os movimentos pró-imigrantes que apoiarama campanha do Partido Socialista. Sendo assim, euconsidero que a análise das mudanças legislativasque vão da tentativa de reforma do código denacionalidade até a Lei Debré fornece um panora-ma bastante amplo da situação e é suficiente parademonstrar a relação entre a crise do Estado-naçãofrancês e a formulação das políticas de nacionalida-de e imigração.

O código de nacionalidadeAs duas primeiras Constituições posteriores à

Revolução — as de 1791 e 1793 — estabelecem anacionalidade de acordo com a adesão voluntáriaaos princípios da República, e representam a apli-cação pura da ideologia republicana na atribuiçãoda nacionalidade. A Constituição francesa de 1791atribui a cidadania francesa a todos que são nasci-dos na França de um pai francês, aos que sãonascidos na França de um pai estrangeiro, e aosdescendentes de um francês ou francesa expatriadopor motivos religiosos que desejarem se estabele-cer na França e prestar o juramento cívico. A idéiade fidelidade ao rei é substituída por um laçojurídico, a cidadania, um contrato definido pelosdireitos e deveres de uma pessoa em relação a umaentidade abstrata, ou imaginada, a Nação. A Cons-tituição de 1793 é ainda mais aberta e concede acidadania a praticamente todos que são fiéis àsidéias revolucionárias, independente de qualquerconsideração étnica.

O ideal da cidadania como um ato voluntá-rio vai influenciar todas as legislações subseqüen-tes na França, embora nenhuma o tenha retoma-do ao pé da letra. Atualmente, a posição republi-cana pode ser sintetizada pelas palavras do demó-grafo Hervé Le Bras (1993): “O único critério quepermite definir a França e os franceses é de natu-reza política, o contrato que associa cada um denós à República fundada sobre os princípios dademocracia.”

Com a transformação da República em umImpério, sob o comando de Napoleão, o jus soli é

preterido em nome do jus sanguinis,5 em virtudedo argumento de que a ligação através do sangueseria a única forma de garantir a fidelidade doexército. O mesmo argumento é usado ainda hojena Alemanha quando se pretende defender a atuallegislação que impede a existência da dupla nacio-nalidade, que beneficiaria a integração dos imi-grantes. Na França, o mesmo argumento serviupara derrubar, em 1993, o acordo segundo o qualos jovens com dupla nacionalidade franco-argelinapoderiam servir o exército em qualquer um dosdois países. Cabe esclarecer que tal acordo não seinsere no código de nacionalidade, e não modifi-cou a possibilidade da dupla nacionalidade.

Mesmo com a prevalecência do sangue, ocódigo napoleônico de 1804 ainda permite a requi-sição da nacionalidade baseada no jus soli para oscasos de indivíduos nascidos na França e que láviveram até atingir a maioridade.

Em 1851 é introduzido no país o double jussoli, princípio pelo qual a criança nascida na Françaque tenha pelo menos um dos pais também nascidona França é automaticamente francesa. A lei de 10de agosto de 1927 estabelece a transmissão denacionalidade também por via materna e diminui operíodo de residência necessário para pedir anaturalização. A ordenança de 1945 estabelece alegislação que vai permanecer praticamente inalte-rada até meados dos anos 80, sofrendo apenas duaspequenas modificações em 1973, relativas à situa-ção da descolonização: o double jus soli torna-seaplicável aos filhos de ex-colonos nascidos naFrança, desde que os ex-colonos tenham nascidonum território que fosse então ainda uma colônia,e é estabelecida a igualdade entre esposos e filhoslegítimos e naturais quanto à aquisição da naciona-lidade.

Em 1973, as disposições a respeito da nacio-nalidade vão ser reunidas no código de nacionali-dade, que estabelece que: é francês por filiação ofilho de um ou dois pais franceses; é francês pornascer na França o filho de pais desconhecidos, depais apátridas, o filho de pais estrangeiros “ao qualnão é atribuída pelas leis estrangeiras a nacionali-dade de nenhum dos dois progenitores”, o filho depais estrangeiros que tenham eles mesmos nascidona França (double jus soli). A condenação penal é

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considerada um obstáculo para a aquisição danacionalidade francesa. O estrangeiro que se casarcom um francês adquire a nacionalidade por decla-ração. O governo pode se opor no prazo de umano, alegando défaut d’assimilation, indignidade,existência de um processo de expulsão ou sehouve separação do casal. O indivíduo que nascerna França de pais estrangeiros e residir na Françadurante os cinco anos anteriores à sua maioridadepode requerer a nacionalidade francesa, e os es-trangeiros que vivem na França há pelo menoscinco anos podem requerer a nacionalidade paraseus filhos menores caso eles tenham nascido emterritório francês. As crianças argelinas que tenhamao menos um dos pais nascido na Argélia antes daindependência são consideradas automaticamentefrancesas. Depois da independência, para os quevivem na França, se os dois pais são argelinos acriança é argelina, se um dos pais é francês acriança é francesa (Code civil, [1973] 1997).

De acordo com algumas estatísticas disponí-veis, que, como toda estatística desse setor, não sãomuito confiáveis, cem mil estrangeiros transfor-mam-se em franceses por ano. Em 1985 calculou-seque 40 mil dentre eles nascem franceses sobre osolo francês, de um ou dois pais estrangeiros, 25mil tornam-se franceses na maioridade, ou aindamenores, e 35 mil adultos são naturalizados oureintegrados (Hommes et Migrations, 1987).

Com o código de nacionalidade, enfim, reco-nhece-se o jus sanguinis, o double jus soli, apossibilidade de requisitar a nacionalidade baseadano jus soli, e a possibilidade de naturalização doindivíduo baseada no período de residência naFrança e na comprovação de laços com o país —por exemplo, se o estrangeiro tem um filho francês.Entretanto, a naturalização não é concebida comoum direito, mas como um favor concedido peloEstado francês. A aquisição da nacionalidade podese dar também por declaração, quando um estran-geiro(a) se casa com um francês(a).

A obtenção da nacionalidade com base exclu-sivamente no jus soli, ou com base no casamento,e a naturalização podem ser negadas em virtude decertas modalidades de condenação penal, da exis-tência de um processo de expulsão, e também, nosdois últimos casos, por défaut d’assimilation, me-

dido sobretudo pelo conhecimento da língua fran-cesa.

Esse conjunto de leis fez com que durantemuito tempo a França fosse considerada, ao ladodos EUA, um dos países com a legislação maisliberal em termos de nacionalidade de todo omundo, e foi responsável, em grande parte, pelaabsorção da população imigrante pela sociedadefrancesa.

Nos anos 80, essa absorção começa a sercontestada por algumas associações francesas, den-tre as quais se destaca o SOS-Racisme, que come-çou a questionar a capacidade do conceito decidadania diante da diversidade cultural da nação,o que em certo sentido favoreceu a abertura dadiscussão sobre a nacionalidade, pois na culturapolítica francesa, predominantemente republicana,a cidadania é indissociável da nacionalidade.

Aberto o precedente, esse modelo passa asofrer vários ataques, sobretudo do Front National,que, a partir da retórica da invasão estrangeira,questiona a facilidade com que os imigrantes ad-quirem a cidadania francesa. A crítica, entretanto,não está restrita somente a esse pequeno partido.Nos anos 80, um primeiro-ministro francês ficoufamoso ao declarar que a França não poderiaabrigar toda a miséria do mundo, o que significava,por um lado, que deveria haver restrições à imigra-ção e, por outro, que deveria haver restrições àaquisição da nacionalidade francesa. A base desseargumento não é apenas numérica, uma vez que ospróprios políticos reconhecem a fragilidade dasestatísticas no setor, mas é sobretudo ideológica. Acrítica ao modelo de nacionalidade francês refere-se sobretudo a uma concepção cultural da naciona-lidade. Os imigrantes só deveriam tornar-se france-ses se comprovassem a assimilação à cultura fran-cesa. Além disso, o problema também está relacio-nado “à origem geográfica de uma fração dos novosimigrantes e ao aumento de seu número. Até entãoa maioria conseguia se integrar em uma geração;hoje em dia são necessárias praticamente três.” (LeBras, 1993).

A deficiência do modelo de nacionalidadefrancesa estaria, então, ligada a uma concepção denação que não só se baseia na especificidade desua cultura, como também considera a existência

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de outras culturas, inassimiláveis devido à suagrande distância em relação à cultura francesa,sobretudo o islamismo.

Inscrita na plataforma eleitoral da coalizãoRassemblement pour la République (RPR)-Unionpour la Démocratie Française (UDF), a reforma docódigo de nacionalidade deveria ser analisada peloConselho de Ministros no dia 5 de novembro de1986, mas recebeu um parecer negativo do Conse-lho de Estado.6 O governo modificou o projeto e oreapresentou uma semana depois, mas este conti-nuou a ser criticado pelo Conselho, pelo presidenteda República, socialista, e por diversos setores dasociedade civil, o que levou o governo a retirar oprojeto e estabelecer, em 22 de junho de 1987, uma“comissão de sábios” destinada a discutir as mudan-ças no código de nacionalidade. Os setores adeptosdo republicanismo, inclusive dentro da própriadireita governista, enxergaram nas modificaçõespropostas pelo governo um grave atentado aosprincípios do Estado republicano francês; os tradi-cionalistas acreditavam que as mudanças propostaspelo governo eram muito tímidas em face da“invasão” que o país estava sofrendo.

Na exposição de motivos que antecede oprojeto assinado pelo primeiro-ministro JacquesChirac e pelo ministro da Justiça Albin Chalandon,a necessidade da reforma é atribuída ao desejo derespeitar “as aspirações das diversas comunidadesestrangeiras implantadas sobre nosso solo, tendoem vista a conservação de suas identidades nacio-nais e culturais.” (Hommes et Migrations, 1987).Assim, com base em um argumento capaz deagradar tradicionalistas e multiculturalistas, o go-verno propõe que o filho de estrangeiro nascido naFrança não deve mais ser considerado automatica-mente francês aos 18 anos, mas deve requerer anacionalidade entre 16 e 23 anos, e obtê-la atravésde um juramento solene (art. 44).

Em princípio, essa modificação não contrariao espírito republicano, pois apenas reforça o cará-ter voluntário da adesão à nação. No entanto, alémde modificar esse artigo, o governo pretendiamodificar o artigo 79 do código, relativo às condi-ções nas quais a nacionalidade poderia ser rejeita-da, nos casos de naturalização seja dos indivíduosincluídos no artigo 44, seja dos estrangeiros que se

casaram com franceses. Até esse momento, a exis-tência de um processo de expulsão, ou do chama-do défaut d’assimilation, sobretudo se o estrangei-ro não tinha conhecimento suficiente da línguafrancesa (um critério bastante vago), ou também oenquadramento numa pequena lista de delitosimpediam a naturalização de uma pessoa. A partirdesse projeto, essa lista vai ser substancialmenteaumentada, visando ao combate do terrorismo e dadelinqüência juvenil.

O projeto do governo foi condenado pordefensores do republicanismo na esquerda e nadireita, dentro e fora do governo, com base em umasérie de argumentos. Um deles afirma que o Judici-ário na França, que deveria ser neutro, é bastanteinfluenciado pelo racismo difuso na sociedade, eque um maghrebino que sofra a mesma acusaçãoque um francês “de origem” tem muito mais chan-ces que o francês de ser condenado a uma pena deprisão preventiva de seis meses (Dahmani, 1988).Outro argumento atenta para a subjetividade doconceito de défaut d’assimilation, que visaria so-bretudo aos africanos e muçulmanos: exigir que umestrangeiro que nasceu e foi educado na Françarequeira a nacionalidade francesa significa que “aeducação não é suficiente para formar um homem”,significa estabelecer uma diferença entre os indiví-duos que não é baseada em suas ações, mas na suaascendência, o que contraria os valores republica-nos (Le Bras, 1988). O problema, para os republi-canos, não estaria na liberalidade das leis denacionalidade, mas na política de integração dogoverno, que não estaria conseguindo integrar osjovens que vão tornar-se franceses.

O double jus soli, por enquanto, não é ques-tionado, seja pelos republicanos, pelos multicultu-ralistas, ou pelos tradicionalistas, em nome de umaintegração já presumida.

A segunda grande modificação da legislaçãopretendida pelo governo dizia respeito à obtençãoda nacionalidade através do casamento, no intuitode “reagir, nesse campo, aos abusos no uso decasamentos de fachada, casamentos de complacên-cia” (Hommes et Migrations, 1987). O ConselhoConstitucional considerou que as estatísticas dispo-níveis sobre o assunto não eram suficientementeesclarecedoras a ponto de justificar uma mudança

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na legislação. Além disso, a transformação daobtenção de nacionalidade, que era por declara-ção, em naturalização e o prolongamento do prazonecessário para dar início ao processo para 18meses levaram o Conselho a considerar que a leiferia o artigo da Declaração dos Direitos do Ho-mem e do Cidadão que diz: “A família é o elementonatural e fundamental da sociedade e tem direito àproteção da sociedade e do Estado.”

A nova lei também pretendia tornar impossí-vel que os estrangeiros, nascidos fora da França,pudessem pedir a nacionalidade francesa para seusfilhos menores nascidos na França, e dessa formase tornassem inexpulsáveis da França, em virtudedo mesmo artigo da Declaração dos Direitos doHomem e do Cidadão acima citado.

Por fim, o governo ainda vai tentar pôr um fimnos acordos especiais com as ex-colônias, quepreviam a aplicação do double jus soli para o casode crianças nascidas na França de pais nascidos nasex-colônias antes da independência. Essa medida,entretanto, não vai ter muita repercussão, devidoao envelhecimento da população que se benefici-ava desse artigo.

De uma maneira geral, a legislação pretendiaum endurecimento das normas concernentes ànacionalidade, sob o pretexto de diminuir as frau-des no setor, e visando sobretudo recuperar para adireita tradicional uma parte do seu eleitorado quetinha migrado para extrema direita. Em grandeparte, a motivação dos legisladores era eleitoral;contudo, o projeto acabou sendo arquivado porconter uma série de medidas consideradas incons-titucionais, ou que feriam os direitos humanos,além de certos exageros inexplicáveis, como difi-cultar a obtenção de nacionalidade para uma crian-ça estrangeira que tenha sido adotada por um casalfrancês, o que acabou contribuindo para uma márepercussão do projeto perante a opinião pública.A Comissão de Nacionalidade também contribuiupara criar uma opinião menos favorável às modifi-cações. Após o fim dos seus trabalhos, que incluí-ram audiências televisionadas com diferentes pes-soas envolvidas na questão, a Comissão recomen-dou apenas pequenas modificações no código, queincluíam uma mudança no artigo 44, no sentido deexigir uma declaração de vontade, entre os 16 e os

23 anos de idade, das pessoas nascidas na Françade pais estrangeiros nascidos fora da França, rejei-tando, entretanto, a opção por um juramento sole-ne, e também diminuindo a lista de condenaçõespenais que poderiam impedir o acesso à naciona-lidade.

Todavia, antes que o governo de JacquesChirac pudesse propor as modificações na legisla-ção, a esquerda venceu as eleições, e o governosocialista, no poder de 1988 a 1993, não adotounenhuma das medidas propostas pela Comissão. Oassunto foi arquivado até a vitória da direita naseleições seguintes, quando a reforma no código denacionalidade se tornará a primeira medida deimportância do governo de Edouard Balladur (Ber-nard, 1993).

As leis PasquaUma nova legislação referente ao assunto

surge como parte de um amplo pacote de medidasantiimigração que ficou conhecido simplesmentecomo “leis Pasqua” (24 de agosto e 30 de dezembrode 1993), referência ao nome do ministro doInterior, grande mentor do projeto, e que previanão apenas a reforma do código de nacionalidade,como também mudanças profundas na legislação,envolvendo o código civil, de família, a seguridadesocial, a legislação da saúde e o código penal.Dessa vez, a ampla maioria de direita no parlamen-to, um acirramento da xenofobia e do racismo nasociedade francesa, e uma certa apatia da oposição,que acabava de sofrer uma imensa derrota eleitoral,permitiram que as leis fossem aprovadas semmaiores inconvenientes (480 votos a favor, 88 votoscontra). As objeções do Conselho de Estado, queapesar de não terem poder de veto, costumavamser respeitadas, são praticamente ignoradas pelonovo governo.

A nova lei, no domínio da nacionalidade,incluía: as modificações já citadas na primeiratentativa de reforma do código de nacionalidade,nos artigos 44 e 79; a supressão da possibilidade deestrangeiros, nascidos fora da França, pedirem anacionalidade para os filhos menores nascidos naFrança (art. 52); o aumento do prazo necessáriopara o cônjuge de um francês adquirir a nacionali-

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dade francesa, de seis meses para dois anos; o fimda possibilidade, para os que têm dupla nacionali-dade francesa e argelina, de servirem o exército emqualquer um dos dois países. A partir das leisPasqua, o ato de escolher realizar o serviço militarfora da França implica a perda da nacionalidadefrancesa.

A única mudança que o governo não conse-guiu passar, por oposição do Conselho Constituci-onal, foi a que permitiria aos prefeitos não realiza-rem um casamento entre um francês e um estran-geiro no caso de haver dúvidas sobre a veracidadeda relação entre os noivos. O Conselho baseou-seno artigo da Declaração dos Direitos Humanos queafirma: “A partir da idade núbil, o homem e amulher, sem nehuma restrição quanto a raça, nacio-nalidade ou religião, têm o direito de se casar e deformar uma família”. Por outro lado, o casamentonão dá mais direito a um visto de permanênciaimediato, mas apenas após um ano de vida emcomum; não protege mais da expulsão e, no casode um imigrante ilegal, não dá direito à regulariza-ção. Essa modificação faz com que o cônjugeestrangeiro permaneça numa situação de tremendainsegurança durante todo o primeiro ano de casa-mento, ao longo do qual o seu visto pode não dardireito ao trabalho, ou ele pode ser expulso, ou seuvisto não renovado. E se ele voltar para seu país deorigem, não pode provar, um ano depois, a “comu-nidade de vida” exigida, o que lhe impossibilita deobter o visto de permanência.

O objetivo declarado das modificações foi aluta contra a imigração ilegal, de acordo com aidéia de que isso melhoraria as chances de integra-ção da população estrangeira já estabelecida naFrança. Nesse sentido, as leis apresentavam tam-bém uma série de medidas relativas às possibilida-des de entrada e estadia dos imigrantes na França,e restringiam alguns direitos, com vistas a dificultara imigração clandestina. Em nome da proteção dasfronteiras, todo estrangeiro passou a ser tratadocomo um infrator em potencial.

É interessante notar como, no intervalo entreum e outro governo de direita, a argumentação arespeito da necessidade das reformas mudou dodesejo de respeitar “as aspirações das diversascomunidades estrangeiras implantadas sobre nosso

solo, tendo em vista a conservação de suas identi-dades nacionais e culturais”, para, nas palavras dopróprio autor do projeto, o ministro Pasqua, avontade da França de “definir por si própria asituação, a qualidade e a origem daqueles que sãoou serão associados à comunidade nacional noespírito dos valores de sua República” (Projet de loiPasqua, apud Le Monde, 8/7/1993). De um períodopara o outro, a motivação passa do desejo derespeitar a vontade das comunidades estrangeiraspara o desejo de respeitar a vontade da França, eexplicita-se a intenção de escolher os imigrantespela sua qualidade e origem.

Esse simples parágrafo revela a progressãodas idéias tradicionalistas na sociedade francesa.Não só o princípio básico de que todo homem éigual e deve ser tratado de igual maneira, indepen-dente de suas características inatas, é ignorado,como também a idéia de comunidade é reapro-priada de forma a considerar as reinvindicaçõesque antes se aplicavam às comunidades minoritá-rias como imputáveis à própria comunidade france-sa. O projeto de lei assume as idéias difundidaspelo Front National, de uma França ameaçada pelainvasão dos estrangeiros, que estaria usando seudireito de comunidade para se defender, mediantea escolha de imigrantes com uma origem e umaqualidade adequadas. Assim, o respeito pelos imi-grantes como comunidade transforma-se no respei-to à França como comunidade. Todavia, a força daideologia republicana é suficientemente grande eseu conteúdo suficientemente vago para que, mes-mo assim, a nova legislação invoque os valoresrepublicanos.

Essa evolução de argumentos por parte doslegisladores parece confirmar a hipótese de que,iniciado o questionamento da igualdade por partedas minorias em meados dos anos 80, esse mesmoquestionamento tenha sido reapropriado por umadireita xenófoba com a finalidade de justificar aexclusão das minorias.

A medida mais polêmica do projeto foi a queinstaurava os controles de identidade preventivosnas ruas, com base em qualquer característica quepudesse identificar uma pessoa como estrangeiro,menos a raça. A partir de então, a polícia estavaautorizada a exigir a documentação de qualquer

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indivíduo que não pareça francês, e a detê-lo paraaveriguação caso ele não apresente seus documen-tos de identificação (Le Quotidien de Paris, 19/6/1993). Essa medida não conseguiu a unanimidadenem mesmo dentro do governo, devido a uma certasemelhança com os controles de identidade impos-tos aos judeus durante o governo de Vichy, sendoobjeto de uma declaração desfavorável do ministroda Justiça Pierre Métraignerie e da ministra dosAssuntos Sociais e da Saúde, Simone Veil. Entretan-to, não foi retirada do projeto, sendo aprovadaapenas com pequenas modificações na linguagem.

Foram eliminadas todas as possibilidades deregularização a posteriori. O estrangeiro que entrarna França ilegalmente não tem mais nenhum direi-to à regularização. Os repatriamentos forçados e asexpulsões tornam-se mais fáceis, ao mesmo tempoem que os recursos judiciais tornam-se mais difí-ceis, e só podem ser impetrados de fora do territó-rio francês. A obtenção e a renovação do visto depermanência tornam-se mais difíceis, assim como oreagrupamento familiar, que agora só pode serrequerido após dois anos de residência na França,se o imigrante conseguir provar que tem recursos emoradia, e se o prefeito da cidade de destinoconcordar. O imigrante polígamo fica impossibilita-do de adquirir um visto de permanência definitivo,pois a poligamia é considerada uma prova deincapacidade de assimilação. Os estudantes devemprovar que freqüentam pelo menos 20 horas decurso para conseguirem renovar os seus vistos.

O governo pretendia também aumentar operíodo de retenção administrativa, isto é, o perío-do que um estrangeiro irregular pode ficar detidoaté a que a sua identidade seja estabelecida e elepossa ser mandado de volta para o seu país deorigem. O argumento do governo baseava-se nofato de que muitas vezes o imigrante se recusa arevelar a sua origem, tornando o repatriamentoimpossível, e que o governo precisava de maistempo para determinar a nacionalidade do estran-geiro. Entretanto, essa disposição foi censuradapelo Conselho Constitucional, em nome da digni-dade de todo ser humano.

O projeto previa também a diminuição dopapel do Office Français pour la Protection desRefugiées et des Apatrides (OFPRA) nas questões

de asilo, em proveito da própria administração,contrariando a determinação da Convenção deGenebra relativa ao direito de asilo, que recomen-dava a análise dos pedidos por uma entidadeneutra. Com a adoção das leis Pasqua, o direito deasilo ficaria a cargo do Ministério do Interior, demodo que o fluxo de asilados e refugiados passariaa ser considerado como qualquer outro fluxo imi-gratório, o que significa que a polícia ou a prefeitu-ra poderiam rejeitar um pedido antes mesmo queele chegasse até o OFPRA. Entretanto, a Assembléiamodificou esse artigo, em virtude da grande pres-são exercida pelas associações de proteção dosdireitos humanos. Ao mesmo tempo, no intuito dese adequar aos acordos de Schengen e à Conven-ção de Dublin, a França passa a não analisar umpedido de asilo que já tenha sido recusado por umdos membros do acordo (Libération, 3/6/1993).

Os acordos de Schengen foram assinados, aprincípio, apenas pela França, Alemanha e pelospaíses da Benelux, com vistas a estabelecer a livrecirculação entre esses países, em troca de umreforço das fronteiras externas. A Convenção deDublin, em 1990, regulamentou exclusivamente ospedidos de asilo, recomendando que eles fossemanalisados uma só vez por um dos países membrosda CEE. Essa medida também causou bastantepolêmica, uma vez que o direito de asilo é garan-tido pelo preâmbulo da Constituição de 1946,retomado pela Constituição de 1958, que afirmaque “todo homem perseguido em razão de suaação em favor da liberdade tem o direito de asilosobre os territórios da República”. O direito de asiloé considerado um dos pontos fundamentais dorepublicanismo.

Outra medida bastante polêmica da nova leiinterditava o acesso dos imigrantes ilegais aosserviços médicos. Essa medida toca naquele pontoobscuro que é a diferenciação entre os direitos dohomem e os direitos do cidadão. Na verdade, nessecaso a questão torna-se ainda mais complexa,porque diferencia-se não apenas o imigrante, en-quanto homem, do francês, enquanto cidadão, mastambém se estabelece uma diferença entre imigran-te legal e ilegal. Em princípio, a existência de umadiferença de direitos entre legais e ilegais não temnada de escandalosa. O problema, nesse caso, é

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definir quais são os direitos inalienáveis do serhumano, que não podem ser negados nem mesmona situação de clandestinidade. O Conselho Cons-titucional entendeu que a saúde era um dessesdireitos, e por isso censurou esse artigo.

A disposição de manter o ilegal que fosseexpulso afastado durante um ano do territóriofrancês também foi censurada pelo Conselho, queconsiderou que ela contrariava o artigo 8 da Decla-ração dos Direitos do Homem e do Cidadão, quediz que “a lei só pode estabelecer penas estrita eevidentemente necessárias”. Devido ao parecer doConselho, esse afastamento fica restrito aos casosem que o governo considera o comportamento doimigrante prejudicial à nação francesa.

De um modo geral, as mudanças introduzidaspelo governo contrariavam vários artigos da Decla-ração de Direitos do Homem e do Cidadão e daConvenção de Genebra, relativa ao direito de asilo.As dificuldades impostas ao reagrupamento fami-liar contradiziam o artigo relativo ao direito de levaruma vida familiar normal; a interdição de atendi-mento médico para os ilegais contradizia o direitoà saúde; a instauração dos controles preventivos deidentidade tendia para o racismo e contrariava apremissa de que todos os homens devem sertratados de igual maneira. Existiam também restri-ções às liberdades individuais, sobretudo ao direitode ir e vir, e à liberdade de casamento: “Impede-seentão o acesso à nacionalidade àqueles que tinhamautomaticamente esse direito; abrem-se as portaspara incitar aqueles que já estão aqui a partir, aomesmo tempo em que as fecham para os recém-chegados; exerce-se, enfim, uma espécie de amea-ça policial latente sobre todo mundo” (Le Monde,18/6/1993). A imigração passa a ser tratada antescomo um problema de polícia.

As reformas do governo não conseguem satis-fazer o Front National, que as considera tímidas econtinua a defender um modelo de nacionalidadealemã (Le Monde, 18/6/1993), e desagradam pro-fundamente os republicanistas, criando um forteconflito com o Conselho de Estado. As objeções doConselho provocam uma violenta reação do minis-tro do Interior. Baseado no argumento de que oExecutivo representa a soberania do povo, o gover-no iniciou uma campanha de difamação do Conse-

lho de Estado e do Conselho Constitucional, acu-sando-os de querer instaurar um conselho de juí-zes. O Conselho, por sua vez, questionava asdecisões do governo relativas à imigração com basesobretudo no preâmbulo da Constituição de 1946,que serve de base para a Constituição de 1958, e naDeclaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O choque entre as novas disposições dogoverno e a tradição republicana, que continuava aser defendida por outros setores do Estado, sobre-tudo pelo Conselho Constitucional e pelo Conselhode Estado, provocou uma situação de impasse, emque nenhum dos dois lados tinha força suficientepara impor o seu ponto de vista. As leis Pasqua,apesar de terem obtido uma aprovação esmagado-ra no parlamento, formado por uma ampla maioriade direita, não conseguiram estabelecer um con-senso mais amplo na sociedade. As modificaçõesnas leis criaram uma estranha categoria de estran-geiros que não podiam ser regularizados mas quetambém não podiam ser expulsos, os sans-papiers.

A nova legislação proibia a regularização aposteriori. Entretanto, a Declaração dos DireitosHumanos impede a separação de uma família, detal forma que um estrangeiro que entrou irregular-mente, ou que teve seu visto expirado, e nãoconseguiu renová-lo, não pode ser regularizado,mas também não pode ser expulso se ele tiverfilhos franceses. Ao mesmo tempo, se a legislaçãoanterior considerava que qualquer pessoa quetivesse chegado à França com no mínimo dez anosde idade e sempre tivesse morado no país tinhadireito ao visto de permanência, as leis Pasquamudam a idade mínima para seis anos, o quecoloca muitos filhos de estrangeiros que vieramfora do processo oficial de reagrupamento familiarna situação de sans-papiers ou de futuros sans-papiers, pois eles também não poderão ser expul-sos se a sua família habitar a França, devido aomesmo artigo da Declaração que se refere à vidafamiliar. Além disso, uma pessoa que já mora hápelo menos 15 anos na França é protegida daexpulsão pelo artigo 25 do decreto de novembro de1945, mas pelas leis Pasqua pode não ter o seu vistorenovado, por exemplo, se estiver desempregada.

Diante de tal situação, em 18 de março de1996, trezentos africanos, dentre os quais cem

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crianças que se encontravam em alguma das situa-ções descritas acima, se reuniram na Igreja de Saint-Ambroise, em Paris, para pressionar o governo aencontrar uma solução. No dia 22 do mesmo mêseles são evacuados à força pelo governo, quepromete analisar a situação dos sans-papiers casopor caso. No dia 26 de junho seguinte, o governo,após analisar os 205 dossiês de que dispunha,decide dar visto temporário de apenas um ano parasomente 22 casos apresentados. Como reação, umnovo grupo de sans-papiers — ao todo 314, inclu-indo muitos daqueles que estiveram em Saint-Ambroise — decide ocupar a Igreja de Saint-Bernard de la Chapelle, também em Paris, e come-çar uma greve de fome para obrigar o governo anegociar.7

No dia 23 de agosto de 1996, cerca de milpoliciais invadem a Igreja de Saint-Bernard e levamos sans-papiers à força para o centro de detençãode Vincennes. Entretanto, após essa demonstraçãode força, o governo não modifica em nada asituação dos sans-papiers. Dos 314 casos analisa-dos, somente 76 receberam um visto temporário deum ano. Além disso, segundo o porta-voz domovimento dos sans-papiers, Ababacar Diop, “al-guns pais e seus filhos foram regularizados, en-quanto suas esposas não o foram, e vice-versa”(Libération, 16/9/1996). A maioria permaneceu namesma situação, e houve alguns que tiveram suaexpulsão decretada, mas não cumprida, em virtudede uma série de empecilhos burocráticos que oConselho de Estado impõe à prática da expulsão.Cheikne Karte, um dos grevistas, teve sua expulsãodecretada, mas não executada, pois a assinatura doseu processo não foi considerada válida segundo oConselho de Estado. Como ele, mais oito sans-papiers de Saint-Bernard estavam na mesma situa-ção (Libération, 16/9/1996).

As manifestações dos sans-papiers não serestringiram a Paris, mas se espalharam por Lille,Toulouse, Nantes e Lyon. As leis Pasqua aparente-mente não contribuíram muito no sentido de com-bater a migração ilegal, mas em compensaçãotornaram clandestina a vida de várias famílias quejá habitavam a França (Humanité Dimanche, 15 a21/8/1996). A ineficácia da nova política do gover-no e o drama dos sans-papiers levaram o governo

a propor, no dia 6 de novembro, uma nova mudan-ça na legislação. O novo pacote foi batizado de LeiDebré, o nome do novo ministro do Interior.

A Lei DebréEm 16 de abril de 1996, o relatório da co-

missão presidida pelos deputados Jean-Pierre Phi-libert e Suzanne Sauvaigo, a propósito da imigra-ção clandestina, considera as leis Pasqua aindamuito permissivas e propõe 46 medidas de cará-ter repressor, a fim de “impedir que o problemada imigração possibilite um avanço da extremadireita” (Le Courrier International, 25/4/1996).Dentre as medidas do relatório Philibert estão:exigir o seguro saúde para dar os vistos de curtaduração; criar um banco de dados digital dosrequerentes; dar ao Estado o direito de discordardo OFPRA quanto à concessão do estatuto derefugiado; só dar ajuda médica para o estrangeiroem caso de doença contagiosa ou de urgência;dar à polícia judiciária o direito de entrar noslocais de trabalho e consultar o registro de pesso-al; fazer o empregador pagar o repatriamento detrabalhadores imigrantes ilegais; retirar a naciona-lidade francesa daquele que a adquiriu se eleempregar mão-de-obra ilegal, se ele for um es-trangeiro retirar seu visto, e se ele for um francêsprivá-lo de seus direitos cívicos por cinco anos; osmenores delinqüentes devem ser repatriados e ocusto da repatriação deve cair sobre seus própriosbens; a retenção administrativa poderá ser de 30dias. O relatório, redigido por Sauvaigo, é aprova-do pela Comissão sobre Imigração Clandestinapor 26 votos (RPR e UDF) contra 4 (PS e PC) (LeFigaro, 10/4/1996).

O projeto de lei apresentado pelo ministroDebré retoma a maior parte das recomendaçõesfeitas pelo relatório Philibert. As mudanças sãoencaradas como uma maneira de tentar facilitar aexecução das leis Pasqua. Os acontecimentos de1996 haviam revelado a necessidade de novasmodificações na lei com vistas a preservar “ocompromisso sempre desejado entre a firmeza emrelação à imigração clandestina e o respeito aosdireitos individuais” (Le Figaro, 10/4/1996). Comesse objetivo oficial, o governo pôs em marcha a

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legislação mais repressiva em termos de imigraçãodesde o governo de Vichy.

A primeira proposta, e a mais polêmica,submete o certificado de hébérgement a novasregras. A partir de agora, todo francês tem obriga-ção de informar à prefeitura a chegada e a partidade um estrangeiro em sua residência. O prefeitopode recusar a deliberação do certificado

[...] se ele julga, seja pelo teor do certificado e dasjustificativas apresentadas, seja pela verificaçãoefetuada no domicílio de seu signatário, seja pelasinformações disponíveis, que o estrangeiro nãopode ser abrigado em condições normais ou queas apreciações sobre o certificado são inexatas, ouse os processos anteriores do hospedeiro mostramum desvio do processo ao termo de um levanta-mento solicitado pelo préfet 8 à polícia estadualou à unidade policial competente, ou se for o casopor iniciativa do prefeito; ou ainda se o signatáriodo certificado de abrigo não tiver informado àprefeitura a partida de um estrangeiro acolhido noquadro do processo visado no presente artigocom a antecedência de dois anos. (Projeto de leiDebré)

Essa medida envolve a polêmica criação deum banco de dados que reuniria informaçõessobre todas as pessoas que recebem estrangeirosna França, e que poderiam ter suas informaçõesusadas para outros fins, segundo a interpretaçãodas organizações de defesa e proteção dos imi-grantes. Além disso, o critério de détournementde procédure é bastante vago. O caso de umestrangeiro que entra com visto de turista e deci-de pedir um visto de permanência pode ser con-siderado um détournement de procédure e impos-sibilitar que um francês receba outro estrangeiro.As visitas de estrangeiros a familiares e amigos naFrança tornam-se mais difíceis, e nesse caso, nãoapenas as liberdades dos estrangeiros, mas a li-berdade dos próprios franceses é cerceada. AAssembléia Legislativa aprovou esse item semgrandes modificações, apenas reiterando o papeldo Office des Migrations Internationales (OMI)como responsável pela verificação das condiçõesde alojamento dos estrangeiros.

Essa lei contraria o artigo da Declaração dosDireitos Humanos que afirma: “Ninguém será obje-to de imisções arbitrárias na sua vida privada, suafamília, seu domícilio ou sua correspondência, nemde atentados à sua honra e sua reputação. Todapessoa tem direito à proteção da lei contra taisimisções ou tais atentados.”

A Lei Debré propõe, entre outras coisas, queum estrangeiro em situação irregular possa ter seupassaporte confiscado pela polícia, em troca de umcertificado de identidade, até a conclusão do pro-cesso de expulsão. Propõe que os veículos coleti-vos numa área de até 20 quilômetros da fronteiracom os países que fazem parte do acordo deSchengen possam ser revistados pela polícia, con-trariando o próprio acordo de Schengen. O prazoque um estrangeiro sofrendo um processo deexpulsão pode permanecer detido, sem consenti-mento de nenhum juiz, aumenta de 24 para 48horas. Um tribunal de grande instância pode auto-rizar a retenção desse estrangeiro por mais seisdias, e se sete dias depois que ele for liberado eleainda não tiver sido “reconduzido à fronteira”, elepoderá ser preso de novo. O estrangeiro queestiver desprovido de documentos que permitam asua deportação pode ser punido com um ano deprisão, multa de 25 mil francos, ou a interdição deentrar em território francês durante três anos.

No quadro específico da situação dos sans-papiers, a lei torna possível a obtenção do visto depermanência temporário nos seguintes casos: a umestrangeiro menor que entrou na França em virtudedo reagrupamento familiar, por ocasião do seuaniversário de 18 anos, se ao menos um de seuspais também tiver o visto temporário; ao estrangei-ro que mora na França desde os seis anos de idade,no seu aniversário de 18 anos; ao estrangeiro quemora na França desde os dez anos de idade, se elejustificar ser impossível levar uma vida familiar noseu país de origem; ao estrangeiro não polígamo,pai ou mãe de uma criança francesa de até 16 anos,se ele exercer alguma autoridade parental sobre acriança, e se contribuir para sua subsistência; etambém ao estrangeiro(a) casado há pelo menosum ano com um francês(a), “à condição que acomunhão de vida não tenha cessado, que suaentrada no território francês tenha sido regular, que

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o cônjuge tenha conservado a nacionalidade fran-cesa, e, no caso do casamento ter sido celebrado noexterior, que ele tenha sido previamente transcritonos registros civis do Estado francês”.

O visto permanente só é atribuído, agora, apartir de dois anos de casamento. O visto temporá-rio também passa a ser dado para aquelas pessoasque moram na França há mais de 15 anos, eportanto não podem ser expulsas do país.

Essas medidas não resolveram a situação dossans-papiers, pois, na melhor das hipóteses, oimigrante recebe um visto provisório, que só lhepermite encontrar empregos provisórios, e conse-qüentemente malpagos, além de colocá-lo diantedo mesmo problema um ano depois. A decisão dedar o visto temporário aos cônjuges de francesesapenas um ano depois do casamento, no caso dosestrangeiros irregulares, deixa esses imigrantes du-rante um ano inteiro na clandestinidade, ou entãoos obriga a voltar ao seu país de origem, tornandopraticamente impossível provar a comunidade devida entre os cônjuges, necessária para a obtençãodo visto.

A Comission du Séjour, que era encarregada,antes das leis Pasqua, de analisar os casos de recusado visto de residente e de expulsão, e que depoisde 1993 torna-se unicamente consultiva, é extintacom a Lei Debré, de modo que os estrangeiros nãotêm mais como recorrer da decisão dos prefeitos,salvo o caso dos nacionais dos países membros daComunidade Européia, que têm direito de seremouvidos por uma autoridade independente em casode recusa do visto de residente.

O direito de asilo torna-se ainda mais limita-do. A partir de agora o requerente, apesar demanter o direito de permanecer no território fran-cês durante o decorrer do seu processo, tem o seupassaporte retido pelo OFPRA e recebe um vistoprovisório, renovável, com duração de três meses.Em caso de uma resposta negativa, o estrangeiropode entrar com um recurso, mas perde o direitode estar no território francês. Além disso, ele podeser expulso sem nenhum prazo caso a sua demandajá tenha sido rejeitada por algum dos países signa-tários dos acordos de Schengen e da Convenção deDublin, se ele puder ser abrigado num outro Estadosem prejuízo para sua segurança, se ele colocar a

ordem pública em perigo, ou se a sua demanda forconsiderada fraudulenta.

A nova lei permite aos policiais realizaremcontroles de identidade nos locais de trabalho,verificando se todos os estrangeiros estão inscritosno registro único de pessoal, e se todos eles sãooficialmente declarados; a polícia passa a ter tam-bém o direito de exigir o visto de residência detodos os estrangeiros encontrados num ambientede trabalho. Retirando essa tarefa das mãos dosinspetores de trabalho, o governo ajuda a reforçara relação trabalhador clandestino/estrangeiro ile-gal, quando na realidade muitos franceses se encai-xam na definição de clandestinos.

A tramitação do projeto de lei Debré naAssembléia Nacional revela que, desde a aprova-ção das leis Pasqua, esta tornou-se ainda mais duraem termos de imigração. Em primeira votação, oprojeto não somente foi aprovado por uma amplamaioria, como sofreu alterações visando recuperaruma parte do relatório Philibert que não havia sidocitada.

Os deputados suprimiram o direito dos estran-geiros que moram na França há pelo menos 15 anosde obterem o visto temporário; aumentaram paradois anos o prazo que o cônjuge de um francês(a)leva para ter direito ao visto temporário, bem comoinstituíram um prazo de dois anos para que umfrancês que se casou com um estrangeiro que veiomorar na França dentro do regrupamento familiarpossa se casar com outro estrangeiro. A lei a respeitodos pais de crianças francesas também é modifica-da. Agora eles precisam provar que contribuem paraa subsistência de seus filhos desde o primeiro anode vida da criança. O visto temporário é concedidoaos apátridas que moram na França há pelo menostrês anos, mas não se menciona as condições legaisde estadia na França durante estes três anos.

A Assembléia também introduz a exigênciade uma identificação, por meio de impressõesdigitais, para todos os estrangeiros que pediremvisto para a França, que seriam colhidas três vezes,uma para a embaixada ou consulado que emitiu ovisto, outra para a polícia, outra para a empresaaérea. Assim, o Ministério do Interior poderia criarum fichário e identificar todos os estrangeiros queestão sendo objeto de processos de expulsão e que

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destruíram seus documentos visando dificultar orepatriamento.

Uma nova emenda sobre o trabalho ilegalpermite retirar o visto temporário ou o visto deresidente daqueles estrangeiros que empregaremestrangeiros irregulares, sem consideração pelofato de eles talvez se encontrarem naquela catego-ria de não-expulsáveis, devido aos laços com aFrança.

Os estudantes que habitam a França há pelomenos 15 anos saem da categoria de não-expulsá-veis. O visto de residente, de validade de dez anos,que desde 1984 era renovado automaticamente,agora pode ser recusado em nome de uma possível“ameaça à ordem pública”, que não é mais detalha-da. Vale lembrar que, com a extinção da Comissionde Séjour, é praticamente impossível recorrer dadecisão do prefeito. Além disso, a medida tambémnão considera a categoria dos não-expulsáveis ecria uma nova modalidade de sans-papiers.

A nova lei provocou ao menos um grandemovimento de oposição, de dimensão internacio-nal, que ficou conhecido como “o manifesto dos66”. No dia 11 de fevereiro de 1997, 66 cineastasfranceses assinaram um manifesto que convocavaos franceses para a desobediência civil em relaçãoao dever de declarar a hospedagem de um estran-geiro. Todos eles se confessavam culpados dehospedar ou de já ter hospedado um estrangeiroilegal e anunciavam: “nós continuaremos a abrigar,a não denunciar, a simpatizar e a trabalhar semverificar os papéis de nossos colegas e amigos [...]Enfim, nós conclamamos nossos concidadãos adesobedecer e a não se sumbmeter a leis desuma-nas”.9

A manifestação conquistou a adesão de muitasoutras categorias, sobretudo no meio artístico eacadêmico, e os cineastas conseguiram reunir numamanifestação em Paris, no dia 22 de fevereiro de1997, aproximadamente 150 mil pessoas. Mesmoassim, em 12 de março seguinte, o Senado votoupela adoção da Lei Debré, inserindo apenas umaemenda no artigo que se referia ao cértificatd’hébergement, que passa a ser de responsabilidadenão do prefeito (maire), mas do funcionário repre-sentante do Estado no distrito onde for feita arequisição (préfet).

O impasse francês

De um modo geral, as modificações naspolíticas de imigração e nacionalidade francesasdesde meados dos anos 80 revelam um crescimen-to das idéias tradicionalistas na sociedade francesa,possibilitado pela crise do republicanismo. O tradi-cionalismo evoluiu não somente mediante o cresci-mento do Front National, mas também pelo estrei-tamento do “consenso republicano”, tendo a cha-mada direita republicana aderido, na prática, àmaior parte dos conceitos da extrema direita queela condena em discurso. De fato, a grande preocu-pação dos partidos de direita ao longo dos últimosanos parece ter sido muito mais no sentido debarrar o avanço eleitoral da extrema direita, do quede barrar o seu avanço ideológico, tanto assim queos governos de direita não hesitaram em tornar suasalgumas das propostas mais polêmicas do FrontNational com respeito à imigração. A evolução dotradicionalismo é ainda mais surpreendente seconsiderarmos que ela atingiu também setores daprópria esquerda, sendo a primeira-ministra socia-lista Edith Crésson a primeira responsável peloschamados “vôos da vergonha”.10

Com a apresentação do projeto de lei Debré,a crença de que os estrangeiros (sobretudo os não-europeus) e os franceses são fundamentalmentediferentes, e de que era preciso, de alguma forma,se defender da invasão de imigrantes atingiu o seuponto máximo. Paradoxalmente, nesse momentotambém começa a reação mais contundente dasociedade civil contra esse avanço, através dosmovimentos de apoio aos sans-papiers e do movi-mento de repúdio à obrigação de declarar a presen-ça de um hóspede estrangeiro, iniciado pela publi-cação do “Manifesto dos 66”. Mesmo tendo amaioria absoluta da Assembléia Nacional, o gover-no decide voltar atrás nesse e em outros pontos daLei Debré. De fato, a própria existência da catego-ria de sans-papiers revela um equilíbrio de forçastão grande que o governo é incapaz de cumprirsuas determinações, ao mesmo tempo em que,nem o Conselho Constitucional, nem as associa-ções de defesa dos direitos humanos e dos imigran-tes, nem a oposição de esquerda dispõem de forçasuficiente para modificar a política do governo.

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Em linhas gerais, as mudanças tiveram umtriplo efeito sobre a situação dos imigrantes: contri-buíram para deixar mais instável a situação jurídicado imigrante, dificultando a obtenção do visto deresidente permanente e restringindo o acesso àcidadania; contribuíram para a visão do estrangeirocomo um perigo, ou como um invasor, mediante ainstalação dos controles de identidade sobre todosaqueles que possam ser identificados de algumamaneira como estrangeiros (o trecho da lei queestabelece que o controle deve ser exercido base-ado em todos os critérios menos na raça é totalmen-te irrelevante diante da disseminação do racismo eda xenofobia na sociedade francesa) e a detençãode todo estrangeiro que não estiver portando seusdocumentos, entre outras medidas; e contribuírampara uma restrição dos direitos dos estrangeiros (derecorrer no caso da negação de um visto; de secasar com um(a) francês(a) e levar uma vidanormal), do direito de asilo e dos direitos dospróprios franceses de receberem qualquer pessoaem sua casa sem ter de dar satisfações a polícia —o direito à intimidade.

A evolução do tradicionalismo não apenasdeteriorara a situação dos estrangeiros e imigrantes,aumentando a sua instabilidade jurídica e restringin-do seus direitos, como também, a longo prazo,colocara em risco também os direitos adquiridospelos franceses, como mostra essa primeira tentativado governo com a Lei Debré. Aberto o precedentede desrespeito aos direitos humanos no campo dalegislação de imigração, nada garantia que esseprocesso terminasse aí. Não somente as disputas emtorno da construção da identidade nacional têm umpapel fundamental na delimitação das políticas denacionalidade e de imigração, como as própriaspolíticas de imigração e nacionalidade contribuempara o desenvolvimento desse processo de constru-ção. É nesse sentido que afirmei, no início desteartigo, a relação dialética entre as políticas migrató-rias e de nacionalidade e a constituição da identida-de nacional. Mantendo uma política de imigraçãocom as características que se vinham desenvolven-do nos últimos anos, fica muito difícil defender aidéia da França como a pátria dos direitos humanos.

Em junho de 1997, o governo de direitaperdeu as eleições legislativas e formou-se um

novo governo, de maioria socialista, mas compostotambém pelo Partido Verde e pelos comunistas.Não por acaso, a primeira medida do novo governovisava solucionar o problema dos sans-papiers,através da regularização da situação de milhares depessoas que se enquadravam nos novos critériosestabelecidos pela Comission Nationale Consultati-ve des Droits de l’Homme, medida que se fezacompanhar da promessa de uma nova mudançana política de imigração. Mesmo se considerarmosque a questão da imigração não foi o fator determi-nante na vitória da esquerda, sua proeminência naelaboração de um projeto nacional nesses temposde crise a tornou um marco na passagem de umgoverno a outro; é como se o novo governoquisesse representar sua vitória não como a vitóriade um partido, mas como a vitória do própriorepublicanismo (embora sejam discutíveis tanto avitória do republicanismo quanto a identificaçãodesses partidos com a ideologia republicana). Valenotar que, paralelamente à vitória da esquerda,houve um crescimento considerável do Front Nati-onal, que prejudicou a atuação da direita tradicio-nal em muitos distritos eleitorais e mostrou que asidéias de extrema direita têm um apelo eleitoralmuito forte, não somente devido à situação econô-mica crítica por que passa o país, como crêemmuitos analistas, como também pela facilidade queessas idéias têm em penetrar numa sociedade ondeo racismo e a xenofobia são bastante difundidos.

Homem versus cidadão: a questãodos direitos

A delimitação da fronteira entre direitos dosnacionais e direitos dos estrangeiros está subordi-nada, desde o século XVIII, a dois acontecimentos:a ligação entre o Estado, a nação e o povo,concretizada na idéia de cidadania, e a difusão, apartir da Revolução Francesa, da crença na existên-cia dos direitos humanos, comuns a todas as pesso-as e inalienáveis. As questões envolvidas aqui são:qual a diferença entre os direitos do homem e osdireitos do cidadão, freqüentemente citados comoequivalentes na França, e qual a possibilidade deum estrangeiro adquirir os direitos de cidadão?Obviamente, essas duas questões não se resumem

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ao código de nacionalidade, nem às leis de imigra-ção. As discussões sobre o código e as leis, todavia,revelam muito sobre como as mesmas são percebi-das na sociedade.

Com o advento do processo de globalizaçãoestas questões tornam-se ainda mais complicadas. Osurgimento de blocos como a Comunidade Econô-mica Européia abre a possibilidade de uma novacategoria indefinida entre o homem como ser gené-rico e o cidadão. Qual será o status de membro daCEE? Quais serão os critérios que diferenciarão oscidadãos nacionais dos cidadãos “comunitários” edos estrangeiros (isso se o termo cidadania puderser utilizado para classificar a relação de um indiví-duo europeu com a comunidade)? Será possível aexistência de níveis diferenciados de cidadania, semque isso mine a idéia da igualdade entre os homens?

Classicamente, existem duas formas de seconsiderar a cidadania. Uma delas corresponderia àtradição liberal, fundada na filosofia grega, e poste-riormente retomada pelos contratualistas, entre elesRousseau. Baseia-se no acesso dos cidadãos aosdireitos políticos e implica o reconhecimento dedireitos iguais para o cidadão perante o Estado. Acidadania, aqui, significa a diferença entre a exclu-são e a inclusão num dado sistema político, sendo osufrágio universal o principal ponto deste sistema(Wiener, 1992).

O segundo tipo de cidadania seria a cidadaniahistórica, estudada por Marshall (1967), que subdi-vide a cidadania em três tipos de direitos: osdireitos civis, necessários às liberdades individuais,como o de ir e vir, o de imprensa, pensamento e fé,propriedade, contrato, o direito de defender eafirmar todos os direitos em termos de igualdadecom os outros pelo devido encaminhamento pro-cessual; os direitos políticos, de participar do exer-cício do poder político como um membro de umorganismo investido de autoridade política e comoeleitor dos membros de tal organismo; e os direitossociais, que vão desde o direito a um mínimo debem-estar econômico e segurança, ao direito departicipar por completo da herança social e levar avida de um ser civilizado, de acordo com ospadrões que prevalecem na sociedade.

Na sociedade feudal, o status era a marcadistintiva de classe e a medida da desigualdade; o

pertencimento a uma determinada casta definiaque tipos de direito tinha uma pessoa. Com osurgimento do Estado-nação, a idéia de cidadaniapassa a estar intimamente vinculada à idéia denacionalidade. “Quando a liberdade se tornou uni-versal, a cidadania se transformou de uma institui-ção local numa nacional.” (Marshall, 1967, p. 69). Acidadania é antes um status concedido àqueles quesão membros integrais de uma comunidade, sendodesde o início um princípio de igualdade “que nãoentrava em conflito com as desigualdades da soci-edade capitalista; [os direitos] eram, ao contrário,necessários para a manutenção daquela determina-da forma de desigualdade” (idem, p. 79).

Na definição de Marshall, ao contrário davisão liberal, há um entendimento dinâmico dacidadania, pois ela se modifica no decorrer dotempo e não é reduzida a uma interpretação dedireitos de acordo com princípios, mas também éentendida como uma prática (Wiener, 1992). Poroutro lado, essa definição é considerada muitopassiva, por enfatizar apenas os direitos e não aparticipação ativa dos cidadãos (Kymlicka e Way-ne, 1994).

Considerando a cidadania do seu ponto devista histórico, há que se levar em conta não apenaso fato de que os direitos civis, políticos e sociais nãotêm um desenvolvimento sincrônico, como tam-bém o fato de que esses direitos nem semprebeneficiaram todos os cidadãos, ou melhor dizen-do, a cidadania nem sempre foi extensiva a todosos nacionais. As mulheres, por exemplo, só muitorecentemente (1944) obtiveram o direito ao voto;durante muito tempo, em vários países, o direito devoto estava condicionado a um determinado nívelde renda, de modo que, se formos rigorosos com ahistória, constataremos que a idéia da igualdadeuniversal entre os homens sempre conviveu com adesigualdade de direitos entre eles, justificada poruma teoria de desigualdade entre as raças, entre ossexos ou entre as classes.

De fato, não apenas os direitos podem seestender a outras categorias que não beneficiavamoriginalmente, como o próprio universo do direitopode se alargar, de modo que as pessoas conside-rem como um direito, agora, uma coisa que não eraconsiderada um direito anteriormente. Hoje existe

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mesmo quem sustente a teoria de que essa série dedireitos enumerada por Marshall pertence à mesmacategoria da “política emancipatória”, na qualemancipação significa “[...]que a vida coletiva éorganizada de modo que o indivíduo é capaz — emum sentido ou em outro — de agir de forma livre eindependente nos ambientes de sua vida social.Liberdade e responsabilidade aqui repousam numaespécie de balança” (Giddens, 1991, p. 213), e quenós estaríamos assistindo ao surgimento de novostipos de reinvindicações, as “life politics”, queenvolveriam a capacidade do indivíduo de integrara imensa quantidade de informações que lhe che-gam num mundo globalizado com o seu projetopessoal de vida. As “life politics” envolvem deci-sões de cunho moral a respeito da relação homem/natureza, no contexto da emergência das preocu-pações ecológicas; envolvem a questão dos limitesda engenharia genética e das pesquisas científicas,entre outras. Entretanto, o próprio Giddens reco-nhece que a emergência das “life politics” nãosignifica que tenham chegado ao fim as reivindica-ções emancipatórias, e muito provavelmente as“life politics” irão suscitar novos tipos de reivindica-ções emancipatórias (Giddens, 1991).

Nos últimos anos, a concepção de direitoparece estar diversificando-se dia após dia. Osmulticulturalistas preferem falar em termos de di-reitos culturais; existe uma parte do movimentofeminista que reivindica direitos específicos para asmulheres, em nome da diferença; existem minoriasque reivindicam direitos especiais em nome dasdiferenças; existem países inteiros do mundo quese negam a respeitar os direitos humanos em nomedas diferenças. De fato, a globalização parecefavorecer o processo de “diferenciação” no mundo.

Diante de um quadro como este, quando sefala em defender o direito dos imigrantes, é precisoter bem claro o que se considera direito do imigran-te. Com a intensificação dos fluxos migratórios nomundo, essa questão adquire uma importânciarenovada. Se, de fato, as fronteiras estão sendoabertas para o fluxo de mercadorias, de dinheiro ede idéias, por outro lado, a tendência que seobserva em relação ao fluxo de pessoas é nosentido inverso, ou seja: de fato o fluxo existe, égrande e tende a aumentar; entretanto, as fronteiras

tendem cada vez mais a se fechar, e neste sentidoas leis de imigração têm-se tornado mais duras nomundo inteiro no decorrer dos anos 80 (Martin eHollifield, 1995). Parece que quanto menor o mun-do se vai tornando, mais necessidade as pessoastêm de delimitar o seu próprio espaço, e quequanto mais o mundo tende a se homogeneizar, nosentido de que os problemas e os recursos come-çam a se tornar globais, mais os países ou as regiõestendem a se fechar em torno de si mesmos e adefinir uma identidade própria que o diferencie detodo o resto, num processo de reação às investidasglobalizantes, por meio de “globalismos localiza-dos” e/ou “reterritorializações”, como propõe Boa-ventura de Sousa Santos (1995).

Além disso, embora os processos econômicosvenham sendo objeto, já há algum tempo, deregulamentações internacionais; embora haja umapreocupação imensa com os aspectos econômicosda globalização por parte dos governos, as ques-tões da representação política, dos direitos huma-nos e dos direitos sociais quase nunca são levadasem consideração por esses mesmos governos. Odesrespeito aos direitos humanos na China é repe-tidamente ignorado pelos países ocidentais noâmbito das relações internacionais, devido sobretu-do ao crescimento da importância econômica daChina no mundo; a introdução de uma cláusulasocial no acordo de criação da Comunidade Econô-mica Européia só se deu recentemente, e commuito custo, devido à pressão do novo governofrancês, eleito em junho de 1997, e mesmo assimnão se previu nenhum tipo de punição para ospaíses que a desrespeitarem. E, finalmente, o que émais relevante para os objetivos deste artigo, aDeclaração dos Direitos Humanos, as convençõesinternacionais, como a de Genebra, que regula-mentam a aplicação do direito de asilo, e a Conven-ção Européia dos Direitos Humanos vêm sendoconstante e progressivamente ignoradas pelos paí-ses receptores de imigrantes.

De fato, em muito poucos países os imigran-tes têm direitos políticos. Na França, uma daspromessas do governo Miterrand era conceder odireito de voto para os imigrantes nas eleiçõesmunicipais. Essa mudança, entretanto, significaria apossibilidade da existência de um nível interme-

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diário de cidadania, o que é incompatível com atradição republicana e com a Constituição francesa,já que no republicanismo prevalece a visão liberalou contratual da cidadania. De qualquer forma, oaumento das reações xenófobas e racistas e acrença disseminada na invasão estrangeira, que vêo imigrante como uma ameaça à integridade danação, fizeram com que a medida fosse descartadapelo governo, sobretudo por razões eleitorais.

Estando a hipótese de conceder direitos polí-ticos aos imigrantes, dentro do espírito do multicul-turalismo, totalmente descartada, seja pelos repu-blicanistas, seja pelos tradicionalistas, a discussãosobre direitos presente nos projetos de lei Pasqua eDebré limitou-se à concessão de direitos civis esociais.

O conteúdo dos três projetos que foram estu-dados neste trabalho representa uma tentativa dogoverno francês de diminuir os direitos dos imigran-tes e estrangeiros, partindo do ponto de vista de quea legislação francesa com respeito à imigração eramuito liberal e de que as facilidades que o governofrancês estaria oferecendo para o estrangeiro, emtermos de entrada no país e de aquisição da nacio-nalidade, seriam responsáveis pelo aumento dofluxo de imigrantes e pelo surgimento de guetos nasociedade francesa. Estariam sendo aceitos comofranceses pessoas que não tinham a menor intençãode se adequar ao “modo de vida francês”.

Por trás da política do governo, baseada naidéia de invasão da França — “A França não podeacolher toda a miséria do mundo”, nas palavras doex-primeiro-ministro socialista Fabius —, estava acrença de que nem todos os estrangeiros sãoassimiláveis, e por isso nem todo estrangeiro podetornar-se cidadão. O surgimento de demandasmulticulturalistas por parte da população imigran-te, o preconceito dos franceses em relação aosárabes e negros e a identificação do islamismo como terrorismo no interior da sociedade francesacontribuíram para o crescimento de um sentimentoantiimigrante na população, sentimento este que éexacerbado num momento em que os índices dedesemprego e a situação econômica do país são nomínimo preocupantes.

De fato, o sentimento antiestrangeiro cresceucomo um todo. Desde os anos 80, aumentou a

desconfiança dos franceses em relação à formaçãoda Comunidade Econômica Européia e seus efeitossobre a soberania do país. O governo tentou proibiro uso de palavras da língua inglesa no rádio e natelevisão, nos cartazes e nas revistas, e, finalmente,houve uma discussão séria a respeito de permitir ounão o uso do véu islâmico nas escolas francesas.Quando se está em dúvida sobre a sua própriaidentidade, qualquer signo de estranheza na socie-dade é percebido como uma ameaça, e é essa“ameaça” que permite o ressurgimento de ideologi-as como o tradicionalismo.

Inicialmente, por dispor de muito poucosmeios para se defender, o imigrante é o maisatingido por esse ressurgimento, mas a longo prazoo crescimento do tradicionalismo representa umperigo para a existência de vários direitos quepareciam assegurados na sociedade francesa e paraa sobrevivência da democracia, concebida como o“espaço do diálogo e da comunicação [...] A organi-zação institucional do espaço entre sujeitos” (Tou-raine, 1996, p. 261).

Contudo, entre aqueles que se manifestaramcontra o uso do véu islâmico nas escolas públicasestavam muitos intelectuais republicanistas, comomostra o manifesto assinado por Elizabeth Badin-ter, Régis Debray, Alain Finkielkraut, Elizabeth deFontenay e Catherine Kintzler, publicado em 28 denovembro de 1989 na revista Le Nouvel Observateursob o título “Profs, ne capitulons pas!”. O manifestoinicia se perguntando: “O futuro dirá se o ano doBicentenário terá visto o ‘Munique’da escola repu-blicana”. E finaliza afirmando:

A figura francesa da democracia tem por nomeRepública. Não é um mosaico de guetos onde a leido mais forte pode assumir as vestes de liberdadepara todos. Engajada no livre exame, ligada aoprogresso dos conhecimentos, e confiante naúnica luz natural dos homens, a República tempor fundamento a escola. E é por isso que adestruição da escola precipitará a da República.(Le Nouvel Observateur, 28/11/1989, p. 59)

O ministro da Educação em 1989, contra oqual se dirigia o manifesto acima citado, conside-rou que “[...] o porte de um véu ou de semelhante

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sinal de pertencimento religioso não pode consti-tuir um motivo de exclusão do aluno” (Le NouvelObservateur, 26/10 a 1/11/1989, p. 78). Segundoele, os únicos motivos que seriam suficientes paraexcluir uma criança da escola pública seriam se oaluno fizesse pressão, através de atitudes ou dediscursos, para que outros alunos seguissem suaopção religiosa, ou se os pais proibissem seusfilhos, ou se as próprias crianças se recusassem afreqüentar alguma das aulas oferecidas pela escolapública argumentando que o seu conteúdo estariaem contradição com o Corão.

A questão foi terminar nas mãos do Conse-lho de Estado, que considerou os argumentos doministro da Educação corretos e permitiu que asalunas voltassem a freqüentar a escola. Apesardisso, a opinião pública francesa não ficou satis-feita, e desde esse primeiro acontecimento maisconflitos entre meninas querendo usar o véu eescolas públicas aconteceram, e em alguns delesas meninas foram simplesmente expulsas (Tourai-ne, 1996).

Curiosamente, o ministro da Educação duran-te o affaire du foulard é o hoje primeiro-ministrosocialista Lionel Jospin, que ainda não realizounenhuma mudança significativa na política de imi-gração francesa, em relação ao que vinha sendofeito nos últimos anos. Aparentemente, o “proble-ma da imigração” na França vai continuar semsolução enquanto as idéias do Front National,vinculadas ao tradicionalismo, permanecerem do-minando o debate e “a esquerda teme passar porlaxista e a direita tem medo da concorrência daextrema direita” (Weil e Lochak, 1997).

NOTAS

1 Retomando Hegel, um povo constrói sua identidade apartir da idéia que ele faz dele mesmo; ao mesmotempo, essa identidade nunca se constrói sozinha, nosentido de que é sempre uma identidade em relação aalguma coisa, a um outro.

2 Por ideologia compreende-se “um sistema relativamen-te formal e articulado de significados, valores e crençasde um tipo tal que possa ser abstraído como uma visãode mundo” (Williams, 1997, p. 109, apud Basch, Glick-Schiller e Blanc, 1995, p. 13).

3 A discussão a respeito do republicanismo, tradicionalis-mo e multiculturalismo é desenvolvida com mais pro-fundidade no terceiro capítulo da minha dissertação demestrado, intitulado “Nação e nacionalidade na França”(Reis, 1997). Sobre o conceito de republicanismo, oslivros de Nicolet (1994) e de Wieworka (1996), porexemplo, são indicações fundamentais.

4 Naturais do Maghreb (Argélia, Zaire e Mali).

5 Jus soli e jus sanguinis são os dois princípios historica-mente mais usados para definir a nacionalidade de umapessoa, e correspondem, respectivamente, a nacionali-dade atribuída por direito de solo e por direito desangue.

6 O Conselho de Estado é um órgão consultivo que nãotem poder de veto mas geralmente influi no formatofinal das mudanças legislativas. Já o Conselho Constitu-cional tem poder de veto sobre as medidas propostaspelo governo se considerá-las inconstitucionais.

7 http://www.bok.net/pajol/sanspap.html

8 Funcionário que chefia um departamento ou uma re-gião e que representa o poder central.

9 “Nós somos culpados, cada um de nós, de haverabrigado recentemente, por razões pessoais ou profissi-onais, estrangeiros em situação irregular. Nós não de-nunciamos nossos amigos estrangeiros. E nós continua-remos a abrigar, a não denunciar, a simpatizar e atrabalhar sem verificar os papéis de nossos colegas eamigos.Devido ao julgamento e ‘condenação’, em 4/2/1997, dasenhora Jacqueline Deltombe, acusada de haver abriga-do um amigo zairense em situação irregular, e partindodo princípio de que a lei é a mesma para todos, nóspedimos para sermos examinados e julgados também.Enfim, nós conclamamos nossos concidadãos a desobe-decer e a não se submeter a leis desumanas, nósrecusamos que nossas liberdades se vejam assim res-tringidas.” L’appel des 66 cinéastes, 11 février 1997. Verhttp://www.bok.net/pajol/manifeste66.html

10 Os “vôos da vergonha” são os vôos em aviões charterscontratados pelo governo francês para repatriar à forçaos imigrantes em situação ilegal, realizados pela primei-ra vez em 1986, sob ordens do ministro do interiorCharles Pasqua, com a permissão da primeira-ministrasocialista.

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