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Universidade do Vale do Itajaí CEJURPS – Centro de Ciências Sociais e Jurídicas
Curso de Relações Internacionais
Política de segurança na Tríplice Fronteira (Brasil-Argentina-
Paraguai): identificação das atuais estratégias de cooperação
Artigo de Conclusão do Curso de
Graduação, exigido como requisito final
para obtenção do Grau de Bacharel em
Relações Internacionais pela
Universidade do Vale do Itajaí.
ACADÊMICO (A): LUIZA
SLOMSKY
Orientador: Paulo Roberto Ferreira
Balneário Camboriú (SC), Junho de 2015
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RESUMO
Palavras-chave: Tríplice Fronteira, MERCOSUL, integração regional, segurança
regional.
ABSTRACT
Key-words: TBA, Mercosul, regional integration, regional security.
O presente trabalho tem como objetivo identificar as estratégias de cooperação, o a partir do
período pós Ditadura Militar, no que diz respeito à segurança na região da Tríplice Fronteira
Brasil-Argentina-Paraguai. A pergunta norteadora é a seguinte: quais as atuais estratégias de
cooperação para a região da Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai? Este estudo foi
elaborado com base em fontes secundárias, e está dividido da seguinte forma: na primeira
seção, descreve-se os antecedentes acerca da integração regional com enfoque na cooperação
e segurança, na segunda seção, é abordada a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, a
terceira seção descreve o atual processo de cooperação regional na Tríplice Fronteira e as
atuais estratégias. Na quarta e última seção tem como objetivo tratar as iniciativas de
cooperação e integração entre Brasil-Argentina-Paraguai.
This study aims to identify cooperation strategies from the post military dictatorship period, with regard to security in the region of the Tri Border Area Brazil-Argentina-Paraguay. The research has the question: What are the current cooperation strategies for the region of the Tri Border Area Brazil-Argentina-Paraguay? This study was based on secondary sources, and is divided as follows: the first section describes the background on the regional integration focusing on cooperation and security. In the second section, we discuss the creation of the Council of South American Defense. The third section describes the current process of regional cooperation in the Triple Frontier and current strategies. The fourth and final section aims to address the cooperation and integration initiatives between Brazil, Argentina and Paraguay.
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Política de segurança na Tríplice Fronteira (Brasil/ Argentina/
Paraguai): identificação das atuais estratégias de cooperação
Luiza Slomsky
Sumário: Introdução; I. Antecedentes de cooperação e integração regional em
segurança na Tríplice Fronteira: de 1985 aos dias atuais; I.I. A importância da
integração regional para cooperação na Tríplice Fronteira; II. Complexo regional de
segurança na América do Sul; III. Iniciativas de cooperação e estratégias na área de
segurança da Tríplice Fronteira; Considerações finais; Referências bibliográficas.
Introdução
Inventada na Europa, no século XIII, a fronteira surgiu com a função inicial de
definir a distribuição de áreas entre Estados territoriais. Na historia da humanidade a
demarcação de fronteira ocupa uma posição de destaque tanto nos tratados de paz como
na convivência pacifica entre povos. A principal característica do Estado moderno foi
consolidar seu poder e sua autoridade espacial em uma base territorial bem definida,
entre um ponto fixo e único, que delimitou a separação entre o nacional e o
internacional através do estabelecimento das fronteiras (CARNEIRO, 2013).
Os novos usos políticos que vêm sendo atribuídos às regiões fronteiriças
derivam de processos de negociações multiescalares que envolvem os agentes
ou policymakers das políticas externas dos países e um grande conjunto de atores nas
escalas local e regional fronteiriça, (RÜCKERT; DIETZ, 2013). No caso da América do
Sul, a Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai tem um papel importante no
processo de integração em curso, devido à sua relevância econômica e demográfica,
visto que as três cidades gêmeas juntamente com suas respectivas áreas de influência
possuem pouco mais de um milhão de habitantes, e à intensidade dos fluxos
econômicos e humanos da região.
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A Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai também conhecida como Tri-
Border Area (TBA) é atravessada por fluxos decorrentes de atividades ilícitas, que
driblam os controles governamentais e transtornam a vida cotidiana das populações
locais. Esses fluxos possuem dimensões que ultrapassam os limites das três cidades
gêmeas (Foz do Iguaçu-Puerto Iguazu-Ciudad Del Este) e até mesmo do continente sul-
americano, uma vez que a TBA polariza um núcleo logístico que integra o nordeste
argentino, o leste paraguaio e o oeste paranaense (CARNEIRO, 2012).
A Tríplice Fronteira (TF) Brasil-Argentina-Paraguai possui um potencial
elevado de integração e conta com uma grande concentração de recursos financeiros e
humanos, possuindo uma localização privilegiada. Além disso, os atores locais da TF
possuem noção dos problemas existentes na região, o que torna possível se pensar a
fronteira e sua superação na construção de uma estratégia de territorialização
transfronteiriça (REITEL, 2007).
Neste contexto surgiu a inquietação da pesquisadora, apresentada em forma de
pergunta: quais as atuais estratégias de cooperação a região da Tríplice Fronteira Brasil–
Argentina-Paraguai? Propõe-se como objetivo geral então identificar as estratégias de
cooperação de segurança na Tríplice Fronteira, considerando o enfoque da integração
regional e demais questões que se colocam no entorno brasileiro.
O artigo utiliza-se do método bibliográfico, está dividido da seguinte forma: na
primeira seção, descreve-se um breve antecedente acerca da integração regional com
enfoque na cooperação de integração fronteiriça na Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-
Paraguai. Na segunda seção, será abordado a criação do Conselho de Defesa Sul-
Americano. Na terceira seção, tratamos as iniciativas de cooperação e integração entre
Brasil-Argentina-Paraguai. A quarta e ultima seção, tem como objetivo analisar o
processo de integração regional na Tríplice Fronteira, expondo as conclusões acerca do
que foi tratado ao longo do artigo e será abordada a opinião da pesquisadora.
1. Antecedentes de cooperação e integração regional em segurança na
Tríplice Fronteira
O povoamento da região na Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Parguai, inicia
em 1888 com a colônia militar de Foz do Iguaçu. O processo de ocupação é iniciado
tanto pelo Brasil quanto pela Argentina após a Guerra do Paraguai com vistas a
estabelecer postos avançados que permitissem a ambos os países atuar sobre a
confluência dos rios Paraná e Iguaçu. A região de encontro dos rios era então
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considerada uma estratégica em termos geopolíticos devido à relevância de ambos os
rios para a comunicação e transporte em territórios até então pouco ocupados. A partir
da infraestrutura provida pelos postos militares estabelecidos por Brasil e Argentina, se
desenvolvem as cidades de Foz do Iguaçu e Puerto Iguazu. Com a Guerra Fria, os
governos de Brasil e Argentina passam a cogitar a possibilidade de um conflito com os
países vizinhos e apregoam que “o desenvolvimento social e econômico, aliado a
políticas populacionais em regiões fronteiriças, eram meios efetivos de defender suas
fronteiras ameaçadas” (FERRADAS, 2004, p. 421).
Na década de 1970, a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, surge como um
fator relevante para o aumento populacional, fornecendo automaticamente milhares de
oportunidades de emprego para sua construção e manutenção, levando a um
crescimento populacional quadruplicado num intervalo de 10 anos. Desde o final da
década de 1960, Ciudad Del Este - Paraguai e principalmente Foz do Iguaçu se
tornariam o destino de grande contingente de imigrantes de origem árabe que, dentre
outros motivos, deixavam seus países para fugir dos diversos conflitos que tiveram
lugar no Oriente Médio após o fim da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, a
comunidade de descendência árabe presente na região é considerada a segunda mais
importante da América do Sul, somente atrás da presente em São Paulo (BÉLIVEAU &
MONTENEGRO, 2006).
O fato de uma parcela dos imigrantes libaneses que residem na Tríplice
Fronteira ser original do Vale do Bekaa – área tida como o núcleo de origem e atuação
do Hizballah levou autoridades de segurança norte-americanas a cogitar que a TF
estivesse servindo como fonte de financiamento para o Terrorismo Internacional e/ou
refúgio onde agentes de diversos grupos considerados terroristas pelos EUA, como
Hizballah, Jihad Islâmica, Gamat al-Islamiya, Hamas, al-Qaeda, entre outros e
permaneciam imunes as autoridades de segurança. As agências de segurança norte-
americanas lançaram olhar sobre a possibilidade de que terroristas estivessem atuando
na região logo após um atentado à embaixada de Israel em Buenos Aires em 1992, no
qual morreram 29 pessoas. Em 1994, um carro-bomba foi lançado contra a Asociación
de Mutuales Israelitas Argentinas, a AMIA, em 1994, vitimando 85 pessoas, ferindo
aproximadamente 300 e fazendo com que a América do Sul entrasse definitivamente no
conjunto de focos de atenção dos Estados Unidos (ESCUDÉ & GUREVICH, 2003).
Retomando, a Usina Hidrelétrica de Itaipu – Itaipu Binacional é uma usina
hidrelétrica binacional localizada no Rio Paraná, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
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Construída por ambos os países no período de 1975 a 1982, no qual tanto o Brasil
quanto o Paraguai eram governados por ditaduras militares. Hoje, depois de três décadas
de existência e duas de funcionamento, a Itaipu Binacional é responsável pelo
funcionamento de 25% da energia consumida por brasileiros e por 95% da demanda
paraguaia. O potencial de geração de energia referente à Usina Hidrelétrica de Itaipu
põe a usina no topo como a segunda maior das hidrelétricas de todo o mundo, perdendo
apenas para a Hidrelétrica de Três Gargantas na China, porém, Itaipu continua sendo a
maior produtora de energia hidrelétrica do planeta (MULLER, 2014).
A Usina de Itaipu foi resultado de intensas negociações entre Brasil e Paraguai
durante a década de 1960. Em 22 de julho de 1966, os ministros das Relações Exteriores
do Brasil, Juracy Magalhães e do Paraguai, Sapena Pastor, assinaram a Ata do Iguaçu,
uma declaração conjunta de interesse mútuo para estudar o aproveitamento dos recursos
hídricos dos dois países, no trecho do Rio Paraná "desde e inclusive o Salto de Sete
Quedas até a foz do Rio Iguaçu". O Tratado de Itaipu que deu origem à usina foi
assinado em 1973, os termos do contrato, que expira em 2023, são objeto de
descontentamento generalizado por parte dos paraguaios. No tratado, fica definido que
cada país receberia 50% da energia produzida, porém, como o Paraguai não tinha nem
tem demanda por toda sua parte da produção, o mesmo se obriga a vender o excedente
energético produzido na usina de Itaipu para o Brasil obrigatoriamente por força de
contrato. A partir de 2023, quando a dívida estiver inteiramente paga e já não for
responsável por 70% do custo embutido na tarifa de Itaipu, o Paraguai terá ampla
disponibilidade de energia barata e poderá vender o excedente não utilizado (ao invés de
ceder o direito de compra) (NEDEL, 2014).
As questões mais atuais envolvendo a usina e os dois países tiveram início em
2007, após visita do então presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva, onde foi
novamente abordado que o Brasil utiliza a usina de forma imperialista. Após assumir o
poder no Paraguai, o presidente Fernando Lugo logo propôs que houvesse uma
alteração nos valores pagos ao Paraguai (assim como prometido em sua campanha
eleitoral). De início, o governo brasileiro foi aberta e completamente contra qualquer
tipo de negociação, porém em 2010, os presidentes assinaram, em Assunção, um
documento denominado “Construindo uma Nova Etapa na Relação Bilateral”. Tal
documento, de fato, promoveu o fortalecimento do relacionamento bilateral entre as
partes e criou expectativas de um futuro mais promissor para o Paraguai e até mesmo
para o projeto de integração do MERCOSUL (OLIVEIRA, 2012).
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O Brasil cedeu a negociação para mostrar boa vontade, pois segundo o ex-
presidente Lula:
“a integração da América do Sul e a
integração da América Latina, passam, sobretudo,
pela boa qualidade das relações bilaterais entre os
membros (…) do MERCOSUL, da Unasul e da
América Latina (…) não interessa que o Brasil
cresça, se desenvolva, se os seus parceiros não
crescem e não se desenvolvem”.
Dessa maneira, o país também mostrou que pode exercer papel de líder regional.
À primeira vista o acordo é positivo para ambas as partes. Para o Paraguai, o novo
acordo representou uma conquista a partir do momento em que suas demandas foram
enfim atendidas, algo importante para o sentimento nacional paraguaio de que pode sim
obter retornos positivos através de um diálogo positivo com seus vizinhos (BLANCO,
2009).
A partir de 1985 anuncia-se a busca recíproca por aproximação, enfatizando as
relações comerciais, pois a percepção destacada dos atores brasileiros era de que as
relações com o país vizinho não deveriam mais ser pautadas por premissas geopolíticas,
mas sim, definidas em face da economia política (HIRST; LIMA, 1990). Neste sentido,
os presidentes José Sarney e Raul Alfonsín assinam, em 30 de novembro de 1985, a
Declaração de Iguaçu, importante passo político que declara a vontade em coordenar
esforços na busca por uma maior integração, seja em questões de infraestrutura física,
ou comerciais e econômicas (VARGAS, 1997).
Contudo, é assinado em Buenos Aires, em 1988, o Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento. O método de construção da estabilidade estrutural do
relacionamento Brasil-Argentina dá um salto qualitativo ao evoluir da cooperação para
a integração. O Tratado de Integração consagra os princípios de gradualismo,
flexibilidade, equilíbrio e simetria para a formação de um espaço econômico comum
entre os dois países, com vistas a permitir a adaptação das sociedades e empresas às
novas condições de concorrência e legislação econômica. Fixa-se o prazo máximo de
dez anos para a remoção de todos os obstáculos tarifários e não tarifários ao comércio.
Sublinha-se igualmente a necessidade de harmonização das políticas macroeconômicas
para a conformação de um mercado comum (CANDEAS, 2010).
A integração ganhava a simpatia dos setores que nela viam uma forma de vencer
os protecionismos no interior dos dois países, fortalecendo políticas de abertura e
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desregulamentação da economia e do comércio. A integração regional era vista como
uma “globalização em miniatura”, que combinava impulsos de liberalização comercial
com estímulos à política industrial, exercendo um “papel didático” sobre a economia
(CANDEAS, 2010).
Este processo de aproximação entre Brasil e Argentina culminou no
estabelecimento do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) em 1991, com a adesão do
Uruguai e Paraguai, por meio do Tratado de Assunção. A
institucionalização do MERCOSUL foi um importante arranjo que congrega em um
esquema de integração países vizinhos que, historicamente, desenvolveram um clima de
rivalidade, inclusive com possibilidade de emprego da força na resolução dos conflitos
(PAGLIARI, 2009).
Com efeito, o MERCOSUL foi constituído para ser mais do que um arranjo de
promoção da integração econômica. Neste sentido, o processo de transformação do
papel das fronteiras na América do Sul é dado pelo MERCOSUL, na medida em que
promove a reestruturação estratégica do relacionamento entre Brasil e Argentina
(LAFER, 2004, p. 58). A sua importância para uma inserção internacional mais
autônoma é inegável, considerando-se a vontade de que este espaço permita a
diversificação e o equilíbrio nas relações econômicas exteriores entre a América do
Norte, Europa, Ásia, África e mesmo América Latina.
No que se refere ao âmbito trilateral das relações entre Brasil, Argentina e
Paraguai, cabe lembrar o ano de 1996. Entre fevereiro e março deste ano, reuniram-se
em Buenos Aires representantes dos Ministérios do Interior da Argentina e do Paraguai,
e do Ministério de Justiça brasileiro. Na oportunidade, estabeleceu-se o "Acordo sobre
Segurança na Área da Fronteira Tríplice Comum - Brasil/Paraguai/Argentina", com o
objetivo de facilitar o transito de pessoas e de lograr um controle eficaz de
documentação e de identidade dos que habitam e transitam pela área e para promover a
coordenação trilateral na prevenção contra o terrorismo e combate ao narcotráfico na TF
(AMARAL, 2007).
Desde 1999, com a criação do Ministério da Defesa, órgão que substitui o antigo
Estado-Maior das Forças Armadas e consolida o controle das autoridades civis sobre os
aparatos materiais, técnicos e burocráticos das três Armas, o Estado brasileiro tem se
ocupado da tentativa de integrar as ações do Exército, Marinha e Aeronáutica no âmbito
da defesa, bem como promover a integração desta à dinâmica da política externa
brasileira. Neste sentido, nos últimos anos foram elaborados os documentos norteadores
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da política brasileira recente para a defesa: a Política Nacional de Defesa (PND),
instituída pelo decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005 (atualização da PND publicada
em 1996); a Estratégia Nacional de Defesa (END), decreto nº 6.703, de 18 de dezembro
de 2008; e o Livro Branco de Defesa Nacional, apresentado ao Congresso Nacional pela
mensagem presidencial nº 323, de 17 de julho de 2012 (REIS, 2012).
A Política Nacional de Defesa, de 2005 traça as linhas gerais da condução dos
objetivos nacionais em defesa e segurança, tendo como base a análise do contexto
internacional recente e o papel do Brasil no concerto mundial, com especial relevância
para o âmbito regional, da América do Sul. O documento também estabelece os
conceitos de segurança e defesa adotados para a formulação da PND:
I – Segurança é a condição que permite ao País
preservar sua soberania e integridade territorial,
promover seus interesses nacionais, livre de
pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o
exercício de seus direitos e deveres
constitucionais;
II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e
ações do Estado, com ênfase no campo militar,
para a defesa do território, da soberania e dos
interesses nacionais contra ameaças
preponderantemente externas, potenciais ou
manifestas. (BRASIL, 2005, p. 2).
Diante do objeto de estudo ser a cooperação de segurança na Tríplice Fronteira
Brasil-Argentina-Paraguai, o trabalho adota o conceito de segurança da PND.
Para o Paraguai que foi o maior beneficiado com 16 projetos aprovados até
2010, o Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM) foi a principal medida tomada até
o momento para a correção das assimetrias no MERCOSUL, que foi instituído em 2004,
sob a premissa de que a solidariedade internacional favorece a integração regional, uma
vez que a existência de disparidades resulta em uma distribuição desproporcional dos
custos e benefícios resultantes desse processo. Uma vez que o MERCOSUL pretende
constituir uma via de desenvolvimento econômico e social sustentável, fez-se assim
imprescindível o estabelecimento de um fundo que promovesse a coesão estrutural entre
os diferentes Estados Partes (SORGINE, 2012) O FOCEM é o primeiro e mais
importante passo para combater as assimetrias entre as economias mais poderosas e as
mais fracas do MERCOSUL, no entanto essa iniciativa é insuficiente para solucionar os
problemas socioeconômicos das regiões do bloco. (BRASIL, 2010)
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Para reforçar a vigilância na Tríplice Fronteira foi criado o Centro Regional de
Inteligência em 2006. O conjunto de inteligência, com sede na Polícia Federal em Foz
do Iguaçu e terá agentes dos três países e contribuirá para os esforços do Governo
brasileiro no combate aos delitos praticados na região da Tríplice Fronteira, por meio do
aprofundamento da cooperação entre os órgãos de segurança pública do Brasil, da
Argentina e do Paraguai.
Seja na tríplice fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai), seja na região
amazônica, seja na Bacia do Prata, os últimos dez anos tem testemunhado um aumento
substancial dos acordos tripartites e bilaterais que contam com a participação brasileira,
sem falar, evidentemente, na cooperação militar propiciada pelo desenvolvimento de
confiança mútua entre os países da América do Sul. Esse novo marco na cooperação
militar vai resultar na criação do Conselho de Defesa Sul Americano (CDS), em
dezembro de 2008. O CDS foi uma proposta brasileira, a qual foi imediatamente aceita
por todos os países à exceção da Colômbia, por conta de conflitos internos (MARTINS,
2011) e pelo receio da criação de uma OTAN sul-americana. Diferentemente da
Organização do Tratado do Atlântico Norte, o CDS é um fórum regional para promoção
de diálogo e troca de informações sobre segurança e defesa e, portanto, não implica uma
aliança militar convencional (SILVA, 2011).
A publicação mais recente do conjunto de formulações políticas e estratégicas de
defesa e segurança é o Livro Branco de Defesa Nacional, lançado pelo Ministério da
Defesa em julho de 2012. O Livro Branco “soma-se à Estratégia Nacional de Defesa e à
Política Nacional de Defesa como documento esclarecedor sobre as atividades de defesa
do Brasil” (Ministro da Defesa Celso Amorim, BRASIL, 2012, p. 8). Este documento
também possui a finalidade de compartilhar os objetivos de defesa do Estado brasileiro
para com os demais países da América do Sul, como medida de construção de confiança
mútua, afastando possíveis inseguranças oriundas da vizinhança continental, em meio
ao contexto atual de expansão do poder e influência do Brasil pelo subcontinente (REIS,
2012).
A Política, a Estratégia, e o Livro Branco de Defesa Nacional formalizam um
dos objetivos da criação, no governo de Fernando Henrique Cardoso, do Ministério da
Defesa: a articulação entre os comandos das três Forças Armadas na consecução das
operações de defesa, a subordinação plena das mesmas às instituições civis do Estado e
à Constituição, e a maior integração entre as políticas externa e de defesa.
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Em conclusão ao que foi abordado acima, nota-se certa carência de conflitos
armados na região fronteiriça, o que induz os países a priorizar mais a cooperação do
que com a segurança regional.
1.1 . A importância da integração regional para cooperação na Tríplice
Fronteira
Na atualidade, a segurança das fronteiras tornou-se então questão chave na
agenda brasileira, onde o objetivo central é conter as vulnerabilidades existentes nessas
áreas e impedir o avanço de ações danosas fruto do crime transnacional,
especificamente do narcotráfico, do tráfico de armas, do contrabando, evasão de divisas
e da imigração ilegal. Essas violações constituem novas formas de conflito que afetam
conjuntamente os Estados e, por conseguinte, as fronteiras precisam mais do que nunca
ser monitoradas a fim de que políticas públicas possam ser implementadas com sucesso
nestas regiões.
Com isso, o desafio dos países está em como lidar com estas demandas que se
relacionam com a segurança e a defesa estatal, mas que não são oriundas das formas
tradicionais de ameaças à segurança, sem desconsiderar a necessidade de garantir a
integridade das fronteiras e a soberania estatal, questões clássicas de segurança.
Com as mudanças decorrentes do fim da bipolaridade, abre-se espaço para que
atores, com capacidade regional destacada, passem a atuar mais fortemente em suas
regiões, na promoção e garantia da estabilidade. Considerando-se o entorno regional do
Brasil, observa-se que, uma vez reduzidas as tensões no Cone Sul, Brasil e Argentina
dão início a um processo de integração econômica regional que posteriormente é
ampliado para Uruguai e Paraguai. Com o retorno da democracia na região e a
aproximação iniciada, torna-se possível avançar para compromissos regionais com a
manutenção da democracia e com a construção de medidas de confiança mútua
(PAGLIARI, 2009).
Para melhor compreender o processo da integração na Tríplice Fronteira,
segundo pensamento teórico de Brandão (2008), o termo integração é utilizado em
diferentes escolas das Ciências Sociais, ainda que com distintos significados. Costuma-
se dizer que indivíduos, grupos, classes, Estados e regiões são objetos de processos de
integração, durante algum espaço de tempo. Mariano e Barreto (2004) afirmam que as
políticas de integração podem evoluir com a inclusão de temas de cunho regional ou
local, porque isto significaria um grande salto de qualidade para um bloco regional, por
exemplo. No presente contexto, referindo-se ao âmbito do MERCOSUL, a integração
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corresponde a um esforço de retirada de obstáculos e, ao mesmo tempo, de abertura de
um espaço regional para o desenvolvimento de sociedades, economias e nações
distintas. Neste sentido, a integração avança porque este esforço implica o
enfrentamento de grandes entraves que sempre comprometeram sua evolução, entre
outros, os modelos econômicos desenvolvimentistas, as culturas nacionalistas e uma
política pouco democrática. A integração regional passa então a ser um novo lócus de
regulação dos processos sociais, munida de instrumentos para conectar o subnacional, o
nacional e o internacional, sendo capaz de assumir, deste modo, a questão do
desenvolvimento e da sustentabilidade das regiões integradas (SANTOS, 2009)
Com mais de duas décadas de existência, o Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL) é a mais abrangente iniciativa de integração regional já implementada
na América Latina. O MERCOSUL, enquanto instrumento de promoção do
desenvolvimento econômico e social de base integracionista, viu sua política
enfraquecer em decorrência, especialmente, da fragilidade institucional apresentada
pelos processos de integração. Não era possível institucionalizar o MERCOSUL e
torná-lo um bloco forte e unificado sem, para isso, envolver as diferentes instâncias de
poder nas decisões e benefícios dele advindos (SANTOS, 2009).
Por fim, o que se configura é que este órgão representativo do MERCOSUL,
embora não seja a solução para todos os problemas da integração regional, de fato
colabora muito com o desenvolvimento dos diversos atores que compõem o cenário
internacional e também com a institucionalização do MERCOSUL. Por um lado dá
visibilidade às entidades subnacionais no cenário internacional e permite que estas
sejam mais fortemente atingidas pelas decisões advindas das instâncias supranacionais,
de outra forma, possibilita que o MERCOSUL, a partir do alargamento das políticas
integracionistas, crie uma agenda comum e una nações, estimulando sua própria
institucionalização e conquistando a credibilidade em torno das ações desenvolvidas.
Ao longo do tempo as preocupações dos países que compõem o MERCOSUL –
tende esse como um facilitador da cooperação na Tríplice Fronteira, mudaram de
enfoque. Se no primeiro momento, antes dos anos 80, a ênfase básica era remetida à
questão do anticomunismo e dos contenciosos brasileiro-argentinos, com as rápidas
transformações do cenário mundial, outros itens passaram a merecer atenção dos
dirigentes e preencher a pauta dos governos da região. Apesar de novos itens serem
acrescentados, como o tráfico de drogas e o terrorismo, os outros que diziam respeito
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não ao anticomunismo, mas às desavenças junto às fronteiras e às políticas de
rearmamento ou modernização das Forças Armadas continuaram existindo.
As ameaças de desestabilização da região, afetando a segurança regional, foram
de um lado neutralizadas pelos processos de integração entre esses países. Mas, pôr
outro lado, o tráfico de drogas praticamente alcançando todas as esferas da sociedade e
penetrando em todas as instâncias de poder desses países trouxe perigos maiores
corrompendo instituições e autoridades, tornando-se quase impossível ser resolvido
satisfatoriamente
As divergências verificadas nos últimos anos, tanto em termos internos, quanto
na dificuldade para compatibilizar interesses externos, e envolvendo dois ou mais países
simultaneamente, além da extensão das redes principalmente do tráfico de drogas, tem
se convertido nos motivos maiores para o fracasso.
Mas, sem qualquer dúvida, o receio que os países têm de que esses temas, da
mesma forma que outros foram nas décadas passadas, possam converter-se em pretexto
para uma atuação mais agressiva dos Estados Unidos na região, para salvaguardar a
segurança regional e continental, tem feito, com que bem ou mal, individual e
coletivamente, os países membros do MERCOSUL tenham se dedicado a discutir e
colocar na agenda do dia essas preocupações. Talvez não com a dedicação e urgência
que as mesmas demandam, e muito menos a Justiça e os demais poderes têm agido com
a rapidez possível e necessária para inibir e dar conta desses novos desafios. Que
certamente são mais perigosos e sutis, afetando a sociedade como um todo de cada um
desses países, convertendo-se, portanto, em ameaça permanente para sua segurança
nacional e para a segurança regional.
2. Complexo regional de segurança na América do Sul
A região da Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai passou a ser cada vez
mais importante para os Estudos de Segurança, como destacado por Barry Buzan, Ole
Waever e Jaap de Wilde. Para os autores, a territorialidade é crucial em questões de
segurança, destacando que a maioria das ameaças políticas e militares viaja mais
facilmente entre curtas distâncias do que longas, ou seja, insegurança está geralmente
associada com proximidade. Da mesma forma, a maioria dos Estados teme mais seus
vizinhos do que potências distantes (BUZAN; WAEVER; WILDE, 1998). Nesse
sentido, os atores enfatizam que a segurança é um fenômeno relacional, o que faz com
que a escala regional se torne primordial para compreender a segurança dos Estados.
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A partir disto, esta teoria deve contemplar a segurança da Tríplice Fronteira
Brasil-Argentian-Paraguai, sendo uma região rica em recursos naturais e humanos de
grande potencial a serem explorados, mas extremamente frágil no seu aparato de
segurança.
Os complexos regionais de segurança (CRS) são uma teoria desenvolvida dentro
da chamada Escola de Copenhague, e que busca entender as questões de segurança
internacional a partir de um enfoque regionalista. Por essa teoria, desenvolvida mais a
fundo por Buzan e Wæver (2003), os problemas de segurança estão mais
intrinsecamente associados à sua região, mas continuam sofrendo a interferência da
polaridade do sistema internacional – o que faz que seja rasamente lida como uma
aproximação entre o realismo ofensivo e o construtivismo, nas teorias de Relações
Internacionais (CEPIK, 2005).
O caráter construtivista da TCRS tem no conceito de securitização um dos seus
principais expoentes. Esse conceito parte da premissa de que um processo pode ser tão
politizado, politizado ou securitizado, o que corresponderia à extensão final da
politização – embora a politização seja um processo aberto, ocorrido dentro de um
quadro normativo ou costumeiro. Determinado assunto, apresentado e aceito como uma
ameaça existencial a um ator permite, pelo seu caráter emergencial, medidas que vão
além da politica (BUZAN, WÆVER, WILDE, 1998). As ameaças podem variar no
plano efetivo, se caracterizando como realmente existentes, ou, então ser uma forma de
legitimar a ação dos atores securitizados. Nas palavras dos atores, ““Segurança” é o
movimento que leva a política para além das regras estabelecidas do jogo e enquadra o
problema ou como um tipo especial de política e ou politicas como acima.
Securitização pode assim ser visto como uma versão mais extrema da politização"1
(BUZAN, WÆVER, WILDE, 1998, p. 23).
O desenvolvimento do construtivismo nas décadas de 1980 e 1990 ocorreu em
meio a um intenso debate nas Ciências Sociais sobre o lugar das ideias e dos valores na
análise dos eventos sociais. Nogueira e Messari destacam a premissa básica do
construtivismo: “vivemos em um mundo que construímos, no qual somos os principais
protagonistas, e que é produto das nossas escolhas” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.
162). Esses autores apresentam o essencial da teoria construtivista, destacando as
contribuições dos principais teóricos dessa corrente, como Alexander Wendt. Dessa
1 Tradução da autora.
15
forma, são elencadas as principais premissas do construtivismo, quais sejam: “o mundo
não é predeterminado, mas sim construído à medida que os atores agem, ou seja, o
mundo é uma construção social” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 166); os
construtivistas não descartam as causas materiais, porém, “consideram que as ideias e os
valores que informam a relação do agente com o mundo material desempenham uma
função central na formulação do conhecimento sobre este mesmo mundo”
(NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p. 167) (BECK, 2013).
É nesse cenário de busca por uma teoria alicerçada nas regiões que Barry Buzan
e Ole Wæver, no livro Regions and Powers (2003), desenvolvem a sua Teoria dos
Complexos Regionais de Segurança (TCRS). A teoria de Buzan e Wæver insere-se no
novo regionalismo tratando fundamentalmente da temática da segurança a partir de uma
perspectiva regional. É importante ressaltar, no entanto, que no novo regionalismo de
Buzan e Wæver, tanto a estrutura do sistema internacional quanto o comportamento das
unidades são reconhecidos como relevantes para a composição das dinâmicas regionais.
Essa incidência dos níveis global e estatal é importante para entender o que Buzan e
Wæver chamam de porosidade das regiões, ou seja, a permeabilidade desses espaços e a
influência, principalmente da esfera global, no modus operandi regional. Em outras
palavras, o que se afirma quando se trata de porosidade de um complexo regional é que
estes não são espaços compactos, mas em certa medida suscetíveis aos comportamentos
dos agentes dos demais níveis. (SILVA, 2011)
No livro Regions and Powers, Buzan e Wæver argumentam que o poder
analítico da abordagem regionalista está no fato de o nível regional colocar-se entre os
níveis local e global. A partir disso, definem os Complexos Regionais de Segurança
como:
[...] um conjunto de unidades cujos principais processos
de securitização, desecuritização ou ambos são tão
interligados e que os principais problemas relativos à
segurança dessas unidades não podem ser analisados ou
resolvidos separadamente. (BUZAN; WÆVER, 2003, p.
44)
Importa aqui a definição dos autores de que a segurança da região deve ser
orientada por ambos os países envolvidos na Tríplice Fronteira.
Buzan e Wæver reconhecem que, embora dentro de um mesmo Complexo
Regional de Segurança, as dinâmicas securitárias sejam comuns, há complexos mais
heterogêneos e outros mais monolíticos. Conforme os autores, o CRS da América do
Sul é categorizado como padrão, e apresenta dois subcomplexos relevantes: o Cone Sul
16
e o Norte-Andino, pois possuem ameaças com fontes distintas, e que se juntam à
medida que se desenvolvem. Durante a Guerra Fria, o CRS não era nem centrado e nem
um complexo de uma grande potência, apresentava uma formação conflituosa e, apesar
de grande penetração dos EUA, não era sobreposto. Apresentava quatro fatores
principais de segurança:
(1) instabilidade regional, (2) fronteiras contestadas e
especulação geopolítica bi ou trilateral, (3)
considerações sobre balança/hegemonia regional,
principalmente envolvendo o Brasil e a Argentina, e
(4) o envolvimento dos EUA2 (BUZAN & WÆVER,
2003, p. 320).
Todavia, após a Guerra Fria, o CRS da América do Sul passa a apresentar: (1)
menos instabilidades regionais, em especial as domésticas, (2) maior dinâmica
interestatal e (3) a relação com os EUA passam a ser menos globalmente orientada, e
passa a ser mais regionalizada.
Há uma maior estabilização da região, que tendia a se distanciar de radicalismos,
do controle político dos militares, com destaque especial para os processos de
integração regional. A segurança cooperativa mostra-se importante nesse período, tendo
como foco ameaças externas – o que batia de frente com a agenda imposta pelos EUA.
Há, na argumentação, uma aparente contradição sobre se a região está próxima ou não
de se constituir como uma comunidade de segurança. Em determinado momento,
afirma-se que “[o] Cone Sul da América do Sul está próximo de criar uma comunidade
de segurança baseada na securitização, primariamente, de uma ameaça econômica
externa, e disso derivando a necessidade de uma pacificação regional” (BUZAN &
WÆVER, 2003, p. 57). Contudo, mais adiante, lemos que “[a] América do Sul não tem
sido uma comunidade de segurança ou qualquer coisa próxima disso” (BUZAN &
WÆVER, 2003, p.304), ao descreverem que a região apresenta uma baixa incidência de
conflitos entre Estados, ainda que apresente um grande número de controvérsias em
suas relações. Depreende-se assim que consideram o Cone Sul como um forte candidato
a uma comunidade de segurança, mas não a América do Sul como um todo.
A interpretação da América do Sul a partir da Teoria dos Complexos Regionais
de Segurança parte de uma leitura histórica da região e de sua peculiaridade em
comparação aos demais complexos por ser uma região de baixos conflitos interestatais.
As principais contendas entre os países sul-americanos são um resultado dos processos
2 Tradução da autora
17
de independência, datados do século XIX, os quais criaram fronteiras instáveis que,
ainda hoje, geram desequilíbrios securitários (SILVA, 2009).
As dinâmicas de securitização fazem parte de um complexo regional de
segurança, cuja estrutura essencial engloba quatro variáveis: 1) limites, que diferenciam
o CRS de seus vizinhos; 2) estrutura anárquica, ele deve ser composto de duas ou mais
unidades; 3) polaridade, que se refere distribuição de poder entre as unidades; 4)
construção social, que abrange os padrões de amizade-inimizade entre as unidades
(BUZAN, WÆVER, 2003).
Os litígios fronteiriços, no entanto, não são as contendas prioritárias quando se
analisa o complexo sul-americano. Maior relevância se dá às ameaças internas de cada
estado, as quais se materializam, principalmente, nas tensões sociais domésticas, na
instabilidade política e nas rivalidades intra-regionais (BUZAN; WAEVER, 2003;
HURREL, 1998). Tal abordagem fundamenta-se no “conceito expandido de segurança”,
o qual se refere à adequação de ameaças não-tradicionais à noção de segurança, tais
como, instabilidade civil, contrabando, narcotráfico e até mesmo terrorismo – em um
contraponto ao conceito tradicional de segurança (SILVA, 2009).
Primeiramente, deve-se analisar a posição brasileira dentro da divisão em
subcomplexos proposta por Buzan e Wæver. Os autores não só enquadram o Brasil no
subcomplexo do Cone Sul, como também o colocam como principal agente desse
subcomplexo ao lado da Argentina. O que se pode concluir de tal classificação é que a
integração com Argentina, Paraguai e Uruguai é, na visão dos autores, mais
representativa em termos securitários para o Brasil que a dinâmica das drogas.
Dado os argumentos acima, constata-se que a divisão do CRS da América do Sul
em dois subcomplexos regionais divergentes é muito mais um subproduto dos arranjos
conjunturais do que uma realidade estrutural. Pode-se dizer, portanto, que existe na
Teoria dos Complexos Regionais de Segurança um problema na definição de
“estrutura”, causado pela inclusão de uma variável conjuntural: os padrões de amizade e
inimizade. Tal variável sugere que a estruturas dos distintos CRS são definidas pela
dinâmica de curta duração das percepções recíprocas de identidade e ameaça das
unidades que compõem esse complexo. Dessa forma, a “estrutura” acaba por ser
definida em função de fatos conjunturais e a conjuntura é delineada pela configuração
estrutural, o que gera uma indefinição mútua dos termos (SILVA, 2011).
A análise dos fenômenos de defesa e segurança internacional, a teoria dos
Complexos Regionais de Segurança causou grande impacto, ao trazer a análise do nível
18
regional para o entendimento desses fenômenos, fazendo um diálogo entre as teorias
construtivista e o realismo ofensivo nas Relações Internacionais.
No que tange à questão da segurança internacional, o construtivismo se
aproxima muito da corrente realista, sendo os Estados considerados a única unidade na
estrutura política internacional. Mesmo levando em consideração o aumento e
importância dos atores não estatais nas relações internacionais, ainda assim as mudanças
sistêmicas acontecem por meio dos Estados. Porém, deve-se ressaltar que o
construtivismo coloca o Estado como uma verdade histórica, sendo possível dessa
forma, no futuro, que isso não seja mais verdade. O que interessa dentro da teoria
construtivista, é saber como as ideias influenciam a maneira pela qual as identidades são
constituídas e como os atores definem seus interesses em função de suas identidades, ou
seja, a forma como os Estados definem seus interesses depende de como se definem em
relação aos outros, uma função da identidade social aos níveis domésticos e sistêmicos
da análise (BUENO, 2006).
Retomando, a construção da securitização regional na América do Sul pode ser
interpretada como sendo alicerçada em um complexo regional de segurança padrão,
sendo institucionalizado por uma agenda de segurança político-militar, uma estrutura
anárquica e uma polaridade que são definidos pelas potências sub-regionais e pelos
acordos e declarações específicas, normalmente no âmbito das organizações regionais.
(SENHORAS, 2014 p. 45)
3. Iniciativas de cooperação e estratégias na área de segurança da Tríplice
Fronteira
Por sua vez, o sentido de cooperação internacional deve ser compreendido
dentro das relações estabelecidas no âmbito internacional que não se apresentem de
maneira explicitamente coerciva, ou seja, relações legitimadas pelos atores envolvidos.
Segundo Groom e Taylor, existem três grandes grupos de teorias a partir dos quais a
cooperação internacional pode ser compreendida, as teorias de ajuste, teorias de
integração e as teorias constitucionais. As teorias de ajuste dizem respeito a uma reação
mais passiva dos governos, quando estes respondem às demandas provenientes de
mudanças no meio em que se encontram. A partir dessas teorias, são identificados cinco
formas de cooperação intergovernamental: coordenação, cooperação, harmonização,
associação, ação nacional paralela e supranacionalismo. As teorias de integração
descrevem e explicam uma mudança fundamental no sistema internacional, no contexto
19
da tomada de decisão, em um ou mais dos quatro níveis que englobam: (a) as pessoas
ou cidadãos; (b) os grupos organizados; (c) os burocratas ou elites; e (d) os líderes
políticos. Nessa perspectiva, teorias correspondentes são a funcionalista, neo-
funcionalista, regionalismo e a do consociativismo. A terceira categoria de teorias
corresponde àquelas que consideram uma mudança mais expressiva no sistema
internacional, no sentido de que surge um sistema mundial emergente que transcende os
Estados. Faz parte dessa última categoria a teoria de regimes internacionais, que, além
disso, inclui a visão de integração em sentido amplo (ZANESCO, 2013).
Mapa 1 – Cidades Fronteiras Brasil-Argentina-Paraguai
Fonte: CARNEIRO Filho, 2013.
No continente sul americano, é correto que os países gozam de certa estabilidade
e de um baixo grau de conflito armado, entretanto tal condição não afasta outros tipos
de ameaças. Neste sentido, inúmeras dificuldades relativas à segurança se constituem ao
longo de suas fronteiras, de modo que mesmo não havendo o estado de guerra
propriamente dito, nota-se a existência de outros males afeta a qualidade da relação
entre os estados no contexto regional, ou mesmo a realidade doméstica do país.
20
A busca por autonomia tecnológica, que permeou o pensamento brasileiro e
argentino, fez com que ambos se associassem, na década de 1980, em uma cooperação
nuclear para o desenvolvimento e aplicação da energia nuclear. Considerando a simetria
de objetivos, em 1985, Sarney e Alfonsín assinam a Declaração Conjunta sobre Política
Nuclear, estabelecendo as bases conjuntas para o desenvolvimento pacífico de energia
nuclear (PAGLIARI, 2009).
Foi criada em 1986, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS)
após uma iniciativa do Brasil que resultou na resolução 41/11 da Assembleia
Geral das Nações Unidas, que promove a cooperação regional e a manutenção
da paz e segurança na região do Atlântico Sul, foram aceitos apenas por Brasil e
Argentina. Particularmente, a zona de paz e cooperação tem o objetivo de evitar
a proliferação de armas nucleares e reduzir, até eventualmente eliminar por completo, a
presença militar de países externos à organização. Juntos, os membros buscam formas
de integração e colaboração regional, tais como a cooperação econômica e comercial,
científica e técnica, política e diplomática.
As mudanças no sistema internacional da década de 1990 refletiram-se também
na economia mundial, cujos preceitos econômicos e políticos dessa agenda, como
abertura do mercado interno, liberalização financeira, privatizações e
desnacionalizações de empresas públicas de setores importantes, foram adotados pelo
Brasil. Da mesma forma, a agenda internacional incluía uma série de tratados
internacionais para controle de armamentos, desarmamento e não-proliferação nuclear,
aos quais o Brasil também aderiu (PAGLIARI, 2009).
No nível sub-regional, Brasil e Argentina também instituíram um sistema de
verificação mútua dos seus respectivos programas nucleares, o Sistema Comum de 20
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (SCCC), por meio da Declaração de
Fiscalização Mútua de 1990. Na sequência, firmaram o Acordo entre Brasil e Argentina
para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, também conhecido como
Acordo de Guadalajara, de 1991, que criou a agência binacional de controle que passou
a operar o funcionamento do SCCC. Tal organismo recebeu o nome de Agência
Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC)
(OLIVEIRA, 2008).
Esse novo sistema bilateral de fiscalização recíproca na área nuclear,
desassociado de cláusulas de transferência tecnológica e que envolveu a instituição de
inspeções sobre o inventário de material e as atividades desenvolvidas nas instalações
21
de pesquisa de cada país, permitiu justamente que a transparência daí advinda resultasse
na confiança necessária para atestar, “aos olhos do outro”, que não havia intenção bélica
no desenvolvimento dos programas brasileiro e argentino. Dentro de um projeto mais
amplo, a cooperação nuclear bilateral possibilitou, também, fincar as bases da criação
de uma parceria estratégica, que incorporaria o campo econômico com o MERCOSUL e
que passaria a nortear as orientações centrais da Política Externa Brasileira (PEB). A
Argentina, que por anos constituiu o principal adversário do País na balança de poder
sub-regional, tornava-se a partir de então o aliado preferencial para se enfrentarem, com
a expectativa de ganhos recíprocos, os desafios da ordem pós-Guerra Fria. (OLIVEIRA,
2011)
Continuando os acordos firmados pelo Brasil, em 1994, tornou-se membro do
Tratado de Tlatelolco; em 1993, aderiu à Convenção para a Proibição de Armas
Químicas; em 1995, ao Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR); em
1996, ao Grupo de Supridores Nucleares (NSG); em 1996, assinou o Tratado
Abrangente de Proibição de Testes Nucleares, e, em 1998, aderiu ao Tratado de Não-
Proliferação Nuclear (TNP).
O arrefecimento das tensões com a Argentina, ainda durante os governos
militares, desfez o clima conflitivo no Cone Sul, propiciando o estabelecimento de
acordos na área nuclear entre ambos os países. A partir de então, o Brasil promove uma
postura mais assertiva em relação à América do Sul, passando a atuar de forma a
estreitar os laços de confiança com os vizinhos, priorizando a dimensão sub-regional
como seu mais forte espaço de atuação. Assim, a região incorporou a agenda
internacional, que enfatizava o controle de armamentos, como armas de destruição em
massa e proliferação nuclear.
O Paraguai busca na cooperação proteção contra o que, de fato, identifica como
sendo a maior ameaça atual a sua soberania: o narcotráfico. Em 2011, o Paraguai
solicitou ao Brasil cooperação na vigilância das fronteiras e no controle do espaço
aéreo, além de apoio para evitar que narcotraficantes se estabelecessem no país. A
prioridade da segurança paraguaia recai na proteção da fronteira seca, à luz da facilidade
para o tráfico de armas, que envolve enormes somas de dinheiro (ABDUL-HAK, 2013).
Interessa, portanto, ao Brasil adensar a cooperação militar e de segurança
pública, inclusive porque, na falta de apoio brasileiro, o Paraguai poderá seguir o
exemplo colombiano e voltar-se para os EUA, introduzindo no Cone Sul o padrão de
militarização da segurança pública da região andina. A assinatura do Acordo Quadro em
22
Matéria de Segurança Pública, na visita da Presidenta Dilma Rousseff ao Paraguai, em
junho de 2011, busca fortalecer a capacidade paraguaia de atuar nessa área. O acordo
abrange a integração de dados para facilitar o controle de inteligência, físico e
tecnológico das fronteiras, bem como a possibilidade de operações conjuntas policiais.
Incluiu, ainda, o uso do Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), mecanismos de
interceptação de chamadas telefônicas, patrulhamento aéreo-fluvial e transferência de
equipamentos de vigilância, na forma de doações ao governo paraguaio. Caso produza
bons resultados, o Acordo poderá ensejar, numa segunda etapa, sua aplicação regional
no âmbito do Conselho sobre o Problema Mundial das Drogas, na UNASUL.
O que se defende, e as medidas adotadas apontam nessa direção, é que sem
perder a identidade nacional, é possível superar a visão estreita sobre segurança para,
tendo como método o mesmo adotado pelo MERCOSUL (a partir de um centro,
incorporar cada vez mais temas e atores ao processo), evoluir para a formulação de
interesses comuns e, portanto, para uma política de segurança cooperativa na região.
Todavia, conditio sine qua non é a manutenção da autonomia nacional na formulação de
políticas pelas nações reunidas, daí a grande dificuldade até aqui percebida. Quanto à
incorporação de áreas cada vez maiores na tentativa de realmente criar uma visão
comum em defesa, a Argentina apresenta maior disposição do que o Brasil. Tanto é
assim que, enquanto o primeiro faz acordos que estreitam cada vez mais as relações em
defesa na região – como, por exemplo, a criação de força conjunta entre Argentina e
Chile, anunciada há mais de um lustro (FOLHA ON LINE, 2005) –, o Brasil, apesar do
postergar qualquer decisão nessa matéria. Ainda que a posição brasileira seja reticente,
há várias iniciativas que exemplificam o acercamento cada vez mais amplo em defesa e
segurança. A edificação do Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação, livre de
armas nucleares, por iniciativa brasileira e aprovada em 1986, e os acordos sobre
controle do desenvolvimento nuclear desenhados entre 1986 e 1990, são os exemplos
mais significativos (OLIVEIRA, 1998, p. 17).
Cabe registrar também as reuniões de ministros da Defesa das Américas, em
curso desde 1995. Embora uma iniciativa norte-americana, a existência dessas reuniões
vem sendo avaliada positivamente pelos países da América do Sul, conforme mostra
Radseck (2004), ao afirmar que Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai veem nelas
um dos melhores espaços para a troca de ideias em matéria de segurança e defesa,
promovendo o conhecimento mútuo entre os países e, por conseguinte, funcionando
como mecanismo de quebra de suspeitas e de construção da confiança para as Américas.
23
Em busca de segurança na região, atualmente o lançamento de uma Parceria
Público-Privada (PPP) para a construção doe um Centro de Inteligência e Controle de
Informações de fronteiras, com sede em Foz do Iguaçu. O anúncio foi feito durante a
reunião do Gabinete de Gestão Integrada de Fronteira (GGIFron), que discute ações
integradas de segurança em conjunto com instituições municipais, estaduais e federais,
além de forças policiais do Paraguai e da Argentina. (CBN Foz, 2015) “A Tríplice
Fronteira é local estratégico para implementar uma política de inteligência para que a
gente possa receber informações de outras polícias, de outras instituições e, assim,
melhorar a qualidade do nosso trabalho e baixar os índices de criminalidade”, afirmou o
secretário da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná, Wagner
Mesquita.
Outra ação recente foi a visita em Março de 2015, do ministro da Indústria e
Comércio do Paraguai, Gustavo Leite, que lidera uma delegação que se reuniu em
Brasília com representantes do governo brasileiro para solucionar "alguns
inconvenientes" que existem na fronteira, segundo as autoridades paraguaias. Leite quer
se aprofundar nas relações comerciais entre os dois países e "buscar soluções para
alguns inconvenientes que acontecem na fronteira", segundo um comunicado oficial do
Ministério da Indústria do Paraguai (EFE, 2015).
Em síntese, o MERCOSUL, nele incluindo o Chile, está cumprindo o objetivo
não revelado de abrir espaços para maior integração regional em torno de questões tão
variadas quanto é o comércio de bens e os entendimentos sobre segurança. Os
empecilhos, entretanto, são maiores em segurança, quando rompidos beneficiam a
relação de confiança mútua entre os países, alimentando o entorno necessário para a
convergência de posições políticas cooperativas (MATHIAS, 2012).
Por fim, se defende que há sucessos significativos no âmbito da segurança no
interior do MERCOSUL, não pode chamar esses avanços de construção da defesa
cooperativa ou mesmo da integração em defesa. Há diferenças significativas – como,
por exemplo, a formação dos militares e suas funções na defesa – que ainda impedem o
avanço para além da construção da confiança, de olhar o outro como possível parceiro.
Entretanto, por ser a segurança um tema político por excelência, irreversível quando
aberto, defende-se que todo pequeno passo nessa área é um grande avanço para o
fortalecimento dos laços regionais, fundamentais para a edificação sólida da integração
regional.
24
Boas intenções são compartilhadas, mas não necessariamente realizadas. Além
do mais, as mudanças de governo são de igual modo, elementos a serem devidamente
ponderados. Nada assegura que as decisões tomadas em um momento terão sequencia
em outros, visto que os novos governantes podem adotar posicionamentos
completamente distintos dos anteriores, em nome de novas prioridades, de novas
conjunturas, de novas conveniências, etc.
Cada país prioriza suas políticas individualmente, de acordo com o que visa ser
necessário. A Argentina está mais voltada para o tráfico de drogas e armamentos e com
a presença de grupos islâmicos na fronteira tripartite argentino-brasileiro-paraguaia. A
preocupação brasileira, por força das circunstâncias, acha-se dirigida para o território
amazônico, apesar de não negligenciar o tráfico de drogas como uma de suas
prioridades (GIANEZINI, 2004).
Por razões como essas, não sentem necessidade de aprofundar a cooperação - já
existente no âmbito da Justiça -, enquanto dão conta, sozinhos, de seus problemas. Na
verdade, não se trata apenas disso. Cada um deles raciocina dentro de estreitos
parâmetros de seus interesses e de projeção de seus Estados nacionais.
É importante destacar que uma integração regional se realiza de forma mais fácil
em sociedades abertas, mais justas, mais igualitárias, com participação popular e
predispostas a aceitar a diversidade cultural. Uma realidade que hoje está muito distante
dos habitantes da Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai. (CARNEIRO, 2013)
Considerações finais
Apesar da notável ausência de conflito armado de alta intensidade no continente,
o Brasil tem buscado fortalecer políticas de segurança e defesa nacional para a fronteira,
as considerando instrumentos essenciais para a boa manutenção da ordem doméstica e
internacional. Tal preocupação com o setor deu-se também a partir da intensificação de
problemas reflexos voltados à realidade hodierna, onde a tecnologia da informação, a
inovação tecnológica e o desenvolvimento científico podem ser amplamente utilizados
tanto para a concretização de ações ilícitas e danosas por associações criminosas, como
pelos próprios governos nacionais a fim de combater essas violações e diminuir os
indicies de criminalidade. (GARCIA, 2014)
Convém considerar que a baixa incidência de guerras interestatais na América
do Sul, não significa ausência de situações conflitivas, mas sim que os Estados da
região tendem a resolver suas disputas por meio da diplomacia, embora exista a ameaça
25
do uso da força, e alguns países tenham retomado um processo de aquisição de material
bélico.
A essas circunstâncias somam-se outras dinâmicas que tem seus efeitos
potencializados pelas condicionalidades internas desses Estados. Assim, embora
importantes medidas coordenadas tenham sido implementadas, não se pode dizer que a
América do Sul, e o MERCOSUL, em particular, caminham para conformar uma
comunidade de segurança, pois esta não seria condizente com o fato de muitos países
terem retomado o reequipamento e a modernização de seus aparatos militares.
Em decorrência de a região estudada conviver com cenário pacífico, sem ameaça
de conflitos armados, será abordado a Guerra das Malvinas para identificar as
estratégias de cooperação adotada pelos países, na busca de manter a soberania da
região e também como proposta de continuação dos estudos.
A neutralidade consistiu na cooperação prestada pelo Brasil aos argentinos tanto
de maneira ostensiva (ao proibir que aeronaves britânicas reabastecessem em aeroportos
brasileiros ou ao permitir que portos brasileiros funcionassem como entreposto para
exportações argentinas), quanto secreta (por meio do fornecimento de dois aviões de
guerra Bandeirantes EMB-111) (URT, 2010). Cuidadosamente, a neutralidade adotada
pelo governo brasileiro no conflito das Malvinas (1982) fortaleceu a projeção brasileira
de uma política regional mais cooperativa. Ao enfatizar a necessidade de contenção das
hostilidades, de maneira a evitar que o território continental argentino fosse objeto de
agressão militar, e ao destacar que a situação das Malvinas não constituía precedente
para o equacionamento de outras questões territoriais na América do Sul, o Brasil
ajudou a conter os efeitos regionais do conflito.
A Guerra das Malvinas enfraqueceu decisivamente a credibilidade do sistema
interamericano de defesa coletiva e, dessa maneira, também contribuiu para a
reorganização dos padrões de confiança regionais. Romper o isolamento diplomático
pós-Malvinas consistia na prioridade de política externa do governo civil de Alfonsín
(1983-89), levando a Argentina inclusive a tentar aproximar-se do Chile – um país
ainda sob o regime militar de Pinochet (1974-1990) e orientado por uma política externa
tão irredutivelmente anticomunista que havia alijado até os EUA. A partir da breve
apresentação das premissas gerais do construtivismo, apresentadas na seção anterior
busca-se aplicar essa teoria ao caso das Malvinas, já que o tema é enormemente
influenciado pelas ideias e valores e foi, de acordo com o que se pode depreender do
autor estudado, sendo construído ao longo do tempo pelos agentes estatais e pela
26
sociedade argentina como um todo até se tornar esse símbolo que identifica e une a
Nação (BECK, 2013).
Por fim, os problemas econômicos que cada lado da fronteira encara estão
ligados às dificuldades de se prover as estruturas administrativas, política e legal para
organizar a cooperação transfronteiriça e a gestão integrada do território. Dificuldades
decorrentes da inexistência de uma forma legal ou institucional comum para tanto. A
Constituição Federal brasileira, por exemplo, concentra grande parte da competência
acerca dos temas de fronteira à União. Assim, as esferas local e regional possuem pouca
margem de manobra para articular políticas em prol do desenvolvimento local e da
cooperação transfronteiriça (FILHO, 2013).
No sentido de superar os problemas decorrentes da legislação, as diferentes
instâncias governamentais da Tríplice Fronteira poderiam procurar conhecer as soluções
que vem dando certo e que estão em vigor hoje em outras regiões de fronteiras, como
por exemplo, a experiência europeia da MOT (Misson Opérationelle Transfrontalière)
(CARNEIRO, 2011), sendo essa mais uma proposta de objeto para estudos futuros ou
alargamento do mesmo com comparação ao modelo europeu.
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