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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 POLÍTICA DE COMBATE À DE DESERTIFICAÇÃO NO CONTEXTO DOS ESTADOS BRASILEIROS Israel de Oliveira Junior Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia [email protected] Jocimara Souza Britto Lobão Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia [email protected] INTRODUÇÃO Com a recente discussão sobre a crise ambiental planetária, a atenção da comunidade mundial voltou-se para os diferentes problemas ambientais. Alguns deles de ocorrência zonal, outros locais; no entanto, todos fundamentaram a discussão que denota o estado de desequilíbrio ambiental decorrente da relação sociedade – natureza. Na busca de sensibilizar a sociedade frente aos danos ao ambiente e das consequentes mazelas, a degradação das terras secas e o processo de desertificação começaram a ser pauta de discussão entre os diferentes seguimentos sociais, mas ainda de modo incipiente. Como o processo ainda é desconhecido em sua totalidade, há dúvidas em relação às causas, efeitos, mitigação e solução, o que dificulta no estabelecimento de métodos investigativos (BRASIL, 2005). Essa realidade ainda é mais preocupante no Brasil, em razão da escassez de pesquisas que promovam o conhecimento mais abrangente desse problema. As discussões sobre a desertificação no Brasil remontam a década de 1970, quando Vasconcelos Sobrinho (1971) publicou a monografia intitulada Núcleos de Desertificação no Polígono das Secas (MATALLO JUNIOR, 2001). A partir daí, iniciaram estudos para monitorar a desertificação em terras brasileiras, os quais tiveram um caráter pontual e de elucidar lacunas referentes ao processo. A soma dos resultados de pesquisas internacionais e nacionais colocou em evidência fatos importantes sobre a desertificação. Inicialmente, que é um problema 3059

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POLÍTICA DE COMBATE À DE DESERTIFICAÇÃONO CONTEXTO DOS ESTADOS BRASILEIROS

Israel de Oliveira Junior

Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia

[email protected]

Jocimara Souza Britto Lobão

Universidade Estadual de Feira de Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia

[email protected]

INTRODUÇÃO

Com a recente discussão sobre a crise ambiental planetária, a atenção da

comunidade mundial voltou-se para os diferentes problemas ambientais. Alguns deles de

ocorrência zonal, outros locais; no entanto, todos fundamentaram a discussão que denota o

estado de desequilíbrio ambiental decorrente da relação sociedade – natureza. Na busca de

sensibilizar a sociedade frente aos danos ao ambiente e das consequentes mazelas, a

degradação das terras secas e o processo de desertificação começaram a ser pauta de

discussão entre os diferentes seguimentos sociais, mas ainda de modo incipiente. Como o

processo ainda é desconhecido em sua totalidade, há dúvidas em relação às causas, efeitos,

mitigação e solução, o que dificulta no estabelecimento de métodos investigativos (BRASIL,

2005). Essa realidade ainda é mais preocupante no Brasil, em razão da escassez de

pesquisas que promovam o conhecimento mais abrangente desse problema.

As discussões sobre a desertificação no Brasil remontam a década de 1970,

quando Vasconcelos Sobrinho (1971) publicou a monografia intitulada Núcleos de

Desertificação no Polígono das Secas (MATALLO JUNIOR, 2001). A partir daí, iniciaram estudos

para monitorar a desertificação em terras brasileiras, os quais tiveram um caráter pontual e

de elucidar lacunas referentes ao processo.

A soma dos resultados de pesquisas internacionais e nacionais colocou em

evidência fatos importantes sobre a desertificação. Inicialmente, que é um problema

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específico das terras secas – ou seja, daquelas dominadas pelo clima árido, semiárido e

subúmido seco – e resultante de fatores sociais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,

1997). Ademais, demonstrou que os impactos consequentes geram instabilidades sociais,

como o declínio da produtividade da terra. Com isso, tornou-se consensual a urgência em

discutir o problema, para a promoção de medidas de reconhecimento e monitoramento das

causas e consequências, e da complexa reversão de seus efeitos, como aponta Hare e

outros (1992, p. 23):

a necessidade de atuar para combater a desertificação é muito urgente porque

se trata de um processo dinâmico. A desertificação pode alimentar-se a si

mesma e tornar-se autoacelerada. Desde que se atrase, a recuperação torna-se

crescente morosa e dispendiosa e a degradação pode atingir um limiar para

além do qual passa a ser prática e economicamente irreversível. Torna-se

necessário adotar medidas preventivas, tão cedo quanto possível, sob a forma

de práticas apropriadas de uso do solo, ao mesmo tempo socioeconômicas e

ambientais, capazes de melhorar os microclimas e os solos e de impedir que a

desertificação avance ainda mais.

Diante das consequências da desertificação, a comunidade internacional

estimulou estudos que pudessem levar a compreensão do processo (BRASIL, 2005). Em

razão disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) determinou a década de 2010-2020

como a da desertificação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2010). Todos os países que

possuem terras vulneráveis à desertificação realizam pesquisas para o conhecimento do

processo e elaboração de propostas políticas que mitiguem e/ou solucionem os efeitos do

mesmo, a exemplo do Brasil. Hoje, em todo o planeta, inúmeros países possuem terras

desertificadas e/ou suscetíveis ao processo, entre os quais Argentina, Brasil, China, Espanha,

Portugal e Sudão. Segundo a ONU (2010), são mais de 36.000.000 km2 (cerca de 25% das

terras do planeta) distribuídos entre 100 países, onde vivem mais de um bilhão de pessoas.

No Brasil, os cenários tendenciais da região Semiárida denotam preocupação

(SOUZA, 2006). A manutenção do equilíbrio clima – solo – vegetação é ameaçada por

práticas e técnicas empreendidas em um frágil ambiente, realidade típica das terras

mapeadas como Área Suscetível a Desertificação (ASD); a intensa exploração do patrimônio

ambiental ampliou a suscetibilidade à desertificação dos municípios que integram a ASD

brasileira. Geralmente, os impactos são resultantes da supressão da cobertura vegetal – que

acelera os processos físicos, como a erosão eólica e pluvial – em uma região demarcada pela

fragilidade ambiental decorrente, sobretudo, das condições climáticas; isso torna a

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“degradação mais fácil, impedindo a reconstituição da vegetação quando lhe é dado um

prazo, [podendo] provocar uma verdadeira euforia dos processos de degradação” (TRICART,

1977, p. 53-54).

A discussão política da desertificação tem sensibilizado os governos nacionais e

demais setores da sociedade para o enfrentamento do problema. Algumas deliberações de

convenções internacionais contribuíram para o combate à desertificação em níveis regionais

e nacionais. No Brasil, foi elaborado o Programa nacional de combate à desertificação e

mitigação dos efeitos da seca (PAN-Brasil), pelo qual traçaram estratégias de luta contra a

desertificação, a exemplo dos planos de ação estaduais de combate à desertificação.

Pretende-se, com este trabalho, expor resultados de análise de documentos e

convenções internacionais e nacionais sobre a questão da desertificação e dos Programas de

Ação Estadual de Combate a Desertificação e Mitigação da Seca (PAE) publicados por alguns

estados brasileiros da ASD. Foram examinadas as definições teóricas referentes ao

processo, os ideais de desenvolvimento, as deliberações das convenções, o plano de gestão

dos PAE e as atribuições e relevância dada aos agentes sociais, sobretudo a sociedade civil.

Acredita-se que a análise de políticas de desertificação é de importância por criticá-las e

repensá-las, no tocante de elevar a qualidade de vida das populações que habitam a ASD.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para a realização deste estudo foram estabelecidas etapas e metas,

sistematizadas na figura 1 e descritas a seguir:

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Figura 1. Diagrama metodológico.

1. Análise, seleção e crítica das discussões sobre os conceitos, causas e

consequências e ações de enfrentamento da desertificação e temas afins na literatura

científica.

2. Análise e comparação com a literatura científica, sobre as convenções,

tratados e documentos internacionais sobre a Desertificação: II Conferência das Nações

Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano – Rio 92 (Agenda 21), Convenção

das Nações Unidas de Combate à Desertificação (CCD), Conferência das Nações Unidas

sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20), Programa Regional de Combate à

Desertificação na América do Sul.

3. Estudo do Programa nacional de combate à desertificação e mitigação dos

efeitos da seca (PAN-Brasil) e a relação desse com as convenções internacionais e literatura

científica.

4. Avaliação dos Programas estaduais de combate à desertificação e mitigação

dos efeitos da seca dos estados de Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e Recife e a

correspondência deles com os documentos originados nas convenções internacionais e

nacional sobre a desertificação e com a literatura científica.

CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E A DESERTIFICAÇÃO: O COMBATE E OS DIRECIONAMENTOS POLÍTICOS E INSTITUCIONAIS BRASILEIROS

A degradação das terras em ambiente de clima seco é percebida por populações

mundiais há anos. Em razão dela, algumas civilizações antigas enfrentaram processos de

declínio e extinção, como a dos sumérios e babilônicos (HARE et al., 1992). No ano de 1949,

o francês Aubreville advertiu sobre os danos ambientais ocasionados pela exploração

insustentável das terras secas da África, intitulando o problema como desertificação. A partir

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desse período até a segunda metade do século passado, foram realizadas pesquisas

esporádicas no intuito de se estabelecer as causas e consequências da intensa pressão

ambiental em locais de clima árido, semiárido e subúmido seco.

Muitos estudiosos, políticos e agentes sociais notaram a necessidade de realizar

pesquisas a respeito da desertificação a partir da periodicidade de secas acentuadas em

determinadas áreas geográficas mundiais, uma vez que estas intensificavam a rusticidade e

deterioração ambiental, com impactos na sociedade e economia (BRASIL, 2005). Nas

pesquisas realizadas, constataram que as consequências da degradação ambiental eram

dramáticas, por reduzir a produtividade agropecuária, ampliar a ocorrência da fome,

ocasionar a morte de animais, feições vegetais e da população local, (a exemplo do ocorrido

no Sahel entre os anos de 1967 e 1976) e aumentar o fluxo migratório (SALES, 2003).

A partir de 1960, aprofundaram-se a discussão sobre a relação entre seca, ação

humana e o processo de desertificação (PACHÊCO et al., 2006), resultando, no ano de 1977,

na primeira Conferência das Nações Unidas sobre a Desertificação, em Nairobi – Quênia

(VERDUM et al., 2009). Nesse encontro, considerado o marco dos estudos do referido

processo, relevantes informações foram consolidadas, a exemplo da identificação das áreas

com suscetibilidade à desertificação e a conceituação do processo como: diminuição ou

destruição do potencial biológico da terra, ocasionando formação de desertos. A ideia

central estabelecida pela definição era que a desertificação originava desertos e que não

haveria medidas para revertê-la (SALES, 2003). Com isso, realizaram-se críticas sobre a

fragilidade conceitual da desertificação, pois dificultava a caracterização do processo; a

escala de ocorrência, ao afirmar que abrangia apenas as zonas áridas e semiáridas,

correspondentes a cerca de 15% da superfície terrestre (VERDUM, et al., 2001); e a

irreversibilidade da degradação. Nos anos posteriores, prosseguiram os debates em nível

mundial a respeito da conceituação, escala espaço-temporal de ocorrência e metodologia de

estudo para o estabelecimento de indicadores da desertificação.

Durante a Rio-92 – conferência realizada na cidade de Rio de Janeiro (RJ) em 1992

– dedicaram-se esforços para a discussão sobre a desertificação e a seca. No documento

intitulado de Agenda 21, destinaram-se o capítulo 12 para o estabelecimento do conceito de

desertificação e programas para o combate a desertificação e seca. Em relação ao processo

de desertificação, conceituaram-no como a “degradação da terra em regiões áridas,

semiáridas e subúmidas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de variação climática

e de atividades humanas” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1995). Definiram-se seis

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áreas de programas relacionados à desertificação, para o fortalecimento do conhecimento

sobre a desertificação, combater a degradação do solo, erradicação da pobreza, programas

antidesertificação e participação popular (Quadro 1).

Quadro 1. Informações sobre as áreas dos programas relacionadas à desertificação estabelecidas nocapítulo 12 da Agenda 21.

Área Característica do programaEstabelecimento/fortalecimentodo conhecimento

Obtenção do conhecimento sobre o processo, estabelecimento/fortalecimento de centos nacionais de coordenação de informações sobre o ambiente, criação de um sistema permanente de informação, em nível regional e mundial, para o monitoramento dadesertificação e degradação das terras secas

Degradação do solo Combater a degradação do solo, promover o manejo para a conservação do solo, expandir a cobertura vegetal por meio de reflorestamento e silvicultura

Erradicação da pobreza Melhoramento dos sistemas produtivos para obter maior produtividade; fortalecimento de organizações produtivas rurais; ampliação do crédito rural; desenvolvimento de infraestrutura e capacitação produtiva e comercial da população rural

Programas antidesertificação Fortalecimento de instituições locais, nacionais e internacionais para o desenvolvimento de programas de combate à desertificação, para mitigar os efeitos negativos sociais da seca e promover o desenvolvimento nas áreas propensas à desertificação; elaboração de planos nacionais integrados de desenvolvimento, proteção ao meio ambiente e contra a desertificação; realização de pesquisas ambientais e treinamento de pessoas para o manejo da terra em áreas propensas à seca e desertificação

Participação popular Favorecimento de políticas educativas para as áreas propensas à desertificação; contribuir com a sensibilização dos atores sociais envolvidos com o problema da desertificação; participação popular, democrática e descentralizada nas políticas ambientais.

Fonte: Organização das Nações Unidas (1995).

Elaboração: Israel de Oliveira Junior; Jocimara Souza Britto Lobão, 2014.

Destaca-se, neste momento, a área do programa sobre antidesertificação e a

integração desta aos planos nacionais de desenvolvimento e planejamento ambiental. As

indicações estabelecidas apontam para a construção de planos de combate à desertificação

e mitigação dos efeitos da seca em nível nacional de forma participativa e que contribua

com o desenvolvimento sustentável. Para tanto, especificaram-se a necessidade de

fortalecimento das instituições nacionais, cooperação regional e internacional em pesquisas

e programas e políticas sociais de remediação contra os efeitos da desertificação e seca

(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1995).

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Como resultado da primeira conferência sobre desertificação, em 1977, e entre

as atividades de implantação da Agenda 21, têm-se a criação da Convenção das Nações

Unidas de Combate à Desertificação (CCD), na qual o Brasil é signatário. No documento

originado – cuja elaboração iniciou no ano de 1993 e finalizou em 1994 – salientaram-se que

a desertificação é uma problemática de dimensão global, consequente da interação

complexa de fatores físicos, biológicos, políticos, sociais, culturais e econômicos, que

impedem a sustentabilidade dos ambientes de clima secos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES

UNIDAS, 1997). A referida convenção objetivou a adoção de medidas, por meio de acordos

de cooperação e parcerias internacionais coerentes com a Agenda 21, para o combate à

desertificação e mitigação dos efeitos da seca, como meio de elevar o padrão de

desenvolvimento e o manejo das terras secas.

Atribuíram-se importância à busca de incentivos financeiros para a realização de

pesquisas referentes ao conhecimento sobre a desertificação e programas de combate ao

processo e mitigação dos efeitos sociais. Indicaram-se medidas para ampliar a participação

de atores sociais locais nas decisões referentes à desertificação, bem como a cooperação

entre as instituições acadêmicas, comunidade científica e organização não-govenamental

(ONG) para a construção e acompanhamento dos programas de ação nacional.

Em âmbito regional, notabiliza-se o Programa de combate à desertificação e

mitigação dos efeitos da seca na América do Sul, com financiamento do Instituto

Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) por meio do Fundo Especial do Governo do Japão e tem como

membros a Argentina, Brasil, Chile, Bolívia, Peru e Equador (BEEKMAN, 2006). Com o

programa, objetivaram-se, sobretudo, a identificação de indicadores uniformes de

desertificação e monitoramento das consequências da degradação ambiental das terras

secas. Esse programa contribuiu para fundamentar a elaboração dos Programas nacionais de

combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca dos países membros (Argentina, Brasil,

Chile, Bolívia, Peru e Equador), estabelecido na CCD (BEEKMAN, 2006).

Tendo em vista as deliberações da CCD, os países signatários dessa se

comprometeram a construir os seus programas de enfrentamento à desertificação. No

Brasil, O PAN-Brasil, configurou-se entre as iniciativas mais relevantes do âmbito do governo

federal para o controle, combate e discussão sobre a desertificação. Estabeleceram-se, com

o PAN-Brasil, diretrizes, instrumentos legais e institucionais para a formulação, execução e

revisão de políticas e de investimentos privados nas ASD, como forma de promover o

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desenvolvimento (BRASIL, 2005). Pelo programa, objetivou especificamente: criar

mecanismos de participação de diversos setores governamentais, privados, sociedade civil

para aprimorar o conhecimento sobre desertificação, os efeitos da seca e políticas para as

áreas afetadas pelo processo de desertificação; colaborar com os estados e municípios para

implementar estratégias de combate ao problema, manejos sustentáveis da terra e

melhorar a qualidade de vida da população local (BRASIL, 2005).

Na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO+20),

ocorrida no ano de 2012, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), sugeriram, superficialmente,

algumas ações de controle à desertificação, como investimentos de recursos públicos e

privados no intuito de evitar a degradação dos solos, restaurar as terras degradadas e

estabelecer indicadores de desertificação (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012),

decisões contidas na Agenda 21.

O PROGRAMA DE AÇÃO ESTADUAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÃO E MITIGAÇÃO DOS EFEITOS DA SECA: UMA ANÁLISE DE ALTERNATIVASE AÇÕES POLÍTICAS

No Estado brasileiro, os estudos pioneiros de Vasconcelos Sobrinho (1971, 1974,

1978a) realizaram-se no nordeste Semiárido do Brasil e identificou seis pontos de

referências designados de áreas-piloto (MATALLO JUNIOR, 2001), localizados nos estados da

Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. As escalas espaciais dos

estudos foram pontuais e, inicialmente, fomentavam pesquisas para elucidar dúvidas

referentes ao processo. O aprofundamento dos estudos por Vasconcelos Sobrinho em

algumas áreas-piloto demonstrou que a principal causa da desertificação é a substituição

das feições vegetais do bioma caatinga pela agricultura, pecuária, mineração, extração de

argila, madeira e lenhas (BRASIL, 2005). Entre a década de 1970 até o final do século

passado, alguns trabalhos sobre o estado da desertificação no nordeste do Brasil foram

desenvolvidos, a exemplo de Ab'saber (1977), Conti (1995), Nimer (1980, 1988), Rodrigues e

outros (1992) e Vasconcelos Sobrinho (1974, 1978a, 1978b, s/d).

A discussão da dimensão política da desertificação na Eco-92 ocasionou

impactos positivos nos Estados nacionais com áreas suscetíveis e/ou desertificadas. No

Brasil, o governo federal responsabilizou-se pela construção do PAN-Brasil. A delimitação da

ASD pelo Ministério do Meio Ambiente configurou-se no âmbito dos primeiros esforços da

política nacional de desertificação do país. Esta região foi demarcada a partir dos

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pressupostos da CCD, que estabeleceu o Índice de Aridez de Thornthwaite (1941) como

classificação climática para determinação das ASD, pois este problema é específico dos

ambientes de clima árido, semiárido e subúmido seco.

A ASD brasileira é constituída pelos estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará,

Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte), norte/nordeste de Minas

Gerais e noroeste do Espírito Santo (BRASIL, 2005). São 1.482 municípios, cuja superfície

total é de 1.338.076,0 km², o que representa cerca de 15,7% do território nacional (BRASIL,

2005). No campo da política brasileira de combate à desertificação, os governos dos estados

com terras inclusas na ASD incumbiram-se na elaboração dos PAE. Esses programas foram

considerados fundamentais para o enfretamento do problema, como forma de elaboração

de medidas de prevenção, mitigação e combate da desertificação e uma estratégia de

operacionalização do PAN-Brasil. A maioria dos estados iniciou as atividades de construção

do PAE no ano de 2009 e todos já finalizaram e publicaram o documento (Alagoas, Bahia,

Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe).

Atualmente, pode-se ter acesso aos PAEs de Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e Sergipe

no site do Ministério do Meio Ambiente; esses foram analisados e os resultados são

apresentados neste trabalho.

As políticas estabelecidas no PAN-Brasil são definidas em quatro eixos temáticos

(BRASIL, 2005), orientados pelas decisões da CCD, que se referem à redução da pobreza e da

desigualdade (subtemas: reforma agrária, educação e segurança alimentar e outros);

ampliação sustentável da capacidade produtiva (subtemas: desenvolvimento econômico,

questão energética, recursos hídricos e saneamento ambiental e irrigação/salinização);

conservação, preservação e manejo sustentável dos recursos naturais (subtemas: melhoria

dos instrumentos de gestão ambiental, zoneamento ecológico-econômico, áreas protegidas,

manejo sustentável dos recursos florestais e revitalização da bacia hidrográfica do São

Francisco); gestão democrática e fortalecimento institucional (subtemas: capacitação de

recursos humanos e criação de novas institucionalidades para cuidar da gestão das

iniciativas de combate à desertificação) .

As propostas estabelecidas nos PAE derivam dos eixos norteadores do

PAN-Brasil, e por isso convergem para os princípios de desenvolvimento sustentável,

inclusão social (sobretudo dos jovens e mulheres) e interdisciplinaridade, além de concessão

de políticas descentralizadas. Os princípios norteadores dos PAE analisados encontram-se

sistematizados na figura 2.

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Historicamente, ao termo desenvolvimento atribuíram-se diferentes significados

que, habitualmente, demarcam ideologias próximas à visão economicista de bem-estar

social, a qual seria promovida, sobretudo, pelo crescimento econômico. Esta concepção não

difere dos ideais contidos na Agenda 21 – os quais norteiam as discussão do PAN-Brasil e

PAE (Figura 2); pelo contrário, defendem a reprodução do capital por meio, entre outros

fatores, do liberalismo econômico e transformação do patrimônio ambiental em recursos,

para ocasionar o crescimento econômico e aumento da qualidade de vida humana. Na

Agenda 21, estabeleceram-se que o desenvolvimento sustentável é obtido pela:

liberalização do comércio; estabelecimento de um apoio recíproco entre

comércio e meio ambiente; oferta de recursos financeiros suficientes aos países

em desenvolvimento e iniciativas concretas diante do problema da dívida

internacional; estímulo a políticas macroeconômicas favoráveis ao meio

ambiente e ao desenvolvimento (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES ÚNICAS, 1995)

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Figura 2. Princípios estabelecidos nos PAEs de Alagoas, Paraíba, Minas Gerais, Piauí e de Sergipe.

Elaboração: Israel de Oliveira Junior; Jocimara Souza Britto Lobão, 2014.

Alguns autores, ao analisarem o conceito de desenvolvimento sustentável e as

políticas sociais e econômicas concebidas no domínio da ONU, assinalaram para as

incoerências políticas, econômicas e ambientais nas concepções de desenvolvimento

sustentável. Daly (2004) indicou que o desenvolvimento sustentável é utilizado como

sinônimo de crescimento sustentável e a impossibilidade da solução da pobreza e

degradação ambiental por meio do crescimento econômico mundial. Porto-Gonçalves (2006)

afirmou que as concepções de livre comércio estabelecida no âmbito da ONU interessam as

grandes corporações econômicas e dificultam a realização das políticas ambientais dos

países. Leff (2008) argumentou que a construção de sociedades sustentáveis somente é

possível ao substituir a racionalidade econômica hegemônica e dominante, estabelecida no

modelo econômico globalizante, pela racionalidade ambiental, a partir de questionamentos

sobre o pensamento, ciência, tecnologia e instituições que cristalizaram a racionalidade da

modernidade, logo, impossível de conceber a sustentabilidade, associado ao conceito de

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desenvolvimento.

Nas descrições dos procedimentos metodológicos dos PAE são recorrentes a

utilização do termo participação (Quadro 2). Esta, geralmente ocorreu em oficinas nos

municípios (em média de três por estado) da ASD e em seminários, geralmente para a

apresentação dos resultados da versão final dos planos, com a presença de representantes

do governo executivo (federal, estadual e municipal), legislativo (estadual e municipal),

judiciário, setor privado, sociedade civil organizada etc. A inclusão de diferentes setores nas

políticas de combate à desertificação é uma orientação contida na Agenda 21, CCD, a qual

foi importada pelo PAN-Brasil e PAE. No entanto, os números de participantes das oficinas e

a quantidade dessas permitem indicar que não houve uma ampla participação de agentes

da sociedade civil, dificultando a elaboração de políticas com a participação massiva dos

interessados nelas.

Nos programas demonstraram-se a importância da abordagem multidisciplinar

da desertificação, em razão da amplitude e complexidade do conceito do processo. Matallo

Junior (2001) indicou que a noção de degradação da terra concatena a investigação da

qualidade ambiental dos distintos componentes do ambiente (físicos, biológicos e sociais).

Nesse caso, refere-se à degradação dos solos, da vegetação, dos recursos hídricos; redução

da qualidade de vida da população. Logo, as investigações relativas ao processo exigem o

emprego de conhecimentos produzidos pelos mais variados campos científicos,

demonstrando a multi e transdiciplinaridade dos estudos do processo (PACHÊCO et al.,

2006).

Uma rede de processos interativos envolve-se no desencadeamento e

potencialização da desertificação. As características naturais de um ambiente tornam-no

mais vulnerável ao processo de desertificação, como as comandadas pelo clima, pois

“quanto mais reduzida e incerta for a pluviosidade, mais elevada será o potencial de

desertificação” (HARE et al., 1992, p. 18-19). Todavia, o que torna um espaço mais vulnerável

à desertificação é, principalmente, a pressão humana exercida a partir do uso da terra, com

reflexos em todo o sistema ambiental. Sob condições de usos inadequados para os

ecossistemas das terras secas, a sociedade perturba o equilíbrio de troca de água e energia

(HARE et al., 1992). Por exemplo, o desmatamento pode contribuir para a acentuação da

irregularidade pluviométrica local, redução e escassez generalizada da vegetação, com o

aumento da superfície de solo exposto; nessas áreas os processos de erosão são mais

intensos e há perdas acentuadas dos solos; os sedimentos transportados pelas águas das

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chuvas são depositados em cursos de água, favorecendo as inundações de áreas

ribeirinhas; assim, torna-se difícil a continuação da produção agrícola e pecuária, com

amplas consequências sociais e econômicas, como o agravamento das condições de

pobreza e deterioração da base econômica local. Com isto, evidencia-se a intensificação do

processo da desertificação, o que reflete na complicação e dificuldade de estabelecer

políticas para a ASD.

Quadro 2. Procedimentos metodológicos adotados para a construção do Plano de Ação Estadual deCombate a Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAE).

Estados MetodologiaAlagoas Construção articulada com diversos setores sociais (governamental, empresarial,

acadêmicos, representantes da sociedade civil organizada), no sentido de sensibilizá-los sobre a temática, inseri-los nas políticas e corresponsabilizá-los na implantação do PAE-AL. Escutaram-se os atores (pontos focais) para a elaboração do plano em três oficinas realizadas nos municípios de Palmeiras dos Índios, Pão de Açúcar e Piranhas. Nessas, organizaram seis grupos temáticos, com finalidades de descrever os objetivos e estratégias de ação para cada tema, os quais contribuíram para a seleção das áreas prioritárias de intervenção técnica em vista ao combate à desertificação. Um seminário de validação final realizou-se em Maceió, com 52 representantes (pontos focais), tendo como pauta de discussão: indicadores de monitoramento de desertificação, políticas de preservação ambiental e gestão de empreendimentos e impactos na desertificação.

Minas Gerais Levantamento bibliográfico dos trabalhos realizados por órgãos estaduais e federais, instituições de ensino, ONGs e sociedade civil sobre as ASD. Integração, ao documento, de resultados obtidos nas oficinas participativas e seminário final realizados nas regiões de pesquisa. Delimitação da área de abrangência estadual do plano baseada em dados climáticos (Thornethwaite)

Paraíba Elaborou-se o plano a partir da discussão de três eixos temáticos, em oficinas realizadas em Campina Grande, Patos e Monteiro, com a participação de representantes governamentais (federal, estadual e municipal), setor produtivo, comunidade científica, parlamentares (estadual e municipal) e da sociedade civil organizada. As ações propostaspara o PAE-PB foram extraídas das oficinas e agrupadas de acordo com os órgãos que desenvolvem programas referentes aos eixos temáticos.

Piauí Detalhamento dos procedimentos utilizados para a construção do documento, formação da equipe técnica e articulação das parecerias institucionais. Realização de diagnóstico ambiental (físico, biológico, social) por meio de levantamento bibliográfico, estudos de campo e geoprocessamento, para a construção de três cenários prospectivos. Realização de consultas públicas (representantes do poder público, executivo, judiciário e legislativo,da iniciativa privada e sociedade civil da ASD) nos municípios de Picus e Gilbués, fundamentadas pela versão preliminar do PAE-PI. Construção da versão final do PAE-PI a partir dos dados técnicos revistos nas audiências públicas

Sergipe A construção do PAE-SE, iniciou-se com um diagnóstico da ASD, relacionado a quatro eixos. Posteriormente, avaliou-se as políticas, programas e projetos relacionados aos eixos para dimensionar a realidade ambiental da ASD do estado e os mecanismos de combate à desertificação. Realizou-se uma oficina interna, com consultores e técnicos dos governos envolvidos com o PAE-SE, para a construção das oficinas regionais e para a elaboração preliminar do plano. Cumpriu-se quatro oficinas nos municípios de Canindé,

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Porto da Folha, Poço Redondo e Gararu, nas quais se discutiu temas. A terceira oficina objetivou a definição dos gestores de monitoramento das ações; na última, apresentou-se à sociedade civil a versão final do PAE-SE, para validação.

Fonte: Alagoas, 2011; Minas Gerais, 2012; Paraíba, 2011; Piauí, 2010; Sergipe, 2010.

Elaboração: Israel de Oliveira Junior; Jocimara Souza Britto Lobão, 2014.

Como uma relação dialógica entre as comunidades humanas com os demais

componentes do ambiente, é também a sociedade quem busca produzir ações

desencadeadoras da previsão, impedimento e reversibilidade do processo de desertificação.

Com isto, as políticas de combate à desertificação, ora assinaladas pelos PAE, constituem um

caminho primordial para a solução dos problemas da ASD. A resolução e mitigação da

desertificação no Brasil dependem, entre outros fatores, dos modelos de gestão adotados

para implementação dos PAE, os quais foram analisados e comparados. Procurou-se

identificar os agentes envolvidos, função desses, estratégias de gestão, enfatizando o papel

da sociedade civil estabelecidos nos planos.

Nos programas estaduais destacaram-se a parceria de diferentes instituições

governamentais nas esferas municipais, estaduais e federais, privadas (sobretudo do setor

produtivo), instituições acadêmicas, organização não-governamental (ONG), representantes

da sociedade civil organizada, entre outros, para o gerenciamento das ações executoras do

plano. Está previsto no PAE-AL, que as estratégias de gestão deverão realizar-se a partir do

conhecimento das demandas de planejamento, revisão de programas, execução de

programas, monitoramento, avaliação e revisão dos programas. Estas funções deverão ser

especificamente atribuídas aos diferentes agentes sociais, como aos órgãos estaduais,

ministério público, parlamentares e representantes da sociedade civil organizada (PARAÍBA,

2011). O PAE-PB prevê a instalação de comitê gestor, pelo qual deverão ser identificados os

agentes sociais e as funções desses nas políticas de reparação e combate ao processo de

desertificação, monitoradas por representantes da sociedade civil organizada, selecionados

no período de elaboração do PAE-PB (PARAÍBA, 2011).

Estabeleceram-se, no plano do estado de Piauí, a criação de outras instâncias

para contribuir com um maior controle social e descentralização das políticas de combate à

desertificação (PIAUÍ, 2010). Todavia, as funções são definidas em três níveis (estratégico,

tático e operacional), com ampla participação de instituições governamentais e insipiente

participação popular (PIAUÍ, 2010).

Apesar dos esforços em demonstrar a necessidade de incluir as populações da

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ASD brasileira na elaboração, operacionalização e monitoramento das políticas de combate

à desertificação, algo recorrente nas resoluções das convenções internacionais e no

PAN-Brasil, a participação da sociedade civil é debatida superficialmente nos PAE analisados.

Isso é consequente do processo histórico de centralização das políticas brasileiras, da

inexperiência dos órgãos ambientais em dialogar com a sociedade civil e do trabalho

setorizado nas instituições governamentais. Este último problema foi sinalizado em alguns

PAE, a exemplo de Paraíba (PARAÍBA, 2011), ao indicar a dificuldade da elaboração do

diagnóstico ambiental (componentes físicos, biológicos e sociais), pelo monopólio e difícil

acesso dos dados e informações sociais em diferentes instituições, o que precisa ser

solucionado rapidamente, para um conhecimento mais amplo da ASD e proposição de

políticas mais eficazes.

Cabe afirmar que o Estado da Bahia encontra-se na retaguarda na política de

combate à desertificação no Brasil, pela morosidade das atividades de elaboração do

PAE-BA. Essas iniciaram em junho de 2007, com a assinatura do Decreto Estadual n.

11.573/09 que instituiu o PAE-BA, e era coordenado pelo antigo Instituto de Gestão das

Águas e Clima (INGÁ) em parceria com o extinto Instituto do Meio Ambiente (IMA) –

atualmente as mencionadas instituições (INGÁ e IMA) fundiram-se para a criação do

Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA). Entre as tarefas estabelecidas no

referido decreto, tiveram: o diagnóstico ambiental (físico, biológico e social) em quatro

regiões distintas da ASD no estado da Bahia, designadas como polo regionais de Guanambi,

Irecê, Jeremoabo e Juazeiro, que integram os mencionados municípios e adjacentes (BAHIA,

2009). No PAN-Brasil, averiguou-se que a Bahia foi um estado pioneiro nas políticas contra a

desertificação (BRASIL, 2005), hoje contrastando com os diversos problemas no processo de

construção e de validação do documento, como a dissolução dos órgãos responsáveis e a

falta de participação social, que podem contribuir para a ampliação da degradação estadual

da ASD e sérios prejuízos à sociedade baiana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde que o termo desertificação foi empregado pela primeira vez esteve

relacionado aos efeitos negativos sobre o ambiente, ocasionados por ações humanas. A

queda da produção agropecuária, insegurança alimentar, ampliação da pobreza e redução

da qualidade de vida são fatos recorrentes entre populações que habitam as áreas

desertificadas, o que contribuem para gerar discussões sobre o processo em todo o mundo.

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A partir da consolidação do conceito de desertificação pela comunidade mundial

na Rio-92, passou-se a questionar quais métodos deveriam ser empregados na pesquisa

sobre o processo e quais medidas deveriam ser tomadas para enfrentar o problema em

suas dimensões política, biofísica, econômica e social. Acordos políticos resultaram em

documentos e convenções, nos quais políticos, cientistas, empresários e demais membros

da sociedade civil (muitos representantes de instituições, como as ONG) empreenderam

esforços para propor soluções e mitigação para os impactos da desertificação. Concepções

econômicas capitalistas estão solidamente presentes nos documentos, como a utilizada

para a conceituação de desenvolvimento sustentável na Agenda 21, termo importado para

os PAN-Brasil e PAE.

Alguns avanços políticos foram identificados nos documentos internacionais

(Agenda 21 e CCD) sobre a desertificação, os quais nortearam a elaboração de planos para a

ASD do Brasil. Entre esses, destacou-se a inclusão da sociedade civil na elaboração,

operacionalização e monitoramento das políticas, a abordagem multidisciplinar e a

descentralização da gestão do PAN-Brasil e PAE. No entanto, por meio da análise dos PAE

percebeu-se a dificuldade de estabelecer essas orientações, devido às características

históricas das políticas brasileiras, como a centralização e setorização (fragmentação) das

decisões e ações nos órgãos executivos estaduais.

Cabe indicar, que a análise das políticas de combate à desertificação é um

processo importante para repensar e avaliar as ações de mitigação e reversão dos

problemas das áreas suscetíveis ao processo. Neste trabalho, ela pautou-se, sobretudo, na

análise dos conceitos relacionados à desertificação, principais deliberações oriundas das

convenções internacionais sobre o processo e do PAN-Brasil, para relacioná-los com os

planos estaduais brasileiros e com a literatura científica.

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POLÍTICA DE COMBATE À DE DESERTIFICAÇÃO NO CONTEXTO DOS ESTADOS BRASILEIROS

EIXO 5 – Meio ambiente, recursos e ordenamento territorial

RESUMO

O processo de desertificação ganhou destaque nas discussões políticas internacionais e nacionais

nos últimos anos, resultante dos esforços em conhecer e combater os seus efeitos, que são

drásticos para o ambiente e sociedade. Algumas decisões internacionais no âmbito da

Organização das Nações Unidas motivaram diversos países e os estados brasileiros a

empenharem-se para enfrentar a desertificação. Alguns documentos, como a Agenda 21, e

convenções internacionais (Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação – CCD),

regionais (Programa Regional de Combate à Desertificação na América do Sul), nacionais

(Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca –

PAN-Brasil) e de estados brasileiros (Programa Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação

dos Efeitos da Seca – PAE) refletem isso. No Brasil, a delimitação da Área Suscetível à

Desertificação (ASD) pelo Ministério do Meio Ambiente constituiu-se no âmbito dos primeiros

esforços da política nacional de combate à desertificação do país, desenvolvida em quatro eixos

temáticos: redução da pobreza e da desigualdade; ampliação sustentável da capacidade

produtiva; conservação, preservação e manejo sustentável dos recursos naturais; e gestão

democrática e fortalecimento institucional. Este trabalho objetivou avaliar e comparar os acordos e

decisões políticas internacionais, nacionais e regionais, além de indicações contidas na literatura

científica, com os princípios e gestão do PAE de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Paraíba, Piauí e

Sergipe. Salienta-se que nos PAE são expostos os ideais de desenvolvimento sustentável,

participação da sociedade civil e descentralização das políticas de combate à desertificação, os

quais são orientações contidas na Agenda21, CCD e PAN-Brasil. Apesar dos esforços em

demonstrar a necessidade de incluir as populações da ASD brasileira na elaboração,

operacionalização e monitoramento das políticas de combate à desertificação, algo recorrente nas

resoluções das convenções internacionais e no PAN-Brasil, a participação da sociedade civil é

debatida superficialmente nos PAE analisados. Isso é consequência do processo histórico de

centralização das políticas brasileiras, da inexperiência dos órgãos ambientais em dialogar com a

sociedade civil e do trabalho setorizado nas instituições governamentais. O estado da Bahia

encontra-se na retaguarda na política de combate à desertificação no Brasil, pois somente em

2014 houve a publicação do PAE-BA, com diversos problemas no processo de construção e de

validação do documento à sociedade, que vão desde a dissolução dos órgãos responsáveis à

falta de participação da sociedade.

Palavras-chave: desertificação; política ambiental; gestão ambiental.

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