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    A TERRRITORIALIDADE DO MIGRANTE NORDESTINO EM ARAUCRIA,

    PARAN (BRASIL)1

    MOURA, Neide de2

    BAHL, Miguel3RESUMO

    O presente artigo tem a finalidade de discutir a apropriao do espao e a

    formao de novos territrios e territorialidades por trabalhadores migrantes

    brasileiros nordestinos, sobretudo os advindos do Estado da Bahia chamados

    popularmente de baianos; para o municpio de Araucria (Paran, Brasil). A

    presena e estadia destes se tornaram alvo de inmeras controvrsias emudanas na espacialidade local. A tentativa de se fazer presente e dominante

    garante expressivos choques entre culturas numa rea. No municpio de

    Araucria, tais choques mostram duas distintas faces: a primeira retrata o pice

    do desenvolvimento econmico; a segunda evoca o enfrentamento cultural entre

    os moradores locais e os migrantes. Compreender como se do tais vnculos

    territoriais bem como verificar as consequncias sociais e culturais e analisar sua

    contribuio no local onde se estabeleceram em virtude de seu trabalho, terocomo pressuposto terico os apontamentos de HAESBAERT (2004; 2008), SACK

    (1986) e RAFFESTIN (1987). As discusses evidenciadas por tais autores foram

    aliadas concepo de espao de relaes, de BOURDIEU (1996), alm de

    outros autores que tratam sobre esta temtica, numa tentativa de se estabelecer

    um parmetro geral acerca da construo de territorialidades singelas, mas que

    se fazem presentes no cotidiano de toda uma cidade.

    Palavras-chave: Territrio; Territorialidade; Trabalhador migrante; Espao de

    relaes.

    1 Eje temtico: Poblacin, gneros e identidades culturales.

    2 Graduao em Geografia. Mestre e Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal doParan. E-mail: [email protected]

    3

    Graduao em Turismo e em Geografia. Mestre e Doutor em Cincias da Comunicao.Professor do Curso de Graduao em Turismo e do Programa de Mestrado e Doutorado emGeografia da Universidade Federal do Paran. E-mail: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    1. INTRODUO

    A aproximao e a apropriao dos espaos pelos indivduos fazem com

    que estes passem a ser dotados de valor, tornando-se prximos e significativos

    de algum modo. Tal fato faz com que um lugar ganhe a expresso de suas partes

    ou mais ainda, faz com que os lugares se transformem em smbolos de um

    territrio, que por sua vez, tem a capacidade de agrupar muitos lugares.

    Nos lugares os indivduos adquirem distino social e tramitam suas

    existncias ao redor destas distines, criando espaos circunscritos nos quais

    possuem suas redes de influncias e de relaes. Ento, para analisar e/ou

    compreender o indivduo, grupo ou comunidade imprescindvel que se conheao contexto no qual estes se inserem.

    A este respeito, Haesbaert (2004) coloca que sociedade e espao social

    so dimenses gmeas. No h como definir o indivduo [...] sem ao mesmo

    tempo inseri-lo num determinado contexto geogrfico, territorial (p. 20).

    Entendendo deste modo, a sociedade est implcita na espacialidade, na

    territorialidade, sendo, portanto, partes de um mesmo quebra-cabea, a ser

    desmistificado e montado, para s ento poder ser compreendido e analisado emsua imparcialidade e totalidade.

    Neste sentido, se coloca a formao de territorialidades por migrantes

    nordestinos, em especial os advindos do Estado da Bahia (Brasil), para o

    Municpio de Araucria, Paran (PR), componente da Regio Metropolitana de

    Curitiba RMC, pois, suas presenas e estadias no referido municpio se

    tornaram alvo de inmeras controvrsias e mudanas na espacialidade

    presenciada na cidade at ento.

    2. A AMPLIAO DA REPAR4 E O FLUXO MIGRATRIO EM ARAUCRIA

    Segundo o Jornal Folha de So Paulo (2010), aPetrobrs responsvel

    pela maior obra do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) no Paran.

    Est sendo investido cerca de R$ 10 bilhes na construo e modernizao de

    4 REPAR: Refinaria de Petrleo de Araucria, Presidente Getlio Vargas.

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    dezenove novas unidades na Refinaria Presidente Getlio Vargas. Este um dos

    maiores investimentos da companhia na rea de refino no Brasil.

    No ano de 2008, teve incio o trabalho de ampliao da Refinaria de

    Petrleo em Araucria (REPAR). Obra com durao prevista para cinco anos e

    que aumentar o nmero de divisas arrecadadas pelo Municpio em alguns

    milhes de reais. O processo de licitao para o desenvolvimento da obra foi

    vencido por empresas oriundas de diferentes partes do pas, fato que implicou

    num fluxo migratrio decorrente da localizao de tais empresas, ocorrendo

    vinda de muitos trabalhadores do complexo petroqumico da Bahia.

    Este fato fez com que milhares de trabalhadores migrantes fossem

    trazidos para o Municpio pelas empresas vencedoras das licitaes, ou viessempor sua conta e risco em busca de melhores condies de vida e de

    oportunidades de trabalho. O fluxo de migrantes no Municpio se acelerou com o

    incio das obras, fato evidenciado no trecho de matria que segue:

    Dona de um parque industrial consolidado, Araucria experimentaagora um novo ciclo de desenvolvimento, com forte expanso dossetores de comrcio e servios. A REPAR est em obras, o quedeve fazer com que haja um fluxo de at 17 mil trabalhadores nacidade em meados deste ano, quando o projeto estiver no pice. a chegada repentina dessa multido que tem mudadodefinitivamente a vida econmica do municpio (GAZETA DOPOVO, 2010).

    O trecho supracitado revela uma mudana de estado de desenvolvimento

    em todos os setores do Municpio, pois o cotidiano da cidade transformado pelo

    aumento do nmero de pessoas que necessitam usufruir de seus servios e

    equipamentos e transitar em suas ruas. Este fato faz com que se criem

    diferenciadas estratgias para atender esta nova demanda que passa a existir

    expressivamente como nova populao do Municpio.

    O Municpio de Araucria tem em sua essncia uma forte influncia

    migratria de pases europeus, sobretudo poloneses, que teve incio a partir da

    segunda metade do sculo XIX (ARAUCRIA, 2003). A caracterstica mais

    marcante de sua cultura, ento, fica centrada nos costumes e festas de origens

    polonesas, assim como a caracterstica fsica de seus habitantes nativos. Nota-se,

    assim, o contraste gerado entre os costumes e hbitos culturais entre os povos

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    que agora compartilham o mesmo espao de vivncia. So perceptveis no

    Municpio, choques culturais que geram diferenciados tipos de posicionamentos e

    opinies entre os moradores, os migrantes e o poder local. Trata-se de uma nova

    territorialidade que emerge meio a um turbilho de opinies e hbitos que (re)

    configuram o espao urbano do Municpio.

    3. TERRITORIALIDADES

    Em linhas gerais, se pode dizer que um territrio tem sua essncia ditada

    pelas foras e aes de poder. Pode ser perfeitamente representado, entretanto, abstrato e idealizado.

    Tendo o poder de englobar lugares, amplo e necessita se fazer

    presente no imaginrio e nas representaes daqueles que o vivenciam para que

    se consolide e garanta sua existncia. A este respeito, Haesbaert (2004) salienta

    que um territrio acaba sempre por envolver uma dimenso simblica, cultural,

    por meio de uma identidade territorial:

    [...] atribuda pelos grupos sociais, como forma de controlesimblico sobre o espao onde vivem (sendo tambm, portanto,uma forma de apropriao), e uma dimenso mais concreta, decarter poltico-disciplinar [e poltico-econmico, deveramosacrescentar]: a apropriao e ordenao do espao como formade domnio e disciplinarizao dos indivduos (HAESBAERT,2004, p. 94).

    Neste sentido, o territrio se faz presente e se circunscreve enquanto

    efeito de controle e poder. Neste mesmo territrio, os imaginrios se dissolvem ese acrescem de fatores ideolgicos e culturais, que demandam formas

    diferenciadas, mas organizadas, de ver, sentir e estar no territrio. Com isso, o

    territrio aparece com uma conotao material e simblica (HAESBAERT, 2008).

    Assim sendo, organizam-se modos pelos quais os indivduos interagem

    entre si, criando crculos de convivncia no espao habitado, onde cada indivduo

    ou grupo vai exercer o controle sobre o territrio, ou seja, sua territorialidade. Para

    Sack (1986) a territorialidade envolve o controle de uma rea:

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    Territoriality for humans is a powerful geographic strategy tocontrol people and things by controlling area. Political territoriesand private ownership of land may be its most familiar forms butterritoriality occurs to varying degrees en numerous social contexts(SACK, 1986, p. 5).

    Deste modo, a territorialidade define o uso que se faz e o modo que se

    controla uma rea, podendo ser ativada e desativada, fato que d mobilidade ao

    territrio (SACK, 1986). A territorialidade definida por Sack (1986) como a

    tentativa pelas sociedades humanas em controlar seu semelhante, bem como

    seus relacionamentos, afirmando deste modo, seu controle sobre uma rea.

    Alm de expressar o controle sobre uma rea, a territorialidade tambm

    expressa o conjunto das relaes mantidas pelo homem, que o faz sentirpertencente a uma sociedade (RAFFESTIN, 1987).

    Embora os enfoques dos autores citados anteriormente no sejam

    essencialmente os mesmos, ambos os tratam com uma viso de sociedade

    essencialmente humana, social (HAESBAERT, 2004, p. 86), havendo momentos

    em que os pensamentos se aproximam, como por exemplo, quando afirmam que

    a territorialidade aproxima espao e sociedade (HAESBAERT, 2004), sendo este

    o ponto que de interesse para a presente discusso.Neste sentido, a territorialidade aqui retratada, diz respeito ao uso,

    controle e manifestaes sociais e culturais ocorridas no espao urbano do

    Municpio de Araucria. Territorialidade manifestada nas aes do poder e

    tambm nas relaes culturais e sociais expressas no confronto entre os modos

    de compreender, usar e se fazer presente no territrio, garantindo assim seu

    domnio.

    4. TERRITORIALIDADES DOS BAIANOS EM ARAUCRIA / PR

    A tentativa de se fazer presente e dominante, impondo seu modo de vida,

    garantem expressivos choques entre culturas que se mostram atuantes e

    relevantes dentro de uma rea. No municpio de Araucria, tais choques mostram

    duas distintas faces: a primeira retrata o pice do desenvolvimento econmico; a

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    segunda evoca o enfrentamento cultural entre os moradores locais e os

    migrantes, denominados genericamente de baianos.

    O panorama geral da cidade passa por uma srie de transformaes

    ocorridas em detrimento da chegada desta grande leva de migrantes que se

    instalou na cidade. As opinies se consolidam, os espaos ora se separam, ora

    se mesclam, dando um ar de diferenciada existncia ao que antes era de

    predomnio de uma cultura totalmente tradicional.

    Separando os pontos de interesse, importante salientar e relatar como

    se situam as duas facetas colocadas anteriormente. Iniciando por aquela que

    denota o crescimento econmico e o latente desenvolvimento do Municpio.

    4.1. A ampliao da REPAR e o desenvolvimento econmico do Municpio

    Diversos so os setores que se beneficiaram do emergente

    desenvolvimento que se deu no Municpio nos ltimos dois anos. Em entrevista

    para a o Jornal Gazeta do Povo (2010), a presidente da Associao Comercial,

    Industrial e Agropecuria de Araucria (ACIAA), Rosa Tanaka Zelaga, comentou:

    perceptvel o aquecimento do comrcio com a abertura de novas lojas,restaurantes e padarias. De um ano para c, percebemos um aumento de cerca

    de 40% no faturamento do setor.

    Alem disto, grandes empreendimentos so esperados para o Municpio,

    tais como a instalao de uma grande rede de supermercados, um hotel de

    grande porte e a construo de um shopping center. Mas o grande complicador

    se situa no ramo da construo civil. A chegada repentina de trabalhadores

    tambm deu uma sacudida no mercado imobilirio. Na falta de imveisdisponveis, muitas casas residenciais esto sendo transformadas em pousadas

    que servem de alojamentos para esses operrios. Cada pousada pode abrigar

    entre 20 e 50 trabalhadores. A diria, de R$ 25 em mdia, muitas vezes

    bancada pela empreiteira contratante da mo-de-obra. As acomodaes so

    simples e incluem o dormitrio, um refeitrio para o caf da manh e banheiros.

    No ltimo ano, o preo dos imveis teve um aumento significativo situado

    entre 30 e 50%. Os interessados em comprar um imvel chegam a ter que

    enfrentar uma fila de espera para poder garantir a compra. Segundo o empresrio

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    Antonio Carlos Torres (GAZETA DO POVO, 2010), dono de imobiliria na cidade

    no d tempo de colocara placa em frente ao imvel. Tudo que entra, sai logo

    em seguida.

    Outro ramo que cresce consideravelmente no Municpio o de

    alimentao. Os restaurantes, bares e lanchonetes da cidade aumentaram seus

    lucros consideravelmente e muitos foram construdos para atender a demanda de

    trabalhadores.

    importante salientar que embora muitos investimentos privados estejam

    sendo ou j foram realizados no Municpio, a conscincia de que a obra da

    REPAR passageira se faz presente no mbito dos negcios e dos dilogos dos

    investidores, como salienta o empresrio Pedro Basso em entrevista ao JornalGazeta do Povo (2010):

    preciso aproveitar o momento para alavancar os negcios, mas semesquecer que boa parte dessa exploso no permanente, e tende adesaparecer com o fim da obra da Repar. No entanto, o momento certopara investir e conseguir novos contratos com as outras indstriasinstaladas na cidade.

    O cotidiano dos moradores tambm sofreu transformaes em

    decorrncia da obra: em Araucria, passamos a conviver com situaes at ento

    inditas, como filas nos bancos e supermercados, engarrafamentos e aumento da

    violncia. Uma coisa certa: a cidade dificilmente voltar a ser o que era , afirma

    Rosa Tanaka Zelaga (GAZETA DO POVO, 2010).

    Realizados os apontamentos que evidenciam o crescimento econmico

    do Municpio, resta ainda salientar os pontos que evocam o choque entre culturas,

    formador de territorialidades na cidade.

    4.2. A ampliao da REPAR e os choques culturais no Municpio: consideraes e

    concluses iniciais

    Alm dos muros do desenvolvimento industrial e econmico, encontram-

    se as paredes do preconceito e do embate entre vises de mundo diferenciadas.

    No se trata de preconceito exclusivo a uma cor ou etnia, se trata sim do

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    preconceito ao novo, ao diferente modo de se portar em sociedade e de conceber

    o espao.

    Entre as frases que mais se ouviu dizer durante o trabalho de campo

    realizado para a elaborao deste artigo, teve-se: tudo culpa dos baianos.

    (Morador 1). Garanto que foi um baiano. (Morador 2). Est cheio de baianos

    fazendo nada pela cidade. (Morador 3). S ficam bebendo e danando pelas

    esquinas. (Morador 4).

    Estas entre outras so afirmaes que se atribuem aos trabalhadores

    migrantes que vivem na cidade na atualidade. O fato que estas pessoas se

    destacam em meio aos habitantes permanentes, seja por seu modo de vestir, seja

    por seu modo de falar ou mesmo pelo destaque de seu grupo tnico. E isto causacerta instabilidade nas relaes sociais. Este fato pode ser visto publicamente

    num sitede relacionamentos da web, como mostram as Figura 1, 2 e 3:

    FIGURA 1, 2 e 3: PGINAS DE SITES DE RELACIONAMENTOS DA WEB MOSTRANDODESAFETOS AOS MIGRANTES

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    FONTE: www.orkut.com.brAcesso em: junho /2010.

    Chama ateno o nmero de membros das comunidades, destacado em

    vermelho, demonstrando que so vrias as pessoas que partilham da mesmaopinio. As opinies acerca da multido de novos moradores na cidade se

    http://www.orkut.com.br/http://www.orkut.com.br/
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    destacam e geram discusses fervorosas entre as pessoas. Cada um dos

    envolvidos, habitantes e migrantes, projeta sua opinio sobre o assunto de modo

    diferente. Os habitantes, em sua grande maioria, so contra a grande migrao

    destinada cidade por conta da obra da REPAR, pois a cidade no comporta o

    grande nmero de migrantes, 17 mil at maio de 2010 e mais cinco mil em julho

    de 2010, tanto em equipamentos pblicos, vagas em creches e escolas, quanto

    em espao fsico construdo.

    Os migrantes por sua vez, se dizem prejudicados. Na opinio de um

    entrevistado, tudo o que de ruim acontece na cidade agora culpa do baiano

    (Migrante 1). Ou ainda eu me sinto ameaado aqui [...] (Migrante 2). Este fato

    realmente citado pela populao como verdade absoluta, na maioria dos casos.As pessoas costumam atribuir todos os acontecimentos negativos presena dos

    migrantes, atribuindo inclusive elementos facilitadores para tal comportamento

    aqui tudo fcil para eles [...] fcil para trabalhar, para comer, nunca comeram

    to bem, e fcil para roubar tambm [...] (Morador 5).

    Segundo Haesbaert (2004) os migrantes em disperso possuem uma

    multiterritorialidade, ou seja, estas pessoas partilham territrios e procuram

    exercer sua influncia nos mesmos. Deste modo, elas se desterritorializam parase reterritorializarem novamente, criando uma nova identidade ou impondo a sua

    para o novo grupo.

    Estas novas territorialidades acabam por formar um espao de relaes

    no imaginrio dos moradores da cidade, permanentes ou migrantes, que se

    cristalizam no mbito das relaes sociais. Tomando como base os conceitos de

    Bourdieu (1996) sobre campo5 e habitus6, pode-se notar que o panorama da

    cidade caracteriza uma luta pelo domnio de um territrio. O estabelecimento deum espao de relaes remete a considerar os imaginrios que se situam nos

    relacionamentos interpessoais.

    5 Para Bourdieu (1996) os campos so criados na maioria das vezes, por indivduos que detmcerto grau de importncia no ambiente dentro do qual se inserem. Estes indivduos, fazendo usode sua viso de mundo, estabelecem novos contedos e novas relaes de poder entre os atores.Este procedimento faz com que surjam campos, que por sua vez podem ter diferentes formas(poltica, econmica, literria, cientfica, etc.).

    6Bourdieu (1996) coloca que dentro do campo est o habitusde cada um dos atores, ou seja, os

    pontos ocupados por eles dentro do campo, localizando-os e definindo sua posio perante osdemais, habituseste que se coloca enquanto estruturas internalizadas pelos indivduos em suasrelaes cotidianas.

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    Neste sentido, podem-se correlacionar os depoimentos recolhidos,

    agrupando-os em uma figura pela qual se busca a organizao do espao de

    relaes que se configura a partir do choque entre as culturas e a formao de

    uma nova territorialidade para os migrantes. Para tanto, a Figura 1 foi elaborada.

    FIGURA 1: ESPAO DE RELAES POPULAO RESIDENTE X TRABALHADORMIGRANTE (ARAUCRIA PARAN)

    FONTE: Pesquisa de campo. MOURA, N. de. 2010.

    A figura agrupa os dados que mais apareceram nas entrevistas que foramrealizadas de maneira tal que os entrevistados se sentissem vontade para falar

    o que realmente sentiam. Tais entrevistas foram organizadas de maneira semi-

    estruturada, ou seja, com questes abertas que permitiram maior liberdade aos

    entrevistados em expressarem suas reais opinies. Segundo May (2004) este tipo

    de entrevista apresenta diversas vantagens em relao s demais. Para o autor, a

    diferena central desta forma de entrevista se encontra em seu carter aberto,

    fato que a prov de liberdade em relao a possveis preconceitos por parte dosentrevistados e do prprio pesquisador, pois permite ao entrevistado falar sobre o

    REPARTERRITRIO/

    REA(ARAUCRIA /

    PR)

    POUSADAS

    HOT IS

    RESTAURANTES

    CONSTRUOCIVIL

    ALTA DO SETORIMOBILIRIO

    VALORIZAODOS IMVEIS

    TRABALHADORESMIGRANTES

    MORADORESPERMANENTES

    AUMENTO DAVIOLNCIA

    AUMENTO NOCUSTO DE VIDA

    CONGESTIONAMENTOS

    FILAS EM BANCOS

    FALTA DE VAGASEM ESCOLASE CRECHES

    LEGENDA:Relao conflituosa

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    tema utilizando seu referencial de conhecimento. Ao pesquisador cabe realizar

    algumas interferncias suaves para que o entrevistado no disperse muito o foco

    e se concentre naquilo que lhe foi proposto.

    Com base na Figura, se podem fazer algumas consideraes. O espao de

    relaes que se apresenta pode ser dividido em duas partes. A primeira retrata o

    desenvolvimento trazido pela obra da REPAR. Enquanto que a segunda retrata as

    alteraes que, em acordo com os moradores permanentes, ocorreram na cidade

    com a vinda destes trabalhadores migrantes. A linha vermelha tracejada

    representa a relao conflituosa entre as duas populaes. Enquanto que o fundo

    amarelo representa o espao de relaes no qual os dois universos imaginrios

    se situam.No mbito deste espao, ocorrem dois blocos de relaes que se

    estabelecem enquanto relaes de poder e enquanto prtica social. Dentro destas

    sinalizaes, se pode argumentar que de modo geral o poder se legitima pelas

    idias inerentes prtica social dos grupos. Tais idias, por sua vez, se

    constituem na essncia do poder, pois, do-lhe o carter de justia ou de

    inevitabilidade que permitem que seja exercido em atos rotineiros, com assepsia

    da normalidade. Ento, na prtica social que o poder se legitima, se consolida ese faz sentir, ela quem busca tentar dar existncia s coisas, garantindo a

    usurpao pela fora do poder. Neste contexto, o discurso opera como fator

    determinante, pois sua eficcia garante tambm a eficcia do enunciado proferido

    (BOURDIEU, 1996) .

    J a prtica social, por sua vez vai permitir aos indivduos manipularem

    suas realidades, ou seja, suas vidas, seus comportamentos, hbitos e opinies,

    permitindo que sua atuao se direcione para aquilo que mais lhes convm dentrode suas vivncias (BERGER; LUCKMANN, 1994). Neste mbito, poder e prtica

    social proporcionam a criao de imaginrios inseridos no espao de relaes.

    Retomando Bourdieu (2003) se pode dizer que o conjunto de tais

    imaginrios cria um campo ou um espao de relaes que pode ser considerado

    to real quanto o prprio espao geogrfico (p. 137) ampliando a expanso do

    indivduo, permitindo-lhe variar a rede de relaes por ele estabelecida. Dentro

    Bourdieu encara o poder como simblico, como invisvel, que s pode ser exercido com acumplicidade daqueles que no querem saber que lhe so sujeitos ou mesmo que o exercem(BOURDIEU, 2003).

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    deste campo os atores sociais iro expressar seus posicionamentos em relao

    aos fatos, o que constituiria seu habitus, que opera nas relaes buscando fazer

    valer seu posicionamento. Deste modo se estabelecem as relaes entre as

    populaes, num espao conflituoso que abriga duas territorialidades distintas

    que se orientam por suas opinies, buscando-as fazer valer em detrimento da

    alheia.

    Os elementos no universo que se compe pela REPAR e sua obra

    poderiam ser encarados como fatores mediadores dentro do conflito e as aes

    dos empresrios, sobretudo, funcionariam como elementos para um possvel

    processo de comunicao entre as partes. Estes, segundo Raffestin (1987) so

    elementos importantes dentro de uma anlise de territorialidades.Neste sentido, o papel de cada um destes elementos seria o de promover o

    que se poderia chamar de um acordo entre as partes, na tentativa de tentar

    diminuir os conflitos.

    Entretanto, o fato que coexistem no Municpio duas territorialidades

    distintas. Uma que se faz presente pela fora do pertencer ao lugar e outra que

    busca se fazer presente pela fora do ser diferente. Ambas buscando garantir

    seu espao e determinar seu territrio, ou seja, garantir sua territorialidade, pormeio do poder em sua prtica social.

    Deste modo, a territorialidade agrega mais do que o poder poltico. Ela

    agrega tambm aspectos relativos s relaes econmicas e culturais, pois ela

    diz respeito ao modo como os indivduos ou grupos se relacionam com o espao

    em que habitam como se organizam e do significado ao lugar. Neste sentido,

    Sack, 1986, coloca a territorialidade como um componente do poder, no apenas

    como a forma de criar e manter a ordem, mas tambm como uma maneira decriar contextos geogrficos.

    Assim, os trabalhadores migrantes de Araucria buscam se fazer presentes

    e conquistar sua territorialidade, firmar sua participao e atuao na localidade

    em que tentam se inserir. Esto se multiterritorializando, pois no vo deixar de

    pertencer a seu estado de origem, mas querem agregar um pertencimento ao

    novo local. Tal fato se pode perceber nos discursos dos entrevistados, como o

    trecho que segue: eu gostei daqui, no quero mais ir embora, mas tambm gosto

    da minha terra [...] (Migrante 3).

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    Este depoimento provoca a sensao de que a territorialidade abstrata,

    imaterial. A este respeito, Haesbaert (2008) salienta que a territorialidade se torna

    abstrata no sentido ontolgico, enquanto imagem de um territrio ela existe e se

    insere eficazmente como estratgia poltico-cultural para os grupos. Assim, a

    materialidade do territrio se expressa por meio da territorialidade expressa pelos

    indivduos em suas prticas sociais. O territrio esboa sua dupla funcionalidade,

    ou seja, dispor das condies necessrias ao uso e garantia de sobrevivncia dos

    indivduos / grupos; e tambm, uma funo simblica, na medida em que nele se

    produzem significados que o dotam de valor.

    Deste modo, a territorialidade do baiano, do trabalhador migrante em

    Araucria, perfaz um rol de elementos que esto ainda em fase de construo ede enfrentamento para alcanar o domnio de um espao que circunscreva a sua

    imagem enquanto indivduo / grupo atuante e integrante da cidade, ou estabelecer

    vnculos com o lugar se multiterritorializando, vivendo aqui e em sua terra de

    modos diferenciados, mas garantindo sua herana cultural.

    5. ALGUMAS CONSIDERAES DECORRENTES

    As discusses sobre esta territorialidade (ou sobre a multiterritorialidade

    vivida pelos indivduos) que se configura meio a um espao de relaes

    conflituosas ainda requer que mais estudos sejam elaborados e que suas

    reentrncias e pormenores sejam mais bem avaliados para que uma

    compreenso mais efetiva seja possvel. Entretanto, conveniente ressaltar

    alguns pontos que passam a se constituir como possveis objetos de estudo.

    O primeiro ponto a ressaltar, seria o fato de existirem revelaes pblicassobre a averso pela populao aos migrantes, como o caso do site de

    relacionamento colocado. Outro ponto relevante seria o interesse do poder local e

    dos empresrios beneficiados para que os migrantes venham, pois com eles viria

    um suposto desenvolvimento econmico para o Municpio. Sem mencionar as

    particularidades como os futuros casamentos entre migrantes e nativos, o

    aumento da violncia urbana, entre outros.

  • 8/6/2019 POB-048 Neide de Moura

    15/15

    O fato que o trabalho ainda est em desenvolvimento e que futuras

    pesquisas acrescentaro maior sustentabilidade proposta e, espera-se, maior

    riqueza de dados e aproveitamento dos mesmos.

    Assim, resta salientar ainda que a territorialidade dos trabalhadores

    migrantes em Araucria se constitui em diferenciado tipo de relacionamento e

    formao de territrios e territorialidades e que ainda muito se h de estudar

    sobre o assunto.

    6. REFERNCIAS

    ARAUCRIA, PREFEITURA MUNICIPAL. Perfil Municipal. Araucria, 2003.

    BERGER, P. I.; LUKMANN, T. A construo social da realidade. Traduo de Florianode Souza Fernandes. 11. ed. Petrpolis: Vozes, 1994.

    BOURDIEU, P. A economia das trocas lingsticas. So Paulo: EDUSP, 1996.

    _________. O poder simblico. Traduo de Fernando Tomaz. 6. ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2003.

    GAZETA DO POVO, JORNAL. Obra na REPAR inicia novo ciclo em Araucria.Disponvel em:. Acesso em: junho/2010.

    HAESBAERT, R. O mito da desterritorializao. Do fim dos territrios multiterritorilidade. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2004.

    __________. Dos mltiplos territrios multiterritorialidade. In: A emergncia damultiterritorialidade: a ressignificao da relao do humano com o espao. HEIDRICH,A. L.; PIRES, C. L. Z.; COSTA, B. P. da; UEDA, V. (Orgs.). Canoas: Ed. ULBRA. PortoAlegre: Ed. Da UFRGS, 2008.

    MAY, T. Pesquisa social: questes, mtodos e processos. So Paulo: Artmed, 2004.

    RAFFESTIN, C. Respres pour une thorie de la territirialit e. In: Cahier / GroupeRseaux, n. 7, 1987. p. 263-279.

    SACK, R. D. human territoriality. Its theory and history. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1986.

    SO PAULO, JORNAL O ESTADO DE. Obra da Petrobrs provoca boom emAraucria / PR. Disponvel em: . Acesso em: junho/2010.

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