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MICHELINE RITZEL PLANTEI, COLHI E VENDI: OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA OS PRODUTORES E COMERCIALIZADORES RURAIS INFORMAIS DA REGIÃO DE SANTA MARIA/ RS. Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Psicologia – Área de Ciências da Saúde, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para obtenção do grau de Psicóloga. COMISSÃO EXAMINADORA: _________________________________________ Profª Daniela Pereira Ribeiro – Orientadora _________________________________________ Profª Luciana Denardin de Denardin _________________________________________ Prof. Aline Accorssi Aprovado em 13 de dezembro de 2006

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MICHELINE RITZEL

PLANTEI, COLHI E VENDI: OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA OS

PRODUTORES E COMERCIALIZADORES RURAIS INFORMAIS DA REGIÃO DE

SANTA MARIA/ RS.

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de Psicologia – Área de Ciências da Saúde, do Centro Universitário Franciscano, como requisito parcial para obtenção do

grau de Psicóloga.

COMISSÃO EXAMINADORA:

_________________________________________

Profª Daniela Pereira Ribeiro – Orientadora

_________________________________________

Profª Luciana Denardin de Denardin

_________________________________________

Prof. Aline Accorssi

Aprovado em 13 de dezembro de 2006

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Parecer de indicação do trabalho:

Eu, Daniela Pereira Ribeiro, professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário

Franciscano (UNIFRA/ RS), indico o trabalho da acadêmica Micheline Ritzel intitulado:

“Plantei, colhi e vendi: Os sentidos do trabalho para os produtores e comercializadores rurais

informais da região de Santa Maria / RS”, como um dos representantes desta instituição a

participar e concorrer ao Prêmio Silvia Lane. O trabalho acima citado e por mim orientado foi

desenvolvido e apresentado pela acadêmica, no decorrer do ano de 2.006, como Trabalho

Final de Graduação (TFG) - requisito parcial para a obtenção do grau de Psicólogo. Apresenta

ainda critérios fundamentais de uma pesquisa científica, atenção às questões éticas

preconizadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, bem como uma

importante contribuição as questões relacionadas à saúde mental do trabalhador rural, aspecto

ainda pouco abordado por psicólogos em nossa região.

Daniela Pereira Ribeiro

CRP- 12/02378

Parecer do professor orientador recomendando o trabalho:

O Trabalho Final de Graduação “Plantei, colhi e vendi: Os sentidos do trabalho para os

produtores e comercializadores rurais informais da região de Santa Maria / RS”, de autoria da

acadêmica Micheline Ritzel, demonstra pertinência e valor científico, destacando atenção às

questões éticas preconizadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Propõe

uma reflexão sobre as influências e repercussões do mundo do trabalho na inter-relação

trabalho/saúde, mais especificamente no que se refere aos processos e fenômenos que atingem

a saúde mental do trabalhador rural. Observo ainda a relevância da temática pelo

comprometimento da Psicologia com as demandas sociais.

Daniela Pereira Ribeiro

CRP- 12/02378

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PLANTEI, COLHI E VENDI: OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA OS

PRODUTORES E COMERCIALIZADORES RURAIS INFORMAIS DA REGIÃO DE

SANTA MARIA/ RS.

RESUMO

O trabalho, na atualidade, ocupa espaço importante na vida das pessoas, visto que um tempo bastante significativo do indivíduo é destinado a ele, além de ter se tornado uma espécie de indicador de “status” dentro do sistema capitalista. Cada indivíduo tem seu próprio conceito de trabalho, determinado pelas condições sócio-históricas em que vive, ocupando papel fundamental na construção do sujeito (identidade) e da cidadania. Além de situar o ser na sociedade, constitui-se num importante mediador entre as diferentes instâncias sociais e a saúde humana, fortalecendo ou desgastando a saúde física e mental do trabalhador; pois este, em sua prática profissional, deposita grande carga afetiva, transferindo subjetividade ao produto, modificando a natureza e a si próprio. Este estudo tem como objetivo geral analisar os sentidos do trabalho para os trabalhadores rurais informais que produzem e comercializam na região de Santa Maria/RS. E, como objetivos específicos, compreender a influência desta forma de trabalho na saúde mental destes trabalhadores, bem como identificar os possíveis sentimentos gerados a partir da rotina laboral no que se refere à organização e à influência das condições do ambiente de trabalho no cotidiano familiar. Nesta pesquisa, de caráter qualitativo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas na íntegra, com oito trabalhadores autônomos (feirantes e/ou produtores coloniais), de ambos os sexos, de diferentes faixas etárias e tempo de profissão. Utilizou-se a Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) como procedimento de apreciação dos dados coletados nas entrevistas, onde foram extraídas cinco categorias que contemplam os conteúdos mais significativos. Palavras-chave: Trabalho; Saúde Mental; Subjetividade.

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PLANTED, CROPED AND SOLD: THE SENSES OF THE WORK FOR THE INFORMAL RURAL PRODUCERS AND COMMERCIALIZERS

FROM THE REGION OF SANTA MARIA / RS.

ABSTRACT

The work, at the present time, possesses an important space in people’s life, seen that significant time of an individual is destined to it, and yet the work have become some kind of status indicator in the capitalist system. Each individual has its own concept of work, determined by the social-historical conditions in which he or she lives, having a fundamental role in the construction of the subject (identity) and citizenship. Yonder to place the being in the society, the work consists itself in an important mediator between the different social instances and the human health, strengthening or absorbing the physical and mental health of the worker; because this worker, in its professional practice, deposits great deal of affective load, transferring subjectivity to the product, modifying the nature and itself. This study had as general objective to analyze the meaning of the work to rural workers that produce and commercialize in the region of Santa Maria/RS. And, as specific objectives, to comprehend the influence of this work kind to the mental health of these workers, as well as to identify the possible feelings generated from the labor routine concerning the organization and the influence of the environmental conditions of work in the everyday of the family. In this research, of qualitative character, semi-structured interviews were realized with eight autonomous workers (marketer and/or colonial producers), from both gender, different ages and different time of profession. Those interviews were recorded and then integrally transcribed. It was used the Analysis of Content (BARDIN, 1977) as appreciation procedure of the data collected from the interviews, where were extracted five categories that show the more significant contents.

Key words: Work; Mental Health; Subjectivity.

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho ocupa lugar de destaque na vida humana. Essa palavra é objeto de múltipla

e ambígua atribuição de significados, uma vez que cada indivíduo tem seu próprio conceito,

determinado pelas condições sócio-históricas em que vive. Em sua origem, o trabalho deriva

das necessidades naturais do homem (fome, sede, etc.), mas tem sua realização na interação

entre o homem e a natureza. Seu conceito variou através dos tempos, de acordo com diversas

teorias, ocupando um papel fundamental na construção do sujeito e da cidadania.

Conforme Sato (2004), o trabalho, na visão preponderante, é um dever. Trabalhar é

condição “sine qua non”1 para viver. Não apenas para a sobrevivência material, mas para que

alguém seja socialmente confiável e aceito e, ser confiável é ter o testemunho de outro que lhe

atribui existência social.

Atualmente, inúmeras mudanças vêm ocorrendo em resultado do aprofundamento da

globalização da economia mundial, do progresso científico e dos avanços tecnológicos,

intensificando assim as transformações no mundo do trabalho, forçando os indivíduos a

constantes adaptações. No contexto nacional, o aumento crescente do desemprego e do

trabalho não regulamentado traz consigo o sentimento de desagregação social e pessoal para

milhares de trabalhadores que, não possuem seus direitos básicos assegurados. Essa realidade

tem sido fator fundamental na adaptação de um panorama pouco favorável à explicitação dos

problemas de saúde mental e trabalho.

Concomitante a estas mudanças, a inter-relação trabalho/saúde transforma-se e

atualiza-se também, principalmente, no que se refere aos processos e fenômenos que atingem

a saúde mental do trabalhador. A repercussão do trabalho na vida mental dos trabalhadores,

embora estudada há algum tempo, apenas em período relativamente recente é que passou a

receber atenção na formação dos profissionais da área da saúde (SELIGMANN-SILVA,

1997).

O trabalho é o que situa o indivíduo na sociedade, contribuindo para a construção de

sua identidade e de sua personalidade. Através dele, é possível desenvolver potencialidades,

talentos e produzir resultados, constituindo-se desta forma num importante fator de realização

e de auto-estima do ser humano. Na prática de sua atividade profissional, o trabalhador

1 Sem o que não (indispensável) – FELIPPE, Donaldo J. Dicionário de Expressões Latinas. 5. ed. v. 1. Campinas / SP: Julex Livros Ltda, 1991.

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deposita grande carga afetiva, transferindo subjetividade ao produto, modificando a natureza e

a si próprio. Dessa forma, por ser um importante mediador entre as diferentes instâncias

sociais e a saúde humana, pode ser fonte de fortalecimento ou de desgaste para a saúde física

e mental.

Nesse sentido, a temática desta pesquisa se torna relevante, pois propõe a análise dos

aspectos relacionados à saúde mental do trabalhador, partindo do resgate dos sentidos2 do

trabalho para os mesmos, questão na qual este trabalho final de graduação se organiza. O

interesse surgiu a partir de disciplinas do curso de graduação relativas ao tema e de

congressos como os da ABRAPSO3 e, ainda, de pesquisas via internet.

Participaram da pesquisa oito trabalhadores informais, autônomos, que exercem suas

atividades profissionais de produção e comercialização na região de Santa Maria, englobando

homens e mulheres, com diferentes faixas etárias e níveis de escolaridade. Entre os

participantes, feirantes e/ou produtores coloniais autônomos não vinculados a cooperativas e

que produzem em pequena escala.

Este estudo tem por objetivo geral analisar os sentidos do trabalho para os

trabalhadores rurais informais que produzem e comercializam na região de Santa Maria/RS.

E, como objetivos específicos, compreender a influência desta forma de trabalho na saúde

mental destes trabalhadores, bem como identificar os possíveis sentimentos gerados a partir

da rotina de trabalho no que se refere à organização e à influência das condições do ambiente

de trabalho no cotidiano familiar.

2 Para Leontiev, o homem apropria-se das significações sociais expressas pela linguagem e confere-lhes um sentido próprio e pessoal, vinculados diretamente à sua vida concreta, às suas necessidades, sentimentos e motivos. As significações pertencem ao mundo dos fenômenos objetivamente históricos, e são as cristalizações da experiência humana; representam as formas como o homem se apropria da experiência humana generalizada. E ainda, são fenômenos da consciência social, que quando apropriadas pelos indivíduos, passam a fazer parte da consciência individual. Todo sentido é sentido de algo, é sentido de uma significação. Embora sentido e significação não sejam coincidentes, estão ligados um ao outro na medida em que o sentido exprime uma significação (LEONTIEV, Aléxis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, p. 89-142. 1978). 3 ABRAPSO: Associação Brasileira de Psicologia Social.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral:

Analisar os sentidos do trabalho para os trabalhadores rurais informais que produzem e

comercializam na região de Santa Maria/RS.

2.2 Objetivos específicos:

- Compreender a influência desta forma de trabalho na saúde mental destes trabalhadores;

- Identificar os possíveis sentimentos gerados a partir da rotina de trabalho no que se refere à

organização;

- Identificar a influência das condições do ambiente de trabalho no cotidiano familiar.

2.3 Problema de pesquisa:

De que forma os sentidos do trabalho podem influenciar na saúde mental, nos sentimentos

gerados a partir da rotina de trabalho e no cotidiano familiar dos trabalhadores informais que

produzem e comercializam em SM/RS?

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Trabalho: Conceito e História

Para Albornoz (2004), o trabalho é uma atividade natural em nosso cotidiano, está na

base de toda sociedade, determinando e estabelecendo formas de relação entre indivíduos e

classes sociais, bem como relações de poder e propriedade. Seu conceito está repleto de

influências ideológicas, sob o enfoque de diferentes classes sociais, nações e épocas. No uso

cotidiano, a palavra trabalho, mesmo referindo-se a formas elementares de ação dos homens,

em seu conteúdo pode oscilar entre aquilo que lembra tortura, fadiga, esforço e fardo e, ainda,

aquilo que designa a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de

cultura. Trabalho, segundo esse autor, tem várias significações que vão desde a realização de

uma obra que dê reconhecimento social a quem a realiza até os simples esforços rotineiros e

repetitivos caracterizados pela falta de liberdade e criação.

Na língua portuguesa, a palavra trabalho se originou do latim tripalium, um antigo

instrumento feito para os agricultores baterem no trigo e no milho para rasgá-lo e esfiapá-lo.

Contudo, a versão mais conhecida e aceita é a de que tripalium era um instrumento de tortura,

ligado ao verbo latim tripaliare, que significa torturar. Essa significação perdurou até

aproximadamente o século XV, atribuindo-se a palavra trabalho o conteúdo semântico de

sofrer, que mais tarde seria substituído por esforçar-se e laborar (ALBORNOZ, 2004).

Do Carmo (1992) define trabalho como toda atividade realizada pelo homem civilizado que

transforma a natureza pela inteligência e que visa extrair dela (natureza) sua subsistência. O

autor considera, ainda, o trabalho como um ato de liberdade, pois na realização dessa

atividade, o homem estaria se transformando, autoproduzindo e estabelecendo a base das

relações sociais. No entanto, ele se torna alienado quando é parcelizado, rotinizado,

despersonalizado e leva o homem a sentir-se alheio e distante daquilo que produz.

Numa definição mais filosófica, é considerado trabalho quando “... o homem põe em

atividade suas forças espirituais ou corporais, tendo em mira um fim sério que deve ser

realizado ou alcançado”, contemplando, dessa forma, tanto o trabalho intelectual quanto o

corporal. Nesse sentido, o trabalho do homem vai se delineando e ganhando um significado

ativo, quanto mais claro for o desejo, a direção do seu esforço e sua intenção para a realização

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de objetivos; ou seja, trabalho é o esforço e também o seu resultado (ALBORNOZ, 2004, p.

13-14).

Jaccard ([19--]) considera que a noção de trabalho, na história da humanidade, se

tornou mais precisa a partir do momento em que alguns povos se estabilizaram na agricultura

e no artesanato. Entretanto, essa noção se definiu e limitou somente a partir de certa

continuidade e, sobretudo, certa regularidade na execução de suas tarefas, a que os primeiros

artesãos, criadores de gado e agricultores ficaram sujeitos.

Zanelli (2004) observa que filósofos clássicos como Platão e Aristóteles exaltavam a

ociosidade, caracterizando o trabalho como “degradante, inferior e desgastante”, atividade que

caberia somente aos escravos. Platão entendia que o cidadão deveria ser poupado; para

Aristóteles, o trabalho era uma atividade inferior que impedia as pessoas de possuírem

virtude. O trabalho, naquela época, baseava-se na força e na coerção dos senhores dos

escravos, que detinham o direito sobre suas vidas.

Conforme Zanelli (2004, p.28)

Esta ideologia do trabalho partia de um conceito mais restrito de trabalho, reduzindo-o às atividades braçais e/ou manuais executadas pelos escravos. A política, atividade superior e dos cidadãos, não era considerada trabalho. Aristóteles entendia a escravidão como um fenômeno natural, pois sustentava que há pessoas destinadas a fazer uso exclusivo da força corporal e que devem satisfazer suas necessidades no âmbito restrito das atividades manuais. Para ele, o escravo jamais estaria apto para as descobertas e para os inventos e seria esta condição que determina a perda da liberdade.

Zanelli (2004) e Jaccard ([19--]) consideram que a crise do trabalho atingiu seu

expoente no fim do Império Romano, com o antagonismo de classes, conseqüência da crise

econômica, sustentada pelas guerras e conquistas. Dessa forma, tanto na Grécia como em

Roma, a idéia clássica de pensar o trabalho não sofreu significativas modificações, baseando-

se a estruturação da sociedade no escravismo.

Na era antiga e feudal, em que a fortuna de alguns se baseava na conquista brutal e na

escravatura, as comunas e as corporações do século XIII deram início a uma nova época em

que o trabalho se tornou mais assegurado e mais bem dividido. Sabe-se do cuidado que as

corporações de artes e ofícios dispensaram à formação profissional, ao controle da qualidade

dos produtos e à assistência (JACCARD, [19--]).

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Povos da Antigüidade como os Caldeus, os Hebreus e orientais tinham idéias bastante

distintas sobre trabalho, que gradativamente foram mudando durante a Idade Média, no que se

refere à estrutura das sociedades e à economia. Sendo que somente com o surgimento do

capitalismo é que se consolidaram mudanças na reflexão sobre trabalho (ZANELLI, 2004).

Em meados do século XIV, uma nova economia rural, baseada em arrendamentos ou

parcerias agrícolas, tinha se estabelecido já em grande parte da Europa e subsistiu durante

séculos, através de numerosas vicissitudes, até ao fim do regime antigo. No princípio da era

moderna, com o aparecimento de uma noção positiva do trabalho, observa-se à vitória dos

países protestantes sobre o desprezo pelo trabalho professado na Índia, Grécia e Roma; está

presente um aspecto determinante no pensamento ocidental através de uma desmedida

apologia do trabalho e do trabalhador; dando origem àquilo que chamamos de crise do

trabalho moderno, basicamente em relação ao espírito de orgulho e de lucro (JACCARD, p.

181, [19--]).

De acordo com Guareschi (1993), no século XV, através da cooperação simples, os

artesãos eram reunidos para trabalhar para um burguês sob um mesmo teto; já no século

XVII, surgiu a divisão do trabalho, com o advento da manufatura, quando os proprietários

descobrem que com o desdobramento do trabalho haveria maior produção. Contudo, mesmo

realizando o trabalho parcelado o artesão ainda dominava o processo de confecção. Porém, a

mudança no modo de produção e no processo de trabalho só ocorreu no século XVIII com o

aparecimento da indústria e das máquinas, tornando o processo algo alienante para o

trabalhador.

O autor ainda salienta que a evolução histórica do processo de trabalho passou pela

cooperação simples, manufatura e grande indústria; destacando o surgimento no último

século, nas fábricas, de esforços direcionados ao processo do trabalho em si, que visavam à

implantação de métodos e processos de racionalização.

Zanelli (2004) relata que a história da formulação do trabalho sob o capitalismo é

marcada por crises e formas de renovação. Particularmente no século XIX, conhecido como o

século do Iluminismo e da razão, com o surgimento da administração científica, cria-se um

contexto favorável ao incremento de novas formas de gerenciar o trabalho e as empresas,

estando Taylor entre seus expoentes.

No século XX, de acordo com Antunes (2003), surgem modelos que visam

racionalizar as operações realizadas pelos trabalhadores, combaterem o desperdício na

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produção, aumentar o ritmo de trabalho, reduzir o tempo e, conseqüentemente, intensificar as

formas de exploração. A expressão desse sistema de produção e de seu processo de trabalho,

indicado pelo binômio taylorismo/fordismo, vigorou na indústria durante praticamente todo o

século, baseando-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma

produção homogeneizada e verticalizada. Essa nova ideologia, realçada pelo método

científico de organização do trabalho que estabelece a noção de tempo útil, rapidamente se

espalhou pelas indústrias de todo o mundo (ALBORNOZ, 2004).

Nos Estados Unidos (EUA), com o taylorismo, o trabalho começa a ser visto

sistematicamente em seus detalhes. Taylor (apud ZANELLI, 2004) propunha a substituição

dos métodos tradicionais, oriundos da experiência prática por métodos científicos, que seriam

mais eficientes na cronometragem de cada movimento do operário e eliminariam movimentos

desnecessários na execução das operações. Isso se tornou possível através da seleção

científica dos trabalhadores e o treinamento sistemático, visando à produtividade e partindo

do pressuposto de que os homens não são capazes de se auto-selecionar e auto-aperfeiçoar. O

taylorismo acabou por intensificar o processo de exploração e alienação do trabalho ao marcar

uma divisão entre o pensamento e a execução, trazendo um trabalho hierarquizado e/ou

subordinado, baseado em uma visão dualista do ser humano.

De forma quase paralela, Henry Ford, liderou o movimento que ficou conhecido por

fordismo, que trouxe inovações tecnológicas e econômicas à organização do trabalho e à

gestão de pessoal. Entre os objetivos, estavam o controle da qualidade dos produtos e a

redução dos custos. Porém, foi na fabricação de automóveis que avançou nas inovações

através do uso da cadeia de montagem sobre a esteira rolante que implicava rapidez, exatidão

e fluxo contínuo de produção. Esse modo de organização do trabalho provocou um

afastamento inicial do trabalhador, caracterizado por abandono de emprego (alta rotatividade),

que acabou mais tarde forçando os trabalhadores a se submeterem e a se adaptarem às novas

formas de trabalho (ZANELLI, 2004).

O fordismo transformou a produção industrial capitalista, iniciando nas indústrias

automobilísticas dos EUA, vindo a expandir-se para os principais países capitalistas,

estendendo-se para grande parte do setor de serviços. A atividade de trabalho implantada

reduzia-se então a uma ação mecânica e repetitiva, numa sistemática baseada na acumulação,

onde a produção fazia-se em massa, executada por operários semiqualificados. Isto

possibilitou o desenvolvimento do operário-massa, ou seja, o trabalhador coletivo de grandes

empresas verticalizadas e hierarquizadas (DO CARMO, 2003).

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De acordo com o pensamento marxista, o trabalho pode ser visto em dois sentidos

diferentes: primeiramente, num sentido antropológico, com a dependência do ser humano ao

seu próprio meio, ou seja, é o trabalho que mediatiza essa relação; e num sentido teórico-

gnosiológico, considerando o trabalho social como um significado concreto, de transformação

da realidade na relação sujeito-objeto. Marx acredita que a essência do ser humano está no

trabalho, sendo através desse que o homem se transforma a si mesmo (ALBORNOZ, 2004).

Marx (2002, p.211) entende que o trabalho é um processo em que o homem:

Põe em movimento as forças naturais de seu corpo - braços e pernas, cabeça e mãos -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais. Não se trata aqui das formas instintivas, animais, de trabalho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força de trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condição e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de trabalho.

Segundo o mesmo autor, o que distingue o trabalho do homem do animal, é o final do

processo do trabalho humano, onde o homem transforma não só o material que está operando,

subordinando-o a sua vontade, prevendo assim o resultado em sua imaginação, diferente do

animal que o faz por instinto. Entre os elementos componentes deste processo estão: o próprio

trabalho (atividade adequada a um fim), o objeto deste (matéria a que se aplica o trabalho) e o

seu instrumental (meios de trabalho).

O surgimento da produção capitalista, de acordo com Marx, acontece com o

aparecimento da manufatura, que fez com que numerosos operários, ocupassem, ao mesmo

tempo, o mesmo campo de trabalho; e ainda, se estabelecesse a idéia do operário médio ou

abstrato, ocorrendo a eliminação das diferenças individuais. O capitalista é que detinha os

meios de produção, ficando o operário desprovido e sem ter como reproduzir sua existência,

proporcionando a venda de sua força de trabalho como uma “mercadoria” (ZANELLI, 2004).

Para Marx (2002, p.197): “Por força de trabalho ou capacidade de trabalho

compreendemos o conjunto das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na

personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores-

de-uso de qualquer espécie”.

O modo de produção capitalista, desde sua origem, pressupõe um envolvimento do

operário em sua atividade, ou seja, certas formas de captura da subjetividade operária pelo

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capital, através da subordinação. Essa forma de implicação do elemento subjetivo na

produção capital, buscando a captura da subjetividade do operário de modo integral, começou

com o taylorismo/fordismo, e se estabeleceu definitivamente com o toyotismo (ANTUNES e

ALVES, 2004).

3.2 O Trabalho na Atualidade

Na década de setenta, mudanças estruturais, tecnológicas e econômicas culminaram

com a globalização da economia, dando início ao processo de internacionalização do capital,

promovendo a reestruturação do trabalho. A integração econômica mundial, ou globalização

da economia, vem sendo apontada por alguns autores como uma das causas de diversos

impactos negativos para as relações de trabalho no plano internacional (BELTRAN, 2001).

Antunes (2003) indicou tópicos que se referem ao complexo processo que está

afetando o mundo do trabalho na atualidade: inicialmente uma crise estrutural do capital ou

efeito depressivo profundo que acentua seus traços destrutivos; seguida do fim da experiência

pós-capitalista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e ainda a expansão do

projeto econômico, social e político neoliberal. Como resposta do capital a intensidade e

abrangência da crise dos anos 70, intensificaram-se as transformações no próprio processo de

produção, pelo avanço tecnológico, pela constituição das formas de acumulação flexível e

pelos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, entre os quais se destaca o

modelo toyotista ou japonês.

O autor menciona as mais importantes conseqüências desta transformação no processo

de produção, sendo elas: a diminuição do operariado manual, fabril, típico do fordismo; o

aumento acentuado das inúmeras formas de subproletarização ou precarização do trabalho,

em decorrência da expansão do trabalho parcial, temporário e terceirizado; o aumento

mundial do trabalho feminino no interior da classe trabalhadora; a exclusão dos trabalhadores

jovens e dos trabalhadores ‘velhos’ do mercado de trabalho; a intensificação e

superexploração do trabalho (imigrantes e crianças) em várias partes do mundo e, ainda, um

processo de desemprego estrutural.

Segundo Antunes (2003), a classe trabalhadora está fragmentada e heterogeneizada,

complexificando-se dessa forma e diferenciando em qualificados/desqualificados, mercado

formal/informal, homens/mulheres, jovem/velhos, estável/precários, entre outros.

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O progresso tecnológico vivenciado na atualidade, da mesma forma que une os povos

e expande fronteiras através da globalização, também acaba reforçando os modelos de

produção dos países mais desenvolvidos. Junto a esse panorama, surgem no mundo blocos

regionais em face à “internacionalização”, reunindo países que se assemelham em alguns

aspectos - principalmente o econômico - como: a Comunidade Econômica Européia, os Tigres

Asiáticos, a ALCA4 e o Mercosul (Mercado Comum do Sul), ao qual nosso país integra. Com

a reestruturação mundial do Capitalismo e o novo paradigma de produção industrial ditado

pela globalização, países com desenvolvimento tardio como o Brasil, tiveram, e ainda têm,

dificuldades nesse processo de transição ao novo modelo (GOULART, 2002).

No Brasil, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a implantação do

padrão norte-americano de economia houve um crescimento econômico - fase do Milagre

Brasileiro - que acabou também aumentando a pobreza e a desigualdade, quadro que se

agravou nas décadas posteriores com a inflação e grande instabilidade econômica. Num

panorama geral, o desemprego crescia, os salários sofriam freqüentes achatamentos e a

inflação já era vista como incontrolável. Buscando superar a crise vivenciada na época, o país

tornou-se palco de variadas experimentações econômicas, que culminaram no fim dos anos

oitenta com a adesão do país ao receituário de políticas recomendadas pelos países centrais e

organismos internacionais, seguindo com essa tentativa na década seguinte.

Para Goulart (2002), a injusta distribuição de renda, conseqüência do fenômeno da

polarização internacional, faz com que poucas pessoas e grupos econômicos detenham

recursos e condições de desenvolvimento para dominar o mercado, mudando o mundo do

trabalho na contemporaneidade.

O mesmo autor indica que a reestruturação no trabalho iniciou lentamente no Brasil

nos anos setenta, deslocando o foco do componente manual do trabalho para o intelectual,

passando-se a exigir dos trabalhadores a qualificação profissional e o enxugamento da

empresa - através da automação e da qualificação dos mais eficientes para desempenharem

várias funções, estratégias essas complementares no cenário contemporâneo. É exatamente na

aplicação desses princípios baseados na busca da qualidade total, alta produtividade e baixos

custos de produção, que culmina com um número reduzido de trabalhadores, que está o

4 Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), foi idealizada pelos Estados Unidos, prevendo a isenção de tarifas alfandegárias para quase todos os itens de comércio entre os países associados. Participam todos os países das três Américas (Sul, Latina e Central), exceto Cuba. São 34 nações ao todo. Disponível em: <http://www.alca-bloco.com.br>. Acesso em: 17 out. 2006.

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problema do desemprego e o crescimento das desigualdades socioeconômicas, principalmente

nos países em desenvolvimento.

O mundo do trabalho na atualidade contribui para a incerteza, acentuação de

desigualdades, aumento da pobreza e do sofrimento humano, o que, conforme Mattoso, faz

com que cresça a insegurança nesse meio, indicada por um contexto de desemprego,

subemprego e novas formas de trabalho, resultando numa crescente exclusão social

(MATTOSO apud GOULART, 2002).

Reportando ao pensamento de Antunes (2003, p.92),

O entendimento abrangente e totalizante da crise que atinge o mundo do trabalho passa, portanto, por esse conjunto de problemas que incidiram diretamente no movimento operário, na medida em que são tão complexos que afetaram tanto a economia política do capital quanto as suas esferas política e ideológica... Para uma análise detalhada do que se passa no mundo do trabalho de cada país, o desafio é buscar essa totalização analítica que articulará elementos mais gerais das tendências universalizantes do capital e do processo de trabalho hoje com aspectos da singularidade de cada um desses países.

Bosco (2003) alerta para a informalidade da economia, em especial nos países

periféricos, como o Brasil, devendo ser analisada sob o ponto de vista social, visto ser essa a

única opção de trabalho para milhares de trabalhadores, excluídos de terem seus direitos

básicos assegurados. Esses trabalhadores não têm direito a férias, horas extras ou 13º salário e

também não têm garantia do depósito fundiário e respaldo no campo da previdência social.

Conceitualmente, a denominação de trabalho informal - normalmente utilizada por

economistas - traduz-se por ser algo “não convencional”, “não genuíno”. Esclarece ainda que

o desemprego traz consigo um forte sentimento de desagregação social e pessoal, sendo

necessários mais estudos e pesquisas sobre suas possíveis repercussões psicossociais para a

sociedade e para o indivíduo.

Pastore (2001, p. 42) compara o mercado informal brasileiro a um “enigmático

caleidoscópio”, ao analisar que a informalidade atinge cerca de 40 milhões de pessoas, entre

aqueles que trabalham por conta própria, os empregados não registrados que trabalham por

tarefa (agricultura, construção civil, serviços e outros), aqueles que não têm remuneração, os

empregados domésticos; isso sem considerar as unidades rurais e os “trabalhadores de rua”.

Convém observar que os atores do mercado informal não desempenham o mesmo papel o

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tempo todo, pois freqüentemente mudam de ocupação, local de trabalho e ramo de atividade,

transitando entre o mercado formal e o informal.

3.3 Saúde Mental do Trabalhador

Guareschi (1993) considera que a sobrevivência do sistema capitalista depende

exclusivamente do trabalho das pessoas, pois são elas que, através da quantia de trabalho

geram lucro. No entanto, a manutenção desse sistema de apropriação do trabalho pelo capital,

só ocorrerá com o uso de mecanismos psicossociais que são estratégias racionais, normas

pessoais e normas sociais que fazem com que o trabalhador produza, fazendo-se presentes nas

relações de trabalho.

Dessa forma, para o autor acima citado, a compreensão das várias definições sobre: o

que é o trabalho e de como os trabalhadores identificam o trabalho que realizam, só se torna

possível, partindo de um resgate histórico sobre a evolução do processo de trabalho, que nos

auxiliará na escuta dos discursos do trabalhador.

Codo (1999) considera que o homem age sobre o meio em que vive, atribuindo

significado ao objeto através de sua ação. Essa significação é, então, a expressão da

subjetividade do trabalhador, enquanto que as alterações físicas produzidas no ambiente

constituem a realidade objetiva. O trabalho pode ser analisado nas esferas da objetividade,

através da transformação física e da subjetiva, quando o homem atua sobre a natureza,

transforma-a e lhe atribui significado. Ao atribuir significação, o indivíduo abre a

possibilidade de investir o produto de seu trabalho de energia afetiva. Para o autor, o trabalho

humano consiste numa troca entre a objetividade do mundo real e a subjetividade do homem.

Jacques e Codo (2002) salientam que a compreensão sobre o significado do trabalho

na constituição do homem pode admitir inúmeras interpretações, expressas na diversidade de

concepções teóricas e metodológicas acerca da relação entre saúde/doença e trabalho. Isso

implica em considerar que o trabalho provoca desgaste no ser, ocorrendo por processos

naturais (envelhecimento e doenças biológicas) ou por fatores psicossociais. A saúde e/ou

doença mental o atinge no que tem de mais subjetivo e desafia o pesquisador a enfrentar o

dilema do indivíduo.

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[...] O trabalho é o modo de ser do homem e, como tal, invade e se permeia todos os níveis de sua atividade, de seus afetos, de sua consciência, o que o torna um problema difícil de pesquisar porque permite que os sintomas se escondam em todos os lugares: quem garante que os desafetos familiares, o chute no cachorro ao retornar a casa, não se deve a razões de ordem profissional? Por ser onipresente, o trabalho e seus efeitos são difíceis de detectar. (p. 25)

Numa perspectiva histórica sobre a necessidade de se pensar o bem-estar do

trabalhador, observa-se que da Primeira Guerra Mundial à década de sessenta, ocorre uma

diversificação das condições de trabalho e saúde, sendo os principais progressos em relação à

jornada de trabalho, da medicina do trabalho e de indenizações das anomalias contraídas no

trabalho. As condições de trabalho se tornaram o tema mais evidente do movimento operário

a partir de 1936, porém, foi somente em 1968 que a luta pela sobrevivência deu lugar à luta

pela saúde do corpo e, conseqüentemente, pela proteção da saúde mental (DEJOURS, 1992).

Na França, emergiram relevantes contribuições para o campo da Saúde Mental e

Trabalho (SM&T)5, através de teóricos que ajudaram no nascimento e na consolidação dessa

disciplina. Politzer, por volta de 1928, foi o primeiro na tentativa de elaborar uma ontocrítica

à psicologia, ao lançar as bases do que chamou de psicologia concreta ou materialista. Sua

crítica baseava-se contra a autonomização da instância psíquica operada pela psicologia

clássica e por outras correntes da psicologia da época. Já no final da década de 40, surge a

Psicopatologia do Trabalho, através do movimento da Psiquiatria Social, a qual se divide em

duas correntes: a organogênese, que defendia uma concepção organicista e dinâmica de

doença mental e, a sociogênese, que entendia a gênese da loucura como uma questão social

(JACQUES; CODO, 2002).

Sivadon foi quem utilizou pela primeira vez a expressão “Psicopatologia do Trabalho”

em um artigo em 1952. Sua obra destaca-se por um trabalho de reinserção social realizado

com pacientes psiquiátricos, onde partiu da utilização do trabalho como um recurso para o

tratamento desses pacientes e culminou com a compreensão do lugar ocupado por certas

atividades profissionais, dependendo de sua forma de organização, no adoecimento das

pessoas. Foi um dos precursores do movimento antimanicomial e da Psicopatologia do

Trabalho. Já, Le Guillant, em sua sociogênese, tinha a pretensão de explicitar o papel do meio

no surgimento e no aparecimento dos distúrbios mentais, acreditando que o indivíduo jamais

pode ser separado do social. Seus estudos sempre foram voltados para a compreensão de

possíveis relações entre um dado contexto laboral e os distúrbios apresentados por aqueles

5 No decorrer do trabalho SM&T se refere à Saúde Mental e Trabalho.

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que nele operam. Sua proposta era uma clínica que entendesse as condições de vida e de

trabalho dos pacientes, combinada com o resgate de sua história de vida (JACQUES; CODO,

2002).

Historicamente, a partir dos anos 70, lentamente começou a emergir uma demanda

social sobre as condições psicológicas no trabalho e suas conseqüências sobre a saúde dos

trabalhadores, em especial aqueles menos qualificados. As pesquisas, nessa época, voltavam-

se a temas como patologia mental resultante do trabalho repetitivo e a relação trabalho-saúde

mental (JACQUES, 2000).

Dejours, em 1980, foi responsável pela introdução da psicanálise no campo da SM&T,

em sua primeira publicação sobre a relação trabalho/ saúde mental. Entre sua produção teórica

estão: estudos sobre os impactos do taylorismo/fordismo no psiquismo dos trabalhadores;

descoberta das estratégias defensivas elaboradas por trabalhadores para enfrentar os riscos

presentes no seu trabalho. Seus estudos têm possibilitado a explicitação de elementos

importantes para a compreensão do medo, da fadiga, da ansiedade e da exploração do

sofrimento nos contextos de trabalho e de formas de intervenção para esses problemas.

Abrindo perspectivas de análise da relação prazer, sofrimento e trabalho, diferentes do

referencial da psiquiatria clássica na área (JACQUES; CODO, 2002).

A psicopatologia do trabalho, conforme Dejours (1994), define-se como a análise

dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do sujeito com a realidade

do trabalho, entendendo o sujeito como portador de uma história de vida singular, de uma

subjetividade que é exposta à realidade do trabalho e que podem ser transformadas

reciprocamente. Nessa abordagem, parte-se de uma subjetividade já constituída que, em um

dado tempo, vai sendo exposta à realidade do trabalho. Aqui, o termo psicopatologia designa

o estudo de mecanismos e processos psíquicos mobilizados pelo sofrimento, fazendo

referência explícita a Freud e à teoria psicanalítica do funcionamento psíquico.

O trabalhador não chega ao seu local de trabalho como uma máquina nova. Ele possui uma história pessoal que se concretiza por uma certa qualidade de suas aspirações, de seus desejos, de suas motivações, de suas necessidades psicológicas, que integram sua história passada. Isso confere a cada indivíduo características únicas e pessoais.[...] O trabalhador, enfim, em razão de sua história, dispõe de vias de descarga preferenciais que não são as mesmas para todos e que participam na formação daquilo que denominamos estrutura da personalidade (DEJOURS, 1994, p. 24).

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A psicopatologia do trabalho entende-o em sua natureza fundamentalmente social, ou

seja, como gerador de fenômenos não apenas individuais, mas também coletivos e busca a

compreensão dos mecanismos coletivos de defesa e sua transformação em ideologia.

Wanderley Codo (1994) observa que a cisão entre afeto e trabalho iniciou com o

advento do capitalismo, estabelecendo uma ruptura entre a produção da existência e a

produção da vida, fazendo com que, dessa forma, o mundo do trabalho e do afeto passassem a

se desenvolver em dois mundos distintos: a fábrica e o lar, ocorrendo o impedimento da

subjetivação do indivíduo no trabalho e empurrando o ser subjetivo do homem para o lar.

Conforme o autor, saúde e doença não são fenômenos isolados que possam ser

definidos em si mesmos, pois estão vinculados ao contexto sócio-econômico-cultural, tanto

em suas produções como na percepção do saber que investiga e propõe soluções. Ao falarmos

em sofrimento psíquico, estaríamos nos referindo a uma ruptura entre a subjetividade e a

objetividade, uma espécie de divórcio entre o “eu e o mundo”, entre o “eu e o outro”, ou seja,

sobre mecanismos de convivência que os homens encontraram no decorrer da evolução para

viver com essa multiplicidade. Para muitos autores, conforme Codo (1994), a doença mental

vem sendo entendida como a ruptura sujeito-objeto que nada mais é do que modos de

reapropriação e institucionalização que as sociedades encontraram para prevenir a dor de

enfrentar o estranhamento de si mesma. Então o homem, como um ser genérico, que faz a si

mesmo ao fazer o mundo, também produz significados ao trabalho e o vê como momento

significativo, pela sua possibilidade da felicidade, da liberdade, da loucura e da doença

mental.

Sato (2004), explica a análise das situações de trabalho tais como a organização do

trabalho que inclui as formas de gestão, organização temporal do trabalho e relações inter-

hierárquicas e interpessoais; constitui o foco central nas pesquisas de campo em SM&T, onde

se busca entender as vinculações entre saúde mental e trabalho para, assim, identificar

perspectivas preventivas, além dos aspectos organizacionais, os aspectos do ambiente físico,

químico e biológico. Igualmente, analisa as múltiplas interações existentes entre os

componentes internos dessas situações de trabalho e as conexões desses componentes ao

contexto sócio-político e econômico. A dimensão cultural adquire importância ao examinar

valores, atitudes, crenças e hábitos que possibilitam compreender, muitas vezes, o sentido

assumido pelo trabalho por aquele que o realiza.

Selligmann-Silva (1994), entende que, conforme a situação, o trabalho tanto poderá

fortalecer a saúde mental do trabalhador quanto levá-lo a distúrbios que poderão se expressar

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coletivamente em termos psicossociais e/ou individuais, em manifestações psicossomáticas ou

psiquiátricas.

Segundo a autora, existem diferenças consideráveis entre as pessoas quanto ao tipo de

trabalho que estas realizam, ou seja, entre a natureza da tarefa e o modo de trabalhar dos

indivíduos: para alguns o bem-estar está em um ambiente protegido e tranqüilo de trabalho,

para outros há a necessidade de movimentação e comunicação. Contudo, essas modalidades

de trabalho dizem respeito às peculiaridades da economia psicossomática individual, atuando

na promoção de saúde. O território da individualidade, importante nos estudos de SM&T, é

aquele em que o “complexo psico-orgânico singular” irá se confrontar com forças de outros

territórios e estabelecer interações. Dessa forma, uma nova dinâmica se estabelecerá

examinada em termos de prazer e sofrimento, conduzindo a transformações e interações

permanentes, através da subjetividade, num eterno devir (SELLIGMANN-SILVA, 1994).

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4 METODOLOGIA

A pesquisa de campo realizada, de caráter qualitativo, foi escolhida por ser a mais

apropriada ao estudo do objeto a que se propõe: a subjetividade. Segundo González Rey

(2002), a subjetividade se constitui, em sua própria história, no cenário real de seu

desenvolvimento. A história e o contexto que caracterizam o desenvolvimento do sujeito

marcam sua singularidade, que é a expressão de riqueza e plasticidade do fenômeno subjetivo.

Martins e Bicudo (1994) destacam, na pesquisa qualitativa, a busca da compreensão

do fenômeno situado, indagando os princípios gerais nos quais o homem organiza as suas

experiências na vida cotidiana. Para os autores, as Ciências Humanas não realizam somente

uma análise daquilo que o homem é na sua natureza, mas fazem uma apreciação que se

estende daquilo que o ser humano é na sua positividade, para aquilo que habilita esse mesmo

homem a conhecer (ou a buscar conhecer) o que a vida é, no que consiste a essência do

trabalho e das leis e de que forma ele se habilita ou se torna capaz de falar.

4.1 Participantes

A pesquisa foi realizada com trabalhadores informais rurais que exercem suas

atividades na cidade de Santa Maria e arredores, de ambos os sexos, de diferentes faixas

etárias, que produzem e comercializam, eles próprios, os seus produtos em feiras; informações

correspondentes à profissão (denominadas por eles), idade, sexo, tempo de profissão e

escolaridade também serão encontradas a seguir, no quadro 1.

A amostra da pesquisa foi composta por oito trabalhadores, escolhidos por

conveniência, considerando-se o interesse e a disponibilidade dos mesmos em participar

voluntariamente da pesquisa.

Para a caracterização da amostra foram utilizadas letras do alfabeto para denominar os

participantes, a fim de preservar a identidade dos mesmos, conforme quadro.

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Quadro 1 – Dados gerais dos participantes entrevistados

Participantes Idade Sexo Profissão Tempo de Profissão Escolaridade

A 58 Fem. Agricultora e feirante

Desde criança 5ª série

(Ens. Fund.)

B 58 Fem. Feirante 20 anos 1º grau completo

C 48 Masc. Agricultor e feirante

35 anos 8ª série

(Ens. Fund)

D 32 Fem. Agricultora e feirante

1 ano 5ª série

(Ens. Fund.)

E 63 Fem. Feirante e doméstica

50 anos 2ª série

(Ens. Fund.)

F 35 Fem. Feirante e agricultora

3 anos 1º grau completo

G 47 Masc. Agricultor e feirante

20 anos/

3 anos (feira)

6ª série

(Ens. Fund.)

H 57 Masc. Agricultor e feirante

3 anos 1ª série

(Ens. Fund.) Fonte: Dados extraídos da entrevista semi-estruturada realizada nos meses de agosto e setembro de 2006.

4.2 Instrumentos de Coleta de Dados

Inicialmente, para coletar dados referentes à pesquisa, foram realizadas visitas aos

locais de trabalho dos participantes (feiras), para conhecer, num panorama geral, o trabalho

realizado pelos mesmos, bem como a sua dinâmica e organização. Para Minayo (1993), a

estratégia de entrada de campo, antes mesmo do estudo mais intensivo, tem por finalidade

prever detalhes do primeiro impacto da pesquisa como, por exemplo, a apresentação e o

estabelecimento dos primeiros contatos, podendo auxiliar no fluir da rede de relações e em

possíveis correções nos instrumentos de coleta de dados.

Na seqüência, foram realizadas as aplicações de uma entrevista individual, semi-

estruturada (APÊNDICE B), que foi gravada e transcrita na íntegra, seguindo o método de

análise de conteúdo (BARDIN, 1977), para auxiliar de forma mais precisa na coleta de dados

a respeito da saúde mental desses trabalhadores. Ainda, um termo de consentimento livre e

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esclarecido (APÊNDICE A) foi entregue aos participantes, para que autorizassem a utilização

e análise das informações que foram coletadas neste estudo.

Para Queiroz (1988, apud DUARTE, 2002), a entrevista semi-estruturada é uma

técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e

pesquisador e que deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos. Desse modo, da

vida do informante só interessa aquilo que vem se inserir diretamente no domínio da pesquisa.

4.3 Procedimentos de Coleta de Dados

Para a realização deste estudo, um contato inicial foi realizado com os produtores e

comercializadores informais que trabalham em feiras na cidade de Santa Maria/RS, a fim de

obter a colaboração dos profissionais indicados como participantes previstos na pesquisa.

Ainda, foram explicados os objetivos do estudo, bem como a apresentação do termo de

consentimento livre e esclarecido (APÊNDICE A), que garante o sigilo em relação à

identidade e respostas dos participantes.

Por se tratar de trabalhadores rurais informais, o agendamento das entrevistas foi

marcado conforme a disponibilidade de tempo e horário desses profissionais. Foram-lhes

dadas as opções de realizar a entrevista nas suas casas, no Centro Universitário Franciscano

ou no próprio local de trabalho, sendo que todos optaram por realizar a entrevista no próprio

local. Para tal, foram feitas combinações entre os colegas de trabalho (esposos e colegas de

banca), de forma a viabilizar as entrevistas sem prejuízo de qualquer ordem aos mesmos. A

grande maioria optou pelo horário de menor fluxo de fregueses (movimento), variando entre o

meio da manhã e o horário do meio-dia, dependendo da feira. Somente uma das entrevistadas

(D) encontrava-se sozinha no período da entrevista, próximo às 13h, horário solicitado pela

mesma e que coincide com o fechamento da feira.

Encerradas as entrevistas, as mesmas foram transcritas literalmente, para a análise dos

dados, onde os relatos não sofreram alterações e correções gramaticais, visando preservar a

fidedignidade dos mesmos.

4.4 Procedimento de Análise de Dados

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Como procedimento de análise de dados foi utilizado o método de análise de conteúdo

que, conforme Bardin (1977), é considerado um conjunto de técnicas de análise de

comunicação que auxiliará na compreensão dos dados que surgiram das entrevistas com os

participantes da pesquisa.

Segundo Bardin (1977), a análise de conteúdo passa por três fases: pré-análise,

referente à organização e sistematização das idéias iniciais que guiará as operações seguintes;

exploração do material, fase na qual se tem as operações da pré-análise desenvolvidas de

forma correta, decorrendo a codificação dos dados e, tratamento dos resultados ou

interpretação, onde os resultados brutos ocorrem de maneira a serem significados e validados.

A partir da análise de conteúdo das entrevistas, na concepção da pesquisadora, foram

extraídas as seguintes categorias a serem analisadas, evidenciando os conteúdos mais

significativos:

a) Os sentidos do trabalho: dentro dessa categoria encontram-se os sentidos do trabalho

na vivência dos produtores e comercializadores rurais informais e a escolha da profissão;

b) Reconhecimento e valorização do trabalho;

c) Organização do trabalho: categoria que se refere ao ambiente de trabalho e a relação

com colegas e clientes;

d) Tempo livre;

e) Relação trabalho/família.

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4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

5.1 Os sentidos do trabalho

5.1.1 Os sentidos do trabalho na vivência dos produtores e comercializadores rurais informais

Jacques e Codo (2002) partem da compreensão de que o trabalho como uma relação de

dupla transformação entre o homem e a natureza, portanto geradora de significados,

configura-se numa atividade cuja lógica intrínseca se estrutura a partir das possibilidades e

formas como o homem controla o seu meio ambiente (mediato e imediato) e/ou é controlado

por ele e o sentido (o significado) que o trabalho tem para esse indivíduo ou para a sociedade.

Segundo os mesmos autores, o processo de divisão de trabalho pode bloquear e

interceptar a apropriação do sentido do trabalho, tornando, dessa forma, inatingível seu

significado. Para tal, no estabelecimento de um diagnóstico centrado em saúde mental e

trabalho seriam necessários a investigação da importância que o trabalho tem para o indivíduo

e a importância que o mesmo percebe deste para a sociedade e “cortejá-la” com a divisão do

trabalho.

Leontiev (1978) conceitua trabalho como uma atividade especificamente humana, que

se realiza por meio de instrumentos, tendo por base a cooperação e a comunicação, sendo

social desde o início. Esse implica em projeto, em transformação da natureza e em

transformação permanente de seu agente, criador das próprias condições de sobrevivência. O

instrumento, mediatizando a atividade humana, permite que a atividade de cada um incorpore

a experiência da humanidade.

Pra mim o trabalho é uma das coisas melhor que tem. Me sinto muito feliz trabalhando, gosto do que eu faço (entrevistada A).

O trabalho é até uma terapia pra gente. Porque se a gente ficar parado e não trabalhar a gente vai ficar encravado... então é uma coisa que a gente tá movimentando o corpo, tá... e a horta é um serviço leviano. Uma terapia que a gente tá fazendo[...] Porque eu gosto muito desse serviço... e começamos a trabalhar sem veneno, né? Ecológico. Então é um passo que a gente tá dando, sem tá trabalhando com veneno, né? Protegendo a saúde da gente e dos demais, né?... que consomem o produto

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também.[...] E gostei muito porque a gente tá produzindo bem e tá vendendo muito bem também. Tá dando muito certo. E eu gosto desse serviço, né? (entrevistado G).

Eu acho que é muito importante. Acho que o dia de hoje eu só vou parar quando não puder mais, continuar mesmo, porque em quanto eu puder continuar fazendo eu vou continuar. Por que eu acho, que eu não sei... é uma realização, uma coisa... eu fico pensando mais se eu parar o quê que vai ser da minha vida? Não tem... eu acho que... não sei eu acho que é muito importante (entrevistada B).

A partir das falas acima foi possível identificar os sentidos que os entrevistados

atribuem ao seu trabalho. A feirante (A) diz se sentir feliz e realizada com o que faz. O

feirante (G) relaciona seu trabalho a uma terapia, também fazendo referência à importância

social da atividade que realiza ao não utilizar “veneno” (agrotóxico) em seus produtos e ainda

mostra-se satisfeito com o retorno financeiro que está tendo. Por sua vez, a feirante (B),

declara estar realizada em sua profissão, mostrando a importância que o trabalho tem em sua

existência, dando sentido a mesma, ao declarar “[...] eu fico pensando mais se eu parar o quê

que vai ser da minha vida?[...]” (sic), evidenciando o quanto este influencia e define sua

identidade pessoal. Para Sato (2004), o trabalho, compreendido como atividade genérica, é

uma forma de relação com coisas e pessoas e, por isso, forma identidades, jeitos de ser e

existir num mundo compartilhado. Sendo assim, torna-se indispensável ao referir-se a estudos

e ao pensar em saúde mental no trabalho, investigar as interações entre as condições gerais de

vida dos trabalhadores e as situações de trabalho, considerando o contexto político e sócio-

econômico a que se inserem.

É tem que trabalhar, né? Vai fazer o que se não? Emprego não se encontra, né? Então pelo menos... (entrevistado C). Todo o trabalho é cansativo... só que o agricultor, feirante requer muita mão de obra. É cansativo. Só que a gente cansa mais o corpo não a cabeça. O cara que é empregado... que trabalha numa empresa, numa coisa pública, num escritório, no caso, claro que num escritório cansa mais a cabeça. No meu caso claro cansa mais o corpo. Ele, só que ele... a coisa é que a gente trabalha e é cansativo, mas recompensa. A gente trabalha o dia inteiro só que de noite vai descansar tranqüilo (entrevistado H).

No seu depoimento, o entrevistado (C), deixa transparecer a dificuldade de se

conseguir emprego na atualidade, confirmando as avaliações de Goulart (2002) e Bosco

(2003) sobre o panorama de instabilidade no mundo do trabalho, desemprego e sobre a

informalidade da economia brasileira. Já o entrevistado (H), chama a atenção para a atividade

do agricultor e feirante exigir “muita mão de obra”, tornando-se dessa forma um trabalho

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cansativo, que cansa o corpo, acabando por fazer uma espécie de distinção entre trabalho

manual e intelectual. O desenvolvimento do capitalismo na agricultura brasileira conforme,

Levigard e Rozemberg (2004), interferiu diretamente sobre o saber tradicional e o processo de

trabalho rural, expropriando os pequenos produtores e transformando-os, em muitos casos, em

assalariados. Decorrente da crise rural brasileira, grandes contingentes de pequenos

proprietários foram à ruína e muitos precisaram se deslocar para outras regiões, o que causou

um aumento significativo dos problemas de saúde entre os trabalhadores rurais, como as

freqüentes queixas de “nervoso”, temática pesquisada pelas autoras recém-mencionadas.

Os relatos dos entrevistados auxiliaram na percepção de algumas das dimensões que o

trabalho assume na vida humana, variando de uma pessoa para outra, como algo que pode ser

prazeroso, gerar reconhecimento social, ser constitutivo da própria identidade, que forma

vínculos, ou ainda, como o meio de garantir suas necessidades básicas, associando dessa

forma seu trabalho à obrigação ou até mesmo como sofrimento. Guattari e Rolnick (2005)

analisam a subjetividade no contexto do modo de produção capitalista como algo modelado e

fabricado no registro do social, pois considera os indivíduos como resultado de uma produção

em massa. A subjetividade, desse modo, não é passível de totalização ou de centralização do

ser. Assim, o trabalhador nem sempre se dá conta do processo alienante, que visa controlar

melhor o mesmo, ao qual se funde em sua natureza humana. A subjetividade é essencialmente

social, assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares, que está em

circulação nos conjuntos sociais. O modo como os indivíduos vivem essa subjetividade oscila

entre uma relação de opressão e alienação ou uma relação de expressão e criação, sendo que

nessa última acontece o processo de singularização.

5.1.2 A escolha da profissão

Para Goulart (2002), as rápidas transformações econômicas, tecnológicas e sociais

resultantes da globalização, exigiram do mundo do trabalho uma reestruturação devido à

competitividade e produtividade com qualidade, começando então uma nova etapa. O

elemento central dessa reestruturação teve como foco o deslocamento do componente manual

do trabalho para o componente intelectual, requerendo qualificação profissional dos

trabalhadores, até mesmo para tarefas mais simples.

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Borges e Yamamoto (2004) e Goulart (2002) observam que no Brasil as dificuldades

na geração de novos empregos em relação à proporção demandada pela população, a

fragmentação das categorias ocupacionais e a redução de cargos em determinadas áreas, como

nos setores industriais e bancários, o surgimento de novas profissões, o desemprego

estrutural, o crescimento do setor informal, ampliam na pessoa aquela percepção de

instabilidade decorrente dos problemas em torno de emprego.

Olha... não foi bem uma escolha; que eu tenha escolhido a profissão. Mas foi a oportunidade que surgiu... que tiveram lá em casa me oferecendo e eu como tava a fim de fazer alguma coisa mesmo, aproveitei e peguei (rindo) (entrevistada B). Porque eu posso conciliar a casa, com isso aqui... porque lá fora a gente não tem muita opção. Tu não tem estudo e coisa, pra fazer outro tipo de coisa. E assim eu posso conciliar a casa, meu filho, posso cuidar dele, e trabalhar e ter o meu dinheiro, né? (E como é que surgiu a oportunidade de trabalhar na feira?) - Porque a minha mãe trabalha mais de vinte anos. A minha irmã no caso começou, depois passou pra minha mãe. Então a minha irmã veio morar na cidade; a minha mãe continuou. E agora a minha mãe... ela tá aposentada já. Então ela faz pouca coisa, eu é que faço e venho vender daí. Ela faz um pouco de coisa também, eu faço também e venho vender... mas eu faz pouco (entrevistada D). Não é que escolhi ser produtor, assim ser agricultor assim... meus pais eram agricultor, moravam pra fora... na colônia... Eu não estudei, não tive estudo e não tive oportunidades de outros empregos... é isso. E continuei até hoje na agricultura e pretendo continuar (entrevistado G).

O reflexo do panorama no mundo do trabalho na atualidade verifica-se nas falas dos

entrevistados acima, que corroboram com as idéias de Borges e Yamamoto (2004), revelando

a falta de oportunidades de emprego, o que os levou a inserirem-se no mercado informal

como modo de garantir a satisfação de suas necessidades e sustento.

O baixo grau de escolaridade foi verificado entre os entrevistados e,

conseqüentemente, pouca qualificação profissional, o que sugere que a baixa escolaridade seja

um determinante em nível estrutural (falta de oferta de ensino) e não relacionado às diferenças

de gênero e, portanto, de responsabilidade das políticas públicas do Estado. Moraes e Gassen

(2004) abordam a qualificação profissional definida no Plano Nacional de Qualificação

(PNQ), do governo atual, que trata da relação de gênero e raça na qualificação social e

profissional, entendida como uma construção social que expressa os conflitos inerentes ao

mundo do trabalho, definindo-a como aquela que permite a inserção e a atuação cidadã, com

efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas. A qualificação, portanto, situar-se-ia na

fronteira do trabalho e da educação, vinculada a um projeto de desenvolvimento includente e

redutor de desigualdades regionais. Outrossim, essa realidade, que atravessou gerações pode

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ou poderá sofrer uma ruptura haja vista que as políticas educacionais contemplam na

atualidade esta população, permitindo inclusive o resgate do saber formal através da Educação

de Jovens e Adultos (EJA)6.

Outro aspecto importante, observado durante as entrevistas com os participantes (D) e

(G), são as escolhas relacionadas à transmissão do patrimônio familiar nas famílias de

agricultores, o que, conforme Carneiro (2001, p. 20), refere-se à lógica das diferentes formas

de transmitir a herança e sua relação com a reprodução social de famílias de agricultores, que

levam em conta além das diferenças de gêneros (papéis reservados a homens e mulheres na

dinâmica de reprodução social) a transmissão de bens materiais e/ou simbólicos de uma

geração a outra. Segundo ela, a oferta de emprego urbano e a valorização do estudo como

meio de ascensão social teve efeitos sobre a desvalorização do trabalho agrícola, criando uma

flexibilização, onde fica em casa aquele que tiver “mais aptidão” para a agricultura e “menor

vocação para os estudos”.

5.2 Reconhecimento e valorização do trabalho

Para Maslow (1943; 1970), de acordo com sua teoria da motivação, cada pessoa traz

em si uma tendência inata para tornar-se auto-realizadora, o que num nível mais alto da

existência humana envolveria o desenvolvimento e o uso de todas as capacidades e qualidades

do indivíduo, dessa forma, a realização de todo o seu potencial. Para se tornar auto-

realizadora, a pessoa precisaria satisfazer as necessidades humanas que estão na escala mais

baixa da “hierarquia das necessidades” estabelecidas pelo autor, que é composta por cinco

necessidades fundamentais: as fisiológicas, as de garantia (segurança), as de pertinência e de

amor, as de estima dos outros e de si mesmo e as de auto-realização (RODRIGUES, 1994;

SCHULTZ e SCHULTZ, 1999).

Schultz e Schultz (1999) apontam que a teoria da auto-realização de Maslow apresenta

algumas restrições quanto aos métodos e os dados coletados, sendo que o próprio autor

admite que seus estudos não preencham certos requisitos da pesquisa científica. No entanto,

6 De acordo com Ministério da Educação, Censo Escolar de 2005, pesquisa declaratória realizada junto aos estabelecimentos de ensino, que coleta anualmente informações sobre a educação básica, abrangendo todas as suas etapas/níveis e modalidades; se é possível fazer um “retrato detalhado" do sistema de educação básica no país observando-se números que evidenciam a extensão da cobertura do atendimento escolar público. Disponível em: <http://www.iped.gov.br/basica/censo/escolar/resultados.htm>. Acesso em: 20 out. 2006.

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no mundo do trabalho, a necessidade de auto-realização mostrou-se uma fonte motivadora e

uma fonte potencial de satisfação no trabalho, incorporada e aplicada por muitos executivos

nos negócios e na indústria. Para Maslow, algumas das características comuns às pessoas que

atendem a necessidade de auto-realização seriam: uma percepção objetiva da realidade, plena

aceitação de sua própria natureza, compromisso e dedicação a algum tipo de trabalho,

simplicidade e naturalidade em seu comportamento, necessidade de autonomia, privacidade e

independência, empatia com toda a humanidade e afeição por ela, atitude de criatividade,

entre outras.

Bergamini et al. (1997) considera que, para que o trabalho seja motivador para o

indivíduo, esse precisa sentir-se pessoalmente responsável pelo seu resultado, necessitando

fazer algo que seja significativo, onde possa receber um feedback sobre aquilo que foi

realizado. Estudos indicam que a percepção de um indivíduo sobre seu trabalho seria

determinada somente em parte pelas características objetivas do mesmo, atribuindo ao

contexto social, bem como às experiências passadas, papel importante na motivação dos

indivíduos. Os trechos das entrevistas abaixo corroboram com as idéias dos autores ao

identificarem a necessidade de auto-realização como uma fonte motivadora de satisfação no

trabalho, onde os entrevistados falam sobre a valorização, amizade e o reconhecimento do seu

afazer por parte dos clientes e colegas, recebendo feedback desses, realizando-os

profissionalmente.

Sinto, me sinto. As pessoas que vêm aqui gostam, apreciam... então eu gosto de fazer isto. Me sinto bem realizada, reconhecida (entrevistada D). Eu acho que sim. Porque a gente tem, além do trabalho tem uma amizade muito grande com as pessoas, nossos clientes... tem gente que não vem pra comprar, mas vêm pra conversar com a gente. É impressionante... olha a gente formou uma amizade que parece uma família... e com os feirantes mesmos, aqui nós é mais que uma família. Vinte anos juntos, trabalhando... sempre a gente brinca, conversa, é ótimo (entrevistada A). Tá me fazendo muito bem, gostei por causa que a gente se entrosa com mais pessoas que a gente não conhecia, e a gente ficou amigo de muita gente. A gente passava na rua e sabe... e ia embora. E hoje a gente passa na rua e tá todo mundo aí... não porque a gente não vê, ele passa, ele cumprimenta e a gente olha...Oi Fulano! (entrevistado G).

Zimermann (1997, p.27) enfoca a relação com o outro como uma necessidade básica

da vida, por ser o homem gregário por natureza. Ainda, sua essência consiste num conjunto de

sistemas, envolvendo desejos, capacidades, identificações, valores, mecanismos defensivos e,

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sobretudo, necessidades básicas. “... o mundo interior e o exterior são a continuidade um do

outro, da mesma forma o indivíduo e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles

se diluem, interpenetram, complementam e confundem entre si”.

O trabalho torna-se um importante mediador entre a subjetividade e o social, visto que

é através dele que o indivíduo interage com os demais e busca a satisfação de seus desejos.

Para Bergamini (1997) cada pessoa procura normalmente, por meio do seu trabalho,

oportunidades de realizar suas potencialidades, criando com isso uma ligação com a

comunidade na qual vive, aspectos observados nas entrevistas. É por meio do trabalho que o

homem consegue reconhecer o próprio valor, equilibrando expectativas e sentimentos de

auto-estima. A motivação fortifica-se na medida em que o trabalho satisfaz as necessidades de

autodesenvolvimento, a exemplo dos entrevistados que se demonstraram motivados e

valorizados em relação à sua atividade profissional.

Osório (2000) considera que estamos saindo da era da individualidade e ingressando

na era da grupalidade, onde a convivência, a prática da solidariedade e a disponibilidade para

o trabalho em equipe balizam o sucesso profissional e são como um passaporte para a

melhoria da qualidade de vida à qual desejamos. Para ele, grupo é todo conjunto de pessoas

capazes de se reconhecerem em sua singularidade, exercendo uma ação interativa com objetos

compartilhados.

5.3 Organização do trabalho

5.3.1 Ambiente de trabalho

Zanelli (2004) considera que os diversos contextos sociais tentam regularizar a

expressão de emoções, tornando-as ajustadas e previsíveis às situações ambientais

diversificadas. Dessa forma, mapear e entender as emergências das emoções que surgem, a

partir da organização do trabalho e no cotidiano dessas, contribui tanto para a saúde mental do

trabalhador -quando interpretadas como sinais de sofrimento psíquico no trabalho- quanto à

própria organização; uma vez que são esses fatores que dão qualidade às relações humanas no

trabalho. A compreensão dos processos psicossociais só pode ser feita levando-se em conta as

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emoções e os afetos, pois são a origem e o resultado das interações sociais e influências

ambientais.

Dejours (1992) entende por condições de trabalho o ambiente físico (temperatura,

pressão, barulho, irradiação, etc.), o ambiente químico, o ambiente biológico e as condições

de higiene, segurança e características antropométricas do posto de trabalho; e, por

organização de trabalho, designa-se a divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, a hierarquia,

as relações de poder, questões de responsabilidade, entre outros. A organização do trabalho

exerce no homem um impacto no seu psiquismo, que faz, em certas condições, emergir

sofrimento, que pode ser atribuído à confrontação entre uma história individual, portadora de

projetos e desejos e uma organização que simplesmente os ignora. Isso ocorre quando a

relação homem-trabalho é bloqueada ao não equilibrar as suas necessidades fisiológicas aos

seus desejos psicológicos.

Levanto de manhã, tiro o leite e durante o dia... o dia todo a gente trabalha na lavoura, faz os produtos pra trazer, as quintas-feiras faz os “pão”, as “rapadura”... esses outros doces fora a agricultura... o mais é só na lavoura. [...] todos os produtos que eu tenho na banca são feitos por mim mesma [...] O dia todo é envolvido com o trabalho na feira, porque a gente tem que plantar, tem que colher, tem que... é tudo nós dois, né? (entrevistada A). Ah, tirar leite; fazer o serviço da casa e na lavoura, é isso aí... e na horta. É isso aí. E a feira é só sexta-feira, só até em meio-dia também. Sempre as mesmas coisas (entrevistada E). Depende... do que eu vô fazer no dia. Que eu já tenho os dias mais ou menos escalado. Depende o dia terminou seis horas, às vezes oito... aí depende o dia que tu... que tem muito serviço, que às vezes a gente tem que sair naqueles dia, né. Então aí fica meio complicado dizer quantas horas assim eu trabalho por dia. É das oito e meia... Às cinco e meia é tranqüilo (entrevistada F).

Nos relatos acima é possível identificar fatores referentes à organização do trabalho,

mais especificamente sobre a rotina dos trabalhadores, pessoas que têm seu dia inteiro

envolvido com sua profissão e que seu local de trabalho é o mesmo local de descanso, ou seja,

o próprio lar. No aspecto referente à organização do trabalho, Dejours (1992) observa que

essa se embate com a vida mental dos indivíduos, mais especificamente na esfera das

aspirações, motivações e dos desejos. No trabalho artesanal que precedeu a organização

científica do trabalho, uma parte dessa organização provinha do próprio trabalhador, que

estabelecia o tempo, a escolha das técnicas, dos instrumentos e materiais empregados, que

permitiam uma melhor adaptação do trabalho às suas aspirações e às suas competências.

Conforme o autor, a organização do trabalho deixada à vontade do trabalhador pode ser

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considerada um privilégio em termos de economia psíquica, pois corresponde à procura, à

descoberta e à experimentação de um compromisso entre os desejos e a realidade. E quanto

mais rigidamente organizado for o trabalho, mais sua divisão é acentuada, tornando menor seu

conteúdo significativo, aumentando as insatisfações e começando a surgir o sofrimento.

Aqui temos bastante dificuldades, porque as estrutruras não são boas, e também tem as mesas estragadas, não tem... dia de chuva é difícil, não é fácil... difícil mesmo aqui... quando o tempo está bom é ótimo, mas dia de chuva é difícil (entrevistada A).

Nós não temos muitas condições, não. Nossas barracas tão num estado já precário, né [...] As nossas condição de trabalho, quando chove é precária, né; (E falta mais alguma coisa?) Estrutura... falta estrutura. Banheiro a gente tem que ocupa da secretaria ali do lado. Faltaria uma estrutura. Fora isso tá tudo bem (entrevistada F).

Não vou dizer que são completamente boas...[...]A gente trabalha o dia inteiro na horta durante o dia a gente sai, vem pra cidade. A gente vê muita coisa. A gente lá na colônia só vê a terra e as “árvore”, né. Eu até agora só tenho dizer que é ótimo, bom mesmo (entrevistado H).

As condições de trabalho referentes ao local onde são realizadas as feiras foram

avaliadas por muitos dos entrevistados como precárias, no que se refere à estrutura, falta de

banheiros, mesas estragadas, dificuldades nos dias de chuva, entre outros, ilustradas nos

depoimentos dos participantes (A) e (F) sobre o ambiente de trabalho. Para Dejours (1994), as

pressões ligadas às condições de trabalho têm por “alvo principal” o corpo dos trabalhadores,

podendo ocasionar desgaste, envelhecimento e doenças somáticas. A organização do trabalho,

segundo o autor, atua no nível do funcionamento psíquico, referindo-se à teoria psicanalítica,

onde há um duplo interesse na investigação dos processos psíquicos mesmo quando o

indivíduo não sofre de doença mental descompensada; e respeita-o na irredutibilidade de sua

história singular e sua competência psicológica frente às pressões patogênicas das quais é

alvo.

A imprevisibilidade ambiental, a inconstância, a mudança permanente e a ruptura de

paradigmas são pilares de novas abordagens e modelos organizacionais da atualidade.

Segundo Bernardi (2003), as empresas modernas devem aprender a conviver com a mudança,

persistência, energia, criatividade e iniciativa, elementos decisivos ao sucesso de qualquer

organização. Portanto, o trabalho dos feirantes e o modelo de empresa familiar adotados

implicam no desempenho equilibrado dos vários papéis (produtores, comercializadores,

clientes, etc), dos elementos e das interações que compõem o sistema integral.

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5.3.2.Relação com colegas e clientes

Para Zanelli (2004), as emoções e os afetos são importantes à existência humana, pois

cumprem funções que correspondem à sobrevivência da espécie, aprendizagem, ajustamento

social e expressão da subjetividade e da individualidade, possibilitando a adequação dos

estados emocionais de cada indivíduo a gêneros e contextos sociais mais específicos de forma

a atender as normas e costumes de cada sociedade. Diariamente, experimentamos diversos

estados emocionais como: o ódio, a raiva, a inveja, o amor, o medo, a ansiedade, a surpresa, o

ciúme, a culpa, a tristeza, etc., todos sentidos no plano intrapessoal, porém é no processo de

socialização que cada indivíduo aprende em que contextos alguns desses sentimentos devem

ou não ser expressos ou inibidos, conforme a cultura a qual se insere.

De acordo com esse autor, o estudo da afetividade pode auxiliar na compreensão, no impacto

das mudanças organizacionais dos trabalhadores, ou seja, de como o ambiente externo

influencia as emoções, o humor e o afeto do trabalhador, facilitando ou dificultando o

desenvolvimento de um clima propício ao bem-estar no trabalho.

Rodrigues (1995) considera o local de trabalho um espaço que permite ao indivíduo um

relacionamento social extrafamiliar com grupos restritos, estando as relações sociais do

trabalho entre as maiores fontes de satisfação com o emprego, refletindo na qualidade de vida

do indivíduo. Indica Schein (1982), ao acreditar que um grupo pode ser mais criativo que os

indivíduos isolados, isso devido ao estímulo que os membros do grupo proporcionam uns aos

outros.

(Colegas) Mas é muito boa, é ótima. Olha a gente é mais do que irmãos, eu acho... a gente se considera pessoas da família. (E com os clientes?) - Também. Muito bom, muito bom... olha é uma amizade incrível... não dá pra dizer o jeito que a gente ficou... assim conseguiu amizade com os nossos clientes. São pessoas que... que eles não consideram nós assim feirantes... não sei, eu acho que eles consideram a gente assim como pessoas amigas, sabe? Muito bom (entrevistada A).

Maravilha. Bãh... com os colegas é maravilha. Uns pelos outros. Tudo bem, tudo bom. Mas, melhor não “percisa” (entrevistada E).

(Clientes) Muito boa. Muito boa [...]. Tudo gente de confiança. Até eles chegam, põe na sacola e a gente nem vai conferir, né (entrevistado G).

(Clientes) Olha o pessoal é muito atencioso, respeita muito o trabalho da gente... Eu acho que é muito bom... e se tiver alguma queixinha, que às vezes pode acontecer...

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o pessoal é assim compreensivo... que vêm e diz olha... Eu acho é assim, não tá certo... que devia ser diferente... já nos aconteceu porque em vinte anos sempre que acontece alguma coisa... não mas de chegar assim, não, não. Acho que o pessoal é muito legal mesmo (entrevistada B).

A relação com colegas e clientes foi considerada satisfatória pela maioria dos entrevistados,

evidenciando o coleguismo entre eles e, ainda, o reconhecimento por parte dos clientes. Os

depoimentos acima ilustram sentimentos de amizade e fraternidade de alguns feirantes em

relação a seus colegas, pessoas com as quais eles convivem somente em um dia da semana, ou

seja, no dia da feira. Rodrigues (1995) observa que o apoio do grupo de colegas é importante,

pois, em certos acontecimentos, apenas os colegas entendem e podem fornecer o apoio

exigido para enfrentar determinados problemas. Um aspecto a ser considerado é o trabalho

realizado pelos entrevistados ser predominantemente feito em casa, o que tornaria o dia da

feira também uma ocasião propícia às interações sociais. Sobre esse aspecto, Shamir e

Salomon (1985) consideram que para alguns indivíduos uma das vantagens da separação

física da social do trabalho seria a oportunidade de compensar numa das esferas as privações

obtidas na outra. Já no posicionamento de Gaffman (1968), a casa, como um local de trabalho,

família e lazer pode se tornar uma instituição global (RODRIGUES, 1995).

Com relação à clientela, evidencia-se a satisfação pelo reconhecimento do trabalho que

realizam, onde se entrecruzam afetos. A feirante (A), por exemplo, enfatiza a amizade com

seus clientes, de modo a revelar certo estigma à própria profissão ao considerar que seus

clientes “[...] que eles não consideram nós assim feirantes [...]” (sic). Já a entrevistada (B)

expressa a compreensão dos clientes em relação ao trabalho e a possíveis reclamações por

parte deles.

Seligmann-Silva (1994) acredita que o trabalho, como instância de caráter social, ao mesmo

tempo em que interage com a subjetividade, dá origem a fenômenos também de caráter

coletivo, no plano microssocial. Essas interações podem se fazer diretamente ou mediadas

pela intersubjetividade e pela subcultura gerada no coletivo de trabalho. Dessa forma, o

reconhecimento da criatividade individual pelo coletivo, bem como a solidariedade e o

compromisso de ordem ética seriam aspectos a favor da vitalidade e da saúde, que enriquecem

a identidade.

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5.4 Tempo livre

Calvet (2006, p.57) considera que a afirmação do trabalho como centro do mundo

industrial, acaba incutindo nas pessoas uma mudança de percepção no conceito de tempo

livre, ou seja, uma espécie de “disciplinarização do labor”, onde o “não ser produtivo” seria

motivo de vergonha a quem não detêm trabalho. Esse pensar alerta-nos para a falta de

conscientização e cultura acerca da função real do lazer como formador da humanidade,

revelando o esquecimento de seu conteúdo humano mais profundo.

Segundo o autor, o ócio é relegado a uma visão restrita de oposição à atividade

produtiva, ou ainda, como uma forma de viabilização da reposição da energia laboral, fazendo

com que o homem contemporâneo não consiga aproveitar o pouco tempo livre que dispõe,

pois o trabalho vai ganhando espaço sobre o tempo da vida afetiva e todos os setores da vida

humana.

Já Marcellino (2002) entende que o termo lazer é carregado de preconceitos,

motivados por um pretenso caráter supérfluo dessas atividades e que pode contribuir para o

“mascaramento das condições de dominação” nas relações de classe. Nesse sentido, há uma

redução do conceito na utilização da palavra lazer, visto que é observada mais frequentemente

como a simples associação com as experiências vivenciadas individualmente dentro de um

contexto que caracteriza a sociedade de consumo. Assim sendo, o conceito de lazer difere

entre as pessoas; para uns, lazer é futebol, para outros pode ser pescaria, jardinagem, etc. No

entanto, há que se observar o significado na vida cotidiana das pessoas, como por exemplo, a

pescaria para um pescador que depende da sua produção.

Para o autor acima citado, as circunstâncias que cercam o desenvolvimento dos

conteúdos são consideradas básicas para a caracterização das atividades, fundamentais os

aspectos de tempo e atitude. Lazer, considerado como atitude, caracteriza-se pela relação

entre o sujeito e a experiência vivida, considerando a satisfação provocada pela atividade; e

ligado ao tempo, quando as atividades desenvolvidas no tempo liberado do trabalho, ou no

tempo livre, não só obrigações profissionais, como também as familiares, as sociais e

religiosas. A tendência atual é que se englobem ambos os aspectos no conceito.

Padilha (2000, p. 55) utiliza-se da distinção entre tempo livre e lazer de Gaelzer

(1986), na qual a variável atitude torna-se o elemento diferenciador, onde todos podem ter

tempo livre, mas nem todos podem ter lazer. Sendo o tempo livre associado a uma idéia de

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“democracia realizável” e o lazer a de uma atitude, por isso, não é realizável por todos. Este

último estaria relacionado à harmonia individual entre a atitude, a disponibilidade de si

mesmo e o desenvolvimento integral.

Brinco com meu filho... (rindo) Isso é o básico eu acho, é o que mais faço. Saí à gente não sai muito... eu moro pra fora. Vai lá no clube, têm, coisa e tal... mas como eu tenho ele pequeno, prefiro ficar em casa e brincar com ele... que é o que ele gosta [...]Ah, lá fora tu tem sempre o que fazer. [...] Final de semana se tem mais livre. Sábado à tarde, o domingo assim é mais calmo, daí. Depois do serviço da casa, tudo as coisas, daí dá. Com a casa a gente trabalha sempre, mas com os produtos da feira sábado de manhã eu faço rapaduras. Sábado a tarde sobra livre, e daí o domingo, né? Segunda começa tudo de novo (entrevistada D).

Sempre tem alguma coisinha pra fazer lá fora... ou aqui, ou alí... tu tá sempre mexendo em alguma coisa. Nunca se tem descanso, mesmo pra descansar... (entrevistado C).

(pensativo) Difícil ter tempo livre assim... Difícil mesmo... A gente trabalha de segunda à segunda. Não tem folga. Às vezes no domingo eu gosto do jogo da bocha. Então às vezes domingo de tarde eu vou jogar, senão... a gente tem muita coisa pra fazer na... A gente tá no fim de semana... em casa, no trabalho... A gente tá em casa mas, tem os animais, tem que ver uma cerca... a gente não para nunca.[...] Nunca tirei férias. Faz cinqüenta anos que eu trabalho e nunca tirei férias. E não é só eu... a maior parte que trabalha com agricultura é isso aí. Não tem tempo espontâneo... fim de semana passando o sábado pra ir passear, passar um sábado um domingo (entrevistado H).

Ah, quando eu tenho um tempo livre a gente sai pra passear, né? Vai na casa dos vizinhos que tem lá perto. A gente sai, né. Não tem muito. A gente mora pra fora... então não tem muito que... fazer de diferente, né. Mas a gente tenta se divertir; bem legal. [...] Folga, folga só domingo mesmo, que sábado a gente ainda trabalha... trabalha até as cinco horas da tarde a gente trabalha (entrevistada F).

Verificou-se entre os entrevistados certa unidade ao tratarem sobre o tema tempo livre,

ou seja, sobre o que fazem em suas horas de folga. Muitos deles alegam ter dificuldade em

obter tempo livre ou, ainda, terem pouco tempo para o descanso da atividade que realizam.

Conforme verificado no discurso dos participantes da pesquisa, seus trabalhos profissionais

exigem disponibilidade e tempo quase que integral de dedicação, reservando ao pouco tempo

livre atividades em casa (como olhar televisão, mexer em plantas, consertar uma cerca, etc.)

e/ou na vizinhança e organizações locais (clubes, igrejas, etc.). Isso seria o resultado das

concepções de lazer e tempo livre que acabam sendo conservadoras e socialmente aceitas e

difundidas no sistema capitalista, onde o trabalho existe como obrigação e o lazer

corresponderia à ocupação de uma parte do tempo, liberado periodicamente do trabalho -fim

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de semana, férias ou aposentadoria. Nessas concepções, as atividades são funcionalistas, pois

pensam o lazer como o tempo necessário para atividades ou descanso que visem

prioritariamente a compensação do trabalhador, para que este volte ao trabalho mais

recuperado (PADILHA, 2000).

Marcellino (2002) vai além, ao articular a idéia de que qualquer atividade, até mesmo

trabalho, pode ser considerada lazer, uma vez que atenda a características como: escolha

individual e nível de prazer e satisfação elevados. Usualmente, as pessoas associam o lazer às

atividades recreativas ou a eventos de massa, tendência reforçada pelos meios de

comunicação, nas quais o descanso e o divertimento configuram valores associados ao lazer.

Cabe lembrar ainda que tais atividades abrem também a possibilidade do desenvolvimento

pessoal e social, através de atividades de trabalho prazerosas. Não que essas sejam

possibilidades abertas nas atividades de lazer, mas muitas vezes esquecemos da possibilidade

do desenvolvimento pessoal e social que o lazer pode proporcionar. Igualmente, alerta para as

práticas compulsivas, ditadas por modismos ou denotadoras de status, realizadas por muitos,

nas quais se valoriza o desempenho, o produto e não o processo de vivência.

Bah... isso que é o problema... folga. (risada) Folga praticamente não se tem. Olha... (pensativa) se eu tiver em casa eu não paro... eu não paro mesmo... se eu tiver por casa. Porque às vezes domingo a gente sai... se o marido não vai pro futebol num amigo de tarde... e convida pra sair... eu digo, não... não to a fim de sair. Então, ás vezes domingo de tarde eu dou uma paradinha... um pouco na frente da televisão...mas não consigo parar. Então ando por fora... mexo numa flor... mexo... e aí passa. Não tenho... Não sou de sair mesmo. Não sou muito de... Então folga praticamente não tem. A não ser aquela caminhada que eu dou... Um meio de se exercitar um pouquinho... não se pára (entrevistada B).

Marcellino (2002) distingue seis áreas abrangidas pelos conteúdos do lazer: os

interesses artísticos, os intelectuais, os físicos, os manuais, os turísticos e os sociais; sendo

que o ideal seria que cada pessoa praticasse atividades que abrangessem vários grupos de

interesse, o que, no entanto, não se verifica, pois a maioria das pessoas restringe suas

atividades de lazer a um campo específico de interesse. Faz-se necessário, ainda, falarmos de

bricolage ou bricolagem; palavra francesa que não possui tradução correspondente na língua

portuguesa está entre as atividades manuais de lazer, que se refere ao que muitos autores

consideram “semilazer”, uma vez que cumpre, também, finalidades lucrativas ou utilitárias;

onde o lazer se misturaria com a obrigação.

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Segundo esse autor, seja por hobby ou necessidade, possibilidade de desenvolvimento

das habilidades pessoais ou até mesmo como nova forma de estímulo ao consumo, o

bricolage torna-se opção ao tempo disponível. Através da bricolage podem se desenvolver

habilidades, aliviar tensões e, ao mesmo tempo, resolver pequenos problemas.

5.5 Relação trabalho/família

Rodrigues (1994) considera que as afirmações de Walton (1973), entre as relações de

trabalho e o espaço total da vida, precisam ser vistas através do conceito de equilíbrio,

levando-se em conta sua origem nos esquemas de trabalho, expectativas de carreira, progresso

e promoção. Para o autor, a experiência de trabalho de um indivíduo pode ter efeitos

negativos ou positivos sobre outras esferas de sua vida. Configuram entre as suas

preocupações as relações do trabalhador com a família; a relação do tempo e energia extras as

quais o trabalhador dedica ao trabalho e as deficiências na situação familiar.

Para Seligmann-Silva (1994), numerosas ligações tecem a interface família/trabalho, o

que se tornaria um desafio aos pesquisadores da SM&T a exploração dessa complexa trama,

deixando vislumbrar uma via de mão dupla: de um lado o fluxo em que a subjetividade

desloca experiências familiares para o mundo do trabalho e, de outro, a corrente que conduz

para a vida familiar determinações decorrentes do trabalho; não esquecendo que esses fluxos

se entrecruzam muitas vezes. Constata, ainda, que em suas pesquisas pouco observa

trabalhadores que sentem prazer e que têm um trabalho que lhes seja significativo, que

permite o exercício de sua autonomia, o desenvolvimento de potencialidades e interesses, bem

como o reconhecimento social e a remuneração adequada, o que certamente poderia

enriquecer afetiva e intelectualmente o convívio familiar. Nos relatos abaixo, a entrevistada

(A) revela receber apoio e incentivo dos filhos no trabalho que realiza. A entrevistada (F)

deixa evidente seu esforço em conciliar a função materna com a de trabalhadora, ao mesmo

tempo em que realiza sua profissão, que lhe é significativa e prazerosa (conforme trechos

anteriormente citados no decorrer deste estudo), não deixa de dar atenção aos filhos ainda

pequenos:

É, minha vida familiar agradeço a Deus, que eu tenho uma família muito boa, dois filhos que me adoram, apesar de não estarem comigo, né? Eu acho que sim porque os meus filhos me apóiam muito nesse trabalho, que eu chego em casa, hoje de noite

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já eles ligam: Mãe como foi a feira?A feira tava boa? Eles me ajudaram muito. Mas eles acham muito bom este trabalho, eles dizem: Mãe, nem é trabalho, é diversão, eles... (rindo) o trabalho não é bem assim não. O trabalho é duro mesmo (entrevistada A).

Às vezes eles reclamam, né? Mas aí eu sempre sou assim; eu tento tirar aquele tempo pra eles. Mesmo que eles vejam que eu não tenho tempo, mas eu compenso ou a noite, ou... eu sou uma pessoa assim que eu trabalho... mas eles tão sempre perto de mim, né? Eu...eles precisam de mim...ah mãe pára um pouquinho “vamo” conversar...aí eu largo tudo e vou conversar com eles. Então eu não deixo eles muito... só o trabalho, só o trabalho. Eu tenho aquele tempo pra eles. Então eu não acho que eles são prejudicados por eu trabalhar; de um certo modo sim, mas... mas eu sempre tento quando eles... tá meio perto deles, né. Então acho que não tem muito (entrevistada F).

Conforme Seligmann-Silva (1994), a transposição para o trabalho, das vivências

profundas relacionadas às primeiras experiências, na família de origem e também a situação

familiar atual, podem determinar reflexos para a vida laboral. Diz ainda, a excessiva adesão

dos indivíduos ao trabalho pode significar uma fuga ou compensação de uma vida familiar

insatisfatória, especialmente quando há uma relação conjugal afetivamente esvaziada ou

conflitiva. Nesses casos, o investimento afetivo considerável no trabalho pode se efetivar de

uma forma compensatória, sendo que muitas vezes o próprio assalariado é que amplia sua

jornada propositalmente.

Jacques e Codo (2002), referindo-se a Insua (1974), evidenciam que a família além de

contribuir para a formação genética e constitucional do indivíduo, para o desenvolvimento da

personalidade e organização de identidade, também procura transmitir as características

socioculturais, mediando poderosamente as regras culturais. Tanto que, ao tratar um doente

mental, torna-se imprescindível considerar a homeostase familiar (estrutura familiar), na qual

se investigam questões que se encontram no cerne das possibilidades e formas de adoecer

mental.

Olha isso aí, às vezes dá vontade de... esse é a única coisa que eu sinto que o meu trabalho influencia muito... eu trabalho demais... então a gente fica isolada [...] então... eu me sinto... fim de semana, principalmente, quando tem a gurizada em casa, que vêm ... eu me sinto mais isolada... porque fico separada, então eles ficam mais em casa e conversam...e eu fico mais isolada....é o único ponto negativo que eu acho do meu trabalho é isso aí. Trabalha demais e a gente fica meio isolado do resto, sabe? (entrevistada B).

Dificulta, porque a gente não tem assim um tempo pra gente conversar... se... não tem tempo, porque a gente terminou o serviço a gente tem que fazer as refeições, no caso... então de manhã já tem que tomar café e ir pra lavoura, de meio dia almoça,

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pouco descanso e tem que ir pra lavoura... e de noite a gente já vai dormir tarde e tal, então se chega tarde do serviço, então pra pessoa descansar, pra gente descansar [...] A mulher e as filhas também reclamavam... até antes quando elas tavam junto com nós, a gente não... era difícil a gente não dava muita atenção, a gente fez de tudo... a gente fez de tudo pra ensinar... só que a gente viveu criando elas, mas com pouca relação... assim com pouca, que elas estudavam e a gente ia pra lavoura, chegavam em casa e tinham que fazer os temas e a gente deixava elas fazendo os temas e não podia conversar... então até hoje eu me arrependo de... de... não ter dado mais atenção... até eu comento com elas... o pai não pode, a mãe não pode... elas não reclamam nada, claro... mas a gente notava quando elas tavam com nós que elas se sentiam assim né (entrevistado H).

Os depoimentos dos participantes (B) e (H), acerca da influência do trabalho nas

relações familiares, corroboram com as idéias dos autores anteriormente citados, pois o modo

como a divisão de trabalho se estabelece, organiza o cotidiano das pessoas e determina as

possibilidades de vínculo familiar, porque o simples fato de ir ou não almoçar em casa é um

fato social capaz de intervir na dinâmica familiar, importar qualidades distintas aos vínculos

afetivos. O que observamos nessas entrevistas é um grande envolvimento dessas pessoas com

seu trabalho, que esta grande jornada laboral, em alguns momentos, faz com que a pessoa se

sinta “isolada” dos familiares ou que se arrependa e se culpe do pouco tempo dispensado ao

convívio com os filhos.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações no mundo do trabalho, observadas na atualidade, acontecem de

forma acelerada, assumindo novas configurações não apenas em decorrência do progresso

científico e do avanço tecnológico, mas também pela globalização, que se intensificou nas

últimas décadas. Essas transformações trouxeram como conseqüência o aumento do

desemprego, a escassez do emprego convencional, o surgimento de novas modalidades de

trabalho e a desigualdade social no mundo todo. Nessa sociedade de classes a consciência

humana também sofre transformação, onde as significações e sentidos deixam de ser

coincidentes para serem contraditórias.

O avanço do trabalho autônomo, situação que era bastante freqüente no início do

século passado - através do trabalho de camponeses, pequenos comerciantes, artesãos ou

membros de profissões liberais - ressurge após um contínuo progresso do trabalho

assalariado, corroborando com a hipótese de que a crise do emprego possa ter conduzido a um

movimento de retomada dessa modalidade de trabalho (BELTRAN, 2001). Nessa acepção, o

sentido de trabalhar é outro - obter um salário porque só assim pode sobreviver - e não apenas

produzir determinados produtos, significado social de seu trabalho. A essa contraposição entre

significado e sentido Leontiev (1978) chamou de alienação.

Essas mudanças vêm sendo acompanhadas paralelamente pela inter-relação

trabalho/saúde, que se transforma concomitantemente. Os processos que atingem a saúde

mental ocupam um espaço importante nessa dinâmica, pois repercutem significativamente na

construção da identidade e na subjetividade do indivíduo. A articulação entre a construção da

identidade e os processos sociais, ocorre através do reconhecimento, aspecto essencial na

construção da identidade social e processos de saúde mental.

Tendo em vista a complexidade da temática, não se pretendeu esgotar o assunto, e sim

problematizar algumas questões relacionadas à saúde mental do trabalhador informal, já que

se refere a uma parcela bastante significativa no mercado de trabalho brasileiro. De acordo

com as características da região geográfica, optou-se por averiguar mais especificamente os

feirantes e produtores coloniais regionais, tendo em vista a promoção da sua qualidade de

vida.

Os participantes envolvidos na amostragem desta pesquisa são agricultores, que

conservam no seu modo de produção características de gerações passadas e que participam de

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forma integral desse processo, diferentemente da forma fragmentada e alienante da produção

capitalista. Esse tipo de atividade profissional conserva características de um trabalho mais

antigo, artesanal, onde a participação do trabalhador se dá no decorrer da atividade, desde o

plantar, colher, fabricar e vender o produto.

A colaboração dos entrevistados deu-se de forma natural, com aceitação imediata,

visto já terem colaborado com outras pesquisas e instituições. No primeiro contato,

apresentaram-se um pouco reservados, mostrando-se mais participativos e disponíveis no

decorrer das entrevistas, o que demonstra sua vontade de interação com a comunidade urbana.

Entretanto, foram cautelosos ao tratar mais diretamente da interface trabalho/família.

Relevante neste estudo é a forma do trabalho em si, sua organização e espaço físico

corresponderem e coincidirem com o local de moradia e descanso dessas pessoas, fator que

não deve ser desconsiderado, por dar indicativos de como os entrevistados vivenciam seu

trabalho. Esse tipo de organização de trabalho domiciliar acarreta numa rotina sobrecarregada

de afazeres em detrimento do tempo livre. Tal dinâmica gera certo isolamento social e, por

vezes, culpa no que se refere às relações familiares, mais especificamente entre pai e filho, já

que a mulher trabalhadora administra melhor essa situação.

Os entrevistados, de modo geral, evidenciaram a alta jornada de trabalho como uma

questão preocupante, visto que sobram poucas horas para o lazer e o descanso. Outrossim, há

quem prefira administrar as horas vagas com tarefas domésticas que lhes são prazerosas.

Os depoimentos deste estudo corroboram com a idéia de alguns dos autores citados,

tais como: Codo (1994; 1999), Selligmann-Silva (1994), Sato (2004), Rodrigues (1995), entre

outros, de que o trabalho, hoje em dia, ocupa um espaço muito importante e fundamental na

vida das pessoas. Os sentidos que os entrevistados atribuíram ao seu trabalho, apresentaram

variações como algo percebido como obrigação, meio de garantir suas necessidades básicas,

algo que dá sentido à vida, atividade prazerosa, gerador de reconhecimento social, definidor

da identidade pessoal e formador de vínculos. Para Seligmann-Silva (1997), a identidade

social do indivíduo tem um de seus núcleos na identidade profissional, sendo que a profissão

exercida torna-se fonte de significados. Apesar dos entrevistados não realizarem um trabalho

fragmentado e altamente especializado, característico da sociedade contemporânea capitalista,

em algumas falas, é possível ratificar a questão do condicionamento social: o trabalho

ocuparia um vazio existencial e social na vida das pessoas que encontram em sua atividade

profissional uma forma de sublimar necessidades frustradas, derivando a sensação de não

poder viver sem trabalhar (Rodrigues, 1995).

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A escolha profissional aparece relacionada a aspectos como a transmissão do

patrimônio familiar, característico nas famílias de agricultores, ao baixo grau de escolaridade

dos entrevistados e a necessidade de inserção no mercado de trabalho como forma de garantir

o sustento; sendo a família apoiadora e incentivadora desse tipo de trabalho, até mesmo

porque as propriedades rurais, bem como o espaço na feira caracterizam herança familiar a

várias gerações. Observa-se que tais empresas familiares são constituídas pelos casais e, por

vezes, pelos filhos e parentes próximos.

Quanto ao ambiente de trabalho, as principais queixas foram referentes às condições

do local onde são realizadas as feiras, consideradas por muitos dos entrevistados como

precárias, no que se refere à infra-estrutura. Dentre os pontos negativos estão a falta de

banheiros, mesas estragadas, dificuldades nos dias de chuva, entre outros. Contudo, conforme

os depoimentos analisados, os aspectos acima citados são mínimos quando comparados aos

pontos positivos e o prazer que os entrevistados relataram sobre a realização do seu trabalho.

Cabe lembrar que as feiras mencionadas no estudo são de freqüência semanal e realizadas em

praças de diferentes pontos da cidade.

A satisfação e o reconhecimento pessoal pelo trabalho realizado, tanto por parte dos

clientes como pelos colegas, foi um sentimento manifestado nas entrevistas, expresso tanto

pelos trabalhadores mais antigos quanto pelos mais novos na profissão. Esse reconhecimento

se expressa pelo vínculo de amizade estabelecido por determinados clientes através das

conversas periódicas e aquisição de produtos da feira, reforçados pelo coleguismo dos demais

feirantes no decorrer do cotidiano laboral. Assim sendo, o espaço da feira torna-se um local de

interação social, onde o agricultor deixa de ser anônimo para tornar-se parte da sociedade,

reforçando sua auto-estima e identidade.

O uso de entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de dados mostrou-se

pertinente, pois auxiliou na busca dos elementos necessários para alcançar os objetivos desta

pesquisa, bem como o respeito à fala do entrevistado e àquilo que ele (a) elegeu falar naquele

momento. No entanto, sabe-se que outros instrumentos metodológicos também poderiam

trazer valiosas contribuições e aprofundamentos à temática, o que possivelmente será

considerado em estudos futuros.

Um aspecto peculiar foi a dificuldade em localizar materiais bibliográficos específicos

da nossa região e Estado, desenvolvidos por psicólogos, que abordem a saúde mental do

trabalhador rural. Os estudos encontrados, geralmente tratam de patologias específicas,

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direcionadas ao sofrimento e são feitas por profissionais de outras áreas de conhecimento, a

exemplo de médicos, psiquiatras e pesquisadores das ciências rurais.

Estudar sobre o mundo do trabalho na atualidade, suas transformações, novas formas

de organização e implicações na saúde física e mental dos indivíduos requer uma visão

multifacetada de quem se propõe pesquisar, dado às contínuas modificações e lógica própria

que o trabalho assume tanto na vida da sociedade como na dos indivíduos. O psicólogo

entende o homem como um ser em contínua construção, que não tem seu modo de pensar,

sentir e agir diferentes do modo de pensar do mundo e da cultura na qual se insere. Cabe-lhe,

portanto buscar novas fontes e referenciais em função da complexidade de objetos, próprias

da nova forma de organização e produção.

A atuação do psicólogo nesse contexto é evidenciada em muitos aspectos, ao

proporcionar novas possibilidades de relação, de resgate e constituição de outros modos e

vínculos no trabalho. Para Grisci e Lazzarotto (apud JACQUES, 2000) a realidade vivenciada

pelo trabalhador, a possibilidade do resgate da fala e a capacidade de escuta das experiências

do dia-a-dia do seu trabalho constituem a práxis do psicólogo dessa área. Nesse sentido, o

psicólogo se preocupa em entender e preparar o homem para o controle de suas próprias

mudanças (internas e externas), estando elas intimamente associadas à motivação, à

conscientização do significado do ato de produzir e a busca da melhoria da qualidade de vida.

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