Pesquisa FAPESP 217

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MARÇO DE 2014 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR AVES Mais de 200 espécies da mata atlântica estão ameaçadas de extinção MARéS LUNARES Ação gravitacional da Lua perturba a atmosfera da Terra SOFTWARE Produtos brasileiros ganham mercado externo NET-ATIVISMO Movimentos têm uma mesma fonte de inspiração formal Programa GOAmazon vai investigar como as nuvens se formam, crescem e quais geram precipitação na Amazônia Um oceano de chuvas

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Um oceano de chuvas

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março de 2014 www.revistapesquisa.fapesp.br

avesMais de 200 espécies da mata atlântica estão ameaçadas de extinção

marés lunaresAção gravitacional da Lua perturba a atmosfera da Terra

softwareProdutos brasileiros ganham mercado externo

net-ativismo Movimentos têm uma mesma fonte de inspiração formal

Programa GOAmazon vai investigar como as nuvens se

formam, crescem e quais geram precipitação na Amazônia

um oceano de chuvas

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2 | nonoonon DE 2013

o que a ciência

brasileira produz

você encontra

aqui

as reportagens da

Pesquisa faPesP retratam a construção do

conhecimento que será

fundamental para o

desenvolvimento do país.

acompanhe essa

evolução sem perder

nenhum movimento

w w w.re vistapesquisa .fapesp.br

léo

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mo

s

Page 3: Pesquisa FAPESP 217

PesQuisa faPesP 217 | 3

Alien marinhoo espécime com cara de alienígena de filme nada mais

é do que um verme marinho encontrado no canal

de são sebastião, no litoral de são paulo. ele pertence

à espécie Hesione picta e foi fotografado em laboratório

em um microscópio estereoscópico, utilizando a técnica

de campo escuro combinada com iluminação incidente.

a imagem ficou em terceiro lugar no concurso anual Nikon

small world em 2013 (www.nikonsmallworld.com). “minha

intenção era obter um bom registro fotográfico da espécie

para fins didáticos e de divulgação, mas também para que

eventualmente pudesse ser usada em guias de campo”,

diz o biólogo alvaro esteves migotto, do Centro de biologia

marinha da universidade de são paulo (Cebimar-usp).

fotolab

Foto enviada por Alvaro Esteves Migotto, do CEBIMar-USP

se você tiver uma imagem relacionada à sua pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 mb. seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

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4 | março DE 2014

CaPa16 Radar e sobrevoos detalham os mecanismos de formação de chuva e o efeito da poluição urbana sobre o clima da Amazônia

eNTreVISTa22 Luciana Vanni GattiQuímica do Ipen explica estudo sobre o balanço de carbono na Amazônia, trabalho que ganhou a capa da revista Nature

PolÍtiCa CientÍfiCa e teCnolÓGiCa

28 CooperaçãoFAPESP Week na Alemanha marca aproximação entre a FAPESP e a Max Planck Society

32 FármacosBase de dados de compostos químicos da biodiversidade brasileira ganha reconhecimento

CiÊnCia

36 ZoologiaNovo levantamento aponta a existência de 891 espécies de aves na mata atlântica

40 Nova espécie de ave é a primeira a ocorrer exclusivamente em áreasdo estado de São Paulo

42 especial Biota educação XPalestras do Ciclo de Conferências defendem importância dos serviços ecossistêmicos associados à biodiversidade

46 QuímicaMoléculas sintetizadas em laboratório imitam mecanismo de produção de energia das plantas

53 medicinaTeste avalia sensibilidade de células tumorais a medicamentos e o eventual retorno do câncer

56 Geofísica espacialForça gravitacional lunar causa perturbações na atmosfera da Terra

teCnoloGia

60 ComputaçãoEmpresas brasileiras de software se lançam no mercado internacional

66 CardiologiaParceria entre pesquisadores de universidades e a Braile desenvolve uma válvula para implante no coração

HumaniDaDes

70 SociedadeEstudo examina as formas de interação entre os net-ativistas, as redes digitais e a territorialidade

74 ComunicaçãoDois novos estudos, um da Unicamp e outro da Academia de Ciências da Bahia, ampliam a compreensão sobre a percepção pública da ciência no país

80 HistóriaProdução de casa editorial belga abasteceu de cultura e informação a península Ibérica e suas colônias

56

março n.217

36

seçÕes

3 fotolab5 Carta da editora6 Cartas7 on-line8 Dados e projetos9 boas práticas10 estratégias12 tecnociência84 memória86 arte90 ficção92 resenhas95 Carreiras97 Classificados

CaPa ©thomas hoepker /magNum photos

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Carta Da eDitora

a belíssima e docemente melancólica ima-gem que preenche a capa desta edição de Pesquisa FAPESP, construção do olhar

e da sensibilidade do fotógrafo alemão Thomas Hoepker (agência Magnum Photos), está ali para convidar o leitor a uma breve imersão em águas não poéticas, mas científicas: o empreendimento que atende pelo nome de Green Ocean Amazon ou simplesmente GOAmazon. Lançado oficialmen-te em 18 de fevereiro passado, este programa que tem apoio da FAPESP, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), do Departamento de Energia e da Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos, tem um or-çamento de R$ 24 milhões e mobiliza uma centena de pesquisadores brasileiros, norte-americanos e alemães no esforço de confirmar e detalhar os mecanismos de formação das chuvas nos céus do Brasil e o efeito da poluição de Manaus sobre o clima da Amazônia. Diga-se logo que entre uma região e outra do país, e mesmo no interior de uma dada região, são distintos os modos de acumulação de água e cristais de gelo nas nuvens que irão re-sultar em precipitação abundante. Vale a pena conhecer mais sobre isso pelas mãos seguras de Carlos Fioravanti, nosso editor especial e autor da reportagem de capa, a partir da página 16, cujo tex-to embebe-se de poesia quando pode, sem jamais abrir mão da informação jornalística rigorosa. As fotos eloquentes capturadas por ocasião do lan-çamento do GOAmazon são de Eduardo Cesar.

Não resisto à tentação de já contar aqui que o volume de chuva que cai sobre a bacia amazô-nica corresponde a um verdadeiro oceano (daí o “Green Ocean”). São 27 trilhões de toneladas de água por ano. “Em termos mais concretos, se a chuva se acumulasse em vez de escoar no solo, formaria uma lâmina d’água com uma espessura de 2,3 metros ao longo dos 6,1 milhões de quilô-metros quadrados da bacia amazônica, que se espalha pelo Brasil e por vários países vizinhos”, relata Fioravanti. Em nosso país inteiro, o volu-me médio anual da chuva alcança 14 trilhões de toneladas de água, número quase inimaginável

de tão formidável para quem vê pelas imagens da televisão as águas da represa de Atibainha baixa-rem além do limite mínimo de segurança neste começo de ano espantosamente quente e seco no Sudeste. Se acumulada, tanta água “formaria uma camada de 1,7 metro de altura cobrindo todo o país”, diz Fioravanti, levando-me involuntaria-mente à ficcional e inesquecível Buenos Aires alagada de El viaje, de Fernando Solanas.

Entre outras reportagens de grande relevân-cia desta edição, vou escolher para comentar no espaço aqui restante aquela que se refere a uma ampla pesquisa sobre o chamado net-ativismo. E o faço tomando em consideração o enorme desa-fio que representam, tanto para a nossa simples compreensão de cidadãos quanto para as elabo-rações mais refinadas no campo das humanida-des, as grandes mobilizações e manifestações de rua contemporâneas que se espalham por várias partes do mundo, sempre asseguradas pelas con-vocações via redes digitais sociais. O estudo em questão, liderado pelo professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP) Massimo Di Felice e com a participação de respeitados pen-sadores da comunicação de outros países, como Michel Maffesoli, oferece uma interpretação entre outras possíveis para o ativismo digital, depois de analisá-lo em três momentos distin-tos, dos anos 1990 até o presente, o que, portan-to, vai do movimento Cyberpunk, por exemplo, à Primavera árabe, ao Occupy Wall Street e às jornadas de junho no Brasil, em meio a muitos outros. Centrado fundamentalmente nas formas de interação entre os ativistas, redes digitais e territorialidade, e não nas diferentes motivações políticas dos movimentos, o estudo oferece duas pistas principais para se pensar esse fenômeno: o zapatismo como fonte de inspiração formal e a passagem da web 1.0 para a web 2.0 como chave real, digamos assim, infraestrutural, do boom desses movimentos tão amplos e diversos. Va-le a pena se deter um pouco, a partir da página 70, na reportagem da jornalista Juliana Sayuri. Boa leitura!

Fenômenos contemporâneosmariluce moura | Diretora De reDação

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6 | março DE 2014

manho natural de Lucy que está exposto na área externa do Catavento Cultural, foi criado em 2013. Foram sete meses de trabalho árduo. Parabéns mais uma vez pela ótima qualidade da revista. wallace Gomes

são paulo, sp

manguesGostei da reportagem “Rede de proteção”, da Maria Guimarães, com fotos do Léo Ramos, sobre o avanço dos manguezais ao longo da costa do Rio de Janeiro e outros locais no Brasil (edição 216). O relato das pesquisas que estão sendo conduzidas é bem interessante e nos atua liza sobre este aspecto da ecologia dos mangues. Na minha opinião, faltou falar algo sobre o impacto humano nas áreas de mangue-zais, especialmente sobre a acelerada expansão urbana e da malha viária. Em tempo, a foto no início da matéria mostra, no primeiro plano, caules de crescimento geotrópico positivo, e não raízes. Raízes aparecem na foto, mas elas são pequenas e saem de dentro do solo, no meio da ga-lharia. A professora Nanuza Menezes, do Departamento de Botânica da USP, demonstrou, através da anatomia, que aqueles órgãos da árvore do mangue que os livros didáticos chamam de raízes são, na verdade, caules que crescem em dire-ção ao solo, e não no sentido contrário, usual. Parabéns pelo trabalho!tarciso filgueiras, botânico

são paulo, sp

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua Joaquim antunes, 727, 10º andar - Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp. as cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

Cartas [email protected]

revistaParabéns pelos artigos publicados na re-vista Pesquisa FAPESP (edição 215). Sou estudioso de egiptologia e artista plástico. Fiquei encantado com a reportagem so-bre a sacerdotisa Sha-Amun-Em-SU (“O último ato da favorita do imperador”), só senti falta de uma foto completa de seu belíssimo esquife, que tive a oportunidade de visitar em 1991. Desenvolvo trabalhos artísticos voltados para estudos científi-cos, e apreciei muito o artigo sobre Augus-to Esteves (“Retratos fidedignos”). Muitos de meus clientes são pesquisadores do Instituto Butantan, inclusive o professor Osvaldo Sant’Anna, citado no texto. Crio modelos de serpentes para o Butantan há quase 17 anos e conheci os desenhos de Esteves por meio do professor Moisés Canter. A reportagem sobre a exposição Do macaco ao homem me encantou não só pelo texto impecável, mas pelas be-las fotos. Trabalhei durante dois anos na criação dos cinco bustos de hominí-deos que estão expostos. Foi um trabalho intenso, que exigiu muito de mim, pois nunca havia criado algo semelhante. O professor Walter Neves, muito exigente e uma pessoa formidável, me orientou de forma exemplar no processo de pesquisa e criação das obras. Já o modelo em ta-

Celso laferPrEsiDEntE

eDuarDo moaCyr kriegervicE-PrEsiDEntE

ConselHo suPerior

aleJaNDro szaNto De toleDo, Celso lafer, eDuarDo moaCyr krieger, ferNaNDo ferreira Costa, horáCio lafer piva, João graNDiNo roDas, maria José soares meNDes giaNNiNi, marilza vieira CuNha ruDge, José De souza martiNs, peDro luiz barreiros passos, suely vilela sampaio, yoshiaki NakaNo

ConselHo téCniCo-aDministrativo

José araNa varelaDirEtor PrEsiDEntE

Carlos heNrique De brito CruzDirEtor ciEntíFico

Joaquim J. De Camargo eNglerDirEtor aDministrativo

ConselHo eDitorialCarlos henrique de brito Cruz (Presidente), Caio túlio Costa, eugênio bucci, fernando reinach, José eduardo krieger, luiz Davidovich, marcelo knobel, marcelo leite, maria hermínia tavares de almeida, marisa lajolo, maurício tuffani, mônica teixeira

ComitÊ CientÍfiColuiz henrique lopes dos santos (Presidente), adolpho José melfi, Carlos eduardo Negrão, Douglas eduardo zampieri, eduardo Cesar leão marques, francisco antônio bezerra Coutinho, Joaquim J. de Camargo engler, José arana varela, José roberto de frança arruda, José roberto postali parra, lucio angnes, luis augusto barbosa Cortez, marcelo knobel, marie-anne van sluys, mário José abdalla saad, marta teresa da silva arretche, paula montero, roberto marcondes Cesar Júnior, sérgio luiz monteiro salles filho, sérgio robles reis queiroz, wagner do amaral Caradori, walter Colli

CoorDenaDor CientÍfiColuiz henrique lopes dos santos

Diretora De reDação mariluce moura

eDitor CHefe Neldson marcolin

eDitores fabrício marques (Política), marcos de oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); Carlos fioravanti e marcos pivetta (Editores espe ciais); bruno de pierro e Dinorah ereno (Editores assistentes)

revisão márcio guimarães de araújo, margô Negro

arte mayumi okuyama (Editora), ana paula Campos (Editora de infografia), maria Cecilia felli e alvaro felippe Jr. (Assistente)

fotÓGrafos eduardo Cesar, léo ramos

mÍDias eletrôniCas fabrício marques (Coordenador) internet Pesquisa FAPESP onlinemaria guimarães (Editora)Júlio Cesar barros (Editor assistente) rodrigo de oliveira andrade (Repórter)

ráDio Pesquisa Brasilbiancamaria binazzi (Produtora)

ColaboraDores abiuro, ana lima, alexandre affonso, Carlos alberto mattos, Carolina rossetti de toledo, Cláudia fazzolari, Daniel bueno, Daniel das Neves, eduardo kickhöfel, fabio otubo, Juliana sayuri, luana geiger, márcio ferrari, olival freire Jr., thiago barbalho, valter rodrigues, veridiana scarpelli, yuri vasconcelos

é ProibiDa a reProDução total ou ParCial De textos e fotos sem Prévia autorização

Para falar Com a reDação (11) [email protected]

Para anunCiar (11) 3087-4212 [email protected] assinar (11) 3087-4237 [email protected]

tiraGem 44.000 exemplaresimPressão plural indústria gráficaDistribuição DiNap

Gestão aDministrativa iNstituto uNiemp

PesQuisa faPesP rua Joaquim antunes, no 727, 10o andar, Cep 05415-012, pinheiros, são paulo-sp

faPesP rua pio Xi, no 1.500, Cep 05468-901, alto da lapa, são paulo-sp

seCretaria De DeseNvolvimeNto eCoNômiCo,

CiêNCia e teCNologia Governo Do estaDo De são Paulo

fuNDação De amparo à pesquisa Do estaDo De são paulo

issN 1519-8774

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PesQuisa faPesP 217 | 7

youtube.Com/user/pesquisafapesp

on-linEw w w . r e v i s t a p e s q u i s a . f a p e s p. b r

xNão basta delimitar reservas para preservar a vida marinha. um estudo ecológico que comparou 87 áreas protegidas do mundo todo indica que é preciso reunir pelo menos três dos fatores essenciais: a proibição à pesca, a imposição dessa proibição e a idade dessas áreas (com mais de 10 anos), seu tamanho (maior do que 100 quilômetros quadrados) e isolamento. o trabalho, publicado na revista Nature, tem participação da universidade federal do rio de Janeiro (ufrJ).

xum grupo de pesquisadores brasileiros e britânicos identificou uma nova espécie de crocodilo marinho que teria vivido no período Cretáceo superior (entre 99 e 65 milhões de anos atrás). a descrição, publicada na revista Zoological Journal of the Linnean Society, foi feita com base

num fóssil bem conservado do crânio e de parte da mandíbula do animal encontrado na região da baía de kimmerigde, inglaterra. segundo os pesquisadores, o Torvoneustes coryphaeus tinha patas em forma de nadadeiras e cauda semelhante à dos tubarões.

xum primata bem conhecido, adotado inclusive como animal de estimação em muitas regiões do brasil, o macaco-prego pode estar entre os responsáveis pela transmissão do vírus da raiva. é o que sugere um estudo publicado em dezembro na revista Virus Research. Nele, um grupo de pesquisadores brasileiros e japoneses relata ter identificado uma nova variante do vírus em um macaco- -prego no município de marcelândia, mato grosso. esta é a primeira vez que o vírus da raiva é detectado nesse primata.

Exclusivo no site

vídeo do mêsBrasileiros tentam decifrar, com ferramentas estatísticas, o manuscrito Voynich

nas redes

assista ao vídeo:

fôleGo no faCebook

evolução recente do número de seguidores do perfil de Pesquisa FAPESP na rede social

Henrique Guimarães rosa_ se as mulheres no mercado de trabalho são prejudicadas pela maternidade, as mulheres bolsistas são prejudicadas mais ainda. mas a fapesp sempre dando um passo a frente! (Licença-maternidade para bolsistas)

eivor martins Junior_ achei interessante, mas na minha opinião, a acupuntura faz a mesma coisa, só que com agulhas! (Energia para os neurônios)

Camila ribeiro_ galera de são paulo, não é todo dia que o max planck traz exposição para o brasil! ainda dá tempo! (Um túnel para o futuro)

beltrina Corte_ sempre fico curiosa para saber que critérios estas pesquisas usam. hoje nem direito à tristeza temos mais, pois já é depressão... (Pesquisa Brasil: estimulação elétrica pode tratar casos de depressão)

Clayton dos santos_ o homem-aranha não deve ter gostado nada da concorrência (Teias de laboratório)

25.000

20.000

15.000

agosto setembro outubro Novembro Dezembro JaNeiro

rádio

Pesquisador mostra soluções para problemas de saneamento básico

2013 2014

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8 | março DE 2014

DaDos E ProjEtos

temátiCosx llama: um radiotelescópio para ondas mm/sub-mm nos andes, em colaboração com a argentinaPesquisador responsável: Jacques raymond Daniel lepineinstituição: iag/uspProcesso: 2011/51676-9vigência: 01/12/2013 a 30/11/2017

xresíduos de medicamentos veterinários no ambientePesquisadora responsável: susanne rathinstituição: iq/unicampProcesso: 2013/09543-7vigência: 01/05/2014 a 30/04/2018

x associação de Prrs com receptores para mediadores lipídicos em macrófagos e células dendríticasPesquisadora responsável: sônia Jancarinstituição: iCb/uspProcesso: 2013/15719-0vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

x física de partículas e campos: modelo padrão e suas extensõesPesquisador responsável: adriano antonio Nataleinstituição: CCNh/ufabCProcesso: 2013/22079-8vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

x aspectos moleculares envolvidos no risco, desenvolvimento e progressão do carcinoma ductal de mama: busca de novos genes de susceptibilidade e

temátiCos e Jovem PesQuisaDor reCentesprojetos contratados em janeiro e fevereiro de 2014

investigação da progressão do carcinoma in situ e do papel da mutação em brCa1 no tumor triplo negativoPesquisadora responsável: Dirce maria Carraroinstituição: a.C. Camargo Cancer Center/fapProcesso: 2013/23277-8vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

x investigação sobre fatores e mecanismos do controle de expressão gênica em leishmania: do papel de modificações pós-traducionais, rnas não codificadores, Cis-elementos e amplificação gênicaPesquisadora responsável: angela kaysel Cruzinstituição: fm de ribeirão preto/uspProcesso: 2013/50219-9vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

Jovem PesQuisaDorxContribuição ao diagnóstico, à fisiopatologia e à terapêutica das neuronopatias sensitivasPesquisador responsável: marcondes Cavalcante frança Juniorinstituição: fCm/unicampProcesso: 2013/01766-7vigência: 01/12/2013 a 30/11/2017

x investigação da geração e propagação de ruído em configurações aerodinâmicas utilizando aeroacústica computacional

Pesquisador responsável: william roberto wolfinstituição: fem/unicampProcesso: 2013/03413-4vigência: 01/03/2014 a 28/02/2017

xmecanismos de ação dos ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 no processo de reparo tecidual: enfoque neuroimunológicoPesquisadora responsável: hosana gomes rodriguesinstituição: fCa/unicampProcesso: 2013/06810-4vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

xreclassificação e agregação de listas para tarefas de recuperação de imagensPesquisador responsável: Daniel Carlos guimarães pedronetteinstituição: igCe/unespProcesso: 2013/08645-0vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

xDesenvolvimento de um teste preditivo para medicação bem-sucedida e compreensão das bases moleculares da esquizofrenia através da proteômicaPesquisador responsável: Daniel martins de souzainstituição: ib/unicampProcesso: 2013/08711-3vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

x biologia celular e genética molecular

Desempenho comparado 2007-2011produção científica das 10 instituições com mais documentos indexados e a posição de algumas universidades brasileiras

de hemoparasitasPesquisador responsável: Daniel youssef bargieriinstituição: epm/unifespProcesso: 2013/13119-6vigência: 01/06/2014 a 31/05/2018

x análise estrutural de proteínas do capsídeo e de vlPs de circovírus suínos 2b mutantes implicados em diferentes efeitos patogênicos in vitro e in vivoPesquisador responsável: angelo José magroinstituição: reitoria/unespprocesso: 2013/14530-1vigência: 01/05/2014 a 30/04/2016

xo impacto evolutivo da reprodução sexual ao longo de 5 mil gerações de leveduras e sua aplicação na engenharia de linhagens tolerantes ao etanolPesquisador responsável: Jeferson grossinstituição: esalq/uspProcesso: 2013/15743-9vigência: 01/12/2013 a 30/11/2016

x estimativas a priori para complexos elíticos e aplicaçõesPesquisador responsável: tiago henrique piconinstituição: ffCl-rp/uspProcesso: 2013/17636-5vigência: 01/02/2014 a 31/01/2018

xDiversidade de estratégias ecofisiológicas em comunidades herbáceas de cerrado sensu stricto: um estudo de caso envolvendo distintas condições ambientaisPesquisador responsável: Davi rodrigo rossattoinstituição: fCav-Jaboticabal/unespProcesso: 2013/18049-6vigência: 01/02/2014 a 31/01/2017

CWr rr Cr Instituição País o %IC NI %Q1 Spec

1 1 1 universidade harvard eua 80.467 37,54 2,40 73,67 0,53

2 1 1 universidade de tóquio Japão 51.796 27,64 1,26 50,64 0,51

3 2 1 universidade de toronto Canadá 48.944 43,29 1,82 61,99 0,40

4 2 1 universidade tsinghua China 48.396 19,91 0,96 28,25 0,66

5 1 1 universidade de são paulo brasil 48.156 25,52 0,86 33,39 0,52

6 3 2 universidade de michigan, ann arbor eua 46.196 26,81 1,99 66,05 0,38

7 4 3 Johns hopkins university eua 45.069 32,09 2,13 68,77 0,57

8 5 4 university of California, los angeles eua 44.207 31,23 2,11 67,23 0,44

9 3 2 universidade zhejiang China 42.606 18,39 0,87 29,18 0,58

10 6 5 universidade de washington eua 42.462 28,65 2,10 67,54 0,44

135 3 2 universidade estadual de Campinas brasil 17.130 22,41 0,84 31,89 0,51

137 4 3 universidade estadual paulista Júlio de mesquita filho brasil 16.998 17,38 0,70 25,65 0,67

166 5 4 universidade federal do rio de Janeiro brasil 14.900 26,81 0,85 33,23 0,54

221 6 5 universidade federal do rio grande do sul brasil 12.386 24,29 0,81 30,16 0,49

262 8 6 universidade federal de minas gerais brasil 10.810 24,14 0,84 31,19 0,56

311 9 7 universidade federal de são paulo brasil 9.461 19,98 0,87 34,76 0,78

456 12 8 universidade federal de santa Catarina brasil 6.729 24,31 0,75 29,23 0,59

503 15 9 universidade federal do paraná brasil 6.048 22,07 0,66 25,38 0,60

546 17 10 universidade federal de pernambuco brasil 5.429 23,58 0,72 25,20 0,54

Cwr: posição relativa no mundo ordenada pelo número de documentos indexados de cada instituição (o); rr: posição relativa na região ordenada por o; Cr: posição relativa no país, ordenada por o; o: número total de artigos publicados em revistas acadêmicas indexadas em scopus; % iC, Colaboração internacional: porcentagem de produção que a instituição publicou em colaboração com instituições no exterior; ni, impacto Normalizado: calculado usando metodologia estabelecida pelo instituto karolinska, suécia. os valores (em % ) mostram as relações entre o impacto científico médio de uma instituição e da média mundial. uma pontuação de 0,8 da instituição significa que os documentos são citados 20% abaixo da média mundial e um valor de 1,3 significa que os documentos da instituição são citados 30% mais que a média mundial. % Q1, publicações de alta qualidade: é a relação de documentos publicados por uma instituição nas revistas mais influentes do mundo; spec, Índice de especialização: indica o grau de concentração ou dispersão da produção científica temática de uma instituição. a faixa de valores entre 0 e 1, indicando as instituições gerais ou especializadas, respectivamente . fonte sCimago, documentos indexados 2007 - 2011

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proteção a quem denuncia

plágio em livros

Boas Práticas

Um episódio recente relacionado a uma conhecida fraude científica – a falsa clonagem humana alardeada pelo sul-coreano Woo-Suk Hwang há cerca de 10 anos – suscitou uma discussão sobre a falta de proteção a pesquisadores que denunciam casos de má conduta, principalmente quando ocupam funções subalternas. Em entrevista à revista Nature, o médico Young-Joon Ryu revelou ter sido o responsável pelo início da investigação que comprovou a fraude de Hwang. A delação, segundo disse, rendeu-lhe ameaças – teve de se esconder com a família por seis meses – e o obrigou a deixar o emprego. Ryu, hoje pesquisador da Kangwon National University, na Coreia, trabalhou durante dois anos no laboratório de Hwang, na Seoul National University, e chegou a liderar uma equipe responsável pelas pesquisas com células-tronco. Em abril de 2004, antes de Hwang publicar o primeiro artigo fraudulento, Ryu saiu do laboratório para trabalhar no Korea Cancer Centre Hospital. Segundo seu relato, estava descontente com o baixo potencial de aplicação das pesquisas em células-tronco naquele momento. Ficou bastante surpreso quando o grupo de Hwang anunciou ter obtido 11 linhas de células-tronco embrionárias em um curto período de tempo. “Eu sabia o quanto aquilo era difícil. Era algo ilógico”, relembrou. Em seguida, soube que Hwang preparava um procedimento clínico com um paciente de 10 anos de idade com lesão na medula espinhal. Segundo Ryu, Hwang havia prometido à criança que ela voltaria a andar. “Fiquei furioso com aquilo”, disse Ryu. Sem provas concretas e temeroso de que sua identidade pudesse ser revelada, Ryu não

recorreu à universidade nem tampouco à polícia. Em vez disso, enviou um e-mail para uma rede de televisão coreana, recomendando uma investigação. Quando a primeira reportagem sobre a fraude foi ao ar, Hwang soube que o ex-subordinado era o autor das denúncias. Ryu diz que, após isso, seu blog foi hackeado. Ele e sua mulher passaram a receber ameaças e saíram de circulação até que ele pudesse arranjar um emprego em outro lugar. Em dezembro passado, Ryu decidiu contar sua história em um blog. O episódio revela os riscos que ainda envolvem a denúncia de casos de má conduta, disse à Nature Bernd Pulverer, chefe de publicações científica da European Molecular Biology Organization, em Heidelberg, na Alemanha. O caso Hwang, afirma Pukverer,

Lewis Wolpert, biólogo da University College, de Londres, admitiu ter incluído, sem citar as fontes, trechos de artigos de outros autores em suas obras mais recentes. Em You’re looking very well, livro sobre implicações do envelhecimento da população, lançado em 2011, foram identificadas mais de 20 passagens extraídas de artigos acadêmicos e sites, como a Wikipedia, sem indicação de que elas foram escritas por outros autores. O livro foi retirado do mercado pela própria editora, a Faber & Faber. Partes da obra foram copiadas do artigo “Evolutionary theories of aging and longevity”, de Leonid Gavrilov e Natalia Gavrilova, publicado no periódico The Scientific World em 2002. Ao

jornal inglês The Guardian, os autores plagiados disseram que ficaram contentes ao saber que alguns trechos do paper foram publicados no livro de Wolpert. “Mas ficaríamos mais felizes se nosso artigo fosse referenciado”, ressaltaram. Em nota, Wolpert reconheceu o erro e o atribuiu a um “descuido”. A investigação começou em abril passado, depois que a Faber & Faber cancelou o lançamento de um novo livro de Wolpert ao identificar plágio em trechos da obra. Na ocasião, a editora divulgou uma nota sugerindo que a idade de Wolpert (84 anos) possa ter contribuído para a falha. Procurada para comentar o plágio descoberto também no livro de 2011, a Faber & Faber não quis se pronunciar.

mostra como muito ainda precisa ser aperfeiçoado em relação à proteção de quem denuncia fraudes e ao encorajamento de delações construtivas – assuntos ainda pouco abordados nas instituições científicas.

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Estratégias

ganhador do prêmio álvaro alberto

metade dos pesquisadores que trabalham em universidades e empresas da suíça são estrangeiros. a vida deles promete ficar complicada, agora que eleitores suíços decidiram limitar a entrada de cidadãos de países da união europeia (ue) em seu mercado de trabalho. aprovado por pequena margem de votos, o referendo foi sugerido pelo partido de direita união Democrática de Centro (uDC) e estabelece um sistema de cotas para a entrada de estrangeiros. embora não faça parte da ue, a suíça mantém acordos com o bloco e se tornou parceiro fundamental em programas de pesquisa, como o horizon 2020, lançado em janeiro. o programa disponibilizará € 80

o bioquímico walter Colli, 74 anos, do instituto de química da universidade de são paulo (iq-usp), é o vencedor do prêmio almirante álvaro alberto de 2013. “é considerado o maior prêmio de ciência e tecnologia do brasil”, disse o pesquisador, que declara ter sido surpreendido pelo telefonema do ministro da Ciência, tecnologia e inovação, marco antonio raupp, com a notícia. Colli é colaborador sênior do iq-usp, foi presidente da Comissão técnica Nacional de biossegurança (CtNbio) entre 2006 e 2009 e é coordenador adjunto da fapesp em Ciências da vida desde 2003, entre outras funções de destaque. graduado em medicina pela usp em 1962, ele se especializou em bioquímica e biologia molecular e investigou

a interação entre o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, e sua célula hospedeira. Depois da aposentadoria no iq-usp em 2009, manteve seu escritório e continua a colaborar com a pesquisa do laboratório de bioquímica de parasitas, criado por ele, agora chefiado pela bioquímica maria Júlia manso alves. a distinção é concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq), em parceria com a fundação Conrado wessel e a marinha do brasil, e reconhece pesquisadores pela contribuição ao longo da carreira para o progresso de sua área. a cerimônia de premiação – que inclui diploma, medalha e r$ 200 mil – acontece em brasília em outubro, durante a semana Nacional de Ciência e tecnologia.

Cotas para estrangeiros

propaganda do referendo: mercado de trabalho na suíça ficou restrito

bilhões nos próximos seis anos para pesquisas em áreas como biotecnologia, saúde e transporte. Desse total, € 3,5 bilhões seriam bancados pela suíça, mas a parceria poderá ser desfeita. isso porque o resultado do referendo fere um acordo bilateral de livre circulação de pessoas que permite a cidadãos da suíça e da união europeia trabalharem e viverem em qualquer um dos 28 países do bloco e várias nações associadas. logo após o resultado do referendo, os negociadores da ue cancelaram uma reunião com suíços a respeito do horizon 2020. pesquisadores estrangeiros ainda poderão participar do horizon 2020, mas deverão ser impedidos de receber bolsas do Conselho europeu de pesquisa.

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o bioquímico walter Colli: maior distinção da ciência e da tecnologia do brasil1

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a FaPeSP e a Universidade de michigan, estados Unidos, anunciaram uma nova chamada de propostas para intercâmbio de pesquisadores e de bolsistas de dou-torado no âmbito do acordo de coope-ração científica entre as instituições. a chamada está aberta a propostas de pesquisa em medicina, ciências da saúde, ciências humanas e sociais, artes, ciências naturais, recursos naturais e meio am-biente, engenharia, cinesiologia e ciências da informação. a Fundação e a universi-dade norte-americana financiarão, cada uma, o equivalente a até US$ 10 mil por proposta selecionada por ano, para cobrir despesas de mobilidade. No estado de São Paulo, podem submeter propostas pesquisadores responsáveis por auxílios à pesquisa FaPeSP vigentes, nas moda-

lidades auxílio à Pesquisa – regular, Projeto Temático, ou nos programas Jo-vens Pesquisadores em Centros emer-gentes, Centros de Pesquisa, Inovação e difusão (Cepid), Programa de melhoria do ensino Público, Programa de Pesqui-sa em Políticas Públicas e Programa de apoio à Pesquisa em Parceria para Ino-vação Tecnológica (Pite). Pesquisadores Principais de Projetos Temáticos, Cepids e Pites vigentes também podem subme-ter propostas. Pela Universidade de mi-chigan, a chamada está aberta a profes-sores assistentes, associados ou titulares, pesquisadores e cientistas ou membros do corpo clínico envolvidos em pesquisa. a duração máxima de cada projeto é de 24 meses. a data limite para apresenta-ção de propostas é 1º de abril de 2014.

scielo no topo do ranking

a biblioteca eletrônica scielo brasil está em primeiro lugar na categoria top portals na nova edição do ranking web of world repositories, posição que ocupa desde 2011. atualizado semestralmente pelo Conselho superior de investigação Científica (CsiC) da espanha, desde 2008, o ranking reúne portais de publicações científicas de acesso livre e gratuito, destacando os de maior presença e impacto na web. o scielo é um programa da fapesp criado em 1998 e conta com o apoio do Centro latino-americano e do Caribe de informação em Ciências da saúde (bireme) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNpq). “ao longo de seus quase 16 anos, a scielo brasil vem acumulando uma coleção científica notável – boa parte da melhor ciência publicada no país nesse período”, afirmou abel packer, diretor do programa scielo, à Agência FAPESP. entre os indicadores considerados na construção da lista top portals, packer destaca o da visibilidade (calculado a partir do número de links externos que apontam para cada repositório), ponto mais forte da coleção brasileira.

representação do observatório plato: em órbita em 2024

intercâmbio com universidade de michigan

para encontrar planetas

a agência espacial europeia (esa, na sigla em inglês) anunciou que pretende colocar em órbita em 2024 um novo observatório com o objetivo de encontrar planetas fora do sistema solar – os chamados exoplanetas. batizada de plato (sigla para planetary transits and oscillations of stars), a missão foi selecionada pelo comitê científico da esa como parte do programa Cosmic vision 2015-2025. o observatório irá monitorar estrelas brilhantes, em busca de planetas com tamanho

igual ou superior ao da terra. Cientistas brasileiros de algumas das principais universidades do país, entre elas a universidade de são paulo (usp), universidade mackenzie, as universidades federais do rio grande do Norte (ufrN), do rio de Janeiro (ufrJ) e de minas gerais (ufmg), participarão do projeto. eduardo Janot pacheco, professor do instituto de astronomia, geofísica e Ciências atmosféricas (iag) da usp, é responsável pelo Comitê plato no brasil. equipado com uma série de 32 telescópios

e 3 câmeras, o observatório plato é a mais recente de uma série de missões exoplanetárias. após o seu lançamento em 2009, kepler, o “caçador de planetas” da agência espacial americana (Nasa), detectou mais de 3 mil candidatos a exoplanetas.

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de silício e prata, o nanomaterial acelera a velocidade das piscadas da molécula em 76 vezes e aumenta o seu brilho em 80 vezes. Segundo o pesquisador, a luz nas cores azul e verde tem menor índice de absorção pela água, o que permitirá a comunicação em mar aberto a distâncias mais longas do que as realizadas atualmente. Dessa forma, a informação poderá ser enviada via canais ópticos entre navios e submarinos, por exemplo, ou entre submarinos e mergulhadores. Se tudo der certo, o sistema poderá substituir ainda as comunicações acústicas submarinas usadas a curtas distâncias e limitadas pelas baixas taxas de transmissão de dados.

Controlar uma frota de robôs para que eles possam não apenas atuar sozinhos, cada um por si, como também em grupo de forma autônoma é uma das tarefas propostas por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade do Sul da Califórnia, dos Estados Unidos. É um novo sistema que conecta os programas de controle existentes para que sistemas multiagentes, com vários robôs, possam colaborar em situações muito complexas. A colaboração deve ocorrer em situações de incertezas quando um link de comunicação cai, ou um determinado algoritmo, de forma inadvertida, dirige um

frota de robôs sob controle

robô para um beco sem saída. O sistema vai servir para corrigir automaticamente essas situações e garantir que a combinação de programas possa produzir os melhores resultados possíveis, dada a incerteza do ambiente. Os pesquisadores do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência da Computação do MIT estão testando o novo sistema em uma aplicação de armazenamento, onde equipes de robôs recuperam objetos arbitrários em locais indeterminados simulando uma situação de transporte de cargas pesadas. Eles querem que o sistema governe o comportamento dos robôs e acumule dados estatísticos.

tEcnociênciaComunicação submarina

Pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, desenvolveram uma nova tecnologia de LED piscante em alta velocidade nas cores azul e verde que poderá contribuir para a comunicação óptica submarina com grande largura de banda. Em artigo publicado na Nature Nanotechnology de janeiro, o grupo de pesquisa coordenado pelo professor Zhaowei Liu relatou que um metamaterial, um material criado artificialmente e sem similar na natureza, aumentou o brilho de uma molécula orgânica utilizada como base para a construção de OLEDs – os diodos emissores de luz orgânicos. Formado por camadas

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metamaterial acelera a velocidade de leDs em 76 vezes e o brilho em 80 vezes

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migrações gravadas nos genes

eventos históricos como comércio, in-vasões, migrações e escravatura são fontes de miscigenação entre os povos e deixam cicatrizes genéticas. Pensando nisso, um grupo de pesquisadores do reino Unido e da alemanha conseguiu desenvolver um método estatístico que se utiliza das informações contidas nos fragmentos de dNa típicos de cada po-pulação. esses fragmentos se tornam cada vez menores com o passar das gerações, por causa da recombinação

entre os materiais genéticos de origem paterna e materna, o que permite acres-centar uma estimativa de tempo à ge-nealogia traçada com base nesses tre-chos. a técnica permitiu a construção de um atlas da história da miscigenação humana, disponível no site http://www.admixturemap.paintmychromosomes.com/. Por volta de uma centena de even-tos ocorridos nos últimos 4 mil anos encontra explicação nos registros his-tóricos, enquanto muitos outros ainda

a fauna do cafezal

Limpar uma área para o plantio exclusivo de café não é uma boa ideia, segundo estudo da Universidade de Würzburg, Alemanha. Os pesquisadores avaliaram a influência de outras plantas e de animais sobre a quantidade e a qualidade (tamanho) dos frutos do cafezeiro em três tipos de plantação: jardins; cafezais plantados à sombra; e cafezais formados por uma variedade que tolera o sol e resiste a fungos, comum na Tanzânia. Em cada ambiente, o estudo comparou a produção de pés de café

visitados por pássaros, morcegos, insetos polinizadores com a de outros aos quais alguns desses animais não tinham acesso. Em todos os casos, os animais favoreceram a produção do café. Na presença de aves e morcegos a produção cresceu 10%, provavelmente porque os bichos consomem os insetos que atacariam as plantas. Quando abelhas e outros polinizadores estão presentes, os frutos são 7% mais pesados (Proceedings of the Royal Society B, 5 de fevereiro).

em baixas temperaturas

Um sensor compacto, com poucos milímetros de área, se mostrou capaz de detectar concentrações residuais de gás hidrogênio entre 10 e 1.000 partes por milhão. Isso o torna útil no diagnóstico de falhas em transformadores de alta-tensão e na detecção de vazamentos em salas limpas, controladas para manufatura de produtos, além de câmaras refrigeradas. Ele está em fase de protótipo e já atraiu empresas interessadas em produzi-lo. O desenvolvimento foi feito no âmbito do Instituto Nacional

de Ciência e Tecnologia de Sistemas Micro e Nanoeletrônicos (INCT Namitec). “O grau de integração dos componentes, o tamanho compacto e a operação a temperaturas mais baixas em comparação com os sensores comerciais são as principais inovações”, diz o professor Sebastião Gomes dos Santos Filho, da USP, um dos coordenadores do projeto. O dispositivo funciona sobre uma base aquecida a 100ºC – os comerciais trabalham com temperaturas de cerca de 400ºC e gastam por isso mais energia.

precisam ser investigados. Um exemplo é a entrada de dNa africano em popu-lações do sul do mediterrâneo e do oriente médio entre os anos 650 e 1900, o que pode coincidir com o tráfico de escravos iniciado no século VII. estão no mapa as tribos Suruí e Karitiana, de rondônia, nas quais não foram detec-tados indícios fortes de miscigenação. o trabalho, publicado na revista Scien-ce em 14 de fevereiro, fornece uma nova fonte de informação para historiadores.

Cafezal na tanzânia: animais consomem insetos que atacam plantasfo

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vacina brasileira contra o hiv

Testes preliminares de uma possível vacina brasileira contra o HIV, feitos com macacos rhesus no Instituto Butantan, apresentaram resultados melhores do que o esperado. A resposta imunológica dos primatas foi de 5 a 10 vezes mais intensa do que a registrada em camundongos, segundo o médico Edecio Cunha Neto, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenador do estudo. A vacina desenvolvida pelo grupo de Cunha Neto contém 18 fragmentos do vírus da Aids. A intenção dos pesquisadores é usar esses fragmentos para despertar o sistema imunológico contra o HIV. “É como se estivéssemos ajudando o sistema imune a conseguir identificar o vírus logo que ele entra no organismo”, explica.

Os pesquisadores aplicaram nos macacos três doses da vacina – uma a cada 15 dias – e viram que o sistema de defesa dos animais, mais semelhante ao humano, apresentou forte resposta. “Fizemos testes para calcular o número de células ativadas em resposta à vacina”, conta. Já no primeiro experimento com os macacos 3,2 mil células de defesa em cada milhão se tornaram ativas contra o HIV. Em 40 testes feitos com camundongos, o melhor resultado foi a ativação de 330 células em cada milhão. Os resultados animadores reacendem a esperança de que, após várias tentativas internacionais frustradas, que consumiram bilhões de dólares, se consiga um imunizante eficaz e seguro contra o HIV.

híbrido gera energia

Um equipamento híbrido entre célula solar e célula a combustível poderá ser uma opção para geração de energia elétrica a partir de um amplo cardápio de biomassa, como madeira em pó, amido, celulose e lignina encontrados nos vegetais, algas e resíduos do processamento de aves. Um protótipo desse dispositivo foi criado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia (Georgia Tech), nos Estados Unidos, sob a coordenação do professor Yulin Deng. A biomassa é moída e misturada com polioxometalato (POM), uma substância química que funciona como catalisador. Em seguida esse material é exposto à luz do sol ou calor. O POM libera os elétrons da biomassa na presença da radiação térmica e os leva para um dos lados da célula a combustível

formada por um conjunto de placas metálicas e de polímero. Ao chegar no lado posterior, os elétrons encontram oxigênio e passam para um circuito externo da célula a combustível, gerando eletricidade. O dispositivo pode ser utilizado em equipamentos eletrônicos de pequeno porte em países em desenvolvimento, além de fornecer energia em escalas maiores quando quantidades significativas de biomassa estão disponíveis. Simplesmente misturar restos de vegetais ou qualquer matéria-prima ligada ao experimento com o catalisador não resulta em reação química para geração de eletricidade. Apenas quando expostos a luz solar ou a calor é que a reação acontece. Um artigo com a pesquisa foi publicado na revista Nature Communications, de 7 de fevereiro.

Catalisadores líquidos e madeira: ingredientes são opção para produzir eletricidade

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macaco rhesus: vacina do butatan aumentou de 5 a 10 vezes a resposta imunológica no primata

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Depressão, uma doença inflamatória?

Estão se acumulando indicações de que a depressão poderia ser consequência de desajustes no sistema de defesa do organismo. Desse modo, uma inflamação poderia precipitar o surgimento e agir como um fator de continuidade da doença. Com base nessa possibilidade, acredita-se que, se forem encontradas uma ou várias moléculas que possam servir como marcadores da depressão, seria possível prever a evolução da depressão e melhorar a resposta aos tratamentos. 

Ao estudar os níveis de proteínas no sangue de pessoas com depressão tratadas em um hospital de Munique, na Alemanha, o biólogo brasileiro Daniel Martins de Souza verificou que o fibrinogênio, proteína essencial para a coagulação do sangue, apresentou-se em níveis mais altos nos pacientes que não responderam à medicação, em comparação com os que responderam.  “Encontramos um candidato a marcador para a resposta ao uso de antidepressivos”, diz Souza, de volta

Cubo mágico com novas funções

Uma versão eletrônica do cubo mágico, conhecido quebra-cabeça tridimensional, com recursos sonoros e que permite ao usuário acionar as funções de autoemba-ralhamento e automontagem, foi criada por pesquisadores da Universidade esta-dual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira. as cores das peças são formadas pela luz emitida por Leds (diodos emissores de luz), em vez de adesivos ou tinta. esses Leds fazem parte de um circuito eletrô-nico e podem assumir qualquer cor. “Quan-do o usuário consegue montar o cubo, o software gera efeitos sonoros e visuais que aparecem em um display”, diz Pedro Ferreira mamede, que concebeu a inova-ção durante a graduação em engenharia elétrica, orientado pelo professor alexan-dre César rodrigues da Silva. Informações sobre o jogo, como número de movimen-tos executados para a sua montagem, quantidade de tentativas e tempo gasto para a tarefa também podem ser visuali-

zados e formam uma espécie de banco de dados com o histórico do quebra-ca-beça. “a ideia foi transformar o brinque-do em uma espécie de videogame.” duas funções se destacam: a de aprendizado, em que o software interage com o usuário para ensinar métodos básicos e avançados de montagem, e a de salvamento de dados do jogo, como em um programa de com-putador. a nova versão eletrônica, que está em fase de protótipo, possui um me-canismo de movimentação similar à dos cubos mágicos comuns. “os eletrônicos que estão no mercado são fixos e simulam os movimentos por meio de botões ou pelo toque”, diz mamede.

leDs, videogame e som em quebra-cabeça eletrônico da unesp

movimento energético

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Recarregar o celular sem uso de fios e tomadas. Um sonho de muitos usuários que se tornou real, pelo menos nos laboratórios das universidades de Wisconsin-Madison e de Minnesota Duluth, nos Estados Unidos, além da Universidade Sun Yat-Sem, da China. A equipe incorporou a um smartphone uma camada de nanogeradores capazes de captar e converter em eletricidade a vibração de uma superfície como um banco de carro em movimento. Chamado de nanogerador piezoelétrico mesoporoso, a novidade foi mostrada em um artigo da revista Advanced Materials (27 de janeiro). É piezoelétrico porque gera energia elétrica por meio de força mecânica e mesoporoso em decorrência dos poros do material que absorvem mais eficientemente as vibrações. O nanogerador tem a forma de película transparente. É aplicado na tampa traseira do aparelho e produz energia para alimentar as baterias.

ao Brasil para dar aulas na Unicamp. “Como dois terços dos pacientes não respondem às primeiras tentativas de tratamento, seria ótimo identificar os que têm níveis altos de fibrinogênio e pensar em terapias alternativas.” Em um estudo a ser publicado na Translational Psychiatry, Souza e seus colegas da Alemanha e do Brasil lembram que até mesmo a aspirina, por inibir a ação do fibrinogênio, poderia ser cogitada como um medicamento complementar para tratar a depressão.

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CaPa

radares e sobrevoos detalham os mecanismos

de formação de chuva e o efeito da poluição

urbana sobre o clima da amazônia

teXto Carlos fioravanti, de manaus

fotos eduardo Cesar

um oceano nos ares

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aqui em Manaus e por esta vasta região Norte chove muito o ano todo, mas as chuvas são diferentes. No início do ano – fevereiro e março – chove quase todo dia, com poucos relâmpagos, e o aguaceiro lava a floresta e as cidades durante horas seguidas. Já no final do ano – de setembro a novembro – as tempestades

são mais intensas, com muitos relâmpagos, acordando medos atávicos, e as chuvas são localizadas e mais breves. Para confirmar e detalhar os meca-nismos de formação da chuva – diferente em cada região do país e mesmo dentro de uma mesma região – e o efeito da poluição de Manaus sobre o clima da Amazônia, um grupo de 100 pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos e da Alemanha começou a escrutinar o céu da região de Manaus com radares e aviões, por meio do programa Green OceanAmazon (GOAmazon). Lançado oficialmente no dia 18 de fevereiro em Manaus, o GOAmazon conta com orçamento de R$ 24 milhões e apoio financeiro da FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e Departamen-to de Energia e Fundação Nacional de Ciência (NSF) dos Estados Unidos.

A expressão green ocean nasceu em 1999, na primeira grande campa-nha do programa Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA). Sobrevoando a floresta de Ji-Paraná, em Rondônia, os pesquisadores – muitos deles integrantes deste novo programa – nota-ram que as nuvens não se comportavam como o esperado. Nessa região da Amazônia já próxima à Bolívia, imaginava-se que as nuvens tivessem até 20 quilômetros (km) de altura e apresentassem alta concentração de material particulado e de gotas pequenas de chuva, características das chamadas nuvens continentais. Em vez disso, elas tinham características

o mundo das águas: nuvens escuras cobrem o rio Negro e manaus no dia 18 de fevereiro de 2014, antecipando mais uma chuva amazônica

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nuvens formadoras de chuvaos três tipos principais ocorrem em todas as regiões estudadas, em diferentes proporções

as águas do céu do brasilComposição, formato e altitude das nuvens variam por região

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norteNo verão predominam nuvens

estratiformes e convectivas e as

chuvas são de longa duração, com

poucos relâmpagos. Na primavera,

tempestades mais intensas, com

muitos relâmpagos, e chuvas

localizadas e mais breves

norDesteNuvens quentes,

com topo abaixo

da isoterma de

0oC, e convectivas

e estratiformes

com poucas

descargas elétricas

suDesteNuvens com topos acima de

12 km, água líquida a até -20ºC

misturada com gelo. maior

incidência de descargas elétricas

sulNuvens similares às do

sudeste, mas em grandes

grupos e com mais granizo

e organizadas de forma

circular, com centenas de

quilômetros de extensão

Pontos de coleta de informações do Projeto Chuva

manaus belém alcântara fortaleza vale do paraíba santa maria

1,5 km

4 km

7 km

15 km

isoterma de 0ºC

Quente

predomínio de gotas grandes em baixa concentração

estratiforme

predomínio de gotas pequenas. a precipitação depende da concentração do gelo que derrete

ConveCtiva

mais profunda, com diversos tipos de gelo (graupel, colunar, dendrito-neve etc.)

Gotas de chuva

Cristais de gelo0ºC

0ºC

zona de convergência intertropical

frente fria

nuvens Quentes – mais poluição, menos chuva

ar poluído: gotas pequenas, chuva fraca

ar limpo: gotas grandes, chuvas fortes

Cargas positivas aumentam com a altura e a extensão do topo das nuvens

Cargas negativas permanecem na mesma altura

PouCas DesCarGasmais cristais dendritos, nuvens mais baixas

muitas DesCarGasmais cristais colunares e graupel, gotas acima de 0ºC, nuvens mais altas e mais granizo

DesCarGas moDeraDasaumenta a quantidade de cristais e aparecem graupel e água acima de 0ºC (supercongelada)

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Cristal graupel

Cristal colunar

Cristal dendrito

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a origem dos raiosas descargas elétricas são mais comuns em nuvens com uma diversidade maior de cristais de gelo e água supercongelada

Nas nuvens convectivas, o efeito da poluição pode ser oposto

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PesQuisa faPesP 217 | 19

das nuvens oceânicas, com pouco material par-ticulado, de formação mais rápida e topos relati-vamente baixos, como em áreas oceânicas – era um oceano, não azul, mas verde, por estar sobre a floresta. Antonio Manzi, pesquisador do Insti-tuto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que participou daquela e de outras expedições do LBA e agora integra o GOAmazon, lembra-se de que foi também em 1999 que verificaram que as chamadas nuvens quentes, que não formam cristais de gelo, eram as predominantes na re-gião – um fato inesperado em áreas continentais.

O volume de chuva que cai sobre a bacia ama-zônica equivale a um oceano. Segundo Manzi, são em média 27 trilhões de toneladas de água por ano. Em termos mais concretos, a chuva, se se acumulasse em vez de escoar no solo, forma-ria uma lâmina d’água com uma espessura de 2,3 metros ao longo dos 6,1 milhões de quilômetros quadrados da bacia amazônica, que se espalha pelo Brasil e por vários países vizinhos. Luiz Augusto Machado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), calculou o volume médio da água de chuva em todo o país: são 14 trilhões de toneladas por ano. Caso se acumulas-se, essa água da chuva formaria uma camada de 1,7 metro de altura cobrindo todo o país. Machado é também o coordenador do Projeto Chuva, que integra o GOAmazon e fará agora em Manaus a última etapa de um levantamento sobre os tipos e distribuição de nuvens de chuva no Brasil.

Ainda não está claro como esse oceano aéreo se forma. “As nuvens podem ou não gerar chuva”, diz Gilberto Fisch, do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), de São José dos Campos, e pes-quisador do Projeto Chuva. “Costuma-se dizer que, quando há vapor-d’água, a chuva se forma e cai, mas não é bem assim.” A maioria das go-tículas que formam as nuvens, com dezenas de micrômetros de diâmetro, se dispersa na forma de vapor. Só uma minoria consegue ganhar vo-lume e se transformar em gotas com diâmetro de 1 a 5 milímetros e cair, por ação da gravidade. Entender como as nuvens se formam e crescem e em quais a chuva efetivamente se forma é uma das metas da equipe do GOAmazon.

Em um dos locais de coleta de informações, no município de Manacapuru, 80 km a oeste de Manaus, 120 equipamentos estão funcionando dia e noite – alguns expostos, outros no interior de 15 contêineres – para levantar informações sobre o clima na região, com o reforço dos ba-lões meteorológicos, soltados a cada seis horas. Sobre um dos contêineres está um radar com alcance de 100 km que examina o formato e a constituição de nuvens formadoras de chuva e, desde 2010, fez o mesmo serviço em outras cida-des brasileiras. As informações apuradas sobre as nuvens serão confrontadas com as do satélite

GPM, que deve ser lançado em 27 de fevereiro do Japão e permane-cer em uma órbita de 400 km de altura, enviando informações so-bre as nuvens de chuva em quase todo o planeta. “O GPM vai passar duas vezes por dia sobre Manaus, complementando nossas informa-ções”, diz Machado.

Um avião de pesquisa vindo dos Estados Unidos chegou a Manaus no dia 16 de fevereiro com a pre-visão de começar a voar nos dias seguintes para examinar direta-mente os tipos de cristais de gelo do interior das nuvens e os teo-res de gás carbônico (CO2) e ma-terial particulado. O avião norte--americano e outro da Alemanha devem sobrevoar a cidade e a flo-resta em setembro para medir as eventuais alterações do clima na estação seca.

Os experimentos, previstos para terminarem em dezembro de 2015, devem resul-tar em previsões meteorológicas de curto prazo (duas horas) e modelos computacionais de cir-culação atmosférica mais apurados. Em algumas regiões do país o monitoramento do volume de chuvas, dependente de satélites meteorológicos, ainda é muito impreciso, adiando as medidas de alerta que poderiam salvar vidas antes de as chu-vas fortes chegarem.

uma metrÓPole na florestaCom forte base industrial,  uma frota de 700 mil veículos e quase 2 milhões de habitantes, Manaus, capital do estado do Amazonas, é a maior metró-pole tropical do mundo cercada por centenas de quilômetros de floresta. Como a pluma de poluentes produzida por essa megacidade no centro da Amazônia altera o ciclo de vida dos aerossóis e das nuvens em áreas de mata preservada e como esses elementos interagem na atmosfera e provocam mais ou menos chuvas na região?

Essas são as questões centrais que o experi-mento internacional GOAmazon tentará respon-der nos próximos anos. Um conjunto detalhado de medidas sobre aerossóis, gases traço (gás car-bônico, metano e outros) e nuvens será realizado em seis diferentes sítios. Três se encontram a les-te, antes de o vento passar por Manaus, e, portan-to, sua atmosfera ainda não foi contaminada pela pluma de poluição da capital. Um quarto posto de medição será na própria metrópole e os dois últimos se situam em Iranduba e Manacapuru, a oeste, onde a atmosfera já carrega a influência dos poluentes emitidos em Manaus.

se a água de chuva se acumulasse, em um ano formaria uma camada de 1,7 metro cobrindo todo o país

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“Não há outra cidade com uma situa-ção similar à da capital do Amazonas”, afirma Paulo Artaxo, coordenador de projeto temático ligado ao GOAmazon. “Sabemos que a poluição altera a preci-pitação, mas em que tipo de nuvem e em que circunstância?” Os estudos de Scott Martin, pesquisador da Universidade Harvard e integrante do GOAmazon, indicaram que o efeito dos aerossóis so-bre o clima da Amazônia varia de acordo com a época do ano. Já se viu também que as nuvens que passam sobre a cida-de recebem poluição e apresentam uma refletividade maior que as sem poluição. As nuvens da floresta têm uma carga de material particulado equivalente à da era pré-industrial.

Maria Assunção da Silva Dias, pes-quisadora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) que coordenou a campanha do LBA em 1999, vai modelar a influência da brisa fluvial originada pelos rios Negro, So-limões e Amazonas sobre o vento que carrega a pluma de poluentes da capi-tal amazonense. A brisa sopra do rio para a terra durante o dia. À noite, ela inverte o sentido.  “Em rios com margens largas, como o Negro, a brisa pode ser um fator capaz de alterar a direção e a intensidade dos ventos, modificando o regime de chuvas em áreas próximas”, diz Maria Assunção, que em 2004 realizou um estudo semelhante so-bre a brisa do rio Tapajós, em Santarém, no Pará.

neve no norDesteDispostos a entender melhor a formação de chuva pelo país e a evitar tragédias climáticas, a equipe do Inpe coletou nos últimos quatro anos dados em cinco pontos de amostragem: Alcântara, no Maranhão; Fortaleza, no Ceará; Belém, no Pa-rá; São José dos Campos, em São Paulo; e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Um radar e outros equipamentos agora instalados em Manaus me-dem o tamanho das gotas nas nuvens e os tipos de cristais que as formam. As formas das gotas, a propósito, são bem diferentes: podem ser ho-rizontais, elípticas ou oblongas, mas todas longe do formato abaulado com que normalmente se representam as gotas de chuva.

“Esse é o primeiro recenseamento da distri-buição de gotas de chuvas e cristais de gelo no território nacional”, diz Machado. O que se no-tou, em linhas gerais, é que diferentes tipos de nuvens (mais altas ou mais baixas), com diferen-tes tipos de cristais de gelo (em forma de estrela, coluna ou cone), se formam e se desfazem con-tinuamente em todas as regiões do país. Tam-

a diversidade de cristais de gelo e água líquida a -20oC explica a alta incidência de raios na região sudeste

bém se viu que há particularidades regionais, que indicam processos distintos de formação de chuvas e fenômenos surpreendentes. As for-mas e os humores da chuva pelo país ao longo do ano são diversificados a ponto de lembrarem o poema Caso pluvioso, no qual o poeta Carlos Drummond de Andrade descobre que Maria é que chovia (ele não conta quem era Maria) e a chama de chuvadeira, chuvadonha, chuvinhenta, chuvil e pluvimedonha. E em seguida: “Choveu tanto Maria em minha casa / que a correnteza forte criou asa / e um rio se formou, ou mar, não sei, / sei apenas que nele me afundei”.

A realidade também exibiu um pouco de poe-sia. “Detectamos neve nas nuvens mais altas sobre a cidade de Fortaleza”, diz Machado. Para decep-ção dos moradores locais, porém, a neve derrete e cai como chuva comum. No Nordeste predomi-nam as nuvens quentes, assim chamadas porque o topo está abaixo do limite de temperatura de 0o Celsius (ºC) e, por essa razão, nelas não se for-mam cristais de gelo, como nas regiões mais altas dos outros tipos de nuvens. Por não abrigarem gelo, essas nuvens passam despercebidas pelos satélites meteorológicos e pelos equipamentos de micro-ondas usados para prever a formação de chuvas, resultando em medições imprecisas. As medições de nuvens quentes feitas por radar em Alcântara indicaram que os valores de volume de água, comparados com as medições feitas por satélite, estavam subestimados em mais de 50%, como descrito por Carlos Morales, pesquisador da USP que integra o Projeto Chuva.

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O limite – ou isoterma – de 0ºC separa cristais de gelo (acima) e água líquida (abaixo): é uma espécie de porta invisível da chuva, onde o ge-lo derrete e forma água. Não é lá muito rigoro-sa, porque no Sudeste, por causa das fortes cor-rentes ascendentes, a água permanece líquida a temperaturas de até 20 graus negativos, acima da camada de derretimento do gelo. “A combinação entre água e gelo em altitudes mais elevadas é a principal razão da maior incidência das descar-gas elétricas na região Sudeste”, diz Machado.

Por meio do radar, pode-se examinar a pro-porção de água e de gelo no interior das nuvens, desse modo obtendo informações que escapam dos satélites usados na previsão do tempo. “Os satélites não detectam as gotas grandes de água e de baixa concentração que vêm do Atlântico e formam as nuvens das regiões Nordeste e Su-deste”, Machado exemplifica. No Nordeste as nuvens, que se concentram na zona costeira, são alimentadas pelas massas de ar vindas de regiões próximas ao equador, que se movem do ocea-no para o continente. Já no Sul e no Sudeste as chuvas se devem principalmente às massas de ar frio (frentes frias) que vêm da Argentina. Os especialistas dizem que os satélites também não detectam fenômenos que não escapariam ao ra-dar, como a transformação de um vento quente que veio do oceano, esfriou rapidamente ao en-contrar as regiões mais frias do alto das serras no Sul do Brasil e desabou como uma chuva im-piedosa sobre Blumenau e toda a região leste de Santa Catarina em 2008.

O radar de dupla polarização, em conjunto com outros instrumentos, envia ondas horizontais e verticais que, por reflexão, indicam o formato dos cristais de gelo e das gotas de chuva, desse modo elucidando a composição das nuvens e os mecanismos de formação e intensificação das descargas elétricas (raios) durante as tempes-tades. Os pesquisadores verificaram que as nu-vens com muitos raios são mais altas e abrigam uma diversidade maior de cristais de gelo e mais granizo (pedras de gelo) do que aquelas que pro-duzem menos raios. Além disso, de acordo com esse levantamento, as cargas elétricas negativas permanecem na mesma altura, logo acima do limite de 0oC, e as positivas podem ficar mais altas, acompanhando o topo das nuvens e o au-mento da intensidade da descarga elétrica (ver detalhes no infográfico).

“Quem não quer saber onde vai chover antes de sair de casa?”, indaga Machado. Os especialistas acreditam que os dados coletados, combinados com a modelagem computacional já utilizada para a previsão do clima, podem criar uma base sólida de conhecimento teórico e aplicado sobre a chuva continental. Em uma das ramificações do Projeto Chuva – o SOS, Sistema de Observação de Tempo Severo –, o grupo do Inpe trabalhou com equipes da Defesa Civil e de universidades em cada uma das cidades em que se instalaram com os equipamentos para prever a chegada de chuvas com duas horas de antecedência e uma resolução espacial que de-fine possíveis pontos de alagamentos nos bairros, complementando as previsões fornecidas por su-percomputadores como o Tupã, instalado no Inpe. Com base nessas experiências, Machado acredita que o radar, acoplado a um sistema de informa-ção geográfica (SIG) e às tecnologias já em uso de previsão de chuva em alta resolução, da ordem de centenas de metros, viabiliza a previsão imediata de tempestades e desastres climáticos, para que o morador de um bairro possa saber, antes de sair de casa, se está chovendo no bairro vizinho, para onde está indo. “Para isso”, ele diz, “precisamos conhecer o tamanho das gotas de chuva e dos fenômenos que se passam no interior das nuvens, como já estamos fazendo”. Eles continuam trabalhando, enquanto agora, como na canção de Tom Jobim, chegam as águas de março, fechando o verão. n

Com colaboração de marcos Pivetta

varrendo o céu: o radar de nuvem (esquerda) e o de chuva, instalados em manacapuru, a 80 km de manaus

projetos1. processos de nuvens associados aos principais sistemas precipi-tantes no brasil: uma contribuição a modelagem da escala de nuvens e ao gpm (medida global de precipitação) (nº 2009/15235-8); mo-dalidade projeto temático; Pesquisador responsável luiz augusto toledo machado – inpe; investimento r$ 2.188.914,06 (fapesp). 2. goamazon: interação da pluma urbana de manaus com emissões biogênicas da floresta amazônica (nº2013/05014-0); modalidade projeto temático; Pesquisador responsável paulo eduardo artaxo Netto – if-usp; investimento r$ 3.236.501,79 (fapesp).

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na trilha do carbono

entrevista

marcos Pivetta e ricardo zorzetto

Emoldurado por um nascer do sol no município acrea-no de Senador Guiomard, um castanheiro-do-pará ocupou o primeiro plano da capa de 6 de fevereiro da revista científica inglesa Nature, uma das mais presti-

giadas do mundo. A árvore tropical simbolizava a Amazônia, tema central de um artigo que teve como autor principal Luciana Vanni Gatti, 53 anos, coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica do Instituto de Pesquisas Energé-ticas e Nucleares (Ipen). Luciana e os coautores do traba-lho calcularam o chamado balanço de carbono da floresta amazônica – que é uma comparação entre a quantidade de carbono na forma de dióxido de carbono (CO2) emitida e a absorvida pela bacia Amazônica – em dois anos consecutivos que apresentaram temperaturas acima da média dos últimos 30 anos, mas uma variação significativa no regime de chuvas.

O ano de 2010 foi marcado por uma estiagem extrema e o de 2011 por chuvas acima da média. “Vimos que a Amazônia se comportou como uma fonte de carbono no ano seco quando também levamos em conta as queimadas”, diz Luciana, que dividiu a coautoria do artigo com Emanuel Gloor, da Univer-sidade de Leeds, na Inglaterra, e John Miller, da Universida-de do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos. “Mas, no ano úmido, seu balanço de carbono foi próximo a neutro, a quantidade emitida e a absorvida foram mais ou menos equi-valentes.” Os dados do estudo sobre gases atmosféricos foram obtidos por uma iniciativa comandada desde 2010 pela bra-sileira, cujos esforços de pesquisa fazem parte do Amazonica (Amazon Integrated Carbon Analysis), um grande projeto internacional coordenado por Gloor. A cada duas semanas,

luciana vanni gatti

iDaDe 53 anos

esPeCialiDaDe química atmosférica

formação faculdade de filosofia, Ciências e letras de ribeirão preto, universidade de são paulo (usp) National oceanic and atmospheric administration (pós-doutorado) National Center of atmospheric research (pós-doutorado)

instituição instituto de pesquisas energéticas e Nucleares

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pequenos aviões alçam voo de quatro localidades amazônicas (Santarém, Al-ta Floresta, Rio Branco e Tabatinga) e coletam amostras de ar ao longo de um perfil vertical descendente, entre 4,4 qui-lômetros de altitude e 200 ou 300 metros do solo. As amostras são enviadas para o laboratório de Luciana no Ipen onde são quantificados gases de efeito estufa, en-tre outros. No trabalho foram estudados o CO2, o monóxido de carbono (CO) e o hexafluoreto de enxofre (SF6).

Os resultados foram interpretados co-mo preocupantes, pois sugerem que a capacidade de a Amazônia absorver da atmosfera o CO2, principal gás de efeito estufa, parece estar associada à quantida-de de chuvas. Em anos secos, como 2010, ocorrem mais incêndios em áreas com floresta e também nas já des-matadas, que liberam grandes quantidades de CO, e o estres-se hídrico aparentemente re-duz os níveis de fotossíntese das plantas e as fazem retirar menos CO2 da atmosfera. Nes-ta entrevista, Luciana fala dos resultados e das implicações de seu estudo e conta um pou-co de sua carreira.

Você esperava que o trabalho parasse na capa da Nature?Mais pela importância do te-ma do que pela qualidade do trabalho, esperava que saís-se sim, mas não imaginava que fosse capa. Vou a muitos congressos e encontro gente do mundo inteiro falando da Amazônia. Essas pessoas não têm ideia do que é a região. Nunca vie-ram aqui e ficam fazendo modelagem, extrapolando dado local como se fosse representativo de toda a região. Vejo re-sultados muito variados de modelagem, mostrando a Amazônia como sendo des-de grande absorvedora até grande emis-sora de CO2. A Amazônia faz diferença no balanço global de carbono. Por isso, descobrir qual é o seu peso nesse balanço é tremendamente importante. Hoje do que mais se fala? De mudança climática. O planeta está ficando hostil ao ser hu-mano. Mas inicialmente pretendíamos publicar na Science.

Por quê?Era meu objetivo porque o [Simon] Lewis

te. Não esperávamos que a Amazônia pudesse apresentar um resultado tão baixo de absorção de carbono. Nunca ninguém mediu isso da forma como fi-zemos agora. Existem vários trabalhos que, a partir de um dado local, extra-polam uma média para a região. Mas tirar uma média é válido? Já sabemos que existe muita variação dentro da Amazônia.

Qual era o senso comum sobre o balanço de carbono na região? Que a Amazônia absorvia em torno de meio petagrama de carbono por ano, era o que se estimava. Todo mundo acha que a Amazônia é um grande sink [sumidouro] de carbono. Mas em 2010, por causa do estresse hídrico, as plan-

tas fizeram menos fotossín-tese e aumentou sua mor-talidade. Então a floresta na média absorveu apenas 0,03 petagrama de carbono. Muito pouco. Isso equivale a 30 milhões de toneladas de carbono. O valor é igual à margem de erro do estudo. Devido a queimadas pro-positais e a incêndios flo-restais, a Amazônia emitiu 0,51 petagrama de carbono (510 milhões de toneladas de carbono). Portanto, no balanço de carbono a emis-são foi muito maior do que a absorção. É uma notícia horrível. Em 2011, que foi mais úmido, o balanço foi praticamente neutro [a flo-resta emitiu 0,30 petagrama

de carbono, mas abosorveu 0,25 pe-tagrama, oito vezes mais que no ano anterior].

A quantidade de chuvas é o fator princi-pal para entender o balanço de carbono na Amazônia?Não é bem isso. Nosso estudo mostra que a disponibilidade de água é um fa-tor mais importante do que a tempera-tura. É questão de peso. Mas isso não quer dizer que a temperatura não seja importante. A grande diferença entre 2010 e 2011 foi a questão hídrica, só que ela também está ligada à variação de temperatura. É difícil dar uma res-posta definitiva. Esse dado indica que não dá para fazer modelo de previsão

não esperávamos que a amazônia pudesse apresentar um resultado tão baixo de absorção de carbono

[pesquisador da Universidade de Leeds] publicou na Science em 2010 um paper com conclusões que queríamos contestar. Ele disse que a Amazônia tinha emitido naquele ano o equivalente à queima de combustíveis fósseis de todo os Estados Unidos. Era um trabalho feito com mo-delagem e tinha chegado a um resulta-do muito exagerado. Queria publicar na Science para responder ao Lewis. Chega-mos a submeter para a revista uma versão de nosso artigo, na época apenas com os dados de 2010, um ano muito seco. Era um trabalho que determinava o balanço de carbono naquele ano. A Science disse que era um estudo relevante, mas que tinha um escopo técnico demais, fora de sua linha editorial. Nem mandaram o artigo para ser analisado por referees e

sugeriram que o enviássemos para uma revista mais especializada. Mas, quando analisamos os dados de 2011, encontra-mos uma situação completamente dife-rente daquela de 2010. O entendimento de por que os efeitos sobre o balanço de carbono foram tão diferentes em 2010 e 2011 foi o que fez a Nature gostar do paper. Por esse motivo, sou a favor de estudos de longa duração. Se tivesse fei-to uma campanha em 2010, ia achar que a Amazônia se comporta daquele jeito todos os anos.

Em editorial, a Nature disse que os resultados do artigo são uma notícia ruim. Concorda com essa avaliação?Concordo. É uma notícia bem tris-

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climática levando em conta apenas o aumento de temperatura. É preciso colocar todas as consequências desse aumento de temperatura. Um modelo muito simplista vai ficar longe do que vai acontecer no futuro.

A seca de 2010 e as chuvas de 2011 foram anormais para a Amazônia?Não podemos dizer que a chuva de 2011 foi extrema, porque ela não foi acima da máxima histórica. Foi um ano chuvoso, acima da média, mas não in-comum. É uma questão de definição. Houve outros anos com níveis seme-lhantes de precipitação. A seca de 2010 foi extrema, incomum, abaixo da mí-nima histórica. No entanto, não posso dizer que a capacidade de absorção em 2011 equivale à média de um ano chuvoso. Em 2010, a floresta tinha sofrido mui-to com a seca e, no ano se-guinte, a vegetação ainda poderia estar sob efeito do impacto desse estresse ab-surdo. A história de um ano pode estar influenciando o ano seguinte. Pode ser que, depois de um ano chuvoso, o sequestro de carbono seja maior se houver em seguida um segundo ano também chuvoso.

Os dados de um ano não de-vem ser analisados de for-ma isolada.Exatamente! Por isso, temos que realizar estudos de lon-go prazo. Quando partici-pei de campanhas e vi que havia essa variabilidade de ano para ano, desisti desse tipo de estudo. Acho vantajoso o fato de se reunir [em campanhas] mui-tos pesquisadores de varias áreas e os estudos de uns complementarem o de outros. Os avanços em alguns aspectos do conhecimento são muitos nesse ti-po de situação, mas não no sentido de se conhecer um valor significativo que represente toda a Amazônia. Nesse as-pecto existe muita variabilidade. Não dá pra estudar um mês na estação seca e outro na chuvosa e achar que esses períodos representam tudo o que ocor-re no período de estiagem e no úmido e se estender o resultado para todo o ano. Esse número pode ser o dobro ou

Alguns estudos sugerem que o aumento dos gases de efeito estufa pode levar al-gumas plantas a fazer mais fotossínte-se. Isso não poderá alterar o balanço de carbono na Amazônia no longo prazo?Não é só isso. É verdade que mais CO2 na atmosfera estimula a planta a fazer mais fotossíntese. Mas há outros mecanismos. Em uma situação de estresse hídrico, a raiz absorve menos água. A planta di-minui seu metabolismo e assim absorve menos carbono. O que sabemos ao certo é que a floresta reduz sua capacidade de absorver carbono com a diminuição da disponibilidade de água.

Como o ar coletado em quatro pontos da Amazônia pode representar a atmosfera de toda essa enorme região?

Em qualquer um dos pon-tos, as amostras coletadas nos voos representam uma massa de ar que passou por várias partes da Amazônia, desde a costa brasileira até o ponto de coleta e, no caso de Santarém, até de trechos do Nordeste. Se ela levou sete dias para chegar até o ponto de coleta, representa uma semana e não apenas o momento em que foi obtida. Ela guarda toda a história do caminho que percorreu dentro da Amazônia nesses sete dias, de todas as emis-sões e absorções que ocor-reram nesse percurso. Não estamos, portanto, coletando uma amostra de ar referen-te a uma hora. Estamos co-

letando a história de uma coluna de ar que viajou todo esse caminho desde a costa brasileira. Calculamos o caminho que cada massa de ar fez até ser coletada em cada altitude amostrada.

Esse método não tem alguma limitação?A grande limitação é só termos feito co-letas até 4,4 quilômetros de altura. O que ocorre acima disso está fora da nossa área de medição. Uma nuvem convec-tiva pode levar o ar que estava embaixo para cima e vice-versa. Isso pode fazer com que nossa coluna de ar seja parcial-mente levada para uma altitude acima do nosso limite de voo. Nesse caso, per-demos informação. Essa é a maior fonte de erro do nosso método. O ideal seria

a disponibilidade de água é um fator mais importante do que a temperatura para o balanço de carbono

a metade do real, por exemplo. Duran-te nosso estudo de 10 anos em Santa-rém, vi essa grande variabilidade. Sou muito perfeccionista. Se sei que meu número pode estar muito errado, isso não me satisfaz.

Com dados de apenas dois anos, é se-guro chegar a alguma conclusão sobre o balanço de carbono na Amazônia?Como 2010 foi tão diferente de 2011, concluímos que nem com quatro ou cin-co anos, que era nosso plano original, chegaremos a uma média conclusiva. Agora estamos à procura de recursos pa-ra financiar a continuidade desse projeto por uma década. A média de 10 anos é suficiente? Sim, estudos sobre o ciclo de carbono são mais conclusivos se forem

decadais. Mas é importante entender que a Amazônia está sendo alterada, tanto pelo homem como pelo clima, que o homem também está alterando. Então o que acharmos de resultado mediano pode ser diferente do que ocorreu na década passada e na retrasada. Vamos submeter um projeto para continuar esse estudo. Mas, além de recursos pa-ra as medidas, precisamos de recursos para ter uma equipe para conduzir o projeto também. Sou a única funcioná-ria do Ipen atuando no projeto, todos os demais são pagos pelos projetos envol-vidos nesse estudo. E, sem essa equipe tão afinada, não existiria esse projeto incrível. É um esforço muito grande de muitas pessoas.

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voarmos a até 8 ou 12 quilômetros de altura. Já começamos a fazer isso no ini-cio de 2013 no ponto de estudo próximo a Rio Branco e os resultados são muito animadores. Nessa faixa de altitude, em um ano, não observamos uma variação muito significativa que indique um erro grande. Isso é muito animador.

Os quatro pontos de coleta de amostras de ar se comportam iguais?O ponto próximo a Santarém é diferen-te de tudo em termos de resultado. Va-mos pensar em sua área de influência. Todo litoral tem uma densidade popu-lacional grande. Nesse ponto da região amazônica temos a maior relação área/população. Nossos dados coletados ali sofrem influência urbana, antropogêni-ca e de combustíveis fósseis que não aparecem tanto em outros pontos da Amazônia. Haveria influência inclusive da poluição vinda das cida-des do Nordeste. Às vezes, na estação chuvosa, observamos nesse ponto emissão de car-bono, enquanto nos outros três pontos que monitoramos há absorção.

O que explica essa diferença?Podem ser as atividades an-tropogênicas em áreas pró-ximas a Santarém. As Guia-nas estão acima do equador. Quando é a estação chuvo-sa no Brasil, lá é a seca. Tem também as queimadas e as atividades antrópicas nas ci-dades próximas de nosso lito-ral. Dizem para eu parar as medidas em Santarém, que não representa a Amazô-nia. Mas tenho uma série histórica de 14 anos. O Brasil não tem série histórica de medidas desse tipo. Se pararmos de me-dir em Santarém... Fico em um dilema.

Mas Santarém não representa uma par-te importante da Amazônia oriental?Na área de influência de Santarém, 40% é floresta. Se considerar a área de toda a floresta amazônica, Santarém pega uma “fatiazinha”, entre aspas porque é gigan-te, de 20%. Só descobrimos isso quando passamos a estudar o outro lado da Ama-zônia. As amostras obtidas no avião são resultantes de uma história de tudo o que aconteceu antes de o ar chegar lá. Com

temporadas lá. Estamos juntos sempre, eles têm acesso ao Magic, que é esse nosso sistema de análise. Tudo é feito em par-ceria com eles. São 10 anos trabalhando com esses caras. Sou filha deles. Depois de 2004 conseguimos uma frequência maior de medidas em Santarém. Naque-le ano, voamos na estação seca e na esta-ção chuvosa pela primeira vez. Tentamos também realizar medições em Manaus, mas dos três anos de coletas tivemos pro-blemas de autorização de voo em um ano e no ano seguinte com as análises de CO2. Então o dinheiro acabou. Como só tinha dados de um ano inteiro, acabei nunca publicando essas informações. Mas isso é uma falha que tenho de corrigir. Fica-mos só em Santarém até 2009, quando ganhamos verba da FAPESP e da Nerc

[agência do Reino Unido de financiamento de pesquisas] e passamos a fazer medições em mais três pontos.

Quando os estudos se res-tringiam a Santarém foi possível chegar a alguma conclusão?Observamos que existe uma variabilidade muito grande no balanço de carbono du-rante a estação chuvosa na Amazônia. Publicamos esses dados num paper em 2010. Vimos que não adianta fa-zer um estudo de um ou dois anos. Tem de ser de muitos anos. Essa foi a primeira li-ção importante que aprendi com esse estudo.

Qual é o passo seguinte do trabalho na Amazônia?Calcular o balanço de carbono em 2012 e 2013. Já temos os dados. O ano de 2012, por exemplo, está no meio do caminho entre 2010 e 2011. Choveu absurdamen-te na parte noroeste e no resto foi mais seco do que em 2010. Por isso gosto do dado coletado em avião, que nos possibi-lita calcular a resultante [das emissões e absorções de carbono]. Se eu trabalhasse apenas com uma torre de emissão e ela estivesse no lado seco, concluiria uma coisa. Se estivesse do lado chuvoso, con-cluiria outra. Com o tipo de dado que usamos, podemos levar tudo em conside-ração e ver o que predominou. Calcular tudo e tirar a média. E, na média, 2012 foi

nos voos coletamos em um ponto amostras de uma massa de ar que passou por várias partes da amazônia

exceção do monóxido de carbono, que vem das queimadas de floresta, não há como saber a contribuição de cada fonte de carbono. No caso de Santarém, essa abordagem não funciona muito bem. Acreditamos que uma parte do monó-xido de carbono venha de outras quei-mas de biomassa, talvez de combustíveis fósseis e não basicamente da queima de vegetação florestal.

Como começou seu trabalho na Ama-zônia?Participei do LBA [Experimento de Gran-de Escala da Biosfera-Atmosfera na Ama-zônia] desde o início, em 1998. Fiz cam-panhas de campo. Há 10 anos, comecei as medidas sistemáticas em Santarém. Até então, as amostras dos perfis de ar

iam para os Estados Unidos para serem analisadas em um laboratório da Noaa [National Oceanic and Atmospheric Ad-ministration]. Em 2004 montei meu la-boratório no Ipen e as amostras pararam de ir para os Estados Unidos. Meu labo-ratório é uma réplica do laboratório da Noaa, o melhor laboratório do planeta de gás de efeito estufa. Fiz tudo igualzinho e importamos uma réplica do laboratório deles. Botamos tudo dentro de caixas e trouxemos para cá. Tudo, tudo. Do mouse à estante. O sistema todinho encaixotado. Podemos medir CO2, CH4, N2O, CO, SF6 e H2. O laboratório foi pago pela Nasa e o usamos no LBA. Tudo o que aprendi nessa área foi com a equipe da Global Monitoring Division da Noaa. Passei três

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seco na bacia toda. Em número de focos de queimada, deu bem entre 2010 e 2011.

Você começou sua carreira fora da quí-mica atmosférica. Como foi o início?Fiz iniciação científica e mestrado em eletroquímica. Mas tinha uma frustração enorme e me perguntava para que isso serviria. Houve então a primeira reunião de química ambiental no Brasil, que o Wilson Jardim [professor da Unicamp], organizou lá em Campinas em 1989. Fui lá e me apaixonei. Era aquilo que eu que-ria fazer da minha vida.

Você é de onde?Sou de Birigui, mas saí da cidade com 3 anos. Morei boa parte do tempo em Cafelândia, que tinha então 11 mil ha-bitantes. Lá todo mundo se conhece. Por isso sou assim. Falo com todo mundo. Tam-bém falo muito com as mãos. Meus alunos dizem que, se amarrarem minhas mãos, não dou aula. O pessoal da portaria no Ipen nem pede meu crachá. É coisa de inte-riorano. O paulistano é capaz de estar sozinho no meio de uma multidão. De Cafelân-dia, minha família mudou-se para Ribeirão Preto, porque meu pai não queria que os filhos saíssem de casa para estudar. Ele escolheu uma ci-dade com muitas faculdades e mudou a família toda pa-ra lá. Ele era representante da Mobil Oil do Brasil. Para ele, tanto fazia estar em Ca-felândia ou em Ribeirão. O engraçado é que minha irmã foi para Campinas, eu fui para a Federal de São Carlos, meu irmão foi para a FEI de São Bernardo e a única que ficou em casa foi a terceira irmã. Tive problema de saúde e precisei voltar para a casa dos meus pais antes de me formar. Me transferi para a USP de Ribeirão, mas ali o curso de química tinha quase o dobro de créditos do da federal de São Carlos. Levei mais três anos e meio para fazer o que faltava, que consumiria apenas um e meio na federal. Tudo tinha pré-requisito. Mas foi muito legal porque em São Carlos estudei bem apenas durante o primeiro ano. Depois virei militante de partido semiclandes-tino, dirigente estudantil. Fazia mais po-

recido] Mozeto, era para ser sobre com-postos reduzidos de enxofre, já na área de gases. Naquela época, ninguém tra-balhava com gás. Só tinha um no Brasil, Antonio Horácio Miguel, que trabalha-va na área, mas ele tinha ido para o ex-terior. Eu tinha que fazer tudo. Tinha, por exemplo, que desenvolver um padrão com tubo de permeação. Tive de desen-volver o tubo, comprar o líquido para permear e tudo mais. Quando fiz tudo funcionar e coloquei o tubo dentro do cromatógrafo, o aparelho pifou. O pro-fessor tinha comprado um cromatógra-fo para medir compostos de enxofre que um professor da Universidade do Colo-rado tinha decidido fabricar. O projeto veio todo errado. Tinha uma cruzeta de aço inoxidável, com uma chama que,

quando queima, produz hi-drogênio e água. A chama esquentou a cruzeta e vazou água na fotomultiplicadora e queimou o aparelho. Durou um dia. O problema é que eu estava já havia dois anos fa-zendo isso e precisava de um novo aparelho para desen-volver o doutorado. O Wilson Jardim então me perguntou por que eu achava que nin-guém trabalhava com gás no país. “Esse negócio é difícil! O único que trabalhava foi para fora do Brasil. Larga desse tema e vai para outra coisa”, ele me disse. Mas, a essa altura, eu já tinha per-dido dois anos e era a única docente da Federal de São Carlos sem doutorado. Um

professor então me disse que eu ainda estava em estágio probatório e que, se eu não fizesse um doutoradozinho de um ano para comprovar o título, não iam aprovar o estágio probatório. Saí corren-do atrás de um tema que dava para fazer e que eu não me envergonhasse de ter feito. Fiz análise de sedimento de fundo de lagoas próximas ao rio Mogi-Guaçu. Apliquei análises que são usadas em tra-balhos com aerossóis para descobrir a origem dos sedimentos e também datá--los. Dessa forma, dá para saber a histó-ria da ocupação da bacia dos rios. Acabei o doutorado na Federal de São Carlos e entrei para a química atmosférica, que era o que eu queria, área carente entre os pesquisadores brasileiros. n

meu laboratório é uma réplica do laboratório da noaa, o melhor laboratório do planeta de gás de efeito estufa

lítica que estudava. Éramos proibidos de assistir às aulas. Quando chegava a época de prova, xerocava o caderno dos amigos, varava a noite estudando e de manhã, sem ter dormido, ia lá, fazia prova e passava. Mas imagine o que ficava na cabeça. Ain-da bem que praticamente tive de refazer a graduação. Que profissional seria eu se não tivesse tido que fazer a graduação de novo e aprendido a estudar muito?

Como eram as aulas na USP?Larguei o movimento estudantil, que ti-nha me decepcionado muito. Queria um mundo mais justo. Mas tive um namora-do que era da direção nacional do par-tido revolucionário. Terminei com ele, que se vingou de mim usando o poder dele. Compreendi que o problema não

estava no modo de produção, comunista ou socialista, mas no nível evolutivo do ser humano. Então resolvi que a única pessoa que eu podia mudar era eu mes-ma. Virei zen e espiritualizada e comecei a minha revolução interna. Compreen-di que não podia mudar o mundo, mas podia me tornar uma pessoa melhor. Aí comecei minha carreira, praticamente do zero, porque na USP de Ribeirão Preto é muito puxado. Se não estuda, não pas-sa. Fiz iniciação científica, ganhei bolsa da FAPESP, fui me embrenhando e me apaixonando pela química ambiental.

Como foi seu doutorado?Foi o que deu para fazer. Quando eu co-mecei o doutorado com o [Antonio Apa-

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fapesp week na alemanha

marca aproximação entre a fapesp

e a max planck society

a Alemanha sediará, pela primeira vez, a FAPESP Week, simpósio organizado pela Fundação para divulgar no exterior a ciência realizada em São Paulo e estimular colaborações internacionais – já houve edições do

evento no Reino Unido, Japão, Espanha, Estados Unidos e Canadá. O simpósio acontecerá em outubro em Munique e terá duração de quatro dias, com apresentações de pesquisadores dos dois países. A preparação do evento marca a aproximação entre a FAPESP e a Max Planck Society for the Advancement of Science, principal organização de pesquisa básica da Alemanha, cuja presidência fica em Munique, a capital da Baviera.

Representantes das duas instituições discutem os termos de um possível acordo de cooperação capaz de aprofundar as relações já existentes entre pesquisadores alemães e do estado de São Paulo e de abrir novos caminhos para pesquisa colaborativa, além de promover o intercâmbio de pesquisado-res e estudantes. “Há um grande potencial para colaboração e esperamos conseguir transformar esse potencial em pro-jetos de pesquisa conjuntos”, diz Andreas Trepte, chefe do escritório de relações com a América Latina da Max Planck Society, sediado em Buenos Aires. “Os tópicos para colabora-ção poderão abranger desde pesquisa climática na Amazônia

fabrício marques

andreas trepte, chefe do escritório da max planck society na américa latina: “há um grande potencial para colaboração entre brasil e alemanha”

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Parcerias de alto nível

PolÍtiCa C&t Cooperação y

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e doenças tropicais até novos materiais ou bio-fármacos”, diz Trepte.

A Max Planck Society agrega 82 institutos de pesquisa – 76 deles na Alemanha – dedicados a pesquisas que vão das humanidades à biologia evolutiva, da física de plasmas à inteligência ar-tificial, com mais de 22 mil pessoas envolvidas e um orçamento da ordem de R$ 5 bilhões anuais, formado por receitas estaduais e federais naquele país. Dezessete pesquisadores ligados à instituição já foram laureados com o Prêmio Nobel.

A ciência brasileira ocupa uma posição pouco proeminente nas relações com a Max Planck So-ciety. Entre os países latino-americanos, o Brasil perde para o México em número de estudantes de doutorado e pesquisadores de pós-doutorado recebidos pelos institutos. São 105 pesquisadores brasileiros, ante cerca de 120 do México. “Temos cerca de 450 pesquisadores vindos da América Latina. É mais ou menos o mesmo número de norte-americanos, mas o nível está muito aquém de países asiáticos: há 800 chineses e 700 india-

nos.” O Brasil aparece em primeiro quando são contabilizadas parcerias celebradas diretamente entre pesquisadores dos dois países, com pouco envolvimento institucional. Já quando são leva-dos em conta os projetos colaborativos, aqueles em que efetivamente há pesquisadores dos dois lados trabalhando em conjunto e compartilhando laboratórios e equipamentos, o destaque latino--americano é a Argentina – que abriga, inclusive, um instituto parceiro da Max Planck Society com o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), o Instituto de Pesquisa em Biomedicina de Buenos Aires.

O instituto argentino é liderado por Eduardo Arzt, que foi pesquisador do Instituto de Psi-quiatria Max Planck em Munique e é membro externo da Max Planck Society. A proximidade científica com a Argentina e o apoio institucional que o instituto parceiro recebe do Conicet leva-ram a Max Planck Society a instalar em Buenos Aires um dos dois escritórios de cooperação que tem no mundo – o outro fica em Bruxelas, para a

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ligação com as instituições europeias. Trepte, que é graduado em estudos latino-americanos e tem um doutorado em economia, atua na Max Planck Society desde a unificação das duas Alemanhas, quando ajudou na criação de 20 novos institu-tos em cidades da extinta Alemanha Oriental, foi designado para o posto em Buenos Aires. “Que-remos estabelecer o mesmo nível de cooperação que temos com a Argentina com outros países da América Latina”, afirma Trepte. “Considerando a importância da ciência desenvolvida na Ale-manha e em São Paulo, a cooperação ainda está abaixo do possível.”

t repte observa que a condição para que a cooperação prospere é que cientistas de alto nível da Alemanha e do Brasil, traba-

lhando em temas da fronteira do conhecimento, aceitem uns aos outros como parceiros e come-cem a trabalhar juntos. A principal diretriz da Max Planck Society é o chamado princípio de Harnack, referência a uma regra postulada por Adolf von Harnack, primeiro presidente da Kaiser Wilhelm Society, precursora da Max Planck, que consiste em acolher as mentes mais brilhantes atuando em temas interdisciplinares e dar-lhes liberdade e condições ideais de trabalho. Uma vez designados, os chefes de departamentos ou os grupos de pesquisa dos institutos não seguem currículos ou programas de pesquisa determina-dos pela organização, mas sim a própria intuição, o que os estimula a produzir conhecimento ori-ginal. “Acompanhamos para onde a fronteira do conhecimento está se movendo, mas a decisão de investir nesses campos dentro dos institutos Max Planck depende de identificar pesquisadores de

alto nível capazes de enfrentar esse desa-fio, independentemente de sua nacionali-dade”, diz. “Para aproximar cientistas des-se nível do Brasil e da Alemanha, eventos catalisadores como a FAPESP Week serão fundamentais”, afirma Trepte.

Um dos primeiros passos, segundo ele, é identificar áreas para iniciar os projetos co-laborativos. “Num exemplo possível, pode-ríamos aproximar especialistas do Instituto Max Planck para Biologia Infecciosa, em Berlim, de pesquisadores do Instituto Bu-tantan, em São Paulo, para trabalhar juntos e coordenar grupos de pesquisa em busca de uma nova vacina contra a tuberculose. Ou estimular colaborações entre grupos que investigam novos materiais dos dois países que tenham interesses em comum”, explica. Desde 2009, o Instituto Max Planck de Química mantém colaboração com o Ins-tituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para a construção de uma torre de 320 metros de altura, num programa que busca estudar o papel da floresta amazônica no ciclo global de carbono.

Trepte considera importante a assinatura de um acordo de cooperação entre a Max Planck So-ciety e a FAPESP. “Nossa experiência com países latino-americanos mostra que a falta de instru-mentos jurídicos é um dos principais obstáculos para organizar as possibilidades de parceria”, afirma Andreas Trepte. Na Alemanha, a FAPESP já mantém acordos com cientistas apoiados ou ligados ao Serviço Alemão de Intercâmbio Aca-dêmico (DAAD), ao Deutsche Forschungsgeme-inschaft (DFG) – Fundação de Pesquisa Alemã – e ao Ministério de Estado de Ciências, Pesquisa e das Artes do Estado Livre da Baviera.

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Dezessete cientistas ligados à max Planck society já foram laureados com o Prêmio nobel

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afinar os interesses da FAPESP e da Max Planck Society, diz Trepte, envolve alguns desafios. “Há uma enorme diferença en-

tre os sistemas de ciência, tecnologia e inovação do Brasil e da Alemanha”, diz. Na Alemanha, metade da capacidade de pesquisa vinculada ao setor público está nas universidades, enquanto a outra metade é dedicada a instituições de pes-quisa com finalidades determinadas. Os institu-tos Max Planck dedicam-se à pesquisa básica, a Fraunhofer Society tem cerca de 70 institutos de pesquisa aplicada e a Associação de Centros de

Pesquisa Helmholtz mantém laboratórios para temas estratégicos. “Essa estrutura não encontra paralelo nos países com quem mantemos acor-dos. Por isso é importante criarmos eventos que coloquem os dois sistemas em contato, para que aproximemos os melhores pesquisadores”, diz.

A presença de pesquisadores de fora da Ale-manha nos institutos Max Planck tem um peso importante na capacidade de pesquisa dessas ins-tituições. “A Max Planck Society tem 62 escolas, os International Max Planck Research Schools, que recrutam internacionalmente os seus alunos de doutorado – só os melhores são aceitos. Mais

de 50% deles não são alemães”, afirma Trepte. “No nível de pós-doutorado, mais de 80% vêm de fora. A maioria das posições é divulgada inter-nacionalmente, em anúncios em revistas como Science e Nature, e em websites bem conhecidos. O recrutamento é feito com base na qualidade, não na origem do candidato. Há espaço para ter-mos mais brasileiros em nossos institutos e mais cientistas dos institutos Max Planck colaborando na Europa com laboratórios brasileiros”, afirma.

Outras possibilidades de parceria, observa Trepte, são, por um lado, os grupos de pesqui-

sa parceiros da Max Planck Society. Espalhados por vá-rios países, são liderados por pesquisadores que atuaram em institutos Max Planck e retornaram ao país natal. “Du-rante cinco anos, esses grupos recebem financiamento local e também da Max Planck So-ciety. Isso permite repatriar esses pesquisadores, man-

tendo o vínculo com o instituto na Alemanha”, afirma Trepte. Por outro lado, há os grupos Max Planck de pesquisa independentes, que se estabe-lecem em cooperação com um parceiro local em campos altamente inovativos e cujos líderes sao recrutados em chamadas internacionais. “A ideia é dar aos mais talentosos jovens pesquisadores a oportunidade de liderar um projeto de pesquisa, inteiramente sob sua responsabilidade, e formar cientistas de reputação internacional, capazes de administrar pesquisas no futuro.”

Muitos cientistas dos institutos Max Planck têm grande interesse em trabalhar com estu-dantes e pesquisadores latino-americanos, vistos como muito criativos. “Eles conseguem trabalhar bem em condições que estão longe do ideal. Têm grande talento em improvisar. Tive uma reunião com pesquisadores que coordenam as escolas de pesquisa e recebem jovens pesquisadores em nossos institutos. Perguntei se gostariam de rece-ber mais latino-americanos e eles responderam: é claro. Mas poucos se candidatam”, afirma. Co-mo chefe do escritório na América Latina, Trep-te acostumou-se a ouvir de pesquisadores que trabalhar na Alemanha seria difícil por causa do idioma. “Sempre respondo que, com exceção dos institutos no campo das humanidades, em todos os outros o inglês é a língua principal.” Ele lembra que ter um vínculo com a Max Planck Society é uma credencial respeitável. “Somos uma das mais importantes instituições de pesquisa básica em nível internacional. Entre as instituições com o maior número de artigos altamente citados, a Max Planck Society aparece em segundo lugar, após a Universidade Harvard. Quem consegue manter parcerias conosco se beneficia disso”, afirma. n

pesquisadores dos institutos max planck de Cibernética biológica (alto à esq.), de física de plasmas (acima) e de biologia evolutiva (abaixo): na fronteira do conhecimento

“estudantes e pesquisadores latino-americanos são vistos como muito criativos”, diz trepte

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base de dados de compostos químicos da

biodiversidade brasileira ganha reconhecimento

fármaCos y

Estruturas promissoras

a primeira base de dados sobre com-postos químicos naturais extraídos da biodiversidade brasileira começa a despertar a atenção de pesquisa-

dores de várias partes do mundo. Batizada de NuBBE Database, ela oferece informações sobre 640 substâncias, desde as principais propriedades  físico-químicas e biológicas até a estrutura tridimensional dos compostos, informações essenciais para pesquisadores e empresas que atuam em química medicinal. O acervo, disponível na internet no endere-ço www.nubbe.iq.unesp.br/portal/nubbedb.html, reúne o conhecimento gerado em 15 anos de pesquisas do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Na-turais (NuBBE) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara. “O nível de detalhes das informações diferencia a nossa base de produtos naturais de outras existentes no mundo”, diz Vanderlan Bolzani, profes-sora do Instituto de Química (IQ) da Unesp em Araraquara e coordenadora do núcleo, referindo-se a grandes bases como a Napra-lert, que tem mais de 200 mil compostos, ou a NPact, com cerca de 1.500 compostos naturais com alguma atividade anticâncer.

“As bases de produtos naturais trazem in-formações sobre ocorrência de espécies, há-bitat, algumas propriedades físico-químicas e estrutura dos compostos, mas nem sempre disponibilizam outros descritores molecula-res que correlacionam a estrutura molecular à atividade biológica e que são essenciais para a pesquisa em química medicinal. A nossa acres-centa, além das propriedades físico-químicas usuais sobre cada molécula, dados importantes como solubilidade, ligações de hidrogênio, vo-lume molecular, cálculo teórico de coeficiente de partição, violação da regra de Lipinski, entre outras, fundamentais para que que uma subs-tância natural alcance o estágio de protótipo”, diz. Esse conjunto de propriedades ajuda a de-finir o uso do composto em etapas mais avan-çadas do planejamento de novos fármacos. São informadas, ainda, a espécie a partir da qual a substância foi isolada e o local onde ela ocor-re. “Os dados são importantes também para a pesquisa acadêmica em biodiversidade. Se eu consigo correlacionar uma distribuição fitogeo-gráfica em alguma região de mata atlântica ou do cerrado com as classes de substâncias que um conjunto de espécies produzem, temos um dado muito valioso para o avanço do conheci-il

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mento, por exemplo, de quimiotaxono-mia, ecofisiologia, ecologia química ou de políticas públicas, como a preservação de espécies ricas em constituintes químicos de valor agregado”, afirma Vanderlan.

A base de dados do NuBBE é integrada por 80% de compostos isolados de plan-tas, 6% de fungos ou microrganismos, 7% de compostos sintéticos inspirados em produtos naturais, 5% de compos-tos semissintéticos e 2% de produtos de biotransformação (modificados por en-zimas). O lançamento da base foi divul-gado em 2013 no Journal of Natural Pro-ducts, um dos mais importantes da área, ligado à American Chemical Society. O artigo foi mencionado na webpage dos National Institutes of Health dos Esta-dos Unidos como uma das publicações mais relevantes sobre produtos naturais de 2013. Em novembro, a base foi apre-sentada com destaque num artigo sobre bases de dados de produtos químicos na revista Drug Discovery Today, periódico consagrado na área de descoberta de fár-macos. A base Zinc, a maior do mundo em química medicinal, com mais de 35 milhões de compostos, sediada no De-partamento de Química Farmacêutica da Universidade da Califórnia em São Francisco, agora tem um cruzamento (cross link) com a base do NuBBE, em outro sinal de reconhecimento. “Recen-temente, fomos contatados pela Royal Society of Chemistry, do Reino Unido,

que sedia  a Chem-Spider, base de dados químicos mundialmente conhecida, com 30 milhões de estruturas de centenas de fontes diferentes”, diz Vanderlan. “A RSC tem interesse em produtos naturais das regiões tropicais e equatoriais e quer inserir nosso acervo na plataforma da Chem-Spider.”

a criação da base de dados foi um dos objetivos do projeto de dou-torado da bolsista da FAPESP

Marilia Valli, sob orientação de Van-derlan, no âmbito do programa Biota--FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 200). Em 2013 incorporou-se ao Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, que tem como pesquisador responsável Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo e presiden-te do Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico (CNPq), e Vanderlan Bolzani como vice-diretora e um dos pesquisadores principais. O CIBFar é o sucessor de um Cepid coor-denado por Oliva que funcionou entre 2000 e 2011, o Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, voltado para estu-dos da estrutura e da função de molécu-las de interesse biotecnológico.

O novo Cepid busca aproveitar a ex-periência do anterior e associá-la ao

conhecimento acumulado pelo NuBBE a fim de desenvolver fármacos com ba-se em compostos encontrados na biodi-versidade brasileira e também de subs-tâncias sintéticas. “Há estruturas muito interessantes para desenvolver como candidatos a fármacos. A questão agora é associar a informação da base de dados de pesquisa CIBFar com outros projetos afins do programa”, diz Adriano D. Andri-copulo, professor do IFSC da USP, coor-denador de transferência de tecnologia e um dos pesquisadores principais do CIBFar. “Já realizamos diversos ensaios biológicos contra parasitas e células de câncer, e recentemente com substân-cias pesquisadas pelo NuBBE. Buscamos agora caracterizar moléculas de origem natural para servir como modelos alter-nativos e, depois disso, dar continuida-de à pesquisa por meio de colaborações internacionais e no Brasil. Temos essa perspectiva, pois o programa Cepid nos garante investimento de longa duração para fazer pesquisa bem estruturada e de alta qualidade”, diz Andricopulo. A parceria está ajudando a aperfeiçoar as informações da base de dados. “Algu-mas das propriedades dos compostos são identificadas por meio de cálculos matemáticos. Com o Cepid, compramos a licença de um software para automa-tizar esse processo e minimizar erros. Já fizemos várias correções dos dados que foram inseridos”, afirma Vanderlan Bolzani.

Os compostos descritos na base de da-dos foram identificados ao longo do tem-po e publicados em mais de 170 artigos científicos. “A base organizou toda essa informação de certa forma dispersa”, diz Vanderlan. A intenção agora é incorpo-rar novas substâncias identificadas por outros grupos de pesquisadores do país e criar uma base com maior número de

o nível de detalhes das informações é o que torna o nubbe diferente

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substâncias isoladas da biodiversidade brasileira. “Já iniciamos o levantamen-to de  substâncias de plantas pesquisa-das e publicadas por outros grupos do país, com duas bolsistas financiadas pe-lo CNPq e projeto de pesquisa do Edi-tal Universal aprovado recentemente. Assim, pretendemos ampliar o número de substâncias e de informações para que possamos no futuro ter uma base de dados de produtos naturais do Brasil robusta, com informação organizada útil para todos os interessados nesta área fas-cinante de pesquisa”, diz a pesquisadora.

segundo Adriano Andricopulo, a ex-pansão da base, com a inclusão de mais compostos da biodiversidade

brasileira, é importante para ampliar as possibilidades de pesquisa. “A base de dados tem um caráter inovador de reu-nir informações e abrir a possibilidade de produzir novos conhecimentos. Se conseguirmos expandi-la, o país terá um papel proeminente nesse tipo de pesqui-sa”, afirma. “Há vários grupos dos Esta-dos Unidos, da Europa e daqui do Brasil que já usam as informações da base de dados do NuBBE para fazer triagens vir-tuais de substâncias, usando programas computacionais, um tipo de tecnologia avançada de planejamento de novos fár-macos. Creio que dentro de mais algum tempo começaremos a conhecer resul-tados dessas triagens”, afirma.

Bruno Villoutreix, professor da Uni-versidade Paris Diderot e autor princi-

pal do artigo na Drug Discovery Today que mencionou o NuBBE, ressalta que bases de dados de compostos químicos com informações fidedignas e precisas são fundamentais para gerar novos co-nhecimentos e desenhar novas moléculas com finalidades terapêuticas. “É sabido que muitos medicamentos disponíveis no mercado, cerca de 60% deles, são de-rivados de produtos naturais ou inspi-raram-se em produtos naturais”, disse a Pesquisa FAPESP o professor, que há 10 anos acompanha a evolução de bases de dados desse tipo. “A coleção do NuBBE contém uma numerosa quantidade de

informações valiosas que frequentemente não estão disponíveis em outras coleções. Disponibiliza moléculas novas e originais e é construída como um banco de dados no qual se pode buscar vários tipos de in-formação, enquanto em outras bases ape-nas um arquivo eletrônico é fornecido. Além disso, reflete a biodiversidade rica e única de espécies botânicas encontradas no Brasil e deve com certeza contribuir para a concepção de novos compostos terapêuticos para os próximos anos.” Ele observa que várias iniciativas parecidas es-tão sendo desenvolvidas em outras partes do mundo, compilando produtos naturais de plantas medicinais africanas, plantas usadas na medicina chinesa e também da Ayurveda, o conhecimento médico desen-volvido na Índia nos últimos 7 mil anos. “Esses projetos devem ser estimulados. É preciso garantir suporte financeiro para eles, pois vão ajudar os cientistas a pro-jetar novos compostos terapêuticos, a adquirir novos conhecimentos e contri-buir para muitas outras áreas”, afirma Villoutreix. n fabrício marques

os compostos descritos na base de dados foram identificados e publicados em mais de 170 artigos científicos

projetos1. Cibfar - Centro de inovação em biodiversidade e fár-macos (nº 2013/07600); modalidade Centros de pesqui-sa, inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável glaucius oliva; Investimento r$ 18.219.303,58 para todo o Cepid (fapesp).2. produtos Naturais do Nubbe, fonte de diversidade micromolecular para o planejamento racional de novos agentes antitumorais (nº 2010/17329-7); modalidade bolsa de Doutorado; Pesquisadora responsável vander-lan da silva bolzani; Bolsista marilia valli; Investimento r$ 65.003,67 (fapesp).

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Novo levantamento aponta a existência

de 891 espécies de aves no bioma,

um quarto delas ameaçadas de extinção

CiÊnCia zoologia y

asas da mata atlântica

de extinção). O trabalho consumiu cinco anos de revisão da literatura científica e visitas a quase todos os estados com trechos de mata atlântica. “Só não estive em Sergipe e no Mato Grosso do Sul”, afirma Lima, que mora em Resende (RJ), perto do Parque Nacional do Itatiaia, em cujas matas observa aves desde os 13 anos de idade.

Os grandes números do mapeamento, que re-forçam a importância desse bioma para o mundo das aves, são reveladores. A mata atlântica apre-senta 891 espécies de aves, cerca de 45% de to-das as espécies encontradas em terras nacionais. A Amazônia tem mais espécies, cerca de 1.300, mas sua área é quatro vezes maior, de acordo com os limites geográficos adotados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Aproximadamente um quarto das espécies de aves – 213 em números absolutos ou 24% do to-tal – é endêmico da mata atlântica. No jargão da biologia, endêmicas são as espécies encontradas exclusivamente num determinado tipo de forma-ção vegetal e em mais nenhum outro. Outras 17

apesar de ter sido desmatada até que sobrassem apenas cerca de 10% de sua extensão original, a mata atlânti-ca ainda é, literalmente, o quintal da

casa da maioria dos brasileiros. Um em cada sete habitantes do país mora em áreas legalmente definidas como parte desse bioma, que margeia o oceano e a borda oriental do território nacional e corta 17 estados, indo do Piauí até o Rio Grande do Sul. A mais atualizada e completa radiografia da diversidade de aves que vivem em áreas rema-nescentes desse jardim litorâneo pressionado pelo crescimento das cidades acaba de ser concluída.

Sob a supervisão de Luís Fábio Silveira, cura-dor da coleção de ornitologia do Museu de Zoo-logia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), o ornitólogo Luciano Lima, 29 anos, produziu um levantamento de mais de 500 páginas no qual lista todas as espécies de aves conhecidas do bioma, fornece um resumo de suas principais caracte-rísticas e de seus locais de ocorrência e atualiza seu status de conservação (se ameaçadas ou não

marcos Pivetta

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espécies são quase endêmicas, ou seja, ocorrem fundamentalmente na mata atlântica e apenas marginalmente em outros biomas.

Pouco mais de 25% de todas as espécies – 233 em números absolutos – estão ameaçadas de ex-tinção, segundo listagens internacionais e nacio-nais que elencam as aves mais inclinadas a sumir do planeta. Nem toda espécie endêmica está em perigo, nem toda espécie em risco de desaparecer é exclusiva do bioma. No entanto, das aves amea-çadas de extinção, 147 espécies são endêmicas ou quase endêmicas da mata atlântica. “Esse dado é realmente preocupante”, diz Lima. De acordo com o levantamento, a mata atlântica apresenta ainda 1.035 subespécies de aves, das quais 351 são endêmicas. “É a primeira vez que dados sobre a ocorrência de subespécies de aves nesse bioma são apresentados em um estudo”, diz Silveira. Em ornitologia, o termo subespécie se refere a populações geograficamente isoladas de uma ave que apresentam algum grau de distinção entre si, mas que não foram consideradas suficientemente

❖ espécie endêmica da mata atlântica ameaçada de extinção

pintor-verdadeiro (Tangara fastuosa)

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distintas para merecer o status de espécie. “Esse conceito foi utilizado de maneira indiscrimina-da na mata atlântica e muitas espécies válidas de aves estão ‘escondidas’ sob o nome de uma subespécie”, afirma o pesquisador do MZ-USP.

inflação De esPéCiesOs dados compilados e produzidos no estudo de Lima diferem de outros trabalhos publicados nas últimas décadas. Há levantamentos relativamente recentes que chegam a apontar a existência de mais de mil espécies de aves na mata atlântica. Em grande medida, as divergências eram esperadas e inevitáveis. “Lima usou critérios mais claros, baseados nas características naturais do bioma e nos aspectos biogeográficos das espécies, pa-ra definir o que era uma área de mata atlântica e quais aves efetivamente habitavam esses tre-

chos”, afirma Silveira, orientador dos esforços do jovem ornitólogo, que concluiu o mestrado neste ano com o estudo. “No passado, outros trabalhos adotaram a definição legal de mata atlântica, que também abrange áreas adjacentes a esse bioma, mas que são, na verdade, segmentos de cerrado, da caatinga ou dos pampas.”

A consequência dessa abordagem excessiva-mente liberal que predominou até pouco tempo atrás foi levar a uma inflação de espécies descri-tas como sendo da mata atlântica, com a inclusão de aves que, a rigor, vivem nas cercanias desse tipo de formação vegetal, mais precisamente em segmentos de outros biomas, segundo Silveira e Lima. Para minorar esse problema, as aves que vivem predominantemente numa faixa de 100 quilômetros (km) situada na fronteira com outros biomas – 50 km dentro dos limites legais da mata atlântica e 50 km fora – não foram consideradas como pertencentes a essa formação vegetal no levantamento do jovem ornitólogo.

“O trabalho de Lima coloca ordem na casa e passa a ser a referência em termos de aves da mata atlântica”, afirma José Fernando Pacheco, um dos diretores do Comitê Brasileiro de Registros Orni-tológicos (CBRO), fórum associado à Sociedade Brasileira de Ornitologia que zela pela qualidade dos dados referentes à distribuição geográfica das aves do país. “Nunca ninguém dedicou tanto tem-po a organizar a lista das espécies desse bioma. É claro que a adoção de qualquer critério de trabalho sempre tem algo de arbitrário, mas as escolhas que ele fez são pertinentes e fazem sentido.”

orDens mais rePresentativasMais da metade das espécies mapeadas da mata atlântica pertence à ordem dos Passeriformes, os populares passarinhos, grupo que reúne 55% das formas conhecidas de aves do planeta. De acordo fo

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a variedade de formas e tamanhos das aves da mata atlântica é impressionante. basta ver as imagens publicadas nesta reportagem. aqui ao lado, aparece um araçari-banana (Pteroglossus bailloni), membro da ordem dos piciformes, que conta com 36 espécies. trata-se de um ruidoso e ainda relativamente abundante parente dos tucanos, que é endêmico da mata atlântica e mede cerca de 35 centímetros (cm) de comprimento. ocorre do sul da bahia ao rio grande do sul, incluindo paraguai e argentina. abaixo, ainda nesta página, a foto mostra uma dupla de cuitelões (Jacamaralcyon tridactyla), também endêmicos, mas que correm risco de extinção. historicamente há registros apenas de populações esparsas dessas aves, de aproximadamente 18 cm, entre o sul da bahia e o norte do paraná. Na página ao lado, há ainda um registro do imponente jacuaçu (Penelope obscura), ave da ordem dos galliformes que alcança por volta de 70 cm, encontrada em boa parte da mata atlântica

❖ espécie endêmica da mata atlântica

ameaçada de extinção

Page 39: Pesquisa FAPESP 217

PesQuisa faPesP 217 z 39

com o trabalho de Lima, existem 476 espécies de pássaros no bioma. Nessa ordem, há desde ani-mais banais paras os habitantes urbanos, como os pardais, até bichos pouco conhecidos e ameaça-dos de extinção, caso do pintor-verdadeiro (Tan-gara fastuosa). Essa ave colorida, com pouco mais de 10 centímetros de comprimento, é encontrada apenas em trechos de mata atlântica entre o Rio Grande do Norte e Alagoas.

A segunda ordem com mais representantes é a dos Apodiformes, com 53 espécies de beija-flores e andorinhões. Em terceiro lugar aparecem os Charadriiformes, com 50 espécies de gaivotas e maçaricos. Em seguida surgem os Accipitriformes (águias e gaviões, com 37 espécies), Piciformes (pica-paus, tucanos e araçaris, 36), Psittaciformes (araras, papagaios e periquitos, 31) e Gruiformes (galinhas-d’água, 25).

Embora seja o bioma mais estudado pelos orni-tólogos, a mata atlântica ainda reserva surpresas. Às vezes, de onde menos se espera surge uma no-vidade. Esse é o caso da primeira espécie de ave endêmica do estado de São Paulo, a Formicivora paludicola, que ocorre exclusivamente em bre-jos da região de Mogi das Cruzes. O bicudinho--do-brejo-paulista, nome popular da espécie, acaba de ser descrito num trabalho científico. “Quem diria que a 50 quilômetros da minha sa-la de trabalho haveria uma espécie nova, ainda não identificada?”, diz Silveira, um dos autores da descoberta (ver texto na página 40). n

projetoaves da mata atlântica: riqueza, composição, endemismos e lacunas de conhecimento (nº 2011/17032-7); modalidade bolsa de mestrado; Pesquisador responsável luís fábio silveira; Bolsista luciano lima; Investimento r$ 35.723,34 (fapesp).

Perfil das aves da mata atlântica

n mata atlântica

Passeriformes (pássaros)

apodiformes (beija-flores e andorinhões)

Charadriiformes (gaivotas e maçaricos)

accipitriformes (águias e gaviões)

Piciformes (pica-paus, tucanos, araçaris)

Psittaciformes (araras, papagaios e periquitos)

Gruiformes (jacamins, saracuras, galinhas-d’água)

Pelecaniformes (garças e pelicanos)

Caprimulgiformes (bacurais e mães-da-lua)

Demais ordens

número De esPéCies

espécies ameaçadas de extinção233

espécies exclusivas do bioma

213

espécies da mata atlântica

891

orDens Com mais esPéCies

20%

ambientes modificados pelo homem

13%

brejos, banhados, lagoas e rios

5%

ambientes litorâneos (praias e manguezais)

2,5%

Campos abertos naturais

2,5%

ambientes diversos

57%

florestas

4765350

3736

31252220

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Hábitats onDe vivem

fonte luCiaNo lima

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40 z março DE 2014

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Nova espécie de ave é a primeira a ocorrer exclusivamente em áreas

do estado de são paulo

nos brejos do alto tietê

Duas dezenas de pequenos bre-jos situados nos arredores das nascentes dos rios Tietê e Pa-raíba do Sul, distantes entre

50 e 100 quilômetros da cidade de São Paulo, são a única morada conhecida da primeira espécie de ave com ocor-rência restrita ao estado de São Paulo, a Formicivora paludicola. Em nenhum outro trecho de mata atlântica preser-vado no país há registros de exemplares do bicudinho-do-brejo-paulista, nome popular da espécie, que foi descrita por pesquisadores na edição de dezembro da Revista Brasileira de Ornitologia. “Aves endêmicas de apenas um estado são

raras”, afirma Luís Fábio Silveira, do MZ-USP, um dos autores do trabalho. “A natureza não respeita as fronteiras políticas criadas pelo homem.” Os bi-cudinhos costumam viver aos pares, um macho e uma fêmea, e têm uma autonomia de voo limitada, de apenas 25 metros. Nunca deixam o ambiente pantanoso, onde pulam em folhas e caule de uma taboa, planta típica de brejos e várzeas, para outra.

Encontrar uma nova espécie de ave, o grupo de animais mais estudado da biologia, na porção leste da maior área metropolitana do país foi uma ótima surpresa. Com 11 centímetros (cm) de

comprimento e peso médio de 9 gra-mas, o frágil bicudinho, que se alimenta de insetos, vive nos estratos médios da vegetação de brejos isolados que estão dentro de terras dos municípios de Mogi das Cruzes, Salesópolis, Biritiba-Mirim, São José dos Campos e Guararema. Essas localidades alagadas estão nas cabeceiras dos dois rios citados, em altitudes entre 600 e 760 metros acima do nível do mar. A nova ave pertence à família Thamno-philidae, que conta com 226 espécies (chorozinhos, papa-formigas, choqui-nhas) e 46 gêneros. Com a inclusão do bicudinho paulista, o gênero Formicivora passa a contar com nove espécies.

fêmea do bicudinho-do-brejo- -paulista (Formicivora paludicola)

Page 41: Pesquisa FAPESP 217

PesQuisa faPesP 217 z 41

projeto Distribuição, hábitat e tamanho do território do bi-cudinho-do-brejo-paulista (formicivora sp. nov.) (nº 2011/16251-7); modalidade bolsa de mestrado; Pesqui-sador responsável luís fábio silveira; Bolsista glaucia Cristina Del-rio; Investimento r$ 43.360,02 (fapesp).

artigo científico

buzzetti, D.r.C et al. a new species of formicivora swainson, 1824 (Thamnophilidae) from the state of são paulo, brazil. revista brasileira de ornitologia. v.21, n. 4, p. 269-91. dez. 2013.

Além de causar alegria, a identificação do pequeno habitante alado dos brejos da região de Mogi das Cruzes é também motivo de preocupação. O bicudinho pau-lista corre sério risco de desaparecer em breve. Mal foi descoberto e já pode ser considerado “criticamente ameaçado de extinção”, última categoria antes de uma espécie ser decretada extinta ou quase ex-tinta, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Na-tureza (IUCN, na sigla em inglês). Estudos feitos por Silveira e Glaucia Del-Rio, sua aluna de mestrado, indicam que houve um enorme encolhimento das áreas de brejo que serviam de hábitat para a ave devido à expansão dos centros urbanos e das atividades rurais e industriais no leste do estado de São Paulo. “Estimamos que a população total de bicudinhos seja hoje de 560 a 620 exemplares”, diz Glau-cia. “Nossos cálculos apontam que a área atual de ocorrência da espécie (levando em conta todos os brejos em que foi en-contrada) é de 1,4 quilômetro quadrado.” Uma extensão de terra mais de mil vezes menor do que a cidade de São Paulo.

Entre 1885-1905, de acordo com ma-pas da Comissão Geográfica e Geológica

do Estado de São Paulo consultados por Glaucia e Marco Rêgo, havia mais de 410 km2 de brejos e várzeas nos arredores do rio Tietê e Alto Paraíba do Sul, dos quais 300 km2 exibiam as características ne-cessárias para abrigar a espécie. “É pra-ticamente certo que o bicudinho existiu dentro da cidade de São Paulo num pas-sado não muito distante”, diz Silveira.

esPéCie irmãA nova ave é parecida com sua espécie irmã, a Formicivora acutirostris, popular-mente chamada apenas de bicudinho-do--brejo, que ocorre na faixa costeira que vai do Paraná ao norte do Rio Grande do Sul. Mas o bicudinho paulista apresen-ta diferenças anatômicas e genéticas em relação a seu parente mais próximo. As coxas e a porção inferior dos machos são pretas, mais escuras do que essas partes do bicudinho do Sul. Seu dorso é de um tom marrom-acinzentado escuro, igual-mente distinto do da espécie irmã. A parte superior exposta do seu bico é ainda me-nor do que a da ave de ocorrência mais meridional. As fêmeas das duas espécies igualmente apresentam diferenças de apa-rência. Estudos moleculares indicam que

o último ancestral comum às duas formas de bicudinho deve ter vivido num período anterior ao surgimento do homem mo-derno. “Analisamos o DNA mitocondrial das duas espécies e estimamos que, evo-lutivamente, elas se separaram entre 250 mil e 640 mil anos atrás”, afirma Silveira.

Entre a localização dos primeiros bi-cudinhos paulistas e a descrição oficial da espécie, passaram-se pouco mais de nove anos. O primeiro a ver e registrar os sons de exemplares da ave foi Dante Renato Corrêa Buzzetti, do Centro de Estudos Ornitológicos, uma ONG de São Paulo, um dos autores do trabalho cien-tífico agora publicado. Em 4 de outubro de 2004, durante uma incursão por um vasto brejo em Mogi das Cruzes domina-do por taboas e outras plantas aquáticas, Buzzetti se deparou com uma fêmea e um jovem adulto do que em princípio julgou serem exemplares de F. acutirostris, o bi-cudinho do Sul. Intrigado pela presença desses animais incomuns naquela região, voltou ao lugar no dia seguinte, avistou um bicudinho de ventre preto e coletou dois exemplares do bicho.

Pouco tempo depois, Silveira também encontrou a ave em brejos do município de Biritiba-Mirim. Em fevereiro de 2005 descobriu uma população de aproxima-damente 100 bicudinhos nessa locali-dade. “O problema é que a área estava para ser inundada pela construção de uma barragem”, lembra o ornitólogo do MZ-USP. “Tivemos de montar rapida-mente um projeto para retirar as aves de lá e reintroduzi-las em locais com as mesmas características.” Setenta e dois bicudinhos foram salvos e realocados em meia dúzia de brejos da região. É por isso que hoje há lugares em que a ocorrência da ave é espontânea, natural, e outros em que ela foi introduzida (ver mapa acima). Mas, se os brejos do Alto Tietê continuarem encolhendo, o bicudinho paulista pode sumir de vez. n

onde vive o bicudinho paulista

Cidade de são Paulo

mogi das Cruzes

rio tietê

20 km0 rio Paraíba do sul

brejos de ocorrência natural da ave

lugar que forneceu os exemplares usados na descrição da espécie

áreas onde o bicudinho foi introduzido

Page 42: Pesquisa FAPESP 217

palestras do Ciclo de Conferências

defendem a importância dos

serviços ecossistêmicos associados

à biodiversidade

o valor da natureza

Em tempos de mudanças climáticas, prin-cípios ecológicos antes deixados de lado parecem ganhar força, marcando pre-sença em discussões políticas de planeja-

mento econômico para um plano estratégico de desenvolvimento sustentável. “Talvez o melhor exemplo desse avanço em relação às discussões sobre conservação ambiental seja a criação – um tanto atrasada, vale dizer – da Plataforma Inter-governamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos pela Organização das Nações Unidas em 2012”, destacou Carlos Joly, coorde-nador do programa Biota-FAPESP durante sua fala na abertura da temporada 2014 do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação no dia 20 de fevereiro, em São Paulo. Segundo Joly, a plataforma, conhecida pela sigla em inglês Ip-bes, será responsável pela difícil tarefa de fazer com que o conhecimento científico produzido sobre a biodiversidade em todo o mundo seja reunido e sistematizado com o objetivo de sub-sidiar decisões políticas e econômicas em nível internacional, “nos mesmos moldes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC”, completou.

As mudanças na percepção dos agentes políti-cos sobre a importância da conservação ambien-tal, contudo, se deram de forma lenta, a partir do

rodrigo de oliveira andrade

esPeCial biota eDuCação x

século XIX, segundo a bióloga Rozely Ferreira dos Santos, do Instituto de Biociências da Universida-de de São Paulo (IB-USP), começando a ganhar corpo com os estudos que procuraram valorizar as funções ecossistêmicas sob a premissa de que as atividades econômicas e o bem-estar humano seriam dependentes dos serviços naturais por elas geradas, como a produção de oxigênio, alimento e água potável. Por décadas essas ideias foram discutidas, reformuladas e criticadas – “os ani-mais, as plantas e os ecossistemas têm um valor em si mesmos, independentemente da utilidade que possam representar para o homem”, diria o ambientalista norte-americano Aldo Leopold. De qualquer forma, até a década de 1990, “os proces-sos de produção econômica sempre superavam a discussão da conservação ambiental”, disse Rozely durante sua palestra, em que apresentou um apanhado histórico de estudos conduzidos por economistas e ambientalistas na busca por definições objetivas e integradas sobre o tema.

Segundo ela, por anos esses grupos discorda-ram em relação a conceitos como o de funções ambientais e serviços naturais, entre outros, sen-do incapazes de entendê-los como princípios unificadores dos interesses de ambas as partes. Esse conflito foi se amenizando à medida que se passou a entender os bens e serviços ecossistê-

42 z março DE 2014

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micos como sistemas de suporte não só à vida, mas também à economia. Estudos publicados em meados de 1990, por exemplo, estimaram o valor dos serviços ecossistêmicos no mundo em US$ 33 trilhões, dos quais US$ 20,9 trilhões são bens e serviços associados aos ambientes mari-nhos e costeiros. “Percebemos que os processos oceanográficos estavam atrelados a serviços que precisávamos começar a entender”, disse o bió-logo Alexander Turra, do Instituto Oceanográ-fico da USP e um dos palestrantes convidados.

baÍa Do araçáDesde 2012, Turra participa da coordenação de um projeto temático no âmbito do programa Bio-ta-FAPESP com o objetivo de compilar – ainda que preliminarmente – e descrever a biodiversi-dade da baía do Araçá, no município de São Se-bastião, litoral de São Paulo, também apresentan-do alternativas à intervenção do ser humano no funcionamento desse ambiente e, inclusive, esti-mulando iniciativas que tentem reverter o atual quadro de degradação ambiental. “Queremos integrar diferentes áreas do conhecimento am-biental, físico, biológico e social para estudos em biodiversidade, conservação e gestão marinha”, explicou. Segundo ele, a ideia é tentar conciliar o estilo de vida local com a conservação ambiental.

Um desafio e tanto, ele reconhece, “que requer mudanças culturais profundas na sociedade”.

A enseada do Araçá é uma área limitada por flancos rochosos que abrange quatro praias – Deodato, Pernambuco, Germano e Topo – e duas ilhas – Pernambuco e Pedroso – entre Ilhabela e São Sebastião. Devido à proximidade com a ma-lha urbana, esse conjunto de pequenas praias, costões rochosos, bancos arenosos e lamosos vem há anos sendo exposto a diferentes tipos de ações antrópicas, como ocupações irregulares, efluentes de esgoto doméstico e vazamentos de óleo, por conta da proximidade do porto de São Sebastião e do terminal aquaviário da Petrobras.

Mesmo assim, o ambiente parece resistir à in-terferência humana. A baía do Araçá mantém ho-je um dos últimos remanescentes de manguezal do litoral de São Sebastião. Segundo Turra, esses ecossistemas são importantes para a manutenção da vida marinha. Além disso, a capacidade dos manguezais de absorverem carbono da atmosfera e estocá-lo aumentou sua importância diante das alterações climáticas (ver Pesquisa FAPESP nº 216). O Araçá abriga uma alta diversidade bioló-gica. Por lá, a biodiversidade conhecida alcança 733 espécies, das quais 34 foram descritas como novas para a ciência, além de ser reduto de pes-cadores artesanais, que usam pequenas canoas

a baía do araçá abriga um dos últimos remanescentes de manguezal do litoral de são sebastião. em marés baixas, uma grande área de fundo de areia e lama fica descoberta

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Page 44: Pesquisa FAPESP 217

44 z março DE 2014

caiçaras para capturar peixes e crustáceos. “Mas tão importante quanto identificar essa riqueza biológica é entender a importância dessa diver-sidade e quais serviços estão associados a ela”, disse o biólogo.

Com pouco mais de dois anos de projeto, Turra e seus colaboradores ainda tentam entender co-mo os habitantes dessa região enxergam o Araçá. Com base em entrevistas, eles observaram que a população parece compreender a importância desse ambiente para o suporte à vida, à econo-mia e também à manutenção de sua identidade e herança cultural. Com base nessas entrevistas e outros dados, os pesquisadores sistematizaram os bens e serviços marinhos providos pela biodiver-sidade marinha daquela região. “A baía do Araçá oferece ao homem serviços ambientais, culturais e econômicos importantes, que variam da pro-visão de alimento e matéria-prima à regulação climática – via sequestro de dióxido de carbono (CO2) – e ciclagem de nutrientes”, sintetizou.

O grupo de Turra também vem desenvolvendo iniciativas a fim de aproximar diferentes atores so-ciais para uma discussão em vários setores, “como professores de ensino fundamental e médio, que podem trabalhar a lógica dos serviços ecossistê-micos e da valoração dos benefícios ambientais com seus alunos”, disse. Segundo ele, os serviços ecossistêmicos normalmente não são reconheci-dos nas tomadas de decisões. Daí a importância de mostrar quão valiosos eles são e formular meca-nismos que possam capturar de fato seus valores.

Uma tarefa não muito fácil, a julgar pela pró-pria dificuldade em estabelecer um conceito úni-co para o termo “serviços ecossistêmicos”. Para Rozely Ferreira dos Santos, à medida que diferen-tes autores foram ao longo dos anos trabalhando separadamente, foi-se ampliando o conjunto de definições atribuídas a esses serviços. “Ora os ser-viços são condições e processos, ora são funções ecossistêmicas, em outras situações são produtos de funções ecológicas”, disse. Para ela, a defini-

rozely ferreira dos santos e alexander turra

pescador lança rede de pesca artesanal, a tarrafa, em praia de são sebastião, litoral de sp

1

4

Page 45: Pesquisa FAPESP 217

ção é simples: as paisagens abrigam estruturas e processos ligados a funções (como as populações de peixes) que fornecem serviços (estoques de peixes), os quais devem ser trabalhados dentro de um contexto sociocultural, a partir de seus benefícios. Segundo a bióloga, a valoração des-ses serviços deve começar nas estruturas e nos processos que determinam as funções.

ConCeito inDefiniDoEm 2010, um projeto de lei que dispõe sobre a Polí-tica Estadual de Mudanças Climáticas no estado de São Paulo foi além e definiu os serviços ecossistêmi-cos como benefícios que as pessoas obtêm dos ecos-sistemas e os serviços ambientais como os serviços ecossistêmicos que resultam em impactos positivos para além da área onde são gerados. Para Rosely, a lei acrescentou ao debate um conceito de serviços ambientais que poucos autores usam. “O proble-ma é que mal se consolidou um conceito e já estão criando outros, aplicando-os na forma de lei. Isso pode comprometer uma abordagem de valoração integrada, em que tanto aspectos ecológicos quanto sociais e econômicos são considerados na avaliação das interfaces existentes entre serviços ecossistêmi-cos, sistema econômico e bem-estar social.

O Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educa-ção é uma iniciativa do programa Biota-FAPESP, em parceria com a revista Pesquisa FAPESP. Em 2014, as palestras terão como foco os serviços ecos-sistêmicos (ver programação ao lado), comple-mentando as palestras de 2013 sobre os principais ecossistemas brasileiros. De acordo com Carlos Joly, os conceitos desse debate ainda não estão completamente definidos, mas em evolução, “se fazendo cada vez mais presentes nas discussões so-bre conservação, estratégias e políticas”, concluiu. nfo

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Programação Ciclo de Conferências biota-faPesP educação 2014

+10

Para mais informações: www.biota.org.br | www.biotaneotropica.org.br | www.agencia.fapesp.br

20 De março

(14h00-16h00)

bioDiversiDaDe e

poliNização

Conferencistaskayna agostini (ufsCar/araras)

vera imperatriz fonseca (usp)

bruno magalhães freitas (ufC)

24 De abril

(14h00-16h00)

bioDiversiDaDe e proteção

a reCursos hÍDriCos

ConferencistasJosé galizia tundisi (iee)

reynaldo luiz victoria (Cena-usp)

humberto ribeiro da rocha

(iag-usp)

22 De maio

(14h00-16h00)

bioDiversiDaDe e muDaNças

ClimátiCas

Conferencistasleonardo meirelles (usp leste)

alexandre f. Colombo

eduardo assad (CNptia-

embrapa)

26 De JunHo

(14h00-16h00)

bioDiversiDaDe e CiClagem

De NutrieNtes

Conferencistasluiz a. martinelli (a confirmar)

simone a. vieira (Nepam-

unicamp)

plínio barbosa de Camargo

(Cena-usp)

1 alga comum no araçá lembra um pequeno cacho de uva

2 anêmonas-do-mar (Anemonia sulcata) em poça d’água formada pela maré no araçá

3 bolacha-do-mar (Encope emarginata) em sedimento areno-lamoso

2 3

Page 46: Pesquisa FAPESP 217

46 z março DE 2014

moléculas sintetizadas em

laboratório imitam mecanismo de

produção de energia das plantas

imagine um frasco de água onde está mergulhada uma placa de metal re-vestida com um material sintetizado em laboratório, que produz e arma-

zena energia na forma do gás hidrogênio simplesmente por estar ao sol. “Estamos pensando num mundo em que a água seria o combustível”, diz o químico Jack-son Megiatto, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esse aparato ainda não é realidade em grande esca-la, mas de acordo com o pesquisador já não é ficção científica. “Um corpo de conhecimento vem sendo construído para obter energia a partir do sol e água em um futuro próximo.” O hidrogênio é uma fonte energética importante, porque além de eficiente ele não gera poluentes quando usado como combustível. Produ-zi-lo, porém, tem sido um grande desafio. Em parceria com pesquisadores das uni-versidades do Estado do Arizona (ASU) e da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Megiatto deu um passo para a solução do problema: reproduzir em laboratório a reação de quebra de moléculas de água promovida por energia solar.

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fotossíntese artificial

As plantas, as algas e algumas bacté-rias têm a capacidade única de produ-zir energia a partir de água e luz solar, e conseguem isso graças a um mesmo processo: a fotossíntese, que envolve mo-léculas complexas e reações químicas ainda não completamente compreen-didas. Quando ativadas pela luz solar, essas moléculas naturais são capazes de decompor a molécula da água, H2O, uma das mais estáveis na natureza, em seus constituintes oxigênio e hidrogênio. “Es-sa estabilidade da água é tão grande que quando tentamos reproduzir o processo nossas moléculas são degradadas antes das de água”, explica Megiatto.

A novidade do estudo está no design das moléculas fotoativas e dos catalisado-res nanoparticulados que imitam o siste-ma fotossintético natural que as plantas têm usado ao longo de milhões de anos para acumular a energia que sustenta a maior parte da vida na Terra. Os resul-tados foram publicados em dois artigos na PNAS, em 2012, e mais recentemente na Nature Chemistry, na qual foi veicu-lado on-line em 9 de fevereiro deste ano.

maria Guimarães

Depois de estudar o que se conhece sobre a fotossíntese natural, ele conse-guiu sintetizar em laboratório moléculas mais robustas, chamadas de perfluoro porfirina, cujo comportamento é seme-lhante ao do cofator P680, que ocorre naturalmente nas plantas. Para imitar a estrutura proteica do sistema natural diretamente envolvido no processo de quebra das moléculas de água, foi também necessário acrescentar um grupo fenóli-co à porfirina. “Quando excitada pela luz solar, a porfirina rouba um elétron do gru-po fenol, gerando uma espécie química com energia suficiente para quebrar as moléculas de água”, descreve o químico da Unicamp, que fez o trabalho enquanto era pesquisador associado na ASU e no Centro para Produção Bio-Inspirada So-lar de Combustível (BisFuel), criado em 2009 com um investimento de US$ 14 milhões pelo Departamento de Energia norte-americano.

A equipe monitorou as transferências de elétrons entre a porfirina e o fenol usando uma técnica conhecida como es-pectroscopia de ressonância paramagné-

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tica eletrônica. “A técnica detecta apenas os elétrons que estão livres nas molé-culas, e não aqueles que estão envolvi-dos em ligações químicas no material”, explica Megiatto. As respostas observa-das foram muito semelhantes às obtidas quando o sistema fotossintético natural é submetido à mesma análise, indican-do um paralelo na maneira como esses compostos transportam elétrons quando expostos à luz solar.

“Até agora, nenhum material tinha sido capaz de transferir elétrons de maneira tão similar ao sistema natural”, comemora o químico. Os resultados foram atingidos em 2011, mas antes de publicar o grupo fez questão de realizar testes exaustivos para garantir que podiam ser reprodu-zidos, além de analisar o novo material usando outras técnicas. Deu certo. “O material tem sido sintetizado no Arizo-na até por alunos de graduação e os re-sultados são sempre os mesmos”, diz o pesquisador.

O material desenvolvido por Megiatto já integra aparelhos fotossintéticos que funcionam como pequenas usinas à base

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48 z março DE 2014

artigos científicosmegiatto, J. D. et al. a bioinspired redox relay that mim-ics radical interactions of the tyr-his pairs of photosystem ii. nature Chemistry. on-line. 9 fev.

megiatto, J. D. et al. mimicking the electron transfer chain in photosystem ii with a molecular triad thermo-dynamically capable of water oxidation. Pnas. v. 109, p. 15.578-583. 2012.

zhao, y. et. al. improving the efficiency of water split-ting in dye-sensitized solar cells by using a biomimetic electron transfer mediator. Pnas. v. 109, p. 15.612-616. 2012.

Catalisador

de água. A ideia é conectá-los a células a combustível. Testes preliminares mos-tram, porém, que o sistema ainda é ine-ficiente para a produção de energia em larga escala. Daqui para a frente, serão necessários mais estudos em laboratório para refinar o funcionamento do sistema de produção de energia.

Ao fim desse trabalho, Megiatto esta-va prestes a assinar um contrato como professor no BisFuel, mas soube de um concurso no Instituto de Química da Unicamp e optou por voltar ao Brasil. Aqui ele mantém a colaboração com o grupo dos Estados Unidos, por meio de uma pesquisa integrada, reuniões via in-ternet e, no futuro, troca de alunos entre os laboratórios brasileiro e americano para realizar etapas do estudo que exi-jam o uso de equipamentos específicos em um dos dois países.

Nos próximos tempos, seu plano é encontrar uma maneira de melhorar o desempenho do material à base de por-firina e a eficiência do processo foto-químico, com a intenção de diminuir o

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so

sistema fotossintético completomaterial sintético pode reproduzir quebra da molécula da água feita pelas plantas

fonte JaCksoN megiatto

mergullhada em água e exposta à luz do sol, uma placa metálica revestida por moléculas pode funcionar como usina produtora de energia

a água, subproduto da geração de energia, pode ser reutilizada no sistema

os gases podem ser armazenados para serem usados em células a combustível

a porfirina ligada ao fenol funciona de maneira similar ao cofator p680 da fotossíntese natural

a molécula de porfirina energizada pela luz do sol consegue roubar elétrons do fenol

o fenol com menos elétrons tem energia suficiente para decompor moléculas de água

Com a ajuda de catalisadores, o sistema produz hidrogênio e oxigênio a partir de água e luz solar

energia + H2o

Porfirina

fenol

Porfirina

Porfirina

Porfirina

fenol

fenolágua

água

custo de produção de energia. A ideia é fazer com que as moléculas de porfirina e fenol se organizem sozinhas como se fossem peças de um jogo de armar em vez de precisarem ser ligadas quimica-mente uma à outra. É preciso, ele ex-plica, descobrir como “conversar” com essas substâncias químicas dispersas em solução: “Você vem aqui, você dá a mão para aquela outra molécula…”. Mais uma vez, não é ficção científica, mas parte de uma disciplina conhecida como química supramolecular. “Os custos cairiam sig-nificativamente e a eficiência aumenta-ria”, prevê o químico, caso seu projeto seja bem-sucedido.

Longe de estar isolado na busca pela produção de energia sem a necessidade de combustíveis fósseis, no final de feve-reiro Megiatto foi convidado para expor a nova tecnologia na Universidade de Tec-nologia em Delft, na Holanda, e discutir alternativas futuras. Também apresentou a fotossíntese artificial no encontro mul-tidisciplinar Fronteiras da Ciência, orga-nizado na Inglaterra pela Royal Society, pela FAPESP e pela Academia Brasileira de Ciências. Se depender da integração de esforços, estão contados os dias da fotos-síntese como exclusividade das plantas. n

se depender da integração de esforços, estão contados os dias da fotossíntese como exclusividade das plantas

Catalisador

fenol

Page 49: Pesquisa FAPESP 217

FNDCT • 45 ANOS DE APOIO À PESQUISA NO BRASIL

O Fundo Nacional de Desenvol­

vimento Científico e Tecno lógico

(FNDCT) foi criado em 31 de ju­

lho de 1969 com a finalidade de gerenciar

os recursos destinados ao de senvolvimento

da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil.

Mais de 40 anos depois, contando com re­

cursos de 15 fundos setoriais, o FNDCT tem

desempenhado papel fundamental no inves­

timento para a modernização das instituições

de pesquisa e no financiamento de projetos

estratégicos para o País em áreas como saúde,

petróleo, energia, agrone gócio, biotecnologia

e Amazônia Legal. O volume de recursos ge­

ridos pelo Fundo atualmente permitiu superar

a média de investimentos da década de 1970,

considerada histórica e importante para a es­

truturação do sistema brasileiro de pesquisa e

pós­graduação. Se em 1999 o desembolso do

FNDCT girava em torno de R$ 100 milhões,

em 2005 este valor já alcançava R$ 700 mi­

lhões. Em 2006, se aproximava da marca de

R$ 1 bilhão, até alcançar R$ 2 bilhões em

2008 e R$ 4 bilhões em 2013.

A aplicação destes recursos obedece ao

modelo de gestão estabelecido na Lei nº

11.540/07, regulamentada pelo Decreto nº

6.938/09. Foi este normativo, aliás, que do­

tou o FNDCT dos mais modernos instrumen­

tos de financiamento à ciência, tecnologia e

inovação. Os recursos do Fundo podem ser

utilizados da seguinte forma: modalidade re­

embolsável, modalidade não­reembolsável,

e participação em fundos de investimento ou

participação direta no capital de empresas

inovadoras. Na modalidade reembolsável, o

FNDCT financia projetos de desenvolvimento

tecnológico das empresas brasileiras, sob a

forma de empréstimos da FINEP, instituição

que é a Secretaria­Executiva do Fundo desde

Orçamento saltou de R$ 100 milhões em 1999 para R$ 4 bilhões nos dias atuais

FOTO

1971. Estas operações de crédito contam com

o mecanismo da equalização, ou seja, chegam

às empresas com taxas de juros extremamen­

te atraentes, a partir de 3% ao ano para as

tecnologias definidas como críticas pela Polí­

tica Operacional da FINEP.

O FNDCT possui também instrumentos de

financiamento na modalidade não­reembol­

sável, estruturado de acordo com as diretri­

zes, programas e linhas de ação estabeleci­

dos pelo Governo Federal por intermédio do

Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Estes instrumentos especiais destinam­se

tanto às instituições de pesquisa quanto às

empresas. No primeiro caso, contempla o

apoio a projetos de pesquisa das Instituições

Científicas e Tecnológicas – ICTs, desenvolvi­

dos de forma isolada ou em cooperação com

empresas. Estes recursos possibilitam o de­

senvolvimento do País por meio da implan­

tação de novos projetos em universidades e

centros de pesquisa, que incentivam a gera­

ção de conhecimento e a transferência de

tecnologia para as empresas. Também vem

do FNDCT a verba para subvenção econô­

mica às empresas que sejam aprovadas em

chamadas públicas específicas. A participa­

ção em fundos de investimento ou participa­

ção direta no capital de empresas inovadoras

servem como alternativa de incentivo a pro­

jetos de impacto tecnológico relevante, isto

é, que apresentem significativo retorno social

e econômico aos brasileiros.

Ao permitir a articulação de todos estes

instrumentos de financiamento ao desen­

volvimento científico e tecnológico, o FNDCT

constitui­se como fonte indispensável para o

Plano Inova Empresa, lançado pelo Governo

Federal em 2013. Trata­se do maior plano de

investimento à inovação tecnológica da his­

tória do País, com o objetivo central de elevar

a produtividade e a competitividade da eco­

nomia brasileira, a partir da articulação e do

fortalecimento das relações entre empresas,

universidades, institutos de pesquisa e setor

público. Demonstramos, a seguir, exemplos

do sucesso da aplicação transversal dos

recursos do FNDCT nas suas mais diversas

modalidades.

informe publicitário

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Page 50: Pesquisa FAPESP 217

informe publicitário

O Inova Saúde é o mais avançado programa voltado ao

desenvolvimento tecnológico das cadeias produtivas

do Complexo Industrial da Saúde – CIS. Formado

pelas indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos e

insumos, o CIS é peça fundamental para o desenvolvimento do

País, pois, além de ser um sistema produtivo com alto potencial

de geração de conhecimento, que responde por cerca de 30%

das inovações mundiais, é um setor que representa 8,8% do

PIB e emprega 10% da força de trabalho do Brasil, segundo

dados do Ministério da Saúde. Vale ressaltar ainda que o País

sofre com forte dependência de importações, sendo que o défi-

cit na balança comercial, em 2012, chegou a aproximadamente

R$ 22 bilhões. Lançado pelo Governo Federal em abril de 2013,

no âmbito do Plano Inova Empresa, o Inova Saúde é realizado

pela Finep em parceria com o Ministério da Saúde, o BNDES e

o CNPq, e tem como objetivo o fortalecimento da capacidade

da produção nacional de insumos estratégicos para o Sistema

Único de Saúde - SUS. Desta forma, permite a diminuição da

dependência tecnológica do país no setor, pois cria condições

inéditas de fomento e financiamento das tecnologias prioritá-

rias para a melhoria do sistema da saúde pública brasileiro nas

áreas de biofármacos, farmoquímicos, medicamentos, equipa-

mentos médicos, telemedicina, medicina regenerativa, hemode-

rivados e reagentes para diagnóstico e vacinas. A partir da coor-

denação das ações de fomento e integração dos instrumentos

de suporte financeiros disponíveis, o Inova Saúde busca contri-

buir para a diminuição dessa dependência tecnológica do País

em relação ao fornecimento de importantes insumos utilizados

no campo da saúde humana, colocando o programa como um

dos principais pilares da política industrial do setor.

Com recursos de R$ 3,6 bilhões para as atividades de inova-

ção do CIS, o programa incentiva a ampliação do investimento

privado em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, bem como

estimula uma maior integração entre as instituições de ensi-

no e pesquisa e as empresa do setor. Além disso, reduz os

riscos inerentes à produção de produtos de maior densidade

tecnológica, por meio de instrumentos de financiamento que

criam condições favoráveis ao seu desenvolvimento, entre os

quais se destacam os recursos não reembolsáveis e o crédito

subvencionado do FNDCT, e o uso do poder de compra do Es-

FNDCT • PROGRAMAS

tado com garantia de demanda futura para produtos e bens

estratégicos oferecidos pelo Ministério da Saúde. O potencial

de transformação tecnológica que o Inova Saúde oferece ao

setor é imenso, como já demonstram os resultados proporcio-

nados pelas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs)

concretizadas pelo Ministério da Saúde: desenvolvimento de 64

medicamentos, seis vacinas e uma economia estimada de R$ 3

bilhões para o Governo. Esse modelo tem demonstrado ser o

mais adequado e eficaz, pois ao mesmo tempo em que reduz

o risco de investimento dos laboratórios privados, através dos

incentivos financeiros e das compras governamentais, reduz o

custo dos medicamentos por meio do aumento da competição.

Somando-se a isto, é transferida a tecnologia para a instituição

Inova Saúde

pública de pesquisa, que passará a deter o know-how de de-

senvolvimento e produção. O suporte do financiamento público,

com condições extremamente favoráveis às empresas, permite

viabilizar novos investimentos em pesquisa, desenvolvimento

e inovação.

As PDPs focadas em medicamentos biológicos envolveram oito

laboratórios públicos (Bahiafarma, Biomanguinhos/Fiocruz, Bu-

tantan, Farmanguinhos/Fiocruz, Funed, IBMP/Hemobrás, IVB e

Tecpar) e 17 laboratórios privados de capital nacional e estran-

geiro. Essas parcerias estão estruturadas em torno de 27 novas

PDPs, que fornecem atualmente ao Ministério da Saúde R$ 1,8

bilhão em produtos.

Os desenvolvimentos que estão sendo realizados têm como obje-

tivo o tratamento de doenças como câncer, artrites reumatoides

e diabetes, além de abrangências terapêuticas para hormônio

do crescimento, oftalmologia, cicatrizantes cirúrgicos e vacinas

alergênicas. Os medicamentos de base biológica são considera-

dos mais eficazes e com menos efeitos colaterais, pois atingem

alvos específicos do organismo. O Governo Federal é responsá-

vel por 60% das compras de biológicos, que representam cerca

de 5% da oferta na rede pública e, em contrapartida, consomem

43% dos gastos com medicamentos do Ministério, cerca de

R$ 4 bilhões. Isto faz com que o Brasil seja hoje um grande

importador de medicamentos patenteados e, dessa forma, de-

pendente dos preços praticados pelas empresas multinacionais.

A combinação dos instrumentos do FNDCT, do Fundo Tecnoló-

gico – FUNTEC, do Programa de Sustentação do Investimento

– PSI e do Ministério da Saúde, atuando de forma articulada e

estruturada, tem gerado resultados bastante satisfatórios. Pelo

lado do Governo, esta ação conseguiu de maneira eficiente dis-

ponibilizar para as empresas do setor o apoio governamental

para os seus programas de investimento em inovação pelos

próximos anos, obtendo delas uma resposta positiva e o com-

promisso pela busca do aumento da produtividade. Neste con-

texto, duas empresas nacionais - Bionovis e Libbs - receberam

apoio do Inova Saúde-Fármacos para desenvolver seis medica-

mentos a partir de anticorpos monoclonais para tratamento de

câncer e artrite. Estas iniciativas reúnem de forma integrada e

articulada o poder de compra do Estado, por meio das PDPs, e

o financiamento subsidiado do FNDCT, com recursos de sub-

venção econômica para as etapas mais críticas e de maior risco

tecnológico do projeto, e crédito em condições favoráveis para

as demais etapas. O apoio à inovação nas indústrias farmacêu-

ticas, de forma coordenada com instituições de pesquisa e com-

binando instrumentos financeiros e de suporte, vem sendo uma

grande novidade no setor, capaz de estimular uma verdadeira

revolução no segmento e viabilizar um serviço de saúde mais

barato, mais competitivo e com maior geração de valor agre-

gado para o Brasil. Poucas vezes na história do País formou-se

uma articulação com essa precisão, capacidade tecnológica e

volume de investimentos.

FOTO

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Page 51: Pesquisa FAPESP 217

informe publicitário

O Inova Saúde é o mais avançado programa voltado ao

desenvolvimento tecnológico das cadeias produtivas

do Complexo Industrial da Saúde – CIS. Formado

pelas indústrias farmacêuticas e de equipamentos médicos e

insumos, o CIS é peça fundamental para o desenvolvimento do

País, pois, além de ser um sistema produtivo com alto potencial

de geração de conhecimento, que responde por cerca de 30%

das inovações mundiais, é um setor que representa 8,8% do

PIB e emprega 10% da força de trabalho do Brasil, segundo

dados do Ministério da Saúde. Vale ressaltar ainda que o País

sofre com forte dependência de importações, sendo que o défi-

cit na balança comercial, em 2012, chegou a aproximadamente

R$ 22 bilhões. Lançado pelo Governo Federal em abril de 2013,

no âmbito do Plano Inova Empresa, o Inova Saúde é realizado

pela Finep em parceria com o Ministério da Saúde, o BNDES e

o CNPq, e tem como objetivo o fortalecimento da capacidade

da produção nacional de insumos estratégicos para o Sistema

Único de Saúde - SUS. Desta forma, permite a diminuição da

dependência tecnológica do país no setor, pois cria condições

inéditas de fomento e financiamento das tecnologias prioritá-

rias para a melhoria do sistema da saúde pública brasileiro nas

áreas de biofármacos, farmoquímicos, medicamentos, equipa-

mentos médicos, telemedicina, medicina regenerativa, hemode-

rivados e reagentes para diagnóstico e vacinas. A partir da coor-

denação das ações de fomento e integração dos instrumentos

de suporte financeiros disponíveis, o Inova Saúde busca contri-

buir para a diminuição dessa dependência tecnológica do País

em relação ao fornecimento de importantes insumos utilizados

no campo da saúde humana, colocando o programa como um

dos principais pilares da política industrial do setor.

Com recursos de R$ 3,6 bilhões para as atividades de inova-

ção do CIS, o programa incentiva a ampliação do investimento

privado em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, bem como

estimula uma maior integração entre as instituições de ensi-

no e pesquisa e as empresa do setor. Além disso, reduz os

riscos inerentes à produção de produtos de maior densidade

tecnológica, por meio de instrumentos de financiamento que

criam condições favoráveis ao seu desenvolvimento, entre os

quais se destacam os recursos não reembolsáveis e o crédito

subvencionado do FNDCT, e o uso do poder de compra do Es-

FNDCT • PROGRAMAS

tado com garantia de demanda futura para produtos e bens

estratégicos oferecidos pelo Ministério da Saúde. O potencial

de transformação tecnológica que o Inova Saúde oferece ao

setor é imenso, como já demonstram os resultados proporcio-

nados pelas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs)

concretizadas pelo Ministério da Saúde: desenvolvimento de 64

medicamentos, seis vacinas e uma economia estimada de R$ 3

bilhões para o Governo. Esse modelo tem demonstrado ser o

mais adequado e eficaz, pois ao mesmo tempo em que reduz

o risco de investimento dos laboratórios privados, através dos

incentivos financeiros e das compras governamentais, reduz o

custo dos medicamentos por meio do aumento da competição.

Somando-se a isto, é transferida a tecnologia para a instituição

Inova Saúde

pública de pesquisa, que passará a deter o know-how de de-

senvolvimento e produção. O suporte do financiamento público,

com condições extremamente favoráveis às empresas, permite

viabilizar novos investimentos em pesquisa, desenvolvimento

e inovação.

As PDPs focadas em medicamentos biológicos envolveram oito

laboratórios públicos (Bahiafarma, Biomanguinhos/Fiocruz, Bu-

tantan, Farmanguinhos/Fiocruz, Funed, IBMP/Hemobrás, IVB e

Tecpar) e 17 laboratórios privados de capital nacional e estran-

geiro. Essas parcerias estão estruturadas em torno de 27 novas

PDPs, que fornecem atualmente ao Ministério da Saúde R$ 1,8

bilhão em produtos.

Os desenvolvimentos que estão sendo realizados têm como obje-

tivo o tratamento de doenças como câncer, artrites reumatoides

e diabetes, além de abrangências terapêuticas para hormônio

do crescimento, oftalmologia, cicatrizantes cirúrgicos e vacinas

alergênicas. Os medicamentos de base biológica são considera-

dos mais eficazes e com menos efeitos colaterais, pois atingem

alvos específicos do organismo. O Governo Federal é responsá-

vel por 60% das compras de biológicos, que representam cerca

de 5% da oferta na rede pública e, em contrapartida, consomem

43% dos gastos com medicamentos do Ministério, cerca de

R$ 4 bilhões. Isto faz com que o Brasil seja hoje um grande

importador de medicamentos patenteados e, dessa forma, de-

pendente dos preços praticados pelas empresas multinacionais.

A combinação dos instrumentos do FNDCT, do Fundo Tecnoló-

gico – FUNTEC, do Programa de Sustentação do Investimento

– PSI e do Ministério da Saúde, atuando de forma articulada e

estruturada, tem gerado resultados bastante satisfatórios. Pelo

lado do Governo, esta ação conseguiu de maneira eficiente dis-

ponibilizar para as empresas do setor o apoio governamental

para os seus programas de investimento em inovação pelos

próximos anos, obtendo delas uma resposta positiva e o com-

promisso pela busca do aumento da produtividade. Neste con-

texto, duas empresas nacionais - Bionovis e Libbs - receberam

apoio do Inova Saúde-Fármacos para desenvolver seis medica-

mentos a partir de anticorpos monoclonais para tratamento de

câncer e artrite. Estas iniciativas reúnem de forma integrada e

articulada o poder de compra do Estado, por meio das PDPs, e

o financiamento subsidiado do FNDCT, com recursos de sub-

venção econômica para as etapas mais críticas e de maior risco

tecnológico do projeto, e crédito em condições favoráveis para

as demais etapas. O apoio à inovação nas indústrias farmacêu-

ticas, de forma coordenada com instituições de pesquisa e com-

binando instrumentos financeiros e de suporte, vem sendo uma

grande novidade no setor, capaz de estimular uma verdadeira

revolução no segmento e viabilizar um serviço de saúde mais

barato, mais competitivo e com maior geração de valor agre-

gado para o Brasil. Poucas vezes na história do País formou-se

uma articulação com essa precisão, capacidade tecnológica e

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Page 52: Pesquisa FAPESP 217

FNDCT • RESULTADOS

informe publicitário

Já pensou estudar a fundo a estru-tura de um diamante e descobrir, com precisão, de que lugar ele foi

extraído? Ou, então, por análise quími-ca, mapear onde foi refinada a cocaína apreendida em qualquer lugar do País? Não, não estamos falando do argumen-to de um novo filme policial ambien-tado daqui a 50 anos. O que parece uma história prontinha para as telonas, na verdade, é um programa já consoli-dado e em franca expansão da Polícia Federal, boa parte dele financiado com recursos do FNDCT operacionalizados pela Finep. O Programa de Ciência e Tecnologia Aplicado à Segurança Públi-ca, desenvolvido no Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília, visa a apoiar e fomentar projetos de pesqui-sa, desenvolvimento de novas tecnolo-gias, inovação e capacitação no campo das ciências forenses (análise científica das evidências de um crime). Nos últimos cinco anos, a Finep apro-vou mais de R$ 10 milhões de recursos do FNDCT para diferentes projetos em áreas como análises químicas, minera-logia, genética, geofísica, geoproces-samento e análise papiloscópica. Com este aporte, a Polícia Federal espera uma atuação uniforme entre institui-

FNDCT investe no campo das ciências forenses e ajuda a derrubar o mito do crime perfeito

ções federais e estaduais de combate ao crime.Os resultados obtidos na primeira proposta apoiada pelo FNDCT apontaram para uma nova fase, e são utilizados para aplicação em novas regiões, materiais e drogas. Em todas as áreas das ciências forenses haverá capacitação de um número maior de profi ssionais, implantação de novas regionais de pesquisa, além do estabeleci-mento de novas metodologias. Na área de Meio Ambiente, por exemplo, pretende-se facilitar o acesso a informações geográfi cas a partir de localidades com conexão de dados de baixa capacidade. Gerar uma biblioteca de padrões espec-trais de madeiras brasileiras, para tornar mais rápido e confi ável o seu método de identifi cação, é um dos desafi os.O Programa deu os seus primei-ros passos em 2003, quando foram criados laboratórios regionais de DNA e também uma rede de laboratórios de microscopia eletrôni-ca de varredura, voltada à detecção de resíduos de disparos com ar-

mas de fogo nas mãos de possíveis atiradores

ou em objetos de cena de crime. Com o aumento

das áreas no campo das ci-ências forenses – de toxico-

logia à mineralogia forense – o Brasil espera, nos próxi-

mos anos, fazer frente aos pa-íses desenvolvidos e acabar de

uma vez por todas com o mito do crime perfeito.

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Page 53: Pesquisa FAPESP 217

PesQuisa faPesP 217 z 53

teste avalia sensibilidade de células tumorais

a medicamentos e o eventual retorno do câncer

meDiCiNa y

Checagem preventiva

Em um dos principais centros de pesquisa em câncer nos Es-tados Unidos, o Moffitt Cancer Center, na Flórida, um brasilei-ro formado em engenharia de

computação está avançando em um teste que, por meio de imagens processadas em computador, avalia a sensibilidade das células tumorais aos medicamen-tos antes do início do tratamento. Se o trabalho correr como desejado, essa abordagem poderá ir além dos testes já disponíveis, que ajudam a selecionar os quimioterápicos mais eficientes, e predi-zer se e quando o câncer poderia voltar.

“Hoje, os testes equivalentes ao nos-so permitem apenas saber se as células tumorais são sensíveis ou resistentes aos medicamentos”, diz Ariosto Silva, responsável pela concepção e desen-volvimento do teste, cujos resultados preliminares foram apresentados em janeiro em um artigo na revista Cancer Research. “O novo teste, se funcionar co-mo o esperado, representará um passo

ricardo zorzetto

importante rumo a tratamentos perso-nalizados contra o câncer.”

O teste ainda está em fase de ajustes. No dia 27 de janeiro, Silva recebeu em seu laboratório um pequeno tubo de vi-dro com células de um tipo de câncer sanguíneo chamado mieloma múltiplo, mais frequente em pessoas com mais de 60 anos. Era mais uma amostra de células tumorais extraídas da medula óssea que ele pretendia submeter ao tes-te em que trabalha há três anos. No dia seguinte, as células de mieloma foram acondicionadas em compartimentos de um bloco plástico montado sobre uma lâmina de vidro. Ali, as células doentes entraram em contato com células sau-dáveis do mesmo paciente, imersas em uma mistura de nutrientes do sangue: essa combinação tenta reproduzir em laboratório o ambiente que as células tumorais encontram no interior dos os-sos, onde se proliferam.

Em seguida, Ariosto, com sua equipe, adicionou a cada compartimento dosa-fo

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Page 54: Pesquisa FAPESP 217

54 z março DE 2014

no interior dos ossos, as células que originam o mieloma vivem aderidas a células saudáveis com as quais trocam informações químicas

gens diferentes de seis medicamentos contra o mieloma, além de combinações desses compostos antitumorais. Pelos cinco dias seguintes, eles acompanha-ram, por meio de fotografias tiradas a cada cinco minutos com o auxílio de um microscópio, o ritmo de morte das célu-las. Silva, com sua equipe, fez um pro-grama de computador que faz a identi-ficação e a contagem automática das cé-lulas mortas e sobreviventes e, com base nessas informações, calcula o risco de o câncer voltar após o tratamento com a medicação mais adequada.

vizinHança aColHeDoraNos experimentos iniciais os pesquisa-dores usaram células tumorais e saudá-veis de sete pessoas com mieloma para avaliar o desempenho de dois compostos – bortezomib e melphalan – usados para tentar reduzir a progressão desse câncer, ainda sem cura. Eles constataram que, em companhia das células saudáveis do tecido (estroma) que lhes fornece apoio físico e nutrientes, as células do mieloma se mostraram mais resistentes aos medi-camentos. Em contato com o estroma, mais da metade das células tumorais con-tinuavam vivas um dia depois de serem tratadas com melphalan – isoladas, qua-se todas morrem em pouco mais de 12 horas, dependendo da concentração do

quimioterápico. O efeito do melphalan foi restaurado quando os pesquisadores acrescentaram o bortezomib ao meio con-tendo as células saudáveis e as tumorais.

“Ao reconstituir o ambiente tumoral, conseguimos fazer uma análise mais realista da resposta ao tratamento”, co-menta Silva. É que no interior dos ossos

os plasmócitos, células que originam o mieloma, não estão sozinhos. Vivem ade-ridos a células do estroma, com as quais trocam informações químicas o tempo todo. “O ambiente da medula protege as células tumorais”, diz ele. “Durante o tratamento as células do mieloma mi-gram no interior da medula óssea para regiões cada vez mais protegidas.”

Com graduação em engenharia de computação pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica, Silva especializou-se em biologia molecular durante o doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e no Centro Infantil Boldri-ni, que atende crianças com câncer. Em 2008 ele se mudou com a família para trabalhar no Moffitt Center, na cidade de Tampa, na Flórida, com o oncologis-ta matemático Robert Gatenby. Autor de uma visão própria sobre a evolução das células tumorais, Gatenby, como outros líderes do centro, buscava uma abordagem ampla e multidisciplinar, com matemáticos, físicos e cientistas da computação, que trabalham com biólo-gos e oncologistas, de modo a entender o câncer como um sistema complexo e dinâmico, em vez de olhar apenas pa-ra as células doentes, que, agora se vê, são apenas um dos componentes desse ambiente (ver Pesquisa FAPESP nº 162, agosto de 2009).

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acompanhamento em tempo realprograma de computador compara sequência de imagens de células tumorais tratadas com quimioterápicos e distingue automaticamente, a partir de alterações no volume celular, as vivas (verde) das mortas (vermelho)

Page 55: Pesquisa FAPESP 217

PesQuisa faPesP 217 z 55

2

Silva e sua equipe pretendem usar o novo teste para estudar como o ambiente tumoral e a localização do câncer evo-luem durante o tratamento. Sua estra-tégia não usa compostos que danificam as células tumorais e as saudáveis – um programa de computador tira fotos au-tomaticamente e depois as analisa, reco-nhecendo as que estão vivas porque elas pulsam, como se respirassem. Assim, é possível identificar mais facilmente o efeito dos quimioterápicos e acompanhar as células por até cinco dias, um período considerado bastante longo. Os testes comerciais usam compostos para mar-car as células que também as danificam e podem matá-las, dificultando saber se morreram por causa do tratamento ou da técnica de medição usada no teste.

risCo De retornoComo o novo teste permite observar célula por célula, Silva e sua equipe conseguiram verificar a sensibilidade das células a dife-rentes concentrações de medicamentos e medir o tamanho da população resisten-te ao longo do tempo. Segundo ele, isso

torna possível reconstruir a trajetória de redução do tumor e estimar quando ele pode voltar a crescer. “Estamos tentan-do personalizar o tratamento e também fazer o acompanhamento personalizado de como ele evolui”, conta Silva.

Essa estratégia já foi usada experimen-talmente no Moffitt Cancer Center para verificar se o que os pesquisadores obser-vavam em laboratório também ocorria na prática clínica. E os resultados prelimina-res parecem favoráveis. “Já acompanha-mos alguns pacientes por um ano e cons-tatamos que existe uma correlação entre a sensibilidade e a resistência verificadas nos testes in vitro e as medidas in vivo, agora precisamos validar o método tes-tando em mais 40 ou 50 pessoas”, diz Sil-va, que planeja aplicar o teste em outros cânceres sanguíneos, como o linfoma e a leucemia, em colaboração com pesqui-sadores do Brasil. Silva acredita que não será difícil validar o método se conseguir trabalhar em colaboração com outros centros. Além disso, ele acrescenta, os programas de computador empregados nos testes são de uso livre e, portanto, qualquer laboratório de biologia mole-cular poderia repetir os experimentos.

“Pela natureza do teste, muitos esque-mas terapêuticos poderiam ser testados in vitro antes de expor o paciente a trata-mentos que eventualmente se mostrem menos eficazes”, observa Roger Cham-

mas, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coorde-nador do laboratório de pesquisa transla-cional do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, que colabora com Silva e Gatenby. “Da forma como foi proposto, o modelo parece mais adequado aos tumo-res hematológicos, como o próprio mie-loma. Contudo, o modelo permitirá aco-modar no futuro variáveis experimentais que simulem as condições encontradas em tumores sólidos. À medida que esses detalhes sejam acertados, estratégias co-mo essas devem chegar à prática clínica. No meu entender, esse trabalho represen-ta um exemplo bastante interessante de um passo nessa direção”, diz Chammas. 

Gatenby está otimista. “Penso que es-sa estratégia pode rapidamente ir pa-ra testes clínicos mais amplos, porque Ariosto fez realmente um bom trabalho em conjunto com oncologistas clínicos, sempre ancorados em aplicações médi-cas”, disse ele a Pesquisa FAPESP. “Es-tou certo de que esse tipo de abordagem não é somente necessária, mas o único modo pelo qual realmente conseguire-mos progredir no controle do câncer.” n

ambiente tumoral: células saudáveis (em verde) protegem células tumorais (em vermelho)

artigo científico

khiN, z. p. et al. a preclinical assay for chemosensiti-vity in multiple myeloma. Cancer research. v. 74, n.1. 1º jan. 2014.

Page 56: Pesquisa FAPESP 217

56 z março DE 2014

força gravitacional lunar causa perturbações

na atmosfera da terra, facilitando

interferência na comunicação com satélites

geofÍsiCa espaCial y

sob efeito da lua

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PesQuisa faPesP 217 z 57

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a Lua, o maior objeto celeste próximo à Terra, influen-cia mais do que o nível dos oceanos. Assim como faz as águas subirem e baixarem ao longo do dia, a Lua também deforma a atmosfera do planeta – bem

pouco, é verdade, cerca de 1 metro – e a deixa alongada como uma bola de futebol americano. Esse esticão sutil, decorrente da atração gravitacional lunar, gera perturbações na alta at-mosfera que foram agora mapeadas em escala global por uma equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O grupo coordenado pelo físico Paulo Prado Batista usou dados coletados durante 10 anos por um satélite norte-americano projetado para estudar a alta atmosfera da Terra e produziu o mais detalhado levantamento das variações na temperatura a altitudes superiores a 30 quilômetros (km) – três vezes mais alto do que voam os aviões comerciais.

Os pesquisadores verificaram que na faixa que vai dos 30 km aos 110 km de altura – e envolve a estratosfera e a mesosfera, na última estão as temperaturas mais baixas da atmosfera (até 100 graus Celsius negativos) – a temperatura pode oscilar até 8 graus ao longo do dia por influência, em grande parte, da atração gravitacional lunar. A força exercida pela Lua sobre o planeta provoca vibrações nas camadas mais baixas da atmosfera que se propagam para as mais altas na forma de ondas semelhantes às que surgem quando se agita uma corda. Assim como fazem a superfície do oceano oscilar, essas ondas, conhecidas como marés lunares, fazem a atmosfera pulsar. “Nos oceanos, a força gravitacional da Lua se manifesta como uma mudança de altu-ra, já na atmosfera ela altera a temperatura ou a velocidade dos ventos”, explica Batista. Ele e as físicas Inez Staciarini Batista, pesquisadora do Inpe, e Ana Roberta Paulino, sua ex-aluna de doutorado no Inpe, apresentaram os detalhes desse mapeamen-to em dezembro de 2013 no Journal of Geophysical Research.

As variações observadas pelo trio se tornam maiores à me-dida que se sobe na atmosfera – e atingem o grau máximo por volta dos 110 km de altura, onde o ar é mais rarefeito e a densidade de gases menor. Essas oscilações de temperatura ocorrem em ciclos com 12 horas e 25 minutos de duração,

um clássico de 1968: a terra vista pela equipe da apollo 8, a primeira missão tripulada a orbitar a lua

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físico e matemático inglês Isaac Newton propôs que, assim como provoca osci-lações no nível dos oceanos, a Lua tam-bém poderia influenciar a atmosfera, que também se comporta como um fluido. Pierre-Simon Laplace, astrônomo e ma-temático francês, retomou o tema cerca de um século mais tarde, mas os dados observacionais disponíveis eram insu-ficientes. Só em 1846 o coronel inglês Edward Sabine publicou as primeiras medições consideradas confiáveis das marés lunares na atmosfera, feitas no observatório da ilha britânica de Santa Helena, próximo à costa ocidental da áfrica. Mas tanto essas medições como as feitas nas primeiras décadas do sé-culo XX eram pontuais. Agora, com o auxílio do satélite Timed, se conseguiu coletar informações sobre a estratosfera e a mesosfera numa faixa que se estende da latitude 50 Norte, mais ou menos na altura do Canadá e da Rússia, até a lati-tude 50 Sul, onde ficam a Nova Zelândia e o sul do Chile e da Argentina.

A propagação dessas marés na atmos-fera agita as moléculas dos gases, provo-cando a mudança na temperatura. Os da-dos coletados de 2002 a 2012 pelo satélite Timed mostram que as variações térmi-cas são maiores nos meses de dezembro

característicos das marés lunares. O pe-ríodo corresponde ao tempo que leva para o planeta dar meia volta em torno de seu eixo e o ponto de sua superfície que estava mais próximo à Lua se tornar o mais distante – tanto a rotação da Ter-ra como a translação da Lua ocorrem no mesmo sentido, embora o movimento da Lua seja mais lento, razão por que esse tempo não coincide com 12 horas. Como a atração gravitacional entre dois corpos depende da distância entre eles, quanto mais próximo da Lua, maior a força e quanto mais distante, menor. Tanto no ponto em que a força é máxima como naquele em que é mínima a atmosfera se esgarça: no primeiro caso, por sofrer um puxão mais intenso e, no segundo, por tender a escapar onde a força é mais fraca. É por causa dessa combinação que a atmosfera ganha a aparência de bola de futebol americano.

O mapeamento do Inpe fornece as evidências mais abrangentes de que as marés lunares na atmosfera, de cuja exis-tência já se duvidou, de fato existem e são importantes para conhecer melhor o clima de uma região do espaço habitada por satélites de pesquisa e comunicação.

Quando formulou sua lei de gravita-ção universal no final do século XVII, o

e janeiro em boa parte da alta atmosfera e menores entre março e maio. Elas tam-bém ocorrem com maior intensidade de junho a setembro no hemisfério Norte e em novembro e dezembro no hemisfério Sul. Segundo Batista, essas variações de-pendentes da latitude já eram bem expli-cadas por dois fatores: a excentricidade da órbita da Lua (sua trajetória ao redor da Terra não é circular, mas elíptica); e pela influência combinada da Lua e do Sol sobre a temperatura da atmosfera (enquanto a Lua faz a temperatura mudar pela atração gravitacional, o Sol altera a temperatura pela energia que fornece diretamente na forma de radiação).

variação lonGituDinalUm resultado, porém, surpreendeu os pesquisadores. Além da variação de acor-do com a latitude, eles também obser-varam variações longitudinais (leste--oeste). Em alguns meses do ano houve picos de flutuação de temperatura nas regiões da alta atmosfera localizadas sobre a Amazônia, a áfrica e o oceano Pacífico. Segundo o físico, algum efeito longitudinal era até esperado, mas não na intensidade observada – como a Ter-ra gira em torno de seu eixo, todos os pontos do eixo longitudinal em algum momento são expostos à mesma força de atração da Lua, o que homogeneizaria essa influência. “Conseguimos separar a influência da componente lunar das de-mais perturbações na atmosfera”, conta Ana Roberta, atualmente pesquisadora na Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande.

“Nossos dados indicaram, porém, que as características da superfície do pla-neta se refletem até alturas muito ele-vadas”, conta Batista. “A deformação na atmosfera decorrente da atração gravi-tacional da Lua sofre influência da dis-tribuição dos mares e dos continentes no globo”, explica o físico. Além disso, continua Batista, “vimos que a flutuação no nível dos mares, a maré oceânica, afe-ta a atmosfera mais do que o esperado”.

As implicações desses achados não se restringem ao plano teórico. Do ponto de vista prático, conhecer melhor as varia-ções de temperatura nessa faixa da alta atmosfera deve permitir a elaboração de modelos mais precisos de como fun-ciona o clima em uma região ainda mais alta – a ionosfera, situada entre 100 km e 1.500 km de altitude –, onde estão os

a influência de continentes e maresflutuações na temperatura da atmosfera a 108 km de altura, decorrentes de perturbações causadas pelas marés lunares e pelo relevo

-180 -120 -60 0 60 120 180 -180 -120 -60 0 60 120 180

-180 -120 -60 0 60 120 180 -180 -120 -60 0 60 120 180

60

40

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-60

0 1 2 3 4 5 6 7 8

longitude longitude

longitude longitude

março JunHo

setembro Dezembro

lati

tude

la

titu

de

latitudelatitude

variação de temperatura (ºC)

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artigo científicopauliNo, a.r; batista, p.p. e batista, i. s. a global view of the atmospheric lunar semidiurnal tide. Journal of Geophysical research: atmospheres. v. 118, p. 13.128-139. 16 dez. 2013.

satélites de pesquisa e comunicação e é alta a concentração de partículas ele-tricamente carregadas. “Para modelar com precisão a ionosfera, não se pode mais ignorar fenômenos como as marés lunares”, afirma Batista.

“Esse mapeamento global do efeito das marés lunares é de grande impor-tância para a previsão do clima espacial”, conta o engenheiro Clezio De Nardin, atual gerente do Centro de Estudo e Mo-nitoramento Brasileiro do Clima Espa-cial (Embrace) do Inpe. As marés lunares são um dos três fatores que disparam a formação de bolhas na ionosfera. Os ou-tros dois motivos são: os campos elétri-cos ao redor do equador e os fenômenos meteorológicos como a formação de nu-vens de tempestade, o deslocamento de frentes frias ou ventos intensos na cama-da mais baixa da atmosfera (troposfera), onde estão 90% dos gases.

bolHas De ÍonsAs bolhas são regiões com menor densi-dade de íons. Elas começam a se formar em geral no início da noite a cerca de 250 km de altura na região do equador magnético da Terra, próximo ao equador geográfico. As marés lunares, explica De Nardin, funcionam como um peteleco

que impulsiona o desenvolvimento des-sas bolhas que podem alcançar milhares de quilômetros de extensão.

Como são menos densas que o am-biente ao redor, essas bolhas, à medida que crescem, sobem para regiões mais altas da atmosfera e reduzem a concen-tração de íons na atmosfera superior. Essa mudança na densidade de íons di-ficulta – e até bloqueia – a passagem das ondas de rádio emitidas pelos satélites de comunicação de baixa órbita, situados a alturas entre 400 e 600 km; pelos saté-

lites do sistema GPS, que estão a 22 mil km de altura; e pelos satélites de comu-nicação geoestacionários, que orbitam a Terra a 36 mil km de altura. “Quando há bolhas, a comunicação com os satélites é extremamente degradada e até inter-rompida, às vezes, por horas”, conta De Nardin. Essa interrupção afeta a nave-gação aérea e marítima, a exploração de petróleo e a agricultura de precisão. “Se nenhuma medida é tomada, ela pode du-rar o suficiente para um barco em alto- -mar se perder ou para romper um duto de uma empresa que faz exploração de petróleo”, exemplifica.

Segundo De Nardin, o mapeamento feito pelo grupo de Batista mostra que os períodos de marés lunares mais intensas coincidem com a temporada de bolhas na ionosfera, que vai de novembro a março. “Esse levantamento nos ajuda a prever e a explicar melhor qual o período em que é mais provável a ocorrência de bolhas”, diz De Nardin. Batista completa: “Não é possível impedir a formação das bolhas, mas se pode ajudar a evitar problemas com os satélites caso se consiga prever com maior precisão quando elas podem ocorrer”. n ricardo zorzetto

Na

sa

um perfil da atmosfera: ônibus espacial endeavour diante da troposfera (em laranja), estratosfera (em amarelo) e mesosfera (em azul) as marés

lunares impulsionam a formação na ionosfera de bolhas que impedem a troca de informações com satélites

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ninguém melhor do que os empreende-dores Emerson Hyppolito e Mervyn Lowe Neto para atestar o dito popu-lar “uma imagem vale mais do que

mil palavras”. Os dois são sócios da P3D, uma empresa de base tecnológica especializada no desenvolvimento de programas educacionais para o ensino de ciências, biologia, química e geografia. Fundada há 11 anos na incubadora de empresas do Centro de Inovação, Empre-endedorismo e Tecnologia (Cietec), na Cidade Universitária, em São Paulo, a P3D faturou R$ 30 milhões em 2012 com o negócio de criar mo-delos tridimensionais e interativos mostrando partes do corpo humano, organismos de animais e plantas, moléculas diversas, corpos celestes e paisagens da Terra, entre outras, para uso em sala de aula. A biblioteca de objetos virtuais já ultrapassou mil modelos, que são utilizadas por estudantes dos ensinos fundamental e médio

modelos de geografia, biologia e química para softwares educacionais produzidos pela empresa paulista p3D

empresas brasileiras conquistam

clientes em vários países

teCnoloGia Computação y

Software made in Brazil

Yuri vasconcelos

de mais de mil escolas no Brasil e outras 4 mil no exterior. “Estamos presentes em mais de 20 países e o nosso software já foi traduzido para 13 idiomas, entre eles inglês, alemão, árabe, coreano e chinês”, diz Lowe, um economista descendente de chineses que não esconde a satisfação pelos negócios firmados no país onde nasceram os seus avós. Há pouco mais de um ano, ele participou de uma feira de educação em Shenzen, na China, e voltou de lá com um pedido de 460 licenças. Foi a estreia de um dos mais promissores mercados do planeta. Os programas da empresa, dona de vários prêmios internacionais em educação e tecnologia, também são usados em escolas da Suíça, da Espanha, da Alemanha e dos Estados Unidos, entre outros países.

A P3D integra o promissor grupo de desen-volvedores nacionais de software que buscam se inserir no mercado internacional para diver-sificar seus negócios e crescer. Com sede em São

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o mercado

brasileiro de

software representa

2,5% do mercado mundial

fonte oBSerVaTórIo SoFTeX e aBeS/ Mercado BraSileiro de Software 2013: PanoraMa e tendênciaS

radiografia do setor

7.984 empresas dedicadas

ao desenvolvimento

e à comercialização

de softwares

629,2 mil pessoas

trabalham nas

indústrias de

softwares e

serviços de ti

2.751empresas dedicadas

à exploração de

serviços de ti

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62 z março DE 2014

Paulo e escritórios em Barcelona, na Espanha, e Xangai, na China, a empresa contou com apoio da Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (Softex) para extrapolar as fronteiras nacionais e levar seus produtos para o mundo. Em conjunto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), a Softex coordena desde 2005 o Projeto Setorial de Promoção de Exportação do Setor de Software e Serviços de Tecnologia da Informação (TI). Seus objetivos são claros: gerar novas oportunidades de negócios no mercado in-ternacional para companhias brasileiras, ampliar o volume de exportações, aumentar a exposição e fortalecer a imagem da indústria brasileira de TI. Tudo isso para tornar o país um centro de excelência mundial em um dos setores mais di-nâmicos da economia. Fazem parte do Projeto Setorial mais de 200 empresas distribuídas em 15 áreas de atuação nas quais o Brasil tem reco-nhecida competência, tais como agronegócio, aviação, petróleo, educação, couro e calçados, automação industrial e telecomunicações.

Dados do Observatório Softex, núcleo de estudos e pesquisas da entidade, revelam que os esforços feitos nos últimos anos

têm dado resultado. “De 2004 até hoje, os valores de exportação de software e serviços de tecno-logia de informação aumentaram cerca de sete vezes. Todo um esforço tem sido realizado para colocar o Brasil no radar das empresas compra-doras”, afirma Glaucia Critter Chiliatto, gerente executiva internacional da Softex. Em 2012, as vendas externas de software e serviços de TI al-

cançaram US$ 1,9 bilhão ante US$ 260 milhões em 2004. Serviços de TI, esclarece Chiliatto, compreendem o desenvolvimento de software sob encomenda e o trabalho de consultoria, su-porte, manutenção e treinamento.

Balanço similar é feito pela Associação Bra-sileira das Empresas de Software (Abes), que anualmente publica o estudo Mercado brasileiro de software e serviços traçando um panorama do setor e delineando tendências para o futuro. No mais recente documento, divulgado em agosto de 2013, a Abes apontava que o faturamento da indústria brasileira de software e serviços atin-gira uma receita de US$ 27,2 bilhões em 2012, incluindo exportações de US$ 2,2 bilhões – cifra ligeiramente diferente da apresentada pela Sof-tex por conta de diferenças metodológicas entre os dois estudos. Com esse resultado, o Brasil se posicionou na sétimo lugar no ranking mundial dos maiores fabricantes de softwares, conside-rando apenas o mercado interno e excluindo as exportações, superando países como Canadá, Austrália, Índia e Coreia do Sul. Ainda segundo o estudo da Abes, elaborado em parceria com a consultoria Internacional Data Corporation (IDC), o mercado mundial de softwares e serviços atingiu naquele ano o valor de US$ 1,02 trilhão.

“Os números de exportação brasileira de sof-twares e serviços vêm evoluindo e a expectati-va é que continuem nessa tendência. No entan-to, dentro do cenário mundial de TI, o patamar ainda é baixo, embora haja muito espaço para crescimento”, afirma Jorge Sukarie, presidente da Abes. A entidade não elabora um ranking dos maiores países exportadores de softwares e ser-

Programas de valorsetor de produção de softwares e serviços de tecnologia da informação (ti) cresce em vendas externas

fonte abes/MERCAdo BRASILEIRo dE SoFTwARE 2013: PANoRAMA E TENdêNCIAS

exPortação brasileira De SOFTWARES e serviços De tifaturamento, em us$ milhões (2012)

evolução Da exPortação De SOFTWARES e serviços De tireceita líquida, em us$ milhões

* o valor difere do apresentado no gráfico “exportação de softwares e serviços de ti” por usar uma metodologia diferente

** estimativa

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

fonte observatório softeX

Softwares183

total2.244

serviços2.061

260,7

387,5

888,3

1.325,3

1.340,2

1.555,2

1.714,1

1.714,1

1.864,0*

1.955,3**

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PesQuisa faPesP 217 z 63

aprendizado musical é a especialidade da empresa pernambucana Daccord, que exporta para 114 países

viços, mas é fato que o Brasil está muito distante dos líderes globais. As exportações de softwares e serviços de TI da Índia, um dos gigantes desse mercado, atingiram US$ 75 bilhões no ano fiscal 2012/2013, encerrado em julho do ano passado.

segundo o executivo da Abes, vários desafios precisam ser superados para que o país au-mente sua presença no mercado global de

softwares. “Competitividade é a chave do negó-cio. É preciso conhecer o mercado-alvo, suas características, legislação e matriz tributária. A certificação com modelos internacionais, tais co-mo CMMI [sigla de Capability Maturity Model Integration, o mais respeitado padrão de qualida-de de software no mundo], também pode ajudar muito e não podemos nos esquecer da inovação. Sem inovação não conseguiremos ter produtos atrativos que gerem interesse para o mercado in-ternacional”, afirma Sukarie, destacando que neste quesito o Brasil não tem sido eficiente. “Embora existam alguns casos de empresários que desen-volveram softwares vencedores que rapidamente alcançaram mercados internacionais, esses casos são exceção e não uma re-alidade, na maioria dos casos.”

Investir em um portfólio de produtos inovadores e diferen-ciados foi a estratégia adota-da pela CI&T para conquistar clientes fora do Brasil. A em-presa criada em 1995 por um grupo de estudantes recém-for-mados da Universidade Esta-dual de Campinas (Unicamp) atua na área de consultoria e desenvolvimento de softwares e tem uma estrutura global de prestação de serviços que in-

clui quatro unidades no Brasil (Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo), cinco nos Estados Unidos (Nova York, Atlanta, Filadél-fia, New Jersey e Los Angeles), uma na Europa (Londres) e duas na ásia (Tóquio, no Japão, e Ningbo, na China). A oferta de produtos e servi-ços da empresa abrange consultoria e desenvol-vimento de aplicações, incluindo social, mobile, cloud e analytics. No ano passado, ela investiu R$ 3 milhões em pesquisa e desenvolvimento, notadamente em iniciativas ligadas a smart com-puting e cloud computing.

O maior mercado internacional da companhia são os Estados Unidos, seguidos do Japão e da Europa. Em 2013, 30% do faturamento, de R$ 200 milhões, foi gerado pela venda de softwares para clientes de outros países. A empresa conta com 1.600 funcionários. “O mercado internacional sempre fez parte da estratégia de crescimento da CI&T. Temos uma visão pragmática: as em-presas que não forem competitivas internacio-nalmente irão desaparecer ou ficarão enjauladas

em nichos. Para a CI&T, expor-tar é uma janela para o futuro, uma oportunidade de conhecer e aprender com a real compe-tição da indústria, onde inova-ção e diferenciação são cruciais. No longo prazo, ou você se tor-na globalmente competitivo, ou estará fora do mercado”, diz Leo-nardo Mattiazzi, vice-presidente de inovação da CI&T.

O grande desafio para competir fora do país, segundo o executivo da CI&T, é conseguir se diferen-ciar em um mercado extrema-mente competitivo, disputado por empresas de todos os portes e geografias, pressionado de um lado por preço e de outro pela

capacidade de inovar. “Apesar das dificuldades e de não sermos uma empresa conhecida fora do Brasil, nossa trajetória internacional é de mar-cante sucesso. Dentro das multinacionais, como Johnson & Johnson, a CI&T é considerada re-ferência de excelência e invariavelmente ganha projetos de maior complexidade.” Um dos pila-res do sucesso internacional da empresa são as certificações, entre eles o CMMI nível 5, o mais elevado de todos, conquistado em 2007 após in-vestimentos de US$ 1 milhão em treinamento de pessoal e adequação de processos. Naquele mes-mo ano, a CI&T foi escolhida pela revista Fortu-ne uma das 10 empresas rising stars, ou aquelas companhias que estão em ascensão no mercado mundial de outsourcing, atividade na área de TI que produz soluções de software para outras em-presas. Outro reconhecimento relevante veio em D

aC

Co

rD

as empresas não competitivas no exterior vão desaparecer ou ficar presas a nichos

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2012, quando foi eleita uma das empresas mais inovadoras no país pela revista Época Negócios.

Outra fabricante nacional que tem colhido bons resultados no exterior é a pernambucana Daccord Music Software, especializada no desenvolvimento de tecnologias para o aprendizado musical. Com clientes em 114 países, ela comercializa aplicativos educacionais, como livros digitais, cursos e jogos musicais. Um de seus produtos de maior sucesso é o iChords, software que abre arquivos de áudio co-mo o MP3 e mostra no violão ou no teclado virtual os acordes que estão sendo tocados. Nos últimos anos, as vendas para clientes internacionais têm respondido por cerca de 15% do faturamento. Os números de 2013 ainda não estão fechados, mas a estimativa é de que a receita alcance R$ 1,6 mi-lhão, o dobro do ano anterior. A partir de 2015, as exportações de software terão um peso ainda maior no resultado operacional da Daccord. “O crescimento desta fatia [venda para clientes inter-nacionais] está estimado em 30% em 2015, quan-do vamos lançar a plataforma Livro Educacional Digital no exterior”, afirma Américo Amorim, um dos sócios da empresa. Essa plataforma já é usada por algumas das maiores editoras brasileiras para produzir e distribuir livros digitais interativos para computadores e tablets de alunos e professores.

fundada em 2001, apenas dois anos depois a Daccord começou a exportar seus produtos. A empresa nasceu da inspiração do cientis-

ta da computação Giordano Cabral, que queria inventar um método de ensinar música de forma divertida e fácil, usando o computador. O primei-ro software desenvolvido, o Violão Player, foi a dis-sertação de mestrado de Cabral, desenvolvida no Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). De-pois de alguns anos abrigada na RecifeBeat, in-cubadora da instituição, a empresa transferiu-se para o Porto Digital, um dos principais polos de tecnologia do país. Em 2010, a companhia, que já conquistou vários prêmios, entre eles o Finep de Inovação e o Santander Banespa de Empreen-dedorismo, ganhou impulso ao receber recursos do fundo de capital semente Criatec, criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi-co e Social (BNDES) com a missão de incentivar empresas emergentes inovadoras. “O Criatec entrou na Daccord para nos ajudar a investir em marketing, vendas e melhorar ainda mais nossa governança corporativa. Tem sido um parceiro de sucesso e uma ótima experiência para os em-preendedores e a equipe da empresa no geral”,

Distribuição reGional Do merCaDo De tipercentual do faturamento total por região,

incluindo hardware, software e serviços de ti

Produção nacional sudeste lidera setor de informática no país

fonte MERCAdo BRASILEIRo dE SoFTwARE 2013: PANoRAMA E TENdêNCIAS/ abes

os desafios são a competição com empresas mundiais, a adaptação ao mercado local e a legislação de outros países

diz Cabral, para quem a principal dificuldade no processo de internacionalização foi e continua sendo a identificação e a gestão de bons canais de venda para seus produtos.

Para a fabricante carioca Módulo Security Solutions, os maiores desafios para conquis-tar um lugar no mercado global de softwares foram a competição com companhias globais, a adaptação do produto aos mercados locais e a legislação de alguns países, entre eles os Es-tados Unidos, cujos governos são proibidos de comprar programas estrangeiros. Montada em 1985 por um grupo de jovens estudantes do cur-so de informática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Módulo é especializa-da em soluções para governança, riscos e com-

norte2,2%

Centro--oeste

13%

nordeste8,3%

Sudeste64,3%

sul12,2%

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PesQuisa faPesP 217 z 65

maiores merCaDos De SOFTWARES e serviços De tifaturamento em us$ bilhões, 2012. Considera apenas o

mercado interno e exclui exportações

Participação mundialbrasil está em sétimo lugar em mercado dominado pelos estados unidos

fonte abes/MERCAdo BRASILEIRo dE SoFTwARE 2013: PANoRAMA E TENdêNCIAS

pliance ou conformidades, que são o conjunto de diretrizes para cumprir normais legais, as políticas e diretrizes estabelecidas para o ne-gócio e para a atividades de uma organização. Ela atua nas áreas de software, consultoria e educação e seu principal produto de exporta-ção, o Módulo Risk Manager, é comercializado para clientes em cerca de 30 países, entre eles Argentina, Estados Unidos, Inglaterra, Índia e Canadá. “Microsoft, Pennsylvania State Uni-versity, Sumitomo Bank e Procter & Gamble são alguns dos nossos clientes. O Módulo Risk Manager automatiza os processos de gestão de governança, riscos e conformidades em TI e no ambiente corporativo e governança em TI, per-mitindo identificar e avaliar os riscos nas mais

diversas organizações”, explica Rodrigo Palo, gerente de marketing da empresa. O software foi eleito por dois anos seguidos (2011 e 2012) como a melhor opção de compra pela revista norte-americana SC Magazine, especializada em tecnologia da informação, e recebeu em 2013, pelo terceiro ano consecutivo, a nota máxima de cinco estrelas entre os mais de 20 produtos avaliados pela publicação.

a Módulo Security Solutions é uma em-presa brasileira que se internacionalizou. Receber este tipo de reconhecimento tão

criterioso de uma revista de relevância no seg-mento de TI nos deixa satisfeitos por estarmos fazendo o trabalho certo e por colocarmos o Brasil na vitrine de exportadores de soluções em tec-nologia”, ressalta Sergio Thompson Flores, CEO da Módulo. Com mais de 400 funcionários e es-critórios próprios nos Estados Unidos, Canadá, Índia e Inglaterra, a Módulo faturou mais de R$ 85 milhões em 2013, um aumento de 20% sobre o ano anterior. “A perspectiva para 2014 é dar continuidade à nossa estratégia de crescimento, desenvolvendo mais soluções e funcionalidades do software Risk Manager. Devemos continuar investindo também na ampliação de nossa atua-ção internacional, principalmente com o esta-belecimento de parcerias e conquistando novos mercados para o software”, destaca Rodrigo Palo, gerente da empresa carioca.

Também do Rio de Janeiro, a PhDsoft é uma empresa prestes a reingressar no mercado global de fornecedores de aplicativos e tecnologias para o setor de petróleo. O principal produto da empresa, fundada há 14 anos pelo ex-professor da UFRJ Du-perron Marangon, é o software C4D, um programa de simulação capaz de prever falhas estruturais em navios, plataformas de petróleo, pontes e outras grandes construções. O objetivo da tecnologia é prever acidentes e reduzir custos. O C4D antecipa condições futuras das estruturas críticas, evitando acidentes, além de estender a sua vida útil, resul-tando em uma redução significativa do custo para inspeção e manutenção.

Grandes companhias do setor petrolífero com operação no Brasil, como Petrobras, Shell, Trans-petro e Subsea7, já são clientes da PhDsoft, que planeja inaugurar até setembro deste ano um es-critório em Houston, no Texas. “Vai ser nossa base para explorar o mercado norte-americano”, diz Marangon. Além disso, ele está em negociações com uma agência governamental da província de Nova Escócia, no Canadá, para iniciar a venda de seus produtos para o país. “A internacionali-zação sempre foi um objetivo perseguido por nós. Expandir nossas vendas para fora do Brasil significará uma mudança de patamar no nosso negócio”, diz Marangon. n

valor Participação eua 399

Japão 92

grã-bretanha 71

alemanha 64

frança 48

Canadá 31

brasil 24,9

China 23

austrália 22

itália 21

39%

9%

7%

6,3%

4,7%

3,1%

3%

2,2%

2,2%

2,1%

1

2

3

4

5

6

7

8

9

0

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66 z março DE 2014

parceria entre pesquisadores de

universidades e a braile desenvolve uma

válvula para implante no coração

fluxo restaurado

cansaço, falta de ar e dor no pei-to podem ser sintomas de uma doença do coração chamada de estenose da válvula aórtica, ca-

racterizada pela obstrução da passagem do sangue do ventrículo esquerdo para a artéria aorta e daí para todo o corpo. Uma causa frequente desse problema, que atinge cerca de 2% das pessoas acima de 65 anos e 3% com mais de 75 anos, é o acúmulo de cálcio na válvula nativa que obstrui a passagem do fluxo sanguíneo. “A válvula aórtica tem um orifício com um diâmetro de 2,8 milí-metros [mm] a 2,6 mm e quando existe a estenose o orifício diminui para 0,7 mm ou 0,5 mm, o que pode inclusive levar a morte súbita”, diz o cirurgião cardiovas-cular José Honório de Almeida Palma, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de São Paulo (USP). Ele coordenou o processo de desenvolvimento da nova bioprótese abrangendo os testes iniciais em ani-mais até a fase clínica para implante do dispositivo que refaz o mecanismo natural da passagem do sangue. Cha-

CarDiologia y

marcos de oliveira

mada de Inovare Válvula Transcateter, ela já é produzida pela empresa Braile Biomédica, em São José do Rio Preto, no interior paulista. O desenvolvimento do produto foi realizado por um grupo de pesquisadores da empresa, da Unifesp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e InCor ao longo de três anos.

A solução é inédita no Brasil e vem ba-ratear o produto em relação aos dispositi-vos semelhantes importados dos Estados Unidos, onde duas empresas dominam o mercado e cobram em cada válvula cer-ca de R$ 120 mil. A brasileira está sendo vendida pela metade do preço, R$ 60 mil. A válvula transcateter é composta no lado externo por uma espécie de stent, peque-no cilindro feito em tela metálica muito fina que é colocado dentro de artérias quando há estreitamento ou interrup-ção do fluxo sanguíneo. “É uma tela de uma liga metálica de cobalto-cromo com muita resistência mecânica e à corrosão e sem cantos vivos que possam ferir a fa-ce interna dos vasos sanguíneos”, diz o professor Antônio Carlos Guastaldi, do Grupo de Biomateriais do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, que

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PesQuisa faPesP 217 z 67

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barreira

a tela metálica é suturada

a um tecido de poliéster

para evitar a passagem

de sangue entre a válvula

natural e a implantada

tela metáliCa

feita de uma liga

de cobalto-cromo

e cortada a laser

marCaDores

radiopacos que

tornam a prótese

mais visível no

equipamento de

raios X durante

a cirurgia

membrana

feita de pericárdio

bovino, tecido que

reveste o coração

do boi, depois de

tratado e curtido

PrÓtese

válvula transcateter aberta

na forma que é implantada

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é acompanhada pelos médicos por meio de equipamentos de raios X e ecocardio-grama, que mostram com precisão onde deve ser instalada a válvula. “Para acom-panhar melhor a imagem são instalados no dispositivo marcadores radiopacos que tornam a bioválvula mais visível aos raios X e ajudam a posicioná-la no cora-ção. Eles são feitos de tântalo, um metal também biocompatível”, diz Guastaldi.

Dentro do cateter, a válvula é com-primida junto com um pequeno balão. No local exato, o dispositivo é colocado sobre a válvula aórtica natural, não se extraindo nenhum tecido nativo. Nesse ponto o cateter faz o balão inflar e con-sequentemente abrir a válvula. Quando está fechada, o seu diâmetro mede en-tre 6 e 7 mm. Aberta, tem no máximo 30 mm de diâmetro e 2 centímetros (cm) de altura. Depois de posicionada a válvula, o cateter e o balão são retira-dos. Logo em seguida os médicos con-ferem o restabelecimento da circulação no local. A incisão feita pelo cateter na ponta do coração é fechada por pontos e cicatriza rapidamente, de acordo com os pesquisadores.

coordenou a área científica do desen-volvimento da tela metálica da válvula.

“O corte e o polimento da estrutura me-tálica da válvula foram feitos a laser pela empresa Lasertools [ver em Pesquisa FA-PESP nº 173], de São Paulo, para que ne-nhuma rugosidade ficasse no material”, conta o físico-médico Guilherme Agreli, diretor de produto da Braile. A empresa foi criada em 1983 em uma iniciativa do professor Domingo Braile, que traba-lhou na USP, na Unifesp e na Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp) e foi um dos fundadores da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp) (ver entrevista em Pesquisa FAPESP nº 176).

No lado de dentro do stent é suturado um tecido de poliéster. “Para evitar a pas-sagem de sangue entre a válvula antiga e o implante”, diz Guastaldi. No centro do tubo metálico, a válvula propriamente que substituiu a estrutura natural por onde passa o fluxo de sangue, é instalado um te-cido de pericárdio bovino, membrana que reveste o coração do boi. “Nós já utiliza-mos esse biomaterial em outras válvulas cardíacas há muitos anos. Para obtermos esse material uma equipe da Braile vai até os frigoríficos que possuem certifica-dos do Ministério da Agricultura e cole-ta os pericárdios logo após o abate. Depois esse material passa por tratamento com soluções adequadas, é processado e cur-tido, além de passar por vários testes an-tes de ser utilizado na construção das válvu-las. Todo o processo leva um mês”, explica Agreli. “O pericárdio bovino é um material que possui biocompa-tibilidade, não provo-ca coagulação e tem propriedades mecâ-nicas para uso como uma válvula no cora-ção humano”, diz.

A válvula transcateter já foi implan-tada em mais de 300 pacientes no país e é indicada principalmente para idosos que têm restrições médicas e podem não suportar uma cirurgia em que se abre o peito do doente para a implantação de um outro tipo de válvula no mesmo local. “Na cirurgia de peito aberto clássica nós

paramos o coração do paciente e fazemos uma circulação ex-tracorpórea. Com a válvula transcateter a colocação do dispo-sitivo é feita de forma minimamente invasi-va, com o coração e os pulmões funcionan-do normalmente”, diz Palma. “Para os mais jovens nós continua-mos a utilizar a cirur-gia de peito aberto, é o que chamamos de padrão ouro, e para os idosos graves em con-dições clínicas ruins a indicação é o implan-

te transcateter para diminuir o risco de morte”, diz o cirurgião.

O procedimento começa com uma in-cisão pequena do lado esquerdo do peito ou na virilha com o cateter navegando pelo sistema arterial até atingir a ponta inferior do coração e depois o local pa-ra o implante da bioprótese. A cirurgia

a válvula já foi implantada em mais de 300 pacientes no brasil. é indicada principalmente para idosos

função preservadao acúmulo de cálcio na válvula aórtica é a principal causa da obstrução do sangue que gera a necessidade de um implante

fonte braile

a válvula da

artéria aorta

quando está

saudável abre

e fecha de forma

contínua para

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certa de sangue

passe por ela

quando a

válvula aórtica

tem estenose,

ela não abre

completamente

e obstrui

a passagem

do sangue

coração saudável

válvula aórtica aberta

válvula aórtica com acúmulo de cálcio

válvula aórtica não abre corretamente

válvula aórtica fechada

passagem do sangue

coração com EstEnosE

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da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Labo-ratórios (Abimo). A válvula da Braile foi apresentada pelo grupo de pesquisadores da Unifesp, também em congressos mé-dicos na Inglaterra e nos Estados Uni-dos. “Nós começamos a parceria com a Unifesp em 2004 e em 2007 chegamos ao conceito da válvula aórtica para implante via transcateter também com parcerias que permitiram a incorporação de novas tecnologias, como a área de biomateriais da Unesp e a Lasertools”, diz Agreli.

A Braile investiu cerca de R$ 10 mi-lhões no projeto. “Conseguimos fazer um projeto complexo envolvendo dife-rentes áreas do conhecimento. Desde que começamos em 2007 eram apenas duas empresas americanas que faziam válvulas aórticas e agora já existem no mundo 30 empresas desenvolvendo vál-vulas cardíacas transcateteres, sendo que cinco são dispositivos iguais ou mui-to semelhantes ao nosso”, diz Agreli. A empresa espera conquistar o mercado brasileiro na medida em que as equipes médicas são treinadas e depois vai em

Aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2011, a válvula transcateter está na fase de disseminação do procedimento entre os médicos brasileiros. “Tenho viajado para várias cidades para ensinar a nova técnica”, diz Palma, que recebeu finan-ciamento da FAPESP para fazer ensaios do dispositivo em porcos antes da im-plantação em humanos. “Já fui para o Rio de Janeiro, Porto Alegre e Goiânia, para fazer a cirurgia acompanhado de médicos locais. Eles me avisam que tem um paciente em condições de receber a válvula e eu agendo a cirurgia”, diz. Ele e outros médicos da Unifesp, Ênio Buffolo e Diego Gaia, participaram da validação da válvula com cirurgiões do InCor da USP, do Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, e da Santa Casa de Porto Alegre.

PrÊmios e investimentoAlém do reconhecimento médico, a vál-vula ganhou o Prêmio Finep de Inova-ção 2013, da Financiadora de Estudos e Projetos, na categoria média empresa. Também recebeu o Prêmio Inova 2012

busca dos mercados externos. O pro-cedimento de implante da nova válvula ainda não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Ministério da Saúde, mas existem iniciativas das sociedades médicas para que a válvula transcateter possa estar na lista de procedimentos cobertos pelo sistema público.

Para Guastaldi, da Unesp, o projeto foi um sucesso porque aconteceu um bom entrosamento entre as várias equipes, com muito entendimento e competência, sendo que a empresa também soube se relacionar bem com os pesquisadores das universidades. “Precisamos ressaltar que hoje a cirurgia cardíaca no Brasil está no mesmo nível de outras avançadas de fora do país porque temos empresas como a Braile e pesquisadores em universidades que estão abertos a desenvolver tecnolo-gia e inovação”, completa Palma. n

projetoDesenvolvimento de uma endoprótese valvada auto-expan-sível para implante em posição aórtica (nº 2011/15565-8); modalidade auxílio à pesquisa – regular; Pesquisador responsável José honório de almeida palma da fonseca – unifesp; Investimento r$ 54.450,15.

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o cirurgião faz uma pequena

incisão do lado esquerdo

do peito do paciente e insere

o cateter, que passa pela

ponta do coração até atingir

a válvula aórtica

primeiro é

colocado um

balão para

dilatar a válvula

calcificada. em

seguida o balão

é retirado

Depois é inserido

um cateter com

a válvula

fechada e outro

balão dentro

do dispositivo

ao ser inflado, o balão abre

a prótese que fica posicionada sobre

a válvula natural. o cateter é retirado

e a incisão no coração é suturada

a válvula transcateter atua exatamente

como a válvula natural do coração, abrindo

e fechando de acordo com os movimentos

do batimento cardíaco

2

3

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1

válvula transcateter fechada

válvula transcateter aberta

como é feito o implante como funciona a válvula

5 cm

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70 z março DE 2014

estudo examina as formas de

interação entre os net-ativistas, as

redes digitais e a territorialidade

manifestações neozapatistas

muitos textos foram escritos sobre as passeatas de junho de 2013 no Brasil, especialmente em relação ao teor político, à legitimidade e à importância histórica dessas manifestações. Enquanto alguns

intelectuais foram surpreendidos por sua dimensão, outros viram nas ruas uma expressão altamente simbólica das arti-culações do “net-ativismo”. Esta é, a propósito, a expressão--chave de um estudo sob o tema apoiado pela FAPESP, Net--ativismo: ações colaborativas em redes digitais, liderado pelo sociólogo italiano Massimo Di Felice, coordenador do Centro de Pesquisa Atopos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

O trabalho, impulsionado pelo caráter internacional do net-ativismo, teve a colaboração de três sociólogos europeus: Michel Maffesoli, fundador e diretor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano da Universidade Sorbonne, em Paris; José Bragança de Miranda, do Centro de Estudos de Comunicação e Linguagem da Universidade Nova de Lisboa, e Alberto Abruzzese, do Núcleo Italiano de Midialogia da Universidade Livre de Língua e Comunicação, em Milão. Os três, aliás, e mais Pierre Levy, participaram de 6 a 8 de novem-bro passado do congresso internacional sobre “Net-ativismo, redes digitais e novas práticas de democracia”, na ECA-USP, cujos textos principais deverão estar reunidos em livro no fi-nal deste semestre.

a máscara anonymus foi um dos símbolos das manifestações do exterior usados pelos que não queriam mostrar o rosto

Juliana sayuri

HumaniDaDes soCieDaDe y

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Enquanto debatiam a montagem de um observatório internacional sobre o net--ativismo, Di Felice e colegas encontraram numerosas analogias, especialmente de forma, entre os novos modelos de partici-pação nas redes digitais, entre 2011 e 2013. “Embora fossem surpreendentemente parecidas as reivindicações”, observa ele, os pesquisadores optaram por anali-sar as características das formas de inte-ração entre os ativistas, as redes digitais e a territorialidade. Ou seja, em vez das motivações e dos argumentos políticos, “o que norteou a pesquisa foi a descrição das interacões nessas manifestacões e a amplitude de sua localização”, acrescenta.

Antes, portanto, da efervescência po-lítica e cultural estimulada por diversas mobilizações nas redes e nas ruas, dentro e fora do eixo Rio-São Paulo, o sociólogo já tinha dado seus primeiros passos na investigação do potencial do ativismo articulado nas redes. “O início do estudo foi inspirado por meus percursos, que me levaram a investigar na década passada as formas de conflito na América Latina”, conta Di Felice. A princípio, o pesquisa-dor se dedicou ao movimento zapatis-ta, no México de 1994, que inaugurou o primeiro modelo de protesto global com cartas espalhadas na internet. “Em qual-quer canto do mundo, todos os movimen-

protesto no Congresso Nacional em junho de 2013 contra gastos na Copa, corrupção e por melhorias no transporte, na saúde e educação

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tos atuais encontram o zapa tismo como movimento inspirador. Foi um marco. O rosto coberto dos black blocs e dos Anony-mous vem dos zapatistas, assim como a recusa da luta pelo poder, a aversão às tradicionais bandeiras ideológicas e aos partidos políticos de qualquer tendência e a possibilidade de criar uma comunica-ção própria, como alternativa às mídias oficiais. Esses elementos já se encontra-vam todos no zapatismo”, diz.

A pesquisa de Di Felice identificou três momentos distintos para o ativismo digi tal. Primeiro, na década de 1990, o desen volvimento de movimentos inter-nacionais temáticos, com a difusão de ativismos em redes centralizadas, e de movimentos teóricos da estética na Aus-trália e na Índia, que pretendiam criar estratégias de ações com os chamados tactical media. Sua atuação se dava nas artes e na política com a busca de táticas inovadoras de intervenções, com rápida ramificação internacional. Um exemplo é o surgimento dos protestos digitais do movimento Cyberpunk. 

No segundo momento, ainda na déca-da de 1990 e começo dos anos 2000, Di Felice assistiu aos desdobramentos da fa-se indígena e cibernética que encontrou expressão na luta zapatista e inspirou o Fórum Social Mundial. Assim vieram as

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Agora, com o avanço tecnológico e o advento das redes sociais digitais, a in-ternet se tornou uma plataforma plural e conflitiva, com mobilidade e agilidade, facilitando o intercâmbio e o comparti-lhamento não só de textos e de imagens, mas de outros formatos multimídia. É possível dialogar, criar redes temáticas, trocar conteúdos e buscar soluções de forma colaborativa em tempo real. De acordo com Di Felice, o net-ativismo corresponde a uma forma intensiva de interação na rede, entre indivíduos, terri-tórios e tecnologias digitais. Ao contrário de outros tempos, marcados pela oposi-ção à globalização, esse novo ativismo sinaliza uma identidade cidadã global, possível e presente nas redes digitais, com pautas reivindicatórias direcionadas à democracia, à equidade e à sustenta-bilidade. “A internet é uma construção coletiva. É uma rede inteligente”, de-fine Di Felice, em entrevista realizada por Skype, conectando Roma-São Paulo. 

Na mesma linha, Henrique Antoun, au-tor de A internet e a rua (Sulina, 2013) e coordenador do Cibercult, laboratório

1 protestos em seattle, em novembro de 1999

2 movimento occupy wall street,

em setembro de 2011

primeiras práticas de protesto midiá-tico internacional, em cidades como Seattle (em 1999), Praga (em 2000) e Davos (em 2001), marcando a experi-mentação das primeiras formas de con-flitualidade, levando, com a internet, a ação social para dimensões planetárias.

Por fim, o terceiro momento ocorreu a partir de 2000 e alcança o presente. Nele, o pesquisador destaca um novo ativismo, que, em muitos casos, pro-vocou processos radicais de transfor-mação – como no caso da Primavera árabe, com a derrocada de regimes no Egito de Hosni Mubarak, na Líbia de Muamar Kadafi e na Tunísia de Zine el-Abdine Ben Ali – e o surgimento de novas movimentos, como o 5 Estrelas--M5S, na Itália (2009), o #YoSoy132, no México (2012), os indignados do M15, na Espanha (2011), e o M12M de Portu-gal (2011). Sem esquecer o Occupy Wall Street, nos Estados Unidos (2011), e as jornadas de junho, no Brasil (2013).

Mas o que mudou para propiciar o boom de movimentos tão amplos e di-versos? Para Di Felice, a chave está na passagem da web 1.0 para a web 2.0. An-tes, a internet era uma rede de computa-dores conectados por modems e linhas telefônicas, permitindo apenas a troca de textos e de imagens. Eram os tempos

das primeiras noções de cibercultura. Na década de 1990, o ciberativismo era considerado uma modalidade de ação política direta de base, marcada pela di-fusão de informações na rede a fim de boicotar o consumo e realizar ocupações e protestos relacionados aos direitos hu-manos, civis e ecológicos.

o net-ativismo é uma forma intensiva de interação na rede entre indivíduos, territórios e tecnologias digitais

1

Características do ativismo Como atuam os grupos que reivindicam mudanças

movimentos soCiais moDernosn identidade política coletivan Discurso ideológicon objetivos políticos definidosn luta pelo podern líderes e hierarquia definidan tendência à institucionalizaçãon previsibilidaden espaço de ação: o local nacional

movimentos soCiais nas reDes DiGitaisn anonimato e ausência de identidade

política coletivan Discurso sem ideologian objetivos múltiplosn atuação paralela à lógica da luta

pelo podern formato a-hierárquico, sem líderesn recusa à institucionalizaçãon imprevisibilidaden espaço de ação: o global

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mediante dispositivos me permitem al-terar a minha situação social e a minha experiência da localidade. Onde estamos e onde agimos é hoje cada vez mais o re-sultado de relações em redes ecológicas complexas”, comenta Di Felice.

A segunda característica do net-ati-vismo seria a valorização do anonimato (influenciada pelo movimento zapatis-ta) e a recusa de uma identidade política ideológica, sintetizada num líder (recusa reverberada nos protestos no Brasil, por exemplo). Não há um centro difusor de ordens e ideias, mas uma relação hori-zontal entre os net-ativistas. A terceira característica seria a recusa da institucio-nalização, expressa na aversão a partidos políticos de quaisquer orientações, o que diferencia essencialmente os movimentos sociais nas redes digitais e os movimentos sociais modernos (ver quadro). “O ativis-mo digital possibilita a superação da velha ideia de militante, dos ativos nos grêmios universitários e nos partidos políticos. Isso se superou, pois todos nós podemos atuar nas redes digitais. Na rede estão presen-tes as atividades culturais, os estudos, as relações sociais. Assim, temos uma nova forma de democracia, em que o cidadão é chamado a ser cidadão ativo todos os dias – e não só na participação com um voto a cada quatro anos”, diz Di Felice.

da Escola de Comunicação da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), analisa: “As redes digitais permitem que as populações experimentem as relações socioglobais e locais de modo lúdico e possam propor novas formas de trabalho, projetos autônomos e novos modos de coletividade e governança. Com o cibera-tivismo, a massa estúpida se fez uma mul-tidão inteligente, fazendo o pensamento guiar as ações coletivas e submetendo a centralidade da estratégia ao descentra-mento das táticas”.

nesse contexto, o estudo liderado por Di Felice, além de construir uma tipologia da ação net-ativista

que caracteriza a qualidade da ação em frontal, imersiva, dialógica e reticular, in-dicou três características para a definição de net-ativismo. A primeira se refere à singular ecologia das ações que aconte-cem ao mesmo tempo nas ruas e nas re-des digitais. “É uma nova ecologia, muito complexa, agregando dispositivos de co-nectividade, cidades, corpos e informa-cões digitais (Big data), por meio de dife-rentes tipos de atores e de interações. Não há mais distinção entre o mundo ‘real’ e o mundo ‘virtual’”, diz o pesquisador. “Isso inaugura uma nova forma de cida-dania que supera a esfera pública, antes possibilitada pela mídia da opinião ‘pu-blicada’, ou seja, pela opinião difundida na esfera pública midiática. Agora todo cidadão pode produzir e compartilhar informações.” Basta pensar nas últimas manifestações embaladas pela hashtag #vemprarua. O manifestante está presen-te fisicamente na rua e, ao mesmo tempo, pode registrar e postar fotos no Facebook comentando o protesto em tempo real e expandindo assim a localidade de sua atuação. Pode gravar e postar vídeos no YouTube, mostrando realidades diferen-tes das propagadas pela mídia tradicional. E pode também postar no Twitter, nar-rando impressões pessoais sobre o que acontece na rua e na rede. 

Se não há mais contraposição aparente entre o universo “real” e o “virtual”, o que dizer da diferença entre a esfera pública e o espaço privado? “Atualmente não habi-tamos só o território, mas também redes inteligentes”, explica. “Esse processo que começou com a eletricidade amplia-se quantitativamente com as redes digitais e os dispositivos de conexão móveis. A conexão ubíqua aos fluxos informativos

projetoNet-ativismo: ações colaborativas e novas formas de participação em redes digitais (nº 2010/50999-6); mo-dalidade auxílio à pesquisa – regular; Pesquisador res-ponsável massimo Di felice; Investimento r$ 30.267,23 (fapesp).

artigo científicoDi feliCe, m. ser redes: o formismo digital dos movi-mentos net-ativistas. revista matrizes - usP. v. 7, n. 2, p. 49-71. 2013.

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Mas o net-ativismo está estritamente ligado ao #vemprarua? Isto é, para se realizar, é preciso estar de corpo e alma presente nas manifestações? Talvez não. “O net-ativismo não pode ser pensado apenas na dimensão do protesto ou do conflito. Há redes de cidadãos pensando soluções para diversos impasses de nosso tempo”, observa Di Felice. “A passeata é apenas a expressão visível das redes. Na verdade, o aspecto mais importante do ativismo em rede é o acesso às informa-ções e os debates para a solução direta dos problemas através da criação de re-des de inovação.” Na visão do pesquisa-dor, “aí temos um importante papel das universidades. Elas têm a obrigação de estar nas redes e participar desse pro-cesso histórico que marca a passagem da sociedade do espetáculo para a sociedade das redes”, conclui. n

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74 z março DE 2014

Há mais de uma década pesquisadores do Laboratório de Estudos Avan-çados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp) vêm trabalhando na

linha de frente dos esforços para medir a per-cepção pública sobre a ciência e a tecnologia no país. Tais projetos do Labjor fazem parte de uma iniciativa internacional que começou em 2001 envolvendo a Organização dos Estados Ibero--Americanos (OEI) e a Rede Ibero-Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia (Ricyt/Cyted). Desde então o Labjor vem aprofundando e afinando seus métodos de análise, com o ob-jetivo de identificar estratégias para aprimorar a comunicação acadêmica e ampliar o acesso à informação científica no Brasil.

O Labjor publicou dois mapeamentos extensos sobre a imagem da ciência no Brasil nos Indica-dores de ciência, tecnologia e inovação no esta-do de São Paulo, patrocinados e publicados pe-la FAPESP (2005 e 2010). Antes, os resultados da primeira pesquisa, realizada entre o final de 2002 e começo de 2003, já tinham aparecido no

Para melhor informar

ComuNiCação y

Carolina rossetti de toledo

livro Percepção pública da ciência, de Carlos Vogt (Unicamp-FAPESP, 2003). A segunda pesquisa do Labjor, realizada em 2007, baseou-se no mes-mo questionário aplicado em conjunto em sete países da Ibero-América – Colômbia, Argentina, Venezuela, Espanha, Panamá, Chile e Brasil –, o que permitiu a comparação dos dados coletados. Por último, em 2012, o laboratório encabeçou um terceiro estudo inédito com foco em saúde, cujos resultados foram publicados no ano seguinte. “O tema saúde aparecia nas pesquisas anteriores como uma das principais preocupações da po-pulação e, por isso, merecia uma atenção espe-cial”, explica Carlos Vogt, coordenador do Labjor e  presidente da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Vogt também foi reitor da Unicamp e presidente da FAPESP.

Um dos desafios iniciais do Labjor foi a defi-nição de indicadores adequados que pudessem ser usados em vários países e regiões de modo a criar um padrão metodológico passível de com-paração e análise. O trabalho do laboratório da Unicamp tem gerado frutos em outras fronteiras do país e, em 2013, depois dos contatos do coor-

Dois novos estudos, um da unicamp

e outro da academia de Ciências da bahia,

ampliam a compreensão sobre a

percepção pública da ciência no país

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denador do Labjor com a comunidade acadêmica da Bahia, a metodologia serviu de base para uma pesquisa patrocinada pela Academia de Ciências da Bahia, presidida pelo ex-governador do esta-do e ex-presidente do Conselho Nacional de De-senvolvimento Cientîfico e Tecnológico (CNPq), Roberto Figueira Santos.

“Depois de muitos debates sobre o futuro da educação científica, chegamos à conclusão de que tínhamos dados objetivos sobre o ensino de ciência, mas não havia informação sobre a per-cepção pública da produção acadêmica na Bahia”, diz Othon Jambeiro, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Jambeiro coordenou a pesquisa enco-mendada ao Instituto Datafolha, em parceria com Maurício Barreto, professor do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.

metoDoloGia De PesQuisaO questionário usado em Salvador foi adaptado da metodologia bem-sucedida do Labjor. As pesqui-sas aplicadas consistem na elaboração de 20 a 30 perguntas e são realizadas por meio da abordagem pessoal e individual, em pontos de fluxo sorteados

e distribuídos com base na densidade habitacional das cidades. São entrevistados homens e mulheres de todas as classes sociais e faixas de idade, a par-tir de 16 anos, seguindo as especificidades locais e a dinâmica demográfica do IBGE. As primeiras questões apresentadas são mais gerais e buscam mapear os hábitos de leitura da população, assim como as profissões mais valorizadas pelos entre-vistados, os temas de maior interesse e a opinião sobre os setores da administração pública que deveriam receber maiores investimentos, como Saúde, Educação, Obras, Segurança Pública etc.

Uma etapa permite que os entrevistados ci-tem espontaneamente as áreas de interesse e os temas que consideram polêmicos. Na sequência, são realizadas perguntas mais específicas e os entrevistados são convidados a avaliar os riscos e benefícios da pesquisa espacial, dos transgêni-cos, da nanotecnologia, por exemplo. Também devem ponderar sobre afirmações do tipo: “Ho-je em dia, a ciência é mais importante do que a fé?” ou “Ciência e tecnologia tornam nossas vidas mais saudáveis?”. Em conjunto, as respostas ob-tidas constroem uma poderosa ferramenta capaz de pontuar os principais temas de interesse da

o que mais interessaem são paulo e salvador medicina e saúde aparece como um dos temas de maior interesse (em %)

fonte Datafolha / labJor-uNiCamp

são Paulo*

educação

medicina e saúde

trabalho e emprego

alimentação e consumo

meio ambiente e ecologia

esportes

Ciência e tecnologia

economia e empresas

arte e cultura

viagens e turismo

astrologia e ocultismo

política

Curiosidade sobre a vida de pessoas famosas

salvaDor*

alimentação

medicina e saúde

meio ambiente e ecologia

Cinema, arte e cultura

Ciência e tecnologia

esportes

economia e empresas

Consumo de bens

política

Curiosidade sobre a vida de pessoas famosas

astrologia e ocultismo

*entrevista estimulada

(escala de 1 a 4)**entre os

entrevistados que têm

interesse

base: 404 entrevistas em

salvador

*entrevista estimulada

(escala de 1 a 5)**entre os

entrevistados que têm

interesse

base: 1.511 entrevistas no estado de são

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fonte Datafolha / aCaDemia De CiêNCias Da bahia

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população e sua opinião sobre o estado atual do desenvolvimento científico do Brasil.

O maior problema encontrado nas duas pes-quisas recentes, realizadas na Bahia – com 404 entrevistados de Salvador – e em São Paulo – com 1.511 paulistas de 109 cidades do estado –, é o amplo desconhecimento da população sobre as instituições que produzem ciência no Brasil. Parcela expressiva não sabia citar, espontanea-mente, uma universidade ou instituto. Apenas 17% dos paulistas conheciam uma instituição que trabalha com pesquisa em saúde. Em São Paulo, o índice chegava a 10% entre as pessoas com escolaridade de nível fundamental ou das classes D e E. As instituições mais citadas foram a Universidade de São Paulo (USP), a Unicamp e o Instituto Butantan. Em Salvador, esse padrão se repete e 87% das pessoas não sabem nomear uma instituição que financia a ciência na Bahia.

“Foi chocante saber que a percepção das pes-soas é muito reduzida quanto às universidades e os institutos financiadores de pesquisa no estado, mesmo entre a população de maior renda”, la-menta Othon Jambeiro. “Isso é dramático, afinal a função da universidade é produzir conhecimento e passar isso para a população, mas essa percep-ção não está acontecendo.” Entre as instituições mais citadas pelos soteropolitanos estão a Fun-dação Oswaldo Cruz, a Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb), a Petrobras e a UFBA.

“Talvez falte agressividade da universidade na divulgação, ou articulação com as escolas, ou me-

lhores estratégias para envolver alunos e professores em seminários e debates científicos”, enumera. A pesquisa mostra que menos de 10% da população tem o hábito de assistir programas ou ler notí-cias sobre ciência e tecnologia, ainda que 59% declarem ter interesse pelo assunto. Para a maior parte dos entrevistados em Salvador, a profissão de cientista é muito gratificante do ponto de vista pessoal e 55% consideram a carreira atrativa pa-ra os jovens.

Para os moradores de Salvador, a ava-liação sobre a qualidade da educação nas escolas é preocupante. Dois terços da população acreditam ter recebido um ensino mediano ou ruim no cur-rículo de ciência e tecnologia. Ainda assim, a profissão de professor é a mais admirada, na frente de médicos, cien-tistas, jornalistas e engenheiros. Em comparação, o Labjor constatou em 2012 que 88% dos entrevistados pau-listas admiram a carreira de professor, seguido do empate entre médico e engenheiro (87%) e cientista (83%). De forma geral, há grande con-cordância entre os baianos (87%) de que o co-nhecimento científico auxilia a capacidade das pessoas para decidir coisas importantes em suas vidas. Para 74% dos paulistanos, a ciência e a tec-nologia vão contribuir para melhorar a saúde e o meio ambiente. Tanto para paulistas quanto soteropolitanos a ciência é considerada útil pa-ra, antes de mais nada, ajudar no cuidado com a saúde e a prevenção de doenças.

A partir dos resultados coletados na pesquisa de percepção pública da ciência na Bahia, a Acade-mia de Ciências da Bahia constituiu um grupo de estudos a fim de aprofundar as conclusões iniciais apresentadas. A pretensão é envolver neste aprofun-damento alunos e professores de alguns programas de pós-graduação, particularmente os de Estudos Interdisciplinares sobre Universidades, Difusão do Conhecimento, Saúde Coletiva e Educação, todos da UFBA. Programas de outras universidades exis-tentes na Bahia também deverão ser convidados.

Para a pesquisadora do Labjor Ana Paula Mo-rales, é necessário aproveitar a alta credibilida-de das instituições de pesquisa, que são citadas como as mais confiáveis para formar a opinião dos cidadãos, “e trazer estes institutos para perto da população na hora de fornecer uma informa-ção especializada”. Segundo os pesquisadores, o florescimento de equipes de comunicação nas universidades, assim como revistas de divulgação da produção acadêmica e a criação de programas de especialização em jornalismo científico já têm contribuído para a evolução, gradativa, da dispersão do conhecimento científico no Brasil.

“a função da universidade é

produzir conhecimento e

passar para a população, mas

isso não está acontecendo”,

diz Jambeiro

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DiaGnÓstiCo Da saúDe no brasilA oportunidade de o Labjor realizar um estu-do focado em saúde surgiu com a publicação de um edital do Programa Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (SUS), com apoio financeiro da FAPESP, em 2009. A iniciativa contou com par-ceria do Instituto de Saúde (IS) da Secretaria de Estado da Saúde e do Instituto de Investigação em Imunologia do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (iii-INCT). O objetivo do trabalho foi obter subsídios para a elaboração de políticas públicas na área de comunicação voltadas para a melhor gestão do SUS. “É interessante notar a crescente importância que a comunicação ganhou nos editais de pesquisa”, diz Ana Paula Morales, biomédica especializada em jornalismo científico pelo Labjor e uma das integrantes da equipe de pesquisadores responsáveis pela elaboração das perguntas. Os resultados consolidados serão pu-blicados em um artigo, e um vídeo com entrevis-tas dos professores envolvidos no projeto também está sendo editado pela equipe.

As duas pesquisas realizadas pelo Labjor e pela Academia de Ciências da Bahia indicam a saúde como um dos principais temas de interesse dos entrevistados. O assunto é considerado prioritário para 87% dos soteropolitanos e 86% dos paulistas. Em especial, descobriu-se que há uma curiosidade latente pela divulgação mais intensa de informa-ção qualificada sobre doenças crônicas, entre as quais câncer e diabetes, e sobre novos tratamen-

tos e inovações tecnológicas na área biomédica. Tradicionalmente, a profissão de médico continua a ser amplamente respeitada e valorizada pela população, ainda que persista o hábito de buscar aconselhamento religioso, a automedicação e ou-tras soluções caseiras para as enfermidades. De maneira geral, as pesquisas apresentam um Brasil contraditório, que convive, ao mesmo tempo, com o avanço e a carência na área da saúde.

Constatou-se que há uma sede ainda não sa-nada por mais informação de saúde no Brasil. E a academia precisa dialogar de maneira mais eficiente com a sociedade em alguns temas. Ob-servando os resultados obtidos, foi identifica-da uma grande oportunidade para trabalhar de maneira mais qualificada a comunicação sobre doenças crônicas que preocupam a população. O câncer aparece como a doença mais citada nas entrevistas e aponta para um assunto que deveria ser central na comunicação sobre saúde públi-ca no Brasil. Tabagismo, alcoolismo, obesidade e Aids são outras doenças que merecem maior divulgação e aprofundamento, aponta a pesqui-sa de São Paulo.

A parcela da população que se declarou desin-formada sobre saúde reclama não saber como obter a informação e quais fontes procurar. Outros dis-seram simplesmente não ter interesse pelo tema ou ter dificuldade em compreender a linguagem e a complexidade do assunto. “Nós percebemos que existe um grande desnível entre os temas de

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amigos e familiares

internet

Jornais

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exposições fonte Datafolha / labJor-uNiCamp

fonte Datafolha / aCaDemia De CiêNCias Da bahia

base: 1.511 entrevistas no estado de são paulo

base: 404 entrevistas em salvador

programas ou documentários na tv sobre C&t ou natureza

utilizar a internet para procurar informação sobre ciência

Notícias científicas nos jornais

Conversar com amigos sobre temas de C&t ou ambiente

programas de rádio sobre C&t

revistas de divulgação científica

livros de divulgação científica

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hábitos de informação ligados à ciência e tecnologia dos soteropolitanos (estimulada)

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fontes de notíciasComo os paulistas costumam se informar sobre medicina e saúde (estimulada)

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interesse e o grau de conhecimento”, diz a biomédica Ana Paula Morales. Existe um desnível considerável de 28% en-tre interesse e nível de conhecimento da população sobre saúde e medicina. Em Salvador, o número é ainda maior, de 30%. “Isso mostra o quanto é impor-tante a questão da comunicação e a rela-ção intensa entre pesquisa e divulgação de ciência e tecnologia”, afirma Vogt.

Uma contribuição significativa de ambas as pesquisas foi o mapeamen-to dos hábitos de leitura e consumo de informação dos entrevistados. O estudo realizado na Bahia constatou que prati-camente a totalidade dos entrevistados tem o costume de ver televisão, em mé-dia quatro horas por dia, ao passo que 76% declaram ler jornais impressos. O noticiário policial e esportivo apare-ce com maior frequência na rotina de consumo de informação dos soteropo-

litanos, sobretudo entre os homens e a população de menor escolaridade. Em São Paulo, programas televisivos e a internet aparecem como as princi-pais fontes de informação, ainda que os livros e as campanhas de saúde governamentais sejam vistos como detentores de maior credibilidade.

Apesar do alto grau de confiabilidade, apenas 19% dos paulistanos declaram aderir às campanhas de saúde do governo. O que pode explicar essa

atitude, segundo Carlos Vogt, é a modelagem das campanhas de saúde do governo, geralmente foca-das em alguns nichos etários, como a campanha da gripe para pessoas com mais de 60 anos, a vacina da poliomielite para crianças ou a vacina contra HPV para meninas de 11 a 13 anos. “Podemos di-zer que essas campanhas são bem-sucedidas, pois têm resultados quantitativos expressivos. Elas le-vam a população a tomar conhecimento sobre um assunto e produzir um comportamento desejado, que é o da prevenção”, observa Vogt.

CiÊnCia e féUm dado que surpreendeu a equipe do Labjor foi a interseção entre ciência e fé; 78% dos pau-listas são confiantes e otimistas com relação ao papel da ciência e tecnologia para a melhoria da saúde, do meio ambiente e da qualidade de vida da população. Contudo, vale observar que, quan-do comparado com o papel da religião, apenas 26% dos entrevistados declararam que a ciên-cia é mais importante do que a fé. Na última vez em que ficaram doentes, 22% dos entrevistados declaram ter procurado ajuda de seu templo ou grupo religioso para sanar o problema e 29% re-correram a soluções caseiras e a familiares como fonte de informação.

Em Salvador, a população é de opinião de que há limites para a atividade científica e somente 25% concordam que ela pode resolver todos os problemas, 63% acham que se dá muito valor atualmente à ciência e pouco à religião. Essa res-posta é um padrão especialmente entre os mais velhos, com mais de 60 anos, os que possuem escolaridade fundamental e os evangélicos.

Se interpretadas como um termômetro das prin-cipais reivindicações dos brasileiros, as duas pes-quisas acusam uma demanda insaciada por mais seriedade e comprometimento do poder públi-co em saúde e educação. Um recorte do estudo baiano mostra a discrepância entre as áreas em que a população percebe um destaque do Brasil no cenário internacional – esporte, turismo e in-dústria – e os setores onde gostariam de ver um investimento público mais robusto, justamente saúde, educação e transportes.

“A população exerce uma pressão, direta e indi-reta, sobre os governos e tem impacto nas decisões que envolvem o traçado das políticas públicas de ciência”, diz Othon Jambeiro. A crescente valo-rização de pesquisas na área de saúde pode se explicar, segundo Vogt, pela mudança no modelo de governança na gestão da ciência. “Se antes as decisões sobre os investimentos em ciência eram tomadas de maneira muito vertical, de cima para baixo, por alguns líderes de governo e uma cúpula de cientistas, hoje o modelo tende a ser muito mais democrático e a decisão dos investimentos requer cada vez mais a participação da sociedade civil.” n

em são Paulo, programas de tv e internet aparecem como as principais fontes de informação

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produção da casa

editorial belga

plantin-moretus

abasteceu de cultura

e informação a

península ibérica e

suas colônias entre os

séculos Xvi e Xviii

livros para um novo mundo

Perto do centro de Antuérpia, na Bélgica, numa rua chamada Vri-jdagmarkt (que significa “mer-cado da sexta-feira” em flamen-

go), fica o mais completo museu de artes gráficas do mundo, o Plantin-Moretus, nome da casa editorial que funcionou ali entre 1555 e 1876. O museu é “uma joia rara”, segundo as historiadoras Júnia Ferreira Furtado, professora do Depar-tamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Iris Kantor, do Departamento de His-

tória da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Uma visita ao Plantin-Moretus não só propicia a mais completa viagem pela arte da impressão tipográfica no período como permite vislumbrar o mundo do comércio de im-pressos na época da expansão marítima.

Declarado Patrimônio Mundial da Hu-manidade pela Unesco em 2005, o museu e a casa Plantin-Moretus deveriam falar de perto aos países ibero-americanos. O porto de Antuérpia, assim como todos

história y

márcio ferrari

os Países Baixos meridionais, como era conhecida a Bélgica, esteve sob domínio espanhol entre os séculos XVI e XVIII, e a Plantin-Moretus desempenhou papel privilegiado na produção gráfica e edi-torial encomendada pelas monarquias ibéricas, que circulou também nas co-lônias hispano-americanas e asiáticas. Portanto, grande parte dos livros que vieram para o Brasil na época colonial também tem origem na oficina fundada por Christophe Plantin (1520-1589). Mas sua importância vem sendo subestima-

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a pintura que cobre a nave da igreja matriz de são José de Nova era, cidade de minas gerais (esq.), é uma releitura de gravura (dir.) do Missal 34, livro português que circulou por muito tempo no brasil

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da sistematicamente pela historiografia, e não só nos países ibero-americanos.

Foi esse o principal motivo da expo-sição No rastro de Colombo. Livros e es-tampas de Antuérpia no mundo inteiro, organizada em 2009 no Plantin-Moretus por Eddy Stols, especialista nas relações entre a Bélgica e os mundos ibérico e ibero-americano da Universidade Ca-tólica de Louvain, na Bélgica. “Costu-ma-se minimizar a vitalidade da eco-nomia dos Países Baixos meridionais, e de Antuérpia em particular, depois da

reconquista pelos espanhóis a partir dos anos de 1580”, diz Stols. “Ao contrário, a integração dos flamengos no sistema mundial luso-espanhol foi de longa du-ração e não desapareceu sequer quando passaram da governança espanhola para a austríaca em 1713.”

Da exposição resultou o livro O mun-do sobre papel: livros, gravuras e impres-sos flamengos nos impérios português e espanhol (séculos XVI a XVIII), edita-do em 2009 em espanhol e flamengo e que neste ano sai em sua versão brasi-

leira numa colaboração da Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) e da Editora da UFMG. No Brasil, o livro, que no original já contava com artigos de especialistas brasileiros, ganhou ou-tros três produzidos aqui.

“A reunião de estudos lança luz sobre uma multidão de profissionais anônimos que conformaram uma rede complexa de produção editorial. Comparativamente, o impacto das gráficas flamengas foi tão importante quanto foi a Enciclopédia francesa no século XVIII. As obras edi-

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já estava selada desde que a editora ha-via recebido a incumbência de elaborar e publicar a Bíblia Poliglota (ou Bíblia Régia), que causou impacto internacio-nal. Os oito volumes foram publicados entre 1568 e 1573 em cinco idiomas: la-tim, grego, hebraico, sírio e aramaico.

A preparação da Bíblia Poliglota en-volveu eruditos ilustres na época, sob a supervisão do teólogo Benito Arias Mon-tano. É esse aspecto de polo humanista da Contrarreforma católica que leva Iris a comparar as gráficas flamengas ao en-ciclopedismo iluminista francês. A pró-pria Bíblia Poliglota pretendia ser uma edição “científica” dos textos sagrados.

A figura de Christophe Plantin foi fun-damental nesse cenário de efervescência e inquietação intelectual provocado pela expansão marítima. “Plantin manteve correspondência com os mais importan-

1 gravura Ascensão de Cristo inserida no Missale Romanum, de 1650, a partir de um desenho de rubens

2 página de rosto ilustrada por rubens para Las obras en verso, publicada em 1663

3 Retrato de Cristophe Plantin (1613-1616), de rubens

tadas na Flandres estiveram na base da revolução científica da época moderna”, diz Iris Kantor. Ela foi uma das organi-zadoras da versão brasileira de O mun-do sobre papel, ao lado de Júnia Ferreira Furtado, Eddy Stols e Werner Thomas, da Universidade Católica de Louvain. Iris também assina um estudo sobre o impacto que as obras do cartógrafo Abra-ham Ortelius e do filósofo Justus Lipsius, ambos flamengos, tiveram sobre a elite letrada colonial no Brasil.

Segundo Iris, Antuérpia chegou a con-centrar 2 mil empreendimentos liga-dos à produção gráfica. A cidade era um grande porto marítimo, conexão entre os oceanos Atlântico e Índico, o norte da Europa e a ásia, e objeto de cobiça dos protestantes dos Países Baixos se-tentrionais (Holanda). “Antuérpia tor-nou-se o centro dos empreendimentos

editoriais que abasteciam os quatro can-tos do império luso-hispânico. As grá-ficas flamengas disseminaram um novo senso de cosmopolitismo: estimulando a interação e transferência de modelos culturais através da cultura e das ima-gens impressas”, diz ela. Entre as casas editoriais da cidade, a Plantin ganhou precedência desde que, em 1571, o rei Filipe II da Espanha concedeu-lhe o lucrativo monopólio da produção dos livros litúrgicos que seriam usados nos territórios espanhóis, privilégio que se estendeu à Coroa portuguesa.

eDição “CientÍfiCa” Da bÍbliaEm 1576, a tipografia já tinha produzido para esse mercado 18 mil breviários, 17 mil missais, 9 mil livros de horas e 8 mil livros litúrgicos de outras naturezas. A aproximação entre o monarca e a Plantin

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A difusão ampla de conhecimento – e a transformação do livro em produto circulante no comércio mundial – trou-xe cruzamentos culturais inesperados e marcas duradoras. “Pintores da Amé-rica espanhola reproduziram cenas de patinadores sobre gelo e figuras como arcanjos armados de espingardas e ves-tidos com rendas flamengas”, diz Stols. “E japoneses sintetizaram em biombos o conhecimento exterior com mapas--múndi e perfis de cidades ocidentais.”

iGreJas De minasDois artigos presentes em Um mundo sobre papel – de Alex Bohrer, professor da Fundação de Arte de Ouro Preto, e de Camila Fernandes Guimarães Santiago, professora de história da arte da Univer-sidade Federal do Recôncavo da Bahia – tratam da influência às vezes explícita das gravuras flamengas nas igrejas bar-rocas de Minas Gerais. “Essa produção pictórica adornou diversos espaços, co-mo forros e altares”, diz Júnia Ferreira Furtado. “As gravuras de Plantin foram alvo das mais variadas apropriações.”

A linha editorial da casa Plantin aca-bou por marcar também a formação das primeiras bibliotecas em território bra-

as obras litúrgicas e religiosas corresponderam a 33% dos títulos editados por Plantin

tes cientistas da época”, diz Iris. “A edi-tora era um ponto de chegada, onde se decantavam os conhecimentos. Muitos dos intelectuais eram vizinhos uns dos outros em Antuérpia, e a editora reserva-va uma sala para que eles se reunissem.” O projeto humanista não estava divor-ciado da economia mercantil. O conhe-cimento se impunha a quem fazia comércio no exterior, sobretu-do o aprendizado de idiomas. “O que esta-va sendo inaugurado naquele momento era um mercado de livros que se autossustenta-va com grande potên-cia e alcance”, diz.

Entre 1555 e 1589, Plantin editou cerca de 2.450 títulos. As obras litúrgicas e re-ligiosas correspon-deram a 33% do vo-lume, mas a produção abrangia cadernos de música, textos jurídi-cos, históricos e geo-gráficos. Os tratados científicos (7,3% do total) incluíam disciplinas como carto-grafia, medicina, astronomia, tecnologia, farmacologia, física, botânica e matemá-tica. Na ilustração dos livros, Plantin foi pioneiro na utilização da gravura em co-bre, que acabou por substituir a técnica da xilografia, empregada pelas gráficas alemãs. A casa dava grande importância à produção da imagem. Entre os artistas que trabalharam para Plantin estão Pie-ter Paul Rubens e Pieter Brueghel, o Ve-lho. Ao morrer, Plantin legou o negócio ao genro, Jan Moretus, que acrescentou seu sobrenome ao nome da empresa.

Assim como na metrópole, nas colô-nias, como a brasileira, a produção edito-rial que mais circulava entre a população era a de teor religioso, seja para a prática da fé entre os colonizadores, seja para a catequese de novas almas. Esse material não chegava desacompanhado. “Os mis-sais ilustrados, catecismo e livros de de-voção abriam aos evangelizados dos três continentes não somente a religião católi-ca, mas também uma cultura mais ampla e uma nova feição do mundo por meio de obras de Erasmo de Roterdã, a reedi-ção dos clássicos romanos e os mapas de Ortelius, por exemplo”, diz Eddy Stols. fo

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sileiro. Se entre a população em geral o material impresso que mais circula-va eram os missais e catecismos, uma elite culta (não apenas letrada) impor-tava livros de acordo com sua necessi-dade – para os militares, por exemplo, chegavam os tratados de matemática e engenharia. “Não havia livrarias, mas importadores que eram agentes distri-buidores para as pessoas envolvidas na colonização, como magistrados, gover-nadores de capitania e autoridades em geral”, diz Iris Kantor.

Paralelamente a isso, formavam-se os primeiros acervos humanistas, nas biblio-tecas dos religiosos. “Há uma visão de-preciativa da cultura da época colonial”, prossegue a professora. Ela ressalta que a ideia de que a ilustração só chegou ao Brasil no final do século XVIII é falsa. “A biblioteca dos jesuítas na Bahia na primeira metade do século XVIII, por exemplo, tinha de 3 mil a 4 mil volumes, mais ou menos o mesmo que a média de muitas bibliotecas europeias na mesma época.” De todo modo, a pesquisadora destaca que, com a expulsão dos jesuí-tas, em 1759, a transmissão e conservação desse patrimônio bibliográfico estiveram irremediavelmente comprometidas. n

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neldson marcolin

estações meteorológicas

de são paulo com séries

históricas mais longas

surgiram em Campinas

e piracicaba

memÓria

a coleta sistemática de dados climáticos no Brasil começou a ser feita na primeira metade do século XIX no Imperial Observatório do Rio de Janeiro,

atual Observatório Nacional. Em São Paulo, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) instalou sua primeira estação meteorológica em 1890, no interior paulista, com um objetivo mais específico do que conhecer o comportamento do tempo: realizar pesquisas sobre a influência do clima nas culturas agrícolas. “Os técnicos observadores anotavam cinco vezes por dia, em folhas de um metro de largura, informações sobre temperatura, umidade do ar, radiação solar e nebulosidade”, diz Orivaldo Brunini, coordenador do Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas do IAC, órgão ligado à Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.

A estação mecânica pioneira começou a funcionar três anos depois da fundação do IAC. Três técnicos se revezavam na leitura dos dados durante todos os dias, sem exceção. “Os equipamentos, os mais modernos da época, vieram da Alemanha”, diz Brunini. Os dados eram analisados posteriormente pelos engenheiros agrônomos,

réguas do clima no campo

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estão disponíveis na internet (www.leb.esalq.usp.br/).

Angelocci trabalha na análise das séries históricas geradas nos 97 anos de registro. “O que se pretende é uma reanálise completa da série, além de uma melhor exploração dos dados”, diz ele. Séries longas são fundamentais para o entendimento do clima e das causas de sua variabilidade. São importantes, também, para mostrar o que pode ser meramente uma anomalia climática ou uma tendência. “Aliás, certas anomalias não são tão raras como parecem. A situação atual de período seco no estado de São Paulo, por exemplo, ocorreu de forma análoga em outros anos”, conta Angelocci. Ele observou que em cinco anos da série, o primeiro deles em 1935, a chuva ficou abaixo de 40% da média de toda a série para o mês de janeiro. “Não dá para ser categórico e afirmar que a seca atual é resultado ou não de mudanças climáticas recentes quando sabemos que nos últimos 97 anos ocorreram períodos semelhantes ao atual”, conclui o pesquisador.

mas as informações demoravam a chegar aos agricultores. Com o tempo, outras cidades do interior ganharam suas estações. Em 1956, o instituto começou a fazer anuários meteorológicos agronômicos e, em seguida, boletins mensais. Hoje há 150 estações que funcionam com sensores automáticos, que não dependem de observadores e fornecem informações em tempo real via internet (www.ciiagro.sp.gov.br/ema/). O IAC recebe 120 mil consultas por mês – 4 mil por dia. Os dados são usados para orientar os agricultores e também a Defesa Civil contra enchentes ou incêndios.

“O material histórico acumulado fornece séries que ajudam na análise de mudanças climáticas e é parte da história da região por guardar o registro de grandes estiagens ou geadas, por exemplo”, diz Brunini. Segundo ele, há registro de apenas duas interrupções do serviço. Elas ocorreram durante a Revolução de 1932, quando as tropas paulistas estacionaram na fazenda

do IAC, em julho, onde ficava a estação, e quando as forças federais estiveram no mesmo local, em outubro.

Em 1917 iniciaram-se as observações que originaram a segunda série mais antiga de São Paulo na estação instalada na então Escola Agrícola Prática de Piracicaba, hoje Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). “As leituras eram realizadas quatro vezes por dia e uma delas seguia por telégrafo para a Diretoria de Meteorologia e Astronomia do Observatório Nacional, hoje Instituto Nacional de Meteorologia, o Inmet, para compor as informações meteorológicas diárias e de previsão de tempo de todo o país”, conta Luiz Roberto Angelocci, professor sênior do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq. A partir da década de 1960, os estudos se tornaram mais específicos para análise das relações clima-agricultura e, desde o final de 1996, foi instalada a coleta automatizada de dados, sem desativação da coleta convencional. Os dados

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1 livros de registros da estação da esalq de 1917

2 estação da esalq nos anos 1930

3 Dados meteorológicos de 1932 do iaC, único ano em que houve interrupção da coleta de informações

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eduardo Coutinho e o

cinema de pessoa a pessoa

Este é o momento em que Eduardo Coutinho dizia ter “caído na real” – expressão que se refere tanto ao seu percurso pessoal como ao direciona-mento de sua carreira. A opção pelo documentário, contudo, não dispensava o aprendizado da ficção. Não que ele se dispusesse nessa época a mesclar registros, mas porque compreendia que a realida-de é uma quimera e, em última instância, não tem valor cinematográfico. Desde os tempos de Globo Repórter, Coutinho entendeu que o documentário de entrevistas é uma construção de que participam, em igual medida, o entrevistador e o entrevistado.

A partir da notável revelação que foi Cabra mar-cado para morrer – coleta de memórias e reflexões sobre o projeto de 1964, feita 17 anos depois e em contexto histórico radicalmente diverso –, a car-reira do cineasta assumiria o caráter exemplar de um método que se depura e radicaliza a cada filme.

Para começo de conversa, Coutinho elegeu o encontro pessoal como meio de aproximação ao universo do cotidiano e da cultura popular. Com isso negou a propalada exaustão da entrevista, renovando-a como veículo de discursos polissê-micos, onde confissão, desabafo, fantasias e menti-ras sinceras muitas vezes se misturam de maneira indissociável. Criou o mito de que ninguém falava como para ele. Ou de que lograva extrair dos seus interlocutores aquilo que outros não conseguiam. Segundo o mito, isto seria fruto de uma estranha magia, uma vez que Coutinho não se distinguia por uma simpatia especial perante seus entrevistados, não cortejava nem se fazia de amigo.

Uma análise mais detida de seus procedimen-tos vai mostrar que as veleidades do entrevis-tador não explicam tudo. O fato é que, através

Carlos alberto mattos

arte

ouvir para ver melhor

o cinema documental no Brasil só come-çou a construir uma tradição a partir de fins dos anos 1950, com o advento do som

direto e a descoberta dos temas populares, espe-cialmente da região Nordeste. Até então, o filme de não ficção restringia-se ao simples registro de atualidades, produtos institucionais ou cívicos, e algumas obras de cunho etnográfico. A grande multiplicidade de estilos e abordagens só viria com o Cinema Novo, já na década de 1960.

Nessa época, o jovem Eduardo Coutinho mal iniciava sua carreira no cinema, ainda alheio a qualquer preferência entre ficção e documentário. Como que arrastado por uma força centrípeta, passara de cinéfilo adolescente a estudante do IDHEC de Paris. Viria a participar marginalmen-te do Cinema Novo, primeiro através de projetos didáticos ligados à esquerda estudantil (Cinco vezes favela, UNE Volante e a primeira etapa de Cabra marcado para morrer); depois em filmes que procuravam aliar apelo comercial com algu-ma visão crítica do processo social (O pacto, O homem que comprou o mundo, Faustão).

A curiosa trajetória de Coutinho muda ra-dicalmente a partir de meados dos anos 1970, quando, desiludido com o cinema e voltado pa-ra o jornalismo, ele consegue conciliar os dois ofícios nos programas Globo Repórter. A essa altura, o documentário brasileiro tomava novas injeções de ânimo, seja através de iniciativas da televisão, como o próprio Globo Repórter, seja através da “caravana” que o produtor Thomaz Farkas enviou para o Rio de Janeiro e o Nordes-te, ajudando a formar toda uma nova geração de documentaristas.

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de trabalhos em vídeo, ao longo dos anos 1980 e 1990, Coutinho apurou o senso na escolha de suas personagens e no recorte de seus contex-tos. As chamadas “prisões”, espaciais e/ou tem-porais, ajudaram-no a aprofundar o olhar sobre comunidades, favelas e agrupamentos humanos específicos, numa prática que pode ter origem no documentário Seis dias de Ouricuri, realizado para o Globo Repórter. O realizador assume que é preciso escavar para aprofundar. Quanto menor o espaço de ação, mais funda é a investigação. Essas constrições serviram, ainda, para dar um sentido de urgência ao seu trabalho. E, mais que isso, fornecer a possibilidade de fracasso, que era o combustível mais poderoso para a personalida-de naturalmente pessimista do diretor.

O itinerário do Coutinho documentarista ru-mou claramente para longe de toda generaliza-ção. Mesmo ao tratar de grandes temas gerais ou conceituais, como a herança da cultura afro--brasileira em O fio da memória, ele privilegia-va instâncias pessoais de narração e fabulação. a

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Trata-se de trocar o abstrato pelo concreto, o didático pelo vivencial, a atualidade pela atem-poralidade antropológica. Para o realizador, o macro estava contido no micro e só através deste podia ser atingido.

O grande desafio de Santo forte – abordar o misticismo numa comunidade favelada usando exclusivamente relatos verbais – abriria uma espécie de terceira vida dentro da carreira de Coutinho, com impacto semelhante ao de Ca-bra marcado para morrer. Tinha-se ali, mais que um filme bem-sucedido, um método e uma ética cuidadosamente depurados. A contínua decanta-ção promovida filme após filme, que levaria aos excepcionais concentrados humanos de Edifício Master e O fim e o princípio, é fruto de autocrítica e recusa do supérfluo.

Já nos anos 1970, o documentário Teodorico, o Imperador do Sertão obtivera uma vitória rara no formato do Globo Repórter, que foi a supressão da narração onisciente a cargo de um locutor da casa. Notam-se, na obra futura de Coutinho, a pro-

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gressiva retirada do off e a concentração numa dramaturgia da fala. A voz nos seus filmes mais recentes tem sempre corpo e alma presentes – o que ele chamava de “fala incorporada”. Outras supressões se sucederam: montagens paralelas, imagens de cobertura, música não incidental, ma-terial de arquivo.

Há quem veja nesse regime uma re-cusa do instrumental cinemato-gráfico e um purismo inglório. A

crítica faria todo sentido caso Coutinho não oferecesse tanto em troca daquilo que retira. Ele se insurgia contra o senso comum de que o cinema é fenômeno con-dicionado somente pela visualidade e no qual a palavra desfrutaria de estatuto infe-rior. À medida que ressecava mais e mais o seu cardápio de recursos, mais ricas iam ficando as falas e mais valorizado ia fican-do o carisma dos falantes. A rejeição a ma-teriais de arquivo era parte do seu respeito pelo momento da conversa. Para que algu-ma fotografia ou ima-gem pré-filmada fosse exibida, ela precisava estar presente no ins-tante da entrevista – ou seja, incorporada ao presente absoluto de que o cineasta não mais abria mão. Mes-mo num filme de pes-quisa histórica como Peões, imagens e fotos das greves metalúrgi-cas de 1979/1980 só aparecem como mate-rial dramático direta-mente inserido na rea-lidade de 2002/2003.

O regime austero de Coutinho justifica--se por uma proposi-ção fundamental: seus filmes, especial-mente os autorais da fase pós-Cabra, não são sobre fatos, nem versam sobre um passado já sepultado. Não são sequer fil-mes sobre pessoas ou grupos. São filmes sobre os encontros do documentarista com determinadas individualidades. En-contros em total proximidade física, ainda que a distância social continue evidente e não dissimulada. Não existia qualquer atitude por parte do realizador no sen-tido de buscar uma igualdade temporá-ria que facilitasse o diálogo. A Coutinho interessava o Outro, o diferente social

e culturalmente. Por isso era difícil imagi-nar que ele viesse a se interessar pela elite da qual, incomodamente, participava. Excluin-do-se o caso peculiar de Moscou, os condô-minos de classe média baixa enfocados em Edifício Master pare-cem constituir o seu limite em matéria de aproximação da vizi-nhança social.

Parte integrante desse cinema de pes-soa a pessoa é a expo-sição do processo de documentação dentro

do próprio filme. As chegadas da equipe, sempre documentadas por uma câme-ra de apoio a duplicar o eixo da câmera principal, tornaram-se uma marca desde Cabra marcado para morrer. Da mesma forma, a imagem do diretor, face a face com seus interlocutores e quase comple-tamente desligado do aparato técnico ao seu redor, aparece intermitentemente – não para torná-lo catalisador do espetá-culo da informação (como ocorre com Michael Moore e Nick Broomfield), mas apenas o suficiente para sublinhar a con-dição de encontro e o caráter de conver-

sa. A montagem assimila também “ruí-dos” de diálogo, pagamento de cachês, retalhos de conversas circunstanciais à margem da entrevista etc., elementos habitualmente escamoteados na edição de documentários tradicionais.

Havia, porém, limites muito bem de-finidos para essa exposição, localizados no campo da ética. A vocação humanista de Coutinho, aliada à longa experiência de contato com gente desfavorecida, le-vou-o a um rigor cada vez maior no trato com as palavras alheias. Sempre nortea-do pela preocupação de não alimentar estereótipos, não fazer generalizações, nem causar prejuízos de imagem a suas “personagens”, ele muitas vezes sacri-ficou cenas dramaticamente fortes ou potencialmente divertidas. Seu limite é a integridade moral e a dignidade so-cial do Outro.

Essa ética manifestava-se, igualmen-te, na recusa a tratar a entrevista apenas como uma peça na engrenagem de uma história ou de uma tese preconcebida. Sobretudo em seus filmes mais recentes, Coutinho não retalhava depoimentos segundo a conveniência de uma exposi-ção temática ou visando a produção de contrastes e interações artificiais. Cada pessoa permanece em cena até se cons-tituir como sujeito de um discurso pró-prio, portador de uma história humana consistente, por mínima que seja. Não

ele se insurgia contra o senso comum de que o cinema é fenômeno no qual a palavra desfrutaria de estatuto inferior

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raro, é no tempo que ocupa diante da câ-mera, sem interrupções, que o entrevis-tado consegue transmitir uma complexa vida interior que pulsa através da fala.

Ao abdicar de adornos audiovisuais e reduzir sua estética a uma ética, Eduar-do Coutinho pretendia refrear a vaidade da autoria, dissolvendo-a no ato de sim-plesmente ouvir os outros. Nisso, con-tudo, ele vivia uma curiosa contradição. Pois seus filmes, na medida em que se reduzem ao essencial e apostam na fala popular pura, cada vez mais se tornam únicos, indissociáveis do seu criador. Além do culto à espontaneidade, o seu método era baseado numa engenharia de seleção, recorte e depuração que tem na filmagem o seu momento de epifania.

Coutinho tornou-se o mais importan-te e influente documentarista brasileiro da atualidade não somente por seu mo-do judicioso de proceder, mas também pelo corpo de obra que erigiu ao longo da carreira. Nela os temas evoluem co-mo galhos de uma árvore construtivis-ta, comunicando-se de filme a filme e passando de secundários a principais. A religiosidade popular foi objeto de sua atenção crescente em Santa Marta: duas semanas no morro, O fio da memória e Santo forte, voltando sempre como in-teresse coadjuvante em filmes poste-riores. A vida na favela esteve presente em Santa Marta, Santo forte e Babilô-nia 2000. As rivalidades familiares no Nordeste brasileiro estiveram em foco no ficcional Faustão e no documentário Exu, uma tragédia sertaneja. O poder no campo foi tema de Cabra marcado para morrer e Teodorico, o Imperador do Ser-tão. A subsistência retirada do lixo foi tangenciada em A lei e a vida antes de passar a assunto central de Boca de lixo.

Subjacentes a esses grandes temas, destacam-se alguns subtemas recor-rentes. Comida e morte, por exemplo, incidem com frequência incomum nas situações e histórias recolhidas por Cou-tinho. As relações familiares são um ter-reno fértil para sua dramaturgia do real, tendo como matriz a coleta de cacos da família de Elizabete Teixeira no Cabra. Acrescente-se, ainda, a força afirmativa da mulher, outro ingrediente constante em obras tão distintas como Cabra, Mu-lheres no front, O fio da memória, Santo forte, Babilônia 2000 e Jogo de cena.

A obra-prima Edifício Master chegou às telas no ano de 2002, num momento

em que o documentário despontava co-mo uma das vedetes da retomada do ci-nema brasileiro. Tão diversificados quan-to os filmes de ficção, os documentários então conquistavam público, prestígio, espaços de exibição no cinema e na TV, mecanismos de apoio e patrocínio, re-percussão em festivais etc. O discreto Eduardo Coutinho era parte importante daquele renascimento e sua obra se ofe-recia então como referência de qualidade e compromisso.

Desde então, a obra cotidiana tri-lhou caminhos cada vez mais experimentais. Se em O fim e o

princípio, um dos seus filmes mais es-senciais, o realizador partiu do grau zero do documentário (sem pesquisa prévia, sem locações definidas, sem personagens escolhidas) para colher a pura expres-são popular no interior da Paraíba, nos filmes posteriores ele curiosamente se aproximou em diferentes chaves do uni-verso artístico.

A ideia de representação, acolhida e estimulada nos filmes de entrevistas, ga-nhou o proscênio em Jogo de cena, uma pequena revolução no documentário bra-sileiro que o nivelou às mais interessantes experiências internacionais. Coutinho radicalizava seu procedimento de indife-rença, informação verídica e autoficção nas entrevistas. O recurso a atrizes mais e

menos conhecidas, juntamente com per-sonagens reais, servia para relativizar o valor de verdade e deslocar a ênfase para as histórias contadas, em detrimento da legitimidade de quem as contava.

Moscou levou esse critério para o cam-po do teatro, invertendo o fluxo entre arte e vida. Aqui eram os atores estimula-dos a inserir suas memórias pessoais no campo semântico da peça de Tchekhov. Em As canções, o diretor dedicava um filme inteiro ao que em tantos outros era recurso eventual. O canto, eventual revelador de uma identidade profunda dos personagens, virava aqui dispositivo principal. Um dia na vida, por sua vez, dissecava o turbilhão subartístico da te-levisão brasileira.

Os projetos deixados acabados ou ina-cabados por Coutinho indicam sua aber-tura tanto para novos cenários quanto para o retorno a cenários já visitados. Um deles consistia na volta do diretor ao encontro de personagens de vários de seus filmes, sem falar no reencontro com personagens do Cabra para o extra do DVD. Sua obra, portanto, vinha se dobrando sobre si mesma num proces-so único em termos de cinema no Bra-sil. Para quem antes recusava a ideia de voltar “ao local do crime”, isto era uma novidade e tanto. A morte, tão presente em muitos de seus filmes, interrompeu o que vinha sendo o encontro definitivo de Eduardo Coutinho com os seus sonhos mais maduros. n

Cenas dos filmes Cabra marcado para morrer, 1985 (à esquerda) e Edifício Master, 2002 (acima)

Carlos alberto mattos é crítico e pesquisador de cinema. o texto acima foi adaptado e atualizado da introdução do seu livro Eduardo Coutinho, o homem que caiu na real (festival de santa maria da feira, portugal, 2004).

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Queridos e novíssimos alunos e alunas des-ta instituição;

Sejam bem-vindos.Agradeço a presença de todos nesta noite tão

importante, apesar de haver tantas noites como esta em nossas vidas. Mas hoje é um grande co-meço para a maioria de vocês. E como todo co-meço tem pressa em ser meio e depois fim, peço licença para partir logo ao assunto que

Dada a minha fama, estou certo de que vocês esperam do meu discurso alguma investigação sobre os dilemas políticos atuais. Contudo, vou falar sobre um problema meu, somente meu – e o farei porque, como de costume, vocês gentilmente encontrarão algum sentido para o que eu disser. Conto com isso baseando-me no inegável peso dado a qualquer sentença por mim pronunciada – reconhecimento, permitam-me assumir, mais que merecido após uma vida de persistência na produção de conhecimento dentro dos

Ao contrário de outras enfermidades, eu não escolhi ter narcolepsia. Todas as minhas infla-mações e viroses surgiram por decisão fisiológica própria, dentro da lucidez do meu corpo; mas a narcolepsia é um transtorno crônico que vai além da minha deliberação. Com isso, deixo claro que adormecer diante de conversas, durante uma re-união de departamento ou num vernissage jamais me ocorre por desejo de

Aproveito para pedir desculpas públicas aos amigos em cuja presença sofri um de meus ata-ques. Perdão, Antoniel, pelo dia em que você me contava da sua contratação para professor hono-ris causa. Perdão, Relião, por ter roncado sobre a mesa do bar na noite em que você se rejubilava com seu troféu de Família Poligâmica de Suces-so. Desculpem-me também os demais que já se sentiram ofendidos diante de meu desfalecimen-to. Agradeço-lhes a paciência de permanecerem amigos de alguém com

Além disso, agradeço ao reitor por me convidar a inaugurar o semestre desta instituição. Afinal, eu sempre me pergunto sobre as razões de me manterem num cargo tão relevante, sendo eu este homem de defeitos graves de convivência. Se bem que, quando me ocorrem tais questiona-mentos, é comum eu chegar a um só ponto: é o meu saber esta razão. Não deixa de me despertar o senso cético, contudo, o fato de que a mesma dúvida me retorna: é como se eu não pudesse me convencer de que a minha erudição seja o único porquê de eu ainda estar aqui. Desconfio, senho-res, de que as amizades influentes construídas ao longo dos anos neste estabelecimento tenham qualquer influência nesse fenômeno. O que não deve espantar ninguém, já que

Mas voltemos ao tema. O adormecer constan-te e inesperado me obrigou a encarar bem cedo questionamentos sobre o meu papel no mundo. Ainda bem jovem, eu me atormentava sem aceitar que minhas crises, de consequências por vezes definitivas, partissem de um defeito neurológico tão mínimo que só se deixa ver num exame foto-gráfico do meu cérebro. Influenciado por opiniões leigas, logo me entendi como um vagabundo que finge sono diante de medo ou tédio. Como sempre tive um ponto de vista fatalista diante dos acon-tecimentos, pensava que a sonolência excessiva pudesse ser uma reação subconsciente, uma res-posta da minha mente ao que acontecia ao meu redor – como se no sono eu revelasse um desejo incontrolável de pausar a própria

No meio desses questionamentos, eu me via incapaz de encontrar um argumento que justi-ficasse minha condição. Às vezes, um ataque pa-recia uma paixão: era eu me deixando responder aos estímulos mundanos, mormente enfadonhos. Outras vezes, um acesso de sono não fazia sentido, e só podia se justificar através de um diagnósti-co profissional. Foi assim que a narcolepsia me

Conto

narcolepsiathiago barbalho

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thiago barbalho é potiguar. escreveu os livros Thiago Barbalho vai para o fundo do poço (edith, 2012) e doritos (vira-lata, 2013). também faz a Revista Rosa. mora em são paulo, onde trabalha como editor de livros.

algo e, para isso, adormecer) se igualava à minha necessidade (o corpo em queda urgente). Pensei: a necessidade não passa de uma vontade contun-dente, pois ambas manifestam uma imposição sobre o sujeito – seja a vontade-necessidade algo como uma ideia, seja um processo notadamente corpóreo. Foi aí que virei fã daquela imagem icô-nica do sujeito em protesto na Praça da Paz Ce-lestial, diante de uma fileira de tanques de guerra, impedindo-a de avançar: de algum modo aquele indivíduo determinado em conter a repressão do governo chinês se igualava a mim no meu hábito de adormecer diante das arbitrariedades mun-danas. Éramos, eu e ele, dois homens incapazes de escapar do grito de nossas

É fundamental, portanto, que todos vocês sai-bam agir diante de minhas crises. Para tanto, aviso--lhes que se eu, estando de pé em frente à lousa, desabar com a violência de um desmaio, ou se, palestrando no canto da mesa, eu me deitar numa atitude evasiva, o melhor a fazer é esperar pelo meu despertar espontâneo. Conto com a perspi-cácia de vocês para não me deixarem sozinho em sala. E jamais, jamais me acordem – o meu corpo adormece, senhoras e senhores, e esta é uma impo-sição além da lógica. Espero que todos entendam a relevância de tratarmos desse tema hoje. Não que os meus problemas sejam maiores e devam ser compreendidos pela humanidade, mas

trouxe uma dúvida: querer é diferente de neces-sitar, ou são apenas dois verbos para um mesmo fenômeno? Dito de outro modo: eu adormeço por desejo, por necessidade, ou as duas hipóte-ses são uma mesma

Na infância, minha mãe me massacrou. Usava um cinto para me acordar das crises, xingando--me com nomes ligados ao mau-caratismo e à vagabundagem. Dizia que meus ataques de sono eram mimos de alguém que quer atenção. Para ela, eu não era um menino doente cujo corpo produzia sintomas de algum processo cerebral dominador. Para ela, eu tentava impor a minha carência levando uma birra ao extremo. Isso me moldou a mente para que eu me considerasse culpado por adormecer sem razão e perder mo-mentos importantes da experiência a que cha-mamos estar vivo. Culpa, preguiça e arrependi-mento se misturavam para formar a pasta confusa da minha consciência juvenil. Aos quinze anos, lembro-me de acordar no banheiro, deitado sob o chuveiro aberto, com os berros da minha mãe vindos de fora, perguntando-me que safadeza eu fazia trancado ali havia uma hora. Foi por volta dessa idade que ela parou de me espancar – por certo desistiu de endireitar o filho, encarando--me como um presente divino para testar a sua crença na compaixão. Mas a minha mentalidade já estava formada: eu era um dos homens mais culpados por existir, sem nenhum poder diante do

Foi ainda durante a juventude, ouvindo his-tórias sobre revoluções sociais, que cheguei à conclusão de que o meu desejo (de escapar de

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de 1960, o que pode ser explicado, pelo menos em parte, pelas atribulações decorrentes das perse-guições políticas sofridas por ele a partir do golpe civil-militar perpetrado em 31 de março de 1964.

Este volume reúne o que Salinas chamou de “artigos da maturidade”. Schönberg publicou tra-balhos sobre raios cósmicos, muitos em colabora-ção com Connie Dilworth e Giuseppe Occhialini, trabalhos em problemas de fundamentos da me-cânica quântica e trabalhos sobre mecânica esta-tística clássica com uso de segunda quantização, os quais têm sido mais apreciados com o passar do tempo. O interesse em problemas de fundamentos o levou à publicação de artigos sobre as relações entre mecânica quântica e geometria, entre os quais uma síntese dos mesmos apresentada em seminário em homenagem ao centenário de Max Planck. Sobre estes trabalhos, Salinas considera que “há grande originalidade nessas tentativas de unificação da mecânica quântica com o ele-tromagnetismo maxwelliano e a gravitação de Einstein”. Observa, ainda, que “essa unificação é um problema difícil e não resolvido”, e afirma ter a “impressão de que os maiores sucessos da física contemporânea caminharam em outra direção, possibilitando a unificação da mecânica quân-tica e do eletromagnetismo com as interações fracas e fortes”. Salinas conclui afirmando que “ainda não há consenso sobre a forma de incluir a gravitação nesse grande cenário unificador”.

A avaliação de Salinas parece-nos essencial-mente correta, mas cabe ser notado que se trata de análise a posteriori. Em meados da década de 1950 as expectativas sobre a unificação gra-vitação e eletromagnetismo eram bem maiores e Einstein havia dedicado mais de 20 anos ao problema. O programa de Einstein não incluía, contudo, tomar a teoria quântica como ponto de partida. Schönberg, e muitos de seus con-temporâneos, ao contrário, tomavam a quântica como um ingrediente essencial nesta unificação. Schönberg dedicou-se, portanto, ao que era visto no seu tempo como um problema crucial, ainda que o tempo tenha revelado que o problema era mais difícil que o avaliado inicialmente.

este é o segundo volume das obras científicas do físico teórico Mario Schönberg (1914-1990), organizado por Amélia Império Ham-

burger. O volume anterior recebeu o Prêmio Ja-buti 2010, premiação que contribui para valorizar a iniciativa da publicação das obras científicas de cientistas eminentes. Amélia Hamburger faleceu em 2011, deixando a organização deste volume quase concluída. Coube a Sílvio Salinas, ex-dire-tor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), levar a bom termo a sua conclusão, o que incluiu a escrita de uma “nota introdutó-ria” e decisões editoriais quanto a inclusões e exclusões no referido volume.

Mario Schönberg nasceu em Recife, em fa-mília judaica. Veio para São Paulo atraído pela criação da USP. A física na recém-criada USP desenvolveu-se rapidamente sob a liderança de Gleb Wataghin, trazido da Universidade de Turim com a missão específica de criar o depar-tamento de física da nova universidade. A disci-plina floresceu e adquiriu projeção internacional ainda no final da década de 1930. A primeira área a adquirir relevo foi a pesquisa em raios cósmi-cos. Foi nesse ambiente pleno de motivações e de desafios que Schönberg se projetou como físico teórico no Brasil e no exterior, levando Salinas a apresentá-lo como o “decano dos físi-cos teóricos brasileiros”. No cenário da cultura brasileira Schönberg destacou-se também como crítico de arte e como político, tendo sido eleito no pós-Segunda Guerra deputado estadual cons-tituinte por São Paulo pelo Partido Comunista. Perseguido pelo regime de arbítrio instaurado em 1964, foi aposentado compulsoriamente com base no AI-5 e viu-se afastado da universidade que ajudara a construir.

A obra organizada por Amélia Hamburger e finalizada por Salinas, seus colegas no Instituto de Física da USP, reúne 38 artigos publicados em revistas científicas, além de sete trabalhos publi-cados em livros ou anais de conferências, todos do período 1949-1987. Esta produção não está dis-tribuída homogeneamente. O expressivo núme-ro de artigos publicados no início da década de 1950, quando Schönberg cumpriu longa estada na Universidade Livre de Bruxelas, contrasta com o número mais reduzido de publicações na década

os artigos da maturidade de schönberg

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obra científica de mario schönberg – volume 2 – 1949 a 1987amélia império hamburger (coord.)edusp808 páginas, r$ 113,00

olival freire Jr.

olival freire Jr. é professor do instituto de física da ufba e pesquisador do CNpq em história das ciências.

Nota da redação a coordenadora do livro, amélia império hamburger, optou por grafar o nome de mario schönberg do mesmo modo como ele assinava seus artigos científicos e não como mario schenberg, a maneira com a qual passou assinar os textos sobre crítica de arte e de divulgação científica.

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que pudessem ser comprovadas por meio de suas próprias observações anatômicas”. Na carta ao Dr. Argent e seus colegas do Royal College of Physi-cians, que abre o livro em questão, Harvey fala a respeito disso: “Pois os verdadeiros filósofos são aqueles que não se julgam suficientemente so-phós [i.e., sábios] e tão cheios de sapiência ou tão ricos em ideias próprias ou ainda repletos de juí-zo e que não estejam dispostos a ceder diante de novas verdades, não se importando de onde e de quem elas possam vir”. Como ele diz, novas ideias requeriam “dissecações, múltiplas experiências e observação precisa”, ou seja, um novo método de investigação dos fenômenos naturais. Essa nova postura, não era novidade. No campo da anatomia, desde Andreas Vesalius a autoridade dos textos antigos era posta em questão. Entretanto, isso não quer dizer que era simples. Um dos grandes feitos dos humanistas do Renascimento foi retraduzir sistematicamente Aristóteles e colocar em circu-lação filosofias até então pouco conhecidas, como o epicurismo, o estoicismo e o neoplatonismo, e por fim o ceticismo. Entretanto, em sua veneração pelo passado, muitos deles se tornaram dogmá-ticos, como Cesare Cremonini, possível fonte de Galileu para compor Simplício, o ingênuo aristo-télico do Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Romper com a tradição implicava romper com uma cosmovisão ampla, que incluía separar a filosofia especulativa da nova filosofia natural, ou, simplesmente, sepa-rar filosofia e ciência.

Talvez poucas pessoas parem para pensar o quão era contraintuitivo conceber a Terra em mo-vimento, pois não a percebemos em movimento, e como era difícil combater a autoridade dos antigos, pois nossa ciência tem por princípio ser hipoté-tica e aberta. Devemos conquistas como essas a grandes homens como Copérnico, Vesalius e Ga-lileu. Nesse sentido, a leitura do livro de Harvey abre uma janela para aquela época complexa e fascinante em que os antigos progressivamente perdiam sua força, mas os modernos ainda não haviam conquistado seu lugar.

talvez persista no dia a dia a ideia de que mudanças nas ciências ocorrem de modo súbito. Não coloco em questão a chamada

revolução científica. Sem dúvida, a física ou filo-sofia natural de meados do século XVI era muito diversa da filosofia mecânica do final do século XVII. Entretanto, a passagem da primeira, depen-dente de experiências comuns e da especulação de suas causas, para a segunda, baseada sobre ex-perimentos e descrições matemáticas, demorou décadas. Nicolau Copérnico publicou As revoluções dos orbes celestes em 1543, no qual, em oposição ao cosmos geocêntrico da tradição aristotélica, ele propunha um cosmos heliocêntrico. Entretanto, no atlas de Andreas Cellarius, publicado em Ams-terdã em 1660, a concepção copernicana é tratada como hipótese tal qual a concepção aristotéli-ca. Apenas no final do século XVII a cosmologia copernicana, já profundamente modificada por Johannes Kepler, Galileu Galilei e Isaac Newton, entre outros, foi aceita pela comunidade científi-ca então nascente. O período em questão foi uma espécie de bricolagem em que ideias velhas e no-vas estavam lado a lado. Aliás, o próprio Copérni-co era uma bricolagem. Seu Universo tinha o Sol por centro e a última esfera das estrelas era fixa, mas ele ainda era circular e fechado, tal qual nos textos de Aristóteles, o filósofo mais editado, lido e comentado do Renascimento. William Harvey fazia parte desse grande quadro de mudanças. Sua principal obra, o Estudo anatômico sobre o movimento do coração e do sangue nos animais, publicada em 1628, descreve pela primeira vez a circulação sanguínea tal qual conhecemos hoje.

Em William Harvey e a descoberta da circula-ção do sangue, Regina Andrés Rebollo nos ofere-ce uma ampla introdução à obra de Harvey. Ao apresentá-la, ela menciona seus primeiros estu-dos e sua surpresa ao descobrir um Harvey em parte antigo: “Grande foi minha surpresa quan-do encontrei não um médico disposto a negar o conhecimento médico tradicional em bloco, mas um ferrenho aristotélico, que mais do que tudo procurou garantir o conhecimento dos antigos”. Harvey seguia os ensinamentos dos tratados de Aristóteles a respeito dos animais. Entretanto, co-mo nos diz Regina, ele era “suficientemente crítico para concordar com as afirmações de Aristóteles

Harvey, os antigos e os modernoseduardo kickhöfel

eduardo kickhöfel é professor de história da filosofia da renascença da unifesp. estuda a filosofia natural do período e a formação da ciência moderna. atualmente prepara uma nova edição dos manuscritos de anatomia de leonardo da vinci.

william Harvey e a descoberta da circulação do sangueregina andrés rebolloeditora unesp296 páginas | r$ 42,00

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Picasso –, compondo análises que aproximam o leitor de suas reflexões sobre os rumos da per-cepção e expandem as hipóteses sobre a presença dos acasos significativos para a criação.

Entre sete capítulos e um caderno de imagens encontramos as razões de um projeto editorial que pretende familiarizar o leitor com assun-tos muito debatidos, nem sempre abordados de forma investigativa ou realmente consciente de sua vocação interdisciplinar, em outros autores.

De fato, o compromisso da autora com a abor-dagem proposta na obra evidencia sua constante disposição para a reflexão crítica, especialmente quando amplia as discussões em notas. Ampa-radas em citações de diversos autores, em indi-cações de textos de referência e principalmente em comentários e explicações, algumas notas são verdadeiros roteiros críticos.

Fayga Ostrower encontra um tom fluido em um texto que promove o interesse do leitor, especial-mente quando se dispõe a examinar os domínios da criatividade e da criação.

Com facilidade argumenta sobre suas hipó-teses, ao afirmar que “a criatividade está no po-tencial de cada um – a criação já é a escolha de cada um”. Descreve a criatividade como um po-tencial de sensibilidade, um potencial em aberto, e a criação como circunstância que se estrutura em atos concretos e específicos, sendo os acasos portadores de novo conhecimento.

Quando praticamente finaliza suas considera-ções, a autora retoma comentários sobre criação e estilo, por meio de diálogos de artistas com a matéria, do engajamento do trabalho criador, da prática do educador que promove o ambiente de “formação do ser sensível”.

Enfim, Fayga Ostrower reafirma com vigor em sua obra a ocorrência dos acasos significativos para a criação, essas estranhas coincidências, fundamentais para “uma nova compreensão de coisas que no fundo sempre existiram em nós”.

Obra de referência sobre arte, o livro mate-rializa um projeto de vida e de criação, pleno de convicções de uma artista-pesquisadora.

os esforços do Instituto Fayga Ostrower e da Editora da Unicamp colocam em nos-sas mãos a mais recente edição de uma

obra relevante, quando o assunto é a criação artís-tica. Importante referência para diversos cursos de graduação e pós-graduação em artes, o livro Acasos e criação artística, projeto de fôlego de Fayga Ostrower, apresenta um panorama de largo espectro, dentro do qual a percepção e os conteú-dos expressivos são a tônica dominante do texto.

O projeto da obra apresentado pela autora, pen-sado como um exercício crítico, solicita ao atento leitor que acompanhe, página a página, uma série de perguntas fundamentais para a convivência com a problemática da percepção e da vida das formas no mundo que nos cerca.

Da trajetória de Fayga Ostrower (1920-2001), artista polonesa radicada no Brasil desde a década de 1930 e potente educadora, percebe-se a voca-ção de uma criadora interessada em situações em que os acasos são presença constante para a com-preensão de noções que movem a criação artística.

Desde a reunião de um conjunto de temas instigantes como inspiração e individualidade, formas e expressividade ou ainda criação e estilo, a autora retoma questões que se acomodam em um criterioso arranjo analítico, com um convite à leitura de situações do cotidiano.

Percorrendo a história da arte, os estudos da Ges-talt, entre outros territórios de investigação, por meio de cuidadosa análise de situações que validam os acasos como faces de um “diálogo com a nossa cons-ciência através da sensibilidade”, a autora demonstra ser possível centrar esforços, apesar das dificulda-des inerentes ao contexto da vida contemporânea, no “senso do extraordinário e incomum dentro do perfeitamente comum e ordinário”.

De modo bastante explicativo, com notas de ro-dapé que ampliam, de fato, a compreensão dos te-mas, a autora encontra os termos mais adequados para que cada assunto seja abordado de maneira esclarecedora. Por meio de um texto coeso e re-pleto de exemplos, sempre apoiados em imagens, expande as discussões geradas em cada capítulo.

Com desenvoltura, a autora transita pelos con-teúdos expressivos de distintas obras de arte, acompanhando os processos de criação de di-versos artistas – Cézanne, Mondrian, Kandinsky,

o largo percurso de uma criadora

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Cláudia fazzolari

Cláudia Fazzolari desenvolve investigação de pós-doutorado no programa de pós-graduação em integração da américa latina (prolam-usp). é docente colaboradora no Centro de estudos latino- -americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc-eCa-usp).

acasos e criação artísticafayga ostrowereditora da unicamp398 páginas, r$ 76,00

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Caminhos para a proteção intelectualespecialistas recomendam busca em bases de patentes antes mesmo do início de projetos de pesquisa

Patentes | empregabilidade

Quanto mais patentes tem um pesquisador, maior é a possibilidade de ele deixar a academia para comercializar os resultados dos estudos e ser mais bem recompensado. Pelo menos é o que mostra um artigo da revista Nature, de 2 de janeiro, que comenta um estudo realizado com pesquisadores belgas no período de 1996 a 2005. No Brasil ainda não existe uma tendência como essa, mas sim um aumento do cuidado entre os pesquisadores e universidades em depositar patentes antes da publicação em periódicos científicos. É uma cultura que está se formando. Para os pesquisadores que ao final de um projeto acreditam que os resultados obtidos são passíveis

de proteção intelectual, especialistas recomendam, como primeiro passo, a análise de três itens: saber se a invenção constitui realmente uma novidade, se ela se enquadra em uma atividade inventiva e se pode ser aplicada industrialmente. Os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) vinculados a universidades e institutos de pesquisa, também chamados de agência de inovação ou coordenadoria de propriedade intelectual, são os responsáveis pela avaliação dos requisitos de patenteabilidade e pela interação entre o setor público e privado. “O comunicado de invenção preenchido pelo pesquisador contém as informações

necessárias para que nossos especialistas compreendam a tecnologia, façam a busca em bases públicas de patentes do Brasil e do exterior e, se for o caso de proteção, definam a estratégia mais adequada”, diz Patrícia Leal Gestic, diretora de Inovação e Propriedade Intelectual da Agência de Inovação (Inova) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Quando faço a comunicação de invenção, a Inova recomenda que eu também faça uma busca de anterioridade nas bases de patentes internacionais, como Derwent e USPTO [United States Patent and Trademark Office]”, diz o professor Oswaldo Alves, coordenador do Laboratório

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empregabiliDaDe

mestres na amazôniaeducação é a área de maior destino de titulados na região Norte

A região Norte do país teve um aumento de 940% no número de mestres titulados num período de 13 anos. No total foram 7.778 mestres entre 1996 e 2009, sendo que 95% estavam empregados no final da pesquisa realizada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Amazonas (Secti-AM). Na participação nacional, embora ainda em último lugar, a região subiu de 2,81% para 5,05% de mestres. Os dados constam da segunda edição dos Cadernos de CT&I Amazonas da Secti-AM, que seguiu uma metodologia aplicada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para reunir os titulados em programas de mestrado acadêmico e profissional.

No mesmo estudo foi contabilizada a situação de empregabilidade desses mestres, abrangendo os estados do Amazonas, com 2.012 titulados, Pará, 2.818, Tocantins, 814, Rondônia, 756, Roraima, 365, Amapá, 364, e Acre, 295. Dos 7.424 mestres formados e empregados no período, a maior parte, 3.021, trabalhava formalmente no final de 2009 na área de educação. Em seguida, 2.982 trabalhavam em administração pública, defesa e seguridade social. Em atividades científicas e técnicas, 403, saúde humana e serviços sociais, 168, indústrias de transformação, 152, atividades financeiras e seguros, 99, indústrias extrativas, 98, eletricidade e gás, 64, agricultura, pecuária, pesca e produção florestal, 60, e outras atividades e serviços, 168.

de Química do Estado Sólido e do Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Biossistemas da Unicamp. Alves fala com conhecimento de causa – ele já teve 25 patentes depositadas, 3 delas internacionais, e 5 cartas-patentes concedidas, além de ter fechado um contrato de transferência de tecnologia com a empresa Contech, de Valinhos, no interior paulista.

Patrícia ressalta que a agência recomenda aos pesquisadores usar as bases públicas de patentes não só para analisar tecnologias com potencial de patenteamento, mas também antes de iniciar um novo projeto de pesquisa. “Quando essa consulta é feita antes, o pesquisador já começa a planejar a sua pesquisa com foco no ineditismo e na possível aplicação da tecnologia”, diz Vera Crósta, consultora na área de inovação e transferência de tecnologia na VC Consultoria e da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). “O foco é o avanço do conhecimento, ir além do que já foi feito”, aconselha Vera, graduada em farmácia industrial e especializada em qualidade e gestão da inovação. “Se a busca ficar restrita a bancos de artigos acadêmicos, o pesquisador estará um ou dois anos defasado no estado da técnica”, diz Vera. Em muitos países já existe a cultura de que o depósito da patente deve anteceder a publicação de artigos científicos principalmente em áreas tecnológicas. “O artigo científico só deve ser submetido para publicação quando já existir um número de protocolo de depósito concedido pelo INPI [Instituto Nacional da Propriedade Industrial]”, diz Alves.

Vera ressalta que é importante que os NITs tenham pessoal qualificado para avaliar a tecnologia e seu potencial, “porque é preciso ter um olhar de mercado para saber quais suas possíveis aplicações”. Tudo aquilo que precisa ser protegido em uma patente está descrito no quadro reivindicatório do pedido. “Se as reivindicações forem feitas só com um olhar acadêmico, o escopo de abrangência possivelmente estará restrito”, diz. É preciso entender as possibilidades de aplicação também no mercado.

Tecnologias com vários usos diferentes, para atender a setores distintos, ampliam o leque de aplicações e normalmente têm maior potencial para serem comercializadas. Sigilo, propriedade intelectual e participação nos resultados são, na avaliação da consultora, os pontos nevrálgicos em uma negociação. “Quando os especialistas decidem que a invenção não se enquadra nas regras da proteção, ainda assim buscamos estabelecer estratégias para comercialização do know-how”, diz Patrícia, da Inova.

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classificados

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CiÊnCia em temPo realo ConteúDo De PesQuisa faPesP não termina aQui.

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Conferência Brasileira de Ciência e Tecnologia em Bioenergia

insCrições aBerTas

De 20 a 24 de outubro de 2014

avanços científicos e tecnológicos em bioenergia

Potencial de produção global de bioenergia

Políticas para a expansão sustentável de bioenergia no mundo

impactos da bioenergia

sistemas integrados de biorrefinarias e compostos químicos derivados da biomassa

O BBesT, o mais importante evento de bioenergia do país, fará sua segunda edição em outubro de 2014, dando continuidade ao sucesso do BBesT 2011O encontro terá pesquisadores, estudantes, profissionais da indústria e do governo

2nd Brazilian Bioenergy science and Technology Conference Campos do Jordão, são Paulo, Brasil

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