Pesquisa FAPESP 205

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MARÇO DE 2013 WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR OLIMPÍADAS CIENTÍFICAS Competições revelam talentos para pesquisa no ensino médio CERÂMICA Inovação dinamiza indústria de pisos e azulejos DIVULGAÇÃO Textos e imagens tornam história brasileira mais acessível ao público ESPECIAL BIOTA-EDUCAÇÃO Fragmentação de paisagens ameaça biodiversidade brasileira Consórcio brasileiro produz novos conhecimentos sobre uma doença complexa e torturante TOC

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TOC - Consórcio brasileiro produz novos conhecimentos sobre uma doença complexa e torturante

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março de 2013 www.revistapesquisa.fapesp.br

olimpíadas científicasCompetições revelam talentos para pesquisa no ensino médio

cerâmicaInovação dinamiza indústria de pisos e azulejos

divulgação Textos e imagens tornam história brasileira mais acessível ao público

especial biota-educaçãoFragmentação de paisagens ameaça biodiversidade brasileira

Consórcio brasileiro produz novos conhecimentos sobre uma

doença complexa e torturante

TOC

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Apresentado por Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa FaPesP, e por Celso Filho, diretor da Rádio Usp, o Pesquisa Brasil traz informações de ciência, tecnologia, meio ambiente, humanidades.

Há sempre um pesquisador convidado conversando sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, além de uma seleção musical com muito swing.

E você pode participar do “Ouvinte pesquisa” fazendo perguntas aos pesquisadores e concorrendo a uma assinatura anual da revista Pesquisa FaPesP.

Toda sexta-feira, das 13h às 14h, na Rádio UsP, você tem um encontro marcado com a ciência falada

Pesquisa Brasil

Aguce seus sentidos e

sintonize já!

93,7 mHzwww.revistapesquisa.fapesp.br

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PESQUISA FAPESP 205 | 3

Gaiata no navioUma estrela de apenas dois centímetros de diâmetro,

Ophiothela mirabilis, natural do oceano pacífico,

foi fotografada pelo biólogo marinho Alvaro Esteves

Migotto no Atlântico, no litoral brasileiro. A estrela

tornou-se numa espécie invasora abundante que

está presente em grande número nas águas rasas,

entre 10 e 15 metros, do sudeste brasileiro

e foi objeto de artigo na revista Coral Reefs sobre

sua ocorrência cada vez maior no Atlântico. “A espécie

provavelmente chegou aqui como clandestina, em

cascos de navios”, diz o biólogo. A foto acima, de sua

autoria, ficou entre as 10 melhores do Nikon’s small

World de 2012, um concurso anual de microfotografias

(www.nikonsmallworld.com).

FOTOlAB

se você tiver uma imagem relacionada a pesquisa, envie para [email protected], com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

Foto enviada por Alvaro Esteves Migotto

Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo

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POlíTICA CIEnTíFICA E TECnOlógICA

32 educaçãoAvanço do país em olimpíadas científicas movimenta estudantes do ensino médio e ajuda a formar novos pesquisadores

38 Recursos humanosLei que altera carreira de docentes das universidades federais preocupa comunidade científica

42 DifusãoEditor-chefe da Nature, Philip Campbell, e dirigente da Royal Society, Martyn Poliakoff, discutem na FAPESP desafios e limites da abertura de dados científicos

18 CAPAEstudos coordenados por brasileiros ajudam a compreender melhor e a tratar de modo mais eficiente o transtorno obsessivo-compulsivo

cRéDiTo drawN Ideas

EnTrEvISTA

26 Maria José Soares Mendes gianninipró-reitora de pesquisa da Unesp explica as iniciativas tomadas para aumentar a qualidade da universidade

CIÊnCIA

44 ecologiaMapas tridimensionais detalham a estrutura da floresta e facilitam o monitoramento dos impactos da fragmentação na vegetação nativa

50 especial Biota educação iBiólogos apresentam a professores e estudantes do ensino médio um panorama dos efeitos da fragmentação de ecossistemas e da perda da biodiversidade no país

56 PaleontologiaFezes fossilizadas de peixe de 270 milhões de anos encontrado no Rio Grande do Sul carregam ovos de verme

58 entrevista: Brian schmidtLaureado com o Nobel diz que são necessários novos métodos para medir o que compõe a maior parte do Universo

60 encontro de notáveisEvento em São Carlos homenageia o físico Daniel Kleppner e reúne cinco ganhadores do Prêmio Nobel

64 FísicaAlternância perfeita entre ventos e chuvas garante a beleza das dunas e lagoas do parque nacional

SEçÕES

3 Fotolab6 Cartas8 On-line9 Editorial10 Dados e projetos11 Boas práticas12 Estratégias14 Tecnociência88 Memória90 Arte92 Conto94 Resenha95 Carreiras97 Classificados

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MArçO 2013 n. 205

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PESQUISA FAPESP 205 | 5

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TECnOlOgIA

68 indústriaDesenvolvimento tecnológico nas fábricas de pisos e azulejos leva o Brasil ao posto de segundo produtor mundial

74 QuímicaMarca-passos e outros aparelhos implantados no corpo humano poderão funcionar com eletricidade obtida do sangue

76 Novos materiaisPesquisadores brasileiros na Suíça desenvolvem forma de ligar plástico e cerâmica como osso e músculo

78 engenhariaEmpresa paulistana tem projeto para limpar água e solo contaminados por metais pesados em mina de urânio

hUMAnIdAdES

82 HistóriaColeção reúne artigos de historiadores para públicos mais amplos entenderem o Brasil contemporâneo

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6 | março DE 2013

ESO, Gemini e SoarGostaria de esclarecer alguns aspectos mencionados na entrevista “Saltos astro-nômicos” (edição 203). Nessa entrevista, lê-se que “o modo fila foi inventado no Gemini e no Soar”, quando já se sabe há muito que o modo fila foi inaugurado no European Southern Observatory (ESO). Na entrevista, é ainda mencionado que “No ESO [iríamos] disputar com eles em condições de desigualdade”, sen-do que, na verdade, a comissão de pe-dido do tempo do ESO é uma das mais justas e profissionais que eu já vi, pois está composta por um grande número de astrônomos de diversas áreas. Já na comissão local para julgamento de pe-didos brasileiros do Gemini, pequena e restrita apenas a pequenas áreas de conhecimento, muitos projetos são pena-lizados porque a comissão não consegue avaliar a grande diversidade de áreas na astronomia. Em relação à nossa estra-tégia de desenvolvimento e adesão ao ESO, é mencionado ainda que “existem alternativas excelentes que nos custa-riam pelo menos 10 vezes menos”, mas não é mencionado que também iríamos estar 10 vezes mais limitados, impedindo que o Brasil faça ciência realmente de ponta. Seria lamentável se o Brasil não concretizasse, e o mais rápido possível, a sua adesão ao ESO. No cenário atual, devido às limitações do Gemini e do Soar, estamos beneficiando apenas uma pe-quena parte dos astrônomos brasileiros para fazer ciência em telescópios pouco competitivos.Jorge Meléndez

Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências

Atmosféricas/USP

São Paulo, SP

FrenologiaO descrédito em que caíram a frenologia e o recente estudo que relaciona medidas fa-ciais com comportamento confirmam o que a sabedoria popular mundial sacramentou no provérbio “Não julgue um livro pela capa” (“O crânio subvertido”, edição 203).Elizabeth Sikar

São Carlos, SP

Ciência e burocraciaFoi gratificante ler a reportagem “Prote-gendo a ciência da burocracia” (edição 203), visto que ciência e administração tendem a se encontrar em algum mo-mento no processo de desenvolvimento de novos projetos científicos. É excelente a iniciativa da FAPESP em formar times e capacitar cada vez mais pessoas que fa-zem parte da administração e do desen-volvimento de um projeto de pesquisa, embora nem sempre tenham seu traba-lho reconhecido pelos gestores. Portanto, cabe a cientistas e administradores acei-tar e reconhecer a competência do outro. Conhecimento bem produzido também é conhecimento bem administrado.Antonio Acácio de Oliveira

Itapira, SP

MiscigenaçãoParabenizo Pesquisa FAPESP pela repor-tagem de Marcos Pivetta com base no artigo científico de Cayres-Vallinoto, de 12 de outubro de 2012, sobre o vírus JCV (“Rastros de miscigenação”, edição 202). Nesse trabalho é importante salientar o alcance do estudo apresentado sobre as áreas de bioantropologia e arqueologia na reconstituição do percurso do Homo sapiens da Ásia às Américas. Francisco José Bezerra Sá

Salvador, BA

História da metalurgiaFiquei muito feliz e emocionado com a reportagem “A ferro e fogo” (edição 202). Meu quinto avô, Antônio Xavier Ferreira, foi diretor da Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, de 1824 a 1834. Com a saída de Varnhagem, seguiu-se na administração da Fábrica do Ipanema o

CArtAS [email protected]

CelSo lAferPrEsiDEntE

edUArdo MoACyr KrIeGervicE-PrEsiDEntE

COnSElHO SupEriOr

AlejAndro SzAnto de toledo, CelSo lAfer, edUArdo MoACyr KrIeGer, fernAndo ferreIrA CoStA, HoráCIo lAfer PIvA, HerMAn jACoBUS CornelIS voorwAld, joão GrAndIno rodAS, MArIA joSé SoAreS MendeS GIAnnInI, joSé de SoUzA MArtInS, lUIz GonzAGA BellUzzo, SUely vIlelA SAMPAIo, yoSHIAKI nAKAno

COnSElHO téCniCO-AdMiniStrAtivO

joSé ArAnA vArelADirEtor PrEsiDEntE

CArloS HenrIqUe de BrIto CrUzDirEtor ciEntífico

joAqUIM j. de CAMArGo enGlerDirEtor aDministrativo

COnSElHO EditOriAlCarlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio túlio Costa, eugênio Bucci, fernando reinach, josé eduardo Krieger, luiz davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo leite, Maria Hermínia tavares de Almeida, Marisa lajolo, Maurício tuffani, Mônica teixeira

COMitê CiEntíFiCOluiz Henrique lopes dos Santos (Presidente), Adolpho josé Melfi, Carlos eduardo negrão, douglas eduardo zampieri, eduardo Cesar leão Marques, francisco Antônio Bezerra Coutinho, joão furtado, joaquim j. de Camargo engler, josé Arana varela, josé roberto de frança Arruda, josé roberto Postali Parra, luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne van Sluys, Mário josé Abdalla Saad, Paula Montero, roberto Marcondes Cesar júnior, Sérgio luiz Monteiro Salles filho, Sérgio robles reis queiroz, wagner do Amaral, walter Colli

COOrdEnAdOr CiEntíFiCOluiz Henrique lopes dos Santos

dirEtOrA dE rEdAçãO Mariluce Moura

EditOr CHEFE neldson Marcolin

EditOrES Carlos Haag (Humanidades), fabrício Marques (Política), Marcos de oliveira (Tecnologia), ricardo zorzetto (Ciência); Carlos fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe ciais); Bruno de Pierro e dinorah ereno (Editores assistentes)

rEviSãO Márcio Guimarães de Araújo, Margô negro

ArtE Mayumi okuyama (Editora), ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia felli e Camila Suzuki (Assistente)

FOtóGrAFOS eduardo Cesar, léo ramos

MídiAS ElEtrôniCAS fabrício Marques (Coordenador) intErnEt Pesquisa FAPESP onlineMaria Guimarães (Editora executiva - licenciada)júlio Cesar Barros (Editor em exercício) rodrigo de oliveira Andrade

rádiO Pesquisa BrasilBiancamaria Binazzi (Produtora)

COlABOrAdOrES Alex Castro, Alexandre Affonso, Ana lima, Catarina Bessel, daniel Bueno, daniel das neves, erika onodera, evanildo da Silveira, fabio otubo, Guilherme Kramer, Guilherme lepca, Igor zolnerkevic, Maria Hirszman, Pedro Hamdan, Sandro Castelli, valter rodrigues (Banco de Imagens), yuri vasconcelos

é prOiBidA A rEprOduçãO tOtAl Ou pArCiAl dE tExtOS E FOtOS SEM préviA AutOrizAçãO

pArA FAlAr COM A rEdAçãO (11) [email protected]

pArA AnunCiAr (11) 3087-4212 [email protected] ASSinAr (11) 3038-1434 [email protected]

tirAGEM 48.000 exemplaresiMprESSãO Plural Indústria GráficadiStriBuiçãO dInAP

GEStãO AdMiniStrAtivA InStItUto UnIeMP

pESQuiSA FApESp rua joaquim Antunes, no 727, 10o andar, CeP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP

FApESp rua Pio XI, no 1.500, CeP 05468-901, Alto da lapa, São Paulo-SP

SeCretArIA de deSenvolvIMento eConôMICo,

CIênCIA e teCnoloGIA GOvErnO dO EStAdO dE SãO pAulO

fUndAção de AMPAro à PeSqUISA do eStAdo de São PAUlo

ISSn 1519-8774

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pESQuiSA FApESp 205 | 7

empresa que apoia a ciência brasileira

capitão Rufino José Felizardo e Costa, em que, tendo falecido, foi substituído por Antônio Xavier Ferreira. A publica-ção Pluto Brasiliensis, memórias sobre as riquezas do Brasil em ouro, diamantes e outros minerais, de Wilhelm Ludwig Von Eschwege, informa que o minério de ferro foi descoberto pela primeira vez em São Paulo “na freguesia de Santo Amaro, à beira de uma pequeno ribeirão, afluente do rio Pinheiros (...) a uma distância de 2 léguas SE de São Paulo”. Na mesma pu-blicação é revelado que em 1590 Afonso Sardinha descobriu o minério de ferro de Araçoiaba, onde construiu pequena fábrica no vale das Furnas, num tempo bem distante de 1810. Ao que parece é uma longa história e repleta de curiosida-des. Parabéns pela reportagem e por ter me proporcionado a emoção de outros conhecimentos e mais dados para minha genealogia.idivaldo Antonio Micali

departamento de farmácia/Ufrn

natal, rn

portugalA Carta da Editora, de Mariluce Moura, a respeito da reportagem “Um imenso Portugal” (edição 201) fala do fato de al-guns brasileiros atribuírem as “mazelas” do país à colonização portuguesa. Quero lembrar a quem diz que os Estados Uni-dos são uma potência porque foram co-lonizados por ingleses que, na verdade, a colonização americana foi feita por todos (todos mesmo) os cidadãos da Europa, dos portugueses aos russos, sem falar dos

escravos negros africanos e dos asiáticos. No começo do século passado, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos era igual ao da Argentina e hoje não dá nem para comparar. Isso ocorreu por cul-pa da colonização espanhola na Argentina ou foi a incapacidade do governo? Há 60 anos, a Coreia do Sul e a Bolívia tinham um PIB parecido, muito diferente do de hoje. Também foi culpa dos colonizado-res? Se só os ingleses, franceses e holan-deses são mais capacitados e inteligentes do que os portugueses, por que os muitos países colonizados por eles estão entre os mais atrasados do mundo? O português nunca se julgou superior aos povos que colonizou e sempre se misturou ao ne-gro, índio ou asiático. Não aguento mais ver os portugueses serem culpados por algo que os brasileiros deveriam fazer. No caso, transformar o Brasil num país mais justo, humano e desenvolvido. O Brasil já é independente há 191 anos.Antonio Amaro

São Paulo, SP

Cultura científicaA ciência há muito já deixou de ser as-sunto de laboratório ou sala fechada, pois está presente diariamente em todos os meios de comunicação (entrevista com Bruce Alberts, edição 199). Portanto, existe uma necessidade incontestável de promover uma cultura científica cla-ra e entendível na sociedade como um todo. Logo, a possibilidade da clareza de termos e expressões utilizados em textos científicos e a facilidade de acesso a tais leituras se fazem necessárias prin-cipalmente nas unidades de educação básica de ensino fundamental e médio. Tal simplificação pode ampliar consi-deravelmente o interesse das pessoas a adentrar nos caminhos da ciência com mais segurança e curiosidade no intuito de ampliar seus conhecimentos em re-lação a conceitos científicos.Marte Ferreira da Silva

Atibaia, SP

Fundação rockefellerA chamada de capa “Malária” (edição 198) focaliza a ação “polêmica” da Fundação Rockefeller no combate à doença no Bra-sil. Algumas das ideias veiculadas pela reportagem são igualmente polêmicas. Um primeiro ponto diz respeito ao su-

cesso do regime de Vargas no trabalho sanitário contra o mosquito. Ora, mesmo antes de Vargas era estreita a relação en-tre saúde, construção da nação e Estado. Há décadas a tese da “saúde como força--motriz da nação” vem sendo defendida entre nós, inclusive em artigo científico que publiquei na revista Dados, em 1985. Se mais tarde os norte-americanos não erradicaram o vetor em seu próprio ter-ritório, isso não se deveu à suposta blin-dagem das liberdades individuais diante dos imperativos sanitários. A Lei Seca em sua forma mais draconiana foi votada jus-tamente nos Estados Unidos, há quase 100 anos. Apesar da ditadura de Vargas e da cruzada antiálcool de seus sanitaristas, leis semelhantes à norte-americana não pegaram no Brasil. O aspecto crucial, que a matéria não elucidou, foi o baixo prestígio dos sanitaristas nos Estados Unidos, que explica as dificuldades de erradicação na-quele país. Em contraste, desde o início da Primeira República nossos pesquisadores gozavam de grande prestígio. Seu perfil internacional se mostrava antes mesmo da chegada da Rockefeller ao Brasil e isso, note-se, tornou possível a resistência con-tra a aplicação de “dogmas” estrangeiros pelos sanitaristas brasileiros, a exemplo de Pirajá da Silva (ver reportagem “Vocação bem-sucedida” na mesma edição).luiz Antonio de Castro Santos

Instituto de Medicina Social/Uerj

rio de janeiro, rj

CorreçõesAo contrário do que consta na reporta-gem “Mais bits a serviço do DNA” (edi-ção 204), a filial do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo continua operando no Brasil, com sede administrativa no Hospital Sírio-Liba-nês, na capital paulista.

O retrato de Erney Plessmann de Camar-go (“O cientista das doenças negligen-ciadas”, edição 204) é de Eduardo César.

O nome do naturalista inglês Charles Bun-bury saiu como Hermann Bunbury na re-portagem “O valor da língua” (edição 202).

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected] ou para a rua joaquim Antunes, 727, 10º andar – CeP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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8 | março DE 2013

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xUm grupo de pesquisadores internacionais, entre eles brasileiros, identificou a maior galáxia espiral do Universo. A nGC 6872, como é conhecida, tem 522 mil anos-luz de diâmetro – cinco vezes o tamanho da via láctea. A hipótese mais provável para explicar seu tamanho é que ela resulte da colisão com outra galáxia menor. Agora os cientistas vão verificar se os gases expelidos durante o choque entre as duas galáxias também podem ter dado origem a uma nova galáxia anã. os detalhes do achado foram apresentados na última reunião da Sociedade Astronômica Americana, em janeiro, nos estados Unidos.

xUm levantamento conduzido em rodovias das cidades de São Paulo, diadema, Belo Horizonte e vitória, entre 2005 e 2007, traduziu em números a frequência com que brasileiros misturavam álcool e direção antes do advento de uma legislação mais restritiva. no estudo, publicado em janeiro na Addictive Behaviors, 4.182 motoristas foram entrevistados. desses, 3.488 concordaram em fazer o teste do bafômetro. os pesquisadores verificaram que 24,6% haviam bebido no dia da pesquisa e que 15,9% apresentavam índice de concentração de álcool no sangue superior ao permitido pela lei vigente à época.

Exclusivo no site

rádio

Everton Estracanholli, da USP de São Carlos, explica como a luz de LED acelera a fermentação da cerveja

vídeo do mês

Nova variedade de mandioca tem até 40 vezes mais vitamina A do que as plantas comuns

Imagem da nGC 6872 obtida pelo telescópio Galaxy

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ss renato Silveira Bérnils_ não vejo essa “autocitação” como um fenômeno terceiro-mundista ou de má ciência. outros aspectos devem ser levados em conta. (Conhecimento ilhado)

Alexandre Oliveira Florão_ Melhor tema possível para conectar o cotidiano ao conhecimento científico. (Cerveja brilhante)

Emiliane Silva Santiago_ falta apenas valorizar a pesquisa nacional. Pesquisadores qualificados nós já temos. (Alta produtividade)

Charles Bicalho_ Muito boa. exatamente o assunto que estou lendo no livro Dignidade! (Cooperação contra doenças negligenciadas)

M. Carmo Bittencourt Oliveira_ Ótimo! Posso fazer coleta para minhas aulas nesses prédios. (Concreto coberto de vida)

rosane lizarelli_ vamos agradecer a esses bichinhos que tanto nos ajudam (Tratamento do estresse pós-traumático) richardson Barbosa_ Precisaremos estudar seu impacto sobre os recursos, bem como as melhores técnicas silviculturais. (Mais celulose por centímetro quadrado)

nas redes

Assista ao vídeo:

Química divertidao estereótipo do cientista excêntrico ajudou a popularizar vídeos, alguns legendados em português, em que Martyn Poliakoff, da Universidade de nottingham e da royal Society, explica questões da química de forma divertida. no ar desde 2008, o The periodic table of videos (periodicvideos.com) teve mais de 38 milhões de exibições. em um deles, Martyn aprecia uma caipirinha no Brasil, enquanto explica a composição do açúcar.

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a dor dos pensamentos indomáveisMariluce Moura

dIretorA de redAção

CArtA dA EditOrA

no cinema ou na televisão, tiques, manias estranhas ou repetição compulsiva de com-portamentos aparentemente desnecessários

podem tornar algumas personagens muito mais intrigantes e, por isso mesmo, aumentar seu poten-cial de fascínio. Para ficar apenas em dois exemplos conhecidos, lembremos de Melvin Udall, o escri-tor de Melhor impossível (1997), que valeu a Jack Nicholson o Oscar de melhor ator em 1998, e do detetive Adrian Monk, personagem central de uma bem-sucedida série de televisão norte-americana, lançada em 2002, que familiarizou telespectadores, mundo afora, com o rosto de Tony Shalhoub e ao mesmo tempo com uma versão bem verossímil do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). O primeiro tinha um medo pânico de contrair alguma doença no contato com as pessoas e lavava as mãos com alucinada frequência e um sabonete novo a cada vez. O detetive, entre outros traços curiosos, não suportava qualquer assimetria, qualquer desvio da rígida norma geométrica em que queria ver enqua-drado o mundo à sua volta. Se deixassem, além de desentortar quadros nas paredes, corrigiria tam-bém, na cena do crime, a posição das vítimas cuja morte era chamado a investigar.

Fora da ficção, entretanto, observa nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, o TOC pode ser mais grave e mais complexo do que nas telas, alimentado acima de tudo por pensamentos indesejados, as ob-sessões, que invadem sem trégua a mente de quem tem o transtorno, gerando exacerbada ansiedade e medos irracionais, seguidos, na maior parte dos casos, pela necessidade incontrolável de repetir certos rituais mecânicos e mentais. Embora venha sendo estudado em diferentes fronts desde o século XIX e tenha sido inclusive objeto das investigações de Freud, que o apresentou sob o nome de neurose obsessiva e o explorou mais audaciosamente em seu famoso escrito sobre “o homem dos ratos”, de 1907, o TOC permanece como uma doença com-plexa e desafiadora – a rigor, não se conhece ainda o que efetivamente a provoca ou desencadeia. Por

isso, tem grande relevância uma série de estudos coordenados por pesquisadores brasileiros para ampliar a compreensão sobre o transtorno e, as-sim, embasar cientificamente tratamentos mais eficazes. Tais pesquisas motivaram a reportagem de capa desta edição, a partir da página 18.

Transitando do conhecimento científico em psiquiatria para a inovação tecnológica com efei-to direto sobre a economia, gostaria de destacar a reportagem sobre os avanços na qualidade técnica da cerâmica produzida em São Paulo, em especial no polo cerâmico de Santa Gertrudes, na região de Rio Claro, que ajudou a situar o Brasil como segundo maior fabricante mundial de pisos e azu-lejos cerâmicos, atrás apenas da China. Até 2001, o país era o quarto produtor mundial de placas cerâmicas e São Paulo respondia por 40% dessa produção (473 milhões de metros quadrados). Foi aí que um projeto apresentado por pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e por empre-sas do polo de Santa Gertrudes, em parceria com outros pesquisadores vinculados a universidades e institutos de pesquisa, obteve na FAPESP apoio substancial do programa de Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec). Seus efei-tos: aumentou significativamente a qualidade dos materiais cerâmicos brasileiros e a participação paulista na produção nacional foi ampliada para 70% dos 866 milhões de m2 fabricados em 2012. Esse trajeto está detalhado no relato do jornalista Yuri Vasconcelos, a partir da página 68.

Para concluir, gostaria de recomendar uma repor-tagem que toca em tema sensível ao desenvolvimento contemporâneo do país, a educação científica, elabo-rada por nosso editor de política científica e tecnoló-gica, Fabrício Marques. No texto a partir da página 32 ele procura mostrar o que tem a ver a participa-ção de estudantes de ensino médio em olimpíadas científicas com a formação de novos pesquisadores e como a conquista de medalhas nesses certames transforma-se em estímulo especial para mais jo-vens perseguirem a carreira científica. Boa leitura!

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10 | março DE 2013

DaDos E ProJEtos

tEMátiCOSxAlterações na expressão gênica do tecido gástrico e intestinal de portadores de diabetes melito tipo 2 submetidos à gastroplastia redutora a y-rouxpesquisador responsável: dan linetzky waitzberginstituição: faculdade de Medicina/USPprocesso: 2011/09612-3vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

xpolímeros sintéticos e naturais aplicados à engenharia de tecidopesquisador responsável: luiz Henrique Catalaniinstituição: Instituto de química/USPprocesso: 2011/21442-6vigência: 01/02/2013 a 31/01/2018

xEstudo das adaptações biomecânicas, sensoriais, cardiorrespiratórias e da qualidade de vida associadas à intervenção fisioterapêutica na síndrome fibromiálgicapesquisadora responsável: tânia de fátima Salviniinstituição: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde/UfSCarprocesso: 2011/22122-5vigência: 01/02/2013 a 31/01/2018

xBiologia das doenças neoplásicas da medula óssea pesquisadora responsável: Sara teresinha olalla Saad

tEMátiCOS E JOvEM pESQuiSAdOr rECEntESProjetos contratados entre janeiro e fevereiro de 2013

instituição: Hemocentro/Unicampprocesso: 2011/51959-0vigência: 01/12/2012 a 30/11/2017

xMecanismos de ajuste do relógio por luz e temperatura: aspectos filogenéticospesquisadora responsável: Ana Maria de lauro Castrucciinstituição: Instituto de Biociências/USPprocesso: 2012/50214-4vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016

xneurociência translacional da doença de Alzheimer: estudos pré-clínicos e clínicos do peptídeo b-amiloide e outros biomarcadorespesquisador responsável: Geraldo Busatto filhoinstituição: faculdade de Medicina/USPprocesso: 2012/50329-6vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016

JOvEM pESQuiSAdOrxGeografia dos riscos e mudanças ambientais: construção de metodologias para análise da vulnerabilidadepesquisador responsável: eduardo josé Marandola juniorinstituição: faculdade de Ciências Aplicadas/Unicampprocesso: 2012/01008-2vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xdesenvolvimento de instrumentação e metodologias para monitoramento

de oxigenação, fluxo sanguíneo e metabolismo cerebral com espectroscopias ópticas de difusãopesquisador responsável: rickson Coelho Mesquitainstituição: Instituto de física Gleb wataghin/Unicampprocesso: 2012/02500-8vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

xEstabelecimento de uma plataforma de produção de proteínas recombinantes terapêuticas em células humanaspesquisadora responsável: Kamilla Swiechinstituição: faculdade de Ciências farmacêuticas de ribeirão Preto/USPprocesso: 2012/04629-8vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

xnitronas e hidroxilaminas com potencial farmacológico: síntese, prospecção da atividade antioxidante e estudos celulares pesquisador responsável: Artur franz Kepplerinstituição: Centro de Ciências naturais e Humanas/UfABCprocesso: 2012/07717-5vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017

xdispositivos MnM de alta eficiência e baixo custo para aplicações em sistemas de ondas milimétricas de 30 a 110 GHzpesquisadora responsável: Ariana

Maria da Conceição l. C. Serranoinstituição: escola Politécnica/USPprocesso: 2012/15159-2vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016

xOptomecânica em cristais fotônicos e fonônicospesquisador responsável: thiago Pedro Mayer Alegreinstituição: Instituto de física Gleb wataghin/Unicampprocesso: 2012/17610-3vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

xnanofotônica em semicondutores do grupo iv e iii-vpesquisador responsável: Gustavo Silva wiederheckerinstituição: Instituto de física Gleb wataghin/Unicampprocesso: 2012/17765-7vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

xAplicações de técnicas de planejamento experimental e análise de superfície de resposta para a otimização das propriedades tecnológicas, nutricionais e sensoriais de formulações de pães sem glútenpesquisadora responsável: vanessa dias Caprilesinstituição: Instituto de Saúde e Sociedade/Unifespprocesso: 2012/17838-4vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

As 11 mais bem colocadasUniversidades brasileiras na América latina: posição relativa e critérios de avaliação (*)

instituição

posição no ranking mundial

posição no ranking da

América latina

reputação acadêmica

reputação segundo

empregadores

docente/estudante

docentes com

doutorado

trababalhos publicados

por docente

Citações por trabalho

publicado

impacto na web

USP 139 1 100 100 62.8 100 100 84.2 100

Unicamp 228 3 100 97.3 59.1 100 100 72.4 97.7

Ufrj 333 8 99.4 34.8 66.5 99.7 99.2 77.7 97.9

UfMG 451 13 92.7 26 65.2 100 99.5 80.8 97.2

UfrGS 501 14 88.5 26.4 54.8 100 100 71.1 99.7

Unifesp 401 15 73.3 34.6 75.8 100 100 95.3 83.1

Unesp 551 17 82.8 38.9 60.6 100 99.8 48.1 98.6

PUC-rio 551 18 96.1 42.5 20.5 99 98.2 40.8 93.2

UnB 551 25 92.5 17 44.1 100 85.9 40.4 98.3

PUC-SP 551 28 73.2 95.8 79.8 90.7 7.3 4.9 78.9

UfSCar 601 37 62.4 23.4 55.9 100 99.2 51.1 82.7

(*) os números nas colunas que descrevem os indicadores são índices relativos. 100 representa o maior valor no ranking mundial alcançado, nos itens correspondentes, pelo conjunto das universidades da América latina. Fonte: qS top Universities, http://www.topuniversities.com/university-rankings/world-university-rankings

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A má conduta na guerra dos sexos

Universidades omissas serão punidas

Boas Práticas

No campo das ciências da vida, homens envolvem-se em casos de má conduta científica com mais frequência do que mulheres nos Estados Unidos, e a dianteira masculina é observada em todo o espectro de carreira, da iniciação científica ao comando de grupos de pesquisa, mostra um estudo publicado no jornal on-line mBio. Os autores revisaram 228 casos de má conduta registrados pelo Escritório de Integridade de Pesquisa (ORI) norte-americano, entre 1994 e 2012. O escritório promove boas práticas de pesquisa e investiga acusações de desvio de conduta envolvendo pesquisas apoiadas pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos. No geral, 65% dos casos de fraude foram cometidos por homens, mas o percentual variou entre as fileiras acadêmicas: 88% dos docentes que cometeram faltas eram homens, em comparação com 69% dos pós-doutorandos e 58% dos estudantes de graduação.

Em cada categoria, a proporção de homens cometendo faltas foi maior do que o previsto pela distribuição por sexo dos pesquisadores em ciências da vida nos Estados Unidos. O estudo não examinou quais são as razões que levam os homens a cometer mais fraudes. Mas diferenças culturais estão entre as hipóteses capazes de explicar o fenômeno, disse Arturo Casadevall, pesquisador da Albert Einstein College of Medicine da Universidade de Yeshiva, em Nova York, um dos autores do trabalho. “Homens tendem a se arriscar mais do que as mulheres e cometer fraude implica um risco”, sugeriu. “Também pode ser que os homens

sejam mais competitivos, ou que as mulheres sejam mais sensíveis à ameaça de sanções. A melhor resposta, porém, é que ainda não sabemos. Agora que documentamos o problema, podemos começar uma discussão séria sobre o que está acontecendo e como lidar com a questão”, afirmou.

Os autores supunham que a maior parte das fraudes envolvesse estudantes e jovens pesquisadores, aqueles que sofrem maior pressão para publicar artigos no início da carreira. Contudo, foi observado que as práticas de má conduta estão espalhadas por todas as etapas da carreira universitária. “Cientistas no topo da carreira comandam grandes laboratórios e administram recursos vultosos, o que aumenta a pressão para publicar e a tentação de cometer desvios”, disse Casadevall.

Os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês), que reúnem sete órgãos de financiamento de diferentes campos do conhecimento, lançaram uma nova versão de seu código de boas práticas, cuja principal novidade é a decisão drástica de cortar o financiamento de universidades e institutos de pesquisa que não investigarem apropriadamente casos de má conduta de seus cientistas. O documento, intitulado RCUK policy and guidelines on the governance of good research conduct, substitui as regras que vigoravam desde 2009. Ele lista diversos exemplos de má conduta,

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como fabricação ou falsificação de dados e imagens, deturpação de informações, conflito de interesses, entre outros. Pesquisadores que, após uma investigação, sejam responsabilizados por má conduta poderão ser impedidos de pedir novos financiamentos aos RCUK, por um período de tempo ou até indefinidamente. Segundo a revista Times Higher Education, a decisão de punir também as universidades omissas é uma resposta a um relatório recente do Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns, que criticou os RCUK por manterem o financiamento de instituições envolvidas com fraudes.

“O fato de a má conduta ocorrer em todas as fases de desenvolvimento de carreira sugere que a atenção aos aspectos éticos da conduta científica não deve ser limitada àqueles pesquisadores ainda em formação, como é a prática atual.”

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Estratégias

Um workshop realizado na fAPeSP no dia 19 de fevereiro apresentou os primeiros resultados de simulações feitas com o Modelo Brasileiro de Sistema terrestre, um programa de computador pioneiro no país capaz de projetar cenários climáticos a partir de dados coletados no Brasil (ver Pesquisa fAPeSP nº 177). Segundo Paulo nobre, pesquisador do Instituto nacional de Pesquisas espaciais (Inpe) e um dos coordenadores do projeto, o desenvolvimento do novo modelo já possibilitou melhorar, por exemplo, a previsão de precipitação. “Houve um aumento generalizado da melhoria da previsão tanto de temperatura da superfície das águas do Atlântico Sul como da América do Sul”, afirmou. outro resultado

o modelo climático brasileiro

foi a constatação de que o desmatamento da Amazônia aumenta a possibilidade de ocorrência de el niño (fenômeno caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico tropical, capaz de afetar o clima regional e global). “este foi um resultado que o modelo verificou mesmo sendo uma versão preliminar, de baixa resolução”, disse Paulo nobre. o modelo está sendo desenvolvido por pesquisadores de diversas instituições, integrantes do Programa fAPeSP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais, da rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (rede Clima) e do Instituto nacional de Ciência e tecnologia sobre Mudanças Climáticas.

USP homenageia Brito Cruz

o diretor científico da fAPeSP, Carlos Henrique de Brito Cruz, foi agraciado no dia 21 de fevereiro com a Medalha Armando de Salles oliveira da Universidade de São Paulo (USP). A entrega foi feita pelo reitor da USP, joão Grandino rodas. A medalha é a mais alta honraria da instituição e busca homenagear pessoas, entidades e organizações com contribuições marcantes para a valorização da USP. em seu discurso de agradecimento, o diretor científico da fAPeSP ressaltou a importância da ciência paulista e o papel da Universidade de São Paulo como grande universidade de pesquisa do país. “Cientistas do estado de São Paulo fazem mais ciência do que cientistas da Argentina ou cientistas

do México ou de qualquer outro país da América latina. A dimensão da atividade científica no estado de São Paulo é uma dimensão praticamente nacional. é uma alegria e uma satisfação fazer parte dessa atividade e ter tido a sorte de estar em algumas posições em que pude contribuir para o seu desenvolvimento”, afirmou. nascido em 1956, Brito Cruz é professor no Instituto de física Gleb wataghin da Universidade estadual de Campinas (Unicamp). entre as funções que desempenhou, destacam-se a de diretor do Instituto de física Gleb wataghin (1991 a 1994 e 1998 a 2002), pró-reitor de Pesquisa da Unicamp (1994 a 1998), reitor da Unicamp (2002 a 2005) e presidente da fAPeSP (1996 a 2002).

o diretor científico da fAPeSP: Medalha Armando de Salles oliveira

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Parceria público-privada por novos medicamentos

Goldemberg é premiado em Abu dhabi

o físico josé Goldemberg, que já foi mi-nistro da educação, secretário nacional do Meio Ambiente e reitor da Universi-dade de São Paulo (USP), ganhou o zayed future energy Prize na categoria lifetime Achievement, concedido a profissionais de destaque na área de energia renovável. o prêmio, no valor de US$ 500 mil, foi entregue em Abu dhabi, capital dos emi-

rados árabes Unidos (eAU). este é o quinto ano em que o prêmio é concedido pela fundação criada pelo filho do xeique zayed bin Sultan Al nahyan, um dos fun-dadores dos eAU. nos outros anos, disse Goldemberg, foram laureados trabalhos em energia fotovoltaica e eólica e em conservação de energia.“é a primeira vez que eles premiam alguém cujo trabalho

Coleção de compostos químicos da Merck: robôs vão pesquisar atividade biológica

principal foi em bioenergia”, disse o físico à Agência FAPESP. Uma de suas principais contribuições foi a formulação do concei-to de salto tecnológico aplicado à energia, segundo o qual os países em desenvolvi-mento podem adotar estratégias susten-táveis sem precisar repetir o caminho de alto impacto ambiental trilhado pelos países ricos.

o físico recebeu o zayed future energy Prize, na categoria lifetime Achievement

Muita promessa, pouca ação

os 57 estados membros da organização para a Cooperação Islâmica (oIC) foram duramente criticados por pesquisadores e membros do comitê de ciência e tecnologia da própria instituição, o Comstech. As reclamações tinham como alvo um comunicado, aprovado numa reunião de cúpula da oIC no Cairo, no mês passado, em que os países membros comprometeram-se, como de costume, a aumentar os recursos investidos em ciência, encorajar parcerias com o setor privado em pesquisa e desenvolvimento e apostar em novas tecnologias. não que os críticos discordem. eles só não acreditam que a

disposição seja real. “São sempre as mesmas resoluções vazias que nunca vêm acompanhadas de qualquer ação concreta”, disse Atta-ur-rahman, ex-coordenador-geral do comitê, à agência SciDev.Net. “os estados membros aprovam, a cada ano, orçamentos de US$ 15 milhões para programas do comitê científico, mas a soma de suas contribuições não chega nem a US$ 1 milhão”, afirmou. Segundo Mohammed Ali Mahesar, assistente do atual coordenador-geral do Comstech, verbos como “estimular”, “encorajar” e “aconselhar” são sempre usados nas resoluções da oIC, porque não geram obrigações.

Sete companhias farmacêuticas – Bayer, Astrazeneca, Sanofi, lundbeck , Merck KGaA, UCB e janssen – uniram forças com instituições científicas num projeto de € 196 milhões, cujo objetivo é a descoberta de novos medicamentos. A iniciativa foi batizada de european lead factory e será sediada em duas fábricas desativadas da Merck, uma na Holanda e outra na escócia. As empresas farmacêuticas vão fornecer pelo menos 300 mil compostos químicos de suas coleções. Apostam na possibilidade de impulsionar a inovação

farmacêutica, utilizando robôs para testar a atividade biológica dos compostos. Universidades da Alemanha, reino Unido, dinamarca e Holanda participam da iniciativa. “Se funcionar, poderá fornecer um novo modelo para operar a pesquisa de medicamentos”, disse à revista Nature jörg Hüser, diretor da Bayer em wuppertal, Alemanha. trata-se de uma parceria público- -privada. A União europeia vai contribuir com € 80 milhões, enquanto os demais € 116 milhões virão das indústrias e de governos regionais.

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14 | março DE 2013

vitamina C nos tomates orgânicos foram 55% mais elevadas nos frutos maduros em relação aos tomates de cultivo tradicional. “os polifenóis, por exemplo, previnem a peroxidação de lipídeos, por combaterem os radicais livres”, diz Aurelice. ela explica que no sistema convencional a planta já dispõe de todos os recursos necessários para o seu desenvolvimento, como fertilizantes, enquanto no sistema orgânico o composto nutriente utilizado demora a ser metabolizado, o que resulta em estresse. Uma das análises feitas para determinar o grau de oxidação das células dos frutos, chamada de peroxidação de lipídeos, comprovou que há um maior estresse no cultivo orgânico do que nos convencionais. o estudo foi publicado no site da na revista PLoS One (fevereiro de 2013).

todas as espécies de tartaruga não cuidam de suas crias. elas deixam os ovos enterrados, abandonando seus filhotes à própria sorte. Mas após analisarem mais de 380 horas de gravação de sons emitidos pela tartaruga- -da-amazônia (Podocnemia expansa), os biólogos Camila ferrara e richard vogt, do Instituto nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), junto com renata Sousa-lima, da Universidade federal do rio Grande do norte (Ufrn), descobriram a primeira evidência de que, pelo menos nessa espécie, as mães exibem algum cuidado com as crias. o estudo foi publicado no Journal of Comparative Psychology (fevereiro de 2013). eles observaram que, mesmo antes de os ovos

Conversa de tartaruga

eclodirem, os filhotes começam a vocalizar e quando entram no rio chamam pelas fêmeas. elas respondem e os aguardam em frente à praia na reserva Biológica do rio trombetas, no Pará. Só então adultos e filhotes começam a nadar juntos no rio, em direção às áreas de floresta alagada onde se alimentam. os animais emitem sons em baixa frequência, que uma pessoa próxima e em silêncio é capaz de escutar. A tartaruga-da- -amazônia é ameaçada de extinção, por conta do consumo de sua carne pela população local. “é uma das espécies de tartaruga mais sociais do mundo”, diz Camila. “Há noites em que 300 fêmeas saem de dentro da água juntas para desovar.”

tEcnociênciaorgânicos e mais nutritivos

Uma pesquisa realizada na Universidade federal do Ceará (UfC) mostrou que tomates cultivados pelo sistema orgânico possuem maior quantidade de compostos com ação antioxidante, como polifenóis e vitamina C, em comparação com os produzidos pela agricultura tradicional. “o estresse sofrido pela planta no cultivo orgânico influencia positivamente no acúmulo de sólidos solúveis e na síntese de metabólitos secundários, que ajudam no seu mecanismo de defesa e contribuem para aumentar o seu valor nutritivo”, diz a pesquisadora Aurelice oliveira, que fez o estudo para a sua tese de doutorado, sob orientação da professora raquel Miranda, do departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da UfC. As concentrações de

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filhote de espécie da Amazônia chama a mãe em baixa frequência

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Facilidades para deficientes visuais

A empresa amazonense Pentop venceu a etapa nacional do Prêmio finep de Ino-vação 2012 na categoria tecnologia As-sistiva, concedido pela financiadora de estudos e Projetos (finep), com um siste-ma de vocalização de etiquetas destinado a pessoas com deficiência visual. ele é composto por um dispositivo chamado de caneta falante – que possui um sensor na ponta e um processador computacional capaz de decodificar materiais impressos e reproduzir sons previamente gravados – e um conjunto de etiquetas com códigos impressos. o sistema foi concebido para

Imagine uma janela feita de um vidro em que a luz só pode passar vinda de um lado, e que funciona como um espelho para a luz vinda do outro. foi mais ou menos isso que uma equipe de pesquisadores do Instituto de tecnologia da Califórnia (Caltech), dos estados Unidos, da Universidade de nanjing, da China, e dos brasileiros do Instituto tecnológico de Aeronáutica (ItA) e Instituto de estudos Avançados (IeAv) construiu em escala microscópica. o dispositivo dá um passo importante rumo à fabricação de chips de computadores fotônicos, que usariam a luz no

uso em salas de aula e na identificação de objetos, como roupas, Cds, dvds e medicamentos, facilitando a vida de cegos e de quem tem visão limitada. As etique-tas utilizam o mesmo princípio usado no código de barras, mas em vez do leitor óptico usado nas caixas registradoras a leitura é feita pelo sensor da caneta do-tada de voz. o sistema premiado tem como sequência o projeto intitulado “dinheiro falante para cegos”, em desenvolvimento por danielle Castro e Marivaldo Albuquer-que, graduado em tecnologia da informa-ção e diretor da Pentop, abrigada no

Pela primeira vez, cientistas sintetizaram camadas únicas de um mineral raro chamado de tungstenita ou wS2 (dissulfeto de tungstênio). A folha criada pelos pesquisadores com átomos de enxofre combinados com átomos de tungstênio tem menos de um nanômetro de espessura e forma um padrão homogêneo de triângulos que apresentam uma propriedade óptica incomum: a emissão de luz por meio da fotoluminescência.

de acordo com o líder das pesquisas, o professor de física e de engenharia de materiais Mauricio terrones, da Universidade Penn State, dos estados Unidos, as estruturas triangulares têm aplicações potenciais em diversas tecnologias ópticas, entre elas fotodetectores e lasers. A criação de materiais monocamadas – com a espessura de apenas um átomo – é interessante porque as propriedades químicas de minerais e outras substâncias dependem de sua espessura atômica. A pesquisa publicada no site da revista Nano Letters abre as portas para a criação de materiais multicamadas de várias espessuras. Uma vantagem do wS2, que também poderá ser útil no melhoramento da eficiência de leds, é a possibilidade de ser fabricado pelo método da deposição química, largamente usado em laboratórios e indústrias.

nanotriângulos luminosos

Centro de Incubação e desenvolvimento empresarial (Cide), de Manaus, com apoio da fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Amazonas (fapeam). A pro-posta inicial, concluída com sucesso, era desenvolver uma codificação para ser aplicada às cédulas de dinheiro no mo-mento de sua fabricação. no caso das cédulas, o código é impresso em toda a extensão da nota e sua identificação é feita por um software integrado à caneta. os testes, previstos para este mês de mar-ço, serão feitos pela Biblioteca Braille do Amazonas, parceira do projeto.

reflexos invisíveis

lugar de elétrons, capazes de realizar operações lógicas mais rápidas e eficientes. A peça funciona com a luz de um laser utilizada normalmente em telecomunicação e foi fabricada com materiais e métodos convencionais da indústria microeletrônica. os autores do estudo esperam que a tecnologia possa ser adaptada para tornar instalações e veículos militares “invisíveis”, ao impedir que suas superfícies reflitam a radiação de micro-ondas emitida por radares inimigos. A pesquisa foi o destaque da capa da revista Nature Materials (fevereiro de 2013).

Caneta falante e etiquetas: em salas de aula e na identificação de objetos

átomos de tungstênio e enxofre formam peças triangulares e fotoluminescentes

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16 | março DE 2013

o crocodilo-tubarão de mordida sangrenta

o formato do corpo devia ter um quê de tubarão, mas a mandíbula não deixava dúvidas: o predador, um crocodilo, era capaz de devorar presas de tamanho considerável. A partir de um fóssil incompleto encontrado na Inglaterra, paleontólogos britânicos, americanos e o brasileiro Marco Brandalise, pesquisador da Universidade federal do rio Grande do Sul (UfrGS), descreveram um novo gênero e espécie de crocodilo marinho extinto. o Tyrannoneustes lythrodectikos, nome científico dado ao animal que significa “nadador tirano de mordida sangrenta”, viveu há

165 milhões de anos (Journal of Systematic Paleontology, janeiro de 2013). “ele deve ter sido o crocodilo marinho mais feroz em seu ambiente”, diz Brandalise, que participou da análise dos dentes do fóssil. o espécime descoberto media mais de três metros de comprimento, tinha dentes robustos que eram bons (mas não ótimos) para cortar, perfurar e esmagar suas presas. Podia engolir peixes menores, moluscos e estraçalhar em pequenos pedaços répteis marinhos e até tubarões. Segundo Brandalise, não é possível fazer uma reconstrução precisa de como era a nova espécie de crocodilo, visto

Antecipar as emergências

o estudo da localização de saídas em si-tuações de emergência e da lotação em ambientes fechados ganhou importância redobrada com as mortes na boate Kiss, em Santa Maria (rS). o problema enfren-tado por engenheiros, arquitetos, bom-beiros e prefeituras, agora sob o impacto da tragédia, ganha um estudo que pode-rá contribuir para a pré-análise dos am-bientes. feito por pesquisadores das universidades federais de Uberlândia (UfU) e de Minas Gerais (UfMG), o estu-do foi publicado na revista Safety Science (janeiro de 2013). “desenvolvemos um software baseado em modelos matemá-ticos que simulam os movimentos reais de pessoas sobre um croqui de um am-biente com as melhores possibilidades de saída e os caminhos mais adequados em uma situação de emergência”, explica o professor leandro Pereira, da faculdade

de Matemática da UfU, que participou do estudo com os professores luiz duczmal e frederico Cruz, da UfMG. “A localização de portas, corredores e obstáculos é de-cisiva e tudo pode ser verificado e mexido no mapa do ambiente com o novo soft-ware”, diz Pereira. o sistema ainda não tem um formato comercial e nem era essa a intenção quando os estudos começaram em 2007. “estamos analisando a possibi-lidade de prepará-lo para uso comercial.”

teste para Htlv

Um kit de diagnóstico para detectar infecção pelo retrovírus Htlv 1 e 2 em caso de resultado positivo de exames está em desenvolvimento no Hemocentro rP, ligado à faculdade de Medicina de ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a empresa Gene Id, de São Carlos. “fazemos a coleta de sangue e extraímos o dnA de células dos pacientes para o teste”, diz a pesquisadora Simone Kashima Haddad, coordenadora do laboratório de Biologia Molecular do Hemocentro, onde a pesquisa é liderada pelo professor dimas tadeu Covas. “o Brasil e outros países da América do Sul são considerados área endêmica para Htlv”, diz Simone. São cerca de 2,5 milhões de infectados no país e desses entre 1% e 5% irão desenvolver enfermidades, como leucemia ou doença neurológica. o teste confirmatório atual é importado e custa cerca de r$ 200,00 cada um. “queremos uma ferramenta de diagnóstico mais sensível e de menor custo.”

que o material fóssil resgatado se limitava a uma grande mandíbula, uma parte do esqueleto pós-cranial e alguns dentes pontudos e serrilhados. no entanto, os pesquisadores acreditam que ele era bastante semelhante aos crocodilos do gênero extinto Geosaurus, que também viveram na europa e surgiram de 5 a 10 milhões de anos depois do Tyrannoneustes.

o Tyrannoneustes lythrodectikos era parecido com os crocodilos marinhos do gênero Geosaurus (ilustração)

Imagem de software com portas e simulação da saída das pessoas em um auditório

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transparente e flexível

Uma nova categoria de dispositivo capaz de captar e mostrar imagens pode estar nascendo na Universidade johannes Kepler, na áustria. os pesquisadores Alexander Koppelhuber e oliver Bimber criaram uma espécie de gerador de imagens, fino, flexível e transparente, como uma folha de plástico, que possui e usa partículas fluorescentes para capturar a luz. o protótipo, descrito na revista Optics Express (fevereiro de 2013), canaliza parte da luz para sensores posicionados nas extremidades da folha transparente – um filme polimérico, conhecido como concentrador luminescente, que é impregnado com as partículas fluorescentes. ele absorve comprimento de ondas específicos, como a luz azul, para em seguida reemitir uma imagem em luz verde. Além de captar imagens, o dispositivo também responde em tempo real aos movimentos feitos

em frente a ele sem necessidade de câmeras, o que o torna viável para jogos eletrônicos. o aparelho não possui circuitos eletrônicos, mas apenas sensores. A leitura feita por eles é enviada para um computador que combina os sinais para criar imagens numa escala de tons de cinza. Por enquanto a resolução ainda é baixa, de apenas 32 por 32 pixels, mas os pesquisadores já anunciaram que estão aperfeiçoando os sensores para melhorar a resolução das imagens. eles consideram a possibilidade de instalar na frente do novo gerador de imagem um sensor de câmera digital para captar dois tipos de imagem ao mesmo tempo em alta resolução e em duas posições. o principal uso do aparelho, de acordo com seus inventores, será na forma de telas transparentes sem necessidade de toque para operá-la.

sobre a relação viajantes e dSts, foi publicado na revista The Lancet Infectious Diseases (março de 2013) e mostra que a incidência é maior em homens em viagens com menos de um mês para visitar parentes e amigos. As doenças mais comuns, para os que voltaram das viagens, são as uretrites não gonocócicas ou não especificadas (30,2%), seguidas de infecção pelo HIv (27,6%). os diagnósticos durante a viagem mostraram também as uretrites (21,1%) e epididimite (15,2%), enfermidade do testículo. entre os imigrantes prevaleceu a sífilis, com 67,8%. Para os autores, embora o número de pessoas contaminadas seja baixo, ele é alarmante pela diversidade de doenças em cada grupo. eles também indicam a necessidade de estratégias preventivas e uma maior assistência para os pós-viajantes.

diagnóstico em viajantes

Para saber a incidência de doenças sexualmente transmissíveis (dSts) em pessoas que viajam para outros países, pesquisadores de várias partes do mundo liderados pelo italiano Alberto Matteelli, do Instituto de doenças Infecciosas e tropicais, na Itália, analisaram o histórico de 112 mil viajantes doentes, entre 1996 e 2010, do banco de dados do GeoSentinel, uma rede mundial de clínicas especializadas em enfermidades adquiridas em viagens. A rede é ligada à Sociedade Internacional de Medicina de viagem (IStM na sigla em inglês) e ao Centro de Controle de doenças (CdC), dos estados Unidos. foram identificados 974 pacientes, 0,9% do total, com dSts, divididos em três grupos: diagnosticados após a viagem, durante a viagem e imigrantes. o estudo, o mais extenso

novo gerador de imagens é formado por filme plástico coberto com partículas fluorescentes

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estudos coordenados por brasileiros ajudam

a compreender melhor e a tratar de modo mais

eficiente o transtorno obsessivo-compulsivo

as muitas faces da obsessão

ricardo zorzetto

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durante uma reunião em sua sala no início de janeiro, o psiquiatra Euripe-des Constantino Miguel interrompeu por uns segundos a conversa, subiu em uma cadeira e alcançou no alto

de uma estante os dois grossos volumes do livro Clínica psiquiátrica, que editou em 2011 com dois outros professores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). “Aqui está condensada a contribuição de nosso grupo pa-ra a compreensão e o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo”, afirmou, enquanto de-positava na mesa os dois calhamaços com 2.500 páginas e quase seis quilos de papel. Nas edições mais recentes do Congresso de Clínica Psiquiá-trica, médicos e psicólogos que participaram da sessão Como eu trato receberam os exemplares do livro e uma senha para fazer um curso on-line de educação continuada coordenado pela equipe de Miguel. “No primeiro ano houve 1.200 inscritos, no segundo 2 mil e neste esperamos ter 4 mil”, disse. A publicação dessa e de outras duas obras – Medos, dúvidas e manias, relançada em 2012, e Compêndio de clínica psiquiátrica, deste ano – e a oferta do programa de formação continuada foram a maneira que ele e seu grupo encontra-ram de fazer chegar ao maior número possível de especialistas em saúde mental do país o conheci-mento mais recente produzido por pesquisadores brasileiros sobre uma doença complexa, desafia-

dora e, quase sempre, torturante: o transtorno obsessivo-compulsivo ou, simplesmente, TOC.

Nos últimos cinco anos o grupo liderado por Miguel publicou ao menos 70 artigos científicos apresentando uma série de avanços que ajudam a conhecer melhor as características mais fre-quentes do transtorno obsessivo-compulsivo e os outros distúrbios psiquiátricos que podem acompanhá-lo ao longo da vida, agravando-o. Com o auxílio de técnicas de neuroimagem, os pesquisadores obtiveram evidências de que as duas formas de tratamento internacionalmente recomendadas para amenizar os sintomas do TOC – a terapia cognitivo-comportamental e o uso de antidepressivos – atuam de maneira dis-tinta no cérebro, em ambos os casos interferindo na atividade do circuito neuronal supostamente envolvido no problema. Eles também demonstra-ram que uma alternativa extrema, uma cirurgia cerebral que interrompe permanentemente a comunicação entre partes desse circuito neuro-nal e no Brasil só é feita de modo experimental, ajudou a controlar os sintomas no TOC de alta gravidade, em que nem terapia nem medicação haviam surtido efeito, em metade dos casos.

Outra contribuição relevante, talvez até a mais interessante para quem tem TOC, é a constatação de que, nos casos leves e moderados, o resultado do tratamento com medicação é semelhante ao efeito da psicoterapia – no TOC, os medicamentos

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mais usados são os antidepressivos inibidores de recaptura de serotonina e a forma de psicotera-pia preferencial é a terapia cognitivo-comporta-mental. O importante, dizem os pesquisadores, é tratar o problema de forma continuada. O acom-panhamento de 158 pessoas com TOC por dois anos deixou claro que os sintomas regrediam mais com o aumento da duração do tratamento. “Esse trabalho mostra que, independentemente do tratamento adotado no início, o importante é mantê-lo, porque a melhora leva tempo para aparecer”, afirma a psiquiatra Roseli Shavitt, uma das autoras do estudo e coordenadora do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc) da USP. “O TOC é uma doença crônica para a qual não existe solução fácil”, comenta Juliana Diniz, outra psiquiatra da equipe. “Para surtir resultado, o tratamento leva no mínimo meses; com frequência, anos; e não é incomum que dure a vida toda”, conta.

Conhecido por estranhezas e exageros como os cometidos pelo personagem de Jack Nicholson no filme Melhor impossível – ele lavava as mãos o tempo todo, usando um sabonete novo a cada vez, e evitava encostar nas pessoas por receio de se contaminar –, o TOC é um problema psiquiá-

trico relativamente frequente. Estudos feitos em vários países indicam que o problema atinge de 2% a 3% das pessoas, proporção que pode variar de acordo com a região ou a metodologia da pes-quisa. Esse índice, porém, pode ser até um pou-co mais elevado. A equipe da psiquiatra Laura Andrade, também da USP, conduziu há alguns anos um levantamento em que foram entrevis-tados pessoalmente cerca de 5 mil moradores da Região Metropolitana de São Paulo. Publicado em 2012, o estudo detectou que 4% dos partici-pantes haviam apresentado sintomas obsessivo--compulsivos no ano anterior ao levantamento – taxa bastante expressiva, ainda que inferior à de depressão (11%) e à de diferentes formas de ansiedade (19%).

pEnSAMEntOS indESEJAdOSMas o TOC não é apenas comum. Pode ser tam-bém mais grave e mais complexo do que o retra-tado no cinema. Quem tem TOC é continuamente atormentado por pensamentos indesejados (ob-sessões) que invadem a mente e, por mais que se tente evitá-los, geram muita ansiedade, além de medos irracionais, como o de ser contaminado por algum vírus ao tocar uma maçaneta, ou dú-

para aliviar os sintomastratamentos interferem no funcionamento de circuito cerebral que se encontra alterado no toC

CirCuitO AltErAdOáreas que processam emoções e planejamento

(córtex) e resposta ao ambiente (tálamo) estão

com atividade alterada no toC

MEdiCAçãOAntidepressivos como a fluoxetina

atuam inicialmente em áreas

profundas, remodelando estrutras

dos núcleos da base

tErApiA COMpOrtAMEntAlPsicoterapia que altera

a percepção do problema

e influencia o comportamento

modifica a estrutura do córtex

rAdiOCirurGiAUsada em casos de

gravidade extrema,

cirurgia com radiação

potencializa os

efeitos dos remédios

e da psicoterapia

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Córtex órbito-frontal

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vidas atrozes, como a de ter deixado aberto o re-gistro de gás do fogão. Na maior parte dos casos, mas nem sempre, as obsessões são seguidas por uma necessidade incontrolável de repetir certos rituais mecânicos e mentais (compulsões) – por exemplo, lavar as mãos até sangrarem, verificar dezenas de vezes o registro do fogão ou contar números ou rezar – que ajudam a tranquilizar. Esses pensamentos e rituais costumam consumir várias horas do dia. Os manuais de diagnóstico médico classificam como TOC quando esse tempo é superior a uma hora, com ou sem sofrimento intenso. Em boa parte dos casos, eles interferem no desempenho do trabalho e no convívio com a família e na relação com os amigos. É uma situa-ção bem diferente da vivida por quem é asseado e gosta de estar sempre com as mãos limpas ou por pessoas que são cautelosas e voltam para ve-rificar se a porta de casa está mesmo fechada ou ainda por quem é organizado e prefere manter as camisas no guarda-roupa ordenadas por cores.

Do ponto de vista médico, o que atualmente se conhece como TOC começou a ser estudado com mais rigor no século XIX na França, na Ale-

manha e na Inglaterra sob diferentes nomes. E já foi “explicado sucessivamente como um trans-torno da vontade, do intelecto e das emoções”, conta o psiquiatra e historiador peruano German Berrios, da Universidade de Cambridge, no livro Uma história da psiquiatria clínica, publicado em 2012 pela editora Escuta. À medida que de-senvolvia sua teoria sobre o funcionamento da mente, o médico austríaco Sigmund Freud bus-cava explicações para o mecanismo psicológico que a psicanálise chama de neurose obsessiva. Inicialmente, Freud interpretou a neurose ob-sessiva como um conflito entre o consciente e o inconsciente, resultado da repressão do desejo sexual. Diferentemente da histeria, em que a energia podia saltar misteriosamente da mente para o corpo e, por exemplo, causar a paralisia de um membro, na neurose obsessiva essa energia permaneceria na esfera psíquica. Mais tarde, em 1907, quando começou a atender a um paciente chamado Ernst Lanzer, caso que ficou conhe-cido como o homem dos ratos, Freud percebeu que, além da energia sexual, a neurose obsessiva também tinha forte componente de agressivida-de, explica o psicanalista Renato Mezan, profes-sor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Essa conclusão teria auxiliado o médico austríaco a criar todo um modelo de desenvol-vimento psíquico.

Bottom-uP E toP-downHoje a medicina explica o TOC a partir de uma visão mais neurobiológica. Para os médicos, o TOC é consequência da interação de fatores ge-néticos, neurobiológicos e ambientais. Essa in-teração altera o funcionamento de circuitos que conectam áreas mais externas do cérebro, regiões do córtex ligadas ao processamento das emoções, do planejamento e ao controle das respostas de medo, a áreas internas como os núcleos da base e o tálamo, que integram informações emocionais, cognitivas e motoras, regulando a resposta ao ambiente. No TOC, a troca de informações entre essas áreas, mediada principalmente pelo neuro-transmissor serotonina, estaria desregulada. Es-tudos feitos com roedores e com seres humanos já sugeriam que tanto os antidepressivos que agem sobre a serotonina quanto a terapia cognitivo--comportamental modificam o funcionamento desse circuito. Mais recentemente o psiquiatra Marcelo Queiroz Hoexter, da equipe de Euripe-des Miguel, em parceria com o grupo de Geral-do Busatto Filho, também da USP, conseguiu os indícios mais consistentes já obtidos de que os tratamentos modificam não só o funcionamento, mas a estrutura de algumas regiões cerebrais.

Hoexter selecionou 38 pessoas com TOC que jamais haviam sido tratadas e, depois de uma se-leção aleatória, as encaminhou para um grupo de

para Freud, repressão do desejo punha o consciente e o inconsciente em conflito, gerando neurose obsessiva

Idade média de início (em anos)

Casos analisados: 1.001

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Ansiedade da separação

transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

Ansiedade

espectro obsessivo-compulsivo

transtornos do humor

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transtorno de estresse pós- -traumático

transtornos alimentares

depen-dência

química

transtorno somatoforme

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tOC e companhiadistribuição da idade em que os sintomas das comorbidades se manifestaram em pacientes com obsessão-compulsão

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terapia ou de uso do antidepressivo fluoxetina. Trabalhando em parceria com o grupo de Rodrigo Bressan, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadores de Harvard, ele com-parou imagens cerebrais feitas por ressonância magnética no início do estudo e depois de três meses de tratamento e verificou que um dos nú-cleos da base – o putâmen – havia aumentado de volume nas pessoas que tomaram a medicação e melhoraram. “Acreditamos que a fluoxetina altere a plasticidade neuronal, aumentando a conecti-vidade dos circuitos neuronais dessa região e, consequentemente, seu volume”, diz.

Para ele, esses resultados, somados aos de ou-tros trabalhos, sugerem que a medicação promo-ve uma alteração morfológica que começa nas regiões mais profundas do cérebro e cami-nha para as mais superficiais, como o córtex – padrão co-nhecido como bottom-up. Já a terapia cognitivo-compor-tamental faria o contrário, in-fluenciando primeiro a remo-delagem da região cortical, ligada à consciência, e depois de áreas mais profundas (top--down). “Como o acompanha-mento foi de apenas três me-ses, não conseguimos medir alterações no volume do cór-tex”, explica Hoexter. “Há in-dícios de que elas ocorram mais lentamente.”

Em alguns casos gravís-simos, nos quais nem a psi-coterapia nem a medicação surtem efeitos, os pesquisadores brasileiros têm adotado uma medida mais radical para interrom-per o funcionamento desse circuito: uma cirurgia experimental em que usam radiação para lesar uma região milimétrica da cápsula interna, feixe de fibras que conectam os núcleos da base ao tála-mo (ver Pesquisa FAPESP nº 98). Nos últimos 10 anos o psiquiatra Antônio Carlos Lopes, da equipe da USP, vem acompanhando 17 pessoas com TOC refratário, que não haviam respondido a diversos medicamentos nem a anos de terapia, e passaram pela cirurgia. Cerca de metade apresentou uma melhora significativa depois da operação, que causou poucos efeitos colaterais – em geral, dor de cabeça frequente, que era controlada com anti--inflamatórios, de acordo com estudo submetido para publicação numa revista científica de alto impacto. Segundo Lopes, os resultados indicam que nem mesmo a cirurgia é curativa. “Ela pa-rece funcionar mais como um potencializador dos efeitos da medicação e da terapia cognitivo- -comportamental”, conta Lopes.

COMplExO E HEtErOGênEODiante de resultados nem sempre animadores dos tratamentos, Miguel e seu grupo seguem tentando compreender o TOC. Desde 2003 ele coordena uma rede formada pelos principais especialistas do país em TOC – hoje quase 70 colaboradores de sete instituições integram o Consórcio Bra-sileiro de Pesquisa em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo, o C-TOC – que estudam as características desse problema na nossa popu-lação com o objetivo de tentar compreender sua origem e como tratá-lo de forma mais adequada. Num esforço possivelmente inédito na psiquiatria brasileira, os pesquisadores do C-TOC realizaram entrevistas minuciosas que em média duravam

quatro horas com 1.001 pes-soas com TOC atendidas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul.

Analisando as informa-ções dessa amostra, a maior já reu nida no mundo, eles ve-rificaram que apenas 8% das pessoas com TOC apresenta-vam exclusivamente sintomas de obsessão e compulsão, o que chamam de TOC puro. Na maioria dos casos, o TOC apareceu acompanhado de pelo menos mais um proble-ma psiquiátrico ao longo da vida: 68% dos participantes do estudo sofriam também de depressão e 63% de outros transtornos de ansiedade, os distúrbios mais frequentes na

população geral. Quase 35% apresentavam sinais de fobia social, que se caracteriza pelo medo ex-cessivo de estar em público.

A constatação de que o TOC puro é exceção, e não regra, forneceu aos pesquisadores uma pista de por que nem sempre os tratamentos funcio-nam como o esperado. A presença de doenças extras – os médicos as chamam de comorbida-des – indicaria um grau de comprometimento maior do cérebro como um todo e dos circuitos possivelmente associados ao TOC. Numa com-paração com o que ocorre nas doenças cardio-vasculares, Miguel conta que ter TOC puro seria o equivalente a “ter hipertensão, mas não ser obeso nem ter diabetes”, algo pouco frequente na vida real. Para ele, esse comprometimento maior do sistema nervoso ajuda a explicar por que a proporção de pessoas com TOC que me-lhora quando submetidas aos tratamentos – as diretrizes internacionais indicam a realização de terapia cognitivo-comportamental, o uso de antidepressivos que atuam sobre o neurotrans-

Cirurgia que lesa região milimétrica potencializa os efeitos da medicação e da terapia cognitivo- -comportamental

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missor serotonina ou a associação de ambos, que costuma ser mais eficaz – é menor do que projetavam estudos iniciais.

Pesquisas anteriores que testaram cada um desses tratamentos isoladamente indicavam que até 60% dos pacientes melhoravam, taxa que era um pouco mais positiva quando a terapia era associada à medicação. Mas esses trabalhos em geral haviam sido realizados com pessoas que apresentavam a forma pura do TOC. Quan-do avaliou esses tratamentos em pessoas com uma ou mais doenças psiquiátricas associadas ao TOC, o grupo brasileiro viu que a taxa de resposta caía à metade: 30% melhoravam com terapia, 30% com antidepressivos e cerca de 50% com a associação dos dois tratamentos. “A existência de comorbidades é o principal fator que permite predizer se a pessoa responderá ao tratamento”, explica Miguel. “Nesse sentido, elas são mais importantes do que o tipo de sintoma obsessivo-compulsivo que a pessoa apresenta do que a forma de tratamento a que se submete e do que a existência de outros casos de TOC na família [indicador de predisposição genética para o problema].”

Com base nesses resultados, agora se sabe que, em algumas situações, tratar a comorbidade é tão importante quanto combater os sintomas do TOC. É que a depressão, a ansiedade pura e a fobia social, transtornos companheiros do TOC, muitas vezes impedem as pessoas de co-meçar o tratamento. “Às vezes, a depressão e a ansiedade são tão intensas que as pessoas não suportam fazer terapia em grupo [estratégia adotada no Protoc] nem usar medicação, por-que os sintomas ansiosos podem se intensifi-

car transitoriamente no início”, conta Juliana. Nesses casos, segundo os pesquisadores, é pre-ciso combater o problema secundário antes de avançar contra o TOC.

Além de atrapalhar o início do tratamento, os outros transtornos mentais associados ao TOC podem prejudicar a resposta ao tratamento por levar as pessoas a interromper a terapia e o uso da medicação. Em trabalho publicado em 2011 na Clinics, Juliana comparou as comorbi-dades de um grupo de pessoas que completou 12 semanas de tratamento com as de outro que desistiu pelo caminho. Juliana constatou que os casos de ansiedade e fobia social eram bem mais comuns em quem abandonava o acompa-nhamento médico.

AltO riSCOAs comorbidades, descobriram os pesquisadores, também influenciam um desfecho que era pouco conhecido nos casos de TOC: o suicídio. A psi-quiatra Albina Torres, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, analisou infor-mações de 582 pacientes e descobriu que 36% já haviam pensando em tirar a própria vida; 20% haviam planejado se matar e 11% tinham posto o plano em prática. Albina constatou também que o risco de planejar ou tentar cometer suicídio era mais alto entre as pessoas que, além do TOC, so-friam de depressão, transtorno de estresse pós--traumático (Tept) ou de transtornos do controle de impulsos. “O TOC sempre foi considerado um transtorno com baixo risco de suicídio”, conta Albina. “Vimos que não é bem assim.”

Os detalhes fornecidos pelos 1.001 pacientes brasileiros proporcionaram à psicóloga Maria

Compulsões: movimentos ritualizados, como o de lavar as mãos inúmeras vezes, aliviam a ansiedade

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Alice de Mathis investigar a evolução do TOC. Apresentados em 2012 no European Neuropsycho-pharmacology, os resultados sugerem que o TOC se trata mesmo de uma doença associada a even-tos marcantes que ocorrem durante o desenvol-vimento da criança. Em 58% dos casos, o TOC havia começado antes dos 10 anos. Quando anali-sou os dados de todos os pacientes em conjunto, Maria Alice notou que os sintomas obsessivo--compulsivos não eram os primeiros a se mani-festar: em média, surgiam entre os 12 e 13 anos de idade. O problema que apareceu mais cedo foi o medo de ficar longe dos pais ou de casa, o chamado transtorno de ansiedade da separa-ção, forma de ansiedade que surgiu, em média, por volta dos 6 anos de idade. Um pouco mais adiante, por volta dos 7,5 anos, surgiram os sinais do transtorno de déficit de atenção com hipe-ratividade ou TDAH (ver gráfico na página 21).

Ao confrontar os transtorno psiquiátricos apre-sentados na infância com as características do TOC no momento das entrevistas (muitos eram adultos), os pesquisadores chegaram a pelo menos

duas conclusões importantes. A primeira é que as pessoas que na infância apresentavam sinais de ansiedade da separação e depois desenvolveram TOC corriam risco maior de sofrer também de transtorno de estresse pós-traumático se expostas a uma situação de ameaça (real ou imaginária) à vida. A segunda é que aqueles com sintomas de déficit de atenção com hiperatividade apre-sentavam probabilidade maior de desenvolver dependência química se experimentassem dro-gas como álcool, maconha ou cocaína. “Esses transtornos que apareceram mais cedo podem funcionar como marcadores de vulnerabilidade para outros transtornos mentais”, diz Miguel. “Se ficarmos atentos a eles, podemos evitar que outras complicações surjam”, diz.

MAiS rEAlSegundo os pesquisadores, uma constatação que vem se confirmando nos últimos anos é a de que as comorbidades contribuem para complicar um quadro que, por si só, já é complexo. Em 2006 a psiquiatra Maria Conceição do Rosário apresen-tou em um artigo na revista Molecular Psychiatry as primeiras evidências consistentes de que, do ponto de vista dos sintomas, o TOC é uma doença bastante heterogênea: cada pessoa pode manifes-tar diferentes tipos de sintomas com intensida-des que também variam. À época começavam a surgir estudos estatísticos tentando agrupar os casos de TOC segundo os 13 grupos (dimensões)

no pronunciamento que fez ao Congresso dos estados Unidos em fevereiro abordando as prioridades nacionais, o presidente Barack obama mencionou que pesquisadores estão mapeando o cérebro e afirmou que, para o sucesso desse empreendimento e de outros em ciência e tecnologia, os investimentos deveriam alcançar níveis não vistos desde a era da corrida espacial. os pesquisadores leram nesse discurso um apoio ao projeto Mapa da Atividade Cerebral (Brain Activity Map).

Proposto em meados de 2012 por neurocientistas dos estados Unidos e do Canadá em artigo publicado na revista Neuron, é um projeto no estilo Big Science, de iniciativas que envolvem grande parte da comunidade científica, além de instituições públicas e privadas, em torno de uma questão específica. no caso, das mais

ambiciosas: compreender como o cérebro funciona.

Para isso, sugerem que se registre por certo tempo a atividade de cada neurônio de circuitos neuronais completos. é algo complexo, que envolve grandes desafios tecnológicos. As técnicas disponíveis hoje só permitem coletar informações de umas poucas células e essas redes podem envolver milhões de neurônios, cada um deles fazendo milhares de conexões. o funcionamento dessas redes, acredita-se, deve resultar de uma interação complexa, algo maior do que a soma dos seus componentes.

esse projeto exigiria esforço em grande escala e investimentos vultosos, semelhantes aos do sequenciamento do genoma humano, que, de 1990 a 2003, consumiu US$ 3,8 bilhões. Segundo o New York Times, espera-se

um mapa dinâmico do cérebro

Simulação mostra coluna de neurônios de uma ínfima porção do córtex cerebral

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Projetos1. Instituto nacional da Psiquiatria do desenvolvimento: uma nova abordagem para a psiquiatria tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro (2008/57896-8); Modalidade Projeto temático; coord. euripedes Constantino Miguel filho/IPq-USP; investimento r$ 5.239.411,72 (fAPeSP). 2. Caracterização fenotípica, genética, imunológica e neurobioló-gica do transtorno obsessivo-compulsivo e suas implicações para o tratamento (2005/55628-8); Modalidade Projeto temático; coord. euripedes Constantino Miguel filho/IPq-USP; investimento: r$ 1.622.015,67 (fAPeSP).

Artigos científicos1. de MAtHIS, M. A. et al. trajectory in obsessive-compulsive disorder comorbidities. european neuropsychopharmacology. 22 ago. 2012.2. HoeXter, M.q. et al. Gray matter volumes in obsessive-compulsive disorder before and after fluoxetine or cognitive-behavior therapy: a randomized clinical trial. neuropsychopharmacology. v. 37(3). p. 734-45. fev. 2012.3. torreS, A.r. et al. Suicidality in obsessive-compulsive disorder: prevalence and relation to symptom dimensions and comorbid con-ditions. Journal of clinical Psychiatry. v. 72 (1). jan. 2011.4. roSárIo-CAMPoS, M.C. et al. the dimensional yale - Brown obsessive-compulsive scale (dy-Bocs): an instrument for assessing obsessive-compulsive symptom dimensions. Molecular Psychiatry. v. 11. p. 495–504. 2006.5. MIGUel, e.C. et al. obsessive-compulsive disorder phenotypes: impli-cations for genetic studies. Molecular Psychiatry. v. 10. p. 258-75. 2005.

de sintomas mais característicos – são 7 tipos de obsessão, que incluem o receio de agredir alguém ou medo de se contaminar, e 6 tipos de compul-sões, como a de fazer verificações o tempo todo e manter tudo limpo ao redor.

Essa abordagem, chamada dimen-sional, reforçava duas observações da prática clínica. A primeira é que cada paciente é diferente do outro. A segunda, que os sintomas não são mutuamente exclusivos, já que muitas pessoas apresentavam mais de uma categoria de obsessões ou compul-sões. Por exemplo, alguém com nível moderado de obsessão por simetria pode ter medo de contaminação mais intenso e não apresentar sinais rela-cionados ao receio de agredir outras pessoas. Durante o estágio que fez na Universidade Yale no grupo do psi-quiatra James Leckman, reconhecido internacionalmente por seus traba-lhos em saúde mental de crianças e adolescentes, ela começou a aprimo-rar a estratégia dimensional.

Com Leckman e Miguel, Concei-ção desenvolveu um método de avaliação – um questionário para o diagnóstico do TOC conhe-cido pela sigla DY-Bocs. Essa escala é a primeira que permite avaliar a gravidade dos sintomas de diferentes dimensões de modo individual. Além

de agrupar os sintomas por semelhança, ela dá uma ideia mais precisa do grau de incômodo que causam, do quanto interferem na rotina e em que nível alteram a percepção que a pessoa tem de si própria. “Conseguimos criar uma representação do TOC mais próxima do que imaginamos que seja a realidade”, diz Conceição, que coordena a Unidade de Psiquiatria da Infância e da Adoles-cência na Unifesp e integra o C-TOC.

Ainda que esteja longe de representar toda a complexidade do TOC, esse forma de interpretar as manifestações do transtorno, segundo Con-ceição, vem ajudando os especialistas em saúde mental a repensar o objetivo do tratamento. “Em vez de ter por meta eliminar todos os sintomas, o objetivo passou a ser o de reduzir aqueles que mais atrapalham o indivíduo”, diz.

Apesar desses avanços, Miguel já pensa há algum tempo que o caminho para lidar com o TOC pode ser outro. Em vez de esperar que se manifeste para então combater seus sintomas, a saída seria tentar evitar que se instale. Como? Cuidando melhor das grávidas e das crianças, uma vez que há indícios fortes de que o TOC, assim como outros problemas psiquiátricos, é uma doença do neurodesenvol-vimento. Pensando nisso, ele e o psiquiatra Luiz Rohde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciaram estudos em que as gestantes e seus filhos serão acompanhados por anos com o objeti-vo de identificar fatores que aumentem o risco de desenvolver TOC. “Queremos fazer na psiquiatria o que outras áreas da medicina, como a cardiologia, vêm fazendo há tempos”, afirma Miguel. “Identifi-car os fatores de risco para intervir precocemente e evitar que se desenvolva a doença.” n

que o projeto conste da proposta de orçamento que obama deve enviar este mês para a aprovação do Congresso.

no artigo da Neuron, o grupo liderado por A. Paul Alivisatos, da Universidade da Califórnia em Berkeley, acredita ser uma tarefa factível, que pode ajudar a compreender melhor a atividade cerebral e como surgem algumas doenças. e, quem sabe, a chegar a formas mais eficientes de combatê-las.

não há garantia de que o projeto, se aprovado e posto em ação, resulte nos sonhados avanços médicos. Muitas promessas do genoma não se concretizaram, pois o funcionamento dos genes é mais complexo que o imaginado inicialmente. Mas se espera que, além de ampliar a compreensão sobre o cérebro, gere inovações e

“Conseguimos criar uma representação do tOC mais próxima do que imaginamos ser a realidade”, diz Conceição do rosário

empregos – cada US$ 1 investido no genoma gerou US$ 141.

outro projeto de porte nessa área ganhou um importante impulso na europa. em janeiro a Comissão europeia selecionou o Projeto do Cérebro Humano (Human Brain Project) como um de seus projetos- -bandeira: iniciativa ambiciosa e com metas visionárias que deve abrir caminho para inovação tecnológica e oportunidades econômicas.

envolvendo a participação de 80 instituições da europa, dos estados Unidos e do japão, esse projeto, previsto para durar 10 anos e custar € 1,19 bilhão, tem como objetivo reunir todo o conhecimento já produzido sobre o cérebro e, usando supercomputadores, recriá-lo virtualmente e reproduzir seu funcionamento.

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A arte de queimar etapas

EntrEviStA

Fabrício Marques

a microbiologista Maria José Soares Mendes Giannini coordena desde 2009 um conjunto de esforços para aumentar a qualidade da pesquisa na

jovem Universidade Estadual Paulista (Unesp). À frente da Pró-Reitoria de Pesquisa da insti-tuição nos últimos quatro anos, ela articulou iniciativas que fizeram o número de projetos temáticos na Unesp crescer 130%, elevaram a captação de recursos para níveis inéditos e aumentaram em 42% a produção de artigos científicos. Recorreu a um conjunto de estra-tégias para combater as assimetrias naturais de uma instituição que tem campi espalhados por 24 cidades. Um dos motes foi a aglutinação de esforços de vários pesquisadores em torno de projetos mais robustos. Outro foi o incentivo à inserção internacional da ciência produzi-da pela universidade, estimulando docentes a publicar em revistas de impacto e trazendo cientistas de fora. Também criou escritórios de apoio ao pesquisador em cada uma das unidades da Unesp, desonerando os docentes de tarefas burocráticas relacionadas à prestação de contas de seus projetos. Tais resultados credenciaram--na a seguir no comando da Pró-Reitoria pelos próximos quatro anos, na recém-iniciada gestão do reitor Julio Cezar Durigan.

Nascida em Portugal, Maria José vive no Brasil desde os 3 anos de idade. Toda a sua formação em microbiologia e imunologia foi feita na Universi-dade de São Paulo, na capital paulista, com está-gios de curta duração no exterior. Em 1983, um convite para trabalhar na Faculdade de Ciências

Maria josé Soares Mendes Giannini

ESpECiAlidAdE Micologia

FOrMAçãO Universidade de São Paulo (USP)

inStituiçãO faculdade de Ciências farmacêuticas de Araraquara da Universidade estadual Paulista (Unesp)

prOduçãO CiEntíFiCA 117 artigos científicos, 10 capítulos de livros. orientou 27 alunos de mestrado, 15 de doutorado e 26 de iniciação científica. Supervisionou 7 estágios de pós-doutorado

Farmacêuticas de Araraquara da Unesp, instituição que acaba de fazer 90 anos, levou-a ao interior do estado. Lá foi uma das artífices, no final dos anos 1990, da implantação da pós-graduação em análi-ses clínicas. “Em menos de 10 anos conseguimos sair de um curso não reconhecido para conceito 6 na Capes. Foi um grande trabalho”, recorda-se. Casada, mãe de um filho adulto e outro adoles-cente, Maria José divide-se entre seu escritório na capital paulista, onde permanece de segunda a quinta-feira, e Araraquara, entre sexta e domingo, onde mantém seu laboratório e mora com a família. Visita anualmente todas as unidades da Unesp – “é importante para que os pesquisadores se sintam apoiados e possamos ouvi-los” – e estabelece um contato frequente por meio de um aparelho de vi-deoconferência ao lado de sua mesa. Desde 2010, ela é membro do Conselho Superior da FAPESP. A seguir, os principais trechos de sua entrevista:

Como coordenar esforços de pesquisa numa univer-sidade que tem campi espalhados por 24 cidades?A Pró-Reitoria de Pesquisa é recente na Unesp. Ela começou na gestão do professor Marcos Ma-cari [reitor entre 2005 e 2008]. O professor José Arana Varela foi o primeiro pró-reitor de Pes-quisa e depois eu assumi. Estamos entrando na terceira gestão. A Unesp é uma universidade de pesquisa, embora também seja forte no ensino e na extensão. Mas tem essa característica particular: é uma universidade de todo o estado de São Pau-lo. Somos a maior universidade multicampus do país, quiçá do mundo. Se você traçar um círculo de 100 quilômetros ao redor de cada uma dessas

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24 cidades, completamos o mapa do estado de São Paulo. Temos hoje ciência de qualidade feita nos mais recônditos locais desse estado. É fundamental que ele usufrua dessa pesquisa. Vivenciamos, claro, assimetrias e o pró-reitor de Pesquisa da Unesp tem de tentar vencê-las.

A pesquisa na Unesp começou mais forte em unidades mais tradicionais, como no campus de Araraquara. Como disseminar um padrão para todas as unidades?As faculdades de Farmácia e Odontologia completam 90 anos neste ano e já tinham um processo envolvendo a pesquisa. Assim como a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (FFCLA), hoje Instituto de Química e Faculdade de Ciências e Letras. Mas não é só lá que começamos fortes. Em Jaboticabal, na área de agrárias, também. Se você olhar a porcentagem de pes-quisas feitas em nossa universidade em ciências agrárias, verá que o número é muito significativo, advindo tam-bém de outras unidades. Os institutos de Química, de Física Teórica, de Biociências de Botucatu, de Rio Cla-

ro estão entre as unidades com pesquisa mais inter-nacionalizada. No início, em 1976, foram incorpo-rados 14 campi, 10 menos do que hoje. A universida-de hoje tem 36 anos e, ao longo do tempo, houve in-serção de outras unidades. Mesmo as mais recentes já desenvolvem pesquisa de qualidade e estão com programas de pós-gradua-ção. Temos professores es-trangeiros trabalhando em Ilha Solteira, em São José do Rio Preto e em várias outras unidades. Se não tivéssemos uma univer-sidade pública, de quali-dade, quando atrairíamos

estrangeiros para fazer pesquisa de alto nível? O processo alicerçado nesse histórico veio num crescendo e, desde 2005, temos um divisor de águas. Fizemos um mapa dos grupos de pesquisa, dos tipos de publicações e os perió-dicos onde publicávamos e havia muitas assimetrias. Hoje não. Temos uma pesquisa fortalecida, crescente e ascendente, contribuindo sobremaneira para o desenvol-vimento da ciência e da tecnologia do país. Nos últimos quatro anos foram contratados quase mil docentes, mais de 60 pesquisadores, mais de 30 posições de nível superior para atender à demanda de grandes equipamentos e este contingente de pessoas altamente qualificadas redundará em consolidação da pesquisa na Unesp. Nosso foco hoje é internacionalizar cada vez mais a pesquisa, para torná-la mais contemporânea, de impacto nacional e internacio-nal. Estamos contribuindo para sermos agentes ativos da promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do estado e do país e transferi-lo para a sociedade.

A senhora poderia citar dados dessa evolução?Vou comparar 2007 com 2011, porque os dados de 2012 ain-da não estão totalmente consolidados. Se compararmos os dois quadriênios, tivemos um aumento de produção cientí-fica na base de dados ISI, da Thomson Reuters, de 42%. É bem significativo. Um dos objetivos da Pró-Reitoria quando assumimos era somar e aglutinar competências, para cons-truirmos uma ciência de qualidade, fortalecendo as capaci-dades institucionais em torno de propostas inovadoras, daí termos realizado uma série de seminários, de workshops temáticos. Estes foram realizados com convidados de várias universidades do Brasil e do exterior. As discussões foram realizadas para promover avanços em temas envolvendo a fronteira do conhecimento e em consonância com a agenda nacional. Os grupos de pesquisa de diferentes áreas parti-cipavam das discussões nesses encontros. Com isso tem-se a ciência mais transversal, inter, multi, transdisciplinar. Os diferentes olhares produzem uma qualidade, um diferencial que, às vezes, grupos com foco disciplinar não desenvolvem. É isso que estamos tentando fazer aqui na Unesp. O grande desafio do distanciamento entre os campi é transformar gru-pos isolados em grupos que tenham inserção maior dentro da própria Unesp e fora dela. Temos grupos muito fortes, como os de materiais cerâmicos e de nanotecnologia, os de produtos naturais, o núcleo de computação científica, o Grid Unesp, que tem um trabalho belíssimo internacional e aten-dendo à própria universidade. Temos grupos coordenando os programas Cepid da FAPESP, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, como o ligado a relações internacio-nais, o de nanotecnologia e de fisiologia comparada. Temos o Instituto Confúcio, que é considerado o melhor do mundo. Temos grupos consolidados e nosso trabalho é fazer com que mais grupos se destaquem em suas áreas do conhecimento.

Uma de suas preocupações foi aumentar a produção em engenharias e humanidades, para equipará-las à das ciências da vida. Como anda esse esforço? Em ciências da vida temos forte inserção, com quase 70% do que é produzido na Unesp. Duas áreas em que havia grande assimetria eram as de engenharias e de humani-dades. Criamos então o Projeto Renove: Renove Enge-nharias e Renove Humanidades. O foco era não apenas dar recursos pelo edital, mas também a ideia de que os projetos tinham de aglutinar competências nessas áreas. Acredito que temos já alguma resposta positiva. Também foram criados os fóruns de humanas e agora o das enge-nharias, para criar elos de cooperação e agora também elos com inovação, respectivamente. Em nossa universi-dade, tivemos a criação de 11 cursos de engenharia. Três já foram lançados, o de engenharia ambiental, em São José dos Campos, e os de bioprocessos e de engenharia química, na Faculdade de Farmácia e no Instituto de Química, em Araraquara, respectivamente. Alguns ainda estão sendo implantados e sem dúvida irão aumentar e contribuir para termos recursos humanos com enfoque em base mais tecnológica, necessários ao estado e ao país.

Os pesquisadores respondem bem a essas iniciativas?Sim, têm respondido. Os fóruns contaram com grande

Se não tivéssemos uma universidade pública de qualidade, quando atrairíamos estrangeiros para fazer pesquisa de alto nível?

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número de participantes e estes foram realizados jus-tamente para localizar e reconhecer as competências acadêmicas instaladas na universidade com enfoque nas grandes áreas do conhecimento. Essas ações deram iní-cio ao incentivo e patrocínio para publicação de vários livros eletrônicos (e-books), dentro das séries Desafios Contemporâneos, área de humanas e fronteiras, em áreas do conhecimento de interesse nacional, tais como: nano-tecnologia, bioenergia, produtos naturais, biotecnologia, alimentos e segurança alimentar e outros, consistindo num trabalho mais eficiente de divulgação dos grandes grupos de pesquisa. Mas verificou-se que havia a necessidade de outras ações e ampliamos o programa Renove com mais abrangência para grupos da universidade que estavam alijados do processo de pesquisa. Há um contingente de docentes que precocemente foram para gestão e não desenvolveram carreiras ligadas à pesquisa. Resolvemos lançar, então, o Renove Geral, que é para todas as áreas, visando atrair os docentes que estão fora da logística de fomento. São avaliados os processos e, além dos recursos, inclui-se uma bolsa de iniciação científica, tudo isso para eles voltarem a pesquisar, publicar e se engajar dentro de uma linha de pesquisa e de programas de pós-graduação.

O número de projetos temáticos aprovados tem aumen-tado. Em que proporção? O número de temáticos aumentou em quase 130%. E em termos de valores financeiros o crescimento foi de quase 340%. Nós sabemos que a pesquisa precisa de recursos hu-manos qualificados e de boa infraestrutura de pesquisa. Para isso, tivemos recursos bastante significativos, da FAPESP no Programa Equipamentos Multiusuários, da Finep no edital infraestrutura (aumento de 340%), da Capes e do CNPq. A infraestrutura de pesquisa melhorou e hoje temos muitas facilities, muitas construções novas, novos laboratórios. Para que houvesse o crescimento na pesquisa foi necessário criar novos espaços e aglutinar competências e nesse sentido fo-ram institucionalizados os institutos especiais, com a presen-ça de pesquisadores de diferentes campi. Foram aprovados pelos órgãos colegiados quatro institutos especiais. Um é o Instituto de Bioenergia, sediado em Rio Claro, mas com ou-tros oito laboratórios associados, criado junto com as outras universidades estaduais paulistas e vinculado ao Centro Pau-lista de Pesquisa em Bioenergia. Formatou-se um programa de pós-graduação conjunto, das três universidades, o que é fantástico em termos de experiência. Criou-se o Instituto do Mar em São Vicente, aglutinando competências oriundas de diversos campi. Há um grupo forte em Rio Claro ligado à geo-logia, temos lá o Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo (Unespetro), fortemente ligado à Petrobras. O Instituto de Biotecnologia, em Botucatu, que abriga também o biotério central, no qual estão inseridos muitos outros grupos com di-ferentes temáticas e de diversos campi. Também foi criado o Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, que está hoje na praça da Sé e neste há cursos de pós-graduação, e também a perspectiva de ter-se um espaço capaz de aten-der às agendas atuais e os movimentos do futuro, portanto com objetivo de se transformar em núcleo de divulgação da universidade, com discussões mais amplas. Os recursos bas-

tante significativos, para a criação desses institutos, vieram por meio de projetos submetidos e aprovados junto ao Mi-nistério da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Esta-do de São Paulo; do Banco Santander; da Finep; e da própria universidade, que tem investido fortemente para adequar os espaços às novas exigências de uma universidade de ensino e pesquisa contemporâneos.

Tem um dado importante que é a formação de doutores.Somos a segunda universidade do mundo em doutores formados, são quase mil por ano. Primeiro vem a USP, de-pois nós, a Unicamp e universidades dos Estados Unidos.

Os programas de pós-graduação têm um vínculo forte com a pesquisa. Como é essa interação na Unesp?O número de cursos cresceu. São mais de 90 doutorados, mais de 100 mestrados, totalizando 122 programas de pós--graduação. Em número de cursos é a segunda universidade brasileira. Temos um crescendo na qualificação dos pro-gramas com notas 5, 6 e 7 na Capes. Queremos mais, o que será natural na medida em que se avance na pesqui-sa com diferentes grupos.

Qual o impacto da pesqui-sa da Unesp para o desen-volvimento do interior?Anos atrás, um grupo da área de economia fez um le-vantamento e mostrou que, nas cidades que têm unida-des da Unesp, contribuímos enormemente para a eco-nomia local. Mas acho que podemos contribuir muito mais, e a pró-reitora de Ex-tensão, a vice-reitora e nós estaremos trabalhando para que a Unesp se integre mais às cidades e desenvolva parcerias com as prefeituras em programas de extensão que já temos, podendo redundar também em pesquisa verdadeiramente inovadora. Temos unidades em cidades muito ricas, como Araraquara, até lo-cais em que sabemos que o IDH é muito baixo, como Vale do Ribeira, em que está se criando o curso de engenharia de pesca, em parceria com a prefeitura. Também em outras cidades as prefeituras fazem um trabalho importante junto à Unesp, para levar a ciência a esses lugares.

Qual é a situação da Unesp nos rankings internacionais?Temos chamado a atenção para essa discussão, e esta foi preponderante a partir do Plano de Desenvolvimen-to Institucional na gestão do reitor Herman Voorwald, em 2009. No planejamento estratégico da universidade estabeleceu-se como objetivo estar entre as 200 melho-res universidades do mundo. Isso fez com que tivéssemos uma meta e as ações estão alicerçando esse caminhar.

Há docentes que precocemente foram para a gestão. lançamos um edital para que eles voltem a se engajar numa linha de pesquisa

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Qual a importância de ter uma meta como essa? Com certeza, ajuda muito. Brinco nas minhas apresenta-ções que, em alguns rankings, já chegamos lá. Por exemplo, no ranking da SCimago estamos na posição 174, somos a terceira universidade do Brasil e a quinta ibero-americana. Em relação a outros, ainda temos que galgar posições. Um ranking que diz muito sobre a Unesp na sua juventude, temos 36 anos, é o da Times Higher Education das me-lhores universidades com até 50 anos de existência. São mais de 2 mil universidades e estamos entre as 100 me-lhores do mundo. No ranking QS estamos em uma posi-ção bastante interessante, em 17º na América Latina, e, se for detalhar a pesquisa, é 7º lugar. Temos crescido muito, queimado etapas e isso não é fácil em ciência.

Como queimar etapas? Trazendo gente de fora?Sim. A ideia de criar os institutos de pesquisa especiais vai nesse sentido. Estamos na fase de contratação de pesquisadores, porque temos a carreira de docente e a de pesquisador. Nos institutos de pesquisa serão ba-

sicamente pesquisadores trabalhando com docentes e discentes. Os pesquisa-dores têm responsabilida-de voltada para pesquisa e formação de recursos hu-manos, mas de pós-gradu-ação. A ideia é trazer para esses locais estrangeiros. Temos trabalhado no Ins-tituto do Mar, no Instituto de Biotecnologia e no de Bioenergia, temos coope-rações com grupos inter-nacionais. Por exemplo, o Instituto do Mar tem forte inserção com a Alemanha, em universidades como Heidelberg e Kiel, tam-bém com a Universidade do Porto e parceria com a

África do Sul. Temos cooperação com a Universidade de Leuven, na Bélgica, na qual cofinanciamos a ida e a volta de pesquisadores. Temos grupos altamente internacio-nalizados. O Instituto de Física Teórica (IFT) é o único da América Latina a abrigar uma unidade do Centro In-ternacional de Física Teórica (ICTP), órgão da Unesco. No ano passado, trouxeram mais de 80 estrangeiros de altíssimo renome. Na área de exatas, junto com a de bio-lógicas, a Unesp está num crescendo na internacionali-zação. Mesmo uma área que não aparecia em publicações internacionais, as humanidades, começa a aparecer. É um indicador de que estamos fazendo da Unesp aquilo que chamam de universidade de classe mundial.

A Unesp criou escritórios em todas as suas unidades para auxiliar os pesquisadores a lidar com a administração burocrática de seus projetos. Como foi esse processo?Foi uma discussão longa, não foi fácil. A ideia original era

colocar um escritório em cada campus, mas vimos que não daria resultados consistentes, porque cada unidade, dentro de cada campus, tem um modo de trabalhar dife-rente. Então criamos um escritório de pesquisa em cada unidade e atrelado a ele, hoje, contratamos um funcioná-rio para desonerar o pesquisador das tarefas relaciona-das à prestação de contas. Em algumas unidades fizemos a segunda contratação baseada em vários indicadores, principalmente os de internacionalização, justamente para atender quem faz cooperação internacional, proje-tos temáticos e workshops internacionais. Teremos um terceiro funcionário também que será contratado para trabalhar com inovação. A ideia é fazer o elo, dentro do próprio escritório, entre pesquisadores e empresas.

Como isso funcionará?Haverá um local para receber empresas e criar um en-volvimento com elas. Aí completamos aquilo que penso de um escritório, atender às áreas da pesquisa, da inter-nacionalização e da inovação. Ajudar o pesquisador e trabalhar na captação de recursos.

A senhora começa agora uma nova gestão de quatro anos. Quais são as metas e as novas demandas?Já estamos trabalhando em vários aspectos, mas amplia-remos as nossas ações em prol de maior inclusão dos professores recém-contratados, futuro da universidade. Estamos trabalhando fortemente para que eles encontrem infraestrutura, insiram-se em grupos fortes de pesquisa e criem linhas de pesquisa inovadoras. Temos um edital especial de primeiros projetos, e agora vamos ampliá--lo. Vamos trabalhar com áreas que, embora produzam muito, não são muito internacionalizadas. Assim, iremos incentivá-los a ter como grande foco este aspecto. Outro ponto é a inovação, que é a interação universidade-em-presa. Como já temos esse elo em várias cidades de São Paulo, que dispõem de polos tecnológicos, vamos partir para uma inserção maior com as prefeituras para que se possam criar e consolidar os núcleos tecnológicos.

Falando de sua carreira, sua formação ocorreu na USP...Sim. Formei-me em farmácia e bioquímica e comecei a trabalhar no primeiro ano de graduação. Meu primeiro emprego foi num laboratório da prefeitura, depois fui pa-ra o laboratório Fleury, aprendi muito lá, mas não queria trabalhar com rotina. Fui para a Faculdade de Medicina da USP, onde trabalhei 10 anos, desde o quarto ano de fa-culdade, em micologia médica, que envolve o estudo dos fungos de interesse médico, matéria ainda não estudada em meu curso. Trabalhei com Carlos da Silva Lacaz, um dos grandes estudiosos de fungos, um grande mestre e hu-manista. Descobri que gostava de pesquisa e da docência e de ter um novo desafio a cada dia. Acho que a pesquisa é isso, enxergar em cada resultado um novo caminho. Ti-ve várias pessoas que foram muito importantes, grandes mestres de micologia e imunologia, como os professores Antônio Walter Ferreira, meu orientador de mestrado e doutorado, Mario Camargo, do Instituto de Medicina Tropical, Vera Calich, do ICB, que muito me incentivou.

O objetivo é estar entre as 200 melhores universidades do mundo. Entre as mais jovens, já estamos entre as 100 melhores

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Ao escolher o tema de meu trabalho eu vislumbrei que não queria fazer a micologia clássica, já começava a me apaixo-nar pela imunologia. Comecei a desenvolver pesquisas em diagnóstico sorológico da paracoccidioidomicose, doen-ça de grande importância na América Latina. Desenvolvi marcadores, reagentes e métodos ainda não aplicados a esta doença, como a pesquisa de antígenos na circulação dos pacientes. Com isso poderia realizar o diagnóstico e instituir a terapêutica mais precocemente. Tive como co-orientadora a professora Aoi Massuda e, junto com a pro-fessora Maria Aparecida Shikanai Yasuda, fruto de meu doutorado, tivemos duas publicações importantíssimas naquele momento. Quando terminei o doutorado, tive o convite para a Faculdade de Farmácia, em Araraquara, e foi um grande desafio. Isso porque, em São Paulo, eu transita-va muito bem entre a Faculdade de Medicina e o Instituto de Medicina Tropical, fiz parte da minha tese no Instituto de Ciências Biomédicas, onde estava chegando o professor Erney Camargo. Eu tinha vários laboratórios com grande infraestrutura para a época. Na Faculdade de Farmácia de Araraquara já havia a disciplina de micologia clínica, mas não uma área de pesquisa implantada. Acompanhei essa estruturação da pesquisa na Unesp desde 1983. A profes-sora Deise Falcão, da microbiologia, sabia da minha espe-cialização e, embora fosse bacteriologista, me chamou para trabalhar num projeto de grande envergadura financiado pela Finep. Esta vivência com a bacteriologia mostrou-me que não queria continuar na pesquisa em diagnóstico. Re-alizei estágios de curta duração no exterior e no Brasil e passei a estudar modelos de interação fungo-hospedeiro. Comecei a implantar os modelos in vitro, que uso até ho-je, e enveredei pela descoberta das moléculas que fazem a relação do fungo com o hospedeiro. Comecei a trabalhar com as adesinas, que são as moléculas de interação e atu-almente estamos estudando as invasinas.

A senhora teve um projeto na FAPESP sobre esse modelo...Tive vários. Coordenei um temático que já terminou, com o professor Gil Benard, tentando juntar conhecimentos do modelo in vitro com o humano, e também outro projeto com a professora Célia Maria Soares, da Universidade de Goiás. Posteriormente participamos com ela de um edital Genoprot da Finep e mais recentemente com verba da Fi-nep do edital de infraestrutura estamos implantando as plataformas ‘ômicas em nosso laboratório. Nesse caminho tive um grande professor, que infelizmente faleceu no ano passado, que foi o Henrique Lenzi, da Patologia do Insti-tuto Oswaldo Cruz. Era uma pessoa fantástica, como ser humano, grande humanista, conhecedor da ciência. Ele auxiliou muito no discutir e implantar as novas tecnolo-gias, e hoje, devido à mudança do projeto pedagógico do curso de farmácia, outra linha de pesquisa foi implantada de base mais tecnológica. Estamos criando uma platafor-ma para desenvolvimento de antifúngicos e biorreagentes. Esta plataforma só foi viável e veio alicerçada nos progra-mas da FAPESP, como o Biota-FAPESP, o Bioprospecta, unido com os grupos da Química, da professora Vanderlan Bolzani, Maysa Furlan e a professora Ana Marisa Fusco Almeida, que é minha assistente, e outros pesquisadores.

O que construí foi árduo mas, como procurei trabalhar em colaboração, não encontrei tanta dificuldade. Importante frisar que só um ano antes de vir para a Pró-Reitoria con-segui uma assistente, a professora Ana Marisa. Sem ajuda dela essa plataforma de antifúngicos não teria se desen-volvido. Estamos trabalhando num protótipo.

O que é o protótipo?Algumas substâncias com que estamos trabalhando mos-traram potencial em ensaios in vitro, e estamos cami-nhando para os in vivo e usando também novas formu-lações para verificar a potencialidade de ser aplicado como antifúngico. Espero que esse trabalho conjunto vá redundar num produto inovador. Também estamos com foco em antifúngicos antibiofilmes microbianos, pois os microrganismos nessa forma são mais resisten-tes. A formação de biofilmes é um modelo clássico para algumas doenças, principalmente ligado a patologias em que alguns fungos e bactérias se associam a uma es-trutura multicelular complexa e a partir destes têm-se pontos de contaminação constante. Forma-se uma matriz e os antifúngicos e os antibacterianos não conseguem atingir os sí-tios de ação. Estamos es-tudando a formação de biofilmes em doenças en-dêmicas e já descrevemos em histoplasmose, traba-lho de uma orientanda da professora Ana Marisa, e na paracoccidioidomico-se, doença com que mais trabalhei desde que come-cei a estudar na Faculdade de Medicina. É uma doen-ça negligenciada entre as fúngicas, que se asseme-lha à tuberculose.

Não interessa à pesquisa das empresas farmacêuticas.As doenças causadas por fungos em geral estão dentro do grupo das negligenciadas. A micologia é considerada a gata borralheira da microbiologia. Você tem a bacterio-logia, a virologia e, depois, a micologia. Mas ela tem cres-cido por conta de maior prevalência entre alguns grupos de pacientes, da maior longevidade das populações e das doenças imunossupressoras. Você aumenta as condições de vida, mas abre possibilidade para instalação de agen-tes ditos oportunistas. Temos hoje um número cada vez maior de doenças causadas por fungos que nem haviam sido descritos como agentes patógenos. Ao contrário de Paracoccidioides, que sempre foi considerado um agen-te patógeno primário. Foi descrito em 1908 por Adolfo Lutz e é uma das doenças fúngicas de maior interesse no Brasil. Contribuímos inicialmente no diagnóstico e ago-ra estamos principalmente trabalhando com as adesinas e as usando como alvos na procura de novas drogas. n

O que construí na minha carreira de pesquisadora foi árduo, mas, como procurei trabalhar em colaboração, não encontrei tanta dificuldade

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Avanço do país em olimpíadas científicas

movimenta estudantes do ensino médio

e ajuda a formar novos pesquisadores

pOlítiCA C&t edUCAção y

Eles gostam de

ciência EDEsafios

Primeiro brasileiro a ganhar uma medalha na Olim-píada Internacional de Física (bronze em 2002, na Indonésia), Ronaldo Pelá, hoje com 27 anos, diz que a experiência de disputar competições científicas

na adolescência teve grande influência em sua decisão de se tornar um pesquisador – ele é professor do Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. “Isso foi decisivo para que eu descobrisse minha vocação”, diz Pelá, que concluiu o doutorado em 2011 com bolsa da FAPESP. A participação em olimpíadas durante o ensino médio, ele diz, é um tremendo estímulo para buscar conhecimento avançado e tomar gosto por desafios intelec-tuais, habilidades valiosas em muitas áreas, sobretudo na carreira científica. “A rotina incessante de provas faz com que, a certa altura, você perca completamente o medo de fazer provas”, recorda-se. No ano passado, Pelá recebeu o Prêmio de Melhor Artigo de Jovem Cientista, durante a Conferên-cia Internacional de Física de Semicondutores realizada na Eidgenössische Technische Hochschule Zürich (ETH), em Zurique, na Suíça. Atualmente é um dos líderes do Grupo de Materiais Semicondutores e Nanotecnologia (GMSN) do ITA, em que trabalha com a simulação de materiais semi-condutores magnéticos.

Fabrício Marques

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o professor do ItA ronaldo Pelá (à frente) e dois de seus alunos, Ivan Guilhon (sentado) e Cássio Sousa (em pé): medalhas olímpicas e gosto pela pesquisa

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Esse grupo, não por acaso, conta com dois alunos de iniciação científica que acumularam medalhas em olimpíadas científicas. É que Pelá sempre se interessou em conhecer medalhistas que vão estudar no ITA e, há alguns anos, foi um dos criadores de um grupo de estudos que ajuda alunos de graduação a participar de um prêmio para jovens físicos organizado anualmente pelo Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. No ano passado, o aluno de engenharia Ivan Guilhon Mitoso Rocha, de 21 anos, foi o primeiro colocado na competição do IFT e se diz propenso a seguir carreira acadêmica. “Quero fazer mestrado em física. Fiz recentemente um estágio em tecnolo-gia da informação numa instituição financeira e concluí que não é o que pretendo fazer no futu-ro”, afirma Ivan, que desenvolve um trabalho de iniciação científica sobre a liga de três materiais, o grafeno, o siliceno e o germaneno. Cearense de Fortaleza, sua coleção de medalhas inclui uma

prata na Olimpíada Internacional de Física (Mé-xico, 2009), ouro na Brasileira de Física e bron-ze nas brasileiras de Química e Matemática. Já o paulista Cássio dos Santos Sousa, de 19 anos, balança entre a carreira acadêmica e a iniciativa privada. Ainda acha cedo para decidir. “Participar de olimpíadas dá uma bagagem enorme”, afirma Cássio, que ganhou medalha de prata na Olim-píada Internacional Júnior de Ciências (Coreia do Sul, 2008), bronze na internacional de Física (Croácia, 2010) e ouro nas olimpíadas brasileiras de Física e de Robótica, entre outras. Sua pesquisa de iniciação científica é sobre o grafano, varian-te do grafeno. “Uma característica comum dos medalhistas é que eles gostam de ciência e de desafios. Esse gosto estimula o autodidatismo, eles buscam o conhecimento por conta própria”, diz Lara Kühl Teles, professora do ITA e uma das líderes do grupo de pesquisa, nucleado em 2007 por ela no âmbito do programa Jovens Pesqui-sadores em Centros Emergentes, da FAPESP, e pelo professor do ITA Marcelo Marques.

o exemplo do ITA é revelador do espaço e da importância que as olimpíadas cientí-ficas vêm conquistando no Brasil. A or-

ganização de olimpíadas regionais e a prepara-ção dos alunos para as disputas internacionais, feitas em geral com o suporte de universidades, vêm elevando o desempenho do Brasil no qua-dro de medalhas, criando um contraponto à má performance do país em rankings internacio-nais de aprendizagem (ver Pesquisa FAPESP nº 153). O professor Euclydes Marega Júnior, do Instituto de Física de São Carlos da USP, há 14 anos participa da organização da Olimpíada Brasileira de Física e prepara a equipe nacional na olimpíada internacional da disciplina. Ele conta: “Aprendemos com a experiência, reforça-mos o treinamento dos alunos e o desempenho brasileiro cresceu bastante desde o bronze do Ronaldo Pelá, em 2002. Nos últimos dois anos conseguimos ouro e prata”. Essa performance se repete em outras competições. Na Olimpíada Internacional de Matemática o Brasil conquis-tou no ano passado uma medalha de ouro, uma de prata e três de bronze, desempenho superior ao de 2010 e 2011, quando não levou ouro. Já na Olimpíada Internacional de Química de 2012, os brasileiros obtiveram uma prata e três bronzes.

Outro exemplo dessa profissionalização vem de um time de jovens engenheiros, na maioria formados pela Escola Politécnica da USP, que montou uma empresa para treinar o time bra-sileiro da Olimpíada Internacional Júnior de Ciências (IJSO) e do Torneio Internacional de Jovens Físicos (IYPT). A B8 Projetos Educacio-nais aproveita-se da experiência de vários de seus sócios, que disputaram essas olimpíadas

estudantes de mais de 100 países participam das provas da olimpíada Internacional de Matemática, em Amsterdã (2011): os medalhistas brasileiros se tornam médicos, engenheiros e pesquisadores

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quando estavam no ensino médio. “Faltam es-tímulo e desafio para os alunos mais brilhantes e estamos ajudando a reduzir esse problema”, diz o engenheiro eletrônico Márcio Martino, um dos sócios, que tem no currículo uma medalha de ouro no IYPT Brasil, além de prata e bronze na Olimpíada Brasileira de Física. Desde 2007, a empresa criou uma etapa nacional da IJSO, para selecionar a equipe da competição internacional, que no ano passado foi disputada no Irã – o Bra-sil conquistou 1 medalha de ouro, 3 medalhas de prata e 2 medalhas de bronze, além de um inédi-to ouro na prova experimental. Em 2011 passou a organizar também a etapa brasileira do IYPT, competição de formato diferente do tradicional. Vinte times de várias cidades do Brasil instalam--se num auditório em São Paulo e participam de provas práticas, em que um time tenta resolver um problema, o segundo time questiona a solução e um terceiro avalia e questiona o desempenho dos dois primeiros, sob o olhar de um júri. Cada um dos cinco melhores times fornece um repre-sentante para o Torneio Internacional.

Naturalmente, não é só o ambiente acadêmi-co que se beneficia dos talentos revelados. “Te-mos medalhistas que se tornaram médicos, en-

genheiros, professores, e há os que seguiram car-reira acadêmica”, diz Nelly Carvajal, secretária da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), promovida pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O próprio Impa se abastece desses talentos. O coordenador da OBM, Carlos Gustavo Moreira, de 40 anos, ganhou ouro (Chi-na, 1990) e bronze (Alemanha, 1989) na Olimpía-da Internacional de Matemática. O matemático Artur Ávila, que se divide entre o Impa e o Insti-tut de Mathématiques de Jussieu, em Paris, ga-nhou ouro na competição (Canadá, 1995). Ávila é apontado como candidato à Medalha Fields, a mais importante honraria para matemáticos com menos de 40 anos.

é certo que o reconhecimento numa olimpía-da internacional tornou-se uma credencial poderosa, capaz de garantir bolsas de estudo

em bons colégios do ensino médio e propostas de emprego após a graduação. “As olimpíadas se mostraram uma excelente maneira de selecionar os melhores e isso é reconhecido por grandes empresas e instituições de pesquisa do mun-do inteiro”, afirma Ricardo Anido, professor do Instituto de Computação da Unicamp, que par-ticipa da organização da Olimpíada Brasileira de Informática e das maratonas universitárias da disciplina, realizadas pela Sociedade Brasilei-ra de Computação, e também ajuda a preparar a equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Informática. Anido observa que o que mais atrai medalhistas são empregos em conglomera-dos como o Google e o Facebook. “As empresas disputam os profissionais talentosos e algumas delas agem de forma que considero pouco ética. Até recentemente, uma grande empresa tinha o costume de convidar todos os finalistas da ma-ratona brasileira de computação para estágios, embora a maratona fosse patrocinada por uma concorrente. Agora pararam com isso”, diz Anido.

Gabriel Dalalio, de 21 anos, cursa o último ano de engenharia de computação no ITA e passa atualmente uma temporada de três meses na Califórnia, em estágio no Facebook. “Pretendo trabalhar com programação e estou avaliando a experiência nos Estados Unidos para decidir se fico aqui ou trabalho no Brasil”, diz o estudante, que já ganhou medalhas de bronze em duas edi-ções da Olimpíada Internacional de Informática. “Coloquei isso no meu currículo, e informei que vou participar da maratona mundial, em julho, na Rússia. Meu chefe no Facebook disse que tam-bém já foi para a maratona. Eles têm como foco o pessoal com bons resultados da informática. Me-dalha de bronze eles sabem bem o que é”, afirma.

Um traço comum de muitos medalhistas é a disposição para ajudar estudantes mais jovens que começam a disputar olimpíadas. Ricardo Anido

“Medalhistas gostam de desafios e buscam o conhecimento por conta própria”, diz lara Kühl teles, do itA

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Matheus Camacho, que conquistou um ouro inédito na olimpíada Internacional júnior de Ciências, no Irã: queixas sobre o conteúdo repetitivo do ensino fundamental

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conta que costuma convocar alunos premiados para ajudar a formular questões para as provas e eles aceitam prontamente. “Recentemente, passamos quatro dias em Tiradentes debruçados sobre questões da Olimpíada Brasileira de Infor-mática. No final, eles é que agradeceram”, diz o professor. Régis Prado Barbosa, cearense de 22 anos, estudante de engenharia da computação do ITA, descobriu sua vocação de professor de matemática ajudando a preparar estudantes de ensino médio para a Olimpíada Internacional de Matemática – ele participou de várias edições da competição, levando duas pratas (Vietnã, 2007, e Espanha, 2008) e um bronze (Eslovênia, 2006). “Fiquei impressionado com essa experiência. Me divirto muito criando problemas difíceis e me satisfaço mais ainda quando vejo um aluno encontrando uma solução melhor do que a mi-nha. Escolhi a engenharia de computação para

abrir horizontes, mas descobri que gosto mesmo de ser professor”, afirma.

Uma grande preocupação, contudo, ronda os organizadores das olimpíadas nacionais: a tendên-cia de medalhistas deixarem o Brasil já na gradua-ção. “Estamos perdendo talentos”, diz Euclydes Marega Júnior. “Nós organizamos as olimpíadas, ajudamos a identificar os talentos precocemente e eles se candidatam para ingressar em universi-dades estrangeiras como Harvard e o MIT e são aceitos”, queixa-se. “É relativamente fácil para um medalhista conseguir uma bolsa na École Poly-technique e ir estudar na França, com uma bolsa de € 1.000 mensais. Levam nossos talentos por € 1.000! Precisamos criar mecanismos para man-tê-los no Brasil. Eles precisam de atrativos para ficar. Isso não se resume a bolsas, mas inclui tam-bém oferecer desafios a que possam se dedicar, além de bons tutores”, afirma o professor. Para Ricardo Anido, os medalhistas deveriam poder ingressar nas universidades brasileiras sem pre-cisar fazer vestibular. “Seria um estímulo para que ficassem. As universidades estrangeiras os admitem apenas analisando o currículo”, diz.

O estudante Gustavo Haddad Braga, 18 anos, dono de uma das mais extensas coleções de me-dalhas do país – são 50 medalhas nacionais e 7 internacionais, incluindo ouro na Internacional de Física (Tailândia, 2011) –, deixou recentemente o Brasil para fazer graduação no Massachusetts Institute of Technology. Criado em São José dos Campos, ele chegou a cursar medicina na USP por seis meses, enquanto esperava o processo seletivo no MIT. Aprovado, conseguiu uma bol-sa do CNPq para fazer a graduação nos Estados Unidos. Ele já acalentava o projeto de estudar fo-ra antes de seu desempenho olímpico no ensino

Gustavo Haddad Braga: com sete medalhas internacionais, desistiu da faculdade de Medicina da USP ao ser aceito no MIt

1

Medalhas brasileiras

1979

MAtEMátiCA

As conquistas do Brasil em olimpíadas científicas internacionais

6527

9

Início da participação

1999

inFOrMátiCA

236

1

Início da participação

1999

QuíMiCA

226

Início da participação

2000

FíSiCA

213 2

Início da participação

oUro PrAtA Bronze

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médio. “A primeira vez que ouvi falar no MIT foi na sétima série do ensino fundamental, quando conheci o pai de um estudante aprovado no MIT. Pensei comigo: o MIT deve ser um lugar legal”, recorda-se. Ele ainda não sabe se cursará com-putação ou engenharia elétrica no MIT — a esco-lha só é feita depois do primeiro ano de curso —, mas planeja voltar para o Brasil depois de se for-mar. Com verve empreendedora, ajudou a criar com colegas três negócios promissores. Um deles é um site com dicas sobre como se candidatar a vagas em universidades norte-americanas. Ou-tro é um serviço que busca aproximar estudan-tes com alto potencial de empresas interessadas em patrocinar seus estudos no exterior que, em troca, receberiam o estudante como estagiário por um período ao final do curso. O terceiro é um aplicativo capaz de colocar em contato, de forma discreta, amigos do Facebook com um interesse comum: a procura de um namorado/a. A ideia desse serviço surgiu no ano passado, quando ele participou de um campeonato de programação e empreendedorismo em Miami, que lhe rendeu um prêmio de US$ 50 mil, investido no negócio.

a experiência pessoal de um medalhista de olimpíada científica é incomum. Gusta-vo Haddad Braga, por exemplo, conhece

países que poucos jovens de sua idade visitaram. Entre os lugares onde já participou de olimpíadas incluem-se nações como Coreia do Sul, Azerbai-jão, China, Croácia, Polônia e Tailândia. A rotina de estudos é árdua e exige não apenas disponi-bilidade de tempo como também interesse por desbravar conteúdos que só seriam explorados no

ensino superior. O mais novo destaque entre os medalhistas brasileiros chamou atenção justa-mente pela facilidade em lidar com conhecimento avançado. Matheus Ca-macho, de 14 anos, con-quistou uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional Júnior de Ciências, disputada no Irã em dezembro. Acer-tou todas as questões de física, química e biologia da prova prática, basea-da num experimento de eletroforese (técnica de separação de moléculas) de DNA, e também ga-

nhou prata na classificação geral individual, onde o desempenho do aluno é avaliado nas três pro-vas: objetiva, teórica discursiva e experimental.

O feito impressiona por se tratar de um alu-no que acaba de ingressar no 9º ano do ensino fundamental — os outros dois membros de sua equipe eram alunos do ensino médio. Só no ano passado teve o primeiro contato com conteúdos de química e biologia – física, ele já conhecia, es-tudando por conta própria. Matheus, claro, gosta de estudar, mas tem uma relação ambígua com a escola. De manhã frequenta o 9º ano do Colégio Objetivo, em São Paulo, e acha as aulas muito repetitivas, principalmente de física, química e biologia. Só considera que esteja aprendendo coi-sas novas em português, que, admite, não é a sua matéria preferida. Já na parte da tarde assiste a aulas preparatórias avançadas para olimpíadas no mesmo colégio, inclusive aos sábados – e é nelas, que incluem tópicos como cálculo diferencial, que ele se sente desafiado. À noite estuda uma ou duas horas – mas faz questão de manter contato com amigos da escola em que iniciou o ensino fundamental, faz exercícios físicos diariamente e desde criança é fã dos Beatles. “Ele tinha uma queixa de desinteresse pela escola porque con-siderava repetitivo”, diz a mãe, Simone. “A gente tenta dar o suporte de que ele precisa. Se ele pede um livro, eu compro. Quando me disse, confiante, que iria para o Irã, mesmo antes da última seletiva nacional, fiquei admirado com sua convicção e só pude encorajá-lo, claro. No fundo, creio que ele já sabia que iria atingir seu objetivo”, afirma o pai, Carlos Henrique, coronel do Exército. “Conhe-ci gente do mundo inteiro, foi uma experiência muito interessante”, diz Matheus, que ainda não sabe que carreira quer cursar, mas gosta de ex-plorar os sites de Harvard e do MIT e mantém as duas instituições no seu radar. n

o estudante do ItA Gabriel dalalio, em San francisco: medalha de bronze na olimpíada de Informática serviu de passaporte para fazer estágio de três meses no facebook

A rotina de estudos dos medalhistas é árdua e exige tempo disponível e interesse em desbravar conteúdos

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38 z março DE 2013

lei que altera carreira de docentes

das universidades federais preocupa

comunidade científica

reCUrSoS HUMAnoS y

muDança polêmica

um conjunto de mudanças na carreira dos professores das universidades federais, que pas-sam a valer no início deste mês,

provocou reações ásperas na comunida-de científica e em parte das entidades representativas dos docentes. O alvo das críticas é a lei nº 12.772/2012, sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 28 de dezembro, resultado de um acordo entre o governo federal e a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes--Federação) celebrado após a greve que paralisou as universidades federais no ano passado. Embora tenha motivações ligadas aos salários dos docentes – que terão reajuste médio de 16% em 2013 –, a nova lei modifica pontos estruturais da carreira que vigoravam desde abril de 1987. “A lei deveria ser rasgada, pois o conceito de universidade foi ferido”, afirma Helena Nader, professora da Uni-versidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que em fevereiro alertou a presidente Dilma da il

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insatisfação da comunidade científica durante uma reunião do Conselho Na-cional de Ciência e Tecnologia.

Os críticos argumentam que a lei po-de desestimular a pesquisa universitá-ria nas federais e inviabilizar a atração de grandes talentos para a carreira aca-dêmica. Isso porque o ingresso na uni-versidade federal só poderá ocorrer no primeiro nível da classe de professor auxiliar, independentemente da titu-lação do docente, e a progressão entre um nível e outro da carreira passa a exi-gir o intervalo de 24 meses. Segundo a nova lei, a universidade federal passa a ter dois tipos de professor titular. Um é o titular de carreira, que, além de ter doutorado, precisa galgar os degraus da vida acadêmica. Outro é o titular-livre, talhado para quem já tem pelo menos 20 anos de doutorado e quer ingressar numa federal.

Para ilustrar o problema, a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Debora Foguel, conta um caso emblemá-tico, que, segundo ela teme, pode se tor-

Bruno de pierro

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pESQuiSA FApESp 205 z 39

nar recorrente. Recentemente, a UFRJ recebeu a visita de Cedric Villani, um jovem matemático francês que conquis-tou em 2010 a cobiçada Medalha Fields, concedida pela União Internacional de Matemática. Villani obteve o título de doutor em 1998. Se fosse convidado a ingressar na UFRJ, teria de entrar co-mo auxiliar 1. Como não tem 20 anos de doutorado, também estaria desabilitado para ser professor titular-livre. “Isso será um problema, já que estamos trazendo vários pesquisadores brilhantes dentro do programa Ciência sem Fronteiras. A esses, teremos que oferecer vagas de professor auxiliar. Na hipótese de querer trazer o Cedric Villani, eu não teria cora-gem sequer de fazer tal convite”, declara Debora. Para Helena Nader, o tempo de doutorado não tem vínculo direto com a competência. “Você pode ter alguém com cinco anos de doutorado, mas que já tem condições de ser professor titu-lar”, explica.

A lei também veta a abertura de con-cursos específicos para as classes de auxiliar, assistente e adjunto. Mesmo

que o aprovado tenha título de doutor, o ingresso será na categoria de auxiliar e, passados três anos do período probató-rio, ele segue para o nível de adjunto. A promoção, contudo, pode ser acelerada de acordo com a titulação do professor – mestrado ou doutorado. O presiden-te da Proifes-Federação, Eduardo Ro-lim, explica que a razão disso se baseia em acórdãos do Tribunal de Contas da União, que impedem o ingresso de ser-vidores no meio da carreira. “Isso acon-teceu até agora porque nossa carreira é de 1987, anterior à Constituição de 1988”, acrescenta.

a insatisfação das sociedades cien-tíficas cresceu em agosto, quando o Palácio do Planalto apresentou

o projeto que deu origem à lei. O texto causou polêmica também entre as en-tidades sindicais. Na ocasião, após reu-nião entre representantes dos ministé-rios do Planejamento e da Educação e de três entidades ligadas aos professo-res, duas delas – o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e o Sindicato Na-cional dos Servidores Federais da Edu-cação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) – não assinaram o acordo, entre outros motivos por considerarem que o projeto desestruturava a carreira de docente. Em novembro, enquanto o projeto tramitava na Câmara, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram um manifesto no qual afir-mavam que alguns aspectos da proposta poderiam trazer “graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retro-cesso para as universidades federais brasileiras, principalmente no que tange à qualidade da pesquisa”.

O novo texto estabelece que os concur-sos devem exigir pelo menos diploma de graduação, mas não deixa claro se as ins-tituições poderão continuar a restringir o edital apenas para candidatos que pos-suam o título de doutor, como a maioria faz hoje. “Os professores que ingressam nas universidades federais sem título de doutor muito dificilmente conquistam tal

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título ao longo da carreira”, afirma Debo-ra Foguel. As universidades pretendem seguir exigindo em seus concursos que os candidatos tenham título de doutor. “Mas confesso que estou temerosa que essa estratégia seja objeto de contestação na Justiça por parte de candidatos”, avalia a professora da UFRJ, instituição na qual apenas 20% dos docen-tes não são doutores.

As alterações na le-gislação forçaram al-gumas universidades a cancelar, às pressas, concursos que esta-vam em andamento. De acordo com Hele-na Nader, um desses concursos teria como candidato um expe-riente professor que concorreria ao cargo de titular na Unifesp. Ao saber do cancela-mento do edital e das novas condições para ingressar na universi-dade, ele preferiu de-sistir da vaga. “A uni-versidade deve gerar conhecimento novo, não apenas transmi-tir conceitos”, avalia a presidente da SBPC. Para a professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên-cias Humanas da USP Elizabeth Balba-chevsky, as universidades federais podem perder a oportunidade de trazer de volta brasileiros que realizam pesquisa em paí-ses que no momento sofrem com a crise econômica. “Você acha que um professor que esteja na Universidade Stanford, na Califórnia, voltará para cá para ser pro-fessor auxiliar?”, indaga Balbachevsky.

a ex-secretária Nacional de Edu-cação Superior e professora do curso de direito da Universidade

de São Paulo (USP)Maria Paula Dallari Bucci acompanhou o início das discus-sões sobre alguns conceitos presentes na lei, quando, ainda no MEC, conduziu um esforço conjunto com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) para a implementação da autonomia das universidades federais. A lei nº 12.772, segundo ela, deve ser lida com atenção,

BrASil

AtrAçãO dE lidErAnçASA comunidade científica teme que a

carreira nas universidades federais fique

menos atraente para professores

experientes. Uma das razões é que

qualquer docente deverá ingressar

como professor auxiliar. Um profissional

com reconhecida competência, mas

com menos de 20 anos de doutorado,

não poderá ser contratado como titular.

Primeiro, deverá entrar como auxiliar e

passar por estágio probatório de três anos

dOutOr x GrAduAdOo requisito mínimo exigido nos

concursos será o diploma de graduação.

A universidade poderá determinar,

em edital, outros critérios de seleção,

mas críticos da lei afirmam que candidatos

poderão contestar na justiça a exigência

do título de doutor, consagrado entre a

maioria das universidades federais

prOFESSOr titulAr-livrEA nova categoria pode impulsionar a

contratação de professores veteranos

de forma acelerada, beneficiando novos

campi. Mas também gera dúvidas por

se tratar de uma classe que nunca existiu.

o receio é que, no topo da carreira,

surjam duas categorias com status

distintos – livre e de carreira

Entenda a leiAs principais mudanças na estrutura da carreira dos professores das universidades federais e o exemplo de outros países

levando em conta artigos inovadores que estão sendo negligenciados nas dis-cussões. No artigo 21º, por exemplo, que especifica o que é permitido durante o regime de dedicação exclusiva, há uma passagem que, segundo Maria Paula, be-neficia diretamente a pesquisa nas univer-sidades federais: a retribuição, em caráter

eventual, por traba-lho prestado no âm-bito de projetos ins-titucionais de pesqui-sa e extensão. Outro ponto lembrado pela professora é a regula-mentação do estágio probatório. “O profes-sor que fez o concur-so não tem a perma-nência garantida. Ele passa por uma avalia-ção de desempenho e isso evita a acomoda-ção de professores. É uma das poucas leis no Brasil que tratam disso”, afirma. O ar-tigo 26º também é considerado impor-tante por ela — junto com o mecanismo de reposição automática de docentes aposen-

tados, falecidos ou desligados, criado em 2007 —, pois institui uma comissão para formulação e acompanhamento da exe-cução da política de pessoal docente. “A lei permite a gestão do quadro de profes-sores pela universidade, de acordo com o projeto dela. Cada universidade tem seu projeto, seus desafios e dificuldades”, conclui Maria Paula.

O vice-presidente do Sindicato Na-cional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Luiz Hen-rique Schuch, contesta a afirmação da ex--secretária do MEC de que a lei amplia a autonomia universitária. “A nova lei delega ao ministério o estabelecimento de diretrizes que ainda não foram defini-das.” Isto configura, na visão de Schuch, uma afronta à autonomia, uma vez que o desenvolvimento na carreira deveria ser definido no âmbito institucional.

Outra novidade é que acaba a limita-ção de 10% de professores titulares nos quadros das universidades. Qualquer do-cente, na categoria professor associado 4, com título de doutor, poderá pleitear

a promoção para titular, independente-mente da existência da vaga. “Sem essa limitação, será mais fácil atrair profes-sores qualificados que vêm de fora e de-senvolver a pós-graduação em universi-dades mais jovens”, diz Rolim.

Elizabeth Balbachevsky, contudo, ob-serva no caso brasileiro um movimento contrário à tendência mundial de per-mitir que a universidade desenvolva seu próprio plano de carreira. A professora participou de um estudo internacional que avaliou, entre 2005 e 2007, o impacto

“você pode ter alguém com cinco anos de doutorado, mas que já tem condições de ser professor titular”, diz Helena nader

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da globalização na profissão acadêmica em 19 países de todos os continentes. O estudo mostra que, tradicionalmente, a organização da profissão nas universida-des oscila entre dois grandes tipos ideais: o mercado acadêmico, da experiência norte-americana, e o modelo estatal. O primeiro se caracteriza por uma alta mobilidade, em que a instituição nego-cia condições específicas de contratos, quando está interessada em atrair um determinado profissional. Essa situação tende a criar uma intensa mobilidade de

rios e grupos de pesquisa. “Um profes-sor recém-formado não terá condições para atrair recursos para projetos mais ambiciosos e liderança para propor uma agenda de pesquisa relevante", pontua.

no segundo modelo, o acadêmi-co é contratado como servidor público, e daí decorre sua esta-

bilidade, o que tende a contribuir para a fixação do pesquisador numa institui-ção muito cedo. Esse modelo era muito comum em países europeus. Ainda as-sim, em diferentes países a estrutura de acesso a diferentes pontos da carreira, especialmente na posição de professor titular, tendia a promover a mobilidade dos professores, especialmente os mais ambiciosos, interessados em subir na carreira. Nas últimas décadas, essa con-cepção de plano de carreira perdeu força na Europa, onde, desde o final dos anos 1980, já se identificava uma capacidade de resposta limitada ante as crescentes demandas da sociedade, onde a compe-titividade da economia depende da ca-pacidade de se manter na liderança da inovação (ver mapa). Dentre os países emergentes, a China também introdu-ziu reformas importantes na carreira acadêmica, deixando-a mais flexível, explica Elizabeth. “Para a China, a re-forma do ensino superior é central para a estratégia do país de sair de um mode-lo de inserção no mercado internacio-nal baseado no baixo custo de mão de obra para outro baseado em vantagens competitivas criadas pela capacidade de inovação das indústrias chinesas”, diz.

O MEC defende a nova lei, mas admite que poderá rediscutir alguns pontos. Em nota, a Secretaria de Educação Supe-rior do MEC afirmou que “algumas das questões sobre a estruturação do Pla-no de Carreiras e Cargos de Magistério Federal estão sendo tratadas pelo MEC diretamente com as universidades”. Ainda segundo o ministério, o objetivo da lei é buscar a valorização da dedica-ção exclusiva e a titulação dos docentes. Em janeiro, uma nota técnica divulgada pelo MEC tenta esclarecer pelo menos um tópico da lei. De acordo com o do-cumento, além da exigência de diploma de graduação, as instituições poderão solicitar nos editais outros requisitos, como a apresentação de títulos de pós--graduação, de acordo com o interesse da universidade. n

AlEMAnHA

o acesso à posição de titular

necessita de aprovação

em concurso nacional.

A promoção na carreira

é acelerada de acordo com

a disposição do acadêmico

para aceitar mudar de

instituição, negociando

com a nova universidade

as condições de contrato

FrAnçA

desde os anos 1990,

o governo francês adotou

mudanças que aumentam

o espaço de participação

dos departamentos

na escolha dos candidatos

e introduziu um sistema

de bônus associado ao

desempenho de atividades

ligadas à pesquisa

EuA

os acadêmicos de maior

prestígio são disputados

por diferentes instituições

e é comum que mudem

de emprego atraídos

por boas ofertas e a

possibilidade de criar

novos grupos de pesquisa

nOruEGA

A promoção para titular depende

de avaliação do professor após um

número variável de anos trabalhando

dentro de uma mesma instituição.

reformas recentes ampliaram o

espaço de decisão da universidade na

definição do perfil de competências

exigidas nos concursos

ale

nor

fra

Bra

eua

profissionais em todos os níveis de car-reira, pois, conforme o professor ama-durece, ele tem maior capacidade para negociar condições específicas com as instituições que se interessam por ele.

Esse é o segredo do dinamismo do sis-tema universitário dos Estados Unidos, diz a professora, pois é relativamente fácil para uma instituição criar compe-tência em áreas emergentes de pesqui-sa, contratando alguns pesquisadores com nome e experiência na área e que lideram a formação de novos laborató-

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42 z março DE 2013

editor da Nature e dirigente da royal Society discutem na

fAPeSP desafios e limites da abertura de dados científicos

dIfUSão y

uma ciência mais aberta

a abertura de dados por si só não tem valor, pois uma ciência aberta é mais do que a simples disponibilização de da-dos científicos.” A avaliação é do físico

inglês Philip Campbell, editor-chefe da revista Nature, uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo. De passagem por São Paulo, Campbell participou do encontro Science as an Open Enterprise: Open Data for Open Science, realizado no dia 25 de fevereiro na FAPESP, on-de, diante de um auditório lotado, falou sobre os desafios e transformações do acesso aberto a dados científicos. Durante o evento o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, tratou das perspectivas da abertura cientí-fica no Brasil. O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, José Arana Varela, e o secretário de Relações Exteriores da Royal Society, Martyn Poliakoff, participaram como mediadores.

As discussões giraram em torno de um relatório divulgado em junho de 2012 pela Royal Society. Nele, a mais antiga sociedade científica do mun-do destaca a necessidade de lidar com a abertura de dados científicos, que estão disponíveis numa quantidade cada vez maior, mas cujo conteúdo nem sempre é inteligível ou de interesse dos pes-quisadores. “Rápidas mudanças tecnológicas cria-ram novas formas de aquisição, armazenamento, manipulação e transmissão de conjuntos de dados que estimulam novos modos de comunicação e colaboração”, disse Poliakoff. O estudo foi moti-

“ vado por uma polêmica em 2009, no Reino Unido, envolvendo e-mails enviados por climatologistas, que foram hackeados e publicados. As mensagens sugeriam que um cientista tentara esconder dados desfavoráveis à evidência de que o planeta está aquecendo. Uma investigação descartou a hipó-tese de falsificação, mas o caso provocou debates sobre a necessidade de uma ciência mais aberta.

Campbell explicou que os dados científicos não devem ser apenas acessíveis, mas precisam ser tra-tados para que se tornem compreensíveis e reuti-lizáveis. Entre as razões que fazem da abertura de dados um tema inadiável, o físico destacou o po-tencial para aumentar a confiança na ciência, por meio da replicação e da reprodutibilidade dos da-dos de pesquisa. Isso, segundo ele, pode aumentar as chances de combate a fraudes no mundo acadê-mico e ampliar a participação pública na ciência.

Um exemplo de colaboração pública é apresenta-do no relatório da Royal Society. Em 2011, um surto de infecção intestinal causado pela Escherichia co-li surgiu na Alemanha e se espalhou pela Europa, afetando cerca de 400 mil pessoas. Os médicos de Hamburgo não conseguiam encontrar uma solução, pois, à primeira vista, a bactéria era semelhante à de outras cepas. O problema só foi resolvido de-pois que os dados sobre o genoma da cepa de E. coli foram abertos e publicados num site, ao alcan-ce de qualquer pesquisador. Pouco tempo depois, aproximadamente 200 relatórios científicos foram publicados, indicando o que poderia ser feito para barrar a epidemia.

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pESQuiSA FApESp 205 z 43

divulgação imediata. Questionado sobre os efeitos que a abertura de dados pode causar na comunicação científica e, par-ticularmente, no jornalismo de informa-ção científica, Campbell disse não acre-ditar que a abertura vá necessariamente melhorar o processo de comunicação. Segundo ele, não importa se os artigos estão abertos ou só são disponibili zados mediante pagamento de uma taxa, pois os bons periódicos sempre terão que ava-liar seus resultados e publicar os me-lhores. O que pode acontecer, disse, é que, em um periódico que disponibili-za o conteúdo aberto, o feedback pode ser mais rápido, por meio de correções ou comentários após a publicação. Isso pode trazer algum melhoramento para o paper. “O conteúdo livremente aberto pode ser um pouco melhor nesse sen-tido [em comparação com aquele que é aberto após o pagamento de uma ta-xa]”, afirmou.

O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que a discussão em torno de dados abertos não é completamente nova no país e citou bancos de dados brasileiros disponíveis na internet. Mencionou as informações abertas do Instituto Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE) e

da Plataforma Lattes, do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que disponibiliza informações acadêmicas de mais de 174 mil pesquisadores. Brito Cruz também destacou a biblioteca virtual SciELO, da FAPESP, que garante acesso aberto a 270 periódicos nacionais e recebe cerca de 1 milhão de acessos diários. “É um importante mecanismo que contribui para o aumento da visibilidade da ciên-cia brasileira no mundo”, disse. Outro avanço importante foi o acordo firmado há dois anos para a criação de um repo-sitório de todos os artigos vinculados a pesquisas que receberam financiamento da FAPESP, que serão disponibilizados respeitando as normas da revista cien-tífica que publicou cada paper. O repo-sitório deve ficar pronto até o final do segundo semestre deste ano.

Em relação ao Brasil, Philip Campbell disse que não está familiarizado com a nova agenda científica, mas reconhe-ce esforços que o país tem feito para se posicionar internacionalmente. Como exemplo citou o apoio da FAPESP a pro-jetos de pesquisa que ligam cientistas e empresas. “Creio que esse é um valioso tipo de financiamento, além da amplia-ção da relação entre a universidade e a indústria.” n Bruno de pierro

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De acordo com o representante da Ro-yal Society, Martyn Poliakoff, “a infor-mação hoje em dia determina como os cientistas precisam se adaptar às mudan-ças tecnológicas, sociais e políticas, com profundas implicações na maneira como a ciência é conduzida e comunicada”. O químico também falou sobre uma inicia-tiva da qual faz parte, o PeriodicVideos (www.periodicvideos.com), que dispo-nibiliza vídeos divertidos de divulgação científica. O projeto começou em 2008, a partir de parceria entre a Universida-de de Nottingham e a BBC de Londres.

trêS MOdElOSAlém da publicação dos dados gerados pelas pesquisas, outro assunto discutido durante o encontro foi a ampliação das ferramentas utilizadas para disponibili-zar, integralmente, os papers publicados em periódicos científicos. Campbell lem-brou que existem hoje três modelos para a publicação aberta de artigos: um que disponibiliza o paper livremente, dentro de um período máximo que varia de 6 ou 12 meses após a publicação; outro, em que o paper pode ser acessado a partir do momento da publicação; e, por fim, uma versão híbrida, que disponibiliza apenas uma parte de seu conteúdo livremente, se o autor do artigo pagar uma taxa pela

tecnologia criou novos modos de comunicação e colaboração científica, mostra relatório

Campbell, da Nature (esq.), e Poliakoff, da royal Society: abertura pode aumentar participação pública na ciência

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Mapas tridimensionais detalham a estrutura da

floresta e facilitam o monitoramento dos impactos

da fragmentação na vegetação nativa

ciência ecologia y

amazônia em 3 dimensões

carlos Fioravanti, de Manaus

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44 z Março De 2013

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s árvores aparecem em vermelho, amarelo e outras co-res vibrantes, como se cada uma delas tivesse sido

pintada à mão, nos mapas colados ao lado de artigos científicos e convites para seminários no corredor

do prédio do Projeto Dinâmica Biológica de Frag-mentos Florestais (PDBFF) no Instituto Nacional

de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus. A técnica que permitiu a construção dos ma-pas – a LiDAR (Light Detection and Ranging),

que registra a variação de luz refletida pelas árvores – está facilitando bastante o trabalho dos pesquisadores do mais antigo programa de monitoramento de florestas tropicais do Brasil e um dos mais antigos do mundo. Iniciado em 1979 com o propósito de conhecer o impacto da construção de estra-das e do avanço da agropecuária sobre a floresta amazônica, o programa acompanha a evolução de 11 áreas de florestas fragmentadas, além das áreas contínuas adjacentes que ser-vem como controle para efeitos comparativos, somando mil quilômetros quadrados (km²) de floresta com árvores de até 55 metros de altura.

Até poucos anos atrás, a única forma de obter informações detalhadas sobre a composição e as mudanças da floresta era viajar muitas horas em estradas de terra e enfrentar chuva, calor, mosquitos e fungos até chegar às áreas de estudo, algu-mas a 80 quilômetros de Manaus. “Evidentemente essa nova técnica não resolverá todos os nossos problemas, nem dis-

aA floresta vista da Estação Espacial Internacional: 150 quilômetros do rio Amazonas, seus tributários, os numerosos lagos e as terras alagáveis que o ladeiam

pESQUiSa FapESp 205 z 45

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46 z março DE 2013

pensará as viagens de campo, mas está ajudando muito”, diz o ecólogo paulista José Luís Camargo, coordenador científico do PDBFF, um programa atualmente financiado pelo Instituto Smithsonian e pelo Inpa, em conjunto com agências e funda-ções de apoio à pesquisa no Brasil e nos Estados Unidos. Enquanto as imagens de satélite são bidi-mensionais, as do LiDAR são tridimensionais. Elas se formam a partir da luz refletida pela copa das árvores, que é captada por aviões que sobrevoam as áreas a serem estudadas. “Podemos mapear clareiras, que são importantes para o funciona-mento da floresta, e ter uma boa noção do relevo que sustenta a vegetação”, diz Camargo.

a LiDAR, sozinha ou combinada com ou-tras técnicas de sensoriamento remoto, pode fornecer informações detalhadas

sobre a altura, a concentração e a distribuição de árvores e indicar que grupos de animais de-vem viver por ali. Quanto mais emaranhada – ou de estrutura complexa, como diz Camargo – for uma floresta, menor a chance de abrigar grupos específicos de aves e morcegos, por exemplo. Em um estudo recém-concluído em uma das áreas do projeto, o biólogo brasileiro Karl Mokross, da Universidade Estadual da Louisiana, nos Esta-dos Unidos, verificou que as aves que vivem no sub-bosque, região abaixo da copa das árvores, procuram insetos para se alimentar de preferên-cia na floresta primária e raramente na floresta secundária, também chamada de capoeira.

Além das imagens tridimensionais, a equipe do Inpa tomou emprestada da química uma téc-

nica de identificação de compostos químicos chamada espectrometria por infravermelho próximo para classificar plantas. Essa técnica se baseia no fato de que as ligações quí-micas de determinadas moléculas possuem frequências específicas de vibração, que são registradas por um aparelho e expressas na forma de um gráfico. Usando esse método, a engenheira florestal Flávia Macha-do Durgante e outros pesquisado-res do Inpa examinaram 159 folhas de 10 espécies de árvores coletadas de uma área de floresta preservada próxima a Manaus e das áreas de estudo do PBDFF e mantidas na co-leção do programa, atualmente com 54 mil amostras de folhas e estru-turas reprodutivas (flores e frutos) das árvores monitoradas. Depois obtiveram a chamada assinatura espectral de cada espécie e concluíram que essa técnica re-presenta um método simples e de baixo custo para identificar as espécies de plantas e diferen-ciar as espécies muito próximas, mesmo quan-do faltam estruturas reprodutivas como flores e frutos, que facilitam o reconhecimento por botânicos e ecólogos. Nesse trabalho, a ser pu-blicado em março na revista Forest Ecologyand Management, a margem de acerto médio foi de 96,6%. A bióloga Carla Lang começou a analisar as assinaturas espectrais de folhas de árvores e de plântulas da mesma espécie para ver se há

Em poucos dias, Lovejoy obteve a aprovação dos diretores do inpa e da Suframa para começar o trabalho

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Mosaico de paisagensprograma estuda a dinâmica das populações de plantas e animais em 23 áreas de floresta perto de Manaus

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pESQUiSa FapESp 205 z 47

uma coerência entre elas – se houver, facilitará o trabalho bastante difícil de identificar plântulas e prever a distribuição de espécies na floresta.

aS priMEiraS aLiançaSAs técnicas de trabalho agora à mão representam um pouco de conforto merecido para os pesquisa-dores do programa de estudos da Amazônia que começou a ser desenhado em meados da déca-da de 1970 por dois biólogos norte-americanos, Thomas Lovejoy e David Conway Oren, ambos já com vários anos de experiência em pesquisa de campo na região. Naquela época o governo promovia a ocupação das florestas do norte de Manaus com pecuária. “Eu que alertei Lovejoy para a oportunidade ímpar de conversar com os proprietários, entrar na floresta antes do des-matamento e fazer inventários biológicos, algo que não havia sido feito no Panamá”, lembra-se Oren, ornitólogo que trabalhou no Inpa, no Mu-seu Goeldi e na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, e atualmente é coordena-dor de biodiversidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Os biólogos não esqueciam que a construção do canal do Pana-má, concluída em 1914, havia isolado áreas de uma floresta tropical sobre a qual sabiam muito pouco. Lovejoy gostou da ideia e disse que iria buscar financiamento.

Lovejoy se tornou o porta-voz do programa e uma das maiores autoridades mundiais em biodiversidade – atualmente ele é pro-

fessor de ciência e política ambiental da Univer-sidade George Mason, nos Estados Unidos (ver Pesquisa FAPESP nº 171). Um recorte de uma página do jornal A Província do Pará de 7 de ja-neiro de 1979 colado no corredor do prédio do PBDFF apresenta o então chamado Programa de Tamanho Mínimo Crítico da Amazônia, com

custos anuais previstos em US$ 500 mil e apoio do Inpa, do Instituto Brasileiro de Desenvolvi-mento Florestal (IBDF), que originou o Ibama, e da Superintendência da Zona Franca de Ma-naus (Suframa). Definir a área mínima capaz de efetivamente preservar uma floresta era uma preocupação do governo brasileiro e, além disso, “um problema mundial”, argumentava Lovejoy, então ligado ao Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF), a primeira instituição internacional a financiar esse trabalho.

“Foi a época dourada do Inpa, sob a direção de Warwick Kerr. Em apenas um dia ou dois eu consegui a aprovação do diretor e do chefe do Departamento de Ecologia do Inpa, Herbert Schubart, e da Suframa, que também foi muito aberta. Os fazendeiros também colaboraram”, contou Lovejoy, lembrando a criação desse pro-grama de pesquisas na Amazônia. “Eu basica-mente acompanhei Rob [Richard Bierregaard, biólogo e primeiro coordenador científico do PDBFF, atualmente na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos], apresentei-o às pessoas de Manaus e deixei-o trabalhar. Rob fez amizade com os fazendeiros, que estavam satis-feitos por participar de um trabalho que estava tendo atenção da mídia.”

O programa previa o isolamento de áreas de floresta com tamanhos variáveis e o levantamen-to e monitoramento de árvores, insetos, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. O objetivo era ver quais espécies perecem e quais sobrevivem à medida que a floresta diminui. Era uma forma de exami-nar o impacto da fragmentação sobre a floresta e os organismos que a constituem. Ainda hoje a redução da área de vegetação nativa, como re-sultado da expansão das estradas, da agricultura ou da pecuária, é uma das principais causas de perda da biodiversidade na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.

os bandos de aves (em vermelho) preferem a floresta primária de um fragmento de 10 hectares (acima) e raramente percorrem a capoeira (em verde-claro, ampliada à direita). Verdes mais escuros representam a vegetação mais alta

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48 z março DE 2013

BASE dE dAdOS AMAzôniCAO trabalho de campo realizado ao longo de 33 anos, completados em 2012, resultou em uma monumen-tal base de dados sobre árvores e aves. Atualmente os pesquisadores acompanham o crescimento de 45.376 árvores e 178.295 arvoretas (menos de 10 centímetros de diâmetro à altura do peito) em 55 hectares de floresta contínua e 39 hectares de flo-resta fragmentada. “Estamos monitorando uma floresta com uma das mais diversas comunidades arbóreas do mundo”, diz Camargo. Além das árvo-res, recentemente eles começaram a contabilizar os cipós. Em um levantamento recém-concluído em 69 hectares, eles marcaram 33.154 cipós. “Em geral cipós não são alvos de levantamentos flores-tais, mas representam uma parcela importante da biomassa e da diversidade de uma floresta.”

A base de dados contém informações sobre 60 mil aves de 400 espécies que vivem no sub-bosque, a região intermediária entre a copa das árvores e o solo. Cada ave recebeu um anel (anilha) com um número que permite aos biólogos, quando as capturam nas chamadas redes de neblina, saber por onde andaram. “Esse banco de dados permite fazer perguntas mais complexas, que só aparecem após décadas de acompanhamento, servem para embasar políticas públicas e ajudar a resolver problemas novos, como o impacto das mudanças do clima sobre a Amazônia”, diz Camargo. “Mui-tos pesquisadores vêm trabalhar aqui porque já temos um longo caminho percorrido, não preci-

sam começar do zero. Esse conhecimento é um patrimônio nacional.”

Muitas conclusões do PDBFF teriam sido inviá-veis em um estudo de duração menor, de acordo com uma das conclusões de um artigo publicado em janeiro de 2011 na Biological Conservation com uma síntese de 32 anos de trabalho de campo. O artigo é assinado por 16 biólogos de instituições do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália e do México ligadas ao PDBFF – o primeiro autor é o biólogo norte-americano William Laurance, que viveu cinco anos em Manaus e atualmente traba-lha na Austrália. A vulnerabilidade de árvores de maior porte à fragmentação e os efeitos de even-tos efêmeros como o El Niño e as tempestades, eles argumentam, só se tornaram evidentes após décadas de acompanhamento. Quando caem, eles concluíram, as árvores podem formar clareiras, que desviam a umidade das árvores próximas e alteram a luminosidade e a temperatura (ver ilus-tração). A fragmentação pode reduzir a circulação de água, limitar o território de muitas espécies de aves, que não conseguem atravessar grandes áreas desmatadas, reduzir a população de abelhas, ves-pas, besouros e formigas, aumentar as de sapos e aranhas, causando uma perda cumulativa de bio-diversidade e uma redução das reservas de água.

FlOrEStA FráGilAs simulações do comportamento da floresta, ali-mentadas com os dados do PDBFF, sugeriram que mesmo fragmentos de 10 hectares requerem pelo menos um século para recuperarem a diversida-de biológica e a biomassa de antes de terem sido formados. Uma vez constituídos, esses fragmen-tos sofrem uma reorganização profunda de suas comunidades de árvores, palmeiras, trepadeiras e animais. “Como regra geral, quanto menor a área, mais profundos serão os efeitos da fragmen-tação”, diz Camargo. Quem percorre as áreas de estudo nota a diferença: os fragmentos menores, de um hectare, já perderam parte de sua estrutu-ra florestal original e parecem uma capoeira que resiste com dificuldade, enquanto os maiores, principalmente os de 100 hectares, ainda abrigam espécies de árvores que crescem com pouca luz e umidade elevada, como em uma típica floresta amazônica. As áreas menores são mais frágeis “e sofrem mais com as secas mais intensas, como a de 2005 e a de 2010”, observa Camargo.

Uma das consequências da fragmentação é o chamado efeito de borda: transformações causadas pela radiação solar, luz e vento das áreas externas sobre a periferia de uma floresta. Por estarem mais sujeitas às mudanças no microclima, as árvores mais próximas à borda podem cair mais facilmente ou secar e morrer em pé. Em consequência do efeito de borda e da fragmentação da floresta, “metade da fauna de aves e mamíferos do sub-bosque pode

O efeito clareiraáreas abertas alteram a circulação do ar na baixa atmosfera e favorecem a formação de nuvens e de chuva

fonte aDaPtaDo DE WallacE Et al 2012

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pESQuiSA FApESp 205 z 49

entrar em extinção local, às vezes de modo irrever-sível”, alerta Camargo. De acordo com o artigo de 2011, a cada ano o desmatamento para a abertura de pastagens acrescenta 32 mil quilômetros de novas bordas de florestas e produz paisagens dominadas por fragmentos pequenos, menores de 400 hectares, e de formato irregular, aumentando o efeito da ra-diação solar e dos ventos sobre a vegetação nativa. “Se é assim aqui, pode ser ainda pior em outras áreas, como no arco do fogo, a região do Pará, Mato Grosso e Rondônia mais sujeita ao desmatamento.”

Dois dias atrás, o corredor estava fechado de tanta mala”, disse Camargo na manhã de 9 de novembro de 2012. “Nosso 21º curso de

treinamento terminou ontem. Já formamos 420 ecólogos.” Todo ano o curso de Ecologia da Pai-sagem Amazônica – realizado normalmente em julho ou agosto e excepcionalmente em outubro, como no ano passado – reúne 20 estudantes de pós-graduação e 15 professores de universida-des de todo o país. “A maioria dos participantes nunca tinha pisado antes na Amazônia”, conta Camargo. Os professores do curso apresentam os distintos ambientes da região, da várzea aos arquipélagos como Anavilhanas, com o propósito de formar profissionais qualificados para enten-der e ajudar a resolver os problemas da região.

Outra forma de compartilhar os resultados das pesquisas e ampliar o conhecimento sobre a região são cursos de três semanas para estudantes de gra-duação. “Fui um dos responsáveis por esse curso,

recentemente, na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, na Universidade Estadual de Minas Gerais e na Universidade Federal do Amazo-nas”, conta Camargo. “Hoje o PDBFF forma mais pesquisadores do Brasil do que dos Estados Unidos.”

Atualmente, segundo ele, o Smithsonian e o Inpa cobrem apenas 20% dos gastos anuais e a maior parte do orçamento anual de R$ 1,2 milhão provém de doações ou de agências de financia-mento ou fundações dos Estados Unidos e do Brasil. “Na última década foi difícil conseguir financiamento, porque as doações mudaram de foco e o dinheiro migrou dos estudos sobre fragmentação florestal para estudos sobre mu-danças climáticas”, diz Camargo. “Outro proble-ma grande que enfrentamos é a desvalorização do dólar. Em alguns anos, por causa do câmbio, perdemos um terço do orçamento previsto.” Há outras preocupações, como uma possível redis-tribuição de terras próximas às áreas de estudo, que poderia mudar o uso da terra e ampliar os impactos negativos sobre os fragmentos. n

estradas como esta quebram a unidade da floresta e criam fragmentos que limitam os movimentos de animais, reduzem a biodiversidade e influenciam o clima

Artigos científicos

dUrGAnte, f.M. et al. Species spectral signature: discriminating closely related plant species in the Amazon with near-infrared leaf-spectroscopy. Forest Ecology and Management. v. 291, 213. no prelo.

lAUrAnCe, w. et al. the fate of Amazonian forest fragments: a 32-year investigation. Biological Conservation. v. 144, n. 1, p. 56-67. 2011.

StArK, S.C. et al. Amazon forest carbon dynamics predicted by profiles of canopy leaf area and light environment. Ecology letters. v. 15, n. 12, p. 1.406-14. 2012.

Page 50: Pesquisa FAPESP 205

50 z março DE 2013

Biólogos apresentam a professores

e estudantes do ensino médio um

panorama dos efeitos da fragmentação

de ecossistemas e da perda da

biodiversidade no país

Entre desafios, conceitos e ameaças

Quando o taxonomista sueco Carl Li-neu (1707-1778) se propôs, sozinho, a classificar hierarquicamente todas as espécies de organismos vivos do

mundo, certamente não tinha a real dimensão da variedade biológica com a qual estava lidando. Sua principal obra, Systema Naturae, chegou à décima edição em 1758 com um total de 7.700 espécies de plantas e 4.400 espécies de animais catalogadas. Sabe-se hoje que metade dos orga-nismos classificados pelo cientista como animais eram insetos – e menos de 100 anos depois 400 mil novas espécies de insetos já haviam sido iden-tificadas. “Essa foi a última vez que uma pessoa, sozinha, tentou catalogar todas as espécies do mundo.” Foi em tom de brincadeira que o biólogo Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), deu início ao primeiro encontro do Ciclo de Con-ferências Biota-FAPESP Educação, realizado em São Paulo no dia 21 de fevereiro, que teve também a participação do biólogo Jean Paul Metzger, do

rodrigo de Oliveira Andrade

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pESQuiSA FApESp 205 z 51

Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e do botânico Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do Programa Biota-FAPESP.

O ciclo de conferências, que tem como tema O compromisso com o aperfeiçoamento do ensi-no da ciência da biodiversidade no Brasil, é uma iniciativa da coordenação do Biota-FAPESP em parceria com a revista Pesquisa FAPESP como uma contribuição para a melhoria da qualida-de da educação científica e ambiental no Brasil. Haverá mais oito palestras até o mês de novem-bro (ver programação na página 55) e cada uma irá tratar de um dos principais biomas do Brasil: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlân-tica, Amazônia, ambientes marinhos e costeiros e a biodiversidade em ambientes antrópicos – urbanos e rurais.

De acordo com Lewinsohn, apesar do aumento exponencial de espécies catalogadas nos últimos 280 anos, ainda persiste um deserto de informa-ção em relação às variedades de organismos. “Em

São Paulo, onde provavelmente se tem a maior concentração de botânicos do Brasil, o volume de estudos sobre a flora é muito desigual, já que a maioria tem se concentrado em determinadas regiões do estado, como São Paulo, Campinas, Campos do Jordão e Ubatuba”, destacou. Tam-bém muitas categorias de seres vivos ainda são pouco conhecidas. É o caso dos Curculionídeos, maior família de besouros do planeta, com 62 mil espécies descritas e nomeadas. Estima-se, contudo, que o número de espécies dessa famí-lia ainda não descritas possa ultrapassar os 800 mil, segundo o biólogo. “Isso significa que, em relação aos organismos menores, como insetos e ácaros, nosso principal desafio não é saber on-de eles estão, mas, sim, quem são eles. A coleta e o reconhecimento dessas novas espécies são dois dos principais desafios da humanidade”, explicou a uma entusiasmada plateia composta por professores do ensino médio e estudantes de graduação, além de pesquisadores interes-sados no tema.il

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Ilustrações da 10ª edição do livro

Systema Naturae, de Carl lineu

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52 z março DE 2013

A magnitude desse universo ainda pouco co-nhecido ganha proporções incalculáveis quan-do se muda o foco para o estudo da diversidade de organismos microbianos – como bactérias, fungos, vírus e algas unicelulares. Em projetos passados, desenvolvidos no âmbito do Programa Biota-FAPESP, pesquisadores chegaram a iden-tificar cerca de 20 mil novos tipos de bactérias na superfície de folhas de apenas nove espécies de árvores da mata atlântica. Por isso, explica Lewinsohn, “é extremamente trabalhoso ten-tar estimar quantas espécies dividem o mun-do conosco. Isso porque a informação ainda se encontra pulverizada em muitos lugares, como reservatórios, bancos de dados, publicações etc., o que dificulta a organização desse imenso catá-logo de seres vivos”. O biólogo estima que haja pelo menos 1,75 milhão de espécies conhecidas e 12 milhões ainda a serem descobertas, apesar das divergências quanto a esse número. Segundo ele, caso o trabalho prossiga no ritmo e com os recursos humanos, financeiros e técnicos atuais, o mapeamento de toda a diversidade biológica – resultado de quase 4 bilhões de anos de evolução e interações entre espécies – poderá demorar de 200 a 2 mil anos, aproximadamente. Isso levando em conta somente as espécies que os pesquisado-res acreditam existir no Brasil. Assim, completa Lewinsohn, é clara a necessidade de priorizar o estudo de determinados grupos de organis-mos, pela sua importância funcional, enquanto o conhecimento sobre grupos mais conhecidos, como plantas e animais vertebrados, pode ser usado na formulação de políticas mais urgentes de conservação e manejo.

Foi justamente o desafio de criar um sistema integrado de informações, associando o conhe-cimento taxonômico, biogeográfico e ecológico a ferramentas de bioinformática, que lançou as bases do Programa Biota-FAPESP, iniciado em 1999. Hoje, brincou o biólogo Carlos Alfredo Joly, coordenador do programa, “apesar dos esforços contínuos, o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira pode ser sintetizado como um oceano de dados, rios de informações, igarapés de co-nhecimento, gotas de compreensão e gotículas de uso sustentável”. Nesse sentido, o objetivo comum de todos os projetos de pesquisa desen-volvidos no âmbito do Biota é o de compreender os processos de geração, manutenção e perda de biodiversidade no estado de São Paulo.

COnHECiMEntO SuStEntávElEm sua palestra, Joly ressaltou que todo o co-nhecimento gerado a partir desses estudos tem sido disponibilizado na internet, de forma trans-parente e gratuita, com o objetivo de aperfeiçoar os padrões de ensino e mostrar à sociedade a importância de temas ligados à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. “Todo cidadão necessita de conhecimento científico e de capa-cidade intelectual capaz de integrá-lo ao mundo natural e também à utilização consciente dos ar-tefatos tecnológicos com os quais nos deparamos diariamente”, afirmou o biólogo. Daí a ideia de realizar um ciclo de conferências para apresentar o estado da arte do conhecimento sobre os biomas brasileiros em uma linguagem acessível para di-ferentes públicos. “Essa é uma oportunidade para discutirmos algo em que o Brasil ainda é muito

da esquerda para a direita: thomas lewinsohn, jean Paul Metzger e Carlos Alfredo joly

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pESQuiSA FApESp 205 z 53

soluções, que consi-deram os resultados obtidos no âmbito do Programa Biota--FAPESP como ba-se para a formulação de políticas públicas ambientais”, destacou Carlos Joly. O programa tem continuidade garantida até 2020. De acor-do com o biólogo, uma das propostas para essa segunda fase, iniciada em 2009, é ampliar sua abrangência geográfica, para considerar os limi-tes de ocorrência da mata atlântica e do cerrado, investir mais em pesquisas sobre a biodiversi-dade costeira e marinha e dar alta prioridade a sua vertente educacional. “Com isso esperamos melhorar a qualidade do ensino de ciências no Brasil.” No final de janeiro, Joly foi eleito um dos cinco representantes da América Latina e Caribe no Painel Multidisciplinar de Especia-listas do IPBES, sigla em inglês para Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Servi-ços Ecossistêmicos (www.ipbes.net). Criado em 2012 após quase 10 anos de negociações inter-nacionais, o IPBES tem a função de sistematizar o conhecimento científico sobre biodiversidade para dar subsídios a decisões políticas em âmbi-to internacional – trabalho semelhante ao feito pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC.

Hoje mais de 50% da superfície terrestre en-contra-se degradada pela atividade humana, des-tacou o biólogo Jean Paul Metzger. De acordo com o pesquisador, isso significa que estamos rapidamente invadindo áreas naturais, seja por 4

carente: educação. Só seremos uma grande nação quando tivermos em nosso país um sistema edu-cacional à altura dos desafios impostos por um mundo complexo como o de hoje. Foi com esse espírito que desenvolvemos esse ciclo de confe-rências”, disse Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e membro da coordenação do Biota-FAPESP.

Em 13 anos, o Programa Biota-FAPESP já fi-nanciou mais de 120 projetos de pesquisa, os quais resultaram em mais de 1.100 artigos pu-blicados em diversas revistas científicas, entre as quais Nature e Science. Durante esse período, mais de 2 mil novas espécies foram catalogadas, e informações sobre outras 12 mil foram pro-duzidas e armazenadas em sistemas de infor-mação ambientais como o Sinbiota, cujo novo protótipo, o Sinbiota 2.0, já está sendo testado. Também os mapas produzidos pelo programa têm contribuído para que tomadores de decisão possam identificar melhor as áreas prioritárias para conservação e restauração da biodiversi-dade no estado. “Há atualmente pelo menos 20 instrumentos legais, entre eles leis, decretos e re-

“Hoje mais

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diz Metzger

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54 z março DE 2013

meio da extensão de nossas fronteiras agríco-las ou ocupações urbanas. “Isso não só leva ao desaparecimento de hábitats, como também à fragmentação de ecossistemas, isto é, à subdi-visão espacial e funcional dessas áreas.” Metz-ger ressaltou ainda que esse processo é uma das principais causas de perda de biodiversidade biológica, no Brasil e no mundo. “Quanto mais fragmentada for uma paisagem, maior será a taxa de extinção das espécies que por lá vivem. Por outro lado, quanto menor for essa fragmentação, menor será o isolamento entre fragmentos de hábitat, possibilitando o aumento ou a manu-tenção das taxas de colonização e recolonização de espécie nessa região”, explicou o biólogo do Instituto de Biociências da USP.

De acordo com os pesquisadores, esse é um fenômeno preocupante. Em 1500, o estado de São Paulo possuía 85% de sua área coberta por florestas nativas. Em 2000, esse número havia caído para 12%. Quanto às áreas de cerrado, que em 1500 cobriam 14% do território paulista, já em 1960 cobriam apenas 10% do estado. “As maio-res taxas de conversão para áreas de cultivo ocor-reram com a expansão do café no século XIX e da cana-de-açúcar decorrente do Programa Proál-cool”, lembrou Joly. “A boa notícia é que nos úl-timos 10 anos essa tendência se inverteu, e desde então o estado vem ganhando novas áreas”, disse. A mata atlântica, por sua vez, possui apenas de 12% a 16% de florestas remanescentes, afirmou Metzger. “O que mais chama a atenção é que, além de poucas florestas remanescentes, 95% do que restou da mata atlântica está em fragmentos com áreas de menos de 100 hectares.” Mesmo assim, explica, a região apresenta poucos regis-tros comprovados de extinção de espécies. Isso se deve, provavelmente, ao período de latência entre o início do processo de fragmentação e a extinção das espécies.

COrrEdOrES vErdESParte da solução para o problema de degradação da mata atlântica pode estar associada à identi-ficação de áreas-chave, nas quais a restauração da paisagem facilitaria o fluxo biológico entre fragmentos de hábitat, como corredores bio-lógicos. “A noção de conectividade pode con-tribuir para a integração no entendimento de aspectos estruturais e funcionais de áreas frag-mentadas”, disse Metzger. Também o intervalo entre o início do processo de fragmentação e a extinção de espécies poderia contribuir para a ação mais rápida e precisa do poder público na restauração de áreas de conexão biológica entre hábitats fragmentados. “É fundamental que a identificação dessas áreas seja feita não apenas em termos estruturais, mas também em termos funcionais”, acrescentou.

Para os pesquisadores, a relação entre biodi-versidade e funções ecossistêmicas – a contri-buição que recebemos da natureza para nossa qualidade de vida e atividades produtivas –, além de complexa, é, em parte, desconhecida. “Estima--se, por exemplo, que haja algo em torno de 25 mil espécies de plantas comestíveis no planeta ainda não identificadas”, ressaltou Lewinsohn. “Também não compreendemos completamen-te as funções que cada espécie desempenha em ecossistemas variados”, completou. Assim, a produção de conhecimento sobre tais questões deve ser contínua, de modo a ser utilizada no embasamento de políticas de conservação e res-tauração da biodiversidade brasileira. “Para isso, é necessária uma ciência bem-feita, amparada por programas bem estruturados, como o Biota--FAPESP”, destacou Metzger. n

A ocupação de áreas naturais por meio da expansão de fronteiras agrícolas tem contribuído para o desaparecimento de hábitats e a fragmentação de ecossistemas

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Page 55: Pesquisa FAPESP 205

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21 dE MArçO (14h00-16h00)

BIoMA PAMPA

conferencistasIlsi Boldrini

(IB-UfrGS, Porto Alegre, rS)

eduardo eizirik

(PUC-rS, Porto Alegre, rS)

Márcio Borges Martins

(IB-UfrGS, Porto Alegre, rS)

18 dE ABril (14h00-16h00)

BIoMA PAntAnAl

conferencistasArnildo Pott

(UfMS, Campo Grande, MS)

walfrido Moraes tomas

(CPAP-embrapa)

josé Sabino (Universidade para o

desenvolvimento do estado e

da região do Pantanal–Uniderp)

16 dE MAiO (14h00-16h00)

BIoMA CerrAdo

conferencistasvânia regina Pivello

(IB-USP, São Paulo)

jader Marinho filho

(ICB-UnB, Brasília)

vanderlan S. Bolzani

(Unesp, Araraquara, São Paulo)

20 dE JunHO (14h00-16h00)

BIoMA CAAtInGA

conferencistasluciano Paganucci

(Ue, feira de Santana)

fernanda werneck

(ICB-UnB, Brasília)

Bráulio Almeida Santos

(UfPB, Paraíba)

22 dE AGOStO (14h00-16h00)

BIoMA MAtA AtlântICA

conferencistasCarlos Alfredo joly

(IB-Unicamp, Campinas, São Paulo)

Helena Bergallo (Ibrag/Uerj)

Márcia Hirota

(SoS Mata Atlântica)

19 dE SEtEMBrO (14h00-16h00)

BIoMA AMAzônIA

conferencistasMaria lucia Absy (Inpa)

Carlos Peres

(Universidade east Anglia,

reino Unido)

Helder queiroz (IdSM)

24 dE OutuBrO (14h00-16h00)

AMBIenteS MArInHoS

e CoSteIroS

conferencistasMariana Cabral de oliveira

(IB-USP, São Paulo)

Maria de los Angeles Gasalla

(Io-USP, São Paulo)

roberto S .G. Berlinck

(IqSC-USP, São Paulo)

21 dE nOvEMBrO (14h00-16h00)

BIodIverSIdAdeS eM

AMBIenteS AntrÓPICoS –

UrBAnoS e rUrAIS

conferencistasluciano M. verdade

(Cena-USP, São Paulo)

elisabeth Höfhling

(IB-USP, São Paulo)

roseli Buzanelli torres (IAC)

Programação Ciclo deConferências Biota-FApESp Educação 2013

+10

Para maiores informações:

www.biota.org.br

www.biotaneotropica.org.br/

www.agencia.fapesp.br

Page 56: Pesquisa FAPESP 205

56 z março DE 2013

fezes fossilizadas de peixe de 270 milhões

de anos encontradas no rio Grande do Sul

carregam ovos do verme

vestígios fósseis de um tubarão de água doce que viveu há 270 milhões de anos na área do atual município gaúcho de São Gabriel, 320 quilômetros a oeste de

Porto Alegre, podem ser o registro mais antigo de infestação de um vertebrado por uma forma de tênia ou solitária. Um conjunto de 93 micro- estruturas de formato ovalado foi encontrado no interior de um coprólito (fezes petrificadas) do peixe e interpretado como ovos do parasi-ta intestinal. A maioria dos ovos estava tomada por pirita, um dissulfeto de ferro apelidado de ouro de tolo, e parecia ter sido preservada antes de o verme ter tido a chance de rompê-los. Um deles se destacou dos demais. “Esse ovo con-tém provavelmente uma larva do parasita em desenvolvimento”, afirma a paleontóloga Paula C. Dentzien-Dias, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), principal responsável pela desco-berta. A análise do conteúdo do raro coprólito, resgatado em rochas do período Permiano da formação geológica Rio do Rasto, foi publicada em 30 de janeiro na revista científica PLoS One.

Os vermes estavam escondidos dentro de um excremento de formato espiralado, uma marca registrada dos dejetos de tubarões, que media 5 centímetros de comprimento por 2 de diâmetro. O coprólito foi “fatiado” longitudinalmente para a obtenção de uma lâmina delgada, própria para a observação em microscópio óptico. O objetivo era buscar, no interior das fezes, fragmentos or-gânicos que indicassem a dieta dos animais. Vá-rias lâminas desse coprólito, e também de mais 13 obtidos na região, revelaram a presença de escamas e dentes de outros peixes. Uma delas, no entanto, apresentou uma grande surpresa: a presença de quase uma centena de diminutas estruturas ovais em seu interior.

A tênia e o tubarão

PAleontoloGIA y

Inicialmente os pesquisadores levantaram a hipótese de que poderia ser alguma estrutura de origem inorgânica, gerada durante o processo de fossilização. Mas uma observação mais detalhada da lâmina levou-os a outra conclusão. Tratava-se de uma série de ovos de tênia, quase sempre com as mesmas dimensões: 145–155 micrômetros de comprimento e 88–100 micrômetros de largura. A presença de pirita no coprólito é um indicativo de que o material foi exposto a condições com pouco ou nenhum oxigênio, favoráveis à preser-vação de fósseis. É sabido que esse mineral se forma apenas na ausência desse gás.

Por ter sido identificada em fezes fossilizadas de um peixe de água doce, essa antiga forma de soli-tária sugere que os primeiros hábitats desse verme eram dominados por lagos e rios. Seus primeiros hospedeiros teriam sido animais aquáticos, como os paleotubarões de São Gabriel. “Os novos ovos fósseis de tênia mostram que esses parasitas existiam há pelo menos 270 milhões de anos, mas eles devem ter surgido muito antes disso. O problema é achar vestígios preservados desses vermes”, diz Paula.

Hoje diferentes espécies de tênia podem ser encontradas em muitos animais, como suínos, bovinos e peixes. Se infestados pelo verme, ali-mentos mal lavados e carnes malpassadas podem transmitir ao homem duas doenças, a teníase e a cisticercose – em casos mais graves, a segunda pode ser fatal. Embora não tenha sido possível precisar a espécie de tênia que parece ter infestado o antigo tubarão, os vestígios do parasita guardam alguma semelhança com os ovos produzidos por vermes da ordem Tetraphyllidea. Cerca de 540 espécies de parasitas dessa ordem podem ser en-contrados atualmente no intestino de tubarões.

Dotada de rochas sedimentares do Permiano Médio e Superior (270-250 milhões de anos atrás),

Marcos pivetta

rio grande do sul Porto

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Brasil

em São Gabriel foram encontradas mais de 500 fezes fossilizadas de animais

São Gabriel

oceano atlântico

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fezes fossilizadas de tubarão (à esq.) e detalhes dos ovos de tênia que estavam no interior do coprólito. na última imagem, uma larva do verme parece estar dentro do ovo

1 cm

500 m

0,1 mm

50 m

a região de São Gabriel é rica em fósseis de verte-brados, invertebrados e plantas. Nesse solo com-posto de arenitos, siltitos e argilitos, condições especiais ao longo de milhões de anos permitiram a preservação das fezes fossilizadas, um tipo de vestígio orgânico do passado que tende a ser apa-gado pela ação do ambiente. Uma dose de sorte e olhos treinados para diferenciar uma simples rocha de um excremento petrificado foram es-senciais para localizar o achado.

COprOlândiANuma expedição de campo em 2010, Paula e ou-tros paleontólogos gaúchos descobriram uma área de 100 metros de comprimento por 30 metros de largura – um pouco menor do que um campo ofi-cial de futebol – com uma concentração de mais de 500 coprólitos, a maioria de tubarões. Alguns estavam enterrados no solo, outros tinham aflo-rado à superfície. O tamanho dos dejetos variava de 0,6 a 11 centímetros de comprimento. “Eram tantos coprólitos que até tropeçavam neles”, afir-ma, em tom de brincadeira, o paleontólogo Cesar Schultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não participou da expedi-ção, mas é o coordenador do projeto de pesquisa, financiado pelo CNPq, e um dos autores do artigo científico. A pequena área repleta de fezes fossi-lizadas foi apelidada de Coprolândia.

A estranha concentração de coprólitos produ-zidos por peixes de água doce indica que havia ali uma lagoa aproximadamente 270 milhões de anos atrás. Mas como essa enorme quantidade de deje-tos orgânicos foi parar, e se preservar, num canto desse extinto corpo d’agua, criando até a ilusão de que poderia ter existido um lugar predileto para os animais fazerem suas necessidades? Os pesquisadores acreditam que ocorreu um súbito período de intensa seca na região durante o Per-miano e boa parte da antiga lagoa se evaporou ra-pidamente. Para não morrer, os animais tiveram de se aglomerar nos locais em que ainda havia água. Tal movimentação provocaria naturalmente uma concentração de fezes no reduto em que os peixes teriam sido confinados. “Achamos que a seca foi temporária e não chegou a causar a morte dos pei-xes”, comenta Schultz. “Não encontramos ossos fossilizados de animais ao lado dos coprólitos.”

Do meio milhar de excrementos petrificados resgatados em São Gabriel, 14 já foram analisa-dos. O coprólito com ovos de tênia é, por ora, o que produziu dados mais excitantes, mas pode haver outras descobertas a serem feitas nos deje-tos, impressões orgânicas do passado remoto. n

Artigo científico

dentzIen-dIAS, P.C. et al. tapeworm eggs In a 270 million-year-old shark coprolite. Plos one. 30 jan. 2013.M

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58 z março DE 2013

laureado com o nobel diz que são necessários

novos métodos para medir o que compõe a

maior parte do Universo

nascido no estado americano de Montana, criado no Alasca e radi-cado na Universidade Nacional da

Austrália desde 1996, o astrofísico Brian Schmidt ganhou o Nobel de Física em 2011, quando tinha 44 anos. Dividiu o prêmio com os colegas Saul Perlmutter, da Universidade da Califórnia em Ber-keley, e Adam G. Riess, da Universidade Johns Hopkins e do Instituto de Ciên-cia do Telescópio Espacial, por estudos que, de forma inesperada, mostraram a expansão acelerada do Universo. Sch-midt e os outros laureados começaram a observar em fins dos anos 1990 estre-las distantes de uma certa categoria, as supernovas do tipo Ia, que resultam da explosão de anãs brancas, estrelas muito velhas e compactas. Os movimentos des-se tipo de supernova podem ser usados para medir distâncias.

“A meu ver, era muito improvável que ganhássemos o Nobel”, diz o astrofísi-co, que esteve na Universidade de São Paulo (USP) no início de fevereiro para participar da conferência Cosmology, Large Scale Structure and First Objects, organizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. “Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura.” Nes-ta entrevista, Schmidt fala de seu traba-lho e, claro, da misteriosa energia escura, que representaria 73% de todo o Cosmo e seria responsável por seu crescimento a um ritmo cada vez mais veloz.

entrevIStA: BrIAn SCHMIdt y

o enigma da energia escura

Qual foi sua reação quando viu pela primeira vez que os dados indicavam uma expansão acelerada do Universo?Achei que tínhamos cometido um erro. Depois de nos certificarmos de que não havia erros, comecei a me preocupar com a possibilidade de estar ocorrendo alguma coisa que não sabíamos. O Uni-verso podia estar se acelerando ou nós, e todos os demais cientistas da área, podía-mos não ter notado algum tipo de efeito. Tive de esperar. Então publicamos um paper e, no ano 2000, outras medições corroboraram nossos dados.

O senhor esperava ganhar o Nobel?Há sempre muita especulação sobre o prêmio. Mas, a meu ver, era muito im-provável que ganhássemos o Nobel.

Por quê?Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura. Todo mundo está de acordo que o Universo está em expan-são acelerada. Mas por quê? Ainda não sa-bemos. Achei que eles iriam esperar [para dar o Nobel] quando soubéssemos o que é a energia escura. Mas talvez estejamos mortos quando isso acontecer. Diria que provavelmente estaremos mortos. Posso pensar em muitas razões para eles não nos darem o prêmio. Foi uma grande surpresa.

A energia escura é realmente o que há de mais misterioso no Universo?

O Universo parece ser composto por 73% de energia escura, que parece ser parte do espaço e fazer com que o Universo se expanda. Para entender a energia escura, é preciso entender por que ela faz parte do Universo. Ninguém até agora tem uma explicação razoável para isso. Há muitas explicações, mas nenhuma é melhor do que a outra. É uma confusão científica. A matéria escura, que é 23% do Universo, pode muito bem ser uma partícula que até agora ainda não encontramos. Se for uma partícula que podemos descobrir num acelerador, como o LHC, tudo se encaixa. Nada precisa mudar. Tudo será razoavelmente simples. Pode ser que essa não seja a solução, mas, por ora, parece ser uma explicação razoável para a matéria escura. No caso da energia escura, ainda não temos uma pista clara. Há 15 anos não sabíamos que estávamos deixando de ver 96% do Universo [as galáxias, estrelas, planetas representam só 4% do Cosmo].

Continuar a observar supernovas ajuda-rá a descobrir o que é a energia escura?Desde 1998 observamos milhares de ob-jetos e sempre temos a mesma resposta, só que com uma precisão maior. Mas es-tamos chegando num ponto em que será difícil continuar a fazer mais progressos. As supernovas não são perfeitas. Estamos começando a ver que elas têm defeitos no que diz respeito a medir distâncias. Estamos chegando num ponto em que

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teremos de encontrar outros métodos para medir a energia escura.

É um problema de método ou de falta de tecnologia?O problema não é a tecnologia. Quando medimos distâncias, usamos essas estre-las que explodem como se elas obede-cessem a leis. Mas, em certa medida, elas não obedecem. São muito complicadas e têm uma certa imprecisão. É como pre-ver o tempo. Há um limite de quão bem se consegue prever o tempo. Há aleato-riedade no Universo. É possível medir a distância das supernovas até um certo grau, independentemente do método que estamos usando. Mas estamos chegando ao limite dessas medições.

Qual é o projeto principal de pesquisa no momento?É o SkyMapper, um telescópio relativa-mente modesto, de 1,35 metro [situado nos arredores de Sydney], que está fazen-do um mapa de todo o céu do hemisfério Sul. Mapeamos as estrelas seis vezes em seis cores diferentes. Portanto, teremos 36 imagens de cada pedaço do céu. Será um mapa digital e as cores nos permitem obversar o que há em cada pedaço. Pode-remos dizer, por exemplo, a distância, a temperatura e a composição química de

cada estrela. Nossa esperança é localizar objetos interessantes, que poderão ser es-tudados em detalhe por telescópios maio-res e, dessa forma, descobrir, por exemplo, como as primeiras estrelas da Via Láctea e do Universo se formaram.

Por que decidiu ser um astrônomo?Sempre pensei em ser meteorologista. Trabalhei numa estação meteorológica no Alasca. Mas percebi que o trabalho não era tão interessante. Então pensei em astronomia. Achava que nunca iria con-seguir um emprego na área, mas resolvi estudar assim mesmo. Sabia que, estu-dando astronomia, iria aprender física, computação e muitas habilidades e aca-baria encontrando algum trabalho. Fiquei surpreso quando obtive um emprego em astronomia depois de formado. Foi ótimo.

Como começou a estudar a questão da expansão do Universo?Era um pedaço da ciência que, interna-mente, me interessava. Qual é a idade do Universo? Qual será o seu destino? Era uma coisa muito incerta. Tive sorte de es-tar numa época em que a questão era inte-ressante, as respostas eram desconhecidas e mudanças tecnológicas permitiram que tentássemos responder a essas questões. Foi algo fortuito. n Marcos pivetta

“todo mundo está de acordo que o universo está em expansão acelerada. Mas por quê? Ainda não sabemos”, diz o astrofísico

Supernova do tipo Ia: observações dessa categoria de estrelas mostraram expansão acelerada do Cosmo

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60 z nononono DE 201x

evento em São Carlos

homenageia físico americano

e reúne quinteto de laureados

comemorado oficialmente em dezem-bro do ano passado, o aniversário de 80 anos do físico norte-americano Da-niel Kleppner, do Massachusetts Ins-titute of Technology (MIT), serviu de

mote para reunir durante quase uma semana no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Uni-versidade de São Paulo (USP), alguns dos maio-res nomes da física atômica, molecular e óptica. Entre 26 de fevereiro e 2 de março, mais de 40 renomados pesquisadores do Brasil e do exterior, entre os quais cinco ganhadores do Prêmio Nobel, participaram de palestras e eventos organizados pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof ) de São Carlos, um dos Centros de Pes-quisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. Os encontros também marcaram os 11 anos de atividades do Cepof.

Num auditório para 250 lugares, quase sempre tomado por alunos, professores e pesquisadores, a plateia teve a chance única no Brasil de ouvir a apresentação de quatro laureados com o Nobel de Física — o francês Serge Haroche, da École

cinco nobéis e um simpósio

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Serge Haroche, nobel de física de 2012, entrega medalha de ouro da olimpíada Brasileira de física para o aluno rogério Motisuki (à esq.). daniel Kleppner recebe título de professor honorário do IfSC

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Normale Supérieure e do Collège de France em Paris, e os norte-americanos Eric Cornell, da Universidade do Colorado em Boulder, David Wineland, do National Institute of Standards and Technology (Nist) em Boulder, e William Phillips, também do Nist, mas da unidade de Gai-thersburg, em Maryland — e um agraciado com o prêmio de Química, o também norte-americano Dudley Herschbach, professor emérito da Uni-versidade Harvard.

O destaque das comemorações foi um simpósio de três dias em homenagem a Kleppner, que, em sua longa carreira, deu importantes contribuições para o estudo de átomos ultrafrios e o desenvol-vimento da espectroscopia a laser e medidas de alta precisão. Formou também gerações e gerações de brilhantes físicos com seus livros-texto sobre mecânica e sobretudo no contato direto com os alunos. Todos os laureados com o Nobel presentes em São Carlos tiveram ligações com ele. Durante o simpósio, o veterano cientista recebeu o título de professor honorário do IFSC. “Dan [como é chamado pelos amigos] é um fazedor de prêmios

Nobel e um emissário da ciência brasileira”, dis-se Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do Cepof e do Instituto Nacional de Óptica e Fotô-nica, que tem o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e também da FAPESP. “Ele é o pa-drão para quase todos os físicos atômicos, que querem ser como ele.” Aluno de doutorado do MIT nos 1980, o físico brasileiro lembra do rigor científico e da amabilidade de Kleppner no trato com os estudantes, mesmo com os que não eram orientados por ele, como era o seu caso. “Ele me recebeu tantas vezes em sua casa em Boston para me dar conselhos“, relembrou Bagnato.

Modesto, Kleppner disse que teve maior in-fluência na formação de uns poucos Nobéis de Física, que realmente foram seus alunos, como é o caso do amigo William Phillips, também presente em São Carlos. “Acabo levando o crédito por mais gente do que formei realmente”, afirmou Klepp-ner. Visivelmente emocionado com as homena-gens dos amigos e colegas, que não cansaram de reproduzir em suas palestras imagens antigas do pesquisador do MIT, incluindo uma em que fo

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Apresentação do nobel de física william Phillips: nuvem formada pela evaporação de nitrogênio líquido para falar de átomos frios e relógios atômicos

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confere de perto os atributos de uma passista de escola de samba durante uma antiga viagem ao Brasil, Kleppner se lembrou da primeira vez que esteve no país, em 1989. “Naquela época era muito difícil obter financiamento para a pesqui-sa”, disse. Desde então, em média a cada cinco anos visita o Brasil. “Nos últimos 10 anos, o país avançou muito. Este centro em São Carlos tem um perfil único, com pesquisas em várias áreas, até em medicina”, afirmou.

Os temas das apresentações do simpósio foram, em geral, bastante técnicos, tratando de assuntos como possíveis aplicações de Condensados de Bose-Einstein (nome dado a um agrupamento de átomos ou moléculas que, quando resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto, pas-sam a se comportar como uma entidade única), técnicas de resfriamento e aprisionamento de átomos e íons e construção de relógios atômicos mais precisos. Além de fotos e reminiscências sobre Kleppner, os palestrantes incluíram sem-pre que possível dicas e conselhos para a plateia, sobretudo para os estudantes.

Eric Cornell, que ganhou o Nobel de Física de 2001 por ter sido o primeiro a produzir Condensados de Bose-Einstein, mencionou

a importância de se “vender bem” seu projeto de pesquisa para as pessoas e escrever artigos científicos atraentes. “É preciso fazer bons títu-los para os trabalhos, mas sem exageros ou lou-curas”, afirmou Cornell, de 51 anos. Em 2004, o físico perdeu o ombro e o braço esquerdos, que foram amputados para impedir a dissemi-nação, no resto de seu corpo, de uma infecção causada por uma bactéria devoradora de teci-dos. Ele quase morreu na ocasião. Se a doença deixou sequelas em seu corpo, o seu humor saiu intacto. Faz piadas de si mesmo e atende a todos com extrema atenção. Amigo de Bagnato desde 1985, quando faziam doutorado juntos no MIT, Cornell elogiou os trabalhos recentes do Cepof na área de turbulência quântica, um fenômeno demonstrado pela primeira vez pelo grupo de São Carlos em 2009.

Vencedor do Nobel de Física de 1997 por ter desenvolvido métodos para resfriar e aprisionar átomos com o laser, William Phillips, Bill para os íntimos, é, aos 64 anos, um showman da ciência. Além de proferir uma palestra técnica em São Carlos sobre “cargas e campos sintéticos para átomos neutros em um Condensado de Bose--Einstein”, fez uma animada apresentação sobre o tempo, Einstein e a “coisa mais fria do Universo”. Em seu show, que já apresentou para populações que vivem às margens do rio Negro, Phillips fala da importância dos relógios atômicos, que são mantidos a temperaturas baixíssimas, com o au-xílio de nitrogênio líquido. Os dispositivos mais

modernos podem atrasar uns poucos segundos em milhões de anos. “Os satélites do sistema GPS possuem relógios atômicos sincronizados”, disse Phillips, enquanto não para-va de jogar nitrogênio líquido perto da plateia. Em contato com super-fícies mais quentes que seu ponto de ebulição (de 77 K, ou -196ºC ), o nitrogênio líquido evapora e cria uma nuvem esbranquiçada.

De todos os laureados com o No-bel, Dudley Herschbach, que rece-beu a láurea de Química em 1986 por ter desenvolvido um método para estudar a dinâmica das mo-léculas, era o único que ainda não tinha visitado o Brasil. Ficou sur-preso com o interesse demonstrado

pelos jovens alunos brasileiros em se tornarem pesquisadores. “Nos Estados Unidos, os jovens pensam que a ciência é só para gênios”, afirmou Herschbach, de 80 anos. Além de participar do simpósio em homenagem a Kleppner, o pesqui-sador deu a aula inaugural do curso de bachare-lado em química da USP de São Carlos, quando proferiu a palestra Glimpses of Chemical Wi-zardry (“Vislumbres de Magia Química”, numa tradução livre). Em sua apresentação, ressaltou o fato de a ciência tornar possíveis feitos que pareciam inatingíveis para o saber humano. A mesma palestra foi proferida no Departamento

"Kleppner é o padrão para quase todos os físicos atômicos, que querem ser como ele", diz vanderlei Salvador Bagnato

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os cinco prêmios nobel que estiveram no evento da USP em São Carlos: o químico dudley Herschbach e os físicos eric Cornell, william Phillips, Serge Haroche e david wineland (da esq. para a dir.)

de Química da vizinha Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A dupla de pesquisadores que dividiu o Nobel de Física do ano passado por ter criado métodos para manipular partículas individuais (fótons ou íons) sem que elas perdessem sua natureza quântica, Serge Haroche e David Wineland, tem ligações com o Brasil há mais de duas décadas. Haroche, de 68 anos, mantém colaborações com pesquisadores brasileiros desde os anos 1980 e frequentemente passa férias na Bahia. Um de seus colaboradores mais destacados é o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com quem assinou vá-rios artigos científicos. “Há 10 ou 20 anos, era difícil obter equipamentos caros para pesquisa no Brasil”, disse Haroche. “Hoje é possível e há liberdade e imaginação aqui.”

W ineland, de 69 anos, também conhece o Brasil há pelos menos 20 anos. Esteve aqui quatro ou cinco vezes, não lembra

o número exato de viagens. Mais recentemente, fez parte do comitê internacional que avalia-va periodicamente as propostas e a produção científica do Cepof. “Este centro em São Carlos é um ímpeto para a ciência brasileira”, afirmou Wineland. Em suas palestras, faz questão de res-saltar que não é necessário ter sido sempre um aluno brilhante para se tornar um bom cientista. “No high school [equivalente ao ensino médio brasileiro], estava mais interessado em carros

do que em estudar”, disse Wineland. Depois, é claro, tomou gostou pela física de átomos frios, uma escolha que o levou a ganhar o Nobel em outubro de 2012.

Na manhã do sábado, 2 de março, os cinco Nobéis mais Kleppner entregaram as menções honrosas e as medalhas de bronze, prata e ouro para 250 alunos do ensino fundamental e médio do estado de São Paulo que se destacaram na Olimpíada Brasileira de Física do ano passado. Morador da cidade de São Paulo, o aluno Rogério Motisuki, de 17 anos, que estava no terceiro ano do ensino médio quando participou do concurso, recebeu a medalha de ouro das mãos de Serge Haroche. Motisuki, que acaba de entrar no curso de engenharia da computação da Escola Politéc-nica da USP, tinha ido numa festa da faculdade no dia anterior e chegou a pensar em não ir a São Carlos (uma viagem de três horas de carro) para ser agraciado com a honraria. “Mas receber a medalha de um Nobel era uma oportunidade única”, disse o estudante.

É possível que o aluno tenha contato com mais prêmios Nobel no futuro próximo. Ele prestou o processo de seleção em sete universi-dades norte-americanas, entre as quais o MIT, o Caltech, Stanford e Cornell, onde não faltam laureados com a maior honraria da ciência, e está à espera dos resultados. Já foi aceito pela Universidade de Cincinnati, onde poderia ter uma bolsa parcial de estudos, mas o garoto quer mais. n Marcos pivetta, de São Carlos

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Alternância perfeita

entre ventos

e chuvas garante

a beleza das

dunas e lagoas do

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Segredos nos Lençóis Maranhenses

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Igor Zolnerkevic

Lagoa temporária entre as dunas, formada pela elevação do lençol freático na estação chuvosa

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as sinuosas cadeias de dunas intercaladas por la-goas temporárias do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses deslumbram turistas e intrigam pesquisadores. Afinal, como a areia, o vento e a água das chuvas vêm moldando continuamente

essa paisagem ao longo dos últimos 10 mil anos? Todos esperariam uma resposta complicada para um pro-

blema tão complexo. Foi então com surpresa que, ao realizar a primeira tentativa bem-sucedida de simular em computador a dinâmica de um campo de dunas litorâneas sob o efeito da água das chuvas, um grupo de físicos descobriu que os Len-çóis Maranhenses parecem existir por conta de uma simples coincidência entre o ritmo anual de subida e descida do nível de seu lençol freático e a intensidade com que o vento vindo do mar faz as dunas crescerem e se movimentarem.

“Entendemos quais são as condições especiais que dão origem à morfologia dos Lençóis”, afirma Eric Parteli, físico pernambucano especialista em dunas, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Friedrich-Alexander, em Er-langen, Alemanha. Ele é um dos autores do estudo, publicado em julho de 2012 na revista Geomorphology, junto com o físi-co cubano-alemão Hans Herrmann, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, Suíça, e da Universidade Federal do Ceará (UFC), que desenvolve desde 2001 um modelo capaz de simular em computador a dinâmica do vento e da areia que cria e movimenta os mais variados tipos de dunas.

Para o primeiro autor do artigo, o físico Marco Luna, recém--doutorado pela UFC sob a orientação de Herrmann, o ponto forte das simulações é a capacidade de assistir rapidamente ao movimento de milhares de anos da areia soprada pelo ven-to e moldada pelas águas. Além de permitir testar hipóteses sobre a formação das dunas litorâneas, o modelo pode ainda ajudar no gerenciamento de regiões costeiras. “Um exemplo seria a avaliação de impactos ambientais causados pela ins-talação de parques de geração de energia eólica”, diz Luna.

Os Lençóis Maranhenses são o maior campo de dunas da América do Sul, com uma área de 1.500 quilômetros quadra-dos, quase a mesma da cidade de São Paulo. Ali há alguns rios, dunas fixadas pela vegetação da restinga, manguezais e lagoas permanentes. Mas dois terços do parque são mesmo cobertos por dunas de areia livre, que num dia de vento forte podem se deslocar até 10 centímetros.

Ao longo dos 50 quilômetros de linha costeira do parque há uma praia plana com largura entre 600 metros e 2 quilô-metros, além da qual aparecem dunas com 10 metros a 20 metros de altura, ligadas umas às outras, formando longas cadeias sinuosas com até 75 quilômetros de extensão, que adentram mais de 20 quilômetros em direção ao interior. A aparência de lençóis amarrotados dessas cadeias deu ori-gem ao nome do parque.

Diferentemente de outros desertos, os Lençóis recebem relativamente muita água: até 2 mil milímetros de precipita-ção anual. Mais de 90% dessa chuva, porém, cai concentrada entre janeiro e julho, quando é absorvida rapidamente pela areia, elevando o lençol freático acima do chão e enchendo as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas, que quase não se mexem nessa época do ano devido à umidade e à falta de vento. Chegando a mais ou menos um metro de profundidade

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barcana, um monte com dois braços orien-tados na direção do vento. A saltação acu-mula areia sobre as costas das barcanas e faz os grãos subirem até seu topo, antes de deslizarem sobre avalanches para o outro lado. Assim as barcanas crescem e se movimentam empurradas pelo vento.

A partir de 2010, o modelo de Herrmann e seus colegas atingiu a sofisticação neces-sária para recriar o nascimento de barcanas a partir de um vento soprando em monti-nhos de areia sobre uma praia. A primeira coisa que descobriram com as simulações foi que o campo de dunas nasce apenas se o vento soprando na praia carregar o máximo de areia que sua força permite. “Isso é fundamental para gerar as dunas”, explica Parteli. “A presença de uma placa continental fornecendo sempre mais areia [arrastada para a praia pela água do mar] é também uma condição fundamental para os Lençóis existirem.”

Nas simulações várias barcanas “bebês” nascem na praia, uma do lado da outra, e depois se juntam formando dunas lon-gas e estreitas, chamadas de transversais, que são como uma série de ondulações na areia, perpendiculares à direção do vento. À medida que as dunas transversais acu-mulam areia e avançam interior adentro, instabilidades nas avalanches fazem com que suas ondulações se quebrem em pe-daços, que acabam se desprendendo e assumindo a forma de barcanas maiores. A aproximadamente um quilômetro da li-

na estação chuvosa, as lagoas secam ao longo do segundo semestre, quando os ventos predominam, soprando sempre do leste, alcançando a velocidade de 70 quilômetros por hora. “É quando as dunas se movem mais”, explica Parteli.

DUnAS "bEbêS"Foi em setembro de 2003 que Parteli, Herrmann e outros pesquisadores pas-saram seis dias nos Lençóis, realizando medições para compararem com suas simulações computacionais. Eles regis-traram o quanto de areia o vento é capaz de transportar e as dimensões das meno-res dunas possíveis, com 50 centímetros de altura, recém-nascidas na praia. “Há poucos lugares onde a história geológica pode ser vivenciada dessa maneira”, diz Parteli. “Por ser um campo muito grande, podemos ver nos Lençóis todos os pas-sos da evolução de uma duna costeira, do nascimento à maturidade.”

As dunas se movem graças a um fenô-meno chamado de saltação. Tudo começa quando o vento sopra com força suficien-te para levantar do chão alguns grãos de areia. Ao caírem de volta, esses grãos co-lidem com outros, que respingam para ci-ma. O número de grãos saltando aumenta cada vez mais, até formar uma nuvem de areia rente ao chão, com até 15 centíme-tros de altura. Se o vento sopra sempre numa mesma direção, as dunas assumem uma forma de meia-lua conhecida como

nha da costa, as barcanas “adolescentes” já alcançaram uns cinco metros de altu-ra. A areia abundante dos Lençóis forma tantas barcanas que elas acabam colando seus braços umas nas outras, formando cadeias onduladas chamadas de barca-noides, a partir das quais se formam os Lençóis do parque nacional.

As barcanoides criadas em computa-dor, porém, ainda não tinham a mesma forma que as dos Lençóis. Ainda faltava introduzir no modelo dois elementos que os pesquisadores suspeitavam ter grande influência sobre as dunas maranhenses: a vegetação e a água das chuvas.

ÁgUAS Do DESErtoEm 2011, os pesquisadores realizaram simulações de dunas costeiras com base no modelo desenvolvido na tese de dou-torado do físico cubano Orencio Durán, atualmente na Universidade da Caroli-na do Norte, em Chapel Hill, Estados Unidos. Duran determinou as equações matemáticas que descrevem a luta en-tre a intensidade do vento carregado de areia e a velocidade de crescimento da restinga. Ele descobriu que, se a vegeta-ção crescer rápido o suficiente, ela pode prender os braços das barcanas. Assim, só o corpo da duna continua se movendo e a duna acaba ficando com a forma cha-mada de parabólica, com sua curvatura interna virada em oposição ao vento. Embora haja algumas dunas parabólicas no Parque Nacional dos Lençóis Mara-nhenses, as simulações deixaram claro que a vegetação não tinha quase nenhu-ma influência sobre as dunas livres.

Algo realmente parecido com os Len-çóis apareceu no computador somente quando os pesquisadores incluíram na simulação os ciclos anuais do lençol freá-tico e do vento. Eles descobriram que, na estação chuvosa, as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas são as respon-sáveis por suavizar e alongar as curvas das barcanoides, criando a forma encon-trada nos Lençóis. A água também limita o crescimento das barcanas a uma altura de 20 metros. Sem as lagoas, as dunas tenderiam a crescer indefinidamente à medida que avançam para o interior. As lagoas das simulações se assemelham às verdadeiras, com a mesma profundidade máxima (em média um metro), cobrindo uma área próxima à que as lagoas, com variadas formas e tamanhos, ocupam nos Lençóis Maranhenses.1

ima

gen

s 1

edu

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2 G

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al,

Geo

mo

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ho

LoG

y, 2

012

real e virtual: dunas vistas a partir de avião (ao lado) e por satélite (no alto à esquerda) e recriadas em computador

nos Lençóis veem-se todos os passos da evolução das dunas, do nascimento à maturidade

32

Page 67: Pesquisa FAPESP 205

pESQUISA FApESp 205 z 67

Os pesquisadores experimentaram me xer em dois parâmetros do modelo: a quantidade de precipitação e a duração do ciclo de cheias e secas. E viram que as simulações só resultavam nos lençóis de areia intercalados pelas lagoas quando as chuvas caíam na quantidade e na pe-riodicidade que acontece realmente nos Lençóis. Se as lagoas durassem menos tempo e cobrissem uma área menor, a paisagem seria completamente diferen-te, com dunas disformes e mais altas. Se, ao contrário, as lagoas fossem maiores e mais estáveis, no lugar das dunas haveria uma planície de areia.

Segundo Parteli, há uma explicação física para esse fato. Pelas equações do modelo, as cadeias de dunas só podem

Artigos científicosLUNA, m.c.m. et al. model for a dune field with an expo-sed water table. geomorphology. v. 159-60, p. 169-77. jul. 2012.

LUNA, m.c.m. et al. model for the genesis of coastal du ne fields with vegetation. geomorphology. v. 129, p. 215-24. jun. 2011.

se intercalar tão regularmente com as lagoas quando a oscilação anual do len-çol freático coincide com o tempo que demora para as dunas percorrerem uma distância igual a sua largura na direção do vento. Nos Lençóis, esse tempo é jus-tamente da ordem de um ano.

Apesar do sucesso, Parteli considera que o modelo ainda precisa melhorar para fornecer resultados quantitativos mais precisos. A descrição do vento en-tre os braços das dunas, por exemplo, ainda é muito simplificada e pode afe-tar a forma exata das dunas. Ele espera incluir mais detalhes nas simulações, como as variações de relevo do parque e da quantidade de areia disponível ao longo da costa. “Só assim poderemos

Escultores de paisagensVento e chuva controlam o transporte de areia e a forma das dunas

EStAÇÃo CHUVoSANessa área do litoral, quase

toda a chuva cai no primeiro

semestre do ano. Absorvida

pela areia, a chuva faz o

lençol freático subir acima

do nível do chão, criando

lagoas que suavizam as

curvas das dunas

EStAÇÃo SECAo vento sopra com mais

força no segundo semestre.

É quando as lagoas secam

e as dunas se movem mais.

A coincidência entre os

ciclos de vida das lagoas

e o movimento das

dunas deixa a paisagem

com a forma de lençóis

amarrotados

Uma duna nasce

quando a

deposição de

areia supera a

erosão pelo vento

se o vento

sopra sempre

na mesma

direção, a duna

ganha uma

forma chamada

de barcana

A areia salta

sobre as costas

da barcana

e desliza à frente

fazendo a duna

se mover

e crescer

Nos Lençóis as

dunas chegam

a até 20 metros

de altura,

com largura

12 vezes maior,

se juntando

uma à outra

5 km

180 a 240 m

AbriL

oUtUbro

15 a 20 m

usar o modelo para prever o futuro dos Lençóis”, diz.

“É um bom trabalho, mas baseado principalmente em teoria”, comenta o especialista em dunas Haim Tsoar, da Universidade Ben-Gurion, em Israel, que já realizou estudos sobre os Len-çóis. “Poderia melhorar com mais tra-balho de campo para corroborar suas conclusões.” n

brasil

maranhão

sentido do vento

FontE luna et al, GeomorphoLoGy, 2012

info

gr

áfi

co

an

a p

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ca

mp

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bio

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300

200

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0

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

n chuva (precipitação em mm)

n vento (potencial de transporte de areia em "unidades vetoriais")

Vento

chuva

Lençol de areia

Page 68: Pesquisa FAPESP 205

68 z março DE 2013

desenvolvimento tecnológico nas fábricas

de pisos e azulejos leva o Brasil

ao posto de segundo produtor mundial

tECnOlOGiA IndúStrIA y

cerâmica mais sofisticada

nos últimos 15 anos o Brasil multiplicou por quatro sua produção de revestimentos cerâmicos, material que engloba pisos e azulejos, e hoje é o segundo maior fabricante mundial desses produtos. Com 866

milhões de metros quadrados (m²) produzidos em 2012, o país só perde para a China e já superou concorrentes tradicionais, como Espanha e Itália, que até há alguns anos dominavam o setor. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento, Louças Sanitárias e Congê-neres (Anfacer), que representa 93 empresas de 18 estados, os fabricantes nacionais estão alinhados com a melhor tecnologia disponível no mundo. O crescimento brasileiro acentuou--se na década passada, quando o setor recebeu apoio de um projeto submetido ao programa de Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec), da FAPESP, que reuniu pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e de um conglomerado de empresas do polo cerâmico de Santa

Yuri vasconcelos

Page 69: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 69

Gertrudes, na região de Rio Claro, no interior paulista, além de pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa. Com foco no desenvolvimento da indústria local, o projeto introduziu inovação e capacitação de pessoal nas fábricas a fim de melhorar a qualidade e a competitividade da cerâmica do estado de São Paulo.

Em 2001, quando o projeto Consitec teve início, o Brasil era o quarto produtor mundial de placas cerâmicas, com 473 milhões de m², e São Paulo respondia por 40% da fabricação nacional. Hoje as empresas paulistas respondem por cerca de 70% da produção nacional, de 866 milhões de m², e o país é vice-líder mundial. “Quando se iniciou a articulação com as empresas para formação do consórcio, a imagem dos produtos de Santa Gertrudes era bem negativa. Os itens eram reconhe-cidos como de baixa qualidade técnica e estética”, recorda-se o engenheiro de materiais José Octavio Armani Paschoal, pre-sidente do CCB e coordenador do projeto do Consitec. “Agora FO

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isso mudou. São Paulo conquistou papel de destaque no cenário da fabricação de placas cerâmicas para revestimento. Se an-tes íamos a reboque, hoje estamos na linha de frente”, diz ele.

As empresas paulistas faturaram R$ 3,78 bilhões em 2011. A Anfacer não divulgou os dados sobre o faturamento do setor em âmbito nacional, que gera 25 mil postos de trabalho diretos e em torno de 200 mil indiretos. O projeto Consitec foi arti-culado com 20 fábricas paulistas e contemplou sete linhas de pesquisa, desde inovações na área de ensaios para avaliação de produtos a estudos em tecnologia de assentamento de placas cerâmicas. Três linhas tiveram como foco o porcelanato, um tipo de placa cerâmica sofisticada com alto valor agregado e requisitos técnicos diferenciados, como menor absorção de água, maior resistência mecânica e design mais elaborado. Fo-ram pesquisados o desenvolvimento de matérias-primas para fabricação dessas peças, o estudo da tecnologia de processo industrial e a formulação de esmaltes especiais.

FOntE anfacer

destino das exportações2011

*apenas do setor cerâmico paulista

**Previsão

200mil

r$3,78bilhões*

uS$280milhões

37milhões de m2**

829milhões de m2**

25mil

Empresas 2012

Empregos indiretos

2012

Faturamento2011

Exportação2012

vendas no mercado interno

2012

receita da exportação

2011

Empregos diretos2012

866milhões de m2

produção2012

1,02milhão de m2**

Capacidade produtiva

2012

71%do total

produçãodas indústrias

paulistas2011

américa do sul

américa central

américa do norte

áfrica

europaásia

47%25%

16%

6%

4%2%

Page 70: Pesquisa FAPESP 205

70 z março DE 2013

um dos principais benefícios do projeto Con-sitec, que teve investimentos da ordem de R$ 586 mil num período de sete anos por

parte da FAPESP e igual valor das empresas, foi proporcionar uma melhora significativa da quali-dade da cerâmica paulista. “O percentual de placas classificadas como classe A, isentas de defeitos, tais como trincas, manchas e variações na tonalidade do esmalte, entre outros, subiu de 50% para 98% ao final do programa. Menos de 2% das placas cerâmi-cas produzidas hoje no estado têm imperfeições”, diz Paschoal. Segundo ele, o primeiro obstáculo a ser superado foi ajustar o processo de produção nas fábricas, buscando implantar um sistema de gestão de qualidade. “Percebemos que as empresas não tinham o controle de todo o processo. Com o início da certificação da qualidade do produto acabado, feita pelo CCB, o índice de não confor-midade às normas nacionais e internacionais caiu drasticamente. O setor de cerâmica para revesti-mento transformou-se em um dos líderes do setor da construção civil em matéria de conformidade com as normas técnicas”, comenta Paschoal. O número de empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes com produtos de qualidade certificados chegou a 20 em 2008, o dobro de sete anos antes.

No mesmo período, a quantidade de fábricas com sistema de qualidade certificado pela norma ISO 9001 passou de 4 para 13.

Além do aumento da qualidade e da certifica-ção dos produtos, as indústrias paulistas também passaram a fabricar um volume maior de peças de porcelanato. “O porcelanato é um produto mais caro e compete com rochas naturais, como mármore e granito”, diz a engenheira de mate-riais Ana Paula Menegazzo, superintendente do CCB. “Quando as empresas brasileiras começa-ram a fabricar esse tipo de produto, o consumidor com maior poder aquisitivo comprou a ‘grife’, in-clusive pagando mais por ela.” Segundo estatís-ticas da entidade, a produção brasileira do item aumentou 18 vezes na década passada, saltando de 4 milhões de metros cúbicos em 2001 para 72 milhões em 2011. No mesmo período, o número de fabricantes paulistas da mercadoria passou de 3, que produziam apenas peças de pequenas dimensões (pastilhas), para 15, com know-how para fazer placas com mais de um metro quadra-do. Apesar do aumento, o maior centro produtor de porcelanato no país ainda é Santa Catarina – estado que também concentra um importante polo cerâmico.

lideranças mundiaisIndústria cerâmica nacional teve grande evolução na década passada e ocupa lugar de destaque no cenário global, ultrapassando países tradicionais no setor como Itália e espanha (em milhões de m2)

n 2001 n 2008 n 2011 FOntE cEramic WorlD rEviEW

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4.800

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BrASIl eSPAnHA índIA Irã ItálIA

eUA

prinCipAiS prOdutOrES o Brasil é o

segundo maior

fabricante global

de cerâmica

de revestimento

MAiOrES ExpOrtAdOrESAs vendas externas

subiram 35% até

2008, mas foram

derrubadas pela

crise mundial

prinCipAiS COnSuMidOrES Com um mercado

interno aquecido,

o Brasil é o

segundo maior

consumidor

4.000

3.000

2.000

1.000

0

tUrqUIA

415

622,5

207,5

Page 71: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 71

No interior paulista, a Villagres, com sede em Santa Gertrudes, é uma das principais fabricantes de pisos e revestimentos de porcelanato. Com tra-dição na produção de cerâmica há quase 90 anos, ela tem 108 diferentes itens de seu portfólio e vem investindo em novas tecnologias. A empresa foi uma das primeiras no estado a empregar a tecno-logia de impressão digital, um processo feito com jato de tinta que possibilita serigrafar qualquer superfície cerâmica. “É um processo sofisticado, mas, ao mesmo tempo, fácil de ser trabalhado. Você pode, por exemplo, escanear uma pedra na natureza e reproduzir seus traços no porcelanato. A máquina funciona como se fosse uma impresso-ra de papel, com a diferença que ela usa esmalte sobre uma placa de cerâmica”, explica Vanderli Vitório Della Coletta, dono da Villagres. A empresa produziu 6 milhões de m2 de revestimentos cerâ-micos em 2012 e teve um crescimento de 6% no faturamento em relação a 2011. “Tivemos um ano muito bom e continuamos em expansão. Estamos melhorando o nosso portfólio e migrando nossa produção para o porcelanato”, diz.

Para Marcos Serafim, gerente da área de ino-vação do CCB, a impressão digital traz uma nova forma de pensar o design de produtos

e o sistema industrial do setor, e impõe alguns de-safios. “Apesar de toda a mudança tecnológica, a transformação mais profunda tem que acontecer no design. A questão agora é como capturar, tra-balhar e manipular digitalmente esses desenhos sem que aconteça uma pasteurização gráfica”, diz ele. Nesse quesito, segundo Serafim, as indústrias nacionais continuam tendo por referência paí-ses como Espanha e Itália, que comercializam os desenhos digitais diretamente para as empre-sas nacionais ou via fornecedores de matérias--primas ou estúdios de design. “O Brasil precisa inovar criando sua própria identidade em design de produtos”, comenta.

Um fator determinante para o cresci-mento do setor cerâmico de São Paulo é a qualidade da matéria-prima usa-da na fabricação dos produtos. “Santa Gertrudes tem uma das maiores minas de argila do mundo”, diz Elson Lon-go, professor do Instituto de Quími-ca da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e coordenador do Centro Multidisciplinar para o De-senvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos 11 Centros de Pes-quisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP. “Além disso, a argila verme-lha que aflora próximo à superfície da região é de ótima qualidade e os fabri-cantes não precisam colocar quase ne-nhum aditivo para fabricar os produtos. Esse é um importante diferencial com-petitivo”, diz Longo. Ele coordenou as pesquisas do projeto Consitec, no lado acadêmico, com pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo. “A tecnologia e o conhecimento gerado no projeto Consitec só foram possíveis com o finan-ciamento da FAPESP”, diz Longo.

Por conta das propriedades da matéria-prima, os revestimentos cerâmicos feitos no interior paulista utilizam a moagem a seco, processo mais simples do que a “via úmida” e que proporciona

1 Argila em forma bruta antes do processamento na indústria

2 linha de produção da rochaforte: tecnologia e melhora dos processos fabris trouxeram bons resultados

A argila da região de Santa Gertrudes é de ótima qualidade e os fabricantes não precisam acrescentar aditivos na produção

1 2

Page 72: Pesquisa FAPESP 205

72 z março DE 2013

uma redução de custos de até 50%. A prepara-ção da massa para moagem a úmido, empregada em Santa Catarina e em outros lugares do país, requer várias etapas, enquanto no processo a seco a argila passa apenas por um moinho e já está pronta para prensagem. “A argila encontra-da na formação Corumbataí, na região de Santa Gertrudes, possui propriedades de plasticidade privilegiadas, o que permite um tempo de queima menor, elevando os índices de produtividade”, diz Ana Paula.

o estudo das propriedades da argila do in-terior paulista é o tema do doutorado do engenheiro de materiais Rogers Rocha,

dono da fábrica Rochaforte, em Cordeirópolis. “Existe uma grande diferença na argila dentro de uma mina e de uma mina para outra. Eu pes-quiso as características mineralógicas, químicas e cerâmicas das rochas da formação Corumbataí, de onde é extraída a argila usada pelas fábricas locais”, afirma o pesquisador-empresário. “En-tender melhor as características da matéria--prima vai nos ajudar a melhorar a qualidade dos itens que produzimos.” A Rochaforte foi criada há 60 anos pelo avô de Rogers. Como tantas outras empresas do setor da região, ela começou fabricando telhas e tijolos e passou a oferecer lajotões, um tipo de piso rudimentar. Atualmente fabrica por mês 2 milhões de m2 de revestimentos cerâmicos, utilizando a moagem a seco. “Esse processo é incomparável em termos de custo”, diz Rocha.

Segundo o empresário, o desenvolvi-mento tecnológico e o aprimoramento dos processos fabris foram fundamen-tais para o boom da cerâmica paulista. “A aproximação da nossa indústria com a academia melhorou demais os pro-dutos e processos. Percebo resultados práticos da pesquisa na minha empresa. Alguns dos nossos produtos têm o mes-mo nível de qualidade dos fabricados na Espanha e na Itália”, diz ele. Além de vender para o mercado interno, a Rochaforte exporta para clientes nos Estados Unidos, Chile, Argentina e al-guns países da América Central.

Inaugurado há 20 anos, o CCB teve um papel central na evolução do se-tor cerâmico nacional. A entidade tem atuado na pesquisa e no desenvolvi-mento de produtos cerâmicos, operan-do principalmente na interface univer-sidade-empresa e realizando serviços de assessoria técnica e tecnológica para o setor. O Centro de Inovação Tecnológica em Cerâmica (Citec/CCB) dispõe de uma moderna infraestrutura laboratorial que foi qualificada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Quali-dade e Tecnologia (Inmetro) para a realização de ensaios de certificação e de controle de qua-lidade de produto e processo. Ele possui uma instalação completa para fabricar qualquer tipo de placa cerâmica em escala laboratorial, bem como equipamentos para avaliar resistência à

O Brasil é o único país a ter norma específica para porcelanato, um tipo de revestimento que exige requisitos técnicos mais avançados

Constante evolução

prOduçãOem milhões de m2

prOduçãO dE pOrCElAnAtOem milhões de m2CApACidAdE prOdutivA

em milhões de m2

ExpOrtAçãO em milhões de m2

*estimativa

EMprESAS pAuliStAS dE pOrCElAnAtO

niCHO AQuECidOA produção brasileira de porcelanato,

item com valor agregado mais elevado,

subiu 18 vezes entre 2001 e 2011

O pESO dE SãO pAulOem 10 anos, a participação

das indústrias paulistas

na produção nacional de

revestimentos cerâmicos

saltou de 40% para 72%

do total

O SEtOr CrESCEu 90%o aumento aconteceu entre 2001 e 2012

n 2001 n 2008 n 2011 n 2012

n n n Produção nacionaln n n Produção paulista

40%

68%

71%

37*

81,4

59,5

556

781

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866713

47372

15

49

13

4

3FOntE ccB e anfacer

Page 73: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 73

flexão, desgaste por abrasão e resistência ao es-corregamento de pisos.

Apenas em 2011 foram executados 20.577 en-saios nos laboratórios do Citec/CCB, que conta com 12 pesquisadores, sendo 3 mestres e 3 dou-tores. “Com o início de operação do Citec, passa-mos a desenvolver novos produtos, a melhorar o processo produtivo e a realizar atividades pós--venda. Isso permitiu uma sólida compreensão dos principais problemas observados nos revesti-mentos cerâmicos. Da mesma forma, conduzimos pesquisas no sistema de aplicação da cerâmica, que permitiram uma queda importante nos problemas de assentamento do produto”, afirma Paschoal.

Em conjunto com a Anfacer, a associação de fabricantes, o CCB também participou da elaboração de normas técnicas do setor, en-

tre elas a norma brasileira de porcelanato. A en-tidade é a coordenadora da Comissão de Estudos de Placas Cerâmicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Com parâmetros muito rigorosos, a norma do porcelanato, a NBR 15463, foi criada a partir de uma demanda dos próprios fabricantes com o objetivo de ressaltar a alta quali-dade e a competitividade do porcelanato brasileiro. Pioneira no mundo, ela foi apresentada ao Comitê Internacional ISO 189, que trabalha com normas mundiais para revestimento cerâmico”, conta Ana Paula. “O Brasil é o único país com uma norma es-pecífica para porcelanato, cujos requisitos técnicos são os mais exigentes entre todos os países. Por isso, posso afirmar sem medo que os porcelanatos certificados pelo CCB são os melhores do mundo”, diz. Segundo ela, o Brasil participa ativamente dos trabalhos de revisão de normas técnicas interna-

cionais. “Atualmente trabalhamos com o Instituto de Tecnologia Cerâmica (ITC), da Espanha, o Tile Council of North America (TCNA), dos Estados Unidos, e o Centro Cerâmico de Bolonha (CCB), na Itália, na criação de uma nova metodologia de ensaio para medição da resistência à abrasão dos produtos cerâmicos”, diz.

Os bons resultados dos últimos anos têm manti-do o otimismo dos industriais em alta. Muitas em-presas paulistas planejam expandir suas fábricas, como a Rochaforte, que programa a abertura de fi-liais no Nordeste. As filiais são importantes porque o transporte das mercadorias das fábricas para os locais de consumo tem um custo relevante no preço final do produto. A expansão do mercado interno, segundo Paschoal, deve continuar aquecendo a procura por revestimentos cerâmicos. “Apesar do aumento significativo de construção de novas uni-dades habitacionais nos últimos anos, ainda existe um grande déficit de moradias no país, da ordem de 10 milhões de unidades. Além disso, há também o mercado de reforma de construções, o que indica um grande consumo potencial para a cerâmica”, diz. Para ele, o grande desafio daqui para frente é elevar a produtividade da indústria nacional e promover o desenvolvimento de novos produtos cerâmicos, principalmente por meio de inovações tecnológicas, “permitindo que o Brasil atinja ainda mais protagonismo no mercado mundial”. n

na empresa villagres, impressão digital reproduz foto de um tigre no piso de cerâmica

Projeto

Consórcio setorial da indústria de cerâmica para revestimento do estado de São Paulo: inovação tecnológica e competitividade (nº 2001/10783-5); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação tec-nológica (Consitec); coord. josé octávio Armani Paschoal — CCB; investimento r$ 586.715,13 (fAPeSP) e r$ 586.715,13 (empresas).

Page 74: Pesquisa FAPESP 205

74 z março DE 2013

Marca-passos e outros aparelhos

implantados no corpo humano poderão

funcionar com eletricidade obtida do sangue

Bateria a glicose

os usuários de marca-passo precisam ao longo de cinco a oito anos passar por uma pequena cirurgia para substituir a bateria do aparelho. Para manter o

dispositivo implantado sem necessidade dessa troca, alguns grupos de pesquisa no mundo estão trabalhando para desenvolver microbiobaterias que convertem a energia química em elétrica no interior de vasos sanguíneos, utilizando bioca-talisadores (enzimas ou microrganismos) para acelerar as reações químicas e gerar corrente elétrica. Um dos projetos mais promissores está sendo desenvolvido pela equipe do professor Frank Crespilho, coordenador do Grupo de Bioeletroquímica e Interfaces do Instituto de Química de São Carlos (IQ-SC), da Universidade de São Paulo (USP), que inclui também pesquisa-dores da Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP). Trata-se de uma biocélula a combustível (BFC, do inglês bio-fuel cells), que usa glicose do sangue de rato para produzir energia. Para testá-la, os pesquisadores implantaram esse dispositivo dentro da veia jugular de um roedor.

Crespilho começou a trabalhar com essas bio-células em 2008 e a microcélula para implantes passou a ser desenvolvida no final de 2010. “O ob-jetivo principal era desenvolver uma biocélula e utilizá-la como fonte de energia alternativa para aplicação em marca-passos, bombas de insulina, implantes neurais, bioestimuladores elétricos e liberação controlada de fármacos”, explica. “As biobaterias de glicose e oxigênio implantáveis, como a que estamos desenvolvendo, são atraentes porque podem gerar uma diferença de potencial maior que 1,0 volt [uma pilha do tipo AA, por exemplo, tem 1,5 volt]. Além disso, tanto a glicose quanto o oxigênio molecular estão disponíveis em muitas regiões do organismo humano.”

qUíMICA y

Evanildo da Silveira

Uma das inovações da BFC do grupo de Crespi-lho é a escala e o tamanho de seus componentes. “A biocélula desenvolvida por nós é chamada de ‘microcélula’, por trabalhar com microvolumes. E o tamanho dos eletrodos possibilita o implante dentro da veia de um rato”, explica. Os eletrodos têm 20 micrômetros de diâmetro (seis vezes me-nor que um fio de cabelo), inseridos dentro de um cateter com 0,5 milímetro (mm) de diâmetro por 0,6 mm de comprimento. Como as pilhas comuns, a BFC criada em São Carlos possui dois eletrodos, o cátodo, o polo positivo, e o ânodo, negativo. O primeiro é feito com nanopartículas de platina e o segundo com a enzima glicose oxidase. Ambos são recobertos por um polímero e fixados num suporte de fibra flexível de carbono, que é o próprio eletrodo. “As células sanguíneas, como os glóbu-los vermelhos e brancos, por exemplo, podem aderir à superfície dos eletrodos e bloquear a difusão da glicose”, explica Crespilho. “Por isso, nossa estratégia foi a utilização de um polímero especial, chamado dendrímero, que evita a adesão e o bloqueio dos eletrodos.”

As fibras flexíveis de carbono são ou-tra inovação do grupo. Segundo Crespilho, quando a equipe decidiu desenvolver biocélulas a com-bustível para aplicações na área da medicina, a primeira percepção foi a necessidade de criar eletrodos flexíveis e compatíveis com o sistema biológico. “A partir daí começamos a utilizar fi-bras flexíveis de carbono”, conta. Fibras de car-bono e os eletrodos já eram velhos conhecidos dos pesquisadores. No entanto, uma fibra flexível nunca havia sido relatada na literatura científica com esse objetivo. Por meio de novas técnicas

Os eletrodos têm 20 micrômetros de diâmetro, seis vezes menor que um fio de cabelo

Page 75: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 75

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ão

Er

ika

on

oD

Era

que em 2010 implantou uma BFC dentro do abdômen de um rato. Em 2012, Daniel Scherson, da Universidade Case Wes-tern Reserve, dos Estados Unidos, fez o mesmo em uma barata. No mesmo ano, o grupo de Evgeny Katz, da Universidade de Clarkson, implantou em um caramu-jo. “De todos esses trabalhos, foi o nosso grupo que desenvolveu a biobateria im-plantável com maior densidade de potên-cia até hoje registrada, com cerca de 100 microwatts por centímetro quadrado”, garante Crespilho. Para levar adiante esse projeto, o grupo de São Carlos e de Santo André teve financiamento da FAPESP, além de recursos do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo) e da Rede de Nanobiomedicina (Nanobiomed), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-soal de Nível Superior (Capes). n

ProjetoInteração entre biomoléculas e sistemas celulares com nanoestruturas od, 1d e 2d utilizando métodos eletro-químicos (2009/15558-1); Modalidade Auxílio regular a Projeto de Pesquisa; coord. frank Crespilho/USP; in-vestimento r$ 92.262,80 e US$ 50.821,57 (fAPeSP).

Artigo científicoSAleS, fernAndA C. P. f. et al. An intravenous implantable glucose/dioxygen biofuel cell with modified flexible carbon fiber electrodes. lab on a chip. v. 13, p. 468-74, 2013.

Conexão da biocélulaInserido em uma veia, o dispositivo possui dois eletrodos que ficam em contato com o sangue e com o marca-passo

OxidAçãOA glicose reage na

superfície do ânodo e,

com ajuda da enzima

glicose oxidase, doa

elétrons para

a biocélula

CirCuitO ExtErnOo marca-passo recebe

a eletricidade direto

da biocélula para

seu funcionamento

sem precisar de trocas

de bateria, como ocorre

no sistema convencional

rEduçãOo oxigênio “ganha”

elétrons do cátodo.

A diferença de carga

elétrica entre os dois

eletrodos faz com

que seja gerada

a corrente elétrica

de micromanipulação, eles extraíram diferentes tipos de fibra de tecidos de carbono comerciais usados para fabri-car materiais de alta resistência e leveza, como carros de F1, pranchas de surfe e quadros de bicicletas, por exemplo.

Chegar à fibra flexível de carbono ade-quada à BFC foi uma das partes mais complicadas do projeto. Não é qualquer marca comercial que pode ser usada. “Levamos pelo menos dois anos para achar o tecido ideal, porque os eletrodos dependem muito de como os átomos de carbono estão alinhados e da qualidade dos materiais empregados na fabricação das fibras”, explica Crespilho. “Foi ne-cessário desenvolver uma técnica para obtenção dessas fibras. Uma vez selecio-nadas, elas passam por um tratamento químico e podem ser usadas na biocé-lula.” Depois de pronta, a BFC é colo-cada dentro da veia jugular do rato. “O sangue passa por ela e leva glicose, que é o combustível para o ânodo, enquanto o oxigênio age no cátodo”, explica Cres-pilho. “A glicose reage na superfície do primeiro, que contém a enzima glicose oxidase, e ‘doa’ elétrons para a célula, processo conhecido como oxidação. No segundo, ocorre a redução de um agente oxidante, nesse caso o oxigênio dissol-

vido no sangue do animal. Nessa reação, esse elemento ganha elétrons.”

Os dois eletrodos possibilitam a pas-sagem de elétrons de uma extremidade à outra. A eletricidade surge das duas reações, oxidação e redução, chamada de redox, em que os elétrons podem ser transportados para um circuito externo como, por exemplo, um marca-passo. Pa-ra que isso aconteça, a eletricidade gera-da é transportada da BFC para o aparelho por fios que transpassam as paredes da veia. Assim a biocélula é constantemente alimentada porque o sangue contém oxi-gênio e glicose, que são repostos a todo o momento pela respiração e alimentação.

MAiOr dEnSidAdEEm artigo científico publicado na revista Lab on a Chip, os pesquisadores também comentam ser necessário novos estudos sobre alternativas para evitar a forma-ção de inflamação e tecidos fibrosos so-bre os eletrodos implantados nos vasos sanguíneos, o que diminui a vida útil do dispositivo. Além do grupo da USP de São Carlos e da UFABC, há outros três no mundo, dois nos Estados Unidos e um na França, desenvolvendo biocélulas. O pio-neiro foi o do professor Serge Cosnier, da Universidade Joseph Fourier, na França,

1

2

oxigênio

Glicose

elétron

sangue

cateter

cátodo(+)

Ânodo(-)

enzima glicose oxidase

Caminho da corrente elétrica: os elétrons

entram na biocélula pelo

ânodo, vão para o circuito

externo e depois seguem

em direção ao cátodo

fonte frank crEsPilho / usP

3

Page 76: Pesquisa FAPESP 205

76 z março DE 2013

Pesquisadores brasileiros na Suíça

desenvolvem forma de ligar plástico

e cerâmica como osso e músculo

uma técnica para unir materiais rígidos e elásticos, inspirada no que a natureza faz para ligar músculos com ossos no cor-

po humano, foi desenvolvida por uma equipe de pesquisadores brasileiros, eu-ropeus e americanos, do grupo de Mate-riais Complexos, do Instituto Federal de Tecnologia (ETH), de Zurique, na Suíça. Os resultados gerados pela nova técnica são os chamados compósitos bioinspira-dos, com grande potencial para serem aplicados em implantes biomédicos e peças para as indústrias automotiva e ae-roespacial. O método de união de mate-riais poliméricos e cerâmicos foi descrito em um artigo publicado em dezembro na revista Nature Communications.

O líder do grupo, o professor e enge-nheiro brasileiro André Studart, diz que o acoplamento entre materiais rígidos e flexíveis é muito comum em seres vivos. “No nosso corpo, por exemplo, partes altamente elásticas, como os tendões, são conectadas a outras extremamente rígidas, como os ossos”, lembra. “Ao con-trário do que se observa em produtos ar-tificiais, nosso corpo permite a aplicação de uma alta carga mecânica na junção entre esses dois materiais sem a ocor-rência de falhas no local da ligação.” A aplicação dos princípios utilizados pela

novoS MAterIAIS y

imitação da natureza

natureza para a produção de materiais artificiais de alto desempenho contou com a participação de outro brasileiro, o químico Rafael Libanori, além de dois pesquisadores suíços, uma francesa, um austríaco e um americano.

Transformar essas características na-turais em tecnologia, criando um meca-nismo artificial que torne possível a li-gação entre materiais elásticos e rígidos, não é assim tão fácil como a natureza dá a entender. Ao contrário, unir dois produtos com propriedades mecânicas diferentes é atualmente um grande de-safio em várias áreas da engenharia. Daí a importância do trabalho do grupo li-derado por Studart. “Desenvolvemos um método de produção de materiais heterogêneos artificiais que podem ser usados para conectar estruturas rígidas e elásticas de maneira eficiente como na natureza”, conta ele.

O grupo verificou que a natureza re-solveu o problema por meio de uma mu-dança gradual das propriedades mecâni-cas da estrutura de acoplamento, chama-da de inserção tendão-osso. “Perto dos tendões, as inserções são relativamente elásticas e compostas principalmente por fibras de colágeno”, explica Libanori. “Mas, à medida que elas se aproximam dos ossos, a concentração de elementos

minerais de reforço vai aumentando gra-dualmente, resultando em um compósito heterogêneo que é capaz de distribuir de maneira uniforme as tensões mecâ-nicas ao longo de seu comprimento.” Trata-se de uma transição gradual de propriedades mecânicas tanto linear quanto perpendicular, o que minimiza o desenvolvimento de altas tensões me-cânicas na junção.

trAnSiçãO nO dEntEO colágeno apresenta propriedades me-cânicas características de materiais elás-ticos, enquanto os elementos minerais de reforço, como a hidroxiapatita – formada de fosfato de cálcio, o principal consti-tuinte dos ossos –, exibem propriedades características de materiais cerâmicos rígidos. Um outro exemplo de material biológico que apresenta uma transição gradual de propriedade mecânica é o dente. “A parte interna dos nossos den-tes é formada pela dentina, mais elástica, enquanto a camada externa, o esmalte dentário, é muito mais rígida e dura”, explica Libanori. “Essa transição gra-dual de propriedades ocorre de maneira perpendicular, do interior do dente para o esmalte dentário.”

O método criado pelo grupo, chamado “reforço hierárquico de elastômeros de

Page 77: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 77

artigo da Nature Communications, os pesquisadores descrevem uma matriz de poliuretano – um polímero utilizado na confecção de espumas, solas de sapato, fibras têxteis e adesivos, por exemplo, reforçada com plaquetas cerâmicas em escala nanométrica (argila sintética cha-mada de laponita) e micrométrica (óxido de alumínio). As medidas nanométricas equivalem a tamanhos referentes a 1 mi-límetro dividido por 1 milhão e as micro-métricas, 1 milímetro dividido por 1.000.

ilu

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fonte naturE comunnications

De acordo com Studart, esse método possibilita a criação de compósitos poli-méricos até agora inimagináveis. “Cria-mos, por exemplo, um material em que a rigidez na superfície superior equiva-le à de nossos dentes e ossos, enquanto a elasticidade na superfície inferior se aproxima à de nossa pele”, revela o pro-fessor. Eles também demonstraram que dispositivos eletrônicos rígidos integra-dos em um substrato flexível, como no caso de LEDs, podem ser efetivamente protegidos contra falha mecânica, au-mentando de forma significativa o tempo de vida do equipamento.

Dispositivos flexíveis obtidos por meio desse método podem ser deformados em até 4,5 vezes seu tamanho inicial sem comprometer a resposta dos com-ponentes rígidos eletrônicos. Segundo Libanori, o projeto ainda está em fase de pesquisa acadêmica e o grupo está procurando empresas interessadas em licenciar a tecnologia. “No momento, estamos discutindo as possibilidades de colaboração com uma grande empresa de artigos eletrônicos”, diz.

O professor Edson Roberto Leite, do Departamento de Química da Univer-sidade Federal de São Carlos (UFSCar), acompanha de perto há alguns anos o trabalho de Libanori e Studart. “O Ra-fael Libanori foi meu aluno de iniciação científica e mestrado e eu o indiquei para o Studart”, conta. “O trabalho desenvol-vido por eles é muito importante, por-que criam métodos de processamento de compósitos que possibilitam copiar as formas hierárquicas em que a natureza organiza os materiais. Esse é o grande avanço do grupo. Mais que estudar como a natureza trabalha, eles estão reprodu-zindo como ela constrói os materiais, de forma artificial, sem usar bioquímica ou genética.” De acordo com Leite, no Brasil as pesquisas nessa área ainda es-tão começando. “Existem alguns grupos trabalhando em fotossíntese artificial, como o nosso aqui na UFSCar, e poucos em compósitos bioinspirados”, diz. “Já no mundo é um tema em expansão, com grandes grupos trabalhando em pesqui-sas de ponta.” n Evanildo da Silveira

Artigo científico

lIBAnorI, r. et al. Stretchable heterogeneous com-posites with extreme mechanical gradients. nature communications. v.3, artigo 1.65. 11 dez. 2012 (on line).

poliuretanas”, foi desenvolvido durante o doutorado de Libanori, orientado por Studart no ETH. “A palavra ‘hierárqui-co’ aqui é empregada porque a matriz polimérica é reforçada com componen-tes mais rígidos em diferentes escalas de tamanho: molecular, nanométrica e micrométrica”, explica Libanori. “Dessa maneira, podemos combinar camadas de materiais, exibindo diferentes graus de rigidez, por meio de um procedimento chamado soldagem por solvente.” No

união estável

Integrados a circuitos eletrônicos, como pequenos circuitos de leds, os compósitos protegem e propiciam maleabilidade aos dispositivos. eles podem ser esticados até 4,5 vezes o seu tamanho inicial

Matriz elástica de polímero recebe o reforço de módulos de materiais compostos com diferentes tamanhos soldados com solventes

Sobre uma matriz elástica de um filme de poliuretano são formados módulos de compósitos reforçados com plaquetas micrométricas de óxido de alumínio (alumina) e nanométricas de laponita, um tipo de argila. A matriz com os módulos é finalizada com solventes que fazem a soldagem e garantem uma boa adesão na interface dos materiais

riGidEzMenor

Maior

Poliuretano

Poliuretano

laponita (argila)

Alumina

5 cm

Page 78: Pesquisa FAPESP 205

78 z março DE 2013

empresa paulistana tem projeto

para limpar água e solo contaminados

por metais pesados em mina de urânio

Ozônio trata resíduos de mineração

a matéria-prima da empresa Brasil Ozônio, localizada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecno-logia (Cietec) na Cidade Universitária, em São Paulo, é o próprio oxigênio retirado do ar que circula no

ambiente. Após receber uma descarga elétrica para quebrar suas moléculas, é transformado em ozônio, um gás com alto poder bactericida e oxidante utilizado para tratamento de água, higienização de alimentos ou para neutralizar gases tóxicos. A vida útil do ozônio no ambiente é em torno de sete minutos, período após o qual volta ao seu estado original – o oxigênio – sem deixar resíduos.

A Brasil Ozônio, criada em 2005 pelo engenheiro eletrôni-co Samy Menasce, com longa experiência em multinacionais, tinha como objetivo fabricar e vender geradores de ozônio para tratamento de água de piscinas e de poços artesianos. O primeiro modelo foi vendido em 2006 e, desde então, outras cinco versões foram desenvolvidas até chegar ao equipamento atual, totalmente automatizado, que utiliza componentes de mais de 90 fornecedores.

Agora a empresa se prepara para levar a campo um ambicio-so projeto em que o gás ozônio será utilizado para tratamento de água, efluentes e solo contaminados por metais pesados de uma mina de extração de urânio em Caldas, Minas Gerais, desativada desde 1995. O primeiro teste para avaliação do sistema foi feito no laboratório da empresa paulistana. Após a aplicação do ozônio, em 20 minutos os metais pesados pre-sentes na amostra transformaram-se em sólidos em suspensão. “Os resultados preliminares foram bastante animadores”, diz o engenheiro químico Maurício de Almeida Ribeiro, gerente

enGenHArIA y

dinorah Ereno

Page 79: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 79

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inB

Solo da mina de urânio em Caldas (MG) onde

ozônio será injetado (no alto); águas

contaminadas serão tratadas para separação

de metais pesados (acima)

da unidade de tratamento de minério da empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caldas, local onde se explorou urânio nas décadas de 1980 e 1990. A partir daí, durante seis meses vários testes foram feitos no laboratório da INB, responsável pela mineração de urânio em todo o território brasileiro e subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O Banco Nacio-nal de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um apoio não reembolsável no valor de R$ 9,6 milhões para o projeto e a empresa dará como contrapartida R$ 1,2 milhão.

A Brasil Ozônio já instalou 2 mil equipa-mentos para a desodorização de ambientes em grandes redes hoteleiras, de gases em indústrias de fertilizantes e de cigarros, tra-tamento de água em academias, higieniza-ção de alimentos, além de outras aplicações. O tratamento de água do Aquário de São Paulo com ozônio, no bairro do Ipiranga, na capital paulista, com exemplares tão di-versos como peixe-boi, tubarão, pinguins e arraias, foi desenvolvido pela empresa, adaptado às necessidades de cada espécie.

“No começo captávamos o ar, que era jogado diretamente dentro do sistema de

geração de ozônio, uma prática bastante difundida mas equivocada, porque junto com o oxigênio vêm outros gases, como o nitrogênio, que no processo se transfor-ma em ácido”, diz Menasce. Em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a empresa desenvolveu um sistema que capta, filtra e seca o ar e depois separa o oxigênio, que representa cerca de 21% do total presente no ambiente, para pro-dução de ozônio. Todos os equipamentos possuem três componentes principais: concentrador de oxigênio, gerador de ozô-nio e centro de comando automatizado.

pArCEriA AMpliAdAO projeto para tratamento da mina de-sativada de urânio tem como parceiros a Universidade do Extremo Sul Catarinen-se (Unesc), de Criciúma, e a Fundação Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e Adjacências (Patria), de Iperó, no interior paulista. A fundação está su-bordinada à Marinha, que divide com a Comissão Nacional de Energia Nuclear a responsabilidade pelo setor nuclear brasileiro. Também colaboram pesquisa-dores da USP e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

2

1

Page 80: Pesquisa FAPESP 205

80 z março DE 2013

de carvão, atividade centenária na região. “A região está bastante contaminada com rejeitos de carvão que contêm compostos sulfurosos. Esses compostos, em contato com o ar e a água, acabam tornando ácido o meio e liberando metais pesados”, diz Angioletto. São cerca de 5 mil hectares de área contaminada, espalhada por quase todos os 12 municípios que compõem a região carbonífera de Santa Catarina. “Em Criciúma e região carbonífera trechos importantes dos rios estão mortos. Quan-do os rejeitos da mineração entram em contato com a água, o pH fica em torno de 3, muito ácido para a sobrevivência de peixes e para a maioria das plantas aquáti-cas”, relata. O uso da água para agricultu-ra ou abastecimento também fica inviável. Mas não são só os resíduos da mineração de carvão e da extração de urânio que re-presentam problemas. “Qualquer mineral que estiver associado ao enxofre, como o carvão de Santa Catarina, vai gerar dre-nagem ácida quando retirado do subsolo e exposto ao ar e à chuva.”

Angioletto coordenou alguns testes para tratamento de efluentes com o sis-tema de ozônio. “Testamos drenagem

info

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O problema de contaminação em águas da mineração decorre da presença de minerais, como a pirita, que contêm en-xofre. “Quando chove, os minerais pre-sentes em resíduos de mineração são oxi-dados em presença de água, gerando uma solução chamada de drenagem ácida de mina”, diz o professor Elídio Angioletto, da área de engenharias química, ambien-tal e de materiais na Unesc e coordenador do projeto na universidade. A drenagem ácida de mina, constituída por metais dissolvidos e ácido sulfúrico, representa um dos mais graves impactos ambientais associados à atividade de mineração. Se chegar até rios próximos, pode contami-ná-los, tornando-os impróprios para uso.

pASSivO AMBiEntAl Grandes quantidades de rejeitos são gera-das durante a mineração de urânio, já que ele está presente apenas em quantida-des que variam entre 0,5% e 1% do total. “Para retirar o urânio da água, usamos colunas de troca iônica”, diz Ribeiro, da INB. O passivo ambiental nas instalações da empresa em Caldas é da ordem de 45 milhões de toneladas de rejeitos – com-postos por montes de terra, pedra e argila contendo metais pesados, como o man-ganês. O tratamento convencional para esses resíduos consiste na adição de cal à água, o que eleva o seu pH e precipita os metais. A INB utiliza diariamente um caminhão com 25 toneladas de cal. No total, o gasto anual com esse produto é de R$ 2 milhões. “Nós não conhecíamos outra tecnologia para retirar o manganês da água”, diz Ribeiro. “Em cada litro de água da mina são encontrados cerca de

180 miligramas de manganês”, relata Me-nasce. Segundo Ribeiro, a aplicação de ozônio mostrou que não só o manganês como todos os outros metais se precipi-taram na forma insolúvel. Dessa forma, eles poderão ser separados da água e uti-lizados posteriormente. “O uso de ozônio vai permitir uma economia de 60% nos gastos com cal”, diz Ribeiro.

“Pela rota convencional são tratados 300 mil litros de efluentes por hora”, rela-ta. Nos testes feitos até agora com o ozô-nio foram tratados cerca de 2 mil litros de efluentes. Parece pouco, mas se o sis-tema mostrar em campo ser tão eficiente quanto em laboratório ele representará uma solução inovadora não só para os re-síduos da extração de urânio como para os de outros minerais. A expectativa é de que ainda neste primeiro semestre a planta-piloto esteja em funcionamento em Caldas. A Brasil Ozônio já desenvol-veu o protótipo dos sistemas de geração de ozônio que irão para o local. Ela tam-bém fará o monitoramento a distância dos equipamentos e quinzenalmente uma equipe estará presente para fazer os ajus-tes necessários. O tratamento dos efluen-tes ficará a cargo da INB. “Esperamos que no final do projeto, daqui a dois anos, de 5% a 10% de todos os efluentes estejam totalmente tratados”, diz Menasce. Após o término do projeto, com todos os pa-râmetros dimensionados para aplicação do ozônio, a INB se encarregará de dar continuidade ao tratamento.

A Unesc foi escolhida para compor a parceria, porque Criciúma e municípios vizinhos enfrentam um severo problema ambiental em decorrência da mineração

rota da limpezaComo será o tratamento da água contaminada por metais pesados

Aquário de São Paulo, no Ipiranga, tem água tratada com ozônio

1

Mina desativada

água contaminada

CAptAçãO dA áGuA COntAMinAdAáguas contaminadas pela

exploração de urânio, espalhadas

em grandes lagoas pelo terreno

da mina desativada, serão

bombeadas para uma tubulação

Page 81: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 81

proveniente de três bocas de minas di-ferentes, com condições físico-químicas distintas e os resultados foram excelen-tes.” Na próxima etapa serão construídos equipamentos específicos para tratamen-to dos resíduos catarinenses.

Embora o ozônio seja aplicado há décadas em água – a limpeza da água consumida em Paris, por exemplo, é em grande parte realizada com esse gás –, o tratamento de efluentes de urânio por esse sistema é algo novo, diz Angioletto. “A grande inovação, no entanto, será a aplicação de ozônio em solos contami-nados, uma das vertentes do projeto.” A responsável é a professora Maria Eugenia Gimenez Boscov, da Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica da USP.

Criciúma e municípios vizinhos enfrentam severo problema ambiental decorrente da mineração de carvão

produção da drenagem ácida. “Como o ozônio é germicida e oxidante, ele vai matar essa bactéria”, diz Menasce.

Atualmente, a companhia está fina-lizando os testes em um esterilizador à base de ozônio, totalmente automatizado, destinado a hospitais, centros cirúrgicos e fabricantes de medicamentos. Desen-volvido com apoio da FAPESP na moda-lidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), o equipamento tem consumo mínimo de energia e funciona apenas com o apertar de um botão. “Os processos normalmente utilizados pa-ra esterilização, à base de formaldeído, óxido de etileno e plasma de peróxido de hidrogênio necessitam de funcionários treinados, com risco de haver falhas du-rante o procedimento”, diz Menasce. n

Projeto

Autoclave ozônio – otimização construtiva e de pro-cesso de um equipamento de ação esterilizante à base de ozônio com validação microbiológica por meio de testes desafio com esporos bacterianos (nº 10/50281-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas empresas (Pipe); coord. frederico de Almeida lage filho – Brasil ozônio; investimento r$ 186.888,67 (fAPeSP).

“O projeto de tratamento do solo da mina de urânio abre portas para tratar outros tipos de contaminantes em solos brasi-leiros”, diz Maria Eugenia, que começou a trabalhar com contaminação de solos durante o seu doutorado, em 1994. “Por enquanto o projeto ainda está em fase de pesquisa, já que mesmo na bibliogra-fia científica são poucas as referências.”

Os estudos que ela vai coordenar terão início com experimentos controlados em laboratório. Uma das ideias é injetar o ozônio diretamente nas montanhas de resíduos para eliminar a bactéria Thio-bacillus ferrooxidans, responsável pela produção de sulfato ferroso em gran-de quantidade quando em contato com metais como a pirita, o que favorece a

2

43

GErAçãO dE OzôniO (O3)Um sistema fechado capta o ar am-

biente, limpa suas impurezas, remove

a umidade, separa o oxigênio e

o transforma em gás ozônio

(ver esquema acima),

que será transferido

por um tubo flexível

inJEçãO dE OzôniO (O3)o ozônio é injetado

na água por um sistema

de transferência com

alto poder de dissolução

do gás no líquido

OxidAçãO dE MEtAiS pESAdOSo ozônio dissolvido na água provoca

reações químicas de oxidação. ele

oxida os íons metálicos que estão em

suspensão na água, transformando-os

em óxidos metálicos ou simplesmente

metais inertizados (ver esquema acima)

SEpArAçãOterminado o processo,

o metal poderá ser

separado, deixando

a água descontaminada.

A água e o óxido metálico

poderão ser reutilizados

óxido metálico

água

O2 da atmosfera

água poluentes metálicos

O+ O+ + O2

óxidos metálicos

inertes

água

O3

O3

descarga elétrica

oxidação (perda de elétrons)

5

fonte Brasil oZônio

O3

Page 82: Pesquisa FAPESP 205

82 z março DE 2013

O passado que não deixa o presente

HuMAnidAdES HIStÓrIA y

1

HuMAnidAdES HIStÓrIA y

Page 83: Pesquisa FAPESP 205

pESQuiSA FApESp 205 z 83

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Coleção reúne artigos de historiadores

para públicos mais amplos entenderem

o Brasil contemporâneo

Para o historiador Evaldo Cabral de Mello, a história, como a casa-grande do senhor, tem muitas portas e janelas. Estas últimas devem estar escancaradas para arejar a “casa” com novas interpretações. Já as portas estão sempre abertas para revelações e para

deixar entrar, sem cerimônias, os que se interessem pelo que a “casa” tem para contar. Foi com esse espírito que a também historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de um grupo interdisciplinar de pesquisadores renomados, idealizou a coleção História do Brasil nação: 1808-2010, editada pela Objetiva em seis volu-mes, e que será completada até meados deste ano, sendo, em seguida, traduzida para o espanhol e distribuída pela América Latina. Entre os muitos autores estão nomes como Alberto da Costa e Silva, José Murilo de Carvalho, Alfredo Bosi, Rubens Ricupero, Elias Saliba e Leslie Bethell.

Carlos Haag

1 Desfile da FEB em São Paulo. foto de josé lInhares (1945) mostra pracinhas na avenida São joão,

2 Ponte de Silvestre, no morro do Corcovado. foto de Marc ferrez (1900)

2

Page 84: Pesquisa FAPESP 205

84 z março DE 2013

Um dos volumes da coleção é inteiramente de-dicado à fotografia e repassa em 459 imagens os últimos 170 anos da história nacional. “Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na imagem da nação” é coordenado pelo historiador e fotógrafo Boris Kossoy, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). Kossoy também é o curador da exposição homônima que esteve em cartaz em São Paulo e Rio e irá, ainda este ano, para Brasília e Belo Horizonte. As fotos que ilustram estas páginas fazem parte do livro e da mostra que, além de Kossoy, contou com os trabalhos de Sônia Balady, Vladimir Sacchetta e Lilia, curadora adjunta. “O nome diz tudo: quero quebrar a ideia de uma história do Brasil contada por imagens. Será ‘um olhar’ sobre esse passado, assim como seria possível vários outros”, diz Kossoy. O mes-mo vale para a coleção como um todo.

“A ideia é uma história da nação brasileira que reúna qualidade e as visões mais recentes da his-toriografia, mas destinada a um público amplo. O desafio lançado à equipe era escrever de forma acessível, sem usar notas de rodapé e outros re-cursos acadêmicos, ajustando a linguagem para o grande público, ainda que com profundidade”, explica Lilia. “Não queríamos apenas compilar matéria e conhecimento prévios, mas introduzir novas interpretações, de forma atraente, com um apuro gráfico e muitas ilustrações, sempre usa-

das com o propósito de complementar o texto escrito”, diz.

A coleção faz parte de um projeto patrocina-do pela Fundação Mapfre, da Espanha, que, além da série brasileira, também contempla trabalhos semelhantes em 10 países do continente latino--americano, entre os quais Argentina, Chile, Peru e Venezuela, bem como Portugal e Espanha. O re-sultado serão 50 livros que se autorreferem. “Em vez de fazer história na perspectiva da Europa e dos Estados Unidos, optamos por comparações com nossos vizinhos. Essa perspectiva comparada permite ao leitor fazer não apenas uma leitura ho-rizontal, mas entre países, percebendo o que acon-tecia neles ao mesmo tempo que nosso país”, fala.

afinal, o Brasil foi, por décadas, uma monar-quia cercada por repúblicas, uma opção com consequências importantes para o

presente. “Disso decorre o nosso gigantismo no continente e o comportamento das nossas elites, cujo poder se enraizou profundamente em função dessa solução mais conservadora. O mesmo vale para o escravismo: o Brasil foi a última nação a abrir mão dessa prática horrenda. Além disso, não houve rupturas sociais, nem movimentos de cidadania. A nossa independência, ao contrário da luta dos países vizinhos, era vista como um ‘pre-sente’ mais do que uma conquista”, conta Lilia.

Kamayurá. foto de Milton Guran (1978) mostra duas meninas da tribo no Parque do Xingu

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pESQuiSA FApESp 205 z 85

Isso gerou muita desconfiança entre os países do continente, que foram se isolando, com des-confianças de parte a parte que empacam pro-cessos de uma união até hoje. “Ao mesmo tempo, temos muitas coisas em comum, como desequi-líbrios sociais, uma corrupção quase endêmica. A comparação das histórias revela igualdades e diferenças do processo de construção das na-ções com muita clareza”, afirma a pesquisadora.

tendo o mote do historiador francês Lucien Febvre, “a história é filha do seu tempo”, Li-lia e seus colegas acreditam que é preciso

reconstruir o passado com as novas perguntas fei-tas pelo presente. “A história é um processo vivo e, ainda que sua agenda não seja pautada pela atua-lidade, sem dúvida há fortes ligações entre o que queremos saber do passado diante das questões que nos coloca o nosso presente. Num momento em que se discute uma perspectiva ética é preci-so entender as raízes desse problema”, observa.

“O fato é que no Brasil não existiu muita luta popular, não tivemos processos revolucionários e ficamos carentes de um processo maior de for-mação de cidadania. Nosso passado coronelista e escravocrata não surgiu gratuitamente, assim co-mo não é sem motivo a predominância das elites nas tomadas de decisão. Tudo isso se reflete no atual abismo social”, acredita. A coleção enfati-za novas teorias que revisam a República Velha, agora chamada de Primeira República. “Foi uma fase que contou com mobilizações ativas de luta pela cidadania, embalada pelo abolicionismo, pela

chegada dos imigrantes, pela urbani-zação e pela industrialização. Era um período vibrante desmerecido como pasmaceira conservadora pelo Estado Novo varguista, que queria todos os méritos”, afirma Lilia.

A frase de Le Goff, de que “a his-tória viveu sob o imperialismo da escrita”, deu origem ao volume de imagens, “Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na imagem da nação”. “Em realidade, o ideal é a união da imagem à palavra escrita. Não po-demos ter uma história, mas his-tórias, pois não há uma verdade única numa imagem, mas várias interpretações possíveis, depen-dendo do observador. A fotografia não vem carregada de sentidos: nós é que a carregamos de sentidos”, fa-la Boris Kossoy. “Daí a importância de situar o espectador por meio da reunião da imagem ao texto, forma de romper a superfície de aparências que as pes-soas, em geral, não rompem”, avisa.

Partindo de 1833, com as experiências pre-cursoras de Hercule Florence, há imagens do Se gundo Reinado, do Estado Novo, da constru-ção de Brasília, de líderes como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Leonel Bri-zola, Fernando Henrique Cardoso e Lula, entre outros, com ponto final em 2003, segundo Kossoy um limite para que se possa digerir a história.

“A fotografia é uma fonte preciosa de infor-mações, mas é um conhecimento de aparência, uma criação/construção de realidades, sempre no plural. É um conhecimento que parte da su-perfície iconográfica e tanto mais revela quanto mais buscamos a sua realidade interior”, explica.

“no Brasil não existiu muita luta popular

e ficamos carentes de um

processo de formação

de cidadania”, diz lilia

1 Vendedor de doces.

foto de Marc ferrez (1889),

traz negros ainda retratados como

escravos

2 Gaúchos acantonados em

São Paulo durante a Revolução de

1930. Autor desconhecido

1 2

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Segundo Kossoy, não há “documentos inocentes” e mesmo o suposto real da fotografia é, também, “ficção”. O Brasil é o país que reuniu o maior número de profissionais do ofício fotográfico na América Latina ao longo dos séculos XIX e XX. “A manipulação do sentido da imagem já se ini-cia no momento em que o contratado para fazer a fotografia seleciona e monta a ‘cena’ para dar dramaticidade à sua imagem”, diz.

assim, observa o pesquisador, contar a his-tória por imagens não se sustenta e exige a união com o texto, capaz de revelar a

micro-história que se esconde em cada instan-tâneo do passado, na contramão da ideia de que uma imagem vale por mil palavras. “Ela só vale se tivermos mil palavras para interpretar o que essa imagem contém”, avisa Kossoy. Assim, as imagens selecionadas proporcionam um leque de situações pontuadas por imagens “nucleares” no sentido figurativo. “São fotos simbólicas, muitas vezes metafóricas, reveladoras de mentalidades e ideologias. Essa iconografia especial funciona como denúncia de sistemas, chamando a aten-ção para as deformações sociais, econômicas e políticas, bem como para os grandes feitos, en-fatizando rupturas e emoções”, fala.

Um dos pontos altos são as fotos de escravos. Basta lembrar que o Brasil foi o país com a es-

cravidão mais longeva e o país em que primeiro a fotografia se consolidou, gerando um vasto ar-quivo de imagens dos escravizados. “Tiravam-se fotos de negros para que os estrangeiros levassem para o exterior como lembranças. Há também muita imagem feita para ‘comprovar’ a seleção racial e mostrar os africanos como inferiores”, diz Kossoy. Para ele, a fotografia, no Brasil, sem-pre funcionou como forma de identificação e controle social e policial, ressaltando as dife-renças de classes.

“Foi como cópia do real que a fotografia foi incorporada às pesquisas de história. Ela vi-nha para adornar, corroborar ou simplesmente justificar uma teoria. Assim, até pouco tem-po, na historiografia, as imagens serviam ape-nas para reafirmar o que se sabia previamente. Eram adereços, de função ilustrativa”, fala. Segundo Lilia, a imagem mais refletia do que poderia ser tomada ela própria como sujeito e mote de reflexão. O mesmo se pensava dos fotógrafos, vistos como meros ‘registradores’ de fatos, imparciais. “Levou tempo para a fo-to entrar no debate historiográfico”, fala Lilia. Para ela, os que manejam as lentes não apenas copiam o que veem, mas selecionam, recortam e suas fotos “inventam” formas de anotar o real e se impregnam de tal modo à realidade que se transformam, elas mesmas, na própria realida-

Deslizamento de trilhos na estrada de Ferro Madeira-Mamoré. foto de dana Merrill (1910)

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de. “Trata-se de contar uma história do Brasil a partir das fotos, mas sabendo, de antemão, que elas camuflam e disfarçam sua certidão de nascimento”, diz.

“Basta lembrar as fotos de Sebastião Salgado numa fazenda invadida ou as imagens de Vargas ou Juscelino construindo Brasília. Muitas vezes lembramos de um fato a partir da foto que ficou na nossa memória, como uma tatuagem ou ci-catriz que passa a fazer parte do corpo”, lembra a pesquisadora. “Quando as imagens são nossas

fontes documentais é preciso sempre lembrar o amplo poder de persuasão e sedução ine-rente às representações ico-nográficas”, observa Kossoy. Para o historiador, o aparente do documento deve ser apenas o ponto de partida de toda in-vestigação. “É na ampla diver-sidade das micro-histórias e suas imagens que reside o nos-so olhar sobre o Brasil”, fala.

“O mesmo vale para a nossa história. Na década de 1930 o Brasil se redescobriu com os grandes ensaios de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Ho-landa. A partir dos anos 1970, surge nas universidades um pensamento mais especializado e os autores não querem bus-car grandes voos para pensar o país. Afinal, o Brasil é um enig-ma. Se há uma característica nova na historiografia dessa co-

leção é pensar a nação por várias portas e janelas”, analisa Lilia. “Queremos provocar, questionar certos mitos nacionais, modelos e teorias que ain-da estão aí por reiteração, ideologia e costume.” A preocupação dos pesquisadores foi mostrar um país que, ao longo de um processo lento, se inventa e se imagina como nação. Como diz um personagem de Tennesee Williams, em À margem da vida: “O passado insiste em se apresentar no presente”. A nossa experiência histórica insiste em se apresentar até hoje. n

1 Odé. foto de Mário Cravo neto (1988), faz alegoria sobre odé, umas das manifestações de oxóssi

2 Nuvem da manhã. Autorretrato de Haruo ohara (1952)mostrando o fotógrafo e agricultor em seu trabalho

“O aparente do documento deve ser apenas o ponto de partida de uma investigação sobre a raiz da imagem”, fala Boris Kossoy

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neldson Marcolin

exposições de fotos mostram

trabalhos do etnógrafo

Harald Schultz entre indígenas

MEMóriA

Em seu trabalho como etnógrafo entre os índios Umutina entre 1943 e 1945, em Mato Grosso do Sul, o gaúcho Harald Schultz foi ferido por um tiro no braço por um

indígena irritado com sua presença prolongada na tribo. Schultz foi socorrido pelos outros membros da aldeia e recuperou-se. O fato, relatado no livro Vinte e três índios resistem à civilização (Melhoramentos, 1953), foi encarado apenas como um acidente de percurso e nada mudou seu interesse por outras culturas. O etnógrafo fotografava, filmava e coletava peças originais de índios de todo o país e de países limítrofes como o Peru e a Bolívia. “Ele foi um dos pioneiros da antropologia visual no Brasil e fazia registros fotográficos com uma enorme qualidade técnica e artística”, diz Sandra de La Torre Campos, antropóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).

Uma parte das fotos de Schultz pode ser conhecida em duas exposições itinerantes que percorrem os museus do estado de São Paulo. A primeira, Harald Schultz, olhar antropológico, cujo tema são crianças indígenas, foi aberta em 2011. A segunda, Harald Schultz, fotógrafo e etnógrafo, 2012, retrata a estética do corpo como adornos, cortes de cabelo e pinturas. “As fotos de Schultz têm importância antropológica, porque a partir delas é possível fazer estudos etnográficos, e histórica, pelo momento em que foram obtidas”, diz Marília Xavier Cury, pesquisadora e docente do MAE e curadora das duas exposições. “As culturas mudam e o que as fotos revelam são as culturas no momento e local em que foram tiradas.” O acervo fotográfico que deixou é precioso porque muitas pesquisas e estudos comparativos podem ser feitos sobre como eram as culturas indígenas e as transformações que ocorreram nelas.

retratos de culturas alheias

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jovens waujá de 15 anos são pintados para competição, em 1964. Homens e crianças pintam-se mutuamente para os jogos

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Depois trocava por peças (adornos, cestaria, cerâmica, esteiras, redes) feitas por indígenas que acabavam na coleção do Museu Paulista.

O etnógrafo gaúcho escrevia monografias e também recolhia material arqueológico para estudo. Seus artigos foram publicados em revistas no exterior e as fotos frequentaram as páginas da National Geographic. Formava uma boa parceria com Baldus. “Era comum Baldus ir a campo e Schultz seguir depois para encontrá-lo e começar o trabalho de iconografia e/ou de coleta de artefatos”, diz Marília. Até 1965, ele fez 57 filmes curtos com danças, rituais e trabalhos manuais realizados pelos Javahé, Karajá, Krahô, Uruku, Waurá, entre outros. Hoje esses filmes estão no MAE/USP, junto com uma coleção de 1.227 slides. Mas há mais, muito mais, com Walter, filho de Schultz e Vilma. “Ele guarda em Paris, onde vive, 24 mil fotos feitas pelo pai desde 1950, o ano em que casamos”, revela Vilma. nfo

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retrato de menino Karo ornamentado, em 1953 (à esq.), e pai Krahô ensinando o filho a usar arco e flecha, em 1947 (acima)

Schultz ao lado de índia Kadiwéu, em Mato Grosso do Sul (1942), durante documentário produzido pelo antigo SPI

“De fato, o Harald achava mais interessante o contato com os índios e gostava mesmo era de fotografar e filmar”, conta Vilma, que o acompanhou a campo muitas vezes como antropóloga. Seus períodos nas aldeias duravam vários meses. Vilma lembra que ele ia à rua 25 de Março, lugar tradicional de comércio popular de São Paulo, e pedia doações de toda espécie aos lojistas.

Harald Schultz (1909-1966) nasceu em Porto Alegre, filho de alemão com brasileira. Dos 6 aos 15 anos estudou na Alemanha e, na volta, apaixonou-se pela fotografia. “Ele foi convidado a trabalhar no Rio de Janeiro pelo presidente Getúlio Vargas, quando o fotografou e o conheceu na cidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, nos anos 1930”, conta a viúva de Schultz, a antropóloga Vilma Chiara, de 86 anos. Foi na antiga capital federal que ele entrou para o Serviço de Proteção ao Índio (SPI, atual Funai) e começou a trabalhar sob a orientação do marechal Cândido Rondon, em 1939. Também frequentou cursos avulsos de Curt Nimuendaju, etnólogo alemão que passou 40 anos estudando os indígenas brasileiros.

Em 1947, Schultz deixou o SPI e foi trabalhar no Museu Paulista a convite de Herbert Baldus, professor alemão do curso de etnologia brasileira da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com quem também teve aulas. “Ele era um fotógrafo de talento e coletor de peças muito bom, mas não tinha formação acadêmica”, diz Marília. 4

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rigor e intuição em harmoniatomie ohtake completa

100 anos neste ano com

permanente caráter

experimental e em sintonia

com seu tempo

obras sem título de 1980, 1952 e 2013 (sentido

horário): “A pintura é o meu dia a dia”,

diz tomieno próximo mês de novembro, Tomie Ohtake completará 100 anos. As celebrações se su-cederão ao longo de todo o ano e já tiveram

início com a abertura de duas exposições, que resumem bem duas facetas marcantes da artista: seu permanente e aguçado caráter experimental e uma grande sintonia com a arte de seu tempo. Enquanto a coletiva Correspondências, em cartaz no instituto cultural que leva seu nome, estabele-ce nexos – muitas vezes tênues – entre sua obra e o trabalho de um leque amplo de artistas (co-mo Cildo Meireles, Mira Schendel, Paulo Pasta e Cadu, entre outros) tendo por eixo três aspectos centrais de sua produção: a cor, o gesto e a tex-tura, a mostra que pode ser vista na galeria Nara Roesler até o dia 23 de março revela uma artista em plena atividade e ainda capaz de reinvertar--se. Em três séries de pinturas amplas, realizadas recentemente (datam de 2012 e 2013), Tomie pa-rece imprimir uma maior velocidade ao pincel e explora relações de profundidade e luminosidade em trabalhos quase exclusivamente monocromá-ticos (em amarelo, azul e verde), com cirúrgicas pontuações em vermelho. “Estou interessada em transparência e profundidade”, afirmou ela em entrevista recente à Art Nexus.

Maria Hirszman

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escultura no teatro Ibirapuera, em São Paulo: formas geométricas são quase sempre suaves

tomie: trabalho marcadamente autodidata

“A pintura é meu dia a dia”, costuma afirmar Tomie, que por mais de seis décadas tem inves-tigado com um zelo quase devocional aspectos primordiais da pintura. Mesmo dizendo gostar de desenhar desde criança, ainda no Japão, Tomie só se tornou pintora com quase 40 anos e mais de 15 anos depois de ter vindo para o Brasil. Chegou ao país para visitar um irmão, mas acabou ficando por causa da guerra sino-japonesa. Casou-se aqui, teve filhos e adotou a nacionalidade brasileira. As primeiras lições foram dadas por seu primeiro e único professor, Keisuke Sugano. Datam do iní-cio dos anos 1950 as primeiras telas figurativas, mas rapidamente a artista adota a abstração in-formal e passa a explorar de forma persistente a contenção e a materialidade do gesto.

A maturidade, segundo diversos críticos, se dá na década seguinte, na qual realiza experiências como as “pinturas cegas”, por sugestão do crítico e amigo Mário Pedrosa. Avessa a grupos ou tendên-cias e com um trabalho marcadamente autodidata, nem por isso Tomie deixa de lado a riqueza trazida pelo convívio e observação atenta da produção que a cerca. Como afirmou Paulo Herkenhoff, “Tomie é um ponto privilegiado a partir do qual podemos olhar a arte brasileira”. Ou então, como sintetiza Miguel Chaia, sua obra permite uma “aproxima-ção entre geometria e informalismo, sintetizando contradições da sociedade brasileira e de sua his-tória da arte”. Vê-se, assim, em seus trabalhos, uma espécie de síntese, ou convivência pacífica, entre polos muitas vezes contrários, como o Oriente e o Ocidente, o rigor da forma e o lirismo da cor, a figuração e a abstração...

Tomie explora ao longo de sua vasta carrei-ra diferentes maneiras de lidar com uma gama bastante reduzida de questões: suas formas geo-

métricas são quase sempre suaves, marcadas pela sinuosidade do círculo e da espiral; as cores cos-tumam não ser colocadas em disputa, mas sim harmonizadas, mesmo quando são mais estriden-tes, como aquelas adotadas nos anos 1970; o gesto é normalmente contido, elegante, remetendo à ideia de coreografia ou musicalidade.

Tem em seu currículo mais de 20 bienais in-ternacionais, 90 mostras inidividuais e quase 400 coletivas, incluindo aí não apenas trabalhos em pintura, mas em outras áreas de atuação, como a gravura, a escultura e as obras públicas, que rea-liza desde a década de 1980. A última delas, uma gigantesca estrutura de metal que desenha o nú-mero 8, foi inaugurada o ano passado em Tóquio. As obras públicas, que têm espaço privilegiado na trajetória da artista, serão objeto de um livro que está sendo organizado por Paulo Herkenhoff e será lançado em novembro, juntamente com a abertura da exposição Gesto e razão geométrica, coroando as celebrações do centenário.

Antes disso, em agosto, o Instituto Tomie Oh-take (projetado e administrado pelos filhos Ruy e Ricardo Ohtake) abrigará ainda uma exposição na qual serão explicitados aspectos projetivos da obra da artista, seus exercícios íntimos, estu-dos de procedimento, desenhos, colagens... Uma maneira concreta de conhecer a pesquisadora aplicada que convive em pé de igualdade com a artista intuitiva, de confirmar como – nas palavras de Olívio Tavares de Araújo – ela vem “dosando em partes quase iguais a razão e a emoção”. nfo

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CATAVA ESTERCO

Ao contrário de tantos pretos, não andava cantan-do sua ocupação. Puxava a carroça em silêncio, re-picando um pequeno sino de cobre. Tinha pudor.

Caminhava sempre pelas mesmas ruas, no mesmo horário, todos os dias. As mucamas já o conheciam: esperavam sua passagem e ficavam no aguardo do sino.

Ninguém queria contato. Tudo era muito rá-pido. A mucama saía porta afora com o balde de esterco quente nas mãos, ele abria o tampão da carroça, ela despejava ali a carga e voltava cor-rendo para dentro. Não falavam com ele.

Havia sempre respingos. Ao final da tarde, es-tava salpicado pela própria mercadoria.

Os tigres eram mais dignos. Temidos, até. O próprio nome impunha respeito. Eram escravos fortes, que carregavam nos ombros os dejetos de suas casas. Não passavam o dia lidando com os excrementos dos outros. Despejavam tudo na lagoa mais próxima e já voltavam para cuidar de outras atividades.

Pensava muito nisso. Que ali, no barril do tigre, misturados aos dejetos dos sinhôs e das sinhás, das mucamas e dos moleques, estavam também os seus. O tigre carregava o próprio excremento. De algum modo, aos seus olhos, isso lhes conferia dignidade.

Mas nem toda casa tinha escravos. Então, ele ainda era útil.

Gostava mesmo era de uma mulatinha da rua da Ajuda. Era sempre ela que trazia o balde. Mas nunca teve coragem de lhe falar. O esterco os se-parava. Um dia, não apareceu mais e ele não teve coragem de perguntar por ela. Ficou a lembrança daqueles dentes brancos. Tinha todos. Era lindo.

Ao final do trajeto, ele percorria a rua do Aljube até a Prainha. As barcaças recolhiam os dejetos da Corte e os levavam para os engenhos do outro lado da baía, onde não havia gente para produzir tanto estrume.

Os galegos pagavam quase nada pelo esterco. Só valia a pena se enchesse a carroça até a borda. Afinal, era recolhido de graça. Conseguiria mais mendigando, era o conselho que recebia.

Mas gostava de saber que deixava a Corte mais limpa. Que o esterco que recolhia se transformava em açúcar. Que tudo se transformava em outra coisa. Que ele, que era tão baixo, tão preto, tão feio quanto seu esterco, um dia também talvez virasse açúcar.

* * *

SOLTAVA PASSARINHOS

Frequentava as quermesses e procissões. Sempre em feriados religiosos.

Carregava uma gaiola quase maior que ela. Ti-nha seis compartimentos independentes, cada um com sua portinha. Nunca mais perderia a viagem soltando todos os bem-te-vis ao mesmo tempo.

Era conhecida dos penitentes. Só não abor-dava os brancos ricos. Quem já vivia cheio de graça não precisava da graça adicional de soltar uns passarinhos.

Preferia os desgraçados e os desafortunados, os moleques e as mucamas, os mutilados e os co-xos, os culpados e os esperançosos, os tísicos e os leprosos, os pretos e os pardos. Os seus.

Muitos não entendiam. Quando a menina le-vantava a gaiola, já gesticulavam seu desinteres-se. E ela esclarecia, não vendo passarinho, não, moço. Eu solto.

Alguns continuavam sem entender: vou lá pa-gar para soltar passarinho, menina?

E ela dizia, Deus ajuda quem liberta suas cria-turinhas. É graça para o ano inteiro. O senhor reza comigo a prece de São Francisco de Assis, escolhe um bem-te-vi e deixa voar. Deus proverá.

Escolhiam quase sempre os passarinhos mais vistosos. Será que Deus prefere que os belos se-jam livres?, se perguntava a menina.

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duas profissões esquecidas do rio antigoAlex Castro

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Alex Castro, 39, é autor de Mulher de um homem só (2009, romance) e Onde perdemos tudo (2011, contos).

o ato de libertação (“Freeing Animals from Bon-dage” em Buddhist scriptures, Penguin, 2004). No Brasil, a única menção que encontrei, que pode ou não ter relação com o budismo, está em uma crônica da juventude de Machado de Assis, que teria testemunhado essa prática durante a pro-cissão dos ossos da Misericórdia (O Futuro, 15 de dezembro de 1863). Entretanto, em diversas ocasiões (o conto “O segredo do bonzo”, de 1882, ou o ensaio “Instinto de nacionalidade”, de 1873), Machado demonstrou ser leitor atento da Pere-grinação. Terá o episódio sido apenas uma glosa de Mendes Pinto? Mera invenção do Bruxo? De Machado, pode-se esperar tudo.

Por coincidência, no mesmo capítulo 98, a Pe-regrinação também menciona os “mercadores de esterco” da China. Existe ampla documentação sobre os catadores de esterco do Rio antigo, co-mo La Blanchardière, em 1748 (em Visões do Rio de Janeiro colonial, 1531-1800), e Schlichthorst, em 1824 (em O Rio de Janeiro como é – Uma vez e nunca mais, cap. IX). No Segundo Reinado, com o avanço das regulações sanitárias, a prá-tica deve ter desaparecido. A última menção que encontrei foi no capítulo 4 de Mulheres e costumes do Brasil (1863), mas o sempre tão crí-tico Expilly menciona a atividade sem deixar claro se a testemunhou ou apenas ouviu falar. Finalmente, em 1864, foi inaugurado o serviço de esgoto da Corte.

Desnecessário acrescentar que esse é um con-to de ficção.

A velha lavadeira foi o oposto. Demorou longos minutos. Estudou bichinho por bichinho. Quis a certeza de soltar o mais velho e mais fraco, o mais feio e mais cansado.

Seus dedos mal funcionavam. Mãos escurecidas e descoloradas de bater roupa em pedra. Mas fez questão de ela mesma destravar o ferrolho. Não era fácil. O preto Sebastião construíra a gaiola especialmente para a menina, levando em conta seus dedos ainda finos e ágeis.

Finalmente, o bem-te-vi saiu cambaleando pelo ar.

Ao cair da tarde, a menina foi até um matinho próximo, abriu as portinhas da gaiola e assoviou. Um por um, todos voltaram. Menos o velho pas-sarinho. No feriado seguinte, a lavadeira também não apareceu. A menina gostava de pensar que estavam juntos.

Em casa, braços cansados de carregar a gaiola, acomodou seus tostões e vinténs (nem uma pa-taca hoje) em um latão na despensa. A sinhá era generosa: lhe dava todos os dias santos e ainda lhe permitia guardar tudo o que ganhasse.

Deu boa-noite para a sinhá e se dispôs na es-teira aos pés da cama. Sonhou que voava.

* * *

A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto men-ciona barcos chineses onde passarinhos e peixes eram soltos no ar e na água, em troca de esmola, para “serviço de Deus” (capítulo 98). Um texto chinês do século XVI, mesmo século no qual Mendes Pinto esteve na China, detalha um dos muitos rituais budistas que devem acompanhar

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obra em espiral atenção do ouvir

O Museu de Arte de São Paulo (Masp) exibiu até 10 de mar-ço uma exposição de Anna

Maria Maiolino, organizada por ter sido ela a grande vencedora do Prê-mio Masp Mercedes-Benz de Artes Visuais, em junho de 2012 (Paulo Na-zareth foi o premiado na categoria Talento Emergente). Na abertura da exposição, também foi lançado o livro Anna Maria Maiolino e, para quem não viu a exposição, concentrada em fotos, filmes super-8, vídeos, sons e instalações – “essas mídias que captam o instante”, nas palavras da artista –, resta o livro como uma bela possibilidade de um encontro a fundo com o trabalho e as reflexões dessa artista nascida na Itália, mas que se tornou a extraordinária criadora que é no cenário das in-quietações estéticas e existenciais da geração que encontrou ao aportar no Rio de Janeiro em 1960.

“Eu era muito jovem e não tinha consciência de que estávamos em um estado de esgotamento da modernidade”, diz ela na longa entrevista concedida a Helena Tatay, a organizadora do livro, original-mente uma iniciativa da Fundação Antoni Tàpies para acompanhar uma exposição itinerante da ar-tista na Espanha e na Suécia em 2010/2011. “Eu vi-via mergulhada na angústia e nas dúvidas, embora tentasse participar daquele momento de grande efervescência nos campos político, social e artísti-co (...). Queríamos desenvolver uma arte autônoma nacional, que se afastasse o máximo possível dos padrões e dos modelos do exterior”, ela continua.

O livro traz nas reproduções fotográficas das obras em variados suportes, técnicas e materiais – desenho, gravura, pintura, escultura em cerâmica, vidro, além das já citadas “mídias do instante” – e, também, nos poemas da autora (sim, ela escreve), uma amostra consistente do percurso riquíssimo de Anna Maria Maiolino em busca, já não da iden-tidade, desejo da fase de juventude, mas da articu-lação de uma linguagem própria. Nessa procura de “constituir-se pessoa/construir-se artista”, ela parte da figuração para outros e variados campos muito distantes, mas desenvolvendo sua obra, co-mo diz, em espiral, girando em torno de alguns pontos centrais, entre eles aspectos modestos do cotidiano, o orgânico, as metáforas do corpo, as fronteiras com os outros, os mapas, a cartografia de seu tempo. Mariluce Moura

O rádio é a mídia eletrônica mais antiga, com milhões de ouvintes fiéis em todo o país. Frequentemente transmite em primeira

mão – muitas vezes mais rápido que a internet – o chamado hard news, as notícias de fatos que acabaram de acontecer pela cidade, em eventos esportivos e no âmbito da política e da economia, além de estar sempre presente nos eventos cultu-rais. Mesmo com tal importância, há pouca lite-ratura acadêmica com análises consistentes que cubram o tema. Daí a relevância de Comunicação e cultura do ouvir, organizado por José Eugenio de Menezes, da Faculdade Cásper Líbero, e Marcelo Cardoso, do Centro Universitário Fiam-Faam.

O livro reúne artigos de integrantes do grupo de pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir, da Cásper Líbero, de São Paulo, e de pesquisadores de 15 outras instituições. A expressão “cultura do ouvir” foi tirada de uma palestra de Norval Baitello Júnior durante o seminário realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1997, que inspirou várias pesquisas sobre o tema.

No total, a obra traz 24 artigos e está dividida em três partes. A primeira delas, intitulada Vín-culo, trata das raízes da cultura do ouvir e estuda os vínculos como elos simbólicos ou materiais.

A segunda parte, Ambientes, tem textos críticos oriundos de pesqui-sas recentes. A última parte, Rádio: tendências e perspectivas, acompa-nha as modificações em andamento no universo dessa mídia.

Alguns textos trazem informa-ções sobre pesquisa relativa a pro-gramas de rádio hoje pouco citados, como, por exemplo, os produzidos por pessoas com transtornos men-tais em Santos, Campinas e Amparo, no inteiror paulista. Outros apontam

para mudanças em curso, como o que analisa a presença cada vez maior do jornalismo na pro-gramação na faixa FM. Até 1995, as rádios 100% noticiosas e esportivas se limitavam à AM; a FM era apenas musical.

Comunicação e cultura do ouvir cumpre o papel de refletir sobre o rádio (e outras mídias sono-ras) e instigar novas pesquisas e textos analíti-cos. O livro pode ser baixado gratuitamente pelo endereço www.casperlibero.edu.br/noticias ou comprado na forma impressa. neldson Marcolin

Anna Maria MaiolinoHelena tatay (org.) Cosac naify r$ 78,00 272 páginas

Comunicação e cultura do ouvirjosé eugênio de

o. Menezes e Marcelo Cardoso

(orgs.) editora Plêiade

495 páginas r$ 20,00

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uma decisão bem calculadaBrasileiro que veio de Cornell tem proposta aceita no programa jovens Pesquisadores, na Unicamp

gustavo Wiederhecker | entrevista: carlos Bremer | notas

O físico Gustavo Wiederhecker, de 31 anos, terminou seu pós-doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, em 2011, e optou por voltar ao Brasil, embora seu currículo o qualificasse a pleitear uma posição em alguma outra boa universidade americana. Aqui foi aprovado em concurso na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Apesar da excelência de ambas instituições, optou por Campinas para desenvolver o tipo de física que o interessa, a nanofotônica, que estuda as propriedades ópticas de novos materiais com possíveis aplicações em tecnologia, como a capacidade de usar a luz para transportar informações em microchips.

Sua opção pela Unicamp levou em conta dois fatores. O primeiro foi o fato de a universidade ter grande tradição em fotônica, desde os anos 1970. “Há muitas empresas spin-offs em Campinas que se originaram da universidade”, diz ele. O outro é o grupo de pesquisadores com

expertise na área, trabalhando em linhas de pesquisa similares à dele, como Newton Frateschi e Hugo Fragnito. Parte importante da infraestrutura desejada por ele está no Centro de Componentes Semicondutores, dotado de uma sala limpa, fundamental para suas pesquisas. Sala limpa é um ambiente superfiltrado, com um mínimo de partículas por metro cúbico. “Se não for assim, uma partícula de pó pode ser maior do que o material de dimensões nanométricas com o qual trabalho”, diz ele. Nos três anos passados em Cornell, Wiederhecker trabalhou com a professora Michal Lipson na área de nanofotônica, que investiga materiais com algumas centenas de nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão).

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vIrAndo A MeSA

Carlos Bremerex-professor da USP monta empresa com alunos

Graduado em engenharia de produção mecânica, em 1986, na Escola de Engenharia de São Carlos da Univer si dade de São Paulo (USP), Bremer fez doutorado na USP e pós-dou to rado na Universidade de

Aachen, na Alemanha, entre 1996 e 1997. Foi coordenador do Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) em São Carlos. Em 2001, aos 37 anos, ele pediu afastamento da USP.

Por que deixou a USP?Em 1999, nosso grupo do Numa ganhou o prêmio das Américas da SAP [empresa que desenvolve softwares de negócios]. Estudamos os sistemas de gestão da SAP e verificamos alguns problemas na implementação. Pegamos a bagagem conceitual e olhamos a cadeia de valor das empresas [atividades para execução das estratégias] e como isso seria usado na integração dos modelos de gestão. Em 2001 recebi um convite da Deloitte para trabalhar na empresa. Pedi afastamento da USP por dois anos. Inicialmente, fui eu e mais quatro do Numa, sendo dois doutores e dois mestres.

Como nasceu a Axia? Em 2003 resolvemos montar nosso próprio negócio. O mesmo grupo de pesquisa que foi para a Deloitte montou a Axia. A ideia era ser uma empresa de nicho, pequena. Mas em 2012 já éramos 140 funcionários e tínhamos uma filial em Atlanta, nos Estados Unidos, com um faturamento de R$ 35 milhões por ano. Contratamos mais de 30 profissionais do Numa e trabalhamos principalmente com grandes empresas brasileiras, como Perdigão, Gerdau e Alpargatas. Em 2012, a Ernst & Young Terco começou a investir em consultoria de cadeia de valor e eles fizeram um convite para a Axia ser incorporada, inclusive todos os funcionários. Aceitamos porque nos foi dada a possibilidade de implementar a plataforma global de Value Chain da Ernst que atua em mais de 100 países.

A relação com a universidade continua?Temos convênios com a USP e dois ex-funcionários da Axia viraram professores da USP de São Carlos. Acredito que possamos ter um canal mais formal entre o que a universidade desenvolve e pode ser aplicado e o que a indústria está precisando e a universidade pode estudar.

Seu objetivo era saber como a luz poderia ser usada para movimentar partes de mecanismo microscópico em um chip de silício. Em 2009, ele publicou artigo na Nature sobre esse tema, como primeiro autor. No ano passado, já na Unicamp, integrou o grupo internacional que conseguiu a capa da Physical Review Letters com um trabalho sobre micro-osciladores optomecânicos (ver edição 204 de Pesquisa FAPESP).

A aprovação no programa Jovens Pesquisadores (JP) da FAPESP foi conseguida no final de 2012, depois de um ano de planejamento. Agora ele começa a montar seu laboratório com equipamentos compartilhados com o físico Thiago Alegre (também ele ganhador de uma bolsa do programa). “Com a nanofotônica conseguimos trabalhar com componentes – como silício, no meu caso – em uma escala muito menor e explorar novas possibilidades de dispositivos para equipamentos da área de telecomunicações, por exemplo”, diz Wiederhecker, que é natural de Goiânia (GO). O problema é que apenas uma das máquinas usadas para fabricar os novos dispositivos – que depois são testados no próprio Instituto de Física – custa cerca de US$ 300 mil. Daí a oportunidade única que o programa proporciona. “O financiamento do JP é para um projeto de pesquisa independente, mas os equipamentos serão de uso compartilhado”, diz.

Wiederhecker crê que os resultados do projeto poderão ter impacto na tecnologia dos sistemas ópticos de transmissão de informação. “A intenção é também contribuir para o desenvolvimento da tecnologia de micro e nanofabricação de componentes em São Paulo”, explica. 

Mulheres na ciência

dados preliminares de uma pesquisa de doutorado mostram que o índice de mulheres cientistas que trabalham em institutos de pesquisa federais no Brasil e na frança é o mesmo, cerca de 32%. Mas enquanto as francesas ocupam

17% dos cargos de gestão, as brasileiras não passam de 9% nessa posição. A autora é a analista do Ministério da Ciência, tecnologia e Inovação ludmila de Brito-ribeiro, aluna de doutorado na Universidade Mackenzie de São Paulo.

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