Performance, Mito e Arquétipos no Feminino: Lilith e Eva - Sombra e Anima

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* ANTROPOLOGIA E TEATRO Docente Paulo Raposo Performance, Mito e Arquétipos no Feminino Lilith e Eva – Sombra e Anima Mestrado em Teatro e Comunidade Susana Vitorino 07/08

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Ensaio elaborado para a disciplina de Antropologia Teatral no Mestrado em Teatro e Comunidade, na ESCT. Docente: Dr Paulo Raposo do ISCTE

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ANTROPOLOGIA E TEATRO

Docente Paulo Raposo

Performance, Mito e Arquétipos no Feminino

Lilith e Eva – Sombra e Anima

Mestrado em Teatro e Comunidade

Susana Vitorino

07/08

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“Todos sentimos o apelo do lado selvagem. E este apelo tem muito poucos

antídotos culturalmente aceites. Ensinaram-nos a ter vergonha deste desejo.

Soltamos o cabelo e com ele ocultámos os nossos sentimentos. Mas a sombra da

Mulher Selvagem vem em nosso alcance, quer de dia quer de noite. Onde quer que

estejamos, a sombra que trota atrás de nós tem sem dúvida quatro patas.”1

O meu ponto de partida são as duas artistas plásticas a que Viviane Rocha

dedica a sua tese de doutoramento: Márcia X e Beth Moysés. Mais

especificamente as performances: Desenhando com Terços (Márcia X) e

Memória do Afecto (Beth Moysés).

Duas artistas, duas mulheres, duas imagens de reivindicação no feminino,

duas simbólicas diferentes, uma única dor, um único antagonista: o

homem.

Através destes dois trabalhos de performance irei elaborando um

paralelismo entre a própria performance, o esquema psíquico descrito por

Jung, nomeadamente no que diz respeito ao conceito de arquétipo, sombra

e anima, e, os mitos envolvidos: Lilith e Eva.

Lilith e Eva – Sombra e Anima

Ambas mitos relacionados com a cosmogonia judaico-cristã numa primeira

instância, nascem no entanto de formas muito distintas. Descrita em

documentos como o Tora dos Judeus e o Alfabeto de Ben – Sirah, entre

outros, Lilith2 é considerada a primeira mulher de Adão. Na versão

cabalística, Lilith e Adão eram o Hermafrodita que Deus separou, ficando o

elemento feminino de um lado e o masculino de outro. Foram criados em

igualdade e em igualdade deveriam viver, mas Lilith era uma mulher que

não se queria submeter sexualmente, manifestando o seu desejo de,

durante o acto sexual, ficar por cima de Adão. Adão não gostava desta

exigência de Lilith e ter-se-á queixado da atitude da companheira. Lilith

deixou Adão, fugiu para o deserto e tornou-se amante do Diabo (em

algumas versões, ela própria se transformou em Demónio. Por ter

abandonado Adão, as suas crianças foram condenadas à morte. Diz-se que

Lilith, ao longo dos tempos, durante a noite matava as crianças de berço

das outras mulheres, e que invadia os sonhos dos homens causando-lhes

poluções nocturnas, especialmente nos que queriam guardar celibato.

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Transformou-se numa figura nocturna, sendo muitas vezes retratada com

uma coruja de cada lado. Mulher demónio, independente, erótica e sensual,

senhora dos seus desejos e por isso também dotada de grande criatividade,

foi banida da Bíblia, e enviada para o porão do inconsciente colectivo…

Adão, triste por ter ficado sozinho, pede a Deus uma nova companheira,

uma mulher que seja mais submissa aos seus desejos. Assim, de uma

costela de Adão, Deus criou a Eva: uma mulher submissa ao seu

companheiro, dócil e maternal.

Dentro do esquema psíquico elaborado por Jung, estas duas mulheres são

dois rostos da Anima, sendo que Lilith é Anima e Sombra simultaneamente.

Dentro da sociedade patriarcal que se instalou desde tempos remotos, a

mulher que assume o seu desejo sexual é a proscrita, a meretriz, encontra-

se à margem do que é socialmente correcto e aceite. É uma mulher

poderosa e perigosa, tendo cortado com tudo o que diga respeito à Mulher-

Mãe, representa muitas vezes no Inconsciente Colectivo o Arquétipo da

Amante. É também a Sacerdotisa, a Bruxa, tantas vezes queimada na

fogueira pela Inquisição. Eva é o arquétipo da Mulher- Mãe, da cuidadora,

frágil e submissa à vontade do homem.

Márcia X

Ao observar o trabalho destas duas artístas/performers não posso deixar de

lhes perceber os contornos do Mito e do Arquétipo. Márcia X apresenta-nos

a sua performance como um ritual assumidamente sagrado, criticando o

patriarcado clerical de uma forma provocadora. Totalmente vestida de

branco, cabelos longos, soltos, descalça, vai dispondo pelo chão, lenta e

minuciosamente, terços adereços que traz ao pescoço, concebidos

especialmente para o seu trabalho, transformando-os em pénis. “Esta

performance/instalação foi realizada pela primeira vez na Casa de Petrópolis –

Instituto de Cultura (sala de jantar em processo de restauro), Julho de 2000.

Foram usados 500 terços (montados dois a dois). A sala mede 4x5m. A

performance durou 6h.”

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De tal forma Márcia X foi marcante, que mesmo depois da sua morte, a

performance/instalação Desenhando com Terços, foi incómoda e causou

polémica:

“Ontem, quinta-feira, 20/04/2006, às 16h, houve uma manifestação contra a

censura no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), que retirou uma obra da artista

plástica Márcia X. da exposição "Erótica – Os Sentidos na Arte". A obra,

"Desenhando em terços", foi considerada ofensiva por um empresário, Carlos Dias

Filho, que entrou com uma queixa-crime contra os organizadores.

Carlos Dias Filho, foi deputado estadual pelo PPB. É uma figura retrógrada e

autoritária. Já entrou com uma ação contra uma lei que incentivava a paternidade

responsável, o planejamento familiar, a regulação da fertilidade e a liberdade

individual de concepção da mulher. Alegou que a lei era um incentivo ao aborto. Ele

conseguiu emplacar o controvertido projeto do ensino religioso obrigatório nas

escolas públicas, mas não teve o mesmo sucesso quando quis instituir o Dia do

Nascituro.

A concentração contra a censura foi no Paço Imperial e, de lá, os manifestantes

foram até o CCBB, onde realizaram uma manifestação pacífica, exigindo a volta da

obra de Márcia X à exposição, que ainda segue em itinerância para o CCBB de

Brasília.”3

“RIO - A polêmica em torno da exposição "Erotica - Os sentidos na arte", em cartaz

no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) no Rio até o próximo dia 30, despertou a

revolta da Igreja Católica. Segundo a assessoria de imprensa da Arquidiocese do

Rio, o cardeal-arcebispo, Dom Eusébio Scheid, ficou indignado ao tomar

conhecimento do conteúdo da mostra.

Dom Eusébio considerou louvável a atitude do empresário Carlos Dias Filho, que

registrou uma queixa-crime contra os organizadores da exposição na 1ª DP. O

cardeal disse ainda que apóia as manifestações de repúdio contra a mostra, que

estão sendo organizadas em sua maioria por grupos religiosos. A mostra conta com

obras de 53 artistas brasileiros e estrangeiros, vindas de diversos países e

confeccionadas em diferentes épocas da história. A polêmica, por enquanto, está

concentrada no quadro de Márcia X e nas três obras de Alfredo Nicolaiewsky.”

Estas notícias sobre o sucedido mostram bem, o quanto o Mito de Lilith

ainda atormenta os homens – os tais, que insistem em manter-se “castos”.

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A Dra Clarissa Pinkola Éstes, depois dos seus estudos em biologia e fauna

selvagem, com enfoque particular nos lobos (daí o título do livro Mulheres

que Correm com os Lobos: Mitos e Relatos do Arquétipo da Mulher

Selvagem), diz-nos que: “A atitude predadora que exercem sobre os lobos e as

mulheres aqueles que não os compreendem é surpreendentemente similar.” E

ainda: “E, sem dúvida, ambos foram perseguidos, hostilizados e falsamente

acusados de ser vorazes, velhacos e demasiado agressivos e de valer menos que os

seus detractores”.4

Texto de Márcia5 sobre as performances

“Desenhando com Terços”, “Pancake”, “Ação de Graças”, “Ex-machina”, “Cair em

Si”, são performances/instalações criadas entre 2000 e 2002 reunindo

componentes característicos da religiosidade brasileira e de obsessões

culturalmente associadas às mulheres, como sexo, beleza, alimentação, rotina,

consumo e limpeza. Nestes trabalhos, imagens e ações habituais parecem

contaminados pela lógica dos milagres, contos da carochinha, sonhos e pesadelos.

O uso de roupas brancas, camisolas e saias pregueadas, contribui para evocar

enfermeiras, freiras, noivas, estudantes, filhas de Maria, boas meninas e boas

moças, agindo no limite entre a consciência, o sono e o transe religioso. As ações

propostas – lavar terços, encher copos de mingau, derramar leite condensado na

cabeça, permanecer deitada, e outras – são repetidas e executadas até a exaustão

física, até o fim do espaço, do material ou do tempo. Sabão em pó, grama, terços

católicos, bacias, são materiais e objetos muito comuns, mas ao serem usados de

forma deslocada, como os galos nos quais enfio meus pés (galos de verdade

cravejados de pérolas) em “Ação de graças”, levam-nos a perceber como são

absurdas imagens até então consideradas corriqueiras e inofensivas. Por exemplo,

pessoas usando pantufas em forma de coelhos de pelúcia. As instalações

resultantes da ação das performances permanecem em exposição, sendo

simultaneamente o registro desta ação.

Márcia X é, de alguma forma, uma “Deusa da Obscenidade”: “Há um aspecto

da sexualidade das mulheres que na antiguidade se chamava o obsceno sagrado,

mas não com o significado que a palavra obsceno tem nos dias de hoje para nós,

mas sim como significado de “sexualmente sábio e engenhoso”, e prestava-se

tributo às Deusas através de alguns cultos dedicados em parte à irreverente

sexualidade feminina. (…) Eram chamadas Deusas da Obscenidade pela sua lascívia

astuta e ingénua.”6

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Beth Moysés

“Performance realizada em 2000, no Dia Internacional da não Violência contra a

Mulher (25 de Novembro): 150 mulheres trajando vestidos de noiva caminharam

pela avenida Paulista em São Paulo despetalando rosas por onde passavam.

Finalmente, no final da caminhada elas enterraram os caules nus das rosas em uma

praça pública.

Memória do Afecto:

DA CONSOLAÇÃO AO PARAÍSO

*por Katia Canton

Desde1994, a artista Beth Moysés assumiu o vestido de noiva como instrumento de

articulações simbólicas sobre as relações amorosas e tudo que as cerca.

Primeiro, como num tapete gigante e surreal, forrou o teto de uma capela com um

arsenal de vestidos de noiva. Elevados às alturas, eles falavam de promessas,

denunciavam expectativas reduzidas a brancas nuvens, demonstravam uma

ausência literal de pés no chão. Dependurados pelas saias, sem corpos, recheados

com panos, anônimos, os vestidos transpiravam solidão e desencanto e sugeriam

um campo minado de lágrimas.

Nesse momento, a crítica desencantada é substituída por uma enérgica

performance-manifesto. Os vestidos são finalmente (re)ocupados. Descem ao chão,

são habitados pelas mulheres aos quais pertenciam. Por mais velhos, apertados ou

folgados, curtos ou longos que estejam agora, ao vestí-los, elas (re)clamam as

memórias de amor e afetividade que a simples presença do vestido ritualizava num

momento específico do passado.

Os corpos dessas mulheres vestidas de noiva caminham hoje pelas ruas e avenidas

num percurso em que as promessas do passado se mesclam e reivindicam

concretização no futuro. Que todo sonho embutido no símbolo do vestido branco se

torne a bandeira da paz, do amor e da solidariedade a espelhar e penetrar o agora

em diante.

Carregando rosas, cujas pétalas são desgarradas e jogadas ao chão, as mulheres

parecem querer rastrear uma memória e contaminar o espaço urbano e seus

habitantes com sentimentos de paz e afeto. Por fim, à chegada, as hastes nuas das

rosas, pontuadas agora somente por espinhos são despejadas numa profunda

cratera cavada por suas próprias mãos, na terra. As dores são enterradas num ato

simbólico que combina coragem e resignação.

É assim que essa performance-manifesto transcende os limites da arte e ganha um

significado de urgência amorosa dentro de um universo de violências cotidianas,

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que começa nas relações familiares e contamina todos os tipos de situações na vida

da cidade.

Que as mulheres vestidas de branco possam completar seu percurso, contagiando

outras pessoas pelo caminho. Que possam de fato enterrar seus espinhos.

E que esse caminho substitua uma atitude resignada, de consolação, e clame por

um estado tomado por uma generosa e contagiosa afetividade. Que ele seja

seguido.

*Katia Canton é crítica de arte. Acompanha sistematicamente a produção de Beth

Moysés desde 1994.”7

Não posso deixar de achar interessante o subtítulo que Kátia Canton

escolheu para elaborar a sua crítica à performance de Beth Moysés: Da

Consolação ao Paraíso. Ao Paraíso primordial de Eva, onde tudo era perfeito

enquanto se vivia num estado de Uroboros – estado de União Mística assim

designado pela linguagem Alquímica. Numa linguagem psicológica o estado

de Uroboros é um estado de simbiose, o estado em que nos encontramos in

útero e nos primeiros meses da nossa vida com a nossa mãe. Por esta

ordem de ideias, o paraíso uroborico mais não é que um estado de

dependência emocional e de sobrevivência básica. Muitas mulheres (com

toda a abrangência que pode implicar a generalização de um assunto)

procuram no casamento segurança. Esta segurança pode ser de ordem

emocional ou económica, quer seja para apaziguar os seus próprios medos

ou os de terceiros. Quando casam, idealizam o seu próprio Éden. Querem

ser princesas por um dia e recordadas como tal, e o vestido de noiva é

representativo disso mesmo. Como nos recorda Richard Idemon: “Hoje em

dia associamos o amor basicamente à ideia do amor romântico, e acreditamos que

toda a gente deve passar por essa experiência, e também que estar apaixonado

deve conduzir ao casamento. Crescemos acreditando no amor romântico e no

casamento, talvez sem nunca nos termos apercebido que, historicamente falando,

homens e mulheres do Ocidente moderno são únicos na sua forma de perpetuar o

mito de que um homem e uma mulher devem apaixonar-se, casar, viver felizes

para sempre, e que a intensidade romântica e erótica, que existia durante a corte é

algo que deve existir para sempre. É uma espécie de conto de fadas, como a

Cinderela. (…) Parece-me que a ideia de amor romântico e casamento da nossa

sociedade, foi misturada ou contaminada pelo conceito Cristão de salvação.”8

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Mas os contos de fadas terminam todos no “E viveram felizes para sempre”.

Nunca ninguém sabe como é que o príncipe e a princesa vivem a rotina do

dia a dia. Questiono-me se esta performance de Beth Moysés não estará a

perpetuar o síndrome de vitimização destas mulheres, a maior parte delas

vítimas de violência doméstica. Elas tinham concerteza um sonho quando

casaram, expectativas, ilusões… A expulsão do Paraíso é um momento

difícil, é o despertar para a realidade, é sair de um conforto infantil de

nutrição e protecção. Não vou, nesta reflexão, entrar pela explicação dos

padrões e mecanismos de projecção das mulheres vítimas de violência, pois

isso daria mais uma série de considerações. Mas não acho esta performance

de Beth Moysés interessante a um nível de reestruturação da ferida interna.

Da minha apreciação, considero sim que é uma revalidação e um reforço da

vitimização destas mulheres – O Elogio da Vítima, que olham para nós com

ar de abandono e tristeza, praticando um ritual simbólico de destruição de

tudo o que foi por elas idealizado: queimar as memórias, enterrar os

espinhos, espalhar as pétalas das rosas… desfilando mórbida e

silenciosamente nos seus vestidos de noiva que agora, com o passar dos

anos, se transformam numa imagem grotesca – porque já não há fecho que

resista, porque já não serve, etc. No fundo, parecem dizer-nos “Tenham

pena de nós”, e todo este ritual não ajuda à verdadeira recuperação do seu

poder pessoal. Porque o que acontece a um nível psicológico, e

consequentemente físico, a mulheres vítimas de violência doméstica é a

perda do seu poder pessoal.

A Dra Christiane Northrup dá-nos uma perspectiva do patriarcado, que ela

diz resultar em dependência, que se encaixa em tudo o que tenho vindo a

argumentar:

“A cosmologia judaico-cristã que informa que a civilização ocidental encara o corpo

feminino e a sexualidade feminina de Eva como responsáveis pelo declínio da

espécie humana. Durante milhares de anos, as mulheres foram rebaixadas,

maltratadas, queimadas na fogueira e acusadas de todos os malefícios, única e

simplesmente por causa do seu sexo. Esquecemo-nos, nesta era de mudanças tão

rápidas, que às mulheres só foi reconhecido o direito de voto em 1920! (…) A

crença de que é suposto os homens dominarem as mulheres está bem arreigada

em muitas tradições ocidentais.

A organização patriarcal da nossa sociedade exige que as mulheres, os seus

cidadãos de segunda categoria, ignorem ou rejeitem as suas esperanças e sonhos

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por deferências aos homens e às exigências das suas famílias. Este sistemático

bloqueio, ou negação, das nossas necessidades de auto-expressão e auto-

realização provoca em nós uma enorme dor emocional. Para escondera as suas

dores, as mulheres habituaram-se a usar aditivos e desenvolveram

comportamentos de dependência que levaram a um ciclo infindável de maus tratos

que nós mesmas ajudamos a perpetuar.”9

Para quem não está familiarizado com o Mito de Lilith, a Eva como

tentadora é um eco. Mas Eva, antes de ter tentado foi tentada. E quem é

que tentou Eva? A serpente que é tida como Lilith. A psique cendida. Duas

faces da mesma Anima, mas uma delas foi obrigada a permanecer

escondida no inconsciente, transformando-se em Sombra.

No filme O Nome da Rosa, há um momento em que Ubertino de Casale está

prostrado aos pés da Virgem, e diz a Adso, o noviço de William, apontando

para a Virgem: “ É linda, não é? Quando a mulher, por natureza tão

perversa se torna sublime pela santidade pode tornar-se o mais nobre

veículo da Graça.” Márcia X com a sua performance está mais perto da

integração dos dois arquétipos, e consequentemente da integração da

Sombra, do que Beth Moysés com a Memória de Afecto, onde um lado da

Anima é absolutamente desconsiderada

A Experiência em Aberto

A performance, de acordo com Victor Turner, é a experiência que se

completa através de uma forma de expressão. O professor Jonh Cowart

Dawsey, no seu artigo Turner, Benjamin e Antropologia da Performance: O

lugar olhado (e ouvido) das coisas, questiona o que se entende por

completar essa experiência. Se a performance fica em aberto, não acabada,

temos que ter atenção para onde é que ela fica aberta – se para as feridas

internas do objecto da performance, ou se para o caminho da resolução.

Senão, não estará o autor da performance a usar as situações e as pessoas

como meros objectos decorativos e estéticos?

Assim, considero que Márcia X – “A Mulher Selvagem” se torna mais

questionadora, logo incómoda no seu silêncio sagrado, do que Beth Moysés

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– a Porta voz das Evas e as suas “Noivas Cadáver”, no seu cortejo fúnebre

não questionador, mas potencialmente catalisador de identificações várias

entre vítimas.

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ANEXOS

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Márcia X – Desenhando com Terços

Beth Moysés – Memórias de Afecto

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LILITH

EVA

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O Mito Do Amor Romântico

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NOTAS 1 In Mulheres que Correm com os Lobos, Dra Clarissa Pinkola Estés*, Suma de Letras, 2001, Prólogo (tradução minha do castelhano). *Diplomada em Psicologia Analítica Jungiana pela Associação Internacional De Psicologia Analítica de Zurique, Suíça, é cantadora guardiã dos antigos contos da tradição latino americana e poeta de renome internacional. Foi directora executiva do C.G. Jung Center for Education and Research dos Estados Unidos, e doutorou-se em estudos interculturais e psicologia clínica. 2 http://www.youtube.com/watch?v=FQ7R_FPMF4kExcerto do documentário sobre Lilith: Banned from the Bible para o Canal História 3 Informação retirada do site http://nu-chao.blogspot.com/2006/04/obra-de-mrcia-x-censurada-na-exposio.html 4 In Mulheres que Correm com os Lobos, Dra Clarissa Pinkola Estés, Suma de Letras, 2001, pp. 12-13, (tradução minha do castelhano). 5 http://marciax.uol.com.br/mxText.asp?sMenu=3&sText=26 6 In Mulheres que Correm com os Lobos, Dra Clarissa Pinkola Estés, Suma de Letras, 2001, p. 542, (tradução minha do castelhano). 7 http://www.bethmoyses.com.br/bethmoys.htm 8 In Through the Looking Glass – A search for the Self in the mirror of relationships, Seminars in Psychological Astrology, Vol 5, Richard Idemon (1938-1987)*, Edited by Howard Sasportas, 1992, p. 118-119 (tradução minha do inglês). *Astrólogo, Terapeuta, Conferencista e Professor Norte Americano. 9 In Corpo de Mulher Sabedoria de Mulher, Christiane Northrup M.D.*, Sinais de Fogo, 1998, p. 31 *Médica ginecologista-obstetra e trabalhou na Drmouth Medical School e no Tufts New England Medical Center antes de co-fundar o centro de saúde Women to Women em Yarmouth, Maine, que se tornou num modelo para as clínicas para mulheres nos EUA. Foi presidente da American Holistic Medical Association e é actualmente Professora Assistente de Ginecologia-Obstetrícia no College of Medicine da Universidade de Vermont.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ÉSTES, Clarissa Pinkola. 2001 “Mujeres que corren com los lobos”, Madrid: Suma de Letras NORTHRUP, Christiane. 1998 “Corpo de Mulher Sabedoria de Mulher”, Lisboa: Sinais de Fogo IDEMON, Richard. 1992 “Through the Looking Glass – A search for the Self in the mirror of relationships”. Seminars in Psychological Astrology, Volume 5, Maine: Howard Sasportas CAMPBELL, Joseph. 2001 “Thou Art That – Transforming Religious Metaphor”, California: New World Library JUNG, C. G. 2002rp “ The Archetypes and the Collective Unconscious”, London: Routledge DAWSEY, Jonh C. Artigo “Turner, Benjamin e Antropologia da Performance: O lugar olhado (e ouvido) das coisas PEIRANO, Mariza. Artigo “Temas ou Teorias? O estatuto das noções de ritual e de performance” MANTOVANI, Alexandre; BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Artigo “ Pessoa e Performance: Drama Social e Sujeito Plural”

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