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II. Uma primeira análise sobre a avaliação do ensino superior: abrindo o debate
PENSAR A AVALIAÇÃO
DO ENSINO SUPERIOR
Jesus Maria Sousa, José Sílvio Fernandes, Ana Catarina Fernando e Helder Arsénio Lopes
O grupo da Universidade da Madeira, apesar de pequeno e heterogéneo, em termos de
interesses pessoais, áreas científicas e correspondentes cosmovisões, iniciou o debate sobre a
avaliação do ensino superior, procurando corresponder ao desafio do SNESup no sentido de
evitar a reprodução acrítica de conceitos há longo tempo postos a circular. Acordámos, desse
modo, que ao invés de recolher fundamentação teórica sobre a avaliação em abstrato (mera
descrição de tipos, modalidades, funções, objetivos, critérios e instrumentos de avaliação,
indicadores de desempenho, etc.), matéria essa patente em abundante literatura avulsa
facilmente localizável, concentrar-nos-íamos sobre algumas questões mais de âmbito geral,
que, por si só, são questões prévias de natureza epistemológica, filosófica, política e
ideológica, não formatáveis por conceitos fechados à partida. Assim sendo, num livre exercício
de opinião, propusemo-nos discutir sobre alguns temas, cruzando-os com a avaliação do
ensino superior:
1. Avaliação e complexidade
2. Avaliação e objetividade/subjetividade
3. Avaliação e autonomia
4. Avaliação e liderança inclusiva
Deste modo, o texto que se segue encontra-se organizado seguindo os quatro eixos
norteadores da nossa reflexão, estando nós conscientes da emergência de eventuais
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incongruências, no seu todo, provavelmente resultantes da riqueza e da diversidade de
posições, nem sempre consensuais, dentro do grupo.
1. AVALIAÇÃO E COMPLEXIDADE
A primeira questão que se impõe, quando se aborda a avaliação, é saber exatamente o
que se pretende avaliar. Esta questão é tão complexa que nos obrigou a uma primeira
discussão sobre se o tema que nos era proposto seria a “avaliação no ensino superior” ou a
“avaliação do ensino superior”. A subtileza conferida pelas preposições “em” ou “de”
delimitaria ou alargaria o âmbito da nossa reflexão, tendo nós optado pela “avaliação do
ensino superior” por esta designação abranger a “avaliação no ensino superior”. Estava então
dado o mote para a questão da complexidade do tema.
Tendo todos nós a ver com uma instituição em concreto, a avaliação do ensino superior
não pode deixar de encarar a Instituição do Ensino Superior (IES) como um sistema vivo,
enquanto organização humana, para a qual se impõe uma abordagem holística. Constituída
por um conjunto de entidades ou partes (alunos, professores, funcionários, gestores), o
sistema existe na relação que se estabelece entre essas partes ou subsistemas (interação),
através de um fluxo de informações (comunicação), tendo em conta a consecução de um
objetivo geral para o qual todos concorrem (equifinalidade).
Esse todo organizado pressupõe também uma hierarquia sistémica, em equilíbrio
homeostático, no pressuposto de que uma alteração numa componente do sistema afetará
em cadeia todos os demais elementos. Finalmente, enquanto sistema vivo, importa ressaltar a
sua abertura ao meio (sistema aberto), ao nível dos diversos patamares, culminando no
macro-sistema social onde jogam outras forças provenientes dos sistemas político, económico,
cultural, religioso, ideológico, etc. O fechamento ao meio provoca inelutavelmente a sua
morte por entropia. Ao encararmos a IES como um sistema complexo, “com qualidades de
totalidade, interdependência, hierarquia, autorregulação, intercâmbio ambiental, equilíbrio,
adaptabilidade e equifinalidade” (Littlejohn, 1982: 33), rejeitamos totalmente um discurso de
causalidade linear na sua avaliação, discurso esse característico do paradigma da simplificação
que marcou a modernidade.
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No momento em que vivemos de transição paradigmática (Santos, 2011), já não fazem
sentido leituras simplistas tendo em vista o alcance de verdades absolutas. Pelo contrário, não
só ao nível das ciências humanas e sociais, como ao nível das chamadas “ciências duras”, o
paradigma da complexidade (Morin, 2008) começa a ser partilhado pela comunidade
científica, numa atitude de relativização das certezas e de reconhecimento das especificidades
próprias, locais e regionais.
Ser uma instituição excelente, razoável ou fraca, ser eficaz ou ineficaz depende de uma
multiplicidade de fatores, todos eles interligados e relacionados com o fim a que se propõe,
isto é, ser verdadeiramente uma “organização aprendente” (Senge, 1990). Por isso,
consideramos que a avaliação do ensino superior, nomeadamente a de uma IES, passa pela
verificação da qualidade (palavra-chave mas com representações diversas) das aprendizagens
realizadas, do desempenho dos docentes e investigadores, das infraestruturas e dos recursos,
da forma como os processos decorrem, dos cursos ministrados e da gestão interna, enquanto
subsistemas em interação constante.
Com este sentido de complexidade, a avaliação das aprendizagens dos alunos, enquanto
um dos subsistemas, não pode por isso ter apenas em conta os resultados imediatos de testes,
exames ou outros tipos de provas, quantificados e mensurados por parâmetros, partindo-se do
princípio de que o todo resultará da soma das partes. Ora onde está a avaliação dos
processos? Será que pela dificuldade de os avaliarmos nos leva a assumir que eles não
existem? Claro que é mais confortável o recurso a grelhas de avaliação quantitativa, porque
conferem segurança a avaliadores e avaliados. Mas há que se ter a consciência de que não se
está a avaliar o todo.
Por outro lado, se é importante o domínio dos conhecimentos por parte dos alunos, não
é só a esse nível que se espera avaliar. Não se deseja que o aluno do ensino superior seja um
mero reprodutor-repetidor de conteúdos veiculados, mas que também consiga surpreender o
próprio professor, criando algo de novo. Não estamos a falar da IES, enquanto sede de
construção de conhecimento, por excelência? E até que ponto o sentido crítico e as atitudes
são também valorizadas na avaliação dos alunos? Por isso, num paradigma da complexidade,
há que ter a consciência de que aquela determinada classificação pode (e muitas vezes
acontece) não corresponder ao futuro desempenho do aluno a médio e a longo prazo, como
faria supor uma visão linear e determinista.
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O mesmo poderemos dizer relativamente à avaliação do desempenho docente, outro
dos subsistemas da avaliação do ensino superior, igualmente pluridimensional, conforme
determinação do ECDU e do ECDESP, ambos republicados em 2009, referentes às vertentes de
avaliação a serem regulamentadas pelas instituições. Sendo incontornável o serviço de
programação, lecionação e avaliação, correspondentes à atividade pedagógica propriamente
dita, a vertente da investigação começa a ter um peso cada vez maior na avaliação do
professor, na lógica da mensurabilidade, com relevo para a hegemonia da língua inglesa sobre
as demais, das revistas sobre os livros e, no âmbito das revistas, com primazia para os blind (ou
double-blind) peer-review journals. Uma percentagem menor é adicionalmente atribuída ao
exercício de cargos de gestão e coordenação, bem como outra, também não muito relevante,
à prestação de serviços à sociedade. Algumas IES contemplam igualmente o chamado
desenvolvimento pessoal, valorizando a formação contínua em que o professor se envolve.
Também aqui, neste subsistema, tem prevalecido a adoção de métricas de
quantificação, levando os docentes a colecionar pontos ou outro tipo de unidades de medida
para alcançar o total definido em cada um dos regulamentos de avaliação adotados pelas IES.
As atividades científico-pedagógicas, de serviço ou de desenvolvimento pessoal resultam,
deste modo, de uma fórmula, onde se matematiza o desempenho. Mesmo a obrigação de
preenchimento de um relatório de autoavaliação não isenta o processo do seu efeito
quantificador.
Outro subsistema objeto de avaliação diz respeito às infraestruturas e aos recursos
materiais de uma determinada instituição, pesando a existência (ou não) de bibliotecas,
mediatecas, laboratórios, anfiteatros e salas de aula, salas de estudo, restaurantes, residências
para estudantes deslocados, campos de jogos, espaços apropriados para a simulação de
práticas, equipamentos informáticos, sistema wireless, reagentes, material desportivo,
projetores multimédia, etc., etc., tudo isto e muito mais, em relação direta com os cursos a
avaliar, na tal interação entre os vários subsistemas, atrás mencionada. Esta dimensão física
das IES não funciona sem a devida “alimentação”, através da aquisição de material, de
trabalhos de manutenção, fiscalização, limpeza, jardinagem, tratamento de lixos e outros
assegurados por recursos humanos. A desburocratização desses processos passará cada vez
mais pela responsabilização dos serviços em causa.
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A desejável comunicação entre os vários subsistemas exige também uma especial
atenção à regulamentação dos processos, numa linguagem clara e acessível. Como se faz uma
requisição? Quais as regras de avaliação de uma unidade curricular? Como decorre uma prova
pública? Como se concorre a um curso? Como se candidatar a uma bolsa de estudo? A
disponibilização e atualização permanente deste tipo de informação deverá facilitar e nunca
dificultar os procedimentos. A existência de serviços de apoio com agilidade suficiente para os
processos administrativos e académicos é o que marcará a diferença.
Outro dos subsistemas, talvez o cerne das IES, é a própria oferta formativa: os cursos. A
avaliação dos cursos replica a avaliação dos subsistemas atrás elencados, tal como tem efeitos
sobre eles, num jogo dinâmico de influências mútuas e recursivas. De entre os vários
parâmetros de avaliação de um curso, temos a sua própria história, a legislação que o suporta,
a teoria oficial e a sua lógica política, a justificação filosófica, o facto de ter sido já sujeito a
avaliação ou não, o alinhamento do curso, ou seja, a coerência interna entre a visão, a missão,
os fins, o título e o desenho curricular, a articulação entre o desenho curricular e os programas
das disciplinas, e entre os programas e os planos de aula, a articulação entre os fins do plano
de estudos e os objetivos dos programas em particular, a articulação entre estes, de modo a
não haver sobreposição de matérias, a articulação vertical entre os planos de estudos dos três
ciclos (licenciaturas, mestrados e doutoramentos), dentro da mesma área científica, a
implicação e o envolvimento por parte da gestão e administração, a formação científica e
pedagógica do corpo docente, na sua relação direta com a área do curso, as relações humanas
entre os professores e o diretor de curso ao nível da coordenação do ciclo de estudos, os
equipamentos e as condições de estudo, as saídas profissionais e taxas de empregabilidade,
etc. Um mundo sem fim, como vemos, atestando a complexidade da sua avaliação.
A própria gestão das IES constitui um outro, não menos importante, subsistema de
avaliação. Incluindo os diversos patamares de gestão e administração (conselhos de curso,
conselhos científicos, conselhos pedagógicos, etc.) em articulação com os estilos de liderança
dos responsáveis máximos da instituição e sua quota-parte no clima de conflitualidade
emergente, entram aqui em jogo também as várias estruturas de gestão e avaliação interna de
qualidade, em geral.
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Finalmente, para reforçar a natureza complexa da avaliação do ensino superior, temos a
introdução do elemento estranho que obriga idealmente à descentração de cada um, pela
abertura a outros pontos de vista sobre o conceito de qualidade, conferindo ao mesmo tempo
independência e neutralidade ao sistema de avaliação: as equipas de avaliação externa. Esta
questão remete-nos a uma reflexão profunda sobre a constituição dessas equipas e sua
metodologia de avaliação. Inspirados em Scriven (2012), perguntar-nos-íamos sobre o
seguinte: Quem são os avaliadores? Como é constituída a equipa de avaliação (consultores,
experts, um painel)? São todos especialistas? Serão competidores no plano nacional?
Pertencem ao mesmo grupo de interesses (mesma linha científica, ou mesmo centro de
investigação, por exemplo)? São estrangeiros? Existem grupos de controlo para comparação?
Como são selecionados os sujeitos a entrevistar? Constituem uma amostra? Ela é
estratificada? Como é salvaguardada a validade interna? A avaliação é “goal-based” ou “goal-
free”? Quanto tempo é necessário para a sua estada na IES? Que tipo de técnicas,
procedimentos e recursos é utilizado? Existem observações? Essas são do tipo de observação
participante? Como se registam os dados? Há diário-de-bordo, gravações
áudio/fotográfico/vídeo, testes, simulação, role-playing, inquéritos e entrevistas? Existe
pesquisa bibliográfica? Como se processa a análise de texto? E a análise de dados (estatísticas,
análise de custos, consultadorias)? Como são as técnicas de relato (texto, histórias, jogos,
gráficos, desenhos livres, fotografias, filmes)?
2. AVALIAÇÃO E SUBJETIVIDADE/OBJETIVIDADE
O dilema entre a subjetividade e a objetividade, quando se aborda a avaliação, é outro
dos eixos merecedores da nossa atenção. Se quisermos ir de facto ao fundo da questão, isto é,
onde julgamos se encontra o problema estrutural, implica um distanciamento que permita
uma reformulação ao nível dos alicerces, dos fundamentos, que irá possibilitar uma rotura, no
sentido kuhniano do termo, ou seja uma mudança de paradigma. Uma das dificuldades de que
enferma o tratamento da problemática da avaliação está, a nosso ver, numa perspetiva em
que o processo pedagógico (que é o centro da conceção de avaliação que aqui queremos
tratar – outras haverá) é ainda visto como um processo cumulativo em que a adição de alguns
conhecimentos permite alcançar os objetivos visados.
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Seguindo a linha de um grupo de trabalho de que alguns de nós fazem parte e que se
tem debruçado sobre este tema, especialmente no âmbito do treino desportivo, com
publicações nomeadamente A Rotura (2008), que, como o próprio nome indica, visa uma outra
perspetiva do processo pedagógico (neste caso, ligado ao desporto, seja numa vertente de
treino, seja como um desporto ligado ao ensino e ao trabalho a nível escolar, não se limitando
no entanto a este âmbito de aplicação), julgamos que o foco não deve ser posto no quadro
aplicativo, mas no objeto da ação, o Homem. Temos assim, como dizíamos, que todo o
processo deve ser considerado em relação à forma como este Homem se adapta na sua
integração num contexto, de que é uma componente e em relação ao qual não é, portanto,
corpo estranho, tal como Bertrand Russell (1925) perspetivava este mesmo Homem em
relação à natureza, e ao contrário do que alguns que se chamam de ecologistas eventualmente
ainda defenderão. Em consequência o Homem participa num conjunto de dialéticas que
alteram o todo, e inclusive o próprio Homem.
O Homem transforma-se, em consequência de todo este processo.
Em educação /formação, avaliar é estimar a evolução de um indivíduo num processo de
adaptação em relação a um contexto em que se integra, recebendo e transmitindo sinais
(estímulos – que são transformações ou acumulações de fatores mecânicos, físicos, químicos,
etc. - até atingirem um limiar de algo que nós, no nosso processo de adaptação, estamos em
condições de detetar). E, quando detetamos esse algo, estamos condicionados para dar uma
resposta ou não.
Ou seja, uma adaptação transforma e o que dantes existia fica diferente, se é diferente
não tem as mesmas características e se não tem as mesmas características, quando vamos
outra vez pensar no assunto, temos de alterar algumas das premissas, como é evidente.
Avaliar em educação/formação é introduzir um artefacto que tem dois efeitos que na sua
complementaridade criam sinergias que os amplificam. Isto é, 1 – tenta resolver este problema
(o que vai solicitar um conjunto de funções que vão desde a identificação da funcionalidade do
problema, até ao treino da capacidade de ir colher os dados e informações necessários para o
resolver e desenvolver as estratégias e modos operativos necessários; e 2- se falha, é
penalizado e se acerta tem um prémio. É como os objetivos imediatos no desporto – não
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valem só por si (se a bola entra na baliza ou não…), mas se a bola entrar na baliza posso
“importunar” outros vários dias, ou o inverso. Há um reforço da motivação.
Na avaliação em educação/formação aproveita-se também este reforço de motivação
para aumentar o efeito do processo de adaptação (aqui mais pela negativa, com a reprovação,
no desporto mais pela positiva, com a vitória).
A avaliação é uma ferramenta que pode e deve portanto ser utilizada em
educação/formação, pois reforça o sinal que conduz à motivação do avaliado, de acordo com
uma intencionalidade (que não é da ferramenta) que lhe é conferida pelo contexto em que
está integrada, numa dinâmica (não é a soma das partes, só!) que lhe dá um sentido (para o
avaliado, naquela altura, podendo ser diferente noutras alturas ou para outros observadores).
Como o desenvolvimento sustentado do ensino superior e da ciência implica uma visão a
médio/longo prazo e, consequentemente, a definição de uma estratégia evolutiva, a avaliação
do ensino superior tem de apreciar um produto de ciclo longo e não ficar por apreciações
pontuais que até podem ser tidas por muito objetivas, rigorosas e precisas, mas que
normalmente são (por ignorância ou falta de competência) desenquadradas da tendência
evolutiva que se propôs alcançar.
A avaliação deve assim ser realizada em função das metas e dos objetivos definidos e da
respetiva estratégia evolutiva, utilizando as variáveis e indicadores que são mais pertinentes
para controlar a tendência do desenvolvimento do processo e não aqueles que são tidos, de
forma arbitrária (muitas vezes ao serviço de interesses pouco transparentes), como os únicos
importantes e válidos para avaliar o ensino superior.
Ora se a avaliação é uma ferramenta, ela não é objetiva nem subjetiva, não exclui nem
inclui nada. O quadro de referência em que é utilizada é que pode ou não estar ajustado às
necessidades e às conceções que hoje temos. Uma chave de parafusos (chave de fendas)
também é uma ferramenta, que não tem intencionalidades nem identidades. Serve para…
apertar ou desapertar parafusos, para agredir alguém ou para nos defendermos, etc. – mas
claro que tem características e, de acordo com estas, pode ter funcionalidades. A avaliação,
que não faz nada por ela própria, se utilizada por pessoas que a usam de qualquer maneira ou
num quadro de referência desajustado às necessidades, poderá, tal como o desporto que
também é só um meio, servir para alguma coisa ou não, sendo apenas uma questão de sorte.
Mas se utilizada com intencionalidade e… competência (tal como qualquer outra ferramenta)
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já pode ser um auxiliar poderoso para realizar uma obra…ou para a destruir. A avaliação é uma
ferramenta para percebermos e eventualmente calcularmos como uma adaptação está a ser
feita – o que nos pode permitir apreciar e mesmo quantificar os rendimentos que estão a ser
obtidos.
Na educação/formação estamos normalmente a avaliar uma intencionalidade de
transformação do Homem em relação a objetivos que devem estar definidos numa visão do
Homem e da sua evolução, integrando estas transformações numa estratégia (que se chama
de política) e com objetivos que estejam de acordo com os recursos existentes,
nomeadamente tecnológicos, e que tem uma expressão num quadro operacional em que se
procura dar um sentido racional ao todo das nossas diferentes atuações.
O Problema (P maiúsculo) tem dois âmbitos:
1. Um âmbito geral, resultante logo do próprio quadro de referência utilizado –
que quer ver a dialética das partes para apreender a complexidade. Ora, como
vimos atrás, não há partes, há um todo que podemos, com os necessários
cuidados, extrapolar, sempre, da vertente que vemos, para a conjetura que
abarca o todo (tal como fazemos com a visão em que percecionamos sempre
um todo, mesmo que completamente errado, pois nunca vemos uma
superfície – vemos sempre “um volume” uma vez que apreendemos qualquer
coisa por trás – e ao contrário do que fazemos na matemática em que temos
superfícies só com duas dimensões e até pontos sem dimensão, mas são
construções mentais e por isso as conclusões que retiramos devem sempre ter
isto em conta, tal como as passagens para situações concretas de aplicação.
Ora, até os matemáticos com todo o cuidado de perceberem os postulados de
que partem falham frequentemente nestas passagens e imaginam que 2+2=4
quando é só aproximadamente 4, visto que 2 na prática não é um valor
absoluto mas é o resultado de um limite que aceitamos – 2= a 1,99999… ou a
2,000…x)
2. Num âmbito já mais específico, mas resultante de 1- também, em que há uma
tendência (de onde resultam problemas de aculturação graves, diga-se) para
tratar conceitos, que não são mais do que ferramentas, como se fossem ‘seres
vivos’, portanto numa perspetiva animista (como se fosse um ser vivo com
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vontade e dinâmica própria) tal como faz Morin (2013) “Comment vivre avec
nos idées?” (mas eu sou as minhas ideias também! Ou serão uma espécie de
acrescento ao “self”, à minha identidade?).
A partir daqui, sabendo como funciona o Homem que queremos que se adapte, de
acordo com uma transformação intencional para atingir os objetivos concebidos para a
estratégia (esta é apenas uma entre muitas) e de acordo com a visão do Homem que
imaginamos e por que optámos (com maior ou menor consciência), podemos fazer uma
avaliação com objetividade X e, portanto, com um custo (capitais - tempo, recursos, trabalho -
Z) para usar num quadro que justifique quer a objetividade X quer os custos Z. O que sair de X
e Z para ‘baixo ou para cima’ seria ignorância, incompetência ou falta de seriedade. Em relação
à avaliação excluir ou incluir temos uma problemática idêntica.
Depois é só saber como somos capazes de fazer para ter custos aceitáveis. Contudo,
uma coisa é assumir que, por exemplo, uma avaliação (genericamente) possa cumprir com as
funções a que se destina, de uma forma eficiente e credível sem se tornar um ícone
burocrático que assume um peso maior nos custos do que nas mais-valias que permite retirar
(numa relação benefícios/custo negativa) tem que obedecer a características, como:
1- Considerar a relação custos/benefícios e otimizá-la em relação aos objetivos
visados e ao que iremos alcançar;
2- Ser: a) Objetiva – ter um sentido, não ser neutra e encerrar a globalidade do
fenómeno que pretende avaliar; b) Precisa – ter uma discriminação
apropriada, evitando os custos de esta ser excessiva e as falhas de não ser
suficiente; c) Rigorosa – não cometer erros e abarcar o fenómeno considerado;
3- Ser: a) Pertinente – por os seus indicadores medirem o que pretendem e não
outros aspetos; b) Fiel – por avaliar sempre a mesma coisa; c) Válida – por ter
um padrão de medida aferido para o fim considerado; d) Transferível – por
serem generalizáveis os seus resultados.
Outra coisa é confundir estas e outras caraterísticas da avaliação. Não nos esqueçamos
de que, já no início do século XX, Einstein nos alertava para a necessidade de considerar a
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tripla relação fenómeno/sinal/observador, chamando a atenção para o facto de o observador
não ser neutro. Uma avaliação deve assim ser coerente no seu todo, definindo as estratégias e
as formas de operacionalização adequadas, articulando os meios e recursos disponíveis,
apresentando uma coerência indubitável entre o que se pretende avaliar e os instrumentos
que são utilizados e, no entanto, ser suficientemente concisa e precisa, para que não haja
desperdícios. Uma avaliação é um instrumento estruturante do processo que avalia e por isso
mesmo deverá ser concebida tendo em conta as inter-relações que se estabelecem entre os
intervenientes deste processo, o mundo, o país, a ciência, o ensino superior, as instituições,
etc.
Em síntese diremos que uma avaliação é:
Uma ferramenta com que podemos trabalhar e não um fim em si própria.
Uma apreciação das transformações que o Homem avaliado operou em reação a
um conjunto de estímulos a que foi sujeito (adaptação) e não a contabilização
dos “acrescentos” que foram feitos a esse mesmo Homem (novas habilidades,
conhecimento, etc.)
Exemplificando:
- Utilizada criteriosamente (isto é se quem usar souber o que anda a fazer e fizer
bem feito), a avaliação tanto pode ser integradora e promotora de um processo
evolutivo, respeitando as diferentes autonomias e escolas de pensamento e
ação, como ter uma função predominantemente castradora da autonomia
assumindo-se como um mero exercício de poder, visando a formatação e
uniformização em quadros pré-definidos e estereotipados com o objetivo de
seriar para excluir. Quando o sentido dos objetivos visados é encarado de uma
forma muito restritiva, isto é, sem respeito pelas diversas estratégias possíveis
para alcançar um fim, a avaliação fica comprometida, mesmo que o rigor e a
precisão sejam adequadas ao processo.
A estrutura da avaliação, os parâmetros utilizados, as conclusões retiradas e a utilização
dada aos resultados obtidos (assim como, o que não é de excluir, os erros cometidos) são
fatores condicionadores das funções a cumprir por uma avaliação. Será integradora e
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promotora de um processo evolutivo, respeitando as diferentes autonomias e escolas de
pensamento e ação se, nomeadamente:
1. Permitir comparar a fase de evolução do processo em relação a outros
processos semelhantes ou a fases diferentes de evolução daquele processo.
2. Permitir mostrar falhas possíveis entre os pontos fortes ou os pontos fracos
apresentados, podendo mesmo quantificar a importância das falhas focadas em
relação a outras grelhas de referência, por exemplo, apresentando uma grelha
de comparação dos aspetos focados, uma listagem exaustiva dos aspetos a focar
e sua justificação, etc.
3. Permitir definir falhas ou não na fundamentação utilizada através, por exemplo,
da exigência de mostrar quais os pontos focados em diferentes parâmetros
fundamentais nessa fundamentação (quadro de referência e autores de suporte,
documentos justificativos de aspetos considerados, debates realizados, etc.)
A avaliação assume-se aqui como um documento de análise e crítica ao processo
realizado, numa perspetiva externa de referência. Será um mero exercício de poder visando a
formatação e uniformização se se limitar a exigir o cumprimento de mínimos em alguns
parâmetros estabelecidos de forma aleatória ou correspondendo a uma estandardização do
processo, eventualmente com base na existência destes parâmetros em escolas consideradas
de referência ou como modelos a seguir;
- Avaliações tidas por negativas em certos momentos do ciclo de desenvolvimento
(por exemplo: de uma instituição, curso, docente, aluno), quando vistas
isoladamente e reportando-se a quadros de referência estáticos, podem, por
outro lado ser entendidas como um passo necessário na estratégia evolutiva
previamente definida. Temos de avaliar se estamos no caminho mais adequado,
ou seja, avaliar para perceber e eventualmente calcular como uma adaptação
está a ser feita, o que pode permitir apreciar os rendimentos que estão a ser
obtidos. Deste modo, não só os objetivos visados devem ter em consideração a
evolução do processo, como o rigor considerado deverá basear-se na noção de
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tendência, mesmo que para tal, por uma questão de eficiência, se tenha de
abdicar um pouco da precisão dos indicadores recolhidos;
- Mais de cem anos depois de Einstein ter alertado para a não neutralidade do
observador (como referimos acima), continuamos ainda a assistir, nos círculos
mais ilustres do conhecimento, à discussão da necessidade de criar critérios de
avaliação objetivos, que eliminem toda a subjetividade possível. Para além do
evidente erro metodológico, quando considerada esta exigência na
generalidade, é possível obviar a algumas destas incorreções exigindo a
definição do paradigma de referência – pelo menos em relação ao quadro
teórico específico e à sua influência no quadro aplicativo (por comparação com
outras influências), estabelecendo critérios de análise da relação
fenómeno/sinal/observador em cada um dos quadros considerados e
verificando a validade, fidelidade, pertinência e transferibilidade de cada uma
destas análises. A comparação dos custos e a relação com os resultados obtidos
também seria de considerar;
- Na “fação das métricas”, uma tendência que nos lembra o apogeu do positivismo
nu e cru, como que um volte face que nos fez esquecer todos os ensinamentos
do passado da evolução da ciência, uma enxurrada de indicadores surgem como
justificativos da objetividade, rigor e precisão, como por exemplo, o número de
publicações, o fator de impacto da publicação, o número de citações, as
fórmulas soberbas dos regulamentos de avaliação que permitem que um
docente seja avaliado por um conjunto de números, para a qual é suficiente a
capacidade de interpretação contida numa folha de Excel, os campos com x
carateres dos formulários que nos impingem, etc., sem qualquer objetividade,
fazendo-nos esquecer que cada um destes parâmetros nos dá a indicação de
uma determinada variável, mas carece de uma interpretação das competências
que visa. Qualquer indicador, quando é concebido para medir algo, parte
naturalmente de uma conjetura inicial que lhe confere um sentido e uma
intencionalidade, o que faz com que, sem a definição das bases programáticas
utilizadas e eventualmente do quadro de referência (depende se aceitarmos que
estamos num quadro de ciência normal), tudo vale. Normalmente o aumento do
rigor e da precisão sem ter em conta os objetivos visados (e os custos em
relação aos resultados obtidos) dão uma aparência de eficiência (embora sejam
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o contrário, porque aumentam as exigências – custos – sem quaisquer
resultados – lucro).
Porém a definição dos objetivos visados e a exigência de validar e de mostrar a
pertinência (medir o que se pretende) permitem verificar a coerência do processo, ou não;
- A aplicação da avaliação de desempenho aos docentes do Ensino Superior é outro
paradoxo, um processo muitas das vezes altamente burocratizado, e portanto
com custos elevados (em tempo e em muitos outros parâmetros), e que no
contexto atual é inconsequente quando os resultados são positivos. Ou seja, se
o docente mostra ser muito bom e acumula os pontos necessários para
progredir, fica na mesma pois a progressão nas carreiras está bloqueada; se é
mau é despedido. Qual será a coerência intrínseca a este tipo de avaliação?
Quais as adaptações ao contexto que se pretendem no processo evolutivo do
indivíduo? Esta é uma das situações onde é evidente que o rigor e a precisão
utilizados são infrutíferos, diríamos mesmo um desperdício de meios e recursos,
pois os objetivos visados definidos motivam a procura da média (uma avaliação
que não destoe dos pares). Nos casos em que a ambição pessoal até é
motivadora da procura da excelência, então também não seria necessário o
estímulo da avaliação, podendo o investimento ser feito noutro tipo de
processos. Não podemos utilizar um instrumento de medida sem verificar que
mede o que pretendemos e se o que pretendemos tem a ver com os objetivos
visados - validação e pertinência de novo;
- Um dos problemas a que se tem assistido a nível europeu tem sido a falta de
visão estratégica ou mesmo a ausência de estratégia e de objetividade, pois
limitamo-nos a correr atrás dos acontecimentos num provincianismo
condicionado por um imaginário de querer fazer como pretensamente se faz nos
Estados Unidos da América…sem se ter a preocupação de mostrar a coerência
no respetivo quadro de atuação;
- Uma avaliação mal feita e ainda por cima com o principal objetivo de excluir
(direta ou indiretamente, de forma taxativa ou implícita) pode ser muito mais
perigosa e prejudicial do que a inexistência de uma avaliação formal, uma vez
que, em última instância, a oferta/procura acabaria por ser reguladora. Numa
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avaliação mal feita, a função de exclusão normalmente é descartada e
justificada com avaliações feitas por terceiros e não por quem tem a função de
objetivamente avaliar. É fácil avaliar e seriar instituições e docentes quase
exclusivamente pelo número de publicações e citações que muitas vezes,
demasiadas vezes, veja-se por exemplo, Sokal & Bricmont (1999), e Kolata
(2013), parecem resultar de confrarias pouco claras (não excluindo interesses
económicos), o que é difícil (e responsabilizante) é por exemplo, avaliar as
instituições por aquilo que valem as transformações que os alunos tiveram.
Este conjunto, necessariamente sintético, de exemplos evidencia a frequência com que
a avaliação no ensino superior é tratada, sem que exista uma preocupação de ter em
consideração uma coerência na relação entre o rigor, a precisão e a objetividade. Os
positivistas (empirismo lógico) tinham o cuidado de isolar a situação estudada e de tirar
conclusões tipo: nas condições verificadas …acontece. A conjetura passava para quem estava
no mercado e precisava aplicar – e os lucros vinham já com o risco e não com o trabalho,
portanto…
Certamente, que será muito fácil sermos rigorosos e precisos se desprezarmos a
objetividade, isto é, o sentido dos objetivos visados.
3. AVALIAÇÃO E AUTONOMIA
Relativamente ao terceiro eixo de reflexão, consideramos que a autonomia do ensino
superior será generosamente democrática, se, no quadro legal que a define, caracteriza e
legitima, se cumprirem os requisitos de responsabilidade e de colaboração que devem presidir
a um tão importante mecanismo de regulação e gestão das IES. Para que fosse hoje possível
congratularmos com o sucesso do projeto de autonomia, deveríamos ter que admitir não
haver razões para a criticar, bastando apenas a função de a problematizar com a finalidade de
lhe acrescentar sentido ou novos processos, caminhos e finalidades. Independentemente da
pertinência do questionamento, devemos primeiro proceder à própria crítica da autonomia
das IES tal como ela se nos apresenta, no quadro de avaliação do ensino superior.
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Na realidade, o ensino superior pode queixar-se de ser constantemente sujeito a
pressões para, no âmbito das competências que lhe são devidas, oferecer uma formação de
qualidade e satisfazer exigências que vão da simples conformação com a procura de emprego
e com a promoção da investigação científica até as políticas nacionais, europeias e
internacionais de contribuir para melhorar o seu posicionamento nos rankings que pretendem
ordenar a qualidade das instituições. Parece, portanto, haver uma consideração prévia que
sujeita o quadro da autonomia à função vastíssima de dar resposta ao cada vez mais
competitivo “mercado” do ensino superior global. Terá, por isso, que ser salvaguardada a
autonomia das IES e, consequentemente, a definição e caracterização das suas funções,
incluindo os mecanismos de financiamento.
Não se trata unicamente de se saber se os orçamentos disponibilizados garantem ou
não a exequibilidade dos planos de desenvolvimento ou se, por maioria de razão, no caso
particular das IES públicas, o Estado permite usar saldos de anos anteriores. Trata-se
sobretudo de, em ambas as direções, as dos financiadores e as dos financiados, haver um
conhecimento amplo do conjunto de regras que lhes garanta a capacidade de colaboração e
de negociação, que permita criar uma autonomia efetiva e eficaz. Caso contrário,
permaneceremos no estado atual de agressão à autonomia do ensino superior, por via da
restrição direta ou indireta de competências, no quadro financeiro e científico-pedagógico.
É incompreensível que os decisores políticos e os responsáveis pelas instituições não
tenham encontrado, ao longo dos anos de vigência do sistema, uma forma de diminuir estes
constrangimentos. Compreende-se que haja naturalmente desconfianças mútuas, justificadas
pelo facto de que quem financia, regra geral tenda a manifestar uma posição de controlo e
verificação penalizadora, para evitar responsabilizações pela inconveniente ou desastrosa
aplicação dos recursos financeiros. Não se entende, porém, que, depois de provas dadas de
responsável utilização do erário público, não se permita às instituições que usem
minimamente o quadro autonómico que lhes é conferido e continuem a sofrer restrições
impensáveis para o exercício da sua autonomia.
A título ilustrativo, o RJIES, no ponto 2 do artigo 114º, estabelece que a utilização dos
saldos de gerência “provenientes de dotações transferidas do Orçamento do Estado não
carece de autorização do ministro responsável pela área das finanças e do ministro da tutela”.
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No âmbito das restrições legais entretanto adotadas, a aplicação desta norma foi igualmente
condicionada. Não se atendeu, por exemplo, aos efeitos de uma medida que podia dar um
sinal de regularização do sistema, atribuindo às instituições que tivessem obtido resultados
positivos, a meritória possibilidade de usar os saldos de gerência.
Aceitar-se-ia que, no atual contexto financeiro, tivessem que justificar a sua aplicação
para o financiamento de programas de desenvolvimento (investigação, cursos, recursos
humanos e instalações). Também, no âmbito da salvaguarda da sustentabilidade de cada
instituição, seria de usar tal mecanismo para a satisfação imediata de compromissos quanto a
projetos de investigação científica e de gestão dos vários recursos atinentes ao funcionamento
dos cursos, sem os quais o processo de acreditação poderia ser posto em causa. Há formas de
premiar ou de penalizar os sistemas e esta seria, decerto, aquela que melhor poderia ser usada
para promover uma gestão diferenciadora dos recursos institucionais.
As limitações que hoje comprometem a autonomia das IES assumem uma feição mais
sombria, quando associadas aos diversos processos de avaliação, em particular nos casos em
que o processo de acreditação impõe previamente malhas muitos estreitas à conceção,
estruturação e execução dos projetos de cursos conferentes de grau. Não é permitido, no
exercício responsável pela autonomia das instituições, demonstrar, de forma rápida e eficaz, a
capacidade de dar resposta às exigências do meio quanto à oferta formativa ou, se for esse o
caso, a propostas de colaboração interinstitucional, de cariz nacional ou internacional. O
processo de acreditação prévia é longo, caro e penalizante, coartando as instituições da sua
capacidade criativa de apresentar soluções imediatas para a oferta de cursos.
Quem quer que esteja há muito neste sistema fica com a sensação de que existe uma
lacuna insanável entre os textos programáticos sobre a natureza e função do ensino superior e
os normativos aplicáveis à sua organização e gestão funcional. Não será despiciendo
considerar que a crítica da autonomia das IES carece ainda da firme oposição a tudo quanto se
aproxime de uma atitude de servilismo administrativo e oficiante, inteiramente contrário aos
nobres intentos que fundaram o ensino superior.
Devemos, por isso, propugnar para que se realize a superação do constrangimento
anti-autonómico, através de medidas concretas que passem pela já referida liberdade de
utilização dos saldos de gerência, pela capacidade de gerir científica e pedagogicamente os
cursos, de modo a que possam habilitar as instituições da oferta formativa necessária para
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dotar os nossos jovens de uma preparação adequada para enfrentarem, com competência e
credibilidade, o mercado de trabalho. Outrossim, é fundamental usar a autonomia das IES para
incrementar a criação de projetos interuniversitários, com os consequentes custos financeiros,
mas com previsíveis vantagens como a renovação de oferta de cursos, a criação de sinergias
para o investimento na investigação científica e o aumento da massa crítica. Igualmente,
ajudará a combater, no caso particular de uma IES que, devido a especificidades ditadas pela
tradição académica ou por uma leitura mais restritiva da natureza e função da autonomia do
ensino superior, a tendência para o isolamento e para a recusa da inovação e da
transformação.
Para reforçar as condições propiciadoras de boas práticas de autonomia no âmbito do
ensino superior, será ainda necessário considerar a própria capacidade de autorregulação do
sistema, apesar da sua complexidade intrínseca. Nesse processo, terá que se revelar sempre
no quadro de uma resposta contextualizada, a partir de escolhas que providenciem lideranças
competentes e inclusivas; uma oferta formativa e de investigação adaptadas e
qualitativamente diferenciadoras; sistema de valores e de crenças, promotores de espírito
institucional; projeção de uma imagem coesa e funcionalmente produtiva; e satisfação de
compromissos internos e externos.
Como consequência desta reflexão, será preciso promover uma nova autonomia para
as IES? Solicitar aos poderes que a legislam ou que lhe conferem competências a alteração de
todo o seu conspecto jurídico? Agregar IES para liderarem esse processo, de modo a que
possam, por antecipação, apresentar ao poder político, um modelo alternativo, mais inclusivo
e eficaz? Promover a aplicação desse modelo às IES, considerando as contingências dos
processos de avaliação a que estão sujeitas? Talvez seja essa a via mais conveniente, até pelo
facto de estarmos a assistir a tendências uniformizadoras, ademais potenciadas pela
acreditação dos cursos e pela limitação ao financiamento de novos projetos de investigação.
Se se fizesse o esforço por corrigir as falhas que têm sido identificadas e para as quais
tem havido múltiplas propostas de solução, provavelmente dispensaríamos o ensino superior
de mais um intervalo para repensar a sua autonomia.
Para tempos de crise, exigem-se respostas céleres e eficazes. Desse ponto de vista, a
solução menos custosa e garantidamente menos arriscada passaria pelo respeito do quadro de
valores que criou o atual modelo de autonomia das IES, embora com a necessidade de o
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adaptar pontualmente às exigências de abertura e de adaptação à mundialização do ensino
superior. Faz, por isso, sentido aplicar-lhe as extensões já conceptualmente experimentadas
para as áreas da cultura e da comunicação, através das designações “cultura-mundo”
(Lipovetski, 2010) e “comunicação-mundo” (Mattelart, 1997).
4. AVALIAÇÃO E LIDERANÇA INCLUSIVA
Finalmente, procurando cruzar a avaliação do ensino superior com um determinado
tipo de liderança, diríamos, como ponto de partida desta reflexão, que a liderança democrática
é uma conquista antropológica. Decorre do nosso sentido gregário e da necessidade de
organização para dar sentido aos projetos comuns das sociedades. O sentimento de pertença a
um grupo não se compadece da emergência de projetos individuais conflituantes que possam
pôr em causa a coesão e o funcionamento dos grupos. Por isso, a evolução das sociedades
humanas foi acompanhada das mais diversas formas de liderança ou, se optarmos pelos
sistemas políticos, de regimes que configurassem modos diferenciados de entender o processo
de liderança. Não cabe aqui, desenvolver este tema, mas, em todo o caso, não deve escusar-se
a contribuição do pensamento político e da filosofia para o estabelecimento de ligações entre
os processos de liderança política e aqueles que nos trazem a esta reflexão sobre a avaliação
do ensino superior.
Nas nossas estruturas de ensino superior, particularmente depois da entrada em vigor
do RJIES, nota-se claramente uma tendência para um modelo de governo das instituições que
privilegia a cooptação de liderança, embora fundada no princípio democrático de prevalência
do corpo docente especializado (ao nível das categorias profissionais mínimas e das respetivas
validações em função do grau académico obtido). Neste sentido, o modelo atual é bem diverso
do anterior, uma vez que retira o poder atribuído aos corpos académicos (funcionários,
estudantes e docentes), que detinham uma força liderante inquestionável não só nos órgãos
colegiais, como também contribuíam para a eleição do líder das instituições. Um reitor de uma
universidade pode hoje ser eleito a partir de um universo mais restrito de eleitores, uma vez
que há maior probabilidade de a conjugação entre docentes e membros externos cooptados
determinarem a sua eleição.
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Esta reflexão é fundamental para percecionar hoje a estrutura do ensino superior e a
capacidade de se poder adotar modelos de liderança eficazes e inclusivos, que, no âmbito
deste nosso entendimento, possam enquadrar devidamente os diversos tipos de avaliação a
que as instituições estão sujeitas. Nesse sentido, impõe-se lançar um conjunto de questões, a
cujas respostas se possa fazer corresponder uma visão orgânica do processo de avaliação, em
íntima conformidade com a liderança que a promove, superintende ou prepara. Quem
constrói os instrumentos de avaliação? Um grupo de iluminados que faz prevalecer os seus
pontos de vista top-down? Quem indica os avaliadores? Como se executa o poder arbitrário de
avaliar? Que possibilidade há de recurso? Que funções são atribuíveis às lideranças
intermédias, como os conselhos de curso ou os conselhos científicos? Outras tantas perguntas
podem ser acrescidas e um rol interminável de respostas poderiam ser dadas, consoante as
leituras mais ou menos académicas, as experiências de avaliação, na condição de avaliador ou
na de avaliado; ou, ainda, as não evitáveis, mas imprescindíveis opiniões baseadas em
convicções sobre modelos e eficácia da avaliação.
Devemos, por isso, tentar, se bem que de forma sucinta, uma aproximação à questão
fundamental, que é a de se obter um processo de avaliação do ensino superior que decorra
diretamente da aplicação dos normativos legais e demais procedimentos regulamentares à
capacidade de a liderança das instituições conseguir ser inclusiva. Parece, pois, ser adequado
continuar a propugnar por esclarecer as questões prévias sobre a legitimidade, credibilidade e
competência de quem avalia; a transparência do processo, com a indicação clara dos critérios
adotados e das suas implicações no resultado final da avaliação; a capacidade de contestar os
resultados; a implicação dos resultados obtidos na melhoria de qualidade de quem é avaliado
ou das estruturas avaliadas; a garantia de participação democrática nos processos de avaliação
(não há democracia sem opinião, não há avaliação sem inclusão da diferenciação no processo
avaliativo). Todo um conspecto epistemológico poderia enformar este questionamento, mas
não saberia decerto encontrar a resposta definitiva.
Dado que a avaliação é um processo complexo, contínuo, evolutivo, adaptável e
contingente, embora não infrequentemente tomado como sistemático e permanente, naquilo
que de mais negativo podem ter as referidas designações, é imperioso adotar medidas que
possam tornar aceitáveis os modelos de avaliação. Decorre deste processo a necessidade de se
saber se, na avaliação dos funcionários, por exemplo, o SIADAP produz uma avaliação, liderada
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pelas instituições, que seja qualitativamente vantajosa para a melhoria do serviço prestado.
Esta vertente é de uma importância decisiva, uma vez que as restantes atividades académicas
dependem em elevado grau do desempenho dos funcionários nas suas diversas valências.
Para tal, será de toda a conveniência que as academias não descurem estes processos
e que os considerem de extrema importância para a harmonização que se requer que exista
entre os diversos corpos do ensino superior. Nos laboratórios, nas bibliotecas, nos serviços
académicos e de ação social, nos recursos humanos, patrimoniais e financeiros, e nos
restantes serviços de secretariado e apoio, as instituições merecem poder contar com
funcionários competentes, motivados e capacitados para resolver os problemas que lhes são
colocados. Não teremos chegado a resultados de qualidade se o processo de avaliação dos
funcionários também não promover lideranças inclusivas que visem valorizar individualmente
a idiossincrasia de cada funcionário em função do seu empenho no projeto institucional.
Os alunos constituem, por certo, o fundamento da razão de ser das instituições de
ensino superior. São eles os mais regularmente avaliados, os mais conhecedores de intensos e
variados modelos e procedimentos de avaliação. Apesar da imensa produção académica e dos
regulamentos aprovados para a avaliação dos alunos, ainda é comum aceitar-se que não existe
consenso sobre o modelo mais conveniente para cada unidade curricular, em função da sua
especificidade, ou para cada aluno em particular, em função da sua relação com a turma em
que está inserido ou com a capacidade de atingir as metas definidas. Acontece que, de forma
mais ou menos acrítica, os docentes adotam formalismos e informalismos atinentes a qualquer
tipo de avaliação, para construir a sua própria legitimidade avaliadora, ademais salvaguardada
pelas normas e regulamentos aplicáveis. E, neste ponto, admite-se que a avaliação dos
discentes seja, de certo modo, mais fácil de realizar do que a dos outros dois corpos
estruturantes das instituições.
Tomando o exemplo da avaliação num grupo, uma turma é uma unidade, constituída
por elementos que interagem durante um período definido e que, por conseguinte,
conformam elementos para a avaliação formal e não formal com óbvias vantagens para o
docente. Todavia, no estado atual da evolução do nosso sistema, o problema coloca-se
sobretudo ao nível da evolução das modalidades anteriormente adotadas, muito orientadas
para avaliações de registo formal, para aquelas que se supunha constituírem uma inovação do
processo Bolonha, fundamentalmente orientado para a obtenção de uma equação equilibrada
entre a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências para aplicação na
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vida pessoal e profissional. Talvez não se queira assumir a verdade, mas parece que o conforto
do passado ainda faz dormitar a avaliação de muitos dos nossos alunos.
Para a avaliação dos docentes e/ou investigadores, que é de todas a mais recente, pelo
menos na forma como agora é efetivada, concorrem as vertentes de progressão na carreira, a
avaliação de desempenho e, indiretamente, a não menos importante avaliação dos cursos
onde prestam serviço. Podemos dissertar longamente sobre as questões que atrás
referenciámos para a sua aplicação à avaliação dos docentes. Neste aspeto, a liderança das
instituições tem um papel fundamental a desempenhar, uma vez que é a ela que cabe
promover os meios necessários, em acordo com o que lhe é permitido no âmbito da sua
autonomia e dos recursos que pode obter, para permitir que o corpo docente seja preparado
para atingir os momentos de avaliação em condições perfeitamente integradoras das
diferenças individuais, de categoria profissional, de graus académicos, de prestação de serviço
docente, de investigação científica, e de serviço à instituição e ao meio.
Se há margem para a liderança inclusiva, ela deve ser exercida precisamente junto dos
docentes das instituições com a correspondente harmonização de comportamentos
democráticos de auscultação dos pares, de adoção de sugestões, de implementação e
execução de procedimentos conferentes de participação de todos nos processos a que todos
dizem respeito. Dir-se-á que se trata de um projeto de liderança e de avaliação ingente e
utópico. Talvez seja, mas a própria democracia também já pertenceu a essa categoria e hoje
até se receia que volte a ser reclassificada.
Cabe aqui rememorar que a história das universidades está repleta de exemplos de
personalidades eminentíssimas em todas as áreas de saber que, por imposição de
circunstâncias de cerceamento das suas liberdades individuais ou da sua autonomia
intelectual, que caso tivessem sido sujeitas exclusivamente a políticas de exercício da sua
atividade funcional, decerto não teriam alcançado o patamar que ousaram atingir. O filósofo
Karl Popper, na sua autobiografia intelectual, confessa ter-se confrontado com essa
dificuldade, na sua experiência na Nova Zelândia, tendo ficado verdadeiramente aliviado,
como se de uma verdadeira libertação se tratasse, quando recebeu o convite do eminente
economista e filósofo Friedrich A. Hayek, já no fim da Segunda Guerra, para lecionar na
Universidade de Londres (Popper, 2008).
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EM JEITO DE SÍNTESE
Retomando os eixos analisados, assumimos, na generalidade o seguinte:
Apesar de considerarmos a avaliação do ensino superior de uma enorme
complexidade, não advogamos que, por isso, ela não deva ser realizada. Pelo
contrário, defendemos que se instale uma real cultura de avaliação nas IES, apenas
todavia com a consciência da multiplicidade de fatores que interagem, criando ou
afetando a qualidade da instituição.
A avaliação não deve ser encarada como um fim em si mesmo, mas como um
meio de transformação e promoção do Homem. Enquanto ferramenta não é objetiva
nem subjetiva, devendo porém ser utilizada em função dos objetivos definidos, dos
recursos disponíveis, do contexto em que é aplicada e das condições operativas. A
estratégia seguida deverá, naturalmente, considerar a globalidade do fenómeno que
pretende avaliar.
Devemos também considerar as tensões que se geram entre a autonomia
secularmente associada ao ensino superior, por um lado, e a imposição dos
“mercados”, através de mecanismos de acreditação e financiamento das IES e
respetiva oferta formativa, por outro, e no que tal representa em termos de agressão
e asfixia de qualquer tentativa de inovação, no fundo, o grande desígnio do ensino
superior.
Finalmente, uma avaliação que se deseja “construída”, ao invés de “decretada”,
passa necessariamente por uma liderança inclusiva, com lugar para a participação
efetiva de avaliadores e avaliados, numa relação dialógica e dialética, ao nível das
bases e das lideranças intermédias.
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Em suma, os processos de avaliação que aqui foram sujeitos a breve análise e
reflexão, com a consideração prévia de questões epistemológicas, institucionais e
metodológicas, concorrerão para a avaliação da própria instituição e da sua
correlação com a avaliação de outras instituições congéneres. Não se trata apenas de
se saber se cada uma das instituições tem capacidade de melhorar a sua posição
relativa no conjunto nacional ou regional. Mais do que nunca, urge equacionar o seu
posicionamento no mundo global, para o qual terá inevitavelmente de desenvolver
outras competências, que passarão, por exemplo, pela capacidade de explorar as
tecnologias de comunicação que suportam a difusão planetária do conhecimento.
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REFERÊNCIAS
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