Pena, prisão, penitência
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7/29/2019 Pena, priso, penitncia
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Universidade de Braslia UnBPrograma de Ps-Graduao
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
RIKA WEN YIH SUN
PENA, PRISO, PENITNCIA
Braslia2008
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RIKA WEN YIH SUN
PENA, PRISO, PENITNCIA
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao da Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Universidadede Braslia como exigncia parcial para aobteno de ttulo de Mestre, sob aorientao do Professor Doutor FlvioRen Kothe.
Braslia2008
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FICHA CATALOGRFICA
Sun, rika Wen Yih
Pena, Priso, Penitncia / rika Wen Yih Sun.Braslia: UnB /Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2008.
xvi. 264 f: il. 30 cm.
Orientador: Doutor Flvio Ren Kothe
Dissertao (mestrado) UnB / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo /Programa de Ps-Graduao, 2008.
Referncias Bibliogrficas: f: 228-231
1. Estabelecimentos Penais. 2. Pena privativa de liberdade. 3.
Recuperao Social. 4. Filosofia do Direito Penal. 5. Arquitetura Prisional -Dissertao I. Kothe, Flvio Ren. II. Universidade de Braslia; Faculdade deArquitetura e Urbanismo; Programa de Ps-Graduao. III. Priso, Punio,Penitncia.
Proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrnico oumecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, sem permisso expressa do Autor.(Artigo 184 do Cdigo Penal Brasileiro, com a nova redao dada pela Lei n. 8.635, de 16-03-1993).
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RIKA WEN YIH SUN
PENA, PRISO, PENITNCIA
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao da Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Universidadede Braslia como exigncia parcial para aobteno de ttulo de Mestre, sob aorientao do Professor Doutor FlvioRen Kothe.
Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/_____, com
meno _____ (_____________________________________________________).
Banca Examinadora
__________________________________________________________
Doutor Flvio Ren KotheOrientador
Universidade de Braslia
____________________________________________________________
Doutor J aime Gonalves de AlmeidaExaminador
Universidade de Braslia
____________________________________________________________
Doutor Roberto Armando Ramos de AguiarExaminador
Universidade de Braslia
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Dedico o presente trabalho ao meu filho
Daniel Sun pela infinita pacincia ecompreenso, e aos meus pais, pelosuporte de sempre.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo ao meu orientador, Flvio RenKothe, por todo o conhecimentocompartilhado e pela confiana, a todosos co-orientadores, sobretudo aosProfessores Roberto Aguiar e J aimeAlmeida, minha amiga e scia CarolinaZanatta, pela compreenso e pelo apoio,
arquivovada Erika Winge, cujasqualidades so tantas que no poderiasequer enumerar e a quem dedico minhaprofunda admirao, ao DepartamentoPenitencirio Nacional, alm de todosaqueles que, direta ou indiretamente,contriburam para que este trabalho fossedesenvolvido, de modo que, em breve,com f em Deus, tenha sua continuidadeverificada em graus mais avanados, bemcomo em uma possvel aplicabilidade
prtica.
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... passado dias e noites debruadossobre seus cdigos, eles acabam por
perder o sentido exato das relaeshumanas.Franz Kafka
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RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade verificar possveis interfaces existentes entrea arquitetura prisional e a privao de liberdade com o intuito de recuperao social.Trata-se de uma anlise de discursos, de carter eminentemente questionadora, demodo a discutir os fundamentos que sustentam o sistema prisional de forma crtica.A metodologia utilizada reunir pesquisa bibliogrfica, estudos de casos, anlises deprojetos arquitetnicos, bem como entrevistas pessoais com profissionaisrelacionados ao tema.
Palavras-chave: 1. Estabelecimentos Penais. 2. Pena privativa de liberdade. 3.Recuperao Social. 4. Filosofia do Direito Penal. 5. Arquitetura Prisional
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ABSTRACT
The main purpose of the present research is looking for possible interfaces betweenthe prisonal architecture, as the place where criminals are punished, and the fact ofbeing emprisoned, especially related to the ideals of social recovery. It tries to makea discourse analysis in order to verify the basis of the prisonal system in a criticalway. Among the used methodology, there are bibliographical research, case studies,analysis of architectural projects, and interviews with different kinds of professionalsrelated to the topic.
Key-words: 1. Penal Establishments. 2. Prison. 3. Social Recovery. 4. Criminal LawPhilosophy. 5. Prisonal Architecture.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Cozinha na cela .... 18
Figura 2 Suite (cela) .. 18
Figura 3 Home Theater na cela . 19
Figura 4 Hospital San Michele (Priso) ............................................................. 43
Figura 5 Esqueleto da Penitenciria Estadual Leste ......................................... 45
Figura 6 Esqueleto da Cherry Hill . 45
Figura 7 Priso Walnut Street . 46
Figura 8 Imagens da Penitenciria Estadual de Auburn 49
Figura 9 Penitenciria Estadual de Auburn .. 50
Figura 10 Panptico . 51
Figura 11 Penitenciria de Stateville (interna) . 53
Figura 12 Penitenciria de Stateville (externa) 54
Figura 13 Desenho Esquemtico de cela . 57
Figura 14 Perspectiva de cela 57
Figura 15 Perspectiva de Penitenciria Espinhal .... 58
Figura 16 Planta Esquemtica de Penitenciria Espinhal .. 58
Figura 17 Esquema de Penitenciria Pavilhonar . 59
Figura 18 Foto de Penitenciria Radial . 59
Figura 19 Planta de Penitenciria Radial .. 60
Figura 20 Penitenciria de Caiu (SP) .. 88
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Figura 21 Penitenciria de Formiga (MG) . 89
Figura 22 Penitenciria Federal de Catanduvas (PR) 89
Figura 23 Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) 90
Figura 24 Penitenciria Presidente Bernardes (SP) 91
Figura 25 - A superlotao na Casa de Deteno em Aracaju (SE) ....... 92
Figura 26 Cela em condies precrias 92
Figura 27 Corredores no Pavilho da Casa de Deteno em Aracaju (SE) 92
Figura 28 Sala de Atendimento Odontolgico e Ambulatrio . 93
Figura 29 - Sala de aula na Papuda (DF) . 93
Figura 30 Cozinhas de Penitenciria . 94
Figura 31 Instalaoes em Cozinhas de Penitencirias . 94
Figura 32 Banheiros de celas na Casa de Deteno em Aracaju (SE) 95
Figura 33 Corredor de celas e Interior de cela na Casa de Deteno emAracaju (SE) ..
96
Figura 34 - Sala de Banho e Atendimento Peditrico em Penitenciria Feminina . 96
Figura 35 Corredores de Penitencirias . 97
Figura 36 Interior de celas em Bangu (RJ ) 98
Figura 37 Interior de cela RDD em Presidente Bernardes (SP) 100
Figura 38 Cela individual na Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) . 101
Figura 39 Instalaes sanitrias da cela na Penitenciria Federal de PortoVelho (RO) .
101
Figura 40 Cela RDD com solrio na Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) 102
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Figura 41 rea do Solrio de da cela RDD da Penitenciria Federal de PortoVelho (RO) .
103
Figura 42 Solrio de uma das galerias da Penitenciria Federal de Porto Velho
(RO) .
103
Figura 43 rea do Ptio de Visitas na Penitenciria Federal de Porto Velho(RO) .
104
Figura 44 Cela de observao do Mdulo de Sade na Penitenciria Federalde Porto Velho (RO) .
105
Figura 45 Detalhe da barra para colocao de algemas nas celas deobservao do Mdulo de Sade na Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) .
105
Figura 46 Fluxograma esquemtico da Penitenciria . 125
Figura 47 Arame farpado alm do beiral para evitar que os presos subam notelhado
127
Figura 48 Ptio de sol: muros altos com concertina no topo . 127
Figura 49 Muralha x Alambrado .. 128
Figura 50 Alambrado com concertina . 128
Figura 51 Guaritas de observao . 129
Figura 52 Pista de patrulhamento .. 130
Figura 53 Porta detectora de metais .. 130
Figura 54 Monitoramento por circuito fechado de televiso ... 131
Figura 55 Planta baixa da Papuda (DF) . 132
Figura 56 Corredor principal da Papuda (DF) .. 134
Figura 57 Corredor de acesso ao Posto de Observao do agente . 135
Figura 58 Posto de Observao e instalaes sanitrias .. 135
Figura 59 Interior da cela de encontro ntimo 137
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Figura 60 Corredor de acesso s celas de encontro ntimo .. 137
Figura 61 Gaiola de isolamento do professor 137
Figura 62 Oficina de trabalho .. 137
Figura 63 Controle do agente . 138
Figura 64 Refeitrio .. 138
Figura 65 Seo triangular dos pilares no ptio .. 139
Figura 66 Dia de visita .. 139
Figura 67 Ptio de sol ... 140
Figura 68 Corredor de acesso s celas . 141
Figura 69 Falta de manuteno nos estabelecimentos penais . 145
Figura 70 Fbrica de monobloco em CAD + GRC em Canoas (RS) 147
Figura 71 Frma para painel em CAD e introjeo de fibras de vidro no GRC.. 147
Figura 72 Porta corredia com acionamento pelo piso superior 148
Figura 73 Controle areo dos agentes .. 148
Figura 74 Prottipo de cela proposta pela fbrica em Canoas (RS) 148
Figura 75 J anela da cela . 149
Figura 76 Tratamento trmico das coberturas . 149
Figura 77 Prottipo proposto pela fbrica: Dois conjuntos de celas e ummdulo de passarela .
152
Figura 78 Sistema adotado na ala de triagem da Penitenciria de Cricima(SC), sem circulao area dos agentes ..
152
Figura 79 Instalaes hidrulicas e eltricas controladas pelo agente . 155
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Figura 80 Maior controle de qualidade na fabricao dos painis das paredesem CAD ..
155
Figura 81 Controle tecnolgico da fbrica na mistura dos materiais na
concretagem ..
156
Figura 82 Entrada no Projeto da Penitenciria Feminina elaborada pela VerdiConstrues ..
157
Figura 83 P lanta baixa da Penitenciria de Cricima (SC) 161
Figura 84 Planta baixa do Setor Interno da Penitenciria de Cricima (SC) .. 162
Figura 85 Raios de vivncia . 163
Figura 86 Salo para visitas e oficina de trabalho 163
Figura 87 Solrio 164
Figura 88 Controle areo dos agentes .. 165
Figura 89 J anela das celas com grades cementadas e policarbonato . 166
Figura 90 Acesso s celas com mdulos de ao . 169
Figura 91 Planta esquemtica das celas na Penitenciria de Varese, na Itlia .. 170
Figura 92 Bancada com banco 170
Figura 93 Cama .... 170
Figura 94 Conjunto lavatrio e vaso sanitrio ......... 170
Figura 95 Sistema de iluminao ... 170
Figura 96 Interior de uma cela em mdulo de ao ............. 171
Figura 97 Objetos apreendidos em revista .............. 174
Figura 98 Vidro jateado na cela RDD em Presidente Bernardes (SP) . 175
Figura 99 Penitenciria de Presidente Bernardes (SP) ......... 176
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Figura 100 Condies precrias das grades e das paredes .. 177
Figura 101 Ala de celas na Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) .. 178
Figura 102 Cabine de Comando na Penitenciria Federal de Porto Velho (RO) 179
Figura 103 Vista interna das celas da Penitenciria Federal de Porto Velho(RO)
180
Figura 104 Brises com cortina de concreto na Penitenciria Federal de PortoVelho (RO) ..
180
Figura 105 Ptio de sol da Penitenciria Feminina de Curitiba (PR) .......... 203
Figura 106 Salo de beleza ........ 204
Figura 107 Oficina de artesanato ....... 205
Figura 108 Oficina de serigrafia ..... 206
Figura 109 Oficina de corte e costura ....... 206
Figura 110 Oficina de polmeros 206
Figura 111 Oficina de corte e costura ... 206
Figura 112 Setor de Ensino: Salas de aula, Biblioteca ... 207
Figura 113 Setor de Ensino: Sala multiuso 208
Figura 114 Rouparia ............ 210
Figura 115 Parquinho e brinquedoteca ..... 210
Figura 116 Creche e sala de atendimento peditrico ..... 211
Figura 117 Dormitrios ..... 211
Figura 118 Celas para lactantes . 212
Figura 119 Salas de banho ............ 213
Figura 120 Celas ................................................................................................ 213
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Capacidade Geral dos Estabelecimentos Penais............................ 83
Tabela 2 Dimenses mnimas para as celas ................................................. 84
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SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................................... 16
1 HISTRICO SOBRE A PRISO E SOBRE A ARQUITETURA PRISIONAL .. 251.1 Fundamentos originrios ........................................................................... 29
1.2 Institucionalizao da priso e evoluo do sistema prisional .................. 37
2 A ARQUITETURA PRISIONAL NO BRASIL ................................................... 61
2.1 Caracterizao da arquitetura prisional no Brasil ..................................... 87
2.2 Peculiaridades dos regimes de cumprimento da pena ............................. 98
3 A FALNCIA DO SISTEMA PRISIONAL ........................................................ 106
3.1 O erro nos fundamentos ........................................................................... 108
3.2 O planejamento sob diretrizes equivocadas ............................................. 125
3.2.1 A falcia da segurana infalvel ....................................................... 126
3.2.1.1 Estudo de caso: Papuda ...................................................... 131
3.2.2 A falcia do sistema construtivo indestrutvel ................................. 144
3.2.2.1 Estudo de caso: Sistema Construtivo Penitencirio ............. 146
3.2.2.2 Estudo de caso: Sistema Construtivo Svemark ................... 167
3.2.3 A falcia da diminuio do efetivo ................................................... 173
3.2.3.1 Estudo de caso: Penitencirias Federais ............................. 1774 A RECONSTRUO DO SISTEMA PRISIONAL ............................................ 181
4.1 Discusso dos fundamentos dos sistemas penal e prisional .................... 182
4.1.1 A concretude do ser humano e a abstratez da lei ........................... 183
4.1.2 Totalitarismo e autoritarismo do Estado .......................................... 188
4.2 A funo social do espao ........................................................................ 191
4.2.1 A arquitetura como varivel ............................................................. 197
4.2.2 O condicionamento pelo espao e a introjeo de valores sociais . 202
4.2.2.1 Estudo de caso: Penitenciria Feminina do Paran ............. 202
4.3 A arquitetura prisional e os direitos sociais no sistema penitencirio ....... 214
4.3.1 Estudo de caso: Colnia Penal Agrcola Heleno Fragoso .............. 218
CONCLUSES E POSSIBILIDADES ................................................................. 222
REFERNCIAS .................................................................................................... 228
ANEXOS
Anexo I Portaria n 227, de 10 de maro de 2006 ......................................... i
Anexo II Resoluo n 03, de 23 de setembro de 2005 ................................ Iv
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INTRODUO
Um assunto bastante abordado nos dias atuais o aumento da
criminalidade em todo o pas. So cometidos, diariamente, vrios tipos de crime,
desde os mais insignificantes1 aos hediondos, que assombram a sociedade. Neste
contexto, o sistema penitencirio brasileiro tem sido objeto de constantes crticas e
certamente sofre com a falta de infra-estrutura fsica necessria para garantir o
cumprimento da lei. No existem vagas suficientes nos estabelecimentos penais
para suportar o nmero de novos detentos, forando muitos presos condenados a
permanecerem em delegacias durante anos. Ou, ainda pior, no sendo respeitada a
classificao de estabelecimentos penais e a sua devida destinao, a falta de
cadeias pblicas tm trazido prejuzos incomensurveis ao colocar presos
provisrios juntamente com presos condenados.
Apesar das circunstncias, sejam elas positivas ou negativas,
importante manter em mente que o discurso difundido de que a pena privativa de
liberdade objetiva a recuperao do infrator e no somente mant-lo margem da
sociedade, afastando-o do convvio social.
Antes de adentrar em qualquer detalhe mais especfico, importante
destacar a existncia de uma srie de facetas a ser observada diante de um
problema de tamanha complexidade. As inmeras rebelies que ocorrem em todo o
Brasil demonstram a fragilidade do sistema em determinados aspectos, sobretudo
quanto ao fato de o Estado assegurar ou no a segurana do interno. Alm disso,
existem sempre questionamentos acerca do cumprimento dos direitos humanos.
_____________________
1 Embora possa ser argumentado que todo crime significa alguma coisa, o termo insignificante estsendo utilizado, neste contexto, como aluso ao princpio da insignificncia, tambm conhecidocomo princpio da bagatela, em que, no mundo jurdico, situaes antijurdicas mais banais sodesconsideradas, e os criminosos so absolvidos pela insignificncia do delito.
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A completa falta de polticas sociais voltadas para o preso, aliada a um
visvel desinteresse, tanto por parte dos rgos governamentais quanto da prpria
sociedade, resume a atual conjectura do sistema penitencirio nacional. Embora o
panorama geral seja catico, em se tratando de um pas de tamanha grandeza,
possvel verificar grandes disparidades entre regies distintas. Enquanto o sul e o
sudeste do pas, ignorando as especificidades, so dotados de uma infra-estrutura
mais apropriada, o norte e o nordeste amargam instalaes alm de precrias.
O tratamento penal dado aos presos tambm bastante diferenciado. No
Paran, por exemplo, h uma tendncia em humanizar mais a pena, sendo um dos
poucos estados brasileiros a adotar um Centro de Observao e Triagem, onde
feita uma tentativa de classificao do preso para, s ento, dar a ele um destino
considerado apropriado. Em outros locais, ainda que de modo velado, pouca
ateno se d aos anseios dos detentos. Da mesma forma, enquanto em alguns
locais existem amontoados de presos se aglomerando em um pequeno cubculo, h
regimes que concedem ao preso o luxo de permanecer em cela individual.
A ttulo de exemplificao de uma dessas grandes diferenas encontradas
nos estabelecimentos penais do pas, a prpria falta de infra-estrutura nos rgos
planejadores dos estabelecimentos penais iniciam os problemas. A falta de
profissionais com conhecimentos especficos sobre o assunto causa uma enormedeficincia na prpria elaborao de projetos para a construo, reforma e
ampliao dos locais onde so cumpridas as penas. Assim, enquanto os estados do
sul e do sudeste possuem maior condies de recursos humanos, os estados do
norte e do nordeste repetem solues aplicadas em outras localidades, ignorando as
peculiaridades climticas, causando um grande desconforto ambiental e gerando a
necessidade de inmeras adaptaes.
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Em 2006, foram divulgadas na mdia algumas regalias flagradas em
presdios como o Anbal Bruno, o maior de Pernambuco. Enquanto o mencionado
estabelecimento penal abriga aproximadamente 4000 pessoas, quando sua
capacidade de 1448 vagas, evidenciando a superpopulao, foram fotografadas
duas luxuosas sutes, equipadas com televises de tela plana, home theater,
aparelhos de som e de DVD, cozinha particular e banheiro privativo. As celas em
questo tinham as paredes pintadas de lils, revestimento em cermica, espelhos e
luz de non, sendo ocupadas por presos que teriam investido recursos prprios na
compra e na construo das benfeitorias.
Figura 1 Cozinha na cela
Figura 2 Suite (cela)
Fonte: Zero Hora
Fonte: Jornal Zero Hora
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as fases de planejamento e obra, isto , da idealizao da edificao, e a de ps-
ocupao?
Assim, o objetivo principal da presente pesquisa verificar as possveis
interfaces existentes entre a arquitetura prisional, como espao fsico de
cumprimento de pena, e a privao de liberdade associada s intenes de
recuperao social. Embora haja uma evidente possibilidade de aplicao prtica do
assunto em tela, a abordagem ter um carter questionador, com enfoque
predominantemente filosfico, com o intuito de perquirir o que se esconde sob os
discursos to amplamente difundidos.
Por esta razo, o ttulo traz os termos Priso, que simboliza o espao
em que o sujeito confinado, Punio, que se refere ao castigo imposto a um
suposto crime cometido, e Penitncia, que faz aluso a uma modificao interior,
uma regenerao ou uma espcie de cura, que traria a ressocializao do indivduo.
Sero discutidas, portanto, questes relacionadas ao espao e arquitetura, aos
delitos e s penas, bem como busca de um arrependimento e a uma possvel
reinsero do preso na sociedade. A pesquisa ser uma tentativa de explorar o
espao arquitetnico como forma de influenciar a modificao do sujeito criminoso.
A inteno maior ser a de fazer uma anlise dos discursos, visando a encontrar os
fundamentos que sustentam o sistema prisional como um todo e rediscuti-los deforma crtica.
Na busca dos objetivos apontados, inicialmente, a reviso da literatura
ajudar a traar um histrico sobre a priso e sobre a arquitetura prisional, de modo
a contextualizar a institucionalizao da pena privativa de liberdade, bem como a
buscar os fundamentos originrios sobre os quais a referida sano se baseava.
Para tanto, sero descritas sucintamente as penas aplicadas na sociedade desde os
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tempos mais remotos at a atualidade, destacando quais as finalidades da pena,
bem como as teorias relativas a elas, alm de quais os modos mais usuais de
tentativa de alcance dos objetivos idealizados ao se determinar uma punio. Ser
feito, paralelamente, um relato sobre como o sistema penitencirio evoluiu, tanto no
que tange aos discursos filosficos quanto ao planejamento espacial e arquitetnico,
explicitando os diferentes sistemas adotados ao longo do tempo.
Nesta primeira parte, o enfoque ser predominantemente descritivo, sem
adentrar em maiores crticas aos discursos, de modo a permitir uma viso inicial de
como se sustentou a instituio prisional desde o seu surgimento at os perodos
atuais. Para permitir que o estudo seja feito de modo mais consistente, a descrio
no se limitar ao histrico do sistema punitivo do mundo ocidental, como tambm
far um comparativo com as penas adotadas ao longo do tempo no mundo oriental,
ressaltando os seus princpios filosficos.
Com o traado do panorama geral do sistema prisional, o passo seguinte
ser tentar explicar as razes de sua falncia, mostrando os erros existentes nos
fundamentos que sustentam o discurso da pena de privao de liberdade. Se as
bases sobre as quais se estrutura todo o sistema so frgeis, a arquitetura, por
conseguinte, no poderia ter resultado diferente seno o fracasso, uma vez que o
planejamento dos espaos feito sob diretrizes equivocadas. So inmeras falciasque culminam nos mais diversos equvocos.
Neste momento, a metodologia adotada ser principalmente a de estudos
de casos concretos, onde sero demonstrados os erros fundamentais e as suas
mais evidentes conseqncias. Sendo assim, ser feita uma anlise crtica,
buscando apontar os erros cometidos quando da aplicao das penas privativas de
liberdade, tanto no que tange ao espao, quanto aos problemas do prprio direito
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penal, do processo penal e da execuo penal, bem como aos discursos de
ressocializao.
At para dar um enfoque mais prtico presente pesquisa, o contexto,
neste momento, ser exclusivamente dentro do sistema penitencirio brasileiro,
sobretudo por questes de acessibilidade aos estabelecimentos penais visitados.
Neste sentido, sero comparados os discursos polticos, as tcnicas adotadas e os
seus respectivos resultados.
Depois de definido o confronto entre as intenes pregadas nos discursos
que sustentam o sistema prisional e a realidade que demonstra a sua completa
falncia, analisadas como tese e sua respectiva anttese, a prxima etapa ser a de
buscar uma sntese. Sendo assim, ser necessrio tornar evidente a lgica a ser
utilizada, ou seja, a teoria da complementaridade. Na referida teoria, a negao da
verdade resultar em uma nova verdade, diferentemente das teorias da identidade,
em que a tese e a anttese se fundem, ou da no-identidade, em que divergem
completamente.
Nesta fase do trabalho, portanto, sero abordados temas como a funo
social do espao e a releitura dos fundamentos tanto do sistema penal e processual
penal como tambm de sua execuo. Sero, portanto, confrontadas a concretude
do ser humano em face da abstratez da lei. Deve-se observar que as penas, parauma maior efetividade e eficcia, devem ser individualizadas, levando em
considerao a psique da pessoa, bem como a natureza do crime. Para tanto, a
arquitetura torna-se apenas mais uma das diversas variveis que influenciam a
execuo da pena privativa de liberdade. necessria, ainda, a compreenso de
que a cidadania tem papel fundamental tanto na recuperao do indivduo, como na
sua punio.
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Desta maneira, buscando um enfoque mais sociolgico, a arquitetura foi
analisada de maneira a perceber influncias do espao, como ambiente habitado
e/ou usufrudo, sobre o comportamento humano e social. Trata-se, portanto, de um
estudo multidisciplinar, que envolve no s a arquitetura em si ou o direito
propriamente dito, que define inmeras imposies legais, de maneira isolada, mas
tambm incorpora conhecimentos de psicologia, sociologia, assistncia social,
criminologia, filosofia, alm de uma srie de cincias correlatas.
Existe, portanto, uma relao simbitica e cclica entre a arquitetura
prisional e o comportamento humano do indivduo que habita o espao carcerrio.
Diante de todas as determinantes estabelecidas por rgos estatais de execuo da
pena, a arquitetura decorre de uma srie de limitaes e imposies. Por outro lado,
o espao resultante desse planejamento espacial gera inmeros efeitos na
sociedade que vive intramuros. Neste sentido, existe o intuito de direcionar fluxos e
organizar atividades dentro de certos padres pr-definidos, o que, de certa forma,
gera uma srie de comportamentos esperados.
Em suma, a pretenso buscar uma relao existente na arquitetura
prisional e a pena privativa de liberdade, sobretudo no que tange aos seus objetivos
de ressocializao do apenado, fazendo, para tanto, um percurso em torno do
entendimento da pena e da legislao em si, de sua aplicao prtica no espao,assim como de seus reflexos na sociedade, sobretudo naquela que compe o
microcosmos prisional.
A metodologia utilizada ao longo do trabalho engloba alm de pesquisa
bibliogrfica, anlises de projetos arquitetnicos completos, compostos de situao,
plantas baixas, cortes e fachadas, alm de levantamento de dados junto ao
Departamento Penitencirio Nacional DEPEN e a outros rgos responsveis
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pela execuo da pena privativa de liberdade nos estados brasileiros, entrevistas
com profissionais dos diversos setores relacionados execuo penal, bem como
visitas pessoais a uma srie de estabelecimentos penais para a realizao de
estudos de casos.
Como a destruio do sistema prisional nos moldes em que se encontra
seria impossvel por questes de incompatibilidades entre a impotncia da razo
terica e os falsos argumentos da razo prtica, trata-se de um trabalho de pesquisa
que tenta fazer uma modificao em sua leitura, por meio de questionamentos sobre
a ideologia de quem constri e sobre a forma de espacializao da maneira de
entender o mundo, de modo a tentar uma possvel reestruturao.
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1 HISTRICO SOBRE A PRISO E SOBRE A ARQUITETURAPRISIONAL
No se pode analisar o sistema prisional de forma isolada, uma vez que
se trata de um mostrador sintomtico de toda a sociedade. A priso, segundo
Foucault, no deve ser vista como uma instituio inerte. Ao contrrio, sempre fez
parte de um campo ativo onde abundaram os projetos, os remanejamentos, as
experincias, os discursos tericos, os testemunhos, os inquritos.2
Nestes termos, preliminarmente, para buscar a compreenso da
instituio da priso como punio aplicada s pessoas por infrao de normas,
necessrio que seja esclarecido qual o conceito de pena. Nesse sentido, cabe citar a
definio do que se entende por Direito Penal.
Segundo Frederico Marques, o Direito Penal um
conjunto de normas que ligam o crime, como fato, pena, comoconseqncia, e disciplinam tambm as relaes jurdicas da derivadas,para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurana e a tutela dodireito de liberdade em face do poder de punir do Estado.3
A pena, portanto, sobretudo no entendimento do ordenamento jurdico
mais recente, uma espcie de sano aplicada em conseqncia de um crime. No
entanto, a origem mais remota da pena estaria relacionada a castigos, entendidos
como reaes das comunidades primitivas a acontecimentos que fugiam ao
cotidiano como chuvas, terremotos, vulces em erupo, raios, que eram atribudos
a seres sobrenaturais. Tais manifestaes naturais e climticas eram aceitas como
prmios ou desaprovaes aos grupos por seu comportamento.
_____________________
2 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da priso. Traduo de Raquel Ramalhete. 27. ed.,Petrpolis: Vozes, 2003, p. 198.
3Apud.MARQUES, J os Frederico. Curso de direito penal. 15. ed., So Paulo: Saraiva, 1978, v.1, p.12.
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Na Grcia Antiga e em Roma, era aplicada a pena de morte, alm de
outras sanes consideradas desumanas4 como aoites, castigos corporais,
mutilaes, entre outras. Nessa poca, no entanto, que se comea a idealizar a
pena como instrumento de defesa do Estado, de preveno e at mesmo de
correo do apenado. Na Grcia Clssica, ento, j se deu incio a um novo
entendimento sobre a pena, quando o sofista Protgoras instigou uma concepo
pedaggica da pena.
A frase de Protgoras o homem a medida de todas as coisas, das
coisas que so enquanto so, das coisas que no so enquanto no so teve como
base o pensamento de Herclito. Com isso, segundo tal pensamento, se o homem
a medida de todas as coisas, ento alguma coisa pode ser medida para os homens,
sejam as leis, as regras, a cultura. Tudo que definido por um determinado conjunto
de pessoas, valendo em um lugar especfico, no necessariamente ser vlido em
outro local.
O pensamento relativista atrelado idia de pena ilustra as diferenas
existentes na aplicao de sanes ao redor do mundo. Compreende-se a partir de
tal reflexo que os costumes e a cultura variam de acordo com o tempo e o espao.
Neste sentido, percebe-se que enquanto o discurso difundido no mundo ocidental
pendeu para a pena privativa de liberdade como forma ideal de punio, aps toda aevoluo histrica de formas de sano, o mundo oriental apresenta outras solues
para fazer o indivduo criminoso pagar suas contas perante a sociedade.
_____________________
4 O termo desumanas, que era aplicado s sanes adotadas na Antigidade, vem de um discurso
propagado recentemente, coincidente com o perodo de institucionalizao da priso. No entanto,se forem analisadas de forma estrita, as penalidades aplicadas nada mais eram do que muitohumanas, uma vez que representavam o desejo de vingana do homem. O mais adequado, talvez,seria utilizar o adjetivo cruis para descrever as sanes aplicadas poca.
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A expresso de Protgoras tambm uma reflexo que expressa o
relativismo sofista e significa, de um modo geral, que as coisas so conhecidas de
uma forma particular e muito pessoal por todo indivduo. Sendo assim, a pena de
priso pode ser comparada com a idia de ostracismo, que era uma forma de
punio poltica, expulsando o indivduo, forando-o ao exlio por um perodo de 10
anos ou mais. Empregado inicialmente pelos atenienses, os bens do exilado
permaneciam na cidade e ele se tornava como um estrangeiro. Mais recentemente,
tal punio poltica gerou uma nova concepo para o termo ostracismo, que
representa atualmente a modos informais de excluso de um grupo por meio do
isolamento social.
Assim, evidente a analogia da priso e o exlio dentro da prpria
sociedade, uma vez que se cria um espao de excluso. O exlio acaba por ser uma
morte simblica do indivduo, sobretudo quando se considera que o indivduo preso,
nas condies de exilado social, esquecido e eternamente estigmatizado perante a
sociedade. Prova disso pode ser vista at mesmo na prpria academia, em que o
estudo da execuo penal totalmente negligenciada, o que significa dizer que a
verdadeira importncia dada apenas ao contedo do direito, seja ele material ou
processual. Resumindo, pode-se dizer que no h vida aps a condenao5,
comprovando, mais uma vez, que estar preso, exilado, estar vivendo na morte.
_____________________
5 Trata-se de uma forma metafrica de representao do descaso das autoridades perante ocumprimento de pena. No caso do Brasil, para ilustrar o problema, pode-se dizer que existeminteresses para investigar os indcios de autoria e materialidade do delito para poder incriminar oindivduo, direcionando o julgamento para a condenao. Terminado o processo, o indivduo condenado no s pena imputada, mas tambm ao completo esquecimento. Maior prova de talsituao a existncia desproporcional de varas criminais em relao s varas de execuocriminal. Alm disso, pela deficincia de recursos humanos, inclusive, existem presos que passam
anos dentro dos estabelecimentos penais aps o efetivo cumprimento de pena pelo simples fato deno haver um controle sobre a referida situao. Se no houver presses da famlia, que busquemum bom defensor pblico, por exemplo, o indivduo pode literalmente ficar merc do Estado, quemonopoliza a sano penal.
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A ressocializao, no contexto da priso como forma de punio,
tambm algo utpico, sobretudo se for considerado o fato de que o excludo no
necessariamente aquele que est errado. o problema do gnio ou at mesmo do
autista, uma vez que aquele que descobre a verdade no o faz em estado de
socializao, por se tratar de uma atitude individual. Assim como o gnio,
compreendido como um sujeito transcendental metafsico, permanece em situao
de solitude no processo de criao, j que est em um nvel mais avanado de
entendimento do que a mdia do grupo, o preso tambm se v completamente s,
uma vez que excludo da sociedade.
Para que haja o reconhecimento do gnio como tal, necessrio que
exista uma estrutura fundamental, isto , um princpio de sustentao sobre o qual
ele se destaque. Assim, o preso tambm considerado um ser anmalo comparado
sociedade mdia. Por um comportamento especfico, considerado pela lei um
crime, cria-se um sentido de buscar o direito e a justia, por meio da vingana social,
atualmente monopolizada pelo Estado. Com isso, o sentido de ressocializao a ser
aplicado na priso substitudo, na prtica, pela total excluso, em que o preso
deixado no esquecimento.
Nesta mesma linha de raciocnio, sabe-se que a compreenso da obra de
arte genial no apresenta relao de nexo causal, no representando espelhamento,isto , no passvel de aplicao de mtodos de interpretaes. Se houvesse
mtodo de decodificao a ser utilizado, a obra deixaria de ser nica e passaria a
ser trivial. Com base nesta forma de anlise, possvel comparar o preso ao gnio,
que invariavelmente permanece incompreendido aos olhos da sociedade mdia. Por
esta razo, fica sempre em uma situao de excluso, ainda que no haja
argumentos fortes que indiquem que, de fato, seja ele o errado.
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Conforme observado, as penas podem variar de acordo com a legislao
e ordenamento jurdico aplicado em cada localidade, de modo a atingir a vida, o
prprio corpo, o patrimnio, bem como a liberdade. Com base nesta delimitao,
sero descritas caractersticas histricas do instituto da priso como forma de
punio.
1.1 Fundamentos originrios
A pena de priso teve origem nos mosteiros da Idade Mdia, segundo
Manoel Pedro Pimentel, que era aplicada
como punio imposta aos monges ou clrigos faltosos, fazendo com quese recolhessem s suas celas para se dedicarem, em silncio, meditaoe se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se assim com Deus. 6
O vocbulo penitenciria remete, portanto, sua origem ao Direito
Cannico. Na antiguidade, pessoas se afastavam do convvio social, na inteno de
fazer penitncias para corrigir as prprias falhas. A Igreja Catlica, acreditando que
a solido e o silncio promoviam a remisso dos pecados, criou os estabelecimentos
penitenciais, os conventos e mosteiros, que tambm eram compreendidos como
refgios e centros de cultura.
Por esta razo, acabava que esse ambiente fundamentado por preceitos
de cunho eminentemente religioso j era uma espcie de priso. Prova disso pode
ser obtida na histria de Marguerite Dalamarre, cujo drama inspirou o romance de
Denis Diderot,A Religiosa, que relatava a sua angstia de quando foi fechada em
um convento contra a sua vontade, sendo submetida imoralidade da vida monacal
quando no escolhida por vocao.
_____________________
6 Apud. PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. So Paulo: Revista dosTribunais, 1983. p. 134, ver ainda, ____. Sistemas Penitencirios. RT 639/265-274.
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Tal histria um dos exemplos que demonstram os maiores fundamentos
para a criao das prises, que se utilizam do discurso de permitir o
enclausuramento do indivduo para a reflexo, quando, na realidade, trata-se de
uma maneira de imposio de princpios e valores base da fora.
A Inquisio ocorreu em um perodo histrico em que o poder religioso se
confundia com o poder real: foram editadas bulas que davam poder Igreja Catlica
de julgar, absolver ou condenar seus inimigos propagadores de heresias, como se
ela fosse o prprio Estado. Ser cristo, poca, era mais do que praticar uma
religio, sendo, neste sentido, uma maneira comum de ser e de pensar. Por esta
razo, um inimigo do cristianismo era entendido como inimigo do pensar comum e
da identidade nacional.
Os tribunais criados julgavam todos aqueles considerados uma ameaa
s doutrinas da Igreja, sendo que todos os suspeitos eram perseguidos e julgados.
Aqueles que fossem condenados deviam cumprir penas que variavam de priso
temporria ou perptua at a morte na fogueira, onde os condenados eram
queimados vivos em praa pblica.
Na religio, sobretudo no contexto da assim chamada Santa Inquisio,
em que o cristianismo ditava uma certa forma de comportamento e ideais, o pecado
poderia ser concretizado por meio de palavras, pensamentos ou obras. No Direito,porm, os delitos podem ser consumados quase que exclusivamente por obras, seja
realizando-as (delito comissivo) ou deixando de realiz-las (omisso). Existem
poucas excees, como so os casos da calnia, difamao e injria, que so
crimes cometidos por palavras.
Nestes termos, possvel verificar que a penitncia muito mais presente
na sociedade do que se imagina. Sendo assim, a priso apresenta-se como um
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sintoma da sociedade. As pessoas, de um modo geral, ainda que no condenadas
pela via judicial, acabam se punindo por motivos diversos, sobretudo baseadas no
sentimento de culpa. O aprisionamento ocorre de formas diversas. Por se tratar de
uma manifestao sintomtica da prpria sociedade, existe um motivo teolgico
escondido na arquitetura prisional, quando se acredita na idia de que Deus te v.
Portanto, a penitncia se baseia em tal ideal.
No entanto, Beccaria, ao tentar explicar a origem das penas e do direito
de punir, remete celebrao do contrato social e s leis, como forma de agrupar os
homens, inicialmente independentes e isolados, superfcie da Terra. Sendo assim,
cada indivduo teria abdicado de uma liberdade incerta, sacrificando, ento, parte
dela para poder usufruir o seu restante com maior segurana. E, para garantir que
tal propsito fosse mantido, foi necessria a criao de meios sensveis e poderosos
para sufocar o esprito de despotismo da humanidade. Tais meios foram as penas
estabelecidas contra aqueles que ousavam infringir as leis.7
O fundamento do direito de punir, portanto, para Beccaria, residiria
exatamente na reunio de todas essas pequenas parcelas de liberdade que cada
indivduo depositou ao celebrar o contrato social. Por esse motivo, as penas
deveriam se balizar to somente na necessidade de manuteno e garantia de
depsito, no podendo, por esta razo, ultrapassar tais limites, para que no fosseminjustas.
Um dos princpios fundamentais do modelo clssico do direito penal,
compreendido como instrumento de controle social, o do bem jurdico. Nesta
concepo, o direito penal serviria para a necessria proteo dos interesses
_____________________
7BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. So Paulo: Rideel, 2003.
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humanos mais elementares, sempre e quando no fosse possvel dispor de outros
instrumentos mais inofensivos para alcanar tal objetivo.
Evidentemente, o prprio conceito de bem jurdico carrega em si um
elemento de organizao sistemtica, que serve como critrio negativo para uma
legtima criminalizao, uma vez que, sem uma especfica leso a um bem jurdico,
no se pode configurar o delito.
Outro princpio sobre o qual se baseia a execuo das penas a
formalizao dos instrumentos penais, compreendida como uma condio para
garantir os direitos daqueles que intervm no processo penal, garantindo uma certa
transparncia e um controle aplicao de sanes. A sano penal, por sua vez,
seria uma espcie de sano formal, em que deveriam ser observados alguns
requisitos, respeitados os limites do direito penal e da proporcionalidade. A pena s
poderia, portanto, ser imposta a algum como conseqncia de um processo com
mltiplas garantias. Desta forma, a formalizao dos instrumentos penais teria uma
dupla dimenso, funcionando como limite interveno estatal e, ao mesmo tempo,
como garantia aos associados no pacto social.
Por fim, outro princpio difundido o dapreveno, que seria a finalidade
ou funo da matria penal, constituindo assim uma justificao. De um modo geral,
o ponto central da interveno penal se corporifica na imputao e aplicao de umasano. A preveno pode ser distinguida em trs perspectivas distintas,
denominadas preveno geral negativa, preveno especial positiva e preveno
geral positiva.
Apreveno geral negativa pode ser traduzida em intimidao, isto , tem
uma funo eminentemente intimidatria. Tal preveno teria por objetivo afastar os
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cidados dos delitos, na medida em que os fizessem fiis ao direito por temor de
receberem as sanes.
Seguindo tal raciocnio, a intimidao preceituada na prpria teoria da
pena, sendo, portanto, uma das finalidades da cominao, aplicao e execuo da
pena. Assim, conforme Francisco Csar Pinheiro Rodrigues:
h quem veja no medo um estmulo inferior e primitivo. Mas, na verdade, ele o grande manancial da virtude, da democracia e do Estado de direito,to louvado, mas to mal compreendido. o medo da reprovao queestimula o aluno a estudar matrias aborrecidas, mas necessrias. E comisso ganham o futuro profissional e a coletividade. o medo da imprensa
que leva os homens pblicos a no ceder tanto tentao de lanar mo dodinheiro pblico. o medo da punio que leva um policial algo perverso ano torturar um suspeito antiptico. o medo da multa alta que diminui avelocidade dos carros, o que resulta em menos mortes na estrada. omedo da no-reeleio que induz o poltico a caprichar na sua atuao. omedo da concorrncia que leva o industrial a melhorar ou baratear o seuproduto. E por a afora.8
Esta teoria encontra, porm, questionamentos no que tange eventual
leso dignidade do homem enquanto utiliza a pessoa como meio para a
intimidao de outra.
Neste sentido, existe uma contradio em aberto, j que o espao de
excluso e isolamento deveria servir para a reflexo. Quando se coloca o indivduo
em um local em que no so oferecidas as mnimas condies de privacidade, no
se permite o pensamento livre que leve modificao interior desejada. As
condies degradantes das celas, onde, entre uma srie de situaes
desconfortveis, o vaso sanitrio fica dentro da cela sem qualquer fechamento, alm
da sujeio superlotao, faz com que o sujeito no consiga ficar consigo mesmo.
Alm disso, considerando as falhas processuais existentes no sistema
jurdico, a preveno geral negativa no funciona conforme teorizada. Ao contrrio,
ao invs de provocar a intimidao, na lgica do criminoso, a possvel punio
funciona como uma espcie de crdito para o eventual cometimento de novos_____________________
8Apud. RODRIGUES, Francisco Csar Pinheiro. Paradoxos da pena. RT 651/381-383.
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crimes. Sabendo que no ser poupado de pr-julgamentos, que tem incio desde o
inqurito policial, isto , ainda em fase inquisitiva e antes mesmo da fase processual,
o indivduo sabe que no ser aplicado o princpio da presuno de inocncia, onde
somente se afirma a culpa aps a condenao. Sendo assim, desde o incio, o
princpio da abstrao jurdica demonstra estar em conflito com os ideais do devido
processo legal.
J a preveno especial positiva estaria relacionada ressocializao,
trazendo ao infrator penal o direito de reeducao e tratamento penal, de modo a
permitir a cura ao invs do simples castigo. As barreiras para essa teoria so
encontradas quando se levantam as incertezas quanto aos limites da
ressocializao. Enquanto no h uma delimitao palpvel para o tratamento penal
adequado, no se consegue definir a efetiva aplicao da suposta recuperao
social.
Finalmente, apreveno geral positiva uma forma de viso concebida
por uma perspectiva diferente, tendo em vista a relao da cominao e da
execuo penal com outras formas de controle social. A partir deste entendimento, a
sano penal estaria incorporada ao sistema geral de controle social. Constitui,
portanto, a forma de interveno mais aguda nos direitos dos infratores, sendo
justificada pelo carter grave do conflito penal e s podendo ser imposta quando nohouver outros mecanismos de controle social que possam resolv-lo. A referida
teoria oferece, portanto, os limites finalidade de ressocializao e fundamenta a
idia de retribuio.
De modo geral, ainda com base nas teorias da preveno, existem trs
teorias que atualmente descrevem as finalidades das penas, sendo elas:
a) teoria absoluta (ou retributiva), que considera que a pena deve retribuirao criminoso o mal injusto causado por seu ato delituoso;
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b) teoria relativa (ou finalstica ou preventiva), que considera que a penadeve prevenir atos delituosos;
c) teoria mista (ou ecltica), que considera que a pena tem dupla funo,
tanto de punir o sujeito criminoso, como tambm de prevenir o ato delituoso,por meio da humanizao.
A priso, ento, como forma de punio, foi uma transformao da idia
de castigo do antigo processo punitivo para uma tcnica penitenciria direcionada
idia de adestramento. Neste sentido, a punio por meio da privao de liberdade
seria indicada para fazer com que indivduos penalizados fossem direcionados a um
comportamento padronizado, previamente institudo como ideal para o homem
mdio e para a sociedade.
A definio jurdica de crime pode ser insuficiente, em termos lgicos,
para resolver o problema da criminalidade, uma vez que, pelo princpio da
anterioridade9, para que um ato deixe de ser considerado criminoso, basta que se
destruam todos os cdigos, isto , o direito positivado. Assim, se o crime leso
lei, bastaria que esta fosse eliminada para que aquele deixasse de existir.
Por esta razo, existem tericos que defendem ideais do denominado
abolucionismo penal, corrente mais radical, e do direito penal mnimo. A primeira
corrente mencionada prega a adoo de uma poltica criminal de eliminao total do
ordenamento jurdico penal como forma de controle social formal, ao passo que a
segunda defende uma eliminao parcial.
O abolucionismo radical parte dos fracassos dos fundamentos do Direito
Penal e dos fins da pena na defesa de sua tese. O pressuposto para a defesa desta
corrente jurdico-filosfica que o instrumento penal, a despeito de sua violncia,
no protege os bens jurdicos essenciais ou a autoridade da norma a que se prope
_____________________9 No Direito Penal, o princpio da anterioridade definido pelo brocardo latino Nullum crimen, nulla
poena sine praena lege, que pode ser entendido como no h crime sem lei anterior que o defina,nem pena sem prvia cominao legal.
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a tutel-los, no sendo capaz de prevenir a prtica de condutas socialmente
danosas e, portanto, no cumprindo sua finalidade.
Considerando a utopia desta teoria mais radical, sobretudo quando
verificado o seu enfoque (no) pragmtico, o direito penal mnimo encontra espao,
uma vez que a experincia tem demonstrado que as sanes formais acabam
sendo, de certa forma, necessrias. Para conter o impulso anti-social do homem, as
sanes morais ou sociais no se mostram eficazes. Por esta razo, defendido um
ordenamento jurdico-penal enxuto, porm com correta aplicao e execuo
adequada.
Assim, como elementos essenciais e necessrios para o poder de punir,
podem ser citadas a medida e a humanidade. Neste sentido, pode-se dizer que um
dos fundamentos originrios da pena o princpio da moderao das penas. Tal
princpio traduz-se na fundamentao da pena na sensibilidade do homem razovel
e no no rigor da lei ou na periculosidade do delinqente.
Inicialmente, foi denominado de princpio da proibio do excesso, sendo
conseqncia do princpio da legalidade. Para Foucault10, a pena deve ser calculada
em funo de possvel reincidncia, ao invs de basear-se no delito. Isto significa
visar desordem futura em detrimento ofensa passada, fazendo com que o
criminoso no possa ter vontade de recomear. Neste momento, fica evidente atentativa de aplicao da teoria da preveno geral negativa, em que se tenta utilizar
a pena como forma de intimidao. Beccaria11 afirma que, se uma pena igual
aplicada a dois delitos que ofendem desigualmente a sociedade, no haver
obstculos a impedir prtica de um delito ainda mais grave. Assim, a intimidao
deve ser dosada conforme a sua gravidade ofensiva em face da sociedade.
_____________________
10 FOUCAULT, op. cit., p. 205.11BECCARIA, op. cit., p. 52.
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Resumidamente, portanto, o princpio da moderao das penas pode ser
traduzido na forma de tornar desvantajosa a idia da prtica de um crime, de modo
que cada caso deve ter sua medida necessria de castigo de modo a dar eficcia ao
sistema punitivo.
As penas, para um melhor resultado, deveriam ser individualizadas em
conformidade com as caractersticas do fato delituoso bem como do prprio
criminoso, sendo pressuposto necessrio para uma punio ajustada, sem carncias
ou excessos. A humanizao do poder de punir estaria, por sua vez, representada
pelo deslocamento da aplicao da privao da liberdade como castigo, sem ensejar
o ritual dos suplcios do corpo.
Uma das formas de aplicar o princpio da isonomia foi a quantificao da
pena em medidas de tempo. Neste sentido,
a idia do uso do tempo para medir o castigo sempre esteve ligada igualdade, j que a liberdade um bem que pertence a todos da mesmamaneira. Retirando a liberdade do condenado, a priso traduz a idia deleso no somente vitima, mas a toda a sociedade.12
Considerando que a idia de medir o castigo se utilizando da fico da
igualdade o maior problema no sistema prisional, pois no se consegue alcanar
um tratamento isonmico dentro do referido contexto. A priso, por todos os motivos
expostos, foi institucionalizada sobre fundamentos retricos amplamente difundidos
como reais e cujos discursos so vigentes at a atualidade.
1.2 Institucionalizao da priso e evoluo do sistema prisional
Durante muitos sculos, a priso tinha por objetivo a guarda de escravos
e de prisioneiros de guerra ou, ainda, a custdia de rus at seu julgamento.
_____________________
12PORTO, Roberto. Crime organizado e sistema prisional. So Paulo: Atlas, 2007, p. 13.
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Aqueles que eram condenados freqentemente acabavam punidos com a morte, ou
com a amputao de membros aps serem submetidos a trabalhos forados. Para
evitar a fuga, eram utilizados quaisquer locais considerados seguros, em geral,
construes abandonadas e sem condies humanas de ocupao.
Ao longo do tempo, percebendo que a pena de morte j no intimidava
mais, e que atraa cada vez mais pblico, somado s crticas dos filsofos
iluministas, em relao aos exageros do regime, no sculo XVIII a priso tornou-se o
principal castigo. Neste novo modelo, a punio isolava-se atrs dos muros,
momento em que se dava fim aos suplcios pblicos e, assim, incio s torturas
veladas. Tratava-se da Priso de Custdia, tendo como filosofia a segurana, prtica
bastante comum em nossos dias.
Dizer que o fim dos suplcios acabava com a era do sofrimento explcito
dos condenados uma grande falcia espalhada ao longo do tempo. A penalizao
ao corpo, com amputaes e execues em praas pblicas, utilizadas por inmeras
sociedades em todo o mundo, era uma forma de expor a vingana individual, por
intermdio do Estado, a todos da sociedade. No entanto, a transio dessas
penalidades para a priso foi uma forma de tornar a tortura velada. Deu-se espao
hipocrisia, em que se divulga a humanizao das penas, a diminuio da crueldade,
quando, na realidade, o indivduo condenado, ao invs de receber um tratamentoadequado que leve aos resultados idealizados pela privao da liberdade,
submetido a situaes degradantes e subumanas, alm de cair no mais completo
esquecimento.
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O sofrimento fsico, a dor do corpo no so mais os elementos constitutivosda pena. O castigo passou de uma arte das sensaes insuportveis a umaeconomia dos direitos suspensos. Se a justia ainda tiver que manipular etocar o corpo dos justiveis, tal se far distncia, propriamente, segundoregras rgidas e visando a um objetivo bem mais elevado.13
A institucionalizao da priso ocorreu, portanto, em um contexto de
projetos de reformas da justia tradicional, em que foram formuladas novas teorias
da lei e do crime, dando, assim, uma nova justificao moral e poltica ao direito de
punir. Para Foucault, o nascimento da priso coincide com o momento em que se
percebeu, conforme os ditames da economia do poder, ser mais eficaz e mais
rentvel vigiar do que punir. No obstante, a mudana de paradigma, do suplcio
para a priso, no significou de maneira alguma o fim do sofrimento.
(...) castigos como trabalhos forados ou priso privao pura e simplesda liberdade nunca funcionaram sem certos complementos punitivosreferentes ao corpo: reduo alimentar, privao sexual, expiao fsica,masmorra. Conseqncias no tencionadas, mas inevitveis da prpriapriso? Na realidade, a priso, nos seus dispositivos mais explcitos,sempre aplicou certas medidas de sofrimento fsico.14
Conforme Mirabete, a priso era no incio to-somente um
estabelecimento de custdia, onde se detinham pessoas acusadas de crime,
espera da sentena, bem como doentes mentais e pessoas privadas do convvio
social por condutas consideradas desviantes ou questes polticas15. Com base na
idia de penitncia foi inspirada a construo da edificao registrada como primeira
priso destinada ao recolhimento de criminosos, a chamada House of Correction,
construda no perodo entre 1550 e 1552 em Londres.
Inicialmente, no havia uma poltica sistemtica de aprisionamento,
sendo, portanto, impossvel identificar uma norma para projetos de estabelecimentos
penais. A priso no passava de um local com a finalidade nica de recolhimento,
_____________________
13 FOUCAULT, op. cit., p. 14.14 Idem, p. 18.15 MIRABETE, J ulio Fabbrini. Execuo Penal: comentrios Lei n 7.210, de 11-7-1984. 11. ed.,
Revista e Atualizada, So Paulo: Atlas, 2004, p. 21.
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de modo a impedir que o preso fugisse enquanto aguardava a instruo criminal ou
a execuo da pena propriamente dita. Nesse sentido, uma grande variedade de
edifcios no habitados passou a ser utilizada para esse fim. Na poca, muitas
prises se situavam nos subsolos de prdios pblicos, por se tratar de um espao
no muito adequado para outros usos e por facilitar a preveno contra fugas.16
Neste perodo, no havia intenes de recuperar o indivduo, fazendo
com que ele apenas permanecesse confinado em um espao nfimo, sob vigilncia
constante, com o nico intuito de possibilitar a apurao dos fatos at a sua efetiva
condenao. Assim, as prises eram to-somente um local para recolhimento de
pessoas em espaos anteriormente inutilizados, quase que como animais em jaulas.
Neste contexto, no havia separao dos presos por sexo, idade ou
qualquer outro critrio, sendo que no se dava a menor ateno ao bem-estar fsico
ou moral da pessoa humana. O amontoado de homens e mulheres nos mesmos
locais tornava a promiscuidade inevitvel.
Somente no momento em que a privao da liberdade na priso passou a
ser adotada como medida de aplicao ou execuo da pena que se teve incio
com a preocupao com o estudo de locais mais apropriados para tal. A unio das
questes relacionadas evoluo das idias a respeito do crime, do criminoso, da
pena e da justia penal fez com que surgisse a reflexo da arquitetura das prises,fossem elas destinadas s prises cautelares ou execuo das sanes penais.
Nestes termos, ao fim do sculo XVII, a pena privativa de liberdade
passou a ser institucionalizada como principal sano penal, sendo que, desta
forma, a priso foi vista, fundamentalmente, como o local de execuo das penas.
_____________________
16MADGE, J ohn. Planejamento de prises e reforma penal I. MIMEO.
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As primeiras reflexes sobre a organizao das casas de deteno e sobre as
condies de vida dos detentos tiveram incio neste contexto.17
No entanto, ainda existem outra forma de aplicao de sanes em todo o
mundo, inclusive a pena de morte. Uma das formas de aplicao de pena capital a
cmara de gs, legalmente permitida em alguns estados dos Estados Unidos, a
cadeira eltrica, mtodo atualmente extinto, ou mais comumente utilizada, a injeo
letal. Na China, a penalidade mxima usualmente aplicada com um tiro na nuca,
por meio do fuzilamento, enquanto na Frana, foi utilizada, por muitos anos, a
guilhotina para tal finalidade.
A cmara de gs foi um dos instrumentos utilizados principalmente pelos
alemes na II Guerra Mundial para a eliminao em massa de seus prisioneiros nos
campos de extermnio. Na poca, era utilizado o cido ciandrico, que forma cristais
que se sublimam em gs quando expostos ao ar, sendo altamente letal. Ao ser
respirado, o gs ciandrico entra pela corrente sangnea at chegar s clulas, que
ficam incapacitadas de produzir energia e morrem.
Em outros locais dos Estados Unidos, foi utilizada a cadeira eltrica, um
instrumento de aplicao da pena de morte por eletrocuo, onde o condenado
imobilizado em uma cadeira, sofrendo depois tenses eltricas de cerca de 20.000
volts.Outra penalidade aplicada em outros locais, e tambm no Brasil, o
exlio, entendido como o estado de ficar longe da prpria casa. Neste sentido, o
indivduo submetido a tal penalidade fica banido de sua cidade ou nao.
_____________________
17Apud. CATO, Yolanda; SUSSEKIND, Elisabeth. Direito dos presos. Rio de J aneiro: Forense,1980, p. 62-63.
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Na Antigidade, nos tempos mais remotos na Grcia e em Roma, eram
aplicadas sanes corporais, sendo que corpos eram mutilados e/ou vendidos e
entregues como escravos. At hoje, em lugares como a China, esta espcie de
punio ainda amplamente difundida e utilizada.
Com tais mtodos de aplicao de sano, no havia necessidade de se
planejar espaos para penalizar o indivduo. Porm, com a institucionalizao da
priso, em oposio a penalidades sobre o corpo (e no somente sobre a liberdade),
foi necessrio sistematizar um estudo sobre o local de confinamento.
At o incio do sculo XVIII, poucas idias novas em projetos foram
desenvolvidas, apesar da reforma penal ocorrida, que derivou os primeiros
estabelecimentos correcionais propriamente ditos, como os Bridewells, na Inglaterra,
e os rasp-houses, na Holanda.
Em 1703, o Papa Clemente XI resolveu modernizar e reconstruir o
hospital San Michele, com o intuito de acolher delinqentes juvenis. Considerando
que se fazia uso de duas formas de pena, o regime de silncio e o regime de
recluso solitria, a priso passou a se tornar uma instituio especializada. Em San
Michele, o aprisionamento era exclusivo para jovens considerados incorrigveis, com
menos de 20 anos de idade, e o tratamento era selecionado de acordo com o tipo de
caso.Assim, o prprio edifcio comeou a tomar carter funcional. San Michele,
ento, passou a ser reconhecido como prottipo de projeto em bloco celular,
dispondo de celas com janelas para o exterior.
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Figura 4 Hospital San Michele (Priso)
Mais tarde, aproximadamente nas dcadas de 1760 a 1770, em termos
de projeto de prises, a reforma penal estava ligada adoo do plano celular. A
idia era aplicar a disciplina e a sobriedade, em contraposio com a indiferenciada
multido que enchia as prises anteriormente. O referido sistema de aprisionamento
foi denominado posteriormente de Sistema da Filadlfia (pensilvnico, belga ou
celular), cuja caracterstica mais marcante era o isolamento celular absoluto, com
passeio isolado do sentenciado em ptio circular, sem trabalho ou visitas,
incentivando-se a leitura da Bblia.
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Neste sistema, a requalificao do criminoso era buscada por meio da
relao do indivduo com a sua prpria conscincia e com aquilo que poderia
ilumin-lo por dentro. No seria, portanto, um respeito exterior pela lei ou apenas o
receio da punio que iria agir sobre o detento, mas o trabalho de sua conscincia.
O objetivo a ser alcanado seria uma mudana de moralidade e no de atitude
propriamente dita. As nicas operaes de correo seriam a conscincia e a
arquitetura muda contra a qual ela esbarra, sendo que o trabalho seria antes um
consolo que uma obrigao.
A mais importante e original das novas prises que seguiu o Sistema da
Filadlfia talvez tenha sido a famosa Penitenciria Estadual Leste, conhecida como
Cherry Hill, inaugurada em 1829, projetada por J ohn Haviland. Tratava-se de uma
priso que tinha como princpio bsico a completa separao e recluso solitria de
detentos.
Em planta, Cherry Hill consistia em sete alas que irradiam de uma rotundacentral, com uma torre de observao. Quatro dessas alas tinham um sandar e as outras tinham trs ou quatro andares. Cada ala era servida porum corredor central que dava acesso s celas. Do lado oposto entrada decada cela havia um pequeno ptio para exerccios, cercado por um altomuro. Ao todo eram 400 as celas. Medidas absurdas foram tomadas parareforar a recluso e impedir os prisioneiros de conversarem entre si. Nasprimeiras plantas, as celas no tinham portas para o corredor, apenas umavigia e uma gaveta para alimentao. O prisioneiro deveria viver e trabalharem sua cela, com uma hora de exerccio dirio, sendo vedado o usosimultneo de ptios vizinhos. Guardas da torre central impediam qualquerintercomunicao. Os prisioneiros ao circularem fora de suas celas e os que
trabalhavam nos servios de manuteno usavam capuzes ou mscaras.Os servios religiosos eram celebrados de maneira tal que os detentospudessem ouvir a voz do celebrante, mas no v-lo nem aos outrosreclusos. Conseguia-se isto mediante a colocao de uma cortina em toda aextenso do corredor, durante a realizao do servio religioso. Nenhumaatividade conjunta era permitida. O nico alivio contra a solido estava navisita de cidados de bem que devotavam seu tempo livre a atender osprisioneiros.18
_____________________
18MADGE, op. cit.
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Figura 5 Esqueleto da Penitenciria Estadual Leste
Figura 6 Esqueleto Cherry Hill
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Na Cherry Hill, ento, os muros so a punio do crime, a cela pe o
detento em presena de si mesmo: Com isso, espera-se que ele seja forado a
ouvir a sua conscincia. A incomunicabilidade entre presos, o confinamento dentro
de espao projetado para a vida totalmente individualizada, em que no se permite a
viso externa, fazem com que se tenha a sensao de estar em jaulas, como
animais no zoolgico. Desta forma, a situao de total falta de respeito dignidade
humana demonstra uma certa incoerncia nos propsitos idealizados de se ouvir a
prpria conscincia, uma vez que o sujeito perde a sua prpria identidade, ficando
impossibilitado de permanecer na presena de si mesmo, como seria o desejvel.
Alm desse projeto, pode ser citada a reorganizao da priso de Walnut
Street, uma tpica cadeia local, no centro da cidade de Pensilvnia, onde os
prisioneiros estavam misturados indiscriminadamente. A remodelao da priso
incluiu um bloco de celas para a recluso solitria dos piores criminosos, cujo projeto
inclua um bloco de 24 celas, em trs andares, provavelmente inspirado na priso de
Wymondham, de J ohn Howard. em Norfolk, na Inglaterra.
Figura 7 Priso Walnut Street
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Apesar dos princpios morais, o sistema da Filadlfia era bastante
oneroso, j que a produtividade era baixa, devido s dificuldades de superviso e
manuteno das prises. Alm disso, estudos e crticas sentiram que as
pressuposies psicolgicas e sociolgicas do sistema eram enganadoras, j que a
solido a que estavam obrigados os detentos antes os levariam insanidade do que
penitncia ou recuperao. Como resposta, em um determinado momento, o
bom senso prevaleceu sobre os princpios irreais difundidos no sistema, quando se
comeou a permitir a comunicao entre presos, sobretudo quando se pretendia que
um preso aprendesse com outro uma profisso, e quando aconteceu a introduo do
trabalho em conjunto nos ptios.
Em contraste com o Sistema da Filadlfia, a Casa de Fora de Ghent,
construda entre 1771 e 1773, tornou-se uma instituio sem precedentes perante o
contexto em questo. Foi baseada em alguns princpios formulados pelo Conde
Villain, poca, burgomestre de Ghent. Um dos princpios era a necessidade de se
fazer uma classificao de detentos em grandes criminosos, pequenos
transgressores e vagabundos, que deveriam ser separados entre si, alm do
afastamento entre mulheres e homens. Outro princpio era o do trabalho para
presidirios.
Assim, o plano fsico adotado para a Casa de Fora
era uma gigantesca roda de carroa, com ptio octogonal no centro,cercado por oito ptios triangulares, cada um dos quais reservado a umgrupo de prisioneiros. Ao longo dos lados de cada ptio, havia prdios emarcadas para abrigar os detentos, com salas de trabalho no andar trreo etrs andares de celas. A proporo das celas separadas variava em cadaprdio de acordo com a sua funo. (...) as celas eram dispostas fundocontra fundo, de modo que a nica luz em seu interior provinha de umaabertura gradeada feita na prpria porta. Entre o muro e o ptio, havia umaarcada aberta - ao longo da qual os prisioneiros circulavam para ir ao
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refeitrio, capela e sala de trabalho. A galeria superior escureceubastante as salas.19
A Casa de Correo de Milo, que seguia os mesmos princpios, possua
um bloco de quatro andares, alm de salas de trabalho no andar trreo e uma
grande galeria acima cercada por trs filas de celas 120 no total. Com o bloco
aberto em ambos os lados, tornava-se possvel a existncia de janelas externas nas
celas. Cada cela tinha uma janela voltada para o exterior considerada bem grande
para a poca, de 1,00m x 0,70m, e outra menor de frente para a galeria. Havia um
altar em uma das extremidades da galeria, onde o servio religioso era celebrado
mais ou menos s vistas dos prisioneiros, que eram mantidos em suas celas.
Posteriormente, o desenvolvimento desses princpios derivou no Sistema
de Auburn, em que havia o isolamento noturno, com a criao do trabalho dos
presos, primeiro em suas celas e, posteriormente, em comum. Era imposto o silncio
absoluto entre os condenados, mesmo quando em grupos. O modelo de Auburn
prescrevia a cela individual durante o perodo noturno, sendo que o trabalho e as
refeies eram em comum, mas sob a regra do silncio absoluto. A comunicao s
era permitida entre detentos e guardas, em voz baixa, e perante autorizao prvia.
A priso, neste caso, segundo Foucault20, deveria ser um microcosmos de
uma sociedade perfeita em que os indivduos ficariam isolados em sua existncia
moral, mas em que sua reunio se efetuaria em um enquadramento hierrquico
estrito, sem relacionamento lateral, com comunicao exclusivamente no sentido
vertical. A coao estaria assegurada por meios materiais, mas principalmente por
uma regra que se teria de aprender a respeitar e seria garantida por vigilncia e
punies. A inteno era de associar os presos, fazendo-os participar de exerccios
_____________________
19MADGE, op. cit.20FOUCAULT, op. cit., p. 200.
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teis e obrig-los a bons hbitos em comum, de modo a evitar o contgio moral
mantendo-os sob constante e ativa vigilncia e sob a regra do silncio. A
requalificao do indivduo como indivduo social, portanto, por todos esses meios,
seria uma espcie de treinamento para uma atividade til e resignada, devolvendo-
lhe hbitos de sociabilidade.21
Com a aplicao destas medidas, seria possvel evitar o contgio moral22,
com o intuito de pregar a preveno penal e a integrao entre os indivduos sociais.
Assim, a instituio prisional poderia ser vista como um campo mais assptico,
portador de um projeto disciplinador e tambm de uma proposta de disciplinamento
diferenciada.
O Sistema ficou conhecido pelo primeiro estabelecimento penal estadual
de Nova Iorque a funcionar com base no princpio do trabalho em grupo. A priso de
Auburn foi inaugurada em 1823.
Figura 8 Imagens da Penitenciria Estadual de Auburn
_____________________
21Apud. MITTERMAIER, K. in Revue francaise et trangre de lgislation,1836.22 A definio de contgio, segundo o dicionrio da lngua portuguesa Houaiss, refere-se
transmisso de caractersticas negativas, de vcios, ou ainda a reproduo involuntria de reao
alheia. No mesmo dicionrio, a definio de moral refere-se a princpios socialmente aceitos.Neste sentido, atribui-se ao termo contgio moral o fenmeno de transmisso de comportamentose/ou caractersticas que afetem os bons costumes ou a boa conduta, segundo os preceitossocialmente estabelecidos pela sociedade.
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Figura 9 Penitenciria Estadual de Auburn
O projeto foi orientado por um forte esprito de economia e de senso
prtico. A primeira ala foi desenhada para uma dupla ocupao de celas e salas
comuns, que s foram substitudas por celas individuais mediante a influncia do
Sistema da Filadlfia. As celas internas, em duas ordens, fundo contra fundo,
formavam uma espinha ao longo do edifcio, com acesso por corredores estreitos.
Um largo fosso separava o corredor do muro exterior. Neste plano, a nica entrada
de luz e ar fazia-se por meio das pesadas janelas com grades situadas nas paredes
externas do fosso, do corredor e da entrada da cela. Por esta razo, a parede frontal
da cela deveria ser to aberta quanto possvel, o que determinou o emprego de
barras em forma das jaulas dos jardins zoolgicos, caractersticas da planta tipo-
Auburn.23
Neste tipo de partido, as celas individuais era extremamente pequenas,
com espao insuficiente mesmo para a ocupao noturna e completamente
inadequado para a utilizao diurna.
Outro partido adotado no planejamento do espao de prises foi o
panptico, um engenhoso e excntrico projeto elaborado por J eremy Bentham, em
tentativa de resolver os problemas de encarceramento a partir de uma simples idia
_____________________
23MADGE, op. cit.
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O panptico, como figura arquitetural de composio, tratava de uma
construo em anel, na periferia, dividida em celas, cada uma atravessando toda a
espessura da construo, com uma janela para o interior e outra para o exterior, e
uma torre vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel, ao
centro.
O tema do panptico encontrou na priso um local privilegiado de
realizao, uma vez que manifestava os dois dispositivos essenciais, isto , de se
manter o prisioneiro sob um olhar permanente e de se possibilitar o registro e a
contabilizao de todas as anotaes que sejam necessrias em relao a eles.
Com isso, trata-se de uma forma de se promover, ao mesmo tempo, vigilncia e
observao, segurana e saber, individualizao e totalizao, isolamento e
transparncia.
O panptico tornou-se, assim, o programa arquitetural da maior parte dos
projetos de priso, por se tratar da maneira mais direta de tornar a arquitetura
transparente gesto do poder, de permitir que a fora ou as coaes violentas
fossem substitudas pela eficcia suave de uma vigilncia sem falha, de ordenar o
espao segundo a recente humanizao dos cdigos e a nova teoria penitenciria:
A autoridade, por um lado, e o arquiteto, por outro, tm que saber se asprises devem ser combinadas no sentido da suavizao das penas ou num
sistema de regenerao dos culpados, e em conformidade com umalegislao que, remontando origem dos vcios do povo, se torna umprincpio regenerador das virtudes que este deve praticar.26
Apesar de se tratar de uma concepo de edificao relativamente
pequena, alm de pouco flexvel, a sua receptividade foi surpreendente. Muitas
tentativas de se seguir o modelo panptico podem ser encontradas, como, por
exemplo, a penitenciria do Estado da Virgnia e, depois, no Estado da Pensilvnia,
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26Apud. BALTARD, L. Architectonographie des prisons, 1829, p. 4-5.
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em sua Penitenciria Estadual Oeste, em Pittsburgh. Nesse caso, o prdio era
bastante hbrido, tendo sido idealizado pelo arquiteto Latrobe, em que metade das
celas voltavam-se internamente para um posto central de observao, mas como
era fechadas por pesadas portas de ferro e o seu interior era escuro, uma viso
efetiva era impedida. Alm disso,
as celas situavam-se fundo contra fundo, com igual nmero dando parafora, s quais, obviamente, no poderiam ser observadas do posto central.(...) As desvantagens inerentes a esta absurda disposio, irremedivelescurido e inadequado tamanho das celas que impossibilitavam qualquertipo de trabalho, foram logo reconhecidas e, sete anos depois, as celas
foram demolidas e substitudas por outras com desenho mais lgico.27
Figura 11 Penitenciria de Stateville (interna)
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27MADGE, op. cit.
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A Penitenciria de Stateville, no Estado de Illinois, construda entre 1916
e 1925, foi outro exemplo que seguiu o modelo panptico. Seu plano consistia em
oito grandes blocos, cada um com celas dispostas em quatro andares voltadas
internamente para uma torre de observao. Cada bloco era coberto por uma cpula
parcialmente envidraada sobre vigas gradeadas. 28
Figura 12 Penitenciria de Stateville (externa)
No sistema utilizado atualmente, percebe-se uma substituio da soluo
de vigilncia constante adotada anteriormente por meio de arquitetura que
possibilitasse a viso completa do espao por um ponto nico de convergncia, por
utilizao de mtodos tecnolgicos, como o sistema fechado de televiso CFTV.
Por fim, o Sistema Progressivo (ingls ou irlands) levava em
considerao o comportamento e aproveitamento do preso, demonstrados pela boa
conduta e pelo trabalho. Eram estabelecidos trs estgios no cumprimento da pena.
O primeiro, perodo de prova, constava de isolamento celular absoluto. O segundo
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28MADGE, op. cit.
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tinha incio com a permisso de trabalho em comum, passando-se a outros
benefcios. O ltimo permitia o livramento condicional.
Tal sistema foi aplicado sob a forma de trs setores: o da prova para a
generalidade dos detentos, o setor de punio e o setor de recompensa para os que
estavam a caminho da melhora29; ou sob a forma das quatro fases: perodo de
intimidao (privao de trabalho e de qualquer relao interior ou exterior); perodo
de trabalho (isolamento e trabalho que depois da fase de ociosidade forada seria
acolhido como benefcio); regime de moralizao (conferncias mais ou menos
constantes com diretores e visitantes oficiais); perodo de trabalho em comum. 30
Segundo Foucault,
se o princpio da pena sem dvida uma deciso da justia, sua gesto,sua qualidade e seus rigores devem pertencer a um mecanismo autnomoque controla os efeitos da punio no prprio interior do aparelho que osproduz. Todo um regime de punies e de recompensas que no simplesmente uma maneira de fazer respeitar o regulamento da priso, masde tornar efetiva a ao da priso sobre os detentos.31
Neste sentido, verifica-se a incansvel busca de criao de elementos no
sistema prisional que possam, de fato, tornar mais efetiva a ao da priso sobre os
detentos. Por esta razo, a inteno provocar o despertar do esprito dos
condenados da noo do bem e do mal, do certo e do errado. Voltando idia da
conteno do contgio moral, tais elementos teriam por objetivo levar os
condenados a consideraes eminentemente morais, a partir de recompensas como
um peclio maior ou um melhor regime alimentar ou, ainda, abreviaes da pena.
Esse ltimo sistema foi aperfeioado por Walter Crofton, que introduziu na
Irlanda, mais uma fase para o tratamento dos presos. Assim, eram estabelecidos
quatro estgios de cumprimento da pena. O primeiro o de recolhimento celular
_____________________
29 LUCAS, Charles. Dela rforme des prisons. V. II, 1838. p.440.30Apud. DURAS, L. Artigo publicado no Le Progressif e citado por La Phalange, 1 de dezembro,1838.
31FOUCAULT, op. cit., p. 206.
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contnuo, o segundo de isolamento noturno, com trabalho e ensino durante o dia, o
terceiro de semiliberdade, em que o condenado trabalha fora do presdio e
recolhe-se noite, e o quarto o livramento condicional. Ainda hoje, o sistema
progressivo, com algumas modificaes, adotado nos pases civilizados, inclusive
no Brasil.32
Em 1846, o capito da marinha inglesa, Machonochie, idealizou uma
priso na ilha de Norfolk, com base nos seguintes princpios:
apaguemos a escravido entre os nossos castigos; apoiemo-nos mais nainfluncia, e menos na fora; erijamos mais estmulos e menos muralhas, epoderemos curar, como hoje sabemos piorar. E o proveito para ahumanidade no ser inferior a nenhum dos que obtemos nos temposmodernos. O que se necessita na luta com o crime dar a devidaimportncia reforma dos criminosos e estudar o modo como o rigor podeatender para aquele fim. Mas isto somente uma parte da obra. Otratamento deve ser preventivo mais que curativo; olhar para o futuro, nopara o passado.33
Aps a metade do sculo XIX e at bem recentemente, poucas novidades
foram introduzidas nos projetos de prises. Processou-se no s uma grandedecadncia na categoria das penitencirias como uma estagnao na concepo
dessas instituies. As novas construes obedeciam aos padres antigos at
mesmo em tempos mais recentes. A adoo das novas idias penais, que visavam a
uma rpida reabilitao, no foi seguida pela criao de um ambiente fsico
desejvel e eficazmente equipado para o novo programa.
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32MIRABETE, op. cit., p. 250.33 MADGE, op. cit.
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Figura 13 Desenho Esquemtico de cela
Figura 14 Perspectiva de cela
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Em suma, os partidos arquitetnicos adotados seguem basicamente os
partidos radial, panptico, espinhal, pavilhonar, entre outros, alm da composio de
mais de um tipo de partido.34
Figura 15 Perspectiva de Penitenciria Espinhal
Figura 16 Planta Esquemtica de Penitenciria Espinhal
_____________________
34 Entende-se por partido arquitetnico a concepo de um projeto, ou seja, a interpretao de umprograma previamente estabelecido, representado graficamente por desenhos tcnicos, definindo opartido adotado como a melhor alternativa de soluo. A concepo se inicia com os estudos
preliminares e se aperfeioa por meio do amadurecimento natural das idias. Sendo assim, para osestabelecimentos penais, foram geradas algumas poucas opes de partidos arquitetnicos, queso utilizados isoladamente ou em conjunto, quando se pretende fundir mais de uma soluo emum mesmo projeto.
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Figura 17 Esquema de Penitenciria Pavilhonar
Figura 18 Foto de Penitenciria Radial
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Figura 19 Planta de Penitenciria Radial
A figura da fortaleza, qualquer que fosse o partido arquitetnico adotado,
dava a sensao de garantia de aprisionamento e tranqilizava a sociedade, no
sentido de que aquilo que ficava l dentro estava sob controle. No entanto, embora a
arquitetura continue, atualmente, seguindo os mesmos princpios, ningum mais
acredita na possibilidade desse controle. Sendo assim, existe uma urgncia para
que se busque um meio mais eficiente na prpria arquitetura prisional para que a
pena seja executada, sem que se limite a enclausurar o indivduo e vigi-lo, mas
fazer com que ele se recupere de sua conduta delituosa, podendo retornar
sociedade posteriormente.
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2 ARQUITETURA PRISIONAL NO BRASIL
No Brasil, as penas aplicveis, segundo o artigo 32 do Cdigo Penal,
Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940, so:
a) privativas de liberdade;
b) restritivas de direitos;
c) multas.
Desta forma, diante da diversidade de penas a serem aplicadas, dentre o
denominado Direito da Execuo Penal, que seria o ramo do direito que estuda a
execuo das penas em geral, o Direito Penitencirio cuidaria to somente daquelas
privativas de liberdade. Portanto, o Direito Penitencirio tem por conceito o conjunto
de normas jurdicas relativas ao tratamento do preso e ao modo de execuo da
pena privativa de liberdade, abrangendo, por conseguinte, o regulamento
penitencirio.35
No Brasil, o Direito Penitencirio considerado uma cincia autnoma
desde a Constituio de 1824, quando algumas recomendaes exprimiram
interesse sobre a execuo das penas privativas de liberdade e, sobretudo, ao se
lanar a interpretao de que
a doutrina evoluiu no sentido da constit