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JOINVILLE CAI NA DANÇA UM FESTIVAL PRA NINGUÉM BOTAR DEFEITO FUGIR DE BAGDÁ Extremistas se preparam para o combate PEIXES COM SUPERPODERES Criaturas aquáticas com incríveis talentos SALVAR O RIO FEZ E trazer uma cidade de volta à vida OÁSIS #182 EDIÇÃO

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por

Editor

PEllEgriniLuis

d entre os vários fatores que despertaram meu interesse pelas tra-dições afro-brasileiras, e pelas religiões animistas em geral, um se destaca. É o fato de que a música e a dança são por elas conside-

radas como pontes ideais para a reconexão com a divindade. ou, como gosto de dizer, para a reconexão com o Self, o eu impessoal profundo que existe em cada um de nós.

Para os animistas, trabalho espiritual é sinônimo de festa, de alegria e entu-siasmo. E até mesmo os sentimentos e sensações difíceis, de dor, de per-da, de decepção, são encarados como ferramentas úteis para se chegar aos grandes salões de festa que são nossas mentes e nossos corações.

Fora isso, é uma grande verdade que tristezas não pagam dívidas, e o melhor a fazer é superá-las logo. Para isso, música e dança são ótimos

Para os animistas, trabalho esPiritual é sinônimo de festa, de alegria e entusiasmo. e até mesmo os

sentimentos e sensações difíceis, de dor, de Perda, de decePção, são encarados como ferramentas úteis Para se chegar aos grandes salões de festa que são nossas

mentes e nossos corações.

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PEllEgriniLuis

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trampolins. desde os tempos das cavernas, nossos ancestrais sabiam disso perfeitamente bem. Felizmente essa tradição dura até nossos dias, e pode--se recorrer a ela com que comemos, bebemos e dormimos.

Foi com essas convicções e esse estado de espírito que participei, como convidado, da 32a edição do Festival de dança de Joinville, em Santa Catarina, de 22 de julho a 2 de agosto. E, com a matéria de capa deste número de oásis, espero passar um pouquinho do mundo de cores, for-mas, sons e movimentos desse festival que acontece todos os anos e que está no guinness como maior festival de dança do mundo. Confira.

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ra tudo que eu precisava para fe-char com chave de ouro minha visita ao 32o Festival de Dança de Joinville 2014: Chegar perto de uma estrela que sobe no firma-mento das artes. Aconteceu na fila do aeroporto, quando uma centena de bailarinas e bailarinos se mis-turavam aos passageiros comuns para tomar seus lugares no avião que nos levaria de regresso a São

Paulo. Ela estava bem à minha frente, vestin-do jeans e camiseta, a longa cabeleira cache-ada e negra esparramada sobre os ombros, e

Eem sua 32a edição, de 22 de julho a 2 de agosto, o festival de dança de Joinville 2014 arrasa na quantidade e na qualidade das apresentações

Por: Luis PeLLegrini

trazia na mão direita um troféu e na outra carregava ainda o buquê de flores vermelhas que lhe fora oferecido no palco do festival, na noite anterior. Eu a reconheci. Era Bianca Teixeira, 16 aninhos em flor, prêmio de me-lhor bailarina do Festival 2014: a sobrinha que todo tio apaixonado por música e dança deseja ter!

“Satanella, parabéns!”, cumprimentei. Esse é o nome da personagem do balé Carnaval em Veneza que Bianca interpretara linda-mente na noite anterior, a Noite dos Campe-ões, e lhe valera o prêmio. Ela se voltou para mim, abriu um grande sorriso de criança e disse: “Obrigada. O senhor estava lá?” “Es-tava, sim, e fiquei encantado. Desejo para você uma linda carreira”, completei. E ela: “Amém”. E então vi que Bianca, mais que sobrinha, poderia ser minha neta... Senti um aperto no coração: quanta saudade dos meus 16 anos...

Veja aqui o vídeo de “Satanella”, com Bianca Teixeira

Público mais bonito do mundo

O Festival de Dança de Joinville é assim, lugar de emoções fortes. Elas começam antes mesmo dos espetáculos e das apresentações. Derivam do próprio público que durante as duas semanas de duração lota e transita para

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lá e para cá nos salões e corredores do Centreventos Cau Hansen, epicentro do Festival. O público mais bonito do mundo, provavelmente. São centenas, talvez milhares de moças e rapazes do mundo da dança provenientes de to-dos os Estados brasileiros e também do exterior.

É bonito vê-los caminhando, em grupos, todos cheios de saúde e ale-gre vitalidade, o passo ligeiro, com aquelas costas retas que são o prêmio para quem passa muitas horas, todos os dias, fazendo exercícios na barra. Sentam-se no chão, conversam, riem, ensaiam, exibem uns aos outros os passos que aprenderam. No Cau Han-sen ou na Feita da Sapatilha, onde ficam as lojinhas e os restaurantes, apenas transitar no meio dessa moçada já vale a viagem a Joinville. Sai-se de lá revigorado, achando que no mundo só tem beleza e alegria.

Considerado o maior evento de dança do mundo, esta 32a edição do Festival de Dança de Joinville reuniu mais de 6,5 mil participantes e um público superior a 200 mil pessoas em 220 horas de espetáculos durante 11 dias de espetáculos realizados no Centreventos Cau Hansen, no Teatro Juarez Machado e em palcos abertos montados em vários lugares da cidade, sobretudo em ruas e em sho-ppings centers.

Este ano, mais uma seção do Festival foi inaugurada, a Estímulo Mostra de Dança, no Teatro Juarez Machado. A Companhia Matheus Brusa (RS) e a Companhia Brasilei-ra de Dança (SP) estão entre as que apresentaram espe-táculos inéditos, apresentados nesse teatro.

Para garantir a evolução nas produções coreográficas, um novo projeto também foi criado com o apoio do Itaú Cultural, o projeto Curto-Circuito de residência artística. Ele deverá se estender ao longo do próximo ano. Os sele-cionados para participar integrarão residências voltadas para os processos de criação em dança contemporânea, danças urbanas, jazz, sapateado, danças populares e dan-ça clássica.

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Não à toa a Escola de Balé do Teatro Bolshoi, de Moscou, escolheu Joinville para instalar sua primeira e única es-cola filial no mundo fora da Rússia. O Bolshoi catarinen-se funciona no mesmo complexo arquitetônico do Fes-tival de Dança, reúne centenas de alunos e já exportou bailarinos para algumas das mais importantes compa-nhias de dança do mundo.

Destaques da 32ª edição

Bianca Teixeira, melhor bailarina, tem 16 anos e estreou no Festival de Dança Joinville em 2012, ano em que tam

Um formulário que ajudará a eleger cidades brasileiras e grupos de dança para participarem da iniciativa esteve disponível no site do evento, e os escolhidos para a expe-riência serão revelados em 5 de setembro. Esta é a contri-buição efetiva que o Festival de Dança dará para o desen-volvimentos das produções dos grupos — avalia Ely Diniz da Silva Filho, presidente do Instituto Festival de Dança, entidade organizadora do evento.

O Projeto Curto-Circuito virá juntar-se às demais seções já consagradas do Festival, a Abertura, a Mostra Com-petitiva, a Noite de Gala, a Meia Ponta (competição para crianças e adolescentes) e a Palcos Abertos, sem falar na Noite dos Campeões e dos eventos paralelos.

Bianca Teixeira, Melhor Bailarina do Festival 2014

Bianca rodeada de jovens fãs

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bém ganhou seu primeiro prêmio especial no evento. Ela recebeu a indicação para o Youth America Grand Prix (YAGP), de Nova York. Bianca dança pela Companhia Adriana Soares, de São Paulo, e neste ano apresentou o clássico de repertório Satanella.

Ivan Duarte, melhor bailarino, é natural de Tubarão, Sul do Estado, e hoje faz parte da Companhia Petite Danse, do Rio de Janeiro. Ivan, 19 anos, também tem trajetória de destaque no Festival. Em 2011 ele recebeu o prêmio revelação.

Luana Espíndula, coreógrafa revelação, recebeu o prêmio de melhor bailarina de 2011 pela interpretação de “Até o Fim Começar...”, ao lado de Rafael Zago. Com 29 anos, Luana dirige o Instituto de Orientação Artística (IOA),

de Jundiaí (SP), desde 2009, e já foi bailarina do Grupo Raça, de Roseli Rodrigues. Neste ano, sua companhia trouxe sete coreografias para a Mostra Competitiva nos gêneros dança contemporânea e jazz.

Vinícius Silva, indicado para etapa seletiva do Grand Prix de Lausanne, bailarino do CEP em Arte Basileu França, de Goiás, Vinícius foi um dos finalistas do Grand Prix de Lausanne deste ano, e retorna com indicação para a com-petição internacional de dança da na Suíça para 2015.

Companhia de Balé Adriana Assaf, melhor grupo. O gru-po leva o nome de Adriana Assaf, formada pela Royal

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Academy de Londres e Escola Municipal de Bailados de São Paulo. Adriana começou sua trajetória no Festival de Joinville aos 18 anos, como coreógrafa, e na estreia já conquistou o primeiro lugar.

Renata Pacheco, revelação, é ensaiadora e idealizadora do Balé da Cidade de Santos, de São Paulo, que completa 10 anos e é formado por ex-alunas da Escola de Bailado. Na Mostra Competitiva, Renata foi ensaiadora da coreografia Crematório, que disputou na categoria conjunto sênior de balé neoclássico.

Danças populares e urbanas arrasaram

Muitos ainda vão ao Festival de Joinville sobretudo por causa das exibições de balé clássico de repertório. Mas esta 32a edição testemunhou uma verdadeira consagração de várias coreografias de danças populares e, sobretudo, de danças urbanas. Grupos de hip hop vieram com tudo, e muito mais do que o esperado aconteceu. Várias coreografias dessas danças, também conhecidas como “de rua”, mostraram grande apuro técnico e ceno-gráfico, despertando um entusiasmo realmen-te delirante no público. Como exemplo basta citar a impressionante versão dança urbana do Quebra-Nozes, de Tchaikovski, montada pelo grupo Maniacs Crew, de Joinville (Veja vídeo no final do artigo). A vibração foi tan-ta que, ao final da apresentação, eu e Malu

Salgueiro, encarregada de mídia nacional do Festival, comentamos em uníssino: “Ah, se nossos governos sou-bessem canalizar e aproveitar toda essa energia da nossa juventude!”

Outras novidades lançadas este ano são a Rádio Dança, uma radioweb disponível também por aplicativo para aparelhos Android, que apresentou uma programação diária repleta de informações de interesse direto do pú-blico participante do evento. Todos esses sistemas são gratuitos e foram utilizados por milhares de pessoas que queriam se manter conectadas ao Festival de Joinville, que curtem e têm uma ligação emocional com o evento. O Festival entrou também no campo audiovisual, lançan

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Site: http://www.festivaldedanca.com.br/

Video: Quebra Nozes da Maniacs Crew, de Join-ville, Primeiro Prêmio 2014 de Dança Urbana

do em 2014 o Cinema 3D do Festival, com exibição diária de um compacto com imagens captadas a cada noite de espetáculos.

A exemplo de outras mega iniciativas brasileiras no cam-po da arte e da cultura, tais como o FEMUSC-Festival de Música de Santa Catarina, o Projeto Prima na Paraíba, o Festival de Música de Campos do Jordão, o Festival de Dança de Joinville está inserido de forma definitiva no calendário dos eventos nacionais. Mais um grande exem-plo de que, quando existe vontade política e colaboração por parte da sociedade civil, as coisas por aqui aconte-cem. E acontecem bem, com padrão Guiness de tamanho e qualidade.

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FUGIR DE BAGDÁExtremistas se preparam

para o combate

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noite caíra havia uma hora quando o caminhão de carroçaria aberta, equi-pada com uma metralhadora e cheia de milicianos brandindo Kalachniko-vs, começou a percorrer a tranquila rua residencial no leste de Bagdá. Com toda a calma, Sinan Nadhim fechou à chave a porta do seu escri-tório, pegou no telefone e marcou o número do seu agente de viagens. “Eles voltaram”, disse. “Tenho de ir embora.”

Nadhim é um entre milhares de residentes de Bagdá que tentam fugir da cidade, com medo de uma nova guerra civil religiosa: os homens das

Atanto os sunitas como os xiitas procuram abandonar a capital iraquiana, numa tentativa de escapar à violência entre as duas comunidades, enquanto os extremistas dos dois lados se preparam para o combate

FonTe: JornaL The TiMes, LondresPor: CaTherine PhiLP

milícias sunitas marcham sobre a capital, que os membros das milícias xiitas juram defender até à morte. Mais de meio milhão de pessoas, maio-ritariamente xiitas, saíram já das cidades que caíram sob o domínio dos extremistas sunitas do EIIL, como Mossul, ao mesmo tempo que surgem histórias de atrocidades mais recentes, designadamente o assassinato de soldados xii-tas e de imãs sunitas que recusaram submeter--se à autoridade dos extremistas.

Entretanto, muitos sunitas também estão fugin-do de Bagdá, por medo de serem tomados como alvos das milícias xiitas, que querem vingar-se da comunidade sunita, como aconteceu no auge do conflito religioso no Iraque, entre 2006 e 2008. A 17 de junho, foram encontrados os cor-pos, crivados de balas, de quatro sunitas, numa rua de Bagdá controlada por uma milícia pode-rosa, leal ao primeiro-ministro, Nouri Al-Maliki.

Essa descoberta trouxe de volta recordações dos momentos sombrios vividos em Bagdá, durante a guerra religiosa, quando, todos os dias. eram encontrados nas ruas corpos ensanguentados de pessoas abatidas a tiro, amarradas e mutila-das.

O irmão de Nadhim foi morto por extremistas xiitas em 2007, quando o pararam num posto de controle e o seu bilhete de identidade revelou que era sunita. Entre aqueles que aderiram à insurreição sunita liderada pelo Estado Islâmico

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do Iraque e do Levante (EIIL) incluem--se antigos oficiais de Saddam, que aju-dam o EllL a tirar partido do sentimento generalizado de desinteresse que reina entre a comunidade sunita, para assu-mir o controle de uma grande parte do Iraque do Norte e central e aproximar-se das portas de Bagdá.

Contudo, sair da capital não é fácil. Como Nadhim descobriu, muitos voos com partida de Bagdá estão lotados, em especial os que têm por destino o Cur-distão, no Norte. Aqueles que consegui-ram arranjar bilhetes foram obrigados a passar por um terceiro país, para chegar lá.

De madrugada, famílias com bagagens acampam diante do escritório da Iraqui Airways, no centro de Bagdá, na esperança de aproveitar um cancelamento. Os voos com destino a Istambul e a Beirute, capitais de dois países para os quais os iraquianos não precisam de visto, tam-bém estão completos e a embaixada da Jordânia é assediada por milhares de pessoas, que procuram desesperadamente conseguir um visto.

Bagdá está isolada por três frentes de combate. Só a estrada para Basra, ao sul, permite a fuga por via terrestre. Nos bair-ros xiitas da cidade, homens de todas as idades, que querem lutar contra os extremistas sunitas continuam a afluir aos centros de recrutamento.

Muitos dos que entregaram as fichas de inscrição no edifí-cio da administração de Sadr City, o insalubre e tentacular bairro xiita de Bagdá que serve de base às milícias mais for-tes e mais temidas, explicavam que tinham sido os relatos das atrocidades cometidas pelos extremistas sunitas que os tinham levado a se alistar e, em especial, as fotografias que mostravam a alegada execução coletiva de soldados xiitas, acompanhadas por legendas destinadas a atiçar o fervor re-ligioso. “Temos que alcançar a vitória. Pela nossa religião e pelo nosso povo”, exclama Adbul Sabbagh, voluntário, de 59 anos.

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em najaf, norte do iraque, voluntários shiitas que se juntaram ao exército

iraquiano para o combate aos terroristas

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extremistas sunitas. Esse fato poderá ter influência na capa-cidade de o regime sírio conseguir vencer os rebeldes sírios, complicando ainda mais a situação nesse país vizinho.

Uma dessas milícias, Asa’ib Ahl al-Haq (Liga dos Justos) confirmou que abandonava totalmente o conflito sírio, por “dever religioso”, para responder ao apelo do grande aiatolá xiita do Iraque, Ali al-Sistani, convidando os seus fiéis a pe-garem em armas contra os extremistas sunitas. Chamando a atenção para o caráter simultaneamente religioso e regional do conflito, o Presidente iraniano, Hassan Rohani, prometeu, num discurso inflamado, pronunciado perto da fronteira

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Milicianos substituem soldados

Enquanto os novos recrutas recebem formação, a maior par-te das posições da linha da frente, a norte de Bagdá, são ocu-padas por homens das milícias xiitas, que o Governo conside-ra mais fiáveis do que as forças de segurança formadas pelos norte-americanos, que se encontram desmoralizadas e cuja capitulação coletiva, ao norte, abriu uma brecha que permi-tiu o avanço dos extremistas sunitas. As milícias iraquianas xiitas que tinham ido combater na Síria, ao lado do regime de Bashar al-Assad, estão regressando, para ajudar a repelir os

Centenas de milhares de membros de minorias religiosas iraquianas foram forçados a abandonar suas casas para se refugiar no alto de montanhas

Brandindo suas armas, shiitas da capital se preparam para enfrentar os extremistas do eiiL

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iraquiana, que o seu país faria tudo o que fosse possível para proteger os locais santos xiitas do Iraque contra os “terroris-tas”. Mais de cinco mil iranianos comprometeram- se, através da internet, a partir para o Iraque, para defender os santuá-rios que, todos os anos, são visitados por centenas de milha-res de peregrinos iranianos.

Maliki muito isolado

Todos os intervenientes no conflito iraquiano estão de acordo numa questão: o primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Ma-liki, deve abandonar o cargo. No Iraque, até o líder religioso xiita, o aiatolá Ali al-Sistani, que apela à guerra santa contra os extremistas sunitas do EIIL, é a favor do afastamento do primeiro-ministro. Maliki, que não parou de botar lenha na

fogueira, está totalmente isolado na cena internacional. O di-ário britânico The Times considera que Maliki tem a mesma mania de grandeza de que sofria o Presidente norte-america-no Richard Nixon, e exige a destituição desse “Nixon do Mé-dio Oriente”.

Por seu lado, o jornal O jornal Al-Hayai cita os nomes dos dirigentes iraquianos que poderiam substituir Maliki, entre os quais figura o do antigo primeiro-ministro, Iyad Allaui, e o incontornável Ahmed Chalabi, o homem que forneceu aos norte-americanos as informações falsas sobre as armas de destruição em massa iraquianas, que foram o pretexto para os Estados Unidos invadirem o Iraque.

nouri al Maliki, Primeiro Ministro iraquiano Civis iraquianos se alistam como voluntários para combater a ofensiva dos jihadistas no norte do país

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Iraque, um país dilaceradoQueda e ascensão: primeiro caiu Saddam e agora sobe o Estado Islâmico

Dividido entre xiitas, sunitas e curdos, contaminado pela guerra civil na vizinha Síria, acossado pelos ultrarradicais do EIIL (Estado Islâmico do Iraque e do Levante, também conhecido pela sigla ISIS) que se apoderaram do norte do país, destituído de um governo central com credibilidade, o Iraque corre o risco de se desintegrar e, com ele, a divisão territorial imposta pelos Aliados no Mé-dio Oriente após o fim da Primeira Guer-ra Mundial.

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Morador de Tabqa ergue a bandeira do estado islâmico depois que os militantes tomaram a base aérea de Tabqa, na síria

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Viver tendo o Islão como único horizonteAo instaurarem o califado, os fanáticos do EIIL transforma-ram o Islão numa fonte de constrangimento público, diz o intelectual sírio Yassine al- Haj Saleh

Fonte: Jornal Al-Quds Al-Arabi, LondresPor: Yassine Al-Haj Saleh

Abu Bakr al-Baghdadi, o chefe dos combatentes muçulmanos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante/EIIL, que se au-toproclamou califa, não se inclui entre os militantes do Islão politico que lutam há décadas contra os regimes árabes. Era,

pelo contrário, uma figura obscura, que não fez currículo. Simplesmente tira partido das tensões que há muito tempo afetam as so-ciedades árabes, colocadas entre a espada e a parede entre, por um lado, regimes assas-sinos e nihilistas e, por outro, islamitas que clamam que “o Islão é válido em todas as épocas e em todos os locais”, usam slogans como “o Islão é a solução” e conceitos como a “soberania divina” e defendem projetos polí-ticos que se resumem à aplicação da Sharia.

O corolário desta atitude arrogante é o des-prezo pelo mundo moderno e a restrição do conceito de liberdade, apresentada não como um princípio universal mas como uma es-pecificidade da cultura ocidental. Tudo isto só serve para agravar as tensões nas nossas sociedades, já às voltas com múltiplas desor-

dens e com percepções distorcidas da realidade.

Há duas gerações que as portas da mudança política e so-cial estavam fechadas no mundo árabe. A única via a seguir consistia em louvar o caráter exemplar do Islão, que preten-samente resolveria todos os problemas e garantiria a justiça total.

Confundir religião e Estado

Colocar as nossas sociedades sob pressão em nome do Is-lão, não quer dizer apenas que Deus nos teria favorecido em detrimento dos outros, presenteando-nos com esta religião. Equivale igualmente a colocar sob pressão o próprio Islão,

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guerrilheiros do eiiL fazem parada militar para celebrar a decretação do Calilfado islâmico

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sujeitando-o às necessidades da luta politica. Assim, este dei-xa de ter contornos precisos, tornando-se, ao mesmo tempo, religião e Estado, lei positiva e lei divina, ciência e moral, identidade e pátria, política e exército.

Tantas foram as manipulações feitas a um Islão amorfo que este se tornou objeto de licitação e motivo de constrangimen-to público. Foi isto que facilitou o trabalho a Abu Bakr al--Baghdadi. Porque ele ultrapassa todos os outros na arte do excesso.

Vai até ao fim naquilo que os outros apenas dão a entender, ou seja, a instauração de um Estado islâmico e a declaração

do califado. E isso hic et nunc, sem contemporizar com as he-sitações dos eternos indecisos.

Neste sentido, é efetivamente um acontecimento histórico que Abu Bakr al-Baghdadi se tenha declarado califa e que to-dos os muçulmanos tenham sido instados a jurar-lhe fidelida-de. Porque isso equivale a levar às últimas consequências os apelos para impor o Islão em todos os aspetos da vida. Talvez seja por isso que os islamitas se sentem incomodados com o EIIL.

aviões da Forças armadas norte-americanas decolam de porta-avião para bombrtdear áreas do iraque controladas por extremistas do eiiL

o terrorista abou Bakr al-Baghdadi, chefe do estado islâmico

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A liberdade é apresentada, não como um princípio universal mas como uma especificidade da cultura ocidental

E sentem-se ainda mais incomodados porque foram eles pró-prios a preparar o terreno a este homem, que hoje afirma ser o “comandante dos crentes”. Limitou-se a aplicar a logica que os próprios islamitas defenderam. Não podem, portanto, re-cusar o seu califado, sem procederem a uma revisão substan-cial do seu próprio projeto político. Essa revisão os obrigaria a tomar uma posição clara sobre a questão da liberdade religio-sa, incluindo a liberdade de mudar de religião ou de não ter nenhuma.

E teriam também de se pronunciar sobre a igualdade entre os cidadãos, independente-mente da sua religião ou do seu sexo, e so-bre a rejeição do uso da violência em nome da religião. Trata-se de pontos que não são compatíveis com a doutrina da “soberania divina”, nem com os apelos à aplicação da Sharia.

Radicais para todos os gostos

Por outro lado, já não basta rejeitar o EIIL em termos gerais, como era prática antes da declaração do califado, denunciando a violência que pratica contra os habitantes das zonas conquistadas. É verdade que este movimento é particularmente violento, mas haverá alguma coisa que o distinga, de for-

ma decisiva, de outros grupos islamitas, como a Frente Al--Nusra ou a Frente Islâmica?

A gênese de todos esses grupos, da Al-Qaeda ao EIIL, não se explica unicamente pelas manipulações do Islão levadas a cabo pelos islamitas. É preciso acrescentar- lhes a repressão aplicada pelos regimes instalados, que não ficam atrás do “califado” do EIIL em termos de brutalidade e arbitrariedade. A única diferença é que estes últimos se vergam inteiramente às exigências das grandes potências, incluindo a aliança entre Israel e os Estados Unidos, produzindo assim sociedades com tendência para a paranoia.

as facções do eiiL controlam já vastas áreas do norte do iraque e da síria

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Dignidade ou conquista?

A paranoia é uma mistura de sentimen-to de vitimização, de arrogância e de impotência. Os islamitas completam o quadro, contando com a repressão dos muçulmanos para afirmar a sua grande-za e agindo como se o mundo contem-porâneo não passasse de uma ampla conspiração contra o Islão. Consideram que, para os muçulmanos, a dignidade - ou “glória do Islão”, para falar como eles - reside somente na conquista e do-mínio do mundo. A “glória” era a palavra central do comunicado em que o EIIL anunciava a instauração do califado. A dignidade também. Acontece que essa procura de dignidade inclui uma dimen-são imperialista. Para os islamitas, a dignidade consiste em dominar e aviltar os outros, e não em tomar-se senhor de si próprio, subjugar o mundo e não gerir o universo pessoal de cada um.

Esta concepção, indigna da dignidade, foi recuperada pelo EIIL, mas não inventada por este. Assenta, pelo contrário, no nosso imaginário religioso, nacional e histórico. Vem-nos da memória de um império árabe, no começo do Islão, cujo inventário nunca fizemos. Muito pelo contrário: transforma-mos essa memória numa referência e num ideal que continua a perseguir-nos e que gostaríamos de ressuscitar, para res-tabelecer o domínio que outrora tivemos sobre o mundo. O califado contém em si as sementes venenosas da própria per-

da. Usa métodos do colonialismo como a agressão e o des-prezo racista pelas populações conquistadas, cujos recursos são açambarcados e sobre as quais é estabelecido um poder absoluto - com vista a alargar mais e mais a novas regiões o domínio exercido.

Um califado embaraçoso

O aparecimento da entidade agressiva que é o califado coinci-de com as consequências do fracasso da revolução Síria e do novo Estado iraquiano, o que poderia levar as potências re-gionais e mundiais a permitir que os sunitas radicais se reú-nam numa entidade politica separada, como o califado. Estes

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Crianças da minoria yazidi protegem-se do sol sob uma tenda, refugiados na

província do Curdistão

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poderiam assim entregar-se livremente e pelo tempo que quisessem, à sua tendência para a vitimização, com a única condição de não alargarem as suas fronteiras geográficas.

Talvez eles até não tardassem a desenvolver, por seu turno, a sensibilidade para uma conciliação com as potências in-ternacionais (continuando contudo a esmagar os fracos) e a dar mostras de sentido das responsabilidades em relação à sacrossanta estabilidade regional. Por seu turno, os islamitas, que viram concretizado por Abu Bakr al-Baghdadi aquilo que tinham preparado, mas não tinham sido capazes de pôr em marcha, continuarão provavelmente a querer ter tudo e mais alguma coisa. O que se explica pela sua esquizofrenia e não

pelas suas dúvidas intelectuais.

Video: Por dentro do EIIL e do Califado Árabe

Vindos do mundo todo, terroristas do eiiL invadem e dominam as cidades a ferro e fogo

indianos que moram e trabalham em Bagdá abandonam tudo e voltam à Índia

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Bem-vindos ao infernoA guerra civil, alimentada pelos apelos ao ódio dos religio-sos sunitas e xiitas, pode tornar-se incontrolável no Iraque

Jornal Asharq Al-Awsat, LondresPor: Abderrahman al-Rached

A realidade que se vive no Iraque é ainda mais perigosa do que a que se vive na Síria, na Líbia e no Iémen. Neste pais, estão concentradas todas as formas de loucura e as pessoas renunciaram à racionalidade. A cada dia que passa, a situação torna-se mais difícil e o preço a pagar será cada vez mais ele-vado.

No Iraque, começou uma nova guerra. Ouvem-se incitamentos à matança, ao mais alto nível. As autoridades religiosas xiitas exortam os seus fiéis a defender os locais sagrados e o mufti sunita aconselha os seus a apoiar os rebeldes. O primeiro-ministro Nouri al-Maliki entrevê a possibilidade de se manter no poder,graças à crise atual. E o Irã não demorou a se meter no assunto, emnome do apoio aos xiitas.

Não ceder à cólera

A guerra civil está mais próxima do que nunca, desde a queda de SaddamHussein (2003). A situação requer que não

cedamos à cólera. Devemos considerar todas as hipóteses, fazendo a distinção entre fatos e mitos. As raízes da crise são anteriores à tomada de Mossul (10 de junho). São mesmo an-teriores aos confrontos na província de Al-Anbar, que duram há mais de seis meses. Podemos fazê-las recuar dez anos, até à invasão norte-americana de 2003. Ou vinte, até à invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990. Ou trinta, até à guerra Irã--Iraque (1980/88). Ou, inclusive, a 1979, ano em que se pre-tendeu que a revolução iraniana alastrasse aospaíses vizinhos e em que Saddam Hussein se tornou dono e senhor de Bagdá.

Podemos recuar ainda mais, até catorze séculos atrás, às lutas pelo poder entre os companheiros do profeta Maomé, com o assassínio do terceiro califa Othman em 656, e depois do

Fuga de Tal afar, cidade no norte do iraque, invadida pelos terroristas sunitas

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quarto califa Ali, em 661, acontecimen-tos determinantes para o curso da histó-ria muçulmana e que levaram à divisão entre sunitas e xiitas. É possível encon-trar argumentos recuando até qualquer destas datas, consoante as tendências políticas de cada um. Mas, em última instância, a responsabilidade cabe aos atuais dirigentes: o primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki e o Presiden-te norte-americano, Barack Obama.

Este último poderia ter levado Maliki a pôr em prática uma política de reconci-liação nacional. Em vez disso, permitiu que Maliki tirasse partido da proteção norte-americana para firmar o seu poder autoritário e marginalizar os árabes su-nitas. Era inevitável que estes últimos se revoltassem. Foi isto que se passou e que, hoje, ameaça a pró-pria existência do Estado iraquiano.

Obama não obrigou Maliki a trabalhar pela reconci-liação nacional e este marginalizou os sunitas

O EIIL e a Al-Qaeda beneficiam desta situação. Acontece que, curiosamente, estas duas organizações ameaçam sobretudo os sunitas. A Turquia já pediu a intervenção da OTAN. O EIIL iraquiano é uma cópia fiel do seu homólogo sírio, que desfe-re sobretudo punhaladas nas costas dos revolucionários e só serve os interesses do regime de Assad.São também eles que ameaçam a segurança de todos os paí-ses do Médio Oriente.

Por seu lado, o jornal O jornal Al-Hayai cita os nomes dos dirigentes iraquianos que poderiam substituir Maliki, entre os quais figura o do antigo primeiro-ministro, Iyad Allaui, e o incontornável Ahmed Chalabi, o homem que forneceu aos norte-americanos as informações falsas sobre as armas de destruição em massa iraquianas, que foram o pretexto para os Estados Unidos invadirem o Iraque.

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O Médio Oriente redesenhado

Como cinco Estados podem converter-se em 14 países

1. A Síria, país onde tudo pode acontecer

As rivalidades entre comunidades e etnias acarretam o risco de o pais explodir em pelo menos três partes:

1. Uma zona dominada pelos alauitas, minoria que controla a Síria há décadas, e que predominam no litoral.2. Um Curdistão sírio seria formado e, com o tempo, seria reagrupado com os curdos do Iraque.3. Os territórios sunitas rebelados se associariam a outras províncias do Iraque constituir um Sunitastão.

2. Uma Líbia deslocada

Como resultado das profundas rivalidades tribais e regionais, a Líbia poderá cindir-se e organizar-se em duas regiões histó-ricas, a Tripolitânia e a Cirenaica, com um eventual terceiro Estado, Fezzan, a sudoeste.

3. Consequências no Iraque

No cenário mais simples possível, os curdos do norte se asso-ciariam aos curdos da Síria. Muitas regiões do centro, domi-nadas por sunitas, se agrupariam com as suas correligionárias sírias. E o sul se tornaria um Xiitastão. Mas isso será, prova-velmente, mais complicado.

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4. Uma Arábia Saudita de antes da Monarquia

A médio ou longo prazo, a Arábia Saudita terá de encarar di-visões internas, hoje abafadas, que se arriscam vir à superfície quando a configuração dos poderes evoluir com a chegada da próxima geração de príncipes. A unidade do reino será cada vez mais ameaçada divergências tribais, a fratura entre suni-tas e xiitas e os problemas econômicos. Poderia reorganizar--se em cinco regiões distintas, as mesmas que existiam antes do Estado moderno.

5. Um Iêmen cortado ao meio

O mais pobre dos países árabes poderia dividir-se em dois (de novo) em caso de referendo sobre a independência do Sul. Num cenário mais avançado, parte ou todo o sul do Iêmen poderia ficar integrado na Arábia Saudita. Quase todo o co-mércio saudita é feito pelo mar, pelo que um acesso direto ao Mar da Arábia diminuiria a dependência do reino em relação ao Golfo Pérsico – e apaziguaria os seus receios de ver o Irã bloquear o Estreito de Ormuz.

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PEIXES COM SUPERPODERESCriaturas aquáticas com incríveis talentos

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evolução natural da vida ensina que, estimulado pelas necessida-des de adaptação ao meio ambien-te, o talento criativo da natureza não conhece limites. No reino dos peixes observamos as invenções mais bizarras, mais estranhas e inteligentes. Abaixo, escolhemos

algumas espécies de peixes, tanto de água sal-gada quanto de água doce, dotados de caracte-rísticas realmente extraordinárias.

Atrepam em árvores, fabricam areia, caçam pombos, cantam canções de amor e usam armas: são apenas algumas das capacidades extraordinárias que a evolução criou para alguns peixes

Por: equiPe oásis

1 O peixe–palhaço (subfamília Amphiprioninae)

Ficou famoso por causa da série de desenho--animado “À procura de Nemo”. São capazes de mudar de sexo uma vez na vida. Nascem sempre machos e mudam de gênero para se transformar em fêmeas-alfa, quando o peixe fêmea que guia a comunidade morre e deve ser substituído. Mas essa transformação é irreversível. O peixe que virou fêmea nunca voltará a ser macho. Foto: Motoya Kawasaki.

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2 O peixe-saltador (subfamília Oxudercinae)

Já viram um peixe capaz de trepar numa árvore? Os saltadores, acostumados a viver em ambientes salobros, entre a terra e o mar, conseguem fazê-lo graças a certas adaptações que lhes permitem viver fora d’água. São dotados de uma capacidade de respirar o ar similar à dos anfíbios, e de nadadeiras peitorais que usam para levantar o corpo e avançar. Desse modo encon-tram comida e fogem dos inimigos. Foto: Klaus Stiefel.

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3 O salmão-vermelho (Oncorhynchus nerka)

Muito comum nas zonas frias do Oceano Pacífico, sobe a corrente dos rios até chegar ao riacho onde nasceu. Naquele lugar ele se reproduzirá e morrerá, logo após as fêmeas terem depositado os ovos no leito rochoso do curso d’água e os machos os terem fertilizado ejaculando seu sêmen sobre eles. Esse peixe encontra o caminho de volta a seu lugar de nascimento ao per-ceber as leves variações do campo magnético terrestre. Foto: Ksi Photography.

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4 O linguado-pavão (Bothus mancus)

Peixe achatado, bastante comum no Mediterrâneo e no Atlântico, pode mudar de cor em poucos segundos, para se mimetizar com o fundo marinho e enganar seus predadores. Já o camaleão, lagarto dotado da mesma capacidade, pode levar diversos minutos para modificar apenas uma tonalidade.

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5 O bótia-palhaço (Chromobotia macracanthus)

Peixe da Indonésia, negro e laranja, bem conhecido pelos aquariófilos. Possui uma espinha erétil posicionada bem embaixo do olho: quando um outro peixe tenta comê-lo, a iguaria torna-se muito indigesta e difícil de engolir.

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6 O peixe-papagaio (família Scaridae)

É um dos mais importantes construtores das belas praias tropicais de areia branca, tão apreciadas pelos turistas. Esses ani-mais se nutrem de pequenos organismos que vivem nos bancos coralinos. Eles ingerem grandes quantidades de pedaços de coral. Quando os corais passam pelo seu aparelho digestivo, são fragmentados e moídos, transformando-se em areia. Foto: Jim Bahn.

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7 O peixe-arqueiro (família Toxotidae)

Gosta de comida viva, e não tem dificuldade para encontrá-la. Com pontaria infalível, ele atira um jato d’água em suas presas, pequenos insetos que que se encontram nos ramos ou fios de grama vizinhos da água. Quando golpeado, o animal cai na água e o peixinho está logo embaixo, esperando-o com a boca escancarada.

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8 O peixe-serra (família Pristidae)

O incrível órgão que ele traz na parte frontal da cabeça tem mesmo a forma de uma serra, mas serrar não é a sua função. Do-tado de centenas de minúsculos eletroreceptores, esse órgão serve ao peixe para detectar os campos magnéticos emitidos pe-las batidas cardíacas das presas. Ele precisa disso, já que caranguejos, camarões e pequenos peixes, seus pratos preferidos, muitas vezes se escondem na areia do fundo marinho.

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9 O gobídeo do Havaí (Sicyopterus stimpsoni)

Natural dos Estados Unidos e desse arquipélago no Pacífico, esse gobídeo consegue sair da água salgada e subir os cursos de água doce, enfrentando as correntes e até mesmo as cascatas, até que haja uma mudança no seu sistema digestivo tornando o plâncton e as algas de água doce indigestas para ele. Os alevinos desse peixinho conseguem subir nas rochas úmidas usando a boca, que é muito forte, e uma espécie de ventosa situada no ventre. Como outras espécies de gobídeos, o Sycyopterus conse-gue passar muito tempo fora d’água, respirando ar. Foto: Chris Wilson

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10 O tubarão-charuto (Isistius brasiliensis)

Também conhecido como peixe-cortador, é um pequeno tubarão malhado que vive em águas profundas dos mares tropicais e subtropicais. Graças aos dentes em forma de serra e aos lábios que funcionam como ventosas, ele é capaz de arrancar pedaços perfeitamente cilíndricos da carne de outros peixes e de mamíferos marinhos. Foto: Michael Miller.

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11 O peixe-cantor (Porichthys notatus)

Também chamado de plainfin midshipman. Os machos da espécie, no período de reprodução, emitem um som grave, pare-cido ao apito de um grande navio, para atrair uma fêmea parceira. Também emitem sons de outros tipos, bem perceptíveis ao ouvido humano, quando enfrentam algum adversário. Esse peixe possui centenas de fotóforos (células capazes de produ-zir luz) sobre sua pele e ativam essa capacidade na escuridão das profundezas tornando-se assim luminosos. Isso não é tudo: Para se reproduzir, sobem à superfície e praticamente saem da água, desovando sob as pedras dos escolhos, à beira do mar. Foto: Werner Krutein

Veja também este interessante vídeo sobre o peixe-cantor e ouça a gravação da sua voz

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12 O peixe-bruxa (Ordem dos Myxiniformes)

É um tipo de peixe com corpo cilíndrico, destituído de mandíbulas, parecido ao de uma serpente. Com forma e características bastante primitivas, o corpo desse peixe libera uma substância viscosa que obstrui as mandíbulas e as brânquias dos agresso-res, os quais, provavelmente, nunca mais repetirão o ataque.

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13 O peixe-tigre africano, ou peixe-golias (Hydrocynus goliath)

É um dos mais vorazes e agressivos peixes de água doce. Ele é capaz de saltar fora d’água para agarrar um pássaro incauto que se atreve a voar demasiado perto da superfície. Nativo do rio Congo e afluentes, é o equivalente africano das piranhas brasileiras, só que ainda mais perigoso. Foto: Carnat Joel

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14 Merluza da Antártica (Dissostichus mawsoni)

Nadar em temperaturas inferiores a zero é mortal para a maioria das criaturas. Mas não para a merluza da Antártica. Esse peixe tem no sangue um anticongelante natural, feito de proteínas especiais, produzidas pelo próprio animal, que impedem o congelamento dos fluídos corporais. Essa merluza consegue, assim, viver tranquilamente até mesmo sob as banquisas pola-res. Foto: Steve Benton.

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15 O peixe engolidor-negro (Chiasmodon niger)

Vive em águas marinhas profundas (entre 700 e 2750 metros), tem a cor negra e mede até 25 centímetros. Tem a capacidade notável de conseguir capturar e engolir peixes muito maiores do que ele mesmo, graças a seu estômago que pode dilatar-se. Foto: Lea Lee

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16 Bagre-gigante europeu (Silurus glanis)

Esse enorme e monstruoso bagre natural dos rios do centro e do nordeste da Europa, foi lançado em meados do século 20 em alguns rios da Espanha e da França para promover a sua pesca recreativa. Nesses rios, de águas mais quentes e sem predado-res naturais, eles atingem tamanho muito maior chegando a constituir hoje uma ameaça a banhistas e a animais terrestres de pequeno e médio porte que se aventuram nas águas onde vivem esses siluros. Vejam, no vídeo, o que esses bagres aprende-ram a fazer nas margens do rio Tarn, na França: caçar pombos!

Vídeo: Na França, bagres gigantes saem da água para caçar pombos

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SALVAR O RIO FEZE trazer uma cidade de volta à vida

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ziza Chaouni, arquiteta e ecolo-gista marroquina, especializou-se em projetos que integram ar-quitetura e paisagem, sobretudo aqueles inseridos na recuperação de áreas urbanas degradadas. Durante muitos anos ela traba-lhou para fazer reviver o rio Fez, que corta sua cidade natal - uma

A

o rio fez serpenteia através da medina de fez, no marrocos - uma cidade medieval em forma de labirinto que é um Patrimônio mundial da humanidade. outrora considerado a “alma” dessa celebrada cidade, o rio sucumbiu por conta do esgoto e da poluição. na década de 1950, foi coberto pouco a pouco até que nada dele restasse. a arquiteta e ecologista marroquina aziza chaouni conta no ted seus 20 anos de esforços para restaurar este rio à sua antiga glória, e transformar sua cidade no processo

VÍdeo: Ted – ideas WorTh sPreadingTradução: Leandro da VeigareVisão: ruy LoPes Pereira

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das célebres e históricas cidades imperiais do Marrocos.

Aziza, que é também engenheira civil e técnica em turismo ecológico, se interessa particularmente pela criação de obras sus-tentáveis. Desenvolveu vários projetos nes-se sentido, sobretudo em zonas desérticas do Médio Oriente. Na base da sua filosofia de trabalho está a convicção de que não é suficiente, para as construções sustentá-veis, ter impacto ambiental zero. Elas de-vem colaborar com o meio social onde são erigidas, tanto em termos sociais quanto econômicos, culturais e de infraestrutura. Para alcançar esses objetivos, sua empresa, a Aziza Chaouni Projetos colabora de modo estreito com as comunidades locais e com

a arquiTeTa aziza Chaouni

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especialistas de outras áreas e disciplinas correlaciona-das.

Filha da tradicional cidade de Fez, Aziza nunca se con-formou com o processo de destruição a que foi sub-metido o rio que serpenteia através de Fez e que tem o mesmo nome dela. Desde os anos 1950, esse rio passou por um severo processo de degradação devido às des-cargas tóxicas, a superpopulação, o desenvolvimento urbano insustentável e a poluição generalizada. As au-toridades de Fez tentaram esconder o rio, cobrindo-o com placas de concreto, e com isso destruíram com-

pletamente a bela paisagem original. Aziza então propôs um projeto para a sua recuperação, que foi aceito pelo governo local: descobrir o rio, res-taurar suas margens e criar alamedas ajardinadas para pedestres.

O projeto levou duas décadas para ser desenvolvido. Ele deu origem a um grande parque que revitalizou toda a cidade de Fez. Ela, hoje, voltou a ser uma das joias do Marrocos.

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Vídeo: Palestra de Aziza Chaouni proferida no TED

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Tradução integral da palestra de Aziza Chaouni

Gostaria de contar a vocês hoje um projeto que mudou a ma-neira que abordo e pratico arquitetura: O projeto de reabilita-ção do rio Fez.

Minha terra natal, Fez, Marrocos, possui uma das maiores ci-dades medievais muradas do mundo, chamada Medina, situa-da em um vale do rio. A cidade toda é considerada patrimônio mundial da humanidade pela UNESCO. Desde a década de 1950, com o aumento da população de Medina, as infraes-truturas urbanas básicas como áreas verdes abertas e esgoto, rapidamente mudaram e tornaram-se altamente degradadas. Uma das maiores vítimas da situação foi o rio Fez, que divide a Medina ao meio e tem sido considerado por muitos séculos a alma da cidade. De fato, pode-se testemunhar a presença da rede extensa de água do rio por toda a cidade, em lugares como fontes públicas e privadas.

Infelizmente, devido à poluição do rio, ele foi sendo coberto, pouco a pouco, por lajes de concreto desde 1952. Esse processo de eliminação foi acoplado com a destruição de muitas casas ao longo das margens do rio possibilitando que maquinarias adentrarem a estreita rede de pedestres da Medina. Aqueles vazios urbanos logo se tornaram estacionamentos ilegais ou depósitos de lixo. Na verdade, a situação do rio antes de entrar na cidade é muito saudável. A poluição acontece, principal-mente por conta de esgoto não tratado e despejo de produtos químicos usados no artesanato, como o curtume. Em algum ponto, não pude suportar a profanação do rio, uma parte tão importante de minha cidade, e decidi agir, principalmente de-pois que ouvi que a cidade recebeu permissão para desviar a água do esgoto e tratá-la.

Com água limpa, subitamente a retirada da cobertura do rio

foi possível, e com sorte e muita pressão, meu parceiro Takako Tajima e eu fomos comissionados pela cidade para trabalhar com um time de engenheiros para retirar a coberta do rio. Contudo, fomos sorrateiros, e propuse-mos mais: a conversão das margens do rio em calçadas, e a conexão dessas calçadas com o restante da cidade, e finalmente a conversão dos vazios urbanos ao longo das margens em espaços públicos que são escassos na Me-dina de Fez. Mostrarei brevemente dois destes espaços públicos.

O primeiro é a Rcif Plaza, que localiza-se bem em cima do rio, que você pode ver aqui em linhas pontilhadas. Esta praça costumava ser um centro de tráfego caótico que comprometia a integridade urbana de Medina, que tem a maior rede de pedestres do mundo. E logo além da ponte histórica, que vocês podem ver aqui, bem próximo

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Tradução integral da palestra de Aziza Chaouni

à praça, você pode ver que o rio parecia um rio de lixo. Em vez disso, propusemos fazer a praça completamente para pedestres, cobrindo-a com couro reciclado, e conectá-la às margens do rio.

O segundo local de intervenção é também um vazio urbano ao longo das margens do rio, ele costumava servir de estaciona-mento ilegal, e propusemos transformá-lo no primeiro play-ground na Medina. O playground foi construído usando pneus reciclados e também acoplado à um pântano artificial que não somente limpa a água do rio mas também a retém quando há inundações.

À medida que o projeto avançou e recebeu vários prêmios de design, novos interessados intervieram e mudaram as metas e design do projeto. A única forma que encontramos de levar os principais objetivos do projeto adiante foi fazer algo muito

incomum que arquitetos normalmente não fazem. Que foi pegar nosso ego de design e nosso senso de autoria e deixá-los de lado e focarmos em sermos ativistas e em tentarmos aglutinar todas as pautas dos interessados e focar nas principais metas do projeto: descobrir o rio, tratar sua água, e prover espaços públicos para todos. Fo-mos muito sortudos, e a maioria desses objetivos se rea-lizaram ou estão realizando-se. Como você pode ver aqui na Rcif Plaza. Ela era assim há uns seis anos atrás. Esta é a aparência hoje. Ainda está em construção, mas é alta-mente utilizada pela população local. E, finalmente, esta será a aparência da Rcif Plaza quando o projeto estiver completo. Este é o rio, coberto, usado como depósito de lixo. Então, após muitos anos de trabalho, o rio com água limpa, descoberto. E, finalmente, você pode ver aqui o rio quando o projeto estiver completo.

Portanto, sem dúvida, a reabilitação do rio Fez continu-ará mudando e atualizando-se ao panorama sociopolíti-co da cidade, mas acreditamos fortemente que pela re--imaginação o papel e ação do arquiteto, criamos a ideia central do projeto em movimento, que é transformar o rio de esgoto em espaço público para todos, desse modo, garantindo que a cidade de Fez continuará uma cidade viva para seus habitantes ao invés de uma herança mu-mificada.

Muito obrigada.

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