Pedro Salles

35
Gênese da Notação Musical na Criança* os signos gráficos e os parâmetros do som Pedro Paulo Salles I O presente estudo nasceu do desejo de sistematizar e inter- pretar as idéias, os processos e os resultados de um trabalho, reali- zado com crianças de 6 a 11 anos, em sala de aula, que visava ao delineamento de uma pedagogia musical, cujo desdobramento - em direção a uma gênese da notação musical na criança - é um de seus aspectos mais interessantes e originais, não só devido aos pro- cessos articulados pelas crianças, que possibilitaram uma visibili- dade do invisível, processos próprios da imaginação e de seu 'de- senvolvimento na criança - mas principalmente aos possíveis musicais que se abrem, num crescendo, à criança, favorecendo-a tanto no plano do intelecto e da construção, como também no pla- no da intuição e da imaginação criadora. Embora saibamos que, para alguns, a escrita musical possa parecer precoce às crianças desta faixa etária e até mesmo um impedimento ao desenvolvimen- to de uma jruição criadora, procuramos demonstrar - sem fazer uma apologia da notação musical - que, na gênese da própria mú- sica na criança e no processo de construção do conhecimento mu- sical, notações de diversas naturezas acompanham essa gênese em .0(0 Este artigo é baseado em capítulo da dissertação de mestrado Gênese da Notação Musical na Criança, apresentada pelo autor à Faculdade de Educação da USP, sob orientação do Prof. Dr. Celso Fernando Favaretto.

description

Genese da notação ma criança

Transcript of Pedro Salles

  • Gnese da Notao Musical na Criana*os signos grficos e os parmetros do som

    Pedro Paulo Salles

    IO presente estudo nasceu do desejo de sistematizar e inter-

    pretar as idias, os processos e os resultados de um trabalho, reali-zado com crianas de 6 a 11 anos, em sala de aula, que visava aodelineamento de uma pedagogia musical, cujo desdobramento -em direo a uma gnese da notao musical na criana - um deseus aspectos mais interessantes e originais, no s devido aos pro-cessos articulados pelas crianas, que possibilitaram uma visibili-dade do invisvel, processos prprios da imaginao e de seu 'de-senvolvimento na criana - mas principalmente aos possveismusicais que se abrem, num crescendo, criana, favorecendo-atanto no plano do intelecto e da construo, como tambm no pla-no da intuio e da imaginao criadora. Embora saibamos que,para alguns, a escrita musical possa parecer precoce s crianasdesta faixa etria e at mesmo um impedimento ao desenvolvimen-to de uma jruio criadora, procuramos demonstrar - sem fazeruma apologia da notao musical - que, na gnese da prpria m-sica na criana e no processo de construo do conhecimento mu-sical, notaes de diversas naturezas acompanham essa gnese em

    .0(0 Este artigo baseado em captulo da dissertao de mestrado Gnese da NotaoMusical na Criana, apresentada pelo autor Faculdade de Educao da USP, soborientao do Prof. Dr. Celso Fernando Favaretto.

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBaloporque usar a notao nesta idade

  • 150 Revista Msica, So Paulo, v.7, n. \12: 149-183 maio/novo 1996

    complexidade crescente, como um dado ligado no exclusivamen-te ao seu aspecto de traduo visual, mais ou menos intelec-tual oupuramente perceptiva de uma vitalidade sonora, mas sim possibi-lidade de penetrao cognitiva e tambm intuitiva na materialidadeda msica, que supe signos e mistrio .

    O trabalho aconteceu como experincia em sala de aula, entreos anos de 1978 de 1989, assumindo um carter de pesquisa, inte-ressada na elaborao de novas bases para uma metodologia deensino musical. A dinmica do trabalho em sala de aula compreen-deu situaes coletivas e individuais de percepo, explorao,improvisao, composio, criao de grafias; anlises, discus-ses, registros dirios das descobertas feitos pelas crianas; deba-tes, reflexes e questionamentos. O processo visava sempre cons-truo gradativa da linguagem musical pelas crianas. O cdigogrfico para os sons, tal como se deu na histria da msica, apare-cia nesse processo, ora como instrumento gerado por necessida-des, ora como deflagrador de novos avanos.

    Trata-se agora de processar e interpretar os dados observa-dos naquela experincia, inclusive a partir de alguns pressupostosda teoria psicogentica de Jean Piaget.

    O recorte aqui operado destaca algumas articulaes e arti-manhas grficas e conceituais de diferentes grupos de crianas narepresentao do som, tendo como objeto analtico os parmetrosdos som, ou seja, intensidade, altura e timbre. Pode-se dizer queestaremos, ento, observando o "comportamento" de diferentesformas grficas diante da representao de cada um destesparmetros.

    n - A Natureza da Notao Musical' e o Ensino

    O ensino tradicional de msica apresenta, para a criana, umrepertrio limitado e pr-determinado. A notao musical, quenecessariamente est vinculada a esta escolha de sons, introduzidadiretamente por meio da imitao, numa verdadeira injeo, uma"aquisio" mecnica sem vivncia e pensamento. Poucas vezes

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, 11.1/2: 149-183 maio/nov, 1996 151

    questiona-se o tipo de aquisio da criana, diante destes sons ede sua notao, e mesmo se estaria havendo alguma.

    A histria da msica, no s da chamada msica ocidental,tida como "oficial", mas tambm da msica de outras culturas ecivilizaes, como a oriental e a indgena, mostra uma granderiqueza naquilo que poderamos chamar de ospossveis da msica:uma imensa variedade na natureza das descobertas, nos cdigos,na viso de msica, nas escolhas sonoras e na notao musical.Por que uma tal gama de possveis no comparecem nas propostasde ensino de msica? Se o homem, ao longo das eras, pde traartantas trilhas e abrir tantas clareiras epistemolgicas, dever a cri-ana ficar parte dessa aventura do conhecimento? A liberdade e aobjetividade necessrias para a explorao, a descoberta, e a cons-truo do conhecimento sonoro e musical lhe so negadas emfavor da obedincia e daao repetitiva ou exploratria sem senti-do. Restam msicas esquelticas e uma notao revestida de sonssem vida. O constante procedimento imitativo no ensino da leitu-ra da notao vem, ento, esvaziando os signos grficos de signifi-cado e a metodologia de inteligncia e sensibilidade. Os signosgrficos musicais, que devem ser mediadores de uma relao vivaentre o homem e a msica, smbolos de vida, aparecem comosignificantes dissociados dos significados e dos referentes (os sons),o que produz na leitura a dissociao entre msica e significao.Dessa forma, o sinal grfico nunca ser signo, que sua funoreal'.

    "Enfatiza-se de tal forma a mecnica de ler o que est escrito,que se acaba obscurecendo a linguagem escrita como tal. Aoinvs de se fundamentar nas necessidades naturalmente de-senvolvidas nas crianas, e na sua prpria atividade, a escritalhes imposta de fora vinda das mos dos professores (...)como por exemplo o tocar piano. O aluno desenvolve a des-treza de seus dedos e aprende quais teclas deve tocar ao mes-mo tempo que l a partitura; no entanto, ele no est, de for-ma nenhuma, envolvido na essncia da prpria msica'".

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalocrtica

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalojustificativa para uma abordagem mais artstica

  • 152 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996

    Cria-se um conflito, pois, entre o decifrado da notao e aobteno de seu sentido. O resultado desatroso. Pois, apesar deo cdigo estar pronto e j supersignificado na cultura ocidental, acriana no adere. Para ela, deve vir primeiro o som, ou melhor, abusca de um som. Como perseguidoras do som, as crianas inves-tem as notaes de sentido e, assim, igualmente, a matria sonora. na atuao da criana sobre a materialidade mesma dos sons, oudo espao snico, que so gerados, pois, as significaes e os pri-meiros conceitos. No caso, o som no ser imitado ou reprovocadodevido a meros estmulos unilaterais, mas sim porque, por algummotivo, um determinado som ou uma determinada coleo de sonsadquirem sentido.

    Pode-se dizer que a notao tradicional em sua utilizaoerrnea tm sido um dos obstculos mais firmes diante de umprogresso da criana na aquisio da linguagem musical. Quantosanos, vamos imaginar, necessita uma criana para "dominar" atcnica de um instrumento e o cdigo musical, at que ela possa,finalmente, criar aquela msica que pulsava em seu desejo noincio de tudo? Quatro, seis, oito anos? E ser que ela, aps todoesse tempo, supondo que ainda no tenha desistido de aprendermsica ou que no tenha sido afetado seu prazer e seu gostopela msica, vai-se lembrar, finalmente, daquela primeira idiasonora ou musical?

    Assim, o ensino da msica - considerada como uma estruturafechada de conceitos e tcnicas ou como um cdigo arbitrrio,tanto de condutas, como de materiais sonoros e grafias - j o sali-entamos, trabalha com formas prontas, "muitas vezes imprpriaspara exprimir as necessidades ou as experincias vividas do eu. ,portanto, indispensvel criana que ela possa dispor igualmentede um meio de expresso prprio, isto , de um sistema designificantes construdos por ela e dceis s suas vontades'".

    Por isso, a compreenso da natureza da notao musical pa-rece-nos fundamental. E tal compreenso no possvel a no sera partir de uma aproximao dos estgios iniciais da histria danotao e de sua psicognese.

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalojustificativa para o uso de parlendas na construo da notao

    Ana LiaMarcador de texto

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1/2: 149-183 maio/novo 1996 153

    Assim, se na histria, a inveno das grafias musicais no foigratuita ou casual, mas para responder a necessidades especficassurgidas historicamente no complexo desenvolvimento dos siste-mas de sons e das composies musicais, e no arco semitico decada cultura em que foi engendrada, do mesmo modo ocorreu notrabalho com as crianas. Procurou-se desenvolv-Ia de maneiraque a notao fosse tambm uma necessidade interior e no exte-rior, essencial e no gratuita, social e no autoritria.

    O nmero cada vez maior de sons simultneos articulados nascomposies das crianas e a elaborao igualmente progressivade suas estruturas demandaro uma constante discusso dos sig-nos grficos, na sua constituio interna e enquanto organizaoespacial e visual da partitura. Ambos, composio e notao, esta-ro ligados num jogo, de reciprocidades. Assim, a influncia danotao na composio tambm ocorre, pois, se a notao umconjunto de tcnicas operatrias, implica no conjunto de procedi-mentos da msica. Semelhante articulao se observa, por exem-plo, na polifonia, cuja elaborao e evoluo teriam sido imposs-veis sem os instrumentos grficos, que permitiam um domnio so-bre a matria sonora antes nunca imaginado.

    Se aprendemos com a histria que momentos diferentes, ne-cessidades diferentes, culturas diferentes e ambientes sonoros dife-rentes geraram msicas e notaes igualmente diferentes, nas quaiso conceito de preciso, por exemplo, era totalmente outro, devemosnos perguntar sobre a aplicao de notao musical no trabalho emeducao musical com crianas, considerando as especificidadesdessetrabalho e a natureza das relaes da criana com msicas e sons.

    m - Os Signos Grficos e os Parmetros do Som

    Neste artigo, pretendemos mostrar as implicaes dosparmetros do som - intensidade, altura e timbre - na invenodos signos pela criana e na constituio de sua dinmica.

    Para que o leitor se oriente na discusso que ora apresenta-da, necessrio colocar de antemo as notaes criadas pelas cri-

  • 154 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1/2:149-183 maio/novo 1996

    anas; segundo o estudo realizado, elas se constituem dos seguin-tes tipos: a pictografia musical (principalmente desenho da fontesonora, desenho de imaginao - descrio figurativa e simbli-ca), a notao lingistica (descrio verbal e onomatopia - es-crita), a notao plstica (desenho "abstrato") a notao analgica(linear e geomtrica - grafismo) e as notaes mistas.

    1. INTENSIDADE: a retrica do trovo e do segredo

    Nas grafias, a intensidade e a altura percorrero um caminhoque vai do figurativo abstrao, da noo de estados estanquesat de transformao. Suas hipteses acerca da representaodos sons fortes e fracos, tambm iro girar entorno do conceito depresena ou de proximidade. Veja-se, a ttulo de exemplo, estapictografia, este desenho de imaginao:

    Calima, 8 anos - um crescendo (l-se da direita para a esquerda)

    H, pois, uma forte relao entre a intensidade do som e suapresentificao. Talvez a intensidade seja, em funo disso, um dosparmetros mais prprios e caracteristicos do som em si, pois deter-mina, atravs de suas flutuaes, a prpria sensao (auditiva e ttil)

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalotipos de grafia que as crianas utilizam

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.I/2: 149-183 maio/novo 1996 155

    da presena do som nos domnios do espao e do silncio. A, aintensidade se confunde com a prpria vibrao sonora, em que anoo de som forte e som fraco anloga de som e silncio.

    comum nas terminaes de movimentos, a msica ir dimi-nuindo em intensidade at o silncio; assemelha-se a um afasta-mento das fontes sonoras at seu sumio na distncia, como se aorquestra, ou o conjunto, estivesse se afastando do ouvinte, levan-do a msica a um estado de ausncia. Em certas partituras tradi-cionais, tal procedimento mesmo explicitado como descrio qua-litativa da intensidade: lejano, morendo, sumindo, lontano ele.

    A noo de intensidade como presena se confirma ao repa-rarmos que um aumento de intensidade chamado de "crescen-do". O crescendo uma das formas mais primitivas de intensidadee se articula nas improvisaes coletivas com instrumentos, comobusca da sensao de presena, ou melhor, do poder de produzi-Ia.O prazer no som como presena acontece em diferentes idades,inclusive em grupos de jovens, nos contatos primevos com a msi-ca como improvisao. O inverso, isto , a diminuio de intensi-dade (diminuendo ou decrescendo), acontece com menor freqn-cia e localizada nas terminaes, ainda de forma intuitiva. A in-tuio a entendida como uma forma de escuta ativa, guiada peloque Piaget chamou de pensamento intuitivo, que, neste caso, poruma fora s percebida no social, no coletivo, parece dar conta dastransformaes, alm dos estados inicial e final.

    Assim, inversamente ao movimento em direo a um infinitode intensidade, a um fortissimo idealizado, v-se que a busca doinfinito da intensidade em direo a um pianissimo e a um silncioidealizados, ocorre com menos freqncia. Este movimento de-pende tanto de uma sintonia como de uma construo, ou de umareconstruo, que Piaget chamou de reversibilidade. Opadro ins-tintivo inscrito no grupo se desenvolve para uma conscincia dastransformaes, torna-se aprendizado.

    Se, por um lado, aliamos a intensidade idia de umapresentificao e de umaproximidade do som, principalmente peloimpacto dos sons fortes e dos crescendos, e tambm por ser o som

  • 156 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.II2:149-183 maio/novo 1996

    forte o primeiro a ser percebido pela criana, por outro lado, osom fraco demanda maior trabalho, depende de uma experinciada criana com a sociabilidade - de tal modo que o som do outroseja ouvido - e com o silncio - de tal modo que a presena mi-croscpica de um sussurro seja to impactante quanto de umtrovo. Da a idia, tambm, do silncio como presena.

    Ento, a vivncia da leveza e do mistrio de se ouvir sons emfraquissimo, de que a criana tira prazer, mostra-se tambm fim-damental. Observa-se, por exemplo, como ao produzir um som omais fraco possvel ela gosta de partilhar com outras. Certa oca-sio, uma menina de sete anos entrou na sala de aula e disse:"Pedro, eu tenho um som! Mas preciso do mximo de silncio."As outras dezesseis crianas e eu fizemos, ento, um silncio se-pulcral, no se ouvia um nada de coisa alguma. Construdo essemicrocosmos de silncios, cpula para ressonncias, a menina delongos cabelos castanhos retirou, lenta e cuidadosamente de suamochila uma escova de cabelos: a situao era para pasmos e sus-penses. Ento, de ouvidos e olhos arregalados e de respiraosuspensa, pudemos perceber a lenta, leve e repetida respirao doescovar.

    Mmica: mnima msica.

    Cabelos tangidos em movimentos precisos, gestos sem gravida-de regendo intensidades, movendo significaes pelo ar. Diantede ns, toda a msica: intensidade (presque-rien), durao (ca-belos longos: som longo), timbre (frico), densidade (os fiosda chevelure) e mistrio. Formado em grande parte por silnci-os, o escovar quase um som conceitual e evoca as levssimasbrumas de Debussy e as filigranas timbrsticas de Webern. Se osom fraco retm um alto ndice de silncio relativo (no exemplovimos um som-quase-silncio), e o som forte retm um baixondice de silncio relativo (e um alto ndice de som), talvez aintensidade compreenda trs graduaes em sua dinmica: somforte, som fraco e silncio; vendo o silncio como um produtor

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.I/2: 149-183 maio/novo 1996 157

    de intensidades. E, na lgica da distncia, quanto mais se dis-tancia uma fonte sonora imaginria, mais fraco o som, at o limi-te ou infinito que resulta em silncio: o infinito da intensidade.

    Este jogo, no trabalho de msica com crianas, um cam-po rico para se desenvolver a noo de intensidade. Alm dis-so, o trabalho de criao musical supe a articulao de intensi-dades.

    Embora, na experincia com crianas, o crescendo tenha-semostrado como forma primitiva de intensidade, j na histria damsica ocidental as graduaes mais acentuadas so bem tardias.Pouco utilizadas no sculo XVII, as indicaes descritivas cres-cendo e dimuniendo s aparecem marcadamente no perodo damsica clssica. No fim do sculo XVIII, a orquestra de Manheimimpressionava por suas interpretaes, notadamente a interpreta-o das intensidades. O mestre de capela de Berlim, J.F. Reichard,narra como foi a primeira vez em que o maestro Niccol Jornrnelliutilizou o crescendo e o diminuendo; sua descrio do ouvinte nosconfirma que o crescendo aproximao assoladora e o diminuendo distanciamento, perda e suspenso:

    "A primeira vez que Jommeli utilizou o crescendo, o pblicose levantou literalmente de seus assentos. Logo ao chegar nodiminuendo seguinte, os ouvintes quase no respiravam".'

    A presentificao do som , pois, estabelecida por um jogoentre intensidade e percepo, permeadas pela sensao de dis-tncia. Assim, do ponto de vista do receptor, somforte = emissorprximo, e um mesmo som fraco = emissor distante; emcontrapartida, o ponto de vista do emissor torna-se dependente dosujeito e, por isso, subjetivo e imprevisvel. A msica se serve deambos.

    Do mesmo modo, quando uma criana quando est brincan-do com bonequinhos, ela imita vozes, rudos e suas intensidades.Assim que, surpreendentemente, sons originalmentefortes, como

  • 158 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    palavras mgicas, tiros, trombadas, gritos de dor ou a vibrao datorcida aps um gol, so reproduzidos vocalmente pela crianacomo se viessem de longe. Ela emite os sons com intensidade menor,mas os redimensiona de forma que paream sons fortes ao longe.Procedimento semelhante se observa em determinadas composi-es das crianas, quando certas frases musicais se repetem emeco, isto , com a intensidade mais baixa do que a frase original; adiferena entre a emisso (forte) do som e a recepo (fraca) doeco d a impresso de uma terceira dimenso na msica:espacializando-a pela noo de eco - ou distanciamento - etemporalizando-a pela recorrncia e pela memria."

    J quando a prpria criana encarna as personagens, os sonstendem a assumir a intensidade original de sua emisso. O signifi-cado desta diferena pode estar no simples fato de que osbonequinhos so pequeninos, esto no plano baixo, ao passo quea criana que os manipula como um gigante no plano alto. En-to, a distncia relativa diferena de tamanho e de plano podelevar a criana a transformar o som original em um som maisfraco.

    Vejam-se estas descries, a primeira em uma histria sonora(descrio simblica) e a segunda em uma composio (descriodireta):

    Elefantes andando junto com o passarinhopassarinhos param de cantarElefantes comeam a urrarUm vento bem forteOspassarinhos voam, os patinhos ficam assustadose comeam a bater o p na gua e afazer qum qme acaba com um vento fraquinho. (histria sonora, 7a)

    (OBS: Nesta histria sonora, o apito e a gaita representam o passarinho,o tambor representa o elefante, o tambor e o reco-reco representam ospatinhos, a flauta representa o urro dos elefantes, o apito representa ovento e outro tambor representa o vo dos passarinhos.)

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.I/2: 149183 maio/novo 1996 159

    Composio, 8a.

    Como se v, no incio a criana busca imagens ou signos quej conhece para representar um som maisfarte ou maisfraca, uti-lizando ento desenhos ou escrita.

    J na onomatopia, na notao plstica e na notaoanalgica, uma analogia entre a noo de presena (ou proximi-dade) do som e o tamanho do signo, tambm se dar: som maisforte = mais prximo (portanto signo maior), som mais fraco =mais distante (portanto signo menor).

    Marcos Bai, 9

    \0'4~~L~.cD~~!~Q~.,,:~~Ql>~~!

    Tiago,9

  • 160 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1/2:149-183 maio/novo 1996

    Juliana, 7

    o ltimo exemplo representa as transformaes da intensida-de, traduo grfica que do crescendo e do dimunuendo, men-cionados no incio. Tal signo tambm utilizado nas partituras tra-dicionais sob a forma diagramtica < .

    A notao plstica e a notao analgica ainda usam trsoutros expedientes para representar as variaes de intensidade dosom: a intensidade do trao (linhas mais calcadas e ntidas repre-sentam os sons mais fortes, e linhas mais apagadas ou fracas,os sons mais fracos, onde a analogia articulada pela idia de umafora empregada na produo da intensidade, tanto do som, quan-to do trao),

    a cor do trao ou do espao pictrico (em que as cores quentes ouas de tons mais escuros representam sons mais fortes, e as coresfrias ou as de tom mais claro representam sons mais fracos),

    Fernando, 8

    e o movimento ou direo do traado (em que sons fracos so alinha em repouso horizontal, e os sons fortes so momentos de

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 161

    verticalidade mais intensa, quase como um eletrocardiograma ou,como se passou a chamar na notao contempornea, "grafismo";analogamente, observe-se o segundo exemplo, em que a seta paracima indica o forte, e para baixo o fraco).

    Maria, 7 Douglas,8

    No raro, h tambm a noo de som pesado e som leve, orase referindo. intensidade, ora altura e ora igual fuso. Seuresultado grfico se iguala ao do trao mais ou menos intensomodulado por uma fora ou peso.

    Mais rara a intensidade representada, na notao analgica,por uma linha ascendente e descendente. Essa "invaso" da inten-sidade, na rea da altura e da melodia, ocorre em razo de umaconceituao natural das crianas, oriunda da linguagem comum,na qual "som alto" e "som baixo" no se referem, particularmente,nem intensidade nem altura, mas sua fuso. Assim, "somalto" agudo e forte, e "som baixo" fraco e grave. Esta nootem duas razes: a primeira vocal, ou seja, mais fcil emitir umsom forte no registro agudo e um som fraco no registro grave; asegunda, diz respeito percepo dos fenmenos fsicos; um sommais agudo, como se sabe, produzido por vibraes mais rpi-das; fcil percebermos isso observando as modulaes de inten-sidade e altura de um automvel: ao ligarmos o motor, seu somest grave e fraco; possvel mesmo ouvir cada vibrao, de tolentas; ao acelerarmos, o som fica mais agudo e tambm mais for-te, at o limite de um frmula 1: rapidssimo, agudssimo efortssimo.

    Tais conceituaes (alto/baixo), que Piaget chamou de"sincretismo incoerente", se no se incluem nas cartilhas da msi-ca, esto todas estampadas nas partituras tradicionais pois, via de

  • 162 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    regra, a intensidade sugeri da por descries igualmente simbli-cas e metafricas.

    2. ALTURA: montanha russa

    o princpio do desequilbrio e da dualidade rege o som nocontnuo da altura. Entre os extremos desse contnuo, o grave e oagudo, flutua o som em zig-zag. J se mencionou no final do itemanterior a "melodia do automvel", as modulaes de potncia ede velocidade produzindo desde o grave ruidoso e descontnuo ato agudo contnuo.

    A me/adia do automvel - Christian, 8

    A percepo traz conscincia outros fenmenos fisicos re-gidos pelo mesmo princpio; o conhecido e denotado som "portarangendo", por exemplo, tem seu charme graas a ele. Seu rangeroscila entre os sucessivos estalos no grave (abrir lento) e alinearidade do agudo (abrir mais rpido ); da o seu "nhc",sua terrvel prosdia em voz de bruxa. Estas leituras do real fazemver a ludicidade na acstica; a importncia da captao destaludicidade na explicao dos sons s crianas, extrema. Se, defato, elas gostam tanto deste som que at o reproduzem, tecemtambm variaes: fazem com a voz um som "o mais grave poss-vel", a ponto de se perceber a seqncia de estalos das cordasvocais, qual rangido de porta de castelo, qual ronco de um velhomotor.

    A experincia da altura leva a criana a traduzir as flutuaespercebidas em flutuaes grficas, e o princpio da dualidade pedea definio dos extremos na grafia. Agora, se o contnuo recorta-

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 163

    do em determinadas pores, ser necessria a definio grficadestas pores e de suas relaes.

    Na onomatopia, a altura representada de duas maneiras:naoscilao para cima epara baixo, tal como na notao analgica,e, mais comumente, na variao de vogais. A propsito disso,observem-se os registros de uma criana, a partir de ditados sono-ros compostos por seus prprios colegas:

    "V(,.JVVU"u"'; L.04 Li r-i r- ".~TO~r0..,,...O""""

    ~ot.uM bLU'.

    Qf------@

    tt' ~7Cur-ev,.c.u;c.u~, .,..OrJCO r o oe 1'0 t o rl:?0 C'CQ O.

    iLU:t ..//II1J1.rV\. //,.,Z,1wwl.il , .

    Tv rUAI1"UIA s':s '-s" ~: Ph\PA ~ I"A".~ :5;$ ;J I t ,.S; I ,l~.

    *,A'.;tr 0000PAII\ riPAh\ PAMf''''f'I'jI(t,'\1.

    Camila, 7a. 1980

    Em sua elaborada notao polynomial (ou mista) para os sonsinstrumentais, cuja inveno (gnese) vemos no primeiro trecho,que o ditado de sua autoria, a onomatopia revela-se ambgua,pois representa timbre e altura segundo o mesmo critrio:morfemas com "i", tanto para representar sons agudos quanto parasons metlicos: "Sissi", tim", "pim" etc.; e morfemas com "o" oucom "u", tanto para sons graves quanto para sons de tambor: "Tom","tooo", "tum". Tal associao entre diferentes dimenses do som

  • 164 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    comum e representada em inmeros exemplos grficos das cri-anas. Resumindo, as alturas esto contidas nos morfemas - "i","a" e "" para os sons mais agudos e "o", "" e "u" para os sonsgraves. Esta motivao do signo tambm ocorre, embora de formainvertida, na composio de canes, quando as vogais contidasnas palavras motivaro sons mais agudos e mais graves namelodia.

    Na notao plstica, as alturas aparecem representadas porcores e texturas, naquilo que elas tm de timbrstico. Seria muitodificil determinar taxativamente as constncias na escolha das co-res, j que outros fatores que compem o som - timbre, intensida-de, melodia, sucesso, andamento, percepo subjetiva, etc. - tam-bm influem na escolha das cores e do trao na representao dossons; mas pode-se dizer, genericamente, que as crianas vem nossons mais graves matizes do preto e do azul e, nos sons maisagudos, matizes do vermelho e do amarelo. Quando a escolha de.cores arbitrria ao invs de motivada, sua relao com o somouvido pode ocorrer aps o desenho pronto, quando seus elemen-tos so, ento, investidos de imagens musicais. Este o caso degrafias criadas por crianas de 9 anos para as alturas, em que ascores eram escolhidas arbitrariamente para a gama de alturas daflauta; sob as partituras coloridas, bulas revelavam as relaes de-terminadas.

    Alm disso, a notao plstica aponta tambm para a consti-tuio da notao analgica, na medida em que suas variaes detraado, ascendente e descendente, sugerem as flutuaes dealtura.

    Se o desenho dafonte sonora, por sua vez, dificilmente pode-r representar a altura em razo de sua falta de mobilidade - ano ser no caso de fontes sonoras j conhecidas por seus graves eagudos -, j o desenho de imaginao poder, atravs da met-fora, faz-Ia. Assim, no raro, as crianas representam um somgrave com o desenho de um "elefante" e um som agudo com o deum "pintinho", num princpio semelhante ao da representao dasintensidades forte e fraca.

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.I12: 149-183 maio/novo 1996 165

    Patrcia, 9 - forte e fraco

    H nesta metfora certa sapincia: sons graves so emitidospor materiais mais elsticos, geralmente grandes, e sons mais agu-.dos por materiais menos elsticos, geralmente menores. Por isso, hum equvoco quando, em certos filmes, um homem que diminui atficar do tamanho de um.polegar continua falando com a mesma vozgrave, quando deveria, na verdade, passar a falar com voz finssima,agudssima, como no correto final de A mosca da cabea branca(The Fly, EUA, 1958), filme de Kurt Newmann.

    Tambm no desenho de imaginao ocorre a base da notaoanalgica: a analogia entre as inflexes da altura e a asceno edesceno dos signos grficos. Nos desenhos de imaginao, estacaracterstica diastemtica est referenciada a elementos visuaiscom variaes topogrficas ou com movimentos ondulatrios: es-cada, escorregador, montanha, subida e queda, cobra, onda, tobo-g, montanha russa, etc.

    A ttulo de exemplo, notem-se na pgina seguinte uma sriede grafias feitas a partir de um assobio em glissando descendente(som contnuo em direo ao grave):

    ..JP. .

    .~--_....~_.o

  • 166 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    As razes para esta analogia j foram aventadas no captulosobre as grafias analgicas; trata-se, agora, de observarmos anali-ticamerite o desnvolvimento desta grafia no mbito das alturas,sua importncia'no desenvolvimento musical da criana e suas re-ferncias histricas.

    Na histria da msica, a evoluo deste tipo de notao per-correu trs etapas: primeiro a notao ecfontica, caracterizadapelo uso com fins musicais dos acentos criados pelo gramticoalexandrino Aristophane de Bizncio (sculo III a.C).? Os acentosforam o ponto de partida para todas as notaes orientais que seconhecem, exceo da do Islam; assim que as notaesecfonticas armnia, hebraica, sria, etope, egpcia, e outras oraindecifrves, derivam destes signos prosdicos bizantinos.

    Notao ecfontica: paleobizntina - sc. X

    A segunda etapa se caracteriza pela notao neumtica (s-culo IX), que teria sofrido influncia da notao ecfontica e tam-bm da prtica da quironomia, que consistia em acompanhar asvariaes meldicas do canto com um cdigo gestuaI.

    sc. IX

    Largamente utilizados no canto gregoriano, os neumas so,pois, signos que indicam a direo do contorno meldico, sem noentanto determinar a altura exata e a durao dos sons. Em funo

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1/2: 149-183 maio/nov. 1996 167

    destas deficincias, os neumas sero acrescidos de outros signos,como os da notao alfabtica, no sentido de precisar as alturas eos intervalos. Mas uma transformao mais radical estava por vir;o aparecimento da notao diastemtica iria dar o tom da notaotradicional. Numa terceira etapa, ento, aparece a notaodiastemtica. Ela se caracteriza pela colocao dos neumas maisacima ou mais abaixo, para representar as oscilaes meldicas.

    t'" ", r''~ j/ .,~ ., ." ",' r->> 'ti::1- :;" .. ~ :r'

    GGH ~----oL ~(9 \.I,~ll{W-- - do 1MnL4-c;sc. Xl

    So inmeros os exemplos de notao neumtica ediastemtica das crianas. A descoberta deste gnero de escritamusical lhes possibilita uma manipulao mais gil do som, sejana composio, seja na percepo, seja na leitura. Sua compreen-so visual quase imediata e, por suas analogias motivadas e porsua conciso, torna mais evidentes os contornos meldicos. Nacomposio de canes, a notao analgica neumtica vem subs-tituir uma pictografia, que se limitava a representar,pleonasticamente, os contedos do texto. Como instrumento paracomposio de canes, ela ser muito til; seus sigrros, como nanotao ecfontica e na neumtica, colocados sob ou sobre asslabas, ou ao lado dos versos, recordam o perfil bsico da melo-dia, orientam a criana no malabarismo de se equilibrar a melodiano texto e o texto na melodia". As entonaes microtonais, tpi-cas das frmulas meldicas antigas e vivas no oriente e na msi-cas de certas naes indgenas, so tpicas da melopia infantilque ora descrevemos. Qual bardos, trovadores e aedos, as crian-as criam tanto canes tonais, afinadas, quanto simulacros me-ldicos, como o sprachgesang de Schenberg. Chamaram-na

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

  • 168 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    msica "cantalada" (cantada + falada). Observe-se um manus-crito:

    ...~:;l~~~ __.

    ___~:!;=_!_:C'~'~'_'-::n,r-=L ~ ~ J. _...-.. - ...__.

    ~~._.~~

    .......h~/)1M,.Ln..a1~J._." .. .,~

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 169

    ';>Al\.ilT()IA 1M i-.\ni IA!..r- I-- - ._~-- -=-J-- ,._. -_.- .-'a L~ 1-- o :. : .~

    --" f- fi :f_ i....-- -,.-- - i ,w.~ .- I-- -._._. -;-;--- -- I

    ~II.! - O Iiot o - --

    ~.-b -. #a - - o ;D - .1

    passam e ser boxes de alturas, tal como no pentagrama, mas utili-zando apenas os espaos:

    !rIl ---. -f\E -0 , -. -~i - - -u~ - ,.sa.. ; FJII 01\ r - .e: - po - -

    Aps a experincia da leitura, extremamente dificultada pelogrande nmero de garrafas e pela ausncia de linhas verticaissinalizadoras das imbricaes de tempo, as crianas sugeriram: "Agente est registrando s nos espaos; por que no registramostambm nas linhas? Assim a partitura ficaria menor e mais fcil deler (!)" Nem precisava de tanto; o momento de introduzir a nota-o tradicional j era chegado, mas... assim!? Estava escrito emletras garrafais: reinventaram a pauta musical.

  • 170 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2:149-183 maio/novo 1996

    -

    --- --

    Hexagrama das garrafas'

    o segundo desenvolvimento da notao analgica das crian-as se deu a partir da construo do conceito de altura, articuladonas descries do som. Vejamos como ocorreu: na descrio dasalturas, as crianas de at 6-7 anos limitam-se a descrever apenasuma das relaes em jogo: " fino (agudo)", " grosso (grave)";no descrevem, portanto, as transformaes que ocorrem no som.Mas a experincia com sons e msicas logo ir articular na crianauma conceituao, se no mais precisa, ao menos mais dinmica.A percepo de uma frase meldica, por exemplo, no possvelpor estados estanques, mas supe uma audio global para ainteriorizao das relaes intervalares. Se Piaget chamou a estapercepo de coordenao num sistema total", tambm se podecham-Ia de uma percepo gestltica, na medida em que s sepode chegar compreenso de suas partes atravs da percepcoglobal da melodia e de sua estrutura. A bem da verdade, essa com-preenso interna da msica muito mais completa do que aquiloque a linguagem da criana consegue descrever num primeiro mo-mento. A evoluo desta linguagem, ou seja, da conscincia dosconceitos, dar-se- na medida da evoluo da prtica musical e danotao. Neste sentido, o conceito de altura do som evolui para acompreenso de suas relaes e das transformaes; a criana,ento, consegue perceber as transformaes ("o som subiu", " ...fi-cou agudo") e as relaes (" ... mais grave", "o outro mais fino"),possibilitando a seriao do som em diferentes alturas, desde o

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBaloa criana percebe mas nem sepre est pronta para flar o que se percebeu. Ento precisa tornar os conceitos consciente, e isso pode se dar atravs da leitira!!!!!

    Ana LiaMarcador de texto

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.ll2: 149-183 maio/novo 1996 171

    mais grave at o mais agudo. Nas primeiras seriaes de alturas, acriana define o grave, o mdio e o agudo.

    Tal conceituao da altura resultar em dois tipos de elemen-tos grficos: uma notao alfabtica e uma diastemtica. Esta l-tima, oriunda da diviso do campo da altura em trs regies (agu-do, mdio e grave), expressa-se na constituio de um diagramade trs linhas precedido de uma clave composta dos signos "a","m" e "g". Eis a inveno, nas verses de duas turmas:

    __-A

    Rodrigo, 10 Fernanda,9

    o aparecimento das linhas na notao analgica (o trigrama)confirma sua caracterstica diastemtica e define, no tabuleiro dasalturas, referncias genricas (a clave "a", "m", "g") para a articu-lao dos sons, quase to genricas quanto as da notao medievalquando do aparecimento da primeira linha:

    "( ...) Desde o sculo XI, encontramos manuscritos munidosde uma linha traada, freqentemente colorida de vermelho,particularmente na Itlia. A partir do sculo XII, acrescenta-ram-se uma linha amarela e tambm uma linha verde. No in-cio da linha vermelha, era comum colocar-se a letra "F" (fa) ena cabeceira da linha amarela ou verde a letra "c" (do). (. ..) Onmero de linhas variou por muito tempo, oscilando (princi-palmente) entre uma e sete". II

    As claves, as linhas e as cores definiam, assim, as refernciasda alturas. Uma observao de Guy d' Arezzo nos faz reconhecersua utilidade para a prtica musical:

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalodalcroze: utilizao das linhas grave, medio, agudo

  • 172 Revista Msica, So Paulo, v.7, 11.112:149-183 maio/novo 1996

    "( ...) porque, mesmo se a localizao de cada neuma per-feita, ela no tem nenhuma significao e permanece sem va-lor sem a adjuno das letras (claves) ou das cores. Empre-gam-se com efeito duas cores, o amarelo (aafro) e o verme-lho, cores por meio das quais eu lhe forneo regras muitoteis" .12

    Aps algum tempo de uso do trigrama, as crianas, ento com9 anos, defrontaram-se com o desafio de utiliz-Io no registro decomposies para flauta doce. Notem-se atentamente alguns ma-nuscritos resultantes:

    FI ...--------

    /V1 '1-------2 ~-.-.~...,..--=-.-...t..-,.........--G J--.o. ..OL--""OL--'-O~Or-_

    Ditado no trigrama

    Como se v, os sons, antes registrados unicamente nas linhas,passam a ocupar tambm os espaos. Esta mudana se decorre dofato de que a flauta recorta o contnuo das alturas em muitas notas,tornando as referncias grave, mdio e agudo insuficientes parasua representao. A propsito disso, leia-se uma crnica de 986,em que um abade de Corbie comenta uma passagem de outro cro-nista, do monastrio de Paris:

    "( ...) Nesta poca, introduziu-se em nosso monastrio umanova maneira de cantar, por meio de curvaturas e de signosseparados por linhas e espaos; este sistema permite transcre-ver os sons de maneira um pouco mais precisa que antes;pois no existia linha alguma' nos antifonrios e nos graduaisde nossa igreja?".

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.l/2: 149-183 maio/novo 1996 173

    Mas h um outro desdobramento do trigrama das crianas:

    Z Ricardo, 10

    :1S~C==; 1rr-z.-=- .....----------------l

    Al, 10

    Na busca de uma pauta adequada representao de umavariedade maior de alturas, linhas suplementares so acrescenta-das ao trigrama . Mais uma vez, a pauta reinventada. 14 E as claves,.antes genericamente definidas por "a" ,"m" e "g", agora so defini-das por notas, tais como as claves tradicionais, inicialmente numaescolha arbitrria de cada criana compositora.

    Assim, com os diagramas raiados para a representao dasalturas, a notao analogica se depura e se torna precisa. Em-bora as crianas tenham dado ainda outras solues grficaspara a questo das alturas precisas e recortadas do contnuo,estas que foram apresentadas parecem ser representativas, nosentido em que no s mostram a construo gradativa de con-ceitos musicais, mas tambm se aproximam das solues histo-ricamente definidas.

    Se a exemplo da chamada ciso do Oriente, onde at hoje soutilizados os neumas sem linhas, houve certos grupos de crianasque no chegaram aos diagramas, a aquisio do conceito de altu-ra definida foi desenvolvida e garantida por outros meios.

    Ana LiaMarcador de texto

  • 174 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1/2: 149-183 maio/novo 1996

    3. O TIMBRE: cor e textura

    Felipe, 8 (O timbre do rudo da guitarra:)

    um forte ndice de rudo, a textura grfica resultante de umtraado tipo "dente de serra", tal como no ltimo exemplo. A con-cepo deste tipo de grafia ocorre tanto a partir de uma imitaomatara - em que os movimentos gestuais de um violonista, porexemplo, a friccionar rapidamente as cordas com suas unhas, mo-tivam a criana a realizar o mesmo movimento na produo dagrafia - quanto a partir de uma imitao sonora mesmo - pois osom do lpis friccionando rapidamente o papel produz, alm da taltextura grfica, tambm um rudo. Este um dos primeiros tiposde grafia analgica que a criana produz, e o faz com certa facili-dade; ela pode mesmo identificar, a partir desta grafia dada, suaspossveis fontes sonoras, mostrando que, alm da imitao matarae da imitao sonora, isto , alm da percepo, a criana se utilizadafuno semitica para relacionar som e grafia. Neste sentido,observemos as hipteses das crianas:

    Pergunta: "Adivinhe que bicho faz este som:

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 175

    Respostas de cento e dez crianas de 7 a 9 anos:

    Felino chiando (pantera, lince,jaguatirica, ona, tigre, leo-pardo e leo) - 55 respostas

    Mosquito zumbindo - 25 respostasCarneiro balindo - 15 respostasCascavel com seu guizo -10 respostasGrilo cricrilando - 5 respostas

    Como se v, no timbre vive tambm o rudo, o enfant terribleda msica, a "orelha" negra da famlia. Na Grcia antiga, o rudoera s vezes idolatrado: a cigarra, em funo de seu belo rudo, eraadorada pelos gregos que a consagravam a Apoio. J na IdadeMdia, desempregado, o rudo vivia nas ruas com a msica profa-na, principalmente nos instrumentos; hoje, mesmo inserido na m-sica erudita, desde Varse, Bartk e Stravinsky, ainda se sentemais - vontade na msica popular, em especial no rock, onde foilevado s ltimas conseqncias no grito primal do Blues e do Rocke na "harpa farpada" de Jimmi Hendrix."

    No possvel falar de timbre sem falar dos instrumentosmusicais, j que estes so a prova mais contundente do desejo dohomem de buscar sempre novos timbres para sua paleta musical.As cordas, as percusses, os sopros se dividem em outras catego-rias em face a essa diversidade. Ainda hoje, quando parece quetudo j foi inventado, h uma infinita gama de timbres sendo pro-duzida. No trabalho com as crianas, os timbres tambm so bus-cados alm das fronteiras dos timbres dados: samos ao aberto caa de novas sonoridades e tambm construmos timbres ima-gem de instrumentos imaginados.

    A notao musical para os instrumentos teve, ao longo dahistria da msica, caracersticas e sistemas prprios e particula-res que a diferenciavam da notao eminentemente vocal. NaGrcia, as primeiras tentativas de notao musical para instru-mentos, no caso para o aulas, instrumento de sopro, se atribuem

  • 176 Revista Msica, So Paulo, v.7, n. Jl2: 149-183 maio/novo 1996

    a Polymnesto de Colofn no sc. VII a.C.16 Se no incio os ins-trumentos eram subordinados voz e ao acompanhamento docanto, a arte de tanger a ctara progrediu consideravelmente comThmyris, de quem se disse que "se atreveu a toc-Ia indepen-dentemente da VOZ"l7. Se este pequeno esboo histrico traz luz a idia de uma notao especial para o instrumento, esta nose d -tanto em funo do timbre diferenciado de seu material,mas porque sua mecnica e sua digitao deveriam ser muito maisdetalhadas do que, no incio, os melismas da voz, que aconteceminternamente ao homem e que seriam conduzidos mais por umaintuio. A externalidade do instrumento, que tem graduaesdesde o sopro at a percusso, foi responsvel por avanos nanotao; sua contribuio s no foi maior porque, durante qua-se toda a Idade Mdia, esteve excludo dos cultos onde a msicae a notao se desenvolviam.

    Diferentemente das outras caractersticas do som, altura e in-tensidade, e mesmo da prpria durao, o timbre no acontecenum contnuo e no se compreende por uma seriao (como maisou menos grave - na altura -, mais ou menos forte - na intensidade-, mais ou menos longo - na durao); ele se caracteriza na verda-de por sons discretos formados, semelhana das cores, pela com-posio reticular de harmnicos. O que se pode dizer que ostimbres so regidos por infinitos contnuos discretos: mais ou me-nos "escuro", mais ou menos "metlico", mais ou menos "rouco",mais ou menos "abafado", etc. s crianas interessa como conse-guir um determinado timbre, ou melhor, como atingir e conservaralguns destes contnuos. Da prtica elas chegam a duas hiptesescomplementares: que o timbre se consegue pelo material snico(fonte sonora) e pela maneira de acion-lo (o homem e a tcnica).Assim como se costuma emprestar ao timbre o termo "cor"("Klangfarbe", ou seja, cor do som), referenciado ao material dafonte sonora, assim tambm se pode emprestar o termo "textura",referenciado ao resultado sonoro da tcnica de acionamento e aosom no tempo.

  • Revista Msica. So Paulo. \'.7. n.I/2: 149-183 maio/novo 1996 177

    l'\.. \. i'I" . JFbio, 10

    (desenho da fonte sonora - vidro)Rodrigo , 7 (desenho de imaginao:Webern e sua Klangenfarbenmelodie -

    "melodia de timbres")

    Se o timbre pode ser entendido concretamente como a di-menso do som que resulta da matria fisica colocada em vibraoe da forma como esta vibrao foi provocada, resta ainda sua con-dio interna, sua retcula, como dissemos, que so combinaesde micro-alturas: os chamados harmnicos. O timbre , pois, oresultado de somatrios, de misturas qumicas; da a ntida sensa-o de se "ouvir" nos timbres as cores e seus matizes, e por issoque Klee via msica nas transparncias da aquarela.

    Se essa idia de um timbre visual no resultou em notaona histria da msica, j na grafia das crianas aconteceu o con-trrio. Uma abundncia de relaes visuais e plsticas se d noprocesso de codificao dos sons. Imagens, cores e texturas: sig-nos motivados; formas geomtricas e diagramticas: signos mo-tivados e signos arbitrrios. Como exemplos, tem-se uma cole-o dos signos geomtricos mais utilizados, emblemas dadiferena:

  • 178 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.I/2:149-183 maio/novo 1996

    00 c: 0 1l!IIIIIc:::J O t>"

    + ,I,. V@@)Q @ X .:O~ o c, ...

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 179

    Concluso

    Se na percepo dos sons e no contato com os mtodosgrficos dos colegas que as escolhas grficas se iniciam, ser tam-bm nas composies musicais feitas em pequenos grupos, e cole-tivamente, que essas escolhas tomaro impulso definitivo, pela ne-cessidade premente de um repertrio comum para a criao musi-cal; , pois, o processo de composio que articula e estrutura amultiplicidade das manifestaes musicais. Assim, as escolhas gr-ficas, no incio setorizadas, formam pequenos "dialetos"semiogrficos: um grupo faz msica em quadrinhos desenhados,outro faz roteiro descritivo, outro usa notao analgica e um ou-tro usa notao mista. A capacidade da criana em estabelecer con-venes e regras, notadamente a partir dos 7 anos de idade, possi-bilita que, com a socializao crescente das solues grficas paraos sons, a sistematizao avance at uma conveno coletiva. Talprocesso depende da evoluo da prtica musical como um todo.

    Por esta razo, a notao nunca est definitivamente prontaenquanto cdigo. Ela se transforma em adaptaes constantes sdemandas da composio, da percepo, da prtica musical e dacompreenso e construo de conceitos; ela se transforma tambmem funo das demandas histricas e sociais de cada grupo, sejaquelas relativas faixa etria ou poca histrica, seja s relativas sua cultura ou modo de produo. a evoluo coordenada des-tes fatores que permite a articulao dos possveis em necessri-os, ou seja, que a experincia se torne sistema; pois, se nunca hum cdigo pronto mas sim cdigos em movimento, percebe-se, aomesmo tempo, uma ntida direcionalidade no processo de aprendi-zagem, um desenvolvimento convergente da notao dos diferen-tes grupos e geraes de crianas que.participaram deste trabalho,desde a pluralidade at um sistema tpico.

    A passagem de uma msica simblica e referenciada a seusdados visuais - fonte sonora e imaginao - para uma msica ldica,referenciada aos prprios sons emjogo, tambm ntida nas grafias:no incio com predomnio da pictografia e do uso da linguagem,

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBaloa criana de 7 anos

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

  • 180 Revista Msica, So Paulo, v.7, n.ll2: 149-183 maio/novo 1996

    evolui para um predomnio da notao plstica e analgica. Estaevoluo nem sempre linear ou em bloco; a propsito disso, com-parem-se os resultados de um ditado sonoro nos quais se perce-bem diferentes etapas da grafia ocorrendo paralelamente. O dictanteproduziu a seguinte seqncia de sons: uma batida, um silncio,trs batidas, 11msilncio, um assobio descendente em glissando e,finalmente, uma batida mais forte que as anteriores.

    i--4.1.----1foit

    ~ "''' /,--'b----Claudio,8

    Jetra,8

    I li 1/1.

    Nina, 8

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149183 maio/novo 1996 181

    A pictografia e a linguagem iro inserir-se na notao analgicaenquanto signos acessrios ou auxiliares. Na verdade, desde o in-cio que se delineia uma notao mista: inteligentemente, as crian-as experimentam diferentes encaixes funcionais entre os tipos designo, buscando um encaixe ideal; nestes encaixes, ora predominaum tipo, ora outro, at que os signos analgicos sejam escolhidos.A mobilidade dos signos analgicos na representao do tempo edos parmetros do som e a possibilidade de sua leitura sem media-o de abstraes - como nos desenhos da fonte sonora e nasdescries - determinam esta escolha; sua conciso e eficcia seevidencia para as crianas nos trabalhos de composio e nas leitu-ras constantes das performances.

    Combinada a elementos diagramticos, a notao analgicair atingir um alto desenvolvimento na representao das alturas;j na representao das intensidades, a notao analgica ir, comsimplicidade comparvel da notao ocidental da primeira meta-de do sculo XIX, chegar a resultados suficientes para uma leiturasatisfatria; enquanto que na representao do timbre, ser comas cores, texturas e com os signos analgicos fechados (ou geom-tricos) que a notao das crianas ir, sem atingir um aprimora-mento em termos de alta preciso, ao menos colecionar uma enor-me gama de elementos grficos.

    Estas escolhas no chegam, no incio, a se constituir comocdigo, mas muito mais como mtodo. Assim, a evoluo grfico-musical da criana se cadencia em uma sucesso de estados emtransformao: com variados mtodos de grafar e, antes, de imagi-nar o som, a criana modula-os sua vontade e de acordo com seudesenvolvimento cognitivo. Em uma palavra, a produo de grafiasa constitui um instrumento epistmico de importncia consider-vel no processo de construo do conhecimento.

    NOTAS

    1. Cabe aqui esclarecer que o termo "notao musical" no deriva direta-mente do termo "nota musical", mas sim de uma "nota" genrica, que

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaMarcador de texto

    Ana LiaBalopq permitir que a criana chega a sua propria notao

  • 182 Revista Msica, So Paulo, v.7, n. )/2:149183 maio/novo 1996

    tem sua raiz na nota, do latim, que significa "sinal grfico de apoiomnsico", que deu notatio, que significa "sistema de sinais grficosconvencionados (signos)". Portanto, quando falamos aqui em notaomusical, estamos nos referindo a uma notao musical no sentido lato, eno notao ortocrnica ocidental, chamada notao tradicional, uni-versal e, muitas vezes, no sentido estrito, musical.

    2. Piaget diferencia e define smbolo e signo em seu La Naissance deI 'inteligence chez I 'enfant (Neuchtel, Delachaux & NiestI, 1959, p.70), onde diz "smbolo e signo no so seno os dois plos, individual esocial, de uma mesma elaborao de significaes".

    3. Ley Semyohovich VYGOTSKY, A Formao Social da Mente, 3a ed.,So Paulo, Martins Fontes, 1989, p. 119.

    4. Jean PIAGET, Psicologia da Criana. So Paulo, Difel, 1982. p. 52.5. Frederick DORIAN, Histria de Ia Msica a travs de su ejecucin,

    Buenos Aires, Editorial Schapire, 1950. p. 143.6. At o sculo dezoito, o eco era uma lei no escrita da interpretao da

    dinmica, de modo que todas as frases repetidas eram executadas habitu-almente piano.

    7. Armand MACHABEY, La Notation Musicale, Paris, Universitaires deFrance, 1952, pp. 27-29.

    8. Luiz TATIT, O Cancionista - Composio de Canes no Brasil, SoPaulo, Edusp, 1986. p. 9.

    9. Sobre a quantidade de linhas, Tappolet nos conta que o autor do clebretratado Musica enchiriadis empregou uma pauta com 18 linhas; Guyd' Arezzo se limitou a quatro, mas utilizou tambm os espaos; OswaldKoller publicou uma composio com 15 linhas azuis e 9 vermelhas,total: 24 linhas; Bellerman empregou 10 linhas e utilizou seus espaos.Desde o incio do sculo XIII, os espanhis fizeram uso da pauta de cincolinhas, o pentagrama. Willy TAPPOLET, La Notation Musicale et soninjluence sur Ia Pratique de Ia Iv/usique du Moyen Age a nos Jours,Genve, A Ia Baconnire, 1947. p. 34

    10. PIAGET, O Desenvolvimento das Quantidades Fsicas na Criana, p.42.11. TAPPOLET, p. 33-34. Parntesis nosso.12. Idem, p. 35.13. Idem. p. 33.14. Com relao flauta e sua influncia neste processo, interessante

    notar que as primeiras notaes gregas, com Polymnasto de Colofn, atmeados do sculo VII a.C; e com Skadas, meio sculo mais tarde, ti-nham sua aplicao no aulos (flauta), sobretudo para imitar nele umamelodia vocal forasteira, o que torna compreensivel a eficcia da nota-o na qualidade de ajuda mnemotcnica. Em todo caso, o progresso danotao grega coincidiu com o auge da prtica do aulos em Atenas e com

  • Revista Msica, So Paulo, v.7, n.1I2: 149-183 maio/novo 1996 183

    a formulao de uma doutrina terica com Lasos de Henrique, que foi umauletista notvel. Conf. Adolfo SALAZAR, La Msica en Ia CulturaGriega - Teora y Prtica de Ia Msica a Travs de Ia Histria. Mxico,EI Colegio de Mexico, 1954, vol.I, p. 119.

    15. Jos Miguel WISNIK, O Som e o Sentido - uma outra histria das msi-cas, So Paulo, Companhia das Letras, 1989. p. 43.

    16. Idem, p. 41.17. Idem, p. 47.

    Pedro Paulo Salles professor do Departamento de Msica daECA-USP.