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MISSÃO ÉDEN

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Edgar Freitas estava voltando ao Brasil depois de uma longa viajem á trabalho pela Itália. Ele era apenas um homem comum, pai de família, quando uma terrível fatalidade mudou sua vida definitivamente. O voo 431 que partiu de Roma nunca chegou ao seu destino. Edgar deveria ter morrido, mas não era a sua hora, ainda não... No meio do oceano atlântico, um banco de areia deserto e misterioso era o único abrigo onde os sobreviventes da queda puderam buscar refugio enquanto aguardavam pelo socorro. Depois de vários dias à mingua, sem comer nem beber nada, já estavam à beira da morte quando foram resgatados. Ainda inconscientes e delirantes foram tirados das garras da morte, mas logo Edgar entendeu que não eram bombeiros nem militares, ou sequer homens que os salvaram. Criaturas de grandes olhos negros e corpos franzinos lhes devolveram as esperanças não por bondade, mas para tomar deles o que tinham de mais precioso... Depois de cinco anos de trabalho, o autor Giovani Benvenutti apr

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MISSÃO ÉDEN

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Giovani Benvenutti

MISSÃO ÉDEN ABDUÇÃO

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1ª edição

2014

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Dedico este livro a todos que acreditam que a vida pode ser mais do que simplesmente aquilo que está diante de nossos olhos, todos os que veem possibilidades fantásticas por trás das coisas comuns do cotidiano.

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AGRADECIMENTOS

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Muito obrigado à minha família e amigos, que sempre me encorajaram a persistir na busca por este meu sonho que se realiza com a publicação de Missão Éden. Em especial meu irmão Toni Ângelo Benvenutti, minha irmã Suelen Benvenutti,

todos os meus amigo que leram os manuscritos e contribuíram com suas sugestões, principalmente Fabiano, Luciana e Tânia. À Gisele de Assis que me ajudou e me apoiou, e também agradeço a meu amigo Edgar Bork de Freitas que inspirou o

protagonista.

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1 Tudo estava escuro. Deitado, Edgar mal podia ver ao seu redor, por que a pouca luz que havia vinha

de uma porta entreaberta no fundo da sala. Sua cabeça estava doendo, a boca extremamente seca e as dores por todo o seu corpo eram agonizantes. Ele quase não conseguia pensar, e sua exaustão física o impedia até de erguer as mãos.

Era difícil diferenciar lembranças e sonhos. Seu sono era profundo, mas ás vezes era simplesmente interrompido como quando se acorda assustado sem saber pelo o quê, sentindo apenas aquela sensação de que algo estava errado... ou para Edgar, muito errado!

Depois de acordar varias vezes naquele quarto escuro, onde nem sempre havia alguém ou uma luz sequer, ele tinha a impressão de que existia mais alguém dormindo ali, mas não estava disposto a chamar quem quer que fosse. O cansaço era demais até para falar, e ele adormecia novamente.

Uma das vezes em que acordou, Edgar lembrou-se de dias atrás, quando estava no aeroporto, e sua esposa Julia se despediu de longe, acenando junto com Evelin, a única filha do casal. Olhando de longe enquanto caminhava para a área de embarque, ele não queria tirar os olhos delas, pois sabia que vinte dias na Itália a trabalho era muito tempo longe de casa.

Edgar pediu água, chamou como pôde, baixinho, quase um sussurro, mas não teve resposta e depois de algum tempo, adormeceu novamente. Quando acordou a porta estava aberta, havia pessoas ali com ele, mas ainda estava escuro demais pra ver seus rostos. Ele pediu água novamente e antes mesmo de terminar de pronunciar a palavra “água”, já foi atendido. Ele não se importou com a prontidão, pois imaginou que já deviam ter presumido que estivesse com sede.

Edgar virou a cabeça para o lado e viu vários vultos escuros contra a luz da porta. Eles estavam na sua maioria, ao redor da cama ao lado, onde realmente havia outra pessoa. Aparentemente era um homem, mas Edgar não conseguia reconhecer quem era, nem se o conhecia ou não. Ele teve apenas a impressão de já ter visto aquele rosto antes.

Logo Edgar adormeceu e curiosamente sonhou com aquele homem desconhecido. No sonho eles estavam sentados lado a lado na areia da praia, não havia mais ninguém lá. Eles falavam sobre coisas da vida, frivolidades para passar o tempo, como se esperassem por algo importante que parecia nunca acontecer.

Edgar acordou novamente, desta vez não estava tão escuro, apesar de ainda ter uma iluminação muito fraca, ele podia ver com mais detalhes o lugar á sua volta. Não se parecia muito com um hospital. — Tudo bem. — pensou ele — O que eu estaria fazendo num hospital? — perguntava-se Edgar confuso, sua mente ainda não trabalhava bem, e as lembranças falhavam muito.

Olhando á sua volta, podia ver que estavam apenas ele e o outro homem na sala. O outro, também estava deitado e atordoado assim como ele, mas estava dormindo. Edgar tentou acordá-lo, mas nem conseguia se sentar na cama, menos ainda alcançá-lo.

Ao seu redor, ele só viu duas mesas com remédios e soro entre outras coisas que os “enfermeiros” tinham deixado por ali quando saíram. Edgar percebeu que estava vestindo uma roupa estranha, era branca,

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muito confortável e não tinha costuras. Mas naquele momento isso não interessava pra ele. Depois de relaxar o corpo novamente, ele adormeceu mais uma vez.

Noutro sonho estranho, dentro de um avião, Edgar conversava com um homem que estava na poltrona ao lado. O homem se apresentou com o nome de William Wagner. A comissária de bordo fez um comentário engraçado, achou que eles fossem irmãos por que se pareciam muito. Enquanto Edgar olhava a formosa moça se afastar, ouvia William comentando sobre sua vida. A cabeça de Edgar estava doendo muito. O sonho parou repentinamente.

Com dificuldade Edgar abriu os olhos e se assustou. Logo ao seu lado um homem alto de corpo muito magro, com braços longos, aparentemente nu, pálido, com um tom avermelhado em sua pele, estava de costas para ele e parecia injetar algo no braço esquerdo do outro paciente.

Finalmente ele percebeu que estava deitado numa maca, que não era exatamente como as que se veem por aí, ela era fixa e parecia muito com uma cama por ser notavelmente confortável, mas era muito alta para ser uma simples cama, tinha que ser uma maca de hospital.

O homem ao seu lado parecia muito mal. Ele era magro demais, como se tivesse ficado vários dias sem comer, e tinha escoriações nos braços, que eram a única parte do corpo dele que Edgar conseguia ver sem levantar a cabeça.

Seus braços também estavam muito queimados do sol assim como seu rosto, e seus cabelos estavam ralos. Quanto mais Edgar olhava para aquele homem estranho, mais tinha certeza de que já o encontrou em algum outro momento, só não lembrava ao certo quando.

Antes que pudesse sequer mover-se, Edgar sentiu uma agulha em seu braço, e um instante antes de adormecer, olhou para cima e viu um rosto pálido quase sem nariz, com grandes olhos negros e uma boca com lábios muito brancos. Aqueles olhos negros enormes foram a ultima coisa que ele viu antes de adormecer novamente.

Com um sono profundo e tranquilo, Edgar sonhou mais uma vez que estava conversando com aquele homem. Eles caminhavam pela praia olhando o mar, na água havia coisas boiando, pedaços e caixas afundavam lentamente.

De repente algo o acordou. Barulho, balbúrdia. Edgar entreabriu os olhos e viu muitos daqueles homens estranhos enchendo a sala, o homem da maca ao lado estava de pé, empurrando alguns deles com força contra as paredes enquanto tentava alcançar Edgar, que mal conseguia pensar. Ele gritou desesperado — Acorde Edgar, pelo amor de Deus acorde! — Mas Edgar mal conseguia abrir os olhos o suficiente para ver que, enquanto ele se virou para Edgar, alguém aplicou uma injeção no seu pescoço, ele tentou se manter de pé, resistiu o quanto pôde, mas desmaiou.

Edgar ouviu uma voz grave comentar com um tom baixo, que eles eram seres muito primitivos e inferiores, por isso eram tão violentos. Virando o rosto para o lado de onde vinham sussurros que comentavam sobre o seu corpo, ele viu vultos magros que pareciam estar se comparando com ele. Edgar desmaiou de novo.

Quando abriu os olhos, novamente foi para um teto brilhante, só agora ele notou que não havia lâmpadas ou luminárias, a luz simplesmente fluía do próprio teto. Com um frio de medo na barriga. Ele olhou em volta e encontrou o outro homem, deitado na maca ao lado.

Apesar de não ter nenhuma noção de quanto tempo já tinha se passado desde que acordou naquela sala ainda escura pela primeira vez, essa não era a maior preocupação de Edgar. Mais importante do que saber “quando” era saber “onde” ele estava.

Edgar se sentou na maca, assustado, viu que a roupa que estava usando, além de ser leve e confortável, era feita de um material estranho que tinha o toque parecido com o da própria pele humana, porém um pouco mais liso, leve e macio. Visivelmente não era um tecido, pois não havia fios, era simplesmente como uma segunda pele inteira, que vestia perfeitamente confortável no seu corpo.

O outro homem também acordou assustado e receoso sussurrou — Você também os viu não é? Eu os vi e até acho que briguei com eles, mas minha cabeça está me pregando peças há dias, e eu estava esperando que você confirmasse que não estou louco nem delirando. Por que tive a clara impressão de que não foi o resgate que nos tirou da areia. — temeroso e inseguro, ele completou ainda com sussurros — Nunca achei que algo assim fosse real, nunca achei que algo assim pudesse existir!

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As palavras daquele estranho só aumentavam a expectativa de Edgar, esta era a primeira vez que ambos estavam lúcidos e eles sabiam que aqueles homens com a aparência tão estranha não eram do resgate, e como estavam vendo as mesmas coisas, não podiam estar delirando. Edgar estava tenso. Sua memória não respondia bem. Ele tinha um corte na perna esquerda que parecia ter infeccionado. O outro falou sobre a areia. Edgar lembrou-se de ter sonhado que eles estavam na praia.

Preocupado, Edgar se perguntava — Se o resgate não nos encontrou, se ninguém veio em nosso socorro, então onde estamos? Quem nos salvou? — Essas eram as perguntas mais importantes, e mais difíceis de responder. Logo o outro homem que estava ali com Edgar lhe contou como eles se conheceram. E enquanto Douglas, falava, Edgar remontava em sua mente as imagens confusas sobre o que havia acontecido a eles e como chegaram até ali.

Edgar lembrou que estava submerso, quando soltou o cinto da poltrona do avião, nadou o mais rápido que pôde para cima vendo os destroços afundarem à sua volta. Ele só pensava em subir para respirar, pois tudo foi muito rápido e ele não teve tempo para usar a máscara de oxigênio.

Estava sem fôlego, sentindo a agonia cercá-lo com rapidez, ele se esforçava ao máximo para não se desesperar enquanto nadava para cima entre destroços borbulhantes e pessoas mortas. Cercado pela escuridão do mar, sentia que toda a sua esperança de viver era alimentada apenas pela fraca luz do pôr do sol que brilhava sobre a água cintilante.

Chegando à superfície Edgar viu que ainda estava claro á luz do sol quase poente. Ele viu muitos destroços á sua volta boiando no mar avermelhado pelo crepúsculo, ou pelo sangue dos mortos. Havia pedaços da fuselagem, bancos e malas por toda parte.

Olhando à sua volta ele percebeu que não muito longe dali havia um banco de areia em alto mar. Ele nadou em direção á terra que naquele momento, mais parecia um pequeno bocado de esperança em meio ao caos, como a providência Divina na tormenta. Edgar achou que talvez Deus o amasse mais do que ele poderia acreditar.

O sol quase se pondo deixou ainda mais vermelho o mar sangrado pelas vitimas daquela tragédia. Logo alguns corpos soltos apareceram entre os destroços e Edgar apesar de se sentir exausto, nadou de volta para tentar ajudar alguém que com sorte estivesse vivo.

Foi quando viu entre os destroços algo se mover, e na tentativa desesperada de salvar ao menos uma vida além da sua própria, ele nadou o mais rápido que pôde. Edgar se agarrou á uma poltrona que estava flutuando por ali, e viu que realmente o sujeito ainda estava vivo, apesar de estar desorientado.

Ele o pôs sobre um dos ombros e o levou, com dificuldade, ainda tossindo e atordoado, até a areia onde o deitou. Logo checou se o seu pulso parecia forte, vendo que o outro ficaria bem, Edgar o deixou ali e se afastou um pouco para olhar em volta á procura de mais alguém. Naquele momento, satisfeito com sigo mesmo, Edgar deu um leve sorriso, discreto, e soltou um suspiro mais aliviado.

Finalmente Edgar entendeu como conheceu aquele homem. Ficou feliz de saber que salvou a vida de alguém. Aparentemente a memória de Douglas não estava tão confusa quanto a de Edgar. Douglas ainda disse que eles tinham passado vários dias naquele banco de areia e que eles ficaram lá, morrendo à míngua sem comida, bebida ou abrigo. Até mesmo o sol já os castigava.

Mas a maior preocupação deles, agora, era descobrir o que estava acontecendo, onde estavam, e quem os salvou. Ainda que estivessem nervosos e temendo por suas vidas, de repente eles sentiram um cansaço tão forte que adormeceram imediatamente.

O sono pesado e inquieto de Edgar parecia não se sustentar, e frequentemente ele acordava. Quando dormia, mais parecia um cochilo em algum lugar inquietante, sempre que acordava, Edgar se virava, mexia e desvirava, até adormecer novamente. Depois de mais algum tempo assim, Edgar acordou subitamente, mais assustado do que normal, teve uma sensação estranha como se alguém gritasse seu nome sem parar.

Ele se levantou na cama e viu que Douglas também acordou com a mesma sensação. Eles mal tiveram tempo de se perguntar o que houve antes que um ruído leve, deslizante, chamasse sua atenção. Olhando para o mesmo lado, viram que na parede metálica se abriu uma porta, pela qual entraram duas mulheres. Edgar arregalou os olhos assustado assim como Douglas que se levantou incrédulo — Mãe? O que você está fazendo aqui? Você trouxe o resgate?

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Edgar logo caminhou até a outra mulher, que parecia ser Julia, sua esposa. Mas quando tentou abraçá-la percebeu que era uma ilusão. Então ele se afastou assustado, caminhando para trás até a segurança da cama onde estava antes.

Ao ver o que houve com Edgar, que estava perplexo atrás da cama, Douglas tentou tocar o rosto de sua mãe, mas não conseguiu e recuou se juntando à Edgar. Como poderia ser possível? Como ambos poderiam estar diante da mesma alucinação?

Então Julia com um olhar terno e amoroso, vendo que eles estavam se pondo para trás, agindo pelo puro instinto de autopreservação ao deixarem as camas entre eles, chamou por seu marido — Edgar meu amor, sei que você gostaria de me tocar, mas receio que isso não seja possível. Eu vim aqui para te pedir algo muito importante, que preciso muito que você faça por nós...

— E você Douglas, meu filho querido, também deve ouvir isto, por que só podemos contar com a ajuda de vocês. — disse Marta, mãe de Douglas — Ninguém mais pode nos ajudar assim.

Edgar e Douglas, que mal podiam ficar de pé, assustados e temerosos, logo interromperam incrédulos questionando — Como poderíamos ajudar vocês se mal podemos nos manter de pé?

E Julia esclareceu — Não se preocupem, repousem, recuperem-se, faremos tudo que for preciso para ajudá-los para que no tempo certo, vocês nos ajudem como precisamos ser ajudados.

As palavras confusas de Julia pareciam não ter muito sentido naquele momento. Edgar não compreendeu o que ela quis dizer com “como precisamos ser ajudados”, mas isso pouco importava, pois elas ofereciam cuidados médicos e tudo que fosse preciso para garantir a recuperação de Edgar e Douglas, e isso era fundamental pra eles naquele momento.

Enquanto Edgar tentava entender o que ela queria dizer, sentiu novamente um sono terrivelmente forte, como já havia acontecido a pouco. Seus olhos pesaram e ele sem perceber se deitou na maca. Logo Edgar estranhou, pois havia acabado de acordar e por mais desnutrido e cansado que estivesse, não podia ser normal sentir um sono tão intenso apenas alguns minutos depois de acordar. Ele notou que curiosamente Douglas também se deitou em sua maca. Mesmo contra sua vontade Edgar adormeceu por horas novamente.

Em um breve momento de lucidez, ele viu aquelas pessoas estranhas, que eram tão magras e altas, com a pele tão clara e tinham cabeças tão grandes para a largura dos ombros que nem pareciam serem reais. A sala estava mal iluminada, talvez fosse para não acordá-los. Edgar sentiu algo estranho em seu braço, quando ergueu a cabeça, viu que estavam recebendo um soro escuro direto em suas veias, nos dois braços. Ele ficou assustado, mas logo um daqueles homens estranhos se virou para ele. Seus olhos enormes eram muito escuros, como se não tivesse a parte branca do olho, eram simplesmente escuros por inteiro.

Noutro momento, quando acordou, Edgar estava mergulhado em um liquido azul. Seu corpo estava nu e ele respirava através de tubos de oxigênio. — O que houve? — Edgar não conseguia entender. Ele estava na maca com tubos em suas veias e de repente estava em outro lugar. A última coisa que aconteceu antes de acordar ali, foi aquele homem com olhos negros ter visto que ele acordara.

Edgar não estava se sentindo bem com aquela situação. Parecia muito claro que sua mente estava sendo influenciada de alguma forma. Talvez estivessem sendo drogados enquanto dormiam. Quando ele resistiu ao sono que lhe foi imposto, simplesmente o apagaram, e quando acordou estava em outro lugar sem ter a menor idéia de quanto tempo havia se passado.

Enquanto Edgar estava flutuando naquele tanque cheio do liquido misterioso, Douglas estava no tanque ao lado. Ele podia ver que fora dos tanques, estavam três homens observando-os. Edgar olhou bem para eles. Agora que podia vê-los de corpo inteiro, mesmo através do liquido azul, era nítido que eles não eram tão perecidos com homens quando ele tinha pensado inicialmente.

Edgar notou que eles tinham apenas quatro dedos nas mãos, sendo um deles o polegar. E a altura deles parecia ser de pelo menos dois metros, mesmo eles sendo tão magros. As proporções físicas deles eram desiguais das de um ser humano, e o lugar fora daqueles tanques não era um hospital nem nada parecido.

Lá no fundo Edgar já estava entendendo que lugar era aquele, por mais aterrorizante que pudesse ser aquela idéia, por pior que fosse aquela situação, ele já não tinha motivos para acreditar na sorte. Novamente um deles notou que Edgar estava acordado e o encarou, aqueles olhos enormes, mesmo de longe podia-se notar, eram muito negros.

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Edgar acordou novamente na sua maca. Com a mesma roupa branca de antes. Ele percebeu que as escoriações que tinha pelo corpo tinham desaparecido quase que completamente, e sua pele já não tinha marcas de queimaduras de sol além de estar extremamente limpa.

Douglas estava dormindo, enquanto Edgar examinava suas roupas, tentava entender o que havia acontecido. Foi tudo tão rápido que ele mal conseguia distinguir se aquele mergulho no tanque tinha realmente acontecido ou se foi outra alucinação.

Para Edgar, diferenciar a realidade e as alucinações ainda era muito difícil, não á toa. Ele mal lembrava o que tinha ocorrido depois que deixou sua família no aeroporto. Lembrava apenas trechos de uma possível tragédia da aviação, mas a maioria das memórias só aparecia quando Douglas o orientava e assim podia muito bem estar misturando a imaginação com suas lembranças.

A única forma de ter certeza de que era real ou não, seria lembrar-se de tudo sem a ajuda de ninguém. Mas até mesmo coisas recentes pareciam absurdas e irreais. Edgar logo concluiu que poderia estar em coma em algum hospital e não saberia a diferença entre um sonho longo demais e as coisas que estavam acontecendo a ele...

2

Enquanto Edgar tentava achar alguma orientação para sua mente confusa, novamente o som

deslizante chamou sua atenção. Ele olhou para a direção onde ele acreditava estar a porta, isso porque quando ela estava fechada, Edgar não conseguia identificar o lugar exato.

Ali, adentrando pela única porta que Edgar conhecia naquela sala, estava um dos homens “estranhos”, que assim como os outros, era muito alto e magro, com quase dois metros e vinte de altura. Sua pele extremamente clara tinha manchas esbranquiçadas e sua cabeça também era desproporcionalmente grande assim como seus enormes olhos negros. Edgar novamente percebeu que ele tinha quatro dedos nas mãos.

Enquanto Edgar o observava, percebeu que ele estendeu sua mão esquerda na direção de Douglas que repentinamente acordou assustado, exatamente como já havia acontecido com Edgar várias vezes, porém ele nunca tivesse tido certeza do quê ou quem o acordava.

Douglas se sentou na maca assim como Edgar, e o homem se aproximou até poucos metros deles. Por um instante houve um silêncio perturbador enquanto eles se encaravam sem saber o que viria a seguir. Edgar e Douglas estavam ali, sentados diante de um “homem” que reunia claramente muitas das características atribuídas á seres extraterrestres.

O “ser”, rompeu o silêncio, surpreendendo a ambos, ao falar perfeitamente a sua língua, o português. Ele se apresentou dizendo que seu nome era Z1U7U5, mas preferia ser chamado de Zuu. Edgar ficou tão perplexo que simplesmente não conseguiu sequer piscar os olhos.

Ele podia sentir seu corpo estremecer. O pavor que sentiu foi tão grande que se inclinou para trás tentando se afastar até que caiu da maca e foi de costas, caminhando até a parede onde ficou encurralado. Sem dizer nada, Edgar olhou para Douglas que estava ao seu lado tendo claramente a mesma reação, “pavor”, o Ser se manteve no mesmo lugar e iniciou calmamente um discurso perturbador. — Imagino que vocês já tenham se dado conta de que não somos iguais. Tudo o que precisam saber sobre mim, sobre nós — disse Zuu se corrigindo rapidamente — É que estamos aqui para ajudá-los a se recuperar das privações que sofreram naquele banco de areia onde estavam quando foram resgatados. Lamento ter que admitir, mas só os salvamos daquela morte terrível que teriam porque precisamos da sua ajuda. O modo como vocês nos ajudarão será explicado assim que vocês estiverem prontos para entender.

Logo o temor de Edgar começou a dar lugar á curiosidade. Mesmo não querendo acreditar em seus olhos, uma pergunta lhe veio á mente e ele não hesitou:

— Como assim nos salvaram no banco de areia? — Edgar não se lembrava de muita coisa dos últimos dias e ele ainda queria saber de que forma eles os salvaram e para sua surpresa, Zuu descreveu com

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perfeição algumas das memórias de Edgar, que então se recordou de quando estava caído no chão e um som suave chamou a sua atenção.

Estava claro, mas Edgar não sabia se o dia recém nascera ou se era o meio da tarde. Ele estava ainda mais atordoado do que no dia anterior e sua mente já não trabalhava nem respondia com precisão. Edgar percebera que Douglas parecia estar se movendo. Tentando olhar na direção do colega, viu que ele estava sendo puxado pelos braços.

Visivelmente Douglas estava desmaiado. E antes que Edgar reparasse na magreza de quem o carregava, sentiu que seus braços também foram pegos, e ele sem ao menos conseguir erguer a cabeça, viu apenas os braços pálidos, aparentemente esverdeados, que o erguiam e arrastavam pela areia.

Ele podia ver que havia varias outras pessoas ali, além das que os carregavam. Parecia que Edgar podia ouvir alguém dando ordens para quem os estava puxando pelo chão, mas ele não conseguiu entender o que estavam falando. Eles sussurravam uns para os outros tão rápido que ele mal podia ouvir.

Por um momento Edgar imaginou que seriam do resgate, mas logo entendeu que não poderiam ser, pois jamais seriam arrastados daquele jeito por homens treinados, pois ele não estava sendo levado de maca, aliás, Edgar nem viu maca alguma. E aqueles pés não pareciam usar calçados comuns, pois estavam aparentemente descalços, tinham os dedos cobertos por uma membrana e eram muito finos. Quando Edgar finalmente conseguiu levantar os olhos e olhar para frente, tudo o que viu foi uma porta brilhante aberta, mas não havia paredes à sua volta, apenas paisagem. Ele logo pensou estar delirando. E tudo ficou escuro, Edgar desmaiara.

Então, com a intenção de convencê-los em definitivo de que foram resgatados de uma morte certa, Zuu se dispôs a mostrar para Edgar e Douglas as imagens feitas deles agonizando na areia. Ambos concordaram imediatamente, mas antes de guiar os dois até o lugar onde poderiam ver as imagens, Zuu desapareceu diante de seus olhos e eles só então perceberam que a porta atrás dele não havia sido aberta e que tanto a imagem do ser chamado Zuu como também o som da porta abrindo eram ilusões.

Edgar e Douglas logo entenderam que Zuu não confiava neles o bastante para aparecer pessoalmente. Mas a desconfiança de Zuu, naquele momento, não importava. O som quase inaudível da porta se abrindo chamou novamente as atenções, e olhando para ela, Edgar e Douglas puderam encarar aquele ser perturbador face-a-face vendo que ele era realmente como na projeção que o precedeu.

Zuu imediatamente os convidou a segui-lo. Pela primeira vez em dias, Edgar e Douglas sairiam conscientes e caminhando daquela sala que já estava se tornando familiar para eles.

Cruzando a porta, os três encontraram um corredor que seguia para ambos os lados. Os corredores que vinham após a porta seguiam o mesmo padrão da sala onde estavam. Eles eram metálicos, como se fossem de aço escovado, a luz era irradiada do teto sem nenhuma lâmpada, eles podiam sentir a corrente de ar circulando mesmo não havendo janelas e as portas praticamente não podiam ser reconhecidas porque eram muito parecidas com as paredes.

Os corredores não eram realmente retos, quando saíram da sala em que estavam eles seguiram para esquerda e o caminho parecia estar sempre fazendo uma leve curva para a direita, constante, que era interrompida apenas por portas que deveriam ser de segurança, pois dividiam os corredores em secções.

Após alguns metros de caminhada, passando por duas divisões de secção, Zuu parou, se voltou para uma parede, que na verdade era outra porta que se abriu. Ele entrou na frente sendo seguido por Edgar e Douglas. Lá dentro, Zuu lhes apresentou o lugar que chamou de “Almoxarifado”.

Logo á direita, após a porta, estava uma grande tela metálica que ia de alguns centímetros do chão até quase o teto da sala, a largura era de aproximadamente cinco metros. Diante dela havia apenas uma mesa muito pequena, que parecia um púlpito.

Zuu pôs sua mão direita sobre o púlpito que tinha uma pequena área onde o metal era claramente mais liso, se destacando da aparência de metal escovado de todo o resto, pois era muito mais brilhante. Ao repousar sua mão sobre púlpito Zuu assumiu o controle do que seria uma espécie de computador.

A tela metálica se iluminou suavemente, e imagens disformes que se transformavam todo o tempo apareceram na tela. Essas imagens para Edgar lembravam o movimento da água em alto mar, que se move constantemente se transformando sem assumir forma alguma. Edgar percebeu que por um instante, Zuu

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baixou a cabeça, e imediatamente as formas irregulares na tela assumiram cores e se transformaram numa espécie de vídeo.

Diante dos olhos atentos de Edgar e Douglas as imagens de ambos sentados na areia apareceram. Eles estavam lá, exatamente como nas memórias confusas de Edgar, mas agora, estava claro como um filme na TV. Em plena luz do dia, Edgar e Douglas estavam sentados lado a lado, olhando o mar, sobre uma espécie de banco de areia.

A cabeça de Edgar foi a mil! Memórias, sonhos, tantas lembranças confusas vieram a sua mente que ele se sentiu tonto. Sua pressão baixou, ele pôs as mãos nos joelhos, respirou fundo e continuou olhando aquela enorme tela.

Depois de dias sem conseguir distinguir a realidade e a imaginação, Edgar se deparou com uma escolha difícil. De um lado, a negação, dizer a si mesmo que tudo aquilo era uma alucinação absurda e que a qualquer momento ele acordaria em uma cama de hospital rodeado por sua família, ou aceitar que a coisa mais improvável de todas aconteceu e ele foi abduzido por seres extraterrestres.

Logo Edgar concluiu que se tudo aquilo fosse uma ilusão, não haveria mal nenhum em acreditar nela antes de acordar, e que se tudo fosse real, negar seria inútil. Então decidiu pôr toda sua atenção no que lhe fosse mostrado e dito. Naquele momento ele tomou a decisão de fazer o melhor possível com aquilo que tivesse em suas mãos, apostando todas suas esperanças em encontrar alguma forma de sair de lá com vida!

Ao olhar as imagens que estavam diante de si, Edgar teve que se esforçar para conseguir assistir a si mesmo deitando-se na areia e agonizando, sem comida, sem bebida, largado ao sol sobre um pequeno banco de areia. Logo que Edgar e Douglas se deitaram na areia já sentindo o peso da privação, as imagens começaram a acelerar-se e ficava cada vez mais claro que a morte fechava seu cerco ao redor deles, a cada minuto que passava.

O movimento do sol no decorrer de cada dia parecia castigá-los impiedosamente. Sua pele estava ressecando e descamando, seus corpos emagreciam, seus cabelos ficavam ralos, e a cada vez que adormeciam demoravam mais e mais para recobrar a consciência.

Ao nono dia, as imagens reduziram a sua velocidade, e Edgar pôde ver com detalhes o seu corpo castigado pela privação, já aparentemente sem vida. Depois de quase o dia todo caído na areia sem se mover, até mesmo Edgar acreditou que a pessoa naquelas imagens estava morta. Mas como era ele mesmo quem estava lá, sabia que não poderia ser verdade.

Ficou claro que sem a intervenção dos “ETs” Edgar e Douglas estariam mortos já há dias. Logo Zuu explicou que foi por causa do altíssimo grau de debilitação dos dois que eles demoraram tantos dias para acordar ali dentro da nave, onde receberam muitos medicamentos e cuidados constantes para se recuperarem.

Para Edgar e Douglas, era muita informação de uma única vez, além de que eles ainda não conseguiam pensar com clareza durante muito tempo. Não conseguiam se concentrar muito bem. Edgar olhou á sua volta um pouco para tentar mudar seu foco, assim poderia recomeçar seu raciocínio novamente depois de uma breve pausa.

O que havia naquela sala o surpreendeu, pois se deparou com muitas prateleiras repletas de objetos de toda espécie. Alguns pareciam ser muito antigos, outros Edgar nunca tinha visto em sua vida. Enquanto ele observava aqueles objetos, Douglas se adiantou e foi até lá para examiná-los mais de perto.

Claro que Douglas ficou muito surpreso com a natureza variada dos objetos que encontrou. Havia espadas antigas, chapéus, armas de fogo, livros, pequenos espelhos, charutos, uma granada de mão e muitas outras coisas. Douglas chamou a atenção de Edgar para mostrar a maior surpresa que teve olhando aquelas prateleiras, uma espingarda calibre 12, carregada e com munição extra numa caixa ao seu lado.

Logo Edgar quis saber a origem de tudo aquilo e Zuu esclareceu que, eles não eram as primeiras pessoas que foram resgatadas momentos antes da morte. Então souberam, olhando para a enorme quantidade de objetos deixados para trás naquelas prateleiras, que muitos outros já estiveram no lugar deles, mesmo sabendo que isso não fosse garantia de sobrevivência eles imaginavam que talvez não fosse uma sentença de morte. Edgar se lembrou de quantas vezes ouviu histórias de pessoas abduzidas que viveram para contar o que aconteceu. Ele sempre imaginou que fossem histórias mentirosas, mas agora Edgar estava revendo suas opiniões.

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Douglas ainda empunhava aquela espingarda, e tinha uma caixa de munição cheia ao seu alcance. Sua vontade foi de começar a atirar sem misericórdia, mas ele já estava se sentindo exausto só de ficar em pé por algumas horas, ele sabia que não resistiria a uma luta mesmo contra alguém tão magro e esguio quanto Zuu ou qualquer outro de seus semelhantes. Ele se sentiu impotente. O espírito era forte, mas seu corpo não conseguia acompanhar.

De alguma forma Zuu parecia ter percebido o que se passava na mente de Douglas, pois simplesmente virou as costas para ele e foi até a bancada onde pôs a mão novamente, para fazer as imagens mudarem. Chamou Edgar e Douglas para assistir dizendo que isso os consolaria.

Diante daquela tela enorme, Edgar podia ver jornais e suas manchetes. Mas não eram jornais antigos, eram jornais de semanas além do dia em que o avião havia caído. Edgar surpreso quis saber como aquilo era possível. Mas Zuu, sem dar muitos detalhes apenas disse que o lugar de onde ele vem não é distante dali apenas no espaço, mas também no tempo! — Por isso temos acesso a informações que pra vocês seriam do futuro, mas para nós também são arquivos antigos. — explicou Zuu — Muitas vezes usamos esse tipo de fonte para encontrar tragédias onde possa haver sobreviventes como vocês. — então Zuu mostrou-lhes alguns jornais onde reportagens sobre os familiares dos mortos na queda do avião, mostravam a vida dessas pessoas após algum tempo.

Logo Edgar quis saber mais sobre o que houve com sua família e Zuu lhe disse que poderia ficar a vontade para controlar as imagens se quisesse. Edgar só precisaria repousar sua mão sobre a parte brilhante da bancada e pensar no que queria ver, e logo a tela mostraria tudo o que tinha disponível sobre aquilo. Receoso Edgar se aproximou da bancada e pôs sua mão sobre ela. Ele sentiu uma espécie de choque como se tivesse posto a mão num fio desencapado, mas era muito mais fraco e suave, era indolor, e durou apenas um instante.

Logo a sensação mudou e ele sentiu como se estivesse tocando o próprio corpo. Como se estivesse com a mão sobre o seu peito ou algo assim, era como se sentisse que a máquina fosse uma parte dele mesmo. Ela respondia aos seus pensamentos e tudo que Edgar tinha que fazer era se concentrar em algo para que fosse mostrado imediatamente.

Ele se concentrou em Julia e Evelin, sua mulher e filha, e reportagens sobre elas também foram mostradas além de outras notícias em que foram citadas, como numa lista de aprovados do vestibular com o nome de Evelin, e documentos de escrituras de imóveis e veículos em nome delas. Edgar percebeu que elas viveram muito mais do que ele e que suas vidas foram longas e produtivas. Isso lhe deu muito em que pensar.

Certamente a coisa mais importante que poderia vir à mente de Edgar era que segundo os jornais, ele e Douglas haviam morrido na queda do avião. E Zuu confirmou sem hesitar que sim. Eles dois já deveriam estar mortos naquele momento.

Edgar novamente começou a se sentir sobrecarregado, agora realmente era informação demais para ele. Quando olhou para Douglas e Zuu, viu que Douglas tinha iniciado uma conversa que manteve Zuu distraído o bastante para parar de acompanhar o que aparecia na tela.

Então Edgar resolveu ver mais sobre a queda do avião e procurando entre vários jornais encontrou uma noticia tardia, de três meses após o dia da queda do avião e não foi manchete, estava apenas no rodapé do jornal, dizia que o único sobrevivente da queda foi encontrado por um navio cargueiro em alto mar cinquenta quilômetros ao sul do local da queda, cerca de quinze dias após o acidente. O navio só chegou ao Brasil quase seis semanas após a queda. O homem encontrado em alto mar ficara quase um mês na enfermaria do navio. Sem muitos detalhes a noticia identificou o sobrevivente como sendo Willian Wagner, e dizia que após duas semanas de internação ele recebeu alta do hospital.

Aquele nome não era estranho para Edgar. Sua cabeça começou a ficar confusa, tinha algo importante para lembrar... mas o que era? Ele abaixou a cabeça, pôs as mãos no rosto — O que era? — Edgar se perguntava. Então ele teve um flash de memória.

Todos estavam apertando os cintos rapidamente, percebendo que o som da aeronave ficava cada vez mais intenso. Pela janela se podia ver claramente que estavam descendo rápido demais. Logo o som das conversas calmas e dos comentários fúteis foi substituído pela gritaria desesperada dos passageiros. O barulho dentro da área dos passageiros ficava cada vez mais alto e Edgar ouvia as pessoas rezando desesperadas. Ele

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viu Willian que estava sentado na poltrona ao seu lado, se atrapalhando para engatar o cinto quando as máscaras de oxigênio caíram na sua frente.

Ele pôs rapidamente sua máscara no rosto, no mesmo momento em que o avião caiu girando na água. Bruscamente a água estourou os vidros do avião e Willian foi levado para fora através de uma rachadura na fuselagem do avião. A aeronave estava se partindo em três partes enormes quando começou a afundar rapidamente ao som dos gritos desesperados dos outros passageiros. Um rastro de sangue se espalhou por entre as poltronas enquanto Edgar via Willian desaparecer.

Edgar se sentou nos calcanhares. Ele precisava respirar. Se levantou e foi até a parede para se apoiar. Zuu percebeu que ele não estava bem. E quis levá-los de volta para que pudessem descansar, mas Douglas insistiu para que o deixassem ver o que houve com sua família. Então Zuu permitiu que Douglas usasse a máquina enquanto Edgar estivesse disposto a esperar.

Ele concordou, e se apoiou nas prateleiras, onde encontrou uma bússola muito antiga, com inscrições em mandarim. Ela era toda dourada por fora. Edgar a abriu, mas o ponteiro dela não apontava o norte, mas sim, girava sem parar. Percebendo a curiosidade de Edgar, Zuu lhe explicou que o ponteiro estava assim perdido por que a energia da nave confundia o campo magnético da bússola. Edgar ficou ali, olhando aquele ponteiro rodar sem orientação enquanto tentava assimilar aquilo tudo. Zuu o deixou pensar sozinho e foi orientar Douglas para que ele também aprendesse a controlar aquela máquina impressionante.

Edgar se sentia tão confuso quanto aquele ponteiro. Morte, vida, viajar no tempo, alienígenas, o futuro de sua família, aqueles jornais, tudo aquilo era demais para ele que ainda sentia suas pernas doerem. Havia dias que não ficava tanto tempo de pé.

Logo que Douglas ficou satisfeito com o que soube nos jornais, Zuu os conduziu até uma sala diferente, mas antes de sair Douglas chamou a atenção deles para o pequeno espelho que estava numa das prateleiras e pediu a Zuu que permitisse que ele o levasse consigo. — Seria bom poder ver o meu próprio rosto ao acordar para manter a sanidade... — explicou Douglas segurando firmemente o pequeno espelho com as duas mãos.

Zuu o permitiu e sem dar importância ao fato, seguiu caminhando. Edgar logo percebeu que o caminho que estavam fazendo era muito diferente do anterior. Eles saíram na direção certa, mas no meio do caminho Zuu os conduziu por uma porta que revelou uma rampa em curva que os levou ao nível superior. Lá Zuu lhes apresentou o “dormitório”. Ele disse que agora que Edgar e Douglas já tinham tomado o “banho esterilizante” e estavam suficientemente recuperados, poderiam ficar num lugar mais apropriado do que a enfermaria.

Edgar não entendeu o que Zuu quis dizer, mas naquele momento isso pouco importava. Ele mal reparou na aparência do tal dormitório quando entraram, isso é claro, por que estava atento ao que Zuu estava falando que era sobre o acidente que aconteceu com eles dois e o fato de que se não fosse pela intervenção direta dele, Edgar e Douglas certamente morreriam de fome e cede em poucas horas, sem que nenhum resgate os encontrasse.

Depois de um silêncio, enquanto Edgar e Douglas assimilavam tudo o que ele disse, Zuu foi até o fundo do dormitório onde ele mostrou que havia outra porta. Ele esclareceu que era a porta do banheiro e ensinou aos dois como usá-la, pois ela não tinha tranca nem maçaneta, assim como todas as outras portas naquela nave, ela abria e fechava apenas com comandos mentais. Eles teriam que se aproximar dela e ordenar mentalmente que se abrisse.

Zuu mostrou como fazer e depois se retirou. Apesar de terem recebido explicações, nenhum dos dois entendeu muito bem o que Zuu disse sobre a porta e torceram para não ter que usar o banheiro por que eles não faziam a menor idéia de como poderiam comandar mentalmente alguma coisa.

Logo que Zuu se ausentou, Edgar e Douglas começaram a reparar no ambiente ao seu redor. Apesar de quase tudo lá ser metálico, como aço escovado, os móveis lembravam um quarto de hotel com camas separadas. O espaço ali era grande e as camas ficavam bem afastadas, perto de cada uma havia uma cômoda cromada e na parede do fundo estava a porta do banheiro. Como na sala onde Edgar acordou pela primeira vez depois de ser resgatado, não havia janelas nem lâmpadas. A roupa de cama era branca assim como a outra muda de roupas que estava encima de cada cama para eles se trocarem.

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Edgar se sentou em uma das camas, e acalmou-se, respirou fundo e tentou focar sua mente no que parecia mais importante para ele. Certamente o mais importante era sobreviver á tudo aquilo. Logo que Douglas se acomodou na outra cama, Edgar perguntou o que ele estava achando das coisas que Zuu falou e eles concordaram que por mais gentil que Zuu tentasse parecer, em momento algum ele assegurou que Edgar e Douglas sairiam de lá com vida.

— Ele disse que morreríamos sem a intervenção deles... — lembrou Douglas — Em momento algum afirmou que não morreremos depois de “ajudá-los como precisam” — completou ele fazendo aspas com as mãos. Por mais que Edgar preferisse ser otimista, ele sabia muito bem que Douglas estava certo, e não adiantaria nada ficar debatendo sobre algo que eles ainda mal poderiam saber.

Não demorou muito para que eles percebessem que o único motivo de estarem sendo bem tratados e receberem toda aquela atenção era a debilitação física de ambos. Afinal Edgar e Douglas estavam tão mal e desnutridos, que qualquer que fosse o propósito de estarem lá certamente exigiria que suas condições físicas fossem as melhores do que aquelas.

Edgar estava determinado a sair de lá com vida, e deixou claro que estaria disposto a arriscar a sorte numa tentativa desesperada de fuga. Mas Douglas, que estava muito mais calmo revelou-se um estrategista. Quando Edgar cogitou a idéia de sair de lá usando a força bruta, Douglas se declarou contra, e ainda argumentou: — Não seja tolo. É claro que você jamais sairia daqui vivo usando a sua “força bruta”, você por acaso não viu o caminho que fizemos até a outra sala? — disse ele com um tom severo de aviso em sua voz — descemos uma rampa, passamos um corredor, cruzamos três portas e não tivemos nenhum sinal da saída. Você não sabe o caminho, não pode deduzi-lo e ninguém o mostraria. Então desista, pois não conseguirá achar uma saída usando sua força. — quando Edgar tentou argumentar, Douglas continuou a esclarecer sua opinião — Se você forçar uma fuga assim eles te encontrarão, te amararão numa cama, te alimentarão via intravenosa e te matarão como um porco gordo pronto para o abate quando quiserem! Afinal já acho que seja um milagre não terem simplesmente feito isto desde o inicio. Temos que ser mais espertos do que isso se queremos ter uma chance de sobreviver. — disse Douglas — Escute aqui o que estou planejando. Se dissermos a eles que vamos colaborar me parece que eles nos darão todos os cuidados que necessitamos e nos falarão mais sobre si mesmos e seu modo de vida. Então, colaborando, podemos descobrir alguma fraqueza neles e com sorte descobriremos, até quem sabe, o caminho da saída deste labirinto. Mas para termos chances, temos que convencê-los de que vamos colaborar. Agiremos como dois perfeitos hóspedes querendo agradecer por toda a ajuda sem questionar quais os verdadeiros motivos que os levaram a nos ajudar. Só o que precisamos é da confiança deles, será que você pode conseguir isto, Edgar?

Por mais que o ímpeto de Edgar quisesse agir imediatamente, ele teve que concordar com Douglas, afinal ele tinha razão em cada palavra. Já que Zuu estava agindo como um bom anfitrião eles deviam tirar proveito disso para descobrir um modo mais seguro de fugir de lá sem deixar margens para erros. Parecia razoável esperar que alguém que se apresenta formalmente, por algum motivo, pretende ser cordial e generoso, afinal como disse Douglas, se eles quisessem poderiam dopá-los e tirar suas vidas com facilidade. Então Edgar não viu motivos para discordar e simplesmente seguiu o conselho de seu colega.

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3

Quando Edgar acordou, olhou ao seu redor e logo sentiu o peso da situação novamente em seus

ombros. Estar naquele lugar, naquela situação, era um fardo muito grande pra se carregar. Apesar de ter concordado com Douglas que a melhor maneira de fugir era fingir que está de acordo com Zuu, Edgar continuava a se sentir intimamente perturbado com tudo aquilo. Logo que Douglas se levantou, eles concordaram que assim que encontrassem Zuu iriam declarar que estavam dispostos a fazer tudo que ele pedisse sem questionar, simplesmente por gratidão.

Então, como Edgar ainda estava debilitado por conta de seu ferimento na perna, Douglas foi até a parede onde ficava a porta de entrada, apesar de não conseguir saber com certeza onde era a porta naquela parede tão lisa. Naquele momento, enquanto via Douglas bater na parede, para chamar um alienígena, e dizer que aceitaria incondicionalmente tudo que ele pedisse, Edgar ficou paralisado.

Quando Zuu entrou, Douglas declarou suas intenções deixando claro que eles dois, estavam dispostos a ajudar Zuu e quem estivesse com ele, no que quer que seja necessário. Deixaram claro que por gratidão pelo resgate e pelos cuidados fariam tudo a seu alcance para retribuir.

Embora Edgar soubesse que eles tinham um plano de fuga, ou pelos menos a intenção de criar um, era difícil acreditar no que estavam fazendo. — Que pessoa em sã consciência faria isso? Que pessoa acreditaria que um dia ele fez isso?

Edgar tinha certeza de que estava acordado, pois as dores por todo o seu corpo o faziam lembrar-se disso o tempo todo. Mesmo assim, tudo ao seu redor e todas as coisas que agora passavam pela sua mente, pareciam tão fantasiosas que ele se negava a entender aquilo como realidade. Pior ainda era lembrar que aquela situação absurda poderia ser a condição nos seus últimos dias de vida, e essa decisão não estava em suas mãos.

Tudo até aquele momento havia acontecido tão rapidamente que ele ainda não tivera a chance de refletir sobre o quanto aquela situação era bizarra ou desesperadora. A única certeza que Edgar podia ter era a de que a vida nunca nos dá nada definitivo. Na vida a única constante é a mudança, assim como uma viagem segura se tornou uma catástrofe, assim como uma morte agonizante deu lugar a uma situação inimaginável.

Edgar sempre lembrava que a morte é feita de certezas e a vida é feita de dúvidas. Enquanto ele estivesse vivo, tudo seria possível, até mesmo voltar para sua família. Então nada mais poderia importar além de seguir em frente e sobreviver até que as coisas mudassem novamente.

Com muita satisfação Zuu se alegrou quando Douglas afirmou que eles aceitavam colaborar antes mesmo de saber de que modo é que ajudariam. Mas vendo de longe Douglas e Zuu conversarem, Edgar teve a impressão de que Zuu estava sendo tão honesto quanto Douglas. Afinal enquanto Douglas fingia aceitar os

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fatos, Zuu poderia estar fingindo acreditar na colaboração “incondicional”. Seria uma conveniência ambígua. Porém para Edgar parecia obvio que manter as aparências como estavam seria a melhor forma de ganhar tempo até encontrar um modo de fugir.

Zuu explicou que eles levariam alguns dias até se recuperarem completamente de todas as privações que tiveram no banco de areia. No entanto, haviam algumas coisas que eles já poderiam fazer, para acelerar sua recuperação e também para manterem-se ocupados enquanto o tempo passa. Já guiando-os pelos corredores, Zuu os levou até a porta de uma sala diferente.

Sabendo que Edgar e Douglas não tinham entendido como proceder para comandar mentalmente as portas, Zuu parou diante da parede vazia, ele lhes explicou com mais detalhes como elas funcionavam, para que Edgar e Douglas pudessem trafegar livremente pelas partes da nave que fossem necessárias e permitidas.

Parados no meio do corredor, onde estavam diante de uma parede. Zuu olhou para Edgar e Douglas que estavam calados e atentos a cada palavra. Edgar percebeu que Zuu agiu como se pudesse olhar dentro de suas mentes, quando eles pensavam na parede adiante, Zuu olhou para Douglas e continuou falando que para abrir portas eles precisariam aprender a se concentrar.

— Se um de vocês, parar em frente a uma parede qualquer como esta, por exemplo, e olhando para ela se concentrar para ver em sua mente uma porta se abrindo, ela simplesmente vai abrir a entrada mais próxima de você, experimentem! — incentivou-os Zuu.

Então Douglas, tomando frente, olhou para a parede e começou a imaginar uma porta se abrindo. Durante algum tempo nada aconteceu, então Zuu lhe orientou, dizendo que deveria acalmar seus pensamentos e pensar apenas naquela parede diante dele, e tentando novamente com mais calma e concentração viu que na parede uma fenda vertical começou a abrir lentamente, até que a porta se abriu por completo. Impressionado Edgar voltou novamente a sua atenção para Zuu para saber como isso seria possível?

Zuu explicou prontamente, revelando não só qual o motivo para que Edgar e Douglas pudessem controlar aquela porta com suas mentes, mas também esclarecendo o real motivo para preservar a vida deles até que se recuperassem por completo.

— É muito simples, no momento em que vocês entraram nesta nave, ficaram expostos à radiação de uma energia que chamamos de Nano-Energia. — explicou Zuu — Ela é a maior e melhor fonte de energia que já descobrimos. Está em toda partícula de tudo o que existe, inclusive desta nave. Para gerar essa energia usamos um Gerador de Aceleração de Partículas. Enquanto gera energia ele irradia os excessos de carga formando um campo de cobertura que circula por tudo dentro do seu alcance. Essa radiação aos poucos irá estimular áreas do seu cérebro que aprenderão a reconhecer e interagir com ela, desenvolvendo assim habilidades como comandar as portas por exemplo. — Muito surpreso pelas palavras de Zuu, Edgar ficou intrigado.

Que tipo de coisas ele poderia fazer controlando aquela energia? E por que Zuu não parecia se preocupar com isso? Mas logo Zuu deixou claro que tipo de ajuda esperava ter de Edgar e Douglas. — Como vocês já devem ter notado, não são os primeiros humanos que entram nesta nave com vida. Em nossas inúmeras incursões em seu planeta, já aprendemos muito sobre sua anatomia e modo de vida. Com os progressos que fizemos conhecendo a sua espécie tivemos que manter os espécimes estudados cada vez mais tempo aqui dentro. Assim descobrimos acidentalmente que sua espécie pode desenvolver poderes mentais parecidos com os nossos. Esperamos que também vocês dois, desenvolvam tais poderes enquanto estiverem aqui se recuperando, para que nós possamos medir esse fenômeno desde o seu principio. — esclareceu Zuu ao guiá-los para dentro da sala onde mostrou que muitos como ele ficavam deitados em um circulo ao redor de uma larga coluna de metal que Zuu apontou explicando que aquilo era o Gerador de Aceleração de Partículas que causava a irradiação de energia ao produzir a Nano-Energia e os seres ali deitados eram chamados de dourados, devido á coloração de suas Bio-Roupas.

Os outros seres deitados pareciam-se muito com Zuu apesar de ter uma coloração pálida que apresentava um leve tom de dourado. Zuu explicou que aqueles seres “dourados” se revezavam deitando-se ao redor do Gerador por que assim tinham seus poderes aumentados ao máximo, e faziam isso para que juntos pudessem manter a nave invisível á observadores, e com o tempo do lado de fora dela parado.

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A curiosidade de Edgar e Douglas se aguçou imediatamente. Como assim manter o tempo “parado”? Quando Zuu disse que podiam manter a nave invisível, Edgar e Douglas não ficaram muito surpresos já que eles mesmos puderam atestar isso quando foram resgatados na areia. Edgar ainda lembrava-se de ter visto uma porta brilhante sem parede nenhuma quando ainda estava delirando. Mas agora ele tinha certeza de que nem tudo era delírio.

Zuu esclareceu que na verdade não era o tempo fora da nave que estava parado e sim o tempo dentro dela que estava sendo acelerado. Era uma questão de relatividade. De todo modo ficou claro que enquanto Edgar e Douglas achavam que tinham se passado dias desde que foram resgatados, na verdade, do lado de fora daquela nave o sol ainda estava na mesma posição em que Edgar o vira pela ultima vez.

Douglas não conseguia conter seu fascínio pelo poder que Zuu lhe anunciara. Algo até então impossível para os homens parecia tão simples para aqueles seres misteriosos. Enquanto Douglas se maravilhava com aquelas palavras, Zuu afirmava que o poder mental de um indivíduo isolado já é grande, mas unindo forças com outros, eles se tornavam capazes de proezas ainda maiores e mais impressionantes.

— Então é assim que viajam no tempo? — especulou Douglas curioso ao olhar para o grupo de “dourados” deitados ao redor do gerador. Ele percebeu que um daqueles seres que se concentravam, pareceu olhar ligeiramente para Edgar com certa curiosidade.

— Mais ou menos. — respondeu Zuu — Absolutamente todos nós temos que participar para unir nosso poder ao gerador. Então quando unimos nossas mentes, concentrando o nosso pensamento simultaneamente no lugar e momento desejados, permitimos que o fluxo intenso da Nano-Energia criado pelo gerador corra por nossos corpos unindo-nos, para que a energia intensifique o poder do nosso pensamento a ponto de dobrar a linha do tempo-espaço permitindo-nos voltar ou avançar para o lugar e data desejados. Mas, isso nos custa muito caro sempre, — advertiu ele — pois cada vez que viajamos, seja ida ou volta, um de nós morre aleatoriamente, e não há como impedir.

Surpreso pela afirmação de que algum deles sempre morre Douglas não resistiu ao impulso de interrompê-lo para perguntar se ele nunca temeu por sua vida naquele momento? E para a sua surpresa, a resposta de Zuu foi muito diferente do que qualquer um dos dois poderia esperar.

— Eu sei que pra você isso parece estranho porque você está acostumado com uma vida segura, longa e individualista, na qual morrer parece algo distante e assombrador. — disse Zuu — Mas para Nós é diferente. Uma morte que pode salvar a vida de todos os outros, parece aceitável mesmo que seja a minha morte, porque faço isso voluntariamente. Alcançar o objetivo desta Missão vale o risco seja ele qual for. Mesmo que me custe a vida, nós não podemos falhar!

Apesar de não terem descoberto ainda qual era o objetivo daquela “Missão” Edgar e Douglas começaram a perceber que aqueles seres eram muito mais evoluídos socialmente do que os humanos, e por um instante tiveram vergonha do seu egoísmo individualista.

Eles baixaram suas cabeças e pensaram na pequeneza de suas preocupações diante da grandeza que motiva Zuu. Edgar ficou muito impressionado pelo fato de alguém que tem á sua disposição tanta tecnologia possa pensar de forma tão valorosa e altruísta. Logo ele lembrou-se dos orientais que preferem morrer a ter que viver na desonra. E depois, lembrou-se dos ocidentais, que valorizam tanto a individualidade que se esquecem até do valor daqueles que os cercam.

Edgar podia sentir sua mente nebulosa e confusa tentando assimilar tanta coisa de uma só vez. A falta de memória e as lembranças confusas pareciam manter um muro entre a realidade da vida que ele tinha antes do acidente e as coisas que presenciou nos últimos dias. Era como se existissem duas realidades, ele estava vivo, mas se sentia como se estivesse vivendo outra vida, como se não fosse ele ali. Por que a vida real, a que Edgar tinha antes, era absolutamente diferente de tudo aquilo.

Enquanto Zuu se ocupava explicando á Douglas sobre os tais “poderes mentais” que eles dois deveriam desenvolver enquanto estivessem ali, Edgar percebeu algo nas entre linhas, algo para o que Douglas não atentou. Zuu disse com todas as palavras que iria “medir” a influência daquela energia em suas mentes. Essa foi a primeira vez, desde que chegaram ali, em que Edgar temeu por sua integridade física e sua saúde, por que “medir” é exatamente a base de uma boa experiência, onde Edgar e Douglas seriam as cobaias!

Enquanto Edgar mergulhava em seus pensamentos, Zuu os guiava para outra sala onde puderam ver outro ser, que tinha um tom azul em sua pele. Ele manipulava objetos com o poder de sua mente para fazê-

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los levitar pelo ar. Zuu baixou os olhos um instante, pareceu balançar a cabeça como que concordando com algo e com uma expressão séria alertou — Lembrem-se sempre que, aqui nesta nave, SEMPRE haverá alguém de olho em vocês, afinal há quem esteja aqui só para isto. — Edgar e Douglas ficaram surpresos com as palavras duras e inesperadas de Zuu que fez uma pausa, deu um leve sorriso e prosseguiu mostrando a sala onde eles seriam treinados e avaliados.

Apesar de Edgar se manter calado para ouvir as palavras de Zuu atentamente, ele não conseguia tirar algumas coisas da cabeça. Uma dessas coisas era a semelhança física que havia entre eles e os alienígenas.

— Você disse que já visitaram nosso planeta varias vezes. Mas não deixou claro o que vinham fazer aqui afinal. Só agora percebi que nossos corpos têm mais semelhanças físicas do que eu costumava achar que teria caso seres como você existissem. Essa nossa semelhança física tem algo a ver com os seus motivos para vir até aqui? — indagou Edgar enquanto Zuu os guiava pelo corredor — Além das semelhanças óbvias sobre a quantidade e disposição dos principais membros do corpo, vocês também têm feições muito parecidas com as nossas. E ainda que a quantidade de dedos não seja a mesma até as mãos são bem semelhantes.

— É, realmente temos muitas semelhanças físicas, mas o que realmente influenciou a nossa decisão de estudar sua espécie foi a compatibilidade genética. Pois temos muito mais do que semelhanças casuais na disposição de órgãos ou membros, elas estão no aspecto genético que é muito mais relevante. — argumentou Zuu aparentemente preocupado ao ouvir o comentário de Edgar.

Apesar da impressão preocupada que Edgar e Douglas tiveram sobre a expressão de Zuu, ao tratar o assunto de suas semelhanças, ele prosseguiu com suas explicações — Saiba que realmente nossas espécies são muito mais diferentes do que você poderia compreender.

Então Zuu começou a conduzi-los de volta ao dormitório e pelo caminho disse que durante a sua espera pela completa recuperação física deles, Edgar e Douglas deveriam cooperar com Zeck, que seria o responsável por orientar e avaliar a influência da radiação de Nano-Energia e o desenvolvimento de habilidades psíquicas em ambos.

Zuu parou diante da parede cega. Então se abriu novamente a porta do dormitório onde eles acordaram naquele dia. E Zuu lhes desejou bom descanso. Edgar perguntou se seria muito inconveniente se ele usasse as roupas que trouxe ao invés daquelas que recebeu enquanto estava inconsciente e Zuu garantiu que providenciaria que lhe fossem devolvidas as suas próprias roupas assim que estivessem devidamente esterilizadas. Então Zuu virou as costas e se foi.

Eles se deitaram nas camas. Ficaram olhando o teto em silêncio por alguns minutos até que Douglas começou a comentar sobre as coisas incríveis que os alienígenas poderiam lhes ensinar. Mas Edgar não estava interessado em nada daquilo. Edgar comentou que estava lembrando apenas do fato de Zuu ter hesitado, quando ele sugeriu que eles eram mais parecidos do que esperava. Enquanto falava sobre isso ele olhava seu reflexo no pequeno espelho que Douglas trouxera, tentando imaginar se haveria alguma semelhança inegável.

Apesar de sua mente ainda estar muito confusa, Edgar já tinha se lembrado de tudo que podia. E mesmo sabendo que não tinha se lembrado nem da metade das coisas que estavam entre o embarque no avião e o dia em que acordaram naquele lugar, que parecia ser uma espécie de nave, Edgar já tinha firmado em sua mente as coisas de que podia se lembrar.

A maioria das memórias que antes estavam confusas e misturadas agora se tornaram claras. Certamente as coisas que ele ainda não lembrava poderiam ser importantes, mas ele não teria tempo o bastante pra esperar que sua mente se organizasse tanto assim, sendo que nem mesmo tinha certeza de que algum dia se lembraria das coisas que faltavam.

Edgar não podia resistir à tentação de planejar uma fuga. Ele já sabia como abrir aquelas portas e podia praticar com a porta do banheiro o quanto quisesse se fosse preciso. Sabia que depois de mais uma noite de descanso poderia correr o suficiente pra sair de lá antes que alguém pudesse detê-lo, mesmo mancando. Conhecia o caminho até o computador no almoxarifado. E o mais importante, podia pedir a Douglas para acobertá-lo por que lembrava que havia salvo a sua vida e Douglas lhe devia isso.

Edgar sabia que o plano de Douglas era descobrir o máximo possível sobre os alienígenas para encontrar um ponto fraco ou fragilidade que pudesse ser usada contra eles, mas ele não estava disposto a esperar tanto assim, por que o tempo estava contra eles. Se demorassem muito pra encontrar esse ponto fraco poderia ser tarde demais.

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Então Edgar contou ao colega o que tinha em mente e Douglas foi totalmente contrário ao plano de Edgar. Tanto por que não queria ser tratado de forma hostil por Zuu, quanto por que no plano de Edgar era deixar Douglas pra trás e fugir sozinho. Mas Edgar insistiu mesmo sabendo que não era a coisa mais certa a se fazer, pois não é assim que se cobra uma divida dessas. Mas como a condição adversa deles era implacável, Edgar sabia que se não tentasse fugir logo, poderia não ter a chance fugir.

Douglas concordou relutante, sem entender o que Edgar tinha planejado fazer depois que saísse de lá. Por que Edgar não tinha comentado nada sobre o restante de seu plano. Claro que ele sabia que não bastava sair de lá com vida. Mas com as informações certas seria possível. Edgar lembrava-se de ter uma bússola no almoxarifado onde estava o computador. Ele havia visto a notícia do cargueiro que encontrou um sobrevivente. Então ele tinha que pegar a bússola, sair de lá, e nadar na direção correta. Se conseguisse fazer isso, sem ser seguido, poderia ser resgatado com Willian se ele realmente estivesse vivo.

O plano era muito arriscado, mas Edgar sabia que não tinha outra escolha além de ficar ali esperando pela sorte que poderia não aparecer. Então ele explicou a Douglas o que deveria fazer em detalhes. E foram dormir prontos pra ariscar “tudo ou nada” já na manhã seguinte.

Eles se deitaram novamente esperando o sono chegar. Douglas estava preocupado com as ameaças de Edgar. Edgar estava preocupado com sua fuga.

Naquela noite Douglas sonhou que estava caminhando em um corredor escuro. No final quando ele chegava havia uma sela com grades e muita gente lá dentro. Ele pegava um molho de chaves e procurando por alguns instantes, encontrava a chave certa. Ao abrir a porta para que os presos pudessem sair, Douglas via que eles saiam agradecendo pela enorme ajuda que lhes deu, mas quando olhou novamente a sua volta notou que ele mesmo estava dentro da sela, trancado.

Edgar sonhou com sua família. Ele estava num morro de chão batido, seco, arenoso e escorregadio. De longe via sua mulher e filha em outro morro, verde e cheio de vida, seguro. Então ele tentou ir até elas. Mas, entre os morros só existia escuridão. Ele avançou e escorregou. Caiu na escuridão tentando alcançá-las e quanto mais ele tentava olhar para elas mais fundo descia na escuridão.

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4

Edgar estava sentado na sua poltrona do voo Roma/Rio. Ele descansou os pés esticando as pernas

como pôde no pequeno espaço que havia entre ele e a poltrona da frente. Apesar do cansaço, a ansiedade de encontrar Evelin, sua pequena filha, e Julia sua esposa, não o deixava dormir. Ele nunca tinha ficado tanto tempo longe de casa desde que sua filha nascera e a saudade depois de três semanas era muito grande. Enquanto esperava pelas horas de voo que ainda faltavam, ele conferia mentalmente os presentes que estava levando para casa.

Sua esposa Julia, deveria estar á sua espera. Ele também tinha muita saudade dela, de seus carinhos e sua companhia. — Afinal tanto tempo longe é muito para quem é casado com uma mulher tão bela. — pensava ele com um sorriso discreto no rosto. E certamente elas esperavam que trouxesse muitos presentes da Itália quando chegasse.

Mas seu sossego era interrompido pela comissária de bordo que passava regularmente com o carrinho de bebidas e salgadinhos. Quando via aqueles pacotes de amendoins ele pensava na refeição que Julia deveria estar aprontando para sua chegada, já que ela era uma ótima cozinheira e sabia que ele odiava aquelas sementes com gosto de serragem e sal.

O sujeito ao lado dele pedia mais amendoins toda vez que podia, e a comissária tinha que se inclinar desconfortando Edgar em sua poltrona, para poder alcançar os amendoins ao sujeito. Uma das vezes em que parou para entregar amendoins ao tal homem, ela reparou no rosto de Edgar e olhando para o sujeito ao seu lado, teve a inconveniente idéia de perguntar:

— Vocês estão viajando juntos? São irmãos? — esse comentário apenas fez que Edgar equivalesse seus sentimentos pela aeromoça aos que ele já tinha pelos amendoins. Para não ficar sem graça ela ainda tentou justificar-se — É que vocês são muito parecidos... — insistiu ela apenas aumentando o desconforto de Edgar com a situação.

Ele nunca se considerou uma pessoa desagradável e gostava de fazer novas amizades, mas depois de vinte dias longe de casa, em um voo que já durava três horas, sua disposição e simpatia estavam razoavelmente baixas, então ele deu um meio sorriso sem graça e disse — Eu não sei se somos parentes, mas com certeza não somos irmãos...

Então a comissária de bordo percebendo que estava se demorando demais ali, se desculpou e rapidamente procurou com os olhos por alguém mais a frente que a chamasse e saiu discretamente empurrando seu carrinho de amendoins e bebidas.

Antes que ela pudesse se afastar o sujeito na poltrona ao lado já estava disposto a manter Edgar ocupado com uma conversa casual pelas próximas horas, e decidiu se apresentando adequadamente.

— Eu sou Willian Wagner, muito prazer em conhecê-lo. — disse ele estendendo a mão direita para cumprimentar Edgar com um sorriso tão grande e simpático que por um minuto fez Edgar se sentir a vontade para conversar.

— Sou Edgar Freitas. Então devo ser seu parente, não? — brincou ele afastando-se rapidamente dos pensamentos em que estava mergulhado enquanto sentia o forte aperto de mão que Willian lhe dava satisfeito por ter sua atenção.

— Sei lá... Não conheço muita gente da minha família. Pra ser sincero se fosse realmente o caso eu não saberia por que estou voltando da Itália depois de doze anos e nem sei ao certo como estão os meus parentes no Brasil... — Willian suspirou deixando um tom de tristeza escapar em sua voz quando o aviso do piloto o interrompeu.

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— Senhores passageiros, apertem os cintos, pois estamos tendo problemas mecânicos em duas das turbinas e teremos que fazer um pouso forçado sobre o mar.

Edgar sentiu seu coração acelerar, ele podia ver o desespero nos olhos das pessoas a sua volta. Ele

queria sair daquele lugar. Edgar ficou ofegante, nervoso, desesperado! Repentinamente ele acordou. Ainda assustado, com o coração batendo forte. Ele sentou-se na cama. Suas mãos estavam tremendo. Com os olhos arregalados, olhou ao redor.

Edgar ficou desapontado quando viu que ainda estava naquela sala, naquela nave, naquela situação... Ele viu que Douglas ainda dormia e ficou observando-o, pois ele parecia muito agitado. Não tinha como não perceber o quanto Douglas estava debilitado pelo período na areia.

Os cabelos ralos e a pele ainda com traços de ressecamento e queimaduras de sol. — Qual o real motivo de estarmos aqui? O que Zuu pretende fazer quando estivermos recuperados? — refletiu Edgar, enquanto via Douglas acordar. Ele olhou pra Edgar e incrédulo perguntou:

— É real mesmo...? É? Nós ainda estamos aqui, vivos? — Sinto muito, mas parece ser mais real do que poderíamos gostar. — lamentou Edgar, ainda

olhando ao seu redor, tentando se acostumar com aquele ambiente que tanto lhe assustava. Mas seu ânimo se renovou quando lembrou que estaria apenas mais algumas horas a bordo daquela nave, pois ele já estava prestes a sair. — “Pelo menos será o caso se eu tiver êxito em minha fuga”— ponderou Edgar.

Porém, ainda era muito cedo para se alegrar. Então Edgar revisou mentalmente seu plano que começava escapando sem ser notado pelos ETs, depois entrar no almoxarifado e usar o computador para descobrir onde era a saída, então poderia pegar a bússola que viu no dia anterior e por fim ele só teria que correr o mais rápido que pudesse mesmo mancando, e com sorte chegaria lá antes de ser pego. Embora sentindo que ainda não estava em sua plena forma física, ele acreditava que já tinha se recuperado o bastante para sair daquele lugar e chegar ao navio.

Douglas também se sentou na cama. Ficando de frente com Edgar, o silêncio entre eles foi perturbador. Pela teimosia de Edgar a segurança de ambos estaria sendo posta em risco apenas para satisfazer o desejo de Edgar de realizar uma fuga precoce, sem ao menos ter certeza de qual era o risco que correria ficando naquela nave.

Mas Edgar estava realmente decidido e inflexível. Douglas lhe devia a vida! Estava na hora de retribuir o favor. E se nada desse certo, eles estariam quites. Douglas rompeu aquele silêncio — Então é isso, espero que dê tudo certo para nós dois hoje. — desejou já começando a se mostrar desanimado — Espero que você tenha sucesso.

Edgar agradeceu pela boa vontade de Douglas sabendo lá no fundo que, se ele tivesse sucesso em sua fuga, certamente Douglas não teria a menor chance de fazer o mesmo, pois os ET’s jamais confiariam nele novamente o bastante para que pudesse ter uma boa chance de escapar também. — Espero que seja realmente um bom dia para nós dois. — ponderou Edgar na tentativa de consolar o colega.

Logo Zuu viria encontrá-los para esclarecer o que teriam que fazer durante sua recuperação para acelerar o processo, como foi dito anteriormente. Edgar e Douglas ainda não tinham idéia de que tipo de atividades seriam propostas por Zuu, mas estavam certos de que deveriam colaborar exatamente como disseram que fariam para manter as aparências.

Para sua surpresa, Edgar encontrou suas próprias roupas limpas e dobradas na cômoda onde eram postas as roupas. Ele percebeu que elas estavam um pouco mais macias do que ele se lembrava e tinham um cheiro estranho. Logo ele lembrou que tinha pedido a Zuu se poderia usá-las ali e Zuu havia prometido que elas seriam devolvidas assim que fossem esterilizadas. Edgar nunca tinha ficado tão feliz em ver aquela calça jeans, tênis e camiseta pólo em toda sua vida.

Assim que se aprontaram, Zuu os encontrou e guiou como esperado, até uma sala no nível principal, onde conheceram outro ser. Que tinha tons azuis em sua pele. Zuu o apresentou como Z1C3K2 ou Zeck, o encarregado de treinar e avaliar a capacidade dos dois Homo Sapiens em interagir com a Nano-Energia.

Rapidamente eles perceberam que Zeck se parecia muito Zuu, se não fosse por ser um pouco menos alto e ter aquele tom azulado em sua pele sendo que a pele de Zuu era completamente branca. Olhando em volta, ele viu que naquela sala existiam vários objetos incomuns como cubos, grandes e pequenos e uma mesa

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com um baralho perfeitamente arrumado sobre ela. De novo não havia janelas, e as portas ainda eram muito difíceis de diferenciar das paredes.

Além de Edgar na sala estavam Zuu, Douglas e Zeck. Logo Edgar começou a torcer para que Zuu saísse de lá, pois seria fácil sair sozinho da sala se apenas Zeck estivesse lá para vigiá-los. Para a sua alegria, logo depois de apresentá-los devidamente Zuu se ausentou, e assim Edgar ficou a sós com Douglas e Zeck. Logo que Zuu saiu, Edgar ouviu em sua mente a voz de Zeck que não estava movendo os lábios ao falar.

— Bom dia. Espero que apreciem os exercícios e atividades que faremos juntos, por que sei que serão de total importância para o desenvolvimento psíquico de vocês. Para começar esse longo caminho que temos pela frente acho que devemos tentar os exercícios mais simples para que vocês comecem a entender a natureza da habilidade que irão desenvolver. — Edgar ainda não acreditava que ele estava falando sério, “Poder Psíquico”, tudo aquilo ainda era muito inacreditável para ele. Principalmente a parte sobre ter qualquer poder paranormal. Edgar se esforçou para que ninguém percebesse sua incredulidade, assim ele voltou sua atenção para Zeck.

— Para mover algo com sua mente, — disse Zeck começando a gesticular e pegando na mão um pequeno cubo — é necessário que se concentrem no objeto. Para vocês que nunca fizeram nada parecido, é importante que fechem os olhos e pensem apenas no objeto. — explicou ele ainda gesticulando — Tentem sentir a textura, o peso, depois imaginem-no em suas mãos... o toque, as formas. Imaginem ele se movendo na direção que vocês desejam. — Zeck continuava gesticulando e caminhando pela sala trocava os objetos de lugar às vezes usando as mãos, outras vezes não.

Logo que Zeck começou as instruções, Douglas tomou frente e pediu maiores detalhes, pegou uma pequena bola com a mão direita e se aproximou mais de Zeck que passou a lhe dar maior atenção. Então Edgar voltou calmamente até a porta e fez com que ela se abrisse discretamente.

No corredor seu coração acelerou, ele caminhou a passos largos, se concentrando apenas em coisas que se abriam, pois assim a primeira porta à sua esquerda abriu imediatamente e ele entrou. Edgar já sabia que sala era aquela, o almoxarifado onde Zuu lhe mostrou o futuro das famílias dele e de Douglas, onde também havia muitas prateleiras com objetos deixados por outros “resgatados” antes deles.

Edgar parou diante do painel que ligou automaticamente quando o fitou com os olhos. A tela estava vazia, então Edgar pensou um instante e lembrou que Zuu pôs sua mão sobre a bancada a sua frente. Ele fez o mesmo e novamente sentiu aquele leve choque, que parecia ligar seu sistema nervoso ao computador, que imediatamente obedeceu aos seus pensamentos.

Então Edgar pensou em sair da nave, o painel mostrou a saída principal. Ele pensou na planta baixa da nave e a tela a exibiu. Então viu que a saída não estava a muitos metros dali. Ele saiu correndo o mais rápido que pôde pelo caminho que memorizou.

Não havia ninguém andando pelos corredores e ele se manteve muito atento apesar da pressa em fugir. Edgar passou pela primeira porta por onde viu o que parecia ser um altar muito simples, vazio, diante de uma parede branca adornada com detalhes que lembravam ramos de flores. Depois passou pela porta fechada da sala dos dourados onde Zuu havia mostrado que ficava o gerador principal, que ficava à direita. Seguindo em frente passou por uma porta que estava fechada à sua esquerda. Andou mais alguns passos e viu a entrada do largo corredor que deveria levá-lo à saída.

O coração de Edgar batia a mil. A cada passo que avançava ele se sentia mais vivo. Mesmo mancando por conta do ferimento em sua panturrilha esquerda, todo o peso do seu corpo parecia desaparecer diante da esperança de sair vivo daquela nave e quem sabe chegar a salvo em casa.

Ele sabia que cada minuto era importante e agora que estava tão perto ninguém poderia alcançá-lo. Ele tentava não pensar no que aconteceria a Douglas quando sua falta fosse confirmada. — Será que o maltratarão? Será que ele terá alguma chance de fugir também? — Edgar sabia lá no fundo que sua fuga selaria o destino de Douglas.

Porém quando Edgar lembrava que foi ele quem salvou a vida de Douglas no mar, sua consciência ficava mais leve. Não era bem isso que tinha em mente quando salvou a sua vida, mas já que Douglas estava lhe devendo, isso deixaria as contas equilibradas afinal. E Edgar ainda lembrava que em momento algum Zuu sequer insinuou que tiraria a vida deles, por tanto, talvez Douglas ainda poderia ter uma chance, mas Edgar não ficaria lá esperando pela sorte para saber.

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Mas quando ele virou a ultima curva, e viu a porta de saída, Edgar foi surpreendido por haver um único guarda, de pele esverdeada, com aproximadamente dois metros e trinta de altura, em frente à porta, olhando para ele. E antes que Edgar pudesse contar qualquer mentira o guarda disse — Que coisa feia Homo-Sapiens! Tentar fugir tão prontamente deixa claro o desprezo que você tem pelo que estamos fazendo aqui. — disse ele claramente com um sarcasmo maldoso.

— Não me julgue, sou um homem desesperado querendo voltar para minha família. — Não, não é. Você é um Ser egoísta e medíocre, como todos os outros de sua espécie. Só está

pensando em sobreviver, doa a quem doer! Abandonou seu amigo nas mãos da sorte para servir de isca enquanto você foge. — acusou o guarda com desprezo — É graças a pessoas como você, que a sua dita civilização esta destruindo este planeta com poluição e esgotando as reservas naturais. Afinal vocês só estão querendo sobreviver não é? Miserável! Você não vai a lugar nenhum! Você não merece outra chance de fazer tudo errado.

— Não vou a lugar nenhum? — indagou Edgar — Você está falando demais pra quem se esconde atrás de ilusões e truques baratos. E quanto a me deixar sair, sozinho você não será capaz de me deter já que apesar de sua altura, eu sou muito mais forte. Então sugiro que saia da minha frente ou vou passar por cima de você! — afirmou Edgar já impaciente. Sabendo que o tempo também era seu inimigo.

— Tente! — desafiou o guarda com desdém — Eu insisto. Vou te mostrar do que meus truques são capazes.

Edgar sem hesitar começou a correr o mais rápido que pôde, afim de se jogar contra o guarda para derrubá-lo na direção da porta. Eram pelo menos quinze metros de corredor, e ele avançou vigorosamente tomando todo o impulso que pôde para derrubar o guarda, se concentrando em abrir a porta principal na hora certa.

Ao se aproximar com toda a velocidade que podia, ele olhou para o guarda ainda imóvel em seu caminho. E quando Edgar chegou a menos de três metros do guarda e da porta, ele saltou para atingi-lo na altura do peito com o seu ombro. Mas o guarda olhando em seus olhos estendeu a mão direita para frente. Imediatamente o corpo de Edgar, ainda no ar, perdeu todo o impulso.

Parado no ar com os pés a um metro de distância do chão, Edgar ficou imóvel. Então o guarda, com o braço ainda estendido sem nenhuma dificuldade na direção de Edgar, com a mão espalmada, zombou — Você achou mesmo que iria me derrubar? Como você pôde ser tão ingênuo? Eu nunca sujaria minhas mãos com alguém inferior como você...

Então Zuu e mais dois seres, — que também pareciam ter a pele esverdeada — chegaram ao corredor e Zuu logo ordenou — Largue o nosso “hospede” Mark. Eu já te disse para não tratá-los assim!

— Ele estava fugindo e eu o impedi. Você deveria me agradecer por isso. — Você não fez mais que sua obrigação. E pelo visto o fez da forma mais grosseira possível. — Eu já te disse Zuu, educação com estes Seres ignorantes não adianta. Se quiser que te obedeçam

você tem que forçá-los! — Já falamos sobre isso antes. Agora solte-o! — ordenou Zuu com a voz firme. Então Mark baixou

lentamente o braço enquanto Edgar o acompanhava baixando no ar até o chão. Quando os pés de Edgar tocaram o chão, olhando nos olhos negros de Mark, Edgar sentiu uma dor lancinante arder em todo seu corpo, com tanta força que o fez desmaiar com um grito de dor agonizante que ecoou pelos corredores de metal.

Edgar estava deitado no chão. A areia outrora macia agora estava dura sob seu corpo há muito adormecido. Ele sentiu algo sobre si. Eram patas caminhando. Patas grandes de um felino pesado que rosnava com os dentes amostra. Edgar ergueu a cabeça e viu que o tigre estava com as patas dianteiras bem sobre seu peito. Aqueles ferozes olhos amarelos o fitavam impiedosamente. Num ato de total pânico Edgar tentou empurrar aquele tigre enorme para longe, mas o animal atacava com vigor, usando suas grandes garras afiadas para cortar os braços de Edgar. Por mais que ele empurrasse o animal com mãos e pernas, nunca era o bastante para escapar de suas garras. Edgar se debatia enquanto seu sangue manchava a areia e escorria pelo seu rosto desesperado. Quando o tigre finalmente partiu para o ataque final e Edgar sentiu que ele cravou seus dentes na sua jugular, ele gritou com toda sua força — NÃOOOOO! — e caindo da cama assustou Douglas que apavorado tentou acudi-lo.

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Levantando com calma e com a ajuda de Douglas, Edgar se sentou na cama com suas mãos ainda trêmulas. Era como se ele pudesse sentir em seus braços os cortes ainda ardendo. Zuu também estava no quarto, aguardando que ele acordasse, e ficou impressionado com o que acabara de presenciar.

Ele não esperava que Edgar ainda estivesse tão abalado com tudo que estava acontecendo. Quando Edgar se acalmou, Zuu quis falar sobre o que havia acontecido mais cedo, a respeito da tentativa de fuga fracassada.

Ele queria deixar claro o quanto era importante que Edgar e Douglas colaborassem com ele, mas para sua surpresa, Edgar não tentou argumentar. Pelo contrário, implorou por socorro, dizendo que não aguentava mais aquela situação. Ele não conseguia se concentrar, não dormia direito nem podia manter o foco no que lhe diziam, ele já confundia a realidade e delírios sem saber onde estava. Zuu viu diante de si um homem desesperado, traumatizado pelo acidente com o avião, que agora estava surtando ajoelhado diante dele.

Era óbvio que Edgar não estava em seu juízo perfeito e por isso, ao invés de repreender Edgar por tentar fugir, Zuu lhe ofereceu ajuda. — Se você quiser e puder confiar em mim, poderei fazer algo por você... — disse Zuu, estendendo sua mão sobre a cabeça de Edgar. Assim que Edgar fechou os olhos e assentiu, Zuu se concentrou tocando-lhe a cabeça.

Edgar sentiu seu cérebro formigar, como se tivesse ficado dormente e rapidamente inspirou e trancou o ar em seus pulmões, numa fração de segundo todas as lembranças, sonhos, ideias, pensamentos banais, conversas memórias, tudo passou diante de seus olhos de uma só vez, e se encaixou perfeitamente. Naquele momento todo desespero cessou. Edgar voltou a ser a pessoa ponderada e racional que sempre foi, com todo seu autocontrole e bom senso de volta.

Quando ergueu sua cabeça e se pôs de pé, Edgar fitou os olhos de Zuu firmemente, o encarou por um momento e lhe agradeceu.

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5 Num dia claro e ensolarado, caminhando com seu terno preto e seus óculos escuros, Edgar encontrou

Julia sua esposa e Evelin sua filha. Com um grande sorriso no rosto todos se despediam. Estavam felizes por que Edgar iria fazer uma viagem muito importante de trabalho que poderia ajudá-lo a ter a promoção que há muito tempo vinha querendo. Depois de fazer varias promessas e dar muitos beijos em sua filha, Edgar se despediu de sua família e foi fazer o check-in para embarcar no avião que o levaria pela primeira vez á Itália, onde ficaria por quase um mês.

Depois de viajar durante três semanas por toda Itália a trabalho, lembrando sempre de comprar presentes para Evelin e Julia, ele assinou os últimos contratos pendentes e voltou ao hotel para refazer as malas. Logo embarcaria de volta para o Brasil.

Antes de fechar a ultima mala conferiu os pacotes e embrulhos para sua família e a passagem, por um momento imaginou como teria sido melhor se pudesse ter trazido elas junto. — Com certeza teria sido uma viajem incrível com elas aqui. Quem sabe na próxima... — Pensou ele olhando o relógio. Já estava chegando a hora de sair do hotel. Ele foi ao aeroporto, parecia tudo em ordem com sua passagem e bagagens.

Havia uma comitiva do alto escalão do exército brasileiro visitando o aeroporto italiano, aparentemente estavam tratando de negócios, pois eram acompanhados por militares italianos de altas patentes. Eles pareciam discutir sobre algo importante, pois todos estavam muito tensos, os generais estavam inquietos enquanto um deles apontava um avião brasileiro na pista que estava taxiando.

Edgar assistiu aquela cena, curioso, por que nunca tinha visto o alto escalão militar brasileiro assim de perto, e parecia uma cena bizarra ver todos aqueles homens fardados juntos discutindo como uma turma de formigas batendo as cabeças por ai.

Logo que recebeu o aviso, Edgar embarcou e a aeronave começou a se mover. Ele tomou um calmante que havia comprado para ajudá-lo a dormir durante as seis horas de voo na viajem de volta. Assim não teria que ficar gastando sua paciência até chegar ao Brasil, e poderia descansar antes de chegar á sua casa, pois mesmo que tendo estado bem hospedado, Edgar não dormia muito bem em hotéis.

Durante o voo Edgar não conseguia ter um sono profundo, apenas um breve descanso, que era bem vindo mesmo assim. Depois de algumas horas de voo a turbulência sacudiu o avião até que ele acordou. Alguns passageiros estavam assustados, mas a comissária explicou que aquilo era bem normal e logo todos se acalmaram. Apesar do avião ter parado de tremer e todos terem voltado a conversar tranquilamente, Edgar não conseguiu voltar a dormir, pois os calmantes tinham acabado.

Tentando se ocupar com algo Edgar começou a reparar nas pessoas que passavam pelo corredor. Olhando o jeito de andar e as roupas que usavam, ele tentava imaginar de que parte do Brasil elas seriam. Logo ele percebeu que a aeromoça frequentemente se inclinava sobre ele para servir com amendoins o passageiro na poltrona ao lado.

Quando veio novamente até a poltrona de Edgar e o viu acordado a aeromoça comentou que Edgar e o outro passageiro, ao seu lado, eram muito parecidos. Logo que ela se afastou Edgar e Willian começaram a conversar casualmente. Edgar achou que seria bom ter uma boa conversa pra passar o tempo afinal ainda faltavam duas ou três horas para o fim da viagem.

Aparentemente Willian não tinha muitos amigos nem parentes. Ele estava voltando ao Brasil depois de doze anos na Itália e mal sabia como encontraria sua família aqui, pois tinha perdido contato com eles a muito tempo. Antes que a conversa pudesse prosseguir, um aviso do piloto informou o mal funcionamento das turbinas e disse que teriam que fazer um pouso forçado no mar.

Imediatamente o som das turbinas começou a aumentar. As nuvens subiam rápido nas janelas. Malas e mascaras de ar caíram diante das pessoas. O avião estava mesmo caindo. Todos entraram em pânico. A gritaria se tornou ensurdecedora.

As pessoas tentavam afivelar os cintos, algumas não conseguiram. Willian não conseguiu. Quando o avião caiu no mar, deslizou pela água e se virou, partindo-se em três partes. A água entrou com força arrancando as poltronas. Willian foi levado pela correnteza sendo jogado contra as paredes, Edgar viu muito sangue se espalhar pela água.

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Entre os destroços do avião estavam Edgar e muitos dos passageiros que trancaram seus cintos. A maioria estava ferida e inconsciente. Logo o interior de avião ficou muito escuro pois ele afundava rapidamente. Edgar se soltou e quando conseguiu e emergir, ele avistou um banco de areia.

Edgar nadou até a areia. Após recuperar o fôlego ele olhou em volta e percebeu que poderia haver outros sobreviventes. Então decidiu voltar assim que avistasse qualquer sinal de vida. Ao perceber que alguém parecia tentar se agarrar a uma poltrona que ainda flutuava, Edgar se lançou novamente no mar para ajudar quem quer que estivesse lá.

Quando chegou até o lugar onde estava a poltrona, Edgar não encontrou ninguém, então mergulhou e viu um homem afundando, se afogando. Ele foi até o homem e o trouxe de volta á superfície. Apoiando o outro em um de seus ombros Edgar o levou até a areia.

Depois de se certificar de que o homem ficaria bem, Edgar voltou a olhar o mar á procura de mais alguém, mas não avistou nada mais além de destroços afundando. Após algum tempo o outro se recuperou e agradeceu muito a Edgar por salvar a sua vida. Durante alguns dias eles ficaram ali conversando na esperança de serem resgatados a qualquer momento. Após nove dias de espera e privações a esperança deu lugar ao desespero, depois ás alucinações.

Sem comida, nem bebida, eles estavam morrendo rapidamente. Sofrendo as privações e a exposição ao clima, dormindo ao relento e passando dias inteiros sem abrigo do sol, eles começaram a perder a noção de realidade. Os desmaios se tornaram frequentes e depois constantes, já não tinham forças nem mesmo para ficar de pé. Dos últimos dias, Edgar só conseguia lembrar-se das alucinações e sonhos que teve, pois não conseguiu ter nenhum momento de lucidez.

Depois de nove dias entregues a sorte, já quase sem vida, inconscientes, desidratados e desnutridos, Edgar e Douglas foram tirados do banco de areia, arrastados para dentro daquela nave por seres estranhos que os salvaram das garras da morte nos últimos minutos.

Isso era tudo o que ele podia lembrar sobre o acidente e o que aconteceu até serem resgatados. Sentado na cama enquanto segurava firme com as duas mãos o pequeno espelho que Douglas pegara no almoxarifado, Edgar olhava seu rosto marcado pelos dias de sol e privações que teve antes de entrar naquela nave. — Se Zuu não tivesse me ajudado eu nunca conseguiria lembrar-me de tudo isso assim, tão ordenado. — pensou Edgar olhando para seus próprios olhos. Depois de organizar a mente de Edgar, Zuu o deixou com Douglas no dormitório dando-lhe algum tempo para rever suas memórias e se acalmar.

Agora que sua mente estava calma e clara como o dia, Edgar conseguia lembrar perfeitamente de tudo o que lhe tinha acontecido. Também podia lembrar com clareza o que se passou desde que entraram naquela nave. Repassando em sua mente cada palavra dita desde que acordou lá pela primeira vez, Edgar percebeu que apesar de Zuu ter contado que os salvou da morte certa naquele banco de areia, ele nunca deixou claro como os ET’s podiam estar lá na hora exata para salva-los.

A tentativa de fuga mal sucedida de Edgar tinha servido para deixar claro que apesar de toda a cortesia, Zuu não era o que parecia. A intenção dele nunca foi deixá-los simplesmente livres, mesmo chamando Edgar e Douglas de hóspedes o tempo todo. Infelizmente era certo para Edgar que não teria outra chance tão boa de fugir quanto aquela afinal, Zuu jamais o deixaria tão livre para andar por ai como estava antes.

Olhando-se no espelho Edgar via claramente a expressão de tristeza em seus olhos por saber que seu único plano havia falhado. Ele ficou com uma aparência completamente abatida pela certeza daquilo que a falha em seu plano representava, manteve a cabeça baixa, já sem ânimo para mais nada.

Tentando mudar seu foco para afastar a tristeza, Edgar voltou a pensar sobre os propósitos dos ET's aqui na terra. Considerando que certamente eles não estavam aqui só para salvar a vida de Edgar e Douglas, ficava claro que o motivo da presença deles era algo muito maior. Uma coisa que Edgar já sabia era que eles estavam fazendo experiências com a mente humana, afinal foi Zuu mesmo quem afirmou isso. Então qual seria o objetivo deles aqui? Edgar imaginou que se pudessem controlar a mente humana talvez eles estivessem querendo subjugar a humanidade. Transformando todos em escravos.

Zuu deixou claro que usava informações de jornais do futuro para encontrar sobreviventes como eles, ele disse isso quando mostrou o almoxarifado para Edgar e Douglas, mas pelo que se pôde entender ele

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decidiu salvá-los por acaso. Os ET's não tinham viajado do futuro para cá apenas para salvar dois coitados á beira da morte. Havia um motivo maior pelo qual eles se sacrificaram para chegar até aqui.

— Talvez, estejam se preparando para dizimar a humanidade e tomar o planeta para si. Ambas as opções parecem exageradas, mas, se tratando de seres alienígenas que fazem experiências com a mente humana, não é exagero achar que podem estar pretendendo realizar um ataque contra toda a humanidade assim que dominarem os conhecimentos necessários sobre o funcionamento das nossas mentes — pensou Edgar.

Quando comentou sobre isso com Douglas, o primeiro impulso de seu colega foi simplesmente perguntar a Zuu qual a verdadeira razão para eles estarem aqui. Mas Edgar sabia muito bem que simplesmente perguntar não seria o suficiente, por que assim como omitiram a condição de cativeiro em que eles estão, também poderiam omitir as suas razões caso Zuu julgasse que eles não deveriam saber. Para Edgar a palavra de Zuu já não seria o bastante. Ele tinha que descobrir por conta própria tudo o que pudesse sobre os ET's, para ter alguma chance conhecer a verdade sobre eles.

Zuu havia dito que a única coisa que ainda não dominavam a respeito dos homo-sapiens era sobre a forma como podiam desenvolver capacidades parecidas com os poderes mentais deles quando ficavam muito tempo naquela nave. Isso fazia parecer que Edgar e Douglas não seriam submetidos á experiência cruéis enquanto estivessem ali, mas seriam cobaias mesmo assim. Com sorte, enquanto colaborassem com a pesquisa de Zeck, Edgar poderia descobrir mais sobre os ETs.

Por outro lado, Edgar também podia concluir que se descobrisse o que eles queriam aqui, talvez ele pudesse oferecer uma troca por sua liberdade, claro que isso só seria possível se o motivo da presença deles fosse algo bem diferente do que se esperava até agora. Por mais improvável que pudesse parecer, naquele momento Edgar sabia que tudo era possível.

Certamente a maior prioridade que Edgar poderia ter agora era descobrir qual o grande motivo para a presença dos ET's aqui. Pois, se tivessem a sorte de sair ou escapar de lá com vida, seria de suma importância que eles pudessem alertar os lideres das nações por todo mundo sobre o ataque iminente. Acompanhando o raciocínio de Edgar, Douglas concordou em cada palavra e se dispôs a ajudar o colega em sua investigação de todas as formas possíveis.

Edgar pôs o espelho no chão perto da porta, e se deitou novamente. Ficou olhando o teto luminoso e relembrando o que se passou naquela manhã, quando tentou fugir. Aquele plano era claramente falho agora, mas em seu desespero parecia ser bom o bastante para funcionar. Infelizmente Edgar nunca imaginaria que os ET's poderiam fazer o que fazem.

Todas as ilusões e truques que tinham visto até então pareciam ser artifícios tecnológicos. Edgar jamais imaginaria que eram realmente capacidades naturais dos ET's. E quando ele lembrava-se do encontro com Mark não restavam dúvidas, as capacidades deles estavam muito além do que se poderia imaginar. Agora sabendo de tudo isso ele admitia para si mesmo que foi um erro tentar fugir sem conhecer adequadamente os seus opressores.

Depois de deixar Edgar e Douglas algum tempo sozinhos dentro do seu dormitório, Zuu veio até eles novamente. Ele explicou que agora que eles já tinham se recuperado parcialmente, não precisavam mais receber comida via intravenosa e, portanto iriam conhecer o lugar onde deveriam fazer suas refeições daquele dia em diante.

Após caminhar alguns metros pelos corredores, eles entraram numa sala á direita. Edgar reparou que novamente era uma sala fechada completamente. Ele já estava se acostumando com isso, pois, sabia que dentro de mais um ou dois dias, estaria tão familiarizado com aquelas salas fechadas que nem perceberia mais a falta da luz natural.

Não era difícil para ele saber que se acostumaria, por que quando era criança, sempre que as férias de verão acabavam e ele voltava ás aulas, nos primeiros dias ele se sentia inquieto, como se fosse um animal de zoológico preso contra a sua vontade. Mas logo que começava a fazer novos amigos, Edgar se esquecia do quanto o lugar o incomodava por que seus amigos o mantinham ocupado demais com cochichos e outras coisas de criança, e assim, logo o ano passava voando como sempre.

Enquanto Zuu explicava como deveriam se comportar quando estivessem lá, Edgar estava distraído contando quantas mesas e cadeiras podia ver. Eram seis mesas grandes com seis cadeiras cada, logo, eram

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trinta e seis lugares, três mesas em cada lado do corredor que levava até o fundo da sala. Ele também percebeu que no final da sala havia sim uma janela, mas ela não dava vista pra fora da nave e sim para o lugar onde eram preparados os pratos com porções individuais.

Edgar interrompeu a explicação de Zuu, que estava pegando um prato, querendo saber se depois de comer voltariam ao treinamento com Zeck. Mas para sua surpresa, eles teriam outras atividades mais tarde. Além disso, ainda havia exames a fazer e outras pequenas coisas a serem resolvidas.

Quando se sentaram para comer, Edgar olhou atentamente para seu prato. Logo ele reparou que a comida parecia um pudim ou talvez uma pasta de alguma coisa sem nenhuma cor em especial. Honestamente a comida não era nem um pouco atraente. Mas antes que ele pudesse comentar qualquer coisa a respeito, o cheiro daquela pasta, aparentemente sem gosto, chegou ao seu olfato. E ele imediatamente começou a comer. Enquanto devorava tudo vorazmente Edgar tentava descobrir que cheiro era aquele. Não parecia churrasco. Também não era doce. Não lembrava nada que fosse delicioso, mas de alguma forma era irresistível.

Depois de comer, sentados cara-a-cara no refeitório, Zuu lhes explicou que a comida deles era uma combinação de tudo o que seu corpo poderia precisar para se recompor. Como os “nutrientes” não tinham naturalmente o melhor gosto imaginável, eles haviam acrescentado uma essência artificial que dava a qualquer coisa um aroma irresistível, assim ficaria garantido que eles se alimentariam perfeitamente sem protestar. Depois de informar que eles teriam alguns minutos para descansar antes das próximas atividades, Zuu se ausentou deixando-os novamente no quarto para conversarem a sós.

Depois de se deitar e de relaxar o corpo sobre o seu colchão macio, Douglas olhou para Edgar, que parecia frustrado, na cama ao lado e perguntou o óbvio — E então, o que deu errado na sua fuga?

Ainda muito abalado por lembrar-se do fracasso e da decepção que teve, Edgar contou passo a passo o que ocorreu depois que ele fugiu da sala de Zeck. Ele contou detalhadamente o quanto foi ágil em achar o caminho de fuga, mas logo ressaltou o seu grande erro. — Eles podem ouvir nossos pensamentos! Fui muito tolo de não perceber isto. Não sei se você notou, mas eles falaram em nossas mentes já algumas vezes — Douglas acenou com a cabeça positivamente — Pois eles não podem apenas falar em nossas mentes, mas também ouvir. Tenho certeza disto porque eles facilitaram a minha fuga em cada passo só para me ver chegar diante do tal Mark e fracassar. Agora percebo que nunca tive a menor chance de fugir realmente.

Edgar nunca foi o tipo de pessoa que se deixa abater por um fracasso. Ao longo de sua vida sempre teve o orgulho de saber que ao contrário da maioria das pessoas, ele dificilmente desistia de algo que achava importante. E nesse caso, agora a coisa mais importante do mundo era sair daquela nave antes que os ETs decidam se vão matá-lo ou não.

Mas depois de ter confrontado Mark e ter sentido o seu poder, algo parecia ter mudado nas convicções dele. Cada vez que lembrava do momento quando foi dominado a ponto de não poder mover sequer um músculo, Edgar sentia a opressão do fracasso sobre seu ímpeto. Cada vez que recordava-se de que até seus pensamentos mais íntimos podiam ser ouvidos como se estivessem sendo anunciados em megafones pelos corredores daquela nave, ele podia sentir a esperança de sair de lá com vida murchando em seu coração. O que mais o entristecia era saber que o seu futuro acabaria sendo decidido por alguém que não tinha motivo nenhum para dar valor á sua vida. Para Edgar, isso era como uma sentença de morte.

Logo que Edgar terminou de contar em detalhes como sua fuga fracassou a porta se abriu novamente, Zuu podia sentir a tristeza de Edgar mesmo antes de entrar no dormitório deles. Era fácil saber os motivos dele para estar assim, porém não havia nada a se fazer, pois o propósito de estarem ali era sem duvidas inquestionável e imutável para todos.

Assim ele os chamou e os guiou pelo caminho que tinham feito para chegar até a sala de Zeck, mas pararam alguns metros antes da secção do corredor, ali se abriu uma porta, lá dentro havia vários aparelhos de musculação como aqueles que Edgar e Douglas estavam acostumados a ver em academias comuns.

Surpreso pelo o que viu, Douglas questionou Zuu sobre seus hábitos e atividades. Por outro lado, Edgar não estava interessado em saber se aqueles seres se exercitavam fisicamente, já que eles aparentemente não precisavam de força braçal para nada. Zuu explicou que para favorecer a sua recuperação física eles deveriam se exercitar regularmente.

Douglas logo foi até o aparelho de supinos e começou pôr pesos na barra. Edgar foi ajudar enquanto Zuu observava calmamente, então Douglas se deitou e começou seus exercícios. Logo ele percebeu o quanto

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estava debilitado pelo período que passou naquele banco de areia, pois o peso que costumava levantar, agora parecia pesar uma tonelada. Logo que se certificou de que Edgar e Douglas saberiam como utilizar os aparelhos disponíveis Zuu se retirou sem avisar.

Enquanto estava ali esperando a sua vez, Edgar refletiu um pouco sobre a sua situação, logo decidiu ser mais cuidadoso com o que pensava, já que os ETs poderiam estar ouvindo, seria prudente evitar certos assuntos.

Assim que Douglas se levantou, o encarou com seriedade. Ficando cara a cara com Edgar seu colega aproveitou o momento a sós para esclarecer um ponto importante entre eles.

— Espero que lembre-se que cumpri minha parte em nosso acordo e de agora em diante você deve deixar para trás “aquele assunto” sobre minha família. — Edgar pensou em fazer um sinal com a mão direita, como um escoteiro, mas Douglas parecia estar tão tenso que ele desistiu da gracinha e apenas deu sua palavra.

Depois de duas horas sozinhos naquele lugar, Edgar e Douglas estavam exaustos, pois ainda não haviam recuperado a forma plena. Zuu os encontrou e guiou-os de volta ao dormitório. Sentindo o peso do cansaço, logo eles foram dormir para finalmente encerrar o longo dia em que Edgar não fugiu da nave alienígena.

Quando Edgar se deitou em sua cama, ficou pensando em Julia e Evelin, e em tudo que viveram juntos. Enquanto lembrava-se de quando ele e Julia entraram pela primeira vez em sua casa própria, Edgar teve uma sensação estranha, como se estivesse sendo observado. Ele abriu os olhos, olhou em volta. Douglas parecia estar dormindo, então ele voltou aos seus pensamentos.

A tristeza que Edgar sentia cada vez que lembrava estar cativo, como um criminoso, amargava até suas lembranças mais bonitas. Nem todo o otimismo do mundo seria o bastante para afastar aquele sentimento que o estava corroendo por dentro. Ele tentou se concentrar na imagem do rosto de Julia para afastar toda aquela tristeza, e assim, logo adormeceu.

Enquanto Edgar e Douglas dormiam profundamente, Zuu caminhava solitário pelos corredores agora escuros e sombrios da nave em modo noturno. Levado por passos calmos e longos, Zuu refletia sobre os acontecimentos do dia quando em seu caminho outro ET, de pele esverdeada bloqueou a passagem. Era Mark, aquele alienígena que impediu a fuga de Edgar mais cedo. Eles ficaram parados cara-a-cara enquanto trocavam pensamentos. Furioso Mark acusava seu superior. — Você confia demais neles Zuu. Já vimos que não merecem confiança. Eles tentaram fugir e tentarão novamente.

— Não confio mais neles do que em qualquer outro que tenhamos encontrado Mark, e não deixe que seus sentimentos atrapalhem seu julgamento. — advertiu Zuu, desacreditando os receios de seu subordinado que insistente e obsessivo replicou.

— Não ouse insinuar que estou julgando mal. Você sabe muito bem quanto me custou estar aqui. Não tente me tirar isto!

— Então pondere com cautela suas atitudes Mark. — advertiu Zuu vendo que Mark recuou dando passagem. — E quanto ás tentativas de fuga... imagino que você ainda lembre qual sua função aqui. — Então Zuu seguiu enfrente sem olhar novamente para Mark, que estava tão furioso, que sua raiva fazia o teto irradiar ondas de luz mesmo estando apagado.

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6 Edgar estava caminhando por um nevoeiro. Ele mal podia ver um metro á sua frente. Á sua volta não

via nada que servisse de referência sobre o lugar onde estava. Então confuso, ele olhou para baixo e viu água. Ele podia sentir a umidade debaixo dos pés descalços. Percebeu que estava andando sobre a água como se fosse terra firme.

Repentinamente Edgar teve uma sensação muito forte de que algo mais estava errado. Ele parou de andar, olhou para baixo e viu um enorme peixe nadando em círculos abaixo dele. Inclinou-se para frente e observando com mais atenção, percebeu que não havia se enganado.

Agora o tubarão estava vindo em sua direção e abrindo a boca. Aquele animal assustador era dono de sua atenção. Edgar correu sobre a água, correu, correu... mas o enorme tubarão branco era muito veloz, e num único salto abocanhou Edgar que caiu de sua cama, assustando Douglas que já estava se vestindo.

Assim que se acalmou, Edgar se vestiu e acompanhou Douglas até a sala onde Zeck deveria estar esperando por eles. Douglas contou que no dia anterior, depois que Edgar foi pego, Zuu disse que eles deveriam voltar lá sempre no inicio do dia. Edgar ficou surpreso com a despreocupação de Zuu com a vigilância, mas não era difícil para ele entender que apesar de Zuu não estar acompanhando pessoalmente cada passo que ele dava, Mark estaria sempre de alguma forma vigiando Edgar e Douglas, mesmo que fosse á distância.

Quando entraram na sala, ouviram uma voz cordial em suas mentes — Olá, hoje pretendo ensiná-los a conversar por pensamentos. — dizia a voz que logo Edgar entendeu pertencer a Zeck, que estava sentado numa cadeira ao lado da mesa no canto da sala.

Diante de Zeck havia um baralho, aparentemente comum. Sem mover os lábios, ele prosseguiu — O que caracteriza um diálogo é a troca de informações, portanto espero que aprendam a enviar seus pensamentos livremente um para o outro e também para mim. Para auxiliar seu aprendizado pedi que deixassem este baralho, do almoxarifado, aqui na mesa. — disse ele apontando para o baralho. Edgar e Douglas se aproximaram e sentaram-se.

Mesmo sentado numa cadeira assim como Douglas e Edgar, Zeck continuava a ser visivelmente mais alto. E sua magreza só acentuava mais ainda a disparidade entre eles. Edgar se sentiu pouco a vontade por estar tão próximo fisicamente de Zeck. Apesar de ele já ter se acostumado um pouco com aquela aparência artificial e humanoide dos “alienígenas”.

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Ele ainda não havia estado tão próximo fisicamente de nenhum deles como estava agora, — consciente — sentado á mesa, diante de Zeck. Os grandes olhos negros, que não tinham a parte branca do olho, eram tão escuros que até pareciam artificiais. E mesmo sendo constantemente úmidos e brilhantes, Edgar ainda não entendia como eles podiam não piscar. Ao invés de piscar os olhos, parecia que alguma coisa por dentro se movia. — Por causa dessas esquisitices que eles são tão diferentes de nós — concluiu Edgar tentando parar de encarar Zeck, antes que isso se tornasse demasiadamente inconveniente. Além disso eles não tinham orelhas. — reparou Edgar — Isso era tão estranho para ele quanto a forma deles “piscarem” os olhos.

Edgar tinha passado seu tempo tão preocupado com sua fuga, e depois com seu fracasso, que nem tivera tempo para ouvir as coisas que Douglas poderia contar sobre o seu dia anterior enquanto distraia Zeck para que ele pudesse fugir.

Uma coisa que Edgar só descobriu quando Zeck quis iniciar as instruções foi que enquanto estivessem tentando desenvolver capacidades psíquicas, eles deveriam usar uma espécie de tiara em suas cabeças. Na verdade era como um anel fino de metal avermelhado e polido. Zeck reexplicou para Edgar que aquela tiara era um aparelho de monitoração que transmitia leituras eletromagnéticas para o banco de dados da nave.

Quando Edgar finalmente conseguiu parar de reparar nas estranhezas de Zeck, pôde ouvir as instruções que ele estava dando para iniciar seu treinamento. Ao colocar a tiara em sua cabeça Edgar notou que uma faixa horizontal, fina e vermelha se acendeu pelas paredes da sala indicando que estava sendo utilizada.

Quando Douglas pôs a sua tiara outra faixa semelhante a primeira se acendeu embaixo, deixando assim duas linhas vermelhas, horizontais e paralelas acessas nas quatro paredes circundando a sala toda. Ele começou a se esforçar para manter-se focado nas palavras de Zeck que os instruiu a tirar cartas do baralho e tentar comunicar mentalmente um ao outro qual a carta que tinham na mão.

Logo que eles tiveram os primeiros fracassos, Douglas começou a questionar como poderia funcionar algo assim com eles, se eles dois, não tinham a menor idéia de como poderiam fazer-se ouvir na mente de alguém. Então Zeck explicou que quando se fala alguma coisa, dentro de nossa mente se cria um “pensamento” que existe independentemente de se falar aquilo que se pensa ou não. Portanto a informação existe e se manifesta na mente da pessoa, e tudo que eles tinham que fazer era aprender a se concentrar na pessoa que eles queriam que ouvisse o pensamento ao invés de verbalizá-lo.

Edgar se remoeu por dentro quando não pôde deixar de notar o quanto Zeck fazia parecer fácil, algo que até então, qualquer pessoa sensata, como Edgar acreditava ser, diria ser impossível. Depois de mais algum tempo passando as cartas sem sucesso, Edgar começou a se sentir frustrado, mas isso não o impediu de continuar até que finalmente Douglas olhou firme nos olhos do amigo, e Edgar sentiu em sua mente se formar um pensamento muito fraco, como um sussurro, dizendo que a carta seria um Ás de espadas. Mas ele hesitou e ficou quieto, então a voz de Zeck veio a sua mente — Qual era o naipe do Ás Edgar?

Edgar ficou tão surpreso em saber que realmente tinha ouvido a mensagem de Douglas, que deixou de lado a pergunta de Zeck e entusiasmado pediu que Douglas lhe desse o baralho, pois ele também queria tentar enviar um pensamento ao colega.

Depois de olhar para a carta, Edgar o encarou, mas um minuto se passou e nada aconteceu. Ele olhou outra carta olhou para Douglas novamente e nada, até que impaciente Douglas perguntou — Por que você não diz logo qual é a carta?

Frustrado, Edgar não sabia o que fazer já que estava seguindo a risca as instruções de Zeck — Estou tentando. Você não está ouvindo?

— Não, não ouvi nada. — respondeu Douglas, que se virando para Zeck perguntou — O que esta havendo? Por que Edgar não consegue?

Naquele momento Zeck os fez parar o que estavam fazendo e atentar para o que ele diria, afirmando que os princípios que estava prestes a explicar, regiam o desenvolvimento de todas as habilidades que eles viriam a adquirir naquela nave.

Ele afirmou que pensamento é energia. E ilustrou assim — Se vocês relaxarem bem seus corpos, logo notarão que existe uma constante vibração por toda esta nave. Essa vibração na verdade é a corrente de

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Nano-Energia circulando por todo o ambiente. Essa energia é gerada por nosso acelerador de partículas. A Nano-Energia em sua forma pura é semelhante e sujeita à energia suave que existe na mente humana, porém muito mais intensa.

Aos poucos por permanecer nesta nave, que é um ambiente rico em Nano-energia, os seus cérebros vão se acostumando e absorvendo-a aumentando assim a força de seus pensamentos, sendo que quanto mais acostumado o cérebro, e mais energia ele absorver, mais capaz de manifestar os poderes mentais se tornará. A sua mente vai absorver mais energia cada vez que vocês utilizarem alguma capacidade nova. E seu cérebro reforçará o reconhecimento desta nova habilidade. Edgar insatisfeito, insistiu que não entendia como poderia reforçar sua capacidade com a repetição de algo que ele nunca fez. Mas Zeck apenas disse que ele deveria persistir mais e mais até alcançar seu objetivo final, e ainda usou Douglas como exemplo, por que no dia anterior, enquanto Edgar tentava fugir, ele fez um grande progresso aprendendo a levitar um pequeno objeto.

Então eles dividiram o baralho ao meio e começaram a tentar sem parar durante muito tempo. Zeck ficou observando Edgar e Douglas olharem para as cartas em suas mãos tentando ouvir o outro dizer qual era a carta que tinha. Eles fizeram isto por horas antes que Edgar finalmente fizesse Douglas ouvir em sua mente qual era a sua carta. Quando Edgar conseguiu repetir o sucesso em enviar seu pensamento a Douglas, eles decidiram fazer uma pausa para descansar.

De todas as situações estranhas que Edgar já havia vivido, aquela agora, era a mais inusitada. Estavam ele, um estranho e um alienígena, sentados á mesa, dentro de uma nave espacial. — A cada dia isso fica mais absurdo. — Pensou Edgar. Por fim, querendo parar de se distrair com frivolidades, ele decidiu que não iria mais prestar atenção nestes detalhes “relativamente” insignificantes. Afinal a tendência daquela situação era continuar ficando bizarra, e ele não conseguia imaginar se haveria um limite para isso.

Depois da breve reflexão de Edgar, o silêncio inquietante começou a se impor. A fim de romper o silêncio, Douglas aproveitou para saber mais sobre o lugar de onde “eles” vieram. Depois de ponderar rapidamente sobre como tratar o assunto, Zeck concordou em mostrar o que eles queriam. Para tanto, o alienígena manipulou a percepção deles, fazendo seus sentidos verem e ouvirem aquilo que ele queria mostrar.

Antes mesmo de ouvir as primeiras palavras de Zeck, Edgar já podia ver diante de si, um planeta devastado e coberto pela poluição. Aquele planeta aparentemente morto flutuava no espaço, enquanto uma gigantesca nave espacial orbitava ao seu redor como se fosse uma lua de metal.

Dentro daquela grandiosa nave vivia toda a civilização de Zeck que enquanto mudava as imagens como num filme, ia falando que em seu planeta, num sistema solar próximo á via láctea, a sua civilização estava presa no espaço, orbitando sua terra-natal.

Dentro daquela grandiosa colônia espacial, seu povo estudava as mudanças em seu mundo depois que saíram dele e também estudavam o espaço que os cercava em busca de alguma solução para aquela situação de exílio. — contou Zeck fazendo Edgar e Douglas verem aquelas coisas diante de si, como se estivessem lá, no lugar do qual ele falava.

Ele contou que observando as estrelas pelo universo, seus cientistas descobriram muitas coisas inimagináveis. Dentre elas, eles descobriram que o brilho das estrelas e planetas que se podem ver, não são apenas um simples ponto brilhante na escuridão. Usando equipamentos avançados especialmente desenvolvidos para isso, eles conseguiram “traduzir” o raio de luz que vem dos planetas distantes, como a terra, por exemplo.

Quando eles fizeram isto, descobriram que a luz das estrelas traz consigo o reflexo dos planetas sobre os quais incidiu, e como se fosse um filme, esse reflexo viaja pelo espaço milhares de anos, a esmo. Sendo assim, a partir do momento em que conseguiram traduzir o brilho em imagens reconhecíveis, eles entenderam que tinham acessado a “Memória do Universo”.

Diante deles se apresentou a história de todos os planetas para onde olharam. Fascinados com a riqueza das informações que existiam naqueles pequenos pontos do céu estrelado, eles começaram a fazer registros e acompanhar por décadas aqueles planetas. Porém tudo o que viam estava sempre no passado distante, pois, até que a luz atravessasse a distância entre eles, os planetas muitas vezes chegavam a desaparecer.

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Edgar não pôde deixar de ficar fascinado com aquela idéia, pois ver no brilho das estrelas a histórias de incontáveis mundos, era realmente impressionante. Zeck prosseguiu dizendo que quando seus antepassados viram o planeta terra e a espécie humana, logo perceberam as inúmeras semelhanças, e começaram a imaginar se poderiam vir até aqui para conhecer este planeta e seus habitantes.

Mas a distância era grande demais e seria impossível que uma tripulação sobrevivesse a uma viajem tão longa. Por isso eles ficaram séculos observando este mundo girar. Eles viram o ápice e a decadência não apenas da humanidade, mas também do próprio planeta.

No entanto, por estarem exilados no espaço, sempre expostos á radiação dos geradores de Nano-Energia, os antepassados de Zeck sofreram alterações através das gerações seguintes. Sua espécie estava evoluindo rapidamente no espaço por ter varias gerações confinadas e submetidas á radiação constante.

Quando a radiação do gerador de energia acelerou a evolução daqueles seres na colônia espacial, eles se tornaram capazes de coisas surpreendentes. Logo que seus poderes mentais se tornaram grandes o bastante, os usaram para se transportar instantaneamente para cá. Como Zeck já havia dito, o planeta terra já tinha chegado á total decadência. Ele já era um mundo totalmente morto e vazio. Mas os poderes mentais deles continuavam aumentando com o passar das gerações, até que eles aprenderam a manipular o tempo. Foi assim que iniciaram esse projeto.

Ouvindo Zeck usar a palavra “projeto”, Edgar ficou um pouco confuso, pois não tinha entendido de que projeto estava falando, mas Zeck prosseguiu sua narrativa e nada do que Edgar tinha ouvido até agora o impressionara tanto quanto o que viria a seguir.

— A princípio apenas uma pequena tripulação se aventurou cruzando o tempo para vir até aqui. Mas logo que confirmaram a existência de todas as coisas interessantes que esperavam encontrar, iniciamos uma grande mobilização para reunir todos os recursos disponíveis e criar o sistema que se têm hoje á serviço do estudo de tudo o que há neste planeta desde o seu principio até seu fim. — Quando Zeck mencionou um “sistema” percebeu a surpresa de Edgar e Douglas. Apesar deles estarem temporariamente “cegos” para Zeck, devido a ilusão que os fazia ver o que ele contava, Zeck via o rosto deles e suas reações á suas palavras. Edgar estava realmente perplexo ao descobrir que aquela nave não era um caso isolado, mas sim parte de um verdadeiro sistema logístico que recolhia e transportava todo tipo de coisa em nosso planeta, desde minerais até a fauna e flora, através dos séculos em que eles estão aqui.

Como Zeck sabia que já tinha mesmo falado mais do que devia, decidiu contar logo os detalhes que não deviam ser mencionados, já que se não falasse Douglas certamente insistiria até que ele cedesse. Assim Zeck mostrou a eles um pouco do “sistema” que havia mencionado.

Ele o descreveu sendo dividido em três partes distintas, primeiro havia o que ele chamou de Naves Batedoras, que na verdade eram aqueles famosos “discos-voadores” que Edgar costumava ver em jornais e ilustrações fantasiosas. Zeck explicou que as batedoras eram naves pequenas e pouco tripuladas que viajavam pelo nosso planeta recolhendo amostras em qualquer lugar dentro da atmosfera.

Então elas levavam o material recolhido para as Cinco-Casas. — Lá todo material coletado é examinado e catalogado. Tudo o que julgamos ser de maior interesse é levado para o futuro e depois para a colônia. — Edgar estava deslumbrado. Ele via claramente ao alcance de suas mãos, milhares de óvnis atravessando constantemente o céu de todo o mundo. Era algo realmente assombroso.

Mas nem tão assombroso quanto as Cinco-Casas. Elas eram gigantescas instalações subterrâneas em cinco pontos do planeta, espalhadas pelos continentes. Nelas milhares das pequenas naves entravam e saiam constantemente. Lá dentro tudo era luminoso e prateado, e cada uma tinha seu próprio “gigantesco” gerador de partículas.

Milhares de Seres como Zeck, Zuu e Mark trabalhavam lá incessantemente. Edgar não pôde deixar de perceber que a maior parte deles parecia viver nas Cinco-Casas. É claro que isso foi o que mais o surpreendeu. Pensar que milhares daqueles seres vivem realmente em nosso planeta era muito inesperado. E pelo tamanho e complexidade das Cinco-Casas, Edgar concluiu que já deveria fazer muito tempo que eles estavam lá.

Zeck prosseguiu com as imagens, mostrando a nave onde eles estavam. Ele disse que aquela nave se chamava Transportadora. A função dela é fazer a viagem no tempo e no espaço até a colônia, levando consigo tudo o que eles classificam como precioso.

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Quando Zeck mostrou a nave transportadora, Edgar a viu de uma forma extremamente clara. Ele percebeu que ali, embora ele ainda não tivesse conhecido pessoalmente, havia cerca de trinta tripulantes. Cada um deles com funções específicas a realizar. Ele também notou que aquela nave era muito maior do que parecia até então.

Apesar de estar convencido de que reparar nas estranhezas da situação seria algo improdutivo, Edgar percebeu que no fundo de sua mente, uma idéia controversa estava nascendo. — Como quando ele era criança e via os filmes de detetives que reuniam detalhes avulsos para desvendar os mistérios. — Edgar podia sentir que por trás de toda sua tristeza e frustração, uma nova desconfiança estava aparecendo em sua mente se alimentando de cada detalhe despretensioso.

Assim que se sentiram descansados o bastante, Edgar e Douglas voltaram a praticar até que se tornaram razoavelmente capazes de se comunicar por pensamentos. Logo eles foram ao refeitório e Zuu os encontrou. Eles conversaram muito sobre as coisas que Zeck lhes revelou sobre seu mundo, e Douglas parecia fazer questão de deixar claro o quanto estava impressionado.

Concordando que a conversa que eles tiveram com Zeck foi produtiva, — tendo em vista o entusiasmo de Douglas — Zuu decidiu permitir que Edgar e Douglas tivessem contato com outros tripulantes. Certamente a intenção dele era mantê-los ocupados com o fascínio pelo desconhecido, para que não percebessem o que realmente estava acontecendo.

Edgar percebeu isso claramente e evitou ao máximo pensar nisto, pois sabia que diante de Zuu, seus pensamentos o trairiam. Já estava claro que agora seu maior desafio seria não pensar nas coisas que queria, pois todos ali podiam ouvir seus pensamentos. Então ele não viu outra saída senão arriscar a sorte em chamar a atenção de Zuu para isso, que tanto o incomodava. Ele sempre soube que quando se quer fugir de um assunto, o primeiro passo é fingir que ele não existe. Porém só havia uma forma de conseguir um pouco de segurança para os próprios pensamentos e era pedindo para Zuu. Então, receoso, Edgar não teve outra saída se não arriscar:

— Zuu, sabendo que todo o tempo vocês podem ouvir meus pensamentos, não consigo me sentir confortável nem para pesar em minha família, será que ao menos quando estou no dormitório eu poderia ter privacidade?

O H-Mentis ponderou, refletiu rapidamente a respeito, e por fim consentiu em determinar que pelo menos dentro do seu dormitório, ninguém deveria vigiar a mente deles. Depois voltou sua atenção á Douglas com quem teve uma longa conversa sobre tudo o que ele queira saber, Zuu deixou Edgar e Douglas a sós para fazerem sua refeição. De alguma forma eles perceberam que Zuu avisou quase instantaneamente a todos que quisessem que poderiam se aproximar dos “hospedes” pois, logo que ficaram a sós no refeitório, um dos seres que tinham a pele levemente dourada se aproximou da mesa e se sentou para comer junto com Edgar e Douglas.

A principio eles ficaram um pouco inquietos com a presença de mais aquele ser tão próximo deles. Mas logo ouviram em suas mentes a voz dele se apresentando como Norm. Ele disse que era um dos dourados — grupo que se revezava para manter a nave fora do tempo e invisível aos olhos. — No entanto estava em sua folga e gostaria de conhecer pessoalmente os novos hóspedes, que tiveram a sorte de serem salvos da morte por um triz. Edgar hesitou em conversar com aquele ser, Norm, mas Douglas ficou feliz de ter alguém diferente com quem dialogar, já que Edgar passava tempo demais remoendo sua tristeza desde que foi pego por Mark.

Douglas ainda estava encantado com tudo que Zeck havia dito sobre a colônia espacial e a pesquisa de seu povo sobre nosso planeta. Aparentemente Norm ficou satisfeito em poder contar mais sobre seu povo para Douglas.

Sem nenhuma vontade de participar da conversa, Edgar ouvia tudo em silêncio, sempre maquinando sobre o que ouvia para tentar provar que mentiam. Douglas parecia não pensar como Edgar, pois se maravilhava em saber tanto sobre um povo alienígena. Logo Norm se tornou o centro das atenções, narrando para Douglas sobre as viagens no tempo e o alto preço que pagam por isso.

Norm reafirmou que sempre que “violavam” o tempo, indo ou vindo do passado para o futuro, alguém inevitavelmente morria. Zuu já havia comentado algo a respeito logo que Edgar e Douglas tinham acordado, mas não tinha dado muitos detalhes sobre isso. Ele explicou que, como eles vão e vem no tempo,

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cada viagem custa duas vidas. — Claro que todos os tripulantes sabem disso — disse ele — e mesmo assim se oferecem como voluntários. Nós do povo H-Mentis — como Norm se autodenominou — vemos a vida e a morte com outros olhos, por isso não tememos a morte quando buscamos o bem maior, e também não temos o costume de simplesmente enterrar nossos mortos. Diferentemente de vocês humanos, nós cremamos os corpos e depositamos as cinzas em urnas de barro cru, depois acrescentamos terra e uma muda de alguma árvore frutífera, quando voltamos para casa enterramos os vasos no solo para que as plantas cresçam absorvendo as cinzas. Assim quando se tornam árvores adultas elas conservam simbolicamente as vidas das pessoas consigo, sempre vivas e presente junto das suas famílias. Lá temos o costume de plantar as mudas no terreno da casa onde cada família vive. Assim, com o passar dos anos, as árvores crescem e preservam simbolicamente a vida daqueles que morreram pelo bem de todos os outros, e frutificam permanecendo entre nós por varias gerações. — contou Norm.

Douglas concordou que isso parecia muito mais significativo do que aquilo que se faz aqui na terra. Mesmo sabendo que é apenas simbólico, pois a pessoa morta esta morta, mas algo dela permanece vivo e crescendo junto de sua família. É uma questão de simbolismo. Assim nenhuma despedida é definitiva. A pessoa pode não estar lá, mas aquela planta fará lembrarem-se dela como se ainda estivesse viva e presenciando os momentos felizes de nossas vidas através da árvore.

Norm também disse que na casa da família de Zeck o quintal é enorme. E está cheio de árvores ao redor. Isso porque a família dele foi pioneira nas viagens pelo tempo, e rendeu um grande pomar hereditário onde varias gerações se acumularam. É claro que todo o respeito e afeto que se têm pelas plantas do pomar são retribuídos com uma sorte muito variada de frutas que alimentam e alegram as gerações mais jovens. Esta tradição criou em nosso povo um sentimento de respeito e amor muito grande pela natureza.

Depois de um bom tempo de conversa finalmente Edgar mostrou algum interesse no assunto, perguntado a Norm sobre como é o lugar onde eles vivem afinal. Pois pelo que Zeck havia dito eles viviam todos na colônia espacial.

Logo o “dourado” esclareceu que após séculos de exílio seu planeta finalmente começou a se recompor e agora, á poucas gerações, eles recomeçaram a povoar sua terra-natal. Lentamente eles vêm ampliando seus povoados para voltar ao seu lugar de origem.

Então Norm criou uma ilusão para mostrar a eles o que estava querendo descrever, e junto com suas palavras Edgar e Douglas assistiam ás imagens da memória de Norm, enquanto ele falava, Edgar viu diante de si um planeta parecido com o seu. Apesar das árvores aparentarem nunca terem sido cortadas, e os rios serem extremamente limpos.

Os montes eram quase todos muitíssimo altos e separados por profundos penhascos. Mesmo vendo aquele lugar como se estivesse montado nas costas de uma águia em pleno voo, Edgar se deslumbrou com montes que chegavam ás nuvens acima dele. E os vales eram tão profundos que ás vezes nem se podia ver o seu fim. Entre cachoeiras gigantescas e vulcões adormecidos, uma vegetação densa e repleta de vida crescia abundantemente.

No centro do continente, no alto das montanhas, Edgar avistou casas brancas. Cada cume parecia um pequeno povoado com ruas de chão batido. Ao redor das casas havia pequenas plantações, e na frente delas eram cultivados pomares com muitas árvores que davam todo tipo de fruto.

Animais domésticos andavam pelas ruas acompanhando seus donos que se vestiam de branco e conversavam despreocupadamente. — Depois de milhares de anos sem a nossa interferência, o nosso planeta se regenerou naturalmente, permitindo ás criaturas que sobreviveram se multiplicarem livremente com abundância em tudo. Hoje o nosso planeta não se parece em nada com o mundo decadente que deixamos para trás quando fugimos para o espaço. Agora, podemos iniciar o repovoamento de nossa terra natal. — dizia Norm e enquanto a conversa prosseguia, eles mal puderam notar o quanto as horas avançaram, e logo Norm teve que se retirar para voltar ás suas funções.

Edgar e Douglas seguiram de acordo com as instruções de Zuu, e depois da refeição foram ao dormitório para descansar por alguns minutos antes de irem para o lugar onde deveriam se exercitar. Enquanto Douglas repassava varias e varias vezes suas opiniões sobre o que Zeck e Norm haviam falado, Edgar ficou quieto tentando descobrir se realmente ninguém estava ouvindo sua conversa.

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Para Edgar era absolutamente necessário ter alguma “privacidade” para pensar o que quiser sem ter os pensamentos vigiados. Mesmo estranhando a recente cooperação de Zuu, Edgar ficou feliz por ser assim, já que essa cooperação lhe dava a oportunidade de repensar seus atos e suas opiniões sobre o que lhes era dito.

Além de tudo o que se passava na mente de Edgar, ainda havia o fato de Zuu ter dito que permitiria que outros tripulantes como Norm, tivessem contato pessoal com ele e Douglas. Para seu colega essa decisão de Zuu mostrava que os alienígenas poderiam estar sendo sinceros sobre suas intenções em nosso planeta, mas Edgar se recusava a acreditar que sua presença aqui fosse meramente cientifica.

Acima de tudo, Edgar sabia que enquanto não tivesse certeza que ninguém ouviria suas conversas e pensamento no dormitório, ele não poderia falar com Douglas nada a respeito de uma nova tentativa de fuga. Era preciso ter certeza que desta vez ninguém saberia de seus planos. E certamente apenas a palavra de Zuu de que ninguém os vigiaria mentalmente, não era o suficiente para que ele se arriscasse a falar ou pensar nisso.

Edgar precisava ter certeza, e isto poderia ser difícil de conseguir. Com sorte, quem sabe ele pudesse aprender algum truque que o tornasse capaz de saber quem o observa ou não. Até lá, tudo o que ele poderia fazer era evitar o assunto e esperar.

Logo que prestou um pouco mais de atenção ao que Edgar estava pensando, Douglas alertou o colega sobre o seu maior erro, dizendo que ao invés de Edgar ficar focado em descobrir os possíveis segredos dos ET's, ele deveria se empenhar em aprender e desenvolver ao máximo todas as habilidades possíveis, pois se o que impediu a fuga de Edgar foi a incapacidade de reagir contra os poderes mentais de Mark, aprender a defender e revidar algo assim poderia ser a chave para uma fuga bem sucedida. Mesmo contrariado Edgar admitiu que Douglas estava certo. Se eles aprendessem o bastante sobre o uso de poderes assim, eles poderiam enfrentar de igual para igual os alienígenas.

Por mais que o espírito de Edgar tivesse se abalado com o fracasso, tendo sempre a certeza de que não seria capaz de confrontar nenhum dos alienígenas com sucesso, ele ainda lutava com sigo mesmo em sua mente para reerguer seu ânimo e voltar a ter esperanças.

Edgar sabia perfeitamente que se os alienígenas pretendessem libertá-lo mais tarde, já teriam dito isso para acalmá-lo a muito tempo. Ele não via motivos para acreditar que eles não estavam apenas esperando o tempo passar enquanto Edgar e Douglas colaborassem com suas pesquisas para depois os eliminar com facilidade. Então, indiferente a toda depressão e angústia, contra toda tristeza e desilusão, Edgar tinha que voltar a acreditar em si mesmo e na sua capacidade de resolver aquela situação, antes que fosse tarde demais.

Quando percebeu o desinteresse de Edgar por suas opiniões Douglas ficou distante, pensando sozinho nas coisas que Zeck e Norm haviam revelado sobre seu mundo e povo. Edgar também, mas diferente de Douglas que se maravilhava com todas as coisas que lhe disseram, ele tentava achar algo útil nas entre linhas.

Edgar ficou repassando cada palavra em sua mente tentando achar qualquer coisa que servisse como dica de uma mentira ou uma contradição qualquer. Depois de muito pensar em silêncio, ele entendeu que se tudo que Zeck falou sobre virem até a terra estudar nosso mundo fosse verdade, aquela nave que era uma transportadora, deveria ter em algum lugar ali, um depósito lotado de amostras de solo, fauna e flora recolhidas em nosso planeta. Edgar concluiu que a existência desse depósito provaria se falavam a verdade ou não.

Mas ele ainda sentia lá no fundo de sua mente aquela impressão de que algo estava errado. Logo notou que duas vidas é um preço muito alto a se pagar por amostras de solo, fauna e flora. Era difícil assimilar que o povo H-Mentis — como Norm os chamou — estava disposto a morrer por essas amostras. Talvez os ET's estivessem aqui para recolher materiais para ampliar sua colônia espacial, ou para reconstruir sua civilização invadindo nosso planeta, mas vir até aqui para estudar nosso mundo e levar apenas meia dúzia de coisas que achassem ter algum valor científico sabendo que a viagem custaria duas vidas, era difícil de acreditar.

Logo ele concluiu que alguma coisa naquela historia era mentira, mas qual parte seria? Edgar percebeu que descobrir o que estavam transportando o levaria á saber a verdade sobre tudo aquilo. Depois de se passar algum tempo enquanto Edgar mergulhava em seus pensamentos, e Douglas relembrava tudo o que lhe haviam dito, Zuu veio até a sala onde estavam para acompanha-los, dizendo que havia algo mais importante a fazer naquele momento do que se exercitarem.

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Logo Edgar percebeu que se tratava de algo muito sério a ser feito, pois viu a dureza no semblante de Zuu, que com um tom de voz mais impessoal do que de costume, convidou ele e Douglas a segui-lo. Enquanto caminhavam pelos largos corredores da nave, Edgar tentava encaixar a lembrança que tinha do caminho que fez quando tentou fugir com o lugar por onde passavam agora.

Apesar dos corredores serem praticamente iguais e constantes — o que dificultava muito a identificação dos lugares exatos. — Edgar pode reconhecer o caminho que estavam fazendo quando recordou a sequência das portas pelas quais passou em sua fuga. Ele percebeu que estavam realmente caminhando na direção da saída da nave e isso o deixou intrigado.

Era óbvio que Zuu não os deixaria partir, portanto, ele não os estava guindo para a saída. Os temores de Edgar começaram a crescer. Agora não era mais aquela voz no fundo de sua mente que o incomodava e sim o medo que ganhava força a cada passo que eles avançavam na direção da saída.

Apesar de ter que evitar certos assuntos, Edgar ainda podia fazer muitas considerações importantes mesmo que Zuu o ouvisse. De todas elas certamente a mais primordial era “Para onde estamos indo?” Mas se Zuu podia ouvir seus pensamentos e mesmo assim não falou nada, então era fácil deduzir que perguntar não adiantaria. Edgar continuou seguindo Zuu e Douglas até que chegaram a última porta á esquerda antes da junção do corredor de entrada e o corredor geral que circundava o gerador principal da nave.

Uma vez dentro daquela “nova” sala, Edgar rapidamente deduziu o que se fazia ali. Afinal uma sala cheia de tubos de ensaio, com prateleiras abarrotadas de espécimes variados de pequenos animais conservados em vidros e mesas repletas de relatórios, quase que certamente seria algum tipo de laboratório.

Mais ao fundo, atrás das prateleiras Edgar podia ver os grandes tanques cheios com aquele líquido azul e com máscaras de respiração. Ele lembrou-se de que quando ainda estava muito mal, desmaiando, em algum momento acordou dentro de um daqueles tanques e Douglas estava no outro ao seu lado.

Logo que entraram, outro ser chamou a atenção de Edgar e Douglas. Ele tinha uma cor avermelhada. A concentração de Edgar, sobre a aparência do novo ser, logo foi interrompida por uma voz já conhecida. Aquele ser era um dos que estavam observando Edgar e Douglas dentro dos tubos, Zuu o apresentou como Cout. Edgar já o tinha visto em outra situação, logo que acordou dentro daquela nave, aquele ser foi quem lhe deu água e cuidou deles nos primeiros dias.

Edgar ficou incomodado com a forma extremamente técnica e direta com a qual Cout tratava a ele e Douglas. Pois segundo Cout, estavam ali para retirar sangue e examiná-los e não para conversar. Ele tinha muitas perguntas sobre aqueles tubos e o que estava para acontecer, mas Zuu estava ocupado demais no momento. Ele estava calado, assistindo o que acontecia, e Edgar pode notar que Zuu estava conversando mentalmente com alguém, e a julgar pela expressão e o nível de atenção que Zuu dedicava àquela conversa, era claro que ele estava tratando de algum assunto relevante.

Cout guiou Edgar e Douglas até uma mesa onde havia algumas seringas, tubos de ensaio e aparelhos estranhos. Aos poucos Edgar já estava se acostumando com o modo indelicado com o qual Cout o tratava. Logo que eles chegaram até a mesa onde estavam os instrumentos que Cout pretendia usar, ele se preparou para começar a coleta das amostras de sangue de Edgar e Douglas.

Enquanto assistia Cout fazer o seu trabalho, Edgar reparou nos objetos que estavam sobre a mesa. Os tubos de ensaio que Edgar tinha visto estavam em suportes marcados com adesivos que tinham os seus nomes escritos. E estavam em lados separados da mesa, e entre eles também havia um objeto parecido com um ferro de passar roupa. Curioso, Edgar ficou atento ao que Cout fazia.

Sempre com muito cuidado para não permitir que as seringas rolassem mudando de lugar, Cout guardou as amostras de sangue e pegou o aparelho que parecia com um ferro de passar. Então ele levou suavemente o aparelho sobre o corpo de Edgar sempre parando sobre as áreas mais importantes.

O aparelho parecia lhe dar informações sobre as condições musculares dele. Depois de fazer o mesmo com Douglas ele começou a dar seu diagnostico. Cout explicou para Zuu que tinham esperado tempo de mais para resgatá-los. Eles ainda estavam em péssimas condições, e levariam vários dias para se recuperar suficientemente.

Para a surpresa de Edgar, Zuu respondeu em bom tom permitindo a Edgar e Douglas ouvir boa parte da conversa deles com facilidade. Aparentemente o prazo que Cout estava estimando era muito longo, pois

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Zuu temia que suas provisões não fossem o bastante para manter a nave e a tripulação por lá tanto tempo assim.

Mas Cout estava irredutível a respeito do diagnostico e sugeriu que Zuu reconsiderasse suas prioridades caso fosse tempo demais para esperar. Zuu consentiu com o prazo de Cout e disse que tomaria as providencia cabíveis. Ainda antes de saírem daquele laboratório, Cout alertou sobre a importância do bem estar de Edgar e Douglas para favorecer sua recuperação, dizendo que uma situação de estresse atrasaria ainda mais o tempo de espera deles.

No caminho de volta, Zuu comentou algo sobre os tanques de liquido azul dentro dos quais Edgar e Douglas estiveram dias atrás. Ele afirmou que aquele líquido serve para matar microrganismos e bactérias de todo tipo. O objetivo daquele “banho” era purificar o corpo deles. E agora que já estava se esgotando o prazo de quarentena, os tripulantes da nave poderiam deixar de usar suas máscaras — isso mesmo — para deixar Edgar ainda mais intrigado, ele descobriu que até então nunca tinha visto realmente o rosto de nenhum dos H-Mentis, pois o tempo todo eles usavam uma máscara protetora para agentes biológicos que poderiam estar escondidos no corpo de Edgar e Douglas.

Já no dormitório, em suas camas, os dois relembraram o longo dia que tiveram. Diferente de qualquer outro, o contato com os demais tripulantes tornou o tempo que eles passavam lá muito mais interessante.

Douglas não conseguia parar de pensar em todas as coisas mirabolantes que poderiam vir a seguir. Cheio de expectativas eles já começavam a esquecer um pouco a preocupação e os temores de antes.

Todas as noites antes de dormir, Edgar lembrava-se de sua família. Sua esposa e filha eram os únicos verdadeiros motivos pelos quais ele queria tanto viver. Depois que Zuu organizou a memória de Edgar, sua mente se tornou como uma máquina super eficiente. Ele conseguia lembrar-se de qualquer coisa em toda a sua vida nos mínimos detalhes. Cada cheiro, sabor, cor, emoção, tudo que ele já tinha vivido agora estava absolutamente claro e organizado á sua disposição constante. De todas as coisa que ele mais lembrava, as memórias dos primeiros anos de vida de Evelin eram as mais vistas e revistas por ele a cada noite.

Por mais que Edgar lembrasse que Zuu prometera ordenar que ninguém vigiasse os pensamentos deles dentro do dormitório, Edgar sempre tinha a impressão de estar sendo observado, principalmente quando estava lembrando-se de sua família. Mas isso já não o incomodava tanto assim já que essas memórias não eram motivo de preocupação a ninguém.

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7 Edgar estava se esforçando. Suas mãos calejadas empurravam uma enorme pedra quadrada. Sentindo

o suor escorrendo pelo seu rosto, ele olhou para os lados e percebeu que havia um grande número de pessoas empurrando aquela mesma pedra, mas os outros não tinham nenhuma pressa e empurravam a pedra sem fazer muito esforço.

Olhando para trás ele viu uma floresta em chamas. Mesmo de longe, o calor do fogo era insuportável. Edgar tinha que sair de lá e precisava levar aquele monólito junto. Então ele decidiu se esforçar mais para acelerar a pedra, porém tinha que fazer um esforço enorme para move-la apenas um pouco mais rápido, porque os outros não aumentavam o seu esforço com ele.

Edgar ficou frustrado. Sabia que se não se apressassem as chamas os alcançaria, e não havia o que fazer para mudar isto porque sozinho era impossível resolver aquele problema. Então ele desistiu, pois aquele era um desafio que não se poderia superar sem a ajuda de todos aqueles que o cercavam.

A cada minuto ele podia sentir o calor aumentar e por mais que o medo de morrer queimado o apavorasse, ele não podia fazer nada para evitar uma morte terrivelmente dolorosa. Um sentimento fortíssimo de impotência tomou conta dele. — Como poderia salvar minha própria vida se todos os outros preferem se entregar á morte? — Edgar abriu os olhos.

Chateado com a frustração do seu sonho ele se sentou. Olhando para frente, podia ver sua própria expressão abatida no pequeno espelho que estava no chão apoiado contra a parede. — Que droga de sonho foi esse? — pensou ele. Edgar olhou para Douglas que estava se levantando também.

Mais um dia estava começando e era impossível não lembrar-se do desânimo que aquele sonho lhe deu. Afinal de que adiantaria aprender as coisas que Zeck tinha pra ensinar e colaborar tanto com Zuu se no final provavelmente ele seria morto mesmo assim.

Até agora eles estavam sendo muito otimistas em achar que poderiam sair de lá independentemente da vontade dos ET's, quando na realidade era fácil entender que se quisessem eles poderiam matá-los a qualquer momento sendo que Edgar e Douglas nem sequer perceberiam o perigo até que fosse tarde demais.

Sabendo que não tinha escolha, Edgar acompanhou Douglas até a sala de Zeck, mas quando o encontraram veio a surpresa. — Edgar e Douglas ficaram totalmente pasmos, com seus queixos caídos e perplexos — Zeck estava muito diferente. Ele parecia agora muito mais com um ser humano do que qualquer um poderia imaginar.

Logo Edgar se recordou de ter ouvido Zuu comentar algo sobre aquele banho químico que eles tinham tomado dias atrás. Ele tinha comentado que logo os tripulantes da nave não teriam mais que usar suas máscaras. Na hora Edgar não deu importância por que parecia não fazer sentido o que Zuu estava dizendo, mas agora ele compreendera o significado daquilo.

Por um momento eles ficaram parados observando minuciosamente os detalhes daquele rosto hominídeo que os assustou. Os enormes olhos negros de Zeck, na verdade não eram negros. Agora sem aquela máscara, Edgar podia ver seus olhos que tinham uma cor azul muito intensa.

Ele não era careca como parecia, mas sim tinha cabelos castanhos, lisos e curtos. Seu nariz continuava a ser pequeno demais, como se não tivesse a parte de cartilagem. Ele tinha sim sobrancelhas, que eram finas e ralas. E ao redor do orifício do ouvido não havia orelha, apenas uma saliência aparentemente de cartilagem.

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Apesar das diferenças que não mudavam, como o tamanho desproporcional da cabeça, a altura exagerada, a magreza e o dedo a menos nas mãos, agora Zeck parecia muito mais com um ser humano. Outra vez Edgar sentiu uma idéia se formando no fundo de sua mente como uma desconfiança infundada, esperando por mais informações pra se manifestar.

Logo que Edgar e Douglas saíram do estado de choque ao ver Zeck assim tão diferente, ele mostrou que usava uma espécie roupa sobre todo o corpo dizendo que aquilo era necessário por causa dos riscos de contaminação devido á presença deles dois abordo daquela nave hermeticamente fechada.

Isso se dava pelo fato de que Edgar e Douglas ao serem trazidos para dentro da nave, trouxeram consigo uma grande quantidade de microrganismos. Por isso tiveram que ser submetidos ao banho esterilizante nos tubos com o líquido azul no laboratório.

Porém, como Edgar e Douglas agora tinham cumprido o período de quarentena, após os exames de Cout, foram considerados limpos de agente contagiantes. Assim deixou de ser necessário o uso das máscaras das Bio-Roupas. Então todos os demais tripulantes da nave incluindo Zeck puderam descobrir seu rosto revelando seu semblante incrivelmente inesperado.

Depois que Edgar e Douglas assimilaram tudo aquilo, Zeck decidiu dar inicio a lição do dia dizendo que ensinaria uma brincadeira de criança muito comum no povoado onde cresceu. Era uma técnica chamada “Adiar pensamentos” — como era de se esperar Edgar e Douglas franziram o cenho deixando clara a curiosidade que tiveram pelo nome da tal “técnica”.

Zeck imediatamente percebeu e explicou que se trata de um pequeno truque de controle da memória. — Para realizá-lo basta inspirar fundo, se concentrar na memória que se quer guardar e depois expirar lentamente. Assim pode-se estabelecer um marco pontual na memória escolhida. — disse Zeck com muita naturalidade, depois ele ainda fez uma analogia — A memória humana é como um baú. As coisas em que estamos pensando agora são postas dentro do baú. À medida que pensamos em outras coisas, esses novos pensamentos vão sendo postos sobre os anteriores que por sua vez ficam cada vez mais ao fundo. Quando inspiramos visualizando alguma coisa e soltamos o ar muito lentamente a imagem vai afundando na mente, direto para as profundezas do inconsciente. Por isso se alguém procurar por aquele pensamento na sua memória não vai encontrá-lo porque está encoberto por outros pensamentos. E quando você quiser recuperar a informação, só precisa inspirar lentamente e soltar o ar em um suspiro rápido, que a imagem guardada reaparecerá subitamente em seu consciente. Lembrem que o segredo para o sucesso nesse exercício está na concentração e no controle sobre a própria memória.

O tempo foi passando e por mais que Edgar tentasse ficar atento ao que Zeck dizia, ele mal conseguia deixar de reparar nos detalhes que deixavam Zeck tão parecido com um ser humano. Mesmo repetindo varias vezes o exercício apresentado, Edgar não conseguia tirar isso da cabeça. Enquanto Douglas aprendia a esconder e recuperar informações em sua mente, Edgar só conseguia pensar que se os ETs se pareciam tanto conosco, então seu interesse em nosso planeta deveria ser realmente a nossa espécie e não os nossos recursos naturais.

Enquanto Edgar observava minuciosamente os detalhes no rosto de Zeck e viajava em seus pensamentos, Douglas seguia atento a tudo o que ele falava. Logo Edgar percebeu que eles já estavam no meio das explicações de outro exercício quando ele finalmente conseguiu se concentrar no que Zeck dizia e não na sua incrível semelhança com os seres humanos.

Zeck anunciou que iria lhes ensinar a criar ilusões na mente de outras pessoas, quando Edgar começou a acompanhar o assunto Douglas estava perguntando qual a diferença entre ilusões e alucinações. Logo que esclareceu as duvidas de Douglas, Zeck explicou que o procedimento seria o mesmo que se usa para enviar pensamentos, porem teriam que se concentrar muito mais para enviar imagens claras para a mente de alguém.

Edgar reparou na tranquilidade e naturalidade de Douglas, que usando a tiara vermelha, agia como se fosse a coisa mais normal do mundo estar aprendendo aquelas “coisas mentais” dentro de uma nave alienígena com um ET explicando os detalhes. Ele também estava com sua tiara porque Zeck deixou muito claro o quanto era importante o uso dela, mas Edgar não conseguia se sentir a vontade com tudo aquilo, muito menos agir como se fosse uma situação confortável.

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Ele foi o primeiro a tentar enviar uma imagem ao colega, pois Douglas se achava na vantagem, convencido de ser o mais habilidoso. Nas primeiras tentativas Edgar mal era capaz de enviar a imagem, mas depois de algum tempo, ele conseguiu com perfeição criar na mente de Douglas aquela pedra que viu em seu sonho.

Douglas teve cada vez mais dificuldade em resistir àquela imagem, até que decidiu que estava na sua vez de tentar. Embora ele tivesse conseguido resultados consideráveis rapidamente, Edgar mostrou menor dificuldade em se livrar das imagens postas em sua mente por Douglas.

No meio do período em que eles ficariam lá com Zeck praticando e aprendendo sobre os poderes que suas mentes viriam a ter, eles fizeram uma breve pausa para descanso. Como Edgar e Douglas pareciam tão esgotados que mal trocavam pensamentos para poupar o esforço, Zeck decidiu contar um pouco mais sobre os poderes mentais que eles estavam desenvolvendo tão rapidamente ali.

Ele contou que após varias gerações de seu povo terem passado a vida inteira no exílio, sob a constante influência da radiação do gerador, eles começaram a desenvolver naturalmente aqueles poderes mentais. Dizia Zeck já produzindo imagens que acompanhavam sua narração na mente de Edgar e Douglas. — Aquela radiação permitiu que meus ancestrais desenvolvessem uma espécie de acúmulo de sais minerais no centro do cérebro, que funcionou como uma “antena” natural. — Para exemplificar, Zeck lembrou que vários animais em nosso planeta têm mecanismos naturais semelhantes a este, como os pássaros que podem orientar-se como se tivessem uma bússola dentro do cérebro, por exemplo. — Essa “antena” permitiu ao meu povo “sintonizar” a frequência dos pensamentos uns dos outros. Isso funcionou como se estivessem sintonizando rádios, mas aconteceu de mente para mente — explicou ele enquanto Edgar e Douglas se deslumbravam com a beleza dos lugares onde seus ancestrais viveram e a grandiosidade da colônia espacial.

Eles souberam que aquela capacidade foi responsável pela maioria dos poderes mentais que o povo H-Mentis desenvolveu. Todos os poderes que envolvem a interação direta de duas mentes puderam ser manifestados usando apenas a própria força mental sem nenhuma ajuda externa.

Já outros poderes como tele cinese, que envolve o poder mental e objetos, só foi possível enquanto estavam em contato frequente com a radiação do gerador de Nano-Energia. Isso aconteceu por que essa radiação se acumulava também pelas células de seus corpos. Quanto mais expostos ficavam, mais radiação absorviam. Se ficavam longe de qualquer fonte de radiação, as capacidades cinéticas começavam a enfraquecer até se extinguirem.

Assim Douglas entendeu que o poder de mover objetos era, de certa forma, artificial. Pois eles só tinham esse poder quando eram ajudados pela radiação do gerador de partículas. Zeck confirmou a lógica de Douglas e depois quase perdeu a linha de raciocínio graças aos pensamentos de Edgar que estavam muito longe dali.

Embora Zeck estivesse se concentrando na conversa, ele ouvia ao fundo os pensamentos de Edgar sobre filmes de ação e alguns Gibis. Por mais que Zeck quisesse prosseguir com as explicações ficava difícil manter o foco quando Edgar relembrava todos os filmes de ficção que viu em sua vida.

Por fim Zeck não teve escolha senão fitar os olhos em Edgar e literalmente lhe dar um “apagão mental” que o deixou totalmente desnorteado. Depois de alguns segundos, Edgar voltou a si e sem lembrar-se de nada do que estava pensando antes, ficou calmo e apesar de ainda estar confuso, se manteve calado e atento a cada palavra. Então Zeck prosseguiu. — Depois que se aprende a ouvir os pensamentos alheios, se torna fácil perceber o lugar onde estão as outras pessoas. Quando se habituarem a usar esta técnica vocês começarão a sentir a presença de suas mentes, e assim saberão onde estão as pessoas á sua volta mesmo sem vê-las. — Apesar de ainda estar meio tonto, Edgar novamente se esforçou para não pensar em que tipo de situação seria útil saber exatamente onde estão todos os tripulantes da nave, por isso se esforçou para simplesmente continuar ouvindo. — Quando vocês aprenderem a “sintonizar-se” com os outros tripulantes da nave, perceberão que toda a interação entre vocês e os outros, vai acontecer num lugar instável, e totalmente abstrato. Referimo-nos a este lugar como “Ambiente Mental”. Pois lá só existem as mentes das pessoas. Quando estamos acostumados com este ambiente, percebemos que é muito prático para encontrar pessoas que estão longe e conversar com elas à vontade, pois é um lugar perfeito e ilimitado para trocar informação. Mas é importante ter muita cautela quando se está “ligado” demais a alguém através do ambiente mental. Quando nos concentramos demais em alguém as coisas podem ficar estranhas, se isso acontecer,

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vocês devem sair de lá rapidamente e sem tocar em nada. — Depois de uma breve pausa, com uma expressão muito séria no rosto Zeck falou lenta e pausadamente — No ambiente mental só existe uma regra, se avistarem uma estrela no alto, nunca, mas nunca mesmo, toquem na estrela que ilumina a mente de outra pessoa. — O tom sério na voz de Zeck realmente era muito forte, mas a sensação que ele transmitia ao inconsciente de Edgar e Douglas era mil vezes mais intensa. Claro que nenhum dos dois entendia muito bem sobre o quê exatamente Zeck estava falando, pois eles “ainda” não sabiam como chegar ao tal Ambiente Metal. Porém logo eles descobririam.

Após uma explicação tão longa sobre algo muito abstrato, Edgar e Douglas fizeram uma boa pausa para entender tudo aquilo e descansar um pouco suas mentes após tantas horas de concentração. Quando voltaram a realizar os exercícios, finalmente Edgar se saiu melhor do que Douglas.

Após a lição de Zeck, eles foram almoçar, e chegando ao refeitório não havia ninguém por lá. Edgar pegou o seu prato e viu pela pequena janela os dois seres lá dentro separando a comida em porções menores e limpando os recipientes onde era conservada, mas logo a janela se fechou.

Enquanto comiam, Edgar ouviu em sua mente a voz de Douglas — Estou feliz em ver que você finalmente começou a evoluir em suas capacidades mentais. — afirmou Douglas com um tom de sarcasmo.

Edgar nunca se considerou uma pessoa competitiva, mas se sentiu na obrigação de corrigir seu colega — Douglas, eu não apenas comecei a evoluir como te superei claramente nos exercícios, ou você não notou? — ironizou Edgar debochando.

Eles se calaram, e numa troca de olhares frios, entre eles nasceu uma pequena rivalidade quando o assunto era o poder mental. Ambos afirmavam que estavam á frente um do outro e Edgar começou a ver o quanto Douglas podia ser teimoso quando queria convencer alguém.

8 Além do dia de Edgar ter começado muito mal graças ao sonho totalmente frustrante que teve, a cada

momento se tornava pior. Logo que Edgar e Douglas terminaram seu tempo com Zeck e almoçaram, Zuu os procurou ainda no refeitório. Ele também estava com o rosto á mostra. Edgar entendeu que agora provavelmente todos os outros ETs estariam assim.

Apesar da conversa curta e tensa, entre Edgar e seu colega durante o almoço, ele estava ha horas ansiando por um momento a sós com Douglas para comentar sobre as coisas que Zeck falou e também sobre a incrível semelhança entre eles e os supostos alienígenas sem saber que a sua ansiedade por uma conversa na privacidade do dormitório era recíproca, pois lá não deveriam ser vigiados segundo as ordens de Zuu. Ainda

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que fosse contra sua vontade, Edgar teria que acompanhar Zuu sem questionar, para evitar atritos ou desconfianças da parte do H-Mentis.

Assim Edgar seguiu Douglas e Zuu até a sala principal da nave onde ficava o gerador de partículas. Quando entraram, ele olhou em volta e percebeu que havia um dourado de pé, sendo que todos os outros presentes permaneciam deitados em silêncio. Enquanto Edgar observava os que estavam deitados ao redor do gerador de partículas, aquele que estava de pé se aproximou deles. Ficou claro que a intenção de Zuu era apresentar o responsável pelos dourados á Edgar e Douglas, mas para a surpresa do próprio Zuu eles já se conheciam.

No dia anterior quando Zuu anunciou que seria permitido que os tripulantes confraternizassem com os hóspedes, Norm já tinha se prontificado a conhecê-los. Ainda que eles mal o tenham reconhecido no primeiro momento, pois no dia anterior ele ainda estava usando sua máscara, e assim como Zeck e Zuu, agora, Norm estava com seu rosto descoberto.

Edgar atentou rapidamente para suas feições, realmente ele parecia ser muito velho apesar de seus cabelos ainda serem negros. Seus olhos eram enormes assim como os de todos os ETs, mas os de Norm eram de uma cor verde muito amarelada. O rosto dele era maçudo e tinha traços fundos nas linhas de expressão, e seu corpo estava aparentemente um pouco acima do peso para os padrões dos ETs.

Enquanto Edgar se perdia em seus pensamentos, Douglas começou a tomar a atenção de Zuu e Norm toda para si. Os três ficaram trocando pensamentos e Edgar podia vê-los de pé, um diante do outro de olhos fechados em silêncio. Para Edgar aquilo era muito estranho, mas pelo visto Douglas queria se exibir mostrando que era capaz de se comunicar daquele jeito bizarro.

Enquanto Norm, Zuu, e Douglas se distraiam falando sobre todas as coisas que Douglas conseguia perguntar, Edgar se distanciou da conversa, pois estava ainda obcecado por suas desconfianças sobre a aparência dos ETs. Para ele era difícil entender como Douglas conseguia ignorar algo tão evidente.

Quando eles se encontraram com Zuu antes de chegar naquela sala, Edgar já estava tendo de fazer um enorme esforço para não comentar novamente sobre o assunto, pois Zuu além de se parecer com um humano, também se parecia especialmente com Zeck. Apesar de ser um pouco mais alto, ele também tinha olhos muito azuis, porém mais claros. E seus cabelos ralos eram brancos.

Enquanto eles conversavam, Edgar se afastou lentamente dos três, sem nenhum interesse pelo que estavam falando. Ele girou a cabeça olhando atento à tudo naquela sala. Logo viu que além do circulo de cadeiras reclinadas, que mais pareciam lugares deitados onde os “Dourados” ficavam para fazer o seu trabalho, havia mais algumas coisas por ali.

Num canto afastado daquela sala havia uma mesa, onde ficavam uma jarra de água, um antigo tabuleiro de damas ou xadrez, além de dois dados e um jogo de cartas. Edgar ficou curioso e se aproximou da mesa. Ele não esperava ver coisas tão familiares num lugar como aquele. Enquanto mexia nas cartas, curioso, tentando entender o que elas faziam ali, ele ouviu uma voz feminina em sua mente — O que você acha, isso basta para passar o tempo? — Surpreso Edgar olhou para trás rapidamente e viu uma mulher, loira, com o cabelo preso, de mais ou menos um metro e setenta de altura, com um sorriso simpático e dentes perfeitos, olhos claros como o azul do céu numa tarde de verão, ela realmente tinha uma beleza singular. Depois de um instante calado pela surpresa, ficou feliz por ver que ele e Douglas não eram os únicos humanos ali.

Mas novamente Edgar foi surpreendido, agora pela resposta dela. Pois ela não era humana. — Esta não é minha aparência real, mas com base na sua reação, acho que você gostaria que fosse. —

brincou ela estendendo a mão — Eu sou J8C5K2, mas prefiro que me chame de Jack. Edgar, surpreso insistiu em perguntar se aquela não era de fato sua aparência real. E Jack novamente

explicou que aquela aparência que Edgar estava vendo era uma projeção que ela mesma estava fazendo na sua mente. Ela disse que fazia isso por que queria que ele se sentisse mais a vontade. Pois achava que deveria ser muito desagradável se sentir tão diferente de todo mundo estando em um lugar que é visivelmente inquietante como aquele.

Edgar estranhou que ela tivesse tanta consideração com o seu bem estar. E logo percebeu que, além disso, ela parecia se sentir melhor quando não era vista como uma criatura estranha. Ele percebeu que Jack fazia questão de projetar em sua mente aquela aparência tão bela e atraente por que queria se sentir aceita. Ela

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fez aquilo para que ele não a olhasse como olha para os outros H-Mentis, que para Edgar pareciam uma mistura feia de humanos com os alienígenas que se vê nos filmes.

Enquanto conversavam, Jack foi se aproximando daquela pequena mesa e se sentou. Edgar a acompanhou, sentando-se diante dela. Rapidamente ele estranhou que os ETs usassem nossos jogos para passar o tempo e não jogos próprios de seu povo.

Por causa da ilusão que Jack estava criando na mente de Edgar, ele não podia ver sua roupa dourada, como a de Norm. Aos seus olhos ela usava um vestido longo, que chegava até os pés. Ele era branco com estampa de flores. E era muito solto e rodado abaixo dos quadris, mas acima era justo. Deixava os ombros á mostra e tinha um decote discreto.

Edgar tentou não reparar como o corpo de Jack era sinuoso e sua cintura era fina. Ele sabia que aquela aparência não era real, por isso manteve o foco no seu rosto, que mesmo sendo tão belo, ainda o permitia se concentrar no que estava fazendo.

Logo Edgar deduziu que por estar naquela sala Jack deveria ser uma dos “dourados”. Ela confirmou explicando que por eles estarem sempre se revezando, dois deles estavam o tempo todo livres, fazendo um rodízio para que todos pudessem descansar sempre que fosse preciso. Disse ela pegando algumas das cartas na mão.

A conversa começou a fluir com naturalidade. Edgar perguntou se Jack tinha filhos e também tomou algumas cartas e a desafiou a adivinhá-las.

Com facilidade Jack disse que a carta na mão de Edgar era um Três de paus. Ela falou que tem um filho chamado P5C5K3, apelidado de Peck. Ela perguntou sobre a filha de Edgar, e fez um gesto para que ele também adivinhasse a carta que estava em sua mão.

Edgar já tinha aprendido a fazer este tipo de truque mental com Zeck, por isso foi fácil para ele dizer que a carta na mão de Jack era um Cinco de ouros. Ele pegou outra carta para que ela pudesse adivinhar, sem perceber que estava tão entretido naquele jogo de adivinhação que tudo á sua volta parecia ter desaparecido.

Pela primeira vez em muito tempo ele estava tendo uma conversa informal e agradável. E para alguém em sua posição, um momento assim agora tinha um valor inestimável. Edgar falou que sua filha se chamava Evelin e tinha oito anos de idade. E perguntou se Jack teria deixado seu filho aos cuidados do pai para que ela pudesse estar ali.

Enquanto seguiam adivinhando com facilidade as cartas de Edgar, Jack disse que quando ela estava fora, seu filho ficava com sua família toda. E deixou claro que só se ariscava vindo naquelas viagens por que os seus poderes mentais eram muito fortes e assim tinham um grande valor para o grupo como um todo.

Edgar também adivinhava as cartas dela sem esforço, e se mostrou intrigado por perceber que ela não tinha medo de ter deixado seu filho com a família correndo o risco de nunca mais vê-lo.

Jack disse que seu povo acredita que morrer a serviço de um propósito maior em favor do coletivo era louvável, e seu filho cresceria com orgulho de sua mãe por seu ato altruísta caso o pior viesse a acontecer.

Querendo diminuir a seriedade da conversa, Edgar perguntou se Jack era solteira ou se seu marido morava com a sua família.

Jack sorriu constrangida pela pergunta — Você tem um valete de copas — disse ela — Eu já estou separada do pai de Peck a um ano e meio. É que nós não temos a mesma cultura que vocês quando se trata de relacionamentos amorosos. Depois que os filhos tem uma certa idade, costumamos nos separar. Dificilmente nossos relacionamentos duram mais que cinco anos.

— Você tem uma rainha de ouros — disse Edgar antes de ousar uma pergunta muito mais pessoal e maliciosa do que Jack poderia esperar — Então quer dizer que você está disponível?

Ela corou, e com o rosto avermelhado quase gaguejou antes de dizer que ele tinha um nove de espadas. Rapidamente Edgar a corrigiu. Pois ele tinha em sua mão um seis de espadas. Ele percebeu que Jack estava muito desconfortável com a pergunta, mas ela insistiu em continuar com o assunto e ele decidiu simplesmente ouvir tudo calado.

Ela contou que na colônia espacial quase ninguém se casa. Ou pelo menos não por causa de filhos. — É a coisa mais normal do mundo duas pessoas terem filhos e criá-los sem se comprometerem de qualquer outra forma. Temos muita liberdade quando se trata de relacionamentos. — explicou Jack.

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Enquanto eles continuavam com a adivinhação de cartas. Jack foi explicando que os valores morais dos humanos eram bem diferentes dos seus. Ao contrário do que ele poderia esperar, no planeta dela, relacionamentos casuais eram o padrão do normal.

Quando uma filha contava aos pais que estava grávida a família muitas vezes dava uma festa para comemorar por que o seu povo vinha a séculos fugindo das sombras a extinção. Por isso cada moça grávida dava muito orgulho e alegria a sua família. Isso acontecia por que os H-Mentis tinham uma séria dificuldade de fertilidade.

Para Edgar isso ainda parecia um pouco estranho embora ele tivesse que admitir que conhecia pessoas que já estavam quase tão a vontade com esse assunto quanto Jack. Logo que Edgar começou a se imaginar no lugar da nova colega, pôde entender como seus valores podiam ser assim diferentes, e ele concordou que isso tornava muito mais simples a educação e criação dos filhos, já que de acordo com Jack todos os parentes dela faziam questão de ajudar ao máximo em tudo que dizia respeito à criança. Depois de algum tempo falando sobre isso o assunto pareceu se esgotar e após uma breve pausa Jack surpreendeu Edgar com uma pergunta que o perturbaria ainda mais. Se inclinando discretamente sobre a mesa, com um sussurro, Jack perguntou ao pé do ouvido de Edgar — Já te convenceram que são deuses?

Edgar sentiu um calafrio subir pela espinha. E ficou assustado e intrigado com a súbita mudança de assunto. Percebendo o quanto ele ficou assustado e confuso ela insistiu — Os outros... eles já te convenceram que são como divindades inatingíveis, ou ainda estão tentando te impressionar?

Até aquele momento Edgar vinha esquecendo suas frustrações, pois estava muito envolvido com aquela companhia tão agradável que Jack vinha oferecendo. Mas agora ela o fez lembrar todas as coisas pelas quais ele havia passado desde que acordou naquela nave. Então ele se inclinou para trás, se apoiando no encosto da cadeira. Respirou fundo e disse — Bem, me disseram que ouvem meus pensamentos e que sabem onde estou a cada instante. Eu até tentei fugir, mas descobri que nem precisam me tocar para me imobilizar. Podem viajar no tempo e manipular minha mente com facilidade. É, admito que pra mim, parecem insuperáveis, sim. — lamentou Edgar descontente.

Então Jack, pela primeira vez falou direto na mente de Edgar para que ninguém mais pudesse ouvi-la — “Não acredite tanto assim no poder dos outros” — disse ela, vendo um pequeno brilho nos olhos de Edgar — “Apenas Zuu nesta nave tem extremo poder. Eles não podem vigiar todos os lugares ao mesmo tempo. É possível sim enganá-los. Porém, — ela advertiu — Zuu é tão poderoso que pode invadir à força sua mente ou de qualquer outro aqui, e por isso, se você pensar em fugir não pode nem sequer permitir que Zuu desconfie. Além do que, ele têm uma capacidade singular de calcular e intuir o futuro com tanta precisão que chega a beirar a adivinhação.”

Edgar ficou muito surpreso e intrigado. Era claro que Jack o estava encorajando a fugir. A despeito de tudo que Zuu e os outros H-Mentis vinham fazendo até agora, ela estava deliberadamente o incentivando a fazer aquilo que todos os outros mais repudiavam. E ele logo quis entender por que ela o incitaria a fugir.

Por mais que conhecesse os seus próprios motivos para resistir á tudo o que Zuu queria lhe impor, por mais que Edgar temesse por sua vida ali, por mais importante que sua família fosse para ele, suas esperanças já vinham a tempos diminuindo. A cada dia ele acreditava menos que sairia de lá com vida. A cada dia acreditava menos que poderia rever sua família para abraçá-las novamente. E agora ele estava experimentando uma coisa que ninguém lhe tinha oferecido desde que acordou naquela nave. Jack estava demonstrando compaixão por ele.

Olhando em seus olhos ela disse em sua mente — “Eu estou muito comprometida com o propósito destas missões e levo muito a sério os motivos de estar aqui, mas acho que eles exageram um pouco nessa coisa de destino. Você é um pai de família, tem gente que depende muito de você. Sei muito bem que no seu planeta as coisas são mais difíceis, não é tão simples criar um filho”.

Enquanto Edgar a olhava com muita surpresa e desconfiança, ele tentava distinguir se aquilo que ela estava afirmando era realmente sério ou se seria uma espécie de teste. Era quase impossível saber a diferença, mas não demorou para que Edgar se desse conta de que se fosse um teste e ele fosse reprovado, não poderiam fazer a ele nada pior do que ele já esperava que fizessem, então não havia nada a perder, concluiu enquanto continuava atento as palavras que o encorajavam tanto. — Eles falam de destino aqui e ali, mas a verdade é que se nós temos o direito de mudar o nosso futuro, por que não pode ser assim pra você também?

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— Rapidamente Jack mostrou a Edgar que o objetivo das suas vindas até a terra era principalmente buscar amostras de plantas e animais para levar ao seu planeta, pois assim eles puderam acelerar a recuperação do meio ambiente outrora devastado que agora se regenerava rapidamente.

Ela também disse que se o destino de sua espécie era a extinção e mesmo assim eles se acharam no direito de mudar este futuro, então Edgar deveria ter o mesmo direito de mudar o seu futuro fugindo daquela nave antes de descobrir se tirariam a sua vida ou não.

Jack deixou claro que sabia muito bem em que condições estavam Edgar e Douglas quando foram resgatados do banco de areia. Ela mesma os viu e sabia que se não tivessem sido salvos agora já estariam mortos. Porém, foram salvos, suas vidas não acabaram, e não há motivos para aceitar a morte pelas mãos de quem antes lhe acolheu. Ela disse com todas as letras — “Eu realmente acho que se você encontrar uma forma de fugir daqui, não deve desperdiçar a oportunidade.”

Edgar lamentou em silêncio por um instante e lembrou-a que já havia tentado fugir, mas falhou absolutamente. Então Jack lhe contou que já sabia, e mais, sabia desde o inicio que isso aconteceria, pois Zuu já havia previsto o que ele faria dias antes de Edgar sair da sala de Zeck.

E por isso Zuu havia deixado Mark sobre aviso na porta por onde Edgar tentaria fugir. Claro que as palavras de Jack só serviram para desencorajá-lo ainda mais, no entanto, ela lhe deixou um conselho muito útil, que Edgar decidiria seguir ao pé da letra daí por diante. Ela disse — “Seja criativo. Tente não fazer o óbvio como da primeira vez, e principalmente vigie seus pensamentos”.

Antes que Edgar pudesse falar qualquer outra coisa Jack largou as cartas que ainda tinha nas mãos e se levantou rapidamente. Edgar percebeu que havia algo de errado e olhou para trás, onde Zuu parecia ter acabado de aparecer para chamá-lo. Eles se despediram e Jack retornou ao seu posto deitada ao redor do gerador, e logo ficou completamente imóvel, como se nem estivesse acordada.

Enquanto caminhavam de volta ao dormitório, Edgar e Douglas comentaram com Zuu sobre algumas das coisas que eles descobriram conversando naquele período. Para Zuu era inevitável perceber o quando os dois pareceram apreciar aquela oportunidade. Isso o deixou contente, pois ele sabia que quanto mais eles se sentissem a vontade estando ali, menos atenção dariam ao passar do tempo.

Assim que Zuu os deixou no dormitório e a porta se fechou, Edgar e Douglas se encararam iniciando uma troca de pensamentos fervorosa. Edgar começou afirmando que as semelhanças físicas que ele viu entre ETs e humanos, agora que estavam sem as máscaras, eram muito mais numerosas do que ele esperava.

Ele mostrou que realmente achava difícil acreditar que tantas semelhanças podiam ser apenas coincidência. — “Talvez eles não sejam de outra espécie como dizem, mas apenas outra raça de humanos, ou sei lá...” — especulou Edgar.

Mas Douglas tinha ideias muito mais agressivas para compartilhar. Ele comentou que desde o inicio do dia, quando Zeck falou sobre os tipos de poder mental, ele viu que ali poderia estar a fraqueza deles. Quando Zuu os levou para conversar com Norm, ele também confirmou que sem o gerador de partículas, os H-Mentis perderiam os poderes cinéticos.

Assim Douglas apresentou o seu próprio plano de fuga. — “Se pudermos danificar o gerador de partículas, eles perderão os poderes e poderemos enfrentá-los fisicamente. Como somos mais fortes, mesmo debilitados, e como o gerador não fica muito longe da porta principal, poderíamos sair com vida, nós dois juntos!” — Antes que Edgar pudesse perguntar como fariam para danificar o gerador, Douglas lembrou que no almoxarifado, entre tantas coisas antigas, também havia armas de fogo do exército.

Aparentemente o plano era simples, mas ainda que o gerador fosse inutilizado e eles perdessem os poderes cinéticos, Edgar sabia que Zuu poderia prever o que fariam com muita antecedência e por isso, as chances de sucesso eram muito menores do que Douglas poderia imaginar.

Depois de refletirem um pouco sobre o plano de Douglas, eles se prepararam para dormir. Mesmo que o plano de seu colega estivesse parecendo bom, Edgar ainda não estava satisfeito. Aquela sensação no fundo de sua mente ainda o perturbava. Ele continuava achando que a verdade sobre a origem dos ETs, assim como seu propósito aqui, estava sendo escondida, ou pelo menos distorcida.

No entanto ele tinha que aceitar algumas das coisas que ouviu para que conseguisse achar um sentido para os fatos que não podia negar. Ele sabia que os ETs eram realmente muito semelhantes aos humanos,

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mesmo sendo de um planeta distante. Ele também sabia que eles podem viajar no tempo, afinal o almoxarifado tinha provas incontestáveis disto.

A única explicação razoável para as semelhanças físicas que eles podiam apresentar era que o planeta deles também é parecido com o nosso. Mas Edgar não sabia se isso era realmente uma prova de que falavam a verdade ou se era uma pista sobre o que estavam escondendo.

Edgar só tinha certeza que, se Douglas destruísse o gerador e eles não conseguissem fugir, os ETs os matariam o quanto antes. Portanto, ele tinha que descobrir a verdade antes que Douglas desse início ao seu plano de fuga.

Do lado de fora do dormitório, nos corredores escuros da nave, Zuu caminhava a passos largos, depois de deixar Edgar e Douglas para trás, ele passou pela frente do refeitório, e Mark cruzou seu caminho no sentido oposto.

Zuu percebeu que Mark ainda estava usando sua máscara, mesmo sabendo que todos os outros tripulantes já haviam dispensado o uso delas. Rapidamente, Zuu também notou que Mark estava lembrando-se de ter observado secretamente Edgar e Douglas na academia outro dia. Ele ficou irritado com a teimosia de Mark em vigiá-los constantemente de “muito” perto, mas seguiu seu caminho sem dizer nada. Distraído com Mark, Zuu nem sequer percebeu que por ele também passaram outros dois seres de Bio-Roupas brancas. Os dois, que Edgar havia visto mais cedo pela janela no refeitório, por sua vez eles assistiram aos pensamentos de Zuu sem interferir e se afastaram o mais rápido que puderam dele.

Mark parou na frente da porta do refeitório para comentar com os outros guardas, que também usavam Bio-Roupas de cor verde, que viu Edgar e Douglas se exercitando e teve receio de que eles talvez se tornem mais poderosos do que se espera, mas os guardas não deram valor aos receios de Mark. Os dois de branco logo entraram tentando não deixar que percebessem que eles ouviram também esta conversa alheia.

Zuu seguiu até a sala de Cout, o laboratório, para saber como estavam as primeiras leituras das amostras de sangue de Edgar e Douglas, pois dos resultados que Cout apresentaria dependiam as decisões mais importantes que ele tinha para tomar.

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9 Edgar estava voando. Do alto, ele podia ver todo o bairro onde morava, suas ruas asfaltadas e as

entradas para carros em cada terreno da vizinhança. A maioria das casas tinha muros e altos portões. Edgar conhecia aquele lugar muito bem, ele cresceu lá. Passou por cima da antiga escola, do clube de caça e tiro e do salão. Quando estava chegando perto de casa a saudade e a ansiedade começaram a deixá-lo nervoso. — Como será que esta a minha casa? — pensou ele.

A esperança de rever Julia no quintal brincando com Evelin, assim como em suas lembranças mais felizes, era óbvia. Olhando as casas passarem por baixo de seu corpo ele ficou apreensivo. — Cadê minha casa? — Edgar ficou pasmo, pois ela não estava lá.

De um lado a casa do vizinho da esquerda, do outro a do vizinho da direita. — E a minha? — repentinamente Edgar estava no chão. Com os pés firmes no barro, ele se deparou com um algum lugar desconhecido. Pequenas pedras cinzentas que marcavam a trilha dos pneus dos carros desenhavam o caminho por entre as árvores de um bosque verdejante.

Olhando em volta, não viu nada além de árvores e um caminho a seguir. Ele começou a andar e a cada passo se sentia mais confiante de que algo bom estava para acontecer. A luz quente dos raios de sol que penetravam entre as folhas das árvores lhe dava um novo ânimo. Edgar sentia-se bem.

Caminhando cada vez mais satisfeito, com um sorriso no rosto e passos largos naquele belo lugar. Ele sentia-se muito realizado, entusiasmado como se fosse seu aniversário, até que encontrou Jack. Ela estava com aquela aparência humana que usara para se apresentar a ele no dia anterior.

Edgar nunca a viu com sua verdadeira aparência, mas isso não importava nada naquele momento. Quando a viu, ele só pensou em coisas boas. Ela que tanto o apoiara, encorajando-o, agora estava ali com ele, e isso o deixava ainda mais satisfeito com aquele lugar.

Ele parou diante dela sem dizer nada, podia sentir o seu coração bater forte, pulsando vigorosamente em seu peito. Ela se aproximou, sussurrou algo em seu ouvido que ele não entendeu e depois lhe beijou. Ele ficou tão confuso tentando entender o que ela havia dito que nem se preocupou com o fato dela ainda o estar beijando.

Quando Jack se afastou ele a encarou, ela sorriu. Lentamente o rosto de Jack foi mudando sem perder o sorriso sincero, até que se tornou o rosto de Julia, que ainda sorrindo se aproximou e disse — Você também precisa de nós. — Edgar não sabia o que dizer, e tentou beijá-la, mas antes que seus lábios encontrassem os dela, ele acordou.

— Você também precisa de nós. — repetiu ele com um sussurro — O que será que isso quer dizer? — Edgar ficou deitado, com os olhos abertos e completamente desperto. O sono foi embora com o sonho e ele ficou lá, esperando encontrar algum sentido para algo que, ele sabia muito bem, provavelmente não teria nenhum.

Naquela manhã, quando eles chegaram á sala de treinamento, Zeck já estava lá. Desta vez Edgar não se impressionou tanto com o aspecto hominídeo de Zeck. Como tudo mais naquele lugar suavemente enlouquecedor, a aparência dos ETs estava se tornando cada vez mais comum aos olhos de quem os via constantemente.

A essa altura, depois de passar muito tempo recluso naquela nave, Edgar já se sentia de certa forma a vontade com aquele lugar. Sua saudade de casa parecia se esconder por trás de todas as surpresas, ideias e coisas fascinantes que lhe eram apresentadas diariamente. Mas não importava o quanto Edgar ficasse impressionado durante o dia, todas as noites ele lembrava-se de sua família e a saudade esperava pelo sono com ele.

Como sempre o bom humor implacável de Zeck tomou a atenção de Edgar e Douglas rapidamente, enquanto ele explicava quais os objetivos dos próximos exercícios. E Edgar sempre insistia em fazer

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comentários engraçadinhos como “Gostaria que você ensinasse a me tele transportar” ou “Sempre quis aprender isto antes de morrer”. Mas nem o sarcasmo de Edgar, nem a curiosidade exageradamente minuciosa de Douglas, eram capazes de distrair Zeck de seus objetivos durante o tempo que passavam juntos.

Zeck esclareceu que devido ao tempo que eles já haviam passado a bordo da nave, seus poderes mentais deveriam ter alcançado níveis razoáveis e agora ele poderia ensiná-los a levitar grandes objetos. Logo Douglas se gabou dizendo que já imaginava que seria este o próximo passo, pois eles vinham tendo bons resultados consecutivos. Zeck tentou não deixar Douglas guiar a conversa, iniciando suas explicações. Enquanto as horas passavam, eles relembraram do que já sabiam e Zeck os orientou corrigindo pequenos detalhes até realizarem com perfeição tudo aquilo que já tinham dominado.

Usando móveis e outros objetos que estavam naquela sala desde o primeiro dia em que Edgar e Douglas estiveram lá, eles praticaram por algum tempo revezando-se entre os enormes cubos coloridos e as bolas acolchoadas. Edgar demorou um pouco para conseguir dominar um objeto grande. Quando finalmente conseguiu fazê-lo adequadamente, ele ficou tão empolgado que olhou para os objetos que Douglas estava manipulando, e sem querer, devido sua distração, acabou deixando seus próprios objetos caírem no chão fazendo um grande estrondo que foi seguido pelas palavras de Zeck insistindo na importância do foco. — Concentre-se!

Depois de algumas horas reforçando a técnica, Zeck decidiu que eles deveriam fazer uma breve pausa para pôr seus pensamentos em ordem, afinal toda aquela concentração exigia muito autocontrole deles. Enquanto descansavam, Edgar aproveitou para tirar suas duvidas mais recentes. A mais óbvia era sobre o limite de peso para se erguer com o poder da mente. Zeck, afirmou que não há limites de peso, desde que a mente seja bem treinada e poderosa. A segunda pergunta de Edgar deixou Douglas inquieto — É possível usar este poder contra o chão? — Ele mal terminou a pergunta e já podia ouvir as risadinhas de Douglas acompanhadas de pensamentos debochados, mas para a surpresa de ambos, e resposta de Zeck foi mais que positiva.

— É claro. Nas colônias de repovoamento de nosso planeta é assim que nos deslocamos a longas distâncias. Principalmente quando temos que ir de uma comunidade até outra. — enquanto Douglas ficava perplexo com o que estava ouvindo, Edgar tentava tirar mais detalhes de Zeck.

Não demorou para a incredulidade de Douglas se tornar tão intensa que Zeck se dispôs a fazer uma breve demonstração. Então, se posicionando no centro da sala, ele fechou os olhos e espalmou as mãos para baixo. Suavemente ele foi levitando até seus pés chegarem a um metro do chão. Edgar e Douglas ficaram boquiabertos com aquilo e o silêncio durou algum tempo até que Edgar se levantou e imitou Zeck.

Douglas zombou da atitude de Edgar que tentou fazer igual, pois ele parecia ser incapaz de imitar os H-Mentis. Até que ele olhou para o chão e espalmou as mãos como se elas estivessem sobre ele, depois as empurrou para baixo mantendo toda a concentração que pôde. Edgar viu o chão se afastar e se sentiu muito livre, pois foi a primeira vez em que ele literalmente levitou.

Edgar lembrou-se de quantas vezes quis fazer aquilo quando era criança e imediatamente caiu no chão, agora se apoiando realmente com as mãos. Edgar lembrou que não podia se desconcentrar durante o exercício, por que tudo dependia de usar a mente. — como Zeck já havia dito — Então continuou repetindo o exercício até ter sucesso e dominar também a técnica de levitação.

Depois de tanto debochar, ao ver que Edgar estava realmente tendo sucesso, Douglas tentou fazer o mesmo, mas levou muito mais tempo para ter domínio.

Por alguns momentos Edgar se sentiu como quando era uma criança, inocente e despreocupada, brincando de herói com seus poucos amigos de infância. E assim como na sua infância, quando a brincadeira estava divertida o tempo passava mais rápido.

Depois de aprenderam tudo o que podiam sobre a “levitação” e se divertirem por um tempo com isso, Edgar, Douglas e Zeck conversaram descontraidamente sobre histórias de heróis e brincadeiras de criança que faziam na infância imaginando se algo assim seria possível um dia. Nesses raros momentos quando Edgar se esquecia de toda a tensão e todos seus temores, conseguia tirar de seus ombros o peso de sua preocupação e se sentir realmente bem, mesmo que fosse em tão poucas ocasiões.

Depois do breve intervalo, Zeck anunciou algo que realmente surpreendeu seus alunos, mais até do que a levitação. Depois de aprenderem a ler pensamentos, projetar ilusões e até mover coisas com a mente,

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Zeck decidiu que estavam prontos para receber as lições básicas da disputa de poder, pois para isso só faltava uma ultima lição, dividir a “atenção”.

Agora Edgar e Douglas, que já estavam a alguns dias discutindo sobre qual deles tinha o maior poder metal, poderiam pôr suas capacidades á prova como numa queda de braço psíquica. Confrontando diretamente suas habilidades eles finalmente iriam encerrar aquela rivalidade infantil e voltar a agir como bons amigos.

Zeck afirmou que para usar o poder mental contra outro individuo eles teriam que esquecer o que estavam vendo diante de seus olhos e se concentrar na presença da mente da pessoa para que seu poder mental pudesse atingir o individuo em questão. Parecia simples, mas para isso eles teriam que fazer algo muito desafiador que era se concentrar na pessoa, para sentir a presença de sua mente, e focar no que se queria fazer ao mesmo tempo, dividindo assim sua atenção em duas coisas simultaneamente.

Edgar e Douglas tiveram tanta dificuldade para aprender a dividir sua atenção que Zeck percebeu que poderia demorar vários dias até que eles dominassem a técnica o suficiente para poder se enfrentarem de fato. A frustração deles em ter que esperar ficou tão clara para Zeck que até o fez ponderar se deveria mesmo ensinar algo assim aos dois.

No entanto ele sabia muito bem que eles não teriam tempo bastante para se tornarem uma ameaça por causa desta habilidade, pois deveria demorar muito tempo para que pudessem dominar suficientemente bem a capacidade de dividir sua atenção a ponto de usar isso contra alguém de modo que fosse perigoso. Para Edgar, no entanto, a idéia de se concentrar realmente em duas ou mais coisas ao mesmo tempo, parecia muito mais interessante do que uma disputa de poder com Douglas.

Naquela noite no dormitório, Douglas se deitou e ficou calado. Edgar ficou sentado na cama olhando seu reflexo no pequeno espelho apoiado contra a parede. Ele se encarou por algum tempo enquanto seu corpo relaxava. Logo começou a mergulhar nos seus pensamentos mais profundos esquecendo-se do cativeiro.

Quando Edgar viu sua imagem pela primeira vez que pegou aquele espelho nas mãos, seu rosto estava muito pior. Os cabelos eram muito ralos e sua pele tinha um aspecto ressecado. Apesar de saber que ainda não estava nem perto de sua aparência realmente saudável, ele se via muito melhor do que antes.

Edgar já não tinha dores pelo corpo, e seu cabelo estava voltando a crescer e se fortalecer, a ferida em sua perna já estava cicatrizada. — É óbvio que estou muito melhor... Quanto tempo será que ainda tenho antes que me considerem pronto? Apenas alguns dias? Se eles nos mantêm aqui para estudar as nossas capacidades de aprender a usar o poder da mente, quando chegarmos ao máximo de capacidade eles não terão mais motivos pra nos manter aqui... e então terão em suas mãos adversários perigosos que aprenderam coisas que não deveriam saber... — Edgar ficou tenso — Quanto tempo ainda vão esperar? Será que vão nos matar ou nos libertar? Será que apagarão nossas memórias? Se eu pelo menos descobrisse alguma forma de escapar não teria que passar por isso. — Edgar lamentou — Será que elas estão bem? — ele parou, se olhou melhor no espelho, se esticou para pega-lo com a mão, e depois se sentou na cama novamente.

Ele lembrou-se de quando era criança. Durante toda a sua vida, assim como todo mundo, ele agiu como se fosse ser jovem para sempre, até que conheceu Julia. — A maturidade vem com o tempo... — ponderou ele lembrando-se do dia de seu casamento.

Logo, lembrou-se dos primeiros anos com sua esposa, quando Evelin ainda não tinha nascido. Pensou nas viagens e passeios com Julia. — Pena ter tido tão poucos amigos. — Edgar lembrou-se dos tempos de escola, quando conhecia tanta gente.

Recordou a morte trágica de seus pais, quando ele tinha recém comemorado seu aniversario de dezenove anos. — Graças à Deus ela me apareceu como um anjo para me fazer sorrir de novo. — Edgar suspiro de saudades de sua esposa.

Com certa satisfação ele se lembrava dos bons momentos que viveu enquanto era mais jovem. Lembrou de seus pais que fizeram tanta falta. — Onde meus amigos foram parar? Acho que isso acontece com todo mundo... a vida segue e leva os nossos amigos, depois leva as pessoas que amamos e no fim nos leva também.

Nos dias que se seguiram Edgar e Douglas começaram a ficar cada vez mais distantes um do outro, apesar de dormirem no mesmo quarto e terem sua orientação com Zeck juntos. Todos os dias, Douglas

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mentalmente conversava muito com Norm e outros dos ETs. Edgar passava a maior parte do seu tempo livre meditando no próprio dormitório, sempre sozinho e isolado.

À noite no seu quarto, Douglas ficava sentado na beira da cama conversando mentalmente, deixando Edgar com seus pensamentos e desconfianças apenas para si. Edgar começou a achar que Douglas tinha esquecido seu plano de fingir concordar com os ETs e começara a se sentir tão a vontade com eles que esqueceu-se de que ali ele era uma cobaia e não um amigo.

Nesses dias Edgar se sentiu muito solitário, pois o único amigo que fez ali era Jack, e muitas vezes ela não podia nem conversar com ele. Nas tardes que não se sentia disposto para ir se exercitar, Edgar ficava no seu dormitório meditando, tentando melhorar sua concentração e seu autocontrole.

Embora Edgar tivesse suas desconfianças, sempre que falava com algum dos H-Mentis eles contavam histórias sobre seu mundo e seu passado com perfeição e ele concluiu que se não estivessem falando a verdade pelo menos deveriam ter combinado muito bem o que diriam, pois até então nunca houve contradição nas palavras de nenhum deles.

Todas as manhãs quando Zeck vinha mostrar um novo exercício para dividir a atenção, Edgar e Douglas se empenhavam para aprender o mais rapidamente possível, mas agora não era pela esperança de usar aquele conhecimento para fugir e sim para provar quem deles era o mais habilidoso, pois a sua pequena competição infantil, graças á pressão daquela situação, se tornou uma rivalidade constante. Somente quando estivessem prontos para se confrontar diretamente usando todo seu poder mental eles iriam pôr um fim naquele assunto.

Na maioria das tardes Douglas ia se exercitar, mas chegando lá começava a conversar mentalmente com os tripulantes sobre suas vidas e costumes e esquecia-se dos exercícios, assim como Edgar que para ter um tempo livre do colega, preferia ficar no dormitório meditando.

Nas poucas vezes que Douglas falava de fugir, Edgar insistia que deveriam esperar mais, pelo menos até terem força física e habilidade mental suficiente para atacar e se defender contra os ETs.

Quando Douglas ficava falando mentalmente com os ETs, ele fazia isso através do Ambiente Mental. Edgar também aprendeu a entrar naquele mundo sombrio e coletivo, mas sempre que ia até lá era para falar com Jack, e quando ele não a encontrava, simplesmente se fechava mentalmente para que os outros não pudessem distraí-lo. Fazendo isso ele aprendeu acidentalmente a esconder sua mente para que os ETs não o vissem. Logo Edgar percebeu que essa habilidade poderia ser útil.

O Ambiente Mental era um lugar totalmente surreal. Tratava-se de pôr a própria mente numa sintonia de concentração de alto nível, que permitia perceber a presença de outras consciências quando elas também estavam no mesmo nível de concentração. Essa habilidade permitia identificar com precisão a direção e distância entre cada um que estivesse ao alcance da mente de quem procurava.

Como a nave transportadora onde estavam não era tão grande, uma mente treinada poderia achar qualquer um a bordo. Com o tempo e a experiência era possível localizar até quem não estava se concentrando e chamar sua atenção para conversar como se fosse pessoalmente. Lá não se via nada além da localização das pessoas, tudo mais era escuridão.

Quando finalmente Edgar aprendeu a se fechar para que ninguém o visse nem mesmo se o procurasse com vigor, ele alcançou outro nível de concentração. Neste novo nível, não havia ninguém além dele mesmo, tudo que encontrou era escuridão, exceto por uma névoa que o cercava girando ao seu redor. Quando ele tinha uma lembrança ou pensava em algo, a névoa assumia a forma daquilo que ele imaginava formando imagens que logo se tornavam filmes sem fim sempre reapresentando as memórias dele com sua família onde as palavras não passavam de sussurros ecoando pela imensidão do infinito vazio que o cercava.

Acima da sua cabeça sempre havia uma estrela solitária. Essa única fonte de luz parecia sempre estar muito distante. Mas quando ele se concentrava nela por curiosidade, ela simplesmente se aproximava. Logo Edgar lembrou que a muitos dias atrás, quando Zeck falou pela primeira vez sobre o ambiente mental ele deixou bem claro que nunca deveriam tocar na estrela caso a vissem, por mais tentador que isso pudesse parecer. Como Zeck deixou claro que se tratava de algo importante, Edgar procurou seguir o seu conselho até descobrir por que era proibido.

Depois de dominar a capacidade de esconder sua presença mental, para que alguém só pudesse encontrá-lo se fosse procurar pessoalmente, com os próprios olhos, Edgar se sentiu confiante e decidiu que

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estava na hora de explorar um pouco mais aquela nave sem a permissão nem a vigilância de ninguém. Afinal ele sabia que só descobrindo por si mesmo confiaria que soube a verdade sobre aquela nave e seus tripulantes.

Como sempre ele teria que esperar que mais um longo dia de repetições chegasse ao fim. Pois passava todas as manhãs repetindo exercícios mentais e quase todas as tardes repetindo exercícios físicos ou meditando no quarto. Já estava na hora de seguir em frente e se arriscar na calada da noite, antes que Douglas cansasse de esperar pelo apoio de Edgar e tentasse fugir sozinho, deixando-o para trás, exatamente como o próprio Edgar já havia feito.

10 Depois de dias sem falar com Edgar nem pessoalmente, nem pelo ambiente mental, Jack foi sozinha

fazer sua refeição. Enquanto comia em silêncio, outros dois H-Mentis se sentaram á mesa com ela. Eram Sico e Guiga, um casal que já havia estado varias vezes a bordo de naves transportadoras junto com Jack. Os três já se conheciam a muito tempo.

O jovem casal não tinha filhos, como todos os casais H-Mentis, eles tinham problemas com fertilidade e por alguma razão que não entendiam com clareza os seus médicos haviam dito que participando ativamente de missões como aquelas eles poderiam superar aquela dificuldade.

Por conhecerem Jack muito bem, eles não demoraram a perceber que ela estava mais distraída do que de costume e logo quiseram saber por que ela estava antecipando sua folga. Jack admitiu, constrangida, que Norm mandou-a descansar mais cedo por que parecia que algo a estava impedindo de se concentrar.

Eles nem tiveram o trabalho de perguntar o que tinha acontecido para descobrir qual o motivo de tanta distração, pois Jack não resistiu ao desejo de falar sobre Edgar.

— Vocês estavam com eles? Falaram com Edgar? — Jack sabia que Sico e Guiga eram responsáveis por pequenas coisas naquelas missões. Eles não tinham nenhuma habilidade em especial que os qualificassem para alguma função especifica, mas como os médicos haviam recomendado, eles fizeram questão de estar a bordo nas missões mesmo tendo que faxinar, cozinhar e fazer outros pequenos trabalhos vistos como secundários.

Graças a essas funções secundárias eles passavam o dia inteiro perambulando por toda a nave e ocasionalmente encontravam com Zuu, Mark, Zeck, Norm, Cout, Edgar, Douglas e muitos outros tripulantes ao contrário da maioria daqueles que estavam a bordo e tinham funções muito especificas com horários rígidos assim como Jack.

Quando ouviram aquelas perguntas, Sico entendeu o motivo da distração, mas deixou que Guiga respondesse. — Sim, quando nós estávamos lá na sala de exercícios. Fomos limpar o lugar, mas eles quase não mexem em nada, daí demos um recado para Zuu e enquanto ele esteve fora ficamos falando com Douglas.

— E o Edgar não estava lá? — insistiu Jack apreensiva. — Sim estava, mas ele quase não falou com a gente. Ficou só levantando os pesos enquanto o

Douglas conversava. Parece até que o Douglas já esta acomodado com a rotina que tem aqui. — Tá, tá, mas e o Edgar? Ele também se conformou? — insistiu Jack — Como ele esta? — Jack, Jack, Jack. — advertiu Guiga rindo baixinho — Que teimosia é essa sobre o Edgar? Tem

alguma coisa que eu não estou sabendo é? Jack se inclinou para frente e sussurrou — Se eu contar vocês prometem que não contam pra

ninguém? — perguntou Jack enquanto olhava á sua volta para ver se ninguém mais estava ouvindo — Eu estou acompanhando os pensamentos do Edgar desde os primeiros dias em que eles chegaram. Ele é muito

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apaixonado pela família dele. Eu fiquei vendo outro dia as memórias dele com a esposa e era tudo tão romântico e tão lindo... daí aconteceu que ontem eu estava na minha cama esperando o sono chegar, lembrando das memórias dele. Quando eu dormi tive um sonho muito estranho. — disse ela olhando novamente ao redor — Sonhei que ele era como nós, sabe, e a gente se encontrou num lugar bonito e ficou conversando um tempão até que de repente ele chegou muito perto e eu beijei ele. — quando Jack disse isso Guiga já estava com os grandes olhos arregalados e boquiaberta — Pois é, e acontece que depois do sonho só fico lembrando da sensação que tive.

— E qual foi a sensação? — Muito melhor do que qualquer um que já conheci. — respondeu Jack suspirando. — Norm tem razão. — interrompeu Sico — Você não está em condições de manter a nave junto

com os outros dourados. Você deveria arranjar outra ocupação até voltarmos para o Éden. Por que se depender da sua expressão, o tempo lá fora vai correr mais rápido ao invés de ficar parado. — disse Sico com um sorriso de deboche.

— Deixa de ser um estraga prazeres amor. — repreendeu Guiga — Já faz tempo que não vejo Jack com um brilho desses no olhar. E também o que é que tem de errado em sonhar? Ela não fez nada. E sonhar nunca é proibido.

Então Jack fez um sinal para parar o assunto indicando que alguém estava vindo. Quando Sico se virou para ver percebeu que Norm e Mark estavam conversando distraídos enquanto andavam até o balcão para buscar seus pratos.

Curiosamente Mark ainda usava sua máscara. Todos dentro da nave já haviam retirado suas máscaras desde que Cout anunciou que a quarentena havia expirado. Mas por algum motivo Mark manteve seu rosto coberto. Norm estava tão distraído pela conversa que nem percebeu que Jack estava ao seu lado quando falou — Você não tem idéia de como vai a situação lá entre os dourados, todos estão tendo que se revezar em períodos maiores por que a Jack não esta rendendo o mesmo que de costume. Tem alguma coisa tirando a atenção dela e isso é estranho por que ela já veio varias vezes nas missões e nunca aconteceu nada parecido.

— Eu ainda acho que você deve mantê-la longe daquele tal de Edgar. Ele não é confiável, já tentou fugir e vai tentar de novo, eu tenho certeza. Se tiver alguma coisa atrapalhando ela, deve ser que Edgar está fazendo isso para tentar nos criar complicações. — supôs Mark levando seu prato para uma mesa do outro lado da sala onde eles continuaram a trocar pensamentos sem notar a presença dos outros ali.

— Você entendeu agora o que eu quero dizer? — indicou Sico — Se você continuar tão distraída por causa do Edgar, vai acabar arrumando problemas pra ele...

— Você tem razão Sico. Vou pelo menos tentar disfarçar melhor. — concordou Jack pronta para responder uma infinidade de perguntas desnecessárias de Guiga sobre o tal sonho.

Enquanto Edgar continuava agindo como se tudo girasse ao seu redor, e como se todos estivessem

constantemente perseguindo-o, Zuu tinha preocupações maiores. Edgar ficava quase todas as tardes sozinho em seu quarto, aprendendo a controlar melhor suas novas capacidades, enquanto Zuu esperava por notícias de Cout.

No fim da tarde, quando Douglas finalmente apareceu no dormitório, Zuu recebeu o chamado de Cout que tanto aguardava. Então levantou-se de sua poltrona de onde assistia Edgar e Douglas nos telões de seu computador particular, para encontrar-se com Cout pessoalmente.

Com passos calmos e longos como sempre, Zuu chegou ao laboratório. A sala repleta de telas que exibiam informações genéticas e prateleiras cheias de frascos e caixas estava tumultuada por seres que tinham uma cor avermelhada. Enquanto um deles olhava para as telas, Zuu e ele trocavam pensamentos sobre a possibilidade de Edgar e Douglas servirem realmente ao seu propósito.

Apontando a grande tela principal, Cout mostrou que a única coisa inesperada que encontraram nos exames de sangue deles, foi uma anemia leve no sangue de ambos. Logo concluíram que ela deveria ser consequência dos dias de privação que os dois passaram na areia. Assim decidiram desconsiderar esse detalhe.

Satisfeito com as informações, Zuu verificou onde estavam sendo conservadas as amostras de sangue. Ele ficou surpreso quando viu que estavam uma ao lado da outra, em tubos de ensaio que eram apenas diferenciados pelos nomes escritos em adesivos que foram colados nos suportes dos tubos. Antes que Zuu

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pudesse perguntar o motivo daquela precariedade, Cout lembrou-lhe que aquela nave não era o lugar apropriado para fazer tais testes, portanto eles não tinham ali, à sua disposição os melhores equipamentos e tiveram que improvisar algumas coisas.

Quando Zuu saiu da sala de Cout, ele pretendia seguir para sua sala, que ficava ali perto, mas no meio do caminho percebeu que alguma coisa não estava onde deveria. Então ele parou por um momento e se concentrou, em sua mente pôde ver onde estava cada um dos tripulantes e também o que estavam fazendo.

Assim foi fácil perceber que Mark não estava na sala de monitoração como deveria. Logo que Zuu saiu do laboratório Mark entrou sem que Zuu o visse. Então ele decidiu averiguar qual seria a razão que levou Mark a agir assim, tão sorrateiramente.

Zuu ficou ali parado no meio do corredor, e assistiu mentalmente a conversa de Mark e Cout sem ser notado. Mark parecia interessado no ritmo de desenvolvimento dos poderes mentais que Edgar e Douglas estavam apresentando. A cada confirmação que Cout dava para as suas perguntas, ele ficava mais interessado. Enquanto Cout tentava listar todas as habilidades que Edgar e Douglas já tinham aprendido com Zeck, Mark relembrava em que ponto de sua infância ele tinha aprendido o mesmo para se comparar a eles.

Ouvindo aquela conversa, Zuu sabia que Mark não estava interessado à toa. Era óbvio para Zuu que Mark usaria o progresso dos hóspedes como argumento para questionar a capacidade dele em manter-se no controle da situação. Afinal se os dois humanos atingissem um nível demasiadamente elevado de capacidades mentais, poderiam se tornar uma ameaça interna.

Ele estava ciente de que Mark faria questão de compartilhar com todos a bordo daquela nave, que hóspedes fora de controle poderiam fazer um grande estrago se saíssem da nave, pois chamariam a atenção de observadores que apenas Zuu, Mark e uns poucos mais sabiam existir. Certamente Mark conseguiria levantar dúvidas sobre o comando de Zuu se todos acreditassem que estavam sendo vigiados de fora ao mesmo tempo em que havia hóspedes perigosos andando livremente dentro da nave.

Vários dias se passaram desde que Zeck mencionou o confronto de poder metal. Desde então Edgar e Douglas dedicaram suas manhãs inteiramente a desenvolver a capacidade de dividir sua concentração para se tornarem capazes de realizar o seu tão esperado confronto direto.

Naqueles dias em que Douglas passou suas tardes quase inteiras na academia recuperando-se fisicamente, acreditando que a força física poderia ser um fator determinante em sua possível fuga, Edgar dedicou todo aquele tempo livre ao seu treinamento mental, já que ele não estava muito confiante no plano de seu colega baseando-se na experiência extremamente frustrante que teve logo no inicio do seu cativeiro, em sua própria e prematura tentativa.

Porém, desde a primeira vez em que Edgar se arriscou a fugir, muitas coisas haviam mudado. Agora ele não estava apenas ciente dos poderes de seus algozes, mas também compartilhava parte desses poderes. No entanto agora o que mais impedia Edgar de fugir não eram os guardas de Mark nem o medo da morte, mas sim, a incontrolável vontade de descobrir o quê os ETs fazem tanta questão de esconder de alguém que possivelmente não viva para contar o que viu. De certa forma, um dos argumentos mais racionais para fazer crer que eles teriam chances de sair de lá vivos, era o fato de que Zuu se dava o trabalho de esconder seus segredos de Edgar e Douglas.

Independentemente de qualquer que fosse o plano de fuga e o método a ser adotado, uma coisa era inquestionavelmente relevante, a capacidade de confronto mental direto. Seja como for o plano de fuga, essa habilidade poderia ser o segredo do sucesso. Por isso ele se dedicou tanto ao treino e preparo para aquele dia fatídico, onde finalmente Zeck permitiria o confronto de Edgar e Douglas. Para Zeck seria uma forma de avaliar qual deles estava mais adiantado no aprendizado das técnicas mentais. Para Edgar e Douglas seria como um acerto de contas, onde eles resolveriam definitivamente quem era o mais poderoso.

Inesperadamente, quando Edgar e Douglas chegaram na sala de treino para que Zeck finalmente lhes ensinasse e assistisse seu confronto, eles foram impedidos pelo próprio Zeck. Quando Edgar e Douglas haviam posto as tiaras vermelhas sobre suas cabeças, Zeck recebeu algum tipo de recado mental e simplesmente adiou aquele treino. Sem dar muitos detalhes nem justificativas ele se retirou deixando os dois livres para meditar e repetir seus exercícios de divisão de concentração até o fim do período.

Frustrados por Zeck, eles decidiram recordar as poucas instruções que haviam recebido por alto, dias atrás, afinal Zeck tinha comentado alguns dos passos para a realização daquela técnica. Eles levaram a manhã

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toda para relembrar e entender à grosso modo o processo a realizar, depois passaram a meditar sobre isso até o fim do tempo disponível.

Durante o almoço, Edgar evitou ao máximo falar com Douglas e também evitou mencionar qualquer detalhe sobre o que praticara nos últimos dias enquanto seu colega se exercitava na academia. Edgar desconfiava que Zeck deixou de ensinar a técnica de confronto mental por que possivelmente tenha temido que eles a usassem para atacar os próprios ETs que a ensinaram.

Depois da refeição e do seu descanso Edgar foi se exercitar e encontrou Douglas lá mesmo. Ele ficou surpreso que seu colega não tenha ido ao dormitório como de costume. Enquanto caminhavam nas esteiras eles conversaram a respeito daquilo que Zeck havia ensinado sobre o confronto de poder. Relembrando o passo-a-passo das explicações concordaram que poderiam fazer com facilidade tudo de que se lembravam, e talvez tentando na prática pudessem aprender mesmo sem a supervisão de Zeck.

Já com a intenção de levar a diante aquela questão sem esperar pelo dia seguinte, eles foram até a parte mais aberta da sala, onde havia espaço suficiente para tentar algo assim, e se prepararam. Quando ambos se sentiram prontos, espalmaram suas mãos na direção um do outro e com um pé atrás para dar apoio, atacaram-se simultaneamente.

O encontro de suas forças psíquicas fez a sala estremecer e arrastou os objetos próximos para longe. Com toda sua concentração em jogo, os seus pés não podiam impedir que fossem empurrados para trás. Enquanto se esforçavam ao máximo para superar um ao outro, nem Edgar, nem Douglas puderam perceber que por um momento a porta se abriu, alguém olhou para dentro e vendo o que estavam fazendo saiu sem ser percebido.

Vendo que a sala inteira estava estremecendo e os aparelhos de musculação estavam caindo pelo chão e se amontoando eles tiveram que parar sua disputa, pois e bagunça estava ficando muito grande e logo chamaria a atenção de alguém.

Ainda insatisfeitos por não terem terminado seu confronto Edgar e Douglas arrumaram todas as coisas que saíram do lugar e depois deixaram de lado os exercícios físicos para tentar praticar aquele novo poder. Douglas mostrou que havia um modo de formar um acumulo de força entre as mãos e dispará-lo contra um alvo específico, como Edgar por exemplo.

Já Edgar tentou fazer algo diferente, causando uma explosão psíquica, mas já estava ficando tarde e logo chegaria a hora de se recolherem. Então foram ao dormitório, pois lá era o único lugar onde acreditavam, que poderiam falar sobre o avanço que fizeram com seus poderes e também sobre como isso poderia ajudar na hora da nova fuga. Edgar sabia que falar de fuga em qualquer outra parte da nave seria uma sentença de morte, mas até então, parecia que Zuu cumpriu sua palavra proibindo que os tripulantes vigiassem os pensamentos deles dentro do dormitório.

Temendo estar correto quanto ao motivo de Zeck ter hesitado em ensinar as técnicas de combate, Edgar decidiu que estava na hora de se arriscar, pois se os H-Mentis tinham motivos para temer o poder mental dos seus cativos, então poderiam estar prestes a decidir o seu futuro.

E ele lembrava muito bem do dia em que Zuu explicou que os manteria ali para estudar sua capacidade de desenvolver os poderes mentais, ou seja, eles eram duas cobaias e só por isso foram salvos da morte, logo, podia-se presumir que assim que as cobaias chegassem ao limite de seu desenvolvimento ou se tornassem perigosas deveriam ser descartadas, e Edgar não era ingênuo para achar que os ETs os deixariam simplesmente partir em paz, então era imprescindível que ele se arriscasse para descobrir qual era o segredo dos alienígenas ou poderia morrer sem descobrir a verdade sobre eles.