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Antonio Sol Cava
Edson Pereira da Silva
Gisele Lbo-Hajdu
Volume 1
Evoluo
Apoio:
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Referncias Bibliogrfi cas e catalogao na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Copyright 2004, Fundao Cecierj / Consrcio Cederj
Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrnico, mecnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Fundao.
ELABORAO DE CONTEDOAntonio Sol CavaEdson Pereira da SilvaGisele Lbo-Hajdu
COORDENAO DE DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONALCristine Costa Barreto
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL E REVISOJos MeyohasMaria Helena HatschbachMarta Abdala
REVISO TCNICAMarta Abdala
S685eSol-Cava, Antonio.
Evoluo v.1 / Antonio Sol-Cava. Rio de Janeiro: Fundao CECIERJ, 2010.
172p.; 19 x 26,5 cm.
ISBN: 85-7648-065-4
1. Evoluo. 2. Equilbrio de Hardy-Weinberg. 3. Sntese evolutiva. 4. Mutao. 5. Mtodos em evoluo. I. Silva, Edson Pereira da. II. Lbo-Hadju, Gisele. III. Ttulo.
CDD: 576.82010/1
EDITORATereza Queiroz
COORDENAO EDITORIALJane Castellani
COPIDESQUENilce Rangel Del Rio
REVISO TIPOGRFICAKtia Ferreira dos SantosPatrcia Paula
COORDENAO DE PRODUOJorge Moura
PROGRAMAO VISUALFbio Guimares
COORDENAO DE ILUSTRAOEduardo Bordoni
ILUSTRAOFabiana Rocha
CAPAFabiana Rocha
PRODUO GRFICAPatricia Seabra
Departamento de Produo
Material Didtico
Fundao Cecierj / Consrcio CederjRua Visconde de Niteri, 1364 Mangueira Rio de Janeiro, RJ CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725
PresidenteMasako Oya Masuda
Vice-presidenteMirian Crapez
Coordenao do Curso de BiologiaUENF - Milton Kanashiro
UFRJ - Ricardo Iglesias RiosUERJ - Cibele Schwanke
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Governo do Estado do Rio de Janeiro
Secretrio de Estado de Cincia e Tecnologia
Governador
Alexandre Cardoso
Srgio Cabral Filho
Universidades ConsorciadasUENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIROReitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho
UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Vieiralves
UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROReitora: Malvina Tania Tuttman
UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIROReitor: Ricardo Motta Miranda
UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROReitor: Alosio Teixeira
UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSEReitor: Roberto de Souza Salles
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Evoluo
Aula 1 Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas ______ 7 Antonio Sol Cava
Aula 2 Evidncias da Evoluo ______________________________ 21
Antonio Sol Cava
Aula 3 Histrico do estudo da Evoluo _______________________ 41
Edson Pereira da Silva
Aula 4 A nova sntese evolutiva _____________________________ 55 Edson Pereira da Silva
Aula 5 Freqncias gnicas e genotpicas, heterozigosidade, populaes, modelos e introduo ao Equilbrio de Hardy-Weinberg __________________________________ 69
Gisele Lbo-Hajdu
Aula 6 Equilbrio de Hardy-Weinberg: aplicaes e implicaes _____ 85 Gisele Lbo-Hajdu
Aula 7 Equilbrio de Hardy-Weinberg: violaes dos pressupostos alelos mltiplos , genes ligados ao sexo e mais de um loco __ 99
Gisele Lbo-Hajdu
Aula 8 Marcadores moleculares no estudo da Evoluo __________111 Edson Pereira da Silva
Aula 9 Mutao. Suas origens e efeitos evolutivos ______________131 Gisele Lbo-Hajdu
Aula 10 Modelos deterministas e estocsticos em Evoluo _______149
Antonio Sol Cava
Referncias _______________________________________169
SUMRIO
Volume 1
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Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:
Associar o pensamento evolutivo com o equilbrio entre a mudana e a estabilidade.
Apresentar hipteses para a explicao de fenmenos da Natureza ligados evoluo.
objetivos1AULAIntroduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
INTRODUO
Apesar de a palavra evoluo ter muitos sentidos, em Biologia,
evoluo quer dizer mudana nos genes ou em suas propores
nas populaes. Repare que evoluo no quer dizer progresso!
Evoluo apenas mudana, sem que seja necessariamente
para melhor ou para pior. Em Biologia, o que melhor para um
organismo em um momento pode ser pior em outro.
Coisas so semelhantes. Por isso a cincia possvel. Coisas
so diferentes. Por isso a cincia necessria.
Richard Lewontin, 1983
A base da teoria evolutiva a dialtica entre o que muda e o que
permanece. Se a taxa de mutao nos genes fosse muito maior
do que (por exemplo, se 1% dos genes, ao serem duplicados,
sofresse mutaes), a vida no planeta no seria possvel do
jeito que a conhecemos. Por outro lado, se a mutao no
existisse, ou seja, se os sistemas de replicao fossem perfeitos,
a evoluo no seria possvel.
Evoluo o processo unifi cador da Natureza. ela que nos liga, por laos
de ancestralidade, a todos os seres vivos do planeta. Ela a nossa histria,
a origem das relaes ecolgicas, da diversidade do planeta. na evoluo
que encontramos a explicao para a taxonomia. Foi a evoluo que gerou a
complexidade celular, as relaes fi siolgicas e os processos bioqumicos. Todas
essas frases refl etem o papel da evoluo na formao histrica do mundo atual.
Foi por isso que a frase sobre a importncia fundamental da evoluo (...nada
faz sentido seno luz da evoluo.) foi citada, tanto na Aula 8, de Grandes
Temas em Biologia, como na primeira aula do curso de Gentica.
De fato, o estudo da evoluo envolve tantos outros estudos, que essa matria
dada somente aps os alunos de Biologia terem sido devidamente apresentados
Gentica, Dinmica da Terra, Ecologia e Taxonomia dos Seres Vivos.
A evoluo a explicao integradora da biodiversidade em todos os seus
nveis. Seu estudo envolve a observao dos seus resultados e a formulao de
hipteses sobre como foram produzidos esses resultados. Ele envolve tambm
a previso, baseada nessas hipteses, sobre resultados ainda no observados.
Mas... o que a evoluo? Pense e responda: como voc defi niria evoluo?
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LA 1
Organic life beneath the shoreless wavesWas born and nursed in oceans pearly caves;First forms minute, unseen by spheric glass,Move on the mud, or pierce the watery mass;These, as successive generations bloom,New powers acquire and larger limbs assume;Whence countless groups of vegetation spring,And breathing realms of fi n and feet and wing.
A vida orgnica nos mares sem fi mnasceu e cresceu nas cavernas brilhantes das ondas;primeiro formas minsculas, invisveis s lentes,moviam-se na lama, ou atravessavam os oceanos; Essas, na exploso de novas geraes.Novos poderes adquirem e novos membros desenvolvem;onde inmeros grupos de vegetao aparecemE os reinos de organismos de nadadeiras, e ps e asas.
Erasmus Darwin. The temple of nature, 1802.
Erasmus Darwin acreditava na evoluo, apesar de no propor um mecanismo plausvel para ela. Essa tarefa teve de esperar duas geraes, at que seu neto, Charles Darwin, propusesse a teoria da seleo natural.
Os processos evolutivos so convencionalmente divididos em
microevoluo e macroevoluo. A microevoluo entendida como a
parte dos processos envolvidos nas mudanas de freqncias dos genes
nas populaes. Esses processos esto associados s foras evolutivas
da mutao, seleo natural e variaes aleatrias (deriva gnica) e ao
efeito da migrao entre populaes diferentes. A macroevoluo est
relacionada com as mudanas geolgicas e seus resultados; ela lida com
as grandes mudanas evolutivas, com a formao dos vrios grupos de
organismos e com os processos envolvidos. A microevoluo envolve a
gentica das populaes e a especiao lenta e gradual dessas populaes.
A macroevoluo envolve a evoluo acima do nvel de espcie e as
mudanas bruscas que podem provocar especiaes aceleradas. Esses
dois termos foram criados pelo entomlogo russo Iuri Filipchenko, em
1927, no primeiro estudo em que tentava integrar a gentica mendeliana
com a evoluo. Como ele publicou em alemo, os termos no foram
incorporados ao vocabulrio dos evolucionistas at que, dez anos mais
tarde, um aluno dele, chamado Theodosius Dobzhansky (voc j leu
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
sobre esse importante pesquisador na Aula 8, de Grandes Temas em
Biologia), usou os dois termos em ingls, no seu famoso livro Gentica
e a origem das espcies.
Para alguns evolucionistas, sobretudo da escola anglofnica
(basicamente Inglaterra e EUA), a macroevoluo nada mais que o
acmulo de passos microevolutivos; nesse caso, seria o resultado direto
da microevoluo. Essa viso de continuidade entre micro e macroevoluo
constitui a escola gradualista. Para outros evolucionistas, sobretudo na
Europa continental (mas incluindo tambm um dos fundadores da teoria
evolutiva moderna, o ingls Ernst Mayr, e evolucionistas norte-americanos
importantes, como STEPHEN JAY GOULD e Niles Eldredge), apesar de os
processos microevolutivos contriburem de maneira fundamental para a
macroevoluo, existem tambm processos macroevolutivos especiais, que
no podem ser vistos como simples resultado de acmulo microevolutivo.
Um exemplo a teoria do equilbrio pontuado, pela qual as espcies, uma
vez originadas, evoluem muito lentamente, por estarem bem adaptadas
ao seu meio, embora, em momentos de crises ambientais especfi cas, elas
evoluam muito rapidamente, em exploses de especiao.
Entendeu por que MICRO e MACRO? que a micro realizada
devagar, devagarzinho, constitui a soma de pequenos passos de mutao
e modifi cao gradual das freqncias dos genes, enquanto a macro realiza-
se em grande escala, com passos de sete lguas.
Na primeira parte de nosso curso (primeiro mdulo), veremos os
processos evolutivos envolvidos na microevoluo. J no segundo mdulo,
verifi caremos a interao entre microevoluo e macroevoluo, os
processos evolutivos exclusivamente macroevolutivos e as conseqncias
ecolgicas da evoluo. Ao longo deste curso, voc poder ver como o
estudo da evoluo permite que sejam feitas hipteses sobre as relaes
fi logenticas entre as espcies e como fenmenos ecolgicos (como
a evoluo de predadores e presas, as defesas qumicas e as relaes
complexas entre espcies diferentes) podem ter-se originado. Voc ver
como as espcies se originam, e como podemos detectar geneticamente a
presena de espcies diferentes, mesmo quando elas so to parecidas a
ponto de confundirem os taxonomistas. Ver tambm como o estudo da
evoluo pode ser til para aqueles que, como voc, se preocupam com
a preservao das espcies.
STEPHEN JAY GOULD
Foi um grande paleontologista, humanista e maravilhoso divulgador da Cincia. Ele escreveu vrios livros que foram traduzidos para o Portugus; so deliciosos de serem lidos e tratam de questes cientfi cas de maneira simples e fascinante. Alguns exemplos so: Darwin e os grandes enigmas da vida, O polegar do panda, Quando as galinhas tiveram dentes, O sorriso do fl amingo e Vida maravilhosa.
MICROEVOLUO
Evoluo que resulta apenas do acmulo de pequenas mudanas nas freqncias dos genes.
MACROEVOLUO
Evoluo que resulta de grandes mudanas, tanto no aceleramento ocasional dos processos de especiao como nas divergncias entre os grandes grupos de organismos.
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EVOLUO COMO PROCESSO DIALTICO
A base da teoria evolutiva a dialtica entre o que muda e o que
permanece. A teoria evolutiva tambm deve levar em conta o resultado
da mudana que a coisa alterada provoca em seu redor. Assim, em vez
de vermos apenas o ambiente como guia das mudanas adaptativas dos
organismos, vemos tambm os organismos mudando o ambiente. Um
exemplo bem claro desse processo a evoluo da aerobiose no planeta.
Como nos outros planetas do nosso sistema solar, onde freqentemente
o oxignio est ausente, a concentrao de oxignio livre na atmosfera
primitiva da Terra era muito baixa (0,01%). Isso permitiu o aparecimento
e a concentrao de compostos orgnicos nos oceanos, sem que eles
sofressem ataques oxidativos dos gases da atmosfera neles dissolvidos.
Aps o surgimento da vida e sua primeira diversifi cao, todos os
organismos viviam em condies anaerbicas (ou seja, sem oxignio),
conforme ainda encontramos em alguns grupos de bactrias no oceano
(em fontes hidrotermais no mar profundo) ou em terra (como a bactria
do ttano, que morre em contato com o oxignio, e por isso a gua
oxigenada efi caz para ajudar a limpar feridas). A maneira anaerbica
de viver permaneceu no planeta por muitos milhes de anos usando,
como fonte de energia para vida, os compostos orgnicos e inorgnicos
acumulados nos oceanos nos milhes de anos anteriores.
No entanto, eventualmente surgiram bactrias capazes de usar
uma nova forma de energia: a luz do Sol. A vantagem de usar a luz
solar como fonte de energia para a vida era enorme, por ela ser abundante.
como era feito anteriormente pelas bactrias anaerbicas, essa energia
era usada para reduzir compostos orgnicos, dessa vez, porm, era usada
com o hidrognio nascente da hidrlise da gua (H2O 2 H+ + O-). Se
o hidrognio produzido era til para a bioqumica dessas clulas, o mesmo
no se pode dizer do oxignio, que era txico; desse modo, a evoluo da
fotossntese s foi possvel com os efeitos da diluio do oxignio na gua
(lembre-se de que tudo isso estava acontecendo na gua, onde se originou
e permaneceu, por milhes de anos, a vida). Voc observou o ttulo desta
seo, A evoluo como processo dialtico? No dicionrio, vemos que
dialtica , segundo a Filosofi a, o desenvolvimento de processos gerados
por oposies que provisoriamente se resolvem em unidades. Ento me diga:
Onde est a dialtica dessa histria do oxignio que estamos vendo? Quais
so as oposies? E qual foi a resoluo dessas oposies?
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
Hoje em dia, como voc sabe, o oxignio indispensvel vida
da maior parte dos seres vivos. Mas ele, como vimos ainda h pouco,
no era necessrio antigamente. Muito ao contrrio, ele era txico. Era
txico para a vida que existia, embora tenha sido gerado por ela mesma.
A est a contradio, ou a oposio, como diz o dicionrio.
O que as primeiras bactrias fotossintetizantes queriam era o
hidrognio, mas como o tiraram da gua, sobrava o oxignio que, por sua
vez, era um produto txico de excreo. No incio, a resposta evolutiva
a esse desafi o foi o aparecimento de mecanismos de defesa contra os
radicais livres do oxignio (como as enzimas peroxidases, catalases e
superxido-dismutases). Mas a resoluo dessas oposies foi a volta
por cima que a Natureza deu, transformando o oxignio de coisa txica
a coisa necessria vida... Vamos continuar ento nossa histria.
A vantagem evolutiva de usar a luz do Sol como fonte de energia
foi to grande que as bactrias fotossintetizantes proliferaram e acabaram
dominando todos os ambientes iluminados do mar. Ao mesmo tempo,
esse crescimento produziu um efeito poluidor devastador sobre as outras
espcies. Por causa da fotossntese, o oxignio aumentou, mais de 2.000
vezes sua concentrao na atmosfera, chegando aos 22% atuais (lembre
que, na atmosfera primitiva, o oxignio fazia s 0,01% do ar e dos
gases dissolvidos na gua). Na histria da Terra, essa transformao no
meio ambiente, causada pela evoluo da fotossntese, provavelmente
provocou uma das maiores extines de espcies (em proporo s
espcies totais). Ao mesmo tempo, o aumento da concentrao do
oxignio permitiu a evoluo da respirao aerbica, energeticamente
muito mais efi ciente do que a respirao anaerbica (como voc viu no
curso de Bioqumica). O aparecimento da novidade evolutiva do uso
de oxignio na respirao transformou-o de elemento extremamente
txico em elemento fundamental na evoluo da vida no planeta, e a
respirao aerbica foi to bem-sucedida que quase todas as espcies
atuais necessitam do oxignio para viver. Desse modo, no incio da vida
no planeta a maioria das espcies, no conseguiria viver na atmosfera
atual, assim como a maioria das espcies atuais no conseguiria viver na
atmosfera primitiva do nosso planeta. Essa a dialtica da evoluo: o
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meio ambiente seleciona as espcies e as espcies modifi cam o ambiente,
em processo contnuo. Voc pode pensar em outros exemplos em que as
espcies mudam o ambiente, permitindo a evoluo de outras espcies?
O nmero de exemplos enorme. Na verdade, a Evoluo e a
Ecologia esto cheias de casos em que uma espcie modifi ca o ambiente
afetando diretamente ela mesma e outras espcies. Exemplos clssicos so as
sucesses ecolgicas, em que cada espcie aparece em um certo momento, que
determinado pelas espcies que apareceram antes e pelas transformaes que
elas provocaram no ambiente. Quando um navio afunda, por exemplo, no
incio ele no colonizado; pouco a pouco, no entanto, bactrias e microalgas
vo crescendo sobre ele. Essas bactrias vo acabar preparando a superfcie
do navio para ser colonizado por outros organismos que, por sua vez, vo
servir de substrato para outros, e assim por diante... No fi nal, o que vemos
um esqueleto de navio, que mais parece um pedao de recife, tantos so os
organismos que acabam vivendo sobre ele. Outro exemplo de modifi cao
aquela que os vegetais fazem no solo, transformando rochas e detritos
de plantas e animais em terra, que servir para o crescimento de outras
plantas. Outros tipos so as vrias espcies de parasitas, que evoluram
somente depois de seus hospedeiros terem aparecido (afi nal, uma parte
do meio ambiente do parasita o hospedeiro).
PENSANDO A NATUREZA
Formulamos, a seguir, algumas perguntas para voc. Procure respond-
las de todas as maneiras possveis. Medite sobre cada uma, com cuidado.
Imagine cenrios alternativos ao da evoluo para respond-las. Por exemplo,
ser que o fato de serem encontrados fsseis diferentes nas camadas mais
profundas resultado apenas dos pesos diferentes dos organismos? Ser que
o fato de no serem encontrados fsseis de mamferos nas rochas mais antigas
pode ser devido a alguma coisa, como uma difi culdade maior de se preservar os
fsseis de mamferos em relao aos fsseis de moluscos? Solte sua imaginao!
Mas considere tambm as respostas que envolvem a evoluo, e veja como
ela poderia ser usada para responder a cada pergunta.
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
Procure usar o que voc j aprendeu em Gentica, Dinmica da
Terra, Citologia, Bioqumica, Zoologia e Botnica para abordar cada
pergunta. No se esquea de que porque sim ou porque no no
so respostas! Escreva as respostas que voc consegue encontrar para
cada pergunta. Se puder, discuta-as com algum colega ou com os tutores.
Ateno: a busca das respostas a cada pergunta em cursos anteriores e a
discusso com amigos, familiares etc. muito importante. Ao contrrio
das outras aulas do nosso curso, voc no ter as respostas ao fi nal
desta aula. Essas perguntas so colocadas aqui para sua refl exo e
como material para todo nosso curso de Evoluo. Voc deve guardar
as respostas escritas e compar-las com o que for aprendendo ao longo
das prximas aulas.
1. Por que os fsseis, em camadas diferentes de rocha
e, independentemente, em vrios locais do mundo, tendem a
se agrupar, e se encontram por exemplo, fsseis de mamferos
somente nas camadas mais superfi ciais, ao passo que fsseis de
esponjas aparecem em todas as camadas?
2. Por que encontramos fsseis de samambaias tropicais
na Antrtida?
3. Por que todos os seres vivos usam cidos nuclicos (DNA
e RNA) como molcula responsvel pela hereditariedade, se vrias
protenas poderiam exercer essa funo igualmente bem?
4. Por que todos os animais usam o ciclo de Krebs para
sua respirao aerbica e o ATP como molcula transportadora
de energia, se existem tantas maneiras diferentes de produzir e
transmitir energia a partir do piruvato?
5. Por que no existem vertebrados com quatro patas e
com asas ao mesmo tempo? (Imagine como seria til a um tigre
se ele pudesse voar, ou mesmo planar, ao tentar capturar sua
presa, ou como seria til para uma guia se ela tivesse mos
para ajud-la a fazer seu ninho.)
Figura 1.1
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6. Por que as baleias e golfi nhos no tm brnquias?
7. Por que gneros de rpteis que vivem a vida inteira
em locais sem nenhuma luz tm olhos (ainda que ocultos) por
baixo da pele?
8. Por que, pergunta-se, nos cromossomos, os nossos
pseudogenes, ntrons e transposons (voc aprendeu a respeito
dessas seqncias de DNA no curso de Gentica) encontram-se
em geral nas mesmas posies, que aqueles outros segmentos
dos demais primatas, mesmo sabendo que a maior parte dessas
seqncias de DNA nessas espcies no so teis para nada?
9. Por que as seqncias de DNA so mais semelhantes
entre um golfi nho e um camundongo do que entre um golfi nho
e um atum?
10. Por que os insetos morriam rapidamente quando expostos
ao DDT, nos anos 1950, e atualmente so muito mais resistentes?
(o mesmo vale para a resistncia das bactrias a antibiticos).
11. Abaixo, temos o desenho de um embrio de golfi nho
(Stenella attenuata). Por que, apesar de os golfi nhos no terem
membros inferiores (nem sequer transformados em nadadeiras),
seus embries apresentam os primrdios de braos (bb na
fi gura) e pernas (bp na fi gura)? Note que esses pequenos braos
e pernas j tm ossos, veias e nervos de membros verdadeiros,
que so reabsorvidos ao longo da gravidez.
Figura 1.2: Embrio do golfi nho.
bb
bp
bb = Broto do Brao
bp = Broto da Perna
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
12. Como foi possvel, a partir de cruza-
mentos que comearam com a domesticao de
lobos selvagens (Canis rufus) na sia, h cerca de
14.000 anos (esse nmero se baseia em evidncias
arqueolgicas e moleculares), criar um nmero
to grande de tipos de cachorro, do chiuaua ao
pastor alemo?
EPLOGO, OU O FIM DO COMEO
Agora, que voc tem as respostas a essas perguntas (voc as tem,
no ?), temos de levar em conta uma coisa importante: para qualquer
fenmeno da Natureza, voc pode encontrar, se procurar bem e tiver uma
grande imaginao e muito tempo, um nmero infi nito de explicaes.
Por exemplo, considere o grfi co a seguir (Grfi co 1.1):
Quantas linhas voc poderia traar indicando a relao entre
o comprimento e o peso de um gato? Como ns temos dois pontos,
poderamos colocar uma linha reta entre eles. Mas poderamos tambm
colocar um nmero infi nito de curvas, todas passando pelos dois pontos.
Figura 1.3
Grfi co 1.1: A relao entre comprimento e peso, em gatos, baseada em apenas dois pontos.
PESO X COMPRIMENTO EM GATOS
cm
g
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possvel, inclusive, estabelecer modelos matemticos complexos para
cada uma dessas curvas e escrever relaes sofi sticadas, do tipo: quando
os gatos tm 10cm, eles apresentam 130g; depois, eles devem diminuir
de peso, por causa da energia despendida no desenvolvimento gonadal.
Depois, aos 20cm, eles sofrem uma grande engorda, passando de 1kg.
A partir da, seu envelhecimento comea, de modo que, aos 50cm, eles
voltam a pesar 900 gramas.
Para que a Cincia seja possvel, devemos ser capazes de escolher entre
as explicaes alternativas para os fenmenos. Essa deciso melhor tomada
atravs da verifi cao experimental (por exemplo, aumentando o nmero de
medidas ao longo da curva), como tambm pelo princpio da parcimnia.
Nesse caso, usamos o que fi cou conhecido como A Navalha de Occam, que
recebeu esse nome por ter sido usada freqentemente pelo fi lsofo e telogo
franciscano, do sculo XIII, William de Occam (nome de uma cidadezinha
inglesa). Pelo princpio da Navalha de Occam, se temos duas ou mais
explicaes para um determinado fenmeno e no temos nenhuma razo
para crer que uma seja melhor que a outra, devemos escolher aquela que
dependa do menor nmero de pressupostos. Em outras palavras, devemos
usar a navalha para cortar as explicaes desnecessariamente complicadas
e escolher a que for mais simples. A Navalha de Occam instrumento
fundamental para os cientistas.
Tente, ento, rever as respostas que voc deu a cada uma das 12
perguntas anteriores e aplicar a Navalha de Occam para escolher aquelas
que so mais simples.
A Evoluo o processo gerador de toda a diversidade da vida no planeta. O estudo
da Evoluo inclui aspectos de todas as outras disciplinas da Biologia. O processo
evolutivo no unidirecional, ou seja, as espcies no seguem o caminho simples do
adaptar-se ou morrer, em relao ao meio ambiente, pois elas mesmas modifi cam
esse meio. A Evoluo, ento, um caminho complexo de interaes entre as espcies
entre si e entre elas e o meio ambiente.
R E S U M O
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Evoluo | Introduo. A dialtica da Evoluo. Algumas perguntas
ATIVIDADES FINAIS
1. No princpio era a sopa. Essa sopa era sem vida, mas rica em nutrientes produzidos
quimicamente, a partir da atmosfera redutora primitiva e acumulados durante
milhes de anos. Ela permitiu o incio da vida, pois representava uma quantidade
razovel de energia qumica acumulada. Assim, a primeira vida na Terra deve ter
sido heterotrfi ca, usando essa energia. Porm, durante o crescimento dessa vida,
tal sopa foi sendo consumida rapidamente, e a vida na Terra, nesse momento, corria
o risco de se extinguir ou permanecer em nveis muito baixos, porque o processo
de gerao de alimentos quimicamente era muito lento. A vida, ento, gerava sua
primeira contradio: consumir sem produzir. O que permitiu que essa contradio
fosse superada? E que nova contradio surgiu a partir dessa superao?
2. Newton v uma ma cair da rvore. Ela pode ter cado porque voou at o
cho, atravs de seu desejo interno de se encontrar com o solo, onde lanar suas
sementes; ela pode ter cado porque o esprito da fl oresta passava pela rvore
naquele momento e a empurrou em direo ao cho; ela pode ter cado porque
existe uma fora de atrao entre os corpos, que depende da massa e da distncia
entre eles. Como a Terra tem uma enorme massa, ela atraiu a ma; ela pode ter cado
porque Newton tinha poderes para normais e, sem saber, desejou que ela casse.
Entre essas possibilidades, Newton escolheu uma. Qual foi? Por que ele escolheu
essa, dentre tantas outras explicaes, como hiptese mais plausvel? E o que foi
necessrio fazer para verifi car se sua hiptese era, de fato, a mais provvel?
RESPOSTA
A superao dessa contradio se deu atravs do aparecimento de bactrias que
conseguiam obter energia de uma fonte nova o Sol. Essas bactrias usavam
a luz para quebrar a molcula da gua, produzindo hidrognio, que era til
para reduzir compostos orgnicos e aumentar sua complexidade. A superao
da contradio da heterotrofi a, ento, foi a fotossntese. A nova contradio
foi o acmulo do produto txico desse processo, o oxignio, que foi resolvida
posteriormente com o aparecimento da respirao aerbica, onde o oxignio
passou de txico a fundamental.
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RESPOSTA
A explicao que Newton encontrou foi a Lei da Gravidade. O critrio de escolha foi a
simplicidade (=parcimnia); ou seja, Newton usou a Navalha de Occam. A maneira
de verifi car sua hiptese foi observar a sua abrangncia (Ser que pedras tambm
caem? Ser que as coisas caem tambm fora das fl orestas? Ser que as coisas
caem mesmo quando Newton no est olhando para elas?) e procurar modelar,
atravs da Matemtica e de observaes controladas, o seu comportamento.
AUTO-AVALIAO
Esta uma aula introdutria. Se voc est curioso para entender um pouco
mais esse processo incrvel que a Evoluo, ento ela cumpriu seu papel. As
difi culdades que voc pode ter tido talvez estejam relacionadas s defi nies de
micro e macroevoluo ou idia da Navalha de Occam. No se preocupe muito
com os conceitos por enquanto: voc vai v-los de novo ao longo do curso. J a
idia da Navalha de Occam fundamental, no s para o nosso curso, mas para
sua futura formao, como profi ssional. Mesmo que nem sempre fi que explcito
para quem a usa, essa Navalha est presente o tempo todo nas anlises cientfi cas.
Mas seu conceito fcil de aprender: quando temos vrias explicaes para um
determinado fenmeno, procuramos escolher a mais simples em primeiro lugar.
Ela pode at no ser a correta, mas um bom ponto de partida.
Voc pode ter tido difi culdade, tambm, em responder s perguntas que fi zemos
ao longo da aula, e para as quais no demos resposta. Se deixou alguma em branco,
faa um esforo para respond-la. O importante no acertar ou errar, pensar
nas alternativas. Neste momento, voc pode at brincar de ignorar a Navalha de
Occam, e procurar explicaes rebuscadas. Mas no deixe de responder a nenhuma
das questes elas sero revistas ao longo do curso e serviro, como medida de
seu progresso no aprendizado de Evoluo.
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Evidncias da Evoluo
Ao fi nal desta aula, voc dever ser capaz de:
Interpretar fenmenos da Natureza como evidncias da evoluo.
Relacionar a sucesso estratigrfi ca de fsseis com sucesso temporal.
Diferenciar os efeitos da descendncia e da convergncia evolutiva na produo ou manuteno de semelhanas entre organismos.
Enumerar as principais evidncias morfolgicas e moleculares da evoluo.
objetivos2AULA
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22 C E D E R J
Evoluo | Evidncias da Evoluo
INTRODUO Na aula passada, fi zemos uma srie de 12 perguntas relacionadas observao de
fatos da Natureza. Pedimos que voc pensasse bem sobre o maior nmero possvel
de explicaes dentro e fora da evoluo para aqueles fatos. Como voc ver
na prxima aula (Um histrico da Evoluo), o reconhecimento da evoluo como
processo gerador da biodiversidade aconteceu muito recentemente na histria
da civilizao ocidental. Somente nos ltimos 200 anos, os fi lsofos e cientistas
comearam a se dar conta de que os fsseis resultavam de seres que viveram
no passado (e no apenas de pedras parecidas com animais ou plantas); de
que muitos deles eram de espcies que no existem hoje em dia (e no apenas
animais que sempre existiram e que foram petrifi cados recentemente); e de que
a Terra tinha uma histria geolgica antiga (e no apenas os cinco ou seis mil
anos de histria humana).
Vamos apresentar aqui, brevemente, as evidncias que permitiram aos
cientistas concluir que a evoluo ocorreu e ainda ocorre. Sero apresentadas
as constataes factuais, cuja explicao mais evidente a evoluo. Os processos
responsveis pela evoluo, ou seja, os modos como a evoluo ocorre, sero
apresentados ao longo do curso.Aps cada evidncia da existncia da evoluo,
tambm apresentaremos evidncias alternativas que serviriam para demonstrar
o contrrio, ou seja, para provar que a evoluo no existiu. Em cincia,
freqentemente devemos nos perguntar: que resultados fariam com que se
tornasse falsa minha hiptese? Esse tipo de abordagem chama-se teste da
falseao, e foi introduzido por Karl Popper (voc leu sobre ele no incio do curso
de Gentica). De maneira geral, dizemos que uma teoria se fortalece quando
esto claras, na sua formulao, as maneiras de false-la. Nesse contexto, teorias
cientfi cas permanecem vlidas enquanto no so refutadas/falseadas.
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LA 2
EVIDNCIA 1 O REGISTRO FSSIL
Duas informaes do registro fssil constituem importantes evidncias
da evoluo da vida. A primeira a ordem cronolgica em que os fsseis se
encontram, nas vrias camadas geolgicas. A segunda a existncia de formas
intermedirias entre grupos considerados aparentados evolutivamente.
Para entender a importncia da primeira evidncia, vamos considerar
que voc, por acaso, no goste muito de arrumar
sua mesa de trabalho (o mesmo raciocnio pode
ser usado para o cho do seu quarto!). Dessa
forma, ao longo dos dias, voc vai colocando
toda a correspondncia que chega em uma pilha
em cima da mesa (ou as roupas usadas em vrias
camadas em algum canto do cho do quarto).
Depois de duas semanas (Figura 2.1), voc se
lembra de que precisa pagar uma conta de telefone
que chegou h dez dias e est para vencer. Onde
voc vai procur-la? No topo da pilha?
provvel que ela no esteja no topo, mas se encontre mais
prxima, ao fundo da pilha. Quando comea a procurar, voc se lembra
de que, na mesma poca em que chegou a conta do telefone, voc tambm
havia recebido um convite para um casamento que iria acontecer na semana
seguinte. Voc continua procurando, sabendo que, quando encontrar a
conta, o convite tambm vai estar por perto (na mesma localizao na
pilha de papis). De maneira geral, podemos dizer que os documentos mais
antigos estaro mais para o fundo da pilha e os mais recentes, mais para o
topo; existir uma relao entre estratigrafi a (isto , a posio nos vrios
estratos ou camadas da sua pilha) e tempo. Se a evoluo no existisse,
fsseis de todos os tipos deveriam encontrar-se em todas as camadas. No
entanto, o que se observa que, nas camadas mais profundas encontram-se
os organismos estruturalmente mais simples, e a complexidade estrutural
aumenta conforme se investigam as menos profundas. Assim, em rochas de
trs bilhes de anos, que normalmente se encontram nas regies fossilferas
mais profundas, ns s observamos fsseis de bactrias. J em rochas de
dois bilhes de anos, aparecem os primeiros eucariotos, embora estes
Figura 2.1: Pode existir ordem cronolgica no meio da baguna em uma mesa de trabalho.
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
no sejam os que conhecemos hoje em dia, pois so organismos muito
simples, unicelulares. Organismos multicelulares levam outro bilho de
anos para aparecer (e mais vrios metros de rocha para cima da pilha).
Os primeiros animais s vo aparecer em rochas de cerca de meio bilho
de anos (580 milhes) e so exatamente o que esperaramos encontrar
nas partes mais profundas: esponjas e anmonas do mar. A partir da,
o processo se acelera: em rochas com apenas 20 milhes de anos a mais
do que aquelas em que esto as esponjas e anmonas, j encontramos
os primeiros moluscos e equinodermas. At hoje no foi encontrada
nenhuma rocha com mais de 500 milhes de anos que apresentasse
animais terrestres. Tais animais (principalmente insetos) s vo aparecer
em rochas de 400 milhes de anos, e os primeiros rpteis e aves s
apareceram nas camadas mais superfi ciais, de 300 milhes de anos. Os
mamferos, ento, s vo aparecer em rochas de 100 milhes de anos.
A mesma estratigrafi a observada com as plantas. Nenhuma rocha
estudada at hoje, de mais de 200 milhes de anos, tem fsseis de plantas
de fl ores, apesar de essas rochas apresentarem fsseis de samambaias,
cuja resistncia fossilizao a mesma que a das fanergamas. Apesar
de as plantas que se reproduzem por fl ores serem predominantes hoje em
dia, no registro fssil elas s vo aparecer nas camadas mais superfi ciais,
com menos de 70 milhes de anos. Quer dizer, ento, que a maioria dos
dinossauros nunca viu uma fl or?
De fato, se considerarmos que os dinossauros apareceram na
Terra cerca de 300 milhes de anos atrs, e se extinguiram h cerca de 50
milhes de anos, ento somente os das pocas mais tardias conviveram
com fanergamas. Assim, fl orestas, como as que conhecemos atualmente,
formadas por rvores lenhosas, no possuem representantes fsseis em
camadas com mais de 100 milhes de anos. A relao entre posio
estratigrfi ca e complexidade estrutural uma evidncia muito forte de
que a evoluo aconteceu. Se encontrssemos fsseis de todas as formas
de vida juntos, nos mesmos estratos, ns falsearamos a teoria evolutiva
atual. Se encontrssemos, por exemplo, fsseis de dinossauros misturados
com fsseis de macacos, ou se encontrssemos fsseis de mamferos
nas rochas de mais de dois milhes de anos, ou de plantas lenhosas em
estratos mais antigos do que os fsseis de pteridfi tas, ns teramos uma
evidncia de que a teoria evolutiva, como a conhecemos, seria falsa.
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Figura 2.2: Sucesso estratigrfi ca de fsseis.Os fsseis mais antigos se encontram nas cama-das mais profundas.
Agora responda: Por que as camadas de rochas mais antigas
apresentam fsseis geralmente diferentes dos encontrados nas
camadas mais recentes?
Porque os organismos da Terra foram mudando ao
longo do tempo, e os encontrados nas rochas mais profundas
representam vestgios da fauna mais antiga.
A segunda evidncia fssil importante a existncia de
formas intermedirias na evoluo dos organismos. Se a
evoluo no tivesse ocorrido, e todas as espcies tivessem
surgido h alguns bilhes de anos, extinguindo-se com o
tempo, no esperaramos encontrar formas intermedirias
entre fsseis mais antigos e fsseis mais recentes. No
entanto, apesar de o processo de fossilizao ser
muito raro, de maneira que a maioria das espcies
acaba no deixando nenhum registro, temos vrios
exemplos dessas formas intermedirias, como
aquelas entre dinossauros e aves (o Archaeopteris,
veja Figura 2.3), entre mamferos terrestres e baleias
e entre macacos e homens. Voc j viu vrios desses
exemplos em outros cursos (Diversidade dos Seres
Vivos e Grandes Temas em Biologia) e ver ainda
melhor na aula sobre fsseis e evoluo humana.
Figura 2.3: Fssil de Archaeopteris, uma forma intermediria entre os dinossauros e as aves atuais.
EVIDNCIA 2 A UNIDADE DA VIDA
Se todas as espcies tivessem aparecido
simultnea e independentemente, elas poderiam ter
encontrado solues semelhantes para problemas
semelhantes, mas no deveriam apresentar uma
homogeneidade estrutural, bioqumica e fi siolgica;
alguns animais poderiam no ter a clula como sua
unidade bsica, por exemplo. Da mesma forma, a no
ser a descendncia de um ancestral comum, no existe
razo para explicar por que organismos to diferentes, como bactrias,
fungos, bananeiras, ostras, macacos e peixes tivessem, todos, o DNA como
molcula carregadora da informao gentica. Nem seriam os cdigos
genticos responsveis pela traduo dos genes em protenas praticamente
idnticos em todos esses organismos.
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
Ento, pense bem e responda: por que o ATP a principal molcula
transmissora de energia em todos os seres vivos, se outros nucleotdeos,
como o GTP, o CTP e o TTP tm propriedades que os tornam igualmente
efi cazes para esse processo? Por que a meiose de todos os animais
praticamente idntica? Por que, dos mais de 200 aminocidos conhecidos,
apenas os mesmos 10% so usados para fazer as protenas de todos os
seres vivos? Por que, das centenas de alternativas termodinamicamente
equivalentes para a degradao da glicose produzindo energia (a gliclise,
como voc j estudou em Bioqumica), apenas uma est presente em
praticamente todos os seres vivos?
A resposta simples: essas semelhanas moleculares entre todos
os seres vivos ocorrem porque eles so descendentes dos mesmos
ancestrais que encontraram solues originais efi cazes desde o incio
da evoluo. Essas solues foram selecionadas e mantidas em todos os
seus descendentes, ao longo da evoluo.
A cada ano so descobertas cerca de 4.000 novas espcies de
animais e plantas. Se, em uma delas, os cidos nuclicos no forem a base
da hereditariedade, ou ainda se o seu cdigo gentico for completamente
diferente daquele dos outros seres vivos, ou ainda se o seu ciclo de Krebs
for completamente substitudo por outra via de produo aerbica de
energia, teremos uma boa evidncia para falsear a teoria evolutiva.
EVIDNCIA 3 RVORES FILOGENTICAS
Uma das caractersticas de nossa espcie a capacidade de organizar
as coisas. Assim, dado um grupo de objetos, podemos facilmente construir
uma classifi cao para eles. Podemos, por exemplo, classifi car uma coleo
de fi gurinhas, livros ou camisas, em grupos, de acordo com o tipo, cor etc.
Uma biblioteca uma coleo organizada de livros. O biblioteconomista
pode decidir classifi c-los por tipo, por assunto, por nome de autor, por
antigidade ou at por tamanho. Dentro de cada grupo, os livros podem
ser rearranjados em subgrupos, e assim por diante. No fi nal, para facilitar o
trabalho de localizao dos livros, podemos, inclusive, produzir uma rvore
de classifi cao (veja a Figura 2.4). Era assim que a taxonomia era vista no
princpio, e todos os nomes dos grandes grupos taxonmicos que usamos at
hoje (Cnidaria, Insecta, Mammalia, Primatas...) foram criados muito antes
de se pensar em evoluo.
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Biblioteca
Histria Biologia Culinria
Antiga Citologia Cozinha brasileira
Recente Ecologia Cozinha internacional
Taxonomia
Evoluo
Europia
Africana
Asitica
Figura 2.4: Uma rvore possvel de classifi cao de livros em uma biblioteca.
A palavra primitivo tem vrias conotaes no uso dirio das pessoas. Alguns
associam primitividade a coisa atrasada, de pouco valor. Como na frase Ventilador
muito primitivo; bom mesmo ar-condicionado. Outras pessoas idolatram a idia
de primitivo, acham que o primitivo o melhor, entendendo a o primitivo como a
Natureza, em oposio ao progresso e suas mazelas. Como na frase o que eu queria
mesmo era ter uma vida primitiva, sem as complicaes do escritrio. Quando um
evolucionista fala de primitivo, ele usa a palavra no seu signifi cado mais puro. Primus,
em latim, quer dizer o primeiro. Ento, primitivas so as espcies mais ancestrais,
e os caracteres (morfolgicos, moleculares etc.) que elas possuem. O oposto de
primitivo, para um evolucionista, derivado. Observe que usar a palavra primitivo
para uma espcie atual, mesmo que ela seja pertencente a um dos primeiros grupos
a aparecerem na evoluo (como as esponjas, por exemplo) incorreto. Afi nal, se
os animais primitivos eram esponjas, isso no signifi ca que uma esponja que existe
hoje em dia seja tambm primitiva. Afi nal, ela teve mais de 500 milhes de anos para
evoluir at o que ela agora. E, como todos descendemos de um ancestral comum,
isso signifi ca que elas tiveram exatamente o mesmo tempo que ns para evoluir! S
que ns seguimos outros caminhos evolutivos, que provocaram grandes divergncias
morfolgicas em relao aos nossos ancestrais, enquanto que as esponjas atuais
permanecem mais parecidas com as esponjas primitivas.
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
Se a teoria da evoluo est correta, e a diversidade do planeta
foi produzida por especiaes e mudanas, desde as espcies primitivas
(veja o boxe sobre o uso da palavra primitivo) at as atuais, deve ser
possvel fazer uma rvore de classifi cao que no represente apenas
as semelhanas e diferenas entre grupos, mas tambm refl ita o padro
fi logentico do grupo (phyllum = grupo; genesis = origem).
Suponhamos, ento, que voc fosse classificar um grupo
de animais que contivesse um morcego, uma ona, um pardal e um
gamb. Voc poderia decidir que a presena de asas uma caracterstica
importante, agrupando, assim, o morcego com o pardal. Pelo que voc
j conhece de Biologia, esse agrupamento est errado. Por qu?
Apesar de parecer muito simples, essa questo bsica em toda
a taxonomia. A chave para responder a essa pergunta a corroborao dos
caracteres. Se os caracteres dos seres vivos esto evoluindo continuamente, ento
esperamos que classifi caes construdas com vrios caracteres independentes
(morfologia, qumica, gentica) sejam, de maneira geral, concordantes, e que
as discordncias eventuais possam ser explicadas dentro do prprio processo
evolutivo. Assim, essa classifi cao de animais em alados e no alados juntando
morcegos e aves em um grupo confl itaria com classifi caes baseadas em outros
caracteres morfolgicos, fi siolgicos e moleculares, e poderia ser explicada pelo
processo de convergncia morfolgica causada pela seleo natural.
A corroborao das rvores fi logenticas (rvores de classifi cao que
refl etem relaes de parentesco entre as espcies) atravs de vrios caracteres
independentes , talvez, a demonstrao mais forte da realidade da evoluo.
Uma das coisas que tornam uma rvore filogentica diferente
de outras rvores de classificao que as linhas que ligam os grupos
representam verdadeiros elos de ancestralidade. Os ns, nos quais
as linhas se encontram, representam ancestrais, e a profundidade
da rvore pode ser vista como representao do tempo.
Vamos fazer um pequeno exerccio. Considere a seguinte
lista de animais: esponjas, guas-vivas, insetos, lacraias, camares,
mexilhes, serpentes, lagartos, crocodilos, pardais, baleias, vacas,
humanos, chimpanzs, cangurus, sapos, atuns, estrelas-do-mar.
Mostre esses animais a algumas pessoas que no saibam Biologia;
procure incluir, no mnimo, uma criana de menos de 10 anos. Se ela no
conhecer algum dos animais, procure mostrar, pelo menos, uma fi gura de um
dos livros do curso de Zoologia ou, melhor ainda, mostre o bicho, se possvel.
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Agora, pea-lhes que tentem juntar esses animais em grupos de dois ou trs.
Anote os grupos formados. Depois, pea que os reagrupe em grupos maiores.
Anote os novos supergrupos. Continue o processo at que todos os animais
e grupos formem um nico grupo, que seria chamado animais (ou, mais
corretamente, Metazoa).
Use as informaes dos grupos sugeridos por cada pessoa,
para construir uma rvore fi logentica. Compare as rvores. Elas so
parecidas ou diferentes?
Compare as rvores feitas com o apresentado na Figura 2.5, que
inclui, agora, tambm outros organismos.
Figura 2.5: rvore fi logentica com representantes dos principais grupos vivos na Terra.
estrela-do
-mar
peixes
anfb
ios
marsu
piais
chim
pan
z
hu
man
os
vacas
baleias
aves
croco
dilo
s
igu
anas
lagarto
s
cob
ras
mo
lusco
s
crustceo
s
lacraias
inseto
s
med
usas
espo
njas
cog
um
elos
levedu
ras
ban
anas
gram
a
coq
ueiro
s
feijes
pin
heiro
s
samam
baias
mu
sgo
s
algas verd
es
bactria
Metazorios (animais)
Artrpodes Rpteis MamferosFungosPlantas
apenas um cotildone na
semente
sementes encobertas
sementes
Xilema e fl oema
Cloroplastos
C
exoesqueleto
protostmios
rgos
Sistema nervoso e circulatrio
deuterostmios
vrtebras
mandbulas
dedos
B
mnio
plos, sangue quente
duas fenestras no crnio
A plumasplacenta
Mitocndria, ncleoUm ancestral comum hipottico
uma mudana de caracter herdada por todos os decendentes
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
Essa rvore inclui membros de alguns dos grupos de seres vivos da
Terra. Existem 1041 (1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.
000.000.000) maneiras de se construir uma rvore com essas mesmas 30
espcies. No entanto, os agrupamentos apresentados na rvore so to
naturais que, se dssemos a vrias crianas a tarefa de classifi car esses
organismos por semelhana, elas chegariam a rvores bastante parecidas
(compare com as rvores que seus colegas e crianas fi zeram). claro que
haveria surpresas, como talvez o grupamento das baleias com os peixes.
E a maior parte das pessoas certamente no juntaria aves com crocodilos,
apesar de sabermos hoje em dia que eles so aparentados. Mesmo assim,
as rvores construdas pelas crianas seriam, estatisticamente, altamente
correlacionadas e semelhantes rvore fi logentica da Figura 2.5. Essa
rvore corroborada por caracteres morfolgicos, fi siolgicos e por
um nmero enorme de caracteres moleculares independentes (genes de
vrias regies dos genomas dos organismos). Mais importante ainda:
a rvore produzida com seqncias de DNA tambm corroborada
com o registro fssil, de modo que muitos dos ancestrais hipotticos
(os ns) da rvore so encontrados, e sua posio nas vrias camadas
de rocha corresponde bem com o esperado, com base na topologia da
rvore. Essa corroborao, por mtodos independentes, uma evidncia
clara da evoluo dessas espcies a partir de ancestrais comuns. Se ns
tivssemos, por exemplo, um nmero grande de genes apoiando a ligao
entre aves e morcegos, em vez de apoiar a unio desses organismos a seus
grupos respectivos, que foram construdos claramente fundamentados
na evidncia fssil, estaramos falseando a teoria evolutiva.
O uso da Gentica Molecular tem revolucionado o estudo da
evoluo. Hoje em dia, seqncias de DNA so usadas intensamente
para esclarecer as relaes fi logenticas dos seres vivos. Elas foram teis,
inclusive, para ver a evoluo em ao! Algumas pessoas dizem que, como
a evoluo acontece to devagar, ns no podemos v-la, e que, por no
podermos test-la objetivamente (fazendo uma evoluo no laboratrio, por
exemplo), ela no pode ser considerada uma Cincia de verdade. No entanto,
alm de o argumento estar errado em princpio (seno tambm no seriam
cincias, por exemplo, a Fsica Atmica ou a Histria), ele tambm est
errado na prtica, pois a evoluo j foi demonstrada em laboratrio.
Vejamos um exemplo: os vrus evoluem muito rapidamente, podendo
haver centenas de geraes em um ano. Assim, em 1992, foi feito um
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experimento (HILLIS et al., 1992), em que uma fi logenia verdadeira foi
construda usando-se vrus bacterifagos, que so fceis de cultivar e se
multiplicam rapidamente (Figura 2.6).
Essa fi logenia foi feita em laboratrio, a partir de uma linhagem
original que era subdividida propositadamente aps um nmero varivel
de geraes, de modo a simular eventos de especiao (na rvore
mostrado, ao longo das linhas, o nmero de geraes de cada uma;
foram usados nmeros variveis para melhor simular a evoluo de uma
populao natural). Como os cientistas tinham controle total sobre essa
fi logenia, eles puderam tambm analisar cada um dos ancestrais (as letras
A-F e W), alm das espcies atuais (J-R). O nmero possvel de rvores
diferentes com essas nove espcies maior que 135.000. No entanto,
pesquisadores independentes e que no sabiam do padro evolutivo real
(por ter sido feito um exame s cegas) reconstruram a rvore correta
em todos os casos, usando apenas as seqncias gnicas das linhagens
terminais (de J a R, na Figura 2.6).
Um outro exemplo foi a reconstruo do ancestral hipottico de
todos os vrus da AIDS do tipo HIV-I, feito em 1998, a partir de 111
seqncias de vrus de pessoas contaminadas. A seqncia de DNA
Figura 2.6: Evoluo de vrus produzida artificialmente em laboratrio. Linhagens de vrus eram separadas e reproduzidas por vrias gera-es. Depois, cada grupo era separado em dois; esses dois novos grupos eram deixados reproduzir novamente por vrias geraes. Por exemplo, o cultivo do ancestral W foi dividido em dois, que foram deixados evoluindo inde-pendentemente. Um grupo foi reproduzido por 17 gera-es, gerando o ancestral E. O outro foi reproduzido por 18 geraes, gerando o ancestral F. Esse processo simula a evoluo de uma espcie com vrios eventos de separao geogrfi ca.
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
desse ancestral hipottico foi comparada com outra, encontrada em
uma amostra de plasma de uma pessoa que morreu em 1959, no Congo
Belga, na frica (na poca, ainda no se conhecia a doena AIDS e a
morte havia sido atribuda a algum mal desconhecido). A seqncia
hipottica foi extremamente semelhante (com alta signifi cncia estatstica)
seqncia de 1959 (ZHU et al., 1998).
EVIDNCIA 4 AS RESTRIES EVOLUTIVAS
Uma das conseqncias da evoluo que as espcies, ao se
adaptarem a novas condies, necessariamente usam modificaes
de estruturas preexistentes. Se todas as espcies houvessem aparecido
simultaneamente, suas estruturas estariam adaptadas aos seus ambientes
de maneira perfeita e independente. Por exemplo, no seria muito mais
vantajoso ter asas alm das quatro patas (como aparece na fi gura mitolgica
de Pgaso) a ter de escolher entre ter os membros superiores funcionando
como braos ou como asas? E no seria muito mais conveniente para as
baleias e golfi nhos se eles tivessem brnquias, em vez de necessitarem de
todas as adaptaes complexas para otimizar o uso do oxignio do ar,
mesmo vivendo no mar? No entanto, o que observamos na Natureza
o uso surpreendente de adaptaes de estruturas preexistentes, para novas
funes. Essas estruturas (como as asas dos pingins adaptadas natao,
ou as membranas entre os dedos das mos dos morcegos adaptados ao
vo) so sempre restritas pelas contingncias evolutivas dos seus ancestrais
e demonstram a freqente conservatividade morfolgica na Natureza (ou,
como Linnaeus dizia, Natura non facit saltum: Natureza no faz saltos).
Se a evoluo no existisse e as criaturas da Natureza tivessem aparecido
simultaneamente, desenhadas perfeitamente para suas funes, poderamos
ver mamferos com asas verdadeiras ou com penas (que so melhores
isolantes trmicos do que plos), aves aquticas com nadadeiras, golfi nhos
com brnquias e aves corredoras (como o avestruz) com quatro patas, em
vez de asas vestigiais. Alis, as estruturas vestigiais so tambm uma boa
evidncia da evoluo.
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EVIDNCIA 5 FORMAS VESTIGIAIS
Se as espcies evoluem a partir de outras, elas herdam dessas outras
os genes que determinam seus caracteres morfolgicos e bioqumicos,
mesmo que nem sempre esses genes sejam teis s novas condies de
vida. Os caracteres que j no so teis nas novas condies de vida das
espcies deixam de ser mantidos pela seleo natural (como voc ver
na Aula 5), de modo que as mutaes aleatrias que surgem nos genes
que os codifi cam no so mais eliminadas. As formas determinadas por
esses genes tornam-se, ento, vestigiais.
Lamarck estava plenamente consciente de tais formas vestigiais,
mas via nelas uma evoluo necessria e conseqente do desuso. Para
Darwin, no entanto, as formas vestigiais seriam apenas uma evidncia
do que acontece com as caractersticas que deixam de ser mantidas
pela seleo natural. Existem vrios exemplos de formas vestigiais na
Natureza. Temos, assim, os olhos de vrias espcies fossoriais (que vivem
em cavernas onde no existe luz), como algumas variedades do peixe
Astianax mexicanus e da salamandra Proteus anguinus que, apesar de
viverem em total escurido e serem cegas, tm, ainda assim, olhos (no caso
de Proteus, os olhos, apesar de invisveis externamente, esto escondidos
sob a pele). As jibias, que so rpteis descendentes de animais de quatro
patas, apresentam vestgios de quadris, apesar de j no terem nenhum
vestgio de pernas. Estruturas vestigiais encontram-se tambm em plantas.
Por exemplo, os dentes-de-leo (Taraxacum sp.) possuem sementes, mas
elas so produzidas assexuadamente; no entanto, produzem plen como
se fossem plantas sexuadas. No caso do dente-de-leo, o plen produzido
perdido, e representa, assim, uma estrutura vestigial dos seus ancestrais
sexuados.
Existem tambm formas vestigiais diretas nos genes. No nosso
genoma, por exemplo, cerca de 20% das seqncias reconhecveis
como codifi cantes (as cadeias de leitura aberta, que voc aprendeu
em Gentica) so de pseudogenes, que podem ser vistos como vestgios de
genes. Os pseudogenes so, em geral, produzidos pela duplicao de genes
funcionais. Essa duplicao permite o relaxamento da seleo natural em
uma das cpias, que passa a acumular mutaes at no produzir mais
uma protena funcional. Os pseudogenes, assim, no exercem sua funo
original, mas servem como indicadores dos genes que j existiram. Dessa
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Evoluo | Evidncias da Evoluo
forma, apesar de no funcionarem, os pseudogenes de espcies prximas
so muito semelhantes. Se os nossos pseudogenes fossem mais semelhantes
aos das vacas do que aos dos macacos, por exemplo, ns teramos
uma evidncia falseadora da hiptese da origem evolutiva comum
entre ns e os outros primatas. No entanto, nos cromossomos, ns
temos praticamente os mesmos pseudogenes e nas mesmas posies,
que os macacos.
EVIDNCIA 6 A HERANA COMUM DO INTIL
Como vimos anteriormente, na evidncia 4, as espcies possuem
restries s possibilidades de adaptao ao ambiente, que so
conseqncia de sua histria evolutiva. Essas restries fazem com que
as solues encontradas pelas espcies, na sua adaptao ao meio, sejam,
freqentemente, imperfeitas. O projeto Genoma Humano (e vrios outros
projetos genoma, como o de moscas, vermes, fungos e plantas) mostrou
uma enorme redundncia e a presena de uma quantidade formidvel de
DNA no codifi cante. No caso de nossa espcie, por exemplo, apenas
2% de todo nosso DNA serve para produzir protenas, enquanto 45%
do DNA total composto de transposons que, quase sempre, no tm
nenhuma funo para o organismo (voc leu sobre transposons no curso
de Gentica). No entanto, apesar de praticamente no terem funo, a
posio de vrios transposons nos cromossomos humanos praticamente
idntica quela encontrada nos outros primatas. O mesmo se observa
nos ntrons (voc viu ntrons no curso de Gentica) que, em geral, no
tm funo especfi ca e apresentam altas taxas de mutao. A posio
dos ntrons bastante conservada evolutivamente, e quase todos os
ntrons dos mamferos encontram-se nas mesmas posies dos genes. Ter
coisas em comum com outros organismos, quando elas servem para algo,
poderia ser visto como uma evidncia no da evoluo, mas do encontro
de solues comuns na criao desses organismos. Assim, o fato de ns
termos, em comum com os macacos, sangue quente e plos, poderia ser
visto no como evidncia de que somos parentes, mas sim como evidncia
de que essas caractersticas so as melhores para o tipo de vida que ns
e os macacos levamos. No entanto, ter em comum coisas que no tm
funo, que sequer so expressas durante nosso desenvolvimento, uma
evidncia clara de nosso parentesco.
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C E D E R J 35
AU
LA 2
EVIDNCIA 7 A HERANA COMUM DO TIL
Quando espcies semelhantes tm estruturas ou molculas
semelhantes, uma explicao alternativa ancestralidade em comum a
convergncia evolutiva. Assim, pode ser que o fato de termos cinco dedos nas
mos, como os macacos, no esteja ligado ao fato de sermos descendentes da
mesma espcie, mas a alguma vantagem de ter cinco, em vez de quatro ou
seis dedos na mo. No entanto, se fosse demonstrado que o nmero de dedos
no era importante para sua funo (digamos que, por exemplo, qualquer
nmero entre quatro e dez fosse igualmente til), ento, ter o mesmo nmero
de dedos poderia ser interpretado mais facilmente como evidncia de origem
comum. No caso dos dedos, no temos essa evidncia; no entanto, em alguns
caracteres moleculares amplamente estudados, como o gene do citocromo c
(que faz parte da cadeia de transporte de eltrons), isso j foi demonstrado.
Essa protena existe em todos os seres vivos que usam oxignio como aceptor
fi nal de eltrons na respirao. Curiosamente, apesar de fundamental, essa
protena aceita ampla variao em sua seqncia, desde que respeitada sua
estrutura tridimensional. Assim, foi demonstrado que leveduras nas quais
o gene do citocromo c foi retirado conseguem sobreviver usando citocromo
c humano, apesar de as duas protenas terem mais de 40% de diferenas
(TANAKA et al., 1989).
Estudos de modelagem em computador e confirmaes
experimentais mostraram que o nmero de seqncias de aminocidos,
que so igualmente efi cazes em manter a funo do citocromo c,
superior ao nmero de tomos no universo. Assim, no existiria nenhuma
vantagem adaptativa que pudesse explicar uma semelhana entre o
citocromo c de espcies prximas, de modo que seqncias semelhantes
seriam mais bem explicadas pela existncia de um ancestral comum.
Portanto, se encontrssemos espcies consideradas muito prximas, mas
que tivessem seqncias de aminocidos do citocromo c muito diferentes,
teramos um falseamento da hiptese evolutiva. Quando comparamos
as seqncias de aminocidos do citocromo c de humanos e as dos
chimpanzs, no entanto, verifi camos que elas so idnticas.
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36 C E D E R J
Evoluo | Evidncias da Evoluo
EVIDNCIAS 8, 9, 10
Ao longo do curso, novas evidncias lhe sero apresentadas.
Voc tambm pode encontrar as suas, a partir da observao da Natureza
e da releitura do que j aprendeu, por exemplo, em Zoologia ou em
Bioqumica. Algumas das evidncias que foram apresentadas aqui
s puderam ser percebidas a partir do desenvolvimento de tcnicas
moleculares sofi sticadas, como o seqenciamento de DNA. Outras
evidncias, como o registro fssil e o estudo de estruturas vestigiais,
j eram conhecidas no sculo XIX. Na prxima aula, voc aprender
como essas evidncias foram interpretadas historicamente por vrios
pensadores e bilogos, e como Darwin as usou, meticulosamente, para
apresentar sua Teoria da Evoluo.
A partir de ancestrais comuns, vrios fatos da Natureza podem ser explicados,
de maneira simples, pela evoluo. Existem evidncias de vrios tipos, como: a) a
estratigrafi a dos fsseis; b) a existncia de fsseis de formas intermedirias entre
organismos; c) a presena dos mesmos tipos de estruturas moleculares em todos os
seres vivos; d) a corroborao das rvores fi logenticas com evidncias moleculares
e paleontolgicas; e) os experimentos de evoluo acelerada em laboratrio com
vrus; f) as maneiras com que as espcies se adaptam ao meio, levando em conta,
cada vez, as estruturas preexistentes (e sendo contingenciadas por elas); g) as
formas vestigiais morfolgicas e moleculares; h) as heranas comuns do que
til e do que intil. Essas evidncias so indicaes fortes, mesmo consideradas
individualmente, do padro de ancestralidade comum dos seres vivos. Tomadas
em conjunto, elas constituem prova clara do fato da evoluo biolgica.
R E S U M O
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C E D E R J 37
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LA 2
ATIVIDADES FINAIS
1. Qual seria o impacto, para a teoria evolutiva, se fossem encontrados, em todos
os estratos geolgicos, fsseis idnticos de todos os tipos de animais e plantas?
2. A gliclise uma via metablica importante para a gerao de energia. Existem
vrias maneiras de se gerar energia a partir da degradao da glicose. No entanto, a
maior parte dos animais usam as mesmas enzimas, na mesma ordem, para produzir
piruvato a partir da glicose. Por qu?
3. Por que o compartilhamento de caractersticas inteis pode ser uma evidncia
mais forte do que o de caractersticas teis para inferir relaes evolutivas entre
os organismos?
RESPOSTA
Seria muito difcil sustentar a teoria evolutiva se no existisse diferenciao
estratigrfi ca entre os vrios fsseis. Se encontrssemos fsseis de seres humanos
junto a fsseis de dinossauros, por exemplo, teramos de rediscutir o conhecimento
atual da evoluo dos vertebrados.
RESPOSTA
Porque essas vias metablicas foram estabelecidas no incio da evoluo da
vida e foram mantidas com poucas alteraes pela seleo natural nos vrios
organismos.
RESPOSTA
Porque o compartilhamento de caractersticas teis pode ser o resultado de
convergncia evolutiva. Assim, o fato de morcegos e pardais terem asas ocorreu
porque, em suas evolues, houve a convergncia para uma estrutura (a asa)
que era extremamente til na sua biologia (uma maneira mais correta de
descrever essa convergncia dizer que, dentro das linhagens das aves e dos
morcegos, organismos que tinham capacidade de vo foram selecionados).
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38 C E D E R J
Evoluo | Evidncias da Evoluo
4. Cite uma evidncia morfolgica, uma evidncia bioqumica e uma evidncia
gentica da Evoluo.
5. Em 1999, um professor dinamarqus, de Educao Fsica, foi acusado de ter
abusado sexualmente de alguns de seus alunos. Alm dessa acusao, tambm
foi incriminado por tentativa de homicdio, pois sabia que era portador do vrus
da AIDS e nada fez para proteger suas vtimas da contaminao. Ele negou as
acusaes, argumentando que uma de suas possveis vtimas, um garoto de 15
anos, que tambm apresentava o vrus, havia sido contaminado por alguma outra
pessoa. Como a contaminao do garoto teria ocorrido trs anos antes de o caso
ter vindo ao conhecimento da Justia (quando o garoto tinha 12 anos), e como
o vrus HIV tem uma taxa de mutao muito elevada, de modo que a populao
viral de cada pessoa diferente, o tradicional argumento forense de encontrar
uma identidade total entre criminoso e vtima no podia ser usado. No entanto,
a acusao pde, ainda assim, usar evidncias moleculares nas seqncias de
dois genes do vrus, e isso foi decisivo na condenao do acusado (MACHUCA et
al., 2001). Eles determinaram as seqncias desses genes nos vrus do acusado,
da criana e de 16 outras pessoas infectadas residentes na mesma cidade, e as
compararam, tambm, com seqncias de bancos de dados. Que tipo de resultado
eles devem ter tido que tenha servido para convencer o jri de que o acusado
era, de fato, culpado?
RESPOSTA
Evidncias morfolgicas: estruturas vestigiais, evoluo de caractersticas
como modifi cao de outras preexistentes (asas do morcego); evidncias
bioqumicas: vias metablicas comuns, uso do ATP como fonte de energia;
evidncias genticas: padres fi logenticos concordantes com o uso de genes
diferentes, posio igual de ntrons e pseudogenes.
RESPOSTA
Se o acusado fosse inocente, seria esperado que, ao se fazer uma rvore
fi logentica com as seqncias dos vrus, as seqncias do rapaz de 15 anos
se juntariam com as das outras 16 pessoas, em alguma posio aleatria na
rvore. No entanto, as seqncias do vrus do rapaz e do acusado fi caram
mais prximas umas das outras do que daquelas dos vrus de 16 pessoas da
populao local. Isso demonstrou que o vrus do rapaz e o vrus do acusado
tinham origem comum.
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C E D E R J 39
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LA 2
AUTO-AVALIAO
Existe uma quantidade enorme de evidncias na Natureza para o fato da Evoluo.
No entanto, freqentemente essas evidncias so negadas ou confundidas, como voc
ver na aula sobre creacionismo (Aula 29 de nosso curso). Esperamos que voc, nesta
aula, tenha concludo que a quantidade enorme de evidncias pode ser explicada,
de maneira simples e lgica, pela evoluo da vida na Terra. Se voc entendeu bem
essas evidncias, e capaz de us-las at em um bate-papo informal sobre evoluo,
parabns! Algumas das evidncias apresentadas so mais simples de entender, como
o registro fssil ou as restries evolutivas evoluo da forma. Outras so um
pouco mais difceis, pois exigem conhecimentos prvios sobre fi logenia ou biologia
molecular, como as evidncias na evoluo dos pseudogenes e dos ntrons. Talvez seja
interessante voc dar uma revisada nessas partes, se tiver difi culdade em entender
essas evidncias. O exerccio 5 importante, pois mostra como o conhecimento
de Evoluo pode ter aplicaes nas reas mais improvveis, como numa Corte de
Justia. Mas ele tambm difcil de responder. Se voc no conseguiu respond-lo
na primeira tentativa, leia-o agora que voc j viu a resposta e procure seguir a
explicao dada.
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Histrico do estudo da Evoluo
Ao fi nal desta aula, o aluno dever ser capaz de:
Descrever algumas das idias evolutivas pr e ps-darwinistas.
Explicar a novidade da Teoria Evolutiva darwiniana.
objetivos3AULA
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C E D E R J42
Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo
Como voc estudou na aula anterior, a diversidade de seres vivos que
observamos hoje nossa volta, em todo o mundo, no esteve sempre aqui
e, mais do que isto, as espcies esto mudando ao longo do tempo. Contudo,
como essa mudana muito lenta e o tempo de que falamos est numa escala
muito maior do que a que somos capazes de perceber na nossa vida diria (ver
Aula 14 do curso Diversidade dos Seres Vivos: Tempo geolgico e fsseis), s
vezes difcil imaginar como esse processo de mudana das espcies se d
(algumas excees so os vrus, como voc estudou na aula passada).
Essa difi culdade no s sua e, durante muito tempo, antes que pudssemos
entender de maneira adequada esse processo de mudana, era comum
pensarmos que as espcies que vemos hoje sempre estiveram aqui, com
a mesma forma e quantidade. Esse era o tempo da pr-histria das idias
evolutivas, perodo em que a idia de que as espcies no mudavam (conhecido
como fixismo) era dominante. Antes de comearmos a entender como possvel
as espcies mudarem ao longo do tempo e, mais que isto, como esse processo
de mudana, ao longo do tempo, foi capaz de produzir todos os seres vivos
que conhecemos hoje, mesmo aqueles j extintos, vamos estudar um pouco
a pr-histria das idias evolucionistas.
PR-HISTRIA: DO FIXISMO AO LAMARCKISMO
Antes que as idias evolutivas estivessem presentes nas explicaes
a respeito da origem das espcies, a idia hegemnica era o fi xismo.
Segundo essa concepo, que dominou quase toda a histria do
pensamento ocidental, os seres vivos pertenceriam a grupos fi xos, os
quais teriam sido criados por um ou mais deuses e por ele(s) ordenados
em uma escala hierrquica imvel, na qual a espcie humana representaria
seu ponto mais elevado.
Segundo PLATO (428/7-348/7 a.C.), por exemplo, a categoria
espcie estava ligada essncia das coisas, idia, criao. Isto
signifi cava dizer que toda espcie viva no mundo seria uma cpia da
espcie perfeita, que existiria no mundo das idias. Para ele, o homem
era a expresso mxima da idia, ou seja, aquele ser, no mundo, que mais
se aproximava da perfeio. Contudo, o homem, sob o efeito de estar
no mundo (o que Plato chamava de ao do devir), teria sofrido um
processo de corrupo, de degenerao. Esse processo de degenerao
do homem no mundo, no tempo da Criao, teria sido responsvel pela
PLATO Nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocrticos e abastados. Foi discpulo de Scratese uma das referncias fundamentais do pensamento ocidental.
INTRODUO
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C E D E R J 43
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LA 3
produo de todos os outros seres menos perfeitos, como as mulheres, as aves, os escravos, os animais terrestres etc. assim, tomando o homem como
a expresso mais perfeita da idia, todos os outros seres seriam estgios
degenerativos dessa idia perfeita. Por isto mesmo, o homem seria o senhor
de todos os outros seres vivos. Essa concepo platnica de Criao foi
reformulada por ARISTTELES (384-322 a.C.), que foi seu aluno.
Tendo escrito h quatro sculos da Era Crist, Aristteles via
a Natureza organizada gradualmente, da matria inanimada at os
seres vivos. Contudo, ao contrrio do seu mestre Plato, Aristteles
no aceitava idias transformistas nem mesmo na Criao; para ele, toda
variao era esttica desde o comeo. Os indivduos eram a diferente
expresso do mesmo tipo e as variaes observadas entre eles eram
consideradas imperfeies na expresso da Idia. As espcies vivas,
portanto, eram fi xas desde sempre e a biodiversidade representava
apenas a expresso de uma ordem maior que existe por trs de todo o
Universo. A Natureza, e nela todos os seres vivos, era apenas uma parte
dessa grande ordem universal que Aristteles buscava entender.
De maneira muito semelhante s idias de Plato e Aristteles,
o Livro do Gnesis ocupa-se com a explicao das origens. A Bblia
estabelece a existncia do Universo e de sua ordem por obra da Criao
Divina. O Jardim do den o centro de criao de todas as espcies
animais e vegetais, e a espcie humana tem a prerrogativa de dominar
a Terra e todos os seus animais e plantas.
Esse conjunto de idias, que engloba o pensamento de Plato,
Aristteles e a Bblia, o que temos chamado aqui genericamente de
fi xismo, e que pode ser denominado, no campo fi losfi co, fi xismo
platnico-aristotlico e, no da religio, criacionismo judaico-cristo.
Tal conjunto parte fundamental da nossa cultura, a cultura ocidental,
e fortemente marcado pela noo de perfeio. Vem da a crena de
que a Natureza uma total harmonia, de que todos os seres vivos foram
desenhados, de que todos os rgos e sistemas funcionam da melhor
maneira possvel, etc.
As idias do criacionismo e da imutabilidade das espcies
perduraram at o Renascimento, no sculo XVI, quando comearam
a ser postas em questo. No sculo XVIII, por exemplo, ERASMUS DARWIN
(1731-1802), av de Charles Darwin, publica um livro intitulado
Zoonomia, no qual defende a idia de que as espcies poderiam sofrer
ARISTTELES
Filho de Nicmaco, um mdico, nasceu em
Estagira, Macednia, em 384 a.C. Foi
discpulo de Plato, juntamente com quem representa
uma das referncias mais importantes do
pensamento ocidental.
ERASMUS DARWIN
Naturalista ingls e av de
Charles Darwin. Contribuiu para o
desenvolvimento do pensamento
evolucionista.
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C E D E R J44
Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo
evoluo. Contudo, somente no sculo XIX que as idias evolutivas
passaram a integrar defi nitivamente as concepes a respeito das espcies,
fundamentalmente, com as idias de Lamarck.
JEAN BAPTISTE LAMARCK (1744-1829) foi o primeiro a apresentar
uma teoria elaborada a respeito da evoluo das espcies. No seu livro
intitulado Philosophie Zoologique, publicado em 1809, Lamarck
defendeu que mudanas no ambiente provocariam nos seres vivos a
necessidade de modifi cao, o que induziria um processo de evoluo
das espcies no sentido de se adequarem ao meio ambiente. Segundo essa
teoria, partes do corpo que fossem muito usadas se desenvolveriam. Por
outro lado, partes que no fossem usadas sofreriam atrofi a, que poderia
inclusive levar ao desaparecimento, nas geraes seguintes (Lei do uso e
desuso). O desaparecimento das partes atrofi adas e/ou o desenvolvimento
de partes muito usadas, nas geraes seguintes, o que se chama de Lei
da herana dos caracteres adquiridos.
Em sntese, esta concepo de que os seres vivos, por fora da
necessidade gerada neles pelas mudanas ocorridas no ambiente, iriam
progressivamente adequando-se ao ambiente, o que chamamos teoria
da melhoria interna intrnseca lamarckista. Essa teoria, como voc pode
notar, fortemente marcada pela noo de progresso, ou seja, sai de cena
a idia de perfeio, muito presente em todas as concepes fi xistas,
e entra em cena a idia de progresso, que estar muito presente nas
primeiras idias evolutivas.
HISTRIA: A TEORIA EVOLUTIVA DE DARWIN
Voc, certamente, j ouviu falar de CHARLES ROBERT DARWIN (1809-
1882), naturalista ingls que deu a volta ao mundo (1832-1837) em
um navio, o HMS Beagle, e que, por conta das suas muitas observaes
nessa viagem, produziu a mais importante teoria da evoluo de que
temos notcia. Mais do que essa imagem popular da mdia, com artigos
de revistas, jornais, fi lmes de cinema, documentrios e especiais de TV,
voc j estudou um pouco da histria e das idias de Darwin nas suas
aulas dos Grandes Temas em Biologia, Diversidade dos Seres Vivos e
tambm nas aulas de Gentica.
JEAN BAPTISTE LAMARCK
Nasceu na Frana, foi militar, mdico e naturalista. Foi o primeiro pesquisador a oferecer um mecanismo para explicar como a evoluo ocorre.
CHARLES ROBERT DARWIN
Nasceu na Inglaterra em 1809, tendo sido o mais importante naturalista de todos os tempos, devido sua teoria de evoluo, publicada em 1859, no seu livro On the origin of species.
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C E D E R J 45
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LA 3
A teoria evolutiva darwiniana est entre as idias mais importantes de toda a Biologia, fundamentalmente por dois motivos: primeiro, porque
ela tem um carter unifi cador, ou seja, ela, assim como a teoria celular,
o conceito de gene e a prpria defi nio da vida e sua origem, integra
todos os seres vivos como objeto de estudo nico que a Biologia se prope
a entender; segundo, porque a teoria evolutiva darwiniana ainda est na
base de todas as teorias evolutivas modernas. por isto que dizemos que
a histria da teoria evolutiva comea com Darwin. Antes dele, como j
vimos, tivemos aquilo que chamamos, numa metfora, de pr-histria
da evoluo. Mas o que, de to importante, Darwin escreveu no seu
livro A origem das espcies; o que nele ainda se mantm atual; qual
a novidade da teoria evolucionista darwiniana em relao a outras que
foram produzidas antes, como a de Lamarck?
QUAL A NOVIDADE?
Geralmente afi rma-se que Darwin criou a idia de evoluo, mas,
certamente, isto no foi criao de Darwin. Como j foi visto, essas idias
existiam desde o sculo XVII, sendo a teoria lamarckista um belo exemplo.
Outra afi rmao comum, a respeito da teoria darwinista, a de
que a proposio do Mecanismo de Seleo Natural seria sua grande
novidade. Contudo, a tese da Seleo Natural, como mecanismo para
evoluo, j tinha encontrado outros defensores, como o prprio av
de Charles Darwin, Erasmus Darwin. Embora seja verdade que, nos
trabalhos de Darwin, o mecanismo de Seleo Natural aparea com maior
importncia e numa estrutura lgica nova, ainda assim o argumento
no era novo.
A viagem no Beagle e o conseqente acmulo de dados, para
corroborar suas afi rmaes, outra novidade que aponta para os
trabalhos de Darwin, mas isto tambm no era novidade. O escocs
ROBERT CHAMBERS (1802-1871), contemporneo de Darwin, j havia
publicado o livro Vestgios da histria natural da criao, em 1844,
que tambm reunia uma compilao imensa de dados para corroborar
suas idias evolutivas. Embora os dados de Chambers fossem de origem
secundria, ou seja, compilados da literatura cientfi ca da poca, a leitura
do seu livro no deve nada, em termos de exemplos, queles presentes
nA origem das espcies. Qual seria a novidade, ento?
ROBERT CHAMBERS
Nasceu na pequena cidade de Peebles,
na Esccia, em 1802, tendo sido,
na sua poca, jornalista famoso
em Edimburgo, editor, autor de livros
populares e fi lsofo natural.
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C E D E R J46
Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo
Uma grande revoluo da teoria darwiniana foi a mudana na
forma de encarar a variao presente entre indivduos da mesma espcie.
At Darwin, as variaes individuais eram encaradas como desvios,
como erros do tipo de cada espcie. Como j foi dito aqui, a espcie era
concebida como expresso da idia, continha uma essncia, entendida
como a chave da criao. Esta perspectiva tipolgica era marcada
pela noo de perfeio. Darwin, por outro lado, encarava a variao
individual sob a perspectiva populacional. Para ele, a espcie no era mais
a expresso de um tipo perfeito, mas um grupo (ou grupos) de indivduos
que partilhavam caracteres e tinham continuidade histrica atravs da
reproduo. Essa revoluo baseada numa perspectiva materialista
da variao individual, que deixou de ser tida como esttica, resultado da
expresso imperfeita da idia, ou um rudo a ser evitado na atividade de
ordenao (classifi cao) do mundo vivo, e passou a ser entendida como a
realidade do mundo biolgico e o material da evoluo.
A partir dessa perspectiva materialista, Darwin pde entender o processo
de especiao como processo de converso da variao entre indivduos, dentro
de determinada populao, em variao entre populaes diferentes, no tempo e
no espao. Esta a segunda novidade da teoria darwinista: entender o processo
de especiao como processo de transformao de variao intrapopulacional
em variao interpopulacional.
Essas duas novidades presentes no livro A origem das espcies
tm conseqncias importantes, que foram percebidas imediatamente
e causaram muita controvrsia. Primeiro, fi cava estabelecido que a
natureza das diferenas entre as espcies era a mesma das diferenas
entre os indivduos da mesma espcie. Essa interpretao era radicalmente
contrria ao ponto de vista tipolgico que encarava as diferenas entre
as espcies como produto de variaes em torno de uma essncia de
origem na Criao. Segundo, se o processo de formao de novas espcies
dava-se pelo fracionamento da variao intrapopulacional em variao
interpopulacional, a regresso desse processo nos levaria a conceber uma
origem comum a todos os seres vivos que conhecemos, o que tambm se
contrapunha violentamente idia de uma criao especial.
Mais que isto, uma terceira concluso: a evoluo aconteceria
sem um propsito, seria um processo de leis simples, para o qual no
existia espao para uma idia de progresso. Essas concluses eram to
revolucionrias e ameaadoras que, segundo relatos da poca, ao ver
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C E D E R J 47
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LA 3
uma exposio de Darwin sobre sua teoria, uma dama da aristocracia inglesa teria dito a seu marido: Espero que a teoria do Sr. Darwin no
seja verdadeira, e se for, que no se torne muito conhecida.
Ainda era necessrio, porm, explicar que foras determinariam o
processo de diviso da variao; ou seja, qual o mecanismo da evoluo.
QUAL O MECANISMO?
No Captulo 3 de A origem das espcies, denominado Luta pela
existncia, Darwin apresentou trs observaes e duas dedues, que
constituem uma nova roupagem para a velha idia de Seleo Natural.
Segundo ele, na Natureza, encontramos um nmero de parentais muito
menor que o de descendentes (primeira observao). Seno, vejamos:
Considera-se o elefante como animal de multiplicao mais lenta.
Dei-me ao trabalho de calcular sua provvel velocidade mnima
de crescimento natural. Calculando, por baixo, sua capacidade de
procriao e sua fase de fecundidade, parti do princpio de que cada
fmea poderia dar luz trs casais de fi lhotes, iniciando sua vida
frtil aos 30 anos e encerrando-a aos 90. Assim sendo, ao fi nal de
cinco sculos, haveria, vivos, 15 milhes de elefantes, descendentes
de um nico casal primitivo.
No entanto, continua Darwin, fcil constatar que essa situao
no ocorre de fato; na realidade, o tamanho da populao de elefantes
e de outras populaes naturais tm-se mantido mais ou menos constante
ao longo do tempo (segunda observao). A deduo bvia extrada
dessas duas observaes a de que existe mortalidade de descendentes
(primeira deduo).
Nesse ponto, Darwin nos fornece sua terceira observao, que
, de fato, a grande novidade da sua teoria: existem diferenas entre os
indivduos de uma populao, diferenas estas que podem aumentar
ou diminuir as chances de o indivduo ser bem sucedido no ambiente
(terceira observao). Diante dessas trs observaes e de posse da
primeira deduo, possvel entender que a mortalidade no ocorre
ao acaso, mas em funo das diferenas individuais (segunda deduo);
ou seja, a mortalidade dos descendentes ocorre segundo um processo de
seleo que a Natureza opera, uma Seleo Natural.
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Evoluo | Histrico do estudo da Evoluo
Figura 3.1: Resumo esquemtico das trs observaes e duas dedues de Darwin,
expostas no Captulo 3 de A origem das espcies.
Assim, a perspectiva materialista da variao se impunha,
possibilitando uma interpretao extremamente elegante do mecanismo
de Seleo Natural. A conseqncia de assumir um mecanismo como
este, guiando a evoluo, era estrondosa: um processo acfalo, uma
evoluo sem desenho. Desse modo, tinha-se, naquele momento,
uma defi nio do processo evolutivo que poderia ser resumida da seguinte
forma: descendncia com modifi cao guiada por fora de seleo natural.
Na seta do tempo, se se