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Participação da Mulher na Tomada de Decisões Sobre o Processo de Atribuição do DUAT e Reassentamentos Documento para Debate No. 1/2017 Por: Issufo Tankar & Nelson Alfredo Com o apoio de: Maputo, Novembro de 2017

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Participação da Mulher na Tomada de Decisões Sobre

o Processo de Atribuição do DUAT e Reassentamentos

Documento para Debate No. 1/2017Por: Issufo Tankar & Nelson Alfredo

Com o apoio de:

Maputo, Novembro de 2017

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Série Documentos para Debate

A Série de Documentos para Debate do CTV pretende apoiar e fomentar o

debate público, através de trabalhos analíticos, reunindo constatações eresultados de estudos e projectos implementados pelo CTV e complementados

por outras publicações, onde se abordam questões relacionadas com a

legislação, políticas e processos de governação ambiental.

Ficha técnica:

Centro Terra Viva – Estudos e Advocacia AmbientalRedacção: Issufo Tankar e Nelson Alfredo

Coordenação: Issufo Tankar

Maquetização: Manuela Wing

Revisão: Tânia Pereira

Citação sugerida: Tankar, I. & N. Alfredo (2017). Participação da mulher na

tomada de decisões sobre o processo de atribuição do DUAT e

reassentamentos. Documento para Debate No.1/2017: 11 pp. Maputo, CTV.

Direitos Reservados

Direitos de autor aplicam-se a esta obra. Esta publicação, seja por inteiro ou em

partes, não poderá ser reproduzida independentemente do formato ou meio,

seja electrónico, mecânico ou óptico, para qualquer propósito sem a devida

autorização expressa por escrito, do Director Geral do Centro Terra Viva.

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Indíce

1. Introdução

1.1. Objectivos

2. Análise do problema e Justificação

3. Metodologia

4.Quadro Legal sobre a Participação da Mulher no Desenvolvimento

Local

5. Participação da Mulher na Liderança

6. O papel da mulher na tomada de decisões sobre a atribuição de

DUATs para investimentos na Comunidade

7. Principais Conclusões e Recomendações

7.1 Conclusões

7.2 Recomendações

8. Referências Bibliográficas

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1. Introdução

A participação da mulher na tomada dedecisões sobre o processo de atribuição doDireito de Uso e Aproveitamento da Terra(DUAT) para projectos de grandesinvestimentos continua sendo umamiragem. Esta é uma das principaisconclusões do estudo realizadorecentemente pelo CTV para avaliar ograu de participação da mulher noprocesso de tomada de decisões incluindoos principais factores limitantes (Kiambo,2017).

Não se tratando de uma constataçãonova, a mesma parece pertinente,sobretudo numa altura em que o Ministérioda Terra, Ambiente e DesenvolvimentoRural (MITADER) pretende iniciar umprocesso de reforma da legislação sobreterra com um processo de reflexão ediscussões à volta do mesmo, previsto parao ano 2018. Deste modo, espera-seenriquecer o debate sobre a participaçãoda mulher nestes processos de modo apromover um desenvolvimento inclusivoonde a mulher desempenhe um papelmais activo.

O presente documento foi produzido combase nas constatações e resultados dasdiferentes pesquisas e projectosimplementados pelo CTV nos últimos 5anos. Estes documentos foramcomplementados por outros estudos,publicações acadêmicas, políticaspúblicas de promoção da participação damulher em diferentes frentes dedesenvolvimento local, artigos científicospublicados em diversas plataformas etc.,de modo a trazer várias percepções eentendimentos sobre a participação damulher na tomada de decisões sobre aterra tanto para investimentos assim comopara reassentamentos e desenvolvimentolocal.

1.1. Objectivos

O documento tem como objectivo analisaraté que ponto a mulher, sendo ela a maiorutilizadora da terra, participa e influenciana tomada de decisões sobre atribuiçãoda terra para grandes projectos deinvestimentos, incluindo parareassentamentos, isto é, pretende-severificar até que ponto ela tem espaçopara se pronunciar sobre este tipo deprocessos e se as suas opiniões sãoconsideradas ou não.

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A Constituição da República deMoçambique (CRM, 2004) consagroudois princípios fundamentais: o princípioda universalidade e igualdade segundoo qual “todos os cidadãos são iguaisperante a lei, gozam dos mesmos direitose estão sujeitos aos mesmos deveres,independentemente da cor, raça, sexo,origem étnica, lugar de nascimento,religião, grau de instrução, posiçãosocial, estado civil dos pais, profissão ouopção política” (artigo 35 da CRM), e oprincípio da igualdade do género quedetermina que em Moçambique “[o]homem e a mulher são iguais perante alei em todos os domínios da vida política,económica, social e cultural”, (artigo 36da CRM).

Por outro lado, o artigo 263 da CRMestabelece os princípios que devemorientar o funcionamento dos órgãos doEstado, sendo de destacar o princípio daparticipação activa dos cidadãos(homens e mulheres) na solução dosproblemas da comunidade.

Apesar da consagração constitucional enormativa dos princípios que visam daras mesmas oportunidades aos cidadãos,na prática e relativamente àparticipação da mulher na tomada dedecisões sobre a atribuição da terrafamiliar e comunitária ou outros recursosnaturais para projectos de investimentos,vários estudos (Actionaid, 2009; Rafael etal., 2014; Karberg, 2015), mostram queesta é ainda um sonho.

O problema mostra-se grave ao nívelcomunitário, onde existe uma grandediferença na igualdade de género emtermos de participação activa e natomada de decisões. Num estudo feitopela Organização das Nações Unidaspara a Alimentação e a Agricultura(FAO),no âmbito do Programa dasNações Unidas “Delivering One” em2012, revelou que em 57,8% dosagregados familiares em Moçambique, amulher é responsável por 60-70% dotrabalho para produção de alimentospara a casa¹.

Em Moçambique, a mulher tem estepapel, mas ainda não tem umaparticipação que compense o seu nívelde envolvimento e trabalho no sectoragrário. Na agricultura, a mulher temtrabalho muito mais pesado do que oshomens. No sul, por exemplo, asmulheres são responsáveis pela limpezada terra e todas as outras operaçõesculturais (sementeira, sacha, rega etc),enquanto os homens são responsáveispela gestão dos rendimentos daiprovenientes.

Em termos de controlo de terra, a Políticade Género do Ministério da Agriculturaafirma que a exploração agro-pecuária,seja de pequena ou média escala,explora 97% da área arável. Destenúmero, apenas 25% são controladas pormulheres. A par disso, a mulher não temo conhecimento dos seus direitos e nãotem acesso a “formação e aosrendimentos do seu próprio trabalho”(ActionAid, 2009). Finalmente, emMoçambique, a lei costumeira assumeque o homem é, e deve ser, quemcontrola os recursos, e mesmoactualmente, o homem é considerado ochefe da família (embora 24,8% deagregados familiares sejam chefiadospor mulheres que tendem a ser viúvas oumães solteiras e também mais pobres),criando uma desigualdade no acessoaos recursos como terra, crédito, etc.(MINAG, 2005). A CRM, no seu artigo 4,reconhece os sistemas normativos queexistem no país. Estas normas não devemcontrair a própria Constituição. Mesmoassim, a realidade mostra que aindaexiste uma diferença entre a lei escrita ea prática.

Esta situação exige um trabalho árduode todos actores de modo a melhorar oequilíbrio de género nas diferentes áreasde desenvolvimento, com destaquepara a participação da mulher natomada de decisões.

2. Análise do Problema e Justificação

¹Women and natural resource management: Illustrationsfrom India and Nepal by BhawanaUpadhyay 5

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3. Metodologia

A produção deste documento baseou-senos resultados de duas pesquisas realizadaspelo CTV intituladas: (1) Igualdade degénero e participação comunitária noprocesso de tomada de decisões paraatribuição de DUAT (Rafael et al., 2014) e (2)Questões de género e equidade na práticae política de reassentamento involuntáriodevido à aquisição de terras parainvestimentos económicos de grande escala(Kiambo, 2017). Esta informação foicomplementada com experiências eresultados de vários projectos² e debatessobre género implementados pelo CTV emparceria com o World Resources Institute(WRI).

Para avaliar a participação da mulher emdiversas acções de desenvolvimento local,particularmente na tomada de decisõespara atribuição do DUAT, primeiro mostra-se imprescindível analisar o quadro legal einstitucional estabelecido.

A Constituição da República, como a leifundamental, encontra-se no topo com aconsagração de princípios-chave quegarantem a participação da mulher emtodos os processos da esfera nacional,nomeadamente: (i) o princípio dauniversalidade e igualdade (artigo 35), (ii)o princípio da igualdade entre homem emulher (artigo 36), e (iii) o princípio daparticipação activa dos cidadãos nasolução dos problemas da comunidade(artigo 263).

A Lei dos Órgãos Locais do Estado – Lei nº8/2003 de 19 de Maio, o seu Regulamentoaprovado pelo Decreto 11/2005 de 10 deJunho e o Diploma Ministerial nº 67/2009de 17 de Abril, estabelecem as diversasformas e organização da participaçãodos cidadãos (homens e mulheres) nabusca de soluções para os problemas queafectam as suas comunidades.

Portanto, não se trata de haver um vaziolegal, pois tem sido preocupação dogoverno e da sociedade civil aefectivação do princípio da igualdadeentre o homem e a mulher, através devárias acções, incluindo a aprovação denormas que respeitam essa igualdade,mas que a sua implementação aindacontinua longe dos níveis que sepretendem.

A Lei de Terras define como sujeitos doDireito do Uso e Aproveitamento da Terrahomens, mulheres e comunidades locais(artigo 10). As comunidades locaisparticipam na gestão dos recursosnaturais, resolução de conflitos, processosde titulação de terras e identificação edefinição dos limites dos terrenos por elasocupadas (artigo 24).

No processo de titulação de terras, ascomunidades locais é que devem, atravésdas consultas comunitárias, confirmar se aterra pretendida está livre e não temocupantes (artigo 13/3).

Por sua vez, o Regulamento do Processode Reassentamento Resultante deActividades Económicas, aprovado peloDecreto 31/2012 de Agosto, embora nãose pronuncie directamente sobre aparticipação da mulher nos processos de

tomada de decisão, consagra o princípioda igualdade social que, na nossaopinião, trata-se de uma previsãoimportante para a defesa dos seus direitosquando a pessoa afectada é uma mulherque, neste caso, deverá, nos termos doartigo 4, alínea b) merecer a restauraçãoou criação de condições iguais ou acimado padrão anterior de vida.

Sendo certo que as comunidades, noprocesso da consulta comunitária, devemser representadas por todos os segmentos

da comunidade, incluindo homens,mulheres, jovens, etc., questiona-sesempre sobre até que ponto a mulherparticipa, apresentando seus pontos devista para que a decisão tomada emnome da comunidade, reflicta, de facto,a vontade de todos os segmentos que acompõem, incluindo a mulher.

4. Quadro Legal sobre a

Participação da Mulher no

Desenvolvimento Local

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²O Projecto Titulação de Terras para Mulheres implementado em Gaza, Inhambane e

Manica bem como a componente de revisão e documentação de normas e

práticas costumeiras implementada em Inhambane, forneceram lições importantes

para alimentar debates à volta da promoção da participação da mulher.

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O número de mulheres que participamnos processos políticos, sobretudo nosórgãos de tomada de decisão, temaumentado, desde 1994, tanto naAdministração Pública e nos órgãos dedecisão política, assim como ao nível dospartidos políticos, com destaque para opoder legislativo, seguido do executivo

(Fórum Mulher, 2016).

A desigualdade de género vem sendoreconhecida como um factor deperpetuação do subdesenvolvimento eda pobreza. Constata-se que as mulheresencontram-se cada vez mais, e de ummodo desproporcional, vulneráveis àpobreza. Por outro lado, reconhece-seque a igualdade de género e oempoderamento das mulheres sãocondições fundamentais para odesenvolvimento do país (Sarmento,

2011).

Não obstante os avanços registados nosesforços na luta pela emancipação eeliminação das desigualdades entrehomens e mulheres através da promoçãodos direitos humanos das mulheres, aindapersistem algumas hesitaçõesimpregnadas nas construções sociaisassentes na dominação masculina e quetendem a colocar a mulher numasituação pouco confortável.Especificamente, continua a ser baixa a

percentagem (25%) de mulheres queocupam cargos políticos e públicos, dedomínio de direcção e chefia (Jornal aVerdade, 01/3/13).

Analisando a participação da mulher naliderança comunitária, constata-se que acapacidade decisória das mulheres sofreum decréscimo claro à medida queavançamos em sentido descendente nashierarquias do poder (Silva, 2011).

Numa pesquisa exemplificativa realizadanas comunidades dos distritos deInharrime, Jangamo e Zavala (Miguel &Tankar, 2017) sobre a participação damulher na liderança local, constatou-seque no total das comunidades inquiridas,

só em quatro comunidades é que foramencontradas quatro mulheres aocuparem cargos mais altos de líderes de3º escalão, num universo de 18 líderes.

A diferença na ocupação dos cargos deliderança local é associado a trêsgrandes factores: o analfabetismo que

assola mais a camada feminina,manifestação da obediência domésticaà vontade masculina e a subalternidadefeminina (Silva, 2011).

Os factores acima mencionados não sóinfluenciam quantitativamente aparticipação da mulher na liderançalocal, mas também em termosqualitativos no desempenho das suasfunções, isto é, através de apresentaçãoe defesa dos seus pontos de vista,execução das suas actividades.

Portanto, constata-se que ao contráriodo que está preconizado na legislaçãovigente, na prática a presença da mulherna liderança comunitária ainda éinsignificante, o que constrange oexercício dos seus direitos.

5. Participação da Mulher na Liderança

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Segundo Bauer (2007), citado porKarberg (2015), “Moçambique tem umacultura patriarcal muito forte nasestruturas familiares e nas relações sociaisem todo o territóriodo país, comdiferenças regionais; o sul possui umacultura familiar patrilinear e o norte umacultura matrilinear, mas ambos sãograndemente dominados pelos homens”.

A participação da mulher na tomada dedecisões sobre a atribuição de DUATspara investimentos na comunidade, nãoserá diferente da sua participaçãonoutros segmentos de desenvolvimentolocal, onde os homens são os maisinfluentes.

O trabalho realizado pelo CTV nos últimosanos identificou quatro razõesfundamentais para a fraca participaçãoda mulher nomeadamente:

i) Ausência de estratégias queestimulem a participação damulher na gestão e administraçãoda terra.

A legislação de terras atribuicompetências claras aos membros dascomunidades relativamente à atribuiçãode DUAT de acordo com os artigos 13 e24 da Lei de Terras. Ao abrigo destesdispositivos são as comunidades locaisorganizadas (homens, mulheres, jovensetc.) que, através do processo deconsultas devem confirmar adisponibilidade ou não da parcela deterra pretendida para implantação dequalquer infraestrutura de investimento,bem como negociar os benefícios para acomunidade.

No entanto, do trabalho realizadoconstata-se que durante a realização deconsultas comunitárias todos os membrosda comunidade (homens, mulheres,jovens etc) são obrigadas a dar as suasopiniões e sugestões numa reuniãocomunitária colectiva.

Esta situação inibe a participação damulher onde a sua timidez aliado àspráticas tradicionais em que as mulheresnão podem contrariar os homens ou darideias diferentes dos homens, contribuipara esta situação.

Por outro lado, verificou-se que o modelode acta de consulta não possui nenhumasecção destinada à participação dasmulheres em termos quantitativos equalitativos. Todos os grupos sociais sãotratados da mesma forma como se acomunidade fosse homogênea.

A pesquisa realizada pelo CTV (Berta etal.,2014) constatou que a participaçãoda mulher nas reuniões de consultascomunitárias ou públicas tem sido emnúmero superior aos homens, mas asintervenções feitas por estas variam de 5a 10% do total de intervenções feitas ena sua maioria foram feitas para apoiarpropostas formuladas pelos homens.

Entretanto, quando são criadascondições para que estas possam refletire colocar as suas ideias de forma livreconstatou-se que elas apresentam ideiasimportantes e relevantes para odesenvolvimento socioeconómico local.

Em Palma, uma das participantes numa dasconsulta pública do Projecto de Gás NaturalLiquefeito, perguntou aos técnicos responsáveispelo processo o seguinte: “Eu sou a segunda mulherdo meu marido. Como é que passaremos a viver sea empresa pretende compensar cada família comuma casa de 3 quartos? É para eu e a minha rivalpartilharmos a mesma casa?"

Esta pergunta tão pertinente colocada por umamulher nunca tinha sido equacionada no processo.Isto levou a empresa a decidir que numa situaçãodestas, ambas as mulheres teriam direito a umacasa.

6. O Papel da Mulher na Tomada de Decisões sobre a

Atribuição de DUATs para Investimentos na Comunidade

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Como pode-se depreender, o quadrolegal vigente reconhece direitos iguaispara homens e mulheres no que refere-seao acesso, uso e aproveitamento da terrae outros recursos naturais, mas a mesmanão obriga à aplicação de estratégiasque estimulem a participação da mulherna tomada de decisões sobre a terra eoutros recursos naturais.

ii) Fraca preparação em matériade género dos técnicos queorientam os processos de consultas

A legislação não prevê medidas queestimulem a participação da mulher. Noentanto, a mesma não impede que ostécnicos recorram a diferentes estratégiasque resultem na maior participação destegrupo. Contudo, todas as consultasacompanhadas pelo CTV mostraram umgrande desnível em termos departicipação de homens e de mulheres.Os técnicos responsáveis por facilitar asreuniões de consultas não tomamnenhuma iniciativa para encorajar asmulheres a colocar as suas dúvidas esugestões.

Das poucas vezes em que, por sugestãode alguns participantes, criaram espaçodestinado apenas às mulheres, notou-sefalta de conhecimento de técnicas degénero e muito pouca preparação emmatéria de género. Aparentemente, asconsultas são feitas apenas para cumprircom uma obrigação legal e não paracolher opiniões e sugestões dascomunidades no seu todo, incluindomulheres e jovens cujas opiniões são, namaioria das vezes, negligenciadas.

Estas limitações têm contribuído em certamedida para que a participação damulher seja muito reduzida e comoconsequência as suas preocupações nãoacauteladas, resultando em ocupaçãode terras e processos de reassentamentoprejudiciais para as mesmas.

iii) Normas e práticas costumeirasdiscriminatórias

Na maioria das comunidades rurais, oaproveitamento dos recursos é feito combase no costume local, para satisfazer asnecessidades diárias ou básicas. Nestescasos não existem quaisquerprocedimentos a serem seguidos, senãoaqueles que resultam das própriaspráticas costumeiras.

Estas práticas tem a sua base legalfundamental no Artigo 4 da CRM quedetermina que “o Estado reconhece osvários sistemas normativos e de resoluçãode conflitos que coexistem na sociedademoçambicana, na medida em que nãocontrariem os valores e os princípiosfundamentais da Constituição”.

No entanto, apesar do artigo 4 da CRMimpor limitações na aplicação dasnormas e práticas costumeiras aoreconhecer apenas aquelas que nãocontrariam os valores e princípiosfundamentais da Constituição, a práticamostra que algumas das normascostumeiras usadas pelas comunidadesna gestão da terra e outros recursosnaturais colocam a mulher na posição deinferioridade no que refere à segurançade posse da terra, incluindo na tomadade decisões sobre a mesma sobretudoem casos de morte do marido ou do pai.

O desconhecimento da legislação porparte da maioria dos membros dascomunidades bem como o facto destasituação trazer benefícios para certaspessoas, sobretudo os homens, faz comque as mesmas continuem a seraplicadas apesar de serem legalmenteproibidas.

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No Distrito de Massingir, na Província de Gaza, os homensda comunidade de Cubo mostraram-se reticentes emaceitar o projecto alegadamente porque o mesmopoderia levar as mulheres a matarem os homens paraficarem com a sua riqueza. No entanto, depois de umtrabalho de sensibilização onde foram realçadas asvantagens do processo e sobretudo ao colocar o homemcomo vitima por permitir que a sua irmã, filha, mãe etc,sofra devido a aplicação ao extremo de certas normascostumeiras, verificou-se uma mudança de atitude com oregisto de um número de mulheres acima do esperado eem certos casos comparticipação dos custos peloshomens no processo de Titulação.

Os dados da Direcção Nacional de Terras(DINAT), por exemplo,mostram que apesarda discriminação positiva promovida pelaCampanha Terra Segura e outras ONGsno processo de Titulação de Terras, asituação continua ainda preocupantecom cerca de 39% de terra registada afavor da mulher enquanto os restantes61% foi registada a favor dos homens.

Apesar dos números mostrarem umarelativa melhoria quando comparadocom os resultados verificados há cerca de10 anos atrás, continuam a existir desafiosno que se refere à segurança de posse daterra. Muitas vezes, as comunidadesrecorrem ao costume para decidir sobre aposse da terra, sobretudo em casos demorte do marido ou do pai. A ausênciade instituições locais com conhecimentodo direito positivo, associado à fracaintervenção de diferentes actores nocombate a normas e práticas costumeirascontrárias à constituição, penalizam amulher.

iv) Fraca/Nenhuma preparaçãosocial das comunidades

O fraco acesso à informação por partedos membros das comunidades, emparticular as mulheres, constitui um dosfactores da desigualdade de género noseio das comunidades. Esta situação,aliada aos elevados níveis deanalfabetismo, constitui impedimentopara a igualdade de género. Nos últimosanos, verificou-se uma evoluçãosignificativa em termos de participaçãofísica da mulher, mas a mesma não foiacompanhada pela capacidadeinterventiva, de impor a sua posição natomada de decisões sobre diversosassuntos da vida da comunidade e,

articularmente, em relação a questões departicipação da mulher na tomada dedecisões.

A pesquisa mostrou ainda que em zonasde maior intervenção de ONGs, onde asmulheres têm maior acesso à informaçãoe treinamento em diferentes matérias dedesenvolvimento comunitário, as mulherescomeçam a assumir mais protagonismo.

Nos processos de reassentamento,acontece o mesmo. Muitas vezes ascomunidades são consultadas semnenhuma preparação específica sobre amatéria nem sobre os direitos e deveresque têm em casos de megaprojectos.

Portanto, partindo do princípio de queainda há, na prática, resistência damulher em participar activamente nosprocessos de tomada de decisão, comoconsequência de longos anos desubmissão, nos processos dereassentamento, tendo em conta o seuimpacto na vida dos afectados, eraimportante que estes fossem antecedidospor acções de preparação da mulhercom vista a garantir que ela se envolvaactivamente em todo o processo, pois sódeste modo é que se garantirá umreassentamento justo.

No reassentamento relacionado com a construçãoda ponte Maputo-Katembe constatou-se que asmulheres transferidas de Maputo para Mahubo(portanto de um meio urbano para um meio rural)não foram preparadas para viver nas novascondições, o que no futuro poderá agravar as

condições de vida destas famílias.

Na comunidade de Muhate, no Distrito de Zavala, porexemplo durante a implementação pelo CTV doprojecto Titulação de Terras para Mulheres, uma das 15mulheres selecionadas foi impedida de titular a suaárea pelos restantes membros da famíliaalegadamente porque a terra não lhe pertencia,apesar dos restantes membros da comunidadeconfirmarem o contrário.

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7.1 Conclusões

• Apesar dos 20 anos da Lei de Terras,muitas pessoas, em particular asmulheres desconhecem-na.

• Em zonas de intervenção significativade ONGs, verifica-se uma relativamelhor participação da mulher natomada de decisões.

• A mulher tem acesso à terra paratrabalhar mas quem toma asprincipais decisões à mesma é ohomem. – Mesmo para o registo doDUAT ela deve ter o consentimentodo homem.

• As comunidades são obrigadas atomar decisões sem nenhumapreparação social.

• As dinâmicas tradicionais e sociaisque se registam no dia-a-dia, aliadoao valor que a terra vai adquirindocom o andar de tempo, aumentam ainsegurança de posse da terra paraas mulheres.

• Nas consultas comunitárias paraatribuição do DUAT, o nível departicipação da mulher é ainda maispreocupante. Fisicamente são amaioria, mas as suas intervençõesrepresentam 5 a 10%.

• A timidez das mulheres aliada àspráticas tradicionais de que asmulheres não podem contrariar oshomens ou expor ideias diferentesdestes, contribui para adesigualdade.

7.2 Recomendações

• As consultas comunitárias devem serfeitas com recurso a vários métodosque estimulem a participação dediferentes extractos sociais emparticular as mulheres e jovens.

• Rever a legislação ou produzir guiõessobre consultas comunitárias, queobriguem à realização de trabalhosem grupo como forma de estimular asmulheres e jovens a expor as suasideias, contribuições.

• Rever o modelo de acta de consultapara incluir uma secção destinada àparticipação das mulheres em termosquantitativos e qualitativos.

• As comunidades devem passar pelapreparação social para melhorar acompreensão dos direitos e deveresdas comunidades e outrosintervenientes.

• Sensibilizar as comunidades a adoptarnormas e práticas costumeiras menosdiscriminatórias.

• Treinar os técnicos responsáveis pelasconsultas comunitárias em matéria degénero, moderação, técnicasparticipativas, etc, de modo acolherem sensibilidades e a estimulara participação de todos os membrosda comunidade independentementedo seu extracto social, idade, raça,cor etc.

7. Principais Conclusões e Recomendações

Todo o trabalho realizado ao longo dos últimos anos, permitiu chegar a algumasconclusões e produzir recomendações que não sendo acabadas, destinam-seapenas a contribuir para promover discussões com vista a melhorar a participaçãoda mulher.

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8. Referências Bibliográficas

• ACTIONAID (2009). Estudo de Base sobre os Direitos da Mulher à Terra nas Províncias deMaputo, Zambézia e Nampula. 68 pp, Maputo, ACTIONAID.

• Constituição da República de Moçambique.

• Decreto 11/2005 de 10 de Junho - Aprova o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais doEstado.

• Diploma Ministerial nº 67/2009 de 17 de Abril – Aprova normas de constituição efuncionamento dos Conselhos Consultivos.

• Fórum Mulher (2016). Situação das Mulheres e Raparigas em Moçambique 2005-2015. 8 pp,Maputo, Fórum Mulher.

• Karberg, S. (2015). Participação Política das Mulheres e a sua Influênciapara uma Maior Capacitação da Mulher em Moçambique. 22 pp.

• Kiambo, W. (2016). Questões de género e equidade na prática e política dereassentamento involuntário devido à aquisição de terras para investimentos económicosde grande escala. Estudo de caso de dois projectos de reassentamento na Província deMaputo, Moçambique. 44 pp, Maputo, CTV.

• Lei nº Lei 8/2003 de 19 de Maio – Lei dos Órgãos Locais do Estado.

• Lei 19/97 de 1 de Outubro – Lei de Terras.

• Miguel, A. & I. Tankar (2017). Avaliação do Impacto Social, Económico e Ambiental daDelimitação de Terras com Uso de Mobilizadores Comunitários: Estudo de Monitoria. 53 pp,Inhambane, CTV.

• MINAG (2005). Estratégia do género do sector agrário. 27 pp. Maputo, Ministério daAgricultura (MINAG).

• Rafael, B., I. Tankar & R. Uane (2014). Igualdade de Género e Participação Comunitária noProcesso de Tomada de Decisões na Atribuição de DUAT. 36 pp, Maputo, CTV.

• Sarmento, E. (2011). O Papel da Mulher no Desenvolvimento: Caso de Moçambique. 10 pp,Madrid.

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