PALÍNDROMOS

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lá vou eu em meu eu oval

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MARINA WISNIK

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lá vou eu em meu eu oval

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eco: vejo hoje você

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o muro: rever o rumo

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só nóssós

somamos

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oi rato otário

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ramo no mar

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só dará peso: separados

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ó mãe, tu era réu. te amo

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só dote dádiva é a vida de todos

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ser cor e ser ocres

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arte letra

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MARINA NO FUNDO DO ESPELHO

O palíndromo, que nasceu com as letras, com a escrita alfabética, assinala, por um curto-circuito na lingua-gem, um espelhamento que já está contido na própria natu-reza dela. Como indica a etimologia da palavra (“que corre em sentido inverso, que volta sobre seus passos”), ele exerce uma função singular, e talvez sua autonomia, mais do que a dificuldade de elaboração, explique por que rara-mente comparece na poesia, ao contrário de outros jogos verbais. Além disso, por se aproximar da matemática em sua busca de simetria (os quadrados mágicos, formados de números cuja soma em cada linha ou coluna tem o mesmo valor, são o análogo matemático dos palíndromos), ele quase só é visto como um desafio mental, um passatempo ou uma simples curiosidade, pouco se percebendo o que

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esse jogo de espelhamento revela de essencial sobre a mente humana. O que Marina faz com seus palíndromos é não só restituir-lhes o direito de serem um meio de expressão, mas constituir com eles uma pequena poética. Certamente foi a curiosidade que a guiou no início. Mas já seu primeiro palíndromo anunciava um impulso forte, diferenciador: LÁ VOU EU EM MEU EU OVAL era a abertura e a síntese da arte pessoalíssima que ela ia desenvolver, e ele logo se transformou, como não podia deixar de ser, numa espécie de mantra ou lema universal – frase-proteína que engendra ou catalisa outras. Sem entrar em todas as implicações con-tidas nesse verdadeiro ovo poético-filosófico, baste assina-lar o sutil esgarçamento do círculo em elipse, a pequena distorção que o eu oval imprime na circularidade da frase. Esse eu oval refletido, espelhado, funda uma expressão.

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Pode-se perguntar: quais as características que levam alguém a se interessar por palíndromos? No caso de Marina, elas são nitidamente saturninas (ela é capricornia-na), e isso certamente não é um acaso. A geometria do palíndromo exige concentração, método e sorte, como ela mesma confessou. Obra de lavrador. E vale assinalar que o palíndromo romano que pode ser considerado arquetípico, por sua antigüidade e excelência (ele é também um quadra-do mágico de letras), tem por tema justamente a figura do sator, do lavrador:

S A T O R A R E P O T E N E T O P E R A R O T A S

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o que poderia ser traduzido tanto como “o lavrador mantém cuidadosamente a charrua nos sulcos” ou como “o lavrador sustém cuidadosamente o mundo em sua órbita”. Nas duas formas, que se completam, a mesma exigência de rigor, a dura lei da Terra. Mas se a Terra estivesse associada apenas com a ordem, ela seria estéril como são os palíndro-mos que não conhecem a expressão. Para que a Terra possa se colorir – SER COR E SER OCRES, diz maravilhosamente um dos palíndromos deste livro – é preciso irrigar suas raízes que são as do Sentimento, e é o que Marina faz com aplicação, de maneira às vezes tortuosa, enigmática (em duas ocasiões, pelo menos, os sentidos se deslocam na ausência deliberada de pontuação), mas sempre verdadeira na vontade de decifrar e cifrar experiências e afetos – o eu, a família, o teatro: o mundo e suas representações. Não é o caso, por tentador que seja, de examinar um

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a um esses palíndromos-nós em que se declinam vários personagens e ressoam tantos ecos. Seria privar o leitor da surpresa e da descoberta genuína do que eles propõem de sério e jocoso, de grave e alegre. Mas não posso deixar de querer assinalar um deles, formado de um único termo, A DÍVIDA, disposto não horizontalmente como os demais, mas na figura de um triângulo. No meu entender ele expri-me, da maneira mais condensada e especulativa, mais con-creta e abstrata, a estrutura da linguagem, o espaço onde Marina penetrou ao decidir dedicar-se aos palíndromos. Espaço aparentemente fechado, mas que contém no centro o vazio de uma inversão possível: da dívida em... dádiva. Aliás, um outro palíndromo já responde e explicita esse tema: SÓ DOTE DÁDIVA É A VIDA DE TODOS, e pode-se dizer que “todos” são também todos os seus palíndromos, imantados num comum anelo.

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Não há acasos, portanto, nesse jogo feito de acasos no qual Marina se lançou. Seus palíndromos são poemas em miniatura, um espaço que ela criou para respirar e para escapar da própria necessidade de simetria que ameaça os saturninos, e que agora se oferece como uma dádiva de sentimento e de inteligência ao leitor.

Paulo Neves