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Serviço Social do Comércio Departamento Nacional | Divisão de Planejamento e Desenvolvimento | 2004 OS VALORES SOCIAIS DOS COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA NO ÂMBITO DO SESC Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira

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OS VALORES SOCIAIS DOS COMERCIÁRIOS E A SUA FAM

ÍLIA NO ÂMBITO DO SESC Um

estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira

Serviço Social do ComércioDepartamento Nacional | Divisão de Planejamento e Desenvolvimento | 2004

OS VALORES SOCIAIS DOSCOMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIANO ÂMBITO DO SESC

Um estudo de caso de pesquisa qualitativano SESC Madureira

ISBN 978-85-89336-25-3

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NO ÂMBITO DO SESC

Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira

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OS VALORES SOCIAIS DOS COMERCIÁRIOS E A SUA FAMÍLIA

NO ÂMBITO DO SESC

Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira

Realização:Érica Amorin

Mauricio BlancoJoão Paulo Fortuna

(Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - Iets)

Serviço Social do Comércio - Departamento NacionalDIVISÃO DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

GERÊNCIA DE ESTUDOS E PESQUISAS

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FICHA CATALOGRÁFICA

SESC. DN. DPD. GEP Os valores sociais dos comerciários e a sua família no âmbito do SESC – Um estudo de caso de pesquisa qualitativa no SESC Madureira / realização Érica Amorim; Mauricio Blanco. -- Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2007. 78p. ; 25cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-89336-25-3

1. Valores sociais. 2. Comerciário. 3. SESC Madureira. I. Amorim, Érica. II. Blanco, Mauricio. III. Título.

CDD 361.763

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Presidente do Conselho Nacional do SESCAntonio Oliveira Santos

Diretor Geral do Departamento Nacional do SESC Maron Emile Abi-Abib

Consultoria da Direção Geral Juvenal Ferreira Fortes Filho

Divisão Administrativa e FinanceiraJoão Carlos Gomes Roldão

Divisão de Planejamento e DesenvolvimentoLuís Fernando de Mello Costa

Divisão de Programas SociaisÁlvaro de Melo Salmito

PUBLICAÇÃO

CoordenaçãoSebastião Henriques ChavesGerência de Estudos e Pesquisas / DPD

AssessoriaAndrea RezaGerência de Estudos e Pesquisas / DPD

RealizaçãoÉrica AmorimMauricio BlancoJoão Paulo FortunaInstituto de Estudos do Trabalho e Sociedade - Iets

EdiçãoAssessoria de Divulgação e Promoção / DG Projeto GráficoJulio Cesar CarvalhoAssessoria de Divulgação e Promoção / DG

Revisão de TextoRosane Carneiro

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Sumário

Apresentação 7

1. Introdução 9

2. Fatores determinantes na formação de valores individuais 12O contexto social e a formação de valores: a ênfase contemporânea na materialidade como norma do comportamento individual 12O Estado e a formação de valores sociais 18Instituições da sociedade civil e a formação de valores 21A modernidade em transição: o Brasil e o conflitode valores 26

3. Um estudo de caso: características pessoais e institucionais 29Sobre o SESC Madureira 29Informações metodológicas 31Características pessoais dos entrevistados 32

4. Grupos de discussão: demanda por maior interação social perante a redução dos espaços coletivos 36O contexto social da cidade como determinante da formação de valores dos entrevistados 36Os valores sociais dominantes dos entrevistados(parte espontânea) 41Valores individuais (pesquisa induzida) 52A formação de valores e o papel do SESC 58

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5. O SESC e a demanda por maior interação social como forma de contribuição do aumento do capital social. Conclusões e recomendações 66A presença de “contravalores” como mecanismo privilegiado de absorção de valores sociais e individuais 69 O SESC e a formação do capital social 70

6. Bibliografia 76

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Apresentação

Entre as características que marcam o SESC, sem dúvida, sua ação educativa é a que mais o notabiliza. Este fato, em si, não o distingue, fundamentalmen-te, de outras entidades que atuam no campo social. Isto se deve a um fato muito simples. A ação educativa de uma entidade de caráter social independe de sua vontade própria. É algo que se dá naturalmente. O que faz o SESC ter na ação educativa seu traço marcante e que o diferencia das demais entidades de caráter social está na compreensão de uma ação educativa intencionada que permite ao SESC ir além da simples prestação de serviços àqueles que a ele recorrem como resposta às suas necessidades nos campos da educação, saúde, cultura e lazer. Estes serviços prestados tornam-se meios através dos quais a Entidade procura alcançar as três dimensões que devem caracterizar sua ação educativa: informação, capacitação e transmissão de valores.

Este trabalho de caráter educativo está voltado, segundo as Diretrizes Gerais de Ação do SESC, “para o desenvolvimento integral dos indivíduos, mediante sua melhor compreensão do meio em que vivem, maior compreensão de si mesmos, elevação sociocultural das suas condições de vida e desenvolvimento de valores próprios de uma sociedade em mudança, e que os façam partícipes ativos desse processo”.

Com vistas a permitir que esta determinação das Diretrizes Gerais de Ação ganhe maior efetividade na ação programática do SESC, foi realizada a pre-sente pesquisa, com o objetivo de captar os valores orientadores dos comerci-ários e seus dependentes em suas circunstâncias de vida.

Este estudo realizado no Centro de Atividades do SESC Madureira, na ci-dade do Rio de Janeiro, oferece material bastante elucidativo sobre a questão posta como objeto de conhecimento.

Dele pode se depreender o conjunto de valores que orientam os comerciá-rios e seus dependentes em suas relações sociais, como agem perante situações que a vida lhes oferece e o que consideram relevante ter como parâmetros para o seu estar no mundo.

Temos a consciência de que este estudo é um instrumento útil para se pen-sar melhor como o SESC, em sua ação programática, deve se planejar para

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ser mais eficiente na passagem de valores compatíveis com uma sociedade em processo acelerado de mudança e transformação, dotando nossa clientela, portanto, de um pensar, agir e sentir mais consentâneo com o momento his-tórico que vive.

Finalizando esta breve apresentação, queremos aqui registrar a importante participação do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade -IETS, a quem recorremos para a realização deste estudo. Louve-se a competência, a serieda-de e o senso de responsabilidade profissional com que levaram a cabo o serviço a eles contratado.

Antonio Oliveira SantosPresidente da Administração Nacional do SESC

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1. Introdução

Valores, crenças, atitudes, costumes, tradições ou padrões de conduta são conceitos amplamente usados na psicologia social para entender tanto o com-portamento individual das pessoas quanto uma visão em sociedade. Estes conceitos têm sido objeto de amplo debate, gerando grande polêmica em torno do significado de cada um deles.

No presente trabalho de pesquisa, assumem-se significados do conceito “valores” em relação ao nosso objeto e ao contexto no qual se pretende trabalhar.

Nesse sentido, valores são conceitos que regulam nossa vida tanto pessoal quanto social. As pessoas não nascem com valores; eles são adquiridos ao lon-go de suas vidas e na interação com a sociedade.

Existem vários tipos de valores e os estudiosos que se dedicam ao tema clas-sificam-os adotando diversos tipos de critérios que, por sua vez, são criados para responder a uma ou mais questões centrais. Assim, existem valores éticos, sociais, individuais, religiosos. Cada uma dessas categorias responde a uma esfera específica da ação humana.

No entanto, existem outras classificações completamente diferentes, como as propostas por Everett, que classifica os valores em oito categorias: econômi-cas, corpóreas, recreativas, associativas, comportamentais, estéticas, intelectu-ais e religiosas. A este grupo pode-se agregar um outro conjunto de valores de caráter coletivo, como os valores políticos, sociais, legalistas, culturais, morais e outros.

Por outro lado, os valores podem ser classificados por suas qualidades, como mostra Tong-Keun Min. De acordo com o autor, os valores estão distribuídos em 12 categorias que revelam dicotomias em cada uma delas, com o propósi-to de atingir uma hierarquização:

• Valores individuais e sociais;• Valores naturais e artificiais;• Valores mentais e físicos;• Valores intrínsecos e instrumentais;

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• Valores superiores e inferiores;• Valores produtivos e não-produtivos;• Valores ativos e passivos;• Valores pessoais e impessoais;• Valores práticos e teóricos;• Valores relativos e absolutos.

Em síntese, a enumeração dos valores pode ser infinita em número e nas formas de classificação. Não se deve esquecer que também esses valores são estreitamente inter-relacionados. Por exemplo, os valores éticos dependem muito de valores sociais e econômicos, e, por sua vez, estes últimos podem ser determinados por valores religiosos e até mesmo por valores estéticos. O presente estudo não pretende realizar uma ampla análise sobre a origem e os significados dos valores na contemporaneidade. Seu objetivo é adotar concei-tos que possam ser utilizados na interpretação dos resultados extraídos nos grupos de discussão: os comerciários e as suas famílias no âmbito institucional do SESC.

Este segmento da população (assim como outros segmentos) responde ao mundo contemporâneo com valores individuais que pretendem guiar os seus comportamentos e cujo objetivo é o de se inserir na sociedade de forma positi-va. O desafio dessas pessoas consiste em se adaptar da melhor forma possível a um mundo em constante mudança. Relações de trabalho, relações familiares, relações com diversos grupos sociais e até com o mundo da política têm mu-dado de forma dramática no Brasil contemporâneo.

O fenômeno de grandes mudanças exige do indivíduo a interpretação cons-tante do papel tanto individual quanto coletivo da sua realidade, com o pro-pósito de adquirir e assimilar padrões de comportamento que viabilizem sua vida e de sua família. O grande desafio do presente estudo consiste em tornar inteligíveis os valores individuais à luz das novas características da sociedade brasileira, para entender e contribuir às necessidades desse segmento da po-pulação.

De forma alguma, o presente Relatório pretende abranger a população em sua totalidade, levando-se em conta as próprias características adotadas para a coleta de informações. Dado que o objetivo consiste na identificação de valores do segmento dos comerciários, a única metodologia viável é a pesquisa

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qualitativa. Este tipo de pesquisa não pode e nem aspira ser representativa de todo o segmento sob análise; portanto, as conclusões do Relatório se limitam, simplesmente, ao grupo de pessoas que participaram e se expressaram nas discussões em torno do tema.

Na próxima seção (Seção 2), procura-se definir um marco conceitual apro-ximativo para “ler” e/ou “decodificar” as informações obtidas da interação dos grupos de discussão, que abarcou um total de 45 pessoas. Estas últimas encontravam-se divididas em sete grupos de discussão no âmbito institucio-nal do SESC, em uma de suas unidades de atendimento: o SESC Madureira, no Rio de Janeiro. Na Seção 3, será realizada uma breve descrição das carac-terísticas pessoais dos participantes, em termos de nível educacional, nível de renda, idade, trabalho e posição no núcleo familiar. A descrição pretende simplesmente chamar atenção sobre as diferentes percepções das pessoas en-trevistadas, a partir das diversas características das mesmas. No entanto, deve-se sublinhar que a posição socioeconômica não é o determinante principal que explica a diferença de opiniões, mas sim contribui para a leitura dessas divergências.

A decodificação ou leitura, anteriormente mencionada, dos valores ex-pressos pelos entrevistados, terá que responder a dois objetivos desen-volvidos nas seções subseqüentes. Em primeiro lugar, auxiliará para des-cobrir quais os valores sociais vigentes nesse grupo de pessoas e se existe uma hierarquização desses valores (Seção 4). Em segundo lugar, traçará uma matriz dos diversos modos como os valores encontrados se forma-ram e se cristalizaram de maneira efetiva no grupo sob estudo (Seção 5). Finalmente, também na Seção 5, apresentar-se-ão as principais conclu-sões e sugestões para uma intervenção mais efetiva do SESC na promoção de valores e no atendimento às demandas provenientes de sua clientela em área tão sensível.

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2. Fatores determinantes na formação de valores individuais

Todo processo de formação de valores é resultado da interação entre as esfe-ras coletiva e individual. Outros termos são utilizados com freqüência como sinônimo dessa interação e apresentam, ainda que de forma aproximada, o mesmo significado, como: Estado e sociedade civil, economia e política, entre outros.

Conforme foi mencionado anteriormente, o indivíduo não nasce com va-lores, ele os adquire, nas etapas iniciais da vida, na sua formação educacional, na convivência familiar e, posteriormente, na sua interação com o mundo externo. Neste último caso, intervêm principalmente o mundo do trabalho, a economia, a religião, o Estado (política) e outros tipos de inter-relações sociais (associativas, de cooperação ou de identidade).

A questão principal é que todas essas esferas interagem de forma bidire-cional, ou seja, os primeiros valores adquiridos por uma criança na família serão previamente influenciados pela forma como os pais interagiram no passado com o mundo externo. Simultaneamente, essa mesma criança, na fase adulta, pode influenciar de forma ativa o seu mundo do traba-lho, a economia, a religião e o Estado – sendo que no caso deste último, principalmente, por meio da participação política, em que a educação é fundamental.

O exemplo anterior revela o alto grau de complexidade dos diversos deter-minantes que influenciam a formação dos valores.

2.1 O contexto social e a formação de valores: a ênfase contemporânea na materialidade como norma do comportamento individual

Filósofos, intelectuais e estudiosos das diversas ciências sociais têm refleti-do sobre a relação entre o comportamento individual e a vida em sociedade para alcançar os mais diversos objetivos. Qual o papel do comportamento

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individual na estruturação e promoção de uma sociedade estável? Qual a re-lação entre o fenômeno da mudança social e o seu impacto na mudança do comportamento individual? Estas e outras questões têm pautado por séculos as reflexões.

Os valores individuais são objeto de análise e controvérsia no que diz res-peito à interação entre comportamentos individuais e os resultados coletivos entendidos como funcionamento adequado no nível coletivo.

Uma primeira referência pode ser encontrada nas propostas de Edmund Burke no que tange ao papel das tradições e dos costumes como elementos estabilizadores e fundamentais da sociedade. Para Burke, as tradições fun-cionam como parâmetros cognitivos que as pessoas devem assimilar com o objetivo de manter a ordem e alcançar resultados coletivos que contribuam no desenvolvimento social. Nesse sentido, se os valores fossem assumidos como sinônimos de costumes e tradições, ter-se-ia que os mesmos se transformassem em poderosos instrumentos que orientariam o comportamento individual, e conseqüentemente, o bom andamento da sociedade.

Um elemento importante que Burke introduz para os objetivos do pre-sente estudo consiste na forma pela qual esses costumes e tradições se di-fundem na sociedade. Para Burke, a difusão das tradições ocorre de forma concêntrica, do centro para a periferia, ou seja, valores sociais são exerci-dos, em primeiro lugar, nos círculos mais próximos ao indivíduo – como a família, a vizinhança e no ambiente de trabalho. Posteriormente, o mesmo indivíduo levará consigo esses valores e os difundirá em círculos mais dis-tantes, como, por exemplo, nas cidades, e, finalmente, na sociedade como um todo.

Exemplificando, pode se dizer que, segundo Burke, a solidariedade é efeti-vamente exercida e assimilada quando aplicada dentro da família, e, somente depois, esse exercício será expandido a outros segmentos sociais mais distantes do indivíduo. A implicação conceitual dessa forma de funcionamento leva a afirmar que o exercício efetivo dos valores somente será bem-sucedido quando aplicado na prática cotidiana, e não como princípio abstrato imposto a partir de uma instituição como o Estado.

Como prova da validade desse argumento no mundo contemporâneo, deve-se citar a opinião de um entrevistado:

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“Não é muito fácil ficar ajudando os outros. Eu não vou sair do meu caminho para procurar alguém que esteja precisando de ajuda... Ouvir um desconhecido é muito difícil. O cara está lá, debaixo de uma mar-quise... Você vai parar para ouvir? É muito difícil!”

(Comerciários, 25/40 anos)

Já nos círculos mais íntimos, o exercício de um valor como a solidariedade é mais intenso, e, portanto, a relação entre solidariedade e amizade assume uma influência real como código de comportamento:

“O amor ao próximo se pode sentir por várias pessoas; é ajudar uns aos outros. A amizade já é mais específica... A amizade verdadeira é sem interesse. Um amigo sabe ajudar na hora que você precisa dele, te apóia na hora triste, te ensina o que sabe de bom... Se o amigo fizer alguma coisa errada, você tem que chegar, conversar, mostrar o que está errado.”

(Jovens)

Uma segunda função importante dos valores individuais diz respeito não somente à dimensão cognitiva, mas também ao estabelecimento de um con-junto de regras morais que orientam a boa convivência em sociedade. Possi-velmente, o valor individual e social da religião e da família tem exercido um papel fundamental na preservação do código de conduta ético para regrar a convivência social, assim como tem sido um veículo indispensável na carac-terização dos diversos tipos de sociedade, como, por exemplo, a feudalista e a capitalista.

Muitos pensadores têm se concentrado na relação entre os preceitos re-ligiosos e seu impacto na mudança social. O exemplo mais paradigmático desses estudos encontra-se na Ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber. Entre as muitas virtudes da contribuição weberiana ao pen-samento contemporâneo, deve-se citar duas de particular interesse para a presente pesquisa.

A primeira delas diz respeito a que a ascensão do capitalismo como siste-ma econômico predominante não teria sido possível sem uma substituição

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da ética católica-ortodoxa pela ética protestante promovida por Lutero. Weber mostrou que os países com maior desenvolvimento capitalista pos-suíam uma população predominantemente protestante, ao passo que, nos países menos desenvolvidos nesse sistema, a população era, em sua maio-ria, católica.

Por outro lado, no interior de uma sociedade, Weber também constatou que existia uma maior proporção de protestantes entre os proprietários do capital do que entre os assalariados. Nestes últimos, existia uma forte influência da religião católica.

A segunda virtude da obra de Weber consiste em chamar atenção para o fato de que o capitalismo e a sua evolução não podem ser apenas entendi-dos como um fenômeno estritamente econômico e material, mas também como um fenômeno cultural, um padrão de conduta e de comportamento cujos fundamentos morais podem ser encontrados na dimensão religiosa dos povos.

Em síntese, Weber está enfatizando que uma teoria de desenvolvimento socioeconômico deveria se focalizar também nos processos subjacentes das atitudes, padrões de comportamento, aspirações e valores, e não unicamente em atividades políticas e estratégias de governo. Uma análise do desenvolvi-mento socioeconômico deve reconhecer o papel inerente da criatividade dos indivíduos como uma função da consciência humana, das diversas aspirações, atitudes e valores éticos e morais que levam ao próprio autoconhecimento do indivíduo.

Dar ênfase a políticas, programas e estratégias como únicos determinantes do grau de desenvolvimento social é reconhecer somente os fatores externos que desenvolvem uma sociedade. No entanto, com respeito a esta última, não se pode deixar de lado sua aspiração e consciência coletiva. A sociedade é um organismo vivo e subconsciente que luta por sobreviver, crescer e se desen-volver. Os membros individuais de uma sociedade expressam continuamente intenções conscientes por meio de suas palavras e atos, o que implica reco-nhecer o papel central da criação e formação de valores no desenvolvimento socioeconômico.

Apesar da relevância dessa criação e formação, durante praticamente todo o século XX os estudiosos dão ênfase aos aspectos quantitativos, materiais e formais do desenvolvimento. O fato implicou a restrição da análise ao papel

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do Estado e das condições materiais para se atingir o desenvolvimento, dei-xando de lado a dimensão intangível, mas não menos importante, da criação e formação de valores.

No entanto, durante o Encontro Mundial da Academia de Artes e Ciên-cias, gerou-se um amplo consenso entre seus participantes sobre a formação de valores como um aspecto crítico do processo de desenvolvimento. Todo processo criativo está determinado pela formação de capacidades: as atitudes vitais, os processos mentais e os valores cristalizados que organizam as energias humanas para uma determinada meta.

Da mesma forma, os comportamentos sociais dos indivíduos são determi-nados pelos elementos citados no parágrafo anterior. Cada comportamento social não é somente o resultado de condições externas e materiais, mas tam-bém é conseqüência das atitudes e intenções de uma pessoa. A assimilação de certos comportamentos sociais requer um controle sobre energias psicológicas que são canalizadas em formas aceitáveis de comportamento social. Portanto, mudanças de atitudes e valores implicam também mudanças no comporta-mento social das pessoas.

Os valores individuais são formados também por um processo seme-lhante. Ainda que os “valores” refiram-se comumente a princípios éticos e culturais, eles podem ser de outro tipo. Algumas vezes, podem denotar ca-racterísticas pessoais como pontualidade ou higiene; outras vezes, aspectos organizacionais como comunicação e coordenação. E ainda características psicológicas como coragem ou generosidade; mentais como objetividade e sinceridade; e espirituais como o amor ou fé (religiosidade). Todo este conjunto de valores constitui princípios que organizam e orientam o com-portamento humano.

Ao longo dos séculos, a experiência da humanidade mostra que as socieda-des configuram-se a partir desses princípios essenciais. Valores como trabalho, senso de responsabilidade, integridade e honestidade, tolerância e respeito ao próximo não são somente idéias nobres ou ideais, mas sim princípios prag-máticos para atingir estágios de desenvolvimento que a sociedade aprende e transmite através das gerações, e se revelam como fundamentos psicológicos profundos do desenvolvimento. Os valores de uma sociedade constituem os aspectos cruciais de autoconhecimento de um povo que permitirá a ele trans-formar-se no que deseja.

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Para ilustrar os argumentos desenvolvidos ao longo dos últimos parágrafos, sobre a relação entre a formação de valores e seu impacto no desenvolvimento socioeconômico de um país, descreve-se brevemente a seguir a experiência sobre a independência da Índia.

O modelo de desenvolvimento da Índia antes da independência, em 1�4�, tinha como característica principal a relação de dependência colonial com a Grã-Bretanha. Séculos de estagnação social e submissão a um governo estran-geiro foram elementos fundamentais que moldaram os padrões de compor-tamento da população. Durante o período conhecido como Raj Britânico, os valores predominantes eram a submissão à autoridade, o respeito pelo antigo e o tradicional e a aceitação passiva de um papel social assinado desde fora por um governo estrangeiro. Em compensação, a segurança era um dos valores mais almejados e de grande demanda em troca da submissão à autoridade.

Na dimensão econômica, significava que as atividades comerciais e indus-triais eram restritas, unicamente, aos ingleses; poucos indianos tinham os meios e as oportunidades de adquirir educação. Os empregos que requeriam alto nível de qualificação na atividade produtiva eram preenchidos pelos co-lonizadores, ao passo que empregos de baixa qualificação eram ocupados por indianos.

A independência da Índia foi longamente almejada por setores minoritários e altamente educados da população indiana que, por algum motivo, tiveram a oportunidade de serem educados na Grã-Bretanha. Ela trouxe consigo a necessidade urgente de substituir esses valores tradicionais por outros capazes de construir uma nova sociedade com base em formas inéditas de relaciona-mento social.

Após muitos anos da independência, os valores de submissão e obediência persistiram na Índia, apesar de ser evidente que não eram mais adequados para a nova realidade socioeconômica do país. Nas décadas de 50 e 60, a juventude indiana educada começa a dar ênfase à iniciativa empresarial e à concorrência, deixando de lado a visão tradicional, muito difundida na Ín-dia no período pré-independência, sobre a segurança no emprego e o respei-to às castas. No entanto, os novos valores ainda não haviam sido difundidos, amplamente, pela maior parte da população.

É possível compreender os primeiros fracassos da Índia livre com base na falta de consciência e responsabilidade da maior parte do povo indiano. Com

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a independência conquistada, um novo sistema político de governo foi ins-taurado: a democracia.

O exercício da democracia requeria não simplesmente o estabelecimento de uma institucionalização por parte do novo Estado, mas também a necessi-dade de abandonar valores tradicionais que promoviam a estabilidade de um Estado não-democrático. Os valores tradicionais precisavam ser substituídos por outros que privilegiassem a educação, a participação política, a responsa-bilidade social e a igualdade entre os cidadãos.

Em síntese, um sistema político baseado em castas, submissão à autoridade e pouca participação política não poderia ser substituído, de um dia para o outro, por meio de um conjunto de decretos e normas elaborado pelo Estado. Era necessário mais do que isso. Tornava-se imprescindível um processo de substituição de valores tradicionais por outros que respondessem aos desafios que a independência trouxera consigo.

A partir da década de �0, o progresso econômico da Índia é o resultado de um efeito combinado da superação das condições materiais coloniais (econo-mia extrativista, tamanho superdimensionado do Estado e pouco espaço para atividade privada e produtiva) e a difusão generalizada de novos padrões de comportamento que quebraram barreiras tradicionais. Isso gerou um orgulho nacional, renovando a energia da sociedade, principalmente por meio da mo-bilidade social, buscando o sucesso na grande realização das pessoas, baseado na concorrência, educação, iniciativa privada e alto grau de responsabilidade do indivíduo. Todos esses elementos possibilitaram a famosa Revolução Ver-de, tão admirada no mundo todo.

Este processo subjacente de formação de valores na sociedade indiana não exclui a importância do papel do Estado. Na próxima seção, serão analisadas, brevemente, as formas pelas quais o Estado pode influenciar na formação de valores.

2.2 O Estado e a formação de valores sociais

Para entender como o Estado possui um papel muito importante na forma-ção de valores sociais e nos padrões de comportamento individuais deve-se

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adotar uma ótica abrangente que incorpore a dimensão ideológica, além da dimensão estritamente econômica.

No início do século XX, Antonio Gramsci, na sua análise sobre a evolução das sociedades e a luta de classes, incorpora dois conceitos que, de uma forma ou de outra, dão um primeiro indício do papel do Estado na formação de valores sociais. Estes conceitos são: “hegemonia da ideologia” e “o papel orgâ-nico dos intelectuais”.

Segundo Gramsci, o Estado não somente regula e administra o conflito de classes desde uma ótica material, mas também precisa difundir um conjunto de idéias, comportamentos ou valores de uma forma hegemônica que permita o melhor funcionamento do modo de produção dominante.

Conforme observado na seção 2.1, é preciso adequar os valores vigentes de maneira harmônica com um modelo socioeconômico específico, da mesma forma que as características principais do modelo em questão promovam a formação de valores, estabelecendo assim uma relação bidirecional. O Estado, no sentido de Gramsci, influencia na determinação de valores não somente por meio do estabelecimento de leis e normas que configuram o comportamento social das pessoas, mas, também, mediante a influência na educação e, principalmente, do modelo político adotado.

A literatura atual – sobre a constituição e difusão de valores sociais – afir-ma que o Estado contribui na formação destes valores a partir de uma ótica, principalmente, “formal”. Esta literatura assume o papel de formadora de todo o arcabouço institucional necessário a um Estado, de modo que o mesmo possa funcionar e responder aos desafios de uma realidade. Leis e normas configuram não apenas a estrutura das relações de convivência em sociedade, mas, também, estabelecem previamente parâmetros de compor-tamentos individuais justamente para que os indivíduos possam adaptar-se às mesmas, previamente estabelecidas.

Da mesma forma que a sociedade configura as aspirações sociais, a autori-dade do Estado possui a enorme capacidade de direcionar o fluxo de energias sociais, não somente por meio dos instrumentos da lei, mas, também, me-diante as políticas públicas, os procedimentos administrativos, os controles e os incentivos e castigos aos indivíduos. Um Estado pode promover uma revolução no aumento das expectativas de vários segmentos da população, por meio de um programa específico, uma política econômica definida ou me-

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diante uma lei, como, por exemplo, de ação afirmativa para um determinado setor da população.

A natureza da influência do Estado na formação de valores é amplamente diversificada, variando de acordo com o sistema de governo vigente. Tradi-cionalmente, nas monarquias, a administração e a organização do governo são altamente centralizadas, com alto poder de restringir liberdades e proibir atividades não desejadas. Por outro lado, sua aptidão para promover o desen-volvimento social é muito restrita, devido à baixa capacidade para motivar de uma forma direta a iniciativa individual. No entanto, tais características são contestadas por Alexis de Tocqueville, que atribuía as mesmas não à monar-quia, mas à democracia.

O Estados autoritários modernos – tanto no início do século XX (princi-palmente na Europa) quanto na segunda metade do mesmo século (prin-cipalmente na América Latina) – aprofundaram e aumentaram o poder governamental para controlar os indivíduos, desenhando e desenvolvendo mecanismos organizacionais muito complexos, com o propósito de alcançar quase todas as esferas da atividade humana e social. Os maiores argumen-tos teóricos deste tipo de Estado podem ser encontrados na obra de Carl Schmitt, que radicaliza os argumentos do Estado totalitário para defender a necessidade de um Estado forte na Alemanha. A iniciativa individual, o autoconhecimento e a superação individual não possuem um ambiente ins-titucional adequado nos regimes totalitários modernos1.

Finalmente, as formas modernas de democracia permitem, de uma forma nunca antes vista, o desenvolvimento de capacidades individu-ais, o autoconhecimento da sociedade e a participação política. Os regi-mes democráticos conseguem, institucionalmente, atingir objetivos de construção de um verdadeiro tecido social de interações não somente individuais, mas, também, entre os diferentes setores da população. As diversas formas democráticas de governo criam um contexto adequado que promove um conjunto de valores ativos, por meio do incentivo da responsabilidade das pessoas, educação e participação política.

Nos regimes democráticos, o Estado participa da vida dos indivíduos, me-diante a promulgação de normas geradas e aceitas pela própria população. Em

1 Os países com regimes autoritários que foram bem sucedidos na promoção da iniciativa social e dos valores anteriormente

mencionados, como China, Taiwan e Coréia do Sul, devem o seu sucesso ao relaxamento do controle social sobre a população e as

atividades econômicas, enquanto as restrições políticas se mantêm até hoje.

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algumas sociedades, os regimes democráticos promovem processos de descen-tralização política e administrativa, criando assim estruturas autogovernadas que aproximam os indivíduos dos centros de poder, aumentando a atividade social em torno de objetivos de caráter coletivo.

Tais impactos aumentam a criatividade e o espírito inovador das pessoas, que podem ser ainda mais reforçados se a estrutura econômica acompanha as mudanças da estrutura sociopolítica. A análise da relação entre o desenvol-vimento humano, social e econômico em sociedades democráticas que pro-movem o aumento de diversos tipos de capacidades tem produzido nas três últimas décadas uma vasta literatura, sendo seu principal expositor o Prêmio Nobel Amartya Sen.

2.3 Instituições da sociedade civil e a formação de valores

Existem diversas instituições não-estatais, no sentido mais amplo da palavra instituição, como, por exemplo, o mundo do trabalho, movimen-tos sociais, iniciativa privada, mercados, entre outros, que exercem um papel fundamental na geração e na formação de valores tanto individuais quanto coletivos.

Diferentemente da maneira pela qual o Estado influencia a vida dos indiví-duos de um modo “formal”, as instituições da sociedade civil atuam no dia-a-dia das pessoas e de suas famílias. Estas instituições influenciam de forma mais direta, funcionando como uma camada subjacente da sociedade, exercendo uma influência mais duradoura e aprofundada na formação de valores e na percepção das pessoas.

O mundo do trabalho, por exemplo, se constitui em um ambiente propí-cio para o fortalecimento das relações interpessoais, para o estabelecimento de metas individuais e, muitas vezes, para a formação de valores morais que orientam o comportamento ético-individual. Portanto, as condições de tra-balho tornam-se cruciais na formação e disseminação de valores e padrões de comportamento.

Dessa forma, a estabilidade do emprego, as condições salariais e do próprio ambiente do trabalho afetam não apenas variáveis materiais do desempenho

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como a produtividade e a iniciativa própria, mas, também, incidem nas con-dições sócio-psicológicas do indivíduo.

Por outro lado, o mercado, entendido como uma instituição, cumpre um papel fundamental no padrão de comportamento individual. A hegemonia do mercado tem produzido dois fenômenos importantes. O primeiro deles consiste na introdução do conceito de concorrência e competitividade das pessoas.

Com a hegemonia da instituição do mercado, a concorrência se dá pratica-mente em todos os âmbitos da ação humana onde existe a troca. No mercado de trabalho, na procura por bens e alimentos, na educação e até na estrutura familiar, a mesma se faz presente. A concorrência norteia um espírito compe-titivo que fragmenta as interações sociais baseadas principalmente na solida-riedade. Concorrência e solidariedade, freqüentemente, são colocadas como termos excludentes, mas, no entanto, o desafio da modernidade é encontrar uma forma de compatibilizar ambos os conceitos, sem ter que desagregar as inter-relações pessoais e de grupo.

Talvez cooperação e competitividade sejam valores que conseguem esta-belecer uma relação reforçadora entre concorrência e solidariedade, como mostra a percepção sobre o tema de dois entrevistados de diferentes grupos de discussão:

“No esporte existe competição e colaboração. Você coopera com os com-panheiros porque faz parte de uma equipe. Mas você e os companheiros vão querer dar o melhor de si, cada um querendo ser o melhor do time. Isso é normal, desde que não seja doentio.”

(Cônjuges)

“No trabalho, tem que existir a cooperação. Se não tiver cooperação, nada vai funcionar direito. Eu posso querer ser melhor do que os outros e luto para isso, mas todo mundo ajuda todo mundo, para poder fazer as coisas direito.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

O mundo contemporâneo e o funcionamento do mercado levam ao conhe-cimento, muito cedo na vida das pessoas, do valor concorrência. As crianças,

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durante o período escolar, já vivenciam e aprendem formas de concorrência e desenvolvimento individual que preparam-nas para a vida adulta.

O segundo fenômeno que acompanha a predominância do mercado, no sentido de instituição, diz respeito ao que Marx chamou de “fetichismo da mercadoria”. Este último, no linguajar moderno, pode se denominar como “materialismo exacerbado”.

O “materialismo exacerbado” consiste em uma mudança de valores que vem acompanhando o novo mundo globalizado. Atualmente, as pessoas estão mais preocupadas em adquirir bens materiais e dando menor importância a valores como a família. Alguns autores, como, por exemplo, Charles Handy, com-preendem que as pessoas estão muito melhores em termos materiais. Porém, a grande maioria sente que perdeu alguma oportunidade. No caso dos mais jovens, temem nunca ter uma oportunidade.

Segundo Charles Handy, a vida, para quase todas as pessoas, está mais con-fortável atualmente. No entanto, existe entre elas uma aspiração cada vez mais crescente por obter maiores bens materiais:

“A economia oferece a prosperidade material como o objetivo único universal e, se aceitarmos esta premissa, todo o restante seguirá ine-vitavelmente de acordo com as leis do marketing e com as normas da eficiência” (Handy, 2000, página �).

Por outro lado, Frei Betto nos adverte: “Nossas concepções éticas são forjadas por um processo social onde o capital, um bem finito, tem mais prioridade do que os bens infinitos – a dignidade, a ética, a liberdade, a paz e a experiência espiritual.” (Betto, 2000, página 10)

Como mencionado anteriormente, apesar do visível progresso material dos indivíduos e dos diversos grupos sociais, cada vez mais as exigências da mo-dernidade e o progresso da ciência requerem o aumento do consumo de bens materiais. Um elemento fundamental dessa crescente aspiração diz respeito ao fenômeno da comunicação.

Com efeito, a universalização da televisão amplificou de uma forma nunca antes vista os ideais de consumo, mediante a exposição pública de estereótipos de vida das classes mais favorecidas. Da mesma forma que a televisão, o rádio

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e a imprensa escrita se constituem em veículos de massa que contribuem para um processo de consumismo exacerbado.

O processo influencia os indivíduos desde a infância. Segundo Frei Betto:

“Acontece que o mercado infantil é o filé mignon do consumismo. Por-que a criança tem duas vantagens: falta de discernimento frente ao va-lor do produto, valor de compra e valor de uso, e capacidade de insistir tanto, que os pais acabam comprando para se verem livres da chateação, mesmo sabendo que aquilo vai ser encostado em uma semana.” (Betto, 2000, página �).

Finalmente, não se deve esquecer o papel das instituições no sentido restrito da palavra. Uma das características das sociedades democráticas modernas é a inserção do indivíduo nas mais diversas instituições, além das estatais e da esfera do trabalho. Associações, organizações religiosas, clubes de beneficência, estabelecimentos dedicados ao voluntariado, sociedades de proteção ao consu-midor, ao meio ambiente, entre outros, fazem parte da vida dos indivíduos.

Desde os anos 50, esses tipos de instituições têm crescido em número e em importância, principalmente nos países desenvolvidos. Há pouco mais de dois séculos, Alexis de Tocqueville, em seu livro A democracia na América, sentiu-se completamente surpreendido ao verificar que um país que acabava de se formar, os Estados Unidos, possuía como traço social fundamental o enorme poder associativo. O autor encontrou um país onde as pessoas formavam associações e instituições de voluntariado de uma forma nunca antes vista na história.

Atualmente, os Estados Unidos apresentam duas características importantes em relação ao tema. A primeira delas diz respeito ao número de voluntários. Os Estados Unidos da América apresentam cerca de 40% de seus jovens parti-cipando de algum tipo de atividade voluntária, ao passo que na Alemanha esta porcentagem é de aproximadamente 10%. A segunda característica consiste no fato de que neste país se verifica o maior número de associações e institui-ções de voluntariado em todo o mundo.

Esta característica, a relevância do papel das instituições de caráter priva-do na formação de valores a partir de ações que integram os indivíduos a diversos ambientes de convivência, é crucial em vários sentidos. As institui-ções promovem entre as pessoas espaços onde se torna possível a diversifi-

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cação das relações interpessoais, constituindo-se em pequenos laboratórios (microssociedades). Esses pequenos laboratórios são os locais onde se torna possível a expansão e o exercício de valores, padrões de comportamento e aspirações sociais.

Um segundo sentido da relevância das instituições não-estatais verificou-se por meio de um amplo estudo comparativo que englobou praticamente todos os países da Europa Ocidental e os Estados Unidos. Segundo Robert D. Putnam, em seu livro Making Democracy Work: Civic Traditions in Modern Italy, pode se explicar, mediante um abrangente exercício empírico, o maior ou menor desenvolvimento socioeconômico em termos do grau de evolução das instituições associativas e cívicas.

A clássica diferença de desenvolvimento socioeconômico entre a região norte e a região sul da Itália, não se deve, segundo Putnam, a diferenças econômicas, de gestão administrativa ou de ideologia, mas sim ao grau de civismo público, de associativismo e de participação cidadã. O exemplo mais paradigmático colocado por Putnam diz respeito a dois terremotos ocorridos tanto no sul quanto no norte da Itália na mesma época. No caso do Norte, depois de vinte anos, não existia nem um único vestígio ou se-qüela do terremoto, ao passo que no Sul as pessoas continuam morando em acampamentos.

Putnam se pergunta: como é possível que no interior do mesmo país de-senvolvido e com a mesma ajuda governamental, existam duas realidades tão diferentes? A resposta do autor à questão encontra-se na maior densidade do tecido social, que somente poderá ser alcançada devido a maior prevalência dos valores acima citados.

A riqueza dessa linha de pesquisa tem provocado uma enorme quantidade de publicações que exploram diversas dimensões na área. O último artigo re-velador de Putnam mostra que, em várias cidades norte-americanas, quando o maior tempo é dedicado à televisão, menores serão as capacidades associativas e cívicas das pessoas, e, portanto, estas últimas apresentarão um efeito negati-vo em seu desenvolvimento.

Em síntese, as instituições de natureza privada podem exercer um papel transcendental na formação de valores que incentivem valores cívicos, par-ticipação cidadã, assim como formas de socialização nos diversos segmentos sociais.

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2.4 A modernidade em transição: o Brasil e o conflito de valores

A exposição realizada na seção anterior apresentou como objetivo colocar os aspectos centrais que envolvem a temática da formação de valores. Em momento algum se pretendeu elaborar uma classificação abrangente ou lista exaustiva dos valores vigentes ou passados.

Por outro lado, a discussão anterior pretendeu, simplesmente, estabelecer os macrofatores que influenciam a formação de valores de uma sociedade, assim como dos próprios indivíduos. Em primeiro lugar, identificou-se a própria interação individual no contexto social como um dos fatores que formam e estruturam um conjunto de valores. Em segundo lugar, o Estado cumpre um papel fundamental por meio de modos formais, mas também de maneira ideológica na formação de valores.

Em terceiro lugar, estabeleceram-se algumas formas de interação entre os fatores econômicos, principalmente o mercado e o desenvolvimento econô-mico, e a formação de valores sociais. Por fim, também se revisou o papel das instituições não-estatais, principalmente na formação de valores cívicos, associativos e de participação dos cidadãos.

Com efeito, esta pesquisa não se propõe a elaborar uma hierarquização de-talhada dos valores, mas sim uma análise das diversas dicotomias existentes na vida dos indivíduos, dado que existem contradições em cada um dos contex-tos em que os mesmos interagem.

No dias de hoje, o Brasil experimenta uma fase de transição ainda não com-pleta de profundas mudanças econômicas e sociais que, aparentemente, se-gundo alguns autores, caracterizam um período de crise. A proposta central do presente trabalho é que essa crise pode ser encarada mais como um período de transição, em que as dicotomias e contradições de valores guardam relação com a necessidade de finalizar um processo de mudança, e não simplesmente como um juízo negativo sobre os valores vigentes no mundo contemporâneo brasileiro.

A maior parte do século XX se caracteriza por um descompasso entre as mudanças do sistema político e do sistema econômico. Ao longo do século XX, o processo político brasileiro sofreu uma crescente democratização. Tal processo foi interrompido, algumas vezes, por ditaduras de caráter totalitário que afetaram as percepções, valores e aspirações sociais dos indivíduos.

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Por outro lado, na esfera econômica, grande parte do século foi marcada por um modelo econômico baseado principalmente na atividade do Estado, formas corporativas de relação entre as classes sociais, como, por exemplo, a Era Vargas, e o intenso processo de industrialização. Esse modelo mostrou evidências de estar saturado na década de �0, levando a um padrão de livre mercado e redução da presença do Estado no âmbito econômico.

Similar ao processo que foi descrito para a Índia, o Brasil enfrenta o dilema de permanecer hoje com valores sociais tradicionais – adequados a sistemas políticos e econômicos anteriores – ou de encarar valores completamente di-ferentes que sejam adequados aos novos desafios.

No entanto, tal processo não é linear. Por muitos anos, ainda deverão coexistir sistemas de valores diferentes que deixarão o indivíduo fragmentado. Fragmen-tação esta que, muitas vezes, pode ser encarada como uma crise existencial.

A análise das contradições dos valores derivadas das diversas esferas da ação humana não é inovadora, porém não menos importante. No entanto, um fator muitas vezes ignorado, mas de um enorme poder heurístico, diz respeito a uma dicotomia provavelmente mais significativa do que as dicotomias entre as diversas esferas. Esta dicotomia particular diz respeito aos valores sociais e aos antivalores originados a partir dos primeiros.

Com efeito, explorar esta dicotomia, valores/antivalores, fornece uma possi-bilidade muito rica para entender os padrões de comportamento e as atitudes individuais. Praticamente ao longo de toda a dinâmica dos grupos de discus-são realizados no SESC Madureira, mostrou-se que tal dicotomia pode ajudar no melhor entendimento dos mecanismos pelos quais se cristaliza o processo de formação de valores.

Na seção 4, a leitura dos principais depoimentos dos entrevistados a enfa-tizará, mostrando que, por exemplo, os valores possuem uma característica muito mais abrangente e de caráter universal, porém mais diluídos do que os antivalores. Estes últimos se revelam de caráter tópico e muito menos abran-gente, porém com uma importância significativamente maior para guiar e orientar os padrões de comportamento.

Tomando-se como exemplo a prostituição, todos os participantes, sob um ponto de vista abstrato, condenaram a atividade. Mas quando con-sultados sobre quem deveria ser punido, a prostituta ou o político, a res-posta foi unânime: o político era o merecedor de punição, ao passo que

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a prostituta utilizava seu corpo como forma de conseguir dinheiro para a sobrevivência.

“Se é a única coisa que sobra... fazer o quê.”(Jovens)

Outra forma de equacionar o dilema anterior é que os antivalores são supe-riores pelo fato de não incorporarem danos e prejuízos a terceiros:

”A garota de programa não está fazendo mal a ninguém. É um pro-blema dela, que a gente tem que respeitar... O político corrupto está roubando os pobres. Está prejudicando o país, enriquecendo à custa da miséria dos outros.”

(Jovens)

Na seguinte seção, realiza-se uma descrição dos principais dados quantitati-vos das pessoas que participaram dos grupos de discussão.

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3. Um estudo de caso: características pessoais e institucionais

3.1 Sobre o SESC Madureira

O SESC unidade Madureira está localizado na zona norte do município do Rio de Janeiro. A infra-estrutura disponível na unidade possui em suas dependências: biblioteca, biblioteca infantil, teatro (com capacidade para 216 lugares), sala de música, salas de recreação infantil, salas de cursos, cozinha experimental, sala de ginástica, quadras de futsal, vôlei e vôlei de areia, ginásio poliesportivo, parque aquático (com duas piscinas: uma infantil e outra para adultos, aquecida), gabinetes odontológicos, gabinetes de prótese, gabinetes de endodontia, lanchonete, restaurante (para 200 pessoas), sala de ciências, academia de musculação, uma churrasqueira, sala de vídeo, sala de lutas e sala de exposições e acesso livre à internet.

Os serviços oferecidos pelo SESC Madureira se concentram nas seguintes áreas:

• Odontologia

Tratamento clínico e cirúrgico em endodontia (canal), periodontia (gen-giva), odontopediatria (crianças), próteses e rádio-diagnóstico. Exclusivo para trabalhadores do comércio/serviços.

• Cultura

Espetáculos teatrais, musicais e de dança, exposições, aulas abertas e oficinas.

• EsporteAulas abertas, torneios e campeonatos, aluguel de quadra, piscina, práti-cas desportivas e recreação.

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• TurismoHospedagem, passeios e excursões.

• Projetos sociais

Palestras, valorização social, voluntariado, projetos integrados, exposi-ções, aulas abertas, oficinas e workshops.

• Terceira idade

Atividades de corpo, espetáculos, passeios, oficinas, aulas abertas e eventos.

• Educação Infantil

Para crianças de 3 a 6 anos.

• Sala de ciências

Oficinas, experimentos e workshops.

• Biblioteca

Empréstimos de livros e revistas. Jornais diários, oficinas e workshops.

• Empresas

Realização de matrícula e divulgação dos serviços do SESC.

• Saúde

Palestras.

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3.2 Informações metodológicas

A pesquisa abordou comerciários, titulares do SESC e seus cônjuges, além de adolescentes e pessoas da terceira idade que regularmente freqüentam as suas dependências ou participam das atividades do SESC.

O método utilizado foi o das discussões em grupo, escolhido por permitir um aprofundamento das questões investigadas, dada a natureza dos temas abordados e o caráter exploratório do estudo.

Os grupos realizados tiveram a seguinte composição:

• Comerciários, titulares do SESC, do sexo masculino, com idade entre 25 e 40 anos.

• Comerciários, titulares do SESC, do sexo masculino, com idade de 40 anos e mais.

• Comerciários, titulares do SESC, do sexo feminino, com idade entre 25 e 40 anos.

• Comerciários, titulares do SESC, do sexo feminino, com idade de 40 anos e mais.

• Adolescentes, filhos de comerciários titulares do SESC, de ambos os sexos, com idade entre 14 e 24 anos.

• Pais de comerciários titulares do SESC, aposentados, de ambos os sexos, com mais de 60 anos de idade.

• Cônjuges de comerciários titulares do SESC, de ambos os sexos, com idade entre 25 e 40 anos.

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As reuniões de discussões em grupo foram realizadas durante o mês de março de 2004, em dependências do SESC Madureira, na cidade do Rio de Janeiro.2

3.3 Características pessoais dos entrevistados

Na Tabela 1, apresenta-se a composição dos grupos de discussão reali-zados, assim como a sua distribuição por gênero e as atividades realizadas pelos mesmos, no SESC unidade Madureira.

Das 45 pessoas entrevistadas, 20 são do sexo masculino e 25 do sexo feminino. Em termos relativos, significa que 43% dos entrevistados são do sexo masculino, ao passo que 5�% são do sexo feminino.

O número total de pessoas em cada grupo é diferente, devido à taxa de desistência. O objetivo original consistia em que cada grupo de discus-são fosse composto por � a 10 membros. Portanto, as menores taxas de desistência foram dos adolescentes (� pessoas) e dos idosos (� pessoas). A maior taxa de desistência se verificou entre os cônjuges dos comerciários, pois somente participaram 4 pessoas.

Quanto às atividades realizadas pelos entrevistados, na sua ampla maio-ria eles utilizam os serviços de atividades de esporte, entretenimento e atividades profissionalizantes como artesanato, percussão, jazz e dança sênior.

Da análise da Tabela 1, pode se concluir que as faixas etárias mais jo-vens utilizam muito mais os serviços de esportes do que as faixas etárias superiores.

2. Os trabalhos contaram com amplo apoio da Gerência do SESC Madureira e de seus funcionários, que auxiliaram a equipe

de pesquisadores em todas as suas necessidades, prestando um tratamento eficiente, gentil e agradável. Um agradecimento particular

deve ser feito a Moacyr di Palma, Gerente do SESC unidade Madureira: a sua colaboração foi essencial para a viabilização dos grupos

de discussão, além de disponibilizar as informações para o melhor desempenho do trabalho.

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Tabela 1: Distribuição por gênero e atividades realizadas dos entrevistados

No que diz respeito ao grau de escolaridade dos indivíduos (Gráfico 1), 2�% completaram a 3a Série do Segundo Grau (Ensino Médio); 16% possuem Ter-ceiro Grau completo e 11% possuem o Ensino Fundamental completo. No extremo inferior do processo educacional tem-se que 5% dos entrevistados concluíram apenas a 2a Série do Segundo Grau.

Gráfico 1: Distribuição dos entrevistados segundo o grau de escolaridade

Fonte: Iets.

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Nos Gráficos 2 e 3 apresentam-se resultados sobre estimativas da renda das pessoas entrevistadas. A dificuldade metodológica da aferição é que a renda declarada, normalmente, é subestimada pelos entrevistados. Essa é a razão principal de incluir no questionário preenchido pelos entrevistados questões sobre alguns bens duráveis. Assim, obtém-se um quadro mais acurado da si-tuação econômica dos participantes dos grupos de discussão.

A maior renda, como era esperado, encontra-se entre o grupo de comerciá-rios do sexo masculino com idade entre 25 e 40 anos (R$ 1.0�5,00). Deve-se chamar atenção para o fato de que as comerciárias na mesma faixa etária pos-suem em média apenas 1/3 da renda apresentada pelos comerciários do sexo masculino nesta mesma faixa (R$ 45�,�0). (ver Gráfico 2)

Em segundo lugar, em termos da renda média, estão os comerciários do sexo masculino com idade superior a 40 anos de idade (R$ 1.000,00). Finalmente, o grupo de entrevistados com a menor renda média é constituído pelas pesso-as com mais de 60 anos (terceira idade).

Tal estrutura da renda, apresentada pelos entrevistados, corresponde de al-guma forma à estrutura da renda do país como um todo, verificando-se assim duas conclusões principais. Em primeiro lugar, as mulheres apresentam em média uma renda inferior à verificada entre os homens na mesma faixa etária e ocupando a mesma posição.

Em segundo lugar, a renda das pessoas com mais de 60 anos de idade é me-nor quando comparada à renda das faixas etárias inferiores.

Gráfico 2: Renda Média, segundo os Grupos de Discussão

Fonte: Iets.

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No Gráfico 3, 100% dos entrevistados possuem rádio, geladeira ou freezer, ao passo que �1% dos mesmos possuem linha telefônica fixa instalada. Já �5% dos entrevistados possuem máquina de lavar roupa. Um dado muito interessante é que �1% dos entrevistados possuem videocassete e celular e apenas 30% possuem microcomputadores.

Quando comparado o grupo de entrevistados com a população em geral, para alguns dados disponíveis pode se afirmar que o grupo encontra-se muito acima da média brasileira em relação ao acesso de bens duráveis. No caso da telefonia fixa, apenas 53% da população do país possui acesso ao serviço, enquanto o acesso à telefonia celular é de cerca de 20% da popu-lação brasileira.

Gráfico 3: Acesso a bens duráveis

Na próxima seção serão descritos os resultados sobre as opiniões vertidas pe-los participantes em torno de alguns temas-chave que nortearam a dinâmica dos grupos de discussão.

Máquina de la

var roupas

Forno de micro

ondas

Linha telefô

nica instal

ada

Microcomputad

or

Acesso à i

nternet

AutomóvelRádio

Geladeira

ou Freezer

Videocassete

Celular

Fonte: Iets.

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4. Grupos de discussão: demanda por maior interação social perante a redução dos espaços coletivos

Na presente seção, apresentam-se os principais resultados extraídos da di-nâmica de grupo dos entrevistados na unidade do SESC Madureira sobre valores e atitudes que, na atualidade, norteiam os padrões de comportamento dos entrevistados.

Para alcançar o objetivo, foi escolhido um conjunto de “temas-chave” que contribuíssem para o melhor desenvolvimento e estruturação da dinâmica dos grupos. Temas como família, o mundo do trabalho, o sucesso, o fra-casso, a ética, a concorrência, a solidariedade, o respeito (a si mesmo e aos outros) e o papel do SESC foram colocados na mesa de discussão pelo mo-derador (parte induzida).

No entanto, na dinâmica de grupo surgiram outros temas que se mostra-ram tão importantes para os entrevistados quanto os temas propostos (parte espontânea): violência, religião e política, principalmente.

O contexto social provou ser um fator de relevância fundamental na forma-ção de valores e nos padrões de comportamento individual. Principalmente, os fatores externos associados ao próprio funcionamento da cidade do Rio de Janeiro. Em segundo lugar, as condições econômicas (emprego e renda entre os mais importantes) são elementos explicativos das atitudes, valores e padrões de comportamento.

4.1 O contexto social da cidade como determinante da formação de valores dos entrevistados

4.1.1 A violência como fator fundamental que reduz os espaços de interação social

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a) Aviolêncianacidadeeasmudançasdehábitos

Os elevados níveis de violência que caracterizam o presente estágio da vida na cidade do Rio de Janeiro são responsáveis pelas principais preocupações da clientela do SESC.

Mais do que as sérias dificuldades materiais produzidas pela prolongada cri-se econômica do país – desemprego, queda dos níveis de renda, incertezas quanto ao futuro etc., predominam entre os freqüentadores da unidade de Madureira o temor de se tornarem alvos de bandidos, os riscos e os perigos causados pelas atividades dos criminosos e pela pouca eficiência dos órgãos responsáveis pela segurança pública.

A grande maioria, se não a totalidade dos participantes dos grupos de dis-cussão, além de seus parentes próximos, já foi vítima de algum tipo de vio-lência por parte de criminosos ou, o que é pior, por parte da própria polícia. Todos têm alguma história para contar.

O medo e a insegurança resultantes desse crescente processo de expansão das atividades dos criminosos têm, entre suas diversas conseqüências, uma significativa mudança nos hábitos e no comportamento da clientela do SESC Madureira.

“Tenho medo de sair à rua. É muita violência. A gente sai de casa e não sabe se vai voltar.”

(Idosos)

“A gente já não tem liberdade para fazer as coisas. Atualmente, a gente trabalha menos, estuda menos, se diverte menos... sempre com medo.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

“Eu vivo assustada. Não quero nenhum estranho perto de mim. Qual-quer pessoa que chega perto, eu já acho que é bandido. É horrível viver assim.”

(Comerciárias, 40 anos e mais)

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Em todos os grupos pesquisados, as alterações de hábitos são os recursos utilizados para se expor o mínimo possível aos perigos da cidade: andar nas ruas só o estritamente necessário para se locomover de um ponto a outro; evitar programas noturnos; procurar locais fechados e mais protegidos – os shoppings centers, por exemplo – para as atividades de lazer e diversão.

“Eu só saio para ir ao shopping ou para vir aqui no SESC. De vez em quando eu vou a um baile, de noite. Mas nunca vou sozinho, vou sem-pre com um grupo de amigos.”

(Adolescentes)

Entretanto, a permanência por um maior período dentro de casa, ao mesmo tempo em que funciona como defesa contra os perigos de fora, abre um flanco para as influências nem sempre positivas da televisão, importante instrumento de lazer e poderoso agente de propagação de estilos de vida, nem sempre con-siderados pelos pais como os mais adequados para seus filhos.

“Eles ficam muito tempo em casa, vendo televisão. E a televisão mostra muita coisa que não presta. Muito sexo, muito materialismo nas nove-las, muito crime. Em qualquer horário é assim. Isso acaba influencian-do as crianças e os jovens.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

“A televisão mostra muita violência, fica fazendo propaganda dos ban-didos. No meu tempo, Beira-Mar era só o nome de uma avenida. Ago-ra, o Beira-Mar é um bandido famoso.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

Nesse quadro, a unidade do SESC Madureira representa um oásis de paz, uma ilha de tranqüilidade e segurança em meio à violência das ruas. Essa importante função desempenhada pela unidade, e seguramente pelas demais que se situam na cidade do Rio de Janeiro, será comentada mais adiante, na parte que trata do relacionamento entre o Serviço Social do Comércio e sua clientela.

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b) Ascausasdaviolência–Aausênciadevalores

As primeiras explicações para o generalizado e, aparentemente, incontrolá-vel processo de expansão da criminalidade encontram-se nos produtos da crise econômica.

Com poucas perspectivas de um futuro materialmente digno, sem opor-tunidades de emprego ou de exercício de uma atividade lícita capaz de lhes proporcionar um padrão de vida minimamente compatível com suas neces-sidades, anseios e desejos, muitos estariam cedendo às tentações do dinheiro fácil proporcionado pelas atividades marginais.

“O sujeito está sem trabalho, tem a família para alimentar, aí ele vê uma oportunidade de ganhar um dinheiro, acaba entrando para o cri-me. E não é só gente pobre, não. Você vê na televisão, nos jornais, que já tem muito jovem de classe média, da Zona Sul, fazendo assalto.”

(Cônjuges)

“Está muito difícil. As pessoas ficam desesperadas e vão para a margi-nalidade.”

(Comerciários, 25/40 anos) “A ocasião faz o ladrão. Às vezes a pessoa está contra a parede, deses-perada, é capaz de fazer qualquer coisa.”

(Adolescentes)

Porém, um aprofundamento da discussão em torno do tema, com estímulos por parte do moderador, traz novos elementos para a compreensão da ques-tão.

Perguntados do porquê de alguns cederem aos apelos da criminalidade en-quanto outros permanecem lutando contra as dificuldades dentro dos limites da lei e das normas, os clientes do SESC, de todos os segmentos abordados pela pesquisa, chegam à mesma explicação: o que diferencia umas pessoas das outras, o que faz com que alguns sigam o “caminho do bem”, ainda que à cus-ta de muitos sacrifícios, de muita luta e das limitadas perspectivas de sucesso material, é o “caráter”, a “personalidade” de cada um.

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“Depende da formação, da educação que as pessoas recebem. Quem tem uma boa base, um bom caráter, não vai para o crime, mesmo que tenha uma vida de sacrifícios.”

(Diversos grupos)

A etapa seguinte – a da discussão dos elementos responsáveis pela forma-ção de caracteres e personalidades tão distintos entre si – chega ao ponto objetivado pela pesquisa: o caráter e a personalidade são constituídos pelo tipo de educação recebida ou, no dizer dos clientes do SESC Madureira, pela absorção de princípios, padrões ou de alicerces que constituem os pilares de um comportamento digno, de uma vida em conformidade com as normas tradi-cionalmente estabelecidas e respeitadas pela sociedade.

Para os mais velhos, a perda de autoridade dos pais, incapazes de controlar os efeitos das mudanças sociais e a maior liberdade conquistada por seus fi-lhos; a menor dedicação paterna à formação dos filhos, em decorrência da pre-ocupação em prover os meios de subsistência da família ou do envolvimento demasiado com problemas pessoais; e, por último, a decadência da escola que, gradativamente, vem perdendo sua função de colaborar de maneira efetiva na construção da personalidade dos alunos – todos esses fatores estariam na raiz do enfraquecimento dos alicerces, dos valores que formam o bom caráter.

“Hoje em dia, as crianças mentem para os pais... A criança não tem educação nem no colégio nem em casa... Minha mãe falava sem precisar bater. Nós respeitávamos nossos pais. Agora, a liberdade está comendo solta nas meninas... Pobreza não tem nada a ver com educação. O que falta é moral, é educação.”

(Idosos)

Para os mais jovens, o mau exemplo dos dirigentes do país e a degradação dos valores tradicionais e sua substituição por outros, vendidos pela televisão e pela propaganda – que colocam o consumismo e a fama como máximos objetivos da vida –, estariam corroendo a sociedade, banalizando o crime e a violência nos diversos segmentos de sua estrutura. Seriam os grandes inimigos na constituição do bom caráter.

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“Tenho uma filha adolescente. Ela tem boa formação moral, mas é muito influenciada pela mídia. A televisão usa um excesso de sen-sualidade. É o caso do Tchan, por exemplo. Quando eu era crian-ça, eu via a Vila Sésamo... Nós fomos formados com direções mais seguras.”

(Comerciários, 25/40 anos)

“O exemplo vem de cima. Os políticos têm condições de ter o que qui-serem e ficam roubando de quem não tem. A gente paga os impostos e eles ficam roubando.”

(Adolescentes)

“Está ficando muito difícil para os pais impor limites aos seus filhos. Eles querem tudo, mas a gente não pode ficar dando tudo o que eles querem. Não é assim que se educa os filhos. Tem gente que pensa que isso é amor, mas não é. A gente tem que mostrar o que pode e o que não pode. E dar para eles educação, ensinar a respeitar...”

(Cônjuges)

“Eu uso as porcarias que vêm lá de cima como exemplo. Para mostrar como não deve ser, como não se deve agir.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

4.2 Os valores sociais dominantes dos entrevistados (parte espontânea)

Os valores mais importantes para a clientela do SESC Madureira, aqueles que apareceram espontaneamente no maior número dos grupos considerados como fundamentais e imprescindíveis, foram:

1. A família.2. A solidariedade ou o amor ao próximo.3. O respeito ao próximo.

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Por um número menor de grupos foram citados:

4. A auto-estima ou o respeito a si mesmo.5. A religião ou o amor a Deus.

Família

A família é unanimemente reconhecida como o maior valor universal, por ser a instituição que tem como principal função reter os demais valores e transmiti-los de geração para geração.

A família é considerada como a grande responsável pela educação de seus membros, entendendo-se a educação em seu sentido mais amplo, de principal instrumento de formação de caráter, transmissora de valores e conhecimentos, definidora de uma correta trajetória de vida.

Seu papel na formação da personalidade dos membros mais jovens se dá mais pelo exemplo de vida dos mais velhos – pais, avós, irmãos mais velhos – do que por conselhos ou regras teóricas por eles ditados.

“A família é fundamental, tem que ser preservada. É ela que vai dar a noção do certo e do errado, que vai dizer que só se deve ir aonde a mão alcançar, que se deve procurar viver com o que se tem.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

“A família é a base de tudo. É quem dá o amor, quem educa, quem dá a noção de dignidade. É ela que dá o abrigo e que dá as condições para que os filhos possam crescer.”

(Comerciários, 25/40 anos)

“O exemplo dos pais é o mais importante na transmissão dos valores. Não adianta falar uma coisa e fazer outra. Não dá certo.”

(Comerciários, 40 anos e mais) Dentre suas funções principais está “a administração dos conflitos familia-

res”, tendo que

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“saber a hora de proibir e a hora de passar a mão na cabeça, perdoando quem errou”, sempre “impondo a autoridade, para manter a estrutura familiar”.

(Comerciárias, 25/40 anos)

“Estrutura familiar” foi uma expressão utilizada por praticamente todos os grupos para se referir às famílias bem formadas e que se esforçam para cum-prir bem seus papéis. O arcabouço da estrutura familiar deve estar cimentado pelo diálogo, pelo amor entre seus membros, pela sensação de segurança, pela confiança recíproca e pela certeza de que cada um sempre poderá contar com o apoio e a ajuda dos demais.

O exercício da autoridade é visto como necessário mesmo pelos jovens, que o encaram como sinal de cuidado e atestado de amor. Cabe à família definir os limites que não devem ser ultrapassados, reprimir os comportamentos que destoem das normas por ela estabelecidas.

“A família tem que assumir seu papel na educação ou a criança vai aprender na rua. Tem que dar segurança material e afetiva. Dar amor, carinho. É fundamental a criança se sentir amparada, saber que ela tem onde se apoiar.”

(Cônjuges)

“Meu pai não gosta de conversar sobre drogas. Minha mãe já fala. Ela tem uma cabeça mais aberta. Isso é uma coisa importante para mim, importante para formar o caráter.”

(Jovens) “Meus pais não deixam eu chegar tarde em casa. Eu acho que é o papel deles. Se não, eu ia me sentir largada.”

(Jovens)

As ameaças de ruptura da estrutura familiar, originadas por brigas ou cisões

internas ou pela falta de um de seus membros, têm que ser enfrentadas com coragem e dedicação, sob pena de desmoronamento do conjunto e de desca-minho dos indivíduos.

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A falta de um dos chefes da família, pai ou mãe, por morte ou por separa-ção do casal, acarreta um esforço redobrado por parte de quem permanece, sempre que este se sinta obrigado a preencher a ausência do outro como uma necessidade para manter o equilíbrio familiar.

“Eu fiquei viúvo muito cedo, com uma filha pequena para criar. Sou pai e mãe, sacrifico muita coisa para me dedicar à minha filha, mas acho que valeu a pena.”

(Comerciários, 25/40 anos)

As cisões mais sérias acontecem, quase sempre, por questões financeiras, por desentendimentos originados em interesses materiais conflitantes. Nesses casos, se a família não tiver uma base sólida que seja capaz de manter seus membros unidos apesar das divergências, a estrutura é destruída, com perdas para todos.

“A família vai indo certinha, até que acontece um falecimento e surge uma briga pela divisão da herança, mesmo que a herança não seja grande. Aí entra a ganância, um acha que tem mais direitos que o outro e as brigas acabam com a família.”

(Cônjuges)

“As pessoas dão muita importância ao que é material. A crise financeira cria muitos conflitos. Mas se houver amor, mesmo que a crise seja lon-ga, a família não se separa. Pode até haver um desgaste, mas a união continua.”

(Jovens)

É interessante notar que, apesar da importância dada às questões materiais nas relações intrafamiliares, as funções de sustento material que cabem à fa-mília não foram comentadas espontaneamente pelos grupos, só sendo discu-tidas, e ainda assim, superficialmente, após estímulo do moderador.

Aparentemente, essas tarefas – alimentar, vestir, cuidar da saúde etc. – são vistas como obrigações “naturais” ou “básicas” e corriqueiras da família e que poderiam, talvez, ser de responsabilidade de uma outra instituição. Já a edu-

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cação, a formação do caráter, a transmissão de valores, estas sim, são funções primordiais e exclusivas da família.

Asolidariedadeouoamoraopróximo

O amor ao próximo, que se exprime por meio da solidariedade, é um valor que os clientes do SESC Madureira situam em um patamar imediatamente abaixo do valor “família”.

O amor ao próximo é visto como essencial para que se possa conviver em harmonia com os demais. Quando falam em amor ao próximo, os participan-tes dos diversos grupos utilizam-se de palavras como solidariedade, cooperação e colaboração, ao mesmo tempo em que deixam transparecer que há um fundo de religiosidade nesse valor.

O amor ao próximo se exerce por meio de ajuda material ou de conforto moral e espiritual para os que dele necessitam. Com o aprofundamento da discussão em torno do tema, os diversos grupos concluem que a ajuda mate-rial é muito importante, mas a ajuda moral, mais difícil de ser prestada, é mais valorizada pelos que a recebem.

“É sempre bom ajudar as pessoas que precisarem. Tenho o meu grupo na igreja, de ajuda aos outros.”

(Idosos)

“Se eu puder ajudar, eu ajudo... Às vezes uma palavra ameniza muita coisa. Uma mão, uma palavra, um gesto.”

(Comerciárias, 40 anos e mais)

“Ajudar é ter amor no coração... Devemos ter paciência, ter uma pala-vra amiga, saber ouvir a pessoa... Eu já passei por isso. Precisei e encon-trei quem me ajudasse, me desse forças.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

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Os entendimentos do significado e da importância do amor ao próximo são muito semelhantes entre os grupos de ambos os sexos. As definições, percep-ções e comentários ouvidos nos grupos masculinos são semelhantes aos dos grupos femininos.

“É uma condição do ser humano, um sentimento interno. A pessoa até pode ter feito algum mal para mim, mas, se estiver precisando, eu sou obrigado a ajudar... O amor ao próximo é como se fosse o seu corpo. Tem que ser exercitado para ficar forte e tomar conta de você.”

(Comerciários, 25/40 anos)

Os clientes do SESC Madureira ouvidos pela pesquisa reconhecem que a solidariedade, a cooperação, a ajuda ao próximo são vias de mão dupla, que trazem benefícios tanto para quem recebe quanto para quem doa. Ajudar os outros, demonstrar seu amor ao próximo parece ter um significado de reco-nhecimento de sua capacidade de amar, seu poder de doar e de ser tão bom quanto pensa que as pessoas deveriam ser.

“Para mim, me engrandece, me satisfaz, me faz sentir melhor.” (Idosos)

“Adoro ajudar os outros... Uma pessoa cair e você ajudar, ajudar um cego... Acaba fazendo mais bem para a gente do que para o outro.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

O grupo de jovens, embora compartilhe dos mesmos sentimentos expressos pelos adultos e idosos, prefere abordar o tema sob um ângulo mais específico e que lhe diz respeito, e encaminha a discussão para a amizade, como foi ob-servado na seção anterior.

“O amor ao próximo se pode sentir por várias pessoas, é ajudar uns aos outros. A amizade já é mais específica... A amizade verdadeira é sem interesse. Um amigo sabe ajudar na hora que você precisa dele, te apóia na hora triste, te ensina o que sabe de bom... Se o amigo

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fizer alguma coisa errada, você tem que chegar, conversar, mostrar o que está errado.”

(Jovens)

Os entrevistados acreditam que nos dias de hoje é mais difícil encontrar essas demonstrações de amor aos outros. O acelerado ritmo de vida, as pre-ocupações com seus próprios problemas, o dispêndio de tempo e de energia para suprir as próprias necessidades conduzem a um maior individualismo, levam as pessoas a adotarem uma atitude mais “egoísta”.

Embora muitos atribuam esse individualismo aos outros, alguns dos participantes das reuniões reconheceram encontrar dificuldades em pres-tar ajuda a desconhecidos ou mesmo a pessoas com quem tenham algum relacionamento.

“Hoje as pessoas estão muito ocupadas, estão mais gananciosas, pensam mais em si mesmas. As mulheres têm que trabalhar, todo mundo está na luta, não têm muito tempo para pensar nos outros.”

(Cônjuges)

“Não é muito fácil ficar ajudando os outros. Eu não vou sair do meu caminho para procurar alguém que esteja precisando de ajuda... Ouvir um desconhecido é muito difícil. O cara está lá, debaixo de uma mar-quise... você vai parar para ouvir? É muito difícil!”

(Comerciários, 25/40 anos)

O clima de insegurança e de desconfiança que paira sobre a cidade é outro fator que dificulta o exercício da solidariedade.

“Outro dia fui ajudar uma senhora, que estava carregando umas sa-colas de compras, muito pesadas. Ela fez cara feia, não deixou que eu ajudasse. Pensou que eu fosse roubar.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

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Orespeitoaopróximo

O respeito ao próximo se situa, no quadro de referências da clientela do SESC Madureira, no mesmo plano do amor ao próximo. E, assim como aquele, é um valor indispensável ao bom convívio entre as pessoas e entre os segmentos da sociedade.

As definições do que seja respeitar o próximo são um pouco diferentes entre os grupos, variando segundo a idade dos entrevistados. Para os mais velhos, o conceito é mais tradicional e se baseia principalmente no respeito dos filhos pelos pais e dos mais novos pelos de mais idade.

“É o respeito que eu tinha pelos meus pais... Nunca disse um palavrão na frente deles... Para eu obedecer, nem precisava eles falarem. Era só um olhar e a gente já sabia o que era para fazer.”

(Idosos)

Para os grupos de 40 anos e mais, predomina no conceito sua face legal, em que o princípio fundamental é o de que “o meu direito termina onde começa o direito dos outros”.

“Respeitar as pessoas, os espaços delas, seus direitos. Às vezes, as pessoas gostam do que eu não gosto. Eu tenho que respeitar... Existem regras que regem as relações na sociedade. Se as regras forem infringidas, alguém está sendo desrespeitado.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

Os grupos concordam que nem sempre as pessoas respeitam o direito alheio, o que causa desentendimentos, podendo levar até a conseqüências mais graves.

“Tem gente que não respeita o outro. Um quer o azul, o outro quer o vermelho. Aí, acabam brigando.”

(Comerciárias, 40 anos e mais)

Entre os mais jovens, o respeito ao próximo tem um sentido mais amplo e mais moderno. Inclui a questão do respeito pelas minorias e pelos desiguais e,

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ainda, o modo como as pessoas se relacionam, incluindo os gestos de gentileza e a maneira de se relacionar com os estranhos.

Nesses grupos, as discussões sobre esse tema são mais francas e mais abertas, com muitos dos entrevistados admitindo que, apesar dos avanços, o precon-ceito ainda tem presença muito forte em nossa cultura.

“Pedir licença para passar, ceder o lugar em um ônibus... A gente está perdendo esses valores, esses hábitos... Os jovens olham para os idosos com cara de nojo. É triste, porque todos vamos chegar lá...”

(Cônjuges)

“O ser humano está sempre julgando os outros, se achando superior... Algumas coisas são fáceis na teoria, mas na prática ficam mais difíceis. Acho que o racismo é assim. Na prática, as pessoas acham difícil aceitar uma filha sua namorando um negro...”

(Comerciárias, 25/40 anos)

“O preconceito é muito forte em nossa cultura. O preconceito de cor ou contra as preferências sexuais, ou o preconceito com os deficientes... Hoje em dia já se conversa abertamente sobre isso, mas ainda é uma luta pes-soal para aceitar e conviver com as diferenças.”

(Comerciários, 25/40 anos)

Aauto-estimaouorespeitoasimesmo

Este valor foi mencionado apenas pelos grupos de jovens, os dois grupos de comerciários de 25/40 anos e o de comerciários do sexo masculino de 40 anos e mais.

O respeito a si mesmo guarda estreita relação com o respeito ao próximo. Am-bos são entendidos como expressões da dignidade do ser humano.

O respeito a si mesmo é condição decisiva para que se respeite o outro, a partir da própria valorização individual como ser humano e da observância do seguinte princípio: cada um deve ter entre seus objetivos de vida o constante auto-aperfeiçoamento.

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Implica a permanente preocupação de se impor limites e de não ceder às tentações de ganhos fáceis ou moralmente condenáveis. Respeitar o próprio corpo e respeitar suas próprias convicções. Valorizar suas qualidades e lutar contra seus defeitos. Desenvolver a auto-estima.

“A auto-estima é muito importante. A pessoa tem que gostar de si mes-ma. Assim como você quer o melhor para seus filhos, deve querer o me-lhor para si mesmo... Ser melhor só depende de você... Se você às vezes se sacrifica pelos outros, por que não pode se sacrificar por si mesmo?”

(Comerciários, 25/40 anos)

“Eu tenho respeito por mim mesma. Fico orgulhosa quando eu vejo que consegui educar meus filhos sozinha, com todas as dificuldades e sem perder a dignidade... Se você não se amar, não tem condições de amar os outros, de passar o amor para os outros.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

O grupo de comerciários de 40 anos e mais realça a questão da dignidade, que está envolvida com o respeito a si mesmo.

“O respeito começa pela própria pessoa. Cada um tem que manter a sua dignidade, o seu valor moral. Não se pode querer isso dos outros, dos seus filhos, dos seus parentes, se você não tiver em você mesmo.”

O grupo de jovens introduziu nas discussões a questão do direito de cada um em determinadas situações, como, por exemplo, sacrificar sua auto-esti-ma e adotar determinadas posturas, a princípio condenáveis, para atingir um objetivo nobre.

“A auto-estima é respeitar a si mesmo, é não se vender, não vender o próprio corpo... Mas se uma garota tem filhos para sustentar e se torna uma garota de programa, a gente compreende e até aceita... É a única maneira que ela conseguiu para poder criar os filhos.”

(Jovens)

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Para os adolescentes uma garota de programa é mais digna e menos pre-judicial à sociedade do que um político corrupto, como observado na seção anterior.

“A garota de programa não está fazendo mal a ninguém. É um pro-blema dela, que a gente tem que respeitar... O político corrupto está roubando os pobres. Está prejudicando o país, enriquecendo à custa da miséria dos outros.”

(Jovens)

Essa questão, levada para discussão nos grupos subseqüentes, obteve o mes-mo tipo de avaliação por parte dos demais clientes do SESC, sinalizando mu-danças que, provavelmente, estarão ocorrendo no quadro de valores morais e éticos da sociedade brasileira.

AreligiãoouotemoraDeus

A religião, como valor determinante para a condução de uma vida ética e moralmente correta, surgiu em apenas quatro grupos: dos idosos, dos comer-ciários de ambos os sexos com 40 anos e mais, e dos cônjuges de comerciários. Os demais segmentos de clientes do SESC, compostos por pessoas mais jo-vens, não tocaram no assunto.

A religião desempenha um papel semelhante ao da família na definição de regras de comportamento, no estabelecimento de valores, na fixação de nor-mas de conduta. Mas, ao contrário da família, que atua e produz seus re-sultados no inter-relacionamento dos membros do grupo familiar, a ação da religião parece se processar em termos individuais.

É dogmática e impositiva. Seus ensinamentos já estão prontos, enquanto os da família são variáveis e se produzem através de um processo vivo e dinâmico.

O temor a Deus é visto como elemento de grande importância para a for-mação do caráter e para o exercício do respeito ao próximo. Ao falarem do pa-pel da religião, os entrevistados usam termos como bem, bondade, coisas boas.

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“Está faltando o temor a Deus, o respeito, o amor ao próximo. As pessoas não têm mais a religião, a criação dos filhos é muito errada... Deus traz tudo, me dá tudo. Com a religião, a pessoa se transforma, é tocada no coração... A gente procura fazer as coisas boas.”

(Idosos)

“A religião traz paz de espírito... Nos dá a consciência do que é certo e do que é errado... Bota o nosso pensamento no bem, ensina a não des-viar, fazer as coisas certas, como o Pai nos ensinou.”

(Cônjuges)

4.3 Valores individuais (pesquisa induzida)

Além dos valores surgidos espontaneamente durante as reuniões dos grupos, a pesquisa propôs o exame de três outros valores, visando atender a objetivos específicos do presente estudo:

1. Competitividade.2. Sucesso.3. Fracasso.

Competitividade

A competitividade é um valor de forte presença na vida da clientela do SESC Madureira. Está presente em praticamente todas as atividades desempenhadas no dia-a-dia dos entrevistados: no trabalho, na escola, no esporte, no relacio-namento com vizinhos e amigos.

De acordo com os depoimentos e comentários colhidos durante as discus-sões, a competitividade é elemento inerente à natureza humana, tão natural quanto comer, dormir ou conversar.

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“As pessoas estão sempre olhando as outras, se comparando com as ou-tras. Em todo lugar é assim... Tem sempre alguém querendo ser melhor que você, alguém querendo ter mais que você.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

Para todos os grupos, a competitividade tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom é o estímulo ao aprimoramento quando se está competindo. Para vencer o outro é preciso ser melhor, se superar para poder superar o concor-rente. O lado ruim é dado pelo recurso a procedimentos ilícitos, à deslealda-de, para conseguir vencer a qualquer custo.

Ambos os lados, o ruim e o bom, estão presentes quase sempre que há com-petição.

“A competitividade é terrível, mas é estimulante... Tem os dois lados: a competição saudável estimula a pessoa a desenvolver seu potencial, a querer ser o melhor. E tem o lado do jogo sujo, com um querendo pisar no outro, querendo tirar o tapete do outro.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

No grupo de comerciárias de 25/40 anos surgiu a questão do medo da com-petição, que teria efeitos danosos.

“Se você não entra na competição, você se reprime, se desvaloriza. É muito difícil aceitar o mau comportamento dos colegas. Mas se você fugir da competição, quem é prejudicado é você.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

Os jovens encontram satisfação especial em ser os vencedores em uma com-petição. Mas ressalvam que a vitória só deve ser alcançada através de meios lícitos. Essa observação apareceu em todos os grupos, denunciando que a des-lealdade é muito comum na competitividade, embora “nunca” seja praticada pelos entrevistados.

“A gente quer ganhar, quer ser melhor que os outros... Quem ganha fica feliz... O melhor é saber tirar proveito, quando a gente perde. Saber por

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que eu perdi e saber o que devo fazer para ganhar, da próxima vez... Mas sem queimar o filme de ninguém... Subir na vida sem usar nin-guém como escada.”

(Jovens)

Nas relações de trabalho, a competitividade é um fato corriqueiro e es-timulado pelo patrão, que procura mais produtividade. Por outro lado, também é buscada pelos profissionais, que querem sobressair aos colegas e competidores.

“A competitividade é boa. Ajuda no meu desenvolvimento. Cada um querendo fazer melhor que o outro... A gente procura aprender mais, compra revistas, livros, para poder fazer o trabalho melhor... No meu ramo de trabalho, eu tenho que ser o melhor, me atualizar. Se não, acabo ficando para trás.”

(Comerciários, 25/40 anos)

“Tem cara que faz qualquer coisa, te atropela para ganhar, para passar a tua frente.”

(Comerciários, 25/40 anos)

Os grupos concordam em que a cooperação e a competitividade podem conviver em uma mesma situação. Entendem que, apesar de cada indivíduo querer se destacar em determinado grupo que busque um objetivo comum, o sucesso de cada um só é conseguido se o grupo alcançar a meta proposta. Em casos como esse, a cooperação é elemento imprescindível, mas não elimina a competitividade.

“No esporte existe competição e colaboração. Você coopera com os com-panheiros porque faz parte de uma equipe. Mas você e os companheiros vão querer dar o melhor de si, cada um querendo ser o melhor do time. Isso é normal, desde que não seja doentio.”

(Cônjuges)

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“No trabalho, tem que existir a cooperação. Se não tiver cooperação, nada vai funcionar direito. Eu posso querer ser melhor do que os outros e luto para isso, mas todo mundo ajuda todo mundo, para poder fazer as coisas direito.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

Osucesso

O sucesso encontra uma definição relativamente simples em todos os grupos pesquisados. Sucesso é alcançar um objetivo, é realizar um sonho.

De acordo com a clientela do SESC Madureira, o caminho em direção ao sucesso tem duas vertentes: o sucesso material, obtido por meio da posse e aquisição de bens materiais; e o sucesso espiritual, o qual se atinge por meio da realização de objetivos não-materiais.

Para o grupo da terceira idade, o sucesso nunca deve ter objetivos materiais. Como estes são difíceis de serem conseguidos, quem tem como meta chegar à posse de bens materiais corre o grande risco de se sentir frustrado e incapaz.

“Tem gente que quer ter uma mansão, muitos carros, jóias, essas coisas. Aí, não conseguem e ficam frustrados, amargurados... Sucesso é ter uma família organizada, poder dar uma boa educação para os filhos.”

(Idosos)

Já para o grupo de jovens, o componente material do sucesso é bem mais forte, ainda que as realizações pessoais também sejam destacadas pelos adolescentes.

“Sucesso é subir na vida... Aparecer na televisão... Ter sucesso no skate...”

Mas é também:

“Realizar os sonhos, sentir-se completo, satisfeito consigo mesmo, se destacar por seus méritos e não por oportunismo... Não ser uma

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Darlene (personagem da novela Celebridades), que quer aparecer de qualquer forma.”

(Jovens)

A referência à família organizada e à boa educação dos filhos é um fator constante nos grupos de adultos. O sucesso, assim, é projetado nos filhos e se autojustifica pela constatação da capacidade de formar boas pessoas, tarefa difícil em um mundo cheio de problemas como é o de nossos dias. Mas o sucesso material também tem seu espaço nesses grupos de adultos.

“Ter um ideal, vencer na vida... Adquirir os bens materiais que deseja... Eu comecei a trabalhar com 14 anos de idade. Meu sonho era ter uma casa própria, e eu consegui. Para mim, eu tive sucesso... Eu acho que é ver seus filhos com saúde, bem formados, subindo na vida.”

(Comerciárias, 40 anos e mais)

“Sucesso é ter minha geladeira cheia. Fico feliz, porque minha filha tem o que comer, porque eu consegui isso com o meu trabalho.”

(Comerciárias, 25/40 anos)

Os comerciários de 25/40 anos acrescentam mais um item, o da realização profissional, o reconhecimento pelos outros de sua capacidade e de suas qua-lidades pessoais.

“Os elogios, ser reconhecido por muita gente como sendo uma boa pessoa... Ter sucesso profissional e amoroso... Alcançar a parte finan-ceira... Minha família, minha mãe, meus filhos, meus irmãos. Todos unidos, dando suporte uns aos outros. Se eu tivesse muita grana e não tivesse minha família, não teria alcançado o sucesso.”

(Comerciários, 25/40 anos)

O sintoma de que o sucesso foi alcançado é uma sensação de paz interior, de tranqüilidade, o sentimento de ter cumprido sua missão.

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“Tranqüilidade. Cada objetivo que se consegue é um prazer que se tem na vida.”

(Cônjuges)

“A paz, a tranqüilidade... A certeza de que você fez o que deveria ter feito... Que você cumpriu suas responsabilidades com a família, com o trabalho.”

(Vários grupos)

Ofracasso

Para a clientela do SESC Madureira, o fracasso não é apenas uma antítese do sucesso. O conceito de fracasso tem uma parte que corresponde à não-ob-tenção do sucesso, mas é mais do que isso.

Para os comerciários ouvidos pela pesquisa, se chega ao fracasso quando se perde a capacidade de lutar, quando se desiste de brigar pelos objetivos, quan-do não restam mais perspectivas nem esperanças na vida.

“Tirar nota baixa na prova não é fracasso, é um erro. Fracasso é coisa bem mais séria... É quando a pessoa se acha impossibilitada de vencer desafios... Quando desiste dos objetivos... Quando perde a capacidade de lutar.”

(Jovens)

“Fracasso é quando você não tem mais vontade de lutar... Quando você perde a esperança.”

(Idosos)

Assim como acontece em relação ao sucesso, a família, mais especificamente a desestruturação do grupo familiar e a perda do amor dos parentes mais pró-ximos são referenciais expressivos para determinar ou não o fracasso.

“Se eu me separasse de minha família, de minhas filhas, se eu ficasse sozinha, eu teria fracassado.”

(Comerciárias, 40 anos e mais)

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“Quando se perde a família e o emprego ao mesmo tempo é o fracasso. Se perde a família, o emprego segura. E vice-versa. Mas se perder os dois... Perdeu tudo... Mas não pode perder a auto-estima, a esperança, a capacidade de sonhar.”

(Comerciários, 25/40 anos)

Os sentimentos produzidos pelo fracasso são a impotência, o vazio na alma e a morte em vida.

“O sentimento é de vazio, uma sensação de morte... É a desistência da vida.”

(Jovens)

“É o vazio... A desesperança... A morte... O sentimento de impotência, de que não é mais capaz de viver.”

(Vários grupos)

4.4 A formação de valores e o papel do SESC

Na maioria dos grupos de entrevistados, o SESC é muito comumente des-crito como sendo uma “extensão da família”.

Tal como o grupo familiar, oferece proteção física a seus membros e propicia o estabelecimento de amizades profundas e um relacionamento de solidarie-dade entre seus freqüentadores.

“O nosso grupo de carteado é mais do que uma amizade. É uma exten-são da família.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

Nos dias de violência e insegurança em que vivemos, o SESC Madureira aparece como um lugar seguro onde os pais podem deixar seus filhos, que pode ser freqüentado em um ambiente de paz, segurança e tranqüilidade.

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Um elemento central é que, no entender de alguns entrevistados, o SESC desempenha um importante papel na diminuição das desigualdades sociais e de renda que se encontram na sociedade, proporcionando acesso a determi-nados bens e serviços: hidroginástica, musculação, cursos, shows etc. Estes últimos, de outra maneira, seriam proibitivos a muitos de seus clientes. Na provisão destes serviços, tomados como fator de redução de desigualdades, os entrevistados identificam a vocação do SESC como um “serviço social” com função clara.

“Tem gente que aqui, no SESC, consegue fazer coisas que só sabia que existiam porque viam na televisão. Mesmo cobrando, os preços são bai-xos, estão ao alcance de qualquer pessoa.”

(Comerciários, 25/40 anos) O SESC é reconhecido por seus clientes por oferecer uma vasta gama de

atividades, todas úteis e adequadas às diferentes faixas etárias e aos distintos interesses.

Os clientes do SESC afirmam, de modo geral, receber dos funcionários e prestadores de serviços um atendimento educado e respeitoso, não tendo sido registradas queixas mais sérias a respeito desse item.

Em relação aos valores abordados pela pesquisa, os entrevistados dizem perce-ber no desempenho das atividades da entidade elementos que, de alguma forma, contribuem para fortalecer alguns desses valores junto a seus freqüentadores.

Foram mencionados os valores família, solidariedade, respeito ao próximo e competitividade.

O valor família está presente no próprio ambiente do SESC Madureira, que propicia relações interpessoais que se aproximam das existentes no grupo familiar.

O ambiente é notado, principalmente, pelos freqüentadores de mais idade e que dispõem de mais tempo para freqüentar a entidade. Eles possuem, assim, maiores oportunidades para estabelecer laços mais fortes com outros freqüen-tadores de igual condição.

Porém, essas pessoas assinalam que o SESC, nesse sentido, não toma atual-mente iniciativas, ao contrário do que acontecia no passado, quando assisten-tes sociais promoviam o entrosamento entre os diversos públicos.

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Hoje, a iniciativa cabe aos próprios freqüentadores que se organizam em “grupinhos”, com relativamente poucos contatos com as demais pessoas.

“Antigamente, quando você chegava pela primeira vez, era recebido pela assistente social que te mostrava tudo, te apresentava às outras pessoas. Você ficava logo enturmado. Hoje, cada um que trate de si... Chegou uma senhora, ela nem sabia onde trocar a roupa. Quem é da hidrogi-nástica chega, faz sua aula e vai embora.”

(Idosos)

Outras medidas, mais ou menos recentes, também contribuíram para dimi-nuir o relacionamento entre pessoas de diferentes idades.

“Nós tínhamos a sala de jogos, que era freqüentada por gente de todas as idades. Tinha pingue-pongue, sinuca, carteado. Todo mundo se co-nhecia. Tudo isso acabou. Nosso grupo de carteado tem que chegar cedo e conseguir uma mesa na lanchonete, para poder jogar.”

(Comerciários, 40 anos e mais)

A solidariedade também é estimulada, mas por iniciativas particulares. Al-gumas pessoas se organizam para promover grupos de ajuda a terceiros, dando continuidade ao que antes era promovido pela direção do SESC.

“Nós tínhamos um ‘Grupo de Solidariedade’ todas as quintas-feiras. Comprávamos coisas, íamos ao asilo, levávamos o nosso coral. Era a maior festa. Agora, mudou a estrutura, isso se acabou.”

(Idosos)

A competitividade, exercida em suas formas mais sadias, é praticada na-turalmente nas diversas modalidades esportivas postas à disposição dos fre-qüentadores. Os professores e monitores dão boa orientação e estimulam a colaboração ao lado da competição própria do esporte.

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“A gente joga futebol de salão, o ambiente é muito bom. É claro que tem competição, todo mundo quer ganhar. Mas é tudo na amizade, sem brigas, sem problemas.”

(Comerciários, 25/40 anos)

Do mesmo modo, o respeito ao próximo é passado pelo comportamento de funcionários e prestadores de serviços, sempre com atitudes respeitosas para com todos os freqüentadores.

4.4.1 Decodificando as demandas dos entrevistados em relação aos serviços ofertados pela unidade de Madureira

Apesar de não constar entre os seus objetivos centrais, a presente pesquisa registrou opiniões e manifestações sobre o atual sistema de prestação de servi-ços da unidade em Madureira. Deve-se lembrar que, em termos metodológi-cos, o desenvolvimento do presente estudo não indagou sobre as percepções dos clientes sobre a qualidade dos serviços ofertados pela unidade.

No entanto, foi a partir de opiniões dos participantes sobre a qualidade dos serviços que se tornou possível extrair elementos que permitem decodifi-car alguns determinantes sobre o papel do SESC na formação de valores dos entrevistados. Portanto, as citações de algumas opiniões não implicam neces-sariamente um juízo de valor sobre os serviços, e, sim, como eles podem ser interpretados à luz do objeto da pesquisa: a formação de valores da clientela do SESC.

Do lado dos benefícios está principalmente a profissionalização dos profes-sores, instrutores e monitores. Segundo as opiniões de um grupo de discussão, são profissionais capacitados, que prestam não somente serviços de boa quali-dade, mas também influenciam no processo educacional.

“Alguns professores são maravilhosos. O Nei é mais que um professor; é uma lição de vida.”

(Comerciárias, 40 anos e mais.)

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Nesse sentido, o SESC é considerado como uma extensão familiar e da es-cola na sua função educacional.

Um segundo fator relevante, anteriormente mencionado, é a redução de desigualdades sociais no país, no que tange ao acesso a certos serviços, como: saúde, cultura, lazer ou a própria educação.

“O dentista é muito bom e é barato. É o único lugar em que eu posso pagar um tratamento dentário.”

(Cônjuge)

Porém, a percepção dos entrevistados apresenta elementos heterogêneos: de um lado, a redução de desigualdades e o acesso a serviços básicos; do outro, um efeito “demonstração de consumo”. No SESC, muitos entrevistados en-contram bens de consumo que somente podiam observar na televisão e em revistas das classes privilegiadas.

Dessa forma, o SESC contribui, ainda que parcialmente, na satisfação de as-pirações individuais que respondem a padrões de consumo amplamente disse-minados pelos meios de comunicação de massa e que configuram estereótipos de “estilos de vida”.

Em geral, com exceção de alguns casos muito isolados, existe um amplo re-conhecimento da qualidade dos profissionais, do nível de segurança oferecida nas instalações, e dos próprios serviços, no que diz respeito à variedade e à qualidade.

No entanto, uma leitura atenta revela algumas insatisfações dos entrevista-dos com o papel do SESC na formação de valores sociais a partir, principal-mente, de duas matrizes estreitamente inter-relacionadas: a percepção de um processo de terceirização dos serviços e a redução do espaço público.

Sob a ótica do papel do SESC na formação de valores sociais, os clientes pensam que a terceirização dos serviços, ao lado de alguns benefícios, trou-xe desvantagens para a clientela. Algumas opiniões proporcionam conceitos muito importantes na relação entre a terceirização e a redução “do público”.

Em primeiro lugar, “tudo agora é pago”. Embora alguns serviços sejam mais baratos do que outros cobrados “lá fora”, determinadas atividades ficam fora do alcance das pessoas de menor renda.

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“Tinha hidromassagem, sauna. Agora está para o lado financeiro. Ter-ceirizaram a musculação, tiraram a sauna, acabaram com os bailes, que eram de graça.”

(Comerciários, 25/40 anos)

“A refeição era muita barata e a comida era boa. Antigamente, o pessoal do comércio do bairro vinha comer aqui. O restaurante tinha nutricio-nistas competentes. Mandaram embora, eu fiquei decepcionada.”

(Vários grupos)

A última citação é crucial para entender:

a) a percepção de que, com o processo de terceirização, verifica-se um processo de privatização de um espaço tradicionalmente considerado pú-blico porque o acesso a ele era gratuito ou muito barato;

b) a percepção de que, com a introdução de uma lógica mercantil (cons-tatada no aumento de preços), a qualidade do serviço piorou em vez de melhorar; e

c) o efeito pernicioso de todo este processo, que consiste na redução do restaurante como espaço público: “o pessoal do bairro vinha comer aqui” – agora não vem mais.

Em segundo lugar, outro problema é o da ausência de um serviço de emer-gência que atenda os freqüentadores do SESC em eventuais situações de risco. Nesta percepção existe mais uma vez justaposição entre os objetivos do SESC e a necessidade de um espaço público com a função de reduzir vulnerabilida-des – redução que é função do Estado. Por exemplo, o serviço de médico para atender a acidentes e a casos de urgência, por órgãos públicos.

“Não tem médico para os casos de emergência. Se acontecer um aciden-te, quem é que vai se responsabilizar?”

(Vários grupos)

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A percepção do SESC como espaço público e, mais do que isso, como espaço estatal, é tão aprofundada que, em um dos grupos de discussão, uma entrevistada chegou a afirmar: “antes era o Estado, mas agora é um tal de SESC”.

Finalmente, o processo de terceirização é acusado, ainda, de ter tornado impessoais as relações entre o SESC e sua clientela. E de estar discriminando os freqüentadores, agindo em sentido contrário ao da diminuição das desi-gualdades em seu interior, o que sempre caracterizou a entidade.

“Com a terceirização, os professores são eficientes, mas o tratamento mudou. Chegou, faz a aula; acabou, vai embora.”

(Cônjuges)

Também se verifica um maior aprofundamento de desigualdades com a cris-talização de fragmentações sociais:

“Meu filho foi para a colônia de férias. Cada atividade era paga separa-damente. Então algumas crianças podiam fazer algumas coisas e outras mais pobres ficavam olhando.”

(Comerciários, 25/40 anos)

A erosão de um ambiente adequado para o aumento de relações inter-pessoais entre clientes e funcionários – atribuída ao processo de terceiri-zação e à redução do espaço público (conseqüência desse processo) – faz com que algumas pessoas percebam o SESC como um mero “balcão de serviços”.

A presente subseção mostrou, a partir das demandas dos entrevistados, que a expectativa da clientela é que o SESC ajude na formação de valores sociais e individuais em praticamente todas as áreas: na educação, nos esportes, na cul-tura e na diminuição de desigualdades sociais e vulnerabilidades constatadas na sociedade em geral.

Como pano de fundo, o que a clientela do SESC pretende é a promoção de um espaço público e maior interação social, ambos os elementos dramati-camente reduzidos ou transformados pelas novas condições socioeconômicas ainda em fase de transição da sociedade brasileira.

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A próxima seção concentrará os esforços para estabelecer alguns critérios que podem ser úteis na interpretação das formas pelas quais se absorvem e funcionam efetivamente esses valores, além de apresentar as principais con-clusões e sugestões derivadas da presente pesquisa.

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5. O SESC e a demanda por maior interação social como forma de contribuição do aumento do capital social. Conclusões e recomendações

A seção anterior mapeou as principais conclusões dos participantes dos gru-pos de discussão. Como pôde ser observado, foram levantadas diversas ques-tões sobre três aspectos principais: valores sociais, individuais e o papel do SESC na formação desses valores.

Nas últimas páginas, pretende-se levantar algumas questões heurísticas de-rivadas das discussões dos grupos e descritas na seção anterior, com o objetivo de compreender o papel que o SESC – instituição cujo interesse é oferecer um conjunto de serviços na área social para os trabalhadores do comércio – pode desempenhar na formação e estruturação de valores sociais e individuais. Esta interpretação não pode ser feita ignorando-se as condições socioeconômicas do Brasil, assim como as mudanças experimentadas pelo país desde o retorno do sistema democrático.

Uma primeira conclusão consiste em que os entrevistados enfrentam atitu-des, aspirações sociais e valores individuais, na maior parte das vezes, contra-ditórios. Contradições entre valores tradicionais longamente sedimentados e valores que começam a emergir das novas condições socioeconômicas que o país enfrenta.

Em termos materiais, as pessoas se deparam com uma realidade econômica difícil, que provoca um conjunto de incertezas. Elas dizem respeito ao traba-lho, à família e ao conjunto de acessos a serviços que ajudem a expandir possi-bilidades e alternativas de desenvolvimento pessoal e de inserção na sociedade à qual os indivíduos pertencem.

Em termos culturais, também existem grandes mudanças. Com efeito, a globalização das sociedades e das economias produziu enormes conseqüên-cias no campo da cultura, com a crescente influência da mídia e de outros meios de comunicação. O acúmulo de informações e a disseminação de padrões de vida muitas vezes inatingíveis por grandes segmentos da popula-ção são percebidos como elementos que introduzem conflitos no ambiente familiar.

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Conflitos que em alguns casos são gerados pela impossibilidade material de alcançar certos padrões de vida e de consumo e, em outros casos, pelo próprio processo de mudança de valores contemporâneos, em substituição aos valores tradicionais. Os conflitos operam de forma eficaz na alteração de comporta-mentos individuais e nas relações interpessoais no interior do núcleo familiar e nas próprias relações sociais dos indivíduos.

Em termos sociais, sem dúvida nenhuma, a mudança mais relevante é a redução dos espaços públicos ou, no mínimo, na redefinição da natureza dos mesmos. Anteriormente, a percepção das pessoas sobre os espaços públicos sofria uma forte influência da presença do Estado.

O “público” e o “estatal” se confundiam como espaços de interação social onde demandas individuais e tópicas de toda espécie eram satis-feitas ou, pelo menos, intermediadas. Somente dessa maneira pode-se entender o tão disseminado “paternalismo” de Estado, que nada mais é do que a ampla intervenção estatal nas mais diversas esferas da interação individual.

A redefinição do espaço público não é uma tarefa intelectual restrita a alguns círculos, mas, principalmente, uma tarefa coletiva em que o pro-cesso de formação de valores sociais é gradativo e exige comportamentos individuais adaptáveis à nova realidade socioeconômica e cultural. No en-tanto, esses comportamentos adaptáveis não podem ser passivos ou, sim-plesmente, reativos.

Qualquer processo de adaptação bem-sucedido requer assimilação e ab-sorção crítica das novas condições que uma sociedade enfrenta. Somente assim é possível, em um primeiro momento, decodificar de forma inte-ligente as novas condições para, em um segundo instante, alcançar uma efetiva capacidade transformadora da aparente redução dos espaços pú-blicos. Nesse sentido reside a importância crucial da educação e de seus conteúdos.

Finalmente, em termos políticos, o desencanto cada vez maior com os incipientes regimes democráticos em nossa região guarda estreita rela-ção com as transformações, ainda em fase de transição, mencionadas nos âmbitos econômico, cultural e social. Insegurança econômica, influência exacerbada da mídia, desestruturação de valores sociais tradicionais e re-definição/redução dos espaços públicos para uma maior interação social

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levam as pessoas a um maior ceticismo com o mundo da política e de seus agentes: os políticos.

Ironicamente, os regimes democráticos estão em questão. De forma irô-nica porque justamente é na democracia que as possibilidades de partici-pação cidadã são bem maiores. No entanto, parece existir um descompasso entre as possibilidades oferecidas pela democracia, por um lado, e a esfera econômica, as aspirações sociais e os valores, por outro.

Sob esse aspecto, é possível existir ainda um forte conflito entre os valores que o “paternalismo do Estado” incentiva e a necessidade de “participação” que a democracia requer. A resolução do conflito pode se converter em um fator de solução para o descompasso anteriormente mencionado.

A recuperação do espaço público, sob a ótica da nova realidade socioe-conômica em que vive o país, implica, como afirmado anteriormente, a redefinição deste espaço a partir das funções que a nova realidade exige. A afirmação é válida não apenas para os âmbitos estatais e políticos, mas também para o papel do SESC e de outras instituições semelhantes nesta redefinição.

As funções e os requisitos desse novo conceito do espaço público, que vai de encontro aos novos valores sociais e individuais que emergem, pre-cisam articular entre si os contextos econômico e social. Em síntese, os valores sociais tradicionais podem estar criando obstáculos à percepção de novas alternativas de rearticulações sociais que permitam a redefinição dos diversos espaços públicos, ao invés de predominar a percepção de redução e erosão inevitáveis de um espaço público entendido de forma tradicional. Para atingir uma nova percepção desses espaços é de vital importância entender a forma pela qual os indivíduos – neste caso espe-cífico, os entrevistados dos grupos de discussão – estão assimilando os novos recortes da realidade e processando em conseqüência novos valores sociais e individuais em formação.

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5.1 A presença de ‘contravalores’ como mecanismo privilegiado de absorção de valores sociais e individuais

Ao longo da realização da dinâmica de, absolutamente, todos os grupos de discussão, os conceitos de família, solidariedade, respeito por si mesmo e pelos outros, superação profissional, sucesso, fracasso, amor e fé religiosa, e, até, a competitividade e a concorrência foram reafirmados como princí-pios abstratos que orientam e balizam as vidas dos entrevistados.

Todos os conceitos estão presentes na vida das pessoas, como regras gerais de validação social a longo prazo, e, não necessariamente, como valores que operam de imediato. A família, por exemplo, é reconhecida como núcleo fundamental e alicerce da sociedade. Mas quando incentivados a emitir opinião sobre as funções centrais da família, os entrevistados preocupam-se com as agressões cotidianas do mundo “de fora”, principalmente com os efeitos nocivos da mídia que provocam conflitos intrafamiliares. Assim, mais do que o ensino e a transferência de valores aos filhos, a família pre-cisa administrar os conflitos derivados do mundo “de fora”, cada vez mais agressivo.

Novamente, no mundo do trabalho aparece a dicotomia entre valores abs-tratos e contravalores específicos. A competitividade e a concorrência apa-recem ao longo dos grupos de discussão como valores abstratos que servem não somente como regras de superação pessoal, mas também como reconhe-cimento da cooperação entre as pessoas para que as tarefas sejam mais bem desempenhadas. No entanto, a deslealdade no trabalho, ou, como se diz, “pu-xar o tapete”, influencia de forma mais agressiva do que os princípios gerais acima citados.

Com efeito, as pessoas entrevistadas estão mais preocupadas com formas de competição e concorrência desleais que trazem maiores níveis de incerteza no que diz respeito à perda do emprego.

Uma segunda questão importante no quesito competição/concorrência pode funcionar como uma perda de liberdade para o indivíduo, se os valores forem exclusivamente identificados a partir de uma ótica estática. Diversos autores chamam a atenção para o aumento do estresse dos indivíduos como uma das principais conseqüências de se assumir a concorrência, simplesmente

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com o objetivo único de aumentar a produtividade. É preciso adotar uma ótica dinâmica e de longo prazo, onde concorrência e competitividade sejam associadas a valores tais como superação profissional e desenvolvimento de capacidades individuais no posto de trabalho.

O desenvolvimento dessas capacidades fará com que os indivíduos adqui-ram, ao longo do tempo, um grau maior de autonomia e, portanto, de mais domínio das diversas funções a serem desempenhadas no trabalho. Autono-mia não vinculada somente ao mundo do trabalho, mas que se estenderá por todas as esferas da vida dos seres humanos.

A associação mencionada no parágrafo anterior apenas será alcançada se for criado um ambiente de certeza e de longo prazo. É preciso separar a compe-titividade e a concorrência, sob risco de instabilidade ou perda do emprego – ou seja, transformar esses valores que constituem uma ameaça constante e permanente aos indivíduos.

Finalmente, os valores como solidariedade e respeito ao próximo, ampla-mente aceitos pelos entrevistados, são também obscurecidos pelos contrava-lores cujas origens podem ser encontradas na violência das grandes cidades brasileiras, nas diferenças entre os cidadãos. Por exemplo, existem pessoas que não praticam a solidariedade com outras pessoas por medo de algum tipo de violência.

5.2 O SESC e a formação do capital social

Conforme as seções anteriores, os entrevistados demandam do SESC a ne-cessidade de construção de um espaço público onde a interação social, seria-mente restrita nos últimos anos a determinados ambientes institucionais, seja restabelecida. No entanto, também se observou que grande parte das tarefas não mais desempenhadas pelo Estado são confundidas, muitas vezes, com o papel e a vocação do SESC.

O presente trabalho – a partir de uma análise das principais conclusões extraídas dos grupos de discussão e das principais características socioeconô-micas da nova realidade brasileira – pretende propor a reavaliação do papel do SESC, levando em consideração a necessidade de reestruturar um espaço

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público e a forte influência da instituição na formação e divulgação de valores sociais.

Em primeiro lugar, dada a nossa compreensão do que hoje, no mundo con-temporâneo, se entende por espaço público, não faz mais sentido visualizar o SESC como uma instituição provedora de serviços públicos, tais como: saúde, educação e até segurança pública. As atividades culturais do SESC, em conjunto com a área de educação, permitem afirmar a necessidade de contribuir com o que o Banco Mundial denominou “capital social para o desenvolvimento”.

“Capital social para o desenvolvimento” é entendido como o conjunto de valores socioculturais orientados à inovação, com o propósito de alcançar efeitos sobre o desenvolvimento econômico e político de uma sociedade. A relevância da cultura sobre valores sociais específicos que permitam atingir o desenvolvimento deixou de ser um tema controvertido nas últimas duas décadas. A questão principal consiste em determinar os modos pelos quais a cultura aumenta o capital social de uma sociedade e, portanto, é capaz de ser um elemento fundamental no desenvolvimento econômico, social e político.

Segundo Rimac e Stulhofer (2003), existem três modelos teóricos para en-tender a relação e a influência do capital social. Cada modelo constitui um conjunto inter-relacionado de valores políticos, econômicos e socioculturais.

O primeiro modelo, chamado de “modelo da mudança pós-materialista”, postula que o desenvolvimento social não é um processo caótico e acidental, mas sim o resultado de uma estrutura de valores específicos (Inglehart, 1��5). Inglehart propõe uma matriz baseada em três sistemas de valores orientados para três dimensões fundamentais da vida social. Os três sistemas de valores são: os tradicionais, os modernos e os pós-modernos. As três dimensões fun-damentais são: as metas sociais fundamentais, os objetivos pessoais e o respei-to à autoridade central (ver Tabela 2).

Conforme pode ser observado na Tabela 2, as sociedades modernas enfati-zam a prosperidade econômica como meta social global e como um objetivo pessoal. No entanto, o mundo pós-moderno, segundo Inglehart, prioriza a autonomia individual das pessoas usando como principal mecanismo o de-senvolvimento dos direitos e liberdades humanas.

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Tabela 2: Sistemas de Valores Sociais

O problema deste modelo é que os conjuntos de valores precisam ser agru-pados em sistemas coerentes, capazes de explicar as mudanças sociais. Portan-to, não existe espaço para valores conflitantes entre si, a não ser como parte de uma transição social. Um segundo problema é que no modelo de Inglehart os valores sociais são simultaneamente causa e efeito do desenvolvimento eco-nômico e político. Em conseqüência, a relação entre os valores sociais e o desenvolvimento de uma sociedade é um problema ainda não resolvido pela proposta de Inglehart.

Finalmente, um terceiro problema consiste na ênfase da proposta nas so-ciedades mais desenvolvidas, deixando de lado a análise de países em vias de desenvolvimento como o Brasil.

O segundo modelo, denominado “modelo de reação situacional”, postula que as especificidades socioculturais são secundárias para explicar a relação entre valores sociais e o desenvolvimento. Neste modelo, os traços sociocultu-rais somente adquirem um papel relevante em termos quantitativos: quanto maior a quantidade de valores sociais coerentes e compatíveis com a realidade socioeconômica, maior será o avanço de uma sociedade.

Nesse arcabouço teórico, não interessam as especificidades próprias do ca-pital social, mas sim a percepção de que as condições econômicas, políticas e sociais (contexto ou situação) determinam os padrões de comportamento e a formação de valores das pessoas. Por exemplo, a conivência com um gran-de número de injustiças, abusos e irregularidades derivados de um processo econômico mal regulado poderá gerar somente a formação de valores como cinismo e oportunismo, que são amplamente dominantes.

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Finalmente, o “modelo do capital social” propriamente dito, cujo principal defensor é Robert Putnam (1��4), representa o modelo mais popular das Ci-ências Sociais nos últimos dez anos. O surgimento desse arcabouço teórico re-side na grande insatisfação da capacidade preditiva (seria produtiva?) dos dois modelos anteriores. Uma série de pesquisas mostra o papel intermediador da cultura no desenvolvimento de uma sociedade. Cultura vista, por um lado, como eixo propulsor do desenvolvimento e, por outro, como uma espécie de trava para o mesmo princípio.

Além das instituições formais, é preciso considerar normas e hábitos co-letivos específicos que podem ser elementos fundamentais para se entender o processo de desenvolvimento. Por exemplo, instituições formais como a democracia e o mercado podem se transformar em instituições promotoras do atraso, caso as normas e os hábitos coletivos sejam incompatíveis com essas instituições, gerando instabilidade política e econômica.

Putnam mostra que, possivelmente, uma matriz cultural propícia é o prin-cipal elemento para o aumento do capital social. Confiança mútua, coope-ração, respeito, entre outros, são os elos de ligação entre os membros de uma comunidade, que permitem o funcionamento melhor da democracia e da própria economia. Hábitos culturais podem produzir riqueza econômica, que, por sua vez, converte-se em mais um fator para o aumento do capital social (ver Figura 1).

Figura 1: Estrutura do Capital Social em Sociedades Democráticas

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O primeiro elemento, confiança, denota a predisposição inicial para a coo-peração entre as pessoas, não somente entre membros da família e conhecidos, mas também entre os colegas de trabalho e outras pessoas mais afastadas do seu círculo social. O segundo elemento, associação/cooperação, torna possível realizar ações coletivas com base em experiências diretas, a partir das vanta-gens da cooperação e do cumprimento de interesses que vão além da ação individual. Finalmente, os padrões de civilidade são os elementos principais do respeito entre as pessoas, do funcionamento da sociedade e da eficácia do sistema de punições e incentivos necessários para regular a ordem social.

A união dos três elementos estruturais do capital social permite dar uma estabilidade maior ao sistema político e uma reinterpretação da imagem da política, tão mal vista pelos entrevistados dos grupos de discussão.

O presente Relatório propõe o modelo do capital social para compreender melhor o novo papel do SESC na formação de valores da sua clientela. Con-forme foi mencionado anteriormente, o contexto socioeconômico do Bra-sil contemporâneo exige a reformulação não apenas do papel de instituições como o SESC, mas também do papel do Estado e do espaço público, recon-figurado e adaptado à nova realidade social.

Três grandes tarefas ou objetivos precisam ser enfrentados por todos os se-tores sociais, com o propósito de aumentar o capital social da sociedade brasi-leira. Em primeiro lugar, aumentar o controle social sobre as esferas públicas e de poder. Este controle social, para ser efetivo, depende de uma compreensão adequada do papel do indivíduo na esfera política, do que se entende por participação política e de uma maior interação social entre os indivíduos par-ticipantes, com o objetivo de discutir e refletir sobre os problemas enfrentados pelo país e suas soluções.

Nesse sentido, o papel do SESC pode ser um fator relevante no aumento da eficácia do controle social, mediante seus programas de educação e cultura. Alguns pontos seriam fundamentais, como, por exemplo, cursos de moral e cívica para crianças e jovens, com o objetivo de ensiná-las a importância das leis. Além do conhecimento da Constituição e da importância do voto, não se deveria esquecer o papel das associações, com o propósito de defender direitos coletivos, entre outros.

Em segundo lugar, o mundo contemporâneo exige uma visão autônoma e de expansão das liberdades do indivíduo, com o objetivo de aumentar o

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capital social. Muitas das atividades do SESC devem ser orientadas para o desenvolvimento das capacidades autônomas nas mais diversas áreas da ação humana. Capacidades entendidas no sentido positivo da palavra, e não no sentido egoísta, ensinando assim que a cooperação não é um valor alternativo ou concorrente da “autonomia”, mas parte integrante da mesma. E, portanto, um fator fundamental para a expansão das liberdades no mundo do trabalho, da família e da vida em sociedade.

Finalmente, em terceiro lugar, o fator mais importante do capital social diz respeito ao aumento do nível educacional da população. Mais uma vez, o SESC pode contribuir para a superação da preocupante situação educacional do país. Como muitos trabalhos demonstram, as pessoas que terminam o Ensino Fundamental saem com muitas deficiências. Falhas que refletem em baixos níveis de produtividade no posto de trabalho, os quais, por sua vez, constituem fator determinante para o baixo nível salarial não somente da po-pulação em geral, mas também dos trabalhadores do comércio.

É importante ressaltar que esta pesquisa não propõe de forma alguma cursos profissionalizantes, já que tal papel é desenvolvido pelo SENAC. A questão suscitada por este trabalho é que o SESC pode contribuir para uma visão mais integral e humanista da educação, difundindo o conceito de que esta não é o acúmulo desintegrado de conhecimento. O SESC deve demonstrar que a educação é uma ferramenta poderosa para entender melhor o mundo, adaptar-se de forma positiva a ele e adquirir uma visão crítica dos principais problemas que enfrenta a sociedade.

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