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XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ)
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Os Limites entre o Pensar e o Fazer dos Futuros Professores de Química na Prática de Ensino
Flaviane Predebon1* (PG) [email protected], Michelle Câmara Pizzato2 (PQ), José Cláudio Del Pino 3 (PQ)
1. Bolsista CAPES - Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde – Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2. Centro Universitário UNIVATES; 3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Palavras Chave: Formação Inicial, Concepções Didáticas, Unidades Didáticas..
RESUMO: Neste trabalho, objetiva-se identificar as evoluções nas concepções didáticas de futuros professores de Química através da análise das unidades didáticas construídas em uma disciplina na qual é aplicada uma intervenção metodológica de caráter inovador. A disciplina prepara os estudantes para a posterior prática de estágio docente. A intervenção foi constituída de três momentos. Os dados aqui apresentados dizem respeito ao primeiro momento, no qual os estudantes definem critérios para, a partir deles, construírem suas unidades didáticas. É analisado em que medida os estudantes aproximam suas concepções didáticas de suas produções práticas e se ambas se aproximam, em alguma medida, ao modelo didático investigativo. Os resultados apontam que nem sempre os estudantes conseguem praticar aquilo que concebem sendo que são influenciados por modelos majoritariamente vividos desde toda sua formação. Porém, algumas evoluções já podem ser percebidas. Faz-se uma discussão contextualizada da pesquisa e dos objetivos que se pretende alcançar na sua totalidade.
1. INTRODUÇÃO
Geralmente os cursos de licenciatura não oferecem (ou oferecem pouco) espaço para o
contato dos futuros professores com práticas de ensino inovadoras e, desta forma, a vivência
metodológica passa a ser vista meramente por aulas expositivas. Tampouco estes espaços
proporcionam uma aproximação entre as disciplinas de âmbito didático com as de âmbito prático
e, por conseguinte, mesmo tendo “aprendido” teorias de ensino e aprendizagem contemporâneas,
os futuros professores não conseguem aplicá- las, pois, afinal, não as viveram efetivamente.
O presente trabalho trata-se de uma análise inscrita dentro de uma pesquisa maior que diz
respeito a um estudo qualitativo de caso desenvolvido em um projeto de mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. O estudo vem sendo realizado em uma disciplina que faz parte da grade
curricular do curso de licenciatura em Ciências Exatas do Centro Unive rsitário UNIVATES
(Lajeado - Brasil), que habilita de forma integrada para as disciplina de Física, Matemática e
Química. Tal disciplina está intitulada como Prática de Ensino de Química I e consiste na
elaboração de unidades didáticas pelos futuros professores de Química, em que estes escolhem
alguns conteúdos da área para o Ensino Médio e desenvolvem tais unidades seguindo seus
conhecimentos didáticos para posterior aplicação no estágio supervisionado.
O curso de licenciatura em Ciências Exatas possui, em sua grade curricular, quatro
disciplinas de âmbito didático, intituladas Laboratórios de Ensino de Ciências Exatas - LECs.
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Estas disciplinas buscam integrar o conhecimento específico de cada área com a dimensão
pedagógica da atuação docente e estão estruturadas para oportunizar os primeiros passos do
futuro professor rumo a uma postura reflexiva, crítica, aberta à mudança e em permanente
evolução profissional. Nestas disciplinas são apresentados quatro diferentes modelos didáticos: o
modelo tradicional, o modelo tecnológico, o modelo espontaneísta e o modelo investigativo,
considerando-se este último como um modelo didático desejável.
A estratégia metodológica da disciplina de Prática de Ensino de Química I, no semestre
B/2007, foi construída levando-se em consideração as características do Modelo Didático
Investigativo (Porlán e Rivero, 1998), buscando coerência e articulação com os aspectos
didáticos estudados nos LECs. A problemática abordada na totalidade do estudo está baseada na
percepção da evolução das concepções didáticas dos futuros professores de Química objetivando
analisar como uma prática de caráter investigativo-construtivista influencia os processos de
evolução destas concepções no decorrer da disciplina, tomando para análise os materiais
produzidos pelos estudantes. Os “sub-problemas” abordados no presente trabalho, que se referem
ao primeiro momento de intervenção, estão relacionados com os limites entre o pensar (teoria) e
o fazer (prática) dos estudantes no que se refere à dois pontos distintos: o primeiro que diz
respeito aos critérios consensuados pelos estudantes (teoria) e os critérios identificados nas
unidades didáticas (prática); e o segundo no que diz respeito aos modelos estudados nos LECs
(teoria) e a aplicação destes modelos na Prática de Ensino.
Nesta perspectiva, são apresentadas análises dos materiais coletados no primeiro
momento de intervenção que trazem informações sobre as concepções iniciais desses estudantes
acerca da estrutura e elaboração de unidades didáticas (constituição consensuada de critérios) e
os primeiros materiais (unidades didáticas) que trazem o que realmente estes estudantes
conseguem praticar quando envolvidos em processo de produção de materiais para atuação em
sala de aula. Desta forma, pretende-se discutir as dificuldades que limitam esses estudantes a
praticar aquilo que concebem e em que medida esta prática se aproxima do Modelo Didático
Investigativo.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
O professor, ao planejar o que vai trabalhar e como vai realizar esta tarefa, está pondo em
prática saberes oriundos de todo seu processo formativo e as concepções acerca de uma unidade
didática acaba estando profundamente ligada ao pensamento do professor (González et al., 1999)
sustentado, muitas vezes, por concepções sobre o ensino e o modelo didático vivenciado por ele
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desde toda sua formação. Estes elementos determinam o que cada professor entende por unidade
didática.
De acordo com o que aponta Tardif (2002), os saberes profissionais dos professores
provêm de diversas fontes, dentre eles o entorno cultural, formativo e experiencial:
Em seu trabalho, um professor se serve de sua cultura pessoal, que provém de sua história de vida e de sua cultura escolar anterior; ele também se apóia em certos conhecimentos disciplinares adquiridos na universidade, assim como em certos conhecimentos didáticos e pedagógicos oriundos de sua formação profissional; ele se apóia também naquilo que podemos chamar de conhecimentos curriculares veiculados pelos programas, guias e manuais escolares; ele se baseia em seu próprio saber ligado à experiência de trabalho, na experiência de certos professores e em tradições peculiares ao ofício de professor. (p. 262-263)
Do ponto de vista teórico, são considerados quatro modelos didáticos de referência neste
trabalho, modelos estes que expressam diferentes propostas da realização do trabalho docente.
O modelo didático tradicional enfatiza a atividade mental rigorosa e a reflexão metódica
como forma de acesso ao conhecimento verdadeiro (Porlán, 1987), baseando-se na primazia do
saber acadêmico, apresentando um reducionismo epistemológico academicista no qual o único
saber relevante para o ensino é o saber disciplinar, ignorando e menosprezando outros saberes e
especialmente o saber do professor (Porlán e Rivero, 1998). Em conseqüência dos resultados
alcançados pelos alunos, este modelo vem sendo cada vez mais questionado pelos próprios
professores (García e Porlán, 1990; Pozo, 1987; Pozo et al., 1987).
O modelo didático tecnológico tenta superar as limitações do modelo tradicional
entendendo que o ensino não se processa como mera reprodução acadêmica, mas como uma
tecnologia que os professores devem dominar (Harres et al, 2005). Este modelo, assim como o
tradicional, crê no conhecimento científico que é produzido na academia. A teoria
psicopedagógica, unidirecional e hierárquica, prescreverá técnicas para a seleção de conteúdos,
de métodos de ensino, de técnicas de avaliação e da sólida formação na disciplina de ensino.
O modelo didático espontaneísta se assemelha com o modelo tecnológico por acreditar
que só o conhecimento disciplinar não é suficiente na ação docente. O modelo reconhece que o
conhecimento profissional seria formado somente pelo conjunto de experiências advindas do
contexto escolar, entendendo que as teorias são meras especulações e que o verdadeiro
conhecimento profissional se retira da prática e se alcança com a experiência. Nele, nega-se a
utilidade de qualquer racionalidade externa à escola, aproximando-se de uma posição de
independência da intervenção docente frente à teoria educacional. Apesar de defender uma
ideologia de mudança e inovação, valorizando a experiência e o saber-fazer profissional, o
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modelo não considera referências psicopedagógicas e as técnicas didáticas universais,
excedendo-se de ideologias e falta de rigor.
O modelo didático investigativo adota uma perspectiva construtivista (Porlán, 1993),
tanto no plano individual como social. Consiste no tratamento de situações problemáticas abertas
de interesse, através das quais os alunos possam participar na construção dos conhecimentos
(Gil, 1993). Este modelo parte do reconhecimento e da consideração das idéias dos alunos
(concepções prévias), sendo essas, portanto, conveniente de serem conhecidas e analisadas. O
professor, dentro desta perspectiva, deve trabalhar com o contexto sócio-ambiental e cultural,
promovendo a construção livre e significativa de conceitos, procedimentos e valores (Harres et
al, 2005). A avaliação é entendida como um processo de investigação, de modo a permitir a
reorientação das expectativas e intenções iniciais e, desta forma, a tendência à passividade por
parte dos alunos tende a ser superada, uma vez que podem manifestar-se livremente em sala de
aula.
Discutir estas teorias permite entender que o professor, em sua profissão, utiliza-se de um
conjunto de conhecimentos sustentados por teorias implícitas que constituem a base cognitiva de
seu trabalho (Fernández et al, 2001), sendo que estas teorias são autoconscientes e pouco
explicáveis. Sendo assim, o modelo didático utilizado por um professor ao construir e pôr em
prática sua unidade didática tem origem complexa, constituída de elementos advindos desde toda
sua formação e postos em prática na realidade de uma sala de aula.
3. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
Esta pesquisa toma como sujeitos de investigação os estudantes matriculados na
disciplina de Prática de Ensino de Química I do semestre 2007/B do curso de licenciatura em
Ciências Exatas do Centro Universitário UNIVATES (Lajeado – Brasil). Para este trabalho,
relatamos os dados coletados de três grupos prototípicos de estudantes, os quais foram
denominamos de grupo A, B e C. Utiliza-se a análise de conteúdo (Moraes, 1999) como
estratégia de análise de dados.
Para a coleta, organizou-se a disciplina em três momentos distintos, sendo que os dados
analisados neste trabalho correspondem ao do primeiro destes três momentos.
Momento 1: aplicação de um questionário em pequenos grupos para identificação das
concepções iniciais dos estudantes acerca da estrutura e elaboração de unidades didáticas;
apresentação de uma leitura que traz propostas de diferentes autores para a construção de
unidades didáticas; momento de discussão conjunta sobre as concordâncias e discordâncias
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apontadas pelos estudantes no texto; elaboração, de forma conjunta, dos critérios comuns a toda
turma, a serem levados em consideração na construção das unidades didáticas; construção da
primeira unidade didática (UD1) em pequenos grupos; e apresentação, pelos pequenos grupos,
das unidades didáticas construídas.
A análise se dará na comparação entre: os critérios consensuados e os critérios
identificados nas unidades didáticas; as unidades didáticas e os modelos didáticos, de acordo
com quatro categorias (Porlán e Rivero, 1998) abaixo apresentadas: conteúdos (Figura 1), uso
didático da perspectiva dos alunos (Figura 2), atividades e recursos didáticos (Figura 3) e
avaliação (Figura 4).
Figura 1: Categoria Conteúdos
Figura 2: Categoria Perspectiva dos Alunos
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Figura 3: Categoria Atividades e Recursos Didáticos
Categoria 4: Avaliação
4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS
4.1 CRITÉRIOS CONSENSUADOS X UNIDADES DIDÁTICAS
A primeira análise traz a comparação entre os critérios consensuados pelos futuros
professores e as primeiras produções práticas (unidades didáticas). A seguir, na Tabela 1, são
apresentados os critérios, e, de forma sintetizada, os aspectos que foram identificados implicta e
explicitamente (I) e os aspectos que não foram identificados (NI) nas unidades didáticas.
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Tabela 1: Critérios consensuados e aspectos identificados (I) e não identificados (NI) nas unidades didáticas
Critérios consensuados Grupo A Grupo B Grupo C Conceitual I I I Procedimental I I I
Tema/conteúdo/idéia-força
Atitudinal I I I O que? I I I Por que? I I I
Ensinar
Para que? I I I Motivação I I NI Papel do Professor I I I Papel do aluno I NI NI Consideração de idéias/interesses dos alunos I NI NI Linguagem NI NI NI Tempo NI I NI Recursos didáticos I NI NI Tipos de atividades I I I Avaliação Alunos I I I Aulas I NI NI
No que se refere ao tema/conteúdo/idéia-força, o conceitual aparece nos três grupos de
forma bem clara. O Grupo A, com o tema “sabão” faz contínua referência ao estudo das reações
químicas e não explicita o desenvolvimento de procedimentos e atitudes em sua unidade. Porém,
mesmo não estando explícito, parece haver uma preocupação contínua em aproximar o conteúdo
do dia-a-dia dos alunos podendo ser subentendido que os termos “pode ser facilmente
produzido” (a) e “visão crítica” (b) estejam relacionados aos conteúdos procedimentais e
atitudinais, respectivamente.
(1) Escolhemos o tema Sabão para trabalhar em nossa unidade didática, porque além de sua importância para higiene e do uso diário, pode ser facilmente produzido em sala de aula, para exemplificar tipos de reações químicas que ocorrem em nossa volta, que em muitas vezes não nos damos conta de como a química não está restrita apenas a sala de aula. (2) Consideramos interessante e necessário ao trabalhar o conteúdo de reações químicas englobar situações que os alunos vivenciam em seu dia-a-dia, despertando neles uma visão crítica de que química é muito mais que estudar a tabela periódica.
A respeito do o que? por que? e para que? ensinar, os três grupos não apresentaram
dificuldades em justificar-se, sendo diretos em suas respostas.
O grupo A considerou motivador trabalhar o tema “sabão” dizendo que está relacionando
com as reações que ocorrem na cozinha dos nossos lares. O grupo B considerou o fato de que
trazer a uva, o vinho e o vinagre para as aulas seriam aspectos motivadores para os alunos.
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O papel do professor foi identificado nas unidades dos três grupos analisados. O grupo A
considera que o professor, quando vai desenvolver sua aula, deva estar bem preparado quanto ao
assunto e flexível quanto à forma de ensinar. O grupo B considera que o professor deva saber
integrar os conceitos que trabalha com a vida do aluno, dando condições de desenvolvimento da
investigação, crítica e autonomia. O grupo C trata o professor como um orientador que conduz as
atividades e promove o diálogo, auxiliando os alunos no decorrer da unidade.
Apenas o grupo A fez menção ao papel do aluno, dizendo que a responsabilidade de
desempenhar a proposta do professor é do aluno:
[o professor] deixando para os alunos a responsabilidade de desempenhar a atividade proposta.
A consideração das idéias e interesses dos alunos aparece no grupo A, o qual propõe o
levantamento de idéias em que o professor cita exemplos de reações químicas que ocorrem na
cozinha e os alunos manifestam-se oralmente em aula. O grupo C deixa subentendido que o tema
fará com que os alunos reflitam e isso despertará um interesse pelo assunto:
Com isso nosso objetivo seria que os alunos reflitam sobre o tema e despertem interesse pelo assunto.
O fator “tempo” foi apenas considerado pelo Grupo B e a “linguagem” não foi
considerada em nenhuma das três produções.
Quanto aos recursos didáticos, somente o grupo A explicita o uso da internet e uso do
laboratório, além do que define de recursos tradicionais, referindo-se ao quadro negro e ao livro
didático.
O grupo A, apresentou em sua unidade didática uma atividade que pretendia fazer o
experimento de preparação do sabão. Destacaram que, por questões de segurança, o professor é
quem deve executar os procedimentos e aos alunos auxiliar quando necessário. Antes do
experimento, o professor iria propor uma questão que, ao final da unidade, deveria ser
novamente posta em pauta. As atividades propostas pelo grupo B trouxeram muitos
questionários, baseando-se em gravuras retiradas de livros, de situações e da preparação de um
pão. As respostas dos alunos a estes questionários partiriam do observável. O grupo C
apresentou atividades de análise dos resultados dos testes de pH através dos recursos trazidos
pelo professor, atividades estas de constante comparação entre si.
No aspecto avaliação, observou-se no discurso do grupo A, a consideração da avaliação
como processo, englobando a evolução do aluno e o andamento do trabalho do professor através
das aulas. O grupo B também considera uma avaliação processual, mas não afasta a
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possibilidade de provas finais, dando a entender que estas terão maior valor. O terceiro grupo
parece considerar o conteúdo conceitual como avaliado somente no final do processo:
...ao final das atividades solicitar que cada aluno descreva o que observou ao longo do processo, desde o suco até o vinagre. (grupo C).
Através das informações anteriores podemos considerar que nem tudo o que apontam
como relevante, os estudantes conseguem colocar em prática em suas unidades didáticas. O
grupo que mais se aproxima daquilo que concebe é o Grupo A, apenas não expressando os
aspectos “tempo” e “linguagem”. Parece haver uma dicotomia entre o pensar e o fazer que nos
remete a justificativas de fundo formativo. Uma hipótese para tentar explicar esta limitação entre
o pensar e o fazer pode ser traçada a partir da idéia de que, mesmo tendo consciência dos
elementos considerados importantes, sua vivência formativa, enquanto aluno, não incorporou tais
características frente ao trabalho de seus formadores. O limite que impede o estudante de praticar
o que pensa está implicitamente posto em sua formação e faz parte do seu saber profissional.
4.2 UNIDADES DIDÁTICAS X MODELOS DIDÁTICOS
A segunda análise trata a comparação entre as unidades didáticas e as quatro categorias
referenciadas pelas Figuras 1, 2, 3 e 4. As unidades de informação dos três grupos foram
separadas e, conforme a Tabela 2, apresenta-se os resultados encontrados.
Tabela 2: Categorias de análise e modelos didáticos identificados
Grupo Categoria Modelo identificado Conteúdo Tradicional-Tecnológico Perspectiva dos alunos Tecnológico Atividades e Recursos Didáticos Tecnológico
A
Avaliação Tecnológico Conteúdo Tradicional Perspectiva dos alunos Não considerado Atividades e Recursos Didáticos Tecnológico-Espontaneísta
B
Avaliação Tradicional-Espontaneísta Conteúdo Tradicional Perspectiva dos alunos Tecnológico Atividades e Recursos Didáticos Tradicional
C Avaliação Não identificado
Grupo A: No que se refere ao conteúdo, o grupo aproximou-se a um nível intermediário
ao tradicional e tecnológico. Isto porque em seu discurso parece predominar os âmbitos
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conceituais e procedimentais, como mostram as transcrições (a e b), advindas das unidades
didáticas dos estudantes que seguem:
(a)... achamos que é o momento do professor abordar de forma específica alguns conceitos que precisam ser trabalhados para que o aluno consiga compreender de forma mais clara os diferentes processos que envolvem uma reação química; (b) Escolhemos o tema Sabão para trabalhar em nossa unidade didática, porque além de sua importância para higiene e do uso diário, pode ser facilmente produzido em sala de aula, para exemplificar tipos de reações químicas que ocorrem em nossa volta.
O grupo comenta que o “foco” não deve ser desviado, caracterizando uma organização
rígida de trabalho. Quanto à perspectiva dos alunos, parece continuar coerente ao modelo
didático tecnológico, em que só se exploram inicialmente as idéias dos alunos:
Antes de abordar qualquer conceito relacionado ao assunto precisamos investigar as concepções que os alunos têm sobre este conteúdo, observar se entre estas concepções aparece a idéia de que ocorrem reações químicas em seus lares, especialmente na cozinha.
A atividade proposta pelo grupo esteve baseada somente no experimental, com algumas
questões posteriores sobre a observação realizada, característico de uma seqüência fechada de
atividades. A avaliação parece centrar-se no antes e depois, pois trata-se de uma comparação do
inicial com o final. O grupo explicita a idéia de
...avaliar continuamente o andamento da unidade didática para observar se as coisas estão ocorrendo dentro do previsto ou se é preciso algumas reformulações para melhor atingir os objetivos.
Dentro desta perspectiva há uma posição clara do modelo tecnológico, em que o
professor precisa controlar a unidade apenas pelos seus objetivos. Mesmo aparecendo no
discurso pontos como interesse, assiduidade e partic ipação, não há evidências de como isso será
avaliado.
Grupo B: O grupo B parece estar constituído de uma mescla de três modelos distintos.
No que se refere ao conteúdo, o predomínio do enfoque conceitual nos leva a pensar que o grupo
considera o conhecimento científico como conhecimento desejável. As atividades e recursos
parecem intermediar-se entre muitos questionamentos e pouca coerência entre si. Experiências
observáveis são apresentadas e os questionamentos parecem estar ligados a uma concepção
empirista. Na avaliação, o grupo não desconsidera uso de provas, porém parece considerar a
avaliação como não sancionadora:
...a avaliação deve ser contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre as eventuais provas finais.
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Grupo C: Os conteúdos são trabalhos de forma central, com aulas expositivas baseadas
no conhecimento científico:
...deixar o suco fermentar e enquanto isso iniciar o trabalho com funções orgânicas... enquanto que ocorre a fermentação acética, continuar o trabalho com funções orgânicas, principalmente de aldeídos, pois o nosso produto passará por esta função.
Quanto à consideração da perspectiva dos alunos, há uma maior proximidade com o
modelo tecnológico, visto que questionamentos iniciais serviriam como exploração das idéias
pré-concebidas. As atividades parecem estar coerentes com o modelo tradicional, considerando a
existência de uma organização linear de trabalho e permitindo a comparação de resultados após
cada parte estudada. Na avaliação não foi possível definirmos a existência de um modelo claro.
O discurso mostra que há a consideração no empenho de participação do aluno na realização das
atividades, desenvolvimento e colaboração diante do grupo, além de entrega de um trabalho ao
final das atividades.
Esta segunda análise mostra uma mescla de concepções didáticas que parecem
diagnosticar algumas evoluções iniciais. Isso pode ser explicado também pela vivência formativa
dos sujeitos analisados, o que quer dizer que existem evidências de características que apontam
uma movimentação de busca por outros modelos que não o tradicional. A identificação destas
pequenas evoluções pode pressupor que estes estudantes já iniciam um caminho rumo à prática
de um modelo didático desejável, estudado e vivenciado durante sua formação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho traz a análise dos materiais produzidos pelos sujeitos da investigação no
primeiro momento da intervenção. Os próximos dois momentos são constituídos da
construção/reconstrução das produções, visto que nossa estratégia metodológica prevê coerência
com o modelo que tomamos como desejável: o modelo didático investigativo. Não queremos que
tal modelo seja entendido como molde ou forma, como sua expressão pode dar a entender, mas
como uma nova proposta que movimente a prática dos professores rumo a modelos alternativos
de ensino. O projeto, em seu entorno maior, pretende contribuir nas discussões sobre a formação
de professores e sobre os processos que potencializem o desenvolvimento do seu conhecimento
profissional, buscando perceber como as atividades que os docentes universitários desenvolvem
nas salas de aula podem contribuir na mudança das concepções didáticas dos futuros professores.
Logo, os resultados obtidos podem servir de referência para a construção de estratégias para a
formação docente na área de Química, bem como de outras áreas da Educação Básica na medida
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em que estes estudos propiciem um melhor conhecimento sobre os processos de evolução das
concepções e práticas dos professores.
6. REFERÊNCIAS
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