Os intelectuais orgânicos e a elaboração das Leis 4.024/61 ... · A abordagem do tema no...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CIÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS
E HUMANAS CURSO DE HISTÓRIA
Os intelectuais orgânicos e a elaboração das Leis 4.024/61 e 5.540/ 68
NAYANE SOUZA VALADÃO
ANÁPOLIS 2009
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NAYANE SOUZA VALADÃO
Os intelectuais orgânicos e a elaboração das Leis 4.024/61 e 5.540/ 68
Trabalho de conclusão de curso apresentado como parte das atividades para a obtenção do título de licenciado, do curso de História da Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas da Universidade Estadual de Goiás. Orientador: Profª. Drª. Sônia Lobo.
ANÁPOLIS, 2009.
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DEDICATÓRIA
“Dedico este trabalho a todos que
lutaram, e a todos que ainda irão lutar por
uma educação desprendida de jogos de
interesses”
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por me dar a
alegria de concluir este curso, e a todos
que, mesmo de maneira indireta,
colaboraram com este trabalho. Aos meus
pais, aos meus irmãos e à minha família,
nunca cansarei de agradecer por me
apoiarem em minhas decisões e por
suportarem comigo a correria destes
últimos quatro anos de minha vida.
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Instruí-vos, porque tereis necessidade de toda a nossa inteligência. Agitai-vos, porque teremos necessidade de todo o nosso entusiasmo. Organizai-vos, porque teremos necessidade de toda a nossa força.
Antonio Gramsci
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RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de promover uma breve análise da influência dos intelectuais e dos interesses representados pelos mesmos na elaboração das Leis 4.024/1961 e 5.540/68. Esta análise será feita por meio do conceito de intelectuais orgânicos, desenvolvidos por Antonio Gramsci. Na pesquisa, também serão demonstrados os interesses antagônicos colocados em jogo durante os períodos de 1961 e 1968. Será feita, ainda, a contraposição entre as duas leis, ressaltando as diferenças e semelhanças entre as mesmas. Palavras-chave : Leis 4.024/61 e 5.540/68, Intelectuais Orgânicos, Educação.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 7 CAPÍTULO 1 – UMA ANÁLISE DO PERÍODO HISTÓRICO................................... 9 1.1 Lei 4.024/61: Contexto Histórico e Político............................................................. 9 1.2 Lei 5.540/68: Contexto Histórico e Político............................................................. 14 CAPÍTULO 2 – ANÁLISE TEÓRICA.......................................................................... 20 2.1 Gramsci e a educação...............................................................................................
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2.2 Gramsci, os intelectuais e a elaboração das Leis 4.024/61 e
5.540/68..................... 23
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE COMPARATIVA DAS LEIS 4.024/61 e 5.540/68............ 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 39
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INTRODUÇÃO
A finalidade deste trabalho monográfico é fazer uma análise sobre a influência
dos intelectuais envolvidos na elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
e da Lei de Reforma Universitária de 1968.
Os problemas levantados sobre o tema, para elaboração da pesquisa foram:
qual era o contexto histórico que envolvia a elaboração destas leis?; Qual o
embasamento teórico dos intelectuais envolvidos na sua elaboração?; Qual a
influência destes intelectuais na elaboração dessas nestas leis e quais interesses
defendem?
Torna-se necessário fazer uma conexão entre os três capítulos dispostos
neste trabalho. O primeiro se justifica, pela análise do contexto político e histórico,
envolvendo o tema, análise que se faz necessária na maioria dos trabalhos de
pesquisa.
Sendo assim, no primeiro capítulo desta pesquisa, se esmiuçará o contexto
histórico e político que envolveu estas leis e dentro desta questão analisar os
embates entre os partidos políticos que representavam a maioria do congresso, nos
dois momentos em questão (1961 e 1968).
No bojo do 2º capítulo procurar-se-á demonstrar qual a importância do
intelectual Antonio Gramsci, não só como estudioso dos intelectuais, mas também
da importância de seus estudos no que diz respeito à educação. Além disso, neste
mesmo capítulo, será analisada a importância dos intelectuais orgânicos para a
elaboração destas leis, sob a ótica dos estudos de Gramsci acerca dos intelectuais
orgânicos e de forma simplificada, acerca do intelectual coletivo, papel este que
seria ocupado pelo movimento estudantil, no período que envolve os projetos de
reforma universitária.
A primeira parte do 2º capítulo, dedicada à análise dos estudos de Gramsci
sobre a educação, se justifica pelo fato de demonstrar que o pensador em questão,
além de mostrar interesse sobre os intelectuais, o mesmo reconhece a importância
da educação para uma sociedade e também o papel dos intelectuais sobre a
mesma. Além disso, como ponto central deste capítulo, tem-se a análise do conceito
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de intelectual orgânico e a influência que os mesmos tiveram sobre as legislações
postas em análise.
A abordagem do tema no terceiro capítulo foi feita de forma a provocar o
diálogo entre as Leis 4.024/61 e 5.540/68, no que diz respeito ao que mudou, e ao
que permaneceu na “transição” de uma para outra. Além disso, analisam-se neste
mesmo capítulo, quais eram as propostas dos intelectuais, e quais se refletem na
redação das leis.
O terceiro capítulo, ainda se justifica por mostrar como de fato se deu a
influência destes intelectuais sobre os processos legislativos e como isto se mostra
na redação das próprias leis.
O objetivo desta análise é demonstrar como estes intelectuais, agentes da
hegemonia, se propuseram a representar os interesses das classes burguesas, e
representarem os interesses dos mesmos no momento de elaborarem seus projetos
e participarem deste processo legislativo (no caso da Reforma Universitária).
Para a confecção deste trabalho foi utilizada a pesquisa bibliográfica em
livros, alguns sites e como fonte documental, a análise das próprias leis.
Sendo assim, este trabalho (ainda que haja muitos outros tratando do
assunto), pretende mostrar que as contribuições para o estudo deste tema ainda não
estão esgotadas e, portanto, ainda são passíveis de maior análise.
Por fim, na conclusão, procurar-se-á responder todos os questionamentos
levantados acerca da pesquisa, bem como fazer uma conexão entre os temas
discutidos no bojo de toda a pesquisa.
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CAPÍTULO 1: UMA ANÁLISE DO PERÍODO HISTÓRICO
O presente capítulo tem o objetivo de conferir o grau em que as estratégias
de ação política deixaram suas marcas na legislação de ensino, visto que ambas as
leis, 4.024/61 e 5.540/68(Reforma Universitária), tiveram origem em projetos
oriundos do Poder Executivo.
Para adentrarmos de fato no assunto principal a que este trabalho pretende
esmiuçar, é necessário que se faça uma análise do contexto histórico em que as
Leis foram votadas e entraram em vigor.
A Lei 4.024/61 trata em seu texto do direito à educação, que passa a ser um
dever do Estado e de livre iniciativa privada; dos fins da educação que se inspira nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana; da administração da
educação, fixando aí a competência ao poder público federal de assegurar a
educação. Fixa também os recursos destinados à educação nas esferas municipal,
estadual e federal e caracteriza o ensino em três graus (primário, médio e superior),
dentre outros assuntos.
Já a Lei 5.540/68 é uma lei destinada especificamente ao ensino superior
destacando as funções do Reitor e do diretor das universidades, e também das
prerrogativas relacionadas ao corpo docente e discente, além de algumas
disposições gerais e transitórias. Esta lei tem o intuito de substituir o que vinha
disposto acerca do ensino superior na lei que a precede.
1.1 Lei 4.024/61: Contexto Histórico e Político
A implementação do capitalismo industrial no Brasil a partir da década de
1930, determinou uma nova organização nas relações sociais, culturais, políticas,
econômicas pelo aumento da intervenção do Estado, a entrada de capital
multinacional no país que significou a “subordinação” do capital nacional ao
capitalismo mundial. Nesse contexto, surgem também novas exigências
educacionais, como a qualificação para o trabalho impulsionado pelas
transformações nas relações de produção.
Deste modo, exige-se um mínimo de instrução da população, pois, esta será
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o mercado consumidor que a nova relação de produção exige. Essa instrução visava
também a formação de produtores trabalhadores. É nesse período que se intensifica
a “educação para o trabalho”:
Os mecanismos legais e as estruturas formativas, historicamente construídas ao longo das décadas de 40 a 70, foram cristalizando concepções e práticas escolares dualistas: de um lado, a concepção de educação escolar acadêmico-generalista, na qual os alunos tinham acesso a um conjunto básico de conhecimentos que eram cada vez mais amplos, À medida que progrediam nos seus estudos;e, de outro, a educação profissional, na qual o aluno recebia um conjunto de informações relevantes para o domínio de seu ofício, sem aprofundamento teórico,científico e humanístico que lhes desse condições de prosseguir nos estudos ou mesmo de se qualificar em outros domínios (ALVES,1997, p. 71 apud MANFREDI, 2002. p. 103).
O Estado passa assim, a ser o principal fomentador e idealizador de políticas
educacionais criando agências de educação profissional do chamado Sistema S, a
exemplos do SENAI, SESI que:
Possuíam o objetivo, a longo prazo, de combater o reaparecimento de organizações autônomas entre as classes trabalhadoras e de construir no seio do operariado urbano uma base ideológica e de comportamento político em consonância com uma sociedade industrial capitalista.(DREIFUSS,1986, p. 29).
Para se ter uma breve noção de que o Estado Brasileiro estava do lado do
capital industrial, em 1957 foi votada uma lei que permitia que as empresas
pudessem desenvolver seus projetos de educação profissional em troca de
incentivos fiscais.
É importante salientar que essa ideia de profissionalização universal e compulsória ocorreu em um momento em que o país objetivava a participar da economia internacional e, neste sentido, delegou (entre outras coisas)ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho.(MANFREDI,2002, p. 105).
O sistema de educação técnica também é reformulado no período que
antecede a edição da lei, e é nessa época que são criadas as chamadas Escolas
Técnicas Federais (ETFs), mantidas pelo governo federal, estadual e municipal em
conjunto.
Quanto às discussões sobre o projeto de lei da educação temos que a
justificativa para o mesmo decorreu da exigência prevista no art.5º XV, d da
Constituição Federal de 1946, que concedia à União competência para “fixar as
diretrizes e bases da educação nacional”. Desta forma, foi designada uma comissão
formada por educadores de variadas tendências, instalada em 29 de abril do ano de
1947, data em que “casualmente” se “comemorava” a queda de Getúlio Vargas e do
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Estado Novo.
Válido ressaltar, que este projeto deveria ser apresentado ao Congresso
Nacional, representado majoritariamente por membros do PSD, membros da UDN e
por uma minoria do PTB que usou a aprovação ao projeto como instrumento de
negociação para o apoio de interesses diretos do partido.
Deste modo, o deputado Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde
Pública do Governo Vargas de 1934, até 1944, (período de criação de diversas
universidades), fundador do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP),
membro do PSD, se insurge contra o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases da
Educação atestando que se tratava de um projeto antigetulista.
Ainda segundo Saviani, a proposta da Lei 4024/61, não se iniciou com
intenções pedagógicas, como era natural que a nação desejasse. Para o referido
autor, o projeto foi infeliz porque nele não continha matéria apenas de educação,
mas havia uma conotação política em torno do mesmo. O projeto foi lançado num
dia em que o Ministro da educação Clemente Mariani reunia no Palácio do Catete os
festejos para comemorar a queda de Getúlio Vargas.
Além disso, não só Capanema, mas também outros políticos se posicionaram
contrariamente à urgência do projeto que foi alvo de insurgências de partidos que o
considerava muito mais político que pedagógico.
Em síntese, só em 1948 o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação
deu entrada no Congresso Nacional e nesta Casa sofreu inúmeras emendas que
descaracterizaram o projeto original. Tal projeto que previa dentre outras coisas, a
gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário e dos demais níveis de ensino, foi
logo arquivado em decorrência do Parecer Capanema proposto pelo deputado
Gustavo Capanema, que defendia que o mesmo deveria ser refundido ou
emendado.
Factualmente, este projeto teve um aspecto dual, pois, representava
interesses de dois lados antagônicos como afirma Santos (2009):
Em verdade, com a discussão da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, durante o longo período que se compreende de 1946 a 1961, constata-se uma disputa de duas propostas de LDB, que traduz a relação paradoxal e contraditória no âmbito político-econômico, cujo embate acontece entre o grupo que defendia o nacionalismo desenvolvimentista, o Estado sendo o carro-chefe no planejamento da economia estratégica para o desenvolvimento do mercado nacional, sem a dependência asfixiante do capital externo, e o outro grupo que sustentava a tese da iniciativa privada como mecanismo de gerir a economia e a educação institucionalizada, objetando qualquer intervenção normatizadora e fiscalizadora do Estado
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tanto na área econômica, como na educacional.
Pode-se falar que a lei, depois de editada, apresentou esse aspecto dualista,
pois, de certa forma conseguiu incorporar nela, os interesses da sociedade como um
todo e como já era de se esperar, representava também os interesses das
instituições de ensino privadas, isso se mostra presente na divisão dos capítulos da
referida lei.
Como se vê, o projeto é resultado de lutas entre dois lados antagônicos de
grande representação no Congresso e por este fato, sua tramitação e até mesmo
sua aprovação é fruto destes embates políticos entre os modelos de sociedade
nacional desenvolvimentista e os defensores da privatização, ligada ao capital
internacional.
Acerca disto afirma Dreifuss (1986, p. 24):
De acordo com a crença intelectual popularizada, assumida pelo Partido Comunista e mais tarde por intelectuais nacionalistas, havia “duas burguesias” no Brasil. Uma era considerada entreguista, diretamente ligada ao capital transnacional, e a outra nacionalista, oposta à ação de interesses estrangeiros. A “burguesia nacionalista” era procurada politicamente e considerada, teoricamente, pelos intelectuais nacionalistas como aliada em potencial, se não de fato, das classes trabalhadoras e dos setores das classes médias que se opunham ao imperialismo, em razão do que se esperava fossem as diretrizes políticas dos industriais de reforçar os centros locais de tomada de decisão, e de sua alegada visão do Estado como instrumento de oposição à penetração estrangeira.
Neste embate de discussões partidárias,em 1951, é solicitado o
desarquivamento deste projeto, a pedido da Câmara. Desarquivado, o projeto passa
cinco anos e meio por tramitação na Comissão de Educação e Cultura até que em
1956, é apresentado um relatório da subcomissão encarregada de estudar o projeto.
Finalmente,em 1957, inicia-se no plenário da Câmara, a discussão do projeto que
recebeu o nº. 2.222/57.
Acerca deste substitutivo, Saviani acredita que o mesmo representou uma
mudança integral nos rumos do projeto, pois, seu conteúdo foi capaz de incorporar
as conclusões do III Congresso Nacional dos Estabelecimentos de Ensino ocorrido
em 1948. Desta forma, os representantes dos interesses da escola particular
passavam a figurar na dianteira do projeto.
Seguindo o histórico de reformas que o projeto original da Lei de diretrizes e
bases da educação, em 1957 o Ministro Clóvis Salgado altera-o novamente e envia
para o Congresso Nacional o Substitutivo nº2. 222.
Em 1959, o projeto sofre mais uma alteração, com o nome de Emenda Carlos
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Lacerda (seu terceiro substitutivo), e seu texto prevalece sobre o texto da Lei de
Diretrizes e Bases alterando substancialmente o projeto original e representando os
interesses das escolas particulares. Tal emenda foi alvo de um manifesto de 180
educadores solicitando que fosse aprovado um novo projeto, pois, este de tantas
modificações já não poderia ser aprovado.
Dermeval Saviani (1996, p. 36), comenta o discurso de Coelho de Souza
sobre o projeto:
Ele historia o problema, explicando por que o projeto ficou tanto tempo na Comissão de Educação e Cultura e mostra que o projeto, como estava não poderia ser aprovado, devendo voltar à Comissão para ser reformulado. E denuncia as contradições a que a Comissão foi obrigada a cair por causa dos obstáculos políticos surgidos com o boicote do líder da maioria: Gustavo Capanema.
Por fim, depois de treze anos, é promulgada a Lei nº4. 024 de 1961. O Partido
Democrático Trabalhista (PDT), representado por João Goulart, veta 25 artigos que
posteriormente recebem aprovação e entram definitivamente no texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação.
Até mesmo Carlos Lacerda quando foi interrogado a respeito do resultado
obtido, respondeu: “Foi a lei a que pudemos chegar” (SAVIANI, 1996, p. 47).
Sobre o fim que teve o projeto original, transformado em lei, disserta Saviani
(1996, p. 47-48):
Portanto o texto aprovado não correspondeu plenamente às expectativas de nenhuma das partes envolvidas no processo. Foi, antes, uma solução de compromisso, uma resultante de concessões mútuas prevalecendo, portanto a estratégia da conciliação. Daí porque não deixou de haver também aqueles que consideraram a lei então aprovada pelo Congresso Nacional como inócua, tão inócua como o eram as críticas estribadas na estratégia do “liberalismo.
Saviani conceitua a estratégia da conciliação como um pacto das elites,
através do qual se torna possível preservar os interesses dos grupos privilegiados
econômica, social e culturalmente, adiando-se para um futuro indefinido a realização
das aspirações das massas populares (1996:46). E foi sob esses moldes que se
desenvolveu o projeto das Leis de Diretrizes e Bases da Educação de 1961.
Segundo Otaíza Romanelli (1990, p. 77):
A L.D.B. foi a oportunidade perdida de se criar sistema educacional que pudesse inserir-se no sistema geral de produção do país em consonância com os progressos sociais já alcançados, entretanto, nossa herança cultural e política impediu a organização de um sistema educacional que era necessário à nossa sociedade.
Saviani (1996, p. 45) ainda acrescenta:
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Em síntese, pode-se concluir que o texto convertido em lei representou uma “solução sem compromisso” entre as principais correntes em disputa. Prevaleceu a estratégia da conciliação. Entretanto, é preciso registrar que essa estratégia foi acionada no quadro daquilo que poderíamos chamar de “democracia restrita”. Com efeito, desde a queda do Estado Novo até 1964, o país viveu um clima de abertura democrática. Contudo, era uma experiência democrática da qual estavam distantes as massas populares. Tratava-se, pois, de uma democracia restrita às elites.
Neste ponto concordamos com os dizeres de Francisco Campos, Ministro da
Educação no período anterior à Capanema: ”Chegamos a um estado em que no
campo da educação em que as idéias trabalham pelo poder. A política de hoje é a
política da educação. Nela, no seu campo de luta, é que se decidirão os destinos
humanos.” (SHWARTZMAN, BOMENY E COSTA, 2000, p. 193). Ele também
compartilhava da educação como instrumento de transmissão de valores que
permitiam a homogeneização e disciplina dos homens e das sociedades.
Sendo assim, pelo que se vê a promulgação da primeira LDB, por ter
esbarrado em tantos empecilhos políticos, acabou por perder parte de seus objetivos
iniciais passando a ter muito mais significado político do que representando um
avanço para a educação propriamente dito.
Mesmo após sua promulgação, em fins de 1961, a dualidade estrutural a que
mencionamos no início do capítulo, ainda persistiria, embora se tivesse garantido
maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário.
1.2 Lei nº. 5.540/68 (Contexto histórico e político ).
Traçando um paralelo com a Lei de Diretrizes e bases da Educação de 1961,
temos que a Lei nº5. 5.540/68, a chamada Reforma Universitária se deu num
contexto bem diferente da que a antecedeu, principalmente por ter sido promulgada
no período de maior repressão do Regime militar, imposto pelo golpe do ano de
1964.
No entanto, da mesma maneira que a lei de 1961, esta foi alvo constante de
interesses políticos e se deu em meio à chamada estratégia do “autoritarismo
desmobilizador”, na instalação da “democracia excludente”, termos estes
sustentados por Saviani, o que se refletiu em seu texto como veremos mais adiante.
O projeto que originou a Lei nº 5.540/68 foi resultado de estudos feitos por um
Grupo de Trabalho criado para esse fim, por decreto do então Presidente da
República, Arthur da Costa e Silva.
Segundo Saviani (1996. p. 67), o decreto estabelecia que os referidos estudos
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tinham por objetivo garantir a “eficiência,modernização e flexibilidade administrativa”
da universidade brasileira, tendo em vista a “formação de recursos humanos de alto
nível para o desenvolvimento do país.”
O Grupo de Trabalho da Reforma Universitária contou com a participação de
Fernando Bastos de Ávila, João Lyra Filho, Newton Sucupira, e alguns estudantes
nomeados, pois, estes se recusaram a participar oficialmente deste processo.
Saviani ressalta que a recusa dos estudantes possuía uma motivação. Tal
motivação era explicada pela entrada de capital estrangeiro no processo de
industrialização brasileiro e posteriormente a instalação destas indústrias
internacionais no país, substituindo a produção até mesmo dos bens de
manufatura produzidos no Brasil. E não só a elite industrial brasileira apoiou este
processo, mas as demais camadas sociais tinham interesse no mesmo:
As camadas médias, por sua vez, também tinham interesse na industrialização, pois, vislumbravam aí um instrumento de ampliação das possibilidades de concretização de suas aspirações de ascensão social. O operariado e as incipientes forças de esquerda apoiavam a industrialização porque a viam como um fator de desenvolvimento do país e condição necessária à libertação nacional. (SAVIANI, 1996, p. 69).
Neste passo, temos que surge uma contradição neste processo, pois, “ou se
compatibilizava o modelo econômico com a ideologia nacionalizando a economia, ou
renunciava ao nacionalismo desenvolvimentista ajustando a ideologia política à
tendência econômica” (SAVIANI, 1996, p. 70).
Estas contradições levam a uma crise vivida pelo Brasil na década de 60,
crise esta, que a revolução de 1964 conseguiu conter. Em consequência disto, a
ideologia do nacional desenvolvimentismo foi substituída pela doutrina da
interdependência, elaborada no seio da Escola Superior de Guerra. (SAVIANI, 1996,
p. 71).
Em termos educacionais que é o que nos cabe analisar neste trabalho, foi
exatamente neste período que se consolida uma abertura maior em torno das
aspirações populares surgindo, por exemplo, o Movimento de Educação de Base
(MEB), as campanhas de alfabetização de adultos, os centros de cultura popular,
etc.
Estes lugares tidos com sistemas paralelos da organização escolar regular
eram o lugar para onde os estudantes universitários canalizavam seus anseios de
reforma, compensando assim, o não atendimento de suas reivindicações pela
reforma da própria universidade. (SAVIANI, 1996, p. 71).
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Após 1964 e as mudanças que o Golpe de Estado trouxe, cortam-se estas
alternativas e agravam-se os problemas em decorrência da não adaptação ao
modelo econômico e a universidade passa ser “palco e o alvo das reivindicações
reformistas”.
Neste ponto, Saviani acredita que o governo para tentar enquadrar o
movimento estudantil e a universidade nas diretrizes do regime, criou artifícios como
a Lei nº 4.465/65 para regulamentar a organização, o funcionamento e a gestão dos
órgãos de representação estudantil, além da assinatura dos chamados “acordos
MEC/USAID”1.
Tantas providências assim, se justificam pelo fato de o movimento estudantil
ter se transformado no único foco de resistência manifesta ao regime, levando-o a
entrar em crise no ano de 1968.
Em convergência com a afirmação de Saviani temos a seguinte assertiva:
Três setores principais adquiriram força e coordenação para afetar em profundidade as estruturas políticas do país: o movimento estudantil, o dos trabalhadores e a Frente Ampla.Estes diferentes setores da oposição manifestavam seu ponto de vista em manifestações de rua,comícios e passeatas, assim como no Congresso Nacional,através de um grupo de deputados do MDB eleitos em 1966.Juntos exerceram considerável pressão sobre o Estado,provocando um conflito interno sobre duas políticas alternativas:maior liberalização das diretrizes políticas,sociais e econômicas ou uma terceira e ainda mais ampla investida repressiva.(ALVES,1989, p. 115)
No entanto, mesmo com a demonstração de força destes outros setores, o
movimento estudantil foi o que mais ganhou visibilidade e conseguiu agregar mais
pessoas. Levando-se em conta estas circunstâncias, os estudantes resolvem
promover uma reforma por suas próprias mãos.
Em junho de 1968, os estudantes resolvem ocupar as universidades e instalar
cursos-piloto, assumindo eles próprios o controle de algumas escolas durante o mês
que se sucedeu e quase todo o segundo semestre. Sendo assim, como afirma
Sanfelice (1986, apud SAVIANI, 1996, p. 72):
É nesse quadro que o governo, como que raciocinando em termos de “façamos a reforma antes que os outros a façam”, apressou-se a desencadear o processo, baixando em 2 de julho,portanto no auge da crise estudantil, o Decreto nº62.937, que instituiu o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária. Estava assim, declarado o confronto entre o movimento estudantil e o governo militar.
1 Durante a ditadura militar a educação sofreu duas grandes reformas, em 1968 e 1971, precedidas porém pelos acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development) onde o Brasil receberia apoio técnico e financeiro para implementar as reformas. Visavam estabelecer convênios de assistência técnica e cooperação financeira à educação brasileira.).cf: (FIGUEIREDO,2009).
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Dentre as reivindicações dos estudantes, temos as seguintes:
Por um lado, eles reivindicavam ensino público e gratuito para todos; uma reforma que democratizasse o ensino superior e melhorasse sua qualidade, com maior participação estudantil nas decisões, mais verbas para pesquisa, voltada para resolver os problemas econômicos e sociais do Brasil. Por outro lado, os estudantes contestavam a ditadura e o cerceamento às liberdades democráticas. Naquela época, a maioria dos universitários estudava em escolas públicas e o acesso ao ensino superior era bem mais restrito que nos dias de hoje, havendo uma demanda muito maior que a oferta de vagas. (RIDENTI, 2000, p.150).
Cumpre lembrar que as manifestações dos estudantes associavam-se mais à
luta geral contra a política educacional e contra a própria ditadura.
A partir desse contexto, compreende-se por que os estudantes se recusaram
a participar do Grupo de Trabalho então criado. O grupo então funcionou sem
nenhuma representação estudantil e ao projeto foi dado um prazo de trinta dias para
que concluísse a tarefa a ele designada.
É válido lembrar que esta não foi a única vez que o governo se interessou por
estas questões, pois, em 1961 foi criado o IPES(Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais) que se formou, segundo Dreifuss “a partir da associação de intelectuais
orgânicos(assunto que será discutido mais adiante) de interesses
econômicos,multinacionais e associados formando um complexo político-militar”
(DREIFUSS,1986:p.161). Este instituto funcionou como um verdadeiro partido
ideológico do empresariado exercendo papel fundamental no golpe de 64 e na
organização do regime que viria após sua deflagração, influenciando inclusive, o
âmbito educacional.
Sendo assim, em 1964 este instituto promoveu um simpósio sobre a reforma
da educação que culminou num Fórum sobre a Educação, que contou com a
participação de dois integrantes do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária:
Fernando Bastos de Ávila e João Lyra Filho.
Portanto, ao iniciar seus trabalhos, o Grupo da Reforma Universitária já dispunha de um conjunto de subsídios que vinha desde o Relatório Atcon2 contratado pelo MEC, no período de 1965/68, para planejar mudanças no ensino superior brasileiro. passando pelo relatório da Equipe de Assessoramento ao Planejamento do Ensino Superior e pelo Relatório Meira Matos, até os estudos do GTRU, patrocinados pelo IPES.Os resultados dos estudos do Grupo de Trabalho foram consubstanciados no Relatório Geral do GTRU, encaminhando-se as propostas para um grupo de
2 Baseando-se nos modelos norte-americanos, o professor norte-americano Rudolph P. Atcon disseminou muito bem a idéia de privatização deste nível de ensino, para ele a Universidade deveria ter autonomia acadêmica, científica, e principalmente financeira, livre da interferência estatal, devendo funcionar como se fosse uma empresa privada. cf. (DA MATA, 2009),
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João Paulo dos Reis Velloso,do Planejamento,Luiz Antônio da Gama e Silva,da Justiça e Tarso Dutra,da educação.(Saviani,1996, p. 72-3).
Finalmente, no dia 7 de outubro de 1968,entrava na ordem do dia do
Congresso Nacional a Mensagem Presidencial nº 36, que continha o projeto de lei nº
32, designando a fixação das “normas de organização e funcionamento do ensino
superior e sua articulação com a escola média e dar outras providências”.
A mensagem a que fizemos menção integrou um pacote de sete mensagens
que deram entrada no Congresso e deveriam ser votadas em regime de urgência,
portanto, no prazo de 40 dias. Dada a urgência, esta deveria ser votada em sessão
conjunta da Câmara com o Senado.
Nesse período já não figuravam mais os partidos que fizeram parte do cenário
político entre 1945 e 1964, pois, devido ao endurecimento do regime estes partidos
foram extintos pelo Ato Institucional nº2 de outubro de 1965. Foram criados para
substituí-los, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido da situação, e o MDB
(Movimento Democrático Brasileiro), considerado o partido da “oposição”.
Pelo fato de terem sido encaminhadas várias mensagens ao mesmo tempo,
as que diziam respeito à reforma universitária foram alvo de duras críticas, pois,
após os Atos Institucionais era permitida apenas a leitura de uma mensagem por
sessão e a maioria delas, dizia respeito ao ensino. Essas considerações foram
sustentadas principalmente por Josaphat Marinho, líder do MDB.
Estas críticas estavam fundamentadas principalmente no que diz respeito à
falta de atenção com que estas mensagens de cunho “político”, e, portanto,
suscetíveis a grandes divergências, seriam tratadas em um regime de urgência.
Para Josaphat Marinho “Isto não é legislar. Isto será apenas, dolorosamente
para o Congresso, homologar o arbítrio do Poder Executivo” (DCN, 9-10-68, p. 950
apud SAVIANI. 1996, p. 77). Para contraditar a questão, foi ouvido Geraldo Freire,
líder da Arena e defensor do regime de urgência, pois, há muito se falava nesse
assunto, depois de tanto tempo gasto com estudos acerca do projeto de reforma
universitária.
Pedro Aleixo toma decisão contrária a Josaphat Marinho, mas Mário Covas,
então líder do MDB NA Câmara, ainda se insurge contra esse regime de urgência
por uma questão de calendário. Mas, ao final, ficou decidido que os pareceres
deveriam ser entregues no dia 31 de outubro de 1968.
Covas ainda assim, sustenta ser impossível que as questões fossem
19
decididas dentro dos prazos fixados. Necessário se faz lembrar que se tratava de um
período pré-eleitoral e próximo à visita da Rainha inglesa ao Brasil, fato este que
exigiria um trabalho a mais do Congresso.
Passada a palavra para Geraldo Freire eis que o líder da maioria acrescenta:
Afinal de contas, as mensagens deveriam ser enviadas agora mesmo, porque, se
não o fossem, não o seriam mais no ano em curso, e seriam atrasadas cada vez
mais. E, com isto, quem perderia seria a Nação mesma, porque há muito se fala em
reforma universitária. De há muito tem sido proclamada desta mesma Tribuna e por
elementos da Oposição, a necessidade de que se elabore uma legislação nova a
respeito. (DCN, 9-10-68, p. 952 apud SAVIANI, 1996, p.77).
A solução desta questão, com certeza era iminente, visto que cada vez mais
os estudantes tomavam medidas “desesperadas” para alcançar seus intentos. No
ano em questão, como já fora afirmado, os estudantes já haviam invadido a
universidade, assumindo o seu controle.
Sendo assim, o problema dos estudantes, nas palavras do líder do governo,
deveriam ser resolvidos ainda no ano em curso. O controle das escolas deveria ser
restabelecido, e para isso se tronava imprescindível uma nova legislação que
conseguisse agregar os interesses de reforma com o projeto político do regime
instalado em 1964.
Nestas circunstâncias, as mensagens foram lidas em regime de urgência e no
dia 31 de outubro, foi apresentado o parecer tão esperado. Depois de passar por
133 emendas a quais foram acrescentadas mais nove do relator Lauro Cruz, apenas
16 foram aceitas em seu conteúdo integral.
Apesar de ter enfrentado óbices, colocados principalmente por representantes
do MDB, pode-se dizer que a Lei 5.540/68 foi pacificamente, visto que as pressões
feitas pela maioria suplantaram a oposição da minoria, que figurou no papel de
oposição consentida. Sinteticamente, nos dizeres de Florestan Fernandes, a Lei
5.540/68é um produto típico do regime político instaurado com o golpe militar de
1964.
20
CAPÍTULO 2 - ANÁLISE TEÓRICA
Neste capítulo será apresentada uma análise das leis educacionais já
apresentadas até aqui, com o intuito de entender qual foi o reflexo das ideologias
dos intelectuais nas reformas e elaboração destas leis.
Vale lembrar, que esta análise será feita sob a ótica do conceito de intelectual
orgânico, definido por Gramsci. Sendo assim, analisar-se-á, primeiramente, o papel
da educação e dos intelectuais na análise do autor e, posteriormente, o papel de
alguns desses intelectuais que atuaram nos projetos de construção da LDB de 1961
e da Reforma Universitária, suas atividades e seus projetos de reforma.
2.1 Gramsci e a educação
Gramsci, pensador italiano, viveu na transição do século XIX para o século
XX, apesar de sua formação (era advogado), deixou várias contribuições no que diz
respeito à educação, à cultura, dentro da tradição marxista.
Apesar de seu brilhantismo, seus pensamentos foram muitas vezes
interpretados erroneamente, principalmente no que diz respeito ao conceito de
Revolução definido por ele. Estas interpretações se devem muitas vezes pela
péssima de condição de acesso aos seus escritos.
No Brasil aconteceu a mesma coisa. Contribui para isto o difuso, mecânico e restritivo conceito de revolução. Sabe-se que é de interesse da ideologia burguesa, reforçada pelos asfixiantes e panfletários discursos de vários grupos de “esquerda”, difundir um conceito grotesco de revolução. Dessa forma, torna-se mais fácil sua eliminação por parte da inteligência humana que, logicamente, rejeita fórmulas estreitas e obtusas. (NOSELLA, 1988, p. 92).
No entanto, apesar de seu vasto trabalho, na presente pesquisa, ater-se-á à
análise da Sociologia da educação de Gramsci e seus estudos acerca dos
intelectuais, dentre outros aspectos que é o que nos interessa nessa pesquisa.
Gramsci, apesar de ser um estudioso da Teoria social de Karl Marx, partia do
pressuposto de que a revolução deve ser feita de maneira diferente da proposta pelo
pensador alemão. No pensamento de Gramsci, o espaço onde a luta de classes
ocorre é, em grande parte, o da cultura, e esta se dá, principalmente, de maneira
ideológica.
21
Em sua concepção de revolução a cultura desempenha papel importante e
para efetivar esse processo, Gramsci lança mão de duas concepções: a idéia de
escola unitária e o papel desempenhado pelos intelectuais no processo de
construção da hegemonia de uma classe social. A escola unitária seria o lugar onde
os indivíduos teriam acesso ao mesmo tempo a conteúdos relativos a formação
profissional e a cultura clássica, e é nesta escola que seria formado o denominado
intelectual orgânico(tema este que será estudado mais adiante), que nada mais é do
que o sujeito que possui ao mesmo tempo um comprometimento com a classe a que
se vincula e um saber (erudito e técnico-profissional) que o distingue dos demais.
(SANTOS, 2007)
Quando Gramsci discute a questão da escola unitária através da ótica
política, está discutindo a questão da hegemonia. Nesse ponto, o autor acredita que
a escola é um eixo que está intrinsecamente ligado a dois outros fatores: a
construção da hegemonia e o papel do intelectual. Para o pensador, a escola deve
ser pensada da mesma maneira que as outras manifestações de cultura, e entende
que a hegemonia burguesa da formação social capitalista é dominante, mas que
uma nova cultura pode ser criada, dando origem a uma nova hegemonia.
Daí que a escola, assim como o partido de quadro, o jornal, que Gramsci chama de "escola de adultos", a revista, enfim, todas as expressões culturais, se constituem expressões especialmente políticas; são instâncias através das quais a hegemonia burguesa está consolidada, sedimentada. Urge entendê-las para dissecá-las, para que outra se faça e com teor diferente que não de dominação e exploração. É assim que Gramsci se empenha na compreensão do bloco histórico, cimentado pelo intelectual burguês, para desmontá-lo. A questão da construção de uma nova hegemonia é a própria luta revolucionária, que carrega no seu bojo a construção da escola unitária. (SABÓIA, 2009)
Gramsci ao longo de seus estudos mostrou bastante dedicação em relação à
educação e por isso muitos de seus estudos se baseiam na análise da mesma. Para
o pensador a educação seria uma maneira de os trabalhadores seguirem em busca
de sua autonomia e desenvolver uma cultura que pudesse fazer frente à burguesia.
Acerca desta afirmação acrescenta-se:
A luta dos trabalhadores para garantir e aprofundar a cultura, para se apropriar do conhecimento, traria consigo o esforço e o emprenho para assegurar sua autonomia em relação aos intelectuais da classe dominante e ao seu poder despótico. (ROIO, 2006, p. 312)
Deste modo, pode-se constatar que sua opinião se difere em muitos aspectos
de pensadores como, por exemplo, Althusser, que vê a escola apenas como um
lugar de reprodução de ideologias das classes dominantes, sem mostrar um
22
caminho para as classes subalternizadas se desvencilharem do mesmo.
Para Gramsci, o caminho a ser trilhado para se desvencilharem da hegemonia
de uma classe era uma renovação na cultura e o processo educativo. Gramsci parte
da análise de que a educação possui uma função política e, portanto filosófica e
histórica da educação, vendo a escola como um instrumento da hegemonia
privilegiada na formação de uma nova cultura.
Tendo a idéia de que a filosofia é a história concreta dos homens, esta é a
própria política e hegemonia. Partindo desse pressuposto então, a escola tem como
tarefa preparar os alunos para a “sociedade das coisas” e para a “sociedade dos
homens”, se situaria no cerne de um processo político de luta hegemônica entre as
classes políticas.
Para complementar essa ideia:
A escola é um desses aparelhos de hegemonia, que tanto serve para reproduzir o Estado burguês, no preparo de peças para o capital, como, pela contradição, pode propiciar a critica e a consciência da necessidade de superá-lo. A hegemonia da classe dominada, na travessia do processo revolucionário, se utiliza, sim, da máquina do Estado atual. Para Gramsci, a escola, na perspectiva da classe operária tem tarefas a cumprir, enquanto se faz em uma das estratégias de "guerra de posição. (SABÓIA, 2009)
Gramsci não exclui o aspecto político da educação, ao contrário disso coloca
a escola como um campo de luta hegemônica, como organismo de participação
política. Mas, não é pessimista a ponto de acreditar que a escola seria apenas um
espaço de reprodução de ideologias, o pensador vai muito além:
Ainda que se constituísse em fortificações das classes dirigentes são, também, lugar de antagonismos, cabendo às classes dominadas explorarem estes espaços, conquistarem posições e, desta forma, criarem uma contra-ideologia que significa elaborar uma outra filosofia e um outro senso comum, buscando, desta forma, inverter a correlação de forças vigentes neste Estado de classes que porta projetos de sociedades distintas. (SABÓIA, 2009)
Gramsci queria sair da abstração das discussões dos princípios de igualdade
e liberdade, passando a discuti-las de maneira concreta de como realizar a
educação nestes princípios, tendo em vista a construção de uma nova hegemonia,
capaz de contribuir para a construção de um mundo com os pilares da igualdade e
liberdade, libertados das amarras da alienação.
Desta forma, e diante do que já foi exposto acerca do pensamento de
Gramsci sobre educação, dá-se a entender que a análise de Gramsci acerca da
mesma, vai muito além de analisá-la como mero aparelho ideológico do Estado e
reprodutor do discurso das classes dominantes, apesar de o pensador se dar conta
23
de que as classes dominantes exercem sim, grandes influência sobre ela.
Partindo desta análise, dá-se a entender o porquê de as classes políticas,
intelectuais, representantes das classes dominantes, possuírem tamanho interesse
em relação à educação. Este interesse se mostra, por exemplo, nas propostas de
mudanças na legislação, num congresso realizado às vésperas da aprovação de
uma lei educacional, como já foi discutido no capítulo anterior e que também será
discutido ao final deste capítulo.
2.2 Gramsci, os intelectuais e a elaboração das Lei 4.024/61 e
5.540/68
Na elaboração das leis em questão alguns intelectuais tiveram papel
preponderante. Começa-se por analisar a figura de Gustavo Capanema, autor de
diversos projetos de reforma da Lei 4024/61, até conseguir levar a pauta o Decreto
número 4.224 de 1942, a denominada Reforma Capanema.
Tal reforma do sistema educacional brasileiro, foi realizada durante a Era
Vargas (1930-1945), sob o comando do ministro da educação e saúde Gustavo
Capanema. A mesma foi marcada pela articulação junto aos ideários nacionalistas
de Getúlio Vargas e seu projeto político ideológico, implantado sob a ditadura
conhecida como “Estado Novo”. Vale lembrar, que a Reforma Capanema, não foi um
projeto de reforma, mas uma reforma educacional consolidada e posta em prática
durante os anos do Governo Vargas e o que será posto em breve análise, são os
reflexos desta reforma sobre a Lei 4.024/1961.
Capanema era advogado e começou sua vida política muito cedo, sendo
vereador em sua cidade natal (Pitangui), aos vinte e sete anos. A partir daí, passa
aos cargos de secretario do governo de Minas, ate chegar a ser nomeado interventor
neste mesmo estado. O ápice da sua carreira como político se deu, quando assume
o Ministério de Educação e Saúde do governo de Vargas em 1934, cargo que só
deixaria em 1945.
Outro papel importante, desempenhado por este intelectual em questão, e o
papel de ser um dos fundadores da Arena, partido político, já mencionado neste
trabalho.
No entanto, algo importante que se deve lembrar sobre este personagem é o
seu apoio declarado a Igreja Católica, fazendo com que este político defendesse o
ensino privatista, desde os anos, de 1934. E esse apoio, se mostra na Lei 4024 de
24
1961, quando se afirma o poder da família e o papel secundário do Estado na
educação, valorizando assim, as instituições privadas e confessionais, sustentadas
pela Igreja Católica.
Na denominada Reforma Capanema, existe um titulo denominado “Da
educação religiosa”, leia-se ensino da religião católica, visto que no artigo 21 da
reforma, o programa de ensino desta disciplina fica a cargo dos lideres eclesiásticos.
O artigo 69 de sua Reforma, acatado posteriormente pela Lei de 1961, torna
livre a iniciativa particular, dando às pessoas jurídicas de direito privado o direito de
se manterem como estabelecimentos, com caráter de ente publico, arcando com os
ônus e os bônus de o serem.
Sendo assim, denota-se sinteticamente a influência deste político sobre a Lei
de 1961, fazendo com que o mesmo fosse considerado um dos maiores inimigos da
oposição, defensora de um ensino publico de qualidade, neste período. Acerca de
Capanema, Shwartzman sustenta:
Ocupando no Congresso posição privilegiada. como representante dos governos pedessistas para todas as questões educacionais, Capanema contribuiu, seguramente, para que o sistema educacional ambíguo e contraditório que criara fosse preservado e para que o debate educacional não prosperasse (SCHWARTZMAN, 2009).
Passa-se agora à figura de Clovis Salgado, responsável pelo substitutivo
numero 2.222, de 1957. Salgado, mineiro, possuía formação em Medicina, mas ao
que tudo indica, demonstrou interesses pela política, chegando a se candidatar e a
participar da Comissão da Constituinte em 1933 pelo Partido Republicano Mineiro
Nos anos de Estado Novo, passa a se dedicar a docência, sendo chefe da
Escola de Enfermagem de Minas Gerais. Em 1950, torna-se vice-governador de
Juscelino Kubitscheck, assumindo o cargo de governo quando este resolve se
reeleger. Em 1955, assume o governo de Minas Gerais, tomando medidas
importantes em relação a educação, implantando varias escolas de ensino publico,
criando a Universidade de Minas Gerais, dentre outras medidas.
Quando Juscelino assume a presidência, Salgado assume o Ministério de
Educação e Cultura. No intuito de estabelecer uma adequação entre o sistema
educacional e as transformações por que passavam o país, principalmente no que
diz respeito ao ensino secundário e superior. Deu bastante importância ao ensino
técnico-profissional, isso se mostrando na sua proposta de reforma.
Quanto à sua proposta de reforma, tem-se que esta (substitutivo 2.222),
25
representou o seu interesse de criar escolas técnicas que satisfizessem a demanda
do mercado produtor brasileiro, agora defensor do capitalismo industrial.
Passemos a analisar a vida de Carlos Lacerda, este político carioca bastante
conhecido na historia de nosso país. Jornalista, conhecido por ter sido apontado
como um pivô que provocou o suicídio de Getulio Vargas, era como se tivera nascido
com a política no sangue, visto que seu pai e seu avo, já vinham de uma longa
carreira política.
Sua carreira se inicia pela Aliança Libertadora Nacional, mas logo se
desvencilha desse partido, se filiando a UDN. O que torna a vida de Lacerda, mais
pública, por assim dizer, é o fato de possuir um jornal, e dele se utilizar para fazer
ataques ao governo, e conseqüentemente, passar para o papel grande parte de sua
ideologia, e desta forma, influenciando pessoas e agregando-as a seus ideais.
No que diz respeito à questão educacional, Lacerda, assim como na vida
política e pessoal, foi um crítico ferrenho da proposta de Lei de 1961, enviando ao
Congresso para que fosse votado, o denominado Substitutivo Lacerda.
Dentre outras coisas, este substitutivo, é marcado por um apoio declarado ao
ensino particular e ele como sendo líder da UDN, e jornalista crítico, também foi
duramente criticado por outros jornais, alegando que isso traria prejuízos ao ensino
público brasileiro. De fato, esse apoio ao ensino particular, e bastante disso se
mostra na legislação de ensino editada em 1961(que será mais detalhada no
capitulo que se segue).
A partir deste pequeno retrato acerca desses intelectuais, vemos que os
mesmos se encaixam perfeitamente no conceito de intelectual orgânico pensado por
Gramsci:
O intelectual orgânico é definido como o representante da hegemonia, um funcionário da superestrutura, o criado do grupo dominante, aquele que assegura o consenso ideológico da massa em torno do grupo dirigente (...) (MACCIOCHI, 1980, p.188).
Alem do que, esses intelectuais, exercem as funções a que Gramsci faz
alusão quando fala dos intelectuais orgânicos de primeira linha: jornalistas,
advogados, educadores, médicos, etc.. Estes intelectuais seriam intelectuais
políticos, qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funções
inerentes ao desenvolvimento orgânico de uma sociedade. (BUCI-GLUCKSMANN,
1980, p. 57).
Deixando de analisar a vida de alguns dos intelectuais que participaram da Lei
26
de 1961, passemos a analisar alguns dos intelectuais envolvidos na legislação do
ano de 1968.
Nesta lei não existem tantos intelectuais divergindo acerca de seu conteúdo,
visto que, como afirma Saviani (1996:p.73), “a atuação dos mesmos se resigna a
uma oposição consentida”, e como a maioria no Congresso era representada por
lideres do MDB, ficava mais difícil para lideres de outro partido declarar oposição.
Mas quem mais se opôs a esta lei e quem mais tinha interesse na aprovação
de uma lei que reformasse o ensino universitário, por opção ficou fora desse
processo legislativo: os estudantes. Sendo assim, esta análise se resignará ao papel
dos líderes da maioria que participaram deste processo.
Assim, torna-se mais interessante entender por que não houve tantas
divergências quanto a esta reforma, posto que os estudantes, que poderiam oferecer
mais resistência através de seu órgão de atuação (UNE), como já foi mencionado no
capítulo anterior, se resignaram a não participar deste processo.
Nesse contexto, podemos comparar os estudantes ao intelectual coletivo,
descrito por Gramsci como “o portador de uma doutrina capaz de se impor como
ideologia, porque ele é capaz de desenvolver sua ação política e revolucionária em
toda uma rede de trincheiras formadas pela superestrutura burguesa.” (MACCIOCHI,
1980, p. 201).
Gramsci ainda compara o intelectual coletivo, como uma cabeça que pensa
através de mil cérebros, e de certa forma, é este o reflexo do movimento estudantil
na comunidade universitária da época em que estamos tratando. É como se os
estudantes, organizados através da UNE, tivessem um papel de intelectual
coletivo,assim como um partido político, e por isso, representavam riscos a este
processo.
Voltando ao processo legislativo, temos que a maior oposição, não foi tanto
em relação ao seu conteúdo, mas mesmo assim, pelos artigos que serão analisados
posteriormente nota-se que o discurso nela utilizado é de um autoritarismo
característico do regime ditatorial e de seus líderes, que em sua maioria se
encaixam no perfil de intelectuais orgânicos da burguesia de Gramsci:
“Gramsci quer provar que os intelectuais não representam, por si mesmos
uma classe, mas estão organicamente ligados ao grupo dominante para assumir a
função de “agentes da hegemonia” (MACCIOCHI, 1980, p. 192).
Desta forma, esses intelectuais, que participaram das leis, representam os
27
ideais de uma classe dominante, elitista e defensora de um privatismo, que já estava
presente desde a lei anterior.
Dentre os intelectuais de mais destaque no processo legislativo da chamada
Reforma Universitária, estão Fernando Bastos de Ávila, Newton Sucupira e Valnir
Chagas.
Fernando de Bastos Ávila, descendente de família de classe média, estudou
Retórica, Humanidades, Filosofia Escolástica. Logo em 1954, depois de concluir seu
mestrado assume a cadeira de professor da Pontifícia Universidade Católica,
chegando a ser vice-reitor da instituição. Sendo assim, como representante direto da
Igreja Católica, como padre que era, não era difícil saber o interesse de qual
instituição ele defendera. Tinha interesse direto em que se valorizassem ainda mais
o ensino privado e confessional no país e foi isso que fez ao participar do Grupo de
Trabalho da Reforma Universitária.
Por outro lado, estava Valnir Chagas, cearense, bacharel em Direito e
licenciado em Pedagogia, teve como carreira o papel de educador, tendo participado
da fundação da Universidade de Brasília, também participou do Grupo de trabalhos
que se envolveu no processo legislativo da Reforma Universitária de 1968(ABMES
Notícias, 2006).
Ambos representavam uma liderança entreguista e defensora de um país que
ao invés de seguir a tendência dos países desenvolvidos defendia que o Brasil se
adaptasse à tecnologia importada, defensora de uma universidade que formasse
recursos humanos para as empresas nacionais e principalmente internacionais, que
estavam emergindo no país.
Cabe-nos analisar sinteticamente a vida do último intelectual aqui
exemplificado, que é Newton Sucupira, personagem também participante deste
processo.Sucupira, era membro do Conselho Federal de Educação, membro da
Academia Brasileira de educação, e sua contribuição para a Reforma Universitária,
representou um avanço para a Universidade no Brasil.Como proposta, sugeriu que o
ensino fosse indissociável da pesquisa e que para lecionar em uma universidade o
docente deveria ter em seu currículo, pelo menos, uma pós-graduação em sentido
estrito, e como veremos, esta proposta, se manteve na edição final da Lei 5540 de
1968.
Por fim, temos a figura do general Meira Mattos, destacado militar, chegando
a servir na Itália na 2º Guerra Mundial, foi instrutor de Geopolítica da Escola da
28
Aeronáutica, subchefe do Gabinete Militar de Castelo Branco, dentre outros feitos de
destaque em sua carreira. Além disso, também cursou a Escola Superior de Guerra,
onde conheceu de perto os interesses da instituição.
No ano de 1967 foi convidado a redigir um relatório sobre as condições da
universidade no Brasil e sobre as reivindicações estudantis, relatório rico em
sugestões estruturais para melhorar a qualidade do ensino superior no Brasil.
Tal relatório, que acabou ganhando o seu nome, continha algumas sugestões
implícitas, para que os estudantes fossem desagregados, de forma a conter os
movimentos dos mesmos contra o governo militar instituído.
Além dessa colaboração, a Lei de Reforma Universitária se baseou no
Relatório Atcon, norte-americano que trouxe consigo o modelo de universidade de
seu país, disseminando muito bem a ideia de privatização deste nível de ensino:
Para ele a Universidade deveria ter autonomia acadêmica, científica, e principalmente financeira, livre da interferência estatal, devendo funcionar como se fosse uma empresa privada. O Relatório Atcon também teve importante influência na proposta de reforma universitária feita pelo GT.(DA MATA, 2005).
Sendo assim, tendo analisado sinteticamente alguns aspectos das vidas dos
intelectuais envolvidos neste processo legislativo, conclui-se que tal processo que
envolvendo as leis educacionais, e acreditando que nas demais leis do país,
também, o papel dos intelectuais, é fundamental para definir os rumos que irão
seguir as diretrizes não só da educação, mas também de outros assuntos
amparados por leis.
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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE COMPARATIVA DAS LEIS 4.024/61 E
5.540/68
O presente capítulo tem o intuito de analisar alguns artigos das leis
apresentadas, compreendendo-as no contexto de criação de uma hegemonia da
classe burguesa no Brasil, principalmente daquela vinculada ao desenvolvimento de
um capitalismo industrial articulado aos interesses capital internacional. No entanto,
não se tem o intuito de doutrinar sobre as mesmas, visto que, este serviço esta a
cargo de nossos juristas. O que se busca neste trabalho é uma breve análise de
alguns artigos das Leis educacionais de 1961 e 1968 com base nas hipóteses
levantadas ate aqui sobre as mesmas. Sendo assim, analisaremos alguns capítulos,
com posteriores comentários acerca dos mesmos.
Partindo da análise do primeiro artigo da Lei 4.024/61, artigo este que, mesmo
depois de tantas emendas, permaneceu na edição da Lei.
Art. 1 - A Educação Nacional, inspirada nos princíp ios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana, tem por finalid ade: a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa h umana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; b) o respeito à dignidade e às liberdades fundament ais do homem; c) o fortalecimento da unidade nacional e da solida riedade internacional; d) o desenvolvimento integral da personalidade huma na e a sua participação na obra do bem comum;
Apesar de este artigo tratar da educação de maneira genérica, nota-se pelo
discurso da Lei, uma influência da Igreja Católica ao expressar que a educação terá
o envolvimento da família e prezar pelos ideais de solidariedade,unidade,temas
estes, bastante defendidos pelo discurso de uma instituição confessional, por
exemplo. Além disso, podemos perceber a presença de elementos de um discurso
liberal, quando o texto da lei remete aos princípios fundamentais elencados em
nossa Carta Magna, como a liberdade, o respeito ao Estado, o respeito à dignidade
e à cidadania do indivíduo, dentro do contexto das liberdades e direitos individuais
professados pela burguesia.
Quanto ao artigo terceiro da mesma Lei:
Art. 3º - O direito a educação e assegurado: I - Pela obrigação do poder público e pela liberdad e da iniciativa particular de ministrarem em todos os graus, na for ma da lei em vigor; II - Pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para
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que a família e, na falta desta, os demais se desob riguem dos encargos da educação , quando provada à insuficiência de mei os, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos.
Pela redação deste artigo, nota-se a liberdade que se dá ao ensino privado,
comparando-se o mesmo em igualdade de direitos com o ensino público. Mais a
frente, ao ensino privado é dada o direito de ser considerada uma autarquia, que
nada mais é que uma entidade auxiliar da administração pública estatal autônoma,
descentralizada. Seu patrimônio e receitas são próprios, porem tutelados pelo
Estado.
Destaca-se o conceito de Autarquia de Maria Sylvia Di Pietro (2007, p. 47), "a
pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-
administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante
controle administrativo exercido nos limites da lei”.
Quanto às atribuições do Conselho Federal, de Educação, a Lei expressa
uma gama de direitos atribuídos a este órgão que faz seus membros utilizarem os
mesmos para ultrapassar os limites do poder do chefe do Poder Executivo, pois, a
própria lei assim o admite:
Art. 9 – Ao Conselho Federal de Educação, alem de o utras atribuições conferidas por lei, compete: a) decidir sobre o reconhecimento dos estabelecimen tos de ensino superior, federais e particulares; b) decidir sobre o reconhecimento das universidades , mediante a aprovação dos seus estatutos e dos estabelecimentos isolados de ensino superior, depois de um prazo de funcionament o regular de, no mínimo, dois anos; c) pronunciar-se sobre os relatórios anuais dos ins titutos referidos nas alíneas anteriores; g) promover sindicâncias, por meio de comissões esp eciais, em quaisquer estabelecimentos de ensino, sempre que ju lgar conveniente, tendo em vista o fiel cumprimento desta lei; h) elaborar seu regimento a ser aprovado pelo Presi dente da Republica;
Pelo que se vê, lhe é dada bastante autonomia, só lhe sendo tirado o papel de
inspecionar e reconhecer os estabelecimentos particulares de ensino superior,
atribuição que e dada a União, esta sendo entendida como: entidade federal
formada pela reunião das partes componentes, pessoa jurídica de Direito publico
interno, autônoma em relação às unidades federadas, a quem cabe as prerrogativas
da Soberania do Estado brasileiro (LIMA, 2005).
Partindo para as instituições de ensino superior, temos que estas são tratadas
de maneira diferente nas duas leis e pode-se dizer que mesmo com muitas
31
limitações, de certa forma a Lei de 1968, representou alguns avanços para o ensino
superior.
O primeiro artigo que retrata especificamente da educação de grau superior
(como era chamada na lei), fixa os objetivos do ensino superior, a seguir dispostos:
Art. 66 - O ensino superior tem por objetivo a pesq uisa, o desenvolvimento das ciências, letras, artes, e a fo rmação de profissionais de nível universitário.
No que tange aos objetivos do ensino superior, a Lei de 1968, possui esta
mesma redação e as diferenciações surgem logo adiante, ao se propor que o ensino
superior se torne indissociável da pesquisa, proposta esta trazida por Newton
Sucupira:
Art. 2º - O ensino superior, indissociável da pesqu isa, será ministrado em universidades e, excepcionalmente, em estabeleci mentos isolados, organizados como instituições de direito público ou privado.
A seguir no quarto artigo da Reforma Universitária é dado aos
estabelecimentos de ensino superior isolados, o direito de serem consideradas
autarquias, como já havíamos discutido anteriormente:
Art. 4º- As universidades e os estabelecimentos de ensino superior isolados constituir-se-ão, quando oficiais, em auta rquias de regime especial ou em fundações de direito público e, quan do particulares, sob a forma de fundações ou associações.
Desta forma, estas instituições, a partir de todas as benesses garantidas por
esta lei, se transformaram em verdadeiras empresas, e isto de certa forma
desresponsabiliza o Estado de seu dever constitucional de oferecer educação em
todos os níveis de ensino.
Acerca desta problemática, temos a seguinte afirmação:
Podemos notar que a partir desta década (60) houve um processo de privatização sem precedentes do ensino no país, caracterizando a educação enquanto um grande negócio, desresponsabilizando o Estado de seu dever, destinando verba pública para a iniciativa privada. Tal posicionamento tem continuidade nas décadas seguintes. Nunca na história do país foram abertas tantas universidades particulares como nos anos 80 e 90, bem como, praticada a isenção fiscal para empresário da educação (...) (DA MATA, 2005).
Um artigo que causou polêmica também foi a extinção da cátedra, que antes
vinha regulada pelo artigo 74 da Lei de 1961:
Art. 74 - O ensino das disciplinas obrigatórias dos cursos de graduação será ministrado por professor catedrático nomeado por concurso de títulos e provas ou transferido de outr o estabelecimento onde tenha sido nomeado após o concurso equivalente .
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Tal artigo foi alvo de discussões, pois, mesmo extinguindo-se a cátedra,
manteve-se como um posto da carreira de magistério. Vale lembrar que a cátedra a
que fazemos menção era vitalícia e foi esta vitaliciedade que foi extinta.
Além disso, foi criado o regime de dedicação exclusiva a partir do artigo 34 da
Lei de 1968. Compare:
Art. 33 - parágrafo 3º-Fica extinta a cátedra ou ca deira na organização do ensino superior no Brasil. Art. 34 - As universidades deverão, progressivament e e na medida de seu interesse e de suas possibilidades, estender a seus docentes o Regime de Dedicação exclusiva.
Acerca da extinção da cátedra temos o seguinte comentário:
O regime autoritário militar aboliu a cátedra e o conseqüente “enfeudamento do saber”, transformando o cargo de professor catedrático no patamar final da carreira docente, e alocou os docentes em departamentos e não mais em cursos, procurou implantar a indissociabilidade ensino/pesquisa, pelo qual o professor deve transmitir o saber adquirido e criar o saber novo (...) (STEPHANOU, BASTOS, CAMARA, 2005, p. 314).
Desta forma, o que se tem, pelo menos em teoria, é que com a extirpação da
cátedra, extinguia-se também a sua representação de universidade elitista, pois,
num contexto de universidade como instrumento de ascensão social, não seria mais
possível. E isso aconteceu de fato, pois, o que se mostra na prática é que a extinção
da cátedra levou ao estabelecimento de uma carreira profissional para os docentes,
com a criação de departamentos, conferindo como objetivo agilidade às estruturas
administrativas. Vale ressaltar que isto não significa que o elitismo acabou nessas
instituições, apenas tornou mais racionalizado o acesso e a carreira dos docentes.
Passando adiante, têm-se as figuras dos estabelecimentos isolados de
ensino, que mais uma vez, beneficiou as instituições privadas de ensino.
Inicialmente, o intuito, era diminuir o número de estabelecimentos isolados,
aumentando o ensino universitário, baseado no binômio pesquisa-extensão. Como
afirma Figueiredo (2005):
(...) o que aconteceu foi o inverso. Sabemos que não foi isso o que na realidade aconteceu, na verdade foram as universidades que se tornaram excepcionais. Nas universidades, baseadas no ensino, pesquisa e extensão, deveriam ser criados cursos de graduação (que poderiam ser de curta ou longa duração), pós-graduação, extensão, aperfeiçoamento, especialização e pesquisa. Mas a estrutura organizacional desse tipo de ensino superior é muito dispendiosa, o que acarretou na criação de várias Faculdades (estabelecimentos isolados ou instituições similares), principalmente na esfera privada, já que essa estrutura é menos dispendiosa do que a estrutura em universidade. A maior parte do setor privado optou por esse último tipo de estabelecimento de ensino superior, o que possibilitou a esses estabelecimentos tornarem-se empresas altamente lucrativas.
33
Na lei anterior já existia um título dedicado a estes estabelecimentos, mas
como se pode notar através da leitura de sua redação, a disponibilidade de direitos a
eles concedidos, persiste apenas em sua caracterização como autarquias ou
fundações. Vejamos:
Art.85(Lei 4.024/61)-Os estabelecimentos isolados s erão constituídos sob a forma de autarquias ou de fundações ou associ ações.
A única ressalva feita a estes estabelecimentos seria a nomeação de
curadores que cuidariam de seu orçamento anual e fiscalizar os atos do diretor. Mas
a lei é silente sobre quem formaria este Conselho de Curadores, ficando à escolha
do próprio estabelecimento a nomeação destes curadores, tornando estes
estabelecimentos gestores de si mesmos.
Dando prosseguimento, na Lei de 1961, persiste também o interesse de se
investir em educação profissional, seguindo a linha de que o ensino fosse voltado
para atender às necessidades do mercado, interesse este que se mantém na Lei de
1968, ocorrendo de maneira mais específica, ainda que nesta última, surgisse um
interesse maior pela qualificação do ensino superior e incentivo aos cursos de pós-
graduação.
Art.67 - O ensino superior será ministrado em estab elecimentos, agrupados ou não em universidades, com a cooperação de institutos de pesquisa e centros de treinamento profissional. Art. 23 (Lei de 1968) - Os cursos profissionais pod erão, segundo a área abrangida, apresentar modalidades diferentes quanto ao número e à duração, a fim de corresponder às condições do mer cado de trabalho. Parágrafo 1º - Serão organizados cursos profissiona is de curta duração, destinados a proporcionar habilitações int ermediárias de grau superior. Parágrafo 2º - Os estatutos e regimentos disciplina rão o aproveitamento dos estudos dos ciclos básicos e pro fissionais, inclusive os de curta duração, entre si e outros cu rsos.
Neste último caso, é como se o próprio artigo fosse auto-explicativo, pois,
coloca especificamente o ensino profissional como sendo supridor da demanda de
recursos humanos para o mercado produtor que estava sendo consolidado no país
(capitalismo industrial),ficando claro, o interesse desenvolvimentista que objetivava
a formação de trabalhadores que pudessem produzir mais,tema este que já foi
tratado no 1º capítulo deste trabalho. Clara está também a influencia o pensamento
tecnicista e da teoria de Theodore Schultz, defensor do princípio de que as escolas
devem ser consideradas empresas e de que o objetivo do processo de ensino é a
formação de um “capital humano”.
Quanto à representação estudantil e aos cargos de Reitor, Diretor, observa-se
34
que houve um avanço limitado, visto que, o que parece é que a Reforma
Universitária, vem para legitimar, “deslegitimando” os anseios do movimento
estudantil. A mudança substancial que houve, foi a desnecessidade de aprovação do
Chefe do Poder Executivo em nomear as lideranças das Universidades, o que era
necessário na Lei de 1961.
Veja como era a redação de Lei de 1961:
Art.76- Nos estabelecimentos oficiais federais de e nsino, os diretores serão nomeados pelo Presidente da República dentre os professores catedráticos efetivos em exercício, eleitos em list a tríplice pela congregação respectiva, em escrutínios secretos, po dendo os mesmos serem reconduzidos duas vezes.
Ressalte-se que esta normatização exclui os estabelecimentos isolados e
privados de ensino dando a estes, maior autonomia, mesmo que estes de certa
forma estivessem sendo financiados pelo poder estatal.
A redação da Lei posterior confere este poder ao Governo e esta escolha se
dava através de nomeação, através de indicação do colegiado, o que não representa
muita diferença em relação à lei anterior. Além disso, por ser silente, a lei abre a
brecha para que estes cargos sejam ocupados por pessoas que não façam parte o
corpo docente da universidade, podendo estes, serem escolhidos, como ressalta
Figueiredo (2005), por terem prestígio da vida pública ou empresarial, ou seja, na
prática, as pessoas que ocupavam esses cargos, em sua maioria, eram aquelas
aliadas ao governo, ou integrantes da elite empresarial. Desta forma, procurava-se
retirar da liderança universitária, representantes de esquerda. Adiante, tem-se a
redação dos artigos a que fizemos menção:
Art. 16 - A nomeação de Reitores e Vice-Reitores de universidades e Diretores e Vice-Diretores das unidades universitár ias ou estabelecimentos isolados far-se-á com observância dos seguintes princípios: I - O Reitor e o Vice- Reitor de Universidade ofici al serão nomeados pelo respectivo Governo e escolhidos de listas de n omes indicados pelo Conselho Universitário ou colegiado equivalent e. Inciso IV, Parágrafo 1º - Os Reitores, Vice Reitore s, Diretores e Vice-Diretores das instituições de ensino superior manti das pela União, salvo disposto no parágrafo 3º deste artigo, serão indicados em lista de seis nomes pelos respectivos colegiados e nomead os pelo Presidente da República.
Quanto aos órgãos de representação estudantil, tem-se que estes, passaram
por um processo de mudança um pouco mais profunda. A eles foi dado o poder de
voto nos colegiados das universidades, mas com uma representação que se limitaria
a um quinto do total dos membros destes colegiados. Observe:
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Art.38 - O corpo discente terá representação, com d ireito a voz e veto, nos órgãos colegiados das universidades e dos estab elecimentos isolados de ensino superior, bem como em comissões instituídas na forma dos estatutos e regimentos. Parágrafo 1º - A representação estudantil terá por objetivo a cooperação entre administradores, professores e alu nos, no trabalho universitário. Parágrafo 2º - A escolha dos representantes estudan tis será feita por meio de eleições do corpo discente e segundo critér ios que incluam o aproveitamento escolar dos candidatos, de acordo co m os estatutos e regimentos. Parágrafo 3º - A representação estudantil não poder á exceder de um quinto do total dos membros dos colegiados e comiss ões.
Vale lembrar, que estes regimentos também estariam sujeitos a aprovação da
direção da própria universidade e como já sabemos, a escolha desta direção estava
sujeita também à aprovação do Presidente da República, portanto, estes cargos só
eram ocupados por seus “eleitos”. Desta forma, todas as decisões, regimentos,
destes órgãos de representação estudantil, estavam fadados a serem
descaracterizados quando chegassem na fase de aprovação. Desta forma, o que se
percebe, é que as relativas liberdades que estes órgãos receberam, em tese, nesta
lei, não sairiam do papel.
Além disso, com a Lei de Reforma Universitária, tentando atender os anseios
do movimento estudantil, permite-se a congregação destes alunos em diretórios,
tendo estes, o seu próprio regimento sujeitos também à aprovação. Estes diretórios
também estariam obrigados a prestar contas de sua gestão financeira aos órgãos
competentes.
É o que se pode perceber com a redação destes artigos:
Art. 39 - Em cada universidade ou estabelecimento i solado de ensino superior poderá ser organizado diretório para congr egar os membros do respectivo corpo discente. Parágrafo 1º - Além do diretório de âmbito universi tário, poderão formar-se diretórios setoriais, de acordo com a est rutura interna de cada universidade. Parágrafo 2º - Os regimentos elaborados pelos diret órios serão submetidos à aprovação da instância universitária o u escolar competente. Parágrafo 4º - Os diretórios são obrigados a presta r contas de sua gestão financeira aos órgãos da administração unive rsitária ou escolar, na forma dos estatutos e regimentos.
Por fim, nos últimos artigos do título Do corpo Discente da Lei 5.540/68, ainda
se vê que o intuito desses órgãos seria a promoção de algumas atividades culturais,
de lazer, artísticas tirando do foco (não que isto fosse desnecessário), o que seria
mais importante para esses órgãos que seria representar os estudantes, no que diz
respeito à busca por mais direitos, a contestar os atos de uma administração
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insatisfatória de uma universidade, por exemplo.
Ainda acrescenta-se a esse aspecto, o estímulo a atividades cívicas, o que
nos parece, forçoso, visto que, num período ditatorial, de suspensão de grande
quantidade de direitos civis, onde uma grande parcela da sociedade se encontrava
insatisfeita, era como se este estímulo, fosse uma forma de criar uma valorização da
pátria, da nação, o que na realidade não era o sentimento de muitos brasileiros
naquele momento. Como afirma Germano (1993, p. 104), era necessário despolitizar
o campo acadêmico, neutralizar as ações de contestação do movimento estudantil,
ligado a organizações populares, e mantê-lo sob rígido controle.
É o que se expressa nos seguintes artigos:
Art.40-As instituições de ensino superior: a) por meio de suas atividades de extensão, proporc ionarão aos corpos discentes oportunidades de participação em p rogramas de melhoria das condições de vida da comunidade e no p rocesso geral do desenvolvimento; b) assegurarão ao corpo discente meios para a reali zação dos programas culturais, artísticos,cívicos, desportivo s; c) estimularão as atividades de educação física e d e desportos, mantendo, para o cumprimento desta norma, orientaçã o adequada e instalações especiais; d) estimularão as atividades que visem à formação c ívica, considerada indispensável à criação de uma consciência de direi tos e deveres do cidadão e do profissional.
Tem-se que a grande parte dos “direitos” concedidos aos estudantes nesta lei,
se deve ao Relatório elaborado pelo General Meira Mattos, que o elaborou
pensando principalmente na forma de conter o movimento estudantil, ou seja, estes
direitos garantidos aos estudantes através da Reforma Universitária se deram de
maneira fictícia, pois, o que se viu na prática foi a desagregação destes estudantes a
partir da possibilidade de os mesmos se matricularem por disciplina através do
sistema de créditos, acarretando na desagregação destes estudantes, por não
estarem ligados a um grupo de convívio.
Este controle dos estudantes, na prática se mostrava tão rígido que:
Até a localização geográfica das instituições foram alteradas, as faculdades públicas situadas nos pontos centrais das cidades foram transferidas para os campi no subúrbio, pois consideravam adequados para atenuar e apaziguar a militância política dos estudantes. (FIGUEIREDO, 2005).
Conclui-se assim este capítulo, no intuito de ter colaborado, mesmo que
sinteticamente para a análise destas leis, partindo do pressuposto de que a
elaboração das mesmas é um produto dos ideais dos intelectuais nelas envolvidos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa buscou-se mostrar como os intelectuais, representados
por seus partidos, por suas ideologias, puderam influenciar nos projetos que
antecederam as legislações referidas, e também influenciou na própria lei em si.
Por tudo que foi pesquisado e estudado, pode-se perceber que as leis de
maneira generalizante, sofrem influências do mesmo modo que as leis educacionais
que foram tratadas neste trabalho. Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro
está repleto de leis que são um produto da ideologia de uma classe elitista e
dominante.
Isto se conclui principalmente a partir da análise da Lei 4.024/61, que
demorou treze anos para ser editada devido aos embates provocados pelos políticos
e por que não dizer, devido aos intelectuais que estavam participando de seu
processo legislativo.
Tratando-se da Reforma Universitária, tem-se que a mesma se transformou
na expressão do modelo de desenvolvimento almejado pelo regime militar vigente a
partir do ano de 1964. Neste diapasão, a Reforma iniciou a tendência de transformar
a universidade em instituição orientada principalmente para a formação profissional
e a pesquisa instrumental.
Desta forma, o que se percebe é que a Reforma de 1968, põe fim ao ciclo no
qual o ensino superior brasileiro permitiria ao aluno cultivar a reflexão e a crítica,
independente de sua formação profissional, através de uma educação inspirada nos
moldes humanísticos.
Percebe-se também que este direcionamento para a profissionalização e
instrumentalização da pesquisa decorre da herança norte-americana deixada,
principalmente pelo acordo MEC-USAID, e pelo Relatório Atcon, pois as
universidades norte-americanas foram concebidas e desenvolvidas a partir de um
caráter funcional e instrumental que, conseqüentemente, a partir da Reforma
Universitária, o Brasil começou a seguir.
Além disso, foi possível observar que ao apoio às instituições particulares,
tanto na Lei de 1961, como na de 1968, trouxeram para a educação brasileira como
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um todo, certa falta de qualidade, pois, abriam-se faculdades, escolas, sem
bibliotecas e laboratórios que os suportassem, pois, o que se buscava não era tanto
uma educação de qualidade, mas a lucratividade.
Ademais, percebe-se que o impacto da mundialização reflete diretamente
sobre as estratégias de reformas da educação e isto não ocorreu apenas no Brasil.
Destaca-se também, o fato de retirarem a educação do foco da esfera do direito
público, fazendo com que o Estado favorecesse financeiramente o setor privado.
É valido ressaltar que a reforma universitária foi uma luta de estudantes e de
alguns professores, que não tiveram seus anseios atendidos, e o Governo, sob as
pressões desenvolvimentistas a que já fizemos menção, resolveram tomar a
dianteira do processo para assegurar o controle e a “ordem” das coisas, assim eles
poderiam “reformar” o ensino superior sem romper tradições e os interesses em
jogo.
Pode-se perceber também, que não há um interesse do governo militar em
promover uma reforma em toda a legislação educacional, mas promover uma
reforma apenas no que diz respeito à universidade que através do movimento
estudantil representava um risco à manutenção da ordem vigente.
Por fim, procurou-se neste trabalho, mostrar que, por mais que o estudo
destas leis e do contexto em que elas se inserem, já tenham sido de certa forma
bastante discutidos,os questionamentos, e possíveis estudos acerca do tema não se
esgotaram, mas ainda são passíveis de estudo por diferentes óticas.
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