Os garis de Belo Horizonte
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Centro Universitário Una – Instituto de Comunicação e Artes Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda
TIDIR II – Junho 2010 �
Os Garis de Belo Horizonte
Andrezza Magalhães Cristiane Gontijo
Fernanda Marques Gabriel Mendes Gleidson Barros
Juliana Senra Natália Lanna
Rafael Augusto
RESUMO: Este artigo tem como objeto empírico os garis de Belo Horizonte. Analisa as estratégias utilizadas pelos agentes da limpeza urbana para enfrentar o preconceito de grande parte da sociedade mantendo a autoestima elevada e dignidade durante a rotina de trabalho. Para tal, foram realizadas visitas pelo grupo de pesquisa à Distrital Centro-Sul da Superintendência de Limpeza Urbana –SLU para coleta de informações. Palavras-chave: garis, lixo, preconceito
Este artigo tem como objeto empírico os garis, que podem ser considerados um grupo
profissional da cidade, cuja atividade principal é a coleta e o depósito do lixo. O lixo é
definido, de uma forma geral, como qualquer detrito sólido descartado pela população. Os
profissionais encarregados de sua coleta e depósito são chamados de garis. Diferentemente do
nome lixeiros, forma corrente utilizada pelo senso comum, garis é a denominação correta1
para a atividade de coleta de lixo. Sendo assim, gari é um termo que não se restringe a
atividade de varrição de rua.
Geralmente, os profissionais encarregados pela limpeza urbana são vítimas de
preconceito. A sociedade os enquadra em estereótipos previamente definidos. Esses
estereótipos são conjuntos de características presumidamente partilhadas por todos os
membros de uma categoria social, podendo envolver praticamente qualquer aspecto distintivo
de uma pessoa – idade, raça, sexo, profissão. Segundo Rocha (1988), essa postura é
característica do Etnocentrismo:
���������������������������������������������������������������De acordo com informações coletadas junto a Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte no dia
24 de Abril de 2010.�
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Etnocentrismo é uma visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. (ROCHA, 1988, p. 5)
Apesar dessa atitude etnocêntrica, da sociedade para com os garis, é possível ver esses
profissionais trabalhando alegres e bem humorados. Questiona-se: Como? Por quê? Aí se
encontra a discrepância da idéia de sujeira-limpeza dos profissionais que trabalham com o
lixo, os garis, e da sociedade, pois, para esta tudo que se relaciona lixo é sujo, e, logo, objeto
de repugnância, que se deseja descartar e ficar o mais distante possível. Sendo assim, se os
garis trabalham com o lixo, varrendo ou coletando, são identificados com a sujeira pela
sociedade. Já os garis, que diariamente lidam com o lixo, vêem a mesma situação com olhar
diferente. Daí o choque gerador do Etnocentrismo, como Rocha (1988) descreve:
Este choque gerador do etnocentrismo nasce, talvez, na constatação das diferenças. Grosso modo, um mal-entendido sociológico. A diferença é ameaçadora porque fere nossa própria identidade cultural. O monólogo etnocêntrico pode, pois, seguir um caminho lógico mais ou menos assim: Como aquele mundo de doidos pode funcionar? Espanto! Como é que eles fazem? Curiosidade perplexa? Eles só podem estar errados ou tudo o que eu sei está errado! Dúvida ameaçadora?! Não, a vida deles não presta, é selvagem, bárbara, primitiva! Decisão hostil! (ROCHA, 1988, p.5)
Como o autor afirma, a constatação das diferenças é uma das grandes causas do
etnocentrismo. As pessoas não conseguem entender como outras pessoas de grupos sociais
diferentes vivem e são felizes, tendem a achar que a sua forma de viver e a sua cultura é a
correta e que é impossível viver sem ser daquele modo. Por isso, a dificuldade de
compreensão, o pensamento de que como pessoas, biologicamente iguais a elas, conseguem
viver diariamente lidando com o lixo e criam, a partir de então, conceitos errôneos para esse
grupo profissional.
Em se tratando dos garis a diferença na ideia de limpeza-sujeira é, então, crucial no
comportamento da sociedade diante desses profissionais. Douglas (1991) assinala que a
sociedade tende a relacionar sujeira diretamente com impureza, e limpeza com pureza e a
partir desses conceitos busca a organização do espaço que a cerca. “Tal como a conhecemos,
a impureza é essencialmente desordem. (...) A impureza é uma ofensa contra a ordem.
Eliminando-a, não fazemos um gesto negativo; pelo contrário esforçamo-nos positivamente
por organizar o nosso meio.” (DOUGLAS, 1991, p.14 apud ARAÚJO, 2004).
Assim, se os garis trabalham diariamente e diretamente com o lixo e o lixo remete à
sujeira-impureza são vistos pela sociedade como tal: sujos, fedorentos, e, logo provocam o
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desejo de distanciamento das pessoas. Porém, os garis que desempenham essa tarefa não se
identificam com a sujeira, ou seja, possuem outra visão do que é puro-impuro/limpo-sujo, o
que infelizmente não os impede de passarem por situações constrangedoras assim como
também de “carregar” rótulos que não fazem jus à sua atividade.
Frente a essa realidade, pergunta-se: Quais recursos/estratégias utilizados por esses
profissionais para enfrentar a discriminação da sociedade e manter a autoestima elevada
durante a sua rotina de trabalho?
Os garis são uns dos principais responsáveis pela saúde pública. Desempenham um
trabalho que poucos se candidatariam a fazer, sem citar os riscos que correm realizando sua
função, como o atropelamento por veículos no trânsito, a exposição ao lixo que pode causar-
lhes doenças, lesões, dentre outros. Embora o valor desses profissionais seja notável, são
classificados pelo senso comum como aqueles que realizam uma atividade nada honrosa, já
nas escolas, por exemplo, é motivo de chacota de quem tira notas baixas: “Vai ser gari”.
Talvez uma forma de reconhecer a importância desses profissionais seria imaginar o
resultado de uma greve. Em pouco tempo, as cidades viveriam um caos: o lixo se acumularia;
animais como baratas, ratos, cães, que podem ser transmissores de doenças, se manifestariam;
sem falar no odor que é provocado pelo lixo; e se chovesse então?!
Cientes da importância dos garis, a visão da sociedade a respeito dessa classe de
trabalhadores deveria mudar. Esses cidadãos merecem o mesmo respeito e valor de qualquer
outro profissional. Em busca de conhecer esses profissionais e seu cotidiano, foi realizada
uma pesquisa de campo para obtenção de dados como também pesquisas bibliográficas para
que se possa chegar a uma análise e posterior “conclusão”.
Afinal, como profissionais vítimas de preconceito por grande parte da sociedade
conseguem manter a sua dignidade, autoestima durante sua rotina de trabalho?
A Realização da Pesquisa de Campo Para o desenvolvimento da análise do problema-pergunta foi realizada a pesquisa
qualitativa, pois, enquanto a pesquisa quantitativa trabalha com a obtenção e análise de dados
objetivos, a qualitativa possibilita que o pesquisador tenha uma percepção da esfera subjetiva,
ou seja, da atribuição de sentidos realizada pelos indivíduos que, neste caso, trabalham como
agentes de limpeza urbanos.
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Foram escolhidos os principais instrumentos da pesquisa qualitativa: a entrevista e a
observação participante durante todas as visitas2 realizadas pelo grupo. A observação
participante conforme assinala Minayo (1994) pode ser definida como uma técnica em que o
pesquisador torna-se observador de determinada situação vivida pela sociedade a fim de
coletar dados para sua pesquisa. Já a entrevista, a autora define como: um diálogo ou uma
conversa entre mais pessoas, “desenvolvida” pelo entrevistador que tem como foco a
construção de informações pertinentes para um objeto de pesquisa. Dentre os vários tipos de
entrevistas, foi escolhida a semi-estruturada, visto que combina perguntas abertas e fechadas e
o entrevistado tem a possibilidade de falar sobre o tema em questão sem se prender ao
questionário.
A observação participante juntamente com as entrevistas permitiu ao grupo uma
aproximação ao mundo do trabalho dos sujeitos dessa pesquisa, pois, através das entrevistas
foram coletados dados como experiências vividas pelos garis durante seu dia-a-dia, reflexões
sobre a realidade que vivenciam como também informações técnicas; já a observação
participante possibilitou uma visão de como é a rotina de trabalho deles, o tom das conversas,
as relações entre colegas de trabalho, a postura de cada um, a simpatia e antipatia entre eles, o
que ajudou na construção da análise do problema-pergunta.
A Superintendência de Limpeza Urbana
Em Belo Horizonte, o órgão responsável pela limpeza da cidade é a Superintendência
de Limpeza Urbana – SLU, que possui dez seções espalhadas pelas regiões da metrópole.
Uma delas é a Distrital Centro-Sul com sede na Avenida dos Andradas, 1345, no Bairro
Floresta.3
A seção conta com uma equipe formada por uma média de cento e vinte profissionais,
dentre eles, os garis de coleta, que são os que trabalham nos caminhões e os garis de varrição.
Vale ressaltar que o termo garis está em extinção, pois, em breve o termo correto será agente
de limpeza.
A distrital centro-sul dispõe de uma frota de vinte e nove caminhões, sendo que, doze
caminhões de coleta comum; sete de coleta seletiva e dez caminhões básculas, responsáveis
pela coleta em aglomerados. Há ainda caminhões pipas que são utilizados para limpeza de ���������������������������������������������������������������Visitas realizadas nos dias: 24/04/2010, 15/05/2010 e 22/05/2010. �3 Essa foi a unidade escolhida pelo grupo como fonte de pesquisa.
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lugares públicos, como praças, viadutos (onde muitos moradores de rua vivem) e
monumentos. Dentre os caminhões comuns, há os que fazem a coleta hospitalar de lixo
infectante e outros que fazem dos demais resíduos hospitalares. É a única seção que faz a
coleta de lixo hospitalar, não se restringindo, portanto, a região Centro-Sul da capital.
Cada caminhão de coleta comum transporta por dia cerca de quatorze toneladas de
lixo, os caminhões básculas em média cinco toneladas e os de coleta seletiva sete. O destino
do lixo comum é o aterro em Sabará, já o lixo reciclável é levado para empresas/organizações
que fazem a reciclagem. Para João Cândido Bitencourt4, chefe da Distrital, que trabalha na
SLU há trinta anos, a coleta de lixo seletivo ainda é insignificante em Belo Horizonte.
Os garis de varrição recolhem por mês cerca de três mil toneladas de lixo nas ruas. A
região Centro-Sul é responsável por um terço dessa estimativa. A varrição das ruas na capital
varia de semanal a diária, de acordo com o fluxo de pedestres e veículos, sendo que algumas
vias do Hipercentro são varridas até três vezes por dia5. O serviço é executado por 1630
profissionais de varrição em toda a cidade e os gastos com o serviço de limpeza de vias são de
aproximadamente R$ 6 milhões por mês.
O processo de seleção para trabalhar na SLU era feito através de concursos e,
atualmente, o serviço é terceirizado, isto é, outras empresas são responsáveis pela contratação
dos profissionais. Devido a esse fato, atualmente, na Superintendência de Limpeza Urbana há
uma média de apenas 30% dos profissionais que são contratados da Prefeitura de Belo
Horizonte e sendo desses todos com mais de quinze anos nessa profissão.
Como critério de seleção é exigida apenas a quarta série do ensino fundamental e
mulheres não são contratadas como garis de coleta, pois, esse é um trabalho que exige maior
condicionamento físico e força, como em uma propaganda nos próprios caminhões de coleta
alertam a sociedade: “Cada gari corre cerca de 20 km por dia, recolhendo cerca de 3,5
toneladas de lixo. Você não precisa suar tanto para manter a cidade limpa. Faça a sua parte.
Respeite os dias e horários de coleta. Tá limpo?”
Segundo João Cândido, mulheres até já trabalharam como garis de coletas, quando a
seleção era feita através de concursos, mas agüentaram menos de um mês, pois, realmente o
trabalho é “pesado”. Cada saco de lixo pesa em média 20 kg (tratando-se de sacos de lixo de
50 litros).
�������������������������������������������������������������4 Nome verídico citado com prévia autorização do entrevistado. ��Informações disponíveis em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&id
Conteudo= 36925&pIdPlc=&app=salanoticias>. Acesso em: 25/04/2010.�
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Quando o assunto é preconceito, João diz que a profissão é vítima de grande descaso
da sociedade como também do governo. Atualmente, com tanto trabalho de conscientização
nas escolas ele acredita que houve notável mudança na posição da população em relação aos
profissionais, mas que ainda há muito que melhorar. Exemplifica que antigamente muitos
garis eram chamados pelas crianças de “lixeiros fedorentos” e que eles retribuíam correndo
atrás delas e dando-lhes “cocão” na cabeça, hoje, já são chamados de amigos, “batatinha”,
entre outros nomes carinhosos, inclusive, conta também com grande satisfação que uma
escola onde as crianças puderam escolher uma profissão para conhecer, essas escolheram os
garis, que passaram um dia com elas.
Quanto à Prefeitura ele afirma que nada tem feito para melhorar as condições de
trabalho dos garis. Ressalta que o último governo que ele lembra que fez algo pela profissão
foi o de Patrus Ananias (1994-1997), onde inúmeras melhorias ocorreram. Uma dessas que
ele destaca foi a construção de alojamentos com banheiros para os garis de varrição, que antes
trocavam de uniforme na rua entre papelões. Havia também muitas campanhas, teatros,
incentivo aos trabalhadores da área, conscientização da população, manutenção das seções da
SLU, aumento de salário, entre outras. Hoje, cita que quando necessitam de manutenção/
ajuda, é necessária grande insistência para que sejam atendidos.
João Cândido reafirma que a importância dos garis para toda a sociedade
é indiscutível, mas infelizmente não são valorizados como deveriam ser. Há ainda muito
preconceito para ser extinto por parte da população e principalmente conscientização em
relação à produção de lixo, a degradação do meio-ambiente, a coleta seletiva, etc.
O lixo jogado no lugar errado, colocado para coleta em horários indevidos, pode trazer
vários problemas para a população como enchentes em chuvas, pois, entopem os bueiros;
doenças; provocam mau cheiro; manifestações de animais como baratas, ratos, entre outros.
Sem ressaltar que é crime e os infratores podem ser multados em até R$ 4.036, 77. Em caso
de caminhões que jogam lixo em locais impróprios como os bota-foras, os veículos podem ser
apreendidos e os motoristas perdem pontos na carteira6. Mas infelizmente, como afirma o
próprio João, não há fiscais suficientes que façam a lei valer.
���������������������������������������������������������������Informações disponíveis em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&id
Conteudo= 36925&pIdPlc=&app=salanoticias>. Acesso em: 25/04/2010.�
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Vida de Gari
Segundo Da Matta (1978), para que um antropólogo consiga realizar plenamente o seu
trabalho de pesquisa é indispensável que ele se insira na realidade estudada, despido do
preconceito enraizado em sua formação como pessoa. É preciso que o estudioso se “vista”
com a cultura que está pesquisando, adquirindo como parte de seu trabalho elementos
formadores da cultura. Dessa forma, ele estará relativizando sua visão, aceitando tradições
como suas e se tornará mais apto a compreender situações que a princípio seriam vistas como
estranhas pelo olhar do observador.
Assim, ao decorrer das entrevistas o grupo foi “vestindo” a cultura dos garis e
despindo-se de todos os seus pré-conceitos, tentando compreender como “aquelas” pessoas
vivem, suas experiências, relacionamentos profissionais, pessoais, como lidavam com o
preconceito, sendo rotuladas por estereótipos por grande parte da sociedade, e, principalmente
descobrir as estratégias utilizadas por eles para manter o bom humor, a dignidade durante o
dia-a-dia no trabalho.
A primeira visita ocorreu no dia 24 de abril de 2010. Havia poucos profissionais na
Distrital, pois, quando o grupo de pesquisa chegou à SLU, a maioria dos garis já tinham sido
encaminhados para realização de suas atividades. Foi notada certa estranheza e distância pelo
Chefe da Distrital, que estava então, aparentemente irritado pelo atraso. O que foi “resolvido”
depois de uma boa conversa, em que foi possível presenciar um sorriso e a aprovação da
iniciativa.
Nesse dia foi realizada também a entrevista com o Sr. José Maria7, gari de varrição,
que trabalha na SLU há 24 anos. Ele apresenta ao grupo a novidade de que o termo Gari está
em extinção e que a denominação correta de sua profissão será agente de limpeza urbano, o
que ele acredita ser bem melhor para a classe. Carlos relata um caso onde foi vítima de
preconceito quando disse que era gari:
“Fui uma vez nessas Casas Bahia pra comprar uma cama porque a minha estava muito velinha sabe?! A moça tava fazendo a minha ficha, me perguntou a minha profissão e eu falei é gari, mas ela riu e falou que ela não podia colocar gari na minha ficha, mas graças a Deus agora nós somos agente de limpeza urbano, fica mais chique né?! Mais apresentável.” (Carlos, 24 de abril de 2010.)
Uma situação realmente constrangedora e absurda, a atendente rir na cara do cliente
menosprezando sua profissão. Na visão de José Maria, a mudança do termo gari dará uma
�������������������������������������������������������������7 Os nomes dos entrevistados são fictícios a fim de proteger a identidade dos profissionais da limpeza urbana.
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melhor visão da sociedade sobre sua profissão. A partir desses dados já é notável estratégias
utilizadas pelo grupo urbano para lidar com o preconceito: O amor pela profissão, a
consciência da importância do trabalho realizado por eles para a sociedade, o que foi
constatado em todas as entrevistas, e, a esperança de que a postura da sociedade em relação à
classe continuará melhorando.
Nas visitas posteriores, o grupo foi recebido com grande alegria pelos garis. O número
de profissionais na Distrital era muito maior e possibilitou uma visão melhor do grupo, a
interação entre eles, como eles percebem o trabalho que estava sendo realizado. Alguns deles
faziam poses para fotos, pediam para serem entrevistados, uma festa de humor e simpatia.
Tinha também os mais calados que ficavam em seu canto e se recusaram a falar. Mas quando
o assunto era sobre preconceito, a maioria falava abertamente, mas tiveram os poucos que
desconversaram, o que revela mais uma estratégia.
“No tempo que eu tô aqui, nunca, nunca... aliás né, a gente recebe muita admiração pelas pessoas né, até mesmo pelas crianças que gosta muito da gente, entendeu? As crianças gosta muito mesmo né, a gente brinca com as crianças, as pessoas também né, nos bairros das coletas, tem muita amizade com a gente, já tem convivência com a gente né...” (Eduardo, 15 de maio de 2010.)
Eduardo, gari de coleta, quando é questionado se já foi vítima de preconceito,
responde ressaltando que há muita admiração principalmente pelas crianças. O que deixa
claro mais um recurso para superação do preconceito e manutenção da autoestima durante a
rotina de trabalho: o bom relacionamento com as crianças e amizades construídas nos bairros
no dia-a-dia.
A atividade realizada por esses profissionais, tanto os garis de coleta como os de
varrição, exige muito esforço físico. Os garis de coleta estão sujeitos a graves acidentes de
trabalho, principalmente o atropelamento, que pode ser fatal, e ferimentos nas mãos na coleta
dos sacos de lixo que foi relatado por quase todos que trabalham nessa área. Além de todas as
dificuldades enfrentam ainda o descaso de grande parte da população e do governo, que é
constatado por todos. Alguns contam casos que retratam as dificuldades que passam no dia-a-
dia de trabalho, que ressaltam a postura preconceituosa da sociedade, como o de José Rafael:
“... quem mexe com lixo né, ah é lixeiro, mexe. Tem casa às vezes que o morador você pede água na casa do morador, talvez ele fala que não tem para não dar o copo, ou as vezes dá no copo descartável pra não usar o copo ou então joga o copo fora, já vi muitas vezes. Um dia fui pedir água na casa da dona, a sorte que o motorista a cabine é alta e o motorista viu ela pegou água na piscina pra dar pra nós, aí o motorista falou assim: - Não, ninguém vai beber essa água não, eu vi a senhora pegando essa água na piscina...” (José Rafael, 15 de maio de 2010.)
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No depoimento de José é possível reforçar o conceito de Douglas (1991), em que a
sociedade relaciona diretamente a sujeira ao impuro, portanto, se os garis mexem com lixo,
que remete à sujeira, são considerados impuros. Outra técnica utilizada por eles então é
percebida: a união dos profissionais, um protegendo o outro, em que Joaquim, que trabalha há
10 anos na SLU reforça:
“A nossa classe aí, coletor, motorista, a gente é muito, nós somos muito desvalorizados pela população, assim tá faltando bom senso né, dos moradores, trabalhar mais juntos né, trabalhar com a equipe né, com os coletores, entendeu? Ter mais contato né, que a gente, nossa área aí, que a gente trabalha, a gente é muito desvalorizado né pela população. Nem todo mundo, você vestir uma roupa laranjada desfaz muito da pessoa.” (Joaquim, 15 de maio de 2010.)
Joaquim fala abertamente sobre o preconceito sofrido por ele e por seus colegas e
acredita na união para que possam vencer esta barreira. Ele relata que várias vezes as pessoas
passam por eles e falam mal, ironizam chamando-os de cheirosos, ou mesmo fedorentos,
tampam o nariz, o que em sua opinião é bastante desagradável, pois, é um trabalho como
qualquer outro e merece respeito.
Outro fato que impressiona é o espírito de solidariedade que cada um tem, embora não
tenham uma boa condição financeira, foram relatados muitos casos em que o colega de
trabalho sofria algum acidente necessitando se afastar das atividades profissionais, e era
ajudado pelos colegas, que se reuniam fazendo “vaquinha” com a quantia que cada um
pudesse dar, para que doassem ao necessitado.
Maria, gari de varrição interna, conta que sempre que pode visita hospitais, faz a barba
dos pacientes, faz companhia, ajuda como pode e se comove como tantos não têm família,
não têm ninguém. Muitos relataram experiências pessoais, contaram sobre suas esposas,
filhos, o que mostrou que o apoio da família para eles é fundamental. Eduardo conta que a
esposa e seus filhos têm muito orgulho do seu trabalho, pois, é um trabalho que tem que ter
muita força de vontade, que não é para qualquer um, que tem muitos que entram e logo saem.
Alexandre8, supervisor de coleta hospitalar, há 28 anos na SLU, conta sua história de
superação: começou trabalhando na manutenção, fez vários cursos, cursou Administração e
hoje está bem e feliz em seu cargo. Conseguiu uma vaga para que a filha que estuda Recursos
Humanos estagiasse na SLU e agora está confiante em que vai conseguir para a sua outra filha
e afirma que espera que elas sigam o seu exemplo. Relata com orgulho todas as suas
conquistas.
�������������������������������������������������������������8 Nome verídico citado com prévia autorização do entrevistado.
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O apoio da família, a união do grupo de profissionais da limpeza urbana, a admiração
das crianças, as amizades construídas na rotina de trabalho, a indiferença frente ao
preconceito, o amor pela profissão e a esperança de que a postura da sociedade, do governo
vai melhorar são algumas das estratégias utilizadas pelos agentes de limpeza urbana para
manterem a autoestima, dignidade e o bom humor no dia-a-dia.
É indiscutível a importância desse grupo de profissionais para toda a sociedade, para a
saúde pública, por isso, merecem o respeito e a admiração de todos, pois, trabalham muito e
pesado, ganham pouco, e embora toda a desvalorização do governo como de grande parte da
sociedade, distribuem sorrisos, alegram crianças, têm um espírito de solidariedade fora do
comum, enfim, são pessoas mais puras e limpas do que muita gente por aí.
Considerações Finais
O presente artigo teve como objetivo estudar algum grupo urbano e, para tal, foi
escolhido os garis, grupo profissional de Belo Horizonte. Para a realização do trabalho os
pesquisadores foram a campo e utilizaram os principais instrumentos da pesquisa qualitativa:
a entrevista e a observação participante. O campo de pesquisa escolhido foi a Distrital Centro-
Sul da Superintendência de Limpeza Urbana – SLU, que conta com uma média de 120
profissionais.
O foco da análise era revelar as principais estratégias utilizadas por esses profissionais
para enfrentar o preconceito e manter a autoestima elevada, a dignidade, durante o dia-a-dia
no trabalho. A coleta de dados pelas entrevistas combinada com a observação participante
possibilitou aos pesquisadores enumerar alguns desses recursos como: a união dos
profissionais, a indiferença diante do preconceito, as amizades construídas durante a rotina de
trabalho, a admiração das crianças, o apoio familiar, a consciência da importância da
profissão para o meio-ambiente e para a sociedade assim como o amor pela profissão e a fé de
que a postura do governo e da grande parte da população diante da classe vai melhorar.
O grupo de profissionais acolheu com grande alegria a iniciativa do trabalho,
demonstrando-se a vontade, brincando, profissionais oferecendo para serem
entrevistados/fotografados, permitindo, assim, aos pesquisadores uma visão “limpa” da
pesquisa. Vale ressaltar que pode-se notar o humor presenciado por muitas pessoas na rua
desses profissionais, embora exerçam uma atividade tão “desprezada” por grande parte da
sociedade, o que reafirma a análise realizada.
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Assim sendo, como já exposto, durante toda a pesquisa realizada, a importância do
papel dessa classe de trabalhadores para toda a população e para o meio-ambiente é
irrefutável. Embora, sejam vítimas de preconceitos, são, na maioria, pessoas de bem com a
vida, que tentam levar a rotina de trabalho da melhor forma possível, solidárias e conscientes.
A esperança é que cientes disso, as pessoas respeitem e valorizem esses profissionais, que
exercem uma profissão tão importante quanto qualquer outra.
Referências: ARAÚJO, Wânia M. População de Rua em Belo Horizonte: a reinvenção de espaços domésticos no improviso da moradia. Belo Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCMinas, 2004. 204p. (Dissertação, Mestrado em Ciências Sociais).
DA MATTA, Roberto. In: O Ofício de Etnólogo, ou como Ter “Anthropological Blues”. In: NUNES, Edson de Oliveira (org.). A aventura sociológica: Objetividade, paixão, improviso e método na Pesquisa Social Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1978, p.23-35. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Trabalho de campo: Contexto de observação, interação e descoberta. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. 26 ed. Petrópolis: Vozes, 2007. Cap. 3, p. 61-77. ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é o etnocentrismo. 5 ed. São Paulo: Editora Brasiliense S.A, 1988. Cap. 1, p. 5. �