OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · fundamentados na história da Educação...
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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
AS CONTRIBUIÇÕES DE JOSÉ VERÍSSIMO E GILBERTO FREYRE NA
APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS SOCIOLÓGICOS PELO PROFESSOR
Alzenira Francisca de Azevedo1 Terezinha de Oliveira2
RESUMO
No trabalho com disciplinas que debatem sobre a História da Educaçãobrasileira uma das grandes preocupações dos professores que atuam é como viabilizar um ensino que proporcione ao aluno a compreensão do pensamento educacional ao longo de nossa história. Partiu-se desse pressuposto ao analisar fontes que auxiliam na compreensão de conhecimentos desenvolvidos em disciplinas do curso de Formação de Docentes, fundamentados na história da Educação Brasileira e intricados com a Sociologia Educacional. Ao pesquisar os fundamentos teórico-metodológicos que sustentaram o discurso de autores como Gilberto Freyre e José Veríssimo (1857/1915) perceberam-se aproximações sobre o pensar a sociedade brasileira e qual a forma de educar que atenderia os anseios vigentes no corpo social nas décadas iniciais do século XX. Consideram-se como fontes para esse estudo, as obras Educação Nacional de José Veríssimo de Dias de Matos, Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Nessas obras são identificadas interpretações sobre a constituição sociocultural do Brasil, bem como, a necessidade educacional presente na realidade histórica vivenciada por eles. Esse conhecimento proporcionará embasamento teórico no processo de ensino desenvolvido com conteúdos de disciplinas que debatem a História da Educação Brasileira e a Sociologia Educacional. Essa necessidade de investigação se estabeleceu a partir do trabalho desenvolvido como profissional da rede estadual de educação do Paraná, na função de pedagoga e professora de alunos do Curso de Formação de Docentes.
Palavras-chave: Formação de docentes; História da Educação; Sociologia Educacional. .
1 Pedagoga, Professora do Curso de Formação de Docentes da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná,
Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. E-mail:[email protected] 2 Professora Dra da Universidade Estadual de Maringa.E-mal: [email protected]
1. Introdução
Como professora e pedagoga de um estabelecimento de ensino em atividade
desenvolvida no curso de Formação de Docentes (nível médio), defrontamo-nos
cotidianamente com ações, discursos, argumentos sobre o conhecimento como algo
que não interessa aos cursistas. Esses discursos estão presentes em alguns
Conselhos de classe ou em conversas entre os pares no cotidiano profissional. A
questão cultural, as políticas públicas, a falta de recursos na instituição, a escassez
de tempo para a preparação de um planejamento mais adequado são apresentadas
como as únicas causas impeditivas para uma ação pedagógica mais concreta em
sala de aula, de forma que os alunos possam ser levados a desenvolver seus
conhecimentos e estabelecer relações com conteúdos já aprendidos.Ao refletir sobre
a ação exercida no ensino, surgiu a indagação de como atuar de forma diferenciada
com os conhecimentos necessários à compreensão da História Da Educação
Brasileira. Verificamos que uma maior compreensão da Sociologia poderia contribuir
para a formação do professor.
O estudo de obras de José Veríssimo (1857-1916) e Gilberto Freyre (1900-1987)
orienta-nos sobre a organização do pensamento sociológico brasileiro, favorecendo
nossa compreensão das questões educacionais presentes na sociedade. De nosso
ponto de vista, as ideias de Veríssimo e Freyre, considerando a prática social
vigente, estavam atreladas ao movimento social e político do período em que eles
produziram suas obras. Ao se posicionar diante das questões sociais, políticas,
econômicas e educacionais do momento, eles tornaram suas obras um meio de
conhecimento sobre a formulação e a regulação da opinião pública, em torno do
processo educacional.
O Projeto de Intervenção, a produção didática que realizamos, bem como a
implementação do projeto em nossa instituição de ensino estão fundamentados em
argumentos teóricos contidos nas obras de autorescomo Aristóteles, Tomas de
Aquino, Émile Durkheim, José Veríssimo, Caio Prado Junior, no Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova, nas obras de Gilberto Freyre e também de Karl Marx.
Entendemos que a análise de conceitos como cidadania, vontade, conhecimento e
hábito, presentes nas interpretações desses autores, poderia encaminhar a
observaçãoda realidade social brasileira nos anos iniciais do século XX. Tais
conceitos estão carregados de historicidade social e, de acordo com as
transformações que ocorrem no modo como os homens se organizam
coletivamente, eles assumem significados diferenciados. Percebemos, nos textos
referenciais de estudo, a presença de uma preocupação com a ação exercida pelos
profissionais diante de determinada realidade social vivenciada por eles, ou seja,
com a formação do cidadão, com o modelo de educação a ser oferecida aos que
acessariam os processos formativos.
Ao analisar textos de José Veríssimo e de Gilberto Freyre, bem como dos
demais autores, tivemos como objetivo central promover estudos sobre a Sociologia
e suas possíveis aproximações com a História da Educação Brasileira. A finalidade
era viabilizar novas práticas pedagógicas nas disciplinas cujo conteúdo é a
historicidade da educação brasileira..
Especificamente, com base na análise realizada por José Veríssimo e
Gilberto Freyre, procuramos identificar sua preocupação com a formação de hábitos
e ações necessários para a organização da sociedade brasileira, nas décadas
iniciais do século XX. Focalizamos também as formas de pensar e agir do corpo
docente sobre conceitos presentes na sociedade, como cidadania, liberdade,
vontade e conhecimento. Destacamos, ainda, com o suporte sociológico e histórico,
a relação entre tempo, espaço e realidade educacional brasileira,.
A proposta do Projeto de Intervenção Pedagógica foi organizar uma Produção
Didática a ser desenvolvida por meio de Processo de Implementação. Foram
promovidos encontros com o grupo de professores do Curso de Formação de
Docentes, pedagogos, professores de História e Sociologia. Tais encontros foram
realizados no Colégio Estadual Igléa Grollmann, cidade de Cianorte, pertencente ao
Núcleo Regional de Educação de Cianorte.
Nos encontros recursos didático-pedagógicos: leitura de textos, apresentação de
documentários, estudos em grupo para analisar propostas em relação ao material
estudado. No primeiro encontro, foi estudado o texto A Ética de Aristóteles .No
segundo, Tomás de Aquino. Sobre o ensino (De Magistro): os sete pecados capitais.
No terceiro, Émile Durkheim. A Evolução Pedagógica.; no quarto, Émile Durkheim.
Lições de Sociologia; no quinto, José Veríssimo A educação nacional.; no sexto,
Caio Prado Junior. A evolução Política do Brasil: República e Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova de 1932; no sétimo, Gilberto Freyre. Casa grande
&senzala.; no oitavo, Karl Marx . A Dominação Britânica na Índia. Junho 1853.
(Fonte: The Marxists Internet Archive). No nono encontro, houve uma finalização
com palestra proferida pela professora DraTerezinha Oliveira.
2.0 –Sobre a ação dos professores na apropriação de conceitos históricos e
sociológicos.
Na análise da ação de professores que atuam na Educação Básica, partimos
do princípio de que ensinar é ter a oportunidade de dar movimento ao conteúdo
trabalhado. A busca da apreensão e da compreensão de construções conceituais
como cidadania, vontade, hábito e conhecimento foi permeada por uma perspectiva
histórica de construção do social. Entendemos que o processo de ensino e de
aprendizagem tem origem na ação humana, o que torna possível interligar a
compreensão da realidade à ação prática exercida sobre ela. Ou seja, o professor
utiliza a palavra e os conceitos para promover, na condição de diretor da
aprendizagem, o processo de conhecimento; este se transforma em pensamento
pela criação de sentido pelo aluno. Como afirma Wachowicz (2009, p. 29), a
aprendizagem ocorre quando o pensamento descobre o significado das relações
que existem entre os dados da realidade e compreende por que as coisas são como
são. A dimensão ética no processo didático está localizada na mediação feita pelo
professor, entre o aluno e o conhecimento, a qual transforma esse
pensamento/conhecimento em conquista do aluno (Wachowicz, 2009, p. 34).
Concordamos com essa autora quando afirma que a política correspondente à
relação ética centraliza-se na ação do professor, quando consegue desempenhar o
seu trabalho com o conhecimento o mais ativo possível e procura fazer com que seu
lugar, enquanto professor, se torne aos poucos um espaço vazio. Espaço vazio no
sentido de que a ação do professor visa fazer desaparecer a necessidade inicial que
os alunos têmde sua mediação constante. Assim, o papel de mediador não pode ser
confundido com um transmissor de conhecimentos. Essa afirmação encontra
respaldo em nossa experiência como professora de turmas da Educação Infantil e 2º
ano do Ensino Fundamental, e, posteriormente, como professora de turmas de
Formação de Docentes em nível médio.
Em atividades desenvolvidas com disciplinas que envolvem conhecimentos
históricos ou fundamentos históricos da educação, constatamos que uma grande
maioria das alunas repete informações contidas nos enunciados de questões e
demonstra dificuldades para associar ou estabelecer relações entre os conteúdos
trabalhados.
Os estudos realizados por Galuch e Sforni (2004) sobre o cotidiano escolar
demonstram que as dificuldades em tornar os conhecimentos significativos para os
alunos advêm de uma inadequação de método e conteúdo. Fundamentadas nas
contribuições teóricas histórico-culturais de Vygotsky, de Leontiev (Teoria da
Atividade3) e Luria (desenvolvimento do psiquismo e a aprendizagem conceitual)as
autoras entendem que conhecimento significativo é aquele que se torna um
instrumento cognitivo do aluno, alargando o conteúdo e a forma como aquele sujeito
pensa sobre ele. Para Galuch e Sforni (2004, p.17), “o sujeito se desenvolve
mediante a internalização dos conhecimentos, experiências, formas de pensar e agir
produzidas pelo gênero humano e objetivados na linguagem”. Com base na análise
das autoras e nas considerações em torno de nossa prática de ensino desenvolvida
em sala de aula, percebemos que o sujeito se liberta do particular por meio da
intervenção do outro. Nesse sentido, realizar investigações que contemplem o
planejamento de um determinado conteúdo, o desenvolvimento desse planejamento
em sala de aula e o acompanhamento do “movimento” que as situações de ensino
provocam no pensamento dos estudantes é uma forma de detectar princípios gerais
que podem ser orientadores da organização do ensino (GALUCH; SFORNI, 2004,
p.17).
Estas formulações teóricas, embasadas no pensamento de Leontiev (1903-
1979) demonstram que o “homem é um ser de natureza social”, pois, diferentemente
dos animais, possui uma atividade produtiva e criadora, viabilizada pelo trabalho que
exerce. Para Leontiev (1983, p. 37), “o aparecimento e o desenvolvimento do
trabalho, condição primeira e fundamental da existência do homem acarretaram a
transformação e a hominização do cérebro, dos órgãos de atividade externa e dos
órgãos dos sentidos”. É preciso ter a compreensão de que o desenvolvimento dos
animais submete-se às leis biológicas e odos homens, às leis sócio-históricas.
Conforme produziu seus instrumentos e formas de compreender e agir no mundo, o
homem transmitiu culturaàs novas gerações, de forma que estas não voltaram mais
3Galuch e Sforni(2004) informam que autores russos como Elkonin, Galperin, Davydov ofereceram
referenciais teóricos significativos paraos estudos sobre a relação entre a teoria da atividade e a educação escolar.
ao estado de natureza inicial. Em outras palavras, um objeto, ao ser confeccionado
ou utilizado pelo homem, fica impregnado do conhecimento humano, pensado por
um determinado grupo social. Toda essa produção humana tornou-se mediadora da
cultura para as novas gerações. Assim, as aquisições humanas ocorridas durante
sua história foram objetivadas na cultura material e intelectual. Dessa perspectiva,
entendemos que a intencionalidade educativa deve considerar que os
conhecimentos científicos exigem um grau mais elevado de abstração e não estão
expressos no cotidiano de trabalho pedagógico: “para que sejam adquiridos, é
preciso que a consciência do sujeito seja intencionalmente dirigida. (GALUCH;
SFORNI, 2004, p.6). Caso contrário, corremos o risco de não haver apropriação do
conceito, mantendo-se a compreensão na superficialidade dos fenômenos. É
necessário explicitar os conceitos de tal forma que elesse torneminstrumento de
generalização pelo aluno.
Dessa perspectiva, o sujeito não desenvolve sozinho um pensamento apenas
por aproximação com o que já está posto na cultura. A apropriação de um
pensamento que está sistematicamente objetivado (nos instrumentos físicos e
simbólicos), como síntese das equações do pensamento histórico, social e humano,
depende da intermediação realizada com o sujeito em seu processo formativo.
Estes dados e muitos outros provam que as aptidões e caracteres especificamente humanos não se transmitem de modo algum por hereditariedade biológica, mas adquirem-se no decurso da vida por um processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes. Razão por que todos os homens atuais (pelo menos no que respeita aos casos normais), qualquer que seja a sua pertença étnica, possuem as disposições elaboradas no período de formação do homem e que permitem, quando reunidas as condições requeridas, a realização deste processo desconhecido no mundo dos animais. Podemos dizer que cada indivíduo aprende a ser um homem. O que a natureza lhe dá quando nasce não lhe basta para viver em sociedade. (LEONTIEV, 2004).
Leontiev destaca que a ação dos animais está diretamente ligada às
necessidades biológicas, submetidas a relações naturais. Já os seres humanos,
estão submetidos às relações sociais (forma especificamente humana do reflexo da
realidade e da consciência humana). O teórico destaca uma das condições
essenciais para se pensar o trabalho desenvolvido com os alunos na escola: a
consciência de cada sujeito se dá na relação de sua ação com a atividade
desenvolvida, ou seja, de que o sentido da ação que o sujeito exerce é formado nas
relações sociais em que esta inserida a não se dá de forma pragmática, imediata,
mas passa por uma construção coletiva.
Quando pensamos em conceitos sociológicos e históricos, buscamos utilizar
fontes que tornem possível estabelecer relações e generalizações no modo de
pensar, ver e entender a sociedade. Porém, apenas oferecer ao sujeito o acesso às
fontes não dá conta do processo de ensino. A função central da escolarização é
levar o indivíduo a desenvolver seu pensamento. Entendemos que as formas de
pensamento não são inerentes ao sujeito, mas podem ser apropriadas por ele.
Aproximamo-nos assim de um dos objetivos da pesquisa: por meio do suporte
sociológico e histórico, tornar possível que os alunos relacionem e generalizem os
conhecimentos a respeito da realidade educacional brasileira.
Vigotsky, ao analisar as raízes genéticas do pensamento e da linguagem,afirma:
[...] o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança. (...) o crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem (2008, p. 63).
No cotidiano, a relação com o objeto se faz por meio de um processo intelectual
indutivo que se vincula diretamente com a experiência. Já no caso dos conceitos
científicos o processo intelectual se realiza de forma dedutiva, por meio da
elaboração de generalizações e abstração pelo sujeito, pois há um afastamento da
experiência imediata. Os estudos fundamentados nas análises de Vygotsky,
realizados por Galuch e Sforni, enfatizam o processo de apropriação dos conceitos
científicos pela criança,
Com base no destaque dado pelas pesquisadoras, atentamos para a
afirmação de Vygotsky sobre a necessidade de se compreender que “o aprendizado
escolar induz o tipo de percepção generalizante, desempenhando, assim, um papel
decisivo na conscientização da criança dos seus próprios processos mentais”. E que
a “consciência reflexiva chega á criança através dos portais dos conhecimentos
científicos” (VIGOTSKI, 2008, p.115). Dessa perspectiva, ser ativo na apropriação de
conhecimentos históricos trabalhados na escola implica realizar ações mentais,
inerentes ao campo histórico e sociológico. No planejamento organizado, a
relevância está em levar o indivíduo a produzir generalizações em torno do
conhecimento e não apenas a concretização das representações. Isso porque são
as relações internas estabelecidas pelo sujeito entre a atividade desenvolvida e a
consciência que provocarão mudanças nas operações mentais que realiza.
Corrobora-se, pois,a percepção de que não é qualquer mediação realizada
pelo professor em sala de aula que desenvolverá a apropriação dos conceitos
sociológicos relacionados ao ensino de História ou outra área. É necessário também
o estabelecimento de um diálogo entre os pressupostos teóricos e as formas de
organizar o ensino, em atendimento às suas diferentes especificidades.
2.1–Os conceitos sociológicos
Tendo em vista as reflexões sobre a ação mediadora do professor no processo
de ensino, consideramos que conceitos como cidadania, vontade, hábito e
conhecimento foram gerados por meio de estruturas sociológicas, filosóficas e
históricas e necessitam de investigação para compreensão de suas matrizes
conceituais.
A contribuição da Sociologia pode desenvolver relações necessárias entre o
conhecimento histórico e a História da Educação Brasileira. As fontes produzidas por
autores brasileiros expressam o entendimento do corpo social a respeito do que
seria a formação para um cidadão, que conhecimento seria necessário desenvolver
na escola, qual hábito seria imprescindível impregnar nos sujeitos, que tipo de ação
levaria ao atendimento dessas necessidades.
Aristóteles (384 a.C – 322 a.C.) , destacou que os caminhos que levariam os
homens para a felicidade deveriam ter como premissa básica “[...] agir de acordo
com a justa razão”. Para tanto, era necessário disciplinar os sentimentos e os
instintos e desenvolver suas capacidades físicas, morais e intelectuais. Ao debater
sobre a virtude do homem e suas naturezas, a moral e intelectual, ele afirmava que
“[...] o ser humano tem, igualmente, certa função que supera todas as funções de
seus membros particulares” (ARISTÓTELES, 2009, p. 50). Essa função difere da
dos animais por ser racional, ou seja, eminentemente humana. Para ele, em nossa
constituição biológica como ser humano, ela se apresenta na capacidade para
aprender; contudo, para que se torne ativa, essa capacidade necessita de
aprimoramento continuo. Segundo Aristóteles, o Estado deveria atender à formação
do cidadão que dispunha de tempo livre ou de ócio digno para isto.
Tendo em vista essa função racional, enfatizamos que é preciso saber o que se
está ensinando, qual hábito está se formando com o processo desenvolvido na
atuação docente. A preocupação não deve ser canalizada apenas para os
conteúdos que fazem parte da disciplina com a qual se trabalha, deve-se ter
conexão com o conhecimento e a valoração que lhe é atribuída.
Tomás de Aquino (1225-1274), no escrito Sobre o ensino (De Magistro): os sete
pecados capitais(2004), analisa a relação entre a ação do professor e a
possibilidade de este desenvolver conhecimento em seu aluno. Para ele, o
conhecimento intelectual não é inato no homem. Questionando se o homem poderia
ensinar, ele argumenta que sim, na medida em que se percebe a necessidade de
mudar o outro. Afirma que “o conhecimento provém de Deus [...], no entanto, o
conhecimento de certo modo é causado em nós também pelo homem” (2004, p. 38).
Em seu entendimento, o conhecimento é essencial para o homem, já que, por meio
do uso do intelecto, este se tornaria humano. Dessa forma, o ensino assume
condição essencial, pois provoca o acidente no sujeito, que, desta forma, por
intermédio de seu ato, provocaria a modificação do humano.
Oliveira (2012, p. 104), estudando as produções escritas por Tomas de Aquino
(1225-1274), destaca sua preocupação com a formação humana e o debate em
torno da formação do professor. Ao mesmo tempo, analisando os estudos de
Steenberghen (1990) sobre a Suma de Teologia, mostra que esse autor afirmou que
a inteligência humana, capaz de uma atividade espontânea, torna-se cada vez mais
complexa, pelo encadeamento de juízos. Aquino desenvolveu argumentações
diferenciadas em relação às constituídas no inicio do medievo e que predominaram
até o século XII, momento histórico em que a sabedoria era entendida como algo
divino. Nesse sentido, “os homens precisavam aprender para serem professores, do
mesmo modo que os alunos, por seu turno precisavam ter determinadas disposições
intelectivas para aprender” (OLIVEIRA, 2012, p. 109). Compreendemos que, para
Tomás de Aquino, o ensinar não se referia a uma ciência de “transfusão” do
conhecimento do mestre para seu discípulo; mais do que isso, aquele que ensina iria
estimular a mente do discípulo a ponto de este transformar sua potência em ato
(aprendizado).
Émile Durkheim (1858-1917), discípulo de Kant e Augusto Comte, entendia a
educação como possibilidade para a construção gradativa da moral coletiva,
fundamental para a continuidade da sociedade capitalista. De acordo com Carlos
Lucena (2010), esse é um pressuposto fundamental de suas preocupações
expressas no grande debate com as ideias liberais presentes na Europa no início do
século XX. Durkheim, ao realizar uma crítica ao liberalismo, argumentou que era
inviável concretizar uma sociedade mais avançada sob a lógica do individualismo.
De sua perspectiva, o liberalismo desenvolvido e estabelecido na Europa não
deixava possibilidades para a organização de uma sociedade mais avançada, pois,
com a primeira revolução tecnológica caracterizada pela industrialização, o
individualismo impedia um pensamento coletivo para o desenvolvimento da
sociedade (LUCENA, 2010). Nesse sentido, na análise de Durkheim,o grande
desafio era o desenvolvimento da moral coletiva expressa na divisão social do
trabalho,que ele caracterizava como solidariedade orgânica. Em sua obra Lições de
Sociologia (2013),Durkheim debate as regras para a organização de uma ação
coletiva. Essas regras poderiam ser de dois tipos: as regras relativas ao homem em
geral e as regras da moral individual. Em sua argumentação, aparece a
preocupação com a moral do profissional que atua em diferentes campos e, no caso
específico do professor, com a ética relacionada à sua função.
Para ele, existiriam regras gerais, nas quais seria prescrito o modo pelo qual se
deve respeitar ou desenvolver um valor idêntico para todos os homens e, assim, a
humanidade. No casodas regras de moral individual, seu papel seria o de “instalar”
na consciência dos indivíduos as bases fundamentais e gerais de toda moral,
definida como ética. Essa seria a função específica das escolas.
Aproximamo-nos da leitura de Veríssimo (1990), para quem o sujeito teria o
hábito de agir de maneira civilizada se fosse formado, educado para isso. O objetivo
da instrução seria o de educar o homem para desenvolver sua civilidade e contribuir
para a constituição do Brasil como uma nação moderna.
José Veríssimo apontou três aspectos que poderiam interferir no processo de
conquista do padrão moderno de civilidade pelo povo brasileiro: a etnogenia (origens
etnográficas e históricas), os fatores geográficos (ação da terra sobre o homem) e a
educação (influência da cidade sobre o cidadão). Constatou o autor que, como o
Brasiltinha sido formado por três raças distintas, duas consideradas por ele
selvagens, descuidadas e indiferentes e uma, a portuguesa, que, apesar de ter
passado por um processo de ilustração, degenerou-se com a miscigenação, não se
havia se estabelecido uma unidade nacional no país. A transformação dessas
condições dependeria de um projeto nacional de educação: este potencializaria o
desenvolvimento, não só em centros como o Rio de Janeiro, mas em todo o
território.Para ele, os conhecimentos voltados para a convivência em sociedade e a
formação para a cidadania imprimiriam no sujeito hábitos modernos de civilidade.
O cidadão conclamado era aquele educado para o trabalho no processo
industrial que se desenvolvia no Brasil. Desde as décadas finais do século XIX,
estavam ocorrendo mudanças no modo de organização da sociedade e no campo
político, o que impulsionava os debates em torno da necessidade da educação.
Reclamava-se uma ação mais diretiva do Estado, conforme podemos nas
conferências pedagógicas realizadas no período, na criação de jornais pedagógicos
e na construção de bibliotecas e museus, entre outros acontecimentos.
Sabe-se que, entre o final do século XIX e o início do XX, disseminavam-se
os conflitos mundiais, a disputa de territórios comerciais, abalando a organização
social existente, em particular na Europa. As formas de os homens verem e
compreenderem a sociedade que se configurava eram diferentes e dependiam dos
interesses e determinantes históricos, sociais e culturais de cada grupo social.
Nesse contexto, Karl Marx (1818-1883) buscava desnaturalizar o capitalismo,
demonstrando que seu desenvolvimento não foi harmonioso, mas ocorreu de
maneira extremamente contraditória. A sociedade moderna encontrava-se dividida
em classes, entre a burguesia e os operários. Diferentemente do que aconteceu com
Durkheim, com o marxismo, concebeu-se uma Sociologia de base crítica,
interessada em mudanças e rupturas no interior da sociedade, o que seria possível
por meio da luta de classes. Notadamente, a forma de Marx entender a organização
social no modo de produção capitalista não equivale à de Durkheim. Conforme
explica Martins (2004), em Durkheim o princípio de integração “[...] é o fator de
constituição do sistema de conhecimento, distinguindo e classificando
separadamente o que concorre e o que não concorre para a articulação funcional
dos componentes da vida social”. Nesse caso, a concepção de transformação social
estaria submetida pela solidariedade. Para Marx, o princípio seria o da contradição,
por meio da qual “[...] se apreende, portanto, o movimento da sociedade, a tensão
entre o caráter social da produção e o caráter privado de sua apropriação”
(MARTINS, 2004, p. 4).
Nesse sentido, como explica Martins (2004), na análise de Durkheim, as tensões
que ocorriam, as falências e as greves eram anormais, devendo ser submetidas a
uma espécie de terapia sociológica, por meio da qual se retomaria o plano da
normalidade. Já, para Marx, as tensões não seriam opostas à ordem natural das
coisas, mas sim inerentes à constituição da formação social capitalista. Seus
estudos sobre as relações sociais chamaram a atenção porque ele as compreendia
como formas históricas, com os modos pelos quais os homens produzem sua
existência. Em sua análise, os homens não escolhiam a forma de organização social
em que viviam e sobre ela não tinham controle. As formulações dos idealizadores
respeito da formação do cidadão e do tipo de conhecimento necessário eram
notadamente diferentes das de Durkheim. Segundo eles, a estrutura da sociedade,
de sua formação, de suas instituições, bem como suas regras de funcionamento e
seus valores deviam-se às condições materiais. A formação do homem dar-se-ia
pelo trabalho, pois,com isso, o homem transformaria a sociedade posta,
fundamentada nos princípios capitalistas. Esse homem faria história ao lhe imprimir
outra configuração, que não seria a da divisão em classes sociais. Esse processo de
transformação social seria encaminhado por meio das contradições, antagonismos e
conflitos.Dessa forma, diferenciando-se da natureza, o homem poderia, com sua
ação, seu trabalho, transformá-la conscientemente.
Estas interpretações diferenciadas da Sociologia buscavam encaminhar para um
tipo de cidadão a ser formado e para um tipo de conhecimento mais propício para o
desenvolvimento deste processo. Ao analisar o ideário de mudança social proposta
por Gilberto Freyre (1900-1987) acerca de encaminhamentos da Sociologia e por
José Veríssimo (1857/1915) acerca da Educação Nacional, percebemos alguns
problemas que impediam o desenvolvimento do Brasil e a constituição de uma
“civilização moderna”. As preocupações com esses problemas estavam em debate,
em meio ao qual se colocava a necessidade de ações diretivas, as quais poderiam
ser direcionadas pela educação. É nesse contexto que se situam as concepções de
Veríssimo e Gilberto Freyre sobre qual sujeito prático deveria ser formado no Brasil.
De sua perspectiva, essa formação se daria pela educação ou por outras instâncias
sociais que atuariam no desenvolvimento de conceitos como cidadania, liberdade,
vontade, conhecimento e sustentariam o comportamento prático dos homens
daquele tempo histórico.
De acordo com Gilberto Freire, as diferenças existentes na população brasileira
não se resolveriam por meio de uma homogeneização dos antagonismos existentes,
mas sim de uma conciliação entre as diferenças. Nesse sentido, diante dos
problemas nos campos econômico, político, social e cultural, ele não visualizava
uma ruptura na sociedade. Sua proposta era a da conciliação entre as diferentes
ordens: por meio da miscigenação entre as raças aqui existentes, se poderiam
impedir conflitos extremos.
Segundo Veríssimo, era necessário desenvolver um projeto de unidade nacional,
o que se tornaria possível por meio das artes, da literatura e ciência. Criticava-se o
processo colonizador ocorrido no Brasil e a realidade educacional no contexto das
décadas finais do século XIX e do início do XX. Sua crença era de que o Brasil
republicano criaria condições para que a população tivesse maior acesso à
educação. Por meio desta, formar-se-ia um espírito de cidadania, de respeito pela
vida coletiva e de valorização da cultura das nações mais civilizadas. Em sua
produção escrita, o autor registrou reflexões sobre a Educação do Brasil, as quais
eram subsidiadas em autores da literatura norte-americana e europeia. Ou seja, ele
procurou se pautar em ideias existentes no Brasil, mas conciliando-as com a visão
de autores estrangeiros.
As reflexões contidas neste item conduzem-nos ao entendimento do sujeito como
ser histórico-social, uma vez que ele, por meio de suas práticas sociais, produz
sentido e tem possibilidade manter relação com os seus interlocutores. No campo do
ensino, a compreensão de conceitos sociais que envolvem o entendimento do
homem e sua formação precisada ação mediadora de alguém com um estudo mais
direcionado. Realizando debate de ideias, confrontando opiniões, refletindo,
associando conhecimentos teóricos em torno da educação brasileira, poderíamos
desenvolver a compreensão de conceitos sociais.
2.2– O pensamento educacional sobre a sociedade brasileira nas décadas
iniciais do século XX: Gilberto Freyre e José Veríssimo.
Sabemos que não é qualquer conhecimento que propiciará de fato um
entendimento da história da educação brasileira. Com base nas interpretações de
Freyre e Veríssimo, procuramos compreender as relações que deram origem a tais
ideias.
Em Veríssimo, a preocupação com a sociedade brasileira de seu tempo
relacionava-se à organização que deveria ocorrer após o estabelecimento da
República, especialmente em termos de política, relações de trabalho, educação
moral e instrução. Ao debater esses temas, o autor reflete sobre problemas
estruturais na cultura e no pensamento do povo brasileiro. Em seu caso específico,
destacamosa necessidade de um projeto de unidade nacional, que demandava
ação, trabalho, ou seja, educação do próprio caráter dos homens.Ele idealizava
ações atreladas à dimensão moral, não só de domínio do conhecimento da história,
geografia, o saber ler e contar. Sua reflexão remete-nos à análise realizada por
Weber de que o homem é agente social e, portanto, dá sentido à sua ação quando
estabelece conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos.
Para Weber (1864-1920), o social só se manifesta em indivíduos e se expressa sob
a forma de motivação interna e pessoal. Dessa maneira, para o estabelecimento de
uma relação social, é preciso que seu sentido seja compartilhado. Em seu
entendimento, os acontecimentos que integram o social têm origem no individuo, o
que coloca a necessidade de se entender em que medida as ações de cada sujeito
se encaminham por valores diferentes. No entender de Weber, a ação humana
possui uma característica diferente das da natureza, devido à atribuição de sentidos
por parte do homem.
Ao olhar para as afirmações de Veríssimo, entendemos que ele estava
imerso no debate a respeito da sociedade brasileira, cujos aspectos, em sua visão,
eram impeditivos do crescimento, do progresso. Tais afirmações estavam em
conexão com seu pensamento a respeito de civilidade.
Tanto Freyre quanto Veríssimo, ao abordar assuntos referentes à constituição
do povo brasileiro, as características das diferentes realidades existentes no país, a
mestiçagem que o impregnava de diversidade, demonstraram suas preocupações
como desenvolvimento do país.
Na reflexão de Gilberto Freyre, observamos que o cimento da identidade
nacional seria a democratização racial e a conciliação entre as ordens existentes. De
acordo com Elide Rugai Bastos, pesquisadora da Unicamp, na perspectiva desse
autor, a configuração os padrões de domínio, a exemplo das oligarquias rurais, não
seriam extintos, mas ajudariam a sedimentar os modos de agir ou pensar a própria
mudança social em andamento, ou seja, continuariam atuando no campo político.
Era nesse sentido que, de uma forma diferenciada, ele defendia a conciliação entre
os antagonismos existentes e não uma harmonização entre as diferenças. Assim,
suas reflexões acerca do passado e do presente faziam parte de sua contínua busca
por “garantias de que a modernização, a industrialização, o imperialismo e a
urbanização não subvertessem a ordem social constituída” (REZENDE, 2001, p. 27).
Em seu entender, isso poderia acontecer por meio do estabelecimento de um
padrão de organização e de cultura responsáveis pela sedimentação da identidade
nacional.
Em Freyre, certa neutralidade entre as principais forças sociais do Brasil seria
um elemento da mudança social, ocorrida ou que viria a se consolidar (REZENDE,
2001, p. 14). Já José Verissimo, atribuía grande importância à educação como a
ação que levaria à constituição de um novo sujeito. O modo de pensar e agir dos
homens estava demarcado pela mistura de raças ocorrida no Brasil, o que os
distanciava dos modos de agir dos sujeitos das sociedades modernas. Por isso, ele
lutava por um projeto de unidade nacional que seria viabilizado pela ação educativa,
pela formação do sujeito, as quais formariam um novo hábito de agir e pensar.
Percebemos que a busca pela constituição de cidadania não se fazia nos
termos entendidos atualmente. No início do século XX, contexto histórico de recente
mudança para a República, as condições para organização da sociedade eram
outras. De acordo com Carvalho (1989, p. 9), na realidade, havia ocorrido a
constituição de um Estado, mas não havia se desenvolvido uma compreensão em
torno da nação brasileira. Dito de outra forma, o povo não era visto como portador
de direitos, porém realizava a aparição na cena púbica como estatística e expressão
dos problemas que ocorriam, comprometendo o “sossego social4” (CARVALHO,
2003). Por essa razão, enfatizamos a necessidade de compreender a formulação do
conceito de cidadania naquele contexto social.
Em uma passagem dos escritos de Veríssimo, lemos: “[...] a honra e a própria
felicidade material do povo do Pará e da Amazônia de um modo geral, não poderiam
reduzir-se à produção da borracha [...] insistia ser necessário construir no Pará uma
intelectualidade” (ÁRAUJO, 2010, p. 306). Percebemos, nessa passagem, a vontade
de mudança social por parte dos autores e o destaque para o conhecimento que
deveria ser desenvolvido nos homens.
4Tais acontecimentos envolviam os trabalhos urbanos nas décadas inicias do Brasil republicano
(1889-1930), como a greve de 1917, as lutas sertanejas como a Guerra do Contestado de 1912-1916, dentre outros fatores.
Veríssimo (1990) acreditava que o objetivo da instrução/conhecimento seria
educar o homem para desenvolver sua civilidade e, mediante isso, contribuir para
que o País assumisse características de uma nação moderna. Ele chama a atenção
para a necessidade de mobilização no sentido da formação do hábito de civilidade,
por meio do processo educacional. A escola é que criaria a consciência da cidadania
ao educar o sujeito moral e civicamente. Isso resultaria em uma ação que ajudaria
no desenvolvimento da nação brasileira. Na verdade,
[...] Veríssimo acreditou, a princípio, que o regime republicano resolveria os problemas criados pela colonização e, nessa direção, foi um crítico contundente das políticas por ele promovidas. A República brasileira, na sua concepção, deveria superar os desníveis regionais presentes no território nacional, principalmente no que se refere ao acesso à educação escolar. Defensor intransigente da formação cultural de um povo para o seu bom desenvolvimento econômico e político, Veríssimo acreditava que por meio do acesso à escola os povos mestiços empobrecidos do norte seriam capazes de superar as degradações de sua raça (ÁRAUJO, 2010, p. 306).
Conforme pontua Araujo (2010),não só nas análises de Veríssimo, mas
também nas de Freyre, os debates estavam pautados pelo conjunto de atividades
humanas produzidas naquela realidade, as quais, ao sofrer a interferência social,
são compreendidas como históricas. Por essa razão, procuramos compreender
construções conceituais como cidadania, vontade, hábito e conhecimento de uma
perspectiva histórica de construção de social.
As ideias em torno da defesa da educação foram variadas nesse período,
dependendo da vertente teórica que fundamentava o pensamento dos defensores
ou produtores de discursos. Um dos documentos analisados nessa pesquisa foi o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, o qual propunha a
necessidade de mudanças na organização e nas bases teóricas da educação. A
circulação desse documento pelo Brasil tinha como objetivo claro disseminar
parâmetros para uma política da educação. Em seu corpo textual, é possível
perceber que a proposta de se estruturar o sistema nacional de ensino tinha como
motivação o ambiente político e social das décadas de 1920 e 1930.
Para Saviani (2004, p.33), no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
estava implícita a intencionalidade de reconstruir a sociedade brasileira por meio da
reconstrução de sua educação. Na realidade, não havia homogeneidade no discurso
contido no Manifesto: o texto apresenta princípios elitistas e igualitaristas,
demonstrando a heterogeneidade do grupo de intelectuais que o compuseram
(CUNHA, 1980, p. 274). Uma questão aparecia nos discursos desse período: o
“otimismo e entusiasmo”5 pela educação. A escola seria a instituição reparadora dos
problemas sociais que poderiam trazer desequilíbrio para a organização social.
Nesta exposição, procuramos ressaltar a importância de Freyre e Veríssimo
para o estudo da Sociologia e da História da Educação. O objetivo principal foi
colocar a necessidade de um conhecimento crítico sobre a História do Brasil.
Procuramos comprovar que esse conhecimento necessário diante das dificuldades
encontradas no trabalho com disciplinas que permeiam esses conteúdos, pela falta
de conhecimento histórico por parte dos alunos. É necessário também um maior
aprofundamento teórico para oferecer uma leitura critica que os auxilie a entender e
a refletir sobre esse contexto.
2.3 – Síntese dos estudos desenvolvidos e apropriações realizadas nas
diferentes etapas do trabalho de pesquisa e implementação.
Os estudos realizados mostraram-nos que a relação entre Sociologia e
História da Educação é bastante estreita. A Sociologia desenvolveu-se na França a
partir de Emile Durkheim, que estudou a educação, e chegou ao Brasil por meio dos
educadores. Foi possível observar que essa relação é estreita também porque todas
as sociedades se desenvolvem a partir dos processos pelos quais as gerações
anteriores ensinam às gerações mais novas. Entendemos também que a educação
é e foi entendida como um fenômeno conhecido nas sociedades como propiciadora
da formação do sujeito histórico e social.
Com relação à educação brasileira, podemos perceber que a História e a
Sociologia podem contribuir de maneira significativa para a desnaturalização das
relações sociais para a crítica aos fenômenos socioculturais, bem como para a
contextualização histórica em que tais fenômenos se manifestam. Nesse sentido, é
possível problematizar a própria compreensão de educação, pois as disciplinas
contam com metodologias que contribuem, conjuntamente com outras ciências, para
o processo de ensino da História da Educação Brasileira.
5 NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República.
Sabemos que a escola e a educação não são neutras e, por isso, é
fundamentalentender os aspectos políticos, econômicos e culturais mais amplos de
uma sociedade. A Sociologia e a História são fontes de conhecimento social e, por
meio do embasamento teórico que oferecem, podem contribuir para a compreensão
da realidade social e do contexto em que as escolas estão inseridas e, portanto,
para uma análise crítica da História da Educação. A História da Educação no Brasil
está ancorada na maneira como a sociedade brasileira se desenvolveu nos seus
diferentes aspectos. Uma leitura mais ampla, de cunho histórico e sociológico, pode
trazer a compreensão das especificidades e do modo como a educação brasileira se
constituiu e, com essa ampliação da análise, oferece até mesmo a possibilidade da
prevenção de seus desdobramentos, limites, avanços e retrocessos.
As disciplinas relacionadas à educação oferecem aos professores e alunos a
oportunidade de compreender a educação de uma determinada sociedade, de uma
determinada realidade, ou de um determinado contexto educacional. Estudar a
realidade sócio-educacional à luz das teorias sociológicas é de fundamental
importância para desnaturalizar as relações sociais e gerar maior criticidade. Para
realizar o embasamento teórico e estudarmos a realidade social da educação no
Brasil, podemos ir dos clássicos aos autores nacionais. Todos podem contribuir,
embora seja difícil fazer o recorte em torno de seus discursos. Cremos que, em
razão da especificidade da educação brasileira, precisamos voltar às raízes e à
valorização de autores nacionais, além de incentivar novas pesquisas. Acreditamos
que oportunizar ao sujeito o acesso às fontes de autores brasileiros que analisaram
a sociedade não é suficiente, por si, para a compreensão do processo de ensino em
História da Educação Brasileira, mas elas oferecem aportes teóricos que investigam
nossa própria realidade. As condutas que levaram a um determinado pensamento
educacional, que este não seja estático ou hegemônico, são a base de nossa
estrutura intelectual.
A primeira etapa de implementação foi realizada no Colégio Estadual Igléa
Grollmann, Ensino Fundamental e Médio município de Cianorte, Estado do Paraná,
com os(as) professores(as) e Equipe Pedagógica e Comunidade Escolar durante o
1º Semestre do ano de 2015. Para a realização do Projeto de Intervenção
Pedagógica, intitulado -As contribuições de José Veríssimo e Gilberto Freyre na
apropriação de conceitos sociológicos pelo professor, utilizamos trabalhos
diversificados, visando alcançar os objetivos propostos. Assim, com base nos
estudos e pesquisas que pautaram a revisão da literatura e a fundamentação
teórica, foram organizadas as seguintes estratégias ações.
Foi realizada uma primeira reunião com professores (as), a equipe diretiva e
pedagógica e o conselho escolar sobre a proposta de intervenção na escola, a qual
deveria ser implementada de forma coletiva e dialogada. Para aprofundamento
teórico, foi oferecido também um de extensão com a temática abordada, realizado
por meio de grupo de estudos presenciais com os (as) professores(as), a equipe
pedagógica e a comunidade escolar. Em encontros de quatro horas foram
estudados os seguintes autores ou textos: Sociedade Antiga e seus pensadores,
Aristóteles A Ética. São Paulo: Editora Atena, s/d. Biblioteca Clássica, vol. XXXIII, 3ª
edição: Tomás de Aquino. Sobre o ensino (De Magistro): os sete pecados capitais.
São Paulo: Martins Fontes,2004:Émile Durkheim. A Evolução Pedagógica. São
Paulo: 1995Émile Durkheim Lições de Sociologia. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2013 José Veríssimo.A educação nacional. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1985 Caio Prado Junior.A evolução Política do Brasil: República. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1971 Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 Gilberto
Freyre.Casa grande & senzala. Rio de Janeiro: J Olympio, 1994Karl Marx.A
Dominação Britânica na Índia. Junho 1853. (Fonte: The Marxists Internet Archive) e
a finalização com a professora Terezinha Oliveira –“A ética e formação de hábitos no
trabalho do professor”.
3.0 – Considerações finais
Os encontros acima descritos foram divididos em nove etapas, relacionadas
entre si, para uma melhor compreensão da história da educação brasileira. Cada
encontro obedeceu a um roteiro de leitura e discussões, contendo os objetivos e os
procedimentos de trabalho.
Em relação aos objetivos esperados, observamos que, mesmo com toda a
dinâmica, alguns obstáculos foram enfrentados ao longo do trabalho. Dentre
eles,destacamos a dificuldade em lidar com processos teóricos de estudo de textos,
com a organização de uma diretriz de pensamento envolvendo o contexto histórico e
com as influências no modo de pensar e agir diante da questão educacional. Foi
necessário um trabalho de estímulo, cuja intenção foi transformar uma situação que
apontava olhares teleológicos ou anacrônicos por parte de alguns cursistas a
respeito da interpretação de autores brasileiros sobre a realidade brasileira. Nas
análises realizadas por Veríssimo e Freyre, sabemos que os interesses estavam
inseridos no conjunto das atividades humanas produzidas naquela realidade. Estas
atividades sofreram a interferência social, ou seja, são portadoras de sua história.
No entanto, as etapas foram gradativamente implementadas, contribuindo, dessa
forma, para a mudança na análise de nossa história educacional.
Nos relatos dos professores, ficou evidente a necessidade de se desenvolver
estudos que os fundamentem historicamente sobre o pensar educacional. A
organização proposta no Projeto de Intervenção Pedagógica sofreu alterações em
relação a alguns textos selecionados para o estudo. No processo de implementação
com os cursistas, destacaram-se as formas de pensar os conceitos sociológicos em
diferentes períodos da história. Tais períodos foram contemplados com
determinados autores como Aristóteles, Tomas de Aquino, Durkheim, Karl Marx,
Freyre e Veríssimo, dentre outros que traziam em sua análise a marca do seu
tempo. Nesse sentido, para cada novo autor, foi necessário trabalhar com conceitos
do campo da História, da Sociologia e da Educação. Assim, os debates abrangeram
a educação na sociedade antiga, as mudanças no pensamento educacional com o
fortalecimento do cristianismo, as mudanças ocorridas com o movimento
mercantilista no campo econômico e no plano das concepções que permeavam o
pensar e fazer dos homens. Dessa forma, houve um grande esforço em trabalhar
com determinados conceitos como cristianismo, mercantilismo, liberalismo, e outros
que se fizeram necessários no processo de implementação.
Para o desenvolvimento do Grupo de Trabalho – GTR foi de extrema
importância a análise sobre o pensamento sociológico e a ação educacional dos
cursistas. Percebemos que as leituras apontadas por eles como densas em um
primeiro momento (primeiro módulo) foram lhes oferecendo parâmetros,
encaminhando-os para o estabelecimento de novas relações entre a História, a
Sociologia e a Educação. Outro dado que nos chamou a atenção foi que a análise
realizada pelos professores cursistas permeada pelo conhecimento fornecido por
sua atuação na Educação Básica. Ou seja, eles procuraram estabelecer conexão
entre o pensamento dos autores destacados para o estudo com as marcas
presentes em nosso contexto histórico, tendo em vista uma realidade construída
historicamente. Percebemos essa compreensão em partes de seus relatos, onde se
expressava a preocupação com o princípio de que conseguir ensinar é ter
oportunidade de dar movimento ao conteúdo trabalhado. Isso foi de extrema
significância para os objetivos propostos no trabalho, desde a organização do
Projeto de Intervenção, em seu processo de Implementação no estabelecimento de
ensino, até no desenvolvimento do GTR.
Acreditamos que o tempo foi curto para nossa pretensão, mas tivemos a
oportunidade de fazer uma leitura densa de diferentes contextos de atuação de
professores no Paraná, bem como de nos aprofundarmos na temática desenvolvida.
Para nós, como professora PDE, os resultados obtidos foram positivos, sendo alvo
de grande interesse por parte dos cursistas. É necessário destacar que contamos
com o árduo trabalho da professora ministrante, em razão da densidade teórica dos
temas discutidos. Isso nos deixa a certeza de que é de extrema importância que o
PDE se fortaleça a cada ano para que outros tenham a oportunidade de pensar seu
fazer educacional a partir de sua vivência prática e busquem viabilizar reflexões e
estudos sobre sua atuação.
Nossa intenção como pesquisadora é aprofundar os estudos desenvolvidos e
aproveitar as sugestões, encaminhamentos, cobranças da orientadora deste
trabalho. Suas orientações foram a base para realização de todo o estudo
desenvolvido, desde seu processo inicial até o ultimo encontro. Resta-nos agradecer
imensamente pela possibilidade de realizar esta reflexão teórica, não apenas no que
diz respeito à aproximação dos textos teóricos, das produções dos autores, mas
também no que tange à síntese de equações do pensamento histórico, social e
humano, resultante da intermediação realizada por alguém com conhecimento em
maior nível de elaboração.
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