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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

RESUMO

Relato aqui a experiência desenvolvida durante a implementação do Projeto de Intervenção na Escola. A partir de experiências em mais de 10 anos de trabalho, lecionando em séries iniciais e concludentes do Ensino Médio, o que me levou a perceber que boa parte dos alunos não demonstra gosto pelos conteúdos curriculares ministrados em salas de aula. Partindo da opinião dos alunos de uma turma do 2º ano do Ensino Médio e dos relatos dos professores dessa turma sobre as causas do desinteresse escolar foi possível desenvolver, a partir da observação participante a escuta destes atores sociais e, ao mesmo tempo, refletir sobre a possibilidade de se criar uma proposta metodológica que proporcionasse a reaver a ideia do cultivo do gosto de ensinar e aprender. Foi nesse sentido que retomou-se, a partir de Thiollent (1986), a ideia de pesquisa-ação, uma estratégia metodológica da pesquisa social que consiste em uma interação entre pesquisadores e "pesquisados"; resolver ou pelo menos esclarecer os problemas da situação observada e um acompanhamento das ações e atividades dos "atores" da situação.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo corresponde ao relato da experiência desenvolvida durante a

implementação do Projeto de Intervenção na Escola, assim como universo de

investigação e de trabalho pedagógico, tendo como sentido de atender os objetivos

do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná,

desenvolvido no Colégio Estadual Rui Barbosa- E.F.M.P., localizado no município de

Jacarezinho e seus alunos do 2º ano do Ensino Médio matutino como sujeitos da

investigação.

Há mais de 10 anos de trabalho, lecionando em séries iniciais e concludentes

do Ensino Médio, o que percebo em face de tal experiência, é que boa parte dos

alunos tende a desenvolver pouco interesse em estudar, ou seja, não demonstram

gosto 1pelos conteúdos curriculares ministrados nas escolas.

Uma possível evidência dessa situação pode ser constatada tendo- se em

conta o desempenho dos alunos nas atividades propostas pelo professor, ou seja:

realizadas às pressas e de maneira superficial.

1 Segundo Setton, para Bourdieu : “ o gosto é produzido e é resultado de um feixe de condições materiais e simbólicas acumuladas no percurso de nossa trajetória educativa. Para ele, o gosto cultural se adquire; mais do que isso, é resultado de diferenças de origem e de oportunidades sociais e, portanto, deve ser denunciado enquanto tal. Nesse sentido, as distinções do gosto cultural revelam, sobretudo, uma ordem social injusta, em que as diferenças de cultura de origem podem ser transubstanciadas em diferenças entre o bom e o mau gosto numa permanente estratégia de classificar hierarquicamente a cultura dos segmentos sociais.” http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/uma-introducao-a-pierre-bourdieu/ Acesso 21/01/2016

Ainda com relação às inquietações que me levaram a realizar este trabalho,

há que se acrescentar que, dentre outras, surgiram- me perguntas das questões

relativas ao processo da construção da identidade e a sua contribuição para esse

fenômeno: até que ponto o gosto pelo estudo está relacionado à passagem dos

jovens na escola em face da perspectiva futura de trabalho? Por que ele se identifica

mais com as “atrações” que a escola oferece, do que com aquilo que lhe é proposto

durante as aulas? Até que ponto os conteúdos das disciplinas em sala de aula estão

ou não articulados com a realidade vivida pelos alunos? Em que momento o

conteúdo das disciplinas toca uma situação individual que permitiria entender a

questão do sentido do gosto pelo aprendizado? Interpreto aqui, portanto, a partir da

observação participante e das conversas informais2 a experiência que mantive com

alunos e professores durante o ano letivo de 2015, momento em que busquei dar

entendimento às questões anteriormente apontadas.

Analiso, assim, as respostas dadas por alunos e professores mediante o

instrumento proposto na forma de questionário em conjunto com a experiência

etnográfica. A perspectiva foi a de desenvolver a intervenção pedagógica 3 em face

da minha experiência nesse processo, optando pela metodologia a partir da ideia de

pesquisa-ação.

Por esta proposta metodológica, observa Thiollent:

[...] “Há uma ampla interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada; dessa interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta; a pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se aumentar o conhecimento ou o “nível de consciência” das pessoas e grupos considerados". (Thiollent,1986, p.17).

Busquei investigar a partir da proposição de situações e atos que propunham

fatos de ordem interna e extraescolares4, disposições ou ocorrências que permitiriam

observar as manifestações positivas ou negativas dos sujeitos da pesquisa– ação,

2 As entrevistas informais ocorreram no decorrer das minhas aulas, passando nas carteiras dos alunos, conversando com eles individualmente e de forma coletiva e, algumas vezes nos intervalos de recreio, sobre o seu interesse pelos estudos, preocupações com o futuro profissional, o que de fato eles aprendem na escola. Essas conversas também se deram com os professores nos horários da “HORA – ATIVIDADE” na sala dos professores e em outros momentos, como nos caminhos até chegarmos à sala de aula. 3 A intervenção pedagógica é uma obrigatoriedade do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná. 4 Exemplos: 1. A greve dos professores; 2. A reforma da escola que não permite ficarmos no prédio sede da escola (estamos ocupando uma outra escola).

em face da ideia da problemática do estímulo e, consequentemente a que os alunos

reclamaram, mas não relacionaram ao seu desinteresse pelos estudos, mas que

podem também colaborar para um desestímulo e consequentemente a não

identificação do aluno com a “cultura- escolar”5. Ainda analiso aqui outros fatores como tipo de metodologia utilizada na sala

de aula, currículo escolar oferecido aos alunos, conteúdos e exercícios inadequados

e questões cognitivas, afetivas, emocionais, econômicas, sociais e culturais que

podem, também, influenciar no processo da aquisição de aprendizagens, bem como

causar transtornos, ou tornarem-se impedimento de uma cultura escolar. Mas esses

fatores, os quais são relacionais e intercambiáveis, muitas vezes são “esquecidos”

ou menosprezados nos estabelecimentos educacionais, questionamentos sobre as

possíveis causas que levam os alunos a não deterem interesse pelos conteúdos

ensinados poucas vezes são realizados.

Na verdade, parto do pressuposto de que perguntas sobre a realidade dos

alunos e os conteúdos a serem trabalhados em sala de aula perdem o seu sentido

na imediatez da vida cotidiana do trabalho pedagógico: será que a prática docente

que desenvolvo tem como preocupação e problematização a realidade vivida pelos

alunos? Será que os conteúdos que eu trabalho em sala de aula são mais válidos do

que aqueles trazidos pelos alunos?

Muitas destas perguntas ao serem identificadas como pouco comuns do ponto

de vista investigatório, porque a escola assim como demais instituições públicas não

têm como prática, investigar o que ocorre em seu ambiente de modo a "estranhar"

aquilo que é familiar aos atores sociais nela envolvidos, leva-nos a entender que os

professores, em face dessa realidade e da resistência em trabalhar com novas

metodologias, deixam de ver ou de problematizarem sobre aquilo que se tornaram

ao construir a realidade escolar em conjunto com os alunos.

O objetivo principal dessa pesquisa-ação foi, portanto, o de tomar o universo

da escola no sentido de lidar com as temáticas que se encontram no campo da

5 Segundo Willis (1991) a cultura escolar se constrói e reproduz-se ideologicamente, como um reflexo das determinações macro do Estado e outras instituições, influenciando assim a cultura escolar e reproduzindo-a na medida em que a realidade local se apresenta. Ainda conforme Wills, a cultura de jovens da classe operária sofre a influência da ideologia dominante reproduzida nas escolas, local onde os jovens deveriam ir ao encontro do conhecimento, mas a escola acaba reproduzindo a cultura dominante neste caso a cultura dos defensores do sistema capitalista, onde os jovens são formados para atender ao mercado do trabalho.

"ação escolizadora" regulatória. Em contrapartida ao ponto de vista daquilo que, em

primeiro momento, apresentar-se-ia como resistência à cultura escolar, uma "cultura

contra escolar" expressa pelo desinteresse, cujo entendimento perpassaria por

compreender a sua expressividade a partir da manifestação identitária tendo em

conta os marcadores sociais das diferenças6.

Conforme, explica Giddens (2002, p. 36) : [...] "mudanças em aspectos

íntimos da vida pessoal estão diretamente ligadas ao estabelecimento de conexões

sociais de grande amplitude [...] o ‘eu’ e a ‘sociedade’ estão inter-relacionados num

meio global”.

Essa turma que trabalhei, é uma “pequena” parcela de alunos, mas que traz

uma diversidade de classes sociais, etnias e sexualidade. A construção da

identidade do aluno se relaciona diretamente com sua busca de sentidos para a sua

vivência na Instituição Escolar, pois o indivíduo está ligado às condições sociais.

Temos como pressuposto que a construção da identidade se faz no mundo do

“eu”, particular, mesmo totalmente inserida no mundo impactado pela ação do tempo

no espaço, mas não descartada do mundo exterior. Tal como observa Giddens: “ A identidade de uma pessoa não se encontra no comportamento nem – por mais importante que seja – nas relações dos outros, mas na capacidade de manter em andamento uma narrativa particular. A biografia do indivíduo, para que ele mantenha uma interação regular com os outros no cotidiano, não pode ser inteiramente fictícia. Deve integrar continuamente eventos que ocorrem no mundo exterior, e classificá-los na “estória” em andamento sobre o eu. Como diz Charles Taylor, ‘a fim de ter um sentido de quem somos, precisamos ter uma noção de como nos transformamos e para onde vamos’”. (Giddens, 2002, p. 56).

A identidade se constrói na medida em que cada um possui uma

peculiaridade nesse processo em face de suas escolhas. Além disso, a auto

identidade dependeria dos eventos que acontecem no mundo exterior, assim como

os valores a eles atribuídos. É nesse sentido ao distinguir os demais períodos

6 Segundo a professora Heloisa Buarque de Almeida "Os marcadores sociais da diferença são um campo de estudo das ciências sociais que tentam explicar como são constituídas socialmente as desigualdades e hierarquias entre as pessoas. Todas estas, são diferenças construídas pela sociedade, mas tidas como se fossem “naturais”. Os marcadores sociais das diferenças também incluem outras categorias, como uma das noções básicas da sociologia, que é a classe social. O principal é além de saber como essas diferenças são construídas, é ver como estão interligadas. Não cabe, por exemplo, um pesquisador estudar gênero, compartimentado, e outro estudar raça; e sim buscar enxergar, nos estudos empíricos, como estas diferenças se articulam”. http://www.usp.br/agen/?p=15350.2010 Acesso em 21/01/2016.

vividos pelos homens, dado, os sistemas abstratos e o reordenamento espaço-

temporal que “a modernidade confronta, segundo Giddens (2002, p.79), o indivíduo

com uma complexa variedade de escolhas e ao mesmo tempo oferece [lhe] pouca

ajuda sobre as opções que devem ser selecionadas”.

Porém, não me limito aqui, a atribuir à construção da identidade a somente a

particularidade de cada indivíduo. Segundo HALL, 2006, p. 39: “ A identidade surge

não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas

de uma falta de inteireza, que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior” [...]

Essa interação aconteceu no decorrer da pesquisa nos momentos em que, eu

como pesquisadora e os sujeitos da pesquisa encontraram-se envolvidos nas ações

que permitiram pensar as suas práticas sociais. Assim, os alunos foram ouvidos,

tanto na sala de aula, como em outros espaços da escola. Ao mesmo tempo, em

meio ao que se pode considerar como um misto de resistência e de conformismo,

perguntavam- se a si próprios e a mim: “para que tanta matéria”? Para logo em

seguida expressarem, quase que resignados, a preocupação com os pontos e notas

que iria deter ao final de tais atividades. Quer dizer, que em primeiro momento

estavam mais preocupados com essas questões do que com que estavam

aprendendo.

Nestes diálogos, tanto informais como formais, notei que os alunos mais

interessados em conversar sobre a ideia de desinteresse, ou a concepção contra

escolar foram aqueles mais interessados também pelas aulas no dia a dia.

Pude perceber também uma “carência” e ao mesmo tempo uma busca de

alguns dos alunos dessa turma em se identificar com o estudo com mais afinco ao

fazerem perguntas sobre vestibulares, porque eu escolhi ser professora, para que

serviria o projeto e inclusive perguntas sobre algumas questões administrativas da

escola. Ainda nesse contato e convívio direto com os alunos, procurei levá-los a

uma reflexão das suas próprias ações dentro da sala de aula; como por exemplo:

para qual caminho essa prática da busca do conhecimento poderia levá-los? Sobre

responsabilidade, respeito, violência dentro e fora do espaço escolar.

Para realizar essa atividade, foram necessárias a sensibilidade e a

capacidade da pesquisadora para com a ideia de poder interpretar os depoimentos e

sentimentos dos alunos, além de paciência, pois em muitos momentos senti por

parte de alguns alunos que queriam “bater papo”7, justamente para fugir de tarefas

consideradas, por eles, mais “difíceis”.

Como explica Thiollent: (1986, p. 45) “em si própria a concepção de

pesquisa-ação nunca é livre de valores. Não há nisto, qualquer anormalidade:

apesar de sua pretensa neutralidade, as tendências convencionais se inserem em

estratégias sociais determinadas"8.

A pesquisa-ação nessa implementação resultou da tomada de depoimentos e

análise de relatos, a partir das questões abertas, lançadas na forma de questionários

os quais foram respondidos por alunos e professores, tendo em conta a ideia de um

roteiro com perguntas que propusessem pensar em situações relacionadas ao

desinteresse/interesse escolar.

Ainda segundo Thiollent (1986, p. 19): [...] "pela pesquisa- ação é possível

estudar dinamicamente os problemas, decisões, ações, negociações, conflitos e

tomadas de consciência que ocorrem entre os agentes, durante o processo de

transformação da situação”.

Contudo, a técnica das perguntas abertas para que alunos e professores

pudessem responder mais livremente as indagações dessa pesquisa, não nos dá

uma total transparência de suas respostas, pois notei que várias delas se limitaram a

poucas palavras. Uma entrevista, com os sujeitos da pesquisa, a partir de um olhar

mais profundo, com mais questionamentos sobre o assunto, poderia ter colaborado

também para a análise e entendimento de suas opiniões.

Nesse aspecto, pensar sobre os interesses e os desinteresses relativos à

função política e da pesquisa–ação, tal como observa Thiollent, (1986, p. 43): "A

função política da pesquisa- ação é intimamente relacionada com o tipo de ação

proposta e os atores considerados. A investigação está valorativamente inserida

7 Embora a expressão “bater papo” pareça significar: não ter serventia, vale registrar que esse “bater papo” também colabora para colhermos as informações em campo durante esses diálogos. A utilização de conversas como fonte de pesquisa para Menegon, 1999, enriquece nossas opções metodológicas, mas é preciso ética para podermos registrá-las. Segundo Menegon (1999, p. 188): “As conversas do cotidiano permeiam as mais variadas esferas de interação social. Mas, por serem consideradas corriqueiras, dificilmente pensamos na riqueza e nas peculiaridades que possam estar presentes nessa forma de comunicação.” 8 Para maiores detalhes sobre a descrição e a interpretação da realidade consulte Geertz (1978).

numa política de transformação".

Pensar em uma política de transformação no espaço escolar, a partir dessa

investigação, significa, desenvolver ações pedagógicas tendo em conta as

proposições e reflexões que os alunos e professores relataram nas respostas, frente

aos interesses e valores em comum.

Ainda, segundo Thiollent (1986, p. 44), essa transformação consiste na

“conscientização daqueles que participam na pesquisa e o conjunto dos quais são

divulgados os resultados”

Ao adotar esse método (ou estratégia de pesquisa) da pesquisa – ação

pretendeu-se levantar, através das questões elaboradas, tanto para os alunos, como

para os professores, dados e relatos que nos levariam às possíveis causas do

desinteresse escolar por parte dos alunos e porque os estudos parecem não fazer

parte de sua realidade vivida.

2.RELATO DAS AÇÕES

Numa conversa que tive com os alunos do 2º B expliquei-lhes que estava

participando do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e que os havia

escolhido para aplicação do meu projeto.

Cuidadosamente expliquei que havia optado por essa turma, considerando

que o foco de meu Projeto de Intervenção Pedagógica era o de poder entender o

que viria ser o desinteresse escolar e, infelizmente, nessa turma, havia, de acordo

com alguns professores, poucos alunos interessados em estudar com maior afinco.

Nessa conversa perguntei-lhes o que pensavam sobre o assunto: e "se isso

realmente acontecia", bem como “o que poderia ser diferente na escola” e, “mesmo

se a "falha" encontrava-se nos professores, alunos ou na escola como um todo”.

Nessa ocasião vários alunos se predispuseram a participar da conversa.

Alguns deles eram da opinião de que tinha-se muitos professores naquela escola

que ensinavam bem, ainda que fossem chatos e que o aluno que queira aprender,

aprendia com o bom ou com mal professor, contudo, disseram também que havia

professores que falavam palavrão e que muitos deles xingavam a mãe dos alunos,

além disso, muitos deles ficavam bravos quando pedia-se maiores explicações

sobre determinado assunto, disseram que “o diretor deveria se preocupar mais com

os alunos”; assim como, também observaram: “o que eu valorizo num professor é

que ele tenha contato com a gente”.

Numa outra conversa que estabeleci com eles, os questionei sobre o que

poderia melhorar na escola para que houvesse interesse maior pelo gosto pelos

estudos.

A maioria dos alunos atentou para coisas que, a princípio, passariam por

reivindicações triviais, o que demonstrava a capacidade de observação, muito

embora, para aquilo que era o imediato e distante da prática ou rotina de estudos:

”colocar mais sal na merenda”; “água dentro da sala de aula”; “armários na escola

para guardar os materiais”; “ganhar materiais escolares do Estado, como caderno,

lápis, caneta, etc"...

Eu falei que essas coisas materiais e “imediatas” são necessárias e nos

proporcionam mais conforto, e questionei-os também sobre o que a escola poderia

melhorar no processo ensino aprendizado.

Vários alunos se manifestaram: “o problema é que a gente tem muito

professor que desconta o seu mau humor em nós”; “eu pergunto as minhas dúvidas,

mas a professora finge que não me escuta”; “poderia ser utilizado mais a biblioteca e

sala de informática”; laboratório de Química”; “deveria ter um "data-show" na sala de

aula”.

Em uma das conversas com os alunos, perguntei se a maioria dos

professores trabalhava de uma forma que não os agradava. Eles disseram que isso

acontecia com apenas três professores, o que não deixa de ser uma

representatividade.

Entendi então porque nas respostas dadas pelos professores na pergunta

número um do questionário aplicado, a maioria deles respondeu que gostava de

trabalhar com essa turma, apesar de ter, obviamente, alguns problemas.

Nesse sentido estive atenta nas observações que fiz durante essa pesquisa

para que eu pudesse escrever este Artigo, como pesquisadora e professora, da

forma mais “transparente” possível.

Como observa Thiollent (1986, p17): "a atitude dos pesquisadores é sempre

uma atitude de 'escuta' e de elucidação dos vários aspectos da situação, sem

imposição unilateral de suas concepções próprias". Uma das etapas da implementação conforme já citei, foi a aplicação de duas

perguntas abertas a todos os professores dessa turma:

a) Como você se vê ao ensinar nessa turma? Você gosta? Explique. Você não

gosta? Explique.

b) Relate como você avalia a atenção dos alunos com relação às suas aulas?

Eles participam? Em que momentos? Em que situações?

Do total de quatorze professores, incluindo professores9 estatutários e

contratados, nove devolveram o questionário respondido. Desses, notei que a

maioria respondeu positivamente à questão primeira, ou seja, eles gostavam.,

apesar de algumas dificuldades, como conversas paralelas. Um dos professores

respondeu que se vê como um "vendedor ambulante tentando convencer um cliente

a comprar os seus produtos", pois é como se ele falasse e não fosse ouvido.

Com relação à segunda questão, a maioria dos professores respondeu que os

alunos participam das aulas, em algumas disciplinas de modo mais pontual (um

aluno ou outro) e em outras disciplinas, vários alunos participavam procurando

esclarecer dúvidas e que realizavam as atividades propostas.

Um dos professores ressaltou perceber que estudar para eles não é uma

atividade prazerosa, mas mesmo assim fazem as atividades propostas. E

contrariando, o que anteriormente havia escutado de outros professores, um deles

relatou uma melhora na participação e interesse do começo para este final de ano

sendo que somente um deles é que observou haver muita conversa durante as

explicações em suas aulas. Um dos professores apenas que relatou que 90% dos

alunos conversam quando ela está explicando.

Na segunda etapa desta pesquisa, buscou-se deter maiores informações

sobre a conduta dos alunos, a partir das seguintes questões:

a) Você consegue se envolver com os conteúdos didáticos que os professores

explicam em sala de aula e usá-los no seu dia a dia?

b) Sua família participa dos seus estudos e o incentiva para estudar? Se sim

ou se não, explique de que forma isso acontece.

c) Os professores são referências importantes para o seu aprendizado?

Justifique sua resposta.

d) Você tem perspectivas de utilizar os seus estudos para o seu futuro

9 Embora seja importante, não tenho mais dados específicos dos professores, como etnia/raça, religião, classe social, gênero, pois não me atentei antes à tal importância, no que se refere a saber qual a identidade deles.

profissional? Com o que você se identifica? Explique.

Segue abaixo um quadro com a explanação das respostas:

Analisando as respostas da questão 1 nesse quadro, podemos notar que

quase 50% dos alunos dessa sala não aproveita no dia a dia o que lhe é ensinado,

sendo que, o aproveitamento didático é o principal objetivo da escola, enquanto

Instituição de Ensino. É necessário lembrar que o conteúdo didático exposto pelo

professor chega pronto10 aos alunos. Podemos adaptar os conteúdos de acordo com

a realidade da escola, mas não é sempre que isso acontece. Além de que, não há

propostas nesse sentido e, o tempo não é repensado para uma organização que

proporcionasse a participação dos alunos na construção dos conteúdos.

As respostas dadas a essa questão: 50% não aproveita no seu dia a dia o que

ele aprende em quatro horas por dia, que somam 200 dias letivos em média;

evidencia um número alto de alunos. Esse dado nos permite pensar: como esses

alunos se interessariam em debruçar-se em algo que não se usa, tendo em vista a

questão das identificações e do gosto pelo estudo?

As respostas das questões 2,3 e 4 mostram que o estudo ocupa um papel

importante, pois evidenciam que a família da maioria estimula- os para os estudos. A

maioria vê o professor como referência importante para o seu aprendizado e tem

perspectivas de utilizar os seus estudos para seu futuro profissional. 10 O currículo é construído através da Base Nacional Comum . Os participantes dessa construção é: MEC, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR), as instituições de ensino públicas e privadas, os movimentos sociais organizados e os segmentos relacionados à Educação.

Distribuição do número de respostas dos alunos do 2º Ano do Ensino Médio, conforme expectativa de aprendizagem em 2015. Total de alunos: 23

CONTEÚDO DIDÁTICO FAMÍLIA E ESTÍMULO

IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR

UTILIZAÇÃO DO ESTUDO PARA O FUTURO

PROFISSIONAL APROVEITA

NO DIA A DIA NÃO

APROVEITA Estimula Não

estimula É importante Não é

importante Vai usar Não vai

usar

12 11 21 2 21 2 21 2

Percebi em minha própria prática que eu poderia oferecer mais subsídios e

estímulos que levassem os alunos a se interessar mais pela disciplina de Sociologia,

pois os conteúdos (trabalho, política, ideologia, cultura, etc..) tratados em Sociologia

estão diretamente ligados ao cotidiano dos alunos. Dessa forma, colaboraria com a

construção do conhecimento dos alunos, pois pude também notar que raramente

estudam além do que lhes é pedido.

Buscam outras informações de interesse próprio, que poderiam ser

aproveitadas, trazendo-as para sala de aula para serem estudadas com mais

profundidade: como músicas; moda; namoro; amizade; família; jogos; etc. Interesses

que fazem parte do seu convívio.

Segundo Giddens: [...] “A auto- identidade, em outras palavras não é algo simplesmente apresentado, como resultado das continuidades do sistema de ação do indivíduo, mas algo que se deve ser criado e sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo". (Giddens, 2002, p. 54).

Ou seja, a identidade de uma pessoa, segundo Giddens, é o eu

compreendido através de uma reflexão da sua própria vida e que rotineiramente ela

é construída.

Ter prazer e se identificar pelos estudos é um processo pelo qual, vai além da

utilidade que os alunos dão ao estudo para seu futuro profissional, além do estímulo

da família e da importância do professor, pois essa construção depende de um

aprendizado constantemente reflexivo. Por que estudar? Para quê estudar? Reflito o

seguinte: esses alunos são levados a uma reflexão sobre a sua realidade social?

Sobre seus estudos? Sobre seu futuro profissional? Ou estão mais preocupados,

como muitas vezes, nós professores também nos preocupamos em cumprir prazos,

conteúdos, “vistos” nos cadernos e outras questões burocráticas?

Em muitos momentos, a escola como um todo – professores, apoio

pedagógico e outros profissionais envolvidos na educação - em vez de

proporcionarem mais estímulo aos educandos, passam a colaborar para o desânimo

e descompromisso: "As mudanças sucessivas no currículo e nas metodologias testadas recorrentemente denunciam que a escola vem perdendo o sentido. Do currículo conteudista ao que enfoca a formação para o mundo do trabalho percebe-se que não se tem uma visão nítida do que a escola deve ensinar, como e para quê. O resultado é o aumento do desinteresse dos alunos, particularmente dos jovens pela escola. Por outro lado, alguns professores veem-se frustrados por identificarem alunos muito competentes, mas que não se encaixam no modelo de educação ora vigente e, por isso, são

(taxados) estigmatizados como incapazes e, desestimulados, uns desistem da escola, outros constroem estratégias para conseguirem o diploma sem, contudo alcançarem o conhecimento que desejariam obter nesta instituição". (SILVA, et al., 2011, p.1).

Rubem Alves, num dos vídeos que utilizei como material para o GTR11 ,

explica sobre a importância do por quê” e “para quê” estudar; não algo para se

utilizar para o futuro somente, mas para o mundo vivido do aluno, pois quando parte

da sua realidade, da sua curiosidade, ele se interessa. Pelo tempo que estive com essa turma nesse ano e pelo que pude notar nas

nossas conversas, nas suas respostas e nas respostas de alguns professores,

observei que temos alguns alunos que se destacaram como líderes em assuntos de

interesse da escola ajudando a organizar uma manifestação com questionamentos a

respeito da reforma da nossa escola. Dedicaram-se em lutar pelos interesses em

comum. Paralelamente a essa observação, também se mostraram interessados

pelos conteúdos sobre o Meio Ambiente e Cidadania.

Para aproximá-los de um assunto que demonstraram empenho e também

para sair das aulas “tradicionais”, pensei em propor a realização de uma aula

diferenciada passando um filme: “Lixo Extraordinário” que relata o trabalho do

artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo: o Jardim

Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro. O trabalho realizado por esse artista

revela o poder transformador da arte sobre o ser humano. É um filme e

documentário com “personagens” reais, retratando suas próprias vidas: trabalho,

emoção, dignidade, meio ambiente e busca de direitos.

Por essa razão eu que fiz a escolha do filme, tendo em vista minha percepção

sobre a sensibilidade dos alunos com relação a esses conteúdos e às suas opiniões

e ações em sala de aula e fora dela. O objetivo de passar o filme foi o de analisar o

comportamento dos alunos e o interesse deles diante de uma metodologia

diferenciada. No dia em que passei o filme deixei os alunos à vontade para se

sentarem nos lugares em que escolhessem, mesmo que ao final da sala. Observei

que eles, de maneira geral, gostaram do filme e participaram das discussões. Mas

teve também algumas conversas paralelas, cochilos e escuta de celulares.

11 GTR - Grupo de Trabalho em Rede: constitui uma das atividades do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e se caracteriza pela interação à distância entre o professor PDE e os demais professores da rede pública estadual de ensino.

Fiz a discussão sobre o filme, relacionando ao conteúdo: Cidadania e Meio

Ambiente e conversei com eles a respeito do que acharam ao assistir o filme e se

gostaram. A partir disso solicitei que eles respondessem às seguintes perguntas:

1- Na sua opinião há possibilidade de uma mudança, quando exercemos nossa

cidadania? Explique.

2- Na sua opinião, a proposta dessa metodologia - a de assistir a um filme

relacionado ao nosso conteúdo- pode colaborar para um maior interesse pelas

aulas? Explique.

Todos os alunos relataram que uma proposta diferente colabora para um maior

interesse pelas aulas. Pude notar que algumas respostas foram dadas

“automaticamente”, ou seja, sem que houvesse uma reflexão sincera do que

escreveram. Fato esse, expressado em alguns comportamentos como: conversas

paralelas, cochilos e escuta de celulares. Já em outras respostas percebi interesse

e sinceridade.

Percebi que o fato de passar um filme inteiro que teve duração de 1 hora e 30

minutos aproximadamente, favoreceu para o desvio da atenção dos alunos em

alguns momentos. A prática de uma metodologia diferenciada é importante, no

entanto, percebi que o assunto é muito mais importante para eles do que a

metodologia.

Com relação a essa prática, obseva Thiollent, (1986, p. 43): "A função política

da pesquisa- ação é intimamente relacionada com o tipo de ação proposta e os

atores considerados. A investigação está valorativamente inserida numa política de

transformação”. Pensar nessa política de transformação, citada por Thiollent, no

espaço escolar, permitiu ouvir a opinião dos alunos e dos professores sobre os

motivos do desinteresse pelos estudos, opinião essa, que na maioria das vezes

esses dois atores sociais não são consultados.

Aplicar uma ação pedagógica diferenciada – passar um filme a partir do que

os alunos demonstraram gostar permitiu uma observação de como o comportamento

desses alunos foi semelhante ao das aulas “tradicionais”. Porém enfatizo que

apenas um tipo de metodologia diferenciada não dá conta de toda a amplitude das

causas do desinteresse pelos estudos por parte desses alunos.

Complementando, segundo Thiollent (1986, p. 44): essa transformação

consiste na “‘conscientização” daqueles que participam na pesquisa e o conjunto dos

quais são divulgados os resultados.

A proposta da pesquisa-ação é uma mudança, mas pude notar que as ações

realizadas durante a pesquisa não chegaram à escola como um todo. Poderia ter

proporcionado uma maior envolvimento com os demais professores e alunos.

Essa implementação pedagógica fez parte de um processo pedagógico, o qual

faz-se necessário planejamento e experiências aula a aula, como observa ”, Dubet

(1997), com base em experiência, por um ano, como professor de História e de

Geografia, na periferia de Bordeaux na França: Cada vez que se entra na sala, é preciso reconstruir a relação: com este tipo de alunos, ela nunca se torna rotina. É cansativa, cada vez, é preciso lembrar as regras do jogo; cada vez, é preciso reinteressá-los, cada vez, é preciso ameaçar, cada vez, é preciso recompensar (...). A gente tem o sentimento de que os alunos não querem jogar o jogo e é muito difícil porque significa submeter à prova suas personalidades. Se eu falo de charme, de sedução, não é por narcisismo, é de fato o que a gente realmente experimenta. É uma experiência muito positiva quando funciona, a gente fica contente; quando não funciona, a gente se desespera. Eu vivi dificilmente esse ano, aliás, no Natal queria parar. (DUBET, 1997, p. 224).

A relação aluno/professor e ensino/aprendizagem e o conhecer o que

desperta no aluno o seu interesse pelo estudo, tendo em vista a sua realidade,

constrói- se e reconstrói-se diariamente e não depende somente do professor ou só

do aluno, ou da escola como um todo. Depende também da realidade que o aluno

traz consigo para escola. Como já foi citado nesse artigo: “para quê” serve o que o

aluno está estudando? Qual a relação que esse estudo tem com a sua realidade

social?

O objetivo dessa implementação, que foi o de ouvir e analisar as causas do

desinteresse escolar e pensar numa possibilidade de novas práticas pedagógicas

permitiu que me fizesse pensar ainda mais nas minhas aulas, no modo em que me

coloco e me disponibilizo diante dos meus alunos, qual o tempo que estou

disponibilizando para ler, preparar as aulas e para realizar a parte técnica do meu

trabalho, sendo essas tarefas igualmente importantes. Estou tendo a sensibilidade

de perceber o que o meu aluno traz consigo da sua realidade?

E uma questão torna-se fundamental nesse processo: amo minha profissão?

Espera-se que as reflexões dessa implementação possam colaborar para

uma maior interação, enfrentamentos e transparência entre alunos e professores,

tendo em vista mais interesse pelos estudos por parte dos alunos e um olhar

diferenciado por parte do professor, com relação ao desinteresse dos alunos

manifestado nas aulas.

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