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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
NARRATIVAS DA FRONTEIRA: A INFLUÊNCIA SOCIOCULTURAL NA
PRODUÇÃO TEXTUAL DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO.
Marcia da Luz Leal1
Adriane Elisa Glasser 2
RESUMO
Este artigo tem como tema a leitura enquanto fato social que necessita ser mediado pela escola como elemento integrador dos indivíduos à sociedade. A problemática de pesquisa investigou se as relações socioculturais dos alunos influenciam na elaboração de narrativas do cotidiano da fronteira. O objetivo do estudo foi analisar a influência das vivências socioculturais na construção das narrativas da fronteira com alunos do ensino médio, tomando como objetivos específicos analisar o conceito que os alunos possuem sobre a sua vivência na fronteira, investigar as vivências socioculturais da fronteira em forma de narrativas e identificar as marcas e influências das relações sociais entre os estudantes que residem na região de fronteira. As fontes teóricas abordaram os conceitos de fronteira de escrita e de gêneros narrativos, embasando o trabalho para a realização de uma pesquisa-ação a partir de um plano de intervenção onde os alunos foram preparados para registrar as suas vivências sociais em forma de narrativas de fronteira apresentando textos narrativos que foram registrados no blog da escola como resultado da pesquisa. Palavras-chaves: Comunicação. Sociedade. Ensino. Fronteira.
1 INTRODUÇÃO
A proximidade geográfica com a fronteira entre o Brasil e o Paraguai é um
diferencial na comunicação dos jovens que se envolvem no trabalho de atravessar
mercadorias, muitas expressões são criadas e reproduzidas para propiciar uma
comunicação característica que pode representar um código de proteção entre eles,
ou um sistema de comunicação que denuncie rebeldia no trabalho que representa a
contravenção. As formas de comunicação estão ligadas à vida sociocultural e por
isso caracterizam as funções comunicativas, cognitivas e institucionais em
detrimento à organização estrutural da língua (MARCUSCHI, 2002).
1 Professora PDE docente da disciplina de Língua Portuguesa no Colégio Estadual Dom Manoel
Konner- Santa Terezinha de Itaipu. 2 Professora Mestre das disciplinas de Língua Portuguesa e de Língua Espanhola, Secretaria
Estadual de Educação-SEED.
Para Koch (2000) a representação do mundo acontece pela linguagem, pois
por ela ocorre a transmissão e a reflexão sobre um contexto, a língua é elemento de
interação entre o indivíduo e seu meio social, isto explica as causas da comunicação
dos jovens envolvidos no trabalho de comercialização na fronteira ser realizada
através de um vocabulário específico que estabelece uma comunicação eficiente
entre eles, mas de difícil compreensão para pessoas que não estão habituadas ao
léxico criado por eles, formado, geralmente, por palavras usadas com sentido
conotativo ou impróprio.
Diante disso este estudo tem como tema a identidade cultural da fronteira
presente nas narrativas dos alunos do Ensino Médio.
A linguagem enquanto fato social é fundamental para a comunicação e a
socialização dos indivíduos, principalmente quando se trata de alunos do Ensino
Médio. As produções dos alunos que atuam na fronteira como carregadores ou
transportadores de mercadorias são marcadas por um vocabulário específico,
principalmente os textos narrativos que são construídos a partir das vivências
desses alunos nos seus afazeres cotidianos.
No Ensino Médio a produção de textos narrativos como instrumento no ensino
de linguagem ganham características especiais que se fundamentam nas vivências
sociais dos educandos enquanto sujeitos em formação.
As narrativas são representações sociais do ser humano na tentativa de
perpetuar os seus mitos, sua visão de mundo, suas conquistas e sua história. Os
registros narrativos vencem o tempo e perpetuam os fatos e acontecimentos
(NEVES, 2003).
Uma vez que se decidiu construir o objeto de ensino à imagem e semelhança das práticas sociais de leitura e escrita, é necessário elucidar em que consistem essas práticas, é necessário examiná-las de perto, para poder explicitar quais são os conteúdos envolvidos nelas e tentar definir as condições didáticas potencialmente capazes de preservar o sentido (LERNER, 2002, p.59).
Os educadores estabelecem uma comparação entre a linguagem falada e a
linguagem escrita, que em muitos momentos não permite fazer uma relação entre o
que aprendiz fala e o que ele escreve. Segundo Koch e Elias (2011) existe uma
dicotomia que estabelece diferenças entre a fala e a escrita de um mesmo aluno,
isto decorre da interferência do interlocutor no discurso, pois quem escreve para
alguém e com uma finalidade específica, na escola, a convenção é que o aluno
escreva para o professor corrigir, no entanto o professor ao realizar a correção
preocupa-se com os elementos coesivos, com a coerência e a morfossintaxe,
deixando de analisar o discurso narrativo do aluno enquanto resposta do sujeito
aprendente na elaboração da linguagem escrita.
Assim, este estudo apresenta uma preocupação em identificar as respostas
sociais e a sua interferência na elaboração da escrita de narrativas enquanto
elemento fundamental na construção de conhecimentos de linguagem.
A construção de textos narrativos dotados de sentido é uma necessidade da
escola e da sociedade. O discurso social dos alunos necessita estar representado
nos textos narrativos realizados nas suas produções. Desta forma, o problema
proposto neste estudo compreende o desenvolvimento de uma pesquisa-ação onde
se investiga se as relações socioculturais dos alunos influenciam na elaboração de
narrativas do cotidiano da fronteira.
O objetivo do estudo é analisar a influência das vivências socioculturais na
construção das narrativas da fronteira com alunos do ensino médio.
Assim, torna-se necessário conhecer o conceito que os alunos possuem
sobre a sua vivência na fronteira e as possíveis interferências na sua linguagem oral
e escrita, descrever as vivências socioculturais da fronteira em forma de narrativas e
identificar as marcas e influências das relações sociais entre os estudantes que
residem na região de fronteira.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 FRONTEIRA
A concepção de fronteira indica que se trata de uma linha que marca o limite
de um Estado seguindo apenas as convenções. Existem fronteiras que são
delimitadas fisicamente a partir da construção de muros ou de cercas, porém nem
sempre isso acontece desta forma, por isso se afirma que as linhas divisórias são
convenções, pois o limite quando ultrapassado equivale a invadir o espaço vizinho
(MARTIN, 1997).
No entanto, acima do conceito a palavra fronteira é também uma marca de
soberania, pois isso implica em autoridade de governo sobre as suas terras, ou seja,
dentro dos seus limites. Geograficamente as fronteiras podem ser terrestres,
marítimas, fluviais, lacustres e mesmo aéreas, pois podem ser representadas por
mares, rios, lagos, etc. As fronteiras são vigiadas e monitoradas, principalmente em
locais onde imigrantes buscam entrar ilegalmente no país vizinho, ou ainda onde
possam ser comercializados produtos ilegais como drogas e contrabando. Da
mesma forma existem fronteiras naturais constituidas por obstáculos geográficos da
própria natureza especialmente rios e montanhas (BACHELARD, 1995).
Entretanto, algumas considerações são postas na definição de fronteira que
aferem significados subjetivos e voltados para os aspectos sociais da fronteira,
embora alguns autores prefiram definir esse espaço como território de poder.
Considerando a fronteira um território especial, para este estudo, a concepção de território é indicada por Saquet (2007), para quem este é produzido, espaço-temporalmente, pelas relações de poder exercidas por determinados grupos ou classes sociais. lopes de Souza (1995) reafirma que o território é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder (SOUZA, 2011, p.167).
Essas concepções espaciais e sociais imbricadas em conceitos difusos que
juntam fronteira e território dependendo da conotação dada e pelos sentidos que a
ela se referem.
Existem concepções de fronteira que são expressas a partir de visões
filosóficas, por isso são variáveis, mesmo assim podem ser considerados como
processos relativos construídos simbolicamente, são locais de mutação e de
subversão, regidos por princípios de relatividade, multiplicidade e reciprocidade,
onde os limites são ultrapassados tornando-se novas dimensões (ORTIZ, 1994)
Assim, a subjetividade e o tipo de relações estabelecidas entre os sujeitos são
determinantes para estabelecer conceitos tanto de fronteira quanto de território.
A territorialidade, decorrente do território, é a qualidade que o território ganha de acordo com a utilização ou apreensão pelo ser humano, mas, além disso, conforme sugere Dematteis (2007), a territorialidade não é somente resultado do comportamento humano sobre o território, mas o processo de construção de tais comportamentos, o conjunto das práticas e dos conhecimentos dos homens em relação à realidade material, a soma das relações estabelecidas por um sujeito com o território (a exterioridade) e com outros sujeitos (a alteridade) (SOUZA, 2011, p.169).
Percebe-se, desta forma, que o meio interfere na formação do homem
e que alguns conceitos vão se formando aleatoriamente dependendo da
realidade vivida e convivida pelos sujeitos em diferentes espaços.
Para Martin (1997) as fronteiras não são produtos da natureza elas resultam
das relações entre os homens que estão em constantes mudanças transformando o
tempo e agindo no espaço. Existe polêmica entre fronteiras naturais e artificiais que
decorrem da identificação apressada entre duas práticas distintas: a delimitação e a
demarcação. A delimitação é o estabelecimento da linha de fronteira e demarcação
é a locação da linha de fronteira no terreno.
Neste estudo, percebe-se que a delimitação impulsiona para que as relações
de poder e de direito social sejam infringidas no fazer cotidiano das pessoas que
atuam na fronteira em ações de contravenção. Assim, ao escrever ou resgistrar por
escrito as falas e ações realizadas no seu cotidiano permite-se ao aluno tornar-se
sujeito numa história que caminha à margem da sociedade.
2.2 ESCRITA No ambiente educacional a formação da consciência cidadã é realizada
quando o aprendiz reflete a respeito de suas ações e ao escrever sobre, registra o
seu discurso, representando as suas ações conscientes.
A escrita, na concepção de Freire (1991) é também objeto do pensamento e
da vida. Entre os povos do terceiro mundo, a escrita e a leitura são um distintivo de
poder. Portanto, a criação de uma política de desenvolvimento de participação do
mundo da leitura e da escrita significa redimir as massas excluídas de 500 anos de
história. A leitura do mundo antecede a leitura das letras. No entanto, há que se
considerar que a escrita é tão importante na história, e que, para muitos, existe
história quando existe escrita (NEVES, 2003).
A escrita não é infalível, os conteúdos transmitidos, reproduzidos ou produzidos pela escola são geralmente apresentados por meio de suportes escritos (impressos em livros, apostilas, folhetos etc., manuscritos ou virtuais). Existe, indiscutivelmente, uma íntima relação entre o trabalho pedagógico e as práticas ou dinâmicas exclusivas do mundo da escrita. As demais linguagens – oral, imagética, sonora, etc. – sem dúvida também são acionadas nas múltiplas operacionalizações do processo ensino-aprendizagem; entretanto, considerando a infraestrutura pedagógica da grande maioria das escolas brasileiras, essas linguagens são coadjuvantes
à escrita e muito dificilmente colocam em risco a hegemonia nos contextos formais de escolarização (SILVA, 2009, p.25).
Para que a escrita se transforme numa prática intelectual é necessário que
seja mais que transcrição, registro ou marcas no papel. A escrita é uma conquista
social da humanidade que avança para outras formas de comunicação registrando a
memória e a autoria de todas as ideias. A escrita se apresenta como uma
ferramenta de representação humana na escola e na sociedade, sem a qual não se
pode viver. Somente quando o indivíduo se apropria da escrita ele consegue
significar algo para si e para o próximo traduzindo marcas que imprimem as
verdades e o significado da interação social (MARQUES, 1997).
Ao escrever e traduzir as suas falas coloquiais realizadas nas ações
cotidianas vividas na fronteira, os alunos permitem que outras pessoas se apoderem
dos seus significados e de suas expectativas na realização de sua comunicação
diária.
2.3 GÊNEROS NARRATIVOS O estudo dos gêneros narrativos deve considerar que a linguagem expressa o
pensamento, sendo assim, ela se apresenta como um instrumento de comunicação
quer atua na interação entre os indivíduos, esse processo corresponde ao uso de
três vertentes linguísticas: primeiramente, a tradicional gramática, em segundo lugar
a abordagem à estrutura da linguagem enquanto elemento de transformação e,
enfim a concretização dos enunciados sociais implícitos na comunicação de cada
indivíduo. A importância da linguagem reside na interpretação social dada pela
emissão comunicativa, pois somente quando o enunciado é reconhecido e
interpretado a comunicação estará completa (GERALDI, 1999).
A linguagem enquanto elemento de interação necessita fazer sentido para
que o seu significado esteja claro e facilmente identificável, porém isso depende da
definição do que se deseja comunicar e porque, essa definição, está implícita no
gênero textual lido ou produzido.
Marcuschi (2003) explica que gêneros textuais são fenômenos históricos que
estão vinculados à vida cultural e social. Seu contexto depende da intensidade do
trabalho coletivo, pois os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as
atividades do cotidiano. Desta forma, caracterizam-se como entidades
sociodiscursivas decorrentes das formas de ação social incontáveis em qualquer
situação comunicativa.
Neste contexto, os gêneros textuais aparecem como formas verbais orais e
escritas produzidas por meio de que resultam de enunciados sociais, tornando-se
via de letramento dentro do ensino da língua, por isso, propõe-se que as atenções
dos educadores se voltem para os textos que surgem no contexto social, pois a
concepção de gênero que se pretende é a que serve ao contexto comunicativo e ao
percurso das relações sociais, refletindo os processos naturais aos quais a
comunicação se desenvolve (MACHADO, 1998).
. A multiplicidade de textos existentes no contexto social dos alunos é que deve
imperar na necessidade de se formar leitores e produtores de textos comunicativos
eficientes. Assim, deve-se criar espaço no ambiente de sala de aula que permita aos
alunos apreender a diversidade de textos existente, sem estar limitado ao livro
didático ou ao que o professor decide como instrumento pedagógico de ensino, é
preciso que os alunos leiam textos nos suportes em que foram publicados, pois são
os jornais, revistas, textos online que contém a carga cultural construída
historicamente, e que servem como ferramenta essencial na socialização do aluno
(BRASIL, 1998).
O gênero textual dá forma à estrutura, transforma o comportamento dos
alunos promove a atividade e gera transformação. O gênero não se limita à
exploração, pois visa enriquecer as possibilidades, visto que se torna evidente que
por meio dessa produção se reproduzem as práticas sociais. Os gêneros aparecem
sempre ancorados em situação concreta, é necessária a compreensão do contexto
situacional para a plena compreensão e interpretação do texto (MARCUSCHI, 2003).
Para o desenvolvimento da escrita, deve-se considerar a escolha do gênero
adequado ao contexto, desenvolvendo informações claras do contexto para o qual a
produção do aluno deve ser dirigida. Ao se produzir na escola deve-se perceber que
o aluno possui um contexto próprio que não é padronizado, visto que cada aluno
possui sua subjetividade, assim a produção não deve ser desconectada dos modos
de circulação social do texto, pois cada texto tem uma finalidade social.
Portanto, é necessário promover no ambiente escolar uma prática textual
voltada para a capacitação comunicativa dos alunos desenvolvendo a competência
de produção textual. Para Machado (1998) quando se planeja o trabalho dos
gêneros textuais a partir do contexto social do aluno o professor passa a ser o
facilitador que orienta o percurso discursivo textual.
A construção das narrativas de fronteira permite ao aluno compreender o
gênero que deve ser utilizado para relatar as suas vivências diárias e o registro do
seu processo comunicativo dentro das atividades realizadas no seu dia a dia.
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa em educação, assim como as pesquisas em outras áreas das
ciências humanas e sociais, é essencialmente qualitativa, pois segundo Tozoni-Reis
(2008, p.10) “a pesquisa qualitativa defende a ideia de que na produção de
conhecimentos sobre os fenômenos humanos e sociais, interessa muito mais
compreender e interpretar do que descrever”.
No entanto, quando se refere às ciências da educação existe o campo
pedagógico, que é responsável pela produção de conhecimentos, por isso mesmo é
uma pesquisa complexa e dinâmica. Esse dinamismo encontra no desenvolvimento
de projetos educacionais um campo altamente produtivo que contribui para realizar
escolhas teóricas que contribuam para aprofundar as pesquisas e o conhecimento.
Este projeto de intervenção teve como característica metodológica a adoção
de pesquisa qualitativa que segundo Flick (2006) possui diferentes perspectivas e
abordagens do ponto de vista subjetivo, descrevendo situações sociais e análise de
estruturas subjacentes, pois é uma atividade investigativa situada que posiciona o
observador no mundo. Ela consiste em um conjunto de práticas interpretativas e
materiais que tornam o mundo visível.
Além de qualitativa adotou também uma classificação de pesquisa-ação,
conceituada por Engel (2000) como:
A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante engajada, em oposição à pesquisa tradicional, que é considerada como “independente”,“não-reativa” e “objetiva”. Como o próprio nome já diz a pesquisa-ação procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta (ENGEL, 2000, p. 182).
Quando nos referimos à pesquisa-ação torna-se necessário refletir sobre a
realização da pesquisa em sala de aula, ou seja, concretizar o trabalho do professor
pesquisador. No caso do pesquisador de linguagem, busca-se interpretar os
significados que os atores sociais, neste caso os alunos envolvidos no trabalho
pedagógico, conferem às ações e à comunicação. Assim, coube desenvolver uma
pesquisa-ação aplicada onde fossem registradas as atividades específicas destes
alunos na realização do projeto, para que se pudesse interpretar em forma de
estudo os detalhes da pesquisa realizada em acordo com as pesquisas teóricas já
desenvolvidas (BORTONI-RICARDO, 2008).
O problema da pesquisa, surgido da observação da linguagem coloquial dos
alunos influenciados pela convivência no comércio da fronteira, passou a ser objeto
de investigação na elaboração de narrativas, contribuindo para identificar a
influência dessa linguagem social imbricada no processo de comunicação dos
alunos e que se insere nas narrativas escolares realizadas pelos mesmos.
4 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
O plano de intervenção foi desenvolvido no Colégio Estadual Dom Manoel
Konner, em uma turma de 2º ano do Ensino Médio, e constou de oito ações com
duração prevista de 32 horas.
A primeira atividade proposta foi apresentar o projeto de intervenção para
gestores e educadores do colégio. A ação apresentou as narrativas no processo de
gestão e da prática pedagógica da escola e teve como objetivo promover uma
reflexão a respeito das justificativas que conduziram ao desenvolvimento do projeto,
foi apresentada uma charge da professora arremessando um apagador no aluno
com uma frase em que esta declara que está se especializando em educação à
distância.
Ao analisar a imagem ou um acontecimento de forma narrativa há que se ater
aos fatos, expondo-os de maneira clara. Os professores e funcionários participaram
da apresentação, responderam as questões propostas e compreenderam o
propósito do projeto de intervenção.
A segunda ação realizada compreendeu a apresentação do projeto para os
alunos do 2º ano do Ensino Médio com o objetivo de compreender a importância das
narrativas como representação das vivências sociais. A narrativa social parte das
vivências das pessoas, em muitos momentos existe acontecimentos que marcam
por uma característica de humor, de perigo, de medo, ou outras situações do
cotidiano como o caso da charge que foi analisada na aula que mostra uma
professora solicitando ao aluno para anotar algo sobre ética no quadro e o aluno
afirma que roubaram o giz.
A análise do texto da charge contribuiu para esclarecer pontos marcantes da
narrativa como o espaço, o tempo, conflito, personagens e solução para o conflito
posto.
A terceira atividade voltou-se para a caracterização dos gêneros narrativos,
tendo como objetivo formar uma concepção a respeito dos diferentes gêneros
narrativos, a ação envolveu leitura, pesquisa e debate. Os alunos trabalharam em
grupo e no final da aula elaboraram uma síntese sobre os gêneros narrativos
estudados.
A atividade quatro foi formada pela elaboração de uma atividade crítica sobre
um documentário abordando o trabalho na fronteira. Após a apresentação do filme
aconteceu um debate entre os alunos e no final aconteceu o registro das impressões
formadas por eles a respeito do assunto.
Os filmes apresentados foram „Vida de cão‟ que apresenta uma metáfora
sobre a vida dos trabalhadores da fronteira, uma reflexão sobre as pessoas que
trabalham na contravenção, http://www.youtube.com/watch?v=94D9tHIPFDM& , e “A
lei dos sacoleiro” que é uma oportunidade de refletir a respeito da atuação dos
sacoleiros na fronteira e como o comércio ilegal pode levar a uma falsa ilusão de
ganho, na verdade quando se deixa de coletar impostos todos perdem,
http://www.youtube.com/watch?v=I5dMUmMvTgo - Lei dos sacoleiros.
Completando esta quarta atividade foi realizada uma palestra sobre o trabalho
com mercadorias na fronteira, ministrada por um advogado que abordou temas
relacionados a contravenção, principalmente as presentes nas áreas de fronteira.
As figuras 1 e 2 mostram a realização da palestra com o advogado.
Figura 1: Palestrante Figura 2: Alunos do 2º ano na palestra
A quinta atividade realizada foi uma produção de textos sobre as expressões
mais usadas pelos trabalhadores da fronteira e que poderiam ser usadas pelos
alunos nas suas produções, foi necessário ler e identificar o significado real das
palavras e o seu uso impróprio na comunicação entre os trabalhadores da fronteira.
Nesta mesma aula foi sugerido que os alunos criassem textos e publicassem
em forma de “cartonera”, que compreende o trabalho de escrever o texto e colar em
papelão fazendo um livro. No entanto, os alunos não adotaram a ideia por acharem
difícil essa produção, mesmo tendo lido e observado o trabalho realizado por outros
alunos, eles optaram por publicar seus textos no blog da escola.
A ação seis compreendeu a produção de textos narrativos envolvendo os
aspectos sociais de fronteira. Os alunos formaram grupos de socialização onde, pelo
menos um aluno já vivenciou situações características peculiares dos trabalhadores
que atravessam mercadorias na fronteira. Cada aluno contou oralmente no grupo os
fatos vivenciados na atividade de sacoleiro, laranja, ou similar. Em seguida, eles
produziram um texto narrativo sobre fatos vivenciados na fronteira e formularam o
vocabulário do texto. As produções foram lidas na sala para, verificar as marcas do
texto que demonstravam duplo sentido, palavras com erros ortográficos,
incentivando para que sejam pesquisados os sentidos das palavras e sua ortografia
na norma culta da língua.
As “Narrativas da Fronteira” foram digitalizadas e publicadas no blog da
escola, uma vez que os alunos não aceitaram publicar seus textos impressos. As
figuras 3 e 4 mostram os alunos durante a digitalização dos textos no laboratório de
informática.
Figura 3: Alunos digitando textos Figura 4: Aula no laboratório de informática
Todas as atividades foram realizadas, os textos foram publicados no blog da
escola e de alguma forma, os alunos do 2º ano noturno contribuíram com suas
narrativas, despertando o interesse pela leitura do blog.
5 ANÁLISE E DISCUSSÃO
O foco do nosso estudo foi a produção de narrativas de fronteira, onde se
permitiu aos alunos construir textos sobre a realidade do trabalho na fronteira e o
uso do vocabulário específico usado no ambiente desses trabalhadores. Trata-se de
uma representação da linguagem comunicativa.
No entender de Lerner (2002) as práticas sociais vivenciadas precisam estar
presentes na socialização da leitura e da escrita de forma que possam esclarecer e
analisar os seus conteúdos como registros sociais da vivência dos alunos, sem,
contudo deixar de definir as condições didáticas necessárias para potencializar esse
saber.
Desta forma, a prática das produções de narrativas compreendeu a realização
de palestra sobre o trabalho na fronteira, esclarecendo os limites da contravenção e
o que pode ser considerado como direito de legislação nas punições que possam
decorrer deste tipo de ação.
A realização de pesquisas sobre o trânsito de mercadorias na fronteira
acabou por enriquecer os textos produzidos em forma de narrativas. É interessante
perceber que em seus textos os alunos não apresentam uma consciência de que
são trabalhadores informais, e mesmo depois de participar de palestra esclarecendo
sobre o que é contravenção na fronteira, eles ainda continuam falando sobre o
assunto com indiferença, ou mesmo como se não se sentissem fazendo parte dele.
Cardin (2011) ao discorrer sobre a informalidade explica as teorias que são
peculiares na realização dessa concepção de informalidade em relação ao trabalho,
pois ele conceitua a informalidade como um fator provido de elementos que contribui
para justificar as teorias do subemprego, ligando a informalidade ao êxodo rural e às
transformações econômicas, o que contribui para compreender como o mundo em
mutação age na consolidação das práticas de trabalho dos sujeitos sociais.
A formação de uma consciência social das práticas dos trabalhadores de
fronteira ao se tornarem temas de narrativas tem o objetivo de socializar o
conhecimento dessas práticas, no entanto, mesmo após discutir o assunto sob
diferentes prismas, os alunos ainda demonstraram dificuldade em discorrer sobre tal
assunto.
Percebe-se que o trabalho informal atua como uma marca que leva o sujeito a
não desejar falar sobre o seu trabalho, o estudo realizado sobre as narrativas da
fronteira buscou trazer à tona uma problemática social que permitisse aos alunos
uma reflexão sobre as implicações sociais de tais ações, buscando formar cidadania
a partir da construção de conhecimentos, porém houve resistência na realização de
tais produções que poderiam ter sido publicadas em forma de livros pelos alunos,
mas que foi registrada após a correção e reinterpretação dos textos no blog da
escola, demonstrando que os alunos são ligados à tecnologia.
Os professores que participaram do Grupo de Trabalho em Rede contribuíram
com as reflexões sobre o uso da produção de narrativas como um elemento de
socialização da linguagem e das ações dos trabalhadores informais da fronteira.
A professora JLD ao refletir sobre a importância das relações socioculturais
na formação da identidade dos trabalhadores da fronteira afirma:
Com certeza. A linguagem por ser viva ela se transforma diariamente. Sabemos que as pessoas que trabalham com "muambas" tem um linguajar específico do meio. Fazer um"corre" enquanto a pista esta "limpa" é o que eles mais querem.Trabalhar com os "laranjas" não é fácil, pois a qualquer momento eles podem pedir licença para levar as "mercadorias" que o "patrão tá na linha". (JLD/GTR, 2014).
Afirmações deste gênero apresentam a importância de compreender não
apenas a linguagem, mas a força que tal cultura social apresenta e que impede aos
sujeitos narrar as suas histórias ou apresentá-las para a comunidade escolar, neste
aspecto trata-se de uma cultura que não permite a formação da identidade dos
sujeitos no âmbito da aprendizagem.
Ao tratar da importância da comunicação na produção de narrativas a
professora GCS afirmou:
As relações socioculturais dos alunos influenciam na elaboração de narrativas do cotidiano da fronteira, com certeza, pois somos um produto do meio em que vivemos. Nas produções dos alunos podemos detectar esta característica através do vocabulário utilizado pelos alunos. O vocabulário ajuda a formar a identidade bem como sua opinião sobre a realidade em que vive (GCS/PDE, 2014)
A participação dos professores no GTR trouxe benefícios na identificação do
vocabulário usado pelos alunos e na necessidade de se compreender os fatores
sociais e culturais que formam nessa população uma identidade expressa na
fidelidade e na confiança existente entre os trabalhadores da fronteira.
Por tudo o que foi estudado pelos alunos e pela participação dos professores
na realização do projeto de intervenção percebe-se que a escola necessita estar
mais próxima da realidade dos alunos e da convivência social para fazer o
conhecimento melhor aproveitado nas suas vivências culturais e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo o que foi pesquisado e estudado na realização da produção de
narrativas da fronteira, pode-se afirmar que não se pode produzir textos de qualquer
gênero sem que estes estejam socialmente inseridos na aprendizagem e na vida
cotidiana dos alunos.
Este estudo buscou analisar a influência das vivências socioculturais na
construção das narrativas da fronteira com alunos do ensino médio, para que se
pudessem ser traduzidas as experiências dos alunos que atuam na região da
fronteira atravessando mercadorias do Paraguai para o Brasil.
Várias atividades foram realizadas para que os alunos pudessem expressar o
seu conhecimento sobre a vivência na fronteira e como é o processo de
comunicação, foram realizadas as traduções das palavras que são utilizadas pelos
trabalhadores de maneira imprópria, ou seja, derivando impropriamente uma palavra
para se obter um sentido diverso do convencional e mesmo assim, conseguir uma
comunicação eficiente.
A linguagem coloquial interfere na linguagem oral e escrita dos alunos em
qualquer idade, pois não se pode escrever sem as habilidades necessárias para
fazê-lo, diante disso coube investigar o conceito que os próprios alunos possuem a
respeito de sua vivência na fronteira, como os sujeitos associam a cultura familiar e
comunitária com o trabalho informal realizado na travessia de mercadorias.
Por tudo isso ao realizar a divulgação no blog da escola das narrativas
produzidas pelos alunos sobre as suas vivências, permite-se aos sujeitos de cada
história registrar o seu conhecimento de mundo e como isto influencia as relações
sociais.
A realização de um trabalho de socialização do conhecimento com alunos em
condições específicas de aprendizagem como é o caso dos alunos que atuam na
travessia de mercadorias na fronteira, é gratificante e permite ampliar a pesquisa em
todos os aspectos que abordam este tipo de prática, seja no aspecto legal,
econômico, social, linguístico, científico, geográfico entre tantas outras
possibilidades de pesquisa que se abre para um tema tão rico e necessário na
produção de saber entre alunos da educação básica.
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