Os Caminhos Da Educacao Brasileira

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OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA Diamantino Fernandes Trindade Professor de História da Ciência do CEFET-SP Doutorando em Educação pela PUC-SP Membro do GEPI – PUC-SP Lais dos Santos Pinto Trindade Professora de Metodologia do Ensino de Ciências e Psicologia da Aprendizagem do ISE de Boituva Doutoranda em História da Ciência pela PUC-SP O objetivo deste artigo é mostrar o processo histórico do ensino no Brasil e seus problemas desde o processo de colonização, que visava o enriquecimento da Metrópole, passando pelas reformas educacionais, sempre de caráter político que atendiam às necessidades das elites, até os dias de hoje com a LDB 9.394/96 que pretende, pelo menos em sua essência, ser mais democrática. O ENSINO NO BRASIL COLONIAL É bastante difícil compreender os problemas educacionais do Brasil de hoje desconhecendo-se o contexto no qual foi tecido o sistema escolar desde sua implantação, que remonta ao período da colonização. Estruturada para atender as necessidades de enriquecimento da Metrópole a economia na colônia, até o século XVII, assentou-se inicialmente no extrativismo do pau-brasil e depois, em função de garantir a posse da nova terra, no plantio da cana-de-açúcar. Modificou-se o enfoque da colonização pela ocupação, para o do povoamento e cultivo da terra. Com isso, aportaram no Brasil membros da pequena nobreza portuguesa que se dispuseram a levar avante tal empresa. Daí, a necessidade da criação de escolas. Para tanto, como já ocorria em Portugal, o ensino ficou a cargo dos jesuítas, o que desobrigou a Coroa de custeá-lo (Pinto, 2002). Quando que aqui chegaram (1549), fundaram em São Vicente um seminário que se tornou o modelo para ensino médio por mais de duzentos anos. Embora tivesse como pressuposto a formação de sacerdotes, se apresentava como a única opção para a formação da elite local, preparando-a para o ingresso nas universidades européias. Observa-se, então, que o ensino médio, desde sua implantação apresenta uma configuração elitista e propedêutica cuja metodologia ainda valoriza a disciplina e a memorização e o estudo das humanidades em detrimento das ciências experimentais. No entanto, havia outro grupo a ser atendido: o constituído pelos nativos, negros e colonos pobres. Assim, o primeiro programa educacional, implantado pelo padre Manuel da Nóbrega, além catequizar e instruir os indígenas, conforme determinavam os Regimentos 1 , atendia também aos filhos homens dos colonos, uma vez que eram os jesuítas eram os únicos educadores profissionais e a educação feminina restringia-se a boas maneiras e prendas domésticas. O mérito 1 Os Regimentos era a política de D. João III (17/12/1548) destinada à conversão dos nativos à fé católica por meio da instrução e da catequese.

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OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRADiamantino Fernandes TrindadeProfessor de História da Ciência do CEFET-SPDoutorando em Educação pela PUC-SPMembro do GEPI – PUC-SPLais dos Santos Pinto TrindadeProfessora de Metodologia do Ensino de Ciências e Psicologia da Aprendizagem do ISE de BoituvaDoutoranda em História da Ciência pela PUC-SP

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OS CAMINHOS DA EDUCAO BRASILEIRA Diamantino Fernandes Trindade Professor de Histria da Cincia do CEFET-SP Doutorando em Educao pela PUC-SP Membro do GEPI PUC-SP Lais dos Santos Pinto Trindade Professora de Metodologia do Ensino de Cincias e Psicologia da Aprendizagem do ISE de Boituva Doutoranda em Histria da Cincia pelaPUC-SP OobjetivodesteartigomostraroprocessohistricodoensinonoBrasileseusproblemas desdeoprocessodecolonizao,quevisavaoenriquecimentodaMetrpole,passandopelas reformas educacionais, sempre de carter poltico que atendiam s necessidades das elites, at osdiasdehojecomaLDB9.394/96quepretende,pelomenosemsuaessncia,sermais democrtica. O ENSINO NO BRASIL COLONIAL bastantedifcilcompreenderosproblemaseducacionaisdoBrasildehoje desconhecendo-seocontextonoqualfoitecidoosistemaescolardesdesuaimplantao,que remonta ao perodo da colonizao. Estruturada para atender as necessidades de enriquecimento da Metrpole a economia na colnia, at o sculo XVII, assentou-se inicialmente no extrativismo do pau-brasil e depois, em funo degarantira posse da nova terra, no plantio da cana-de-acar. Modificou-se o enfoque da colonizao pela ocupao, para o do povoamento e cultivo da terra. Com isso, aportaram no Brasilmembrosdapequenanobrezaportuguesaquesedispuseramalevaravantetalempresa. Da, a necessidade da criao de escolas. Para tanto, como j ocorria em Portugal, o ensino ficou a cargo dos jesutas, o que desobrigou a Coroa de custe-lo (Pinto, 2002). Quando que aqui chegaram (1549), fundaram em So Vicente um seminrio que se tornou omodeloparaensinomdiopormaisdeduzentosanos.Emborativessecomopressupostoa formaodesacerdotes,seapresentavacomoanicaopoparaaformaodaelitelocal, preparando-aparaoingressonasuniversidadeseuropias.Observa-se,ento,queoensino mdio,desdesuaimplantaoapresentaumaconfiguraoelitistaepropeduticacuja metodologiaaindavalorizaadisciplinaeamemorizaoeoestudodashumanidadesem detrimentodascinciasexperimentais.Noentanto,haviaoutrogrupoaseratendido:o constitudo pelos nativos, negros e colonos pobres.Assim,oprimeiroprogramaeducacional,implantadopelopadreManueldaNbrega, alm catequizar e instruir os indgenas, conforme determinavam os Regimentos1, atendia tambm aosfilhoshomensdoscolonos,umavezqueeramosjesutaseramosnicoseducadores profissionais e a educao feminina restringia-se a boas maneiras e prendas domsticas. O mrito 1 Os Regimentos era a poltica de D. Joo III (17/12/1548) destinada converso dos nativos f catlica por meio da instruo e da catequese. 2 desteplanoeraodetersidoelaboradodeformadiversificadaparaatenderdiversidadeaqui encontrada, mas a partir de 1599 com a publicao da Ratio Studiorum2, o ensino jesutico optou definitivamente,pelaformaodaelitecolonial.SeguindoospadresvigentesemPortugal,tal sistema, adaptou-se perfeitamente s necessidades da poltica colonial e, ao privilegiar o trabalho intelectual, acabou por afastar os estudantes da realidade imediata e evidenciou as desigualdades sociais.NoperodoqueficaramaquinoBrasil,maisdeduzentosanos,aCompanhiadeJesus promoveuesofreumodificaes,entretanto,semprepermaneceufielquelaeducao humanista,tocaraaosportugueseseaoespritoescolstico,impermevelpesquisae experimentaocientfica.(Cardosoetal.1985,p.15).Efoijustamenteesteconservadorismo, quemanteveoensino,tantonaMetrpolecomonaColnianosmoldesmedievaisecomo objetivodeformarindivduosparaaIgreja,oprecursordeummovimentoderenovaoque culminoucomasreformasconcretizadaspeloMarquesdePombaleresultounaexpulsodos jesutas,em1759.Parasubstituirestesistema,foramintroduzidasasaulasrgias3, interrompendoumprocessoeducativoarcaico,masuniformeemsuaestrutura.Aorganizao monoltica de ensino dos jesutas no foi substituda por ruma nova forma organizada de ensino quegarantissetodasasetapasdoprocessodeescolarizao.(Feldman.1983,p.24).Sobo pontodevistapedaggico,foiumretrocessoemboratrouxessealgumasmodificaes importantes introduzindo as cincias experimentais e o ensino profissional no seu currculo. O maior problema encontrado na consolidao deste novo sistema foi a falta de recursos e opequenonmerodeprofessoresdisponveisque,formadospeloantigomtodojesutico, continuaramreproduzindooensinonosmesmosmoldes.Mal-remuneradosevitalciosnos cargos,freqentementesublocavamseudireitodelecionar(Pinto,2002).Naprtica,aelite colonial (masculina) continuou a freqentar os mesmos seminrios, que passaram a ser dirigidos por outras ordens religiosas. AtoiniciodosculoXIXoensinofundamental,destinadoscamadaspopulares,foi tratadocomdescasopelaadministraocolonial.ScomavindaFamliaRealqueforam abertasduasescolasprimriaspblicasnoRiodeJaneiroparaatenderaumapopulaode 45.000pessoas,acrescidasdas15.000quevieramcomaCorte.Dequalquerforma,maispara atenderaosinteressesdacoroaportuguesadoqueosdaeliteforaminstaladasasprimeiras escolas superiores noBrasil. Entre elas,a Academia Real de Marinha (1808), a Academia Real Militar(1810),hojeEscoladeEngenhariadaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro.Foram tambmcriadososcursosdecirurgia,anatomia,paraformarmdicosecirurgiesparao ExercitoeaMarinhaeoscursostcnicosdeagricultura,qumica,desenhoeeconomia. importantefrisarqueeramcursosisoladosenotinhamocarterdeumaorganizao universitriaeosnveis escolaresanterioresnosofreramqualquermodificaosignificativa:a escola primria, destinada s classes dominadas, uma vez que os mais abastados estudavam com preceptores,caracterizava-sepeloensinodasprimeirasletras;asecundria,semqualquer preocupaoformativa,tinhaobjetivosnitidamentepropeduticosedestinava-sesclasses 2ORatioStudiorumeraaorganizaoeplanodeestudosdaCompanhiadeJesus(1599),baseadonacultura europia.ConsistiadeaulaselementaresdeHumanidades,Filosofia(Artes),eTeologia,possibilitandoaobteno dos ttulos de bacharel, licenciado e mestre em artes. 3 As aulas rgias eram aulas avulsas, com professo nico de latim, grego, filosofia e retrica. 3 dominantes. Esta organizao refletiaa estruturada sociedade brasileira, e deste modo, pautada porobjetivosdiferentes,mtodospedaggicosdiferentes,contribuindoparaasua caracterizaocomotiposdeensinoligadosdeterminadaclassesocialenograus subseqentes de um processo de escolarizao. (Feldman. 1983, p.27). Foi neste cenrio, que se estruturou o ensino no perodo imperial. O ENSINO NO PERODO IMPERIAL EmquepesetodasasmodificaespolticasoriginadaspelavindadaFamliaReal,a sociedadeaindaseorganizavaemfunodeumaeconomiaagro-ruralcujasatividades produtivaseramgarantidaspelotrabalhoescravo,oquelegouaoensinotcnicoocarterde escola de categoria inferior.ComaIndependnciade1822,emborafossemosmesmosgrupossociaisque continuavam dominando o pas, observa-se, pelo menos no discurso, a inteno de se modernizar a educao. Contudo, o ensino no perodo imperial, permaneceu divido nos trs nveis: primrio, secundrio e superior. O primrio mantinha a condio de escola de primeiras letras. Este nvel de ensino passou a ter maior destaque em funo do nmero crescente de pessoas que passaram a perceber que, alm do preparo para o secundrio, poderia tambm ser importante para o ingresso emcargosburocrticosdemenorimportncia.Oensinosecundrio,compoucasalteraes, continuoucomafunodeprepararaelitelocalparaoacessoaosnveissuperiores,que passaramaatenderosanseiosdosgruposdominantescomacriaodoscursosdeDireitoem So Paulo e Olinda. Em1827D.PedroIsancionouumaleiquecriavaasescolasdeprimeirasletras,as chamadaspedagogias,niconvelaoqualasmeninastinhamacesso,emtodasascidadesmais populosasdoImprio.Determinava,tambm,oslimitesdaeducaofemininaquedeveriase restringir a escrever, contar, bordar e costurar. Cabe lembrar que esta foi a nica lei geral federal relativaaoensinoelementarat1946.scrianasnegras,indgenasemestiaseramnegadas qualquer forma de escolarizao e sua presena no era permitida nas escolas pblicas.Estasescolascontinuaramexistindoempequenonmero.Nohaviapessoalpreparado paraomagistrioecompletafaltadeamparoaestesprofissionais(Ribeiro,2003).Em1834o Ato Adicional Constituio do Imprio atribuiu s provncias a responsabilidade da educao pblica.Essadescentralizao,naquelemomentohistrico,tevecomoconseqnciacondenar asprovnciasmaisafastadasdacapitaldoImprioaumasituaodeabandonoeducacional, piorando uma situao que j era ruim (Tobias, s.d. p. 204-206). Portanto,nofoilevadaaefeitoumadistribuiodeescolaspeloterritrionacional, portantoaexclusoocorriadesdeoinciodaescolarizao.Aoomitir-sedaorganizaodas etapasiniciais,colaborouparaofracassodoensinosuperior.Arazofundamentalparao insucessodetodaequalquerinovaosemprefoiamanutenodosinteressesdaclasse dominante, avessa, claro, s transformaes sociais e especificamente s educacionais. E nesse sentido, o ensino manteve-se como fiel guardio dos interesses dos grupos dominantes. Por isso, aexigncianorecaiasobreumaformaodequalidade,massimquefosseomaisbreve possvel para habilitar os jovens para os exames preparatrios das faculdades. Na tentativa de se modificar o padro de ensino vigente foi criada, no capital do Imprio em1837,umaescolaoficialquedeveriaatenderaumanovaproposta:oColgioD.PedroII, exclusivo para rapazes e considerado padro em excelncia, manteve-se, entretanto, nos antigos moldesdeensinopropedutico.Umanodepois,NsiaFlorestafundou,namesmacidade,o 4 ColgioAugustoquecausoupolmicas,aoinstituirumaeducaofemininacompletamente inusitadaparaapoca.(Filgueiras.2004,p.2).Funcionoupor17anosensinandofrancs, ingls,italiano,geografia,histriaeeducaofsica.Porseinsubordinarcontraamentalidade hegemnicadapoca,aomanterumaescolaquesepreocupavamaiscomainstruodoque comobordadoeacostura,foiduramenteatacadaporseuscontemporneos.Naqueletempos existiaumcolgioparticularparamoas,dirigidopelaprofessorainglesaMrs.Hitchings,que ensinavacinciasnaturais.Aeducaofemininadeveriaserfeitaporprofessorasmulherese, paraatenderatalnecessidade,foramabertasnessapoca,paraambosossexos,asescolas normais secundrias para a formao de docentes. O interessante que estas escolas passaram a receberumnmerocadavezmaiordemulheres,numapocaemqueoensinosuperiorera proibidoparaelas:aprimeirabrasileiramdicaformou-senoNewYorkMedicalCollegee, curiosamente, sob o patrocnio do prprio Imperador. Nota-sequenofinaldosculohaviaumatendnciaparaseincrementaraeducao feminina,especialmentenoquesereferiaformaodasprofessoras.Esteprocessono aconteceu sem resistncias. Para alguns parecia uma completa insensatez entregar s mulheres usualmente despreparadas, portadoras de crebros pouco desenvolvidos pelo seu desuso a educaodascrianas.(Louro.2004,p.450).Paraoutros,asmulheresseriamnaturalmente moldadas para o ensino infantil, que seria uma extenso da maternidade. Assim, a docncia no subverteria a funo feminina fundamental, ao contrrio, poderia ampli-la ou sublim-la. Para tantoseriaimportantequeomagistriofossetambmrepresentadocomoumaatividadede amor, de entrega e doao. A ele acorreriam aquelas que tivessem vocao. (Louro. op.cit.) O ENSINO NOS PRIMEIROS ANOS DA REPBLICA Os ltimos anos do regime imperial foram marcados por uma significativa modificao da paisagemsocialbrasileira:ocrescimentodaclassemdiaesuaparticipaonavidapblica,a urbanizaoealibertaodosescravos.Contudo,aConstituiode1891efetivoua descentralizao do ensino proposta pelo Ato Adicional de 1834, reforando a distncia entre a educao para a classe dominante, concretizada nos nveis secundrio e superior, e para o povo, restritaeducaoprimriaeprofissional.Nestecontexto,foiadiada,maisumavez,acriao deumauniversidadebrasileira,sobainflunciadopositivismoquetambmorientoua organizao escolar.A Reforma Benjamin Constant, seguindo a orientao expressa na Constituio, visava a liberdadedeensino,sualaicidadeegratuidade,bemcomoaco-educaodegnero.Aescola primria organizou-se em duas categorias: a de primeiro grau para crianas de 7 a 13 anos e de segundo grau para as de 13 a 15 anos. O secundrio passou a ter sete anos de durao. Uma das intenes da reforma era possibilitar que todos os nveis de ensino se ocupassem da formao, e no apenas de preparao dos alunos. A outra era estruturar a formao cientfica substituindo a tradio humanista clssica que vigorava no pas, h mais de 300 anos. Nos moldes positivistas, foram introduzidas matemtica, fsica, astronomia, biologia, qumica e sociologia. Nada disso se efetivou e o que ocorreu foi apenas um acrscimo das matrias cientficas s tradicionais sem se conseguir implantar um ensino secundrio adequado. Tambm teve incio neste perodo a implantao das escolas primrias estaduais. Em So Paulomuitasescolasprimriasforamabertasemereceucuidadosespeciaisaformaodos futurosdocentesquecontavamcomescolas-modelosparasuafuturaprtica,ondehaviaa possibilidadedeseexperimentarnovastcnicasemtodosdeensino.Noentanto,nohavia 5 escolas que formassem professores para o ensino secundrio. Os outros Estados, pobres em sua maioria, no conseguiram desenvolver qualquer sistema em educao.AReformaBenjaminConstantignorouotemauniversidade.Aprimeirauniversidade brasileirafoicriadanoParan,em1912,poriniciativaeesforosdealgunseducadorese polticoslocais.Noentanto,oprojetonofoibemsucedidoeauniversidadeencerrousuas atividades trs anos mais tarde. Um decreto de 7/9/1920, do Presidente Epitcio Pessoa, criou a UniversidadedoRiodeJaneiro,organizadapelareuniodoscursossuperioresexistentesna cidade,asaber:EscolaPolitcnica,aFaculdadedeMedicinaeaFaculdadedeDireito. (Nathanael.1977,p.21).Em1935,setransformounaUniversidadedoBrasilqueantecedeua Universidade Federal do Rio de Janeiro. At1920,75%(Brasil.1936,p.43)dapopulaobrasileiraeraanalfabetaehaviaum nmero reduzido de escolas secundrias e, em sua maioria particulares, que supriam os anseios da elite. Com isso, podemos afirmar que at 1930, o nosso sistema educacional continuava em grande parte sob a inspirao jesutica de contedo intelectualista, sem ligao com o trabalho, refletindo sobretudo uma cultura importada de modelos e padres estrangeiros e servindo quase que exclusivamente aos interesses da classe dominante. (Feldman. 1983). EstesprimeirosanosdaRepblicaforammarcadosporintensasmudanassociaiscomo reflexo da chegada dos grupos de imigrantes, a quebra da Bolsa de New York, a industrializao eodecorrenteaumentodaurbanizaodopas,quecriouumanovaclassedominante,agora constituda por uma burguesia industrial, de origem estrangeira. A par disso, surgiu tambm uma classe operria que se organizou em torno de ideais polticos, como o socialismo e o anarquismo, que no s reivindicavam educao para suas crianas, como a efetivaram atravs da construo deescolas.Essasiniciativasocorreramprincipalmenteentreosanarquistasqueenfatizavamas questesrelativaseducaofeminina(...)comoarmaprivilegiadadelibertaoparaa mulher (Louro. 2004, p.446). Deixou de ser, pois, uma questo de gabinete para receber ateno maior da populao. O ENSINO NO PERODO DE 1930 A 1960 A revoluo de 1930 provocou um rearranjo nos blocos do poder e refletia a crise em que mergulhara o modelo agro-exportador. Pela primeira vez, nos 400 anos de sua histria, o Brasil passou a contar com o Ministrio da Educao e Sade Pblica, que elaborou mais uma reforma educacional,sementretantomodificarsubstancialmenteocursoprimrio,estruturouo secundrioeascondiesparaoingressonestenveldeensino,comacriaodosexamesde admisso.Significativamente,estesexamesexigiamconhecimentosquenoeramfornecidos pelaescolaprimaria,contribuindo,aomesmotempo,pararesguardarafunoseletiva desenvolvidapeloensinosecundrioereforaroreconhecimentodainutilidadedaescola primria.ConhecidacomoaReformadeFranciscoCampos,entoministrodaeducao, continuoumarginalizandooensinoprimrioedesatendendoformaodeprofessores,mas instituiu, para o secundrio as disciplinas anuais com freqncia obrigatria. Com durao de 8 anos,dividia-seemumcursofundamentalde6anoseoutrocomplementarcom2anosde durao. Em1932umgrupodeeducadoresdirigiuNaooManifestodosPioneiros,um documentocominovaespedaggicascujoobjetivoeraoderenovarosistemaeducacional 6 brasileiro.Almejavaaescolacomoumservioessencialmentepblico,laico4egratuito,que garantisseaeducaocomumparatodos.Colocavahomensemulherescomoiguaisfrentes possibilidadesdeaprendizagemesoportunidadessociais,abolindo,assim,osprivilgiosde gneroeclasse.Noseutexto,encontramosqueaescolanova5optaraporservirnoaos interessesdeclasses,masaosinteressesdoindivduo,equesefundasobreoprincpioda vinculaodaescolacomomeiosocial.(in:EducaBrasil.2004).Claroquefoiumaviso bastante romntica, novamente um produto de transplante cultural e de uma concepo ingnua darealidade.Comosabemos,noseefetivou,noentanto,teveomritodetrazeraprimeira propostaconcretanosentidodaintegraodosdiferentesnveisdeensinoeinfluenciar,de maneiramarcanteocaptulodaeducaonaConstituiode1934.EstaCarta,apesardeainda atenderaos catlicos conservadores, que se opunham poltica de laicizaro da escola pblica, com a introduo do ensino catlico, incorporou a gratuidade do ensino, reconheceu a educao como um direito de todos e estabeleceu a universalidade do ensino primrio. Nadcadade1920,SoPaulojreivindicavaacriaodeumauniversidadequefosse umcentrodeproduocientfica,culturaleartstica.Em1934,umdecretodogovernador ArmandodeSallesOliveira,criouaUniversidadedeSoPaulocomaintegraodarecm-estruturadaFaculdadedeFilosofia,CinciaseLetrasFaculdadedeDireito(queantesera federal),aEscolaPolitcnica,aEscoladeAgronomiaLuizdeQueiroz,asFaculdadesde Medicina, Farmcia e Odontologia, MedicinaVeterinriae oInstituto de Educao Caetano de Campos. Este fato no se constituiu apenas num processo burocrtico dereunio de faculdades isoladas,mas,sim,umarevoluonoensinocomapossibilidadedeformaodeprofessores universitriosquepudessemsededicarintegralmenteaomagistrio.Atento,esses profissionais exerciam outras atividades de suas reas e trabalhavam algumas horas semanais nas faculdades.AUSPcontratoualgunsprofessoreseuropeusquetrouxeramnovasidiase concepessobreoensino.Pormesseprocessodetransposionorespeitavaas particularidades do ensino e dos alunos brasileiros. Com a Constituio Federal de 1937, implantou-se um sistema dual. Permanecia o ensino propedutico,onicoquepossibilitavaoacessoaoensinosuperioremarcadopelasmesmas caractersticas, mas tambm foi criado o profissionalizante que se destinava s classes operrias. Aprimeirareformaquetratadaarticulaoentreoensinoprimrioeosecundrio,em1942, pormcomumaabordagemmuitoaqumdasexpectativas,foiaReformaGustavoCapanema, ministrodaEducaonapoca.Restringia-sepropostadequeparaoingressonoensino secundrio,oalunoprecisavadeumasatisfatriaeducaoprimria,aindaquenoexigissea necessidadedeumcursoprimrioregularparaoingresso.Manteveoensinosecundriocom dois ciclos: o ginasial de 4 anos e o colegial de 3 anos, com as opes entre o curso clssico e o cientfico,formatoquepermaneceuquasequeinalteradoat1971,nopassandodeum transplante da ideologia nazi-fascista (Ribeiro. 2003, p.131) para o ensino brasileiro. Apesar de oEstadocontinuardesobrigadodamanutenoeexpansodoensinopblico,decretavaas 4 Oensinolaicoestbaseadonoprincpiodequeoambienteescolardeveserautnomoemrelaoacrenase disputas religiosas, garantindo a liberdade de conscincia e o respeito integridade da personalidade dos alunos. 5 A Escola Nova refere-se ao movimento de transformaes na educao tradicional e dava nfase na utilizao de mtodosativosdeensinoeaprendizagem,dandoumamaiorimportncialiberdadeeointeressedosalunos. Incentivouotrabalhoemgrupoeaprticadetrabalhosmanuaisnasescolas.Colocouosalunos,enomaisos professores, como centro do processo educacional. 7 reformasdoensinoindustrialecomercial.CriouaindaoServioNacionaldeAprendizagem Industrial(SENAI),sobocontroledosempresrios.Aseguir,em1946,foipromulgadaalei orgnicadosensinosprimrio,normaleagrcolaefoiimplantadooServioNacionalde Aprendizagem Comercial (SENAC).Transcorridos119anos,emjaneirode1946foiassinadaasegundaLeiOrgnicado Ensino Primrio que estabelecia a alada da Unio, dos estados e dos municpios; as normas para aatribuiodecargosnomagistrio,bemcomoaremuneraoeformaodosprofessores.O ensinoprimriopassoupara4anos,comumaquintasrie,agoradecartercomplementar. Novamenteasmedidasforaminsuficientesparamudararealidadedoensinoprimrio:a demandacontinuoumaiorqueaofertaeaquantidadedeprofessoresleigoscontinuou praticamente inalterada, chegando a aumentar em 1957. Como exigncia da Constituio de 1946, em outubro de 1948 foi encaminhado Cmara Federal o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, que s seria aprovado em 1961,emfunodosamplosdebatesquedesencadeou,emespecialpelosdefensoresdoensino particular,representadospelaescolacatlicaquedefendiaseusinteressessobopontodevista pedaggico e jurdico. Noaspectopedaggico,aIgrejaCatlicaacusaaescolapblicadetercondiesde desenvolversomenteaintelignciae,enquantotal,instruimasnoeduca.Elanotemuma filosofiaintegraldevida.(Ribeiro.2003,p.166).Portanto,apenaselaseriacapazde desenvolver a inteligncia e formar o carter, ou seja, educar. Em sua defesa chegou ao extremo derelacionaroaumentodacriminalidadecomoaumentodonmerodeescolaspblicas. Contudo,oprprioManifestodosPioneirosdaEducaoNova,japontavasuaspreocupaes formativas ao afirmar que: O fsico e o qumico no tero necessidade de saber o que esta a se passar alm da janela do seu laboratrio. Mas, o educador, como o socilogo, tem necessidade de uma cultura mltipla e bem diversa; as alturas e as profundidades da vida humana e da vida social no devem estender-se alm do seu raio visual. Ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedadeemcadaumadesuasfases,paraperceber,almdoaparenteedoefmero,o jogopoderosodasgrandesleisquedominamaevoluosocialeaposioquetema escolaeafunoquerepresenta,nadiversidadeepluralidadedasforassociaisque cooperam na obra da civilizao. (Azevedo. s/d, p. 60) No aspecto jurdico, defendia que a famlia seria anterior ao Estado, cabendo a ela orientar aeducaofsica,intelectual,moralereligiosadeseusfilhos.Osescolanovistas,noentanto, argumentavamqueaformaodoindividuonoeradecompetnciadoEstadooudafamlia, que deveriam promover condies para que o individuo adquirisse autonomia para direcionar sua formao. ConformeFernandes(1966),asescolasreligiosasabrigavamasclassessociaismais privilegiadas, contribuindo para a manuteno dos seus interesses. Com a Republica, atravs da escola pblica houve uma democratizao do ensino, o que justificaria plenamente a defesa deste tipo de escola.ALDB,aprovada comolei de nmero 4.024/61 tendeu, no seu texto, a apoiar a vertente religiosa e, quanto estrutura do ensino, manteve o que j existia, ou seja, o ensino primrio de pelomenosquatroanos;oginasialtambmcomquatroanossubdivididoemcomercial, industrial,agrcolaenormal(formaodeprofessores);oensinocolegialcomtrsanos subdividido em comercial, industrial, agrcola e normal (especializao) e o superior. 8 O ENSINO DURANTE O REGIME MILITAR O clima de terror instalado no pas nos dias que se seguiram ao golpe militar de 1964 logo atingiu a educao. Universidades foram invadidas, alunos e professores, presos, inviabilizando qualquer processo de reforma universitria. Tambm foram extintos ou paralisados programas e ncleos de educao popular, especialmente aqueles orientados para a alfabetizao de jovens e adultos. Muitos de seus membros foram considerados subversivos. Paralelamente,ogovernodeveriatomaralgumasiniciativasparaordenarasatividades educativas segundo seus princpios. Foi criado, em 1967, o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetizao)eaeducaofoiatreladaaomercadodetrabalho,incentivandoa profissionalizao na escola mdia, a fim de conter as aspiraes ao ensino superior (Libneo et. al. 2003, p.144) cujo nmero de vagas era extremamente reduzido. A Lei 5.692/71 ampliou a escolaridadebsicaparaoitoanos,fundindooensinoprimriocomoginasialetornou profissionalizante,obrigatoriamente,oensinodesecundrio,agoradenominadodesegundo grau.Contudo,estaleiferiaosinteressesdaelitequenotinhaqualquerinteressena profissionalizaodeseusfilhos;noteve,portantooapoiodosindustriaisaquemtinhaa intenodebeneficiar.Assimsendo,noveanosdepoisfoirevogada,eoproblemada escolarizaosuperiorresolvido,dapiorformapossvel,comoaexpansosignificativadas faculdadesparticulares.Analisando-a,verifica-sequeessaLeitinhaumcartertecnicista,com destaquenaquantidadeenonaqualidade,nastcnicaspedaggicasemdetrimentodosideais pedaggicos, na submisso e no na autonomia. Neste perodo, houve, de fato, um crescimento do nmero de escolas pblicas, mas sem a ampliao dos recursos financeiros o que resultou na sua degradao. Com isso, a classe mdia, interessadanumensinodemelhorqualidade,abandonouaredepblicagerandooincremento das empresas de ensino privado. Nofinaldosanosde1970einciodadcadade1980,aditaduramilitaresvaa-see iniciou-seoprocessoderedemocratizaoereconquistadosespaosperdidospelasociedade civil brasileira. O ENSINO NOS LTIMOS VINTE ANOS As mais importantes modificaes introduzidas pela Constituio de 1988 esto contidas nosartigos205e208,queatribuemeducaoumdireitodetodosedeverdoEstadoeda famlia,comacessoaoensinoobrigatrioegratuitocomodireitopblicosubjetivo6. Estabeleceu,porleioPlanoNacionaldeEducao,quetem,emlinhasgerais,definidoscomo objetivos: o aumento do nvel de escolaridade da populao, a melhoria da qualidade de ensino em todos os nveis, reduzindo as desigualdades sociais e regionais no que se refere ao acesso e permanncianaescolapblica,almdedemocratizaroespaoescolarcomaparticipaodos professores e da comunidade na elaborao do projeto pedaggico da escola. Emboraoregimemilitarhouvesseatribudoaosmunicpiosaadministraodoensino fundamental,noalocourecursostcnicosefinanceirosparasuaconcretizao.Apenascoma Constituiode1988queomunicpiopassouafaz-lo.Contudo,taliniciativavelavaos 6 O direito pblico subjetivo aquele que pode ser pleiteado no Poder Judicirio. 9 interessesneoliberaisdereduzirosgastossociaisdoEstado,oquesetornoumaisclaroapsa promulgaodaLei9.394/96,deDiretrizeseBasesdaEducao,quecentralizounainstncia federalasdecisessobrecurrculoeavaliao,etransferiuparaasociedaderesponsabilidades que seriam de sua exclusiva competncia. Essa descentralizao um exemplo concreto de uma poltica que centralizava o poder e descentralizava as responsabilidades (Libneo et al. 2003, p. 142). NaelaboraodaConstituiode1988observou-se,novamente,oembateentreos defensoresdoensinopblicoedoprivado,agoracomsuasfileirasengrossadaspelos empresriosdaeducao.Estesltimosclassificavamoensinopblicocomoineficientee fracassadodiantedasuperioridadedesuasinstituies,mas,omitiamosbenefciosobtidosdo prpriogoverno,comoimunidadefiscal,garantiadepagamentodasmensalidadesebolsasde estudo e o descompromisso estatal com a educao pblica que deteriorou a estrutura da escola e o salrio dos professores. Apartirda,aeducaoescolarpassouaseconstituirdedoisnveis:aeducaobsica que compreende a educao infantil, o ensino fundamental e mdio, e a educao superior. educaobsicafoidivididaemtrsetapas(infantil,fundamentalemdio)ecoube prover o estudante de uma formao indispensvel para o exerccio da cidadania, para progredir notrabalhoeemseusestudosposteriores.Aeducaoinfantilumanovidadecomodeverdo Estado e deve ser oferecida em creches para crianas de at 3 anos e em pr-escolas para crianas de 4 a 6 anos. Os nveis fundamental e mdio tm, em seus currculos uma base nacional comum e uma parte diversificada a fim de atender as caractersticas regionais. No que se refere ao ensino mdio, cabe ressaltar que seus objetivos so ambiciosos, entretanto distantes da realidade do que hoje oferecida, exceto pelo seu eterno carter propedutico. AeducaosuperiorfoipelaprimeiravezcontempladanumaLDB,quedefiniusuas finalidades, objetivos e abrangncia, mas a par disso, o Estado vem se descuidando deste nvel de ensino, beneficiando, mais uma vez, os setores privados da educao. CONSIDERAES FINAIS Nestes quinhentos anos do ensino no Brasil, a educao sempre esteve a servio das elites polticasefinanceiras.Oprofessorsemprefoideixadomargemdoprocesso,pelosbaixos salrios,pelamformaoepelasprecriascondiesdetrabalho.Naatualidade,a democratizao do ensino pblico uma necessidade social para as transformaes do mundo do trabalho,paraodesempenhoeconmicoetcnico-cientfico.Contudoacabouporassumir,no Brasil um carter de mercadoria ou servio que pode ser adquirido e no um direito de todos, o que colabora por reafirmar sua condio competitiva, fragmentada e seletiva. BIBLIOGRAFIA E SITIOGRAFIA AZEVEDO,Fernandode.Aeducaoentredoismundos:problemas,perspectivase orientaes. So Paulo: Melhoramentos, s.d. BRASIL. Anurio Estatstico do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Estatstica, 1936. BRASIL. Constituio Federal. Braslia, 1988. 10 CARDOSO,Walteretal.ParaumahistriadascinciasnoBrasilcolonial.In:Revistada Sociedade Brasileira de Histria da Cincia. 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