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OS AVANÇOS E RETROCESOS DA PROTEÇÃO SOCIAL NOS
PAÍSES CENTRAIS NO CONTEXTO DO CAPITALISMO
E AS SUAS INFLUÊNCIAS PARA CONSOLIDAÇÃO
DA SEGURIDADE SOCIAL E DA POLÍCA SOCIAL BRASILEIRA
Carla Barcellos Carrancho Silva
1
Mirian Soares Silva2
Sirlandia Maria da Silveira3
Thays Araujo Meira4
Resumo Este artigo faz uma analise exploratória sobre os avanços e retrocessos da proteção social no contexto do capitalismo no século XX, além de resgatar alguns principais fatos históricos dos países europeus e do Brasil que foram cruciais para as conquistas dos direitos sociais e para o processo de construção e consolidação do modelo de proteção social brasileira. Em face disso, resgata ainda as características da seguridade social na Constituição Federal de 1988, bem como os seus princípios estruturantes na esfera neoliberal.
Palavras-chave: proteção social; seguridade social; política social; neoliberalismo.
Abstract This article makes an exploratory analysis on the advances and setbacks of social protection in the context of capitalism in the twentieth century, as well as retrieving some key historical facts from European countries and Brazil that were crucial for the achievement of social rights and for the construction process And consolidation of the Brazilian social protection model. On the face of it, it also rescues the characteristics of social security in the Federal Constitution of 1988, as well as its structuring principles in the neoliberal sphere.
Keywords: Social protection; social Security; Social policy; Neoliberalism.
1
Graduando em Serviço Social. Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail:[email protected] 2 Graduando em Serviço Social. Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail: mirian-
Graduando em Serviço Social. Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail: [email protected] 4
Graduando em Serviço Social. Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. E-mail: [email protected]
I. INTRODUÇÃO
Esse estudo se divide em quatro etapas: A primeira descreve os avanços da
proteção social durante o período do Welfare State (Estado de bem-estar social), aborda
alguns contextos históricos que contribuíram para a efetivação e ampliação das políticas
sociais, e brevemente caracteriza os modelos bismarkiano e beveridgiano. Na segunda
etapa, faz uma abordagem a respeito dos retrocessos dos avanços adquiridos na primeira
etapa, buscando analisar quais foram os fatores determinantes na década de 70 que
contribuíram para a estagnação do capital. Na terceira etapa, o estudo aponta os princípios
estruturantes da Seguridade Social Brasileira a partir da Constituição Federal de 1988 e
adentra suscintamente em um contexto das influências da proteção social europeia para a
criação de um modelo de seguridade social brasileira.
Na última etapa, o artigo explicita alguns reflexos causados pela reestruturação
produtiva os quais atingiram diretamente os direitos sociais da classe trabalhadora, bem
como relata alguns aspectos da política social brasileira na esfera do neoliberalismo. E para
isso, este estudo se constitui em algumas poucas, todavia, relevantes, citações feitas por
Elaine Rosseti Behring, Ivanete Boschetti, Marilda Villela Iamamoto, e entre demais autores
que debatem a respeito da temática em questão.
II. AVANÇOS: CONSOLIDAÇÃO E AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NOS
PAÍSES EUROPEUS
No que se refere aos avanços dos direitos sociais nos países europeus, destaca-
se os trinta anos gloriosos, período esse, que ficou marcado como Welfare State. Assim, de
forma bem sucinta, a historicidade da proteção social nos anos dourados foi assegurada na
esfera de universalização. Todavia, outros fatos históricos que antecederam esse processo
– a crise econômica que perpetuou desde os anos 1929-1932 e, sobretudo, a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) – de uma forma indireta provocaram a expansão do capitalismo
pela via do plano de superação de John Maynard Keynes, fomentado o processo de
monopolização do capital, a intervenção estatal na economia e no livre movimento de
mercado. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Para tanto, Keynes escreveu em 1936, o livro
“The General Theory of Employment, Interest and Money” (Teoria Geral do Emprego, do juro
e da moeda), defendendo maior intervenção estatal na economia para a geração de pleno
emprego, do aumento do consumo, e, por conseguinte, do equilíbrio econômico. Nas
palavras das autoras:
Segundo Keynes, cabe o Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão com estímulo à economia. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 85).
Para Keynes o capitalismo significava um sistema de produção muito eficiente,
no entanto, em tempos de crise, nem sempre a economia por si só se superava. Segundo
sua análise, “[...] a operação da mão invisível do mercado não necessariamente produziria a
harmonia entre o interesse egoísta dos agentes econômicos e o bem-estar global [...]”
(BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 85). Assim, o melhor caminho para esquivar de uma crise
do capital, é uma intervenção do Estado na economia, a qual possa proporcionar uma
sintonia entre pleno emprego e consumo. Keynes partiu do pressuposto da essencialidade
dessa intervenção do Estado em alguns momentos da economia para o mantimento do
equilíbrio. E diante das suas respostas em face da crise de 1929, os países conseguiram
reestabelecer a ordem na economia e garantir os direitos sociais em meio ao cenário
denominado de Estado de bem-estar social. O Estado passou a ser responsável pela
garantia de melhores condições para os cidadãos, pela via dos dois principais pilares do
pensamento de Keynes: o pleno emprego e a maior igualdade social. E de fato, o
liberalismo heterodoxo de Keynes foi à saída de uma profunda crise entre os anos 1929-
1932, e foi o estímulo das intensas mudanças no mundo da produção por meio do fordismo
e seus processos de produção em massa. E consequentemente, o pacto social entre
Estado, mercado e trabalhadores fomentou a base material da expansão dos direitos sociais
nesse período dos anos dourados. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
Embora que os direitos sociais eram garantidos aos cidadãos, efetivando a
melhoria das condições de todos, inclusive a dos trabalhadores, como por exemplo, o
acesso ao lazer e ao consumo e garantia de estabilidade nos empregos, "[...] o Estado, com
Keynesianismo, tornou-se produtor e regulador, que não significava o abandono do
capitalismo ou a defesa da socialização dos meios de produção." (BEHRING; BOSCHETTI,
2006, p. 84), e também tornou-se diluidor da radicalidade das lutas e das reinvindicações
dos trabalhadores.
Mas mesmo frente ao seu perfil de produtor e regulador, o estado de bem-estar
social abrangeu uma cobertura de proteção social a todas as pessoas, pela via da
generalização e da ampliação das políticas sociais a partir do modelo Beveridgiano.
Entretanto, antes de caracterizar o modelo Beveridgiano, necessariamente o artigo retoma o
contexto histórico referente à Primeira Revolução Industrial, no século XVIII. Pois é a partir
deste período que se inicia tanto um processo de superexploração da classe operária,
quanto à união desta frente às condições precárias de trabalho. Neste sentido, soma-se a
essa industrialização à intensificação da jornada de trabalho, condições precárias de higiene
e de segurança, a inexistência de leis e regulamentações para defender ou dar
direitos/benefícios aos trabalhadores em caso de algum tipo acidente ou doenças, além da
inexistência de alguma espécie de seguro desemprego quando ocorria a substituição do
trabalho vivo pelo trabalho morto. E diante da falta de proteção social por parte dos donos
do meio de produção ou do Estado, os operários se organizaram e criaram as caixas, um
tipo de arrecadação de uma pequena quantia de todos os trabalhadores a partir de seus
míseros salários, para assegurar por um curto prazo a manutenção da sobrevivência
daqueles que necessitassem, ou seja, para aqueles indivíduos em situação de desemprego,
doença, invalidez, etc. Através dessa solidariedade, de uma “ajuda mútua” entre os
operários, que foi possível a criação dessas caixas, oferecendo melhores condições a quem
delas necessitasse. De acordo com Marques (1995):
Em suas origens, encontram-se mecanismos de “ajuda mútua”, criados por trabalhadores da indústria, visando prover suas necessidades em situações de desemprego, doença, morte e velhice. A expansão desse tipo de proteção e sua eficiência estavam na dependência direta do grau de organização dos trabalhadores, reunidos por ramo de atividades nas faces iniciais do processo de industrialização. (MARQUES, 1995, p. 47-48)
Já no final do século XIX, o presidente da Alemanha Otto Von Bismarck, vendo a
organização dos operários, acaba intervendo na proteção social. Deste modo, utilizou da
prática que já acontecia entre os operários das indústrias, para legitimar as caixas de
pensões. Ademais, foram institucionalizados diversos seguros sociais designados aos
trabalhadores fabris. Em 1883, podemos afirmar que Otto Von Bismarck criou o seguro-
doença, e a partir dessa data, todas as indústrias Alemãs, tinham a obrigatoriedade de
assegurar aos trabalhadores essa proteção. E o seguro-doença era custeado pelas
contribuições dos empregados, dos empregadores e do Estado. No ano seguinte, Bismarck
legitimou o seguro de acidente de trabalho, esse por sua vez, o custeio ficou a cargo dos
empregadores. E em 1889, foi instituído o seguro de invalidez e velhice, essa proteção
também eram geridas pelo Estado, com participação dos contribuintes – empregadores
e empregados. Cabe destacar que as leis constituídas por Bismarck, as quais deram
legitimidade aos seguros sociais, foram pioneiras para a criação da previdência social no
mundo. E de modo geral, tais legitimações e regulamentações têm como finalidade evitar
tensões sociais, entre a classe trabalhadora e os donos do meio de produção.
(BOSCHETTI, 2003).
E quando se pensa no modelo bismarckiano, logo, caracterizamos desde a sua
instituição, como um modelo que não visa à universalidade de direitos, assim, ele é
indissociável a modalidade de seguros sociais. Só tem direito aos benefícios exclusivamente
os trabalhadores que estão ativos no mercado, ou seja, que estejam contribuindo na forma
direta. As autoras afirmam:
O bismarckiano é identificado como um sistema de seguros sociais, pois suas características assemelham-se à de seguro privados. Em relação aos direitos, os benefícios cobrem principalmente (e às vezes exclusivamente) os trabalhadores contribuintes e suas famílias, o acesso é condicionado a uma contribuição direita anterior e o montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada. Quanto ao financiamento, os recursos provêm fundamentalmente das contribuições diretas de empregados e empregadores, baseada na folha de salários. Quando à gestão, os seguros eram originalmente organizados em caixas estruturadas por tipo de riscos: caixas de aposentadorias, caixas de seguro-saúde, e assim por diante, e eram geridos pelos contribuintes, ou seja, empregadores e empregados. (BEHRING; BOSCHETTI, 2006. p. 66).
Contudo, ao fim da explicitação o modelo bismarquiado, cabe dar continuidade a
caracterização do modelo beveridgiano. Assim, relembrando que ele é caracterizado numa
dimensão de universalidade dos diretos e surgiu no período do estado de bem-estar social.
Esse modelo foi formulado a partir das críticas do seguro social bismarckiano.
Boschetti (2009) assinala que o modelo beveridgiano tem como principal objetivo
a luta contra pobreza. Neste sentido, esse modelo propunha uma nova lógica para a
organização e sistematização das políticas sociais para abranger várias dimensões, como
por exemplo, a saúde, habitação, educação, etc., com a finalidade de reduzir doenças,
desprezos, dependência, pobreza, a fome etc. Para isso, William Henry Beveridge constituiu
o plano para além da lógica de seguro social, ampliando os direitos a todos os cidadãos
incondicionalmente. Surge com objetivo de proporcionar a universalização dos direitos e da
cidadania, bem como a ampliação e generalização das políticas sociais e dos auxílios
sociais, contribuindo para a luta contra a pobreza nos países europeus. (BEVERIDGE,
1943).
Outro fator determinante que proporcionou os trinta anos gloriosos além do
pacto entre trabalhadores e Estados, foi à introdução do Fordismo. Esse por sua vez foi um
“[...] novo sistema de produção em massa com consumo de massa [...]” (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006, p. 87). Seu objetivo era a máxima produção e a redução dos custos de
produção para proporcionar o barateamento dos produtos, tornando-os acessíveis para o
consumo. Para continuar a produção a todo vapor o fordismo aderiu aos princípios
Tayloristas, os quais mantinham o controle do tempo, estratégias de gestão do trabalho,
seja elas relacionados ao estudo racional dos movimentos sejam na redução de tempo e de
gastos. Essa lógica pressupunha um sistema de produção da força de trabalho como
também uma nova política de controle e gerência do trabalho e de organização racional de
produção. Nesta perspectiva, o fordismo adquiriu um caráter de regulação das relações
sociais. Behring e Boschetti (2006) afirmam que o Keynesianismo e o fordismo, associados,
constituíram pilares importantíssimos em face da expansão acelerada do capital Pós
Segunda Guerra Mundial. Contribuíram diretamente para melhoria das condições de vida
das massas subalternas, para o elevado nível de produção em série, para as altas taxas de
lucros, e sem contar, para o alto grau de internacionalização do capital.
III. RETROCESSOS: CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E SUA RESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA
Como vimos anteriormente, os países centrais europeus desfrutam
aproximadamente os trinta anos de experiências únicas proporcionadas pelo crescimento
econômico. Mas, chegou a certo tempo, que já não era mais possível a permanência de
Estado de bem-estar social, pois a partir da década de 1970, ocorreram alguns fatores
determinantes que fomentaram a crise estrutural do capital, colocando assim, em xeque a
maior parte dos direitos sociais derivados da relação salarial. (SALVADOR, 2010).
Segundo Mandel (1990), ocorreu a recessão do capital durante os anos de 1974
e 1975, de tal forma que, aquela ideia de que o capital tinha completo controle sobre crise
por meio do Keynesianismo, foi desconstruída. Assim, é questionado, o discurso de direitos
iguais e de cidadania de Marshall, “[...] o sonho marshalliano da combinação entre
acumulação, equidade e democracia política parecia estar chegando ao fim”. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2006, p. 116)
Desta forma os fatos determinantes que colocaram em xeque as conquistas
adquiridas no Welfare State a partir da década de 70 estão correlacionados a
superprodução, a crise do petróleo e a inflação acentuada, que provocaram um presente
agravamento do problema do desemprego, da alta dos preços de matérias-primas, da queda
do comércio mundial, da erosão da taxa média de lucros, etc. O autor esclarece que:
A profunda recessão de 1973, exacerbada pelo choque do petróleo, evidentemente retirou o mundo capitalista do sufocante torpor da “estagfação” (estagnação da produção de bens e alta inflação de preços) e pôs em movimento um conjunto de processos que solaparam o compromisso fordista. Em consequência, as décadas de 70 e 80 foram um conturbado período de restruturação econômica e de reajustamento social e político. (HARVEY, 2008, p. 140).
Para “reparar os danos” causados pela crise da década 70 foi necessário
realizar ajustes estruturais. Em vista disso, o capitalismo teve que se reinventar na tentativa
de continuar se produzindo e reproduzindo passando a adquirir uma nova roupagem através
de processos de terceirizações, apresentando-se também com um capitalismo numa nova
tendência contemporânea, um capitalismo globalizado, realizando processos de
privatizações, e, sobretudo, visando à perpetuação do "Status Quo". Desta forma, o Estado
passa manter o controle da esfera econômica, social, político e cultural via o sistema
neoliberal (SALVADOR, 2010, p. 609) afirma que “[...] a nova fase de acumulação capitalista
vai ser capitaneada pela esfera financeira, e no campo ideológico o velho liberalismo se
veste com a “nova” roupagem, rebatizando de neoliberalismo”.
IV. INFLUÊNCIAS DO MODELO PROTEÇÃO SOCIAL EUROPEU NA
CONSOLIDAÇÃO DE UM MODELO MISTO DE SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA
A Constituição Federal Brasileira de 1988, define no artigo 194 a Seguridade
Social como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da
sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, a previdência e a
assistência social”. E assim se constitui a partir de três eixos centrais: a saúde, a assistência
social e a previdência. E esse tripé, tem como base, a garantia dos direitos fundamentais
aos cidadãos, bem como a efetivação ao acesso a eles. (BRASIL, 1988).
Embora a seguridade social possua um caráter inovador e a intencionalidade de
compor um sistema amplo de proteção social, ainda prevalece um sistema híbrido, onde a
previdência é um direito restrito ao trabalhador, a saúde é um direito universal, e a
assistência social é um direito limitado. Em face disso, a política de previdência brasileira é
caracterizada pelo modelo bismarckiano, pois ela possui caráter contributivo, e somente tem
acesso àqueles trabalhadores que possuem uma relação de trabalho estável, ou aqueles
indivíduos que contribuem mensalmente como autônomo à seguridade social. (BOSCHETTI,
2006).
Cabe ressaltar que esse modelo foi criado por Otto Von Bismark, na Alemanha
por volta de 1883 e seus princípios eram regidos pela modalidade de seguro social. Diante
dessa influência, o Estado brasileiro é o responsável a financiar a proteção social em casos
de doença, invalidez e velhice, e também cabe como seu dever manter a renda dos
trabalhadores em momentos de risco social decorrentes da ausência de trabalho.
Entretanto, a política de saúde brasileira possui caráter universal, ou seja, todos os cidadãos
brasileiros têm direito ao acesso aos seus serviços, até mesmo aqueles que não possuem
nenhum tipo de vínculo com o mercado de trabalho formal. Já a política de assistência social
brasileira passa a ser destinada para aqueles indivíduos de quem dela necessitar, desta
forma, tanto a política de saúde quanto a política de assistência possuem características
atreladas ao modelo beveridgiano. Essas duas políticas são sustentadas pelo modelo
beveridgiano, todavia, vale esclarecer novamente que somente a política da saúde possui
caráter universal. (BOSCHETTI, 2006).
Vis-à-vis a essa influência dos modelos de proteção social europeus, o Brasil
inicia-se um modelo tímido de proteção social a partir das instituições das caixas de
aposentadorias, com a Lei Eloy Chaves e com movimento de reforma sanitária, ambos na
década de 1920. Assim, em 1923 entra em vigor a Lei Eloy Chaves, o primeiro texto
normativo a instituir, oficialmente no Brasil a Previdência com a inserção de um sistema de
previdência social pautado nos princípios do caráter contributivo e do limite de idade dos
sistemas previdenciários. (BOSCHETTI, 2006).
Boschetti (2009) relata que a Seguridade Social no Brasil e em todos os outros
países capitalistas tem como seu principal pilar de estruturação a lógica do seguro social. E,
no Brasil, sobretudo, essa proteção social é limitada, pois às vezes pode garantir aos
trabalhadores e seus familiares, exclusivamente ou prioritariamente, o acesso aos serviços
da previdência e da saúde. Essa lógica do seguro estruturou e constituiu os critérios de
acesso da previdência social e da saúde desde a década de 1923 até a Constituição
Federal de 1988.
V. OS REFLEXOS DA REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E AS POLÍTICAS
NEOLIBERAIS NA VIDA DOS TRABALHADORES
A partir da década de 1990 o sistema neoliberal se instalou fortemente no Brasil,
e está atrelado diretamente aos aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais em todos
os países capitalistas. Neste sentido, esse neoliberalismo trouxe consigo retrocessos às
conquistas que pareciam até então, asseguradas na CFB/1988 e propiciou um conjunto de
mudanças estruturais no âmbito da seguridade social. Nas palavras da autora:
Assim, estabeleceu-se um sistema de seguridade social que, teoricamente, manteve o princípio de universalidade e integralidade no âmbito da saúde com Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a re-estruturar, a partir de 2004, a política de assistência social, com base no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e que fortaleceu a lógica do seguro no âmbito da previdência, sobretudo com as reformas de 1998 e 2003. A seguridade social brasileira, desse modo, não avançou no sentido de fortalecer a lógica social. Ao contrário caminhou na direção fortalecimento da lógica do contrato [...]. (BOSCHETTI, 2009, p. 10).
A mercantilização tornou-se algo inexorável e houve uma grande subordinação
do público ao privado. E diante disso, o Estado passa a fazer os ajustes e as reformas
necessárias em relação ao sistema de seguridade social. Com isso, na década de 1990,
sobretudo, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) ocorreu retrocessos no âmbito
social, a partir da formulação de políticas fragmentadas e distributivas, bem como ocorreu à
dilapidação do patrimônio público ocasionando desemprego, recessão e aumento da
vulnerabilidade, a precarização e a flexibilização do trabalho. Assim, “[...] a política social no
Brasil tem um marco determinante no governo Cardoso” (IAMAMOTO, 1983, p. 35).
Neste período de reforma neoliberal no Brasil, aconteceu grandes perdas de
direitos sociais na esfera da universalidade, e avanços exacerbados das políticas sociais
reducionistas. Essa é a natureza do capitalismo, intrínseco ao sistema do neoliberalismo,
que formula políticas sociais minimalistas e categoriais, e que são utilizadas como
ferramenta de controle social, de regulamentação e enquadramento da força humana. Essas
políticas possuem a finalidade de propiciar condições minimamente satisfatória de
sobrevivência dessa massa sobrante, a qual está disponível para o trabalho precário e
desumano. Além do mais, cabe ressaltar que a maioria das políticas sociais são voltadas
para o acesso do mercado, inclusive por programas de transferências de renda. Segundo
Faleiros (1991);
Nos países pobres periféricos não existe o Welfare State nem um pleno keynesianismo em política. Devido à profunda desigualdade de classes, as políticas sociais não são de acesso universal, decorrentes do fato da residência no país ou da cidadania. São políticas “categoriais”, isto é, que tem como alvo certas categorias específicas da população, como trabalhadores (seguros), crianças (alimentos, vacinas) desnutridas (distribuição de leite), certos tipos de doentes (hansenianos, por exemplo), através de programas criados a cada gestão governamental, segundo critérios clientelísticos e burocráticos. Na América Latina, há grande diversidade na implantação de políticas sociais, de acordo com cada país [...]. (FALEIROS, 1991, p.28)
Piana (2009) relata que os países emergentes, como por exemplo, os países da
América Latina, seguem rigorosamente as cartilhas das instituições internacionais de
hegemonia do capital – Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização das Nações
Unidas (ONU) e Banco Mundial – na perspectiva de restaurar o crescimento econômico.
Para isso, afirmam a adesão da reestruturação produtiva, da privatização acelerada, do
enxugamento do Estado, das políticas ficais e monetárias, bem como da implementação e
regulamentação das políticas sociais categoriais para aqueles indivíduos que já estão na
barbárie do desemprego. “Para essa realidade, vive-se o desmonte da cidadania social, uma
das maiores conquistas democráticas e o abalo da utopia de construção de uma sociedade
livre de incertezas e desamparos sociais (Estado de Bem-Estar Social)”. (PIANA, 2009,
p.33)
Ademais, nos anos de 1998 e 1999 foi realizada uma reforma da previdência
social, atingindo muitos trabalhadores, e em consequência disso, o direito da aposentadoria
é sinônimo de obstáculos e burocracia. Isso porque a reforma previdenciária cada vez mais
vem dificultando o seu acesso, pela via da criação do fator previdenciário e pela via da
tentativa de aprovação de outras reformas neoliberais, como por exemplo a da Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 287/2016. (CUT, 2017).
Portanto, as chamadas reformas estruturais do neoliberalismo, redefiniram,
adaptaram, ajustaram a política social sob práticas fragmentava, focalizadas e tecnicistas.
Mas cabe abrir um parêntese para explicitar que essas reformas, são consideradas contra
reforma, no sentido de que não aconteceu nenhuma melhoria, e sim, somente descontruiu
as políticas sociais, e consequentemente prejudicou a classe trabalhadora devido às perdas
salariais, o aumento dos impostos, a ampliação nas escalas de trabalho, a redução nos
direitos trabalhistas e sociais, a precarização das condições de trabalho, a
desregulamentação do trabalho, desresponsabilização do Estado no campo social, cortes e
ajustes fiscais, entre outros. (BEHRING, 2006).
VI. CONCLUSÃO
O Estado de bem-estar social proporcionou aos trabalhadores não apenas o
pleno emprego, como também o acesso universal as políticas sociais. E para os capitalistas,
proporcionou altas taxas de lucros, resultando na acumulação de riquezas. Não obstante,
esse período de anos dourados não foi duradouro, visto que culminou o esgotamento da
produção fordista juntamente com a crise do petróleo a partir da década de 1970 e, por
conseguinte, instalou fortemente a crise estrutural do capital.
Contudo, a estagnação da produção fordista e a crise do petróleo,
necessariamente, provocaram a reorganização do capital a partir da reestruturação
produtiva da acumulação flexível. Dessa maneira, a reestruturação produtiva fomentou o
sistema neoliberal e negou o modelo de proteção social do Welfare State, ou seja, impediu a
ampliação da proteção social e consolidação e generalização das políticas sociais
universais.
No Brasil a Seguridade Social Brasileira, está diretamente atrelada à lógica do
seguro, e esta por sua vez, é influenciada pelos modelos bismarkiano e beveridgiano, e
desta forma, caracteriza-se como um modelo misto. Mas a partir da reestruturação
produtiva, a seguridade social brasileira também é alvo de retrocessos pela via de reformas
constitucionais. Ocorre no seu âmbito a degradação dos serviços públicos e os cortes dos
gastos sociais, e em consequência disso, tem levado a um processo constante de
subordinação do público ao privado. Ademais, diversas contrarreformas restringiram os
direitos, reforçaram a lógica do seguro, abriram caminhos para a privatização e expansão
dos planos privados, para os fundos de pensão, ampliaram o tempo de trabalho e
contribuição para obter a aposentadoria. Nas palavras de Boschetti:
Não avançou no sentido de fortalecer a lógica social. Ao contrário, caminhou na direção do fortalecimento da lógica do contrato, o que levou Vianna (1998) a caracterizá-la como 'americanização perversa', visto que, em sua análise, o sistema público foi se 'especializando' cada vez mais no (mau) atendimento dos muito pobres, ao mesmo tempo em que o mercado de serviços médicos, assim como o de previdência, conquista adeptos entre a classe média e o operariado (BOSCHETTI, 2009 p.10).
Ademais, a seguridade social está diante de desmontes, os quais referenciam a
desconfiguração dos direitos previstos constitucionalmente.
Em relação às políticas sociais no sistema neoliberal, caracterizaram-se como
políticas paternalistas, geradoras de desequilíbrio, acessadas pela via do mercado,
transformadas em serviços privados. Desta forma, os benefícios, os serviços e os
programas deixaram de ser vistos como direitos sociais e tornaram em direitos do
consumidor, gerando a desresponsabilização e o desfinanciamento da proteção social pelo
Estado. Configura-se então, um Estado mínimo para os trabalhadores e um Estado máximo
para o Capital, transferindo as responsabilidades aos sujeitos, e fugindo a todo o momento
da lógica da universalização dos direitos. Em face dessa realidade, as condições de trabalho
têm se tornado cada vez mais precária, onde o processo de terceirização e flexibilização do
trabalho se encontra permanentemente em crescimento neste sistema neoliberal. As
políticas sociais estão sendo concretizadas principalmente por meio dos programas de
transferência de renda, e essa por sua vez, não está atrelada a questão da cidadania, mas
sim do consumo. Em relação à previdência social cada dia mais a mesma vêm sofrendo
modificações que estão literalmente acabando com os direitos dos trabalhadores.
E por fim, cabe explicitar que a Constituição Federal de 1988 proporcionou
vários avanços em relação ao acesso aos direitos sociais, uma dessas conquistas se deve
ao fato da política da saúde ser assegurada e caracterizada como universal. No entanto,
com a instalação do sistema neoliberal no Brasil e em todos os outros países capitalista, os
retrocessos dos direitos sociais e da proteção social da classe trabalhadora está cada vez
mais ganhando espaço na sociedade capitalista e mercantilista.
REFERÊNCIAS
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