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ISSN 2177-8892 111 OS ACORDOS MEC-USAID E SEU IMPACTO NO SISTEMA DE ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO Lucas Evandro Ferreira Cunha UFVJM [email protected]; Dr.ª Thamar Kalil de Campos Alves UFVJM [email protected] Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM O presente trabalho deriva-se da pesquisa realizada pelos autores para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucas Evandro Ferreira Cunha na graduação no Bacharelado em Humanidades na UFVJM, pesquisa que continua em andamento na graduação em Licenciatura em Pedagogia na mesma instituição. A temática tratada diz respeito aos acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura United States Agency for International Development/Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) tratados e assinados entre 1964 e 1968 e, o Sistema de Ensino Superior no Brasil. Dentre os vários acordos firmados entre as agências, iremos nós ater a dois acordos tratados especificamente para o Ensino Superior, os convênios foram intitulados: Assessoria Para Modernização da Administração Universitária e Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior. Os acordos MEC-Usaid foram um conjunto de ações pactuadas na década de 1960, convergindo para um programa abrangente, com o intuito de modernizar o Sistema de Ensino Brasileiro, incluindo as universidades. Planejando um novo Sistema embasado na experiência norte-americana na área educacional. Por Sistema de Ensino Superior, entendemos a gama de opções de graduação bacharelesca, tecnológica e em licenciatura. A graduação em qualquer um dos três meios é oferecida por diversas instituições, tais como, universidades, faculdades, centros de formação tecnológicas e outros. As instituições podem ser públicas, filantrópicas ou privadas e estão sujeitas à análise do Governo Federal através do Ministério da Educação para que possam atuar. No corrente ano de 2014, completa-se meio século da tomada do poder pelos militares no Brasil, tal efeméride ressalta a importância de nosso trabalho, o cinquentenário do golpe fez com que as mídias, o universo acadêmico e diversos setores sociais propusessem reflexões sobre o golpe, o Período Militar e a sociedade atual.

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OS ACORDOS MEC-USAID E SEU IMPACTO NO SISTEMA DE

ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO

Lucas Evandro Ferreira Cunha – UFVJM – [email protected];

Dr.ª Thamar Kalil de Campos Alves – UFVJM – [email protected]

Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM

O presente trabalho deriva-se da pesquisa realizada pelos autores para

elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucas Evandro Ferreira Cunha na

graduação no Bacharelado em Humanidades na UFVJM, pesquisa que continua em

andamento na graduação em Licenciatura em Pedagogia na mesma instituição.

A temática tratada diz respeito aos acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação

e Cultura – United States Agency for International Development/Agência dos Estados

Unidos para o Desenvolvimento Internacional) tratados e assinados entre 1964 e 1968 e,

o Sistema de Ensino Superior no Brasil. Dentre os vários acordos firmados entre as

agências, iremos nós ater a dois acordos tratados especificamente para o Ensino

Superior, os convênios foram intitulados: Assessoria Para Modernização da

Administração Universitária e Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior.

Os acordos MEC-Usaid foram um conjunto de ações pactuadas na década de

1960, convergindo para um programa abrangente, com o intuito de modernizar o

Sistema de Ensino Brasileiro, incluindo as universidades. Planejando um novo Sistema

embasado na experiência norte-americana na área educacional.

Por Sistema de Ensino Superior, entendemos a gama de opções de graduação

bacharelesca, tecnológica e em licenciatura. A graduação em qualquer um dos três

meios é oferecida por diversas instituições, tais como, universidades, faculdades,

centros de formação tecnológicas e outros. As instituições podem ser públicas,

filantrópicas ou privadas e estão sujeitas à análise do Governo Federal através do

Ministério da Educação para que possam atuar.

No corrente ano de 2014, completa-se meio século da tomada do poder pelos

militares no Brasil, tal efeméride ressalta a importância de nosso trabalho, o

cinquentenário do golpe fez com que as mídias, o universo acadêmico e diversos setores

sociais propusessem reflexões sobre o golpe, o Período Militar e a sociedade atual.

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Aproveitamos desse momento histórico para o desenvolvimento dessa pesquisa,

acreditando que a investigação tem relevância social, pois, através de tal podemos

entender melhor o processo que nosso país atravessou por duas décadas e enxergarmos

seus reflexos nos dias de hoje. Pensamos que, possam existir, ainda hoje, reflexos no

meio acadêmico dos acordos MEC-Usaid, portanto, o artigo tem relevância acadêmica

para que possamos analisar um pouco melhor a constituição das instituições que temos

hoje e entender os trâmites de seu processo constituinte no recorte temporal estudado.

Temos, ainda, como objetivo, identificar a presença de diversos segmentos da

sociedade e instituições no processo de reformulação do Ensino Superior que levou à

chamada Reforma Universitária em 1968, decorrente da Lei Nº 5540/68.

Compartilhamos com Dermeval Saviani a respeito das Políticas Educacionais,

como o conjunto de ações e decisões tomadas pelo Estado no que tange à educação. De

tal modo, igualmente entendemos que os acordos firmados entre Brasil e EUA para o

desenvolvimento e aprimoramento (termos utilizados pelos governos nos convênios) da

Educação Superior, assim como as sugestões presentes nos corpos dos acordos e as

medidas tomadas pelo governo brasileiro, se configuram como políticas educacionais.

Como base para nossa reflexão, utilizamos as obras: Beabá dos MEC-Usaid, de Márcio

Moreira Alves, 1968; e As Universidades e o Regime Militar, de Rodrigo Patto Sá

Motta, 2014. Como complemento as duas fontes de base, continuamos o processo de

pesquisa em material bibliográfico, nos valendo de uma gama de artigos publicados

sobre a temática, a saber: revistas, jornais e outros periódicos dos anos de 1960;

documentários sobre fatos relevantes ocorridos no período de nosso recorte e, também,

textos legais do legislativo e executivo que efetivam em leis e decretos as políticas

educacionais no período.

O artigo se organiza em duas partes, onde, iremos num primeiro momento

descrever os acordos tratados e, num segundo momento, descrever alguns reflexos das

políticas adotadas na sociedade e no meio acadêmico.

OS ACORDOS MEC-USAID PARA O ENSINO SUPERIOR

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Antes de nos propormos à caracterizar e descrever os acordos feitos entre o

MEC e a Usaid, é de grande relevância citar que existem divergências com relação aos

acordos em questão, principalmente sobre sua quantidade, mesmo após quase três

décadas do fim do Regime Militar, ainda existem controvérsias e indagações não

respondidas em relação a atos do governo e documentos da época, fato que pode ser

evidenciado pela formação da Comissão Nacional da Verdade1, instituída em maio de

2012 pela Presidenta Dilma Rousseff para investigar violações aos direitos humanos

ocorridas inclusive no período ditatorial e até hoje não esclarecidas. Outro dado que

aponta para a incerteza do número de acordos evidencia-se, a saber, por nossos textos

bases trazerem em Motta, 2014, a existência de sete acordos e em Alves, 1968, nove

acordos; ou ainda, no glossário elaborado pela Faculdade de Educação da Unicamp

onde a definição do verbete ‘MEC-Usiad’ elaborada pelo Dr. Lalo Watanabe Minto, cita

a existência de doze acordos entre junho de 1964 e janeiro de 19682.

A elaboração dos acordos decorria de análises feitas por membros da Usaid e do

MEC, basicamente os membros procuravam criar um diagnóstico sobre o tema que

tratariam, por exemplo: a estrutura administrativa universitária. Após a formulação do

diagnóstico da situação existente, os membros norte-americanos compartilhavam da

experiência de seu país e propunham alterações, projetos e intervenções que pudessem

ajudar no desenvolvimento da área em questão, se baseando na aproximação ao Sistema

existente nos Estados Unidos (EUA). Com metas traçadas, podiam-se caracterizar as

finalidades dos acordos. Os acordos tinham então um diagnóstico e uma finalidade, o

passo seguinte consistia em atribuir responsabilidades às partes envolvidas para que os

objetivos fossem alcançados e, por fim, os acordos dispunham das chamadas

disposições gerais, presentes em qualquer acordo, estatuto lei e similares.

Em sua publicação de 1968, Márcio Moreira Alves traz o corpo documental dos

acordos, contendo os itens e tópicos citados acima, Alves faz análises sobre os acordos

e enriquece a obra citando, inclusive, os valores investidos que estavam disponíveis no

ato da escrita.

1 Comissão criada pela Lei Nº 12.581/2011 para apurar violações dos direitos humanos ocorridas entre

18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. 2 www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm Acessado em

setembro de 2014.

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Segundo ALVES, 1968, os acordos MEC-Usaid entregaram o planejamento do

Ensino Brasileiro aos Estados Unidos, nos níveis primário, médio e superior. Isto

ocorrera nos governos de Castello Branco e Costa e Silva. O primeiro acordo fora

assinado em 30 de junho de 1966, mas meses antes já estava pronto, ou pelo menos

sugerido, dessa forma, ao longo do texto de Alves, 1968, são trazidas à tona, datas de

meses e anos anteriores.

O autor nos mostra que dois acordos foram traçados diretamente para o

planejamento das universidades, o que gerou muita revolta na comunidade acadêmica.

Tomaremos a data oficial da assinatura para falarmos aqui do primeiro acordo, isto é,

portanto, 30 de junho de 1966. Ao acordo se deu o título Assessoria Para Modernização

da Administração Universitária, em ALVES, 1968, o acordo/convênio, após o

levantamento da situação atual das instituições de Ensino Superior tidas como oficiais,

prevê que a assistência se daria através de consultorias técnicas de âmbito mais amplo

para as instituições que estejam preparadas para iniciar programas mais específicos de

reforma universitária, além disso, seriam ofertados seminários para que as demais

universidades se despusessem a ingressar na reforma. Haveria também, cursos de curta

duração nos Estados Unidos para treinamento do pessoal brasileiro, visando que esse

pessoal se tornasse mais apto para a avaliação e implementação dos novos moldes

administrativos nas universidades brasileiras. O projeto era pautado em atender, até

1970, no máximo 18 instituições. De 1970 em diante, aquelas com melhor

aproveitamento serviriam de bases para as demais, o convênio falava em 25% das

instituições com mais avanço sendo o molde. Tratava ainda que os 25% de instituições

logo abaixo das primeiras, teria o pessoal mínimo necessário para conduzir sua

reformulação nos anos seguintes e que os outros 50% teriam em universidades vizinhas

o pessoal nutrido de qualificação para instruí-los.

Em ideia, as universidades formariam uma rede, ou teia, para que o modelo

administrativo fosse se alastrando, partindo daquelas que melhor aproveitaram a

experiência americana até chagar àquelas que sequer foram inicialmente comtempladas

pelo convênio. O projeto seria revisto e avaliado antes de 1970, para que os passos

seguintes fossem definidos, assim, o trecho final dos objetivos do acordo presente em

ALVES, 1968 diz: “Antes de 1970 o Projeto será revisto e avaliado, tomando-se então

decisões quanto à natureza e o montante da assistência adicional necessária a completar

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a modernização administrativa de todo o sistema de ensino superior brasileiro.”

(ALVES, 1968, p. 36).

Para o implemento desse acordo, entre outras coisas, a Usaid manteria

consultores no Brasil entre julho de 1966 e setembro de 1968, seriam 20 consultores

trabalhando em regime de curta-duração, onde o período de trabalho não ultrapassaria

18 meses por indivíduo. No texto do convênio, ficava claro que o governo norte-

americano se preocupava em dar destaque ao mesmo, como presente no item A das

Disposições Gerais:

As partes brasileiras do presente convênio envidarão todos os esforços

no sentido de divulgar o andamento e as realizações deste Projeto

através dos jornais, rádio e outros meios de difusão, identificando-o

especificamente como parte da Aliança para o Progresso (Alves, 1968,

p. 38).

Como visto, o projeto, embora previsse ter seus ciclos de trabalho efetivo

encerrados em setembro de 1968, estendia sua existência até 1970, e não falava em quão

necessários seria o tempo de adaptação para as demais universidades, de certa forma,

compreendemos que, sua duração poderia levar ainda alguns anos, visto que a completa

modernização administrativa das universidades demandaria um tempo indeterminado.

Entretanto, no período de vigência do acordo, houve a troca da presidência, o

convênio original se deu no mandato de Castello Branco, porém o Marechal entregou o

poder a seu sucessor – Costa e Silva – aos quinze dias do mês de março do ano

subsequente, tal troca de poder influi diretamente no segundo acordo. Como havia forte

pressão de algumas camadas acadêmicas, de alguns veículos jornalísticos e até mesmo

de pessoas que estavam no setor orçamentário da União contra a presença, ingerência e

gastos da/com a Usaid no governo anterior, o Marechal Costa e Silva determinou que os

convênios fossem reexaminados. O próprio Ministro Tarso Dutra (MEC), declarou que

os acordos seriam revistos em todos os pontos à Comissão de Educação da Câmara dos

Deputados em abril de 1967, no mesmo mês o Jornal do Brasil publicou uma série de

denúncias sobre o funcionamento das Comissões MEC-Usaid e os trâmites dos acordos,

as denúncias tratavam de fatos antes obscuros na gestão Castello Branco. De fato, o mês

seguinte – maio de 1967 -, marcou a assinatura de um novo acordo, ao dia 9 fora

assinado o acordo que reformularia e ampliaria o anterior. O próprio Tarso Dutra, que

declarará não dominar o texto anterior é quem assina o novo documento, como

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representante máximo do MEC. O novo acordo foi intitulado Assessoria ao

Planejamento do Ensino Superior.

Neste novo acordo, o governo, se põe como integrante da Aliança para o

Progresso3, e como tal, ressalta compromissos assumidos na Carta de Punta del Este

4.

O governo, por estas razões, se dispõe a aproveitar as experiências existentes em outros

países para realizar o planejamento de curto e longo prazo do Sistema de Ensino

Superior, o acordo rezava que o aproveitamento de experiências aumentaria a eficiência

de seus métodos de trabalho e programas, a fim de atender presentes e futuras

necessidades do Sistema de Educação. Por fim, para atender a esses objetivos, o Brasil

receberia assessoria da Usaid. No novo convênio, o Brasil se comprometia a indicar

quatro educadores de alto nível para serem membros do Grupo Permanente de

Planejamento em regime de tempo integral, como mostrado anteriormente, esse grupo

demorou a ser formado, enquanto os consultores norte-americanos já estavam em solo

brasileiro desde janeiro – antes mesmo do novo acordo ser firmado -, o grupo brasileiro,

embora inicialmente nomeado em 11 de maio, só seria formado no começo do ano

seguinte, isto pelo fato de os nomeados se exonerarem ou pedirem desvinculação. O

governo deveria ainda, garantir a permanência de bolsistas brasileiros em instituições

americanas e uma série de outras designações para a manutenção e sucesso do acordo.

De todo modo, o acordo não diferia muito do anterior, apenas trazia uma redação

que garantia ao governo um ambiente mais calmo perante os revoltosos, oque é

subentendido em trechos como “aproveitar experiências existentes em outros países”,

trecho mostrado anteriormente, e que em nosso entendimento, refere-se aos países que

constituíam a Aliança para o Progresso, o governo não citara, por exemplo, “experiência

norte-americana”, ou “modelo dos EUA”, algo que soaria pior junto aos opositores.

Como exposto acima, haveria um acompanhamento bilateral do caminhar dos

convênios, quanto a isso, MOTTA, 2014, indica que os sete acordos foram avaliados no

3 Idealizada pelo presidente dos EUA, John F Kennedy, foi um programa de cooperação que visava o

desenvolvimento econômico e social de países da América Latina, também como forma de frear o avanço do comunismo na região. Traçaria políticas de desenvolvimento a serem implementadas e executadas num período de dez anos. 4 A Carta de Punta del Este foi um tratado entre lideranças latino-americanas para integrarem políticas

desenvolvimentistas da Aliança para o Progresso, os representantes dos diversos países envolvidos –incluindo o Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira – se reuniram no Uruguai em agosto de 1961 para assumir o compromisso de integrar a Aliança e adotar suas políticas.

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ano de 1967 por membros da Usaid, que, concluíram que três estavam sendo bem

sucedidos, um acordo estava tendo relativo sucesso e três outros fracassavam ou não

haviam saído do papel, incluindo o mais importante, que o autor define como: “[...] o

principal e mais polêmico acordo, que envolvia o planejamento e a reestruturação das

universidades” (MOTTA, 2014, p. 131). O acordo, citado como principal, envolvia a

reformulação geral das universidades, ainda de acordo com Motta, era o mais visível, e

por isso o mais criticado pelos opositores à presença norte-americana.

Em maio de 1966 a Usaid contratou junto ao Consórcio de Universidades do

Meio-Oeste (Midwest Universities Consortium for International Activities – Mucia),

quatro consultores, que chegaram ao Brasil em janeiro de 1967, porém o governo

brasileiro não havia montado sua equipe de consultores, o Conselho Federal de

Educação (CFE) vinha indicando nomes para a composição da equipe de consultores,

mas o MEC não conseguia efetivar as contratações e de tal modo o governo brasileiro

cozinhava em banho-maria a Usaid, principalmente após o Executivo ser assumido pelo

Marechal Costa e Silva, que demonstrava preocupação com algumas manifestações e

posicionamentos que vinham ocorrendo na gestão Castello Branco contra a influência

norte-americana no Brasil e na educação brasileira. Preocupado com a evocação do

espirito nacionalista feita pelos críticos, Costa e Silva demorou quase dez meses para

montar a equipe, isso deixou os consultores estadunidenses duvidosos quanto à vontade

do novo governo em manter os projetos e estreitar os laços. Daí a elaboração do

relatório por parte da Usaid (através dos quatro consultores) acerca dos acordos, acima

extraído da obra do Professor Motta. O citado, principal acordo, seria engavetado em

1968.

Entretanto, o próprio professor Motta traz em sua já citada obra que o processo

de reorganização administrativa e modernização das universidades, conduzido pelo

Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), fora bem avaliado pelos

consultores norte-americanos: [...] enquanto os acordos bem-sucedidos envolviam a

assistência ao planejamento da educação secundária, o projeto da reforma

administrativa e modernização das universidades (conduzido pelo Crub) e a publicação

de livros técnicos. (MOTTA, 2014, p. 131).

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O IMPACTO DOS ACORDOS JUNTO À COMUNIDADE ACADÊMICA E

SOCIEDADE EM GERAL

No material bibliográfico levantado, colhemos registros de protestos,

publicações e posicionamentos de lideranças ocorridas na época, o trecho a seguir

contempla mais que os acordos, diz respeito ao cenário que já se desencadeava desde

antes deles serem de fato assinados.

Em nossa pesquisa, notamos que havia um consenso entre intelectuais, aparelhos

midiáticos e aliados norte-americanos, que o MEC do princípio dos anos 1960, já não

era o mesmo dos anos 1930. O ministério que outrora fora ponta-de-lança no Brasil,

inovador e dinâmico após sua criação por Getúlio Vargas, parecia não ser capaz de

realizar as mudanças que surgiam naquele momento. Sua aparelhagem, principalmente

humana sofria duras críticas, principalmente das organizações estudantis. O primeiro

governo da Era Militar não solucionou o problema, Ministros se sucediam – cinco em

três anos – e pareciam estar mais preocupados em domar os estudantes, principalmente

os de esquerda, do que promover alguma reformulação. Os EUA viam com maus-olhos

esse funcionamento, isso nos parece claro após a leitura do capítulo anterior, onde

percebemos que os membros da Usaid ficavam em compasso de espera por realizações

de membros do MEC na formulação de estudos para os acordos e dos acordos.

No verbete MEC-Usaid, anteriormente citado, encontrado no site da Faculdade

de Educação da Universidade Estadual de Campinas, o professor Minto cita que os

acordos não significaram mudanças diretas na política educacional, porém tiveram

decisiva e influente relevância para a reforma da educação brasileira, sendo importantes

para a formação de comissões e estudos que levaram às Leis 5540/68 e 5692/71, leis

estas que reformularam a educação nacional, a primeira tangenciando o Ensino Superior

e a segunda o Ensino Básico.

Um dia antes da promulgação da Lei Nº 5540/68, a Revista Veja trouxe uma

reportagem onde o então Ministro Tarso Dutra era definido como “O Mal-Amado” em

trocadilho à obra O Bem-Amado de Dias Gomes. Na reportagem é mostrada a

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insatisfação de diversos estudantes com as políticas adotadas pelo Ministro. A essa

altura acordos MEC-Usaid já haviam saído do papel, gerado relatórios, projetos novos,

e a Reforma Universitária.

Nos anos de 1967-68, os protestos explodiam nas ruas, na verdade, desde 1966

os estudantes já punham nas pautas de suas manifestações ataques à “invasão

imperialista na Educação”, cujo alvo principal das críticas era o Relatório Atcon5. Em

1967 o tema principal das manifestações tornou-se os acordos MEC-Usaid. Os

estudantes queimavam bandeiras norte-americanas em todos os cantos do país onde

estivessem reunidos para se manifestar, dessa forma, mostravam sua insatisfação com a

presença dos EUA no Sistema de Ensino. Da parte desses estudantes, o sentimento

antiamericano ficara ainda maior em virtude da Guerra do Vietnã6, tema que atraía a

atenção mundial.

A UNE, que em 1967, estava atuando clandestinamente, convocou para 2 de

junho uma jornada de lutas contra os acordos MEC-Usaid, milhares de estudantes foram

às ruas na data marcada e aproveitaram para pleitear diversas demandas, sendo a

questão das vagas para os excedentes a principal delas. O governo até tentou medidas

paliativas para acalmar os ânimos, como um decreto para que as universidades

permitissem o ingresso dos excedentes, entretanto, as universidades não tinham

condições físicas e orçamentárias para cumprir o decreto.

No ano de 1968, a pauta antiamericana ficou em segundo plano, a revolta maior

era contra a repressão instalada no Sistema de Ensino, por isso, várias invasões à

reitorias ocorreram como forma de protestar e chamar a atenção, uma das mais famosas

foi a invasão à Reitoria da USP em junho de 1968. O Regime Militar retomava os

prédios de maneira violenta, através das forças armadas, utilizava-se do discurso de

procurar foragidos e caçar lideranças subversivas para usar a força. Casos de morte nos

confrontos foram registrados, como na UnB em 29 de agosto de 1968, ou em São Paulo,

5 Relatório publicado pelo MEC em 1966, continha um diagnóstico do Sistema de Ensino Superior

Brasileiro e uma série de sugestões visando sua melhoria. Foi elaborado por Rudolph Atcon, especialista no Sistema de Ensino Norte-americano, que havia sido contrato pelo MEC para elaborar um estudo sobre o Sistema Brasileiro. 6 Conflito armado ocorrido no sudeste asiático no contexto da Guerra Fria entre 1959 e 1975. Os EUA

interviram diretamente na Guerra a partir de 1964, enviando soldados e forte armamento de guerra.

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no que ficou conhecido como “Batalha da Maria Antônia”7 em outubro do mesmo ano.

Nesta última, o confronto original se deu entre estudantes pró e contra o Regime e a

ação militar foi violenta. Outro evento organizado pelo movimento estudantil fora a

Passeata dos 100 mil8 no Rio de Janeiro, no dia 28 de junho. Na passeata, milhares de

estudantes tomaram as ruas cariocas gritando por Reforma, fim da repressão,

diminuição e encerramento das atividades estadunidenses entre outras pautas. Decerto

temos que a Reforma Universitária era o grande brado dos estudantes. O

posicionamento, mesmo dos oposicionistas às medidas que estavam sendo tomadas, era

por uma reforma, porém menos inspirada em moldes norte-americanos, os quais

acreditavam ser privatistas e tecnicistas demais. Nem tudo, porém, era considerado

ruim, pois muitas das bandeiras levantadas pela UNE no pré-1964 estavam presentes

nas propostas governamentais, os estudantes apoiavam o fomento à pesquisa, o fim das

cátedras, a reestruturação da carreira docente e outros tópicos.

Nos atendo à relação Brasil/EUA/Educação, nossas pesquisas revelaram que

desde os anos 1920, através da Fundação Rockefeller, estadunidenses já estabeleciam

parcerias com nosso Sistema de Ensino Superior.

O governo norte-americano também fomentara parcerias, através da Usaid e

agências anteriores, em diversas áreas, principalmente na área das Ciências Agrárias. Na

antiga UREMG, por exemplo, mais de uma dezena de professores americanos

lecionaram nos anos de 1960 antes mesmo do Golpe Militar, além de discentes que

recebiam a oportunidade de fazer pós-graduação nos EUA, a parceria na UREMG

rendeu dois cursos de mestrado, sendo que em 1962, na instituição em questão, houve a

primeira defesa de dissertação no Brasil.

O que diferia os acordos MEC-Usaid e inflamara a revolta estudantil, fora o fato

de agora haver ligação direta entre os governos, não mais a atuação isolada em projetos,

ou a atuação de fundações, ou até mesmo o cunho filantrópico outrora existente. A

presença direta dos norte-americana fazia com que todos os fatores políticos fossem

7 Confronto entre estudantes ocorrido em São Paulo na Rua Maria Antônia, de um lado estavam

estudantes de Filosofia da USP que defendiam interesses da UNE e eram contrários ao Regime Militar, do outro estavam estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie que eram ligados ao Comando de Caça aos Comunistas. O icônico conflito já foi retratado em filme: Rua Maria Antônia – A Incrível Batalha dos Estudantes. 8 O evento que reuniu milhares de estudantes tinha pautas antiamericanas e protestava contra recentes

mortes de estudantes, acusando o Governo Militar de ser o responsável por tais.

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considerados na elaboração de projetos, no período anterior à Ditadura Militar, o

Governo João Goulart havia edificado parcerias de cunho científico e de intercâmbio

para estudantes e universidades com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

(URSS), maior inimigo político dos EUA à época. De tal modo, o implemento de

projetos dentro das universidades por parte dos estadunidenses, dependia agora de as

mesmas terem alinhamento político com o bloco liderado pelo país, isto é: ter ideologia

ligada ao capitalismo e à democracia, os críticos chamavam de visão imperialista.

Todavia, embora o governo norte-americano se preocupasse em conter o avanço

comunista, se preocupava também em aparar excessos no combate aos comunistas, pois,

sabia que excessos poderiam inflamar ainda mais a revolta dos estudantes e diversos

setores da sociedade, além de dar argumentos aos críticos. Um fato ocorrido no período

e que mostra a preocupação dos EUA com os excessos, se mostra na classificação que o

governo estadunidense tinha em definir e acompanhar pessoas ligadas à esquerda como

mais ou menos “ameaçadoras” ao regime, isto é: rotular se alguém oferecia riscos,

alguns era definidos como pessoas de esquerda, mas que não ofereciam riscos ao país,

ou não eram de fato comunistas, apesar do alinhamento ideológico e filosófico com a

esquerda. Exemplo disso é a sugestão dos EUA para que o Brasil chamassem de volta

ao país professores que haviam deixado o Brasil por serem de esquerda, esse retorno de

importantes professores era tido como fundamental para o desenvolvimento técnico-

científico da nação. O episódio ficou conhecido como: Operação Retorno.

No Congresso, também existia a linha que se posicionava contra os acordos, na

maioria jovens deputados do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com destaque

ao Deputado Márcio Moreira Alves, autor do Beabá dos MEC-Usaid (1968), figura que

seria o pivô de um dos maiores atentados à democracia na história do Brasil, sua

rebeldia fez com que o Marechal Costa e Silva pedisse a suspensão de sua imunidade

em 1968, porém a recusa do Congresso em acatar a ordem levou à divulgação do AI-5

(Ato Institucional número 5)e a perda do poder do Legislativo.

A promulgação do AI-5 acabara sendo influente para que os EUA se afastassem

do Brasil, pois sua finalidade rompia com os ideias democráticos pregados pelos norte-

americanos.

Dentro do setor midiático, não havia consenso acerca das políticas educacionais

alinhadas às estadunidenses, em nossa pesquisa percebemos que os dois jornais

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paulistas mais influentes da época, assim como os dois veículos cariocas igualmente

mais influentes divergiam em relação à questão. O paulista Folha de São Paulo e o

carioca Correio da Manhã, traziam corriqueiramente em seus editorais,

posicionamentos contrários às políticas de aliança educacional entre Brasil e EUA, de

outro lado, o paulista Estadão e o carioca O Globo se mostravam favoráveis à tais

políticas em seus editoriais, vale ressaltar que o expresso nos editorias dos jornais não

reflete a posição de todos os membros do jornal em si, mas o posicionamento dos

donatários, mandatários e principais diretores dos veículos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer de nossa pesquisa nos tem surgido uma série de inquietações,

estamos buscando encontrar resquícios das políticas adotadas em decorrência dos MEC-

Usaid no atual Sistema de Ensino Superior Brasileiros, buscamos ainda notar quais

foram as mudanças de fato ocorridas ou alcançadas na Educação após as assinaturas dos

convênios. De tal modo, nos surgem algumas dúvidas:

Como ocorreu o processo de organização da estrutura administrativa nas

reitorias e extinção das cátedras? Ao mesmo tempo, o poder decisório foi

descentralizado com o fim das cátedras?

O modelo de departamentos independentes e ao mesmo tempo interligados está

próximo do proposto ou idealizado, e ainda, é benéfico?

O foco em desenvolvimento científico e fomento à pesquisa trouxe resultados

relevantes? Precisa ser melhorado? Foi realmente implantado como o proposto e

imaginado?

Quais os avanços podemos encontrar na carreira docente? O processo de

reestruturação foi frutífero? O que há de positivo e negativo nos dias atuais se

compararmos ao cenário dos anos de 1960? O que pode haver de influência dos MEC-

Usaid neste processo?

Qual o perpassar da existência e amplitude dos projetos de extensão junto à

comunidade após os MEC-Usaid?

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Estas inquietações surgem, pois, os acordos para o Ensino Superior previam

todas as mudanças acima citadas.

E, por fim, como se modificaram e se encontram atualmente as universidades em

relação as estruturas da década de 1960 e em relação às proposições dos MEC-Usaid?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÁSICAS

ALVES, Márcio Moreira. Beabá dos MEC-Usaid. Rio de Janeiro: Gemasa, 1968.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o Regime Militar. Rio de Janeiro:

Zahar, 2014.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMPLEMENTARES

SANTOS, Éder Fernando dos. O Ensino Superior no Brasil e os “Acordos

MEC/Usaid”: o intervencionismo norte-americano na educação brasileira. Maringá:

[s.n.], 2005. [Dissertação – Universidade Estadual de Maringá – CD-Rom]

FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à

Reforma Universitária de 1968. Educar, Curitiba, n. 28, p. 17-36, 2006. Editora UFPR.

PINA, Fabiana. Acordos MEC-Usaid: ações e reações (1966-1968). [Texto integrante

dos anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e

Exclusão.ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. CD-Rom]

CUNHA, Janaína Dias. Cooperação Técnica Brasil-Estados Unidos na Reforma

Universitária de 1968. ANPUH – XXIV Simpósio Nacional de História – São

Leopoldo, 2007.