OS ACORDOS MEC-USAID E SEU IMPACTO NO SISTEMA DE ENSINO ... · Deputados em abril de 1967, no mesmo...
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OS ACORDOS MEC-USAID E SEU IMPACTO NO SISTEMA DE
ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
Lucas Evandro Ferreira Cunha – UFVJM – [email protected];
Dr.ª Thamar Kalil de Campos Alves – UFVJM – [email protected]
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM
O presente trabalho deriva-se da pesquisa realizada pelos autores para
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Lucas Evandro Ferreira Cunha na
graduação no Bacharelado em Humanidades na UFVJM, pesquisa que continua em
andamento na graduação em Licenciatura em Pedagogia na mesma instituição.
A temática tratada diz respeito aos acordos MEC-Usaid (Ministério da Educação
e Cultura – United States Agency for International Development/Agência dos Estados
Unidos para o Desenvolvimento Internacional) tratados e assinados entre 1964 e 1968 e,
o Sistema de Ensino Superior no Brasil. Dentre os vários acordos firmados entre as
agências, iremos nós ater a dois acordos tratados especificamente para o Ensino
Superior, os convênios foram intitulados: Assessoria Para Modernização da
Administração Universitária e Assessoria ao Planejamento do Ensino Superior.
Os acordos MEC-Usaid foram um conjunto de ações pactuadas na década de
1960, convergindo para um programa abrangente, com o intuito de modernizar o
Sistema de Ensino Brasileiro, incluindo as universidades. Planejando um novo Sistema
embasado na experiência norte-americana na área educacional.
Por Sistema de Ensino Superior, entendemos a gama de opções de graduação
bacharelesca, tecnológica e em licenciatura. A graduação em qualquer um dos três
meios é oferecida por diversas instituições, tais como, universidades, faculdades,
centros de formação tecnológicas e outros. As instituições podem ser públicas,
filantrópicas ou privadas e estão sujeitas à análise do Governo Federal através do
Ministério da Educação para que possam atuar.
No corrente ano de 2014, completa-se meio século da tomada do poder pelos
militares no Brasil, tal efeméride ressalta a importância de nosso trabalho, o
cinquentenário do golpe fez com que as mídias, o universo acadêmico e diversos setores
sociais propusessem reflexões sobre o golpe, o Período Militar e a sociedade atual.
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Aproveitamos desse momento histórico para o desenvolvimento dessa pesquisa,
acreditando que a investigação tem relevância social, pois, através de tal podemos
entender melhor o processo que nosso país atravessou por duas décadas e enxergarmos
seus reflexos nos dias de hoje. Pensamos que, possam existir, ainda hoje, reflexos no
meio acadêmico dos acordos MEC-Usaid, portanto, o artigo tem relevância acadêmica
para que possamos analisar um pouco melhor a constituição das instituições que temos
hoje e entender os trâmites de seu processo constituinte no recorte temporal estudado.
Temos, ainda, como objetivo, identificar a presença de diversos segmentos da
sociedade e instituições no processo de reformulação do Ensino Superior que levou à
chamada Reforma Universitária em 1968, decorrente da Lei Nº 5540/68.
Compartilhamos com Dermeval Saviani a respeito das Políticas Educacionais,
como o conjunto de ações e decisões tomadas pelo Estado no que tange à educação. De
tal modo, igualmente entendemos que os acordos firmados entre Brasil e EUA para o
desenvolvimento e aprimoramento (termos utilizados pelos governos nos convênios) da
Educação Superior, assim como as sugestões presentes nos corpos dos acordos e as
medidas tomadas pelo governo brasileiro, se configuram como políticas educacionais.
Como base para nossa reflexão, utilizamos as obras: Beabá dos MEC-Usaid, de Márcio
Moreira Alves, 1968; e As Universidades e o Regime Militar, de Rodrigo Patto Sá
Motta, 2014. Como complemento as duas fontes de base, continuamos o processo de
pesquisa em material bibliográfico, nos valendo de uma gama de artigos publicados
sobre a temática, a saber: revistas, jornais e outros periódicos dos anos de 1960;
documentários sobre fatos relevantes ocorridos no período de nosso recorte e, também,
textos legais do legislativo e executivo que efetivam em leis e decretos as políticas
educacionais no período.
O artigo se organiza em duas partes, onde, iremos num primeiro momento
descrever os acordos tratados e, num segundo momento, descrever alguns reflexos das
políticas adotadas na sociedade e no meio acadêmico.
OS ACORDOS MEC-USAID PARA O ENSINO SUPERIOR
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Antes de nos propormos à caracterizar e descrever os acordos feitos entre o
MEC e a Usaid, é de grande relevância citar que existem divergências com relação aos
acordos em questão, principalmente sobre sua quantidade, mesmo após quase três
décadas do fim do Regime Militar, ainda existem controvérsias e indagações não
respondidas em relação a atos do governo e documentos da época, fato que pode ser
evidenciado pela formação da Comissão Nacional da Verdade1, instituída em maio de
2012 pela Presidenta Dilma Rousseff para investigar violações aos direitos humanos
ocorridas inclusive no período ditatorial e até hoje não esclarecidas. Outro dado que
aponta para a incerteza do número de acordos evidencia-se, a saber, por nossos textos
bases trazerem em Motta, 2014, a existência de sete acordos e em Alves, 1968, nove
acordos; ou ainda, no glossário elaborado pela Faculdade de Educação da Unicamp
onde a definição do verbete ‘MEC-Usiad’ elaborada pelo Dr. Lalo Watanabe Minto, cita
a existência de doze acordos entre junho de 1964 e janeiro de 19682.
A elaboração dos acordos decorria de análises feitas por membros da Usaid e do
MEC, basicamente os membros procuravam criar um diagnóstico sobre o tema que
tratariam, por exemplo: a estrutura administrativa universitária. Após a formulação do
diagnóstico da situação existente, os membros norte-americanos compartilhavam da
experiência de seu país e propunham alterações, projetos e intervenções que pudessem
ajudar no desenvolvimento da área em questão, se baseando na aproximação ao Sistema
existente nos Estados Unidos (EUA). Com metas traçadas, podiam-se caracterizar as
finalidades dos acordos. Os acordos tinham então um diagnóstico e uma finalidade, o
passo seguinte consistia em atribuir responsabilidades às partes envolvidas para que os
objetivos fossem alcançados e, por fim, os acordos dispunham das chamadas
disposições gerais, presentes em qualquer acordo, estatuto lei e similares.
Em sua publicação de 1968, Márcio Moreira Alves traz o corpo documental dos
acordos, contendo os itens e tópicos citados acima, Alves faz análises sobre os acordos
e enriquece a obra citando, inclusive, os valores investidos que estavam disponíveis no
ato da escrita.
1 Comissão criada pela Lei Nº 12.581/2011 para apurar violações dos direitos humanos ocorridas entre
18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. 2 www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_mec-usaid%20.htm Acessado em
setembro de 2014.
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Segundo ALVES, 1968, os acordos MEC-Usaid entregaram o planejamento do
Ensino Brasileiro aos Estados Unidos, nos níveis primário, médio e superior. Isto
ocorrera nos governos de Castello Branco e Costa e Silva. O primeiro acordo fora
assinado em 30 de junho de 1966, mas meses antes já estava pronto, ou pelo menos
sugerido, dessa forma, ao longo do texto de Alves, 1968, são trazidas à tona, datas de
meses e anos anteriores.
O autor nos mostra que dois acordos foram traçados diretamente para o
planejamento das universidades, o que gerou muita revolta na comunidade acadêmica.
Tomaremos a data oficial da assinatura para falarmos aqui do primeiro acordo, isto é,
portanto, 30 de junho de 1966. Ao acordo se deu o título Assessoria Para Modernização
da Administração Universitária, em ALVES, 1968, o acordo/convênio, após o
levantamento da situação atual das instituições de Ensino Superior tidas como oficiais,
prevê que a assistência se daria através de consultorias técnicas de âmbito mais amplo
para as instituições que estejam preparadas para iniciar programas mais específicos de
reforma universitária, além disso, seriam ofertados seminários para que as demais
universidades se despusessem a ingressar na reforma. Haveria também, cursos de curta
duração nos Estados Unidos para treinamento do pessoal brasileiro, visando que esse
pessoal se tornasse mais apto para a avaliação e implementação dos novos moldes
administrativos nas universidades brasileiras. O projeto era pautado em atender, até
1970, no máximo 18 instituições. De 1970 em diante, aquelas com melhor
aproveitamento serviriam de bases para as demais, o convênio falava em 25% das
instituições com mais avanço sendo o molde. Tratava ainda que os 25% de instituições
logo abaixo das primeiras, teria o pessoal mínimo necessário para conduzir sua
reformulação nos anos seguintes e que os outros 50% teriam em universidades vizinhas
o pessoal nutrido de qualificação para instruí-los.
Em ideia, as universidades formariam uma rede, ou teia, para que o modelo
administrativo fosse se alastrando, partindo daquelas que melhor aproveitaram a
experiência americana até chagar àquelas que sequer foram inicialmente comtempladas
pelo convênio. O projeto seria revisto e avaliado antes de 1970, para que os passos
seguintes fossem definidos, assim, o trecho final dos objetivos do acordo presente em
ALVES, 1968 diz: “Antes de 1970 o Projeto será revisto e avaliado, tomando-se então
decisões quanto à natureza e o montante da assistência adicional necessária a completar
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a modernização administrativa de todo o sistema de ensino superior brasileiro.”
(ALVES, 1968, p. 36).
Para o implemento desse acordo, entre outras coisas, a Usaid manteria
consultores no Brasil entre julho de 1966 e setembro de 1968, seriam 20 consultores
trabalhando em regime de curta-duração, onde o período de trabalho não ultrapassaria
18 meses por indivíduo. No texto do convênio, ficava claro que o governo norte-
americano se preocupava em dar destaque ao mesmo, como presente no item A das
Disposições Gerais:
As partes brasileiras do presente convênio envidarão todos os esforços
no sentido de divulgar o andamento e as realizações deste Projeto
através dos jornais, rádio e outros meios de difusão, identificando-o
especificamente como parte da Aliança para o Progresso (Alves, 1968,
p. 38).
Como visto, o projeto, embora previsse ter seus ciclos de trabalho efetivo
encerrados em setembro de 1968, estendia sua existência até 1970, e não falava em quão
necessários seria o tempo de adaptação para as demais universidades, de certa forma,
compreendemos que, sua duração poderia levar ainda alguns anos, visto que a completa
modernização administrativa das universidades demandaria um tempo indeterminado.
Entretanto, no período de vigência do acordo, houve a troca da presidência, o
convênio original se deu no mandato de Castello Branco, porém o Marechal entregou o
poder a seu sucessor – Costa e Silva – aos quinze dias do mês de março do ano
subsequente, tal troca de poder influi diretamente no segundo acordo. Como havia forte
pressão de algumas camadas acadêmicas, de alguns veículos jornalísticos e até mesmo
de pessoas que estavam no setor orçamentário da União contra a presença, ingerência e
gastos da/com a Usaid no governo anterior, o Marechal Costa e Silva determinou que os
convênios fossem reexaminados. O próprio Ministro Tarso Dutra (MEC), declarou que
os acordos seriam revistos em todos os pontos à Comissão de Educação da Câmara dos
Deputados em abril de 1967, no mesmo mês o Jornal do Brasil publicou uma série de
denúncias sobre o funcionamento das Comissões MEC-Usaid e os trâmites dos acordos,
as denúncias tratavam de fatos antes obscuros na gestão Castello Branco. De fato, o mês
seguinte – maio de 1967 -, marcou a assinatura de um novo acordo, ao dia 9 fora
assinado o acordo que reformularia e ampliaria o anterior. O próprio Tarso Dutra, que
declarará não dominar o texto anterior é quem assina o novo documento, como
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representante máximo do MEC. O novo acordo foi intitulado Assessoria ao
Planejamento do Ensino Superior.
Neste novo acordo, o governo, se põe como integrante da Aliança para o
Progresso3, e como tal, ressalta compromissos assumidos na Carta de Punta del Este
4.
O governo, por estas razões, se dispõe a aproveitar as experiências existentes em outros
países para realizar o planejamento de curto e longo prazo do Sistema de Ensino
Superior, o acordo rezava que o aproveitamento de experiências aumentaria a eficiência
de seus métodos de trabalho e programas, a fim de atender presentes e futuras
necessidades do Sistema de Educação. Por fim, para atender a esses objetivos, o Brasil
receberia assessoria da Usaid. No novo convênio, o Brasil se comprometia a indicar
quatro educadores de alto nível para serem membros do Grupo Permanente de
Planejamento em regime de tempo integral, como mostrado anteriormente, esse grupo
demorou a ser formado, enquanto os consultores norte-americanos já estavam em solo
brasileiro desde janeiro – antes mesmo do novo acordo ser firmado -, o grupo brasileiro,
embora inicialmente nomeado em 11 de maio, só seria formado no começo do ano
seguinte, isto pelo fato de os nomeados se exonerarem ou pedirem desvinculação. O
governo deveria ainda, garantir a permanência de bolsistas brasileiros em instituições
americanas e uma série de outras designações para a manutenção e sucesso do acordo.
De todo modo, o acordo não diferia muito do anterior, apenas trazia uma redação
que garantia ao governo um ambiente mais calmo perante os revoltosos, oque é
subentendido em trechos como “aproveitar experiências existentes em outros países”,
trecho mostrado anteriormente, e que em nosso entendimento, refere-se aos países que
constituíam a Aliança para o Progresso, o governo não citara, por exemplo, “experiência
norte-americana”, ou “modelo dos EUA”, algo que soaria pior junto aos opositores.
Como exposto acima, haveria um acompanhamento bilateral do caminhar dos
convênios, quanto a isso, MOTTA, 2014, indica que os sete acordos foram avaliados no
3 Idealizada pelo presidente dos EUA, John F Kennedy, foi um programa de cooperação que visava o
desenvolvimento econômico e social de países da América Latina, também como forma de frear o avanço do comunismo na região. Traçaria políticas de desenvolvimento a serem implementadas e executadas num período de dez anos. 4 A Carta de Punta del Este foi um tratado entre lideranças latino-americanas para integrarem políticas
desenvolvimentistas da Aliança para o Progresso, os representantes dos diversos países envolvidos –incluindo o Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira – se reuniram no Uruguai em agosto de 1961 para assumir o compromisso de integrar a Aliança e adotar suas políticas.
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ano de 1967 por membros da Usaid, que, concluíram que três estavam sendo bem
sucedidos, um acordo estava tendo relativo sucesso e três outros fracassavam ou não
haviam saído do papel, incluindo o mais importante, que o autor define como: “[...] o
principal e mais polêmico acordo, que envolvia o planejamento e a reestruturação das
universidades” (MOTTA, 2014, p. 131). O acordo, citado como principal, envolvia a
reformulação geral das universidades, ainda de acordo com Motta, era o mais visível, e
por isso o mais criticado pelos opositores à presença norte-americana.
Em maio de 1966 a Usaid contratou junto ao Consórcio de Universidades do
Meio-Oeste (Midwest Universities Consortium for International Activities – Mucia),
quatro consultores, que chegaram ao Brasil em janeiro de 1967, porém o governo
brasileiro não havia montado sua equipe de consultores, o Conselho Federal de
Educação (CFE) vinha indicando nomes para a composição da equipe de consultores,
mas o MEC não conseguia efetivar as contratações e de tal modo o governo brasileiro
cozinhava em banho-maria a Usaid, principalmente após o Executivo ser assumido pelo
Marechal Costa e Silva, que demonstrava preocupação com algumas manifestações e
posicionamentos que vinham ocorrendo na gestão Castello Branco contra a influência
norte-americana no Brasil e na educação brasileira. Preocupado com a evocação do
espirito nacionalista feita pelos críticos, Costa e Silva demorou quase dez meses para
montar a equipe, isso deixou os consultores estadunidenses duvidosos quanto à vontade
do novo governo em manter os projetos e estreitar os laços. Daí a elaboração do
relatório por parte da Usaid (através dos quatro consultores) acerca dos acordos, acima
extraído da obra do Professor Motta. O citado, principal acordo, seria engavetado em
1968.
Entretanto, o próprio professor Motta traz em sua já citada obra que o processo
de reorganização administrativa e modernização das universidades, conduzido pelo
Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), fora bem avaliado pelos
consultores norte-americanos: [...] enquanto os acordos bem-sucedidos envolviam a
assistência ao planejamento da educação secundária, o projeto da reforma
administrativa e modernização das universidades (conduzido pelo Crub) e a publicação
de livros técnicos. (MOTTA, 2014, p. 131).
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O IMPACTO DOS ACORDOS JUNTO À COMUNIDADE ACADÊMICA E
SOCIEDADE EM GERAL
No material bibliográfico levantado, colhemos registros de protestos,
publicações e posicionamentos de lideranças ocorridas na época, o trecho a seguir
contempla mais que os acordos, diz respeito ao cenário que já se desencadeava desde
antes deles serem de fato assinados.
Em nossa pesquisa, notamos que havia um consenso entre intelectuais, aparelhos
midiáticos e aliados norte-americanos, que o MEC do princípio dos anos 1960, já não
era o mesmo dos anos 1930. O ministério que outrora fora ponta-de-lança no Brasil,
inovador e dinâmico após sua criação por Getúlio Vargas, parecia não ser capaz de
realizar as mudanças que surgiam naquele momento. Sua aparelhagem, principalmente
humana sofria duras críticas, principalmente das organizações estudantis. O primeiro
governo da Era Militar não solucionou o problema, Ministros se sucediam – cinco em
três anos – e pareciam estar mais preocupados em domar os estudantes, principalmente
os de esquerda, do que promover alguma reformulação. Os EUA viam com maus-olhos
esse funcionamento, isso nos parece claro após a leitura do capítulo anterior, onde
percebemos que os membros da Usaid ficavam em compasso de espera por realizações
de membros do MEC na formulação de estudos para os acordos e dos acordos.
No verbete MEC-Usaid, anteriormente citado, encontrado no site da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas, o professor Minto cita que os
acordos não significaram mudanças diretas na política educacional, porém tiveram
decisiva e influente relevância para a reforma da educação brasileira, sendo importantes
para a formação de comissões e estudos que levaram às Leis 5540/68 e 5692/71, leis
estas que reformularam a educação nacional, a primeira tangenciando o Ensino Superior
e a segunda o Ensino Básico.
Um dia antes da promulgação da Lei Nº 5540/68, a Revista Veja trouxe uma
reportagem onde o então Ministro Tarso Dutra era definido como “O Mal-Amado” em
trocadilho à obra O Bem-Amado de Dias Gomes. Na reportagem é mostrada a
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insatisfação de diversos estudantes com as políticas adotadas pelo Ministro. A essa
altura acordos MEC-Usaid já haviam saído do papel, gerado relatórios, projetos novos,
e a Reforma Universitária.
Nos anos de 1967-68, os protestos explodiam nas ruas, na verdade, desde 1966
os estudantes já punham nas pautas de suas manifestações ataques à “invasão
imperialista na Educação”, cujo alvo principal das críticas era o Relatório Atcon5. Em
1967 o tema principal das manifestações tornou-se os acordos MEC-Usaid. Os
estudantes queimavam bandeiras norte-americanas em todos os cantos do país onde
estivessem reunidos para se manifestar, dessa forma, mostravam sua insatisfação com a
presença dos EUA no Sistema de Ensino. Da parte desses estudantes, o sentimento
antiamericano ficara ainda maior em virtude da Guerra do Vietnã6, tema que atraía a
atenção mundial.
A UNE, que em 1967, estava atuando clandestinamente, convocou para 2 de
junho uma jornada de lutas contra os acordos MEC-Usaid, milhares de estudantes foram
às ruas na data marcada e aproveitaram para pleitear diversas demandas, sendo a
questão das vagas para os excedentes a principal delas. O governo até tentou medidas
paliativas para acalmar os ânimos, como um decreto para que as universidades
permitissem o ingresso dos excedentes, entretanto, as universidades não tinham
condições físicas e orçamentárias para cumprir o decreto.
No ano de 1968, a pauta antiamericana ficou em segundo plano, a revolta maior
era contra a repressão instalada no Sistema de Ensino, por isso, várias invasões à
reitorias ocorreram como forma de protestar e chamar a atenção, uma das mais famosas
foi a invasão à Reitoria da USP em junho de 1968. O Regime Militar retomava os
prédios de maneira violenta, através das forças armadas, utilizava-se do discurso de
procurar foragidos e caçar lideranças subversivas para usar a força. Casos de morte nos
confrontos foram registrados, como na UnB em 29 de agosto de 1968, ou em São Paulo,
5 Relatório publicado pelo MEC em 1966, continha um diagnóstico do Sistema de Ensino Superior
Brasileiro e uma série de sugestões visando sua melhoria. Foi elaborado por Rudolph Atcon, especialista no Sistema de Ensino Norte-americano, que havia sido contrato pelo MEC para elaborar um estudo sobre o Sistema Brasileiro. 6 Conflito armado ocorrido no sudeste asiático no contexto da Guerra Fria entre 1959 e 1975. Os EUA
interviram diretamente na Guerra a partir de 1964, enviando soldados e forte armamento de guerra.
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no que ficou conhecido como “Batalha da Maria Antônia”7 em outubro do mesmo ano.
Nesta última, o confronto original se deu entre estudantes pró e contra o Regime e a
ação militar foi violenta. Outro evento organizado pelo movimento estudantil fora a
Passeata dos 100 mil8 no Rio de Janeiro, no dia 28 de junho. Na passeata, milhares de
estudantes tomaram as ruas cariocas gritando por Reforma, fim da repressão,
diminuição e encerramento das atividades estadunidenses entre outras pautas. Decerto
temos que a Reforma Universitária era o grande brado dos estudantes. O
posicionamento, mesmo dos oposicionistas às medidas que estavam sendo tomadas, era
por uma reforma, porém menos inspirada em moldes norte-americanos, os quais
acreditavam ser privatistas e tecnicistas demais. Nem tudo, porém, era considerado
ruim, pois muitas das bandeiras levantadas pela UNE no pré-1964 estavam presentes
nas propostas governamentais, os estudantes apoiavam o fomento à pesquisa, o fim das
cátedras, a reestruturação da carreira docente e outros tópicos.
Nos atendo à relação Brasil/EUA/Educação, nossas pesquisas revelaram que
desde os anos 1920, através da Fundação Rockefeller, estadunidenses já estabeleciam
parcerias com nosso Sistema de Ensino Superior.
O governo norte-americano também fomentara parcerias, através da Usaid e
agências anteriores, em diversas áreas, principalmente na área das Ciências Agrárias. Na
antiga UREMG, por exemplo, mais de uma dezena de professores americanos
lecionaram nos anos de 1960 antes mesmo do Golpe Militar, além de discentes que
recebiam a oportunidade de fazer pós-graduação nos EUA, a parceria na UREMG
rendeu dois cursos de mestrado, sendo que em 1962, na instituição em questão, houve a
primeira defesa de dissertação no Brasil.
O que diferia os acordos MEC-Usaid e inflamara a revolta estudantil, fora o fato
de agora haver ligação direta entre os governos, não mais a atuação isolada em projetos,
ou a atuação de fundações, ou até mesmo o cunho filantrópico outrora existente. A
presença direta dos norte-americana fazia com que todos os fatores políticos fossem
7 Confronto entre estudantes ocorrido em São Paulo na Rua Maria Antônia, de um lado estavam
estudantes de Filosofia da USP que defendiam interesses da UNE e eram contrários ao Regime Militar, do outro estavam estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie que eram ligados ao Comando de Caça aos Comunistas. O icônico conflito já foi retratado em filme: Rua Maria Antônia – A Incrível Batalha dos Estudantes. 8 O evento que reuniu milhares de estudantes tinha pautas antiamericanas e protestava contra recentes
mortes de estudantes, acusando o Governo Militar de ser o responsável por tais.
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considerados na elaboração de projetos, no período anterior à Ditadura Militar, o
Governo João Goulart havia edificado parcerias de cunho científico e de intercâmbio
para estudantes e universidades com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), maior inimigo político dos EUA à época. De tal modo, o implemento de
projetos dentro das universidades por parte dos estadunidenses, dependia agora de as
mesmas terem alinhamento político com o bloco liderado pelo país, isto é: ter ideologia
ligada ao capitalismo e à democracia, os críticos chamavam de visão imperialista.
Todavia, embora o governo norte-americano se preocupasse em conter o avanço
comunista, se preocupava também em aparar excessos no combate aos comunistas, pois,
sabia que excessos poderiam inflamar ainda mais a revolta dos estudantes e diversos
setores da sociedade, além de dar argumentos aos críticos. Um fato ocorrido no período
e que mostra a preocupação dos EUA com os excessos, se mostra na classificação que o
governo estadunidense tinha em definir e acompanhar pessoas ligadas à esquerda como
mais ou menos “ameaçadoras” ao regime, isto é: rotular se alguém oferecia riscos,
alguns era definidos como pessoas de esquerda, mas que não ofereciam riscos ao país,
ou não eram de fato comunistas, apesar do alinhamento ideológico e filosófico com a
esquerda. Exemplo disso é a sugestão dos EUA para que o Brasil chamassem de volta
ao país professores que haviam deixado o Brasil por serem de esquerda, esse retorno de
importantes professores era tido como fundamental para o desenvolvimento técnico-
científico da nação. O episódio ficou conhecido como: Operação Retorno.
No Congresso, também existia a linha que se posicionava contra os acordos, na
maioria jovens deputados do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com destaque
ao Deputado Márcio Moreira Alves, autor do Beabá dos MEC-Usaid (1968), figura que
seria o pivô de um dos maiores atentados à democracia na história do Brasil, sua
rebeldia fez com que o Marechal Costa e Silva pedisse a suspensão de sua imunidade
em 1968, porém a recusa do Congresso em acatar a ordem levou à divulgação do AI-5
(Ato Institucional número 5)e a perda do poder do Legislativo.
A promulgação do AI-5 acabara sendo influente para que os EUA se afastassem
do Brasil, pois sua finalidade rompia com os ideias democráticos pregados pelos norte-
americanos.
Dentro do setor midiático, não havia consenso acerca das políticas educacionais
alinhadas às estadunidenses, em nossa pesquisa percebemos que os dois jornais
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paulistas mais influentes da época, assim como os dois veículos cariocas igualmente
mais influentes divergiam em relação à questão. O paulista Folha de São Paulo e o
carioca Correio da Manhã, traziam corriqueiramente em seus editorais,
posicionamentos contrários às políticas de aliança educacional entre Brasil e EUA, de
outro lado, o paulista Estadão e o carioca O Globo se mostravam favoráveis à tais
políticas em seus editoriais, vale ressaltar que o expresso nos editorias dos jornais não
reflete a posição de todos os membros do jornal em si, mas o posicionamento dos
donatários, mandatários e principais diretores dos veículos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer de nossa pesquisa nos tem surgido uma série de inquietações,
estamos buscando encontrar resquícios das políticas adotadas em decorrência dos MEC-
Usaid no atual Sistema de Ensino Superior Brasileiros, buscamos ainda notar quais
foram as mudanças de fato ocorridas ou alcançadas na Educação após as assinaturas dos
convênios. De tal modo, nos surgem algumas dúvidas:
Como ocorreu o processo de organização da estrutura administrativa nas
reitorias e extinção das cátedras? Ao mesmo tempo, o poder decisório foi
descentralizado com o fim das cátedras?
O modelo de departamentos independentes e ao mesmo tempo interligados está
próximo do proposto ou idealizado, e ainda, é benéfico?
O foco em desenvolvimento científico e fomento à pesquisa trouxe resultados
relevantes? Precisa ser melhorado? Foi realmente implantado como o proposto e
imaginado?
Quais os avanços podemos encontrar na carreira docente? O processo de
reestruturação foi frutífero? O que há de positivo e negativo nos dias atuais se
compararmos ao cenário dos anos de 1960? O que pode haver de influência dos MEC-
Usaid neste processo?
Qual o perpassar da existência e amplitude dos projetos de extensão junto à
comunidade após os MEC-Usaid?
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Estas inquietações surgem, pois, os acordos para o Ensino Superior previam
todas as mudanças acima citadas.
E, por fim, como se modificaram e se encontram atualmente as universidades em
relação as estruturas da década de 1960 e em relação às proposições dos MEC-Usaid?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÁSICAS
ALVES, Márcio Moreira. Beabá dos MEC-Usaid. Rio de Janeiro: Gemasa, 1968.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As Universidades e o Regime Militar. Rio de Janeiro:
Zahar, 2014.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMPLEMENTARES
SANTOS, Éder Fernando dos. O Ensino Superior no Brasil e os “Acordos
MEC/Usaid”: o intervencionismo norte-americano na educação brasileira. Maringá:
[s.n.], 2005. [Dissertação – Universidade Estadual de Maringá – CD-Rom]
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. A Universidade no Brasil: das origens à
Reforma Universitária de 1968. Educar, Curitiba, n. 28, p. 17-36, 2006. Editora UFPR.
PINA, Fabiana. Acordos MEC-Usaid: ações e reações (1966-1968). [Texto integrante
dos anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e
Exclusão.ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. CD-Rom]
CUNHA, Janaína Dias. Cooperação Técnica Brasil-Estados Unidos na Reforma
Universitária de 1968. ANPUH – XXIV Simpósio Nacional de História – São
Leopoldo, 2007.