Orixás, indivíduos e organizações* -...

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RAP Rio de Janeiro 34(3):7-33, Maio/Jun. 2000 Orixás, indivíduos e organizações* Sylvia Constant Vergara** Hélio Arthur Reis Irigaray*** S UMÁRIO : 1. Introdução; 2. A metáfora em si; 3. As castas e suas frontei- ras: a linguagem; 4. Os rituais e os artefatos visíveis; 5. O enredo: a inte- ração dos orixás; 6. A divina comédia: a aura das organizações produtivas; 7. Para concluir. P ALAVRAS-CHAVE : organizações produtivas; orixá; ilê; simbolismo, metá- fora. Este artigo, o último de uma série de dois, focaliza o ambiente de trabalho e o inter-relacionamento dos personagens existentes nas organizações produ- tivas. Mais uma vez, lança-se mão de metáforas e da transposição de valores inerente à cultura afro-brasileira. African gods, individuals and organizations This paper, the last of a series of two, focuses on work environment and the relationship between the different characters found in productive organiza- tions. Once again, metaphors and the transposition of values inherent to the Afro-Brazilian culture are used in the analysis. 1. Introdução Este é o último artigo de uma série de dois. No primeiro, intitulado “Os ori- xás da administração” e publicado no último número da RAP (v. 34, n. 2, mar./abr. 2000), foram revisitados a cultura original africana e o processo histórico da aculturação dos negros no Brasil, os quais emprestaram seus mi- tos como símbolos para a análise metafórica das organizações produtivas. Os orixás adjetivaram os papéis exercidos pelos indivíduos nas organizações pro- * Este artigo, recebido em mar. e aceito em maio 2000, encerra a série iniciada na última RAP (v. 34, n. 2, p. 7-24), com o artigo “Os orixás da administração”. ** Doutora em educação pela UFRJ, mestre em administração pela EBAP/FGV, pedagoga pela Uerj e professora da EBAP/FGV. *** Mestre em administração de empresas pela PUC-Rio, bacharel em economia pela University of Northern Iowa e professor da PUC-Rio.

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RAP R io de Ja ne ir o 34(3):7 -33, Mai o / Jun. 2000

Orixás, indivíduos e organizações*

Sylvia Constant Vergara**Hélio Arthur Reis Irigaray***

S U M ÁR I O : 1. Introdução; 2. A metáfora em si; 3. As castas e suas frontei-ras: a linguagem; 4. Os rituais e os artefatos visíveis; 5. O enredo: a inte-ração dos orixás; 6. A divina comédia: a aura das organizações produtivas;7. Para concluir.

PA L AV R AS - C H AV E : organizações produtivas; orixá; ilê; simbolismo, metá-fora.

Este artigo, o último de uma série de dois, focaliza o ambiente de trabalho eo inter-relacionamento dos personagens existentes nas organizações produ-tivas. Mais uma vez, lança-se mão de metáforas e da transposição de valoresinerente à cultura afro-brasileira.

African gods, individuals and organizations

This paper, the last of a series of two, focuses on work environment and therelationship between the different characters found in productive organiza-tions. Once again, metaphors and the transposition of values inherent to theAfro-Brazilian culture are used in the analysis.

1. Introdução

Este é o último artigo de uma série de dois. No primeiro, intitulado “Os ori-xás da administração” e publicado no último número da RAP (v. 34, n. 2,mar./abr. 2000), foram revisitados a cultura original africana e o processohistórico da aculturação dos negros no Brasil, os quais emprestaram seus mi-tos como símbolos para a análise metafórica das organizações produtivas. Osorixás adjetivaram os papéis exercidos pelos indivíduos nas organizações pro-

* Este artigo, recebido em mar. e aceito em maio 2000, encerra a série iniciada na última RAP(v. 34, n. 2, p. 7-24), com o artigo “Os orixás da administração”.** Doutora em educação pela UFRJ, mestre em administração pela EBAP/FGV, pedagoga pelaUerj e professora da EBAP/FGV.*** Mestre em administração de empresas pela PUC-Rio, bacharel em economia pela Universityof Northern Iowa e professor da PUC-Rio.

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dutivas: geradores de idéias (profetas), instrumentalizadores (professores) eoperacionalizadores (pizzaiolos).

Neste segundo artigo, estes personagens estarão interagindo no palco-empresa, revelando toda a trama e enredo da existência humana durante seuprocesso de interação. Serão aprofundadas as analogias entre a cultura afro-brasileira e as estruturas e personagens existentes numa organização produti-va. Tal se dará por meio de um sistema teórico, alma do pensamento poppe-riano, que será formulado em termos de uma proposição analítica, a qualreduz-se a uma simples tautologia, isto é, não pode ser negada nem confirma-da, uma vez que tem uma função puramente operatória, de ligação entre pro-posições sintéticas, por exemplo. A gama dos objetivos da teorização varia dasimples explicação de fatos até a modelagem que fornece um quadro heurísticoà pesquisa.

O artigo está estruturado em seis seções, além desta introdução. Na se-ção 2 é apresentada a metáfora e seus dois universos: o simbolizado e o sim-bolizador. Na seção 3 argumenta-se sobre a linguagem como instrumento deexercício do poder, delineando as castas e suas fronteiras. A seção 4 discorresobre os rituais e os artefatos visíveis, os quais dizem quem é quem nas orga-nizações. A seção 5 apresenta a interação dos orixás. Na seção 6, tomando-sepor base os orixás, é apresentada uma classificação das organizações. A últi-ma apresenta as conclusões permitidas pelo estudo.

2. A metáfora em si

Com o objetivo de apreender as organizações produtivas por meio da correla-ção buscada com a cultura africana, foram traçados dois universos: o simboli-zado e o simbolizador.

Os iorubas, tribo que privilegiamos para o estudo, apesar de terem atin-gido alto nível de desenvolvimento tecnológico, mantiveram uma similarida-de à maioria das tribos primitivas: o fato de conhecerem um ente supremo(Ur-Gott) que não desempenha quase nenhum papel na vida religiosa.

Os mitos sobre este ser criador são bastante simples, pois reduzem-se àcrença de que, apesar de ter criado o mundo e os homens, retirou-se para océu. Em algumas ocasiões este deus sequer chegou a concluir o gênesis, e seu“filho” ou representante acabou por ser incumbido de tal tarefa, ou seja, o cria-dor seria um deus otiosus. Sob certos aspectos, pode-se dizer que o deus otiosusna concepção de Henninger (1958) é o exemplo orginal da “morte de Deus”tão proclamada por Nietzsche (1990), pois um deus-criador que se afasta doculto acaba por ser esquecido.

Esse esquecimento de Deus, assim como sua transcendência absoluta,constitui uma expressão plástica de sua inatualidade religiosa ou, o que vema dar no mesmo, de sua morte. O desaparecimento do ente supremo não se

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traduziu num empobrecimento da vida religiosa; pelo contrário, pode-se di-zer que as verdadeiras religiões surgem após o seu desaparecimento. Os mi-tos mais ricos e mais dramáticos, os rituais mais extravagantes, os deuses edeusas de todas as espécies, os ancestrais, as máscaras, as sociedades secre-tas, os templos, os sacerdotes, tudo isso encontra-se nas culturas que ultra-passaram o estágio da colheita e da caça miúda, e nas quais o ser supremoestá esquecido, ausente, ou amalgamado a outras figuras divinas, a ponto denão ser mais reconhecível.

No sincretismo afro-brasileiro, o Deus supremo, criador, causa primá-ria de todas as coisas, é Olorum. Ele criou os orixás e, conseqüentemente, omundo. Se tomarmos o ambiente empresarial, constataremos que as empre-sas, como as concebemos atualmente, começaram a tomar forma a partir dofinal do século XVIII, ou seja, com a ascensão da burguesia ao poder político ea consolidação do capitalismo como sistema econômico predominante. As-sim, este modo de produção torna-se condição sine qua non para a existênciadas organizações, pois mesmo em países cujo modelo econômico é de orienta-ção comunista (Cuba, China e Coréia do Norte), a estrutura organizacionalsegue o modelo ocidental.

Assim como Olorum é a base para o desenvolvimento do universo, osistema econômico, o modo de produção é a infra-estrutura determinante dosistema político, da superestrutura social e jurídica e das instituições em si.Na sociedade em questão (a brasileira), Olorum é o capitalismo, o deus otiosusque, apesar de muitas vezes ignorado como mola propulsora, faz-se presentepor meio de mitos, rituais, máscaras, sociedades secretas e anônimas, tem-plos e sacerdotes. Assim como Olorum não se manifesta diretamente aosseres humanos, pois para fazê-lo utiliza-se de intermediários (orixás), o capi-talismo é um conceito abstrato que só se torna apreensível quando refletidonos elementos da superestrutura.

Olorum se manifesta por meio de orixás que são extremamente diferen-tes entre si; eles guardam suas peculiaridades. Apesar da diferenciação, sãomanifestação única do mesmo Ur-Gott. Da mesma forma, o capitalismo se re-velará no regime político com seus jogos eleitorais e legislativos, na esfera ju-rídica, nas instituições e, obviamente, nas empresas, que são as organizaçõesresponsáveis pela geração da riqueza que garantirá a reprodução e a perpe-tuação do modelo econômico. Se a relação capitalismo/empresas fosse umafigura de linguagem, certamente seria a metonímia, em face da impossibilida-de de distinguirmos um do outro sem perder o foco do objeto em estudo.

No primeiro artigo desta série foi feita a analogia da empresa (essên-cia) com os orixás, seres que habitam a esfera espiritual. Neste segundo arti-go, a referência é à organização como estrutura física, o local onde o ritual detrabalho se processa, bem como ao ambiente reinante neste local, o qual écondicionado e condicionador das relações entre os indivíduos que compõemeste ilê. Nas religiões afro-brasileiras, o ilê é a casa onde o culto é desenvolvi-

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do e os cultos se processam. Tanto o ilê quanto o prédio da organização sãoobjetos concretos; contudo, ambos possuem também uma psicosfera, a auradessas organizações. Pode haver dois ilês/empresas com estruturas físicasidênticas, mas certamente o ambiente interno será diferente, pois os gruposde indivíduos ali reunidos são distintos.

Dentro de um ilê a autoridade máxima é o pai-de-santo (babalorixá) oua mãe-de-santo (ialorixá), pois eles são os que detêm maior nível de conheci-mento dos rituais e maior proximidade com as entidades superiores (orixás),sendo os representantes oficiais destes últimos. Como os orixás foram aquitranscodificados, nada mais lógico que associar os babalorixás aos donos ouaos diretores das organizações, pois a estes cabe o poder de decisão sobre osrumos e processos a serem adotados. Não obstante, para que uma pessoa setorne pai/mãe-de-santo é necessário que ela cumpra uma série de etapas quenão podem ser burladas, ou então que nasça predestinada a ocupar esta fun-ção. No primeiro caso, o babalorixá pode ser comparado àquele executivo quegalgou posições na estrutura da empresa até se tornar um diretor (self-mademan). Na segunda alternativa, na qual o poder é atribuído por um dom natoda pessoa, a transposição é feita para o “poder hereditário”, muito comumnas empresas familiares e até mesmo em empresas públicas e privadas, pormeio da prática do nepotismo.

No nível hierárquico inferior está a autoridade intermediária, que temincorporada em suas atitudes toda a cultura empresarial, os valores e visõesda casta dominante. Assim como nas empresas, os diretores e donos delegamum poder limitado para que seja exercido o controle, não só das atividades,mas principalmente dos indivíduos “subalternos”. Nos terreiros acontece algosimilar. Impossibilitados de supervisionar todos os preparativos necessáriospara o culto (compra de alimentos, matança de animais, preparação dos pra-tos, assistência e orientação aos filhos-de-santo, às iaôs e aos assistentes), ospais-de-santo atribuem parte da responsabilidade do terreiro a um assistenteque se chama pai-pequeno ou mãe-pequena (iaquequerê). A essência do po-der destes indivíduos reside na representatividade do “poder maior”, ou seja,no fato de falarem em nome do dono, do diretor, do babalorixá ou da ialorixá.

Diferentemente dos gerentes/iaquequerês, que possuem o poder de-cisório na parte prática do processo de produção, o “como fazer”, há umaoutra categoria de funcionários cuja responsabilidade é manter o ritmo daprodução em um nível satisfatório. Nas empresas, são os supervisores da li-nha de frente, ou de qualquer área operacional, cuja função é manter o ge-rente e, conseqüentemente, os diretores satisfeitos. Sãos os ogãs. Se tambémhá o aspecto de representatividade do poder maior, a função real desta cate-goria numa empresa é servir de incentivo aos funcionários comuns, as iaôs.Dizer-lhes: “aja de acordo com as normas vigentes e você será recompensa-

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do, não sendo mais apenas um qualquer”. Esta figura incentiva que um funcio-nário fiscalize o trabalho do outro, alimentando a competição, quebrando umeventual pensamento corporativo da grande massa trabalhadora, pois promo-ve a miragem de que a fidelidade ao “superior” será recompensada por umapromoção.

Nos terreiros, o ogã é o responsável pela música, pelo toque dos ataba-ques. Cabe esclarecer que a música é que determina o ritmo da cerimônia eque cada orixá tem o seu “toque” particular. Contudo, não podemos afirmarque o ogã exerça a mesma função de sedução sobre os outros filhos-de-santo,como os supervisores nas organizações produtivas. Mas ambos, por serem figu-ras de destaque e de importância, geram um certo grau de ciúme entre osdemais.

Num ilê, uma minoria de seus componentes detém algum grau de po-der significativo. À grande maioria cabe apenas seguir as diretrizes traçadas,no ritmo determinado. O mesmo ocorre nas empresas: por este motivo, foiefetuada a analogia entre os filhos-de-santo e os funcionários. Ambos desem-penham um papel aparentemente menos significante, mas sem o qual o ilê/empresa não existiria. Nestes dois grupos podemos observar indivíduos comsede de poder e ambição, e com determinação suficiente para procurar umaaliança com o poder e as regras vigentes para ascender na organização. Apa-rentemente, os filhos-de-santo estariam no patamar mais baixo da organiza-ção; contudo, eles já possuem vínculo com o ilê, assim como os funcionários otêm com as empresas.

No terreiro há, também, os abiãs, aqueles indivíduos que ainda não fo-ram iniciados nos mistérios do ritual. A estes ainda não foi legada qualquer mi-galha de informação, para que esta fosse transformada em conhecimento. Omesmo ocorre nas empresas, onde há a figura dos estagiários ou dos trainees oudaqueles que ainda estão em processo de contratação ou período de experiên-cia. Estes indivíduos são invisíveis para a estrutura e o corpus organizacional,pois são considerados dispensáveis por ainda não pertencerem integralmenteao quadro funcional.

Existe dentro dos ilês uma figura responsável por atender a toda e qual-quer necessidade do orixá, ou seja, de quando este esteja incorporado no fi-lho ou até mesmo no pai-de-santo. É ao cambono que cabe ajudar a vestir oorixá e providenciar comida e bebida quando se faça necessário. Apesar de ocambono ser uma figura necessária e prestativa dentro do candomblé, porconta de suas atribuições e tarefas ele foi associado aos bajuladores de indiví-duos que detenham qualquer nível de poder.

Com o objetivo de apresentar resumidamente as analogias feitas nestaseção, o quadro 1 relaciona os elementos inerentes à cultura africana e seupar na nossa sociedade.

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3. As castas e suas fronteiras: a linguagem

Quando observamos diversas castas em todos os níveis de qualquer organiza-ção — empresarial, educacional, religiosa — podemos nos questionar sobre oque as delimita, o que as identifica, o que as mantém interagentes e conflitan-tes. A primeira tentação é atribuirmos o fato mera e simplesmente ao poderem si, deixando de analisar um dos instrumentos mais valiosos do exercíciodo poder: a linguagem.

Existe uma linguagem toda peculiar e particular de cada casta, ou seja,o que Wittgenstein (1971) chamou de “linguagem fisicalista”. Cada mem-bro de um segmento da organização (diretor/gerente/supervisor/funcionário)pode reconhecer seu par por meio das linguagens verbal e não-verbal utili-zadas.

A linguagem verbal obviamente diz respeito a termos, tópicos e expres-sões típicas de um grupo: seu dialeto. Já a não-verbal abrange um espectromuito mais amplo, que inclui o vestuário, o gestual, objetos em comum. Es-tes elementos corporativistas possibilitam a análise de cada indivíduo dentroda empresa. Pode-se perceber, por exemplo, um funcionário absorvendo o“dialeto” dos supervisores como forma de enviar a mensagem segundo a qualestá disposto a tudo para ser promovido e passar a pertencer àquela casta.

A linguagem fisicalista viabiliza também o isolamento de uma casta, ouseja, é uma forma de impedir que alguém de uma casta inferior tente pene-

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Analogia entre elementos organizacionaise os da cultura africana

Elementos organizacionais(simbolizado)

Cultura africana(simbolizador)

Capitalismo Olorum

Essência da empresa Orixás

Empresa Ilê

Donos/diretores Babalorixá/ialorixá

Gerentes Iaquequerê

Supervisores Ogãs

Funcionários Iaôs

Estagiários /trainees Abiãs

Bajuladores Cambonos

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trar num grupo a que não pertence. Não é muito raro observarmos nas em-presas diretores almoçando com diretores, gerentes com gerentes, e assim pordiante. Por outro lado, a linguagem própria de cada grupo gera um certomedo e insegurança nas castas superiores, pois, dialeticamente, há a impossi-bilidade de se entender o que os “subalternos” estão “falando”. Desta forma,excluindo a função comunicativa de elo com o mundo e meio de identifica-ção, a linguagem desempenha o papel fundamental de agente delimitador erestringente do processo de estratificação social. Por outro lado, como umamelodia que alcança diversos tons, as vidas de todos os seres humanos tam-bém passam por diversas fases e cada mudança é caracterizada por um ritual.

4. Os rituais e os artefatos visíveis

Numa casa-de-santo há diversos rituais, cerimônias e objetos que permitemdistinguir as posições dos indivíduos naquela estrutura, bem como a fase pelaqual eles estão passando. Um processo similar ocorre também dentro das or-ganizações. Cada fase da vida funcional de um indivíduo — recrutamento, se-leção, treinamento, promoção e desligamento da empresa — é tambémmarcada por rituais, que às vezes passam despercebidos mas, certamente, fi-cam registrados no subconsciente de cada um.

Para que um abiã se torne filho-de-santo é necessário que “raspe a ca-beça”, cumprindo uma série de preceitos. Valendo da analogia feita anterior-mente, o que faz com que um estagiário ou um trainee torne-se umfuncionário pleno? O que significa “raspar a cabeça” dentro de uma empre-sa? Para que seja considerado membro efetivo de uma organização, um indi-víduo deve passar por todo o processo de recrutamento e seleção, até quetenha sua carteira de trabalho assinada e receba as “guias” (o cartão funcio-nal). Esta “raspagem de cabeça” facilita ao antigo trainee/abiã acesso a infor-mações sobre a cultura empresarial que antes lhe eram negadas ou omitidas.

A grande vantagem deste ingresso formal na organização é o apoio psi-cológico que isto propicia, a sensação de pertencer a um grupo, de ter simila-res, o que incentiva o funcionário a desempenhar seu papel da melhor formapossível para que sua aceitação e permanência dentro do grupo sejam garan-tidas. Portanto, pertencer a uma organização significa também lidar com umgrau de ansiedade em satisfazer-lhe todas as expectativas.

Após ser aceito num ilê, o próximo passo é “assentar os orixás”, o quesignifica ter um lugar para guardar seus fundamentos, os quais são compos-tos de instrumentos, potes de comida e água. Apesar de terem um significadoespiritual, os fundamentos de um orixá são compostos de objetos físicos. Navida dentro de uma organização isto significa ter um espaço físico para ocu-par dentro da empresa. O que, aparentemente, pode parecer uma mesa comum terminal de computador, para seu ocupante significa uma parte conside-

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rável de sua vida, seus sonhos e projetos: uma essência espiritual que não éapreendida pelos objetos físicos. Dentro do candomblé, a forma de se reco-nhecer o orixá de cabeça de uma pessoa ou o espaço hierárquico que ela ocu-pa dentro do ilê são as guias que usa no pescoço e suas vestimentas. O mesmoprocedimento é viável numa empresa, pois, para identificar o cargo que umindivíduo ocupa, podemos observar sua carteira funcional, crachá ou, emcaso de funções mais operacionais, o uniforme usado. O que aparentemente éde pouca importância para uns, para outros é símbolo de status e promoção.Por exemplo: deixar de bater ponto, não precisar mais utilizar uniforme, ouutilizar um pequeno broche que representa recompensa por um trabalhobem-feito ou reconhecimento por anos de trabalho.

Quando um membro do terreiro morre, é feito o “axexê”, ou seja, to-dos os seus bens físicos são despachados ou destruídos. Analogamente, nasempresas, quando um empregado é demitido ou falece, seus vínculos mate-riais com a empresa são cortados, para que seu espaço físico seja prontamen-te ocupado por um substituto.

Um dos rituais do candomblé preconiza que o filho, ou até mesmo amãe-de-santo, “vire no santo”, isto é, incorpore o orixá. Na analogia previa-mente estabelecida, valendo-se da metonímia, tropo que consiste em desig-nar um objeto por palavra que tem com o primeiro uma relação da parte como todo, os orixás eram as próprias empresas; desta forma, um filho-de-santoincorporar um orixá equivale a um funcionário absorver tão profundamenteos conceitos da organização para a qual presta serviços que acaba por perderseu senso de identidade. Quando isto acontece, este indivíduo, praticamente,só pode deparar-se com dois destinos possíveis: ou metamorfosear-se numabarata e ser morto (Kafka) ou substantivar-se e tornar-se um arquivo (VitorGiudice).

Os rituais e artefatos descritos nesta seção viabilizam a apresentação dapróxima: o processo de interação dos personagens no palco organizacional.

5. O enredo: a interação dos orixás

Um dos fatores de mensuração da realização pessoal de um indivíduo é o pra-zer que este sente nas organização em que trabalha e na interação entre oscolegas de trabalho, que pode ser prevista, uma vez que os orixás formam umsistema de signos fechados.

O bom entrosamento entre os parceiros de trabalho é um facilitadorpara o sucesso de um projeto, uma vez que o tempo gasto na comunicação deidéias é menor e a chance de entropia é reduzida. No sentido de se analisarcomo os diversos tipos de profetas, professores e pizzaiolos interagem serão,aqui, delineados seu perfis psicológicos, como ilustra o quadro 2.

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W Profeta-iemanjá/professor-nanã — Agravando o fato de disputarem o amordo mesmo homem (Oxalá) e de Iemanjá ter criado os filhos rejeitados porNanã, o temperamento dessas duas deusas é absolutamente incompatível,pois enquanto Nanã exige respeito por conta de sua autoridade e experiên-cia, Iemanjá procura obtê-lo por meio de uma exagerada dose de materna-lismo e, até, chantagem emocional, se for o caso. Nas organizações, esterelacionamento conflituoso ocorre quando o elaborador de um projetoprocura seduzir o técnico responsável por sua execução a aceitar sua con-cepção, pelo simples fato de ter sido sua a idéia, recusando-se a fornecer oembasamento técnico que o levou a tal conclusão. Extrapolando do campoprofissional para o pessoal, o profeta-iemanjá sentir-se-á emocionalmenterejeitado, adotando, doravante, uma atitude agressiva com o professor-nanã,fato este que poderá comprometer o bom andamento do projeto.

W Profeta-iemanjá/professor-ogum — Ogum é um dos filhos de Iemanjá e aela muito apegado. Apesar do temperamento agressivo e violento desteorixá, seu relacionamento com Iemanjá será harmonioso, uma vez que a“supermãe” saberá relevar os arroubos coléricos do filho. Ogum é aqueletipo de professor pragmático, que procura aperfeiçoar as técnicas já exis-tentes, ou inovar, criando outras, de tal forma que o projeto concebidopelo profeta saia o mais rápido e da melhor forma possível. Esta seria umacombinação perfeita para a decolagem de um projeto, em virtude da har-monia e interação entre os personagens envolvidos.

W Profeta-iemanjá/professor-oxóssi — A relação destes dois orixás já é por sisó complicada, pois Iemanjá, como toda mãe superprotetora, deseja ter os

Q u a d r o 2

Os orixás e seus arquétipos

Orixá Arquétipo

Exu Dinâmico, jovial, depravado, corrupto.

Iemanjá Maternal, possessiva, vingativa.

Nanã Grave, severa, contida.

Ogum Guerreiro, revolucionário, impiedoso.

Oxóssi Simples, humilde, dinâmico.

Oxum Vaidosa, voluntariosa, elegante, sonsa.

Obaluaê Introspectivo, severo, generoso.

Oxalá Sábio, imponente, criativo.

Xangô Justo, mulherengo, vaidoso.

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filhos sob seus cuidados e morando, preferencialmente, em casa. Oxóssi,contudo, por conta de seu temperamento independente e sua determina-ção em cumprir bem seu trabalho, preferiu morar na floresta com seu ami-go Oçãnhim, deus das folhas. Os professores-oxóssis são muito dinâmicos,talvez até mais obstinados que os oguns; contudo, não têm um tempera-mento tão agressivo. Num ambiente de trabalho, apesar das possíveis de-savenças que possam ocorrer por conta das provocações causadas pelapossessividade de Iemanjá, a interação entre estes dois tipos não será exa-cerbadamente conflituosa, haja vista a humildade, simplicidade e diligên-cia de Oxóssi, apesar de este último nunca renunciar à sua independência.A despeito desta não ser uma combinação ideal por conta dos eventuaisatritos, nada impede que, trabalhando em conjunto, esses personagenspossam levar um projeto adiante.

W Profeta-oxum/professor-nanã — Oxum é a filha querida de Nanã, que, porter nascido linda e perfeita, foi extremamente mimada; não obstante, suadoçura e sonsice a fazem terrivelmente irresistível. A profeta-oxum é vo-luntariosa e vaidosa. Por conta disso, faz questão de que seu projeto saiaexatamente da maneira como o concebeu, não medindo esforços para is-so. Assim como Iemanjá releva os ataques coléricos de Ogum, Nanã, porconta de seu instinto materno, saberá perdoar Oxum por atitudes que, seviessem de qualquer outro orixá, despertar-lhe-iam a ira. Dentro de umaorganização esta combinação é muito positiva, pois gera um ambiente detrabalho harmonioso.

W Profeta-oxum/professor-ogum — Conta a lenda que, anualmente, os orixásmasculinos realizavam uma reunião para decidir o que fariam naqueleano. Uma certa ocasião, Oxum revoltou-se por não ter sido convidada e,voluntariosamente, exigiu que os homens viessem buscá-la. Sua exigênciafoi desconsiderada, pois, como Ogum ponderou, aquela era uma reuniãodos homens para os homens. Irada por não ter sido atendida, Oxum secoutodos os rios que estavam sob seu domínio e tornou todas as mulheres es-téreis. Em virtude da situação criada, todos os orixás masculinos vieramdesculpar-se com Oxum e comunicar-lhe que ela era a convidada de hon-ra da reunião. Desta forma, não é muito aconselhável que um profeta-oxum venha a desenvolver um projeto em conjunto com um professor-ogum, pois a vaidade do primeiro e a agressividade do outro tornam osdois absolutamente incompatíveis. Contudo, o profeta-oxum achará umaforma, por mais eticamente questionável que seja, para que as coisas sedesenrolem como ele havia planejado.

W Profeta-oxum/professor-oxóssi — Assim como os rios cortam as matas, ali-mentando-as com suas águas e sistemicamente sendo alimentados e prote-gidos por elas, Oxum e Oxóssi fazem uma combinação perfeita. Assim

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como o yin e o yang se contrapõem harmoniosamente, a simplicidade deOxóssi ressaltará a vaidosa elegância de Oxum e não permitirá que a vo-luntariosa Oxum cause qualquer conflito com conseqüências mais sérias.Esta é mais uma combinação extremamente recomendável para que umprojeto seja bem-sucedido.

W Profeta-exu/professor-nanã — Exu tem um espírito brincalhão e debocha-do, para quem as regras sociais e a ética têm pouco valor, tendo, definiti-vamente incorporado o pragmatismo. Seu temperamento seria, por si só,um grave empecilho para uma saudável convivência com a tradicional esevera Nanã. Relembrando que o vingativo Exu foi abandonado e rejeita-do por ela, pode-se concluir que, definitivamente, esta não é uma parceriaaconselhável. Numa organização, dois personagens com temperamentosabsolutamente diferentes, como Oxóssi e Oxum, podem formar uma par-ceria incontestavelmente eficaz; contudo, é inconcebível que dois persona-gens com valores conflitantes, como é o caso de Exu e Nanã, venham atrabalhar em conjunto.

W Profeta-exu/professor-ogum — Em alguns ritos da macumba brasileira, Exuperdeu a categoria de orixá e se tornou escravo e mensageiro de Ogum;portanto, os dois têm alguns traços em comum e um bom entrosamento.Ao elaborar um projeto, o profeta-exu não meditará sobre suas conseqüên-cias; muito menos avaliará os meios que deverão ser utilizados para queseus objetivos sejam atingidos. Por exemplo, um pesquisador-exu não he-sitaria em cogitar a morte de milhares de seres humanos cobaias para de-senvolver uma vacina revolucionária. Por outro lado, um professor-ogum,com sua agilidade e determinação, será um parceiro ideal para que umaorganização desenvolva aquele projeto que fora considerado impossível,ou então, que se execute num prazo mínimo um projeto que levaria anospara ser concluído. A dupla Exu-Ogum seria suficientemente audaz emapelar para técnicas de gerenciamento, como a reengenharia, que preconi-zam o desligamento de um grande número de funcionários, só para veremimplantado um modelo concebido como revolucionário.

W Profeta-exu/professor-oxóssi — Na cosmogonia ioruba, não há registro rele-vante de encontro ou embate entre estes dois orixás; mas, considerandoseus perfis psicológicos, pode-se fazer alguma avaliação. Mais uma vez pormotivos conflitantes, esta é uma combinação fadada ao insucesso, pois oprofeta-exu terá a expectativa de que seu projeto seja instrumentalizadocom a mesma agressividade com que foi concebido. Apesar de obstinado,o professor-oxóssi jamais passará por cima da sua rígida moral, mesmo queisto signifique mais trabalho.

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W Professor-nanã/pizzaiolo-obaluaê — Em contrapartida a Exu, que nuncaperdoou a mãe que o abandonou, Obaluaê foi generoso o suficiente parafazê-lo, sem, contudo, abandonar Iemanjá. Estes personagens têm perfispsicológicos muito semelhantes: ambos são sérios, introspectivos e trazemdentro de si um senso de responsabilidade muito grande, contrapondo-sea Exu. Por esse motivo, este tipo de parceria é muito eficiente, apesar decontribuir para que o ambiente de trabalho se torne denso, o que poderácausar certo constrangimento a outros personagens com características di-ferentes. Outro aspecto a ser relevado é a possível falta de comunicação,pois tanto o professor-nanã quanto o pizzaiolo-obaluaê têm uma grandedificuldade de verbalização, o que poderá causar falhas no processo deconcretização do projeto previamente elaborado.

W Professor-nanã/pizzaiolo-oxalá — Na mitologia africana, estes orixás estãoentre os mais velhos e mantêm um laço matrimonial, apesar da constanteinfidelidade de Oxalá, que Nanã releva. Diz a lenda que Nanã, ciente docaso amoroso entre seu marido e Iemanjá, ia à beira do mar aguardá-lo e,quando ele chegava, ela lhe preparava o jantar. A mesma faixa etária e ostemperamentos similares fazem com que a convivência entre Oxalá e Nanãseja harmoniosa. Um professor-nanã sentirá prazer em trabalhar com umpizzaiolo-oxalá, pois este manterá uma postura imponente mas, simulta-neamente, será bastante sábio e criativo para desenvolver um projeto semfalhas.

W Professor-nanã/pizzaiolo-xangô — Conforme a literatura existente, não háqualquer registro relevante de qualquer relacionamento entre estes doisorixás; contudo, com base nos seus arquétipos, é possível articular uma ex-trapolação. Nanã, por carregar nos ombros o conhecimento do mundo eda essência humana, consegue compreender o lado mundano da persona-lidade de Xangô e, como este não possui qualquer característica que a ma-triarca repudie, a convivência entre os dois é absolutamente viável. Porsua vez, Xangô, com seu senso de justiça, saberá reconhecer as qualidadesde Nanã e compreender sua austeridade e necessidade de ser respeitada,em função de sua idade. O professor-nanã não hesitará em tecer elogios aodesempenho do pizzaiolo-xangô, alimentando, assim, o seu ego. Este, sen-tindo-se reconhecido, fará tudo para não desapontar quem depositou tan-ta confiança nele.

W Professor-ogum/pizzaiolo-obaluaê — Ogum e Obaluaê foram criados jun-tos por Iemanjá e nutrem mútuo respeito, apesar de terem personalidadesdiferentes. A introspecção de Obaluaê e a belicosidade de Ogum fazemcom que a convivência entre os dois esteja sempre à beira de uma crise.Caso um professor-ogum impinja veementemente uma metodologia detrabalho a um pizzaiolo-obaluaê, haverá uma grande possibilidade de que

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o projeto no qual estes personagens estejam envolvidos seja abortado ousofra um atraso no cronograma. Portanto, não é aconselhável que estes ti-pos interajam no campo profissional.

W Professor-ogum/pizzaiolo-oxalá — Estes dois orixás têm personalidades mui-to fortes e marcantes e, de certa forma, conflitantes. Por ser mais velho e sá-bio, Oxalá não aceitará seguir cegamente os planos de Ogum, que, a seu ver,é muito imprudente. Ogum, dono de um temperamento irascível, enfrenta-rá Oxalá, apesar de ter ciência de que uma vitória neste embate é pouco pro-vável. Numa organização, o melhor exemplo do relacionamento professor-ogum e pizzaiolo-oxalá é quando um funcionário com muito mais tempo decasa deve cooperar com um novato. Os maiores entraves são a dificuldadede o funcionário mais antigo quebrar seus paradigmas e aceitar uma revolu-ção no modus operandi, e de o funcionário mais novo ouvir a voz da expe-riência, que lhe pode poupar de incorrer em diversos erros. Este é o tipo derelação conflituosa na qual uma organização deve investir, pois, das peque-nas crises geradas por estes relacionamentos, novas idéias e técnicas podembrotar.

W Professor-ogum/pizzaiolo-xangô — Conta a lenda que Ogum era casadocom uma bela mulher, a orixá Iansã. Xangô, por sua vez, muito mulheren-go, fazia-se passar por amigo de Ogum e ia visitá-lo sempre que possível.Seu real objetivo era, contudo, flertar com a esposa do ferreiro. Não resis-tindo ao charme de Xangô, Iansã abandonou o marido e foi morar com orei de Oyó e suas outras duas mulheres (Obá e Oxum). Ao descobrir a trai-ção do amigo, Ogum jurou vingança. Não bastasse este histórico de infideli-dade, os traços psicológicos de Ogum e Xangô são muito conflituosos, poisa vaidade de Xangô jamais aceitará as duras críticas proferidas pelo espíri-to belicoso de Ogum. Numa organização, ao planejar-se um projeto, deve-se evitar que indivíduos com graves problemas de relacionamento pessoalvenham a trabalhar em conjunto. Este exemplo da interação professor-ogum e o pizzaiolo-xangô espelha justamente esta dimensão humana dosrelacionamentos funcionais, dimensão esta muitas vezes relevada, ou atémesmo desconsiderada, em função do paradigma funcionalista. Tal para-digma, que analisa o mundo partindo-o em pequenos pedaços, tambémfragmenta a vida dos indivíduos por ambientes, como se, esquizofrenica-mente, a mesma pessoa se multiplicasse em diferentes seres no trabalho, naescola e em casa.

W Professor-oxóssi/pizzaiolo-obaluaê — Apesar de ambos serem filhos de Ie-manjá, Obaluaê jamais a abandonou, enquanto Oxóssi optou por sua inde-pendência. Contudo, os dois irmãos têm personalidades afins, não havendonenhum ponto de atrito entre eles. Numa organização, caberá ao professor-

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oxóssi, com sua simplicidade e humildade, quebrar a barreira da introspec-ção do pizzaiolo-obaluaê.

W Professor-oxóssi/pizzaiolo-oxalá — O imponente Oxalá tem prazer em con-viver com Oxóssi, uma vez que este demonstra respeito pelo velho sábio.Mais uma vez, o perfil psicológico do professor-oxóssi contribuirá para asua integração à organização, agindo como um facilitador para que o pro-jeto transcorra da forma mais ágil e tranqüila possível.

W Professor-oxóssi/pizzaiolo-xangô — Se a convivência com Xangô é difícil, emvirtude de sua exacerbada vaidade, o seu senso de justiça transforma-o numvalioso conselheiro que, nas ocasiões mais difíceis, agirá como uma bússola.Numa organização, o pizzaiolo-xangô poderá interagir com os professores-nanã, ogum ou oxóssi. Como mencionado, a convivência de Xangô comOgum é absolutamente impraticável. Com Nanã, apesar de a convivênciaser viável, os conselhos deste orixá não serão ouvidos com muita atençãopela matriarca, pois ela sempre se respaldará em sua ancestral sabedoria. Jácom o professor-oxóssi, Xangô terá a oportunidade de ser escutado, desen-volvendo, assim, seu talento nato de encontrar saídas precisas e justas paraos dilemas que atordoariam Iemanjá e que levariam Ogum a um acesso defúria descontrolada.

O conhecimento dos arquétipos de cada orixá pode despertar a curiosi-dade de detectar quais seriam as combinações ideais entre esses diversos tipos.Ou, ainda, qual seria a trilogia perfeita para o desenvolvimento de um projeto,ou seja, qual seria a combinação ideal de profeta, professor e pizzaiolo. Basean-do-se nas características levantadas, pode-se afirmar que as melhores combina-ções seriam profeta-iemanjá com professor-ogum, profeta-oxum com professor-nanã e professor-oxóssi com pizzaiolo-xangô. Todavia, em cada uma das trêscategorias de indivíduos constatou-se que um tipo interage bem com todos ostrês relacionados, ou seja: o profeta-oxum relaciona-se bem com os três tiposde professores; o professor-oxóssi, com as diferentes variedades de pizzaiolos; epor sua vez, o pizzaiolo-obaluaê não conflita diretamente com qualquer tipo deprofessor.

Assim, caso uma organização queira basear-se nesta tipologia para de-senvolver um projeto, a melhor combinação possível seria um profeta-oxum,um professor-oxóssi e um pizzaiolo-obaluaê.

Resumidamente, os elementos que compõem uma organização foramdivididos em três grandes grupos, os quais, por sua vez, foram subdivididosem três subgrupos, cada um com o nome de um orixá. Posteriormente, oarquétipo de cada orixá foi delineado, bem como o modo como os orixás in-teragem. Para apresentar um resumo do que foi discutido, foram elaboradosos quadros 3 e 4.

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Estabelecidas as relações, resta agora identificar as organizações ondeelas ocorrem. É o que será apresentado a seguir.

6. A divina comédia: a aura das organizações produtivas

Toda estrutura organizacional humana possui uma psicosfera, isto é, um cam-po vibratório resultante de todas as forças que interagem naquele espaço físicoe psicológico. Há diversas formas de apreender-se a aura de uma organização;contudo, talvez a mais palpável seja o estudo de sua cultura e estrutura do po-der, uma vez que esta, num movimento dialético inevitável, sustenta e impreg-na a superestrutura (ideologia, crenças, conhecimento).

Desde a clássica definição de cultura por Tylor (1973:17), em 1877, emPrimitive culture — “Cultura é este todo complexo que inclui os saberes, ascrenças, a arte, as leis, a moral, os costumes e todas as outras aptidões e hábi-tos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” —, até as dis-cussões mais recentes de Godelier (Réginier, 1995) sobre a dialética “ideal-material” na constituição das relações interpessoais em sociedade, a cultura

Q u a d r o 3

Resumo da interação profetas/professores dentro das organizações

Profeta/professor Iemanjá Oxum Exu

Nanã Conflituosa Harmoniosa Conflituosa

Ogum Harmoniosa Conflituosa Compatível

Oxóssi Tolerável Frutífera Improdutiva

Q u a d r o 4

Resumo da interação professores/pizzaiolos dentro das organizações

Professor/pizzaiolo Nanã Ogum Oxóssi

Obaluaê Improdutiva Conflituosa Compatível

Oxalá Harmoniosa Conflituosa Compatível

Xangô Produtiva Inviável Compatível

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em si é vista como um complexo coletivo feito de representações mentais queligam o imaterial e o material.

Mais uma vez, os orixás africanos servirão como metáforas para adjeti-var os diversos tipos de organizações, pois é fundamental que as relações so-ciais dos indivíduos sejam articuladas em representações, já que estas possuema função social de justificar uma série de comportamentos.

Até agora os orixás foram metamorfoseados de mitos em símbolos; pa-radoxalmente, nesta etapa do artigo, às organizações são atribuídas auras demitos. De fato, a mitologia apresenta-se como um meio de conhecer e de ex-plicar a realidade. Um mito é enunciado sobre a sociedade, sobre a posiçãoque os seres humanos nela ocupam e sobre sua inserção em um universo de-terminado. Na maior parte das vezes, este enunciado adota uma forma sim-bólica. Desta forma, um mito expressa, com sua linguagem, não apenas asrelações dos homens com a natureza, como também as relações dos homensentre si.

O psiquiatra Carl G. Jung não agregou ao seu universo de estudo a mi-tologia africana. Contudo, por meio de sua obra podemos construir instru-mentos para abordarmos os mitos iorubas. Na visão de Jung, arquétipos sãoimagens psíquicas reveladoras de informações contidas no inconsciente cole-tivo, o qual, por sua vez, armazena experiências e conhecimentos que perten-cem a toda a humanidade desde os tempos imemoriais.

Não obstante, não podemos conceber os arquétipos como um sinal defi-nido, passível de entendimento imediato. Na realidade, eles são símbolos quepermanecem progressivamente criadores durante a trajetória humana, poisestimulam reações distintas na mente de cada interpretador. Neste sentido, ocontato direto com a personalidade arquetípica de um orixá proporciona umaexperiência pessoal, única e íntima do indivíduo em relação aos assuntos per-tinentes ao deus em questão. Os orixás são personalidades arquetípicas queconcentram em seus mitos um extenso volume de informações sobre as maisdiversas áreas da existência.

Tomando como base os nove orixás selecionados para o desenvolvimen-to deste artigo, as organizações foram classificadas em nove tipos, cada umacom sua aura específica. Com o objetivo de solidificar a definição de cada tipode organização, buscamos no mercado exemplos de cada arquétipo.

A organização-iemanjá

Iemanjá, a rainha do mar, é um orixá peculiar, pois é a base da cultura ma-triarcal. Ela representa a grande mãe, aquela que se desdobra em amores ecompreensão no processo de criação de seus filhos. Este orixá possui a capaci-dade de se dedicar não apenas àqueles filhos que nascem do seu próprio ven-tre, mas também aos que ela recolhe em função de terem sido rejeitados, como

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é o caso de Obaluaê e Exu. Iemanjá é tão maternal que chega a ser lenientequando se trata de apontar os defeitos de seus rebentos. Por outro lado, ela éuma genitora possessiva e chega a fazer chantagem emocional para que suaseternas crianças jamais se afastem dela. Resumidamente, as característicasprincipais desta deusa são a complacência, a superproteção e a paixão pelos fi-lhos. Conta a lenda que, quando Iemanjá se viu cercada pelos seus inimigos,criou um paredão de espelhos ao seu redor. Assim, quando seus algozes viramsuas imagens refletidas, fugiram, pensando tratar-se de monstros. A organiza-ção-iemanjá é aquela que procura manter um laço paternalista com seus funcio-nários, buscando por meio de um (pseudo) laço afetivo obter maior índice deprodutividade e engajamento por parte de seu corpo funcional. Há, portanto, aincompatibilidade entre o discurso objetivo do sistema capitalista, que é a almade qualquer organização, e uma prática subjetiva, cheia de apelos emocionais.

Metaforicamente, os espelhos que Iemanjá utilizou para proteger-se sãoainda o discurso proferido por este tipo de organização, ou seja, de quantoseus integrantes estão protegidos enquanto continuarem lá dentro, de como omundo exterior é cruel e perigoso. A qualidade deste discurso torna-se aindamais útil por ocasião da negociação dos salários dos empregados, pois, maisuma vez, argumentar-se-á que dinheiro não é tudo e que há o benefício de es-tar trabalhando numa grande família. Um exemplo, neste momento, destetipo de organização é a Varig, uma vez que a empresa é uma sociedade anôni-ma cuja maior parte do capital pertence à Fundação Ruben Berta, que, por es-tatuto, é controlada pelos próprios funcionários. A ausência da figura de umdono facilita que o corpo organizacional seja impregnado pelo discurso deque a Varig pertence a todos os funcionários. Não é, portanto, um paradoxoque um dos jargões fisicalistas seja justamente “A Varig é uma mãe”.

A organização-oxum

Oxum, a rainha das águas doces, tem o poder da sedução, o qual transpareceem sua beleza física, na doçura de sua voz, na suavidade de seus gestos. Esteorixá está relacionado à gravidez e à menstruação, pois Oxum representatodo o lado feminino passivo, que forma a vida dentro dela. No exato mo-mento, após os nove meses de gestação, haverá o trabalho de parto involun-tário, do qual resultará um novo ser, vivo e saudável.

Uma das grandes características desse orixá é a vaidade. Uma das len-das a seu respeito narra como ele ganhou uma guerra sem lutar. Oxum levoutanto tempo em frente ao espelho enfeitando-se para lutar que o inimigo foiderrotado pelo cansaço da espera; assim, a guerra acabou antes que ela ter-minasse de enfeitar-se. Oxum é como as águas da cachoeira, que podem ge-rar eletricidade por meio de uma força que só existe porque elas se deixamlevar pela força da gravidade. É também como as flores, que, belas e perfu-

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madas, atraem pássaros e insetos, os verdadeiros agentes polinizadores. Esteorixá é muito rico e não precisa suar para obter o que deseja, pois seus admi-radores se incumbem de satisfazer todos os seus desejos.

A organização-oxum é reconhecida pelo canto da sereia, pois, para so-breviver, ela sabe que deverá incorporar os melhores talentos do mercado(brain drain), a qualquer preço. Este processo de sedução dar-se-á sob a for-ma de propaganda, tanto sobre as instalações físicas da organização (um vis-toso edifício-sede, ou a maior fábrica, ou ainda a melhor localização) quantosobre sua estrutura organizacional (não raramente será reconhecida comouma empresa enxuta, ou “a empresa do ano”). Em virtude desta determina-ção de ser o centro das atenções, a organização-oxum enfatizará o trabalhode seus profetas e, com muito afinco, fará um árduo trabalho de marketingexterno e interno sobre eles. Na guerra mercadológica, a arma desta organiza-ção não é o ataque, mas o enfeitar-se para a guerra (jogo de imagens), o que,por ser um processo longo e sem fim, leva os adversários a exaurirem-se em simesmos, sendo derrotados pelo seu próprio excesso de esforço. Generalizan-do, a maioria das empresas de publicidade com sede na av. Paulista (ante aimpossibilidade de fazê-lo na Madison Avenue, em Nova York) traz consigoum grande traço de organização-oxum.

A organização-exu

Exu é o mensageiro, responsável pela comunicação deste mundo (Ayê) com omundo dos deuses (Orum). Neste aspecto, ele é análogo aos deuses Hermes eMercúrio, da mitologia greco-romana. Este orixá é o senhor de todos os cami-nhos e de todas as direções. Como o dinheiro e o sexo são os elementos bási-cos e fundamentais da troca material nas relações humanas, eles passaram afundamentar o campo de atuação deste orixá. Exu possui um grande poder deatuação no mundo físico, pois ele se presta tanto ao bem quanto ao mal, des-de que seu objetivo seja atingido. Por meio desta característica, tão amoral doponto de vista da cultura judaico-cristã, Exu nos transmite o ensinamento deque o universo é bipolar e que se encontra num eterno movimento holográfi-co. Em Exu reside o poder de concretizar o desejo da maldade que um indiví-duo queira exercer; contudo, este mesmo orixá que foi instrumento deste atomaléfico não protegerá a pessoa malvada quando a vida lhe devolver o male-fício praticado. Esta é a forma que Exu tem de ensinar a “lei do retorno”, e porisso uma das principais características atribuídas a ele é a de ser vingativo.

Por estar sempre lidando, sem qualquer compromisso, com as duas fa-ces das coisas, Exu adora provocar intrigas e confusões. Conta a lenda que eleapostou com Oxalá que seria capaz de fazer com que dois amigos de infânciae muito íntimos tivessem a primeira briga em anos. Oxalá duvidou que Exu ti-vesse esta capacidade. Um dia, quando os dois amigos estavam arando o cam-

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po, Exu atravessou entre eles, cumprimentou-os e, portando um chapéu deum lado azul e de outro vermelho, garantiu que quem soubesse qual era a corde seu chapéu ganharia uma grande recompensa. Um dos homens disse azul;o outro vermelho. Desse pequeno desentendimento originou-se uma briga fí-sica. Enquanto os dois se engalfinhavam, Exu afastou-se, gargalhando.

A organização-exu é pragmática per se, não medindo esforços nem mei-os para atingir o almejado. Ela parte do paradigma hedonista, segundo o qualtodos os indivíduos vendem sua força de trabalho por um preço, com o objeti-vo de ter prazer. Então, a organização-exu coopta colaboradores para suacausa não só por meio de recursos pecuniários, mas também oferecendofringe benefits (viagens, carros, jantares). Talvez pelo próprio espaço que abra,em função de seu modo de atuação, a organização-exu resguarda um espíritodemocrático no que se refere ao processo de criação, mais acentuado do quenas outras. O maior modelo de uma organização-exu é o próprio Estado, mes-mo levando em conta que sua função prática, na história da humanidade, temsido salvaguardar os interesses de poucos, em detrimento do bem-estar damaioria.

A organização-nanã

Nanã, a mãe dos mortos, é a deusa das águas paradas, da chuva fina, da la-ma. Ela é um orixá muito antigo, anterior à idade do ferro (simbolizada porOgum). Seu mito conta que ela recusou os filhos que pariu com formas mons-truosas: Obaluaê (leproso), Exu (aleijado) e Oçãnhim (com corpo de serpen-te), jogando-os no mar para que morressem afogados, o que só não ocorreugraças à intervenção de Iemanjá.

Nanã é tida como uma divindade terrível, que não tolera desconsidera-ções e que jamais esquece as faltas cometidas. Sua personalidade é grave,séria e severa. Ela representa o poder controlador das mulheres idosas, a pre-sença autoritária da avó no núcleo do clã familiar; aquela que não hesita empunir os mais jovens para que haja a observância das regras sociais. Seu po-der sobre os mortos é encarado pelos orixás masculinos como uma ameaça aopatriarcado. A consciência da necessidade da morte, bem como a aceitação des-ta fatalidade inerente a todo ser vivente, é o principal ensinamento de Nanã.

O protótipo de uma organização-nanã é a empresa familiar, arraigada nopassado, tentando manter-se limitada, num mundo que é sociedade anônima.A estrutura de poder dentro dela é a mais rígida possível, pois muito dificilmen-te um estranho à família poderá ocupar um cargo estratégico. Este tipo de insti-tuição faz questão de permear toda a organização com seus valores familiares.Em função desta postura, qualquer tipo de mudança tende a ser rejeitado, poisseus integrantes têm dificuldade em quebrar paradigmas e abordar o mundo deuma outra perspectiva. Paradoxalmente, Nanã tem consciência da fatalidade

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que é a morte; assim, a organização-nanã orgulha-se de existir como pièce deresistance, como o último baluarte de um passado glorioso, que orgulhosamenteluta contra um presente de incertezas e velozes mudanças, como, por exemplo,algumas pequenas empresas familiares.

A organização-ogum

Ogum é ferreiro, representa o avanço tecnológico. Este orixá passou a cons-tar no panteão dos negros a partir do histórico momento em que estes domi-naram a tecnologia do ferro fundido, o que significou a saída do estágio dobarro (representado por Nanã). Ogum é a polaridade masculina do elementoterra, sendo, portanto, a agressividade e a violência suas principais caracterís-ticas. As armas por ele utilizadas são para abrir seu espaço no mundo e con-quistar os recursos de que necessita para a sua sobrevivência. Este traço depioneirismo é característico de Ogum, bem como suas habilidades manuais etécnicas, como o domínio da arte da agricultura e da guerra. Ogum é dono damesma mão que faz estatuetas, máquinas, arados e armas de guerra. O papelde Ogum no universo é inovar a todo momento, expandindo os horizontes dahumanidade.

Conta a lenda que Ogum saiu para guerrear e quando voltou à sua al-deia não achou seu filho e saiu a procurá-lo, perguntando pelo menino a to-dos que cruzavam seu caminho. Certo dia, Ogum passou por uma aldeia queestava observando o Dia do Silêncio, quando ninguém poderia emitir qual-quer som. Ogum perguntou a um por um sobre seu filho e ninguém lhe diri-giu a palavra. Num acesso de fúria, que lhe é muito peculiar, Ogum matou atodos com sua espada, por ter sido ignorado.

A organização-ogum procura sempre ser pioneira e estar à frente de to-das, buscando novas tecnologias e processos de produção. Nesta instituição, ocaráter tecnológico sobrepuja o humano; toda a ênfase está centrada na ino-vação, que deve ser conquistada a qualquer custo. Estas instituições são beli-gerantes e procuram estar sempre no ataque e, num processo competitivo,tornam-se presas fáceis para as organizações-oxum, por exemplo. Um exem-plo atual de organização-ogum é a TAM, que ataca o mercado da indústria daaviação com a tática da blitz krieg, talvez relegando a segundo plano as con-seqüências de seus atos a longo prazo.

A organização-oxóssi

Oxóssi, o rei das florestas tropicais, é caçador e protetor dos animais, cujo as-sassinato não tolera, a não ser pela necessidade de alimento. Este orixá tem a

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capacidade de seguir rastros no meio da floresta, encontrar e abater sua pre-sa com a maior facilidade. Por este motivo, os sacerdotes ensinam a seus fiéisque façam orações a Oxóssi quando não souberem que problema os está afli-gindo, ou que ponto peculiar de suas personalidades deve ser modificado.Oxóssi vive no meio do mato, junto com os animais e em harmonia com a na-tureza. Contudo, tem aceitação como herói popular, em função do seu feitopor ocasião da festa do inhame.

Em contrapartida a Ogum, que representa um impulso obstinado, Oxós-si traz a consciência de uma tarefa definida a realizar. E realiza, apesar de seuestilo de vida não lhe possibilitar um maior aperfeiçoamento, uma vez que lhefalta a “aprendizagem da convivência social”. Seu mito remete a um comporta-mento semelhante ao de Nanã, só que Oxóssi abandonou sua mãe (Iemanjá)para ir viver no mato com Oçãnhim (orixá das folhas e dos remédios).

As organizações-oxóssi são aquelas que procuram adotar uma posturapolítica e ecologicamente correta. Apesar de não terem fins lucrativos, as orga-nizações não-governamentais (ONGs) são o melhor exemplo. Sua estratégiapara atuar no mercado não reside na política de ataque, como as organiza-ções-ogum, nem na defesa, como as organizações-oxum, mas na imagem queela passa para o público em geral: uma entidade autônoma, que não se esqui-va de sua responsabilidade social. Elas procuram avançar metodicamente, ava-liando e reavaliando suas alternativas e decisões, não só por cautela, comotambém pela dificuldade que às vezes têm em interagir com o mercado.

A organização-obaluaê

Obaluaê, o orixá da varíola, das epidemias, o senhor da morte e do renasci-mento, é também o deus da cura, o médico dos pobres. É um dos orixás maisseveros de todo o panteão ioruba. Ele exige respeito, sendo alguns de seus no-mes proibidos de serem pronunciados, pois ele é o senhor de todos os espíri-tos aqui na Terra. Obaluaê conhece todos os mistérios da vida e da morte.Vive coberto de palhas para ocultar as feridas com que a varíola marcou suapele. Seus ensinamentos são tão poderosos que só podem ser transmitidos apessoas especialmente iniciadas. Houve uma facilidade no sincretismo desteorixá, uma vez que suas características remetem ao princípio judaico-cristãode expiação de nossas culpas.

No sentido geral, podemos afirmar que Obaluaê representa os aspectosnegativos da existência, os quais não podemos ignorar. Este orixá estimula-nos a tomar consciência das partes escuras, ultrapassadas ou indesejadas denossa própria personalidade, uma vez que a verdadeira causa de todas as do-enças está na retenção insalubre daquilo que deve morrer para que a vidacontinue, renovada. Diz a lenda que, apesar de ter sido abandonado por Nanã

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quando nasceu, quando esta o procurou anos mais tarde para pedir perdão eexplicar que não conseguia aceitar um filho doente como ele, Obaluaê a abra-çou e perdoou, mas continuou a morar com Iemanjá.

As organizações-obaluaê são aquelas que têm coragem de enfrentarsuas próprias chagas e procuram detectar seus pontos fracos (mesmo queseja por meio de pesquisa de clima ou pesquisa-ação) para avaliar qual é asua parte podre. Este tipo de instituição tem consciência de que a verdadeiracausa de resultados operacionais negativos, da insatisfação de seus funcioná-rios e do alto índice de acidentes no trabalho está na retenção daquilo quedeve morrer, ou seja, a parte de sua estrutura que está apodrecida. Contra-riamente aos outros tipos de organizações, que saem à busca de paliativos,esta não hesita em ousar no tratamento-fênix, que consiste em deixar morrero mal, para que ela continue viva, renovada. No mercado, é muito imprová-vel que se encontre uma organização que seja 100% Obaluaê, pois uma desuas características é o fato de serem constituídas por indivíduos que relu-tam em deixar morrer seu lado insalubre e renascer, a cada dia. Mas as pes-soas e as instituições verbalizam atos de abnegação e reflorescimento; poresta razão, nas últimas décadas especialmente, vivenciamos a era do contro-le de qualidade total.

A organização-oxalá

Oxalá, o criador dos seres humanos, é a figura paterna africana, o responsávelpela criação de todos os homens. Ele é o orixá da brancura e traz consigo oprincípio simbólico de todas as coisas, pois o branco é a mistura de todas as co-res. Oxalá está associado ao ar e às alturas celestiais. Como arquétipo do gran-de pai, este orixá é inabalável em sua autoridade e extremamente generoso emsua sabedoria. No plano humano, Oxalá está relacionado com a geração deidéias e com a fonte do caráter das pessoas: a cabeça. Assim, ele proporcionacriatividade e orienta a conduta (ética) simultaneamente. Por outro lado, Oxa-lá pode ser extremamente teimoso, recusando-se a cumprir recomendaçõesalheias, por acreditar que sempre deve agir por sua própria cabeça. Por ser umorixá masculino, além de possuir a sabedoria, ele tem também um perfil guer-reiro. A lenda mais significativa de Oxalá diz respeito à sua displicência ao criaro mundo, pois não despachou o Exu como deveria ter sido feito e acabou porser ludibriado.

A organização-oxalá é aquela que, por ter confiança absoluta nos seuscredos, estrutura e modus operandi, é capaz de observar os movimentos domercado, mas não se deixar impregnar por estes valores exógenos. Este tipode organização acredita ser o ponto de referência para o resto do mercado,por conta de sua experiência. Geralmente, a organização-oxalá é sólida e está

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há muitos anos no mercado, não sendo, necessariamente, uma instituição fa-miliar, como foi o caso da organização-nanã. Outra diferença entre estes doistipos de organização é que a nanã é hermeticamente fechada, enquanto aoxalá chega a interagir com o resto do mundo, mas persiste na convicção deque seus ideais são os corretos e mais apropriados para ela, e chega a predis-por-se a compartilhar seu conhecimento com o resto do mundo. Uma organi-zação-nanã tende a ser mais hierarquizante e rígida que uma oxalá, atémesmo por conta do tipo de controle do capital da primeira. Atualmente, tal-vez o melhor exemplo de organização-oxalá seja o Colégio São Bento, que éreconhecido tanto por sua excelência quanto por sua tradição.

A organização-xangô

Xangô, o deus da justiça, entre as forças da natureza é o trovão. Guerreiro, for-te, viril, orgulhoso e apaixonado, ele resolve todas as questões de justiça e nãodá descanso aos que mentem ou cometem crimes. Seu senso de justiça e de de-ver comunitário supera até mesmo seu apego à vida. A essência deste orixá éincompatível com a morte, pois, como senhor do fogo, ele é a representaçãodo impulso vital. Não obstante, algumas histórias dizem que ele se suicidou,envergonhado, depois de ter provocado uma desgraça: ele ordenara a dois deseus súditos, que eram seus irmãos, a realização de uma tarefa muito difícil.Por causa dessa ordem, os dois irmãos brigaram e acabaram matando um aooutro. Entretanto, Xangô não gosta que este episódio seja relembrado. Por estemotivo, seus fiéis costumam saudá-lo com a frase “O rei não se matou”.

O fato é que Xangô é o único orixá que foi um ser humano real. Estehomem foi rei de Oyó e, por ter colaborado muito no desenvolvimento de suanação, foi elevado à categoria de orixá. Miticamente, isto é atribuído ao fatode Xangô ter conseguido controlar os raios por processos mágicos. Xangô éconquistador, seu talento com as mulheres lhe rendeu vários casamentos:com Oxum, Iansã e Obá, sua companheira mais constante e com a qual ele di-vidiu o poder sobre o fogo. Seus traços psicológicos também incluem a volup-tuosidade e o apetite por sexo, comida e bebida.

A organização-xangô tem uma grande preocupação com a qualidade devida de seus funcionários, não por convicção (como é o caso das organiza-ções-oxóssi), mas para que ela tenha uma boa imagem de si mesma e paraque o resto do mercado compartilhe desta percepção. Embora seja menos am-biciosa que a organização-ogum, ela deseja, mais do que simplesmente pros-perar, dominar a maior fatia do mercado. As organizações-ogum perseguem omesmo ideal, mas, para elas, dominar o mercado pode significar, por exem-plo, possuir tecnologia de ponta, ou dispor de um microcomputador paracada um de seus funcionários. As organizações-xangô supervalorizam a apre-sentação física de seus escritórios, instalações e integrantes, sendo esta postura

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fundamental para a sobrevivência dentro deste tipo de instituição. Mundial-mente, talvez não haja uma organização tão xangô quanto a Microsoft.

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Por não ter validade como instrumento de análise do caráter de um indi-víduo ou como meio de apreensão do mundo, o maniqueísmo também nãopode ser usado como ferramenta na classificação das organizações, nos novearquétipos discutidos. Obviamente, toda e qualquer organização será híbrida,revelando, simultaneamente, traços do perfil psicológico de cada um dos ori-xás. Algumas características prevalecerão sobre outras, algumas se manifesta-rão de forma esporádica. O perfil de uma organização tende a modificar-se como tempo, mas, por ser a própria cultura organizacional, este processo ocorrerálentamente e sujeito a implicações endógenas e exógenas.

O quadro 5 resume os aspectos aqui levantados.

Q u a d r o 5Orixás, organizações e indivíduos

Orixá Organização IndivíduoIemanjá V Paternalista.

V Reforça a idéia de que é um “porto seguro” para seus integrantes.

Profeta:V gerador de múltiplas idéias simultâneas;V capaz de desenvolver idéias alheias como

se fossem suas.Oxum V “A defesa é o melhor ataque.”

V Um de seus objetivos prioritários é formar um dream team, buscando os melhores profissionais do mercado.

Profeta:V preciosista;V gera idéias de forma mais lenta e elaborada.

Exu V Pragmática.V Enfatiza pouco a ética para atingir seus

objetivos.

Profeta:V intuitivo;V “marketeiro” por excelência.

Nanã V Empresa tipicamente familiar.V Reacionária.V Fechada.

Professor:V dedica a maior parte do seu tempo plane-

jando, dissecando seu projeto em detalhes;V procura facilitar o trabalho dos pizzaiolos;V “devagar e sempre”.

Ogum V “O ataque é a melhor defesa.”V “Competir a qualquer custo.”

Professor:V rápido, determinado e impaciente;V sempre encontra soluções, mesmo que sejam

de caráter imediatista.Oxóssi V Politicamente correta.

V Com responsabilidade social.Professor:V humilde;V responsável;V sempre disposto a cooperar.

Obaluaê V Faz constantes auto-reavaliações.V Busca regenerar-se.

Pizzaiolo:V responsável;V tem dificuldade para trabalhar em grupo.

Oxalá V Tradicional.V “Eu sei o que estou fazendo, pois faço isso

há anos; portanto, sou o modelo perfeito.”

Pizzaiolo:V pouco perseverante;V pouco cauteloso;V capaz de interagir bem com o resto do grupo.

Xangô V Exerce competição planejada.V “Eu sou simplesmente o melhor.”

Pizzaiolo:V autoritário;V vaidoso.

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7. Para concluir

É possível tirar algumas conclusões óbvias, como a de que o indivíduo se sen-tirá confortável quando pertencer a uma organização que seja de um orixáigual ao seu. Há, ainda, as afinidades.

Um profeta-iemanjá, por exemplo, se sentirá respaldado pela ética vi-gente dentro de uma organização-oxóssi, o que garantirá ao indivíduo a tran-qüilidade necessária para proceder com seu processo de brainstorming. Já umprofeta-oxum se sentirá mais confortável numa organização-nanã, pois estalhe garantirá o tempo necessário para que desenvolva seu projeto, no seu pró-prio ritmo. Um profeta-exu terá um grande prazer em trabalhar numa organi-zação-ogum, que saberá utilizar todo o talento de persuasão do indivíduo nosseus projetos beligerantes. Em contrapartida, um professor-ogum devotarátoda a sua energia em prol dos objetivos da organização-exu.

Um professor-nanã será muito adequado à organização-xangô, que pro-cura elaborar suas táticas sucintamente. Para um professor-oxóssi, pertencer auma organização-obaluaê seria reconfortante, pois, com seu senso de responsa-bilidade social e humildade, teria um papel fundamental no processo de expur-go dos tumores daquela organização. Por sua vez, a entidade ideal para umintrospectivo pizzaiolo-obaluaê trabalhar é uma organização-iemanjá, que sa-berá, com sua alta dose de paternalismo, garantir a segurança de que este indi-víduo necessita. A mais confortável chance de sobrevivência para os poucocautelosos pizzaiolos-oxalá está numa organização-ogum, pois, como esta últi-ma aceita resultados imediatistas, saberá relevar as eventuais falhas e lacunasdeixadas no trabalho realizado por estes indivíduos.

Já os pizzaiolos-xangô dispõem de uma abrangente gama de opções: asorganizações-oxum, pois nestas estes indivíduos se sentirão valorizados porpertencerem a um dream team; as organizações-exu, pois o autoritarismo ine-rente a esta categoria de pizzaiolos certamente será útil ao pragmatismo des-ta entidade; e, finalmente, as organizações-oxalá, que fomentarão o ego desteindivíduo com a garantia de que está trabalhando numa organização-modelo.

As conclusões aqui arroladas merecem um alerta. Se o mundo fosse es-tático, seria muito confortável aplicar testes e categorizar os indivíduos e asorganizações, pois, assim, seria possível elaborar as combinações “perfeitas”.No entanto, não só as organizações e os indivíduos não são tipos ideais noconceito weberiano, como estão em constante transformação. Por este moti-vo, a felicidade pessoal de indivíduos e o êxito de organizações residem, não noenquadramento forçado, mas no permanente questionamento sobre si mes-mo e seu entorno e nas ações que tal questionamento sugere.

O objetivo principal desta série foi utilizar mitos e símbolos de uma dasraças que formaram a nação brasileira, para a abordagem das organizaçõesprodutivas. Esperou-se, com isso, trazer alguma contribuição aos estudos or-ganizacionais. Entretanto, os artigos também tiveram a intenção de estimularo uso da semiologia como instrumento de análise das organizações. Espera-se, portanto, que a agenda de outros pesquisadores a leve em consideração.

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