ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

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Livreto de Histórias Projeto Laroyê! A magia dos Orixás dos terreiros às escolas

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Livreto de histórias resultado do projeto "Laroyê!: a magia dos orixás dos terreiros às escolas" realizado por Lorena Anastácio e Vinícius D Moreira em Santarém, amazonia brasileira no segundo semestre de 2014 com patrocínio da Fundação Palmares/Ministério da Cultura e apoio do Núcleo de Pesquisa e Documentação das Expressões Afro-religiosas no Oeste do Pará e Caribe (NPDAFRO) da UFOPA; da comunidade Afro religiosa de Santarém; da Coordenação de educação etnicorracial da SEMED; da FOQS Federação das Organizações Quilombolas de Santarém e

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ORIXÁS

CABOCLOSE

ENCANTADOS

Livreto de Histórias

Projeto Laroyê!

A magia dos Orixás

dos terreiros às escolas

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ORIXÁS

CABOCLOSE

ENCANTADOS

LivretodeHistórias

ProjetoLaroyê!

AmagiadosOrixaá

dosterreirosàsescolas

Page 3: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO ETNICORRACIAL

COORDENAÇÃO DE ESCOLAS QUILOMBOLAS

SEMED/SANTARÉM/PARÁ

AFRO­­RELIGIOSOS

SANTARÉM/PARÁ

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COORDENAÇÃODEEDUCAÇÃOETNICORRACIAL

COORDENAÇÃODEESCOLASQUILOMBOLAS

SEMED/SANTARÉM/PARÁ

AFRO­­RELIGIOSOS

SANTARÉM/PARÁ

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ORIXÁS

CABOCLOSE

ENCANTADOS

Organizadores

Vanessa Lorena Anastácio

Vinícius André Diniz Moreira

Page 6: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

CONTATOSVanessa Lorena Anastácio

(93) 91 350455

(31 ) 9999-9667

vlanastacio@gmail .com

www.trupemalalo.blogspot.com.br

www.trupemalalo.com

Vinicius D. Moreira

(31 ) 9821 -1 61 7

vinimo@gmail .com

ORGANIZAÇÃO:Vanessa Lorena Anastácio

PRODUÇÃO:Vinícius André D. Moreira

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO:Telma BemerguyEDUCADORES:

Vanessa Lorena AnastácioVinícius André D. Moreira

CAPTURA DE ÁUDIO:Israel PalestinaFOTOGRAFIA:Israel Palestina

Vinícius D. MoreiraLorena AnstácioTelma BemerguyDESENHOS:

Escola N. S. do LivramentoEscola São Sebastião

TRANSCRIÇÃO:Lorena AnastácioTelma Bemerguy

REVISÃO DE TEXTO:Cristina BorgesLorena AnastácioDESIGN GRÁFICO:Vinícius D. Moreira

TRANSPORTE:Terrestre: UFOPA/Marcelo Santos

Flúvial: Barco UniversoUrbano: Telma, Lorena Vinícius

COZINHEIRAS:Murumurutuba: Rosielce Fernandes,

Fabíola Reis e Rosiane SantosSaracura: Escola N. S. do Livramento

WWW . L A RO Y E . A R T . B R

ASSOCIAÇÃO CECÍLIA FÉLIX DOS SANTOS

Page 7: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

OUTRA HISTÓRIA DE SAPA...........................54

CAPÍTULO 02 : ORIXÁS

O PODER DE XANGÔ........................................................34

O REI QUE PROIBIU O SACRIFÍCO HUMANO.....................32

OXUM EXIGE O PROMETIDO...............................................38

COMO A SENHORA DAS CABEÇAS ENLOUQUECEU O MARIDO..........35

LINGUA DE EXÚ.....................................................26

O CURADOR ZÉ PINTO............................46

A SAPONA ....................................... 43

O INÍCIO DO UNIVERSO.....................29

CALÇA MOLHADA...............................................44

HISTÓRIA DA SAPA.................................................53

O SERINGUEIRO.........................42

CAPÍTULO 03: ENCANTADOS

QUILOMBOS DO BAIXO AMAZONAS..............................58

ÍNDICELAROYÊ, EXU...................................05

MINHAS CABOCLAS MARIANA E ERONDINA........................13

C A P Í T U L O 0 1 : O D O N O D A M I N H A C A B E Ç A :

H I S T Ó R I A S D E V I D A E C A B O C L O S

MINHA CABOCLA MARIANA..........................................15

MEU CABOCLO ZÉ MINEIRO ................................................23

MEU CABOCLO TUPINAMBÁ..........................................17

PREFÁCIO.....................................................................08

O HOMEM DA CASTANHEIRA QUEIMADA...............49

IEMANJÁ SE TORNA RAINHA DO MAR............................36

MENINO DE BREU.................................................52

O CAÇADOR NÃO RESPEITA O TABU.........................................39

A TERCEIRA MULHER DE XANGÔ..................30

O ERÊ..............................................................20HISTÓRIA DO CABLOCO TUPINAMBÁ.....................19

O PODER DA CABOCLA MARIANA E DE OMULÚ..................12

FOGO.......................................................50

AGRADECIMENTOS..........................................................59

AS OFERENDAS...............................................................25

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Referências bibl iográficas Projeto Laroyê! A magia dos Orixás dos Terreiros às Escolas:

ANASTÁCIO, Vanessa Lorena; MOREIRA, Vinícius André Diniz. A palavra do contador de

histórias na contemporaneidade: oral idades em performance.

BEATA DE YEMONJÁ, Mãe. Caroço de Dendê: a sabedoria dos terreiros: como ialorixás

e babalorixás passam conhecimentos a seus fi lhos. 2 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2008.

CARAM, Cecíl ia, Andrés; MATOS, Gislayne Avelar. O conto na escola: considerações

sobre a arte de contar.

MARTINS, Adilson. Lendas de Exu. Rio de Janeiro: Pallas, 2008. p. 1 1 a 1 6.

MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias. SP: Martins Fontes, 2005.

MATOS, Gislayne Avelar. A preparação do conto e do contador.

MATOS, Gislayne Avelar. Manfei Obin. Trad. Gislayne Avelar Matos. Atel ier Aprendendo

a Contar Contos. Belo Horizonte: Projeto Convivendo com Arte, 1 996. p. 1 0-1 5.

MATOS, G A. e SORSY, I . O ofício do contador de histórias. Martins Fontes, 2005.

MATOS, Gislayne Avelar. Os contos no processo educativo. .

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. SOVIK, Liv. (org). Trad.

Adelaine La Guardia Rezende [et al. ] . 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 201 3.

PRANDI, Reginaldo. (org). Encantaria Brasileira: o l ivro dos Mestres, Caboclos e

Encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 201 1 .PRANDI, Reginaldo. Os príncipes do destino:

histórias da mitologia afro-brasileira. São Paulo: CosacNaify, 2001 .

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001 .

PRANDI, Reginaldo. I fá, o adivinho. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.

PRANDI, R. Os príncipes do destino: histórias da mitologia afro-brasileira. SP:

CosacNaify, 2001 .

PRANDI, Reginaldo. Oxumaré, o Arco Íris: mais histórias dos deuses africanos que

vieram para o Brasil com os escravos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.

PRANDI, Reginaldo. Xangô, o trovão. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.

POINT, Anna Soler-Pont. O príncipe medroso e outros contos africanos. Trad. Luiz Reyes

Gil . São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. Trad. Maria Aparecida da

Nóbrega. 4 ed. Salvador: Editora Corrupio, 1 997.

VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Trad.

Maria Aparecida da Nóbrega. Editora Corrupio/Círculo do Livro: São Paulo, 1 981 .

VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto aos orixás e voduns: na Bahia de todos os

santos, no Brasil e na antiga costa dos escravos, na África. Trad. Carlos Eugênio

Marcondes de Moura. São Paulo: Editora Corrupio/Círculo do Livro, 1 981 .

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Olha quem vem lá no portão,de Capa e Cartola e pé no chão.Será seu Capa Preta, será, será,Será seu Marabô, será, será,Será Exu do Lodo, será, será…

Antes de tudo peço licença aos meus mais velhos para colocar a minha voz

nessa roda de contação de histórias. A oralidade é o grande princípio

mantenedor das religiões e fi losofias de matriz Africana e Afro-brasileira. Mas o

que contam e recontam essas vozes? Quais são as suas tramas, as suas

texturas, o seu ritmo, os seus segredos?

As famosas histórias e lendas envolvendo os Exus, os Caboclos,

Encantados e os Orixás estão repletas de ensinamentos sobre como podemos

enfrentar os infortúnios e as adversidades da vida. Elas também nos mostram a

beleza de viver plenamente as nossas paixões mais arrebatadoras e os nossos

amores mais serenos. Se eu pudesse resumir diria que são histórias que nos

ensinam a ser altivos e fortes tanto nos tempos de paz como nos tempos de

guerra.

Mas, quem canta e conta essas histórias? Para essa tarefa l itúrgica há um

grupo de sacerdotes e iniciados que chamamos afetuosamente de os nossos

mais velhos. Falamos dessa maneira quando nos referimos àquelas pessoas

cuja função é nos ensinar os melhores caminhos para colocarmos os nossos

pés na longa estrada da vida. Nas religiões afro-brasileiras os mais velhos, ou

seja, aqueles que atingiram um certo nível de conhecimentos cerimoniais e

rituais são profundamente respeitados por toda a comunidade. Sendo assim,

em que ocasião especial podemos aprender com os nossos mais velhos? A

resposta vem sem rodeios: a cada instante em que nos colocamos em contato

com eles. Por exemplo, quando estamos num espaço sagrado de uma Casa ou

de um Terreiro tudo o que se vê, o que se ouve, o que se toca, o que se sente

no corpo é aprendizado. E essa é uma relação tão profunda que chegamos

mesmo a aprender quando os nossos pés descalços tocam o chão, porque

dessa forma estamos entrando em contato direto com os nossos antepassados,

com a nossa história, com a nossa memória coletiva que tem nome, chama-se

África.

As Divindades e Entidades também nos contam e cantam? Sim, eles nos

falam em diferentes momentos e a partir de diversos lugares. Eu gosto de

pensar na rica experiência de participar das festas em homenagem aos

Caboclos ou aos Orixás. Essas celebrações costumam ser abertas ao público e

LAROYÊ, EXU.

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fazem parte do calendário rel igioso de todas as Casas e Terreiros de Santarém.

Nessas ocasiões podemos sentir como se o espaço e o tempo se diluíssem até

desaparecerem por completo como num sonho. Esse efeito mágico é produzido

dentro da gente naquele exato momento em que a Cabocla Mariana gira a sua

saia rodada e exala o seu perfume pelo Barracão. Da mesma maneira, esse

encantamento pode nos atingir quando os nossos ouvidos percebem a força

melódica do Adarrum que faz bailar os Orixás. E ainda ao sentir a maciez de

um tecido que pode lhe roçar o corpo por acaso, ou ainda ao perceber a

elegância de Exu quando anuncia a sua presença.

Quem teve a oportunidade de entrar num território sagrado como são as

Casas e Terreiros de Umbanda, Mina e Candomblé da cidade, sabe

exatamente do que estou falando. Porque a experiência de ser atravessado por

essas sensações é uma dimensão importante para a compreensão dos

processos de transmissão das tradições religiosas afro-brasileiras. Para essas

religiões o ato de ensinar-aprender envolve a total idade do nosso corpo, das

nossas extensões sensoriais e ancestrais nos ligando simultaneamente ao

mundo dos vivos, dos mortos e daqueles que ainda não nasceram. Essas

fi losofias e teologias não fragmentam o corpo em frações como se fosse uma

engrenagem, e nem mesmo nos resumem a um mundo do presente sem laços

ancestrais ou futuros. O que elas fazem na verdade é amplificar os nossos

corpos e as nossas vozes para outros mundos possíveis.

O valioso trabalho realizado no âmbito do Projeto Laroyê! Abrindo caminhos

dos Terreiros às Escolas Quilombolas resultou numa costura poética entre

universos de conhecimento dos mais ricos que podemos encontrar no país. De

uma lado, temos a força inventiva e a vanguarda das escolas quilombolas e, do

outro, as nações Jeje, Jeje-nagô, Angola, Savalu, Ketu, Caboclo, a tradição da

Pajelança e dos Sakaka. Tal como disse antes, essa tecitura poética pode se

transformar num poderoso antídoto contra o racismo que muitas vezes impõe

uma separação absoluta entre comunidades quilombolas e as comunidades

tradicionais de terreiro pelo Brasil afora. Esse tipo de afastamento se alimenta,

sobretudo, de dinâmicas sociais que produzem o esquecimento. E por essa

razão, devemos contar e (re)contar as nossas histórias a fim de reconstituir

laços que podemos ter deixado pelo caminho.

Oxalá, tenhamos sabedoria para colaborar cada vez mais com essas

aproximações e que elas sejam duradouras! Axé.

Carla Ramos

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Orixá Exu, mensageiro e guardião das encruzi lhadas e da porta da rua.

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PREFÁCIO

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As histórias aqui transcri tas foram gravadas em rodas de contar eouvir histórias com contadores e aprendizes de contadores na cidadede Santarém e nas comunidades qui lombolas de Murumurutuba eSaracura. Murumurutuba na região do planalto e Saracura na regiãode várzea do rio Amazonas, ambas no município de Santarém. Sãohistórias de vida, caboclos, orixás e encantados da região. Estes lu-gares cercados pela flu idez das águas estão repletos destas históriasque vieram como a força de um banzeiro no curso de Contação deHistórias e Produção de Livreto.

As rodas de contação de histórias e as rodas de diálogosorganizadas pela equipe e participantes deste trabalho fizeram girar a“palavra” de contadores e aprendizes. Os olhos e ouvidos repletos decuriosidade dos mais velhos, jovens, adultos e crianças fizeram dasescolas, universidade, terrei ros e quintais, lugares por ondepassamos, espaços lúdicos de ensino, aprendizado e memória.

A poesia oral é o lugar onde a memória se renova, o passado seapresenta e se transforma e o futuro se projeta. É também o lugar doencontro entre a tradição e o novo. Buscamos com este trabalhovivenciar a estética da oral idade poética do contador de histórias.Promovemos o encontro de gerações rememorando histórias de vida efortalecendo a memória coletiva afro-brasi lei ra e afro-rel igiosa naregião.

Neste l ivro os textos foram transcri tos buscando guardar acaracterística poética dos contos na oral idade. O registro dashistórias foi fei to em uma l inguagem em que convivem diferentesaspectos da fala, como: o ri tmo, as repetições, as hesitações e asestruturações sintáticas e semânticas próprias da oral idade e, maisespeci ficamente, na maioria dos textos, próprias do dialeto paraense.Ou seja, a l i teratura oral dos contadores é traduzida para a escri ta,procurando-se o trânsito entre as duas l inguagens. Por este motivo,o lei tor encontrará nos textos um tipo de escri ta com a qual nãoestá acostumado a conviver em outros l ivros vinculados à tradição daescri ta.

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No curso trabalhado, lemos histórias de tradição oral registradaspor di ferentes autores, com diferentes opções de esti lo, tambémouvimos muitas histórias dos mais velhos e dos sacerdotes afro-rel igiosos das regiões por onde estivemos. Cada pessoa que conta ofaz com sua experiência cotidiana, suas vivências acumuladas, suasreferências culturais, enfim sua memória corporal e afetiva. Foi porisso que, na montagem deste l ivro, optamos pela gravação etranscrição dos contos, buscando a valorização das diversas vozes eesti los que servi ram como suporte para as narrativas.

Mas como expressar na escri ta a sinergia entre o contador e oouvinte? Como colocar no papel a emoção do ouvinte? Comorepresentar, através da escri ta, as pausas e acelerações de fala docontador? Esses são alguns desafios enfrentados ao transpor a vozpara a letra, desafios que mostram o quanto a oral idade e a escri tasão sistemas di ferentes. Esta di ferença ser observada na maravi lhosa“História do caboclo tupinambá”, que, como uma exceção ao métodousado neste l ivro, não é fruto de uma transcrição. A história foiescri ta por seus contadores. Assim, temos uma situaçãointeressante: uma história já contada e recontada de memória foiaqui escri ta por seu tradicional contador. Se você observar bem, ahistória, mesmo nos apresentando o sistema da escri ta, guarda aindacerto fluxo da oral idade, como se pudéssemos ouvir a voz docontador ressoando por trás de sua escri ta.

Esperamos que, ao ler estas histórias, você sinta a mesmaemoção que sentimos nas rodas, e vibre com cada história de vida,de caboclo, de orixá e de encantado. Histórias com as quais,generosamente, estes magníficos contadores, anciões de suascomunidades, pais e mães de santo, jovens estudantes, professoras eprofessores nos presentearam, permitindo sua publ icação.

Lorena Anastácio

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"CABOCLO É TEMPO, GENTE! ELE É TEMPO! ELE É VENTO! ELE PODE TÁ EM QUALQUERLUGAR, EM QUALQUER HORA E SE TRANSFORMAR NO QUE QUIZER. DA FOLHA DO CHÃOÀ FOLHA DO TEMPO. ISSO É CABOCLO!" MÃE KÁTIA

" EU AMO MINHA SANTA, NOSSA MÃE OIÁ , DEUS ABENÇOE. MAS O CABOBLO,ANTES DOS ORIXÁS, DA NAÇÃO CANDOMBLÉ KETO, JEJE, ANGOLA, EXISTIAM OSCABOCLOS. ANTES DOS ORIXÁS VIM PRO BRASIL, JÁ EXISTIA. EXISTIA OSCURANDEIRO, EXISTIA PAJELANÇA, AS BENZEDEIRA, AS PARTEIRA..." PAI EDIVANEI

" A DIFERENÇA ENTRE ORIXÁ E CABOCLO É QUE O ORIXÁ É SANTO .ORIXÁ NÃO FALA, ELE NÃO ABRE OLHO. CABOCLO FALA, CABOBLO BEBE,CABOCLO FUMA." PAI CLODOMILSOM DE OGUM

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CAP I T U LO 1

O D O N O D A M I N H A C A B E Ç A :

H I S T Ó R I A S D E V I D A E C A B O C L O S

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perguntar quem é Omulú? É o deus da peste da

doença, e eu fui pedir a cura pras pessoas. Aí fiz

minhas coisinha! Pão, os deboru, que são as pipoca. . .

Fiz as trouxinhas tudinho. – Menina, tu vai passar isso

no teu pai? – Vou sim senhora. Aí ela pegou uma

bolsona desse tamanho. Na hora que ela foi visitar o

pai. . . Eu digo: – Vai! Aí tu pede pra Cabocla Mariana,

já que tu vieste atrás dela, que ela vai te guiar e ela

vai fazer com que desapareça todo mundo de lá, pode

ir lá, vá lá! Ela foi lá. Chegando lá, ela disse: –

Cabocla Mariana, me dá um axé aqui, eu quero a cura

do meu pai! Sumiu todo mundo da UTI , ficou só ela.

Eu disse: – Depois que tu passar tudo isso no teu pai,

tu vai nas águas lá em frente daquela praça do

pescador da orla, tu joga naquela ribanceira de água,

que vai embora. Ela me contou que fez tudo direitinho.

Menina, isso aí foi de manhã! Quando foi de tarde, ele

começou a se mexer, aí começou a abrir os olhos. Aí

o médico disse assim: – Não tô entendendo mais

nada, ele tava quase parando o coração. . . Olha! Eu fiz

a festa da Cabocla Mariana, essa menina deu um boi,

um boi pra Cabocla Mariana. E o pai dela foi! A

cabocla Mariana disse que ele ainda ia lá na minha

casa, e ele foi. De cadeira de roda. Tá são e vivo.

Agora ele colocou uma perna mecânica.Contada por Mãe Brígida em 201 4,Roda de Contação de Histórias, Santarém/Pará/Brasil .

depois da minha separação eu vim ter um menino que éa cara dele. É uma ladainha a minha história, se forcontar tudo tim tim por tim tim, passa um mês! Hoje emdia, minha fi lha é evangélica do sétimo dia, minha irmã étestemunha de Jeová, todas essas coisa. Aí meu ex-marido teve um problema muito sério, e a minha fi lha,quando ela ainda não era evangélica, disse assim: –Papai, por que tu não vais com a mamãe? Eu já vi amamãe curar tanta da gente, por que ela não pode lhecurar? Aí ele foi e eu fiz um ebó nele, pedi ao senhorOmulú a cura dele, a saúde, e quando ele foi no médicode novo fazer novos exames, o médico disse: – Não tôentendendo, Bastos, não tá mais aparecendo nada dadoença que tu tava. Desde aí, hoje em dia, meu ex-marido respeita, quando dá pra ele ir nas minhas festas,ele vai. Então, são umas histórias assim maravilhosas!

O PODER DA CABOCLA MARIANA E DE OMULÚVou contar mais uma história. Um dia chegou uma

pessoa chorando na minha casa. Chorando, chorando: –

Ai, Dona Brígida, pelo amor de Deus, meu pai perdeu a

perna e tá na UTI . Aí eu perguntei: – Mas o que tu

queres que eu faça? – Não, porque o fulano me mandou

aqui, que a senhora faz isso. – Pera lá. – Não, porque eu

quero! – Não, pera aí, não é assim. Eu vou passar um

negócio aqui, mas você vai ter que entrar lá na UTI , você

vai? – Vou, claro, Mãe Brígida! Noutro dia, eu disse: – E

agora? Sempre a gente tem vela dos clientes, aí eu

coloquei uma vela lá no pé de Omulu. Aí vocês vão

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Page 17: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Histórias de Mãe BrígidaTerreiro de Mina IansãMINHAS CABOCLAS MARIANA E ERONDINAMinha mãe era mãe de santo na Umbanda. Eu caseicom quinze anos, e o meu marido era daquelesferverento catól ico. Aí eu tinha que ir pra igreja e mebenziam, me benziam, aí eu virava o zezeu, batia aspernas, eu dormia engatada no meu marido, no meuex-marido, e aquilo me agoniava! Só veio melhorarquando eu servi o povo!A minha mãe era mãe de santo na Umbanda, aí euolhava assim a mamãe fazendo os trabalhos dela etudo. . . Aí eu casei com quinze anos, mas eu já sentia,já vinha sentindo: corria na rua, não conseguia estudar,era uma perturbação, uma coisa fora do natural! E aí eume casei, namorei esse meu marido, meu ex-marido,que eu tenho dois fi lhos. Aí a mamãe disse assim praele: – Olha! Tu vais casar com a minha menina. . . Ah,porque naquela época ninguém podia se beijar, e meacharam já me beijando com esse meu marido, pai dosmeus fi lhos. Aí me botaram pra casar, com quinze anos,coitadinha! E ele com dezoito anos. E, quando eu casei,aí que o negócio piorou, eu comecei correr, começoume dar aqueles problemas de aceleração do coração,perturbação mental e haja médico, haja médico. Meuex-marido gastou o que ele não tinha com médico. Foium transtorno muito grande que eu passei. Aí passou,passou, e eu engravidei. Primeira gravidez minha, euabortei, perdi o primeiro fi lho. Aí, depois de quatro anos,eu engravidei da minha fi lha que está em Portugal.

Quando eu engravidei dela, aí que me atacou. Me atacou,me atacou, me atacou. Quando ela tava no primeiro mêsdela, eu não consegui conviver com ela. Aí me levaram noterreiro. Antes disso, eu só vivia amarrada. Me amarravame eu me desamarrava e sumia dos hospitais,principalmente aquele hospital al i da orla que atéderrubaram, a casa de saúde da orla. Naquela época era oDr. Pamplona. E eles amarravam e davam sedativo.Quando passava aquilo al i , eu ficava boazinha, medesamarrava e sumia. E foi passando. . .mas, quando eu tive minha fi lha, aí começou me atacar,me atacar, me atacar. . . A Mãe Nazaré Rufino, naquelaépoca, chegou em Santarém. Aí disseram: – Leva essa tuamulher lá na Nazaré Rufino, que era ali , perto da travessados mártires, no centro. Aí me levaram lá e eu fiqueisentada lá, agoniada, agoniada, me agoniava.Aí desce a Cabocla Mariana: pã! Vira o zezeu. Eu tavabem sentadinha lá quando: pã! Me deu aquela vontade dequebrar tudo, aí arriou a Cabocla Erondina. Nessa épocaeu ficava doida, maluca, eu ficava porque esse meu maridonão me levava pra uma pessoa rezar. E a mamãe que merezava, mas o negócio foi feio, não é fácil . Meu ex-maridonão aceitava, aí que eu sofri, aí que sofria mesmo! Aí melevaram, aí arriou a Cabocla Erondina. Ela disse: – Olha, tunão vais aceitar, tu não tás aceitando, mas tu vai aceitar,porque ela vai separar de ti e ela ainda vai ter váriosmaridos. Aí ele disse: – Mas a senhora é um demônio! Aícomeçou essa história de demônio, credo em cruz, aquelascoisas toda. Eu sei que nessa coisa eu ainda vivi dez anoscom ele, mas nós separamos, eu me separei grávida. E

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Page 18: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

resumiam em três. Aí foi aquele alvoroço todo e mãe

Mariana lá, perseguindo, perseguindo. . . Aí surgiu um

médico que tinha recém chegado de São Paulo,

olhou e disse: – O que está acontecendo com este

menino? Aí minha mãe pegou e falou pra ele. –

Então, por que a senhora ainda não fez o que esta

mulher branca que está do lado dele esta mandan-

do? Além dele ser médico, ele era sensitivo! Ele ti-

nha o dom da visão, eu não enxergava ela. E minha

mãe, a famíl ia, al i , todo tempo: Jesus! Glória! Isso e

aquilo, daquele glamour todo do pessoal que pensa

que Cristo é surdo. E minha mãe só chorando, cho-

rando. – Eu vou tirar ele de lá, que ele morre pra

casa. Com três dias que eu estava em casa, me deu

uma crise muito grande de convulsão, e sempre saía

aqueles pedaços de sangue. Minha mãe se deses-

perou e queria me levar de volta pro pronto socorro

porque a famíl ia tava em cima: – Tu vai matar teu fi-

lho! Tu vai deixar teu fi lho morrer! Tu não pode crer

numa coisa que você não tem conhecimento, que

vo-cê não sabe nem o que é. E minha mãe pegou e

na hora que minha mãe me levou lá, estava esse

médi-co. Ele disse: – Dona Maria, leve seu fi lho. Se

esta entidade falou pra senhora levar o seu fi lho pra

casa, é pra senhora levar. Depois que eu terminei de

pro-vocar aquele sangue todo coalhado, meu corpo

foi l impando. Então por isso eu prezo, zelo muito.

Então, pra mim, abaixo de Deus, e de Cristo, da

Virgem Santíssima, a Mãe Mariana, depois deles, em

primeiro lugar. Ela que me dá vida, me dá caminho,

cuida de minha vida, cuida da vida dos meus irmãos

hoje em dia. E de muitas pessoas que vão em busca

de pedir um auxíl io, uma palavra amiga, uma palavra

de con-forto, uma palavra de esperança, porque é

isso que às vezes as pessoas vão buscar numa casa

de santo. Já vão num momento assim que já é

dificultoso, sem um socorro preciso, sem um socorro

presente. Então o que eles fazem? Bate nas nossas

portas e nós te-mos que fazer o quê? Abrir as portas

e os braços. Conduzi-los pra tentar encontrar um

caminho melhor pra suas vidas.

A história de Cabocla Mariana começa assim. Três

irmãs: Mariana, Jarina e Erondina. Filhas de um turco

que foram desprezadas um pouco pelo pai. Uma foi

pras águas, outra foi pra mata, também se torna

pelas águas também. São três irmãs que se

encantaram por causa da perversidade do pai. E aí

depois foram se difundindo dentro do nosso Brasil !

Contada por Pi Edvanei em 201 4,Roda de Contação Histórias, Santarém/Pará/Brasil .

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Page 19: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Histórias de Pai Edvanei

Terreiro de Mina Santa Bárbara

MINHA CABOCLA MARIANAEu trabalho com a cabocla Mariana, pai Zé Raimundo,

seu Zé Mineiro, Seu Ogum Rompe Mata. . . Se eu fosse

escolher um pra contar uma história. . . pra mim é uma

emoção muito grande! É uma emoção, um sentimen-

tal, tanto pessoal quanto da minha famíl ia. Eu sou ro-

deado de praticantes de religiões diferentes. Da parte

da famíl ia da minha mãe, tem da Assembleia de Deus,

tem da Igreja de Sétimo dia, tem a minha irmã, que é

Testemunha de Jeová, tem da Igreja da Paz. Da parte

do meu pai, tem os mórmons, da igreja de Jesus Cris-

to do Santo dos Últimos Dias. . . Nós nos respeitamos.

Pra contar uma história, escolher uma, é difíci l ! Porque

eles nos dão caminho, nos dão vida, nos dão ensina-

mento. Então eu não vou contar uma história, eu vou

contar um pedaço de uma delas. Quando eu resolvi a-

ceitar minha vida espiritual, eu só vivia doente. Doen-

te, doente, doente. . . passei por nove cirurgias sem

precisão. Dos meus onze pros doze, eu conheci a

casa de Obacilê, dona Conceição Moraes, aí passei

cinco anos de minha vida lá na casa dela. Aí depois

saí de lá da casa dela, mas por caminhos que só De-

us e eu sei. Com meus treze anos, eu comecei a ado-

ecer, adoecer, adoecer, adoecer demais. E doença,

doença. E opera daqui, opera dali , opera daqui. Só de

garganta eu fiz quatro cirurgias. Na minha décima pra

décima primeira, pra décima terceira cirurgia, porque

eu ia fazer três cirurgias dentro do antigo municipal, a

Cabocla Mariana se manifestou em mim. Meu sangue

coalhou por dentro e eu botava os pedaços pra fora,

tanto pelo nariz quanto pela boca. Se eu pegasse um

arranha assim, aquilo ficava negro, uma coisa horrível.

E foi quando os médicos se juntaram e disseram pra

minha mãe: – Olha, dona Maria, seu fi lho vai ter que

ir pra São Paulo urgentemente, porque aqui dentro de

Santarém nós não sabemos o que que é. Porque o

sangue dele tá coalhando por dentro. E o pior, circula-

ção não tinha no meu organismo. E minha mãe se de-

sesperou, porque eu venho de uma famíl ia muito hu-

milde. Quando foi nesse período de sete dias, seis di-

as pra fazer o transe de levar pra São Paulo, foi que

a Cabocla Mariana se manifestou em cima de mim. E

disse pra minha mãe: – Se você quer que o seu fi lho

fique bom, tire ele daqui. Ele já tá todo ticado, feito

um peixe. Porque o médico falou que iam fazer uma

cirurgia daqui do dedo mindinho até aqui, o coração.

Daqui iam fazer nas costas, no pulmão. Sei que se

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Page 20: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

meu filho, teu pai é do Codó, teu pai

nasceu lá, preto, preto, preto! Tinha

só o dente branco. Nome dele era Jô

Soares. Tinha um bar lá na vila

Caçula, um prostíbulo mesmo. Então,

com sete anos de idade, minha mãe

me deu pra ser criado com um juiz, e

a mulher do juiz gostava muito disso.

Eu não posso falar, porque é uma

história complicada. Mas ela me

levou pros lugares, sempre as

entidade que baixavam ficavam: – Ah

esse menino tem uma mediunidade,

esse menino tem alguma coisa. . . –

Eu não, dona Selena, tenho isso

não, tenho nada disso, eu sou uma

pessoa de Deus! Não tenho isso! Eu

sempre rejeitava. No começo eu

rejeitei muito. Eu pedia sempre pra ir

pro garimpo, pra andar de avião que

eu nunca tinha andado, e a minha

mãe dizia: – Tu vai pegar malária,

menino! Ah, mas, se tu for, tu vai de

barco! E adivinha o que aconteceu?

O barco afundou! Afundemo todo

mundo. Só que eu me acordei e

minha mãe já tava segurada num

carote. Eu não sei o que

aconteceu, porque o barco

afundou no meio e eu tava em

cima duma pedra. Nessa hora, o

pessoal gritaram: – Ele tá ali , em

cima da pedra! Mas como é que

um barco afunda e depois vai

parar ali em cima duma pedra?

Estranho essa história, né? Mas

eu também não acredito. E o

pessoal dizia: – Não, esse

menino tem que ir num terreiro,

tem que ir em algum lugar, esse

menino tem alguma coisa, ele

não morreu, aconteceu um monte

de coisa e ele não morre! Fui

mil itar. Aí foi o tempo que servi o

quartel. Lá no quartel tinha um

cabo aéreo, que a gente faz. E a

corda arrebentou! No ar! Oh, já

passamos pelo fogo, pela água,

agora pelo ar. Arrebentou a corda e

eu fui bater em cima duma árvore.

Fiquei seguro no galho! E na hora

que eu fiquei seguro, que eu me

acordei, eu vi um índio! Um índio que

eu sempre via comigo. Ele tava de

abraços abertos pra mim. – Tá

seguro, meu fi lho, ele falou assim. Aí

foram lá e me tiraram de cima da

árvore. Aí o pessoal: – Rapaz, como

é que esse soldado Hilckson não

morreu? A corda arrebentou e como

é que ele lambou nessa árvore? E eu

ainda não acreditei. Eu duvidando. Aí

foi o tempo que eu saí do quartel e

eu comecei a frequentar o terreiro da

mãe Francisca, que até pai Edivanei

aqui frequentou também e Pai

Juscelino também. Pai Clodomilson

também andou lá no terreiro da Mãe

Francisca. Ajudou muito ela, deu

muito apoio, porque ela já era uma

pessoa mais idosa. Aí eu comecei

minha caminhada.

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Page 21: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Histórias de Pai Westerley de Ogum

Terreiro de São JorgeMEU CABOCLO TUPINAMBÁA minha história ela vem de Itaituba

aonde eu nasci. Tem um avô que

faleceu esse ano que era Sacaca. E

daí minha mãe trouxe também um

pouco de conhecimento com ele.

Quando eu completei meia idade. . .

Meu pai, maranhense do Codó, hoje

minha parte da famíl ia dele mora em

Santa Luzia. . . Então eu tinha visões.

Criancinha, desde criança, eu tinha

visão e mamãe dizia: – Para com isso

menino, tu não é isso. . . E eu tinha

visão, e a visão que eu tinha era os

índios, fazendo aquele círculo, aquela

roda de fogo no meio. E, um certo

dia, minha mãe se deixou do meu pai.

E, já com meu padrasto, saiu pra

assistir um filme. Um filme do Bruce

Lee, aquela época ainda existia,

antigo, né? Faltava energia em

Itaiutuba e minha mãe deixou a vela

acesa. E o que aconteceu? A casa

pegou fogo! Arrodiou de fogo e eu

no meio, junto com meu irmão. Eu

na rede e meu irmão na cama, e o

fogo arrodiado. Aí tinha uma visão,

como se fosse ao vivo,

material izado de um Exu, de um

Exu Capa Preta. Porque hoje eu

sei o que é, antes eu não sabia. E

ele disse pra mim, fez o sinal: –

Pula! Em cima do fogo. E pega o

teu irmão. Desci da rede e pulei.

Não aconteceu nada eu não me

queimei. Com pijama, porque,

naquela época, existia o Banana de

Pijama, e eu era o B1 e o meu

irmão era o B2. Aí eu meti a mão

no fogo lá e puxei o meu irmão. Só

que tinha um detalhe, o quarto que

eu peguei tava trancado também. E

agora? E eu era muito catól ico,

coroinha de igreja também, mamãe

sempre ia pra igreja, eu cantava no

coral da igreja. E eu vi uma luz, um

cavaleiro, todo montado, e ele disse

pra mim: – Vai até aquela janela que

ela vai se abrir. E as janelas tudo

fechada, tudo fechadinha mesmo,

não tinha como eu consegui abrir,

era alto. E eu pequeno, tinha sete

anos de idade. E, quando eu

cheguei próximo da porta, acontece

da porta se abrir. E eu saí correndo,

desembalado na carreira, e cheguei

lá com a minha mãe: – A casa tá

pegando fogo. – E como é que tu

saiu lá de dentro, que tava

arrodeado de fogo lá? Quando os

vizinhos chegaram lá, só já tava só o

pó. Tinha acabado tudo, se

transformado em cinza. E a mamãe

disse: – Esse menino só pode ter

alguma coisa! E eu: – Não, mamãe,

eu tenho é Deus no meu coração,

eu não tenho essas coisas não. Meu

avô que faz as pajelanças dele lá,

quem cura as pessoas é ele, eu não

tenho nada disso não. – Mas teu pai,

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Page 22: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

que preparavam remé-dios e curavampessoas. O carinho entre o índio e a cobrafez com que eles conse-guissem secomunicar pelo pensamento. E nisso elesentiu quando ela o nomeou co-moTupinambá das Sete Matas, pois é o ú-nico índio que conhece as sete matas e ossegredos delas. Muito emocionado ao sen-tir essa vibração de amor e carinho, ele fezuma reunião com o povo dele e passou es-sa homenagem ao seu povo.

Com o passar do tempo, a idade foichegando, a tristeza aumentando, e elesentiu que ia morrer. Preferiu não se des-pedir de ninguém. Então se isolou na mata,sentado debaixo de uma árvore, com a co-bra grudada no braço. E ficou ali , com osseus pensamentos e a cobra. A sua mortenão demorou muito a chegar. Só que, antesde falecer, a serpente faleceu primeiro.

Depois de muito tempo de falecido, eleencontrou seu amigo, que era chefe da al-deia onde ele foi criado. A alegria delenascia de novo e ele passou a trabalharcom ele, fazendo caridade. Com amor, coma permissão de Oxalá, ele falou ao cabo-clo: – A partir desse momento, você vaiter a sua própria l inha de trabalho, podeescolher sete espíritos, que você já tem a

permissão de Oxalá. Sem palavras,ele falou da vida dele na terra,sendo que o chefe já sabia. Entãoele falou que queria ir atrás doespírito da cobra que tanto oajudou. E eles foram. Ao chegar lá,ele viu uma linda cabocla vindo aoencontro deles. Ele, sem entendernada. Ela começou a explicar tudo.

A serpente em vida foi umalinda cabocla, mas ainda jovem foiestuprada e jogada nas matas porcaçadores, com o corpo estendidono chão, toda machucada. Ascobras, vendo aquele corpo todoferido, começaram a passar porcima do corpo dela. Com os outrosanimais e com as magias dascobras, elas curaram a ferida docorpo e da alma dela. Só que elanão aguentou e acabou falecendo,mas o espírito dela preferiu ficar al icom as cobras, pois, durante o dia,ela dançava e cantava para atrairos homens, levando eles para omeio da mata, para ficaremperdidos e serem comidos pelosanimais, do mesmo jeito que ela foi .Ela fazia por vingança.

Depois ela voltava a ser cobra,só que ela conheceu o índio, eleensinou a ela a amizade, o cari-nho e o respeito, fazendo-a seesquecer da vingança que traziano coração. Quando ela faleceu,sem eles saberem, ela foi des-pertada do sofrimento, e o espí-rito dela foi por um caminho de luz.Ele explicou a intenção dele defazer caridade nos templos deUmbanda, e ela aceitou. Não sãotodas as pessoas que trabalhamcom o caboclo que trazem elajunto, a pessoa é escolhida porOxalá. Ela é uma caboclo de des-carrego, é um caboclo de traba-lho. Quando elas vêm na Umban-da, ela solta o brando dela, ouseja, o som de uma serpente, de-monstrando o amor que sentepor ele. E ele, o piado da cobracoral, demonstrando o desafioque ele tem com a cobra coralpor causa da serpente, que hojetraz o nome de CaboclaCurupira.Contada por Pai Westerley, Camila,Célia e Roberta em 201 4,comunidade quilombola de Saracura

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Page 23: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

HISTÓRIA DO CABOCLO TUPINAMBÁNo meio de uma caçada nas matas,

Tupinambá levou uma pancada na cabeça.Não se sabe o que foi . Ele ficou desacor-dado muito tempo. Estendido no chão, osinsetos começaram a picar-lhe e isso fezque ele levantasse mau cheiro, atraindomais animais. Um desses animais feroz foidireto atacar o corpo do índio quando, paraa surpresa do animal, uma serpente pulouem cima desse animal. No meio dessa gri-taria entre a cobra e o animal, o índio a-cordou assustado e logo pegou sua faca quecarregava na cintura, e atacou o animal,matando-o rapidamente. Ele e a serpente seafastaram um do outro, sem tirar o olhar umdo outro. Então ele começou a andar de umlado para o outro, ele estava com medo queela desse o bote, e ela com medo que elematasse ela. Isso durou horas decaminhada, até que ele começou a perceberque ela ajudava a caçar.

Quando ele sentia perigo por algummotivo, a serpente ia à frente dele, servin-do de isca e, quando um animal ia atacar acobra, ele matava-o. Eles ficaram tão pró-ximos um do outro que ele carregava ela nobraço, como se fosse um bracelete.

Por ter ficado muito tempo desacor-dado, Tupinambá se perdeu nas matas, pois

as matas cresceram e as marcasdeixadas por ele desa-pareceram.Enquanto eles andavam no meio damata, procurando saí-da, ela olevou até a morada das cobras e,lá, elas ensinaram o se-gredo delase as magias para sal-var. Nisso,elas subiram no corpo dele,curando as feridas causadas pelosinsetos. Ele passou a convi-vercom elas, até que um dia ele sesurpreendeu com um ataque dacobra coral. Isso aconteceu váriasvezes. Ela tinha ciúme dele com asoutras cobras e isso foi cri andouma rixa entre os dois.

Para provocar a coral, o índio aimitava, até que, nessa brincadeira,ela o atacou e ele acaboumatando-a a. Então, ele catou ocouro dela e colocou na testa dele,simbolizando-a. Quando as outrasserpentes viram, elas aceitaram,mas as outras corais não. Epermaneceu a rixa entre eles.

Nisso, a serpente foi mostran-do pra ele as sete matas. Ele co-meçou a conhecer as matas comoa palma da mão. Cada mata tinha

seus segredos, as pessoas olhamas matas e pensam que é umasó, por ser muito grande, mas nãoEla é dividida em várias partes,até chegar ao centro da mata vir-gem. E, de tanto eles andarem delá pra cá, ele começou a se lem-brar do caminho de sua aldeia. Aalegria era imensa!

Mas, para sua tristeza, duran-te o tempo que ele ficou perdidonas matas, a aldeia dele foi inva-dida por caçadores e queimada.Mataram a mãe dele. Antes disso,eles usaram e abusaram da mãedele e o resto da famíl ia foi em-bora dali com o povo da aldeia.Ele não quis ir atrás deles. Prefe-riu ficar al i , com a sua mais novaamiga, a serpente. Já que ela nãodesgrudava dele ali , ele montouuma cabana pra eles, permane-cendo sozinho por pouco tempo,pois, assim que as índias viram a-quele índio, formaram famíl ias.Tupinambá se tornou muito triste,de poucas palavras. Sem perce-ber, aquela mini aldeia se tornouuma grande aldeia. Todas asenfermidades que surgiram eles

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Page 24: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

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Histórias de Pai EdivaneiTerreiro de Mina Santa Bárbara

O ERÊO Erê é uma divindade espiritual que vem,

sobrenatural, que vem por cima da mente, por cimado ori . O ori é o odú que o ser humano traz, que é acabeça. Mas dizer que fosse seu anjo de guarda. OErê responde pelo santo que rege sua cabeça, regesua vida, rege seus caminhos. Mas o caboclo são osmestiços, os nossos antepassados, os índios que setornaram nossos caboclos, nossos vodunson, nossoscatiços. Essa que são as histórias. Porque às vezesas pessoas contam as histórias e não sabemdiferenciar uma coisa da outra. Fica dizendo: porqueo candomblé, porque o santo, santo, santo... Tudo erao santo! Sim, existe! Lindo maravilhoso, é nossa vida,eu amo minha santa, nossa mãe Oiá, Deus abençoe.Mas o caboclo, antes dos orixás, da naçãocandomblé Ketu, Jeje, Angola, existiam os caboclos.Antes dos orixás vim pro Brasil , já existia. Existia oscurandeiro, existia pajelança, as bezendeira, asparteira. Os médico! Pra eles serem médicos elesfazem o quê? Estudam, estudam, estudam... vãodefinhar o ser humano do pé a cabeça, de dentro prafora e de fora pra dentro. Mas quem são os médicos

populares? São os pais de santo, são oscurandeiro, são os benzedor, porque se um serhumano vai na casa deles, vai nas nossas casas, jávai no último auxíl io! Porque já foi num médico, jáfoi no outro... aí o que a gente vai fazer? Nósvamos pedir a benção e a proteção divina de Deuse aos nossos guias, nossos caboclos, nossosorixás, para nos dar mentalidade de qual remédioprecisa, até mesmo uma folha de mangueira podeservir pra murchar, uma folha de arruda, umacasca de pau. Olha, pra tu rir, os curandeiro jásabiam o que era quebra-pedra, raiz do açaí, ocaroço do abacate, o médico não usa isso porquê? O remédio vem da onde? Vem das raízes, vemdas cascas de pau, vem das folhas. Então, pra elefazer um remédio, eles estudam anos e anos. Oscaboclos baixa e já diz qual o remédio.

Page 25: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Histórias de Pai Clodomilson de Ogum

Terreiro I le ase ogumja ode

AS OFERENDAS

Exu gosta de galinha, de preta, porque tádando caminho, porque você tá dandovida à pessoa, porque você tá cortando.Porque... pensa numa pedra. Se a gentecortar um bicho de pena, aí a gente vaidar vida pra aquele objeto. Porque o quecorre na nossa veia é sangue. Sangue évida! E as pessoas dizem que édespacho... Que despacho! Isso é umaoferenda que a gente tá dando pra vocêcrescer, prosperar, ter saúde,prosperidade. Quando tem alguém nohospital, internado, a gente tem que doaro quê? Pra sobreviver aquela pessoa?Sangue. Você tá dando vida pra aquelapessoa.

Rapaz, isso era em Jacareacanga, dentro do garimpo.Aí eu falei: – Meu Deus do céu, mas quem que vaiinvadir aqui, rapaz? Eu conversando com ele na gruta.E ele começou se manifestar na mina do ouro. Aí desdelá ele começou me pegar e, desde lá, eu fiz oassentamento do seu Zé Mineiro. O caboclo Zé Mineirotrabalhava nas minas, cavava com os carrinho dele, e amina desabou! Então quando ele se manifestou emmim, ele me pegou na beira do igarapé. Aí ele contou ahistória dele todinha. Que era José Mineiro da Silva, aícontou a história dele. Porque são vários mineiros, sãodez povo de mina. O meu mineiro é o Zé MineiroChapéu de Couro e, quando ele se manifestou, contoua história dele. Que ele foi na gruta, que tem aquelescarrinho, com picareta, quebrando pra tirar o ouro dagruta e a gruta desabou e aí ele morreu. E hoje ele vemna terra pra fazer os seus trabalhos, pagar o que elenão fez aos antepassados.

Contada por Pai Clodomilson de Ogum em 201 4Roda de Contação de Histórias, Santarém/Pará/Brasil .

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Page 26: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

O caboclo Zé Mineiro começou a me pegar na salade aula, quando eu tinha sete anos. Eu estudando, eleme pegava e eu começava a babar, e disseram que eraepilepsia. Mas era o caboclo. Me levavam pra Igreja, meamarravam, e aí que ele atacava forte. Ele, com raiva dovelho, porque o velho me amarrava. Aí ele começou a semanifestar, e cada vez mais violento. Aí que meu pai meespancava. Porque, na igreja, ele era santinho, mas,quando ele chegava em casa, era um demônio. Minhamãe, pra me dar comida, tinha que me dar escondido,porque ele ficava 24h no meu corpo, não queria sair ocaboclo, até levarem uma curadeira pra cuidar docaboclo, porque eles não sabiam, então só levavam praigreja. E me amarravam. Aí que ele ficava mais violento,e eu não comia. Ficava semanas sem me alimentar,porque, quando você tá na fase do desenvolvimento, nãodá fome, não dorme. Você tá em transe, você não évocê, você não queria ter aquilo, eu não queria ter essascoisas, eu queria ser uma pessoa normal.Eu ia muito pra garimpo, buscando ouro. Eu via ele, ocaboclo Zé Mineiro, nas grutas. Ele chegava comigo, comaquelas prancheta que usa pra pegar o ouro. Eleaparecia pra mim e dizia: – Tu é meu fi lho, cabra! E batiano meu peito! Ele disse: – Sai daqui, que vão invadir obarraco!

ele foi nascido e criado, no I lê Axé da Elza MoraesFernandes, terreiro de mina. Depois que eu passei demina, aí já passei pro I le Axé Opó Afonjá, que é daKaloy Isabel. Saí das águas da Kaloy , passei praságuas do Pai Cléber de Iemanjá, que é do Rio deJaneiro. Saí das águas do Pai Cléber, fui pro I lê AxéCasa Branca, que era do Pai Wanderley. Aí foiassentado meu Exu. Seu Exu Marabô. Depois foi feitotoda uma situação até eu chegar onde eu estou hoje.Nasci e me criei dentro da Mina, depois de certo tempo,ou de vinte e poucos anos de Mina, eu passei proCandomblé, porque meu santo tava cobrando. Eu tavaficando quente, porque fi lho de Ogum é quente! Foiquando eu resolvi me iniciar dentro do santo, serraspado, catulado, e, graças a Deus, paguei minhasobrigações e, hoje, estou no Candomblé. Pronto! Hojeeu vou em qualquer lugar, posso ir aonde eu for,caboclo não baixa, dou até palestra. Então, hoje o meupai me vê diferente. Porque é a nossa religião, eu nãotenho culpa, pai, de ser assim. Como vai nego lá naminha casa, da aldeia waiwai, os quilombola, chega lácomigo e tiram as dúvidas que eles querem tirar. Aípapai diz: – Isso tá amarrado, em nome de Jesus! Eudigo: – Pois é, Axé! Como o senhor tá dizendo que táamarrado, eu digo axé pro senhor.

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Page 27: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

O nome do meu caboclo é Zé Mineiro Chapéu deCouro. Quando ele começou a me pegar, desdepequeno, me levavam pra Igreja e me amarravam. E aporrada cantava! Até que eu inteirei sete pros oito e saída casa dos meus pais. Eu só vivia internado, tomandosoro. Eu tive que sair porque tava ficando louco, de tantomeu pai me bater. Aí a vizinha do lado disse: – Se osenhor não levar esse rapaz pra uma curadeira, umpajé. . . se tu não levar pra curadeira, meu fi lho, prabezendeira, eu vou dar parte no ministério público porqueo senhor tá maltratando esse menino. Eu amarrado, todotempo amarrado no fio, e porrada! Porque evangélico nãoacredita nessas coisa, até hoje tá lá ele como pastor.Minha mãe, graças a Deus, se l ibertou dele, depois decinquenta anos de casado. E foi quando uma mulher mepegou e me levou pro terreiro de Elza MoraesFernandes. Foi quando ela começou me cuidar, tratar domeu caboclo, e foi quando eu descobri que eu tinha essecaboclo Zé Mineiro, porque eu não sabia. Eu tava naescola, na sala de aula, escrevendo, quando. . . uuuuuuh!Baixava o espírito. Os alunos saía correndo, até aprofessora! Aí ela mandava chamar o pastor, que é opapai. E era: – Amarra, amarra que é o demônio, emnome de Jesus! Eu sofri! Eu dou graças a Deus que,depois, eu batizei meu caboclo Zé Mineiro, depois eubatizei meu caboclo com Elza Moraes Fernandes, onde

Histórias de Pai Clodomilson de Ogum

MEU CABOCLO ZÉ MINEIRO

Meu pai é pastor da Assembleia de Deus,cinquenta anos pastor da Assembleia de Deus. Aí eucomecei a pegar caboclo. E o que ele me levava? PraIgreja. Aí, haja o Pastor: – Tá amarrado, em nome deJesus! Pra expulsar o demônio, que era o meucaboclo Zé Mineiro. E me amarravam, eu apanhava dechoque elétrico. . . Quanto mais me batiam, aí que o ZéMineiro se revoltava, meu caboclo. Ele queria pegareles, só que eles diziam: – Segura, segura, segura odemônio aí! Aí eu falei pra ele: – Eu não tenho culpade ser escolhido, de ter um dom, porque eu sou desete meses, sou prematuro, por isso que eu tenhoesse buraco aqui na cabeça e sou magrinho assimdesse jeito. Meus irmãos são tudo evangélico, sãotudo de nove meses, e eu sou de sete. Agora eutenho culpa de ter nascido desse jeito? Culpado foi osenhor que deitou com a mamãe. Portanto, o senhorvai ter que me aceitar de qualquer jeito, queira ou nãoqueira.

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Page 28: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

capítulo 2

orixás15

Page 29: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

orixás

EU COSTUMO DIZER QUE SANTARÉM É UMA CIDADE ABENÇOADA

PELOS ORIXÁS. NÓS ESTAMOS NA CASA DE OSSAIM, NO BERÇO DA

FLORESTA, QUE É O PAI DA MEDICINA. NÓS ESTAMOS NA CASA DE

OXÓSSI, QUE É O DEUS DA CAÇA, O ORIXÁ DA FARTURA. TEM DOIS

RIOS MARAVILHOSOS BANHANDO SANTARÉM. SÃO A CASA DE

OXUM! E DIZEM QUE SANTARÉM É UMA PÉROLA, E PÉROLA SE

ENCONTRA NO MAR, A CASA DE IEMANJÁ. ENTÃO NÓS ESTAMOS

TOTALMENTE LIGADOS AOS NOSSOS ORIXÁS EM SANTARÉM. NÓS

ESTAMOS ABENÇOADOS PRINCIPALMENTE POR OXUM. SANTARÉM

É CONHECIDA COMO CIDADE QUE TEM MUITO OURO, QUE TEM

MUITA RIQUEZA, E OURO É UM ELEMENTO DE OXUM. TEMOS

PEDREIRAS AQUI PERTO, A CASA DE XANGÔ. MEU PAI! ENTÃO NÃO

HÁ O QUE SE DISCUTIR. SANTARÉM É UMA CIDADE

RELIGIOSAMENTE ABENÇOADA PELOS DEUSES AFRICANOS, PELAS

DIVINDADES DO CANDOMBLÉ. E ESTRADAS E MAIS ESTRADAS AÍ,

QUE É A CASA DE EXU, SÃO OS CAMINHOS DE OGUM. ENTÃO

SANTARÉM É UMA CIDADE ABENÇOADA POR TUDO ISSO. (ZENILDO)

EU SEMPRE ACHEI ASSIM: OS ORIXÁS SÃO

AQUILO QUE NÓS CONVIVEMOS. O TEMPO,

A RESPIRAÇÃO É O ORIXÁ. A ÁGUA! AO

REDOR DE SANTARÉM! É OXUM. ÁGUA

DOCE! NÓS ESTAMOS RODEADOS DE

ÁGUA DOCE. (MÃE BRÍGIDA)

Page 30: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

LÍNGUA DE EXúO povo yorubá não tinha era tudo de boca em boca.Pra eles também o homem foi criado com o barro. Elesacreditam que quem deu o barro pra Obatalá que éOxalá, depois criar o mundo foi Nanã, essa vovozinhaque é bem velha. Nanã é uma divindade para osyorubás, divindade feminina que habita os pântanos,ela é a lama. Então foi com o barro de Nanã que Oxaláfez o homem. Por isso que Nanã é muito importante,porque Oxalá sabia fazer o homem, mas ele não tinhamatéria pra fazer, e Nanã deu pra ele o barro. PorqueOxalá sabia fazer o Homem, mas ele não tinha amatéria para fazer, e Nanã deu pra ele o barro. Masacontece que agora já estou falando de Oxalá. Pracontinuar, vou pedir ajuda de uns instrumentos e de ummúsico pra cantar uma canção. Dizem que, quando agente chega na casa das pessoas, a gente tem quepedir l icença, a gente não chega e vai abrindo a malaassim, e vai chegando. . . tem que pedir l icença:Senhores donos da casa, senhores donos da casa,como vai, como passou? Como vai, como passou?Viemos pedir l icença, viemos pedir l icençapra contar nossa história!Oi, l icencê, oi, l icençá, foi agora que eu cheguei que euvou me apresentar.

Tem muitas coisas em comum entre o Brasil ea África. O Brasil foi primeiro habitado pelos índios.Depois chegaram os portugueses. E aí vieram maistarde os negros africanos. Eles foram trazidos pelosportugueses pra trabalhar aqui nessa terra, ajudar aconstruir todo esse Brasil que nós temos hoje.Muitas coisas, senão todas, passaram pelas mãosdos negros trazidos da África. E olha que forammuitos povos diferentes. Às vezes a gente falaassim: ah, veio da África, e pensa que era todomundo igual, mas não era não! Vieram os negrosbanto, os negros ketu, os homens lá do Daomé,vieram outros lá debaixo, de Ifé, de Irê e vieram osnegros yorubás. Os yorubás não vieram com a mãovazia não! Vieram cheios de coisas. Trazendo, nocoração e na memória, seus batuques, suascomidas, aqueles temperos que só tinham lá naÁfrica. Sabe de uma coisa que tinha só lá na Áfricaque eles trouxeram pra cá? Uva! O que mais?Inhame, cará. Outra coisa que é muito gostosa équiabo! Hum, tá me dando até fome. Pois bem,trouxeram as comidas. E trouxeram os tecidoscoloridos, cada um mais l indo do que o outro. Tinhatecido colorido pra homem, tecido colorido pramulher, tecido colorido pra criança, tecido coloridopra homem e mulher, enfim. Era muita gente.Trouxeram búzios, trouxeram suas crenças,trouxeram os deuses, que eles chamam de Orixás.

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Porque eles eram diferentes dos portugueses. Osportugueses acreditavam num único Deus, e osyorubás não. Os yorubás acreditavam em váriosdeuses. Acontece que, pra eles, cada deus é umaenergia que existe na natureza. Pra eles, deus estápresente em tudo na natureza! E eles contam que, hámuitos, muitos anos atrás, nesse mundo só existiaágua, só água. Orumilá, que é o deus supremo,mandou Odudua e Obatalá descerem aqui, onde sótinha água, pra criar o firmamento, a terra e criar ohomem. E eles vieram! Aconteceu umas confusões nomeio do caminho, mas isso é outra história, agora eutô contando outra, então não vou contar as confusãonão. Então aconteceram umas confusões no meio docaminho e tal, mas Obatalá criou o homem. Ah, masele trabalhou demais! Quem foi que deu o barro praele criar o homem mesmo? Nanã. Nanã deu o barropra ele e ele foi moldando o homem um por um. Elemoldava e Orumilá soprava, e o homem saía andando.Ele moldava e Orumilá soprava, e o homem saíaandando. Ele moldava e Orumilá soprava, e o homemsaía andando. Ele moldava e Orumilá soprava, e ohomem saía andando. Mas era muito trabalho, erahomem pra criar, era muito homem, mulher, criança, eObatalá precisou de ajuda. Ele escolheu um homemmuito ideúdo, muito idereta, muito esperto e muitotrabalhador. Chamou Exu! É! Exu morava por aí, pelarua, tinha casa não, coitado, mas ele era muito

trabalhador. Obatalá falou assim: – Olha, Exu, vocêvem aqui, me ajuda a criar o homem, que você gostade trabalhar, tá? E depois eu vou te pagar muito bem,vou te dar muita comida, vou te dar até uma casa sevocê quiser, mas é que eu tô precisando de ajuda. EExu foi ajudar Obatalá, e os dois ficaram muito tempoali criando o homem. Quando acabou tudo, Odudua játinha criado o firmamento, o homem já tava alipovoando a terra, andando pra tudo quanto é lado,homem, mulher, criança. . . Obatalá falou: – Ah, voudescansar. Vou descansar um bucadin, que eu fiqueicansado, trabalhei demais. Mas você não vaidescansar não, Exu, porque você é pra trabalhar, vocêé trabalhador. Então, você faz um favor, você vai lá nomercado, busca pra mim a melhor comida que existeaí nessa terra que foi criada. Agora eu quero provarqual que é a comida mais gostosa que tem nesselugar. Exu, obediente, andou, andou, andou, andou. . .Chegou no mercado e comprou língua de boi. Obatalátinha pedido a comida mais gostosa, Exu foi lá ecomprou língua de boi. Só que Exu não foi bobo nada,ele comprou uns temperinho, umas ervinhas. . . chegouem casa, temperou a língua de boi, mas assim fezaquela língua toda temperada, recheada, cheia decoisa boa, assou! Serviu a língua pra Obatalá! EObatalá comeu, comeu, comeu, comeu, comeu,comeu. . . lambeu os beiços e falou: – Nossa, Exu! Umadelícia de comida, língua de boi, hum! E esse

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temperinho então. . . hum! Uma delícia! Bomdemais! Muito bom! Comeu tudo, falou: –Muito bem, a melhor comida do mundo érealmente muito boa. Agora, Exu, que eu jáprovei da melhor coisa que tem no mundo,você faz um favor pra mim, você vai lá nomercado e compra a coisa mais ruim que temnesse mundo que eu vou comer também.Porque se eu já comi do melhor, agora eu voucomer do pior! Quero saber o que tem demais gostoso e o que tem de mais ruim! EExu foi. Andou, andou, andou, andou, andou,andou. . . ele já tinha comprado a coisa maisgostosa do mundo que era língua de boi eagora então o que ele comprou? Exu comproulíngua de boi! De novo! E levou a língua deboi pra casa, chegou lá, preparou a língua,colocou uns temperos, preparou, preparou,preparou. . . pôs no forno pra passar, e aí foiassando, foi assando, foi assando. . . Mas nãocheirou muito não, dessa vez não cheirounão! Aí ele colocou no prato, na mesa, eObatalá olhou aquele trem assim: – Oh, Exu,esse negócio tá meio parecido com aquelenegócio que você me serviu antes, que era omais gostoso, não tá não? Exu falou: – É sim,tá parecido, mas eu não gostaria agora deexprimir a minha opinião, eu gostaria que o

senhor comesse esse prato. Exu muito sério, falou muito sério.Obatalá até estranhou, porque ele não era de falar sério assimnão. – Bom, vou comer. Comeu. Pegou o primeiro pedaço e,quando ele pôs o primeiro pedaço na boca. . . Ah, tava ruimdemais! Mas ruim demais da conta! Ele não aguentou nemcomer, jogou o negócio fora. Foi muito ruim. Aí ele falou assim:– Oh, Exu, você me trouxe o prato mais gostoso que é a língua!Muito bom, muito bom, a melhor comida do mundo. E o que éisso aqui que é a pior comida do mundo, Exu? – Uai, Obatalá,isso aí é língua, de boi. – Língua de boi também? – É, Obatalá,isso aí é língua de boi! Obatalá não entendeu nada, vocêsestão entendendo alguma coisa? O melhor prato do mundo élíngua de boi. O pior prato do mundo, língua de boi. E aí foi queExu deu a ideia. Ele disse o seguinte: – Olha, Obatalá, você mepediu pra trazer o melhor prato do mundo e eu trouxe língua deboi. Você me pediu o pior prato do mundo, eu trouxe língua deboi. Porque a língua pode ser muito boa, dependendo da formacomo você usa. Se você usar ela, temperar ela, botar umtempero ruim, a língua vai ser ruim. Se você botar um temperobom, a língua vai ser boa. E aí Obatalá descobriu o seguinte:que tem muita coisa boa no mundo, mas também pode termuita coisa ruim, dependendo do jeito que você usa. E, olha, éo seguinte! Eu contei minha história! Entrei por uma porta e vousair pela outra, quem quiser que conta outra!

Contada por Lorena Anastácio e Vinícius Moreira em 201 4,

na comunidade quilombola de Murumurutuba,

Santarém /Pará/Brasil .

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O I N Í C I O D O U N I V E R S OA história que eu vou contar é sobre o início do universo. Alguém sabe a história do início do Universo? Não? Nem eu sabia,

aprendi ainda agorinha! No início de tudo, eram duas extensões: o céu e o mar. O céu era habitado pelo rei Olorum, ele vivia

plenamente no seu universo, no seu reino. E o mar era habitado, era reinado, pela rainha Olocum. Vivia também bem, mas não

tinha grandes coisas lá não, só tinha mar. Uma coisa chata, não tinha marido. . . Uma coisa muito chata. Então, um aprendiz de

deus, chamado Obatalá, olhou pra extensão debaixo e disse: – Caramba, que lugar feio! Não tem vida lá, vou ter que chegar com

alguém e falar que precisa de vida nesse lugar. Aí chegou lá com Olorum e disse: – Majestade, na extensão debaixo é só cinza, é

feio, é desprovido, eu queria mudar, eu queria algo diferente, montanhas, lagos, extensões, pássaros, animais, vida. . . lá não tem!

Aí Olorum ficou pensando. . . Realmente! Essa ideia é boa, mas quem vai fazer isso? Eu não posso sair daqui, tô muito bem aqui.

Aí: – Eu! Eu! Se o senhor quiser, eu tô aqui. Eu vou lá. Se o senhor me permitir, eu vou lá. Na hora! – Então, você tem que

primeiro passar pelo meu fi lho, que ele faz umas previsões pra você ver se vai dar certo ou não. – Tá, tudo bem. Ele chegou lá

com o filho dele e disse: – Orunmilá, queria saber: se eu for naquele lugar feio, tentar fazer ele ficar bonito, vai dar certo? – Vai!

Na hora! Vamos lá, você só vai precisar de uma concha com areia, uma galinha, um gato preto e uma tâmara. E outra coisa, pra

você chegar até lá, você não vai chegar voando, você não tem asa, não vai chegar voando, você vai ter que construir uma

corrente de ouro, aí você vai poder chegar até lá. Aí ele: – Tudo bem. Chegou lá no ferreiro: – Senhor, o senhor tem que fazer

uma corrente pra mim que eu tenho que chegar lá naquela extensão debaixo. Ele disse: – Oh, negócio é o seguinte. Não tem

ouro suficiente pra fazer a corrente. Aí ele: – Mas nós vamos já pedir ajuda. Pediu ajuda de toda a comunidade do reino pra

conseguir o ouro. Quando a corrente tava pronta, Orunmilá chegou com ele e um saco com a galinha, a tâmara, o gato preto e a

concha com areia, deu pra ele e ele começou a descer. Quando chegou num certo ponto, ele disse: – meus deuses, num dá!

Acabou a corrente e eu ainda tô longe. Ficou lá pendurado, pensando. Aí ele ouviu uma voz de Orunmilá: – EEEI ! OBATALÁÁÁ!

Jogue a concha com areia, homem, deixe de ser besta. Ele jogou a concha com areia. E a concha se transformou no firmamento.

A areia que tava dentro da concha se transformou no firmamento e as areias maiores se transformaram nas montanhas e nas

colinas, e foi se transformando. – E, AGORA, JOGUE A GALINHA! Aí ele jogou a galinha. A galinha começou a ciscar pra

expandir o firmamento. E, quando ele viu que já tava o firmamento, ele pulou. E, quando ele pulou, ele ficou muito fel iz. Aí chegou

lá, cavou, colocou a tâmara, e imediatamente surgiram várias árvores, foi uma confusão! Uma coisa bela começou a aparecer, foi

bom e tudo muito l indo! E o gato preto? Cadê o gato preto? O gato preto só ficou servindo de companhia pra ele, porque ele não

tinha mulher. Foi isso! Obatalá ficou sendo o deus da terra; Olorum, deus do céu; Olocum, rainha do mar. E é isso.

Contada por Emíl ia Katyana dos Santos Dourado em 201 4, na comunidade quilombola de Saracura, Santarém/Pará/Brasil .

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A TERCEIRA MULHER DE XANGÔVocês vão conhecer agora a história de Obá, a terceira mulher de Xangô. Quem era Obá? Obá era

uma mulher guerreira, forte e determinada. No entanto que ela tomou como profissão guerrear e ser

pugil ista. Vocês conhecem o Anderson Silva que gosta de lutar? Então, Obá gostava de fazer isso, por

isso ela se tornou lutadora. E não havia lá no reinado ninguém que a derrotava nenhum Orixá conseguia

derrotar ela. Ela lutou com Xangô, lutou com Oxumaré, lutou com vários Orixás, ainda colocou Exu pra

correr tá. Só pra vocês verem a bravura da mulher! Obá estava lá toda, toda que ninguém conseguia

vencer ela, toda poderosa cheia de garra, não havia Orixá naquele lugar que vencia ela; ela já tinha

colocado Exu pra correr. Foi então que faltava alguém. Hum.. . era a vez de Ogum. Só que Ogum que não

era besta nem nada, cuidou logo de ir consultar Ifá. I fá é o adivinho; ele chegou lá pra Ifá e perguntou: –

Ifá é a minha vez de lutar com Obá; e Orixá nenhum consegui derrotá-la e até Exu ela colocou pra correr!

O que eu faço? Ifá o adivinho disse assim pra ele: – Ogum você tem que fazer uma.. . vou lhe dizer o que

você vai fazer e você vai oferecer em forma de oferenda; pegue 200 espigas de milho e 355 quiabos, e

você vai pegar e vai misturar tudo aquilo tornar em uma pasta homogênea e vai colocar lá no lugar que vai

acontecer a luta. Foi então que Ogum pegou lá as 200 espigas de milho os 355 quiabos colocou lá e

tratou de pilar: PÓ, PÓ, PÓ, PÓ, PÓ; Chuc,chuc,chuc, chuc, chuc. Preparou tudo e deixou lá guardado. Na

hora da luta perguntou: – É chegada a hora da nossa luta, você está preparada? E Obá então respondeu:

– Estou, estou preparada, vamos para o combate, boa sorte na sua luta. Foi então que começou a luta e

Obá tinha tomado conta da situação quando de repente Obá escorrega na oferenda de Ogum e cai. Caiu

lá e então Ogum venceu a luta e levou Obá para o altar, lá mesmo a possui e ela se tornou a primeira

esposa de Ogum. Passado o tempo Obá que gostava muito de lutar e Ogum que era um homem muito

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forte e também não tinha sensibi l idade alguma era bruto, truculento. . . Então ali não deu certo o casamento e

eles se separaram. Com o passar do tempo Obá conheceu Xangô e Xangô tinha a sua primeira esposa, era

Iansã; e tinha Oxum que era a sua segunda esposa e era sua preferida. Oxum era linda maravilhosa, tinha

toda a sua perfeição e sabia muito bem como preparar o alimento preferido de Xangô. Foi então que Obá

casou-se com Xangô tornando-se a sua terceira esposa. Só que um certo dia, como Oxum era toda linda e

maravilhosa e sabia preparar tudo aquilo que Xangô gostava, Obá ficava só pelos cantos observando. . .

Sempre procurava saber e perguntar para as outras esposas o que era que ele mais gostava, como ela fazia

pra agradar ele. Foi então, que Oxum ficou enfurecida e disse: – Vou preparar uma armadilha, vou preparar

uma armadilha para Obá; eu sou e sempre serei a esposa preferida de Xangô! Oxum já tinha preparado todo o

alimento e ela disse para Obá: – Obá, venha amanhã às três horas. Não falte, que eu vou lhe ensinar qual é o

meu segredo, o que mais deixa Xangô todo encantado! E Obá ficou alegre, pegou e foi, no dia seguinte ela

chegou lá Oxum estava na cozinha preparando a comida: – Você está vendo? Você está vendo? Aqui eu tirei

uma das minhas orelhas, preparei e esse aqui é o segredo. E você vai faça o mesmo que Xangô vai amar, ele

vai gostar! Então que ela preparou e quando Xangô chegou lá estava todo encantado. . . Amou, se satisfez e

foram para seus aposentos, Xangô e Oxum. Passado o dia seguinte, chegou o dia de Obá preparar a comida

e cuidar de Xangô. Obá então fez o que Oxum tinha ensinado tirou uma de suas orelhas, cortou fez lá tudo

certo. Quando Xangô chegou: – Xangô meu bem! Está aqui. Ele olhou pra ela: – AAAAAHHHHHH! Ficou

horrorizado! Horrorizado porque ele tinha ficado triste, não era aquilo que ele esperava. Foi então que Obá

ficou furiosa, pegou Oxum e começaram a lutar, começaram a brigar. . . Xangô se irritou e soltou a sua fúria: –

CABUUUUUMMMM! O trovão! E elas saíram correndo e se transformaram em rios. Foi al i que Xangô ficou

furioso e as duas fugiram com medo, que ele era tão bravo. . . Elas fugiram e se tornaram em dois rios

turbulentos que quando se encontram estremece tudo, a canoa vira. Elas ficam furiosas! Por causa disso, a

disputa pelo amor de Xangô.

Lembram do nosso rio Amazonas e Tapajós, não parece? Não é, quando eles se encontram lá?

Contada por Patrícia Guimarães, Raimunda Pereira dos Santos e Marcio em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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forte e também não tinha sensibi l idade alguma era bruto, truculento. . . Então ali não deu certo o casamento e

eles se separaram. Com o passar do tempo Obá conheceu Xangô e Xangô tinha a sua primeira esposa, era

Iansã; e tinha Oxum que era a sua segunda esposa e era sua preferida. Oxum era linda maravilhosa, tinha

toda a sua perfeição e sabia muito bem como preparar o alimento preferido de Xangô. Foi então que Obá

casou-se com Xangô tornando-se a sua terceira esposa. Só que um certo dia, como Oxum era toda linda e

maravilhosa e sabia preparar tudo aquilo que Xangô gostava, Obá ficava só pelos cantos observando. . .

Sempre procurava saber e perguntar para as outras esposas o que era que ele mais gostava, como ela fazia

pra agradar ele. Foi então, que Oxum ficou enfurecida e disse: – Vou preparar uma armadilha, vou preparar

uma armadilha para Obá; eu sou e sempre serei a esposa preferida de Xangô! Oxum já tinha preparado todo o

alimento e ela disse para Obá: – Obá, venha amanhã às três horas. Não falte, que eu vou lhe ensinar qual é o

meu segredo, o que mais deixa Xangô todo encantado! E Obá ficou alegre, pegou e foi, no dia seguinte ela

chegou lá Oxum estava na cozinha preparando a comida: – Você está vendo? Você está vendo? Aqui eu tirei

uma das minhas orelhas, preparei e esse aqui é o segredo. E você vai faça o mesmo que Xangô vai amar, ele

vai gostar! Então que ela preparou e quando Xangô chegou lá estava todo encantado. . . Amou, se satisfez e

foram para seus aposentos, Xangô e Oxum. Passado o dia seguinte, chegou o dia de Obá preparar a comida

e cuidar de Xangô. Obá então fez o que Oxum tinha ensinado tirou uma de suas orelhas, cortou fez lá tudo

certo. Quando Xangô chegou: – Xangô meu bem! Está aqui. Ele olhou pra ela: – AAAAAHHHHHH! Ficou

horrorizado! Horrorizado porque ele tinha ficado triste, não era aquilo que ele esperava. Foi então que Obá

ficou furiosa, pegou Oxum e começaram a lutar, começaram a brigar. . . Xangô se irritou e soltou a sua fúria: –

CABUUUUUMMMM! O trovão! E elas saíram correndo e se transformaram em rios. Foi al i que Xangô ficou

furioso e as duas fugiram com medo, que ele era tão bravo. . . Elas fugiram e se tornaram em dois rios

turbulentos que quando se encontram estremece tudo, a canoa vira. Elas ficam furiosas! Por causa disso, a

disputa pelo amor de Xangô.

Lembram do nosso rio Amazonas e Tapajós, não parece? Não é, quando eles se encontram lá?

Contada por Patrícia Guimarães, Raimunda Pereira dos Santos e Marcio em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

O REI QUE PROIBIU OSACRIFÍCIO DE HUMANOS

Boa tarde a todos meus queridos e amados!Tudo bom com vocês? Então, hoje nós vamoscontar uma história l inda pra vocês, maravilhosa ahistória. É de um reino muuuuito distante. Lá tinhauma cultura que eles gostavam de sacrificarhumanos. Então nesse reino chamado Benin quetambém tinha um rei que chamava Benin. Esse reiele tinha uma filha muito l inda, l inda, l inda, l inda afi lha dele. Então, a fi lha dele como era linda,maravilhosa, esplendorosa os adivinhos chegaramcom o rei e falaram: – Senhor rei, se você nãooferecer sacrifício em prol da sua fi lha, ela vai serlevada pela floresta! Mas o rei ficou caminhando deum lado para o outro e achando aquela históriamuito absurda. Aonde, que se ele não oferecessesacrifício a fi lha dele ia sumir? – Ah! isso é umabobagem, eu não vou oferecer sacrifício coisanenhuma! Só que lá os adivinhos já tinham dito issoque se ele não oferecesse sacrifício ela iadesaparecer na floresta. Então quando foi uma belatarde ela começou a passear perto do reinado e elaia se distanciando do reinado e ela ia andando,andando. . . e quanto mais ela andava mais ela sedistanciava andando pela floresta. E ela se perdeuna floresta e sumiu! Aí o rei começou a mandarprocurar a sua princesa, procurou, procurou e nada.

Ela simplesmente desapareceu. Desapareceu.Num outro reinado muito próximo estava lá

um rei que ele tinha um empregado, um escravo queele era fujão, queria porque queria fugir do reino.Quando foi uma bela tarde ele saiu correndo e o rei,sem ter tempo de chamar o empregado, começou acorrer atrás e foi pra floresta. E ele ia correndo,correndo, correndo, correndo pela floresta correndoaté que ele caiu dentro de um buraco: BUM! Oburaco era muito grande cheio de folha, era umaarmadilha. Então ele começou a ficar lá desesperado,ficou mais de sete dias! Aí a princesa que era a Poiéa fi lha perdida do outro rei, l inda e maravilhosa,passeando por lá ela viu aquele rei que tinhadesaparecido atrás do escravo e ela salvou eledaquele buraco lá. E ele que era uma espécie degênio, daquele gênio da lâmpada. . . ele disse assim: –O que você quiser eu vou fazer e realizar o seudesejo! Peça o que você quiser já que você melibertou do buraco! E ela fez o pedido pra ele: – Euquero um filho! – UM FILHO! Ah! Um filho eu atéposso dar, né. Mais casar com você eu não posso!Até porque eu já tenho. . . duas mulheres. Na realidadeele tinha era três mulheres, não era só duas não. –Contigo eu não posso casar mais porque as outrasnão vão deixar! Eu só posso ter três mulheres! Entãonaquela mesma tarde muito agradecido porque elatinha salvado ele do buraco, até porque como ela

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Page 37: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

tinha desaparecido logo ela se tornou o quê, umaencantada, né. Ela ficou na floresta e ela se tornouuma encantada. Então, ela se deitou com ele e elaengravidou e teve uma filha l inda, a Omolu. E aí, porocasião do destino, essa menina que foi l ibertadaque foi, digamos que ela nasceu do relacionamentodo rei I fá. Simplesmente essa menina foi morar lá noreinado, se tornou escrava do rei, daquele rei queera seu próprio pai. Mas ele não sabia, ele nãosabia! E ela ficou lá sendo escrava dele e quando foiuma bela tarde ele mandou espalhar em todoreinado que ele ia fazer um grande sacrifício de umalinda jovem, virgem. Porque naquele tempo ossacrifícios tinham que ser de uma jovem virgem. Senão fosse virgem não era aceito pelas divindades.Então ele mandou espalhar: dentro de três dias eleia oferecer um grande sacrifício de uma jovem. Entãoela, a escrava, começou a cantar uma linda música eas esposas do rei começaram a escutar:

Eu sou Omolu, fi lha de PoiéSe eu tivesse pai ele ia me salvarEu sou Omolu, fi lha de PoiéSe eu tivesse pai ele ia me salvar

Então, a rainha foi chamar o rei e contaraquela história que ela tinha ouvido: – Magestade euescutei a escrava cantando e dizendo que era fi lhade Poié a deusa da floresta! – Da floresta? – Dafloresta minha majestade!

E o rei preocupado com aquela notícia foitambém ouvir aquela conversa lá, aquela música.

Eu sou Omolu, fi lha de PoiéSe eu tivesse pai ele ia me salvarEu sou Omolu, fi lha de PoiéSe eu tivesse pai ele ia me salvar

– Quem é você? – Omolu, fi lha de Poié. Aminha mãe disse que a muuuito tempo atrás elaencontrou um homem num buraco na floresta. Elasalvou esse homem e ele ficou muito agradecido comela e disse que ela podia pedir o que quisesse que elefaria por ela. Aí ela pediu um filho e eu nasci.– Lembrodisso! Você é minha fi lha! Nunca mais você vai sofrer enem vai ser escrava. A partir daquela tarde o rei ficoutão fel iz com aquela notícia que ele mandou compraruma cabra e ele mandou sacrificar aquela cabra nolugar da Omolu e ele determinou em todo reinado quejamais haveria sacrifício humano naquele lugar.

E nós entramos por essa porta e vamos sairpor outra, contamos esse conto, quem quiser queconte outra!

Contada por Raimunda Núbia Rocha de Souza, I taiciaraNascimento Guimarães, Wanderleia da Silva Vieira eMissilena Santos Carvalho em 201 4, na comunidadequilombola de Murumurutuba,

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Page 38: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

O PODER DE XANGÔEu vou falar a história do poder de Xangô. Há muito tempo atrás, Xangô e Iansã viviam

tranquilamente pelo reinado de Oió. Até que um momento Xangô queria mais poderes. Então ele foi

consultar Ifá e pedir a ele para receber mais poderes. I fá receitou a ele oferecer um ebó para Exu.

Xangô oferecendo ebó a Exu logo recebeu seus poderes. Sua voz ficou estridente: –

CABUUUUUMMMM! Ele tinha poderes magníficos. – CABUUUUUMMMM! O que ele falava era

ordem. – CABUUUUUMMMM! Todo o mundo o respeitava. Iansã vendo aquilo queria ter os

mesmos poderes que o seu marido, então Iansã foi consultar a Ifá para receber os mesmos

poderes. E Ifá, não sendo diferente, falou o mesmo para ela o que fez a Xangô: oferecer um ebó a

Exu. Rapidamente Iansã tinha os mesmos poderes do que o seu marido Xangô. Ela tinha raios! Ela

tinha poderes tão magníficos quanto seu marido Xangô. Xangô vendo aquilo ficou furioso: – NÃO

PODE! NÃO PODE! Ficou bravo: – NÃO PODE! E assim foi mal dizer a Exu. Mal dizer a Exu e

ainda humilhou sua mulher Iansã: – NÃO PODE! ISSO É ERRADO! E dessa forma Exu pregou uma

peça em Xangô. Sempre que Xangô usava seus poderes Iansã vinha na frente. Sempre que tinha

um trovão primeiro vinha um raio. Assim, Iansã vinha primeiro com o raio e só depois vinha Xangô

com o trovão. Essa foi a maldição que Exu pregou em Xangô por mal dizer a ele e humilhar sua

mulher Iansã.

É por isso que todas as vezes que tem um temporal a gente vê primeiro o raio e logo em

seguida: – CABUUUUUMMMM!

contada por Israel Monteiro Cardoso, Tamires Montes Carneiro, Pedro Jorge R. De Alcântara, AlessandraCaripuna e Marcos Antônio Arruda Branco em 201 4, na comunidade quilombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/BrasilContada por Israel Monteiro Cardoso, Tamires Montes Carneiro, Pedro Jorge R. DeAlcântara, Alessandra Caripuna e Marcos Antônio Arruda Branco em 201 4, na comunidade quilombola deMurumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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Page 39: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

COMO A SENHORA DAS CABEÇAS ENLOUQUECEU O MARIDOCerto dia nas distribuições de missões, era Olorum que distribuía as missões, aí ele distribuiu as missões para

ca-da um dos Orixás. Mas teve uma Orixá que não achou a sua missão muito interessante. Vocês acreditam nisso? EraIemanjá, ela achou que sua missão não era importante. E por incrível que pareça a sua missão era uma das maisimportante de to-dos! Era cuidar de Oxalá. Ele já tava velhinho assim, cansado, não podia mais se abaixar que a colunadoía, era reuma-tismo. . . e andava esquecido. . . esquecia até do nome dele. Vocês acreditam nisso? Ela não queria essamissão, porque ela queria uma missão que todos olhassem pra ela e admirassem a beleza dela, né. Ela andava todaarrumada, toda linda. Aí o que aconteceu, por ela não se conformar com essa missão ela foi lá com Oxalá: – OlhaOxalá, não vou que-rer essa missão não, poxa! Olha só a minha beleza aqui, eu que-ro uma missão assim maisimportante Oxalá, poxa! Vê que você pode fazer aí por mim! Aí Oxalá não respondeu nada. Ela inconformada tornou avoltar com Oxalá: – Oxalá, por favor Oxalá, vê o que você faz aí por mim! Poxa Oxalá. . . os homens nem me admiram.. .não estão nem vendo a missão que eu tô fazendo!E aí ele não respondeu nada pra ela de novo. E todo dia elareclamava a mesma coisa. Até que um dia ela deixou Oxalá maluco! Ele es-quecia já de tudo. Já não tava muito bomda mente e com a perturbação de Iemanjá aí que ele ficou mais maluco né. Aí o que aconteceu, ela ficou pensandoassim:–Meu Pai Eterno!O quê que os outros Orixás vão dizer de mim? Qual vai ser será o meu castigo? Aí o que queela fez? Ela voltou rápido pra cui-dar de Oxalá. Ela deu carinho pra ele, amor. . . e ele foi se recuperando. E o queacon-teceu? Oxalá, ele foi lá com Olo-rum e disse assim: – Olorum eu tô vendo assim o esforço de Iemanjá e ela cuidoubem de mim esses tempos que eu tô adoentado, eu queria que você desse a ela uma missão assim mais impor-tante,que as pessoas reconhecessem. E Olorum, sabe o que ele fez? Ele deu a missão mais importante que era cuidar detodas as cabeças dos mortais que não era pra ninguém nascer assim maluco, pra pessoa ficar tranquila, viver em paz.Ela ganhou esse presente porque ela cuidou de Oxalá. E por herança de sua mãe Olocum ela ficou conhecida como aDeusa do Mar e aí que ela é mais fes-tejada; né? No Brasil , na África, em todos os lugares qui-lombolas ela é festejadacomo a rainha dos mares a Deusa dos Mares. E aí vocês não sabem de uma história: a Dona Silvina, ela presenciouIemanjá de perto. Dona Silvina conte aqui pra nós essa história? Bom gente aqui tá apresentando Iemanjá. Ela mora nomar e eu vi ela chegar. Eu cheguei lá no dia do aniversário dela. Aí ela chegou muito bonita com aquela saia. Aquelasaia. . . aí ela falou muita coisa lá, di-zendo que ela era uma pessoa que ela curava de todo jeito. Tinha aquela água nabacia. Todo um que chegava ela la-vava a cabeça. A pessoa saía assim pra lá, pra aqui, pra ali , e vinha e dobrava, aíela chegava pegava na cabeça e só fazia levantar. Agora eu quero aí uma música pra nós se divertir! E acabouahistória!

Contada por Silvana Pinto, Gicele P..Santos, Rosete Silva e Maria S. Si lva na comunidade quilombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/Brasil .

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O PODER DE XANGÔEu vou falar a história do poder de Xangô. Há muito tempo atrás, Xangô e Iansã viviam

tranquilamente pelo reinado de Oió. Até que um momento Xangô queria mais poderes. Então ele foi

consultar Ifá e pedir a ele para receber mais poderes. I fá receitou a ele oferecer um ebó para Exu.

Xangô oferecendo ebó a Exu logo recebeu seus poderes. Sua voz ficou estridente: –

CABUUUUUMMMM! Ele tinha poderes magníficos. – CABUUUUUMMMM! O que ele falava era

ordem. – CABUUUUUMMMM! Todo o mundo o respeitava. Iansã vendo aquilo queria ter os

mesmos poderes que o seu marido, então Iansã foi consultar a Ifá para receber os mesmos

poderes. E Ifá, não sendo diferente, falou o mesmo para ela o que fez a Xangô: oferecer um ebó a

Exu. Rapidamente Iansã tinha os mesmos poderes do que o seu marido Xangô. Ela tinha raios! Ela

tinha poderes tão magníficos quanto seu marido Xangô. Xangô vendo aquilo ficou furioso: – NÃO

PODE! NÃO PODE! Ficou bravo: – NÃO PODE! E assim foi mal dizer a Exu. Mal dizer a Exu e

ainda humilhou sua mulher Iansã: – NÃO PODE! ISSO É ERRADO! E dessa forma Exu pregou uma

peça em Xangô. Sempre que Xangô usava seus poderes Iansã vinha na frente. Sempre que tinha

um trovão primeiro vinha um raio. Assim, Iansã vinha primeiro com o raio e só depois vinha Xangô

com o trovão. Essa foi a maldição que Exu pregou em Xangô por mal dizer a ele e humilhar sua

mulher Iansã.

É por isso que todas as vezes que tem um temporal a gente vê primeiro o raio e logo em

seguida: – CABUUUUUMMMM!

contada por Israel Monteiro Cardoso, Tamires Montes Carneiro, Pedro Jorge R. De Alcântara, AlessandraCaripuna e Marcos Antônio Arruda Branco em 201 4, na comunidade quilombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/BrasilContada por Israel Monteiro Cardoso, Tamires Montes Carneiro, Pedro Jorge R. DeAlcântara, Alessandra Caripuna e Marcos Antônio Arruda Branco em 201 4, na comunidade quilombola deMurumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

Page 40: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

I E M A N J Á S E T O R N A A R A I N H A D O M A RIemanjá era fi lha de Olocum. E Olocum é a Deusa dos Mares. Iemanjá era casada com Olofin só que chegou um

certo tempo. Ah! E com Olofin ela teve dez fi lhos então ela amamentou a todos. E por esse motivo os seios dela

ficaram enormes. E aí chegou certo tempo Iemanjá tava cansada já daquela vida com Olofin. Então ela fugiu, ela

foi embora. Foi embora pro norte. Aí ela chegou numa cidade chamada Ifé. I fé ficava lá pro norte. E lá ela

conheceu Okerê. Okerê, ele se apaixonou pela Iemanjá porque ela era uma.. ela era um ser muito bonito né, muito

l indo mesmo. Iemanjá era linda! Então, foi aí que o Okerê a propôs casamento; só que ela impôs a ele uma

condição: que ele nunca a envergonhasse, a ridicularizasse por causa dos seus seios. Porque eram enormes! E

ele disse que não, Okerê sempre né colhido, genti l , disse que não que ele jamais faria isso. Ele tava muito

apaixonado e queria só casar com Iemanjá. Foi aí que eles casaram né? Ele casou com Iemanjá. Só que certa vez

ele bebeu vinho de palma em excesso, bebeu demais, bebeu demais, e aí ele chegou em casa assim muito muito

bêbado e acabou tropeçando nos seios de Iemanjá. Então foi tudo que não podia ter acontecido, porque quando

ele tropeçou nela ela começou a xingar ele de bêbado imprestável e tudo. E ele revidou aos gritos né dizendo: – E

você com teus seios enormes, balançantes! Então ele jamais poderia ter feito isso porque ela pediu a ele que não

a ridicularizasse por causa dos seios. Então foi, foi assim o ponto chave pra Iemanjá ficar ofendida, profundamente

fendida. Então ela resolveu ir embora dali , fugir dali , fugir de perto de Okerê. E no primeiro casamento de Iemanjá

ela tinha ganhado da mãe dela da Olocum né, a Deusa dos Mares, ela ganhou uma garrafa de vidro que continha

um pó mágico. E ela carregava ele na cintura o tempo todo. E nesse dia quando aconteceu esse fato com Okerê

que ela resolveu fugir dali muito ofendida, muito triste, profundamente magoada. Na hora da fuga caiu, deixou cair

a garrafa. . . e a garrafa se quebrou. A garrafa se quebrou espalhando aquele pó mágico assim que foi se

transformando num rio. E aí a Iemanjá ela ia fugir pras bandas da mãe dela que era a deusa dos mares a Olocum,

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Page 41: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

então ela ia pro oceano né, pros mares. Só que Okerê não queria deixar ela fugir, ela ir embora. Não queria. O

que que ele fez: ele impediu a fuga de Iemanjá se transformando num monte. No monte Okerê. O monte recebeu

esse nome por causa dele, do Okerê. Tá, então como a garrafa tinha quebrado e aquele pó magico né tinha se

transformado num rio com águas turbulentas que iam levar Iemanjá pras bandas da sua mãe. Ele. . . ele não deixou

ele se transformou nesse monte. Então o que acontecia: Iemanjá ia pela direita ele se deslocava pra direita,

Iemanjá ia pra esquerda ele se deslocava pra esquerda impedindo a passagem de Iemanjá pro mar. E aí o que

aconteceu, foi nessa hora que ela chamou o fi lho dela mais poderoso. Ela teve dez fi lhos né, no primeiro

casamento. Xangô, isso mesmo. Então, o Xangô é o fi lho mais poderoso de Iemanjá e foi aí que ela chamou

Xangô pra que ele a ajudasse. Ela precisou fazer uma oferenda a ele, após essa oferenda ele juntou nuvens da

direita, nuvens da esquerda, muitas nuvens. Ele chegou bem no centro assim, bem em cima de Okerê; quando ele

uniu as duas nuvens dos dois lados ele despencou um trovão; um raio! Um raio tão forte que partiu Okerê ao

meio. Quando Okerê foi partido ao meio foi aí que abriu e aí Iemanjá pode passar. Ela passou pelo meio de

Okerê. E quando Okerê foi pra o orum foi aí que Iemanjá conseguiu se libertar e chegar ao seu verdadeiro lar que

era a casa de sua mãe Olocum. E foi aí que quando Okerê partiu, quando ela chegou ao mar que ela enfim ela se

tornou a rainha dos mares. Ela herdou o reino da mãe dela, Olocum, por conta disso. Isso mesmo, foi assim que

Iemanjá hoje se tornou a rainha dos mares. E por isso que agente conhece Iemanjá como a rainhas dos mares,

dos rios, das águas.

Contada por Maria da Conceição Gomes dos Santos em 201 4na comunidade quilombola de Saracura, Santarém/Pará/Brasil .

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Page 42: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

OXUM EXIGE O PROMETIDOBoa tarde! Nós vamos apresentar a história de um velho pescador. Certo dia um velho pescador saiu rumo ao

rio com sua rede de pesca. Chegando na sua canoa embarcou e começou a remar. Remou, remou muito até chegarno meio do rio. Quando chegou no meio do rio os banzeiros ficaram muito fortes, quanto mais ele remava mais amaresia queria alagar a sua canoa e ele desesperado não sabia o que fazer. Começou a gritar, não tinha quemacudisse, começou a remar e não conseguia arrear a sua rede de pesca porque a canoa não deixava, os banzeirosestavam fortes demais. Foi aí que ele gritou: – OXUM! ACALMA ESSE RIO OXUM! E Oxum não queria saber. Quantomais ele remava mais Oxum se aborrecia porque ele estava pescando os peixes do rio. E ele precisava desses peixespra se alimentar, ele precisava alimentar sua famíl ia. E o pobre pescador continuou na sua canoa implorando praOxum.. . Oxum se aproximou e disse: – Quer dizer que você que é o pescador que fica todos os dias aqui no rio? –Sim, eu preciso Oxum que você pare esses banzeiros Oxum; eu preciso pescar meus peixe pra alimentar minhafamíl ia! Foi aí que o velho pescador prometeu pra Oxum que lhe daria muitos ouros e diamantes preciosos. Oxumaceitou e ele soltou a barca no rio e ela começou a ir na direção de Oxum. Oxum até que aceitou, mas mesmo assimcontinuou furiosa! e o velho pescador no meio do rio sem saber o que fazer. Oxum não quis somente isso porque ovelho tinha prometido para ela que lhe daria preciosa, mas a Preciosa era a fi lha do velho pescador. Era a princesaque se chamava Preciosa. – Esse não foi o prometido! Leve de volta, você não me prometeu Preciosa? Preciosa nãoé isso! Aí que foi o mal entendido; o velho pescador pensou que Oxum queria ouro, cobre, porque ele tinha prometidooferendas preciosas foi então que Oxum entendeu que Preciosa era a fi lha do velho. E o velho não teve outra saídaporque ele precisava pescar no rio para alimentar sua famíl ia, foi aí que ele abriu os braços na sua canoadesesperado no meio do rio e gritou: – OXUM! PARE, ACALME-SE! Eu lhe darei preciosa Oxum, porque eu precisopescar pra alimentar minha famíl ia! E Oxum respondeu: – Se você trouxer o que você me prometeu eu acalmarei o rio.Aí que o velho pescador com sua princesa, muito cansado porque não conseguia pescar nada no rio porque Oxumnão deixava, entregou sua fi lha que era a mais Preciosa. E o velho pescador consegui atravessar o rio, mas só depoisque ele entregou sua fi lha a Oxum.

Parapapapaiera Papapaiera Papapaiá Moro é do lado de láÉ do lado de lá na beira do rio Amazonas Eu moro é do lado de láÉ do lado de lá na beira do rio Amazonas Pescador pegue a canoa que eu quero atravessarLá vem Oxum, rema ligeiro! Rema ligeiro tenho medo do banzeiro!

Foi aí que o rio se acalmou e a princesa chamada Preciosa foi entregue para Oxum. E Oxum tornou dela cachoeirasl indas maravilhosas, rios maravilhosos. Oxum.. .

Contada por Maia Inês da Cunha Correa, I lva Vânia de Azevedo Santos e Ivanilda Jesus Laurindo em 201 4na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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Page 43: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

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O CAÇADOR NÃO RESPEITA O TABUDiz que Oxóssi quando vem da Aldeia ele traz na cinta uma cobra coral. Inclusive tem uma história que ele é o

caçador. Oxóssi é o caçador que vive nas matas. Um dia ele vai lá e mata uma cobra, e a cobra era quem? Oxumaré.Oxumaré é o arco íris no céu e a serpente na terra. Nessa época Oxum era mulher de Oxóssi, falou pra ele assim: –Oxóssi, você não vai caçar porque hoje é dia de tabu! Dia de tabu é aquele dia assim que você tem que descansar,guardar para o seu desenvolvimento espiritual, da sua mente... não pode fazer mais nada. E Oxóssi não respeitou otabu. – Que é isso mulher? Cê tá doida, eu tô com vontade de comer uma caça, eu vô saí pra caçar sim, vô pensa emtabu nada! Não respeitou o tabu, saiu pra caça. E aí quando passou a serpente ele já foi, na primeira flecha, que é umaflechada só, né? Ele é o caçador de uma flecha só, com ele não tem erro não. Bateu, matou a cobra, levou pra casa,fez aquele cozido gostoso... Quando chegou em casa Oxum não tava, ele falou assim: – Ô beleza! Melhor mesmo,porque mulher fala demais no ouvido da gente, eu vô cozinha aqui vô cumê essa cobra! Pôs dendê, cebola roxa, aquelacoisa toda, fez aquele caldão de cobra. Comeu... comeu e deitou. Deitou... ele tava até roncano. Oxum chegou com aroupa do rio foi colocar a roupa lá na cerca pra secar tá ouvindo os roncos de Oxóssi, de repente ela não ouviu maisnada. Parou de roncar. Ela pensou: – Ué, Oxóssi acordô, vô lá vê se ele tá precisando de alguma coisa. Quando elachega lá, olha olha, Odé tava morto em cima da cama e do lado no chão da casa um rastro de cobra que sumia pelafloresta. Oxum começou a chorar, mais chorou, mais chorou, mais chorou, mais chorou, mais chorou, mais choroutanto que as lágrima dela já ia formando um rio até que ela pediu, supl icou, pra Olodumaré que é o Deus supremo, prater piedade de Oxóssi, porque ele apesar de ter errado aquele dia, não ter respeitado o tabu ele era um homem muitobom, fazia muitas coisas boas, era um marido bom. E ela gostava demais, era apaixonadíssima por ele. Olodumaré ficoucom dó do pranto de Oxum e também reconheceu que Oxóssi, apesar de não ter cumprido o tabu, havia sido umhomem bom. E aí, Olodumaré transformou Oxóssi num Orixá e disse pra ele pra respeitar sempre o dia de tabu eprincipalmente os animais que passam por ali que naquele caso não era um bicho, era quem? Oxumaré. E assimtermina essa história, agora... diz que Oxum chorou demais viu, chorou demais, mas não chegou a virar rio não sabe.Diz que ela virou rio mesmo foi quando Xangô sumiu da Terra aí ela chorou tanto que ela virou um rio, tem até hoje lána África o rio Oxum quem quiser ir lá pode ver que tem lá o rio Oxum que corre lá e as água dele são brava!Contada por Lorena Anastácio e Vinicius D. Moreira em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

Page 44: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Encantaria é o quê? Foi o serhumano que já viveu, mas que seencantou com corpo, mente ealma. Nunca apareceu o cadáver.Então se chama encantados.Encantados das matas, das águas,dos rios, das cachoeiras, doigarapé, dos igapós. É isso.(Edivanei)

Page 45: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

CAPÍTULO

3

OOSS EENNCCAANNTTAADDOOSS

Page 46: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

A última que eu vou contar é do seringueiro. O seringueiro, se ele tivesse

vivo, ele estava cortando a seringa. Certo dia ele contou essa história pra gente,

nós tava trabalhando lá pelo Madeira. Aí ele perguntou pra mim assim: –

Antônio, você acredita em Pajé? Eu disse: – Rapaz. . . depende né?, depende. . .

Mas por que o senhor tá perguntando? Disse ele: – Olha, eu já fui servente de

Pajé. Eu servia ele, ele fazia as sessão, aí chamava eu pra servir. Porque os

cara que faz esses trabalho, ele tem o servente pra levar um pouco de cachaça,

um pouco de água, um pouco de café. Então eu disse: – Mas como aconteceu

isso com o senhor? Ele respondeu: – Não, eu não acreditava no cara, aí quando

foi um dia ele me perguntou: – João, tu não acredita? E eu disse que não, não

acreditava de jeito nenhum. – Pois eu vou mostrar pra ti que existe o encante!

Encante é a pessoa que é encantada ou então tem encante. As pessoas dizem

que Alter do Chão tem um encante lá, embaixo tem uma cidade encantada.

Óbidos também. Aí ele disse assim, ele disse pro cara lá: – Só eu vendo que

posso acreditar! Pois foi acontecer. . .Quando deu umas nove horas da noite, ele

chamou João para sair para fora de casa. Quando ele saiu lá, vinha um navio

bonito e encostou bem em frente da casa dele. Chamaram ele: – Tu viu o navio?

– Vi. – Tá acreditando? – Não, isso aí é um navio que está perdido

praticamente. – Agora volta pra fora e vê se tu vai ver um navio aí. Aí ele varou

pra fora e não viu o navio. – Agora vamos lá fora embarcar naquela canoa. Eles

embarcaram. – Eu vou te levar lá no encante agora! É do outro lado do

Amazonas. Era lá do outro lado do Amazonas. Remaram e atravessaram pra lá.

Antes de chegar no encante, ele disse: – Olha, o que tu vê lá, tu não come e

nem toca também! Ele concordou, dizendo que estava tudo bem. Quando

encostaram na beira, o Pajé foi logo dizendo: – Tu fecha teus olhos! Quando

desceram, mandou o homem abrir os olhos. Abrindo os olhos, ele estava na

cidade. Lá tinha muito ouro, lá tinha muita pimenta, tinha muita melancia, tudo

com fartura. Ele viu muitas pessoas andando, mulheres de um lado pra outro

transitando. Ele recebeu do Pajé a ordem de não falar com ninguém. Eles

andaram tudo por lá, pelo encante. Na hora de voltar, fechou os olhos

novamente, andou um pouquinho, e já estava na canoa. O Pajé perguntou: –

Agora tu acreditou? E o homem disse que mesmo assim não acreditava! – Pode

ser uma magia que tu está colocando. Segundo a minha esposa, ela morava na

casa de uma senhora que também se encantava num homem, que mudava a

voz dela. Segundo ela, o encante desta cidade é lá em Alter do Chão.

Contada por Sr. Antônio Pereira Pinto em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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O SERINGUEIRO

Page 47: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Bem, vou falar do meu tio que já se foi, mas é história verídica mesmo,

sabe co-mo é? Os mais velhos sabem disso, mas os mais novos não sabem.

Então ele era meio espiritado, topava a parada com qualquer um que fosse,

ele não levava desaforo pra casa. Certa vez. . . nós temos um olho d'água ali , é

muito antigo esse olho d'água, né? Toda a nossa famíl ia al i se servia desse

olho d'água. Aí, quando foi um dia, ele baixou pra lá, ele agarrou que chegou

lá. Quando foi pegar água, apresentou uma sapa. Ele agarrou, pegou um pau

e: tá! No olho da sapa. Furou o olho da sapa, né? Passou tempo, passou

muito tempo. . . aí o povo aqui começou a pular. Quem ia pro riacho lá, chegava

lá, vinha de lá. . . mulher, inclusive mulher menstruada, chegava lá e pulava,

pulava, pulava. . . Quando foi um dia, ele foi visitar a sobrinha dele e ela tava

incorporada no corpo dela, a sapa. A Buiúna, se der o nome da sapa é Buiúna.

Aí ela disse assim: – É. . . tu veio me visitar, né?, mas foi tu que furou meu olho,

hehe. Ela falou no corpo dela. Aí ela disse: – Olha, avisa o pessoal lá, todas as

coisas que vocês verem no riacho lá, se vocês verem um peixinho, se veem

uma jacina. . . Conhece jacina? Conhece? Brilhante, tem umas asas assim bem

avermelhada, bonita! Tem um que chama, vocês já ouvI iam falar em Põe a

Mesa? Pois é, tinha um bem ali. Então, é ele que se gera nesses bicho, pra

encantar as pessoas que vão lá.

E esse é o princípio da história da Buiúna. Bem, essa sapa, um tempo

quando subia pra trabalhar pro centro, que agora ninguém trabalha mais, a

gente ia caminhando. Quando foi um dia. . . o dono de um terreno aqui tem uma

lagoa lá em cima, a gente fez um bebedor de gado. Aí eu ia subindo de

manhã, vi a sapa lá, grande, ela se entoava todinha, ficava bem brancazinha

assim. Aí. . . a gente já sabia quem era a sapa né?, mas só que não deu pra ver

se ela era cega ou não. Eu garrei e rodei aí, um dia conversando com ele, ele

disse assim: – Antônio, essa sapa, se não for a Buiúna, é parecida com ela.

Que ele também subia pra lá e reparava a sapa lá também.

Então, pra nós que moramos aqui, tem várias e várias histórias desses

encantados, que, muitas vezes, as pessoas não dão valor. Ó, hoje eles não

respeitam mais, né? Os igarapés, antigamente, pra se passar num igarapé, a

gente tinha que fazer um movimento pedindo licença. Se passasse sem fazer

movimento nenhum, mais tarde já estava pulando.

Contada por Sr. Antônio Pereira Pinto em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

A SAPONA

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Page 48: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Aí o pai d iz que não acredita também, mas trouxe. Defumoua menina. Quando eu cheguei lá, nós embarquemo numcarrinho e fomo imbora pra benzedeira. Cheguemo lá, amulher, a curadeira mandou sentar, ela d isse: – Ah, tácondenada dum espíri to que quer se apoderar de você.Quando ela benzeu, quando ela bateu as folhas da espadade São Jorge, conhece o São Jorge? A menina queria pularda cadeira. Aí ela agarrou, bateu de novo três vezes,benzeu. . . Sem mentira nenhuma, de lá nós saímos, eu, ela eo pai , quando nós chegamos lá na residência, na nossaresidência, na casa que é dela, pois o bicho incorporou nela.Foi , mana! Aí tinha uma sobrinha que tava lá fora e disseassim: – Entra, entra! Ela disse: – Ah eu não entro não. Porquê? Por que eu não entro aí. Aí eu disse: – Ajuda logo aqui !Aí o bicho falava grosso! Ele disse que ele morava aqui noMurumurutuba. Ele disse que era o Calça Molhada. Elequeria os espíri to, né? Mas nós tinha muitas oração, muitareza. A minha sobrinha veio, rezou, e disse que aquelapessoa não era dele não. Era nossa. Ele disse que subiatoda noite aqui . A gente até sabia, porque fazia poc! Poc!Poc! A calça molhada. Era o Calça Molhada. Era o bicho decalça molhada. Aí acabou, acabou a história! Incorporou jádentro de casa, da casa dela, sabe? Incorporou nela, namenina. Ela era uma menina sol teira, nova. . . Ele d isse queele era morador do Murumurutuba e queria levar ela, querdizer, queria uma companhia. Aí a minha sobrinha tava lá noquintal e entrou e disse: – Olha, você não vai levar elaporque ela é da parte de Deus, viu? Nós reza muito por ela epor todos nós. Mas, menina! A voz do homem era dumhomem! Era grossa! Era forte a voz do bicho. Os olhos delachega parece que queria sartar. Por Deus do céu! Isso eu vi !Aí a minha sobrinha trabalhou na oração, mas ela ficou boaassim logo, ela procurou outros meios para ela ficar boa. Praele deixar ela, mas depois que apareceu a energia, pronto,acabou. Mas eu tenho medo dele. Demais!

Contada por Dona Maria Alexandrina Pinto em 201 4, nacomunidade quilombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/Brasil .

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Page 49: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

O CALÇA MOLHADAAntigamente tinha um espíri to que andava al i no igarapé.Ainda incorporou numas crianças aí, nuns moço. Depoistiraram o bicho. E uma foi embora pra Manaus, pra elepoder deixar ela. Aí a outra, caminha e apareceu aqui .Veio tomar um banho aqui nesse porto, nesse porto noigarapé. Aí ela agarrou, subiu de lá com febre, muita dorde cabeça. Ela disse: – Ah, vovó, eu tô com muita febre,muita dor de cabeça. Eu disse: – De quê? Tu não tomoubanho com febre? Ela disse: – Não, eu estava lá e medeu uma dor de cabeça e uma febre. – E agora, minhafi lha? Tinha um carrinho aí. Eu disse: – Bora pra lá, promotorista te levar lá pra Santarém. Aí eu disse: – Só queeu não vou. Eu não tô arrumada. – Eu vou só com omotorista e minha irmã, meu irmão. Aí ela agarrou, elafoi . O cara deixou ela na porta da casa dela, ela ficou lá.Aí eu fu i de madrugada, peguei o carro, graças a Deus,graças a Deus! Eu agradeço aquele do céu e NossaSenhora da terra, que apareceu esse transporte fáci l pragente. Porque era difíci l , minha fi lha, era difíci l . Aí euagarrei de madrugada e fu i . Eu vou ver a Arlete, a Arletepassou mal . Aí eu fu i e cheguei lá. E ela tava ardendoem febre. Eu tenho uma fi lha por nome Maria, ela d isse:– Olhe, mamãe, nós não dormimos com Arlete. – Porquê? – Arlete queria correr, Arlete gri tava, Arlete quersocorro, Arlete pulava. . . E eu l iguei pro pai dela lá naRosa Passos, pra ele vim com nós, é da nossa banda. Aíele veio. Chegou aí, andou atrás de uma benzedeira,curadeira, até a Maria do Dendê foi a curadeira dela.Quando eu cheguei lá, menina, de manhã, ela estavacom olhos que parecia que era uma pimenta! Os olhoaceso. Eu digo: – Menina, o que tu tem? – Vovó, eu tôcom muita febre. – Credo! De quê? – Num sei . Aí aMariazinha: – Nós não dormimos, mamãe. Olha, a Arletequeria pular, a Arlete queria gri tar, Arlete queria correr,deixar nós aqui . Eu digo: – Credo! Bora, mandei Chiconuma benzedeira. Aí ela foi , e ele foi benzer. Abenzedeira disse: – Leve cigarro, defume ela.

Page 50: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

aí ele ia né. Que era o mestre que sempre acompanhava ele. Ele num cumiae dava o prato e a cumida pra ela. Ele ficava de jejum pra curá ela. Mas pracuidar dela no dia assim só quem suportava era só eu a mamãe e os outrosninguém, que num tinha quem custasse, que o fedor era demais, ela tavapodre, lhe juro, se ele tivesse vivo ele dizia a verdade. É ele fazia jejumporque ele não podia comer pra curar a menina. Ele curou? Curou! Eu não todizendo, tem parece que dez fi lhos pra dentro de Manaus, cada morenão quevocês precisa ver. Cura dele, do meu padrinho Zé Pinto. E eu digo que elesabia alguma coisa porque quando eles chegavam, que eles davam nele, elescantavam: – São Pedro e São Paulo ajude a Jesus. Jesus de Nazaré ajude ade vim. Aí também pronto, ele ia lá, ele dizia assim: – Suzana de Nazaré vocêvai alevantar pra me mostrar quem eu sou. E levantou. Tem num sei quanto,num sei se é dez ou doze fi lhos que ela tem. Cada morenão! Neto tudinho elatem. Foi intoxicação. Ela intoxicou, que ela só fazia urinar, ela não defecava,não comia, nem nada, trancou os dentes. .

Contada por Dona Maria Silvina Silva em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

fincava o pé na carreira eu corria mesmo. Aonde a mamãe me mandava eu iarápido, ela diziam assim: – Eu vou cuspir bem aqui, eu vou cuspir bem aqui, setu demorar tu vai pegar uma pia. Aí eu, a gente. . . naquele tempo era tudobestinha, agora não! Não tem nenhuma criança besta, se eu disse “vou cuspiraqui pra ti não demorar” ele vai dizer assim “mas vai secar”. E eu pensavaque se cuspisse não ia secar nunca e eu andava só assim às carreira. Aí eu fuilá e o que foi que ele falou? Eu disse: – Meu padrinho, é pro senhor ir lá com aSuzana. Ele disse: – É? É o resto né? Eu sou o resto né? Eu disse: – Não, osenhor não é o resto. É porque a gente corre, nós não sabia o que era. E aíele foi lá em casa, e ele disse assim: – Suzana. Ela disse: – Senhor, meupadrinho. Aí ela tomou bença, ele abençoou. – Tu achas que eu vou te tratar?Ela falou: – Eu acho. Aí o papai disse assim: – Aooonde? Nós já veio dohospital e ela não ficou boa, como é que lá ela vai ficar boa né? Ele não tinhamuita fé. Eu digo pra vocês nós cheguemo de tarde, atemo a rede e butamoela tesa. Juro pra vocês quando nós botamo a bóia na mesa pra ele comer acolher caiu aí o mestre encostava nele e dizia assim: – Gente, eu não possocomer. Eu to tratando duma filha e ela vai ficar boa. Aí ele empurrava o prato e

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O CURADOR ZÉ PINTO

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O meu padrinho Zé Pinto ele era um curador pra nós aqui muito bom. Por quea minha irmã, eu tava eu já era casada, aí a mamãe cozinhou um fígado deporco e deu pra ela comer nisso ai eu chamei ela pra lá. Aí ela saiu correndo,quando ela saiu correndo que ela voltou ela desmaiou. A mamãe disse: – Poisminha fi lha vai morrer! Aí vai morrer, vai morrer. . . Com essa menina nósfomos pelo hospital e vortemo, ela ficou tesa, tesa, tesa que nem um pau. Aínós fomos, a mamãe botou ela no hospital, ela veio, a mamãe tirou elaforçado de lá, ela veio, nós fumo pra Saracura com uma senhora que eracuradeira também, a Dona Tapuia né. Aí o que eles disseram pra nós, osmestres dela disse: – Quando uma pessoa ta pra morrer a gente deixa emcasa e essa aí ninguém não dá conta ninguém não sabe, não tem como nóscurar ela. E eu disse pra eles, porque eu era todo tempo, eu era assim umapessoa. . . sei lá. . . perigosa mesmo, caboclo não dizia certas coisas pra mim.Certas coisas pra mim pra eu ficar calada? Eu tinha de dar a resposta. Aí delá eu disse: – Olha, mais do que Deus não tem; quem sabe até nós nãovamos achar uma pessoa pra curar ela né? Mas era tesa sabe, ela nãodefecava, ela não comia, ela não fazia nada, a boca trancou e aí nós metia nacoisa assim: nós abria a boca dela pra meter as vezes um chá, umacoisazinha, um leite pra ela tomar, era o sustento dela. Quando foi um dia nósviemo embora lá de cima. – Papai, eu quero ir mimbora, me leva pra casa. Aínós fomos. Papai andava com uma canoa grande né, metendo ela embaixoda torda e lá ela ficou. Aqui num tem eu acho um parente dela. Era o finadoBoaventura que morava bem ali, vem até chegando a neta dele, aí ele chegoue olhou assim embaixo da torda disse assim: – Mas vocês acham que essapequena ainda vai viver? Eu posso ir até primeiro de que ela, mas essa nãoescapa. Eu disse: – Seu Boaventura, eu tenho certeza que se Deus quiser elavai ficar boa. Aí quando foi um dia ela me chamou, ela chama pra mim, elachamava pra mim, chama até hoje por que ela não morreu, ela disse: – Minhamãe Servina. Eu disse: – O que é minha fi lha? Ela disse assim: – Vá lá nacasa do meu padrinho Zé Pinto, que se eu chamasse padrinho pra um eleschamavam também né, vá lá na casa do meu padrinho Zé Pinto e diga praele vim aqui que ele. . . Eu digo: – Mas minha fi lha, aonde que ele vai te curar?Aí ela disse assim: – Vá chamar ele que ele vai me curar. Eu digo: – Masserá minha fi lha? Ela disse: – Vai mamãe! Aí eu fui lá com a mamãe. Eudisse: – Mamãe, olhe a Suzana disse que era pra nós ir lá na casa do meupadrinho Zé Pinto chamar ele pra ele vim aqui. A mamãe disse: – Mas seráminha fi lha? Eu disse: – Eu vou já lá! E eu corri porque eu era muleca da rua

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O HOMEM DA CASTANHE I RA QUE IMADA

Olha nós morava ali no centro, lá al i na Serra bem pra ali , nós morava lá. Um

dia o papai tava pro lago, aí nós tava tudo esperando ele chegar pra subir

porque ele subia a serra; nós morava na desteira lá da serra. Aí que quando

nós vimo, bem na encruzilhada que ia pra cá pra serra, pra cá era nossa casa

né, a mamãe contava já isso, que quando nós tava tudo lá, era luar, aí diz que

eu que era a mais danada aí eu disse: – Olha mamãe lá vem o papai, lá vem

o papai! E a gente queria correr. Ela disse: – Não corram, vocês não corre

que não é o pai de vocês. E o homem ficou bem em pé! Ai teve, teve, teve e

ela disse: – Vumbora pra dentro que não é teu pai. Aí nós fomos. Quando foi

um dia como ela tá contando do meu padrinho Zé Pinto, que era meu

padrinho, que ele era curador. Ele fez um trabalho, nós fomos lá, sempre a

gente acompanhava essas coisa. Aí ele, os mestres dele que era o Pedro não

sei de que o nome dele, ele disse: – Olha, Dona Maria, vocês tiveram muita

sorte, essa sua fi lha é perigosa. A senhora teve muita sorte porque se ela

fosse mais adiante eles iam levar ela. Ele ia levar. Eu vou trazer ele aqui pra

ele vim aqui falar com a senhora. Aí ele saiu no corpo dele, quando ele entrou

ele disse: – Qual é menina da Dona Maria curiosa? E a mamãe disse: – Ela

não é curiosa, se o pai tava pro lago então nós tava tudo no terreiro

esperando ele chegar, aí se apresentou o homem lá, ela ia correr porque ela

pensava que era o pai dela. – Pois é, mas ela teve muita sorte, porque eu ia

levar ela. Tinha uma castanheira grande adiante de nós que a gente chamava

castanheira queimada. Aí lá ele se butava, quando a gente ia ajuntar castanha

era limpo limpo aonde ele vivia, e ele vivia lá. Esse homem.. . Por que naquele

tempo existia muita coisa aqui.

Contada por Dona Maria Silvina Silva em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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papai se aborrecia. . . nós dava umastrês voltas e papai se aborrecia.–Nósnão vamos mais ! Vamos ficar aquimesmo! Raimunda tá remando,gastando força e nós não sai do lugar!Nós vamos ficar aqui mesmo! E minhaprima: – Reza, Sulina; reza, Raimunda,minha fi lha, vão bora! E a gentetornava a pegar no remo de novo, eela repetia sempre com a mão nabarriga: – Reza, Mariinha, minhafi lha, re-za. Reza, minha fi lha, para nósir embora! Até que, com muito custo,nós chegamos ali , num porto. Naquelaarrumação, a gente en-xergava fogo,al i , na serra do seringueiro, nós diziapro papai: – Ô, pai, aquele fogo pr’al i élá na Serra do Seringueiro! E ele tei-mava que era na cidade, e nósteimava que era na Serra. Lá no curraldo Paulo Zinho, que era onde tinhagado. Graças a Deus, mandado porDeus, veio um de canoa, pas-sou pornós e chamou:– Eh, Sr.Acorrentou-ro,o senhor viajando uma hora dessas! Osenhor não chega de noite da cidade.O pa-pai já muito bravo com nós,porque nós ti-nha demorado, chegadodepois do horário. – Essas cunhantãque foram pra lá, pro cen-tro dacidade, chegaram fora de hora, agoranós estamos aqui, perdido aqui nomeio do lago! Aí viemos embora,metemos o remo de novo. Viemosmetendo o remo, remando, e aí. . . tavalá no mesmo lugar de novo. Aí pa-pai:– Agora não tem mais jeito! Vamosficar aqui mesmo! E a minha prima, elase ajeita-va no banco: – Ai meu Deusdo céu! Reza, Sulina; reza, Raimunda.Pelo amor de Deus!Para nós sairdaqui! E até que aquela arrumação,graças a Deus, com aquela conversa,

nós saímos, né? Conseguimos sair.Quando acaba, ela já vinha com dor praganhar neném. Aí cheguemo, encostemona beira. Essa mulher saiu, pegou aestiva e saiu, caía do nada. E ela tavacom uma sobrinha dela, uma moleca queela criava. A moleca caía com a lata quelá vinha trazendo. Ela dizia: – Levanta,minha fi lha! E vamos embora! Ela vinhaaperreada, né? Porque ela vinha comsinal de parto. Por isso que apareceuaquilo pra ele, aquela coisa pra deixarele perturbado. Não sabia, porque ela jávinha com todo sinal de parto já e nãopoderia acontecer aquilo no meio do rio.E aí quando cheguemo em casa, nósnão sabia que ela tava com dor, porqueela não dizia, só mandava rezar. Quandochegou em casa, ela também não queriadizer pro papai que já ia ter, porquenaquele tempo respeitava muito. Elaqueria chegar na casa dela, no BomJardim. Chegou em casa, vão bora, boradeitar.– Sulina, minha fi lha, puxa minhabarriga!– Mas puxar como, Germana?–Puxa de baixo pra riba, minha fi lha!Queera para o moleque subir. Eu sei quenessa puxação, de baixo pra riba, omoleque aguentou até de madrugada.De madrugada, deu tempo dela sair láde casa e foi pra casa da minha tiaJosefa. Foi lá que ela pariu o moleque.Mas, então, era coisas que a gente nãopodia andar menstruada no rio, naestrada. Se saísse menstruada naestrada, quando não demorava, tavapulando, só ficava boa quando ia pramão do curador. Então isso aí aconteceucom nós no rio e com ela, que é porquejá vinha com sinal de parto.

Contada por Dona Raimunda Pereira dosSantos em 201 4, na comunidade quilombolade Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

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FOGOEssas coisas, elas apareciam não era sóaqui na terra firme, mas no rio elas apare-cem tam-bém. Aparecia, hoje a gente jánão vê mais. Mas essa aí eu vi com meuavô. Antigamente, a gente viajava daquipra Santarém de canoa. A gente ia numdia, para voltar no outro dia. Sempre o ho-rário de sair de Santarém era 1 1 horas,1 0 horas, para chegar aqui à luz do dia.Mas, naquele dia, eu, minha mãe e meuavô fo-mos pra o comércio e passamosda hora. E chegamos na hora para sair, jáfora de hora. Ia chegar aqui emMurumurutuba de noite mesmo, pela horaque nós saímos de lá. Quando chegou nocentro da cida-de, na prainha, tinha umaprima nossa que estava lá no porto, nabeira, ela es-tava gestante e pergun-toupara o meu avô: – Você me dá uma pas-sagem para mim ir pra lá paracomunidade? Aí, de lá, eu vou pro BomJardim. Aí meu avô disse: – Vão bora,que eu não sei que horas que nós vamoschegar lá em casa hoje, por-que essasduas socaram para o comércio. Agora quevieram chegar, nós vamos che-gar denoite em casa! Mas, vão bora, tu quer iras-sim, bora! E viemos embora. Foianoitecen-do no meio da viagem. Viemosembora. . . Quando chegou aí, tinha umasilhas que a gente cha-mava I lha da Maria-zinha, e de lá pra cá anoi-teceu mesmo.Aí viemos, viemos, e quando chegou certaparte, ela começou a olhar pra trás. E nósvinha no remo, remando. Remo pra lá, re-mo pra cá. . . e ela começou a olhar paratrás: – Tio Acorrentouro, olha aquele fogoali pr’atrás, tio Acorrentouro! E o papainem li-gava, remando. . . estava eu, a Mari-inha, que era a prima minha, a mamãe. . .

E nós no remo. Com pouco, elaolhava: – Tio Acorrentouro, olha ofogo ali pr’atrás, tio Acorrentouro! Atéque uma hora papai foi olhar:– Masque fogo, pequena? – Olha,aquele fogo ali pr’atrás! Ele olhoupara lá, quando ele virou já viroudizendo: – Bora do-brar a canoa quenós estamos indo er-rado, nós temosque ir pra cá, aí nós vamos voltar pracidade de novo. E a gente falava quenão, que era pro lado mesmo que jáestava indo, que tinha de continuar.E ele dizia: – Não, é pra cima, nóstemos que ir pra cá! Nós não vamospra lá, nós vamos é pra cá! A gentesaía de lá daquele pedacinho que agente tava, desde a hora que eleolhou para trás, aí ele perdeu o rumomesmo da viagem. A gente rodava,ia até certa parte, quando a genteolhava, já tava lá no mesmo lugar denovo, de onde tinha saído. Papai seaborrecia, meu avô, né? – Nós nãovamos mais! Vamos dormir aqui!Vamos sair daqui amanhã de ma-nhã, que já era para nós tá emcasa. . . não mandei vocês estarem lápara o comércio, se demorarem, vie-ram chegar tarde! Agora nós vamosficar aqui! E minha prima, com a mãona barriga, só fazia dizer: – Ai, TioAcorrentouro. . . reza, Mariinha; reza,Raimunda; reza, Sulina; minha fi lha!Ela já estava com dor. E papai dizia:– Bora de novo! Vamos ver se nóssai daqui! Nós pegava no remo,remava, remava, remava. . . quandodava pra ver, nós tava no mesmo lu-gar de onde nós tinha saído. Aí que

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MENINO DE COCA OU MENINO DE BREUDeixa eu contar outra história. Nós vinha de um jogo, naquela épocanão tinha máquina pra l impar a estrada. Era nós mesmo,comunitários, que l impava a estrada, roçava bem. Certo é quepassou por mim um garoto, eles chamava de menino de coca, né?Mas não era menino de coca, era moleque de breu que chamava.Quando vi aquele homem pequenininho assim, eu fui obrigado a daro caminho pra ele. E ele passou. O pessoal que vinha atrás de mimnão encontraram com esse homem. Então são fatos que acontecem.A gente vê, mas não sabe o que é realmente. Neste igarapé dacomunidade, lá onde meu tio furou o olho da Buiúna, da sapa, lá,nesse igarapé, meu primo que está em Manaus foi tomar banho e aíele viu um moleque também lá. Só que ele saiu correndo atrás domoleque e está correndo até hoje atrás do moleque, e nãoencontrou o moleque. O moleque que tava lá no riacho.Uma outra vez, tinha só esse poço, todo mundo da famíl ia baixavapra tomar banho lá. E a gente tinha um sistema, porque era aberto,e a gente respeitava mulher, qualquer um que tava tomando banholá. Chegava lá em cima e gritava hei. Se tivesse alguém, respondiahei. Teve um dia, que eu baixei do centro, estava trabalhando, erameio dia, fui tomar um banho. Cheguei lá, escutei zoada em cima daponte, vi que tinha alguém tomando banho. Fiquei lá. Mas, rapaz!Quase meia hora! Tava demorando esse banho, eu já com fome pracaramba! Baixei e vi que estava enxutinha a ponte, não tinhaninguém tomando banho lá.Então, esse nosso poço ali tem muitas coisas que acontece. E muitagente que baixou pra lá e até se mudou pra Manaus e trocou arel igião dele por outra, porque pulava muito, né?

contada por Sr. Antônio Pereira Pinto em 201 4na comunidade quilombola de Murumurutuba, Santarém/Pará/Brasil .

Page 57: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

A Buiúna, ela incorporou num meninotambém. Aí ela aparecia, sabe? Omoleque dava pontapé nela, e flechavaela, e jugava pro riacho... porque aí tinhaum igarapezinho. O moleque, eram trêsmoleques: dois sobrinho meu e um fi lho.Aí, pois! Ela se incorporou. Acho que eraum espíri to, né? Eu acho que eraespíri to. Ela incorporou neste menino aí,ela se invocou pra ver. Eu fico assim,pensando, como é as coisas! Diz que elase gerou num passarinho, num galho dopau. Aí o moleque foi balar o passarinhoe lá ela judiou ele. Este menino pulava!Deus o l ivre! Aquele pulou mesmo! Fi lhoda Maria, tu conhece Maria? Pulavaigual à sapa. Mas ficou bom, foramembora pra Manaus também, mana.Ficaram bom aqui em Santarém não,foram embora pra Manaus. A Buiúnainvadiu o menino balando o passarinhona árvore. Foi bater em Manaus!Os bezendor não deram conta dele.Ele pulava muito.

Contada por Dona Maria AlexandrinaPinto em 201 4, na comunidade

qui lombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/Brasi l .

H I STÓRI A DA SAPA

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Page 58: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Lá no Solimões duas crianças vinham da

aula. Elas viram um passarinho na estrada, eram

pequenos, né? Aí viram o passarinho e iam atrás

do passarinho. Toda vez iam atrás do passarinho,

iam pegar o passarinho. Aí sumiram as crianças.

Passou, passou, os famil iares foram atrás e tudo

e tal, pra procurar. Diz que era muita gente! Não

conseguiram achar. Passou, passou. Foi, um

cidadão encontrou eles.

Eles contando que, quando eles vieram da

escola, eles viram o passarinho e foram pegar o

passarinho. Só que, toda vez que eles chegavam

perto do passarinho, a estrada mudava de lugar.

E eles foram entrando mais pra dentro do mato,

mais pra dentro do mato. Ele contou que, numa

noite, eles dormiam na árvore e a irmã dele caiu

da árvore, e caiu no pé duma onça. No luar, ele

viu a onça lá embaixo, mas não fez nada não.

Ele chamou ela, ela subiu. Quando encontraram

eles, tavam muito magrinho. Se alimentavam de

fruta no mato.

Foi a a Sapa que tinha se gerado no

passarinho e queria levar eles, as crianças.

Contada por Márcio em 201 4,na comunidade quilombola de Murumurutuba,Santarém/Pará/Brasil .

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OUTRA H I STÓRI A DA SAPA

Page 59: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

FOTO

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Page 61: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

PARTICIPANTES

Conceição G. dos SantosBianca P. de AlmeidaEverson C. C. Melo

Anderson B. C. da CostaSimone C. CarvalhoAndressa S. da SilvaClara Ariete M. CostaTamires M. Carneiro

Bruna J. de Oliveira VazPedro J. AlcantaraAnderson PereiraEmíl ia Dourado

Laryssa Sousa SilvaMaike Vieira

Silvert GregorioTatianne PicançoMaria do S. PelosoIsrael M. Cardoso

Mae BrígidaPai ClodomilsonRaimunda Núbia

Itaciara NascimentoI lva Vânia

Patrícia GuimarãesWanderleia VieriaMissi lena SantosBruna da Silva

Ivani lda LaurindoMaria Inês

Zildenice BarretoGecineide BentesTaciana MirandaHelder Gama

Elizangela M. HadadGicele Pereira

Luzenira CaetanoCristiane PintoPatrícia Pinto

Erl i Si lva dos SantosSilvana de Jesus Pinto

Rosete SilvaAlessandra Caripuna

Mario FernandoDiego Darl issonCarla PantojaMalenna FariasDivani lda SilvaJoana Coelho

Raimunda SousaTamires CarneiroPai WesterleyPai Edivanei

Roberta MenezesCamila CristinaCélia M CamposManuelle MatosRosimari SantosEderlan Corrêa

Jucimara de JesusMaria PerpétuaMaria Marcele

Alexandra dos SantosCelci lane BarbosaNey Nascimento

Givanildo CarvalhoMª Claudemira C. Antonio

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Page 62: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

Foi no século XVI I que começaram a chegar os primeiros escravos negros de origem

africana na região hoje conhecida como Amazônia. Vindos de diferentes partes da África,

eram comprados pelos habitantes locais (que passavam a chamar de senhores) e

uti l izados nos mais diversos trabalhos: na lavoura de diferentes produtos (cana, arroz,

cacau e outros), na criação de gado, nas casas dos seus senhores, nas atividades

urbanas e até na extração das chamadas “drogas do sertão”. Inseridos naquela

sociedade, entraram em contato com outros indivíduos e grupos (com destaque para as

populações indígenas), com quem ora viviam harmoniosamente, ora em confl itos, mas

geralmente em constante negociação. Não podemos pensar, porém, que brancos,

indígenas e negros eram iguais entre si e se viam como iguais; pelo contrário, havia

muitas diferenças em jogo.Pensando os negros escravos como sujeitos históricos –

capazes de entender o mundo ao redor e sabendo agir politicamente –, as relações que

estabeleciam com seus senhores foram marcadas pelo confl ito e pela negociação, como

apontam alguns historiadores. Além disso, resistiram de várias formas: cometeram

crimes contra os senhores, os famil iares ou subordinados dos mesmos; foram à justiça,

ou seja, às vias legais; no dia-a-dia, desobedeceram, protelaram serviços, entre outras

posturas; fugiram por diversos motivos e com diferentes rumos, muitas vezes

constituindo quilombos.No período colonial e imperial, vários quilombos foram

constituídos no Baixo Amazonas, principalmente em torno de Óbidos, Santarém, e

Alenquer, principais cidades escravistas na região. Como diz o historiador Eurípedes

Funes, nestas comunidades, situadas em locais de difíci l acesso, mas em trechos

navegáveis, onde se pudesse plantar, pescar e coletar bons produtos da floresta, os

quilombolas em geral se estruturavam a partir da famíl ia e em torno de lideranças,

responsáveis por conduzir politicamente os grupos. O sincretismo era outra grande

característica, tanto na religiosidade quanto na organização social e outros aspectos

culturais, onde os elementos africanos e americanos constantemente se mesclavam. A

relação com o meio ambiente era intensa, marcando cada característica da vida no

quilombo. Por outro lado, nem sempre os quilombos ficavam isolados do mundo ao

redor. O contato com as cidades e aldeias indígenas próximas, por exemplo, eram muito

úteis à economia dos quilombos e à sobrevivência dos mesmos, pois também

praticavam o comércio e precisavam rotineiramente criar e recriar estratégias de

resistência frente à perseguição das autoridades estabelecidas. Afinal, continuavam

sendo vistos como escravos fugidos. Estes contatos, portanto, eram sinônimo de troca

de bens, ideias e informações, valiosíssimas para a continuidade dos quilombos.

Luiz Carlos Laurindo Júnior

Referências:FUNES, Eurípedes A. “’Nasci nas matas, nunca tive senhor’. História e memória dos mocambos dobaixo Amazonas”. In: REIS, João José & GOMES, Flávio. Liberdade por um fio: história dosquilombos no Brasil . São Paulo: Companhia das Letras, 1 996, pp. 467-497.

QUILOMBOS DO BAIXO AMAZONAS

Page 63: ORIXÁS CABOCLOS E ENCANTADOS

NOSSOS AGRADECIMENTOSA Oxalá, o grande pai, Deus sobre todas as coisas.A Exú por abrir nossos caminhos, a todos os Orixás e Caboclos.À nossos pais e mães.A todos os Terreiros que nos receberam com Axé. Mães de Santo, Pais deSanto, Ogãns, Ekedes e Filhos de Santo. Em especial Pai Edvanei, PaiClodomilson, Mãe Brígida, Pai Westerley por participarem mais ativamentedeste projeto.Às comunidades quilombolas de Murumurutuba e Saracura pela emocionanterece-pção, acolhimento e participação.Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas das Expressões Afro-rel igiosas do Oeste doPa-rá e Caribe – NPDAFRO/UFOPA – pelo importante e necessário trabalhoque pratica em Santarém, pela acolhida e confiança nesta equipe e nesta ação.Alessandra, Marcos e Mário – SEMED – pela abertura ao diálogo e confiança.Francinei – FOQS – pela disponibi l idade e escuta.Aos amigos Hermes, Luciana, Palestina e Cibele que dividiram conosco suascasas, pertences e carinhos.Carla, Telma, Aldo e Taciana pelas importantes conversas que contribuírampara o sucesso das ações.Pai Zildo e Pai Edvanei pela acolhida e companhia em visita a outros terreiros,uma ponte de comunicação entre nós e algumas casas de santo.Lucibete pelo quão solícita na etapa de organização do transporte.Kátia Hadad por esquentar nossa roda de diálogo com experiência econhecimento.Nosso grande amigo Catraca por fazer soar os tambores e a memória de Áfricapor onde passa e em especial na viagem a Saracura.Às crianças, adolescentes, professores e funcionários das escolas quilombolasSão Sebastião e Nossa Senhora do Livramento.Guaraci Maximiano por acreditar e confiar no nosso trabalho.Cris Borges pela parceira na revisão textual e consultoria amiga quando oassunto é literatura oral.À Fundação Cultural Palmares pela iniciativa do Edital Ideias Criativas queviabil izou este trabalho.Finalmente a todos que estiveram conosco nesta fantástica roda de arte,ludicidade, memória e resistência.Axé! Laroyê!Lorena Anastácio e Vinícius D. MoreiraProjeto Laroyê! A magia dos Orixás dos Terreiros às Escolas.

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