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Paulo Roberto de Araújo Porto ORIGEM DOS SERES VIVOS, ORIGEM DO HOMEM E DA MULHER: O PERCURSO PELO ENSINO MÉDIO DE ESTUDANTES DE UMA ESCOLA CONFESSIONAL CATÓLICA. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde. Orientadora: Profª Drª Eliane Brígida Morais Falcão Professora doutora NUTES- UFRJ RIO DE JANEIRO 2009

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Paulo Roberto de Araújo Porto

ORIGEM DOS SERES VIVOS, ORIGEM DO HOMEM E DA MULHER: O PERCURSO PELO ENSINO MÉDIO DE ESTUDANTES DE

UMA ESCOLA CONFESSIONAL CATÓLICA.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.

Orientadora: Profª Drª Eliane Brígida Morais Falcão Professora doutora NUTES- UFRJ

RIO DE JANEIRO 2009

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Porto, Paulo Roberto de Araújo Origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o percurso

pelo ensino médio de estudantes de uma escola confessional católica / Paulo Roberto de Araújo Porto – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES, 2009.

xii, 69 f. : il. ; 31 cm. Orientador: Eliane Brígida Morais Falcão

Dissertação (mestrado) -- UFRJ, NUTES, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, 2009.

Referências bibliográficas: f. 67-69

1. Antropologia social. 2. Religião e ciência. 3. Evolução. 4. Biogênese. 5. Ensino fundamental e médio. 6. Psicologia social. 7. Adolescentes. 8. Tecnologia Educacional para a Saúde - Tese. I. Falcão, Eliane Brígida Morais. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.

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Paulo Roberto de Araújo Porto

ORIGEM DOS SERES VIVOS, ORIGEM DO HOMEM E DA MULHER: O PERCURSO PELO ENSINO MÉDIO DE ESTUDANTES DE

UMA ESCOLA CONFESSIONAL CATÓLICA.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.

Aprovada em 21 de Julho de 2009.

_________________________________ Profa.. Dra. Eliane Brígida Morais Falcão

NUTES/UFRJ

_________________________________ Prof. Dr. Michel Jean Marie Thiollent

COPPE/ UFRJ

__________________________________ Profa. Dra. Denise Rocha Correa Lannes

IBQM/ UFRJ

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Dedico esse trabalho aos meus pais,

minha esposa e todos meus familiares.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, que me deu forças, inspiração e coragem para concluir esse

trabalho.

A minha esposa, que com paciência e carinho, soube me acompanhar nessa

caminhada.

A meus pais e meus irmãos, que souberam compreender minha ausência em

momentos significativos.

A meu filho Richard e esposa que sempre me motivaram, mesmo nos momentos mais

difíceis.

A professora e orientadora Eliane Brígida Morais Falcão pelos ensinamentos, amizade

e companheirismo, estando sempre presente na elaboração desse trabalho.

Aos integrantes do Laboratório de Ciências, que dividiram comigo as alegrias,

angústias e ansiedades durante essa caminhada. Um agradecimento especial à Carolina de

Lima Alves Belo.

Aos professores e colegas da turma 2007, que muito contribuíram para meu

crescimento profissional e acadêmico.

A Lúcia e ao Ricardo, funcionários da secretária, sempre prontos a ajudar e encontrar

soluções nos momentos de desespero.

A direção e aos estudantes da escola pesquisada, que possibilitaram esse trabalho.

Um agradecimento especial aos meus colegas, professores do Ensino Médio: Andiara

Dias, Hamilton Medeiros, Maria José Vieira e Mônica Ribeiro, que contribuíram muito para

a finalização desse trabalho.

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Quando pensávamos que a natureza correspondia

às nossas esperanças e confortos -todas as coisas belas e

brilhantes, tudo a serviço de nossos eus superiores -

então caímos facilmente na armadilha de igualar,

verdade com direito. Mas quando sentimos o fascínio

diferente dos caminhos da evolução, da história de

mudanças e da espantosa riqueza de diversidade da vida,

com o Homo sapiens representando apenas um ramo

ocasional na mais luxuriante de todas as árvores, então

finalmente nos tornamos livres para separar nossa busca

pela verdade ética e por um significado espiritual, de

nossa busca científica para entender os fatos e os

mecanismos da natureza. Darwin, ao definir a verdadeira

“grandeza dessa visão da vida” (para citar a última linha

de A origem das espécies), liberou-nos de exigir muito

da natureza, deixando-nos livres para compreender o

terrível fascínio que pode estar” lá fora”, confiantes de

que nossa busca por decência e significado não será

ameaçada e só poderá surgir de nossa consciência moral.

(Stephen Jay Gould, 1998).

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RESUMO

Porto, Paulo Roberto de Araújo. Origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o

percurso pelo ensino médio de estudantes de uma escola confessional católica. Dissertação

(Mestrado em Educação em Ciências e Saúde), Núcleo de Tecnologia Educacional para a

Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

O trabalho identificou e analisou as representações sociais dos estudantes de uma

escola confessional católica sobre a origem dos seres vivos com destaque para origem do

homem e da mulher durante o percurso pelo ensino médio. Fez-se uso de questionário

individual em dois momentos do ensino médio. Os dados obtidos foram analisados utilizando-

se a metodologia de análise do discurso do sujeito coletivo (DSC) e os resultados mostraram

que o grupo investigado tem fortes características religiosas, mas mostrou abertura para as

explicações científicas. Seus discursos revelaram conhecimento das hipóteses científicas para

o tema abordado, mas também revelaram influências religiosas. Entretanto as influências

religiosas não se mostraram obstáculos à aprendizagem das explicações científicas para o

tema em questão. Mostraram, antes, sinais de lacunas na abordagem educacional escolar do

tema, principalmente pela falta de maior reflexão sobre as explicações trazidas pelo campo da

ciência e da religião. Influências familiares nas representações sociais dos estudantes para

origem dos seres vivos mostraram-se mais relevantes do que aquelas vindas dos professores e

atividades escolares.

Palavras chave: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, CIÊNCIA E RELIGIÃO, ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS SERES VIVOS, ENSINO DE BIOLOGIA, ENSINO MÉDIO.

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ABSTRACT

Porto, Paulo Roberto de Araújo. Origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o

percurso pelo ensino médio de estudantes de uma escola confessional católica. Dissertação

(Mestrado em Educação em Ciências e Saúde), Núcleo de Tecnologia Educacional para a

Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

The research identified and analyzed social of student’s representation from high

school about living things origin with distinction to man and woman arising during the high

school. It was used individual questionnaire in two different moments of high school. The

data obtained were analyzed through subject collective discourse (SCD) and the results

showed that the investigated group has strong religious characteristic, but showed opening to

scientific explication. Their discourses, revealed religious influence as knowledge of scientific

supposition about the topic. However religious influence did not denote obstacle apprehension

of teaching content in science scope. They showed before, gap sign in school educational

approach of theme, mainly by lack of more reflection about explanation showed in science

and religious area. Family influence in social students’ representation show more eminent

than that from school activities.

Key words: SOCIAL REPRESENTATION, SCIENCE AND RELIGION, ORIGIN AND LIVING THINGS EVOLUTION, BIOLOGY TEACHING, HIGH SCHOOL.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1: DSC Origem dos seres vivos (conjunto total dos estudantes ) 52

Quadro 2: DSC Origem do homem e da mulher (conjunto total dos estudantes) 54

Quadro 3: Fontes de influências para explicações dadas sobre origem dos seres vivos 55

Quadro 4: DSC Origem dos seres vivos ( estudantes que se identificaram ) 78

Quadro 5: DSC Origem do homem e da mulher ( estudantes que se identificaram) 80

Quadro 6: Referências citadas pelos estudantes sobre as fontes que influenciaram suas respostas 82

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Perfil sócio-cultural dos estudantes 50

Tabela 2: Religiosidade dos pais, mães e estudantes 51

Tabela3: Escolaridade dos pais e mães, crenças religiosas dos pais, mães e estudantes 51

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

DSC – Discurso do Sujeito Coletivo.

ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IC – Idéia central.

LEC – Laboratório de Estudos da Ciência.

NUTES - Núcleo de Tecnologia Educacional em Educação e Saúde.

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.

PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio.

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO...................................................................................................................13

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................17

2.1 CIÊNCIA E RELIGIOSIDADE........................................................................17

2.2 CONCEPÇÕES PRÉVIAS................................................................................20

2.3 REALIDADE SOCIAL E CONCEPÇÕES PRÉVIAS.....................................25

2.4 TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAS................................................30

3. RELEVÂNCIA DO TEMA ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS SERES VIVOS................35

4. OBJETIVOS, METODOLOGIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESPAÇO

PESQUISADO.......................................................................................................................40

5. RESULTADOS..................................................................................................................47

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.................................................................................63

7. CONCLUSÃO....................................................................................................................66

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................67

ANEXOS.................................................................................................................................70

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INTRODUÇÃO

O processo de ensino-aprendizagem chama minha atenção desde que iniciei minha

prática no magistério, na educação básica, como professor de ciências e biologia, há cerca de

vinte anos. Tive uma formação tradicional, que reproduzia, no início da minha carreira, tal

prática, ou seja, na sala de aula transmitia, de forma expositiva, os conhecimentos científicos

propostos para o conteúdo abordado, sem considerar a possibilidade de ouvir as idéias dos

estudantes a respeito dos temas que ensinava, ou mesmo buscar estratégias para uma melhor

compreensão dos estudantes durante as aulas. Para mim, naquela época, o conhecimento que

transmitia era o único a ser considerado, pois trazia a verdade científica. Se os resultados nas

avaliações não eram satisfatórios, a responsabilidade era atribuída aos estudantes. Eu

acreditava que tinha ensinado da melhor maneira e, consequentemente, se, os estudantes não

tinham sido “capazes” de aprender, o problema estaria com eles. Porém, após algum tempo

convivendo com muitas dificuldades de aprendizagem, comecei a refletir sobre meu trabalho

com os estudantes, e a partir daí, senti necessidade de repensar minha prática docente, razão

por que ingressei em cursos que propunham novas metodologias para o ensino de ciências.

Dessa forma percebi que era possível buscar novos caminhos para facilitar o

aprendizado dos estudantes e que “dar aulas”, era muito mais do que, apenas, repetir

conteúdos encontrados nos livros didáticos. Nesse aspecto a minha visão sobre os problemas

de aprendizagem começou a ter uma nova configuração, ou seja, o fracasso na aprendizagem

também me envolvia, pois tratava-se de um problema de ensino-aprendizagem. Com esse

intuito, retomei estudos a respeito do processo ensino-aprendizagem, fazia cursos de

atualização, mas senti necessidade de uma formação mais sólida que me permitisse

compreender as bases científicas desse processo. Foi quando conheci o NUTES (Núcleo de

Tecnologia Educacional em Educação e Saúde) e, através dele, iniciei meus estudos em uma

disciplina ministrada pela professora doutora Eliane Brígida Morais Falcão. Tratava-se da

disciplina de sociologia do conhecimento científico, que me permitiu enxergar a ciência sob

outro ângulo, ou seja, também como uma construção social. Os conhecimentos que obtive

foram relevantes para continuar repensando minha prática em sala de aula. Ingressei no

programa de pós-graduação do Nutes, como aluno do mestrado, no Laboratório de Estudos da

Ciência (LEC), onde conheci o projeto de pesquisa sobre Ciência e religiosidade coordenado

pela professora Eliane Brígida Morais Falcão.

Nesse projeto as pesquisas que focavam a origem e a evolução dos seres vivos

chamaram a minha atenção de imediato, pois percebi que o ensino de tais temas, por várias

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vezes, estimulou discussões acaloradas com os estudantes. Nessas discussões alguns

estudantes traziam seus conhecimentos construídos a partir de suas crenças religiosas e nem

sempre consegui conduzir bem essa situação, pois ainda me sentia inseguro analisar outros

conhecimentos que não fossem científicos e sobre os quais estava habituado a discutir.

Como exemplo, posso relatar situações em que a tentativa de focar o conceito

científico da origem e evolução dos seres vivos, defendido pelas ciências biológicas, foi de

encontro à formação religiosa dos estudantes. Em uma das situações, trabalhava com uma

turma de 6ª série, hoje, 7º ano e durante a aula cujo tema era a origem e evolução dos seres

vivos, uma estudante, após ouvir minha explicação, levantou a mão e disse que o pastor de

sua igreja, no final de semana anterior, tinha feito uma pregação abordando esse tema e que

baseada na leitura que fizeram na igreja, e na sua formação religiosa, ela acreditava que Deus

criara todos os seres vivos e o universo. Portanto, não acreditava na versão apresentada pelo

livro e, muito menos, na minha explicação.

Faltaram-me, naquela época, conhecimento, equilíbrio e sabedoria, pois, de forma

rude, informei à estudante que estávamos na escola, na aula de ciências e que por isso, o

conhecimento científico é que deveria ser considerado. Além disso, que as informações

ouvidas na igreja, fossem guardadas para os momentos lá vivenciados. Após minha fala,

percebi um mal estar em toda a turma, pois, embora apenas uma estudante tenha se

manifestado, encontrava-me em uma escola cuja comunidade era constituída por grande

número de evangélicos. Algum tempo depois, descobri que causei uma grande repulsa nos

estudantes e mesmo aqueles que participavam de minhas aulas, a partir desse episódio, se

silenciaram.

Em outro momento uma estudante, evangélica, do primeiro período do curso de

licenciatura em Ciências Biológicas, ao término de uma brilhante redação sobre o tema

origem e evolução dos seres vivos, fez o seguinte relato: “[...] Por considerar que tal

conhecimento faz parte de um dos paradigmas das ciências biológicas, tentei descrevê-lo de

forma técnica. No entanto, quero ressaltar que, particularmente, discordo de tais idéias, por

acreditar que a vida nada mais é do que uma prerrogativa de Deus, que criou todo o universo,

inclusive o homem [...]”. Além desses dois fatos, muitos outros ocorreram, razão por que, fui

percebendo, aos poucos, que precisava considerar as concepções trazidas pelos estudantes, a

respeito desse tema. Não se tratava de uma situação circunscrita aos evangélicos e, sim, à

maioria dos estudantes, pois refletia significados construídos ao longo de suas vidas, reflexo

da grande cultura religiosa existente em nossa sociedade. Isso trazia um novo desafio no que

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se refere ao aprendizado desse tema, pois certamente, na sala de aula, mesmo em situação de

silêncio aparente, haveria sempre explicações diferentes, por parte dos estudantes.

Envolvido com tais questões ingressei, então, na equipe de pesquisa do projeto Ciência

e Religiosidade para estudar as representações sociais acerca da origem e evolução dos seres

vivos no LEC, que já contava com um grande acervo, tanto na análise das representações

sociais dos estudantes do ensino médio e universitário, como de professores do curso de

Ciências Biológicas.

Descobri que, nesse campo, há possibilidade de outras visões, inclusive a que valoriza

os conhecimentos trazidos pelos estudantes (concepções prévias também chamadas de

concepções alternativas), e que é possível haver troca de informações entre professor e

estudante. Comecei, então, a valorizar o conhecimento trazido pelos estudantes e percebi que

minhas aulas ficaram mais dinâmicas, mais atrativas e que os estudantes obtiveram melhores

resultados.

A partir daí, iniciei meu projeto de pesquisa. Dando continuidade aos resultados já

obtidos em pesquisas anteriores, no projeto “Crenças religiosas entre cientistas e estudantes

em formação científica”1 (TRIGO, 2005; NICOLLINI, 2006; GUIDA, 2007), propus

investigar as representações sociais acerca da origem dos seres vivos e da origem do homem e

da mulher, entre estudantes de uma escola confessional católica, durante o percurso dos

mesmos pelo ensino médio. Considerando-se que o tempo previsto para a conclusão do curso

de mestrado é de dois anos, a pesquisa aqui apresentada refere-se à análise dos resultados do

primeiro e segundo ano. Verificou-se que, durante esse período, segundo a proposta curricular

da escola, encontra-se previsto o estudo dos conteúdos sobre a origem dos seres vivos, além

de abordagens sobre a evolução dos seres vivos, diluídos em temas como o estudo da

biodiversidade e genética, na disciplina de Biologia.

Essa escolha foi motivada por se tratar de uma escola onde há grande presença

religiosa, tanto no espaço físico como na sua proposta pedagógica. Em seu espaço físico,

destaca-se, ao lado da entrada principal, uma capela freqüentada por alguns estudantes e a

aberta à comunidade, e uma imagem de Nossa Senhora. Nas salas de aula, encontram-se

crucifixos, e nos corredores, imagens de santos. Além disso, há aulas de ensino religioso e, no

início da primeira aula, diariamente, é lida uma mensagem religiosa e reza-se o Pai nosso.

Muitos estudantes estudam aí, desde o início de sua vida escolar, pois são oferecidos desde a

educação infantil até o ensino médio. A escola, também, tem tradição de bom nível de ensino,

1 Projeto da Prof.ª Eliane Brígida Morais Falcão apoiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

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pois seus estudantes têm bom desempenho em exames como o ENEM2 (Exame Nacional de

Ensino Médio) e em vestibulares de universidades públicas. Diante dessas características, vi

aí um local privilegiado para investigar a relação entre as explicações científicas e religiosas,

sobre a origem e evolução dos seres vivos.

Na elaboração de meu projeto, algumas perguntas aguçavam meu espírito

investigativo: uma escola confessional, onde os sinais religiosos são tão presentes, poderia

influenciar na formação científica dos estudantes, especialmente no que diz respeito às

explicações científicas sobre a origem e evolução dos seres vivos, que encontram explicações

concorrentes do cristianismo? O destaque dado pelo cristianismo à criação divina do homem e

da mulher, poderia levar os estudantes a uma distinção entre a criação dos seres vivos e a

criação do homem e da mulher? As diferentes religiões poderiam influenciar diferentemente

aquele conjunto de estudantes na aceitação da explicação científica sobre a origem dos seres

vivos? As influências familiares teriam relevância na aceitação da explicação científica sobre

a origem dos seres vivos? Haveria influência da metodologia utilizada pelo professor, mesmo

em um espaço tão influenciado por sinais religiosos?Que outras questões poderiam influenciar

as explicações dos estudantes a respeito desse tema?

Nessa caminhada contei com a colaboração da escola, dos estudantes, toda equipe do

LEC e, principalmente, da minha orientadora, professora doutora Eliane Brígida Morais

Falcão.

Esta dissertação encontra-se dividida em seis capítulos. No primeiro encontra-se a

fundamentação teórica que inclui as seguintes seções: 2.1 Ciência e Religiosidade, 2.2

Concepções prévias, 2.3 Realidade social e concepções prévias 2.4 Teoria das representações

sociais. No segundo capítulo faremos considerações gerais sobre a relevância do tema origem

e evolução dos seres vivos no ensino médio. No terceiro capítulo, descrevo a metodologia

utilizada, com foco nas representações sociais e no Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) e os

objetivos dessa pesquisa, no quarto capítulo, serão apresentados os resultados da pesquisa. A

discussão dos resultados compõe o quinto capítulo e no sexto capítulo as considerações finais

(conclusões) encerram a dissertação.

2 ENEM O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) é um exame realizado anualmente, individual, de caráter voluntário, aos estudantes que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores. Seus objetivos principais são possibilitar uma referência para auto-avaliação e utilização da nota em exames de vestibulares. Este exame tenta valorizar a capacidade de raciocínio fazendo com que o individuo seja estimulado a pensar(...). O Enem incentiva o ´´aprender a pensar´´, a refletir e a “saber como fazer”. Valoriza, portanto, a autonomia do jovem na hora de fazer escolhas e tomar decisões. <http://www.enem.org.br/Cms/Site/Pag1x2.asp?m=4&e=198>: acessado em 19.06.09.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 CIÊNCIA E RELIGIOSIDADE

A relação entre ciência e religião não é uma questão atual pois vem sendo pensada e

discutida desde o surgimento do que se chama comumente de ciência moderna. Por isso, antes

de tratarmos dessa discussão na atualidade, seria interessante voltar, mesmo que de uma

forma breve, ao passado para entender como essa relação se constituiu e tomou forma ao

longo da história.

Até meados do século XVI, o mundo Ocidental permaneceu mergulhado numa

realidade construída a partir de referenciais religiosos, mais precisamente a partir de ideais

cristãos e nesse sentido, qualquer forma de expressão do mundo impregnava-se de

religiosidade. Assim sendo, arte, medicina, filosofia, magia, ideologias e outros campos do

saber erguiam-se a partir de uma concepção de mundo fundamentalmente judaico-cristã, sem

uma distinção clara entre religião e outras formas de conhecimento.

A Filosofia Natural é um exemplo desse tipo de saber pois unia campos que, mais

tarde, foram se diferenciando e constituindo especialidades cada vez mais distintas. Tratava-

se de um corpo de explicações teóricas acerca do mundo material herdado da filosofia da

Antiga Grécia. O historiador John Henry (1998) afirma que, nessa época, a técnica e a prática

eram conhecimentos menos privilegiados e considerados sinais de pouca instrução.

No Renascimento, com o surgimento das cidades, os artesões, profissionais típicos na

era medieval, foram substituídos pelos engenheiros e os arquitetos, doravante responsáveis

pela construção das edificações que fariam parte dos novos cenários urbanos. Esses

profissionais trazem consigo conhecimentos matemáticos e técnicos até então relegados a

categorias secundárias na hierarquia dos saberes.

As pretensões expansionistas dos reinados europeus, naquela época, promoveram,

então, a colonização de terras distantes, como as Américas, a África e a Ásia. Esse

empreendimento demandou o aperfeiçoamento de técnicas e instrumentos de navegação,

conferindo oportunidade aos técnicos, engenheiros e matemáticos, antes preteridos

socialmente, de ascenderem ao patamar social ocupado, anteriormente, apenas pelos

intelectuais. Ao mesmo tempo, uma nova classe social não só se estabeleceu, como acumulou

capital. Eram os mercadores dos burgos, que passaram a ser denominados burgueses. Esse

quadro de profundas mudanças econômicas e sociais provocou uma revolução no

pensamento da sociedade européia, instituindo não só uma nova ordem econômica, mas,

também, uma outra visão de mundo.

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Aos poucos, a Filosofia Natural aristotélica, antes dominante nos meios universitários

da época, foi perdendo terreno para a física e as ciências matemáticas e, no século XVII, a

matematização da representação do mundo estaria consolidada. Henry aponta o livro de

Newton denominado Os Princípios Matemáticos de Filosofia Natural como um marco

nesse sentido:

Embora seu livro tenha enfrentado algumas críticas violentas, não se levantou um murmúrio sequer contra ele sob esse aspecto. A batalha já havia sido ganha, e, em certo sentido, a história já se completara antes que Newton pisasse no palco. Certamente, no final do século XVII, o matemático era visto não como um mero subordinado do filósofo natural, mas como um membro da elite intelectual. ( HENRY J., 1998, p. 33)

Porém a matematização da natureza demandou a incorporação do método

experimental à ciência, uma vez que, aos instrumentos próprios dos cálculos matemáticos,

como astrolábios, quadrantes, somaram-se outros que auxiliavam a observação dos

fenômenos, como telescópio, o microscópio, o barômetro e o termômetro, por exemplo. O

experimentalismo passou, aos poucos, a ocupar papel importante em campos antes

dominados apenas pela Filosofia Natural, como nas escolas de medicina, onde as aulas de

anatomia uniam, à teoria, práticas de dissecação.

A Filosofia Natural absorveu essa abordagem empírica do conhecimento natural e

foi justamente esse aspecto pragmático que evoluiu no século XVIII, para a face

propriamente “científica” da filosofia natural, colaborando para uma diferenciação cada vez

mais clara desse corpo de conhecimentos em relação aos demais, sobretudo ao destacar-se

do contexto religioso no qual outros domínios do saber estavam mergulhados.

Esse período de intensas modificações na forma de conhecer e explorar a natureza

dos fenômenos físicos, químicos e biológicos, foi caracterizado, pelos historiadores da

ciência, como Revolução Científica. A partir daí, inaugurou-se um tempo de legitimidade

crescente da ciência, embora o processo de diferenciação do conhecimento científico

moderno, a partir da religiosidade reinante nos séculos anteriores, não tenha se dado de

forma abrupta, como pensam alguns. Fica claro o entrelaçamento desses dois campos, no

alvorecer da ciência moderna, no comentário:

Repetidamente podemos ver a importância que as questões religiosas tinham para os pensadores mais destacados, fornecendo uma motivação geral para suas filosofias naturais e moldando seus detalhes precisos. Kepler, por exemplo, via a si mesmo como um sacerdote “ do Deus Altíssimo com respeito ao Livro da Natureza” que, ao descobrir o padrão que Deus impusera ao cosmo, estava, “pensando os pensamentos de Deus à maneira de Deus.” ( HENRY J., 1998, p. 83).

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O século XVII, época do surgimento da ciência moderna, foi palco tanto de um

florescimento de obras alquímicas como, também, de um enorme crescimento da matemática.

Esse diálogo crítico entre tradições e teorias diversas é comum a todas as épocas e o período

do surgimento da ciência não foi diferente. Mas ao mesmo tempo em que a “nova ciência”

surgia representava uma descontinuidade com a tradição, pois os cientistas que a

desenvolveram estavam imersos e eram parte dessa tradição. O que pode parecer estranho é

que na época do surgimento da ciência conviviam perspectivas pertencentes a mundos

culturais que atualmente parecem para muitos de nós inconciliáveis entre elas.

Tal fato nos permite deduzir o descompasso que permeava a relação ciência e

religiosidade embora, segundo Henry (1998) uma época em que os mundos da religião e da

ciência pareciam tão inconciliáveis, e em que muitos cientistas tentaram, através do diálogo e

do debate conciliá-los, esses mundos culturais, convivessem muito mais próximos do que se

imagina.

Um exemplo dessa conciliação é encontrado nos trabalhos de Descartes. Esse autor

usou a filosofia mecânica para endossar o dualismo extremado segundo o qual havia no

mundo dois tipos de substâncias: uma coisa ou um corpo externo (res extensa) e uma coisa

pensante, mente ou alma (res cogitans) Acreditava-se que a mente escapava aos limites da

mecânica filosófica e ele permaneceu silencioso com relação à substância imaterial, que

poderia levar o corpo a efetuar atos deliberados da vontade (Henry, j., op. cit). O fato de

Descartes, apesar das dificuldades, nunca ter abandonado seu compromisso com seu sistema

dualista e ter sempre parecido encará-lo como uma maneira de demonstrar a imortalidade da

alma revela a influência das preocupações religiosas em seu pensamento. As diferenças de

detalhes das várias explicações podem ser relacionadas às diferenças de perspectiva religiosa.

A religião foi um estímulo fundamental para o filosofar de Descartes e uma profunda influência sobre os detalhes do desenvolvimento e da forma final de seu pensamento. O mesmo poderia ser dito acerca de praticamente todos os outros pensadores importantes na revolução científica. Não pode haver, portanto, nenhuma incompatibilidade entre pensamento religioso e científico. (HENRY, J., op. cit p. 89).

As fronteiras que iriam separar a ciência da religião, da metafísica e da magia foram

construídas aos poucos, em cima de um discurso que ia se constituindo sobre o que era a

própria ciência e também sobre o que passava a ser entendido como religião. Por essa razão

no final do século XVII, essas fronteiras eram tecidas por homens que, além de estabelecerem

os fundamentos da ciência moderna, eram religiosos devotos.

Foi fundamentalmente a partir do Iluminismo, no século XVIII, que começou a se

desenhar uma imagem da ciência como totalmente oposta à religião. O teísmo em si mesmo

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não opunha ciência e religião, mas levou cada vez mais a ciência a investigar o universo como

se Deus não existisse. Era também comum a vários pensadores iluministas considerar a

religião como algo pertencente ao passado da humanidade e associado a uma época primitiva

que, com o tempo, seria superada e deixada para trás.

Essa previsão parece cada vez mais distante, inclusive dentro do mundo científico,

pois várias investigações feitas com pesquisadores que convivem em ambientes cercados de

tecnologia avançada e que realizam pesquisas de ponta permitiram a observação de sinais

evidentes de significativa presença de crenças religiosas (FALCÃO, 2008).

Historiadores da ciência mostram que os conflitos históricos entre ciência e religião estiveram, frequentemente, relacionados a confrontos de poderes institucionalizados e, portanto, não se pode afirmar a existência de conflitos intrínsecos entre crenças religiosas e conhecimento científico. Ciência e religião tratariam de diferentes objetos ou de áreas diversas da cultura humana (BROOKE, 1991; HENRY, J. 1998; MENDELSONH, 1993; apud FALCÃO, 2006 p. 30).

Entretanto, percebe-se que religião e ciência são duas construções sociais que exercem

grande influência nos seres humanos. Tais construções interagem nos meios sociais, chegando

a locais que se supunham isentos de tais influências e a sala de aula é um espaço propício

para o encontro dessas duas construções, principalmente quando se propõe o estudo dos

conceitos da origem e evolução das espécies, que possuem explicações científicas e

religiosas. Diante disso, alguns questionamentos surgem: será que esta dubiedade pode causar

possíveis bloqueios na recepção dos conceitos científicos? Que explicação terá maior

significação para o estudante: a apresentada pela escola baseada nos conhecimentos

científicos, ou aquela construída durante sua vida, decorrentes de suas interações sociais,

principalmente religiosas?

Nesse sentido, propõe-se neste trabalho uma pesquisa das concepções prévias acerca

da “origem e evolução dos seres vivos e do homem e da mulher” com estudantes de uma

escola confessional religiosa católica, durante seu percurso pelo ensino médio.

2.2 CONCEPÇÕES PRÉVIAS

Na medida em que a ciência e a tecnologia foram reconhecidas como essenciais no

desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino de ciências em todos os níveis foi

aumentando sua importância, sendo objeto de inúmeros movimentos de transformação do

ensino.

Um episódio muito significativo ocorreu durante a "guerra fria", nos anos 60, quando

os Estados Unidos, para vencer a batalha espacial, fizeram grandes investimentos em recursos

humanos e financeiros justificando que a formação de uma elite que garantisse a hegemonia

norte-americana na conquista do espaço dependia, em boa parte, de uma escola secundária em

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21

que os cursos de ciências identificassem e incentivassem jovens talentos a seguir carreiras

científicas. Esse movimento envolveu sociedades científicas, universidades e acadêmicos

renomados, apoiados pelo governo. Nessa perspectiva, a ciência era considerada uma

atividade neutra, isentando os pesquisadores de julgamento de valores sobre o que estavam

fazendo (KRASSILCHIK, 2000). Pretendia-se, no ensino de ciência, formar jovens cientistas,

buscando assim, desenvolver a racionalidade, a capacidade de fazer observações controladas,

preparar e analisar estatísticas e respeitar a exigência de replicabilidade dos experimentos.

Os agravamentos dos problemas ambientais do pós-guerra, a tomada de consciência de

muitos intelectuais com relação às questões éticas, a qualidade de vida da sociedade

industrializada, a necessidade da participação popular nas decisões públicas, estas cada vez

mais sob o controle de uma elite que detém o conhecimento científico e, sobretudo, o medo e

a frustração decorrentes dos excessos tecnológicos levaram a um novo modo de produção do

conhecimento. Esse novo modo de produção acarretou um aumento da responsabilidade

social dos produtores de conhecimento científico e tecnológico. Nele, os diferentes

profissionais se uniram no interesse comum de resolver grandes problemas, como a cura da

AIDS, a escassez ou má distribuição de alimentos, as questões ambientais, etc. Isso passou a

exigir do novo cientista uma maior reflexão e, sobretudo, a capacidade de dialogar com outras

áreas para participar da análise de tais problemas em uma perspectiva multidisciplinar.

Diante desse contexto, em 1996, foi aprovada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, nº 9.394/96, a qual estabelece, no parágrafo 2o do seu artigo 1o, que a educação

escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. O artigo 26, também,

estabelece que "os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional

comum, a ser complementada pelos demais conteúdos curriculares especificados nesta Lei e

em cada sistema de ensino". A formação básica do cidadão, na escola fundamental, exige,

então, o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo, a compreensão do ambiente material

e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a

sociedade. O ensino médio tem a função de consolidação dos conhecimentos e a preparação

para o trabalho e a cidadania para continuar aprendendo.

Nessa perspectiva, a formação científica sistematicamente estabelecida para a

educação básica, deve permitir ao estudante um aprendizado que vá além do conhecimento

técnico, possibilitando uma cultura mais ampla e desenvolvendo meios para a articulação de

uma visão de mundo natural e social. Baseados nessa visão encontram-se os objetivos dos

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22

PCNEM3 (Parâmetros Nacionais para o Ensino Médio), para as disciplinas relacionadas às

ciências da natureza:

(...) envolver, de forma combinada, o desenvolvimento de conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos, que correspondam a uma cultura geral e uma visão de mundo. Para a área de ciências da natureza, isto é particularmente verdadeiro, pois a crescente valorização do conhecimento e da capacidade de inovar demanda cidadãos capazes de aprender continuamente, para o que é essencial uma formação geral e não apenas um treinamento específico. Com esta compreensão o aprendizado deve contribuir não só para o conhecimento técnico, mas também para uma cultura mais ampla, desenvolvendo meios para a interpretação de fatos naturais, a compreensão de procedimentos e equipamentos do cotidiano social e profissional, assim como para a articulação de uma visão de mundo natural e social. (PCNEM p. 208).

Entretanto, apesar das mudanças propostas, o período marcante e crucial na história do

ensino de ciências, durante a guerra fria, influi, até hoje, nas tendências curriculares das várias

disciplinas, tanto no ensino médio como no fundamental, (KRASSILCHIK, 2000). Isso pode

ser verificado em situações em que os conhecimentos científicos são apresentados como

verdade inquestionável numa tentativa de submissão de todos os estudantes a uma cultura

única, disfarçada de transmissão de conhecimento. Essa prática assume freqüentemente a

forma de uma ideologia denominada cientificismo (SMOLIEZ &NUNAN, 1975; OGAWA,

1998 apud DORVILLÉ, 2008).

Por essa razão seria importante favorecer, de algum modo, o acesso de nossos

estudantes a uma formação cultural mais ampla, desenvolvendo meios para a interpretação de

fatos naturais e sociais, permitindo assim a articulação de uma visão de mundo natural e

social, já que tais propostas estão previstas nos parâmetros curriculares. Entretanto, a

experiência docente indica que essa prática ainda não é uma realidade, chegando a ser um

desafio, pois, muitas vezes, como professores das disciplinas relacionadas às ciências da

natureza, temos tendência a uma visão cientificista. Essa tendência se relaciona as nossas

próprias convicções e a nossa formação. Porém no mundo atual, é direito de nossos estudantes

terem o acesso ao conjunto de explicações fornecidas pelas ciências para entender o mundo a

sua volta. Deve-se, portanto, buscar um equilíbrio entre a base de conhecimentos, poderosa,

que a ciência oferece (porque tais conhecimentos provocam modificações nas nossas formas

de vida) e a contextualização no amplo espectro das culturas humanas. O erro é tentar

3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM) fazem referência explícita às disciplinas, vinculadas às três áreas do conhecimento, propondo, entretanto, uma visão integradora das disciplinas de modo a se reconhecer a relação entre aquelas de uma mesma área e entre as de áreas diversas. Apresenta, também, os objetivos específicos de cada área do conhecimento reunidos em torno de competências gerais. (Orientações Curriculares para o e Ensino Médio, ciências da natureza e suas tecnologias, 2006).

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23

apresentar as ciências como única perspectiva de valor para se descrever e entender o mundo

e esperar que todos os estudantes, oriundos dos mais diversos contextos culturais, adotem,

igualmente, o mesmo ponto de vista. Os estudantes são pessoas que trazem para a sala de aula

seus pensamentos, seus valores, suas visões de mundo, relacionados aos temas estudados.

Principalmente quando os objetos ou fenômenos estudados têm interfaces com construções

culturais muito arraigadas como aquelas relacionadas à religiosidade, como se observa nos

conteúdos da origem e evolução da vida.

Nessa perspectiva, é importante destacar estudos realizados pela educação em ciências

nos últimos anos, sobre as concepções prévias dos estudantes. No final dos anos 60, as idéias

de Jean Piaget, sobre desenvolvimento intelectual começaram a ser conhecidas e discutidas.

Passa, assim, a ter papel central no processo de ensino-aprendizagem da ciência uma

perspectiva cognitivista, enfatizando o chamado construtivismo. (Krasssilchik, 2000). A partir

da década de 70, começou a aparecer, na literatura, um grande número de estudos

preocupados, especificamente, com os conteúdos das idéias dos estudantes em relação aos

diversos conceitos científicos aprendidos na escola. Essas pesquisas surgiram como um

desdobramento crítico àquelas realizadas por Piaget e colaboradores, fruto de uma

preocupação específica com o ensino dessas noções, presentes nesses trabalhos e ausentes nos

de Piaget. (MORTIMER, 1996)

No final da década de 70(AGUIAR JR., 2001) os estudiosos obtiveram um amplo

repertório de conhecimentos sobre as concepções dos estudantes, o que levou a caracterizar os

processos de aprendizagem em ciências como resultado de mudanças conceituais.

Objetivando, inicialmente, explicar ou descrever "as dimensões substantivas do processo pelo

qual os conceitos centrais e organizadores das pessoas mudam de um conjunto de conceitos a

outro, incompatível com o primeiro" (POSNER, STRIKE, HEWSON & GERTZOG, 1982

apud AGUIAR JR. 2001) elaboraram, depois, o modelo que buscava investigar as idéias dos

estudantes. O modelo proposto baseava-se, fundamentalmente, em dois componentes

básicos: a ecologia conceitual4 e as condições para que as mudanças ocorram. A ecologia

conceitual é constituída por elementos que organizam, selecionam ou impedem o avanço do

conhecimento do sujeito, sendo composta por anomalias, compromissos epistemológicos e

crenças metafísicas. Quanto às condições para mudanças, estas decorrem de uma avaliação

por parte do sujeito da aprendizagem quanto à plausibilidade, inteligibilidade e poder

4 Ecologia conceitual: Conjunto de conhecimentos prévios que propicia o contexto no qual a acomodação e assimilação de novas idéias devem ter lugar, é um conhecimento tácito contendo suposições implícitas que nunca ou raramente são examinadas, interpretações naturais, mas influenciam todos os atos de significação. (POSNER apud EL-HANI & BIZZO 2002).

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explicativo das novas concepções, assim como de certa insatisfação quanto às concepções

anteriores. Este modelo ficou conhecido como modelo da mudança conceitual5 sobre as

explicações para os diversos fenômenos naturais. Esses estudos deram origem ao que

podemos chamar de movimento das “concepções alternativas”, em vista da constatação de

que os estudantes apresentam molduras teóricas coerentes com suas experiências, mas que

diferem das idéias científicas (EL-HANI & BIZZO, 2002).

Porém, o relativo fracasso das iniciativas destinadas a promover a mudança conceitual

em sala de aula conduziu a novas pesquisas nesse campo (AGUIAR JR., 2001). Isso permitiu

o levantamento de novas questões para a investigação, o que resultou na busca e a proposição

de modelos diversos para lidar com a complexidade dos processos de aprendizagem escolar.

(El-Hani & Bizzo 2002). Algumas críticas foram dirigidas ao modelo de mudança conceitual

de Posner, dentre elas destaca-se o fato de o modelo proposto basear-se na idéia de que

concepções conflitantes não podem ser simultaneamente plausíveis para uma mesma pessoa.

Isso conduz a uma expectativa de rompimento dos indivíduos com suas concepções. Além

disso, esse modelo traz implícito o conceito de superioridade das concepções científicas sobre

as demais, na tarefa de dar sentido ao mundo.

A impossibilidade de sustentar, simultaneamente, concepções científicas e não

científicas foi posta em questão por muitos pesquisadores (COBERN, 1994, MORTIMER,

1996). Eles consideraram que tal situação seria possível na ecologia conceitual de um

indivíduo, desde que elas fossem empregadas em contextos diferentes. Para esses autores, é

necessário reconhecer que o estudante é um sujeito que, em torno de uma visão de mundo6,

valores e crenças, constituíram uma identidade a partir de sua cultura social e familiar.

Uma das respostas veio de uma abordagem que mereceu grande atenção nas últimas

décadas, a qual passou a levar em conta a relação entre educação científica e o ambiente

cultural, do qual, os estudantes são oriundos. Esta idéia expandiu ainda mais a noção de

construtivismo, no que COBERN (1994) denominou construtivismo contextual. Para o

ensino de ciências, segundo ele, a abordagem construtivista vai além, ao defender que o

5 Uma concepção inteligível será plausível para o indivíduo, caso pareça ter a capacidade de resolver anomalias com as quais se defronta uma concepção anterior. O significado de uma concepção emerge, então, de suas conexões com os demais elementos da rede de conceitos que constitui a ecologia conceitual do indivíduo. (...) (...)Uma vez insatisfeito com uma dada concepção, a expectativa é a de que o aprendiz a elimine de sua ecologia conceitual. O objetivo das estratégias para mudança conceitual é precisamente produzir no estudante, mediante a manipulação pelo professor, situações conflitivas, uma insatisfação com suas concepções prévias e, eventualmente uma substituição destas por idéias científicas. (POSNER, apud EL-HANI & BIZZO 2002). 6 A expressão “visão de mundo” ,nessa dissertação pode ser entendida no sentido resumido por Hodson (1999): conjunto de crenças, mantida consciente ou inconscientemente, sobre a natureza da realidade e que predispõe pessoas a sentir, pensar e atuar em caminhos específicos.

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aprendizado ocorre no interior de visões defendidas socialmente a respeito do que faz sentido

e do que é significativo. Assim, o aprendizado por parte dos estudantes se encontra inserido

em um meio cultural. Esse meio cultural já existia mesmo antes dos estudantes nascerem,

influenciou e continua influenciando as suas vidas. Desse meio, através das relações sociais

estabelecidas por eles, ao longo de suas vidas, resulta uma construção social, na qual idéias,

valores, crenças e visão de mundo se estabelecem. Não se pode desprezar que essas

construções produzam significados diversos para os estudantes, numa dinâmica em que eles

são atores e espectadores, pois estão mergulhados nesses significados. O homem é um animal

suspenso numa teia de significados que ele mesmo teceu (GEERTZ, 1998).

Sob essa perspectiva, o objetivo do ensino de ciências é tornar a concepção científica

compreensível aos estudantes, pois consideram suas características sócio-culturais. A resposta

teórica predominante segue na direção da receptividade dos conhecimentos prévios: estes

precisam ser reconhecidos pelos docentes, sem que se estabeleça sua extinção, como objetivo

do ensino de ciências. Sendo assim, as concepções prévias dos estudantes necessitam não só

serem conhecidas, mas de serem consideradas como uma outra forma de conhecimento,

diferente daquele levado pela escola e que podem permanecer com o estudante, que poderá

enxergar, no novo conhecimento apresentado, uma outra forma de compreensão sobre temas,

para os quais já tinham explicações construídas.

As construções sociais realizadas durante a vida dos estudantes, também terão

referências afetivas (VILLANI & CABRAL, 1997) pois o homem inicia a aprendizagem

assim que nasce, na maioria das vezes, em ambientes cercados de influência afetiva, ou seja o

ambiente familiar. Nesse caso, o primeiro contato do ser humano com o mundo social

institucionalizado se dá com seus familiares, cujos integrantes já possuem valores e crenças,

inclusive os relacionados a religiosidade. Por isso, alguns temas, como os conceitos de origem

e evolução dos seres vivos, que podem ser explicados tanto pela ciência como pela religião,

poderão ser apresentados aos estudantes desde o início de suas vidas Sendo assim as

concepções alternativas relacionadas a tais conceitos podem, portanto, apresentar muitos

aspectos além daqueles considerados cognoscíveis, uma vez que a doutrinação religiosa é um

processo que também envolve fatores afetivos e motivacionais.

2.3 REALIDADE SOCIAL E CONCEPÇÕES PRÉVIAS

O referencial teórico dessa seção esta baseado nos trabalhos dos sociólogos Berger,

Luckmann e Giddens, e do antropólogo Geertz.

Nenhum indivíduo nasce membro da sociedade. Ele nasce com a predisposição para

a sociabilidade e torna-se membro da sociedade. Por conseguinte, na vida de cada indivíduo

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existe uma seqüência temporal no curso da qual ele é induzido a tomar parte na dialética da

sociedade. O ponto inicial desse processo é a interiorização, ou seja, a apreensão ou

interpretação imediata de um acontecimento objetivo como dotado de sentido, isto é, como

manifestação de processos subjetivos de outrem que, dessa maneira, torna-se subjetivamente

significativo para ele. Assim, uma criança ao ser inserida no mundo social tem, em seus pais,

a representatividade de um mundo institucionalizado que possui um caráter da realidade

histórica e objetiva. Os pais transmitirão à criança o seu sentido da realidade, pois o mundo

institucional em que eles vivem tem uma história que antecede o nascimento daquela criança.

A socialização conecta várias gerações umas com as outras. O nascimento de uma criança alerta as vidas daqueles que são responsáveis pela sua criação – e eles mesmos, portanto, passam por novas experiências de aprendizado. Os cuidados dos pais comumente ligam as atividades dos adultos às crianças para o restante de suas vidas. As pessoas mais velhas, é claro, permanecem pais quando se tornam avós, produzindo então outro conjunto de relações, ligando diferentes gerações umas com as outras. (GIDDENS, 2005, p. 43).

Além disso, tal história antecede o nascimento dos próprios pais. Dessa forma este

mundo não é acessível à lembrança biográfica da criança, pois já existia antes de ela ter

nascido e continuará a existir depois que ela morrer. Essa transmissão dos conhecimentos do

mundo institucionalizado pelos pais pode ser denominada socialização primária, e cria na

consciência da criança uma abstração progressiva dos papéis e atitudes que ela exercerá

posteriormente.

A socialização primária ocorre na primeira infância e na infância e é o mais intenso período de aprendizado cultural. É o tempo em que as crianças aprendem a língua e os padrões básicos de comportamento que formam a base para o aprendizado posterior. A família é o principal agente de socialização durante essa fase. (GIDDENS, 2005, p. 42)

Na socialização primária não há problemas de identificação, pois a criança é colocada

em um mundo institucionalizado dos seus significados. Não há escolha de outros significados,

pois a criança só conhece este mundo e não existe outra possibilidade de descoberta. Além

disso, a socialização primária implica mais do que o aprendizado puramente cognoscitivo,

pois ocorre em circunstâncias carregadas de alto grau de emoção. A socialização primária

termina quando o conceito do outro generalizado (e tudo quanto o acompanha) for

estabelecido na consciência do indivíduo. Nesse momento, ele é um membro efetivo da

sociedade e possui subjetivamente uma personalidade e um mundo.

(BERGER&LUCKMANN, 1999)

Entretanto enquanto a socialização primária não pode ser realizada sem a identificação

e é carregada de emoção da criança com seus outros significados, a maior parte da

socialização secundária pode dispensar esse tipo de identificação e prosseguir eficientemente

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só com a quantidade de identificação mútua incluída em qualquer comunicação entre seres

humanos.

A socialização secundária tem lugar mais tarde na infância e na maturidade. Nessa fase, outros agentes de socialização assumem algumas das responsabilidades que antes eram da família. As escolas, os grupos de iguais, as organizações, a mídia e finalmente o lugar de trabalho se tornam formas socializantes para os indivíduos. As interações sociais nesses contextos ajudam as pessoas a aprenderem os valores, as normas e as crenças que constituem os padrões de sua cultura. (GIDDENS, 2005 p.42.)

A escola, nesse momento, representa um local importante nas interações da

socialização secundária, por isso destaca-se o papel que ela representa também como local de

construção de conhecimentos, pois os estudantes, ali, terão contato com outras idéias,

referências e explicações. Os estudantes da educação básica chegam à escola com explicações

a respeito de muitos conhecimentos. Tais explicações muitas vezes, construídas desde a

socialização primária, podem ter envolvido, pessoas e momentos valiosos, certamente, essa

concepção prévia não será abandonada ou mesmo questionada diante de uma nova explicação,

muitas vezes apresentada de forma racional, como uma verdade inquestionável.

Isso pode ocorrer durante a explicação científica da origem e evolução dos seres

vivos, que segundo os parâmetros curriculares para o ensino médio e suas diretrizes

curriculares, figura como um dos conhecimentos que possuem outras explicações e também

considerados conhecimentos estruturantes do ensino da biologia. Tais conceitos trazem para a

sala de aula a possibilidade de concepções prévias dos estudantes ( e por vezes também dos

professores) que se inserem em contextos sociais e culturais que preconizam outras hipóteses

para essa questão.

Tais concepções prévias são construídas na medida em que a vida cotidiana apresenta-

se como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para

eles, já que forma um mundo coerente que é tomado como realidade pelos membros da

sociedade e se origina no pensamento e na ação dos homens comuns, daí seu caráter real.

Portanto, a vida cotidiana acaba por constituir tipificações para identificar objetos, coisas,

fatos e até mesmo pessoas, produzindo um conhecimento compartilhado, que permite

estabelecer referências utilizadas para identificar (tipificar) certas condutas, objetos ou idéias.

A estrutura social é a soma dessas tipificações e dos padrões recorrentes de interações

estabelecidas por meio delas (BERGER & LUCKMANN, 1997), incluindo-se aí as

concepções religiosas.

Por outro lado as interações permitem processos de institucionalização e tipificação

das ações habituais e, dessa forma, tornam-se acessíveis a todos os membros do grupo social.

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28

A interação entre os indivíduos na vida cotidiana é, por conseguinte, constantemente afetada

por participações que constroem conhecimentos que vão constituir um acervo comum,

disponibilizado a todos. A participação nesse acervo de conhecimentos se traduz em

aprendizados que vão além das relações com seus contemporâneos, indo aos predecessores e

sucessores. Isso significa que uma idéia ou concepção pode ser difundida por várias gerações

que durante a história dos grupos sociais, vão agregando novas idéias ou concepções,

possibilitando a formação de outros conhecimentos, criando uma dinâmica entre os

conhecimentos partilhados.

A linguagem é uma poderosa forma de concretização dos conhecimentos, pois é

através dela que se constrói objeto de conhecimento por todos aproveitável. permitindo sua

incorporação a um conjunto mais amplo de tradições por via da instrução moral, da poesia

inspiradora, da alegoria religiosa e outras coisas mais.

Por isso é fundamental destacar-se a linguagem por sua capacidade de comunicar

significados que não são expressões diretas da subjetividade do “aqui e agora”. Desse modo,

ela é capaz de se tornar o repositório objetivo de vastas acumulações de significados e

experiências, o que pode, então, preservar no tempo e transmitir às gerações seguintes

concepções como as que se relacionam com a origem e evolução da vida.

“A imagem de uma natureza humana constante, independente de tempo, lugar e circunstância, de estudos e profissões, modas passageiras e opiniões temporárias, pode ser uma ilusão, que o que o homem é pode estar tão envolvido com onde ele esta, quem ele é e no que ele acredita, que é inseparável dele. É precisamente o levar em conta tal possibilidade que deu margem ao surgimento do conceito de cultura e ao declínio da perspectiva uniforme do homem”. (GEERTZ, 1989, p. 26).

A interação social precede a formação biológica, ou seja, nascemos mergulhados em

um mundo socialmente institucionalizado, sendo por isso, referência relevante na formação

do homem. Podemos tratar essas duas vertentes (biológica e social) de forma dialética, onde

as interações são decisivas na formação dos indivíduos.

O homem é biologicamente predestinado a construir e habitar um mundo com os outros. Este mundo torna-se para ele a realidade dominante e definitiva. Seus limites são estabelecidos pela natureza, mas uma vez construído, este mundo atua de retorno sobre a natureza. Na dialética entre a natureza e o mundo socialmente construído, o organismo humano se transforma. Nesta mesma dialética o homem produz a realidade e com isso se produz a si mesmo (BERGER & LUCKMANN, 1999, p. 214).

A humanização é variável no sentido sócio-cultural. Em outras palavras, não existe

natureza humana como um substrato biologicamente fixo, que determine a variabilidade das

formações sócio-culturais. É mais significativo dizer que o homem constrói sua própria

natureza, ou, mais simplesmente, que o homem se produz a si mesmo.

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29

Desse modo a influência cultural não pode ser desprezada no desenvolvimento

humano, pois a cultura antecede o indivíduo. Nascemos e somos inseridos em um ambiente

cultural que já existia. Esse fato determina uma série de comportamentos que serão

apresentados ao novo integrante daquele grupo social.

Por outro lado, ao nascer, o homem, é totalmente dependente de seus pais, pois

biologicamente ainda não concluiu seu desenvolvimento, pelo menos no que diz respeito ao

sistema nervoso.

O desenvolvimento ontogenético humano consiste em um período fetal que se estende por todo o primeiro ano após o nascimento. Importantes desenvolvimentos orgânicos que no animal se completam no corpo da mãe efetuam-se no lactente humano depois que se separa do útero [...] [...]O organismo humano, por conseguinte, está ainda desenvolvendo-se biologicamente quando já se acha em relação com seu ambiente. O processo de tornar-se homem efetua-se na correlação com o ambiente e consequentemente com uma ordem cultural e social específica, que é mediatizada para ele pelos outros significativos que o têm a seu cargo. (BERGER E LUCKMANN, 1999 , p. 71).

Pode-se ir além ao considerar que a cultura antecede ao próprio surgimento da espécie

humana. Isso pode ser verificado quando a história evolutiva do Homo sapiens, é analisada

sob duas perspectivas: o avanço biológico e cultural do homem. A evolução do Homo sapiens

iniciou-se há cerca de quatro milhões de anos, com o aparecimento do Australopitecíneo e

culminou com a emergência do próprio sapiens, há apenas duzentos ou trezentos mil anos.

Assim, formas elementares de atividade cultural ou, se desejar, protocultural (a feitura de

ferramentas simples, a caça e assim por diante) parecem ter estado presentes entre alguns dos

Austrolopitecíneos. Há, então, uma superposição de mais de um milhão de anos entre o início

da cultura e o aparecimento do homem como hoje o conhecemos. (GEERTZ, 1989). Essas

evidências permitem considerar a cultura como processo intrínseco ao ser humano, tanto do

ponto de vista ontogenético7 como filogenético8.

Enfim a afirmação de que “o homem é pode estar tão envolvido com onde ele esta,

quem ele é e no que acredita,” nos dá um significado maior para o processo de ensino

aprendizagem, pois não se pode considerar métodos e estratégias uniformes para pessoas tão

diferentes, não se pode acreditar que todos os estudantes compreendam os conteúdos

apresentados de maneira uniforme. Pensar de maneira diferente é considerar que estamos

diante de uma perspectiva uniforme do homem.

Diante de tais referências não se pode negar a importância da educação em ciência

considerando a perspectiva do construtivismo contextual (COBERN, 1996), no qual as

7O desenvolvimento de um organismo individual desde o zigoto fertilizado até a morte. ( FUTUYMA, 2003) 8A genealogia de um grupo de táxons tais como espécies, também aplicada a genealogia de genes derivados de um gene ancestral comum ( FUTUYMA, 2003).

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30

referências culturais são consideradas ao se analisar o processo de ensino-aprendizagem. Ao

se focar apenas o homem biológico na busca do entendimento de processos cognitivos, ou

mesmo do conhecimento do funcionamento do cérebro, para buscar explicação a cerca do

processo de aprendizagem, perde-se a dimensão do homem cultural, que convive com suas

construções sociais e as valoriza, tendo nelas sua referência de realidade. Sendo assim a

consideração das concepções prévias dos estudantes, como conhecimentos que merecem

atenção, durante o processo de ensino-aprendizagem, pressupõe a visão do homem de forma

mais integral.

Por tudo isso essas concepções serão tratadas nesta pesquisa como construções sociais

envolvendo valores culturais que resultam de interações que, ao longo do tempo, vão

constituindo um conhecimento valorizado e utilizado por todos, ou seja, o conhecimento de

senso comum.

2.4 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.

O conceito de representação social abre um espaço novo, fecundo e renovador para as

ciências psicológicas e sociais que entendem os fenômenos intelectuais como o produto da

atividade concreta dos grupos humanos, de suas normas, de seus valores. A partir dos

trabalhos de Moscovici, o conceito de representação social se efetua dentro de uma

perspectiva construtivista e interacionista, ou seja, de natureza social. Aqui, o social tem um

estatuto de fenômeno estruturante da construção da realidade, da gênese das representações

sociais. Durkheim (1947) utilizou pela primeira vez o termo representação coletiva no

prefácio da segunda edição do seu livro “As regras do método sociológico” (Anadon e

Machado, 2003). Durkheim utilizou o termo representações coletivas para explicar uma

forma de ideação social à qual se opõe a representação individual. Esse termo foi por ele

aplicado a sociedades estáticas, tradicionais, ou seja, não estavam sujeitas a inovações. Dessa

forma compreendia-se como representação social diversos tipos de produções mentais e

sociais (como a ciência, a religião, a ideologia, os mitos e outros). Observa-se que Durkheim

concebia leis da ideação social no jogo que se mantém entre elas, abstendo-se de discutir

os aspectos cognitivos da representação e a sua produção pelos grupos sociais.

Moscovici, em seu livro “A psicanálise, sua imagem e seu público”, retoma o ponto de

vista de Durkheim em relação à sociedade e, soma a essa perspectiva, novas especificações.

Moscovici mostra que é possível a construção de um conhecimento válido pelo senso comum

e que se pode apreender o conhecimento em uma dimensão psicossociológica. O autor vai

mais além e se debruça sobre uma forma de conhecimento, apropriada ao mundo

contemporâneo, na qual predominam mudanças constantes e o pluralismo de idéias e de

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doutrinas, quer políticas, quer religiosas, filosóficas e morais, em uma sociedade em que essa

dinâmica convive com uma ciência isolada e elitista que fala uma linguagem esotérica9, sem

dar conta da diversidade e da mobilidade dos diversos grupos sociais e dos indivíduos que os

compõem.

Estudando a psicanálise, uma teoria científica, Moscovici mostra que a mesma se

modifica a medida que penetra na sociedade e é apropriada pelos diferentes grupos sociais

escolhidos, segundo a sua posição social, suas visões religiosas e políticas e seu nível

sociocultural. Isso demonstra que o saber científico é transformado em uma dimensão de

senso comum, pelos diversos grupos estudados.

Por isso o avanço da teoria de Moscovici em relação à proposta de Durkheim permite-

nos melhor entendimento da dinâmica da sociedade moderna e de sua pluralidade, pelo fato

das interações sócio-culturais serem decisivas na biografia individual, que lançam o

indivíduo num mundo de relações sociais pré-existentes, permitindo a apropriação dos

universos simbólicos relacionados ao seu contexto, e sua construção junto a esse coletivo das

representações sociais.

Essa multiplicidade de relações com disciplinas próximas confere ao tratamento psicossociológico da representação como estatuto transverso que interpreta e articula diversos campos de pesquisa, reclamando não uma justaposição, mas uma real coordenação de seus pontos de vista. (JODELET, D. 2001)

As representações sociais ocupam o lugar em nossa sociedade pensante, que

antigamente era determinado pela distinção entre uma esfera sagrada - digna de respeito e

veneração e, desse modo, mantida bastante longe de todas as atividades intencionais humanas

- e uma esfera profana, em que são executadas atividades triviais e utilitaristas. Esses mundos

separados e opostos, em diferentes graus, determinam as esferas de suas forças, dentro de

cada cultura e de cada indivíduo. O que nós podemos mudar e o que nos muda, o que é obra

nossa e o que é obra alheia. Todo conhecimento pressupõe tal divisão da realidade e uma

disciplina que estivesse interessada somente em uma das esferas, seria totalmente diferente de

uma disciplina que estivesse interessada na outra; as ciências sagradas não teriam nada em

comum com as ciências profanas. (MOSCOVICI, 2003).

Essa distinção foi abandonada ao ser substituída por outra, mais básica, entre

universos consensuais e reificados. No universo consensual, a sociedade é uma criação

visível, contínua, permeada de sentido e finalidade, possuindo uma voz humana de acordo

com a existência humana agindo e reagindo, como um ser humano. Em outras palavras, o ser

9 Todo o ensinamento ministrado a círculo restrito e fechado de ouvintes. Saber secreto. Em oposição, exotérico é o saber público, aberto a todos. <www.ceismael.com.br/filosofia/filosofia013.htm> acesso em : 23.06.09

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32

humano é, aqui, a medida de todas as coisas. Já no universo reificado, a sociedade é

transformada em um sistema de entidades sólidas, básicas, invariáveis, que são indiferentes à

individualidade e não possuem identidade. Essa sociedade ignora a si mesma e a suas

criações, que ela vê somente como objetos isolados, tais como pessoas, idéias ambientes e

atividades. Nessa concepção a sociedade também é vista como um sistema de diferentes

papéis e classes, cujos membros são desiguais e somente a competência adquirida determina

seu grau de participação de acordo com o mérito. Isso decide seu direito de trabalhar em uma

determinada profissão, por exemplo. É facilmente constatável que as ciências são os meios

pelos quais nós compreendemos o universo reificado, enquanto as representações sociais

tratam do universo consensual (MOCOVICI, 2003).

Entretanto, ciência e representações sociais são tão diferentes entre si e ao mesmo

tempo tão complementares, que nosso mundo reificado aumenta com a proliferação da

ciência, na medida em que as informações e acontecimentos se multiplicam, os mundos

devem ser duplicados e reproduzidos em um nível mais imediato e acessível, através da

aquisição de uma forma e energia próprias. Em outras palavras, todas as informações são

transferidas a um mundo consensual, circunscrito e re-apresentado.

Representação social é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. (JODELET, D. 2001, p.22).

A ciência era antes baseada no senso comum e fazia o senso comum menos comum;

mas agora senso comum é a ciência tornada comum. Não é fácil transformar palavras não

familiares, idéias ou seres em palavras usuais, próximas e atuais. É necessário, para dar-lhes

uma feição familiar, pôr em funcionamento os dois mecanismos de um processo de

pensamento baseado na memória e em conclusões passadas e o primeiro mecanismo tenta

ancorar idéias estranhas, reduzi-las a categorias e a imagens comuns, ou seja, colocá-las num

contexto familiar.

Esse mecanismo é denominado ancoragem. Através da ancoragem damos nomes e

classificamos as coisas, pois coisas que não são classificadas e não possuam nomes são

estranhas, não existentes e ao mesmo tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma

resistência, um distanciamento, quando não somos capazes de avaliar algo, de descrevê-lo a

nós mesmos e a outras pessoas. O segundo mecanismo tem a função de objetivar, ou seja,

transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que

exista no mundo físico.

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33

Para Moscovici (1961) a objetivação se dá em três fases. Inicialmente, ocorre a fase de

construção seletiva, em que os membros de um grupo social descontextualizam e selecionam

o objeto diante do qual se encontram. No caso de uma teoria científica, como a psicanálise,

por exemplo, há uma triagem em torno das informações circulares. Utilizando critérios

culturais e normativos, os grupos sociais submetem essas informações à sua hierarquia de

valores retendo apenas aquilo em que se coaduna o seu mundo de valores. Dessa forma, o

grupo social passa à margem dos elementos apresentados pelos cientistas que destoam dos

seus elementos valorativos, e assumem como seus, deles se apropriando, os outros elementos

que terminam sendo projetado como fatos pertencentes ao seu próprio universo.

A segunda fase é a da esquematização estruturante em que o grupo social, a partir dos

elementos que são retidos e apropriados, constrói aquilo que Moscovici(op.cit, 1961) chama

de “núcleo figurativo”. Esse núcleo possui um forte caráter existencial envolvendo quer o

consciente (evocação da vontade, do aparente, do realizável), quer o inconsciente (evocação

do involuntário, do oculto, do impossível), sendo esses confrontados em clima de tensão,

conflito e contradição, de forma complexa.

A terceira fase, chamada de naturalização, é entendida como a concretização dos

elementos do núcleo figurativo. Tal concretização é percebida tanto em si como nos outros

que pertencem ao mesmo grupo social. Dá-se então uma integração dos elementos da ciência

em uma realidade que orienta as percepções, juízos e condutas a partir de uma realidade

socialmente construída.

O processo de ancoragem consiste em incorporar os elementos de saber não familiares

que criam problemas no interior da rede de categorias que é própria do indivíduo. Ele

representa o enraizamento social da representação e se opera em referência a crenças, valores

e saberes que preexistem e dominam nesse mesmo grupo. Convém lembrar aqui que se o

objeto faz sentido é porque está integrado em uma rede de significações. Segundo Guimelli

(1994 apud Anadon Machado, 2003), a ancoragem permite, assim, juntar alguma coisa que é

nova a alguma coisa que é antiga para poder interpretá-la e assegurar a orientação do

comportamento e das relações sociais.

Nas palavras de Moscovici (2003), um exemplo de ancoragem seria: “uma pessoa

religiosa tenta relacionar uma nova teoria, ou o comportamento de um estranho, a uma escala

religiosa de valores” (op.cit.), já conhecida ou familiar. De forma sumária, o primeiro

assegura a inclusão do estranho no universo consensual e o segundo busca transformar algo

abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo

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físico (id, p.61). Ou seja, une a idéia de não-familiaridade com o que podemos chamar de

realidade. Moscovici considera o processo de objetivação especialmente importante porque:

[...] é um processo muito mais atuante do que a ancoragem [...] objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substância (op.cit. p.70-71).

A análise das representações sociais sobre a origem e a evolução dos seres vivos, e

origem e evolução do homem e da mulher dos estudantes investigados, é portanto uma

ferramenta importante para avaliar as possíveis ancoragem e objetivações feitas por eles

durante o estudo dos temas propostos. Além disso, através das representações sociais do

grupo em questão, será possível ter dados a respeito das idéias circulantes relacionadas a

origem e evolução da vida que apresentam maior aceitação de plausibilidade e aquelas que

parecem ser mais rejeitadas, devido as representações sociais que o grupo pesquisado possui

em relação ao tema em questão.

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35

3.RELEVÂNCIA DO CONTEÚDO ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS SERES VIVOS.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), no que se

refere a aprendizagem e ensino de ciências, indica a compreensão e a utilização dos

conhecimentos científicos para explicar o funcionamento do mundo, bem como para

planejar, executar e avaliar as ações de intervenção na realidade (PCNEM, 1999). Tal

incumbência não é uma tarefa fácil, pois esses conhecimentos podem apresentar interfaces

com outros, ou mesmo se chocar com crenças, valores e outras explicações já adquiridas

anteriormente pelos estudantes. Nesses casos os conhecimentos científicos, compreendidos

como uma forma racional de explicar os fenômenos naturais, podem parecer um amontoado

de informações sem sentido, que disputam espaço com outras informações construídas ao

longo da vida dos estudantes que, certamente, possuem valores sociais, culturais e afetivos.

Isso poderá comprometer a plausibilidade do conhecimento científico pois, ao invés de ser

visto como uma outra forma de explicar fenômenos já compreendidos, pode provocar o

surgimento de obstáculo para o aprendizado, ou por se chocar com concepções prévias dos

estudantes, ou por se distanciar de evidências comuns na vida dos mesmos.

Assim, o professor de ciências, ao apresentar o conhecimento científico aos

estudantes, pode considerar a sala de aula como apenas um espaço em que se discute o

pensamento científico, isto é, qualquer outra manifestação, fora desse contexto, deverá ser

ignorada. Nesse caminho, ele poderia defender a ciência como a melhor forma de descrever a

realidade porque tem método rigoroso para isso. Desse modo, seria atribuída ao conhecimento

científico uma maior valoração como forma de percepção do real em detrimento de todas as

demais formas de conhecimento, muito embora seja possível apresentar a ciência, seguindo

autores da sociologia da ciência como Bloor( 1983), Latour& Wooglar ( 1997), Bourdieu (

1990 ) entre outros, como uma das possíveis formas de apreensão do real e como tal sujeita à

falhas, descontinuidades e fruto das idéias hegemônicas em determinada época.

As diferentes posturas citadas nos levam a uma reflexão de como o espaço da sala de

aula pode proporcionar, ou não, momentos de interação, inovação e aprendizagem, inclusive

para o professor. Se se considera a sala de aula um local em que cabe apenas discutir o

conhecimento científico, sem estabelecer o diálogo com outros saberes trazidos pelos

estudantes, o empobrecimento reflexivo será a conseqüência previsível, uma vez que aos

estudantes não será franqueada a palavra. Assim muitos fracassos nas escolas têm a ver com

algumas posturas dos docentes inspirada em tal convicção que poderíamos chamar de

cientificistas: apresentar a ciência descontextualizada de toda uma realidade cultural e social.

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36

Por isso, diferentes caminhos têm sido tomados diante de tais constatações e um deles é

ampliar as pesquisas em torno de problemas específicos de ensino. A diversidade de

explicações do processo de ensino-aprendizagem e a própria dinâmica social são fatores que

contribuem para que as pesquisas não se esgotem e, ao mesmo tempo, apontem novos

desafios. Dentre os variados desafios nas Ciências Biológicas, destacam-se os que permeiam

o estudo do tema relacionado aos conceitos científicos de origem e evolução dos seres vivos10.

Esses conceitos fazem parte de conhecimentos considerados fundamentais ao entendimento

dessa ciência e também estão cercados de concepções prévias, baseadas na diversidade

cultural e religiosa dos estudantes. Pode-se observar que os PCNEM destacam esse tema,

como um tema que possui outras explicações, além da científica, por isso é necessária atenção

especial ao abordá-lo:

Ao longo da história da humanidade, várias foram as explicações para o surgimento e a diversidade da vida, de modo que os modelos científicos conviveram e convivem com outros sistemas explicativos como, por exemplo, os de inspiração filosófica ou religiosa. O aprendizado da Biologia deve permitir a compreensão da natureza viva e dos limites dos diferentes sistemas explicativos, a contraposição entre os mesmos e a compreensão de que a ciência não tem respostas definitivas para tudo, sendo uma de suas características a possibilidade de ser questionada e de ser transformada. Deve permitir, ainda, a compreensão de que os modelos na ciência servem para explicar tanto aquilo que só podemos inferir; que tais modelos são produtos da mente humana e não a própria natureza, construções mentais que procuram sempre manter a realidade observada como critério de legitimação (BRASIL, 1999, p. 219).

Há referências, também, sobre as interfaces deste tema em pesquisas do ensino de

ciências como, por exemplo, as feita por Bizzo, que ao investigar o ensino da teoria evolutiva

não só afirma a extensão das dificuldades de ensino da teoria evolutiva em diferentes partes

do mundo como relaciona tais dificuldades com a presença de fatores extracientíficos. Quer

dizer, o tema da origem da vida e evolução dos seres vivos é atravessado por diferentes áreas

da cultura humana envolvidas com sua compreensão.

Por isso, tais conceitos são muito apropriados para ajudar na investigação do mundo

social dos estudantes, pois é dele que trazem visões, informações e valores em relação aos

temas abordados na escola. É nos espaços de seu mundo social que, a partir de interações

diferentes, construções sociais são produzidas, possibilitando explicações distintas da

10 Deve-se lembrar que a definição científica da vida, ainda hoje, encontra diversas correntes de pensamento. Emmeche( 1997) propõe pelo menos três definições de vida na biologia teórica: Neodarwinismo, autopoiese e biossemiótica. Nessa pesquisa optou-se por considerar apenas o conceito Neodarwinista pois trata-se do paradigma de maior aceitação entre alunos e professores e consta no livro didático utilizado e no planejamento da escola investigada, além de ser o encontrado nos conteúdos relacionados para o estudo da evolução dos seres vivos no PCN+ (BRASIL, 2006).

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científica. Assim, a sala de aula é um espaço muito rico, pois ali se encontram indivíduos

diferentes, com construções sociais diferentes, marcados por significados diversos,

proveniente de suas histórias de vida. É ai que diferentes visões de mundo se encontram e, no

que se refere ao conceito científico de origem e evolução dos seres vivos, outras explicações

surgem, e, certamente, fundamentadas em religiões, pois sendo o Brasil um país de grande

religiosidade (IBGE, 2000), nas salas de aula, há grande chances de encontrarmos estudantes

que trazem tais concepções. Dessa forma a explicação científica apresentada na sala de aula,

para esses estudantes, será mais uma explicação sobre um tema abordado anteriormente, seja

pela igreja ou sua família.

Trata-se, portanto, de tema atravessado por diferentes compreensões, uma delas a

religiosa com a qual tantos professores de ciências se defrontam. Estudos vêm apontando que

estudantes adeptos de uma religião, em diferentes momentos e níveis de escolarização,

parecem não hesitar em contrapor-se ao professor que lhes apresenta a ótica da compreensão

científica para origem da vida e evolução dos seres vivos. El-hani & Sepúlveda(2001)

investigaram a experiência de uma estudante evangélica plena de inquietações ao se defrontar

com as explicações científicas para a origem da vida e a evolução. Gibertoni & Falcão ( 2003),

também em pesquisa que focalizava o nível universitário, relacionaram a mudança do perfil

de crenças religiosas entre estudantes de Biologia à apreensão dos conteúdos da disciplina,

sobretudo aqueles relacionados à teoria da evolução. Ao final do curso de Biologia,

estudantes, que no início se afirmavam como católicos ou de outra confissão cristã, não

tinham abandonado suas crenças religiosas, mas as revelavam de forma mais abstrata

desvinculando-a de descrições bíblicas, algo próximo à idéia de “ um espírito ou energia” que

não teria uma imagem definida; Falcão, Guida & Luiz (2008), em investigação comparativa

entre o primeiro e o terceiro ano do ensino médio de uma escola pública observaram que a

forte resistência à aceitação das explicações científicas para a origem da vida e a teoria da

evolução estava tanto relacionada à presença de numerosas igrejas evangélicas no contexto

social da escola, das famílias e dos estudantes quanto às deficiências do ensino de ciências

oferecido aos alunos.

Por isso, a apresentação de tal tema deve exigir atenção especial, por parte do

professor, para que as diferentes visões de mundo possam ser respeitadas, criando-se um

ambiente de receptividade para a explicação da ciência.

Além disso, o impedimento da expressão das concepções religiosas dos estudantes,

por julgar que as mesmas não se traduzem em conhecimentos científicos e, conseqüentemente,

não lhes cabe no espaço da sala de aula, não trará benefícios para a aprendizagem, porque

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ignorar as concepções prévias é impedir que esses indivíduos se expressem. Tal atitude pode

consolidar as concepções dos estudantes, pois a impossibilidade de se expressar, em vez de

enfraquecer uma concepção prévia poderá, ao contrário, provocar um fortalecimento de tais

idéias.

“Não tendo condições de se expressar de forma livre, os estudantes e mesmo os professores, e outros componentes da vida acadêmica, estariam todos sendo estimulados, ou mesmo provocados, a defender suas crenças, vistas como algo puramente “seu”, de foro íntimo. Assim, a religiosidade estaria sendo posta como tema indiscutível, não intercambiável, simplesmente indesejável. Restrições ou encolhimento do que poderia ser um espaço livre e dinâmico de trocas culturais seria o desejável para o que se convencionou chamar de “academia”? O cultivo do silêncio sobre as crenças religiosas nos laboratórios e outros espaços universitários e escolares, necessariamente, não colaboraria para extinguir ou enfraquecer essas crenças previamente estabelecidas em seus estudantes e cientistas. Tal fato poderia até mesmo ser um facilitador da manutenção dessas crenças” (FALCÃO, 2006 p. 43).

Entretanto, lidar com essas nuances exige do professor muito mais do que o domínio

técnico do conhecimento científico. Exige formação cultural para que possa compreender e

aceitar a presença religiosa no espaço da sala da aula. Por isso ao se abordar temas como

origem e evolução da vida, as visões, valores, idéias trazidas pelos estudantes sobre tais temas

devem se consideradas e fazer parte do universo da sala de aula, ser objeto de atenção

docente. Uma possibilidade desta atenção educacional é buscar um entendimento dos

conhecimentos prévios dos estudantes abordando-os como representações sociais11, pois se

tratam de construções coletivas, construídas nos mais variados ambientes de convivência. Os

estudantes são pessoas que têm como todos os seres humanos, identidade social. Suas visões

de mundo, socialmente estabelecidas, são o pano de fundo para sua formação científica.

Essa convivência entre os conhecimentos da ciência e os conhecimentos trazidos pelos

estudantes, não tem sido encontrada nos resultados de pesquisas que investigam esse tema.

(GUIDA, A.,2006, CERQUEIRA, A. V., 2009 ) Ao invés disso, observa-se que muitas vezes,

por deficiências em sua formação12, ou por medo de possíveis polêmicas decorrentes de

explicações religiosas trazidas pelos estudantes, os professores fazem a opção de evitar o

ensino do tema origem e evolução dos seres vivos, ou fazem o seu estudo de forma sucinta.

Essas atitudes podem comprometer a compreensão de um conhecimento, que segundo alguns

11 As representações sociais devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e comunicar o que nós já sabemos. Elas ocupam, com efeito, uma posição curiosa, em algum ponto entre conceitos, que têm como seu objetivo abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa. Elas sempre possuem duas faces, que são interdependentes, como duas faces de uma folha de papel: a face icônica e a face simbólica. Nós sabemos que: representação = imagem/significação; em outras palavras, a representação iguala toda imagem a uma idéia e toda idéia a uma imagem. (MOSCOVICI, 2003). 12 Nicolini, Falcão & Faria (2008) constataram o pouco estudo sistemático do ensino da origem da vida em importante faculdade de Biologia de uma universidade pública. Este dado poderia explicar parte dos problemas encontrados no ensino médio de tal tema.

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autores da biologia é considerado um conteúdo estruturador e unificador: “O conceito de

origem e evolução das espécies, que se relaciona com o pensamento evolutivo é eixo central e

unificador da Biologia (DOBZHANSK, 1973, apud DORVILLÉ2008, FUTUYMA, 2003).

Além dessas referências de estudiosos da área, as orientações curriculares para o ensino

médio, também fazem destaque ao tema:

“Um tema de importância central no ensino de biologia é a origem e evolução da vida. Conceitos relativos a esse assunto são tão importantes que devem compor não apenas um bloco de conteúdos tratados em algumas aulas, mas constituir uma linha orientadora das discussões de todos os outros temas do ensino de Biologia (...) A presença do tema origem e evolução da vida ao longo de diferentes conteúdos não representam a diluição do tema evolução, mas sim a sua articulação com outros assuntos, como elemento central e unificador no estudo da Biologia (BRASIL, 2006 p. 22)”.

Isso justifica investigações sobre o estudo desse tema nas salas de aula, no ensino

médio, para que se conheça um pouco mais as variáveis envolvidas nesse processo. Por isso, o

presente trabalho foca a interface da explicação científica sobre origem e evolução da vida

com a explicação religiosa que traz para a sala de aula conhecimentos prévios, alicerçados na

cultura e religiosidade dos estudantes. Tal questão se manifesta de modo mais claro na

oposição entre o criacionismo fixista e o evolucionismo. (DORVILLÉ, 2008 )

Tendo em vista os argumentos apresentados propõe-se nesta pesquisa a investigação

das representações sociais relativas ao conceito de origem e evolução dos seres vivos e

origem do homem e da mulher, de um grupo de estudantes do ensino médio de uma escola de

confissão religiosa (católica) durante o percurso dos mesmos pelo ensino médio.

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4. OBJETIVOS, METODOLOGIA DA PESQUISA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESPAÇO INVESTIGADO

Trata-se de uma pesquisa descritiva, que buscou analisar e comparar resultados de

um grupo de estudantes do ensino médio de uma escola confessional católica. A pesquisa

investigou o mesmo grupo de estudantes ao longo de dois anos. O foco da pesquisa foi

investigar se mudanças ocorreriam nas visões, idéias e valores dos estudantes para a origem

dos seres vivos e humanos ao longo do período escolar destinado ao estudo científico de tal

tema, ou seja, os dois primeiros anos do ensino médio na escola investigada. Estas visões

supostamente conteriam elementos religiosos, não só tendo em vista a cultura brasileira,

como o ambiente escolar bastante marcado pelas referências católicas, além de oferecer aulas

de ensino religioso obrigatório,

O objeto de pesquisa foi, portanto, investigar se as visões, idéias e valores que os

estudantes expressavam para a origem dos seres vivos mudariam ao longo de um período

escolar específico, assim como o alcance das influências religiosas em suas visões. Como,

no contexto do cristianismo13, a origem dos seres humanos tem o destaque de ter sido “ à

imagem e semelhança de Deus”, a investigação interessou-se, também, por esse aspecto: a

origem dos seres humanos traria um compromisso maior dos estudantes, desta escola, ou

seja, poderia limitar a aceitação da explicação científica?

O processo metodológico foi o qualitativo com o uso de questionários individuais

aplicados em dois momentos: o primeiro quando os estudantes cursavam o primeiro ano

(Maio/2007), após o estudo do conteúdo origem dos seres vivos e o segundo no início do

terceiro ano (Fevereiro/2009) já tendo sido estudado todo o conteúdo relativo ao primeiro e o

segundo ano do ensino médio. Dos setenta e três estudantes que cursavam o primeiro ano,

setenta responderam ao primeiro questionário e, desse total, apenas 43 permaneceram na

escola e tiveram o segundo questionário analisado no início do terceiro ano.

Trabalhou-se com o conceito de Representações Sociais. Para Moscovici (2003),

representando-se uma coisa ou uma noção, não produzimos unicamente nossas próprias idéias

e imagens: criamos e transmitimos um produto - uma representação social progressivamente

elaborada em inúmeros lugares, segundo regras variadas (p.63). Nesse processo, os indivíduos

adquirem um repertório comum de interpretações e explicações, regras e procedimentos que

podem ser aplicados à vida cotidiana e, por isso, guardam estreitos vínculos com os contextos

13 Embora outras religiões como o Judaísmo e Islamismo compartilhem explicações semelhantes, o Cristianismo está, nesse trabalho, em destaque por ser a referência religiosa principal dos estudantes pesquisados.

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sociais nos quais são produzidos. (op. cit, p.53). As representações sustentadas pelas

influências sociais da comunicação constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e

servem como o principal meio para estabelecer as associações com as quais nós nos ligamos

uns aos outros (MOSCOVICI, 1978). Devemos sempre lembrar que a representação é uma

construção do sujeito enquanto sujeito social. Sujeito que não é apenas produto de

determinações sociais nem produtor independente, já que as representações são sempre

construções contextualizadas, resultados das condições em que surgem e circulam. Segundo

Moscovici (2003), tais processos visam à transformação do “não-familiar em familiar”.

Tendo em vista que pretendíamos captar, justamente, um produto (explicação da

origem dos seres vivos) “progressivamente elaborado em inúmeros lugares, segundo regras

variadas”, esse foi o referencial teórico escolhido: buscar a representação social dos

estudantes. Queríamos, portanto, evitar pedir ao estudante a “explicação correta” (ou seja, a

científica oferecida pelo ensino de Biologia) e dele obtermos a resposta que ele entenderia ser

a desejada pela escola e não a de que ele de fato estaria convencido.

Assim, com a metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) trabalhou-se no

processo de identificação e análise da representação social dos estudantes investigados.

O processo metodológico proposto por Lefèvre&Lefèvre (2002 e 2003), a análise do

discurso do sujeito coletivo (DSC), tem, por finalidade, a identificação da representação

social de um determinado tema, ou objeto, de um grupo, a partir das expressões orais ou

escritas expressas individualmente em entrevistas ou questionários. Para os autores, o que as

pessoas pensam ou emitem como respostas a uma indagação reflete o compartilhamento de

um imaginário social, comum, coletivo, existente num determinado momento. Dessa forma,

os pensamentos contidos em expressões individuais apresentam mais do que um indivíduo

pensa sobre um dado tema; eles revelam elementos do imaginário coletivo de um grupo. A

análise do sujeito coletivo busca, a partir dessas expressões individuais, chegar às

representações de um grupo social num dado momento. Assim:

O DSC tem a função de reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra cabeças, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar uma dada figura, ou seja, um dado pensar ou representação social sobre um fenômeno (LEFÈVRE, 2000 p. 19).

O discurso do sujeito coletivo (DSC) é produzido a partir de trechos de expressões dos

indivíduos de uma coletividade. Esse discurso, ao integrar vários discursos individuais,

transmuta-se num único discurso e descreve, significativamente, as representações do coletivo

investigado. Pode-se encontrar mais de um discurso coletivo ou discurso-síntese para um

determinado tema e a construção de um, ou vários, discursos síntese, é possível mediante

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definição e identificação de idéias centrais e expressões chaves nas expressões individuais do

grupo analisado. Os vários discursos revelam, como um mapa, as diferentes faces do

imaginário do grupo em relação ao tema pesquisado, ou seja, as diferentes faces de sua

representação social. Segundo a metodologia, as expressões-chave são constituídas por

transcrições literais de partes dos depoimentos dos sujeitos analisados e organizadas em

grupos, de acordo com a idéia central que exprimem. As idéias centrais são a(s) afirmação

(ões) que permite(m) traduzir o essencial do conteúdo discursivo explicitado pelos sujeitos em

seus depoimentos. É possível construir, durante a análise, quantas idéias centrais se julguem

necessárias. Com a matéria-prima das expressões-chave, são construídos os discursos do

sujeito coletivo (DSC) que visam a tomar clara a representação do grupo analisado.

Os questionários aplicados foram compostos de questões que buscaram dados sócio-

econômicos e perfil das crenças religiosas dos estudantes e de seus pais. Esses dados tiveram

abordagem quantitativa. Os questionários incluíram, também, as questões específicas para

investigar o tema proposto: origem e evolução dos seres vivos e origem e evolução do

homem e da mulher. Para isso, abordaram de forma clara as explicações religiosas que os

estudantes poderiam ter. Optou-se por este caminho considerando-se o perfil de suas crenças

religiosas e ambiente de influência religiosa da escola, ou seja, procurou-se deixar os

estudantes à vontade para falarem sobre suas visões, valores e idéias.

Para a realização desta pesquisa, buscou-se, antecipadamente, a autorização da

direção da escola. No momento da aplicação dos questionários, foram feitos esclarecimentos

aos estudantes antes do início de seu preenchimento e foi dito que tratava-se de uma pesquisa

não vinculada à escola que os resultados seriam para o uso, apenas, do pesquisador, que a

participação era livre e que quem não quisesse, não precisava responder. Foi também dito que

a pesquisa teria um possível desdobramento14 e que, quem quisesse, poderia se identificar

para participar, embora, naquele momento, tal identificação não fosse necessária. Após a

aplicação dos dois questionários, observou-se que 25 estudantes se identificaram em ambos.

Isso permitiu uma análise comparativa individualizada dos dados obtidos por esse grupo,

demonstrando suas idéias acerca do tema pesquisado, no primeiro e no início do terceiro ano

do ensino médio.

Utilizaram-se duas perguntas para essa investigação:

Questão 1: Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem aos seres vivos? Questão 2: Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao homem e a mulher?

14 A pesquisa previa um desdobramento de acompanhamento por entrevistas ao longo de três anos.

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43

Portanto, em maio de 2007, quando o questionário foi aplicado pela primeira vez, os

estudantes já tinham estudado os processos básicos iniciais que condicionaram a origem da

vida e, consequentemente, dos seres vivos, segundo a hipótese de evolução química( reações

químicas entre gases que existiam na atmosfera da Terra primitiva, surgimento e associação,

ao acaso, de moléculas). Em maio de 2009, quando o questionário foi aplicado pela segunda

vez, os estudantes, já no terceiro ano, tinham estudado a estrutura básica dos seres vivos e as

transformações que ocorreram ao longo do tempo: célula e a estrutura que permite a

reprodução, a ação da seleção natural, o processo lento e gradual que possibilitou a

evolução das espécies, incluindo a espécie humana como resultado desse processo.

Por considerar que os estudantes, no início do terceiro ano já estariam mais maduros e

teriam mais condições de elaborar reflexões sobre as questões propostas, acrescentou-se, no

segundo questionário, uma nova pergunta, questão 16: “Você escreveu sua opinião quanto à

origem do universo, dos seres vivos e do homem e da mulher, agora tente lembrar: como você

chegou a essas opiniões? Há alguma fonte de informação pessoa, ou pessoas, que mais o

ajudou, ou o ajudaram a ter sua opinião sobre a origem do universo, dos seres vivos e do

homem e da mulher? Justifique.” Buscou-se, com essa questão, investigar, com maior

profundidade, as origens das concepções prévias apresentadas pelos estudantes.

Em resumo, a metodologia buscou captar, através das respostas dos estudantes, as

perguntas abertas e inspiradas, no contexto de suas claras influências religiosas e suas

representações sociais para os temas investigados. Buscou-se o universo de explicações

presentes no imaginário dos estudantes construídas até aquele momento a respeito dos temas

pesquisados.

A escola pesquisada é uma instituição localizada no município do interior do estado do

Rio de Janeiro e dirigida por uma irmandade católica. Essa condição caracteriza tanto seu

espaço físico como, também, sua proposta pedagógica. Ao mesmo tempo, ela caracteriza-se

por prestar uma educação de qualidade, o que pode ser notado através dos resultados obtidos

em provas como o ENEM, cuja média, nos últimos três anos, é superior a 6, 5, e através da

aprovação dos estudantes em vestibulares de grandes universidades públicas. É importante

registrar que ela teve o melhor resultado nas provas do ENEM, nos dois últimos anos, em

relação a todas as escolas de ensino médio na cidade onde se encontra.

A escola é o local em que os estudantes passam boa parte de seu tempo, durante o

percurso pelo ensino médio. Tal condição elege esse espaço como um local privilegiado, onde

há evidências de um ensino de qualidade e um ambiente com grande presença de símbolos

Page 44: origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o percurso ...

44

religiosos, possibilitando uma investigação entre essas duas construções humanas, ou seja, a

ciência e a religião.

Situa-se em uma área isolada, sendo cercada por uma mata e uma grande área

destinada ao pátio, com quadra de esportes coberta e área de lazer. Na entrada principal,

encontra-se uma grande imagem de Jesus Cristo. Ao lado do portão de entrada para os

estudantes, há uma igreja com uma grande cruz sobre a porta principal. Nessa igreja são

realizadas missas semanalmente, sendo a mesma freqüentada tanto pelos estudantes como

pela comunidade. Muitos estudantes, católicos, fizeram aí, sua primeira comunhão.

No corredor, encontram-se imagens dos fundadores, que eram religiosos, além de

algumas imagens de Nossa Senhora. Nas salas de aula, há retratos dos fundadores da

congregação (um padre e uma freira) e crucifixos. É lida, diariamente, no início da primeira

aula, uma mensagem religiosa. Logo após a leitura da mensagem, reza-se o Pai Nosso.

Os estudantes participam de aulas de ensino religioso com freqüência de duas aulas

semanais durante o ensino fundamental e uma aula semanal durante o ensino médio O

conteúdo das disciplinas de ensino religioso, segundo os professores e coordenadores dessa

disciplina, tem uma proposta humanista, com enfoque em valores morais, éticos e sociais e no

ensino fundamental são intensificados os estudos bíblicos. Os temas origem do universo e dos

seres vivos, só são abordados, se o texto bíblico estudado apresentar referências aos mesmos.

Em documento escrito, a escola expõe o que ela considera ser um dos objetivos da

educação: evangelizar. Nesse sentido, segundo o documento, é possível desenvolver todas as

habilidades e competências da pessoa humana e formar nela as condições necessárias, que, de

acordo com a filosofia cristã fará dela um ser humano mais completo. A educação é vista

como meio de libertação, segundo a perspectiva cristã católica, de todas as alienações e de

comprometimento com a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Este documento

apresenta a filosofia cristã da escola. A direção da escola não solicita a abordagem de temas

religiosos nas aulas do currículo normal.

De certa forma, pode-se dizer que são atividades separadas. Há aulas de ensino

religioso, comemorações e eventos religiosos como: leitura de mensagens cristãs, diariamente,

no início da primeira aula, convite aos estudantes católicos para participar de missas e da

primeira comunhão, resguardando-se a liberdade de escolha dos mesmos. Ao mesmo tempo,

não se interfere nos conteúdos programáticos ou conhecimentos científicos propostos nas

diferentes disciplinas, inclusive no que se refere a origem e evolução da vida.

No primeiro ano do ensino médio, os estudantes possuem quatrocentas e quarenta

horas/aula de ensino das disciplinas de ciências da natureza. Essas quatrocentas horas/aula são

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45

divididas, semanalmente, em quatro horas/aula de Física, três horas/aula de Química e três

horas/aula de Biologia. Uma vez por semana, durante o período vespertino, os estudantes

possuem uma hora/aula prática da disciplina de Química no laboratório. As aulas práticas de

Biologia, não são obrigatórias, podendo ocorrer, caso os professores solicitem e haja

disponibilidade de laboratório. No segundo ano do ensino médio, os estudantes possuem mais

quatrocentas e quarenta horas/aula de ensino das disciplinas de ciências da natureza (Química,

Física e Biologia), obedecendo à mesma distribuição semanal proposta para o primeiro ano.

Durante o primeiro ano do ensino médio, a disciplina de Biologia tem seu conteúdo

dividido em dois blocos: o primeiro aborda: “Introdução à Biologia e Biologia celular” com

duas horas/aula semanais; e o segundo: “Ecologia” com uma hora/aula semanal. Em

introdução à Biologia são estudados os conteúdos relacionados aos níveis de organização e

caracterização dos seres vivos. Faz-se referência às etapas da história da ciência com

abordagem das idéias sobre abiogênese e biogênese e finalmente, são apresentadas

explicações atuais para a origem e evolução da vida, destacando-se o estudo da hipótese de

evolução química. Em Biologia celular estudam-se os conteúdos relacionados à estrutura e

funcionamento das células, incluindo divisão celular (mitose e meiose). No estudo da

Ecologia, abordam-se os conteúdos relacionados às cadeias e teias alimentares, pirâmides

ecológicas, ciclos biogeoquímicos, os diferentes biomas e os desequilíbrios ecológicos

causados pela poluição do ar, do solo e das águas. Os conteúdos apresentados são trabalhados

por dois professores, um em cada bloco. No primeiro ano, totalizam-se 120horas/aulas para

cumprir o conteúdo citado, incluindo, aí, a realização de avaliação e revisão de conteúdos.

As aulas de Biologia, durante o segundo ano, têm seus conteúdos também divididos

em dois blocos. No primeiro, encontra-se o estudo da “Taxonomia, embriologia,

microbiologia e estudo da biodiversidade, com duas horas/aula semanais. No segundo bloco

estuda-se Genética com uma hora/aula semanal. O estudo da taxonomia inclui abordagem das

normas de organização e classificação dos seres vivos, inclusive as que se baseiam na

filogenia, incluindo, aí, a proposta de classificação cladística. No estudo da embriologia, há, a

abordagem das etapas embriológicas dos vertebrados, com um destaque para a embriologia

humana. Em microbiologia, aborda-se o estudo dos vírus e bactérias, no estudo da

biodiversidade há abordagem dos grandes grupos de seres vivos e sua divisão em reinos,

destacando-se o estudo do reino animal. Nesse último tópico, há a inclusão da espécie

humana, como sendo mais uma, dentre as demais espécies no grupo dos mamíferos, ou seja,

aborda-se a espécie humana como mais um dos ramos evolutivos do grupo dos cordados. No

estudo de genética é abordada a transmissão dos caracteres hereditários. Neste conteúdo, os

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46

estudantes tiveram acesso aos conhecimentos produzidos por Mendel (1ª e 2ª Leis), herança

com genes ligados, polialelia, interação gênica, heranças ligada ao sexo, herança quantitativa

e estudos das mutações gênicas e cromossômicas e variabilidade genética. Não faz parte do

conteúdo da segunda série, nova abordagem da origem da vida. Assim como no primeiro ano,

os conteúdos referentes a cada bloco são trabalhados por dois professores diferentes.Durante

o ano totalizam-se, também, 120horas/ aulas para o estudo dos conteúdos previstos para o

segundo ano, incluindo aí, avaliações e revisões.

A escola pesquisada tem um sistema padronizado de avaliação, tanto para o primeiro

como para o segundo ano. Os estudantes são submetidos, a cada trimestre, a testes, provões,

pesquisas existindo, ainda, nota de participação e interesse nas aulas. Essa última é

computada a partir de dados como cumprimento das tarefas propostas, responsabilidade com

o material didático e postura colaborativa , em sala de aula, com os colegas e professores.

Cada professor é livre para marcar a data do teste e só cobra o conteúdo ministrado por ele. O

provão é feito em data estipulada pela escola, e contempla todo o conteúdo do trimestre.

Tanto nos testes como nos provões, há questões objetivas e discursivas, referentes a

vestibulares recentes e provas do ENEM.

As pesquisas propostas são feitas em equipe e cada disciplina propõe o tema a ser

pesquisado. A nota final do estudante é obtida com a seguinte proporcionalidade: provão;

50%; testes: 30%; pesquisas: 15%; participação e interesse: 5%. A escola também realiza um

simulado por trimestre, que é feito aos sábados. O simulado é constituído por 60 questões

objetivas, retiradas de provas de vestibulares recentes e provas do ENEM. A nota obtida no

simulado é utilizada como bônus e o estudante pode acrescer até 1,0 na média final,

respeitando-se a seguinte proporcionalidade: acerto de 19 a 39 questões acréscimo de 0, 5,

acerto de 40 a 60 acréscimo de 1,0 na média final em todas as disciplinas. Não têm bônus os

estudantes que acertam até 18 questões. Para ser aprovado, o estudante necessita obter nota

igual ou maior que 6,0. Há recuperações paralelas após o fechamento da nota de cada

período.

Page 47: origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o percurso ...

47

5. RESULTADOS

Na escola, além das aulas, os estudantes pesquisados também participaram de outras

atividades. Foram levantadas, junto à direção e equipe pedagógica, as principais atividades,

que os estudantes participaram nos anos de 2007 e 2008. Para melhor descrição as atividades

realizadas serão divididas, aqui, naquelas em que se relacionam com os desenvolvimentos

cultural, esportivo e socializador e nas que buscam melhorar o desempenho na aprendizagem

dos estudantes. Com relação ao primeiro grupo destacaram-se, no ano de 2007, a

comemoração de cem anos de fundação da congregação a qual a escola pertence,

homenageando seus fundadores. Essa comemoração foi cercada de atividades relacionadas a

artes cênicas, plásticas e literárias. Foram feitas pesquisas biográficas sobre os fundadores,

(um padre e uma freira espanhóis).

Nos anos de 2007 e 2008, ocorreram os seguintes eventos: o balcão de profissões

“despertando talentos” trata-se de uma atividade que envolve os estudantes do ensino médio,

cujo objetivo é fornecer informações a respeito dos cursos de graduação e das oportunidades

no mercado de trabalho nas diferentes carreiras profissionais. A tradicional festa junina onde

os estudantes do ensino médio participam organizando barracas com comidas típicas. O

dinheiro arrecadado é utilizado nas obras sociais da congregação. Há participação de

professores, pais, alunos e toda comunidade escolar.

O Festival de dança, atividade tradicional da escola, que envolve os estudantes do

ensino médio que formam equipes e escolhem ritmos que serão apresentados em um festival.

Campeonatos esportivos interclasse de futebol de salão e vôlei envolvendo as diferentes

turmas. As partidas foram realizadas durante o recreio. Gincana solidária realizada com os

estudantes do ensino médio, cujo objetivo é envolvê-los em uma competição, em que as

turmas se organizam para o cumprimento de tarefas propostas pelos organizadores. Entre as

tarefas há coleta de alimentos que serão levados, pelos estudantes às comunidades carentes.

Com relação às atividades que buscam melhorar o desempenho dos estudantes,

destacaram-se: projetos interdisciplinares e pesquisas envolvendo o tema da campanha da

fraternidade de 2007 e 2008. Também ocorreu o trabalho desenvolvido na disciplina de Inglês

sobre o tema “Pensar global e agir local, em parceria com a agenda 21”, as olimpíadas

internas: Matemática e Física além de simulados objetivando uma convivência, dos

estudantes, com os modelos das provas aplicadas nos vestibulares e no ENEM.

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48

No ano de 2008 foi realizada uma excursão para as cidades históricas de Minas Gerais,

com visita a gruta de Maquiné. Essa excursão teve por objetivo enriquecer os conhecimentos

dos estudantes nas disciplinas de História, Geografia e Literatura.

Nessa escola, alguns aspectos da teoria da evolução serão finalizados ao longo do

terceiro ano15, mas a base conceitual16 que permite a sua compreensão é ensinada durante os

dois primeiros anos. Assim, os conteúdos de Biologia nos dois primeiros anos do ensino

médio17 abordam, entre outros, os conceitos da origem da vida, acaso, variabilidade genética,

freqüência gênica, mutação, estudo da biodiversidade e filogenia, que sustentam a hipótese

científica da origem e evolução dos seres vivos.

Os conteúdos programados e previstos em cada período escolar são acompanhados

tanto pelos coordenadores de área quanto pelos pais através da internet. Qualquer mudança é

imediatamente observada e comunicada à escola ou ao professor, o que garante o estrito

cumprimento dos conteúdos e do ritmo de sua apresentação aos estudantes. Na pesquisa, no

entanto, buscou-se confirmar o ensino dos conteúdos de interesse tanto do primeiro quanto do

segundo ano, mediante levantamento de outras informações como análise dos conteúdos, do

livro didático, entrevista com os dois professores e coordenador de área da disciplina de

Biologia da escola e também exame dos diários de classe.

Os dados obtidos mostraram que os conceitos citados foram apresentados ao longo dos

dois anos. Segundo depoimentos dos professores que ministraram tais conteúdos, as aulas

transcorreram no ritmo previsto no planejamento escolar, que dedica para o estudo de todos

os conteúdos do primeiro e do segundo ano, cerca de 240 horas/aulas, incluindo as avaliações

e revisões. As aulas foram, em sua maioria, expositivas, buscando uma integração com os

estudantes através de questionamentos a respeito dos conteúdos apresentados. Para o estudo

dos conteúdos de citologia, biologia molecular e estudo da biodiversidade, por exemplo,

foram utilizados recursos como retro-projetor e data-show. Segundo o professor que ministrou

o conteúdo origem da vida, nem sempre a linguagem do livro didático18 era acessível aos

estudantes do primeiro ano, porque parte do detalhamento era feito com explicações da

15 No terceiro ano, segundo o planejamento da escola, serão estudados conteúdos relacionados às idéias da evolução biológica, segundo Lamarck e Darwin, seleção natural e neodarwinismo. 16 De acordo com o PCN+ no tema origem da vida e evolução biológica deve-se considerar os seguintes conteúdos: hipótese sobre a origem da vida, mutação, recombinação gênica, seleção natural, freqüência gênica, deriva gênica, filogenia, incluindo a origem do homem, e as idéias da evolução biológica de Lamarck e Darwin (BRASIL 2006). 17 Deve-se lembrar que os estudantes já trazem conhecimentos relacionados a origem e evolução da vida adquiridos no ensino fundamental, no entanto, essa pesquisa investigou apenas os conteúdos abordados no ensino médio. 18 BIO ; Lopes, S. ,volume único, Saraiva : São Paulo, 2004, foi utilizado tanto para estudo dos conteúdos como para resolução de exercícios tanto no primeiro como no segundo ano.

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49

química orgânica, que os alunos ainda não dominavam no primeiro ano. Foi necessário

compensar essas dificuldades com textos complementares, construídos a partir dos problemas

vividos pelos estudantes. Para os demais conteúdos destacados, os professores não fizeram

relatos de maiores dificuldades por parte dos estudantes, com a linguagem encontrada no livro

didático.

A apresentação do primeiro questionário deu-se logo após o estudo do conteúdo

origem da vida. Como esse conteúdo permite reflexões sobre outras explicações a respeito do

tema em questão, inclusive a religiosa, o pesquisador preocupou-se em buscar mais

informações sobre as aulas referentes a esse conteúdo, pois assim poderia ter detalhes tanto

do conhecimento científico apresentado, como as observações feitas pelo professor, com

relação a participação dos estudantes durante a apresentação desse conteúdo. Isso foi feito

através da análise do livro didático, depoimento do professor que apresentou esse conteúdo e

análise das avaliações aplicadas aos estudantes.

O livro adotado é utilizado tanto para o estudo do conteúdo, durante as aulas, como

para a resolução dos exercícios. A abordagem ao conteúdo origem da vida inicia-se com uma

explicação sobre a formação do planeta, há cerca de 4,5 bilhões de anos, a seguir são

relacionadas as características iniciais da Terra primitiva demonstrando que eram impróprias

para a existência dos seres vivos. Faz-se uma descrição sumária, sem detalhes de explicação

de processos químicos, sobre o resfriamento do planeta e cita que os registros da existência de

vida datam de 3,5 bilhões de anos. A seguir, há uma apresentação dos conceitos de

abiogênese (geração espontânea) e da biogênese (surgimento de seres vivos a partir de seres

vivos pré-existentes). Após tais conceituações, é feita uma descrição histórica relacionando os

experimentos que, gradativamente, refutaram a teoria da abiogênese. A seguir são citadas três

possibilidades para explicar a origem da vida: a origem extraterrestre (panspermia), a origem

por criação divina (criacionismo) e a origem por evolução química. A autora chama a atenção

para a hipótese da origem por evolução química, explicando que essa é a hipótese aceita,

atualmente, pela maior parte dos cientistas.

A seguir é feita uma descrição detalhada da hipótese da origem por evolução química,

citando os trabalhos de Oparin e Haldane. Nesse tópico, há utilização de conhecimentos da

disciplina de química, para explicar como se deram as reações envolvendo os gases presentes

na Terra primitiva: amônia (NH3), metano (CH4), hidrogênio (H2) além do vapor de água

(H2O), para a formação das moléculas orgânicas. A partir dessas reações surgem estruturas

mais complexa, como os coacervados, dos quais, ainda segundo essa hipótese, surge os seres

vivos. A seguir há relato do experimento de Miller e Urey, que comprova os passos

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50

defendidos pela hipótese da evolução química. Após essas explicações não há referência ao

surgimento de moléculas capazes de realizar a replicação, nem a citação de possibilidades de

mutações, que segundo a teoria de evolução dos seres vivos - Neodarwinismo-, aceita

atualmente, são processos essenciais no entendimento da evolução dos seres vivos. A autora

segue abordando o metabolismo e aproveita para citar as hipóteses heterotróficas e

autotróficas (quimiossíntese). Novamente, há utilização de muitos conhecimentos da química

orgânica para explicar conceitos importantes como fotossíntese, quimiossíntese, respiração e

fermentação.

Segundo o professor, as aulas destinadas ao tema origem da vida transcorreram, de

modo que permitissem aos estudantes expressarem suas concepções prévias, num clima de

diálogo. Ele não saberia dizer o alcance de seus esclarecimentos e também observava que

alguns estudantes permaneciam calados. Informou ainda que a apresentação do conteúdo

seguiu a proposta do livro didático, dando ênfase ao estudo da hipótese da evolução dos

componentes químicos. Os testes e o provão aplicados, após estudo desse tópico, continham

questões ligadas ao ambiente da terra primitiva, a processos químicos responsáveis pelo

surgimento do ser vivo e experimentos que buscam comprovar a base das explicações

científicas. O professor relatou, ainda, que não houve dificuldades especiais entre os

estudantes para resolver as perguntas propostas. Entretanto tais perguntas buscavam respostas

direcionadas a aspectos científicos bem específicos não oferecendo possibilidades de

confronto com explicações mais gerais e propostas por religiões.

Para os conteúdos estudados, durante o primeiro e o segundo ano, relacionados a

origem e evolução dos seres vivos(origem da vida, recombinação gênica e variabilidade

genética, mutação e filogenia) foram destinadas aproximadamente 6 horas a cada ano.

Dos 73 estudantes que cursavam o primeiro ano do ensino médio em 2007 apenas 43

permaneceram no terceiro ano em 2009 porque a escola é rigorosa e exige bom desempenho

para aprovação. Desses, 25 se identificaram e permitiram enriquecer a interpretação dos

resultados uma vez que tornou possível analisar mudanças no comportamento individual ao

longo dos dois anos.

A seguir estão as tabelas com os dados de perfil dos estudantes e de seus pais:

Tabela 1 perfil sociocultural dos estudantes

Faixa etária

Tempo que estuda na escola

Gênero Masc Fem

Primeiro 14 anos 25% Menos de 1 ano 15%

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51

15 anos 68% Mais de 2 anos 35% ano

16 anos 7% Sempre estudou 50%

33%

67%

16 anos 37% Menos de 1 ano -

17 anos 58% Mais de 2 anos 26%

Terceiro

ano

18 anos 5% Sempre estudou 74%

30%

70%

Tabela 2 Religiosidade dos pais, mães e estudantes.

Tem religião

Não tem religião, acredita em Deus

Não respondeu

Ateu

Pais 84 % 12 % 4 % -

Mães 95,5% 1,5% 3% -

Primeiro ano

Maio/2007

Estudantes 93% 4% - 3%

Pais 84% 16% - -

Mães 100% - - -

Terceiro ano

Fevereiro/2009

Estudantes 89 % 9% 2%

Tabela 3 Crenças religiosas dos pais, mães, estudantes e escolaridade dos pais e mães.

Crenças religiosas Escolaridade dos pais e mães

Catol Evan Esp

kar

Bud Um

ban

N/R Fun Méd Grad Pós

Gr

N/R

Pais 81% 5 % 8% 2% 2 % 2% 4% 17% 49% 27% 3%

Mães 67 % 7 % 18 % 1,5% 5% 1,5% 3% 24% 59% 14% -

Primei

ro ano

2007 Estudantes 70% 7% 17% 1,5% 3% 1,5% - - - - -

Pais 66% 8 % 14% - - 12% 2% 16% 49% 33%

Mães 49% 12% 27% - - 12% 3% 19% 57% 21% -

Tercei

ro ano

2009 Estudantes 68 % 10% 22% - - - - - - - -

O exame das tabelas mostra que os estudantes se encontravam na faixa etária esperada

para cursar o primeiro e o terceiro ano do ensino médio. Eram eles filhos de pais e mães

escolarizados pelo menos com o ensino médio, sendo que mais da metade frequentou

graduação e, parte desses, tinha pós-graduação. Os estudantes pertenciam assim a um

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contexto social que possibilita acesso a informação e onde há valorização da escolaridade.

Quase a totalidade dos pais acreditava em Deus no contexto de uma religião (católica, a

maioria) ou fora dela e como seus pais, a quase maioria dos estudantes tinha crenças

religiosas, predominando as da religião católica.

O fato de a grande maioria de estudantes ser do sexo feminino pode ser explicado pela

tradição que a escola manteve durante vários anos. Fundada há cerca de 50 anos, a escola

objetivava, inicialmente, atender apenas as meninas; havia outra escola, também confessional

católica, que recebia os meninos. O ingresso de estudantes do sexo masculino teve início em

meados da década de 1980, mas ainda hoje é dominante o contingente de estudantes do sexo

feminino.

A seguir são apresentados, nos Quadros 1 e 2, os discursos que revelaram a

representação social dos estudantes para a origem dos seres vivos e para origem do homem e

da mulher. O percentual de adesão dos estudantes foi incluído ao fim de cada discurso. O

Quadro 3 sumariza as respostas à questão só apresentada aos estudantes do terceiro ano e que

abordou as fontes de influência percebidas para suas respostas às questões relacionadas aos

temas da pesquisa. Na seqüência, os discursos são discutidos, incluindo-se os dados obtidos

com a análise individualizada dos estudantes que se identificaram e também os outros dados

obtidos pela pesquisa.

Quadro 1 DSC Origem dos seres vivos Idéia Central (IC)

DSC - Primeiro ano. Ano de 2007 (70 estudantes)

DSC - Início do terceiro ano. Ano de 2009 (43 estudantes)

1. Sim, Deus

criou todos os

seres vivos.

Deus fez a terra para que nós, seres

vivos, vivêssemos nela. Todos que

tem fé em Deus acreditam que ele

possa ter criado tudo. Fomos

criados conhecendo a história da

Bíblia, a história de Deus e mesmo

agora, conhecendo as teorias

desenvolvidas pela ciência,

continuamos acreditando que Deus

foi o criador, pois ainda existem

pontos que a ciência não explica.

(44%)

Por que desde que nos entendemos

por gente e de acordo com a bíblia

Deus criou o universo. A Terra foi

criada e Deus colocou nela todas as

coisas. Acreditamos que só Deus

pode ter criado seres tão perfeitos,

cada um com sua respectiva

característica, ele é poderoso. Deus

foi um ser que criou tudo e tem o

poder de mudar e consertar nosso

destino. Sem Deus não há vida.

(44%)

2-Deus criou Ele deu origem ao universo, as Não sabemos de onde viemos, mas

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53

as condições

ideais para

que os seres

vivos

surgissem e

evoluíssem.

coisas foram se desenvolvendo,

surgindo e evoluindo originado de

reações no universo. A partir de um

ser vivo colocado na terra por Deus,

outros seres vivos foram surgindo,

ou seja, deu os principais meios para

a natureza continuar. Deus permitiu

que todo aquele processo da “teoria

de Oparin” e da seleção natural

acontecesse, desde os primeiros

seres até ocorrer a evolução e chegar

até nós. (23%)

também achamos que por meio da

evolução ou do criacionismo

encontramos maneiras de Deus ter

nos criado. Deus criou tanto o

universo quanto as propriedades

para existir nele, essas foram

evoluindo e com essas propriedades

foram evoluindo e os seres vivos

foram aumentando. Acreditamos

que ele possibilitou o surgimento

dos seres vivos, mas que eles

surgiram efetivamente como a

biologia explica (com o

resfriamento do planeta). A ciência

não desmente Deus. (25%)

3- Não, a

ciência tem

outras

explicações, os

seres vivos

surgiram a

partir de

agrupamentos

de moléculas.

A teoria científica tem mais

possibilidades. Alguns cientistas

formularam teorias que podem

explicar a origem dos seres vivos,

sem a relacionar com Deus. Ao

longo deste ano estudamos sobre a

origem do ser vivo. Com base na

teoria de Oparin, os seres

desenvolveram-se, não sendo

criados pela força vital. Os seres

vivos foram criados a partir do

agrupamento de moléculas ocorrido

há bilhões de anos. (32%)

A ciência explica muito bem a

origem do universo. De acordo com

as teorias científicas, várias

partículas se juntaram há bilhões de

anos atrás, a partir da existência de

água na Terra formando os seres.

Acreditamos que tenham surgido a

partir de reações químicas. A criação

dos seres vivos ocorreu naturalmente

por causa dos efeitos do big-bang,

devido à modificação dos seres que

surgiram ocasionalmente aqui. Os

seres vivos foram evoluindo a partir

de uma célula que passou por

processos químicos. Os seres vivos

passaram por diversas

transformações, não surgiram “do

nada” e sim a partir de reações

Page 54: origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o percurso ...

54

químicas. (31%)

Não

responderam

1% 0%

Quadro 2 DSC Origem do homem e da mulher Idéia Central

(IC)

DSC – Primeiro ano.

DDSC - Início do terceiro ano.

1- Sim, Deus

criou o

homem e a

mulher a sua

imagem e

semelhança.

Se ele foi o criador dos seres

vivos, logo foi o criador também do

homem e da mulher. Deus colocou

na Terra um homem e uma mulher,

e a partir deles, outros homens e

outras mulheres foram surgindo.

Deus criou um ser mais parecido

com Ele e que tivesse capacidade

de pensar e ter sentimento. Deus

criou Adão e Eva dando um começo

à sociedade. Conhecendo a história

da Bíblia, a história de Deus e

mesmo conhecendo as teorias

desenvolvidas pela ciência,

acreditamos que Deus foi o criador,

pois ainda existem pontos que a

ciência não explica. (53%)

A terra foi criada e Deus colocou

nela todas as coisas. Após a

criação dos seres vivos Deus criou

os homens em geral. De acordo

com a bíblia, Deus fez o homem

do pó e a mulher da costela do

homem. Deus nos fez sua imagem

e semelhança. Ele criou o homem e

a mulher com o intuito destes

continuarem com a criação

formando famílias. É difícil de

aceitar que várias células foram se

desenvolvendo durante milhões de

anos para que chegasse até ao

homem.

(51, %)

2-Deus criou

condições

para que o

homem e a

mulher

surgissem da

evolução de

outros seres

vivos.

Por meio do criacionismo ou da

evolução. Quem sabe se a maneira

de Deus criar o homem não foi

através da evolução? Aconteceu por

um processo evolutivo e este foi

iniciado por Deus. Ele deu origem

a um ser, que depois foi se

aprimorando e tornou o homem e a

mulher. Deus não criou o homem

A ciência não desmente Deus. Não

sabemos de onde viemos, mas

também acho que por meio da

evolução ou criacionismo

encontramos maneiras de Deus ter

nos criado. A evolução pode ter

sido o modo de dar origem ao

homem que Ele escolheu. Ele criou

bactérias onde com a junção de

Page 55: origem dos seres vivos, origem do homem e da mulher: o percurso ...

55

com barro como se diz, achamos

que ele fez o mundo para que fosse

possível a existência do homem e da

mulher, mas que esses surgiram da

evolução dos macacos. A história de

Adão e Eva não é concreta, digamos

que seja uma “lenda”, apenas para

mostrar o poder de Deus. (20% )

outras, foi evoluindo até chegar a

um organismo como o nosso, nós

estamos em plena evolução. Com

essa evolução dos seres vivos, as

células, o macaco deu origem ao

homem. (19%)

3-O homem e

a mulher

surgiram da

evolução de

outros seres

vivos.

Não acreditamos na versão que

Deus criou o homem e a mulher de

sua costela. Acho isso fanatismo, fé-

cega. Com base na teoria de

Oparin, os seres vivos

desenvolveram-se, não sendo

criados pela força vital. O homem e

a mulher se originaram através de

espécies que se desenvolveram. Eles

surgiram pela evolução das

espécies. Acreditamos que o homem

vem do macaco. Os seres vivos, as

células foram evoluindo até

constituírem o homem e a mulher.

Todos os seres vivos têm que se

reproduzir. Com base na teoria de

Oparin, os seres vivos

desenvolveram-se, não sendo

criados pela força vital. (23%)

Os seres vivos passaram por

diversas transformações, não

surgindo do nada. A ciência

explica muito bem a origem do

universo. O homem e a mulher

surgiram de modificações em seres

primitivos ao longo dos anos.

Acreditamos que eles tenham

surgido como a biologia explica.

Eles evoluíram de outras espécies,

evoluímos do macaco.

Acreditamos que foi de acordo

com a teoria de Darwin. (30%)

Não

responderam

4 % 0%

Quadro 3 - Fontes de influência para explicações da origem dos seres vivos citados pelos estudantes.

Fonte citada

Escola Religião Família Amigos Mídia Conclusões próprias

Total

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56

Número de citações

12 18 25 07 11 13 86

Percentual 14% 21% 29% 8% 13% 15% 100%

Os Quadros 1 e 2 mostram que três discursos compõem a representação da origem dos

seres vivos e do homem e da mulher nos dois momentos de aplicação do questionário:

discurso religioso, discurso de compatibilização e discurso científico.

Os três discursos em ambos os quadros podem ser resumidos: discurso religioso

(DSC-1) onde há a referência a Deus como criador; discurso de compatibilização (DSC-2),

onde há combinação de explicação científica e explicação religiosa; e o discurso científico

(DSC-3) onde a referência é a ciência como base explicativa.

Os discursos foram excludentes, ou seja, cada estudante expressou em suas respostas

apenas uma idéia central. A análise da composição social de cada subgrupo de estudantes que

aderiu a cada idéia central permitiu a identificação de elementos relevantes para a

compreensão da dinâmica dos três discursos no âmbito de todo o grupo. Nos três discursos,

em relação às duas perguntas, encontram-se estudantes com o mesmo perfil sócio-cultural e

religioso, ou seja, refletem o perfil do conjunto de todos os investigados. Ressalte-se,

portanto, que a diversidade de religiões foi encontrada nos três discursos, com a

especificidade dos ateus (representados por dois estudantes no primeiro ano e um no terceiro

ano).

Por um lado, pode-se dizer que haveria uma tendência destacada de adesão ao discurso

religioso em relação aos outros dois discursos, entretanto, se focamos a leitura nos discursos

de compatibilização e científico, constataremos uma clara e significativa influência da ciência

dado o uso de termos e explicações científicas.

Foi possível comparar os comportamentos de cada estudante identificado nos dois

momentos de resposta ao questionário e um dado interessante se revelou: cerca de 30% dos

estudantes mudaram de um discurso para o outro sem um padrão nesta mudança, isto é, houve

mudança de discurso religioso para o científico e vice versa como houve mudança do discurso

de compatibilização para o religioso ou para o científico. Este resultado trouxe um elemento a

mais para a compreensão da dinâmica das explicações religiosas e científicas no âmbito do

conjunto completo dos estudantes (identificados e não-identificados). Como se trata de uma

população homogênea, objetiva e subjetivamente falando, em princípio, seus diferentes

discursos poderiam ser intercambiados (MOSCOVICI, 2003 e LEFEVRE &LEFEVRE,

2004). Essa interpretação pode ser reforçada ao ser articulada a característica comum aos três

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discursos: todos fazem referências à ciência e à religião, ainda que por diferentes pontos de

vista, sem desmerecer ou atacar um ou outro campo como os fragmentos de discurso a seguir

exemplificam: [...] conhecendo as teorias desenvolvidas pela ciência[...] (Quadro 1, DSC 1,

primeiro ano) e Ele (Deus) permitiu que todo aquele processo da “teoria(sic)19

de Oparin” e

da seleção natural acontecesse[...](Quadro 1, DSC 2, primeiro ano) e também

[...]acreditamos que Deus foi o criador, pois ainda existem pontos que a ciência não explica.

[...] ( Quadro 2, DSC 1, primeiro ano) e [...]A ciência não desmente Deus.[...][...] A evolução

pode ter sido o modo de dar origem ao homem[...](Quadro 2, DSC 2, terceiro ano). E o

mesmo aconteceu com referencias religiosas encontradas no discurso científico e de

compatibilização como nos exemplos: [...] cientistas formularam teorias que podem explicar

a origem dos seres vivos, sem a relacionar com Deus. [...] (Quadro 1, DSC 3, primeiro ano) e

também[...] A evolução pode ter sido o modo de dar origem ao homem que Ele escolheu[...](

Quadro 2, DSC 2, terceiro ano). Não parece haver nesse conjunto de discursos uma radical

rejeição da ótica científica ou religiosa.

Ao se considerar a faixa etária e correspondentes características psicológicas desse

grupo – adolescência – pode-se aproximar a compreensão desse resultado ao pensamento de

dois autores da psicanálise – Winnicott (2005) e Dolto (2008). Segundo eles, a adolescência é

um período de vida plena de contradições uma vez que os jovens vivem as transformações do

crescimento biológico e do desenvolvimento psicológico. Por exemplo, eles têm

características físicas semelhantes à criança e já apresentam características do adulto; ao

mesmo tempo que buscam o afastamento familiar, encontram na família sua referência de

estabilidade; oscilam entre a necessidade de ter “opinião própria” e de ter apoio social. Com

essas características e sem o exercício necessário da reflexão em torno do tema (com

diferentes explicações religiosas e científicas) aqui abordado, possivelmente sentem-se

incapazes de uma formulação problematizadora e optam pela explicação linear onde está

presente apenas uma face das explicações que lhes foram oferecidas. Pode-se supor que suas

opções estariam também influenciadas pelo que pensam ser, em seus contextos, o desejado.

Os três discursos compunham o seu imaginário, mas sem a estabilidade de resposta articulada

e bem compreendida, sem alcance da problematização do tema em foco.

Dito de outra forma, sem haver uma rejeição à ótica científica ou religiosa, pode-se

afirmar que a representação social dos estudantes referente aos temas investigados expressa

19 Foi feita transcrição do discurso dos estudantes por isso mantém-se a palavra teoria, embora de acordo com as convenções da biologia, tal conhecimento seja considerado uma hipótese.

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58

um imaginário não monolítico de uma comunidade20 católica aberta. Os estudantes, nesse

contexto, parecem não sofrer restrições declaradas no sentido de pensar e de se posicionar

diante das questões religiosas e científicas que permeiam seu ambiente escolar e mesmo

familiar, o que explicaria a presença dos três discursos como que disputando sua atenção. Em

outras palavras, o conjunto dos dados da pesquisa parece mostrar que os alunos não se sentem

declaradamente pressionados em direção a nenhum dos discursos. Simplesmente expressaram

o que lhes tem sido oferecido: explicação científica e religiosa para os mesmos temas.

Nos discursos de compatibilzação tanto do primeiro como do terceiro ano, percebe-se,

que a plausibilidade da ciência não é comprometida ao se comparar esse discurso com as

idéias expressas nos discurso científico. Seguem-se os fragmentos: [...]Ele (Deus) permitiu

que todo aquele processo da “teoria de Oparin” e da seleção natural acontecesse, desde os

primeiros seres até ocorrer a evolução e chegar até nós. [...] (DSC-2, Quadro 1, primeiro

ano).[...] Com base na teoria de Oparin, os seres desenvolveram-se, não sendo criados pela

força vital.[...](DSC-3, Quadro 1, primeiro ano).Em ambos há referência as idéias de Oparin,

conteúdo estudado no primeiro ano. Não se percebe no discurso de compatibilização

evidências de dúvidas ou cisões com as idéias de oparin sobre a origem da vida. O discurso de

compatibilização traz as mesmas informações do discurso científico, incluindo, apenas, o

controle de Deus sobre o processo comprovado por Oparin. No terceiro ano, podemos

encontrar: [...]Ele(Deus) possibilitou o surgimento dos seres vivos, [...]que surgiram

efetivamente como a biologia explica (com o resfriamento do planeta)[...] (DSC-2, Quadro 2,

terceiro ano). [...]Os seres vivos passaram por diversas transformações, não surgiram “do

nada”. A ciência explica muito bem a origem do universo. [...](DSC-3, Quadro 2, terceiro

ano). Há em ambos referências claras a ciência e mais uma vez o discurso de

compatibilização acrescenta apenas o controle de Deus sobre os eventos da evolução.

No que se refere a origem do homem e da mulher pode-se destacar: [...]Ele (Deus) fez

o mundo para que fosse possível a existência do homem e da mulher, mas que esses surgiram

da evolução dos macacos. [...] (DSC-2, Quadro1, primeiro ano) e ainda [...] o homem vem do

20 O conceito de “comunidade” não é unívoco nas ciências sociais. Entretanto, nesse trabalho, o termo é usado no sentido de caracterizar o que se aproxima de uma unidade social: “grupo de pessoas dentro de uma área

geográfica limitada que interagem dentro de instituições comuns e que possuem um senso comum de

interdependência e integração.” (OUTHWAITE & BOTTOMORE, 1996). Note-se: tanto o grupo de estudantes investigados quanto seus pais e mães são católicos em sua grande maioria; os alunos freqüentam a escola há pelo menos três anos; a escola católica foi escolhida pelos pais para seus filhos tanto por afinidades religiosas quanto por oferecer boa qualidade de ensino; trata-se de escola de reconhecida tradição na cidade, onde antigos alunos matriculam seus filhos há pelo menos 30 anos; diferentes reuniões ou eventos (festivos, de objetivos escolares ou religiosos) na escola e também pela internet (há um sistema de informação da escola que funciona como possibilidade de comunicação entre famílias e escola) mantêm a regularidade das interações dos estudantes, suas famílias e profissionais da escola; a religião católica sobressai como relevante referência dos envolvidos.

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macaco. Os seres vivos, as células foram evoluindo até constituírem o homem e a mulher. [...]

(DSC-3, Quadro 1, primeiro ano). A citação da evolução biológica para explicar a origem do

homem e da mulher, mesmo trazendo alguns comprometimentos nos conceitos expressos,

encontrada no discurso de compatibilização, é muito similar às encontradas no discurso

científico. No terceiro ano pode-se destacar: [...]Ele(Deus) criou bactérias que com a junção

de outras, foi evoluindo até chegar a um organismo como o nosso, nós estamos em plena

evolução[...](DSC-2, Quadro 2, terceiro ano).[...]O homem e a mulher surgiram de

modificações em seres primitivos ao longo dos anos. [...] (DSC-3, Quadro 2, terceiro ano). No

terceiro ano, nota-se que o discurso de compatibilização se aproxima muito do científico, com

claras referências a processos evolutivos que tem como ponto de partida seres microscópicos

ou primitivos, ou seja, inclui-se aí, informações da história evolutiva da espécie humana,

juntamente com os demais seres vivos.

Esses resultados demonstram que o discurso de compatibilização, expressa visões de

mundo dos estudantes, relacionadas as suas crenças religiosas e associam a elas idéias

científicas apresentadas pela escola, sem indícios de obstáculos para a aceitação da

plausibilidade do conhecimento científico. Pode-se, portanto, destacar que há uma

convivência entre essas duas idéias:

Os alunos compreendem as novas concepções, mesmo que possam eventualmente não acreditar nelas. Embora a visão de mundo de um aprendiz possa acarretar dificuldades para a compreensão de idéias científicas, é razoável pensar-se que ela não representa necessariamente um obstáculo para tal compreensão. Em contrapartida, o domínio de um conceito científico também não implica necessariamente a rejeição de uma visão de mundo. (EL-HANI&BIZZO, 2002 p. 18).

Além disso, a aprendizagem não pode ser entendida como um processo linear onde

estudantes com visões de mundo diferentes, tenham igual tempo de aprendizagem,

principalmente quando se trata de conteúdos com fortes enraizamentos culturais, como o

tema pesquisado. Há de se pensar que inclusive os estudantes que ainda aderem ao discurso

religioso, terão ainda mais um ano de estudos, onde conteúdos importantes relacionados a

origem e evolução da vida, serão estudados. Isso poderá permitir avanços no entendimento

das explicações científicas para origem e evolução da vida para esse conjunto de estudantes.

A leitura dos discursos permitiu identificar, ainda, não só o uso de expressões técnicas

da ciência para explicar o surgimento dos seres vivos como aproximações de compreensão da

teoria evolutiva previstas para o nível de escolarização dos estudantes. E notou-se que os

discursos do terceiro ano (à exceção do discurso religioso) trouxeram um aperfeiçoamento

explicativo em relação ao primeiro ano. Isso demonstra que a escola contribuiu para avanços

na aprendizagem dos estudantes. A seguir destacam-se fragmentos que constatam esses

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60

aperfeiçoamentos nos discursos expressos sobre a origem dos seres vivos: com relação ao

conceito da origem da vida, são feitas referências a condições que antecederam o surgimento

da vida,[...]surgindo e evoluindo originado de reações no universo[...](Quadro 1, DSC-2,

primeiro ano).Esta referência não expõe com clareza quais são essas reações no universo e

nem relacionam as mesmas ao ambiente da Terra primitiva. No terceiro ano encontra-se o

seguinte fragmento [...]eles surgiram efetivamente como a biologia explica (com o

resfriamento do planeta[...] (Quadro 1, DSC-2, terceiro ano). Aqui são feitas referências a

um planeta em transformação e que remete à compreensão das características ambientais do

planeta necessárias ao surgimento da vida, note-se também[...]Os seres vivos foram criados a

partir do agrupamento de moléculas ocorrido há bilhões de anos [...](Quadro 1, DSC-3,

primeiro ano). Não há, ainda, referências mais evidentes às características do ser vivo como

a célula, por exemplo. No discurso do terceiro ano encontra-se[...]Os seres vivos foram

evoluindo a partir de uma célula [...] ( Quadro 1 DSC-3, terceiro ano), esse fragmento

apresenta a célula21 como estrutura diferenciadora dos seres vivos, o que indica referência ao

estudo de citologia, realizado no segundo ano. Note-se também que o conceito de acaso não é

lembrado em nenhum discurso do primeiro ano, no entanto, pode-se destacar no discurso do

terceiro ano clara referência[...]seres vivos que surgiram ocasionalmente22

aqui[...] (Quadro, 1

DSC-3, terceiro ano).

Com relação a origem do homem e da mulher constatou-se, também, que os

discursos do início do terceiro ano expõem explicação cientificamente mais completa sobre a

origem do homem e da mulher do que os discursos do primeiro ano. [...] Ele fez o mundo para

que fosse possível a existência do homem e da mulher, mas que esses surgiram da evolução

dos macacos [...].(Quadro 2, DSC-2, primeiro ano). No terceiro ano [...] Ele criou bactérias

que com a junção de outras, foi evoluindo até chegar a um organismo como o nosso (Quadro

2, DSC-2, terceiro ano). No terceiro ano, há elementos que permitem uma associação da

origem do homem e da mulher com estruturas primitivas (bactérias) indicando uma base

ancestral comum para todos seres vivos. Pode-se dizer que essa descrição se aproxima

mais dos conhecimentos científicos apresentados para os estudantes, durante o estudo da

21 A diversidade de espécies teria sido criada pela bipartição repetida de linhagens desde um único ancestral comum de todos os seres vivos (RIDLEY, 2006). 22 Na evolução dos seres vivos influem concomitantemente fatores estocásticos (acontecimentos casuais, que ocorreram ao acaso, como a deriva genética) e determinísticos (acontecimentos que ocorrem como consequência da causalidade, por exemplo, a origem de novas espécies pela atuação da seleção natural). (FREIRE- MAIA , 1986).

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61

filogenia, no segundo ano, do que aquele encontrado no discurso do primeiro ano, em que

o macaco é destacado como ponto de partida para a evolução dos seres humanos.

Nos discursos não há referências a mutações e variabilidade genética, estudados ao

longo do segundo ano, isso pode indicar que os estudantes não associaram tais conceitos com

os conhecimentos a respeito da origem e evolução dos seres vivos. Além disso, pode-se

destacar algumas falhas de compreensão dos conhecimentos científicos, encontradas nos

discursos de compatibilização e científico, como demonstrado a seguir: [...] o homem vem do

macaco. Os seres vivos, as células foram evoluindo até constituírem o homem e a mulher.

(Quadro 2, DSC-3, primeiro ano). O discurso pode ser interpretado como um processo

direcionado em que as células foram evoluindo até constituírem o homem, ou seja, iniciam

com formas de vida inferiores, indo para formas de vida superiores, dando um entendimento

de progresso23. Isso compromete a compreensão da idéia científica de evolução biológica,

como um processo sem direcionamento. Nesse mesmo discurso há a citação, repetida em

outros discursos, de que “ o homem vem do macaco”. Essa afirmação é um equívoco

freqüente entre os estudantes, que tanto não é cientificamente correta como carrega o ônus de

acentuar conflitos entre os estudantes religiosos, ou seja, eles são levados a contra atacar “ o

homem não veio do macaco porque ele foi feito à semelhança de Deus”. A idéia de que o

homem veio do macaco é uma distorção da teoria evolutiva, que permeia as representações

sociais acerca da origem do homem e da mulher em nossa sociedade. Tanto pode provocar o

conflito dos estudantes com suas crenças religiosas como também se opor a compreensão

atual da ciência, que estabelece o processo evolutivo como gradativo, sem direcionamentos e

coloca a espécie humana apenas como mais um dos vários ramos evolutivos que originaram

toda biodiversidade atual.

A pergunta dezesseis24 inserida no segundo questionário teve por objetivo investigar

as origens das idéias expressas nas respostas dos estudantes sobre a origem dos seres vivos e

origem do homem e da mulher. Dos quarenta e três estudantes, investigados, três não

responderam. A análise das respostas dos demais estudantes permitiu construir o quadro 3,

que indica as referências encontradas nas respostas dos estudantes.

23 A evolução biológica é confundida como “progresso” das formas de vida inferiores às superiores, mas é impossível definir quaisquer critérios não arbitrários pelos quais tal “progresso” possa ser medido. A própria palavra “progresso” implica direção, se não mesmo o avanço em relação a um objetivo, mas nem direção nem objetivo são fornecidos pelos mecanismos da Evolução Biológica (Futuyma , 2003). 24 Você escreveu sua opinião quanto à origem do universo, dos seres vivos e do homem e da mulher, agora tente lembrar: como você chegou a essas opiniões? Há alguma fonte de informação pessoa, ou pessoas, que mais o ajudou, ou o ajudaram a ter sua opinião sobre a origem do universo, dos seres vivos e do homem e da mulher? Justifique.

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Destacam-se no conjunto total dos estudantes muitas referências à família, e a

religião, por outro lado a escola é pouco lembrada, o que pode demonstrar que as explicações

científicas levadas pela escola, não tiveram muito impactos sobre os estudantes. Outro dado a

ser observado é que as referências feitas à religião estão, em sua maioria, associadas aquelas

feitas a família, o que pode demonstrar que as idéias religiosas expressas por esses estudantes,

que aparecem no discurso religioso e de compatibilização, tem suas origens na religião e na

família, principalmente. Isso é confirmado ao se analisar os dados obtidos na análise do perfil

dos pais, onde se verifica que quase totalidade é religiosa e frequentam uma religião. Pode-

se então apontar que há influências, tanto da religião como da família, nesses discursos e

que ele é o resultado de construções sociais muito consolidadas, ligadas a socialização

primária ( Guidens, 2004, Berger & Luckmann, 1999), envolvendo afetividade e referências a

pessoas de grande representação para esses estudantes. Embora as explicações religiosas não

tenham se traduzido em obstáculos para a aceitação das idéias científicas, pelos estudantes,

certamente uma melhor compreensão desses conhecimentos, demandaria um trabalho mais

detalhado, em que atividades pedagógicas voltadas para discussão dos campos da ciência e da

religião, relacionadas a origem e evolução da vida, por exemplo, possibilitaria um maior

convívio desses estudantes, com as idéias científicas, possibilitando maior reflexão sobre

idéias que se contrapõe a outras tão arraigadas em suas vidas, isso poderia aumentar a

compreensão dos estudantes das idéias científicas, melhorando assim o entendimento sobre a

origem e evolução da vida.

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6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Foi possível identificar alguns pontos relevantes a serem cuidados no ensino dos

temas investigados. Esses pontos podem ser divididos sob duas óticas: nos conteúdos

específicos das explicações científicas e nas formas educacionais de lidar com eles na sala de

aula.

Não basta, apenas, que no âmbito do imaginário do conjunto dos estudantes, as

explicações científicas se mostrem presentes, é necessário, também, que os estudantes tenham

oportunidade, na escola, de elaborarem esse conjunto de conteúdos. Considera-se nessa

discussão que a ótica dessa pesquisa foi a das representações sociais dos estudantes em

relação ao tema pesquisado e, não, a das respostas, apenas, cientificamente corretas.

Entretanto, a discussão permite que alguns dados trazidos pelos estudantes em seus discursos

remetam a falhas de compreensão no que eles próprios associam como explicações vindas da

ciência. Incluir tais elementos na discussão enriquece os resultados desse trabalho e pode ser

útil como ponto de reflexão sobre o ensino de ciências. Nesse sentido, alguns pontos

sobressaem dos resultados dessa pesquisa:

1 - A hipótese da evolução química, apresentada na escola em questão, para explicar a

origem da vida, demanda entendimento, por parte dos estudantes, de conceitos trazidos de

diferentes áreas da ciência e a Química é uma delas. Nesse campo destacam-se os

conhecimentos necessários para compreender o surgimento de moléculas orgânicas, a partir

de moléculas simples, que existiam na atmosfera primitiva. Alguns discursos citam as idéias

de Oparin, no entanto, não fazem referências aos fatos demonstrados por ela, que envolvem o

surgimento de moléculas orgânicas. Isso pode ser constatado no seguinte fragmento: [...] Com

base na teoria de Oparin, os seres desenvolveram-se, não sendo criados pela força vital

DSC-3, quadro 1, primeiro ano[...]. Um estudante do primeiro ano, que ainda não teve noções

básicas sobre compostos orgânicos, pode ter dificuldades para compreender como se

processam tais reações. Mesmo considerando que o professor de biologia, domina tal

conhecimento, o limitado tempo oferecido para o aprendizado desses princípios químicos,

poderá comprometer, ainda mais, o estudo da hipótese científica de origem da vida. Um

trabalho conjunto entre os professores de química e biologia, poderia buscar estratégias que

permitissem o ensino concomitante de conhecimentos similares nas duas disciplinas,

promovendo, assim, uma aprendizagem mais integrada, permitindo ao estudante uma visão

menos fragmentada das ciências. A revisão do planejamento aproximando os conteúdos

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similares previstos para a biologia e para a química, possivelmente já auxiliaria o aprendizado

dos estudantes.

2 - O surgimento da origem dos seres humanos se mostrou um ponto delicado no ensino da

origem dos seres vivos. Os troncos ancestrais que antecedem o surgimento dos seres humanos

mostraram-se nos discursos dos estudantes carentes de esclarecimentos. Há necessidade de

melhor entendimento da história evolutiva humana. O exemplo mais expressivo desse ponto é

a explicação de que “os homens vêm dos macacos”. Além de cientificamente errada, tal

compreensão favorece possivelmente confrontos com as crenças religiosas que afirmam que

os homens vieram da criação divina. Além disso, nessa explicação, há a ideia equivocada de

processos evolutivos direcionados, tendo na espécie humana seu ápice. Outra possibilidade

implícita nessa explicação, relaciona-se com a cultura antropocêntrica, muito arraigada em

nossa sociedade.

A correta explicação cientifica poderá levar os estudantes, sem confrontos

desnecessários, a identificar o maior ou menor grau de parentesco, entre diversos seres vivos

em clima de reflexão e possível aceitação. Sem tempo e dedicação a esclarecimentos desses

aspectos, pode-se dificultar, desnecessariamente, tanto o processo de aprendizagem dos

conteúdos científicos como a necessária distinção entre os campos da ciência e religião.

Incluem-se, também, a ausência de associação da origem e evolução dos seres vivos a

processos reprodutivos. Embora tenham estudado temas relacionados à genética, variabilidade

genética e mutação, os estudantes não citam tais conceitos em seus discursos, o que também

pode apontar uma demanda de trabalho docente.

3 - O reconhecimento de que os temas aqui tratados têm uma longa história de explicações

que envolve um conhecimento arraigado na cultura, principalmente em um país de grande

religiosidade como o Brasil é reforçado pelo perfil familiar da maioria desses estudantes, que

é religioso. Ainda assim, a ciência aparece como uma explicação importante ao lado da

explicação religiosa. Os discursos científicos e religiosos parecem igualmente relevantes para

os estudantes e por isso estavam presentes (positivamente) no imaginário deles e, pela análise

realizada, mostrando-se intercambiáveis. Isso pode explicar a presença clara e objetiva dos

três discursos identificados nesta pesquisa. E este resultado pede, ou sugere , necessidade de

acréscimo de atividades educacionais, isto é, atividades de impactos mais abrangentes na

abordagem deste tema, tanto em relação à incorporação das diferentes disciplinas como a

incorporação na sua discussão dos diferentes grupos sociais da escola ( estudantes de

diferentes series, professores, coordenadores, pais e outros), que, direta ou indiretamente,

estão envolvidos com as explicações para a origem e evolução da vida, essa pode ser uma

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demanda implícita nesse contexto. Palestras e debates, relatos de pesquisa e avanços

tecnológicos afins, feiras culturais, exposições de textos desenhos, etc., que envolvessem mais

amplamente a escola, ou seja, atividades que provocassem o interesse e a exploração das

hipóteses evolutivas propostas ao longo da história da ciência e integração das disciplinas

envolvidas nesse tema como biologia, química, geografia e história, também seria importante.

4 - A indistinção entre os campos da ciência e da religião, isto é, a ausência de reflexão com

os estudantes dos objetivos, conhecimentos e práticas religiosas e da ciência é um limitante do

desenvolvimento dos mesmos. A leitura de seus discursos nos Quadros 1 e 2 permite tanto

identificar pontos de dúvidas em relação aos temas abordados como oferece pistas para

conduzir a reflexão em sala de aula. Observe-se os fragmentos de seus discursos [...]Ele

permitiu que todo aquele processo da “teoria de Oparin” e da seleção natural acontecesse,

desde os primeiros seres até ocorrer a evolução e chegar até nós [...](Quadro-1, DSC 2,

primeiro ano). As construções trazidas pelos estudantes incluem a ciência e a religião e nelas

pode ser feito o trabalho de distinção. A abordagem compreensiva desses discursos permite a

introdução das diferenças epistemológicas entre ambas e o debate esclarecedor das questões

dos estudantes. Em contextos de livre expressão do pensamento, os caminhos da convivência

podem ser aprendidos porque favorecem abertura para compreensão das diferenças entre o

alcance e os limites de ambas (explicações científica e religiosa) para o mesmo tema, o que

pode aumentar a plausibilidade da explicação científica sem que se exclua a presença de

crenças religiosas.

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7. CONCLUSÃO

Três discursos foram identificados na análise das representações sociais dos estudantes

para origem dos seres vivos e origem do homem e da mulher: o religioso, o de

compatibilização e o científico. Foi possível inferir que tais discursos são intercambiantes no

conjunto dos estudantes porque foram identificados sinais de mobilidade entre os discursos ao

lado de sinais de aprendizagem dos conteúdos científicos. Seus discursos, ao revelarem

influências religiosas, não indicaram que estas eram obstáculos à apreensão dos conteúdos

ensinados no âmbito das ciências e em alguns casos, como nos discursos de compatibilização,

percebe-se a coexistência de explicações científicas com as religiosas, ou seja, as concepções

trazidas pelos estudantes não comprometeram sua aceitação da plausibilidade da explicação

científica.

Entretanto foi possível identificar necessidade de maior trabalho docente no sentido de

pensar estratégias para estimular a reflexão dos estudantes sobre as explicações dos temas em

questão. Ainda que as influências familiares, no comportamento das crianças e adolescentes

sejam relevantes, pode-se questionar o fato de ter sido a escola tão pouco mencionada como

fonte de influência para as visões dos estudantes em relação à origem dos seres vivos e do

homem e da mulher, um tema que lhe cabe tratar, seja por sua importância cultural, seja por

ser matéria de importantes estudos científicos.

O conjunto dos resultados da pesquisa relatada permite afirmar que há potencial no

âmbito estudantil pesquisado para maior crescimento no que diz respeito à compreensão das

explicações científicas para a origem dos seres vivos e também do homem e da mulher. A

presença das crenças religiosas no perfil cultural deste grupo não se mostrou um elemento de

obstáculo a isso, mas os estudantes parecem precisar de mais tempo e atenção docente no que

podemos chamar de demandas implícitas de seus discursos, ao longo de seus anos no ensino

médio. Diante de um tema tão carregado de história cultural em seus sentidos, particularmente

de sentidos religiosos, poderíamos perguntar se o conjunto das atividades oferecidas aos

estudantes em cerca de seis horas de aula, a cada ano, para se discutir o tema origem e

evolução da vida nos dois anos pesquisados seria suficiente, mesmo que se considere que,

esses estudantes, terão mais algumas horas pela frente, no terceiro ano para o estudo da teoria

evolutiva. Os resultados sugerem que não.

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67

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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68

FALCÃO; E. B. M. Religious Beliefs: Their dynamics in two groups of life scientists. International Journal of Science Education, v. 30, n. 9, p.1249-1264, 2008. FALCÃO; E. B. M; SANTOS, A.G. & LUIZ, R.R. Conhecendo o mundo social dos estudantes: encontrando a ciência e a religião. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciências, Vol. 7, Nº2, 2008. FREIRE-MAIA, N. Criação e evolução. Deus, o acaso e a necessidade. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1986. FUTUYMA, D. J., Biologia Evolutiva. Ribeirão Preto: Funpec editora, 2003. GEERTZ, C. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Ed.Guanabara Koogan, 1989. GIBERTONI, G. e FALCÃO, E.B.M. Os Discursos Coletivos sobre Deus em Diferentes Momentos da Formação de Biólogos. In Lefèvre, F. &Lefèvre, A. (org.) O discurso do sujeito coletivo: um nove enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos).Caxias do Sul: EDUSC, 2003. GIDDENS, A. Sociologia. Porto Alegre: Editora artmed; tradução Sandra Regina Netz 4ªedição, 2005. GILLY, M. As representações sociais no campo da Educação. Em Jodelet, D. (Org.), As representações sociais (pp. 321-341). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001 GUIDA, A. Conhecimento científico, crenças religiosas e a compreensão dos fenômenos da natureza no ensino médio. Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. . HENRY, John. A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. HODSON, D. Going beyond cultural pluralism: science education for sociopolitical action Science education, vol. 83 n.6 , p.775-796, 1999 JODELET, DENISE (org). As representações Sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001 KRASILCHIK, M. Reformas e realidade: o caso do ensino das ciências, São Paulo em perspectiva: São Paulo, vol 14, n.1, p. 85-93, 2000. LATOUR, B. &WOOGLAR, S. A. Vida de laboratório. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.

LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo. Caxias do Sul: EDUCS, 2001.

LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. Uma nova opção em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS, 2003.

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69

MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: para onde vamos? Investigações em ensino de ciências, v.1 , n.1, p. 20- 39, 1996. MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003. ______ . Das representações coletivas às representações sociais: elementos para uma história, In: Jodelet, D. (org). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001. NICOLINI, L. FALCÃO, E.B.M. & FARIA, F.S. Origem da vida: como licenciandos em ciências biológicas lidam com este tema? Artigo submetido, 2008. OUTHWAITE, W. & BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento social do século XX.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. RIDLEY, M. Evolução. Porto Alegre: Artemed, 2006. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA, Ciências da natureza, matemática e suas tecnologias (Orientações curriculares para o ensino médio). Brasília/ DF: MEC.v.2, 2006. SEPULVEDA, C. & EL-HANI, C. N. Quando visões de mundo se encontram: religião e ciência na trajetória de formação de alunos protestantes de uma licenciatura em Ciências Biológicas. Investigações em Ensino de Ciências,. vol 2, n.9, 2004 ______ . Apropriação do discurso científico por alunos protestantes de Biologia: uma análise à luz da teoria da Linguagem de Bakhtin. Investigações em Ensino de Ciências, . vol 1, n.11, 2006 TRIGO, E. D. de F. Ciência - um convidado especial na sala de aula de Biologia: um encontro cultural entre ciência e religião no Ensino Médio. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Tecnologia Educacional para a Saúde do NUTES – UFRJ, 2005 VILLANI, A. e CABRAL, T. C. B. Mudança conceitual, subjetividade e psicanálise. Investigações em Ensino de Ciências, v. 2 , n.1 , p. 43-61, 1997. WINNICOTT, D.W. A família e o desenvolvimento do indivíduo. Belo Horizonte: Interlivros, 1980.

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70

ANEXO I Questionário aplicado em Maio de 2007 QUESTIONÁRIO I

Caros estudantes;

Participo de um projeto de pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ) e gostaria de contar com a colaboração de vocês através do preenchimento deste

questionário. Queremos conhecer melhor nossos estudantes do Ensino Médio, para melhorar a

qualidade de nossas escolas. Quero que vocês saibam que apenas eu lidarei com os

questionários, ou seja, este questionário não está relacionado com nenhuma atividade desta

escola. Esta escola apenas permitiu que a pesquisa fosse feita aqui também. No início do

questionário há um espaço destinado para a identificação do aluno (Nome completo), mas

você tem toda a liberdade de preferir não colocar seu nome.

Caso você queira se identificar, fique tranqüilo, suas respostas não serão expostas a

outras pessoas, apenas poderei conversar com você em outro momento, se for necessário à

pesquisa e se você aceitar. Se você tiver alguma dúvida, pode perguntar.

Desde já agradeço a sua participação.

Paulo Roberto de Araújo Porto

Nome completo (opcional) __________________________________________

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

Idade: ____________ Escola que estuda: _________________________

Estuda há quanto tempo nesta Escola?

a)( ) Menos de 1 ano b)( ) Mais de dois anos c)( ) Sempre estudei aqui

Para quem marcar a letra a indique o nome da Escola que estudava anteriormente

___________________________________________________________________________

1º) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao universo?

Sim ( ) Justifique:

________________________________

________________________________

________________________________

Não ( ) Justifique:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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71

2) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem aos seres vivos?

Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

3) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao homem e a mulher?

Sim ( ) Justifique

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

Não ( ) Justifique:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

___________________________________

4º) Na sua opinião, a origem do universo pode ser explicada sem a participação de Deus?

Sim ( ) Justifique:

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

Não ( ) Justifique:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

5º) Na sua opinião, a origem dos seres vivos na Terra, pode ser explicada sem a participação

de Deus?

Sim ( ) Justifique

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

Não ( ) Justifique

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

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72

6º) Na sua opinião, a origem do homem e da mulher na Terra, pode ser explicada sem a

participação de Deus?

Sim ( ) Justifique

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

Não ( ) Justifique

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

7º) Você acredita em Deus?

Sim ( ) Não ( ) Justifique

Como você definiria Deus?

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

8º)Você tem religião?

Sim ( ) Não ( )

Caso afirmativo assinale o espaço que corresponde a sua religião

( ) Budismo ( )Candomblé ( )Católica ( )Judaísmo ( )Kardecismo ( )Messianismo ( )Mórmon ( )Umbanda ( )Wicca ( )Evangélico - qual denominação?_______________________________ ( )Outra_____________________________________________________

9º) Se você tem religião, você freqüenta com regularidade e espontânea vontade a sua igreja,

templo, terreiro, etc.

Sim ( ) Não ( )

10º) Você participa de alguma atividade relacionada com a sua igreja?

Sim ( ) Não ( )

Qual?______________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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73

73

11º) Seu pai tem religião?

Sim ( ) Não ( )

Qual?___________________________________________

12º) Sua mãe tem religião?

Sim ( ) Não ( )

Qual?____________________________________________

13º) Seus pais freqüentam a igreja, templo, terreiro, etc., com regularidade? (semanalmente)

( ) Sim ambos freqüentam

( ) Não eles não freqüentam

( ) Apenas minha mãe freqüenta

( ) Apenas meu pai freqüenta

14º) Indique a formação escolar de seu pai ou responsável.

( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Graduação ( ) Pós-

graduação

15º) Indique a formação escolar de sua mãe ou responsável.

( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Graduação ( ) Pós- graduação

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ANEXO II

Questionário aplicado em Fevereiro de 2009 QUESTIONÁRIO II

Caros estudantes;

Como vocês devem lembrar, participo de um projeto de pesquisa na Universidade

Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e gostaria de contar com a colaboração de vocês através do

preenchimento deste questionário. Queremos conhecer melhor nossos estudantes do Ensino

Médio, para melhorar a qualidade de nossas escolas. Por isso estou aqui novamente e busco

conhecê-los um pouco mais. As perguntas são semelhantes porque estou acompanhando

vocês ao longo do ensino médio. Quero que vocês saibam que apenas eu lidarei com os

questionários, ou seja, este questionário não está relacionado com nenhuma atividade desta

escola. Esta escola apenas permitiu que a pesquisa fosse feita aqui também. No início do

questionário há um espaço destinado para a identificação do aluno (Nome completo), mas

você tem toda a liberdade de preferir não colocar seu nome. Ou seja, o questionário pode ser

anônimo. Se você tiver alguma dúvida, pode perguntar.

Desde já agradeço muito a sua participação.

Paulo Roberto de Araújo Porto

Nome completo (opcional) __________________________________

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

Idade:____________ Escola que estuda: _ ____________________

Estuda há quanto tempo nesta Escola?

a)( ) Menos de 1 ano b)( ) Mais de dois anos c)( ) Sempre estudei aqui

Para quem marcar a letra “a” indique o nome da Escola que estudava anteriormente

___________________________________________________________________________

1º) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao universo?

Sim ( ) Justifique: Não ( ) Justifique:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_______________________________________________

2) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem aos seres vivos?

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75

Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

_______________________________

3) Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao homem e a mulher?

Sim ( ) Justifique

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

_______________________________

Não ( ) Justifique:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

4º) Na sua opinião, a origem do universo pode ser explicada sem a participação de Deus?

Sim ( ) Justifique:

________________________________

________________________________

________________________________

________________________________

Não ( ) Justifique:

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

5º) Na sua opinião, a origem dos seres vivos na Terra, pode ser explicada sem a participação

de Deus?

Sim ( ) Justifique Não ( ) Justifique

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

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6º) Na sua opinião, a origem do homem e da mulher na Terra, pode ser explicada sem a

participação de Deus?

Sim ( ) Justifique ( )Não Justifique

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

__________________________________

____________________________

7º) Você acredita em Deus?

Sim ( ) Como você definiria Deus Não ( ) Justifique

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_____________________________

8º)Você tem religião?

Sim ( ) Não ( )

Caso afirmativo assinale o espaço que corresponde a sua religião

( ) Budismo ( )Candomblé ( )Católica ( )Judaísmo ( )EspiritismoKardecista ( )Messianismo ( )Mórmon ( )Umbanda ( )Wicca ( )Evangélico - qual denominação?_______________________________ ( )Outra_____________________________________________________

9º) Se você tem religião, você freqüenta com regularidade e espontânea vontade a sua

igreja, templo, terreiro, etc.

Sim ( ) Não ( )

10º) Você participa de alguma atividade relacionada com a sua igreja?

Sim ( ) Não ( )

Qual?______________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

11º) Seu pai tem religião?

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77

77

Sim ( ) Não ( )

Qual?___________________________________________

12º) Sua mãe tem religião?

Sim ( ) Não ( )

Qual?___________________________________________ 13º) Seus pais frequentam a igreja, templo, terreiro, etc., com regularidade? ( ) Sim, ambos freqüentam. ( ) Não, eles não frequentam. ( ) Apenas minha mãe freqüenta. ( ) Apenas meu pai freqüenta. 14º) Indique a formação escolar de seu pai ou responsável. ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Graduação ( ) Pós-graduação. 15º) Indique a formação escolar de sua mãe ou responsável. ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Graduação ( ) Pós-graduação.

16º) Você escreveu sua opinião quanto à origem dos seres vivos e do homem e da mulher,

agora tente lembrar: como você chegou a essas opiniões? Há alguma fonte de informação,

pessoa, ou pessoas, que mais o ajudou, ou o ajudaram a ter sua opinião sobre a origem dos

seres vivos e do homem e da mulher?

R:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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ANEXO III

Quadro 4 DSC Origem dos seres vivos - Estudantes identificados nos dois questionários

Questão 2 Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem aos seres vivos?

Idéia Central(IC)

DSC – Primeiro ano. 2007

DSC - Início do terceiro ano. 2009

1- Sim,

Deus fez a

Terra para

que nós

seres vivos

vivêssemos

nela. Deus

criou tudo.

Por que Deus fez a Terra para que

nós seres vivos, vivêssemos nela.

Fomos criados conhecendo a história

da bíblia, a história de Deus e mesmo

agora conhecendo as teorias

desenvolvidas pela ciência,

continuamos acreditando que Deus

foi o criador, pois ainda existem

pontos que a ciência não explica.

(36%)

Por que desde que nos entendemos por

gente e de acordo com a bíblia, Deus

criou o universo. A terra foi criada e

Deus colocou nela todas as coisas.

Deus foi um ser que criou tudo e tem o

poder de mudar e consertar nosso

destino. Sem Deus não há vida (36%)

2- Deus

possibilitou

o surgimento

dos seres

vivos mas

que eles

surgiram

efetivamente

como a

biologia

explica

A partir de um ser vivo colocado na

terra por Deus, outros seres foram

surgindo, ou seja, deu os principais

meios para a natureza seguir, continuar.

Deus permitiu que todo aquele processo

da “teoria de Oparin” e da seleção

natural acontecesse. (32%)

Não sabemos de onde viemos, mas por

meio da evolução ou do criacionismo,

encontramos maneiras de Deus ter

nos criado. Deus criou tanto o

universo quanto as propriedades para

existir nele, e com essas

propriedades foram evoluindo e os

seres vivos foram aumentando.

Acreditamos que Ele possibilitou o

surgimento dos seres vivos mas que

eles surgiram efetivamente como a

biologia explica ( com o resfriamento

do planeta)(24%)

3- Os seres

vivos foram

criados a partir

do

agrupamento

A teoria científica tem mais

possibilidades. Com base na teoria de

Oparin, os seres vivos

desenvolveram-se, não sendo criados

pela força vital. Os seres vivos foram

De acordo com as teorias científicas,

várias partículas se juntaram há

bilhões de anos atrás, a partir da

existência de água na Terra formando

os seres. A criação dos seres vivos

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de moléculas,

ocorridos há

bilhões de

anos.

criados a partir do agrupamento de

moléculas, ocorridos há bilhões de

anos.

(32%)

ocorreu naturalmente por causa dos

efeitos do big-bang, devido à

modificação dos seres que surgiram

ocasionalmente aqui. Os seres vivos

foram evoluindo a partir de uma

célula que passou por processos

químicos. Os seres vivos passaram

por diversas transformações, não

surgiram “ do nada” e sim a partir de

reações químicas. ( 40%)

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ANEXO IV

Quadro 5: DSC Estudantes identificados nos dois questionários origem do homem e da

mulher?

Pergunta 3 Na sua opinião, Deus foi o criador, isto é, deu origem ao homem e à mulher?

Idéia

Central (IC)

DSC – Primeiro ano.

DSC - Início do terceiro ano.

1- Deus criou

um ser mais

parecido

com Ele e

que tivesse

capacidade

de pensar e

ter

sentimento.

Se ele foi o criador dos seres vivos,

logo foi o criador também do homem

e da mulher. Deus colocou na Terra

um homem e uma mulher, e a partir

deles, outros homens e outras

mulheres foram surgindo. Deus criou

um ser mais parecido com Ele e que

tivesse capacidade de pensar e ter

sentimento. Mesmo conhecendo as

teorias desenvolvidas pela ciência,

acreditamos que Deus foi o criador,

pois ainda existem pontos que a

ciência não explica. (52%)

A terra foi criada e Deus colocou

nela todas as coisas. Após a criação

dos seres vivos Deus criou os

homens em geral. Deus nos fez sua

imagem semelhança. É difícil de

aceitar que várias células foram se

desenvolvendo durante milhões de

anos para que chegasse até ao

homem. (44%)

2- Ele deu

origem a um

ser, que

depois foi se

aprimorando

e tornou o

homem e a

mulher.

Por meio do criacionismo ou da

evolução. Quem sabe se a maneira

de Deus criar o homem não foi

através da evolução? Aconteceu por

um processo evolutivo e este foi

iniciado por Deus. Ele deu origem a

um ser, que depois foi se

aprimorando e tornou o homem e a

mulher. Deus não criou o homem

com barro como se diz, achamos que

ele fez o mundo para que fosse

possível a existência do homem e

da mulher, pois esses surgiram da

Não sabemos de onde viemos, mas

por meio da evolução o do

criacionismo, encontramos maneiras

de Deus ter nos criado. A evolução

pode ter sido o modo de dar origem

ao homem que Ele escolheu Ele criou

bactérias, onde com a junção de outras

foi evoluindo até chegar em um

organismo como o nosso, nós estamos

em plena evolução. Com essa

evolução dos seres vivos, as células,

o macaco deu origem ao homem.

(20%)

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evolução dos macacos. (24%)

3- Os seres

vivos, as

células foram

evoluindo ate

constituírem

o homem e a

mulher.

Não acreditamos na versão que

Deus criou o homem e a mulher de

sua costela. Acho isso fanatismo, fé-

cega. Os seres vivos, as células

foram evoluindo ate constituírem o

homem e a mulher. O homem e a

mulher se originaram através de

espécies que se desenvolveram.

Com base na teoria de Oparin, os

seres vivos desenvolveram-se, não

sendo criados pela força vital.

(24%)

Os seres vivos passaram por diversas

transformações, não surgiram “ do

nada”. O homem e a mulher surgiram

de modificações em seres primitivos

ao longo dos anos. Eles evoluíram de

outras espécies. Evoluímos do

macaco. Acreditamos que foi de

acordo com a teoria de Darwin. (36%)

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ANEXO V

Quadro 6: referências dos estudantes sobre as fontes que os influenciaram na respostas.

Nº dado ao estudante

Referência a escola

Referência a religião

Referência a família

Referência aos amigos

Referência a mídia

Conclusões próprias

01 X 02 X 03 X 04 X X X 05 X X X 06 X X 07 X X 08 X X 09 X X 10 X X 11 X X X 12 X X 13 X X X 14 X X 15 X X 16 X X X 17 X 18 X X X 19 X X 20 X X 21 X X 22 X X 23 X X 24 X X X X X 25 X X X 26 X X 27 X 28 X X 29 X 30 X X X X 31 X X X 32 X 33 X 34 X X X 35 X X X 36 X 37 X X X 38 X X 39 X 40 X X Total 12 18 25 07 11 13 Percentual 14% 21% 29% 8% 13% 15%

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