Ondas sonoras - SisNe

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5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque Aula 20 1 Ondas sonoras Quando o professor fala uma palavra na sala de aula, ele gera uma breve perturbação no ar em torno da sua boca que se propaga para os ouvidos dos alunos na sala e sinaliza que algo foi dito. Mesmo que se coloque um biombo na frente do professor, ainda assim os alunos ouvirão o que foi dito. Isto decorre do fato de que o som é uma onda. O som é uma onda mecânica longitudinal que se propaga em um meio material. Portanto, na ausência de um meio (como no vácuo) não há som. O meio material pode ser de qualquer natureza: gasoso como o ar, líquido como a água ou sólido como uma barra metálica. Por ser uma onda, o som possui todas as propriedades de ondas já vistas nas aulas anteriores: velocidade finita de propagação dependente das características do meio, reflexão e transmissão em interfaces entre dois meios, e todos os fenômenos decorrentes do princípio de superposição, como interferência, batimentos e ondas estacionárias. Nesta aula, vamos considerar o caso mais simples de onda sonora: a onda sonora que se propaga em uma dimensão.

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Ondas sonoras

Quando o professor fala uma palavra na sala de aula, ele gera uma

breve perturbação no ar em torno da sua boca que se propaga para os

ouvidos dos alunos na sala e sinaliza que algo foi dito. Mesmo que

se coloque um biombo na frente do professor, ainda assim os alunos

ouvirão o que foi dito. Isto decorre do fato de que o som é uma

onda.

O som é uma onda mecânica longitudinal que se propaga em um

meio material. Portanto, na ausência de um meio (como no vácuo)

não há som. O meio material pode ser de qualquer natureza: gasoso

como o ar, líquido como a água ou sólido como uma barra metálica.

Por ser uma onda, o som possui todas as propriedades de ondas já

vistas nas aulas anteriores: velocidade finita de propagação

dependente das características do meio, reflexão e transmissão em

interfaces entre dois meios, e todos os fenômenos decorrentes do

princípio de superposição, como interferência, batimentos e ondas

estacionárias.

Nesta aula, vamos considerar o caso mais simples de onda sonora: a

onda sonora que se propaga em uma dimensão.

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As ondas sonoras produzidas no ar quando o professor fala não se

propagam em apenas uma dimensão (e é por isso que todos os

alunos podem ouvi-lo). Elas são, aproximadamente, ondas esféricas

propagando-se em todas as direções a partir da fonte que é a boca do

professor. No entanto, a uma distância muito grande da boca do

professor (em comparação com o comprimento de onda do som

produzido pelo professor) as perturbações do ar (as “frentes de

onda”) atingem o ouvinte como ondas planas que se propagam em

uma única direção. Veja a figura abaixo.

Outro exemplo de onda sonora que se propaga em uma única

direção é a provocada pela membrana esticada de um tambor.

Imagine que o tambor está seguro pelo seu tocador de maneira que a

membrana esteja perpendicular ao eixo horizontal, que chamaremos

de eixo x. Quando o tocador bate na membrana ela vibra para frente

e para trás como na figura abaixo.

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Se nos concentrarmos na região central da membrana, para evitar as

curvaturas das frentes de onda nas bordas, teremos frentes de onda

aproximadamente planas que se propagam na direção x.

Para estudar ondas sonoras, precisamos definir claramente o que se

quer dizer por “perturbação” provocada no meio pelo movimento.

Em outras palavras, precisamos determinar o que é que “ondula”

quando ocorre uma onda sonora.

Tomemos o caso do tambor da figura acima como exemplo. Quando

a membrana se move para frente (para a posição indicada por A no

desenho), ela desloca as moléculas de ar em contato com ela para a

direita na figura. Essas moléculas de ar se aproximam das moléculas

de ar que estão mais à frente, causando aumento na densidade do ar

naquela região. Esse aumento na densidade causa aumento da

pressão nessa região. A maior pressão faz com que as moléculas de

ar dessa região se desloquem mais para a direita. Esse deslocamento

provoca aumento na densidade do ar ainda mais à frente, o que

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provoca aumento na pressão e o processo todo vai se repetindo,

gerando um pulso que se propaga para a direita.

Por outro lado, quando a membrana se desloca para trás (posição

indicada por B na figura) após ter empurrado as moléculas de ar para

frente, a densidade de ar na região logo à frente da membrana

diminui. Consequentemente, a pressão também diminui. A

densidade e a pressão nessa região voltarão a aumentar quando a

membrana tornar a se movimentar para frente, provocando o

deslocamento da zona de baixa densidade e baixa pressão para a

direita. Teremos então duas zonas de alta densidade e pressão

separadas por uma zona de baixa densidade e pressão e essas três

zonas se propagarão para a direita. À esquerda delas uma nova zona

de baixa densidade e pressão irá se formar quando a membrana

retornar uma vez mais para a posição B. Essa nova zona de baixa

densidade e pressão se propagará para a direita, seguindo a zona de

alta densidade e pressão à sua frente, quando a membrana uma vez

mais atingir a posição A.

A repetição do movimento da membrana para frente e para trás

provocará uma sucessão de regiões de ar com densidades e pressões

altas e baixas intercaladas (alta, baixa, alta, baixa, etc) que se

propagarão para a direita. Esta é a onda sonora.

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Os processos físicos envolvidos quando ocorre uma onda sonora são

os seguintes:

1. O fluido se movimenta e isso aumenta a densidade;

2. A mudança de densidade provoca aumento da pressão;

3. As diferenças de pressão produzem deslocamento do fluido.

Vamos considerar esses três processos para construir uma teoria

quantitativa para o som. Vamos considerar cada um separadamente e

depois combinar as equações obtidas em uma só.

Começaremos pelo segundo processo, que relaciona mudanças de

densidade com alterações na pressão.

Em um dado meio qualquer (gasoso, líquido ou sólido), a pressão

depende da densidade de acordo com certa função f da densidade:

( )ρfP = . (1)

Antes que a onda sonora chegue a uma dada região do meio, esta

região está em equilíbrio e os valores de pressão e densidade de

equilíbrio serão denotados por P0 e ρ0.

No caso do meio em equilíbrio temos então:

( )00 ρfP = . (2)

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Estudos experimentais nos revelam que as variações de pressão que

ocorrem no meio quando por ele passa uma onda sonora são

extremamente pequenas. Da mesma maneira, as variações na

densidade e os deslocamentos das partículas em relação ao

equilíbrio são também muito pequenos.

Por causa disso, vamos sempre escrever:

δρρρδ +=+= 00 e PPP , (3)

onde δP e δρ são grandezas muito pequenas em comparação com P0

e ρ0 respectivamente.

Substituindo (3) em (1) temos

( )δρρδ +=+ 00 fPP ,

e usando o fato de que δρ é muito pequeno podemos expandir a

função do lado direito acima em série de Taylor em torno de ρ0 até

primeira ordem em δρ:

( ) ( )0

000

0

+=+=+

δρρρ

δρρδρρ

d

dPf

d

dffPP

. (4)

Note que o índice 0 no lado direito da expressão acima indica que a

derivada dP/dρ é calculada no equilíbrio.

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Comparando a equação (4) com a equação (2), vemos que:

0

=

ρδρδ

d

dPP

. (5)

A variação da pressão é proporcional à variação da densidade e a

constante de proporcionalidade é (dP/dρ)0.

Vamos passar agora para o primeiro processo e buscar uma relação

entre deslocamento e mudança de densidade.

Vamos considerar que a posição de uma camada de fluido não

perturbada pela onda seja x e que o seu deslocamento1 no instante t

devido à onda seja u(x, t). Portanto, a nova posição dessa camada de

fluido no instante t é x + u(x, t), como mostrado na figura abaixo.

Vamos também considerar que a posição não perturbada de uma

camada vizinha de fluido seja dada por x + ∆x e que a sua nova

posição no instante t seja (x + ∆x) + u(x + ∆x, t) 1 O deslocamento dá o desvio entre a posição instantânea da camada de fluido e a sua posição de equilíbrio.

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Para facilitar os cálculos dos volumes deslocados, vamos supor que

o fluido que se movimenta está contido em um tubo cilíndrico

imaginário cuja área da seção reta é A e cujo eixo que passa por seu

centro é o eixo x (veja a figura abaixo).

O volume inicial de fluido, antes de ser perturbado é o volume

antigo da figura acima, dado por

( )[ ] xAxxxAVa ∆=−∆+= . (6)

Como a densidade do fluido em equilíbrio é ρ0, a quantidade de

fluido dentro do volume Va é

xAVM a ∆== 00 ρρ . (7)

Essa quantidade de fluido, após ser deslocada pela passagem da

onda, passa a ocupar o novo volume dado por

( )[ ] [ ]{ }),(),( txuxtxxuxxAVn +−∆++∆+= .

Desenvolvendo esta expressão:

[ ]{ }⇒−∆++∆= ),(),( txutxxuxAVn

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−∆++∆=⇒

x

txutxxuxAVn

),(),(1

.

Como ∆x é pequeno, podemos escrever

( )),),(),(

txx

u

x

txutxxu

∂≈

−∆+,

o que implica que

∂+∆= ),(1 tx

x

uxAVn (8)

A quantidade de fluido dentro do novo volume é a mesma que

estava contida no volume inicial (pois matéria não foi perdida ou

adicionada durante o deslocamento). Chamando de ρ a densidade do

volume de fluido deslocado, temos então:

∂+∆== ),(1 tx

x

uxAVM n ρρ . (9)

Igualando (7) a (9):

∂+∆=∆ ),(10 tx

x

uxAxA ρρ ,

ou

∂+= ),(10 tx

x

uρρ . (10)

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Substituindo ρ por ρ0 + δρ obtemos

( )

∂++= ),(100 tx

x

uδρρρ ,

que, ao ser desenvolvida, dá

),(),(0 txx

utx

x

u

∂−

∂−= δρρδρ . (11)

Note que na equação acima o termo δρ(∂u/∂x) é de segunda ordem

em termos de perturbações.

Estamos supondo que todas as variações (na densidade ρ, na pressão

P e no deslocamento u) são pequenas e, por isso, vamos seguir em

nossas manipulações matemáticas o critério de desprezar todos os

termos de ordem igual ao superior a 2 nessas variações.

Para deixar claro, os termos de segunda ordem nessas três

perturbações são: δPδP; δρδρ; uu; δPδρ; δPu; e δρu. A lógica que

estamos seguindo nas deduções feitas aqui é a de desprezar todos

esses termos e os de ordem superior que aparecerem.

Por causa disso, podemos desprezar o segundo termo do lado direito

da equação (11) em relação ao primeiro e escrever

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11

),(0 txx

u

∂−= ρδρ . (12)

Esta é a relação entre deslocamento e variação na densidade que

procurávamos.

Note que a equação (12) satisfaz a nossa compreensão intuitiva de

como a densidade deve variar com o deslocamento: se o

deslocamento for positivo (∂u/∂x > 0) isso significa que partículas

do fluido estão saindo da região onde se mede a densidade ρ.

Portanto, a densidade nessa região deve diminuir quando ∂u/∂x > 0 e

é este o significado do sinal de menos na equação acima.

Falta agora determinar uma expressão quantitativa para o terceiro

processo, que relaciona variações de pressão com deslocamento.

As partículas do fluido se movem porque forças atuam sobre elas.

Essas forças são devidas à variação de pressão entre diferentes

pontos do fluido. Isto sugere que podemos obter a expressão

desejada a partir da aplicação da segunda lei de Newton à

quantidade de fluido que se desloca, ou seja, a partir da

determinação da equação de movimento para essa quantidade de

fluido.

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Vamos continuar considerando a situação do desenho anterior em

que o fluido se movimenta no interior de um tubo imaginário de

seção reta A. A massa de fluido que se desloca (equação 7) é

xAM ∆= 0ρ .

Como essa massa está se deslocando no tempo e o deslocamento é

indicado pela variável u, a aceleração da massa M é

2

2

t

u

∂.

Precisamos agora encontrar a força atuando sobre a massa M que

produz essa aceleração. No instante t, o volume cilíndrico de massa

M do fluido está submetido a uma pressão P(x, t) atuando sobre sua

face da esquerda (posição x) e a uma pressão P(x + ∆x, t) atuando

sobre sua face da direita (posição x + ∆x). Veja a figura abaixo (note

que as forças atuando sobre as duas faces têm sentidos contrários).

As forças atuando sobre as faces da esquerda e da direita do cilindro

são, respectivamente

AtxxPFAtxPF de ),( e ),( ∆+−== ,

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de maneira que a força total atuando sobre o volume cilíndrico é

[ ]),(),( txxPtxPAFFF de ∆+−=+= . (13)

A derivada de P em relação a x é dada por

x

txPtxxP

x

P

−∆+≈

∂ ),(),(,

de maneira que a equação (13) pode ser escrita como

x

PxAF

∂∆−= . (14)

Como estamos escrevendo a pressão alterada pela presença da onda

sonora como P = P0 + δP, temos

x

P

x

P

x

P

x

P

∂=

∂+

∂=

∂ )()(0 δδ, (15)

pois P0 é constante. Logo,

x

PxAF

∂∆−=

)(δ. (16)

A segunda lei de Newton aplicada à massa M de fluido em

deslocamento é então

2

2

0

)(

t

uxA

x

PxA

∂∆=

∂∆− ρ

δ,

ou

x

P

t

u

∂−=

∂ )(2

2

0

δρ . (17)

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Esta é a terceira relação que estávamos procurando, entre

deslocamento e variação de pressão.

Vamos agora combinar as três equações obtidas (5, 12 e 17) para

obter uma única equação. Note que podemos combinar essas três

equações de maneiras diferentes para que a única equação resultante

seja para a variação da pressão δP, ou para a variação da densidade

δρ, ou para o deslocamento u.

Vamos começar obtendo a equação para o deslocamento u.

Substituindo (5) em (17) eliminamos δP:

x

PP

xt

u

∂−=

∂−=

∂ )(

002

2

0

δρ

ρρδρρ

.

Substituindo agora (12) nesta expressão eliminamos δρ:

2

2

0

00

02

2

0x

uP

x

u

x

P

t

u

∂=

∂−

∂−=

ρρρ

ρρ

,

ou

2

2

02

2

x

uP

t

u

∂=

ρ . (18)

Esta equação é formalmente idêntica à equação de onda

unidimensional deduzida na aula 16 para a corda vibrante.

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A equação (18) é a equação de onda para ondas sonoras se

propagando em uma dimensão em um meio material qualquer.

Podemos reescrevê-la como

2

2

22

2 1

t

u

vx

u

∂=

∂, (19)

com

0

∂=

ρ

Pv

. (20)

A equação (20) nos dá a velocidade de propagação do som no

fluido.

Podemos obter equações de onda similares para as variações de

densidade e de pressão do fluido. Tomando a derivada em relação a

x de ambos os lados de (17):

2

2

2

2

02

2

2

2

0

)()(

x

P

x

u

tx

P

t

u

x ∂

∂−=

∂⇒

∂−=

∂ δρ

δρ .

Substituindo (12) nesta equação:

( )2

2

2

2

2

2

02

2

0

)()(

x

P

tx

P

t ∂

∂=

∂⇒

∂−=

∂ δδρδ

ρ

δρρ

. (21)

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16

Podemos combinar a equação (21) com a equação (5) para obter

equações só para δρ ou só para δP. Essas equações são as equações

de onda para essas duas variáveis:

( ) ( )2

2

22

2

0

2

2 11)(

tvtPx

P

∂=

∂∂

=∂

∂ δρδρ

ρ

δ

(22)

e

( )2

22

2

2

02

2 )()(

xv

x

P

t ∂

∂=

∂=

∂ δρδρ

ρ

δρ. (23)

As equações (19), (22) e (23) nos dizem que as propagações das

perturbações de pressão (δP), de densidade (δρ) e de deslocamento

das partículas de fluido se propagam ao longo do fluido como ondas

com a mesma velocidade v.

Temos, portanto, três maneiras diferentes de visualizar uma onda

sonora: em termos da propagação da perturbação da pressão; em

termos da propagação da perturbação da densidade; ou em termos da

propagação do deslocamento das partículas do meio em relação ao

equilíbrio.

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A velocidade do som

A equação (20) nos diz que a velocidade de propagação do som em

um meio depende da taxa de variação da pressão com a densidade

no equilíbrio:

0

2

∂=

ρ

Pv

. (24)

Em geral, essa taxa de variação depende de como a temperatura do

meio varia com as compressões e rarefações do meio. Por exemplo,

intuitivamente podemos dizer que numa região em que o meio se

adensa a sua temperatura deve aumentar; e numa região onde o meio

sofre rarefação a sua temperatura deve diminuir.

Newton foi o primeiro a calcular a velocidade do som num fluido

usando a expressão (24)2. Em seu cálculo, ele supôs que a

temperatura do fluido não varia quando som se propaga por ele. O

argumento de Newton era o de que as transferências de calor entre

os vários pontos do fluido são tão rápidas que não chegam a

produzir variações na temperatura.

2 Newton ainda não conhecia a equação de onda, pois ela só foi obtida por d’Alembert em 1747 (como visto na aula 13) após sua morte. O que Newton fez nos Principia foi construir um modelo para ondas sonoras em um fluido baseado em uma analogia com um sistema de molas acopladas oscilantes. Com esse modelo ele chegou à expressão (24) para a velocidade da onda no fluido.

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Usando uma terminologia moderna, diríamos que Newton calculou a

velocidade do som considerando que a propagação do som é um

processo isotérmico.

Considerando que o fluido é um gás ideal que obedece à equação

nRTPV = , (25)

temos que num processo isotérmico (T é constante),

κρ== RTV

nP , (26)

onde κ é uma constante e ρ é a densidade. Portanto, em um processo

isotérmico

κρ

=∂

∂P. (27)

Como a equação (24) pede esta derivada no equilíbrio, podemos

escrever

0

00

0

2

ρκ

ρ

PPv ==

∂=

. (28)

Aplicando a equação acima ao ar nas condições normais de

temperatura e pressão (P0 = 1 atm ≈ 1,013 × 105 N/m2, T = 0oC =

273 K, ρ0 ≈ 1,293 kg/m3) obtém-se

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m/s 280293,1

10013,1 5

=v. (29)

O valor da velocidade do som no ar é

m/s 332=v , (30)

de maneira que o cálculo de Newton está errado. Mesmo na época

de Newton as medidas experimentais já eram suficientemente

acuradas para que ele soubesse que estava errado. O motivo do erro

de Newton se deve à sua suposição de que a temperatura do fluido

permanece constante quando som se propaga por ele.

O cálculo correto foi feito pelo matemático e físico francês Pierre

Simon Laplace (1749-1827) em 1816, quase um século após a morte

de Newton. A hipótese de Laplace era exatamente a oposta da de

Newton, ou seja, a de que não há trocas de calor entre os diversos

pontos do fluido quando uma onda sonora se propaga por ele. A

idéia é a de que as compressões e rarefações do meio são tão rápidas

que não dão tempo para que calor flua de uma região de compressão

para outra de rarefação e equalize a temperatura do fluido. Na

terminologia moderna diríamos que Laplace supôs que quando uma

onda se propaga por um fluido o processo é adiabático.

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Para um processo adiabático no gás ideal, como veremos na parte de

termodinâmica deste curso, a relação entre pressão e densidade é

γρconst.=P , (31)

onde γ é uma constante (veremos o significado de γ nas aulas sobre

termodinâmica) cujo valor para o ar é 1,4. Derivando P em relação a

ρ:

ρ

γγρ

ργ PP

==∂

∂ −1const. . (32)

No equilíbrio,

0

0

0

2

ργ

ρ

PPv =

∂=

. (33)

Substituindo nesta expressão os mesmos valores para o ar em

condições normais de temperatura e pressão usados anteriormente

obtemos v = 332 m/s, que está em excelente concordância com o

resultado experimental.

Podemos reescrever a equação (33) de uma maneira mais

conveniente. Considerando que o gás ideal tem massa M e é

composto por moléculas cuja massa molar é m podemos escrever3

n

MmnmM =⇒= .

3 A variável n indica o número de moles.

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Multiplicando o lado direito de (33) em cima e em baixo por V e

usando a expressão acima:

m

RT

M

nRT

V

PVv γγ

ργ ===2

.

Temos então que

m

RTv γ= . (34)

A velocidade do som em um gás não depende da sua pressão ou da

sua densidade, mas apenas da sua temperatura absoluta e da massa

molar do gás.

Por exemplo, a massa molar média do ar é 28,8 × 10-3 kg/mol e a

constante dos gases é R = 8,314 J/mol, o que dá a seguinte

velocidade do som no ar a 20oC (293 K):

m/s 344kg/mol 108,28

K) 293(J/mol.K) 314,8(4,1

3=

×=

−v

. (35)

Os exemplos dados acima são válidos para um gás ideal. A maioria

dos fluidos, no entanto, está longe de se comportar como um gás

ideal. Nesses casos, para usar a equação (24) para calcular a

velocidade do som no fluido deve-se encontrar outra maneira de

expressar a pressão em termos da densidade.

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Para um fluido qualquer cujo volume V sofre uma alteração ∆V sob

ação de uma alteração na pressão ∆P, define-se o módulo de

elasticidade volumétrico B como

VV

PB

∆−≡

. (36)

Como a densidade do fluido é

1−== MVV

Mρ , (37)

podemos escrever

⇒∆−=∆−=∆ −−VVVMV

12 ρρ

ρ

ρ∆−=

∆⇒

V

V. (38)

Substituindo esta expressão na definição de B:

ρρ

∆=

PB . (39)

Podemos então escrever a derivada de P em relação a ρ como

ρρ

BP=

∂. (40)

A velocidade do som em um fluido pode então ser expressa como

00ρρ

BPv =

∂=

. (41)

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Por exemplo, para a água à temperatura ambiente, o módulo de

elasticidade volumétrico é B = 2,2 × 109 N/m2 e a densidade é ρ0 =

1,0 × 103 kg/m3, de maneira que

m/s 1483100,1

102,23

9

×=v

. (42)

Este valor está de acordo com o valor experimental.

No caso de sólidos, os valores do módulo de elasticidade

volumétrico B e da densidade ρ são, em geral, maiores do que em

fluidos. Para os sólidos também é necessário considerar o chamado

módulo de elasticidade de cisalhamento, o que torna a dedução de

uma expressão para a velocidade do som em sólidos um pouco mais

complicada do que a feita acima para fluidos. Ela não será feita aqui.

De maneira geral, a velocidade do som em sólidos é maior que em

fluidos. Por exemplo, para o aço ela vale 5941 m/s.

Fica como exercício procurar em livros de física e na internet

valores da velocidade do som em diferentes gases, líquidos e sólidos

a diferentes temperaturas.