OliveiraE.Politicas de ensino de linguas estrangeiras em escolas publicas do Estado de São...
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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Estudos da Linguagem
Departamento de Lingustica Aplicada
Polticas de Ensino de Lnguas Estrangeiras em Escolas Pblicas do Estado de So Paulo
Dissertao apresentada ao curso de Lingstica Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Lingstica Aplicada. Orientadora: Prof. Dr. Carmen Zink Bolognini
nio de Oliveira 2003
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL - UNICAMP
OL4p
Oliveira, nio de Polticas de ensino de lnguas estrangeiras em escolas pblicas do
estado de So Paulo / nio de Oliveira. - - Campinas, SP: [s.n.], 2003. Orientador: Carmen Zink Bolognini Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Lngua inglesa Estudo e ensino. 2. Poltica e educao. 3.
Escolas pblicas. I. Bolognini, Carmen Zink. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Ttulo.
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__________________________________________________ Prof. Dr. Carmen Zink Bolognini UNICAMP -Orientadora
Prof. Dr. Eduardo Junqueira Guimares - UNICAMP
Prof. Dr. John Robert Schmitz - UNICAMP
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Tenho vinte e cinco anos de sonho e de sangue e de Amrica do Sul
E por fora deste destino um tango argentino Me pega bem melhor que um blues.
Belchior
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Dedico esta dissertao a todos os professores de lnguas estrangeiras que fazem seus alunos sentirem e desejarem o estranho das lnguas.
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Agradecimentos
Agradeo, primeiramente aos meus pais, Almy Barbosa de Oliveira e Luzia da
Conceio de Oliveira que, durante todo o tempo de minha meninice, me alertaram para a
necessidade do estudo e que hoje compreendem minha ausncia.
Agradeo aos professores do IEL-Unicamp, que em suas indicaes de leituras e
discusses me ajudaram a construir bases slidas para uma carreira profissional e acadmica.
Agradeo aos professores doutores Marisa Philbert Lajolo e Eduardo Junqueira
Guimares pelas suas leituras e contribuies durante o processo de qualificao e defesa.
Agradeo aos professores amigos Alceu, pelas conversas informais na biblioteca da
Escola Vitor Meireles, Antonio Donizete Leal, pelas leituras de meus trabalhos e severas
crticas sobre minhas asseres, s vezes, imaturas, Joo Benedito Rubini pela ajuda na
redao do resumo em francs, Girlene do Nascimento, pelas conversas sobre vrios assuntos
para mim importantes e Cludia Cristina Silveira, pela amizade carinhosa.
Agradeo a Ilka de Oliveira Mota pela reviso, pelo companheirismo e carinho
inteligentes.
E, finalmente, agradeo a querida Prof. Dr. Carmen Zink Bolognini, pela sbia e
construtiva orientao e que, pelo seu jeito carinhoso e sereno, no deixou, em momento
algum, que eu sentisse desespero frente misso de realizar este trabalho.
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Sumrio
Agradecimentos.....................................................................................09
Sumrio..................................................................................................11
Resumo...................................................................................................13
Introduo...............................................................................................15
Captulo I - ............................................................................19
1.1 Relatos Iniciais...............................................................................21
1.2 Histrico do Ensino de Lnguas Estrangeiras no Brasil ................29
1.3 - Uma Definio de Poltica ............................................................39
1.4 Sobre as Polticas de Ensino de Lnguas Estrangeiras...................43
1.5 Criao dos Centros de Estudos de Lnguas .................................49
1.6 O Desejo de uma Lngua Neutra, Natural e Benfica....................55
Captulo II .........................................................................61
2.1 Concepes de Sujeito...................................................................65
2.1.1 Do Sujeito Ideolgico ................................................................67
2.1.2 Do Sujeito Discursivo.................................................................73
2.1.3 Do Sujeito para a Anlise de Discurso.......................................77
Captulo III ........................................................................81
3.1 Formaes Imaginrias .................................................................83
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3.2 Proposta (in)decente.......................................................................85
3.3 Memorando de Entendimento sobre Educao Oficializao de
um Discurso e Legalizao de uma Prtica.............................................97
Captulo IV- ...........................................................................115
4.1 Professores de Ingls de Escolas Pblicas em Curso .....................117
Consideraes Finais ..............................................................................133
Abstract ....................................................................................................139
Resum......................................................................................................141
Referncias Bibliogrficas ......................................................143
Anexos ...................................................................................................... 147
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RESUMO
Este trabalho reflete sobre os direcionamentos polticos do ensino de ingls como
lngua estrangeira em escolas pblicas estaduais de ensinos fundamental e mdio de So
Paulo.
Como fundamentao terica para a construo deste trabalho nos apoiamos nos
estudos desenvolvidos pela Anlise de Discurso de linha francesa e brasileira, uma vez que
partimos do pressuposto de que no h como analisar as questes polticas do ensino de
lnguas estrangeiras sem considerar postulados tericos que tragam baila as noes de
discurso, sujeito, ideologia e histria.
A parte emprica deste trabalho constituda por quatro diferentes corpora, sendo
eles: as experincias do prprio autor, que leciona ingls em uma escola pblica de ensino
mdio em Campinas; um documento de proposta de uma escola de ingls de iniciativa
privada (instituto de idiomas) enviada a uma escola pblica; o relato de professores de ingls
que participaram de um curso de extenso - oferecido na Unicamp -, lecionado pelo autor
deste trabalho e, por ltimo, um documento encontrado no site do MEC, intitulado
Memorando de Entendimento Sobre Educao Entre o Governo da Repblica Federativa
do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da Amrica.
Por apresentar uma anlise de quatro corpora de pesquisa, podemos afirmar que este
trabalho reflete consubstancialmente sobre um mesmo direcionamento poltico que permeia
diferentes lugares discursivos, a partir dos quais, o ensino de lnguas estrangeiras nas escolas
pblicas de So Paulo dito.
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INTRODUO
Lutar com as palavras a luta mais v. Entanto lutamos
Mal rompe a manh So muitas, eu pouco.
(...) Palavras, palavras (digo exasperado)
se me desafias aceito o combate.
Carlos Drummond de Andrade
Recentemente tem sido grande o nmero de trabalhos acadmicos na rea de
Lingstica e Lingstica Aplicada que discutem a questo do ensino de ingls como lngua
estrangeira(doravante LE), tendo em vista que o ensino de uma LE pode alcanar vrios
objetivos, tais como: 1o objetivo instrumental, em que se visa ensinar o sujeito a ler, escrever,
compreender e falar uma LE; o objetivo educativo, em que se visa contribuir para a formao
do desenvolvimento de uso de observao e reflexo; e finalmente, objetivo cultural, em que
se visa ministrar ao educando o conhecimento da civilizao estrangeira e a capacidade de
compreender tradies e ideais de outros povos.
No entanto, o ensino de uma LE no traz consigo apenas questes referentes ao
aprendizado lingstico-cultural, metodologia de ensino e aos objetivos didtico-
pedaggicos. Antes de o professor de ingls realizar seu trabalho em sala de aula, vrios
fatores externos sala de aula j configuraram um espao de onde ele vai enunciar e
estabeleceram algumas regras segundo as quais ele vai desenvoler as atividades em sala de
aula. So fatores determinantes das polticas do ensino de lnguas estrangeiras.
1 Portaria Ministerial n. 114, de 29 de janeiro de 1943
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Ao estendermos nossas reflexes para o campo da poltica de ensino de lnguas
estrangeiras, podemos perceber que a escolha da LE, a ser ensinada nas escolas de um
determinado pas, no acontece sem conflitos, sem disputa de poder entre os pases
envolvidos no processo de aceitao/imposio da LE. Decidir pelo ensino de uma ou de
outra LE resultante de um processo intenso de imposio poltica, ideolgica e cultural de
uns pases sobre outros.
Dentro dos limites deste trabalho, objetivamos elaborar um estudo que disserte sobre
fatores configurantes das polticas de ensino de lnguas estrangeiras em uma escola pblica
do estado de So Paulo que determinam o processo de constituio do discurso do professor
de ingls, e que, entretanto, tendem a ser desconsiderados quando se reflete sobre a sala de
aula de LE. Em detrimento dos fatores polticos do ensino de lnguas, temos visto que so
eleitos argumentos como beleza esttica da LE, a clareza ou preciso da LE, o fato de a LE
ter um nmero maior de falantes, etc. para se justificar trabalhos do professor de LE.
No primeiro captulo, traaremos um histrico do ensino de lnguas estrangeiras no
Brasil, a fim de analisarmos de que forma as decises tomadas h algumas dcadas
constituem a, e interferem na, poltica de ensino de LE no Brasil dos dias atuais. Ainda neste
captulo, traremos os postulados tericos que tratam da concepo de poltica da qual
compartilhamos.
No segundo captulo, esquadrinharemos as noes de constituio do sujeito.
Traremos os pensamentos de Althusser, Foucault, Pcheux e Orlandi sobre a constituio do
sujeito moderno.
No terceiro captulo, analisaremos o processo de construo e veiculao das
formaes imaginrias em torno do ensino de ingls em escolas pblicas. Para tanto,
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analisaremos um documento escrito em que uma instituio de iniciativa privada, que
trabalha com o ensino de ingls, prope uma parceria a uma escola pblica e o documento
intitulado Memorando de Entendimento sobre Educao entre a Repblica Federativa do
Brasil e os Estados Unidos da Amrica.
No quarto captulo, analisaremos a experincia de professores de ingls que lecionam
na rede pblica estadual e municipal em Campinas, de modo a analisar, sob a teorizao de
um discurso fundador, a concepo cristalizada que se tem sobre o ensino de ingls de escola
pblica.
No ltimo captulo, desenvolveremos as consideraes finais deste trabalho.
Concluiremos sobre os direcionamentos polticos do processo de ensino de LE realizado nas
escolas pblicas de SP.
Quando optamos por elaborar um estudo que se circunscreve reflexo das polticas
que regem o ensino de lnguas estrangeiras, nos guiamos por um caminho que ,
parafraseando Foucault (1971), por excelncia, uma regio nebulosa, muitas vezes guiadas
por luzes foscas. Pensar a poltica do ensino de lnguas estrangeiras posicionar-se de modo
a descortinar mecanismos que engendram os desejos de domnio e poder que umas naes
exercem sobre outras.
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CAPTULO I
A cada manh, para ganhar meu po Vou ao mercado onde mentiras so compradas.
Esperanoso Tomo lugar entre os vendedores.
Bertolt Brecht
Este captulo ser iniciado com uma escrita reveladora de nossas experincias na
prtica pedaggica do ensino de ingls, uma vez que, foi partindo dessas experincias que
elaboramos as questes sobre as quais teorizaremos.
Traaremos um histrico do ensino de lnguas estrangeiras no Brasil e analisaremos
as medidas que compem a poltica do ensino de LE nas escolas pblicas estaduais de So
Paulo. Trataremos de questes como a exclusividade do ensino de ingls como LE nas
escolas pblicas e a criao dos Centros de Estudos de Lnguas.
No que tange fundamentao conceitual para anlise das polticas do ensino de
lnguas estrangeiras, nos apoiaremos nos estudos realizados por Guimares (2001), autor que
desenvolve a noo de espaos enunciativos, e em Lajolo, que, em uma Indicao CEE
Conselho Estadual de Educao n. 06/96, escreve sobre a importncia do ensino de
lnguas estrangeiras nos dias atuais.
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1.1 Relatos Iniciais
E eu que sou o rei de toda essa incoerncia. (...) Eu morro de desdm em frente dum tesouro.
(...) Morro mingua, de excesso. (...) No me pude vencer, mas posso-me esmagar
- Vencer s vezes o mesmo que tombar (...) Tombei...
E fico s esmagado sobre mim.
Mrio de S Carneiro
Este trabalho vem materializar uma dis-seriada rede de questes e conflitos vivida por
mim a partir do momento em que comecei a lecionar ingls. Minha iniciao na prtica do
ensino de ingls se deu em decorrncia do fato de que, na primeira vez em que participei da
atribuio de aulas na rede pblica estadual de ensino de So Paulo, no houve possibilidade
para que eu assumisse aulas de portugus. A minha segunda e estrangeira lngua tornou-se a
responsvel pela minha insero no mercado de trabalho.
At o momento em que me deparei com os alunos de escola pblica pela primeira vez
em uma aula de LE, ainda no havia refletido sobre os efeitos polticos que o ensino de ingls
engendrava, pois durante todo o momento em que freqentei cursos de ingls, nunca havia
refletido sobre tais efeitos, ou se, em esparsos momentos o fizera, devo ter sido direcionado a
pensar de forma a considerar tais efeitos como no importantes para o rendimento do meu
aprendizado lingstico.
Ainda cursava graduao em Letras quando comecei a lecionar ingls em escolas
pblicas. No entanto j vinha freqentando um curso de ingls de iniciativa privada, pois me
era dito de vrias formas que o conhecimento de ingls adquirido nos ensinos fundamental e
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mdio na escola pblica no era bom o suficiente para que eu pudesse ter uma boa colocao
no mercado de trabalho, ou mesmo para prosseguir com meus estudos.
Agora, ensinava lngua inglesa em uma escola pblica. Como e por que ensinar ingls
na escola pela qual eu passei e que eu julgava nar ter sido capaz de me ensinar a lngua
inglesa?
Todos os professores que, juntamente a mim, lecionavam ingls haviam passado pela
mesma trajetria. Estudaram em escolas pblicas e fizeram cursos de idiomas em instituies
de iniciativa privada.
A necessidade de estudar ingls em um curso de idiomas de iniciativa privada um
axioma entre os professores que lecionam ingls nas escolas pblicas. Esse axioma foi
constitudo na histria e na lngua e funciona na constituio do que ser professor de ingls
de escola pblica . Por muito tempo se afirm(a)ou que o professor de ingls de escola pblica
no ensina seus alunos a falar ingls. Esta afirmao encontra-se institucionalizada por
documentos que regem o ensino de ingls. Tais como os PCNs/LE do Ensino Mdio (p.149),
que relatam:
O que tem ocorrido ao longo do tempo que a responsabilidade sobre o papel formador das aulas de LE tem sido, tacitamente, retirada da escola regular e atribuda aos institutos especializados no ensino de lnguas. Assim, quando algum quer ou tem a necessidade de aprender uma LE, inscreve-se em cursos extracurriculares, pois no se espera que a escola pblica cumpra essa funo
Percebemos esse axioma como um discurso fundador, pois, segundo Orlandi (1993),
o discurso fundador aquele que cria uma nova tradio, ele re-significa o que veio antes e
institui a uma memria outra. No entanto, no no interessa perguntar quando se iniciou a
formulao do discurso fundador de que o professor de ingls de escola pblica no sabe
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falar/ensinar ingls. Interessa-nos analisar o funcionamento deste discurso. Quais so as
condies de produo deste discurso? Que lugar de dizer este em que se diz o professor de
ingls de escola pblica como aquele que no sabe ingls?
Lidar com o funcionamento deste discurso fundador pode provocar impactos na
medida em que materializa lingisticamente o que, em silncio, vem significando o professor
de ingls de escolas pblicas de educao bsica, e gerar debates intelectuais de estudiosos
da rea de lingstica, lingstica aplicada e educao.
Os conflitos em sala de aula foram surgindo, as indagaes, junto aos demais
professores, foram sendo elaboradas e muitas vezes mal respondidas. O discurso depreciativo
sobre a escola pblica surtiu efeitos de sentidos em mim, de forma a me constituir quase por
completo.
Diante da afirmao de que na escola pblica no se ensina ingls, percebi que estava
planejando minhas aulas baseando-me no pressuposto de que meus alunos jamais
aprenderiam ingls em minhas aulas. Embora sempre estivesse alerta para a questo do
desenvolvimento da oralidade em LE, ainda no havia proporcionado momentos em que
meus alunos pudessem realmente se significar em LE.
Alis, as atividades que costumava planejar se pautavam em memorizao de
dilogos estruturados pelos tpicos gramaticais estudados em aulas anteriores.
Os alunos elaboravam um dilogo em aula, eu lhes dava tempo para corrigir os erros
de vocabulrios e para decorarem, cada um, uma fala. Aps esse processo eu lhes avaliava a
pronncia e atribua notas baseadas nas estruturas gramaticais utilizadas por eles na
composio dos dilogos.
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No pensava em questes como a posio dos alunos enquanto sujeitos do discurso/de
linguagem que emergiam nos dilogos elaborados por eles, uma vez que sempre considerava
o produto lingstico final como o nico a ser avaliado.
A percepo, aps incio de leituras concernentes a concepes fundadoras do
discurso de ensino de LE, de que o ensino de ingls encontra-se no bojo das estratgias
polticas que direcionam para a determinao de sentidos, poderia causar em mim dois
efeitos de carter totalmente maniquestas: por um lado, eu poderia posicionar-me totalmente
contra o valor social do ensino de ingls na escola pblica, e por outro, poderia me dedicar a
refletir sobre as instncias que geram e legitimam o fracasso do ensino de ingls em escolas
pblicas. Essa segunda opo rdua, no entanto, fascinante e responsvel pelo meu re-
posicionamento sobre o valor do ensino de ingls em escolas pblicas.
Os professores de ingls de escolas pblicas somos significados por uma
discurisividade regida por formaes imaginrias que encontram, nas mais diferentes esferas
da sociedade brasileira, espao para fazerem sentidos. De forma que, pais, alunos, diretores,
professores de outras disciplinas, e inclusive muitos professores de ingls, so constitudos
pelos efeitos de sentido de que os professores de ingls de escola pblica no so eficientes
no que fazem. Quando estes se dizem professores de ingls logo so perguntados se
lecionam em escolas pblicas ou em cursos de idiomas. Lecionar em cursos particulares de
idiomas faz com que o professor de ingls tenha um certo prestgio na sociedade. Por outro
lado, lecionar ingls em escolas pblicas quase sinnimo de no saber ingls.
Da mesma forma, pergunta-se aos alunos se eles falam a lngua inglesa. Segundo
Moita Lopes, (1996) no se pergunta a um aluno que se forma no ensino mdio se ele sabe
histria ou geografia com o intuito de afirmar que a escola no o ensina, mas esta pergunta
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feita sobre o ingls. Embora o objetivo de nosso trabalho esteja delimitado a dissertar sobre
as instncias das polticas de ensino de lnguas estrangeiras em escolas pblicas, vale
ressaltarmos que h um direcionamento discursivo profundamente envolvido em significar a
escola pblica como o espao em que no se desenvolve um bom trabalho pedaggico.
Assim sendo, proporamos uma elaborao um pouco diferenciada de Moita Lopes.
Sugerimos a seguinte afirmao: No se pergunta a um aluno que se forma no ensino mdio
de escola pblica se ele sabe histria ou geografia com o intuito de afirmar que a escola no
ensina essas disciplinas, pois dado como pressuposto que a escola realmente no lhe ensina
nada. Nem Histria, nem Geografia, nem qualquer outra disciplina. Portanto, nem se perde o
tempo em se fazer pergunta to bvia. Porm, pergunta-se ao aluno que se forma no ensino
mdio se ele sabe falar ingls, pois se espera que ele j tenha iniciado a freqentar as aulas de
algum curso de idiomas de iniciativa privada.
O que as instituies de iniciativa privadas que trabalham com o ensino de ingls
fazem realar o fracasso do ensino de ingls realizado nas escolas pblicas e erigir uma
imagem dos cursos de ingls com qualidade, de forma a fazer com que os alunos de escolas
pblicas sintam a necessidade de freqentar os cursos de ingls oferecidos por elas.
Para tal, os cursos de idiomas fazem veicular uma imagem de professor de ingls de
escola pblica incapacitado a lecionar o idioma. (cf. anlise do captulo III). Esta viso
denegridora do professor de ingls de escola pblica corroborada pelas condies de
trabalho impostas a ele e pela formulao e circulao do discurso pedaggico pblico. As
condies de trabalho do professor fazem parte das condies de produo de sentido sobre a
escola pblica.
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Segundo Orlandi (2000; 39), as condies de produo funcionam de acordo com
certos fatores. Um deles a relao de sentidos. Segundo esta noo, no h discurso que no
se relacione com outros. Os sentidos resultam de relaes: um discurso aponta para outros
que o sustentam, assim como para dizeres futuros. Todo discurso visto como um estado de
um processo discursivo mais amplo, contnuo.
Portanto, os discursos que constituem os professores de escolas pblicas se
relacionam com outros discursos, inclusive aqueles veiculados pela iniciativa privada. No
basta apenas que os institutos de idiomas falem que o professor de ingls de escola pblica
no ensina ingls para que isso acontea, o que acontece tambm que o professor legitima
este discurso e age partindo de tal pressuposto, de forma que ele acaba no ensinando seus
alunos.
O discurso dos institutos de idiomas aponta para a falha do ensino de ingls na escola
pblica, que por sua vez, ratifica seu fracasso e sustenta o discurso dos institutos de idiomas.
Desta forma, h uma insistncia em se significar o ensino de ingls realizado em escolas
pblicas, tendo como ponto de partida o padro de ensino estabelecido pelos institutos de
idiomas, desconsiderando as particularidades de cada instituio.
Durante o perodo em que lecionei ingls em um curso de idiomas, um fato me
chamou bastante a ateno. No primeiro dia de aula de uma determinada turma, os alunos
estavam se apresentando e dizendo os motivos pelos quais eles estavam estudando a lngua
inglesa, falavam sobre a relao que eles tiveram com a lngua durante o tempo em que
estudavam na escola pblica. Eles relatavam vrias experincias, todas marcadamente
negativas. No momento em que uma aluna se apresentou, todos os demais alunos ficaram
envergonhados por suas falas. Esta aluna declarou ser uma professora de ingls de escola
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pblica. Disse que estava iniciando o curso de ingls, pois conhecia muito bem a gramtica
da lngua, mas ainda no tinha tido oportunidade de aprender a falar ingls. Apesar de
justificar sua inesperada presena em um curso de ingls para iniciantes, a aluna-professora
no esboou nenhuma defesa para o ensino pblico.
Aps sua fala, eu lhe disse que tambm lecionava em escolas pblicas, e perguntei
onde ela lecionava. Neste processo de apresentao, soube onde ela lecionava e disse-lhe que
conhecia algumas pessoas que trabalhavam com ela. Ao decorrer da aula ela portou-se
timidamente, e ao final, disse-me um good-bye que no seria mais ouvido por mim em todo
aquele semestre.
No momento em que a professora disse aos demais alunos a respeito de sua profisso,
ela trouxe uma rede de filiaes de sentido que significam os professores de ingls de escolas
pblicas. O seu dizer era o dizer de vrios outros professores. A professora inscreveu a si e a
seu discurso na histria, pois segundo Orlandi (2001; 09), formular dar corpo aos sentidos.
E, sendo um ser simblico, o homem constituindo-se em sujeito pela linguagem e na
linguagem, que se inscreve na histria para significar, tem seu corpo atado ao corpo dos
sentidos. Sujeito e sentido constituindo-se ao mesmo tempo tm sua corporalidade articulada
no encontro da materialidade da lngua com a materialidade da histria.
A constituio identitria da professora atrelou-se histria dos professores de ingls
de escolas pblicas, de forma que ela atravessada de discursividade, de efeitos do confronto
da materialidade da lngua com a materialidade da histria. na lngua que se materializa o
sentido, construdo historicamente, de que os professores de ingls no esto aptos a ensinar
os alunos a falar ingls.
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Como no h corpo que no esteja investido de sentidos e que no seja o corpo de um
sujeito que se constitui por processos de subjetivao nos quais as instituies e suas prticas
so fundamentais, somos interpelados ideologicamente em sujeitos. Dessa forma, que
pensamos que o corpo do sujeito um corpo ligado ao corpo social e isto tambm no lhe
transparente.
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1.2 Histrico do Ensino de Lnguas Estrangeiras no Brasil
Estpido, ridculo e frgil meu corao.
S agora descubro Como triste ignorar certas coisas.
(Na solido de indivduo desaprendi a linguagem
com que os homens se comunicam.)
Carlos Drummond de Andrade
Na histria e na lngua que podemos perceber as marcas do poltico (cf. Guimares
2001). pensando a histria que podemos nos posicionar sobre as determinaes e
imposies de sentido. Sendo assim, tambm, na histria, que podemos romper com a
linearidade das construes simblicas, questionar o inquestionvel, o imperceptvel, pois a
histria traz em si a ambigidade do que muda e do que permanece.
Segundo Orlandi (1990), os discursos estabelecem uma histria. Vale ressaltar que a
histria, na perspectiva discursiva, no se define pelos acidentes, nem tampouco evoluo,
mas produo de sentidos. A histria algo da ordem do discurso. Portanto, no h histria
sem discurso. , alis, pelo discurso que a histria no s evoluo, mas sentido, pelo
discurso que no se est s na evoluo, mas na histria.
Ainda segundo Orlandi (op. cit.), a histria, para a anlise de discurso, est ligada a
prticas, e no ao tempo em si. Ela se organiza tendo como parmetro as relaes de poder e
sentidos, e no a cronologia: no o tempo cronolgico que organiza a histria, mas a
relao com o poder (a poltica).
Um olhar sobre a histria das relaes bilaterais entre pases nos habilita a afirmar
que a escolha de uma lngua a ser utilizada no intercmbio entre as naes nunca se deu de
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forma neutra, natural, nem benfica (Pennycook, 1994). Nessas relaes entre pases, sempre
houve um que exercesse o papel de impor sua lngua a um outro pas que representasse
caractersticas adequadas, ou mesmo desejo, para que tal imposio fosse realizada.
Sendo assim, devemos problematizar a questo do ensino de LE realizada atualmente
nas escolas do Brasil, pois h uma pretenso por parte de alguns estudiosos, (cf. Hindmarsh:
1978), de que os sujeitos e pases sejam, de alguma forma, livres das coeres econmicas,
polticas e ideolgicas para optarem por esta ou aquela lngua.
Quando falamos em problematizar certas concepes, estamos procurando trazer para
o campo do debate os sentidos que so tornados axiomas, ao mesmo tempo em que estamos
procurando propor novos posicionamentos sobre essas concepes. Isso porque, segundo
Orlandi (1988), na medida em que refletimos sobre a linguagem, e os meandros de seu
ensino, na perspectiva da anlise de discurso, alguns deslocamentos se impem.
H uma concepo positivista-estruturalista (cf. Pennycook: 1994) que sugere que as
lnguas possam ser livres das influncias culturais e polticas e, mais particularmente, h uma
crena de que pelo seu status de lngua internacional, o ingls seja mais neutro do que
qualquer outra lngua.
Esta concepo acabou por redimensionar o quadro epistemolgico dos estudos
realizados por um nmero muito grande de lingistas e lingistas aplicados. Como
conseqncia, h estudos que corroboram para a afirmao de que h uma lngua mais fcil
que outras. O ingls.
Fishman (apud Pennycook: 1994), exemplificando esta vertente despreocupada com
as questes polticas do ensino de ingls como lngua internacional, relata que a difuso do
ingls no tem uma incumbncia poltico-ideolgica. Por este motivo, o autor desenvolve
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estudos sobre questes do ingls padro e descreve os diversos tipos de ingls encontrados no
mundo.
Urge, desta maneira, a necessidade da realizao de estudos que rompam com a
tradio de se refletir sobre as questes de lngua e lngua estrangeira isolada das
questes polticas.
No Brasil, muitas pesquisas tm sido produzidas sobre o ensino-aprendizado de
lnguas estrangeiras. Por exemplo, Almeida Filho (1998), que desenvolve estudos
relacionados aos aspectos metodolgicos; Braga (2000), que teoriza sobre questes
concernentes ao uso de computador no processo de ensino/aprendizagem de lnguas
estrangeiras. Poucos so, no entanto, os estudos que trazem para discusso as questes
polticas do ensino de lngua estrangeira, Cavallari (2001), por exemplo .
A deciso de abordar as questes polticas do ensino de LE engendra uma
necessidade de se resgatar a histria da lngua portuguesa no Brasil. As questes polticas de
ensino de LE acompanham o Brasil desde a poca colonial, em que Portugal executou planos
para a implantao do portugus como lngua oficial da colnia.
Segundo Villalta2 (1997), at chegar a uma larga difuso, a lngua portuguesa
percorreu um longo caminho. Viu-se, nas dcadas iniciais do sculo XVI, quase esquecida,
devido indianizao do colonizador portugus e, ao mesmo tempo, ameaada pela presena
freqente de outros idiomas europeus.
Depois, a lngua portuguesa curvou-se s lnguas gerais de origem tupi-guarani; alm
disso, na parte meridional do pas (no Extremo Sul e no Oeste do Paran, territrios ento
2 VILLALTA, Luiz Carlos, (1997). O que se fala e o que se l: lngua, instruo e leitura. In: MELLO E SOUZA, Laura de. (1997). Histria da Vida Privada no Brasil, V.I. So Paulo: Companhia das Letras.
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jurisdicionado Espanha, e tambm em So Paulo, na poca da Unio Ibrica), sofreu a
concorrncia do espanhol. Implacvel com as lnguas africanas, o portugus enfrentou a
lngua francesa, quando das incurses fugazes na baa de Guanabara, entre 1555 e 1560, e no
Maranho, entre 1611 e 1615; e o holands, no Nordeste, entre 1630 e 1654.
A lngua portuguesa ficou, por muito tempo, em estado de capilarizao. No era
utilizada, pois o povo falava as lnguas gerais de origem tupi e guarani, porm demarcava seu
territrio em espao brasileiro. Ainda segundo Villalta (ibidem), no oeste do atual Paran e
nas margens orientais do rio Uruguai, estabeleceu-se a lngua geral guarani, falada desde o
incio da presena espanhola.
Percebendo que no poderiam doutrinar os brasis em portugus, os jesutas
comearam a estudar e divulgar o tupinamb. A partir de fins do sculo XVII, inacianos e
frades de outras ordens difundiram o tupinamb entre os nativos No-Tupi da Amaznia,
dando origem ao nheengatu.
Ainda segundo Villalta (op. cit.), na segunda metade do sculo XVIII, sob Pombal, a
Coroa comeou a desenvolver uma poltica de lnguas, impondo o uso do portugus e
priorizando o ensino da gramtica portuguesa. Essa medida implicou no apagamento das
outras lnguas. Ao mesmo tempo em que estabeleceu e constituiu a lngua portuguesa como
uma unidade nacional, proibiu que outras lnguas fossem estudadas. Faladas. A lngua
portuguesa do Brasil, para se estabelecer, teve que excluir aquelas com as quais coexistiu.
Villalta (op. cit.) afirma que, no Gro-Par e Maranho, rea em que esta poltica foi
mais incisiva, procurou-se difundir o portugus para legitimar a posse da terra e,
inversamente, coibir o uso do nheengatu, visto como um obstculo.
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Outros nomes foram dados s aldeias indgenas, passando a referi-las a localidades
portuguesas. Proibiu-se o uso de outra lngua que no o portugus e incentivou-se o ensino
deste, primeiro, por escolas locais e, depois, por seminrios, em que os alunos viviam sob
internato. Os xitos, porm, foram restritos. O ensino do portugus nas escolas locais no
levou ao abandono do nheengatu, em virtude da fora deste na cultura oral, no mbito
privado e no pblico. J nos seminrios, nos quais as crianas ficavam segregadas dos pais,
obteve-se sucesso. O nheengatu avanou pelo sculo XIX, sobrevivendo em alguns locais at
hoje.
Continua Villalta (op. cit), que, embora houvesse tal preocupao com as lnguas
indgenas e as africanas, a lngua portuguesa sofreu grandes ataques das irms europias: o
francs, o holands, o espanhol e o italiano.
Os franceses, relata Villalta (op. cit.), freqentes na costa brasileira desde o incio dos
anos quinhentos, sempre deixavam marinheiros nas regies que visitavam, para que
amasiassem com as ndias e aprendessem sua lngua. Um dos problemas mais graves
encontrados pelo portugus em relao ao francs era o fato de que a maioria dos livros que
circulavam na colnia era escrita neste idioma. Porm, a ameaa que o francs representava
no se limitava ao uso de uma lngua que no fosse a portuguesa, mas se constitua como
uma preocupao de carter poltico, uma vez que o aprendizado do francs trazia consigo o
aprendizado de um engajamento poltico que representava riscos para o domnio portugus.
Ainda de acordo com Villalta (op. cit.), a ocupao holandesa ocorreu num momento
em que os portugueses j haviam lanado as bases de sua civilizao. Por este motivo, os
holandeses tiveram que usar o portugus em seus atos de evangelizao, pois perceberam que
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o neerlands era ineficaz na instruo religiosa dos africanos e gentios da terra. No
representava, assim, uma grande ameaa para o portugus.
Menos indelvel que essas ameaas ao portugus foi o ocorrido no Sul do Brasil. Os
espanhis, estabelecendo-se de modo expressivo no Brasil, exerceram seus ofcios, galgaram
cargos pblicos, tornaram-se homens-bons e casaram-se, at mesmo com as ndias, como era
de costume na terra. Deixaram larga descendncia, impedindo que a voracidade do tempo
consumisse todas as suas marcas lingsticas.
Chagas (1957), em um texto pioneiro sobre o ensino de LE, afirma que, embora
houvesse a presena de outras lnguas no cenrio brasileiro, a lngua culta, por excelncia, no
perodo colonial, foi o latim. Nas escolas jesuticas da Europa e da Colnia, s se falava latim
e em latim se estudava a lgica, a retrica, a aritmtica ou fosse o que fosse. Segundo as
mesmas regras, os mesmos compndios, a mesma disciplina. Os livros, os apontamentos, as
discusses, o estudo de outras lnguas e do prprio vernculo se faziam por meio do latim.
Ainda segundo Chagas (op. cit.) at o incio do sculo XIX, predominou no Brasil
uma escola de segundo grau baseada no humanismo clssico, consubstanciado num curso
que abrangia as cinco classes de estudos representadas pela Retrica, pelas Humanidades e
pelas Gramticas Superior, Mdia e Inferior. Neste esquema, segundo esclarece o padre
Leonel Franca 3 o latim e o grego so as disciplinas dominantes. As outras o vernculo, a
histria, a geografia no tm um estudo autnomo; so ensinadas concomitantemente na
leitura, na verso e nos comentrios dos autores clssicos.
3 Pe. Leonel Franca, S. J. O Mtodo Pedaggico dos Jesutas. Agir, Rio de Janeiro, 1952.
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A partir do final do sculo XVIII, com o incio da escolarizao pblica brasileira, o
francs concorreu com o latim como lngua culta, sendo seguida de longe pelo ingls. Na
medida em que trazia consigo idias revolucionrias, o francs era geralmente perigoso para
os habitantes da Colnia, como citado anteriormente.
Embora, depois do decreto de Pombal que proibia o uso de outras lnguas que no o
portugus, o Brasil tenha se unificado pelo uso em comum do portugus, o francs comeou
a gozar de um certo privilgio e passou a ser o idioma estrangeiro preferido pela maioria do
povo brasileiro. Tanto que as escolas brasileiras passaram a difundir o ensino do francs
como LE.
A preferncia do povo pela lngua francesa no se deu por acaso, pela beleza esttica
da lngua. A implantao do ensino de francs nas escolas pblicas brasileiras no se deu
somente devido vontade do povo em aprender a lngua, mas foi um ato decorrente de uma
poltica de lnguas que atendia as imposies poltico-econmicas, regidas pela Frana.
Segundo Razzini4 (2000), dentre as importaes culturais europias, destaca-se o
modelo francs, que sempre exerceu entre os brasileiros grande fascnio durante o sculo
XIX, prolongando-se at a metade do sculo XX. A Frana se fez presente desde o
financiamento, por D. Joo VI, da misso artstica francesa, no incio do sculo XIX,
passando pela fundao de instituies nela inspiradas, como o Colgio Pedro II (1837), o
Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (1838), a Academia Brasileira de Letras (1897),
alm de sales, clubes, teatros, associaes, at a disseminao do consumo de bens
4 RAZZINI, Mrcia de Paula Gregrio. O Espelho da Nao: a Antologia Nacional e o ensino de portugus e de literatura (1838 1971) Campinas, SP. [s.n.] 2000. Tese de doutorado
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importados, tais como arquiteturas, decorao, companhias teatrais, moda culinria, alm,
claro de muito matria impressa (folhetins, romances, compndios, etc)
Um fato bem posterior, mas que ilustra a durabilidade do gosto francfilo entre os
brasileiros, foi a fundao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, em 1937, parte da
ento recm-criada Universidade de So Paulo, justificando a despesa do Estado de So
Paulo com a importao de mais uma misso francesa (Claude Lvi-Strauss, Roger
Bastide, etc.) para compor seu corpo docente, cujas aulas eram dadas em francs.
Ainda segundo Razzini (op. cit) a influncia francesa no Colgio Pedro II, exemplo
para os demais colgios, atingiu no apenas regulamentos e programas, ele alcanara tambm
a adoo de compndios, usados nas edies francesas importadas ou j traduzidas em
portugus.
Assim, atravs dos Programas de Ensino do Colgio Pedro II, no perodo entre
1862 e 1898, verifica-se que, alm dos compndios adotados nas aulas de francs, os alunos
do Colgio Pedro II, aprendiam outras disciplinas atravs de livros franceses importados. A
falta de compndios nacionais e a adoo de compndios franceses, por vezes, faziam com
que o estudante do Colgo Pedro II parecesse um aluno de liceu francs.
Apesar de o ingls e do alemo tambm estarem presentes nos currculos do Colgio
D. Pedro II, a lngua francesa teve sempre lugar de destaque e era geralmente colocada nos
primeiros anos de cursos por ser considerada fundamental. Sua aprendizagem inclua, alm
da aparelhagem lingstica (ler, escrever, falar), a histria da literatura francesa e a leitura de
seus clssicos.
Muito embora a criao das Cadeiras de Francs e Ingls tenha atendido a um mesmo
propsito o de incrementar e dar prosperidade instruo pblica as intenes culturais e
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literrias do decreto e das nomeaes parecem ter atingido apenas o ensino do francs, lngua
ento considerada universal, cujo conhecimento era requisito obrigatrio para o ingresso nos
cursos superiores.
O ensino de ingls, por seu turno, restringiu-se aos seus objetivos mais imediatos, j
que o seu conhecimento, no sendo exigido para o ingresso nas academias portanto
desnecessrio ao currculo dos estudos secundrios justificava-se apenas pelo aumento do
comrcio e das relaes comerciais da nao portuguesa com a inglesa, constituindo assim,
uma disciplina complementar aos estudos primrios.
Ao contrrio da lngua francesa, que pela sua universalidade, j possua status
cultural, sendo parte integrante da Educao, o ingls, durante os anos correspondentes ao
reinado de D. Joo VI no Brasil (1808 1821) teve utilidade exclusivamente prtica.
Atualmente, a exigncia em se saber uma lngua estrangeira pauta-se necessariamente
no uso prtico das relaes de trocas tecnolgicas e comerciais. Desta forma, a lngua inglesa
tem seu espao marcado e, com isso, faz com que a concepo de aprendizado de uma lngua
estrangeira esteja ligada ao utilitarismo pragmtico desta lngua. Os objetivos do ensino de
lnguas estrangeiras passam a representar apenas uma necessidade mercadolgica e
instrumental que o mercado impe.
Claro est para ns que, embora a lngua inglesa esteja historicamente associada ao
utilitarismo e que atualmente o ensino desta LE tenta suprir apenas uma necessidade do
mercado de trabalho, o professor de LE no pode conceber o ensino de LE apenas como uma
instrumentalizao do aluno para o mercado de trabalho, mas tambm considerar que, por
meio do aprendizado de uma LE o aluno pode desenvolver capacidades de compreender a si
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mesmo pela lngua do outro, perceber a si pela compreenso da voz do outro, pelo
conhecimento da literatura do outro.
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1.3 Uma Definio de Poltica
Uma atividade poltica desloca um corpo do lugar que lhe havia sido atribudo ou troca a destinao de um lugar; ela faz ver o que no tinha espao para ser visto, faz ouvir um discurso onde apenas havia rudo anteriormente.
Rancire
Apoiaremos-nos em Rancire (1995), para esquadrinharmos uma noo de poltica
que embase nossas reflexes sobre as polticas de ensino de LE. Rancire (ibdem) inicia sua
obra, O desentendimento. Poltica e Filosofia, definindo desentendimento como um tipo de
situao de palavras em que um dos interlocutores ao mesmo tempo entende e no entende o
que diz o outro. O desentendimento, exemplifica Rancire, no o conflito entre aquele que
diz branco e aquele que diz preto. o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz
branco, mas no entende a mesma coisa, ou no entende de modo nenhum que o outro diz a
mesma coisa com o nome de brancura. O desentendimento no diz respeito somente s
palavras. Incide geralmente sobre a prpria situao dos que falam.
A conceitualizao de desentendimento elaborada por Rancire nos remete ao
conceito de Formao Discursiva, descrita por Foucault (1969: 24) como um conjunto de
regras annimas, histricas, sempre determinadas no tempo e no espao, que definem, em
cada poca e para uma determinada rea social, econmica, as condies de exerccio da
funo enunciativa.
Para aprofundar sua teorizao sobre poltica, Rancire (op. cit.) recorre clssica
definio legada pelos antigos gregos atravs da leitura de Aristteles e Plato. Para
Aristteles (apud Rancire), a poltica engendra-se por detrs da oposio entre o Sympheron
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e o Blaberon. Sympheron a vantagem que cada indivduo ou uma coletividade obtm ou
conta obter de uma ao. Blaberon a parte do desagrado que cabe a um indivduo por
qualquer razo que seja, uma catstrofe natural ou ao humana. Conseqncia negativa
que um indivduo recebe de seu ato ou, no mais das vezes, da ao de outros.
Rancire (op. cit.) vai alm desta definio dicotmica de poltica e afirma que h
poltica quando existe uma parcela dos sem-parcela, uma parte ou um partido dos pobres.
No h poltica simplesmente porque os pobres se opem aos ricos, mas h poltica porque os
pobres passam a existir enquanto entidade.
Continua Rancire que a poltica existe quando a ordem natural da dominao
interrompida pela instituio de uma parcela dos sem-parcela. (1995: 26) No h poltica
porque os homens, pelo privilgio da palavra, pem seus interesses em comum. Existe
poltica porque aqueles que no tem direito de ser contados como seres falantes conseguem
ser contados.
A poltica para Rancire (op. cit.) assunto de sujeitos, ou melhor, de modos de
subjetivao. Por subjetivao, o autor sugere que entendamos a produo, por uma srie de
atos, de uma instncia e de uma capacidade de enunciao que no eram identificveis num
campo de experincia dado.
Uma atividade poltica, continua Rancire (op. cit.), desloca um corpo do lugar que
lhe havia sido atribudo ou troca a destinao de um lugar; ela faz ver o que no tinha espao
para ser visto, faz ouvir um discurso onde apenas havia rudo anteriormente (1995: 42).
Ainda refletindo sobre o legado sobre poltica nas obras dos gregos antigos, Rancire
identifica trs modos de conceber o poltico que o tomam como prtica do falso ou do
aparente e deste modo procuram organiz-lo, ou integr-lo ou denunci-lo. A arqui-poltica,
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configurada no pensamento platnico, transforma a poltica em organizao, em um artifcio
retrico que formulava a submisso do povo distribuio ordenada dos papis sociais. A
poltica , neste caso, mentira. Cabia arqui-poltica anular a falsa-poltica.
A para-poltica, que aparece na formulao de Aristteles que no aceita a
descaracterizao da poltica feita por Plato, integra e neutraliza o conflito entre os pobres e
ricos, entre interesses opostos. A poltica , neste caso, aparncia e ela encontra seu fim na
pacificao social.
A meta-poltica denuncia o excesso das injustias e das desigualdades relativamente
ao que a poltica enuncia. Ela denuncia as mentiras da poltica, de modo que, para ela, a
poltica a manifestao da falsidade. Isso leva a meta-poltica a atacar direitos formulados
por instituies sustentadas no conceito de soberania, j que, para esta posio, tudo o que
vem do poltico falso.
Guimares (2000), teorizando sobre essas asseres de Rancire, afirma que se deve
desprender a noo de poltica desta viso dicotmica do poltico, pois este no nem o falso
nem o verdadeiro, ele se constitui pela contradio entre a normatividade das instituies
sociais que organiza desigualmente o real e a afirmao de pertencimento dos no includos.
Partindo de tais afirmaes, posicionamo-nos sobre as polticas de ensino de lnguas
no de modo contrrio ao ensino de uma determinada lngua estrangeira, atualmente o ingls,
no no sentido de legimitar a luta contra o ensino de ingls, mas de forma a perceber os
gestos de interpretao que validam o ensino de ingls e procuram excluir o ensino de
qualquer outra lngua estrangeira.
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1.4 Sobre as Polticas de Ensino de Lnguas Estrangeiras
Na manh do novo dia, ainda na aurora Os abutres se levantaro em negras nuvens
Em costas distantes Em vo silente
Em nome da ordem.
Bertolt Brecht
possvel afirmar, baseado nas reflexes desenvolvidas anteriormente, que o ensino
de lnguas estrangeiras est diretamente ligado ao poderio poltico-econmico exercido por
um pas em determinada poca, acompanhando, por isso, as mudanas no quadro de poder
das potncias econmicas mundiais.
Desta forma, medida que ocorrem mudanas no cenrio poltico-econmico
mundial, d-se incio a um processo de ascenso e declnio do estudo de determinadas
lnguas estrangeiras. o caso, por exemplo, da lngua francesa, citado anteriormente, que
gozava de um certo status nas grades curriculares das escolas brasileiras, e que, depois da
segunda guerra mundial, praticamente desapareceu, perdendo o espao para a lngua inglesa.
Atualmente, o sistema educacional brasileiro de ensinos fundamental e mdio,
seguindo a tendncia mundial, tem restringido o ensino de lnguas estrangeiras nas escolas
pblicas de educao bsica lngua inglesa. O ensino de francs encontra-se restrito ao
universo acadmico.
A substituio do ensino da lngua francesa pelo ensino da lngua inglesa na maioria
das escolas pblicas deve-se a alguns fatores condicionantes da poltica do ensino de lnguas,
tais como: o fator econmico, o histrico, o cultural, e o social, etc. Dentre esses fatores, o
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econmico o que mais contundentemente sustenta os ideais polticos de dominao de um
pas sobre outro. Pois, este fator que determina que as aes polticas do ensino de LE
sejam voltadas exclusivamente para a produo de lucros. O poder econmico transforma o
ensino de LE em um produto, uma habilidade necessria para a competitividade de mercado.
Podemos afirmar que o poder econmico exercido por alguns pases falantes de ingls que
faz com que este idioma seja visto como indispensvel para aquele que deseja um lugar no
mercado de trabalho.
Dessa maneira, a escolha da LE a ser ensinada no Brasil, e em demais pases,
classificados como em desenvolvimento, resulta de uma imposio poltica dos pases
exportadores de cultura. No afirmamos, com isto, que no haja tambm o desejo dos
brasileiros em aprender ingls. H. Mas este desejo est marcadamente fundado nas
perspectivas de lucro avistadas pelos que o estudam. um desejo historicamente
determinado.
necessrio afirmar que s o poderio poltico-econmico exercido por um
determinado pas no suficiente para que se comece a estudar sua lngua. preciso que este
pas determine aes no campo de uma poltica especifica de difuso de sua lngua.
Sendo assim, cabe aos professores de LE e aos pesquisadores que se envolvem com
as questes polticas do ensino de lnguas estrangeiras se posicionarem criticamente perante
as posies ideolgicas presentes nas medidas das polticas de ensino de lnguas, de modo a
no se posicionarem inocentemente a favor do ensino de uma determinada LE em detrimento
de outras, mas produzir deslocamentos sobre os posicionamentos e afirmaes que se do
como inerentes.
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Como citado anteriormente, a tradio brasileira da prtica do ensino de lnguas
estrangeiras faz parte da constituio da identidade escolar brasileira, estando presente desde
os mais antigos tempos de sua histria. Vale ressaltar que esta tradio dada na e pela
histria, cabendo, ento, que seja feito um esforo para intervir no modo pelo qual a
institucionalizao de certos discursos cientficos toma lugar do discurso histrico,
produzindo o brasileiro como um sujeito-cultural (cf. Orlandi).
Pautados nessa reflexo de Orlandi, refutamos qualquer posicionamento que se erige
sob afirmaes de que o aluno brasileiro seja um sujeito propenso a aprendizagem de lnguas
estrangeiras, negando-lhe o estatuto de sujeito-histrico.
Embora seja recorrente a afirmao de que a escola brasileira sempre fora constituda
por uma grade curricular que favorecesse o aprendizado de lnguas estrangeiras, vale
ressaltar que o privilgio era reservado s lnguas mortas, de modo a criar uma imagem de
lngua estrangeira restrita leitura e escrita.
Segundo Lajolo (1996), o domnio de lnguas estrangeiras constitui marca de
distino social. Alis, parece ter permitido que, na esteira da vinda da famlia real
portuguesa para o Brasil, vrios dos acompanhantes do prncipe encontraram, no ensino de
diferentes lnguas vivas sobretudo o francs forma de sobrevivncia honrada.
Com a chegada da Famlia Real no Brasil, em 1808, desencadeou-se o processo de
entrada das lnguas modernas nos currculos das escolas pblicas. Processo que foi
corroborado com a criao do Colgio Pedro II, em 1837, e, finalmente, com a Reforma de
1855. 5
5 com a Reforma Educacional de 1855 que a escola secundria comeou a valorizar o ensino de lnguas estrangeiras modernas.
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Contudo, esta Reforma no foi suficiente para garantir o sucesso pedaggico do
ensino de lnguas modernas, pois alm dos problemas sociais que marca(va)m as escolas
brasileiras, como a elitizao e excluso da maioria dos alunos advindos das classes menos
favorecidas economicamente, havia ainda problemas de cunho metodolgico e
administrativo.
No que se refere aos problemas metodolgicos Chagas (op.cit.), afirma que
metodologia para o ensino das lnguas modernas era a mesma utilizada para o ensino das
lnguas clssicas: traduo e anlise gramatical. O corpo administrativo no era capaz de
solucionar os problemas referentes ao ensino de lnguas. Ainda segundo este autor, subtraiu-
se escola a sua funo primordial de ensinar, e educar, e formar, para releg-la
burocrtica rotina de aprovar e fornecer diplomas.
A exemplo do que aconteceu em vrios pases da Amrica do Sul, em meados do
sculo XIX, presencia-se no Brasil, uma ampliao da entrada de capitais estrangeiros ao
mesmo tempo em que as lnguas clssicas so substitudas pelas lnguas modernas: francs,
alemo e ingls.
Entretanto, a permanncia de uma grade curricular composta com essas trs lnguas
modernas no perdurou. Com o avano do nazismo em toda a Europa, a lngua alem passou
a ser considerada portadora das ideologias nazistas que colocavam em risco a estabilidade
econmica mundial. Conseqentemente o ensino do alemo foi proibido durante a Segunda
Guerra Mundial. Por outro lado, o ensino do francs sofreu uma reduo contnua. No foi
proibido, tampouco oferecido. No houve, no Brasil, a preocupao de se ensinar outra LE
seno o ingls.
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Razzini (op. cit.) relata que na Reforma Francisco Campos (1931), o ingls e o
francs aparecem como disciplinas obrigatrias do curso fundamental, enquanto o alemo
facultativo. Na dcada seguinte Reforma Capanema de 1942 -, em decorrncia da Segunda
Guerra Mundial, o alemo desapareceu do currculo, enquanto o francs e o ingls passaram
a ser estudado nos dois ciclos do curso secundrio (ginasial e curso clssico e cientfico). A
partir de 1961, o aluno podia optar entre o francs e o ingls, transformados (como o latim)
em disciplinas complementares secundrias. Na dcada seguinte, depois da Lei 5.692, de
1971, o ingls se torna a nica lngua estrangeira obrigatria na escola secundria,
provocando o desaparecimento do ensino de francs.
A partir desta lei, o ensino de LE vincula-se estritamente s determinaes do
mercado de trabalho, e a educao passa a responder apenas aos anseios profissionalizantes.
Presencia-se uma concepo utilitarista do ensino de LE.
Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos entre o
Ministrio da Educao e Cultura e a Agency for International Development (os acordos
MEC-USAID), o que comprometeu a poltica educacional do Brasil com as determinaes
poltico-ideolgicas norte-americanas.
Esses compromissos firmados entre Brasil e EUA e a promulgao da lei 5.692
refletem as medidas de uma poltica de implantao da lngua inglesa no currculo escolar
brasileiro que, ao mesmo tempo em que garante um mercado consumidor para os produtos
norte-americanos e ingleses, tenta excluir de vez a presena de outras lnguas, como o
francs, espanhol, italiano das grades curriculares brasileiras.
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48
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1.5 Criao dos Centros de Estudos de Lnguas (CELs)
At first, the people of the whole world had only one language and used the same words. As they wandered about in the East, they came to a plain in Babylonia and settled there. They said Now lets build a city with a tower that reaches the sky, so that we can make a name for ourselves and not be scattered all over the earth.
Genesis, 11.
O final da dcada de oitenta foi um momento durante o qual acontecerem vrias
mudanas na poltica nacional brasileira. Presenciamos o fim da ditadura militar, a
promulgao da Constituio Brasileira, a escolha de um presidente por eleies diretas.
Dentro desse contexto, houve, tambm, algumas mudanas, ainda que de forma tangencial,
no que concerne poltica do ensino de lnguas estrangeiras nas escolas pblicas estaduais de
So Paulo. Em 1987, so criados os Centros de Estudos de Lnguas (CELs), que se
constituem como unidades vinculadas administrativa e pedagogicamente a uma escola
estadual, sendo que suas organizaes e funcionamentos seguem o contido nas Normas
Regimentais Bsicas.
A criao dos CELs estabelecida pelo Decreto 27.270 de 10/08/1987, e tem por
finalidades proporcionar aos alunos das escolas pblicas estaduais uma possibilidade
diferenciada de aprendizagem de vrias lnguas estrangeiras modernas, com prioridade para o
Espanhol.
Em pargrafo nico deste Decreto, afirma-se que a criao dos CELs faz parte de um
conjunto de medidas visando modificaes e enriquecimento da grade curricular das escolas
de 1. e 2. graus, no que se refere ao ensino de LE.
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Refletindo sobre os estudos realizados por Guimares (2001), podemos dizer que os
CELs so espaos enunciativos presentes nas brechas do currculo da escola pblica, em que
se valorizam o ensino de outras lnguas que no o ingls. No que este seja negativo, mas que
se deva pensar a escola pblica como um espao de enunciao para vrias outras lnguas.
Guimares (op. cit.) define os espaos enunciativos como espaos de funcionamento
de lnguas que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa
incessante. So espaos habitados por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus
direitos ao dizer e aos modos de dizer. So espaos constitudos pela equivocidade prpria do
acontecimento: da deontologia que organiza e distribui papis e do conflito, indissociado
desta deontologia, que redivide o sensvel, os papis sociais. O espao de enunciao um
espao poltico.
No entanto, somente a criao de um espao de enunciao para outras lnguas que
no o ingls no foi suficiente para sanar a questo da poltica monolinguista presente nas
escolas pblicas, pois no se propiciou a ocupao e expanso deste espao. Criou-se um
espao demasiadamente limitado.
Ao analisarmos a Resoluo SEE n.85, de 13 de Agosto de 2001, que dispe sobre a
reorganizao e o funcionamento dos Centros de Estudos de Lnguas e d providncias
correlatas, com fundamento na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, no Decreto
n. 27.270, de 10/08/87, no Decreto n.44.449, de 24/11/99, na Indicao CEE n. 08, de
30/07/97, no Parecer CEE n. 67, de 18/03/98, podemos perceber que a criao dos CELs se
caracteriza como uma medida que reflete sobre o monolinguismo nas escolas pblicas
estaduais, e se apia na necessidade de proporcionar o enriquecimento curricular, por meio
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do acesso opcional dos alunos matriculados nas escolas estaduais a uma segunda lngua
estrangeira moderna.
Ao mesmo tempo em que se considera a necessidade de se proporcionar ao alunado
da escola pblica o contato com outras lnguas, reconhece-se que estas outras lnguas sero,
no mximo, uma segunda lngua estrangeira. Portanto, no se incluem outras lnguas no
currculo. O ingls permanece como disciplina obrigatria e as demais, espanhol, francs e
italiano, so de carter optativo.
Em pargrafo nico da Resoluo supracitada, no Ttulo II Dos Objetivos e
Finalidades afirma-se que Todos os Centros devero considerar em sua proposta
pedaggica os acordos brasileiros para o Mercosul, priorizando a oferta de espanhol.
A respeito do ensino de espanhol no Brasil, Guimares (2001; 09) sugere que
preciso trabalhar a ampliao dos espaos de enunciao das lnguas portuguesa e espanhola.
No no sentido de que cada uma deve envolver mais falantes. No sentido, isso sim, de que se
deve trabalhar para que os espaos de cada lngua sejam tambm os espaos da outra. Isto
corresponde a projetar minimamente um bilingismo como modo de um espao de poder que
decline a globalizao em territorialidades marcadas por uma afirmao do direito de no
falar a mesma lngua de todos.
O ensino de espanhol, e/ou de outras lnguas, viria a ser uma deciso que confrontaria
com a imposio unilateralexclusivista do ensino de uma nica lngua estrangeira no Brasil.
Imposio que reflete um trabalho de unificao lingstica global entre os povos, e, segundo
Guimares (op. cit.), toda vez que h um trabalho nesta direo, est-se vivendo uma relao
em que algum tipo de processo de dominao est em curso. Presencia-se o princpio da
dessimetria entre as posies sociais envolvidas.
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Guimares (op. cit.) ainda afirma que trabalhar o ensino de espanhol no Brasil um
modo de re-dividir o espao para torn-lo cada vez mais sul-americano e cada vez menos
norte-americano ou europeu, ao lado de trabalhar a resistncia ao avano do ingls,
notadamente, como lngua de todos. uma resistncia a um certo tipo de monolinguismo.
No se trata, segundo o autor, de uma atitude quixotesca e sem conseqncias como aquela
que busca proibir o uso de palavras estrangeiras no portugus. Este tipo de proibio opera
com uma concepo normativa de poltica, est no espao que Rancire (op. cit.) chamou de
Arqui-poltica. A questo noutro lugar, inclusive porque os espaos de enunciao so
espaos de disputa de palavras.
Lajolo, em uma Indicao do Conselho Estadual de Educao, n. 06/96,
concordando com a necessidade de uma poltica pedaggica plurilinguista, afirma que o
poliglotismo cresce de importncia em um mundo econmica e culturalmente globalizado,
onde as notas mais estridentes de discursos nacionalistas que ainda repontam em diferentes
pontos, acabam rendendo-se materialidade dos fatos econmicos e culturais.
Conseqentemente, continua Lajolo (ibidem), o ensino de lnguas uma necessidade, e a
qualidade deste ensino, avaliada atravs de seus resultados, uma exigncia diretamente
proporcional vontade de insero do pas na modernidade globalizada.
Partindo de tais pressupostos, Lajolo (op. cit) considera: a - acertada a
obrigatoriedade de, no mnimo, uma lngua estrangeira viva, a partir da 5 srie do ensino
fundamental e ao longo de sete anos de escolaridade; b - altamente desejvel que, a partir
da 7 srie de ensino fundamental e ao longo dos cinco anos de escolaridades remanescentes,
a escola oferea sua clientela a opo de uma segunda lngua estrangeira viva; c -
altamente desejvel que, a partir da 1 srie de ensino mdio e ao longo de trs anos de
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escolaridade remanescente, a escola oferea sua clientela a opo de uma terceira lngua
natural, viva ou morta; d - acertado deixar a critrio do estabelecimento de ensino a opo
pela lngua, recomendando-se, no entanto, que na escolha desta lngua levem-se em conta
tanto necessidades scio-culturais de um mundo globalizado, como os anseios culturais
especficos da comunidade na qual se inscreve a escola; e desejvel que o ensino de
outras lnguas estabelea como objetivo prioritrio o acesso s culturas que tm tal lngua
como veculo, fazendo convergir para este objetivo todas as estratgias didticas e
pedaggicas disponveis e; f desejvel ainda que sejam estabelecidas todas as parcerias
possveis sobretudo no caso da escola pblica de forma a recompensar a qualidade dos
resultados do ensino de uma lngua estrangeira.
Embora essas consideraes diagnostiquem o problema do ensino exclusivo de uma
lngua estrangeira nas escolas pblicas de ensinos fundamental e mdio, continua havendo
uma poltica de excluso de outras lnguas que no o ingls nas grades curriculares das
escolas pblicas de So Paulo.
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1.7 O Desejo Irrealizvel de Uma Lngua Neutra, Natural e Benfica.6
Then the Lord came down to see the city and the tower which those men had built, and he Said: Now then, these are all one people and they speak one language; this is just the beginning of what they are going to do. Soon they will be able to do anything they want. So the Lord scattered them all over the earth, and they stopped building the city. The city was called Babylon, because there the Lord mixed up the language of all the people, and from there he scattered them all over the earth.
Genesis, 11.
Sob o argumento do desenvolvimento tecnolgico da sociedade, o homem moderno,
ocidental e american(izad)o, interpelado pelo mito de 7Babel, que, segundo Pcheux, o
desejo irrealizvel do homem de se comunicar com todos os povos por meio do uso de uma
lngua natural, de modo a divulgar em todo o mundo estratgias polticas de uma unidade
lingstica que traria benefcios para toda a humanidade. Contudo, sabe-se que,
diferentemente do mito bablico presente na Bblia, cujo relato demonstra o objetivo dos
homens que, unidos, tentam chegar ao cu por meio da construo de uma torre, sendo, por
isso, amaldioados por Deus com a diviso das lnguas, o homem moderno apregoa a
necessidade da unidade lingstica, mas o faz baseando-se nos anseios poltico-econmicos
de alguns poucos pases.
Como conseqncia, produzem-se vrios estudos, citados anteriormente, que
afirmam, com o aval do cientificismo, que uma lngua possa ser realmente mais fcil que
outra, devendo, portanto, ser estudada por todos os povos. No entanto, podemos perceber que
nenhuma lngua desprovida de ideologia, de poltica. Sempre se vai ensinar a lngua de um
6 Conforme Pennycook, 1994. The Cultural Politics of English as International Language. 7 Gnesis, 11. Bblia Sagrada.
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pas que desempenha um papel de potncia de forma a engendrar nas naes influenciveis a
noo de que uma dita lngua a melhor para ser aprendida.
Pennycook (1994) alerta para a questo da escolha/imposio do ingls como lngua
estrangeira em quase todos os pases do mundo. Ele desenvolve suas reflexes em torno da
difuso do discurso do ingls como segunda lngua mundial e traz baila questes polticas
que embasam esta a difuso. Este autor se demonstra preocupado com as limitaes que
percebe nos trabalhos de Lingstica e Lingstica Aplicada sobre o ensino de ingls, pois,
segundo ele, h uma tendncia em se concentrar estudos em torno de questes estritamente
limitadas. Produzem-se trabalhos que tm como foco principal a descrio dos diferentes
tipos de ingls produzidos pela sua difuso no mundo, sendo que as causas e efeitos desta
difuso no so, geralmente, considerados, sendo relegados a uma perspectiva funcionalista.
O autor afirma ser necessrio que sejam realizados estudos que tratem das questes
polticas do ensino de ingls como lngua estrangeira. Para ele, a difuso do ingls no mundo
se faz sob o discurso de que o ingls neutro, natural e benfico, conforme comentado
anteriormente.
considerado natural, porque sua expanso subseqente vista como um resultado
inevitvel das foras mundiais. Parece neutra, porque se afirma que, uma vez que o ingls
tenha se desligado dos contatos culturais originais, agora um meio neutro e transparente de
comunicao. E considerado benfico, porque h uma viso otimista de que uma
comunicao internacional assume um carter cooperativo.
Platt, Weber e Ho (apud Pennycook) introduzem a questo dos novos ingleses e
desenvolvem seus estudos baseando-se em reflexes sobre as mudanas que o ingls sofreu
por ter sido difundido em vrios pases. Para eles, muitas das novas naes que foram um dia
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colnias britnicas descobriram a importncia do ingls no apenas como a lngua do
comrcio, da cincia, da tecnologia, mas tambm como a lngua da comunicao
internacional. A lngua inglesa seria, ento, um veculo por meio do qual as ex-colnias
poderiam acessar o que produzido nos pases desenvolvidos e fazer, assim, parte do quadro
dos pases capitalistas. O ingls, segundo eles, o idioma que, incontinenti, une os pases
para o desenvolvimento de todos.
A questo do desejo irrealizvel do homem em encontrar uma lngua que d conta das
comunicaes internacionais sem que haja conflitos de poder teorizada por Pcheux e
Gadet em La Langue Introuvable (1985). Eles afirmam que as guerras e as revolues
engendram mudanas nas lnguas. Mudanas internas e externas, na forma e na poltica. Os
autores relatam que a Lingstica nasceu em meio s revolues, uma vez que os processos
revolucionrios afetam tambm o espao da lngua e as revolues correspondem a
momentos privilegiados para a linguagem. A partir de revolues, estabelecem-se novos
gestos de interpretao.
Pcheux e Gadet (op. cit.) fazem um paralelo do surgimento da Lingstica com o
desenrolar das revolues acontecidas na Europa. Eles afirmam que Outubro de 1917 foi o
momento em que as massas se apoderaram da lngua.
A partir da revoluo de 1917, a lngua russa sofre uma profuso de inovaes,
neologismos e transcategorizaes sintticas que induzem a lngua a um gigantesco
movimento, incorporando, assim, palavras vindas do francs, constituindo um uso
sistemtico de iniciais articuladas como palavras novas.
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O trabalho de lngua nos pases soviticos constitui, em nossa modernidade, o ponto
histrico onde se sobredeterminam a relao entre poltica revolucionria, o exerccio
contraditrio das prticas lingsticas e a reflexo sobre a materialidade da lngua.
No entanto, a lingstica comea a ser caracterizada de diferentes modos, com
diferentes objetivos, sendo que, para alguns, o objetivo final do trabalho da lingstica
encontrar uma lngua-elo que unisse os povos, passando por cima de suas diferenas.
Pcheux e Gadet (op. cit.) afirmam que o desejo de uma lngua universal desprovida
de conflitos e particularidades afetou os russos, de tal forma que se pode verificar a criao
do Esperanto no incio do sculo XX. Certamente, o Esperanto j existia desde antes de 1917
e era praticamente o apangio de respeitveis intelectuais das classes mdias urbanas. O
jornal dos esperantistas russos de 1917, La Ondo de la Esperanto, interessava-se, acima de
tudo, pela paz e liberdade do comrcio. No entanto, a revoluo fez com que surgisse logo
um novo Esperanto, o Esperanto proletrio, com particularidades lingsticas diferentes do
Esperanto burgus. (cf. Sriot, 1998, apud Indusky, F. e Ferreira, M.C.L., 1999).
A Segunda Guerra Mundial, dentre tantos novos gestos de interpretao que
provocou, suscitou a criao de uma cincia que se pusesse a refletir sobre as questes do
ensino de lnguas estrangeiras em todo o mundo. Esse repensar o ensino de lnguas
estrangeiras se desenvolveu, de certa forma, direcionado pelos centros de Lingstica
Aplicada situados, em sua maioria, em pases falantes de ingls.
Como o Crculo Lingstico j havia se instalado nos Estados Unidos, e o principal
interessado em aes polticas de expanso lingstica tambm eram os Estados Unidos, por
conseqncia da vitria na Segunda Guerra e incio da Guerra Fria, disputa entre EUA e
URSS, no tardou para que os pensadores americanos lanassem a Lingstica Aplicada,
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como cincia imbuda de dar contas do ensino-aprendizado de lnguas estrangeiras. No se
pode desconsiderar que na Frana j existia o CREDIF (Centro de Pesquisa e Estudos para a
Difuso Internacional do Francs)
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CAPTULO II
La primera vez No te conoc.
La segunda, s. Dime
Si el aire te lo dice Maanita fra
Yo me puse triste, Y luego me entraron
Ganas de rerme No te conoc.
S me conociste.
Si te conoc. No me conociste.
Ahora entre los dos Se alarga impasible,
Um mes, como um Biombo de dias grises.
La primera vez
No te conoc. La segunda, s.
Federico Garca Lorca.
Neste captulo, esboaremos um quadro terico dos estudos da Anlise do Discurso,
tais como: a concepo de sujeito, de ideologia e de discurso. Estas concepes, presentes
nos estudos elaborados por Althusser, Foucault, Pcheux e Orlandi, so de fundamental valor
para nosso trabalho, uma vez que elas desenham a posio epistemolgica de onde estaremos
enunciando.
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2.1 Concepes de Sujeito
Eu no sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermdio.
Pilar da ponte do tdio Que vai de mim para o Outro.
Mrio de S Carneiro
Durante minha atuao como professor de ingls vivi momentos em que desejei
mudanas. Esses desejos tornaram-se a entrada para leituras concernentes a concepo de
sujeito, de linguagem, de ideologia. Percebi que as mudanas concernentes prtica
pedaggica somente so realizadas a partir do momento em o professor faz de sua prtica
pedaggica um lugar de construo de saberes e reflete sobre as concepes que embasam o
seu posicionamento, podendo da buscar deslocamentos.
Com o intuito de analisar a prtica de professores de ingls de escolas pblicas,
incluindo minha prpria prtica, julgamos necessrio dissertar sobre as concepes de
sujeito, postuladas em alguns estudos tericos.
Pensar a noo de lngua por-se a desestabilizar a noo de sujeito enquanto
unidade, que, assim como o prprio sujeito, sempre esteve em mudanas e vem seguindo por
veredas s vezes muito distintas umas das outras. Inicia sua jornada no latim subjectus,
estando presente em vrios campos do conhecimento. Em um sentido lgico-lingustico, o
sujeito de uma proposio representa aquilo de que se fala, a que se atribui um predicado ou
propriedade.
Segundo Japiassu e Marcondes (1993), na metafsica clssica, sobretudo em
Aristteles, o sujeito sinnimo da substncia, do ser real como suporte de atributos. Em
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Descartes, continuam Japiassu e Marcondes (ibdem), o sujeito o esprito, a mente, a
conscincia, aquilo que conhece, opondo-se ao objeto, como aquilo que conhecido.
Descartes considera o sujeito uma substncia que pensa, que duvida, que existe. Kant
denomina o sujeito como transcendental, no uma substncia, nem uma conscincia
psicolgica individual, mas uma funo do esprito, fazendo com que todas as representaes
do sujeito sejam acompanhadas de um eu penso consciente de si, idntico em toda
conscincia, e dotado da mesma estrutura composta das formas puras da sensibilidade e do
entendimento.
Rompendo com esta noo tradicional de sujeito, nos apoiaremos nos estudos
realizados por Althusser, Foucault, Pcheux e Orlandi.
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2.1.1 Do Sujeito Ideolgico
A gente vive repetido, o repetido, e escorregvel, num mim minuto, j est empurrado noutro galho.
Riobaldo Grande Serto Veredas
Joo Guimares Rosa
O trabalho de Althusser (1974) nos interessa pelo fato de ele ser o primeiro estudioso
que, dentro do materialismo histrico, trata da questo da presena da instituio, com sua
carga ideolgica, na constituio do sujeito. Ao concebermos a escola pblica como um
espao onde a ideologia se materializa, em que a ideologia gera conflitos entre os corpos
docente, discente e administrativo, torna-se imprescindvel que citemos o trabalho de
Althusser. Para ele o sujeito o sujeito da ideologia.
Althusser (op. cit) afirma que, para manter sua dominao, a classe dominante gera
mecanismos de perpetuao ou de reproduo das condies materiais, ideolgicas e
polticas de explorao. Desta forma, podemos afirmar que a necessidade a que se assiste por
parte de alunos brasileiros em aprenderem uma lngua estrangeira, mais especificamente o
ingls, um mecanismo ideolgico de perpetuao dos interesses da classe dominante.
Vemos que, segundo Althusser (op. cit.), as instituies, como o Estado, funcionam
como meios utilizados pelas classes dominantes para manter a distncia que as separa das
classes dominadas. As classes dominantes agregam um valor para a escola de tal forma que
os sujeitos da classe dominada vem na escola o nico meio pelo qual podem mudar da
situao de dominados para dominadores.
Pelo fato de ter se tornado um axioma, a afirmao de que a escola importante para
o desenvolvimento das camadas menos favorecidas econmica e socialmente, que devemos
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questionar esse desenvolvimento que a escola proporciona e considerar que o papel da
educao, em uma sociedade capitalista como a nossa, , tambm, garantir a reproduo das
diferenas sociais, culturais e econmicas.
No afirmamos com isto que no haja possibilidades de a escola proporcionar aos
sujeitos, que nela atuam, meios pelos quais questionar as ideologias presentes na sociedade e
mesmo de tentar romp-las, mas sim que h necessidades de formar sujeitos que tenham uma
relao questionadora com suas reais condies de existncia.
Althusser (1974: 80) no aceita a concepo de ideologia como representao
mecnica da realidade, pois o imaginrio o modo atravs do qual o homem atua, relaciona-
se com suas condies reais de vida. Na ideologia, a relao real inevitavelmente investida
na relao imaginria. A ideologia existe apenas no sujeito humano e por meio dele, ela
centrada no sujeito e faz com que o sujeito veja o mundo como se este fosse naturalmente
orientado para ele mesmo, espontaneamente dado ao sujeito, e o sujeito, inversamente, sente-
se uma parte natural da realidade, reclamada e exigida por ele.
Por meio da ideologia, observa Althusser (p. cit.), a sociedade interpela o sujeito, faz
com que o sujeito sinta como se o mundo no pudesse existir sem ele.
Esta afirmao de fundamental importncia para este trabalho, pois analisaremos a
relao imaginria que os professores tm com a lngua inglesa, dentro de uma poltica de
ensino de lnguas, uma vez que a ideologia representa a relao imaginria do sujeito com as
condies de existncia e que no imaginrio que o poltico se manifesta.
Althusser (op. cit.) nega a ideologia como um ato de pensamento individual, mas a
concebe como uma relao social que tem as representaes como objeto. Essa materialidade
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da ideologia reafirmada quando Althusser diz que a ideologia s existe em prticas sociais
inscritas em instituies concretas:
Falaremos de atos inseridos em prticas. E observaremos que essas prticas se inscrevem no seio da existncia material de um aparelho ideolgico (1974: 90).
A escola pblica uma instituio concreta. Portanto, nela podemos perceber as
prticas ideolgicas fazendo significado e constituindo sujeitos.
Quando o autor afirma que a ideologia constituda na relao social, ele assume a
sujeio do sujeito, pois este no pode estabelecer uma relao admica com o mundo. Seus
pensamentos e suas posies so fundados em pensamentos e relaes compartilhados com
outros sujeitos que convivem com este sujeito, e que, de certo modo, constituem sua relao
simblica com o mundo.
Para Althusser (ibdem) no existe sujeito que no seja interpelado pela ideologia, ou
seja, cujo aparecimento no se d seno de forma ideolgica. O autor postula um sujeito sem
possibilidades de ruptura, isto , assujeitado represso pelos Aparelhos Repressores do
Estado e ideologia pelos Aparelhos Ideolgicos do Estado.
Na viso do autor, as instituies, aparelhos ideolgicos ou repressivos, so
funcionais para a base econmica da sociedade. Seu papel principal equipar os sujeitos com
as formas de conscincia necessrias para que assumam seus postos ou funes na produo
material.
A partir do trabalho de Althusser (ibdem), podemos ver a ideologia no como uma
distoro ou reflexo falso, uma viso de mundo ou uma ocultao da realidade, uma tela que
se coloca entre o sujeito e a realidade ou um efeito automtico da produo de mercadorias.
Ideologia um mecanismo indispensvel constituio dos sujeitos humanos. A ideologia
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aparece como efeito da relao necessria do sujeito com a lngua e com a histria para que
haja sentido.
Orlandi (2001) afirma que quando se diz que o sujeito assujeitado, no se est
dizendo totalmente, parcialmente, muito, pouco, ou mais ou menos. O assujeitamento no
quantificvel. Ele diz respeito natureza da subjetividade, qualificao do sujeito pela sua
relao constitutiva com o simblico: -se sujeito pelo assujeitamento lngua na histria.
Partindo da leitura de estudos realizados pela anlise de discurso, podemos afirmar
que o sujeito, embora significado ideologicamente por uma determinada instituio, traz
consigo a capacidade de desenvolver mecanismos que o faam romper com a ideologia desta
determinada instituio. Haja vista, o movimento feito por vrios professores que, ao se
inserirem em prticas reflexivas sobre suas prticas pedaggicas, alcanam um nvel de
conhecimento terico que lhes possibilita falar de um lugar subversivo, um lugar que
interroga as prticas poltico-ideolgicas presentes nas instituies da qual fazem parte.
Althusser no escreveu sobre a idiossincrasia dos sujeitos, sobre os desejos por
mudanas, sobre a possibilidade do sujeito em buscar a desestruturao dos elos que, dentro
das instituies, para ele, se mostram irrevogveis.
E esse um ponto de diferena que emerge entre este trabalho e os estudos de
Althusser: tal diferena refere-se concepo do sujeito, que especificamente para este
trabalho, constitudo na escola. Para ele, como citado anteriormente, a escola um aparelho
ideolgico do estado por meio do qual se reproduz a ideologia da classe dominante. Para ns,
a escola, embora seja um aparelho ideolgico, tambm um espao enunciativo (cf.
Guimares) privilegiado para o exerccio da contradio da reproduo ideolgica, um
espao para o confronto.
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Sendo assim, reside no sujeito a possibilidade, mesmo sendo constitudo pela
instituio, de estabelecer quebras, mudanas. O efeito da unidade do sujeito importante par
que, no movimento de sua identidade, ele possa percorrer outras zonas de sentido, outras
posies-sujeito. Cabe ao sujeito movimentar-se de forma a se constituir de maneira no
esperada pela instituio. Para nosso trabalho, neste campo de ruptura que se encontram as
possibilidades de se desenvolver um ensino/aprendizado de lnguas estrangeiras em que
professores e alunos se posicionem frente s coeres institucionais e tentem, de alguma
forma, despoj-las, desmistific-las.
O deslocamento elaborado pela anlise de discurso, referente concepo de sujeito,
reincide na abertura de um espao de resistncia. Segundo Lagazzi (1988), a resistncia do
sujeito se mostra em situaes e em instituies e, embora o poder sempre se queira absoluto,
o sujeito no se coloca passivamente frente a ele, no se submete. O sujeito encontra na
linguagem os recursos para lidar com as sanes, com as coeres. A resistncia a batalha
do sujeito pelo direito de se colocar, de no aceitar a coero, a batalha por um lugar no
qual o sujeito encontre o poder de dizer, com ou sem o respaldo da hierarquia.
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2.1.2 Do Sujeito Discursivo
Sou um homem comum De carne e de memria
De osso e de esquecimento. Ando a p, de nibus, de txi, de avio
E a vida sopra dentro de mim Pnica
Feito a chama de um maarico E pode
Subitamente cessar.
Ferreira Gular
Diferentemente de Althusser (op. cit), Foucault sugere que partamos das formas de
resistncia do sujeito contra as diferentes formas de poder, ou seja, abordar o tema do poder
atravs das formas pelas quais ele exercido na cultura moderna, o que significa tomar por
objetos as relaes de poder investidas nas aes do sujeito. Enquanto Althusser percebe as
formas de poder como um mecanismo de preservao das estratificaes sociais, Foucault as
v como formas constitutivas do sujeito moderno. Para este autor, o poder no apenas um
mecanismo coercitivo, mas constitutivo dos sujeitos.
Foucault trata a questo do sujeito partindo de um pressuposto de que este no um
dado, mas, sim, algo constitudo, devendo-se, portanto, refletir em torno da constituio do
sujeito.
Foucault (1969), dentre outras reflexes, promove a desconstituio da noo de
sujeito como um dado preexistente, como essncia perene e portadora de um sentido,
presente indefinidamente na histria. Desta forma, podemos afirmar que o sujeito pode
irromper os significados no dados na histria. O autor afirma que o principal objetivo