Oliveira, Faneca & Ferreira (2007). Integrar Em Língua Portuguesa Considerações Finais Do...

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1 Integrar em Língua Portuguesa: considerações finais do Projecto Aproximações Ana Luísa Oliveira Rosa Maria Faneca Teresa Ferreira Universidade de Aveiro – Aveiro/Portugal Resumo Numa sociedade cada vez mais marcada pela heterogeneidade de origens e culturas, a integração dos cidadãos estrangeiros é essencial para a harmonia e coesão sociais. Neste âmbito, e tendo por base o pressuposto fundamental de que o domínio da língua do país de acolhimento é um factor que muito contribui para essa almejada integração, iniciou-se em 2005 o Projecto Aproximações à Língua Portuguesa: atitudes e discursos de não nativos residentes em Portugal, cujas populações-alvo são as comunidades cabo-verdiana, ucraniana e chinesa, dada a grande relevância que assumem no panorama da imigração em Portugal. Os objectivos gerais do projecto contemplam duas vertentes distintas, mas complementares: a vertente social, relacionada com o papel da língua na integração dos sujeitos; e a vertente linguística, ligada às especificidades da apropriação da Língua Portuguesa (LP) – dificuldades linguísticas e estratégias de aprendizagem 1 . Partindo das representações evidenciadas em inquéritos e entrevistas realizados a imigrantes 2 adultos, pretendemos apresentar alguns resultados do projecto, cuja finalidade consiste em fornecer pistas didácticas em relação à apropriação do Português como Língua Não Materna (em contexto formal, não formal e informal 3 ). 1. Enquadramento do Projecto Aproximações 4 1.1. Imigração em Portugal Até há poucas décadas atrás, Portugal, à semelhança de outros países do sul da Europa, era um país marcado pela forte emigração (Marques & Rosa, 2003; SEF, 2006), cujos valores superavam em larga escala os da (ainda assim existente) imigração. No entanto, a situação migratória tem vindo a alterar-se e, actualmente, Portugal, continuando a ser caracterizado pela emigração, constitui igualmente um destino de eleição para imigrantes de diferentes origens étnicas, sociais, culturais e linguísticas. Esta recente corrente imigratória resulta da conjugação de uma série

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Social Representations and Langauge Education

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    Integrar em Lngua Portuguesa: consideraes finais do Projecto Aproximaes

    Ana Lusa Oliveira

    Rosa Maria Faneca

    Teresa Ferreira

    Universidade de Aveiro Aveiro/Portugal

    Resumo

    Numa sociedade cada vez mais marcada pela heterogeneidade de origens e culturas, a

    integrao dos cidados estrangeiros essencial para a harmonia e coeso sociais. Neste mbito, e

    tendo por base o pressuposto fundamental de que o domnio da lngua do pas de acolhimento um

    factor que muito contribui para essa almejada integrao, iniciou-se em 2005 o Projecto

    Aproximaes Lngua Portuguesa: atitudes e discursos de no nativos residentes em Portugal,

    cujas populaes-alvo so as comunidades cabo-verdiana, ucraniana e chinesa, dada a grande

    relevncia que assumem no panorama da imigrao em Portugal. Os objectivos gerais do projecto

    contemplam duas vertentes distintas, mas complementares: a vertente social, relacionada com o

    papel da lngua na integrao dos sujeitos; e a vertente lingustica, ligada s especificidades da

    apropriao da Lngua Portuguesa (LP) dificuldades lingusticas e estratgias de aprendizagem1.

    Partindo das representaes evidenciadas em inquritos e entrevistas realizados a

    imigrantes2 adultos, pretendemos apresentar alguns resultados do projecto, cuja finalidade consiste

    em fornecer pistas didcticas em relao apropriao do Portugus como Lngua No Materna

    (em contexto formal, no formal e informal3).

    1. Enquadramento do Projecto Aproximaes4

    1.1. Imigrao em Portugal

    At h poucas dcadas atrs, Portugal, semelhana de outros pases do sul da Europa, era

    um pas marcado pela forte emigrao (Marques & Rosa, 2003; SEF, 2006), cujos valores

    superavam em larga escala os da (ainda assim existente) imigrao. No entanto, a situao

    migratria tem vindo a alterar-se e, actualmente, Portugal, continuando a ser caracterizado pela

    emigrao, constitui igualmente um destino de eleio para imigrantes de diferentes origens tnicas,

    sociais, culturais e lingusticas. Esta recente corrente imigratria resulta da conjugao de uma srie

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    de factores, dos quais se destacam: a democratizao da sociedade portuguesa, em 1974; o fim da

    soberania lusitana nos territrios ultramarinos da sia e da frica, na segunda metade do sculo

    XX; a adeso de Portugal Unio Europeia, em 1986, e a consequente abertura das suas fronteiras

    aos estados membros (acentuada pela entrada em vigor do Acordo de Schengen e da respectiva

    Conveno de Aplicao em Portugal, em 1995); e, por fim, a queda dos regimes do Leste Europeu,

    o surgimento de novos estados independentes e os problemas polticos, sociais e econmicos que

    caracterizam esses pases (cf. Pires, 2003, Bastos & Bastos, 1999 e Rocha-Trindade, 1995 para uma

    sntese). Como resultado destas e doutras mudanas scio-polticas ocorridas na Europa

    promotoras de contactos econmicos, cientficos, culturais e lingusticos a diversos nveis, assim

    como de uma intensa mobilidade internacional em 2004 (ano da concepo do projecto) existiam

    447.186 cidados estrangeiros a residir legalmente em Portugal. Actualmente, e de acordo com os

    dados do ltimo relatrio estatstico do Servio de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), verificamos um

    ligeiro decrscimo no que diz respeito ao nmero total de estrangeiros residentes em Portugal

    (409.185). No entanto, no obstante este facto e as ligeiras oscilaes ocorridas no ranking das

    comunidades mais representadas no territrio portugus (cf. SEF, 2006), as comunidades

    seleccionadas para a realizao deste estudo continuam a merecer, no panorama migratrio

    nacional, uma ateno especial no s pelo lugar de destaque que ocupam em termos numricos

    sobretudo as comunidades cabo-verdiana e ucraniana, a primeira e terceira comunidades mais

    numerosas em Portugal como tambm pela sua prpria natureza sociolingustica (cf. seco 1.4.).

    1.2. Breve apresentao do Projecto Aproximaes

    A tomada de conscincia em relao ao recente papel de Portugal enquanto pas de

    acolhimento e s suas responsabilidades no que diz respeito integrao efectiva dos cidados

    estrangeiros que, como sabemos, se consubstancia no direito igualdade e ao pleno exerccio da

    cidadania levaram a que, em 2004, se delineasse o Projecto Aproximaes Lngua Portuguesa:

    atitudes e discursos de no nativos residentes em Portugal. Iniciado a 1 de Maro de 2005 e tendo

    como terminus o dia 30 de Setembro de 2007, o projecto estabeleceu como populaes-alvo adultos

    e jovens-adultos de origem cabo-verdiana, ucraniana e chinesa que, de uma forma mais ou menos

    guiada e sistemtica, se tivessem envolvido em contextos/situaes de aprendizagem formal e no

    formal da lngua do pas de acolhimento. Todavia, na sequncia do desenvolvimento do projecto e,

    em particular, do conhecimento que foi sendo recolhido em relao s comunidades em estudo,

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    acabou por se alargar o pblico a todos aqueles que investiram/investem no desenvolvimento de

    competncias em LP, seja atravs do recurso a um processo de aprendizagem formal ou no formal

    (como inicialmente previsto) ou atravs do envolvimento consciente e intencional dos sujeitos em

    aprendizagens informais, tais como a interaco com outros falantes de Portugus5.

    Incidindo primordialmente (mas no exclusivamente) sobre as representaes sociais6 dos

    sujeitos no nativos em relao LP, o projecto teve as seguintes principais linhas de aco:

    a) a anlise da relao que os prprios sujeitos estabelecem entre o Portugus e os seus percursos

    de integrao/expectativas sociais;

    b) a caracterizao dos novos pblicos de aprendentes de Portugus como Lngua No Materna.

    , ento, dos resultados gerais deste projecto que pretendemos dar conta neste artigo.

    1.3. Design metodolgico

    O corpus de anlise do nosso estudo constitudo por um total de 175 questionrios e 10

    entrevistas complementares realizados entre o final de Julho de 2005 e o incio de Maro de 2006 a

    adultos e jovens-adultos de origem cabo-verdiana, ucraniana e chinesa residentes em Portugal.

    O questionrio, preenchido por 75 cabo-verdianos, 75 ucranianos e 25 chineses7, constituiu

    o principal instrumento de recolha de dados do projecto e encontra-se estruturado em torno de trs

    domnios de anlise:

    a) perfil sociolingustico dos sujeitos;

    b) representaes sobre a LP e o seu processo de aprendizagem;

    c) expectativas sociais e de integrao.

    As entrevistas, realizadas a 4 cabo-verdianos, 4 ucranianos e 2 chineses (seleccionados a

    partir da amostra geral do estudo), foram elaboradas com o objectivo de potenciarem a

    explicitao/aprofundamento das informaes veiculadas pelos sujeitos aquando do preenchimento

    do questionrio. Por se basearem nas respostas de cada indivduo s perguntas do questionrio, as

    entrevistas no correspondem a um mesmo guio.

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    A anlise que aqui apresentamos resulta, pois, do cruzamento de dados, os quais, tendo sido

    obtidos atravs de um contacto muito prximo entre investigador e informante e dando particular

    nfase aos discursos dos sujeitos, numa abordagem mica (Mondada, 2005), pem em evidncia

    les expriences de vie des participantes et participants de mme que le sens que ces derniers leur

    attribuent (Grin-Lajoie, 2002: 78-79), neste caso concreto a inter-relao entre as crenas, as

    representaes e atitudes de no nativos face lngua do pas de acolhimento e ao seu processo de

    integrao. Centrar-nos-emos, num primeiro momento, nas representaes sociais evidenciadas

    pelos inquiridos das trs comunidades em relao ao binmio lngua/integrao, e, num segundo

    momento, analisaremos as suas representaes metalingusticas relativamente s dificuldades

    sentidas em LP e s estratgias/actividades por eles consideradas como sendo mais eficazes no

    processo de apropriao do idioma do pas de acolhimento.

    1.4. Caracterizao sociolingustica da amostra

    As comunidades deste estudo pertencem a geraes migratrias distintas e apresentam entre

    si uma natureza sociolingustica tambm diversa.

    Os cabo-verdianos deste estudo apresentam-se como um grupo predominantemente jovem.

    Com efeito, 30 dos 75 inquiridos pertencem faixa etria dos 18-24 anos e 17 dos 25-30, valores

    que, por si s, totalizam 63% das respostas. Quanto ao nvel de escolaridade, uma parte significativa

    dos respondentes (55%) afirma ter como habilitaes escolares o ensino superior incompleto (cf.

    Anexo 1 Grfico 1). Se associarmos a esta informao as variveis referentes profisso exercida

    em Portugal e ao tempo de residncia no pas de acolhimento bem como os dados anteriormente

    apresentados em relao idade dos sujeitos podemos constatar que estamos perante um pblico

    essencialmente estudantil8, cujos objectivos no processo de imigrao passam essencialmente pela

    obteno, no pas de acolhimento, de um grau acadmico. Com efeito, 61% dos inquiridos indica a

    categoria Estudante como sendo aquela que define a sua situao profissional em Portugal e, em

    69% dos casos, o tempo de permanncia no pas de acolhimento no excede os 6 anos, o que, em

    nosso entender, parece estar em consonncia com os objectivos inerentes ao processo de imigrao

    de uma grande parte dos elementos do grupo inquirido, os quais implicam, na maior parte dos

    casos, o regresso terra de origem. Nas palavras de um dos entrevistados, no h nenhum pas que

    eu trocaria para viver (H.182). No que diz respeito sua Lngua Materna (LM), verificamos que

    se trata de um grupo bastante homogneo. Na verdade, 87% dos 75 inquiridos aponta o Crioulo de

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    Cabo Verde (CCV) como LM, 12% o CCV e o Portugus, e apenas 1% se refere exclusivamente

    LP.

    O grupo de ucranianos que constitui objecto de anlise neste projecto traduz o carcter

    recente da imigrao de Leste em Portugal. De facto, no so observadas, na amostra, quaisquer

    respostas que indiquem um perodo de permanncia no nosso pas superior a 7 anos. Trata-se de um

    pblico adulto, tal como podemos observar pelos dados referentes idade dos inquiridos, em

    relao aos quais se verifica uma maior incidncia nas faixas dos 25-3 (21%), 31-37 (37%) e 38-44

    (20%). Enquadrando-se igualmente na tendncia manifestada pelas comunidades imigradas do

    Leste Europeu no que diz respeito ao estatuto acadmico, este grupo caracteriza-se por possuir um

    nvel de instruo maioritariamente superior e mdio (52% e 43%, respectivamente) cf. Anexo 1

    Grfico 1. Para alm disso, estes sujeitos caracterizam-se tambm, regra geral, por uma situao de

    sobrequalificao relativamente no s sua profisso em Portugal como tambm profisso

    exercida no pas de origem. Quanto LM, as respostas dos inquiridos parecem retratar o passado

    histrico recente do pas natal enquanto parte integrante da Unio Sovitica. Efectivamente, apesar

    de verificarmos a existncia de um nmero significativo de informantes (49%) para quem o

    Ucraniano assume isoladamente o estatuto de LM, tambm encontramos 19% de respostas que se

    referem exclusivamente Lngua Russa e 31% s lnguas Ucraniana e Russa em simultneo.

    Quanto aos imigrantes chineses deste estudo, estes distribuem-se, em termos etrios,

    essencialmente pelas faixas dos 18-24 (36%), 25-30 (16%), 31-37 (24%) e 38-40 (16%). Quanto ao

    tempo de residncia em Portugal tambm ele um pouco disperso. Com efeito, no obstante

    constatarmos que 42% dos inquiridos esto em Portugal h menos de 3 anos (inclusive)

    ilustrando, assim, o boom demogrfico de imigrantes de origem chinesa em Portugal nos ltimos

    anos , os dados permitem-nos tambm perspectivar percursos de imigrao eventualmente um

    pouco mais longos, ainda que circunscritos ao perodo de uma dcada (20% das respostas situam-se

    entre os 7 e os 10 anos, inclusive). A nvel das habilitaes acadmicas, o grupo parece subdividir-

    -se em duas categorias: a dos licenciados e ps-graduados ou em vias de obter uma ps-graduao

    (52%); e a dos que possuem apenas o ensino bsico completo (44%) cf. Anexo 1 Grfico 1.

    Em termos profissionais, destacam-se claramente, e semelhana dos cabo-verdianos, os estudantes

    (76%). Por fim, no que concerne LM dos inquiridos, as respostas dos sujeitos atestam a

    diversidade dialectal presente em territrio chins. De facto, muito embora uma grande parte dos

    sujeitos (56%) se refira indistintamente Lngua Chinesa9, alguns inquiridos fazem questo de

    especificar a variedade dialectal que consideram ser a sua LM, a saber: Cantons (28%), Mandarim

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    (8%) e dialecto de Xangai (4%). Apenas um dos informantes refere simultaneamente as Lnguas

    Chinesa e Portuguesa.

    2. Consideraes finais do Projecto Aproximaes

    Tendo em considerao que Portugal um pas onde, apesar das alteraes significativas

    ocorridas durante as ltimas dcadas, se continua a verificar, para a maior parte da populao, uma

    sobreposio de factores identitrios (lngua, cultura, valores, nacionalidade), torna-se urgente

    estar atento s mltiplas formas de viver e sentir a LP presentes em territrio nacional,

    nomeadamente por parte daqueles cujo background histrico, social, cultural e lingustico

    substancialmente diferente do dos autctones.

    , ento, nesse sentido, e partindo do princpio fundamental de que a questo da integrao

    dos cidados estrangeiros passa, entre outros aspectos, pelo desenvolvimento de competncias na

    lngua do pas de acolhimento (a qual permite a criao de laos afectivos com uma nova ptria),

    que consideramos de fulcral importncia produzir conhecimento acerca das novas realidades com

    que nos deparamos e desenvolver estratgias que nos permitam agir em conformidade com as

    mesmas. Teremos em conta, para o efeito, que as relaes que os sujeitos estabelecem com a LP

    podem ir da total identificao at ausncia dessa identificao. Todavia, prevemos que essa

    relao se possa fazer em complementaridade com outras pertenas, em constantes recriaes da

    prpria ptria lingustica.

    2.1. Lngua e Integrao

    Uma pessoa chega c, no conhece nada, no sabe falar! muito complicado viver no meio de

    pessoas estranhos! (K.92)

    A existncia humana caracteriza-se pelo seu carcter social e socializante. Desde sempre, o

    Homem tem tendncia a organizar-se em sociedade, criando relaes de interdependncia que

    garantem a sua sobrevivncia. Mesmo nos locais mais recnditos do planeta, onde o fenmeno da

    globalizao tem dificuldade em penetrar, os seres humanos organizam-se em tribos ou outras

    formas de estruturao social. Ora, um dos factores mais importantes, e que possibilita esta vivncia

    em comunidade, a comunicao, e especificamente a comunicao verbal possibilitada pela

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    utilizao da linguagem. Neste sentido, as lnguas, como marcas dessa capacidade de linguagem

    e, assim, como marcas de pensamento , desempenham um papel fundamental na coeso e na

    organizao social. Precisamos delas para interagir com as outras pessoas, para exercer uma

    profisso, para transmitir, receber e perpetuar conhecimentos, para expressar opinies e

    sentimentos, para pedir informaes, entre tantas outras funes que no so s comunicativas, mas

    antes tambm afectivas, cognitivas e socializantes.

    Assim sendo, facilmente se conclui que o desconhecimento da lngua falada pela maioria

    dos elementos de uma comunidade dificulta a integrao na mesma. No caso especfico dos

    imigrantes, a barreira lingustica , sem dvida, o primeiro obstculo, entre muitos, com que se

    deparam:

    Factor determinante na integrao social dos migrantes na sociedade de acolhimento a

    aquisio de um conjunto de competncias sociais e culturais. De entre estas competncias, as competncias lingusticas assumem uma importncia particular, dado que permitem criar e manter formas de relacionamento com a populao autctone e a aquisio de informaes sobre oportunidades existentes nas diversas esferas sociais (oportunidades culturais, econmicas, etc.). Existe a este respeito uma crescente literatura que procura avaliar, sobretudo, a influncia das competncias lingusticas dos imigrantes sobre a sua integrao socioprofissional e, em particular, sobre o aumento dos seus nveis salariais (veja-se, por exemplo, Chiswick, 1991; Chiswick e Miller, 1996; Dustmann, 1994; Espenshade e Fu, 1997). (Baganha, Marques & Gis, 2004: 106)

    Uma das entrevistadas de nacionalidade chinesa confirma esta constatao atravs do relato

    da sua prpria experincia: quando c cheguei, pronto, as pessoas deixavam-me de lado porque

    eu no sabia falar, no sabia o que que as pessoas faziam, ento, ficava sempre num cantinho e

    depois, quando tocava, ia para as aulas, e depois no intervalo ficava l outra vez! Depois, com

    com tempo, aprendi falar, comecei conversar com as pessoas! Pronto, a que comecei a entrar

    mesmo a minha vida como deve ser! Acho que isso! (K.132).

    O sucesso escolar e/ou profissional e a maior ou menor incluso dos imigrantes numa

    sociedade que ao princpio lhes estranha dependem, entre outros aspectos, do conhecimento que

    tm da lngua de acolhimento. Por outro lado, a aprendizagem dessa mesma lngua ser

    condicionada pela importncia que os sujeitos lhe atribuem, ou seja, quanto mais importncia

    reconhecerem necessidade de dominarem a lngua do pas de acolhimento, mais se empenharo na

    sua aprendizagem e, consequentemente, melhor e mais depressa conseguiro atingir uma boa

    proficincia lingustica (Gardner & Lambert, 1972). Por esse motivo, iremos analisar alguns

    indicadores que evidenciam a importncia atribuda LP pelos sujeitos entrevistados das trs

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    comunidades em anlise, bem como alguns indicadores do grau de integrao revelado pelos

    mesmos nos questionrios, de modo a estabelecer uma relao entre estas duas vertentes. Temos

    conscincia, no entanto, de que h outros factores que intervm no processo de aquisio

    lingustica, tais como as caractersticas pessoais dos sujeitos (idade, sexo, factores de ordem

    cognitiva), os seus repertrios lingusticos (a proximidade lingustica entre a LM e a lngua de

    acolhimento, o conhecimento prvio de outras lnguas), as motivaes inerentes aprendizagem

    da lngua-alvo (que podem ser integrativas e/ou instrumentais, estando estas ltimas relacionadas,

    entre outros aspectos, com a necessidade de domnio lingustico que o prprio meio impe, como,

    por exemplo, o tipo de profisso exercida) e os constrangimentos scio-profissionais e econmicos

    (a facilidade ou no em aceder a cursos de lngua e o tempo disponvel para dedicar ao estudo da

    lngua).

    2.1.1. Anlise de alguns indicadores de integrao

    Nesta subseco procederemos anlise das respostas dos inquiridos relativamente a quatro

    questes que indiciam o seu grau de integrao na sociedade portuguesa. Temos de ter sempre

    presente, no entanto, de que se trata de indicadores, deixando, como tal, alguma margem de

    interpretao ao investigador. As questes em causa incidem sobre os seguintes aspectos: inteno

    de fixar residncia definitiva em Portugal; sentimentos relativamente aos portugueses; regularidade

    com que frequentam a casa de portugueses; e regularidade com que frequentam instituies e

    associaes portuguesas.

    Com base no background lingustico e cultural destas trs comunidades, poderamos tentar

    prever qual o grau de sucesso com que cada um dos trs grupos do estudo se integraria em Portugal.

    A hiptese a colocar, baseada em critrios sociolingusticos e (inter)culturais, seria a seguinte: os

    cabo-verdianos seriam a comunidade com maiores probabilidades de se integrar na sociedade

    portuguesa, uma vez que a LP a lngua oficial de Cabo Verde e dada a ligao histrico-cultural

    entre os dois pases. Nas palavras de uma entrevistada cabo-verdiana, eu acho que para ns, os

    imigrantes dos PALOPs, Portugal j um pas mais fcil de integrao, porque j temos

    conhecimentos anteriores! A colonizao trouxe coisas boas; j conhecamos a lngua, j sabamos

    um pouco da cultura (M.364). No extremo oposto teramos a comunidade chinesa: a LP e a LM

    destes imigrantes so linguisticamente distantes, assim como o contexto cultural radicalmente

    diferente. Seria, pois, a comunidade com menos probabilidade de integrao. No meio encontrar-se-

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    -ia a comunidade ucraniana, cuja LM se distancia da LP (mas no tanto como a dos chineses),

    embora pertencendo, tal como a LP, famlia de lnguas do Indo-Europeu. Por outro lado, a sua

    cultura, sendo diferente da portuguesa, no deixa de ser europeia, tendo, portanto, muitos pontos de

    contacto (lembre-se a difuso da cultura comunista em tempos ainda no muito recuados, por toda a

    Europa). Correspondero estas hipteses realidade apresentada pelos inquiridos?

    Com base na anlise dos dados, estas previses parecem no corresponder realidade

    apresentada pelos sujeitos que constituem a amostra deste estudo. Relativamente inteno de fixar

    residncia em Portugal, 57% dos ucranianos respondeu afirmativamente, enquanto que apenas 17%

    dos cabo-verdianos e 8% dos chineses partilha dessa inteno, o que se pode explicar pelos

    diferentes objectivos inerentes passagem da maioria dos sujeitos pelo territrio portugus. De

    entre os factores alegados pelos que responderam que no pretendem ficar em Portugal, destaca-se

    o desejo de voltar para o pas de origem, expresso por 16% dos chineses e por 23% dos cabo-

    -verdianos inquiridos. A este propsito, importa referir que uma grande parte dos cabo-verdianos da

    amostra so estudantes universitrios que vieram para Portugal com o nico propsito de investir na

    sua formao acadmica e, de seguida, voltar a Cabo Verde (tal como j foi, alis, mencionado

    aquando da caracterizao da amostra deste estudo). Efectivamente, dois entrevistados desta

    nacionalidade referem que o seu objectivo terminar a sua formao e regressar, porque eu quero

    contribuir para o desenvolvimento do meu pas (Il.72). ainda de referir que 5% dos cabo-

    -verdianos alega no gostar de Portugal e 1% refere a existncia de xenofobia. Por outro lado, 15%

    dos ucranianos diz que tenciona ficar porque gosta de Portugal. No geral das trs comunidades, as

    razes mais apresentadas quer na deciso de ficar, quer na de partir, quer para os indecisos,

    prendem-se com factores de ordem econmico-profissional (No, assim, eu quero ficar, mas

    depende. [] Concretamente eu posso dar exemplo muito claro que percebe se calhar a todo o

    portugus. Quando ns chegmos em Portugal, coisas, a vida, coisas como Economia era muito

    melhores [] era muito mais fcil encontrar trabalho, e agora J.206;218).

    Quanto ao segundo indicador analisado, foi solicitado aos indivduos que seleccionassem a

    frase que melhor exprimia o seu sentimento relativamente aos portugueses:

    a) no v inconveniente em casar-se com um(a) portugus(a);

    b) agrada-lhe t-los como amigos;

    c) agrada-lhe t-los apenas como colegas de trabalho;

    d) prefere t-los como simples conhecidos;

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    e) exclui-os das suas relaes pessoais.

    Uma vez que a primeira frase colocou algum desconforto (at porque alguns dos inquiridos

    j eram casados), vamos considerar as hipteses a) e b) em conjunto, pois ambas revelam o mesmo

    sentimento de simpatia e apreo pelos portugueses, no sendo particularmente relevante a questo

    do casamento para a anlise em causa. Assim, 92% dos informantes chineses seleccionou estas

    opes, bem como 75% dos ucranianos e apenas 51% dos cabo-verdianos. Esta ltima comunidade

    destacou-se ainda pela elevada relutncia em responder questo (39% dos cabo-verdianos

    inquiridos no respondeu). Quanto sua opinio sobre os portugueses, uma entrevistada ucraniana

    respondeu que Eu acho que este povo, no seu geral, povo bom! H muitos pessoas boas,

    dispostas de ajudar. Tambm, em geral, h pessoas que gosta muito de comunicar-se. No se pode

    dizer que essas pessoas so fechados ou cada um vive no seu mundo prprio! No! Eu acho que

    portugueses so muito abertos! (J.268).

    No que diz respeito frequncia da casa de portugueses, os ucranianos so os que afirmam

    faz-lo com mais regularidade (39%), seguidos dos chineses (32%) e, por ltimo, dos cabo-

    -verdianos (21%). de destacar que 23% dos cabo-verdianos alega nunca ir a casa de portugueses,

    por oposio a apenas 12% dos chineses e 4% dos ucranianos. Temos, no entanto, a este nvel, que

    ter em considerao as diferenas que existem entre as trs comunidades em termos de relao

    histrica, social e poltica com a populao portuguesa, que se traduzem, como bvio, em

    diferentes representaes e contactos inter-pessoais, interculturais e interlingusticos entre as

    comunidades estrangeiras em questo e os portugueses. tambm relevante o facto de as

    caractersticas sociais da amostra seleccionada no serem representativas das caractersticas das trs

    comunidades a que pertencem, uma vez que, ao contrrio da amostra, as comunidades cabo-

    -verdiana e chinesa no so constitudas maioritariamente por estudantes, mas sim por

    trabalhadores. A escolha da amostra no se prendeu, pois, com critrios sociais mas sim com

    critrios de ordem lingustica e, mais particularmente, com os percursos de aprendizagem da LP dos

    indivduos8.

    O ltimo indicador de integrao analisado prende-se com a frequncia de instituies e

    associaes portuguesas. Neste caso, os ucranianos e os cabo-verdianos do estudo so os que

    frequentam com maior regularidade (29% e 28%, respectivamente), e em menor quantidade os

    chineses (8%). Quanto a esta comunidade, h 48% que afirma nunca frequentar associaes ou

    instituies portuguesas, a par de 27% de cabo-verdianos e 20% de ucranianos.

  • 11

    Da leitura destes indicadores, e tendo em conta as diferentes modalidades de integrao

    defendidas por Pires (2003: 96 e seguintes), posicionadas num contnuo que apresenta, enquanto

    extremos, os plos da assimilao e da etnicizao (Pardal, Ferreira & Afonso, 2007: 73),

    podemos concluir que a comunidade ucraniana inquirida parece ser a mais integrada na nossa

    sociedade, aproximando-se mais do plo da assimilao. Quanto s outras duas comunidades, que

    demonstram aproximar-se mais do plo da etnicizao, os dados no so conclusivos, pois os cabo-

    -verdianos questionados revelaram, em mdia, uma menor predisposio para entrar em contacto

    com os autctones (i.e., menores motivaes integrativas cf. Gardner & Lambert, 1972), mas, por

    outro lado, os chineses da amostra frequentam com menor regularidade instituies portuguesas e

    manifestam menor vontade de ficar em Portugal. Mesmo assim, dado tudo o que foi dito

    anteriormente, arriscamo-nos a dizer que os informantes cabo-verdianos parecem ser os que

    revelam menores sinais de integrao, talvez, como diz um dos entrevistados, devido forma

    como encontrei aqui os colegas cabo-verdianos um pouco agrupados, s vezes, e acho que isto

    dificulta muito a integrao (A.434).

    2.1.2. Importncia atribuda LP no processo de integrao: grande, pequena ou nula?

    Para apurarmos a importncia atribuda LP, basemo-nos na resposta a trs perguntas do

    questionrio. Por um lado, os sujeitos inquiridos foram questionados quanto importncia que a LP

    teve na sua deciso de fixao ou no de residncia definitiva em Portugal. Constatmos que os

    respondentes das trs comunidades atribuem maior peso LP na sua deciso de ficar em Portugal

    (86% dos inquiridos que pretende ficar em Portugal afirma que a LP teve grande importncia nessa

    deciso). Podemos inferir que o facto de j conhecerem a lngua um factor acrescido, embora no

    o mais importante, para permanecerem no nosso pas. Por oposio, apenas 29% dos que

    responderam que no pretendem ficar diz que a LP teve grande peso nessa deciso. Estes dados

    poderiam indicar que tencionam sair de Portugal por causa de dificuldades lingusticas em LP, mas

    no nos parece ser esse o caso. A interpretao mais adequada prender-se- talvez com a inteno

    manifestada por alguns inquiridos de ir para pases onde a LP necessria, como o caso dos cabo-

    -verdianos que querem voltar para o seu pas de origem.

    A segunda questo analisada prende-se com a importncia que os indivduos atribuem LP

    relativamente concretizao das suas ambies profissionais:

  • 12

    a) exercer a sua profisso;

    b) montar um negcio;

    c) ganhar dinheiro independentemente da actividade.

    Observmos que 93% dos que ambicionam montar um negcio atribui grande importncia

    LP na tomada dessa deciso, o que demonstra que tm conscincia de que no basta ter esprito

    empreendedor para arriscar a nvel empresarial; muito importante, para alm disso, o poder e

    competncia de comunicao. Por outro lado, a percentagem de pessoas que no pensa em montar

    um negcio e que atribui grande importncia LP nessa deciso baixa para 82%, sendo, ainda

    assim, um valor bastante significativo.

    Por fim, os sujeitos entrevistados foram solicitados a atribuir um valor entre 1 e 5 (sendo 1 o

    mnimo e 5 o mximo) a oito afirmaes relativas relevncia da LP:

    a) facilita a integrao na sociedade portuguesa;

    b) facilita o exerccio da sua actividade;

    c) permite-lhe fazer amizades com os portugueses;

    d) possibilita-lhe melhorar de vida;

    e) possibilita-lhe melhorar a situao profissional;

    f) possibilita-lhe exercer a sua profisso;

    g) possibilita-lhe melhorar/alargar relaes sociais;

    h) possibilita-lhe ir trabalhar noutro pas de LP.

    Depois de feita a mdia das respostas de cada comunidade, conclumos que, de forma geral,

    os ucranianos inquiridos so aqueles que atribuem maior peso LP (mdia de 4,5 valores), seguidos

    dos cabo-verdianos (3,9 valores) e, por ltimo, dos chineses (3,3 valores).

    Se considerarmos a mdia das respostas de cada comunidade a cada um dos oito parmetros

    referidos (cf. Grfico 2), podemos perceber quais as reas que os inquiridos consideram beneficiar

    mais do conhecimento da LP e quais aquelas para as quais a LP menos relevante.

  • 13

    Grfico 2 Representaes dos sujeitos sobre a importncia da LP

    Comeando pela comunidade ucraniana participante no projecto, a LP parece ser muito

    importante para melhorar a situao profissional (4,8 valores), para exercer a sua actividade (4,7),

    para a integrao na sociedade portuguesa (4,7) e para melhorar/alargar relaes sociais (4,6).

    Temos, ento, presentes duas vertentes: a vertente profissional e a vertente de interaco com outras

    pessoas. A amplitude das respostas de apenas 0,4 valores, entre 4,4 e 4,8, excepto no que se refere

    a ir trabalhar noutro pas de LP, que apenas mereceu 3,5 valores (apenas 8% dos ucranianos afirmou

    no tencionar permanecer em Portugal). Podemos, ento, concluir que, excepo deste ltimo

    aspecto mencionado, esta comunidade reconhece uma importncia muito elevada LP em relao a

    todos os parmetros considerados.

    Quanto comunidade cabo-verdiana respondente, a amplitude das respostas de 1,1

    valores, merecendo a resposta mais baixa 3,4 valores e a mais alta 4,5. Na opinio dos informantes,

    a LP tem mais influncia na integrao na sociedade portuguesa (4,5), no exerccio da sua

    actividade (4,3), na possibilidade de ir trabalhar noutro pas de LP (4) e no exerccio da sua

    profisso (3,9). Temos de considerar que alguns dos inquiridos de nacionalidade cabo-verdiana so

    estudantes universitrios, como j dissemos anteriormente, cujo objectivo obter qualificaes

    acadmicas que lhes permitam aceder a boas posies profissionais em Cabo Verde. Um dos

    entrevistados dizia que Estou c para estudar. Prefiro abdicar de umas frias que certamente so

    bem passadas e concluir a minha formao num curto espao de tempo. Portanto este meu

    objectivo, e depois regressar de vez (Il.66). Deste modo, as suas representaes quanto

    1

    2

    3

    4

    5

    integrao na sociedade portuguesa

    exercer a sua actividade fazer amizades com os

    portugueses melhorar de vida melhorar a

    situao profissional

    exercer a sua profisso melhorar/alargar relaes sociais ir trabalhar noutro pas de LP

    Ucranianos Cabo-verdianos Chineses

  • 14

    importncia da LP reflectem essa inteno de regressar ptria: o facto de conhecerem previamente

    a lngua falada na sociedade de acolhimento facilita a sua integrao, e, consequentemente, o

    sucesso acadmico; o facto de viverem em contexto de imerso lingustica contribui para a melhoria

    da sua proficincia em LP, o que uma mais-valia muito grande, dado que em Cabo Verde os

    melhores cargos so ocupados pelos que possuem um bom domnio da lngua oficial (a LP) Por

    exemplo, podes estar numa funo que, por exemplo, o chefe exija ou que mesmo necessrio

    [falar Portugus]! Por exemplo, antes de vir para Portugal, eu trabalhava no protocolo do Estado,

    portanto, que tipo relaes pblicas, era obrigado a falar em Portugus (Il.176-178).

    Por ltimo, no que se refere comunidade chinesa inquirida, o que mais se destaca o facto

    de todos os valores serem baixos, variando entre 3 e 3,4, excepo da importncia reconhecida

    LP na melhoria da situao profissional (3,8). De acordo com estes dados, pode concluir-se que os

    chineses do estudo consideram que o domnio da LP no muito relevante para qualquer dos

    aspectos em anlise, sendo possvel (sobre)viver em Portugal tendo apenas conhecimentos

    elementares da LP. precisamente esta ideia que uma das entrevistadas chinesas expressa,

    referindo-se mais aos seus conterrneos do que ao seu caso particular: h outra coisa que um

    factor muito forte, que os chineses pensam que no precisam de Portugus para viver! assim,

    eles esto aqui, aprende-se um bocadinho porque necessitam, mas no querem, no tm vontade de

    aprender o Portugus, porque uma pessoa quando c chega, qualquer chins chega l: Olha,

    Portugus muito difcil!. E uma pessoa fica com ideia: Olha, Portugus muito difcil!,

    Olha, se calhar eu no vou conseguir aprender o Portugus! Uma pessoa j tem receio de ir l

    experimentar uma coisa! E ento quando comea com os verbos ou com as palavras assim difceis,

    olha, melhor eu noeu, abrindo um bocadinho, para vender ou para trabalhar, resto deixo

    estar! (K.148).

    2.1.3. A importncia conferida LP reflecte-se no grau de integrao?

    Tendo em conta a anlise efectuada, em relao amostra deste estudo, dos indicadores de

    integrao e dos indicadores que revelam a importncia atribuda LP, parece que, de facto, estes

    dois factores esto relacionados. Podemos observar que a comunidade ucraniana do estudo a que

    reconhece maior importncia LP a diversos nveis e, simultaneamente, a que revela mais sinais de

    integrao na sociedade portuguesa. As representaes que tm sobre a necessidade do domnio da

    lngua de acolhimento reflectem-se no esforo que investem nesse sentido, nomeadamente na

  • 15

    elevada frequncia de cursos de LP direccionados a estrangeiros e nas estratgias de aprendizagem,

    como veremos mais adiante, na seco consagrada a esta temtica (cf. seco 2.3.). de destacar

    que valorizam muito o contacto com os portugueses enquanto meio de melhorarem a sua

    proficincia em LP: eu acho que quando a pessoa tem uma vida activa, no trabalha s com

    imigrantes, no lida s com as pessoas da terra dela, s com os imigrantes, e no trabalha s com

    mquinas, trabalha com as pessoas e comunica muito, ajuda muito! Porque esses situaes

    normais, no ? Eles puxam um bocado pela cabea e a pessoa, pronto, aprende e tenta

    desenrascar-se! E um estmulo sempre. A pessoa precisa de dizer, de explicar alguma coisa, tem

    que s vezes ir buscar alguma palavra ao dicionrio, ou perguntar ao colega, ou sei l! Ou tentar

    explicar alguma coisa com ajuda das outras coisas, as outras palavras, at desenhos e gestos d!

    (V.144-146). Alm de ser uma boa estratgia de aprendizagem da LP, a interaco com os

    portugueses assume-se igualmente como uma excelente estratgia de integrao. Outro factor

    importante de integrao a valorizao e receptividade que demonstram em relao cultura

    portuguesa: para aprender o Portugus, a pessoa tem que fazer muito esforo, fazer muito esforo

    e sempre falar com os portugus e pedir para eles corrigirem, porque s assim consegue a pessoa

    aprender. Mas, alm disto, mantm a cultura, a cultura portugus; os livros, jornais, importante

    (D.244-246); assim, os nossos tradies de nossas festas, de nossa cultura, de nossa religio

    sempre estiveram na nossa casa, ns seguramos tradies: muito tradies de Natal, tradies de

    Pscoa, tradies, no consigo compreender como que pode ser na outra maneira, porque

    isso est vivo em ns, na nossa alma! Mas j tudo misturado. Ns temos celebrar nossa Natal

    tambm e cultura portuguesa, j est tudo misturado, at comida, at tradies. Natal,

    Carnaval, temos celebrar a nosso Natal, ns Pai Natal tambm vem na nossa casa, Iesmarov da

    nossa lngua, da nossa festa tambm vem, e nossas crianas tambm muito mais felizes, porque eles

    tm o Pai Natal e So Nicolau! (Ir.252-260).

    Quanto comunidade chinesa inquirida, os dados indicam ser o segundo grupo mais bem

    integrado dos trs grupos respondentes (embora seguidos de perto pelos cabo-verdianos), mas, ao

    mesmo tempo, o que menos importncia atribui LP. A justificao para a pouca importncia dada

    LP parece residir na dificuldade efectiva que tm em aprender Portugus, bem como nas

    representaes associadas a essa dificuldade (cf. tambm a transcrio de K.148, no final da

    subseco 2.1.2.) confesso que Portugus difcil, acho que Pronto, no s eu, h muitas

    pessoas dizem que Portugus uma das lnguas mais difceis do mundo! No quer dizer assim

    muito difcil, mas para os chineses uma lngua muito diferente, no tem nada a ver com Chins.

  • 16

    muito difcil de aprender! (K.151). Face a esta limitao, os elementos inquiridos desta

    comunidade parecem limitar-se a dominar o Portugus apenas o suficiente para conseguir exercer a

    sua profisso e limitam os contactos com os autctones aos indispensveis e aos que o seu domnio

    lingustico permite. Efectivamente, apesar de demonstrarem ter uma boa opinio sobre os

    portugueses (92% afirma gostar de t-los como amigos/ no ver inconveniente em casar com um

    portugus), isso no significa que convivam muito com os mesmos. Neste ponto diferenciam-se dos

    ucranianos e demais imigrantes de Leste, como uma entrevistada chinesa afirma: No , por

    exemplo, como os russos: trabalham; noite vo para os bares, falam com os portugueses e

    aprende-se muito mais rpido! isso eu acho! Os chineses no gosta muito do Portugus e no

    est assim muito -vontade com Portugus, porque no gostem, pronto! (K.148). Esto, por

    conseguinte, aqui em jogo, para alm do domnio da lngua do pas de acolhimento, todo um

    conjunto de factores que se relacionam com as prprias culturas de integrao dos sujeitos, com as

    diferenas culturais entre os grupos e as prprias personalidades dos seus membros, entre outros.

    No caso dos cabo-verdianos inquiridos, reconhecem bastante valor LP, at porque o facto

    de a lngua ser comum a Portugal e a Cabo Verde (porque oficial neste pas) um dos motivos, a

    par de factores histrico-culturais, da elevada emigrao deste pas para o primeiro e porque esto

    conscientes da mais-valia que constitui o domnio desta lngua em Cabo Verde. Por outro lado, no

    que se refere integrao surgem em ltimo lugar, relativamente aos elementos das outras duas

    comunidades analisadas, em parte devido ao sentido de pertena sua cultura e s saudades que

    sentem da sua terra e das suas famlias, que os leva a conviverem mais com pessoas da sua

    nacionalidade e os impede de se abrirem mais sociedade portuguesa: e depois, aquela coisa de

    separao, tambm, casa, famlia, isso tudo teve grande impacto!; aquela coisa, aquela msica

    quente, bastante tropical, que entrou-me pela alma, foi senti uma sensao agradvel; que

    saudades!; sofro bastante a separao, porque eu sempre fui uma pessoa muito ligada

    famlia! (A.42;64;436-438); Como podes imaginar, a saudade da famlia muito importante,

    principalmente eu sou muito apegado minha famlia, extremamente complicado. muito difcil.

    Eu costumo dizer aos meus colegas que o principal obstculo que os alunos estrangeiros tm

    quando saem, portanto, do pas lidar com a saudade, a distncia, porque muito complicado

    Por exemplo, eu s vezes estou a estudar, de repente bate-me: Ser que est tudo bem com a

    minha famlia?; [Entrevistadora]: Tens muito orgulho em Cabo Verde, no tens?

    [Entrevistado]: Tenho, tenho, tenho, tenho, tenho muito, muito! (Il.54-58;110).

  • 17

    Para concluir, resta-nos acrescentar que a modalidade de integrao dos imigrantes no

    depende nica e exclusivamente de si, da sua vontade, do seu domnio lingustico. Entre outros

    factores, so tambm importantes as representaes que deles tm os nativos do pas de

    acolhimento. No caso das comunidades ucraniana e cabo-verdiana, constatamos que a imagem que

    os portugueses em geral tm das mesmas se relaciona directamente com a sua modalidade de

    integrao. De facto, os portugueses nutrem simpatia e considerao pelos ucranianos, causadas no

    s por motivos que podem ser atribudos forma como esta comunidade se inter-relaciona com os

    autctones, mas tambm a uma certa compaixo pelo facto de crerem que uma grande parte dos

    ucranianos exercia, no seu pas de origem, profisses com um certo estatuto social, como mdicos,

    advogados e polticos, e que agora, em Portugal, exercem profisses muito abaixo das suas

    qualificaes (cf. ainda Mendes, 2007):

    Ainsi, lacteur social immigr de lEurope de lEst est surtout un homme (malgr quelques

    rfrences aux femmes et aux couples), adulte, dge moyen. Il travaille dans la construction civile et a une formation suprieure pour les fonctions quil exerce prsent. Il est arriv au Portugal travers des rseaux clandestins de main-doeuvre, venant surtout de Moldavie, dUkraine ou dune autre ancienne Rpublique de lUnion sovitique. Il est en situation illgale en situation de prcarit face un intermdiaire, un patron ou un entrepreneur et il veut lgaliser son statut. Il habite dans des baraques de chantiers ou loue des chambres. Il garde une grande partie de largent, travaille plus de dix heures par jour y compris les week-ends. Il est chrtien, de confession orthodoxe, il essaie dapprendre le portugais, envoie presque tout largent la famille quil veut faire venir pendant quelque temps, au Portugal. (Cunha, 2001: 100)

    Por oposio, a imigrao proveniente de Cabo Verde (bem como a de outras origens

    africanas de expresso portuguesa) tem sido pautada por representaes e atitudes diferenciadas, em

    termos de inter-relao com a comunidade de acolhimento, as quais se devem, essencialmente, a

    factores econmicos e scio-profissionais, determinadores do exerccio de poder, e que podem, de

    resto, ser ainda observadas actualmente (cf. ainda Arajo, 2006):

    Lacteur social-type dfini comme dorigine africaine qui na pas les honneurs du

    discours direct et dont les propos sont rapports est, dans cette tude de cas, manifestement un adolescent ou un jeune adulte. Il habite des quartiers dgrads ou de relogement dans la priphrie de la Grande Lisbonne, na pas en gnral de famille structure et a connu lchec scolaire et divers passages par des collges ou des instituts de rducation. Il est originaire du Cap-Vert, n au Portugal, et est peru comme un dlinquant ou un marginal ds quil refuse daccepter un emploi quelconque (li la construction civile ou faisant des travaux non qualifis). On laccuse en outre de prfrer en fonction de ses valeurs voler ou faire du trafic de drogue. (Cunha, 2001: 99)

  • 18

    [] embora o racismo revista hoje formas mais subtis e difusas, a percepo dos negros como uma ameaa social, percepo que pode ser associada ao racismo mais tradicional e flagrante, perdura na nossa sociedade. (Machado, 2001)

    2.2. Dificuldades Lingusticas

    Parece-me que eu no falo como fala um portugus. diferente! (V.82)

    Nesta seco, pretendemos essencialmente identificar e descrever as principais dificuldades

    lingusticas sentidas pelos informantes das trs comunidades em estudo, tendo como finalidade

    ltima fornecer algumas pistas relativamente aos contedos gramaticais em relao aos quais os

    professores de Portugus (em contexto formal e no formal) devem estar atentos. Com efeito, s um

    conhecimento aprofundado das dificuldades especficas sentidas pelos indivduos, bem como das

    causas que lhes so inerentes (a nvel lingustico), permitir ao professor desenvolver actividades e

    estratgias adequadas s situaes concretas de ensino/aprendizagem com que se depara. Isto torna-

    -se tanto ou mais premente se tivermos em considerao, por um lado, o facto de que grande parte

    dos professores, em Portugal, no possui formao especfica na rea da Didctica do Portugus

    como Lngua No Materna e, por outro, a pluralidade de pblicos com que, frequentemente, tm de

    lidar. Os resultados deste projecto, a este nvel, tm, por conseguinte, como objectivo facilitar o

    acesso destes professores a informaes lingusticas relativas a trs comunidades de imigrantes com

    bastante representatividade em territrio portugus.

    Iremos, ento, tendo em conta o acima exposto, analisar as representaes dos respondentes

    das trs comunidades em estudo em relao s suas principais dificuldades na apropriao da LP e

    s causas que apresentam para as mesmas, tendo em considerao, sobretudo, o primeiro objectivo

    do projecto10. Para tal, recorreremos ao cruzamento de dados obtidos atravs dos questionrios e das

    entrevistas, nomeadamente:

    a) das respostas dos 175 informantes a uma pergunta em que era solicitado que escolhessem, dos

    itens apresentados (cf. Anexo 2 Quadro 1), as dificuldades sentidas em relao

    aprendizagem do Portugus; esta questo obteve um total de 525 respostas, visto que os

    indivduos, de acordo com as instrues dadas, deveriam seleccionar 3 tpicos gramaticais;

  • 19

    b) dos discursos dos 10 indivduos entrevistados, seleccionados a partir do grupo dos 175

    inquiridos, tal como explicitado anteriormente em relao s razes que, na sua perspectiva,

    esto na origem dos problemas previamente identificados nos questionrios.

    A anlise comparativa dos dados obtidos na pergunta supracitada do questionrio permite-

    -nos atestar uma homogeneidade considervel no que diz respeito s principais dificuldades

    mencionadas pelos sujeitos das trs comunidades. Com efeito, se considerarmos os 5 tpicos

    gramaticais que renem maior nmero de respostas, verificamos uma forte incidncia nos itens

    referentes concordncia das formas verbais (16%), utilizao da preposio (12%), estrutura

    da frase (12%), pronncia (11%) e formao dos tempos (11%), tal como possvel observar no

    Quadro 1 (Anexo 2).11

    Esta constatao afigura-se, no nosso entender, particularmente interessante, tendo em conta

    que nos estamos a referir a indivduos cujas LMs so geneticamente distintas entre si, as quais, por

    apresentarem estruturas diversificadas, poderiam eventualmente originar aproximaes diversas

    LP. Vejamos, ento, at que ponto os argumentos apresentados pelos sujeitos para a seleco destes

    itens, bem como as explicitaes veiculadas em relao s causas das diferentes dificuldades,

    variam ou no de grupo para grupo e se esto ou no em conformidade com as realidades

    lingusticas em questo. Para tal, analisaremos as representaes metalingusticas dos entrevistados

    em relao aos 5 tpicos identificados como mais problemticos e recorreremos anlise

    contrastiva dos aspectos gramaticais que podero estar na origem dessas mesmas dificuldades12.

    2.2.1. Verbos (concordncia das formas verbais; formao dos tempos)

    O domnio que parece causar mais problemas aos falantes das trs comunidades , sem

    dvida alguma, o dos verbos. Com efeito, no s a categoria concordncia das formas verbais

    rene o maior nmero de respostas nos trs grupos (17%, nos chineses e ucranianos e 14%, nos

    cabo-verdianos) como em todos eles o item formao dos tempos ocupa tambm um lugar de

    destaque, a saber: a segunda posio no grupo dos chineses (13%), a terceira no dos ucranianos

    (12%), e a quinta no dos cabo-verdianos (9%). O cruzamento destes dados com as explicitaes

    fornecidas pelos sujeitos nas entrevistas levanta-nos, no entanto, algumas dvidas em relao ao

    tipo de dificuldade especfica sentida pelos falantes, uma vez que os diferentes aspectos so

    referidos indistintamente, verificando-se, pois, uma certa confuso de conceitos aproximados (o que

  • 20

    pode, porventura, ser uma consequncia do fraco domnio de metalinguagem mais rigorosa). Assim,

    quando inquiridos sobre as dificuldades relativas concordncia das formas verbais, dois

    entrevistados ucranianos e um chins referem-se, na realidade, problemtica dos tempos verbais e

    uma falante cabo-verdiana reporta-se simultaneamente (e de modo algo hesitante) a estes dois

    aspectos (concordncia das formas verbais e tempos verbais). Vejamos, ento, a que que se

    referem concretamente os sujeitos e quais as causas inerentes s dificuldades enunciadas.

    No que diz respeito aos falantes de origem chinesa, e de acordo com a explicao de uma

    das entrevistadas, o problema dos tempos verbais reside no facto de na sua LM os verbos serem

    utilizados apenas no infinitivo e a informao de tempo ser expressa atravs de outros elementos,

    tais como advrbios: ns usamos, olha, amanh. Amanh amanh! Ns no usamos vou; :

    amanh fazemos qualquer coisa! (K.27). Reportando-se, portanto, ao carcter no flexional da

    Lngua Chinesa (que se verifica no s em relao a questes de tempo, mas tambm a questes de

    gnero e nmero), a aluna remete para uma das principais caractersticas do funcionamento da sua

    LM: a existncia de palavras vazias/ funcionais (palavras com sentido abstracto que possuem uma

    funo gramatical) e a relevncia da ordem das palavras na frase para concretizar a expresso dos

    tempos, modos e aspectos verbais, e do gnero e nmero, entre outras funes (Wang, 2002: 347-

    348). Deste modo, podemos concluir que as suas dificuldades em LP dizem respeito quer aos

    tempos verbais, quer s concordncias das formas verbais, concretizados de forma diferente na sua

    LM. A principal causa dos problemas a este nvel parece ser, ento, o carcter eminentemente

    analtico da Lngua Chinesa, o que dificulta a compreenso, por parte dos falantes chineses, da

    pertinncia e das funes desempenhadas pelas estruturas altamente flexionais dos verbos em LP.

    No entender de uma das entrevistadas, o Chins toda a gente entende [] o Portugus complicar

    tantas coisas que ns nem sequer precisamos! (K.42). A este nvel, torna-se tambm claro que a

    problemtica dos verbos surge, neste grupo de falantes, intrinsecamente associada a questes

    sintcticas (pelas razes acima evocadas e como teremos oportunidade de aprofundar mais adiante),

    o que, de resto, se pode comprovar pelos resultados obtidos nos questionrios, que revelam que a

    estrutura da frase a terceira dificuldade mencionada pelos sujeitos desta comunidade (12%), logo

    a seguir concordncia das formas verbais (17%), e formao dos tempos em exequo com a

    utilizao da preposio (13%).

    Quanto aos imigrantes ucranianos deste estudo, o principal problema parece residir nos

    tempos verbais, contedo gramatical que, segundo uma das entrevistadas, de uma exigncia tal

    que o seu estudo no pode ser feito sozinho, antes exigindo o acompanhamento por parte de um

  • 21

    professor. A causa primordial apontada pelos entrevistados em relao a esta dificuldade a

    existncia de muitos tempos morfolgicos em LP, mais do que os existentes em LM, que so

    apenas trs Passado, Presente e Futuro. De acordo com alguma bibliografia consultada sobre o

    funcionamento da Lngua Russa13 (Mateus, Pereira & Fischer, 2006; Wade, 2002; Beard, 1996),

    existem efectivamente apenas trs tempos verbais e dois modos (Indicativo e Imperativo), ao

    contrrio do que acontece em Portugus, cujo sistema temporal mais complexo. Por outro lado,

    prevamos que os informantes mencionassem as diferenas ao nvel do sistema aspectual, dado que

    a que o afastamento entre a LP e a LM mais evidente e susceptvel de originar mais

    dificuldades. Enquanto que em Portugus a expresso do aspecto atravs do sistema verbal

    indissocivel da conjugao temporal, em Russo a maioria dos verbos tem um verbo correspondente

    com o mesmo significado e, frequentemente, com o mesmo radical, mas com valor aspectual oposto

    verbos perfectivos e imperfectivos. Estas duas formas distinguem-se normalmente pela presena

    de afixos e conjugam-se no passado e no futuro (sinttico ou analtico); os imperfectivos conjugam-

    -se tambm no presente. O facto de esta distino entre a LP e a LM no ter sido referida nas

    entrevistas pode ser explicado pela inexistncia de conscincia metalingustica a este nvel, ou seja,

    pela ausncia de conscincia dos sujeitos em relao codificao aspectual na sua lngua de

    origem e na de acolhimento, o que resulta, frequentemente, na produo de frases como a que de

    seguida apresentamos: Naquela altura j pessoas tiveram um nvel diferente de lngua e era muito

    difcil, num grupo, por exemplo, de seis ou oito pessoas, dar aulas para todos no mesmo tempo

    (J.50). No que se refere concordncia das formas verbais, apenas um entrevistado mencionou este

    tpico como sendo um problema, justificando-o com as diferenas entre as duas lnguas em questo

    (LP e LM). De facto, como o informante menciona, embora de forma muito superficial e no

    recorrendo a metalinguagem precisa, as formas verbais, em Portugus e em qualquer um dos modos

    e tempos, concordam com o sujeito em pessoa e nmero, perfazendo, ao todo, seis pessoas

    gramaticais. Em Russo o mesmo sucede para o Presente e para o Futuro, mas no para o Passado,

    em que as formas verbais concordam em gnero (feminino e masculino) e nmero (singular e

    plural), havendo, deste modo, quatro formas verbais no Passado.

    Relativamente ao pblico cabo-verdiano, apenas uma das entrevistadas se refere a esta

    problemtica, referindo-se simultaneamente concordncia das formas verbais e aos tempos

    verbais, e fazendo aluses a outras questes de ordem sintctica, como por exemplo a utilizao das

    preposies. A informante atribui a causa dos seus problemas neste domnio, por um lado, s

    lacunas que possui em termos de formao escolar (porque so falhas que no meu caso trouxe

  • 22

    desde a escola M.108) e, por outro, ao predomnio lingustico-comunicativo e afectivo do CCV

    relativamente LP ( assim, eu no sei explicar; eu s sei eu cresci com o Crioulo M.118).

    No desconsiderando a primeira justificao apresentada pela informante, estamos, todavia, em crer

    que os principais problemas, neste mbito, residem efectivamente nas diferenas que se verificam

    entre a LM dos sujeitos e a LP, visto que em CCV os verbos no flexionam em nmero e gnero e a

    expresso de tempo, modo e aspecto no se realiza atravs de conjugao verbal, mas atravs da

    utilizao de morfemas (cf. Mateus, Pereira & Fischer 2006; Veiga, 2002). A falta de conscincia

    dos sujeitos em relao a esta dificuldade (bem como a outras que mencionaremos ao longo desta

    seco) resultar, em nosso entender e entre outros aspectos, da falta de competncias escritas dos

    indivduos em LM14. Consideramos, pois, que, a este nvel, o grupo de cidados de origem cabo-

    -verdiana deste estudo se encontra em clara desvantagem em relao aos restantes, no podendo

    tirar partido daquilo que constitui o principal elemento impulsionador da apropriao de uma nova

    lngua: a LM do sujeito (cf. Ringbom, 1987; James & Garrett, 1991; Hawkins, 1996; James, 1996).

    2.2.2. Utilizao da preposio

    A utilizao das preposies em LP outro dos aspectos que rene algum consenso entre as

    3 comunidades que constituem o pblico-alvo deste projecto, ocupando a segunda posio no caso

    dos imigrantes chineses e cabo-verdianos (com 13% de respostas, em ambos) e a quinta posio no

    caso dos falantes de origem ucraniana (com 11% de respostas).

    Muito embora no encontremos, nas entrevistas dos falantes de origem chinesa, qualquer

    referncia a este tpico, podemos indicar como possvel causa para este problema lingustico, e de

    acordo com a bibliografia consultada, o facto de no haver, em Mandarim e LP, uma

    correspondncia directa no que a esta categoria gramatical diz respeito. Ou seja, verifica-se uma

    falta de equivalncia quer a nvel da categoria gramatical em que se inserem, quer em termos das

    funes desempenhadas entre as palavras vazias/funcionais em Mandarim (j referidas) e as

    preposies ou outras classes de palavras em LP. A ttulo exemplificativo, Wang refere que o

    termo auxiliar de equivale preposio de e ao pronome relativo que em portugus (2002:

    348). Ora, se tivermos em considerao o grande nmero e variedade de preposies e locues

    prepositivas de que a LP faz uso para expressar diferentes funes sintcticas (ex.: Objecto

    Indirecto), bem como a complexidade das regncias verbais em Portugus (i.e., saber quais as

  • 23

    preposies exigidas por cada verbo), torna-se clara a perplexidade que um sistema como o da LP

    pode causar a um falante chins a este nvel.

    No que diz respeito aos informantes ucranianos, e semelhana do sucedido nas entrevistas

    dos falantes chineses, no observmos, nos seus discursos, qualquer tentativa de explicao para

    esta dificuldade. H, no entanto, um entrevistado que associa este problema ao da concordncia dos

    nomes em gnero, pois considera particularmente difcil fazer a contraco de preposies com

    artigos (inexistentes em Russo), os quais veiculam em LP a informao de gnero (sendo esta outra

    causa de dificuldades para os falantes ucranianos). Com base nas diferenas entre a LP e a LM dos

    sujeitos, podemos apresentar o sistema de casos existente em Lngua Russa e Ucraniana como

    provvel explicao para a dificuldade sentida pelos inquiridos relativamente ao uso de preposies.

    Efectivamente, os nomes tm marcas de caso, o que significa que tm diferentes terminaes para

    indicar as diferentes funes sintcticas que podem desempenhar na frase: Nominativo, Acusativo,

    Genitivo, Dativo, Prepositivo e Instrumental, em Russo, e Nominativo, Acusativo, Genitivo,

    Dativo, Locativo, Instrumental e Vocativo, em Ucraniano. Em LP, pelo contrrio, no existem

    casos, sendo algumas funes sintcticas desempenhadas mediante o emprego de preposies. A

    isto acrescem as dificuldades causadas pela regncia verbal, j referidas a propsito das dificuldades

    dos falantes de origem chinesa.

    Quanto aos falantes de origem cabo-verdiana (cf. An, 1999a), o problema reside na

    diferente configurao do sistema de preposies das lnguas em contacto, neste caso, o CCV e a

    LP. Os entrevistados remetem, portanto, para a complexidade, em LP, da escolha da preposio

    adequada (s vezes, quando estou a utilizar o de, em, para [] confronto-me com

    situaes [] em que eu digo: Mas isto no est certo A.244) e para a problemtica das

    contraces das preposies com os artigos ([Entrevistadora]: Quando me falou no de e no

    em, est a falar nas contraces? [Entrevistado]: , de, da, , . A.289;292). No que diz

    respeito ao primeiro aspecto, a dificuldade em utilizar a preposio adequada no idioma do pas de

    acolhimento deriva, ento, da ausncia de uma correspondncia entre as preposies existentes nos

    dois sistemas lingusticos, como, por exemplo, a inexistncia, em CCV, da preposio a e a

    existncia de uma s preposio, pa, para representar as preposies portuguesas para e por

    (An, 2000, 2006). Acresce a isto ainda o facto de, na LM dos sujeitos, no existirem artigos

    definidos e, por conseguinte, no se realizar nesta lngua a contraco das preposies.

  • 24

    2.2.3. Estrutura da Frase

    A estrutura da frase uma dificuldade que, apesar de ter sido a terceira categoria mais

    referida no total das respostas obtidas no questionrio, acaba por ter uma distribuio menos

    homognea nos trs grupos em anlise. Com efeito, enquanto que para os ucranianos este foi o

    segundo item mais referido (16%), no grupo dos chineses ocupa a terceira posio (12%) e no dos

    cabo-verdianos o sexto lugar (8%). Vejamos, ento, at que ponto estes resultados podem ser

    indicadores, a este nvel, de uma maior distncia ou proximidade entre as LMs dos sujeitos e a LP.

    No que diz respeito aos falantes de origem chinesa, no observmos, nas entrevistas,

    referncias explcitas relativamente a este aspecto concreto. No entanto, , com efeito, em relao

    ao Mandarim que podemos observar as maiores dissemelhanas no que diz respeito ordem bsica

    dos elementos da frase, a qual, caracterizando-se por uma grande rigidez, no se relaciona, como

    em LP, com questes de funo sintctica, mas com critrios de natureza discursiva, a saber: a

    noo de tpico (a pessoa ou coisa sobre a qual se faz um comentrio) e a noo de definitude

    (informao nova vs informao j conhecida). O tpico corresponde normalmente a um sintagma

    nominal (que pode ou no coincidir com o sujeito) sobre o qual se faz um comentrio. Ocorre no

    incio da frase e diz sempre respeito a informao que j partilhada pelo emissor e pelo receptor.

    A definitude, que em LP expressa atravs dos artigos definidos e indefinidos (inexistentes em

    Lngua Chinesa), realizada na LM dos sujeitos atravs do posicionamento do sintagma nominal na

    frase. Assim, se estiver no incio da frase, o sintagma tem valor definido (corresponde, portanto, a

    informao conhecida); se aparecer no fim, tem valor indefinido (dizendo respeito a informao

    nova, no partilhada) (cf. Mateus, Pereira & Fischer 2006; Wang, 2002). Ainda no que diz respeito

    estrutura da frase, podemos verificar que, para alm dos constrangimentos colocados pela noo

    de tpico e definitude, existem tambm outras estruturas sintcticas cuja posio se encontra,

    partida, determinada, nomeadamente: os auxiliares e os sintagmas preposicionais, que, regra geral,

    precedem o verbo, e as oraes relativas, que precedem a expresso nominal (Mateus, Pereira &

    Fischer 2006; Wang, 2002: 247). A maior liberdade que caracteriza a ordem das palavras na frase

    em LP poder, ento, causar problemas no s ao nvel da produo como tambm ao nvel da

    compreenso de enunciados no idioma do pas de acolhimento, por parte destes sujeitos.

    Quanto comunidade ucraniana em estudo, as causas mencionadas para as dificuldades

    sentidas neste domnio relacionam-se, mais uma vez, com as diferenas existentes entre a LM e a

    LP, sendo referido por uma entrevistada que o Portugus exige o recurso a mais palavras do que a

  • 25

    LM (Em Lngua Ucraniana ou Russa [] ns no precisamos falar tanto palavras para construir

    frase! Ir.228-230). Com base no conhecimento que temos das lnguas Russa e Ucraniana, esta

    caracterstica confirma-se e prende-se com a inexistncia dos artigos (definidos e indefinidos), dos

    verbos copulativos ser e estar, e com a utilizao mais limitada de preposies ( qual j fizemos

    aluso anteriormente). Existe tambm uma maior flexibilidade no que diz respeito ordem das

    palavras na frase nomeadamente em relao posio do verbo , o que resulta, sobretudo, do

    sistema de casos, ao qual fizemos aluso na subseco 2.2.2., a propsito das preposies.

    Em relao aos falantes cabo-verdianos, no deixa de ser curioso que, no obstante o item

    da estrutura da frase no ter obtido, nesta comunidade, o mesmo relevo alcanado nas restantes

    (como j explicitado), se encontre, nas entrevistas, um nmero significativo de interaces votadas

    (tentativa de) explicao dos problemas sentidos pelos indivduos a este nvel. Assim sendo, os

    informantes apresentam como principais causas para esta dificuldade as seguintes: as diferenas

    existentes entre o CCV e a LP, promotoras de transferncias desadequadas (s vezes o Crioulo no

    sei se at que ponto permite ou deixa permitir que eu elabore uma frase de uma determinada

    maneira A.190), a vontade dos sujeitos de atingir a perfeio em LP (porque eu sou, sinto

    que tento ser eu no sei se um defeito, essa coisa de tentar ser perfeito! A.218) e a

    dificuldade, manifestada por um dos entrevistados, em expressar-se em LP (eu acho que a

    dificuldade que eu sinto [] em exprimir tem a ver com a minha pouca frequncia em leitura

    porque eu leio muito pouco! Il.206). Em relao a estes dois ltimos aspectos, cumpre realar o

    facto de estes indivduos possurem, por vezes, uma concepo errnea relativamente ao que

    significa falar bem Portugus. A ttulo de exemplo, referimos o caso de um dos entrevistados que

    se reporta ao registo de lngua como sendo indicador de correco lingustica (eu respondi:

    Calma, a professora est a tentar entrar em contacto com o meu colega; e o outro colega

    respondeu assim: O Il. fala muito caro! Il.330), no se apercebendo da inadequao do registo

    utilizado (formal), tendo em conta a situao concreta de comunicao em que se encontrava

    inserido (uma conversa informal entre colegas do ensino secundrio). No entanto, mais do que

    atentar nestes dois ltimos factores que, por se situarem a um nvel pessoal, podero no reflectir a

    perspectiva do grupo, importa aqui sobretudo analisar de que forma as diferenas sintcticas entre o

    CCV e a LP podero interferir na aprendizagem do Portugus. De acordo com a bibliografia

    consultada, o CCV , das 3 LMs em anlise, a que mais afinidades possui com a LP no que

    concerne ordem bsica dos elementos da frase (ambas possuem como estrutura base a seguinte:

    sujeito-verbo-objecto). As principais especificidades do CCV residem, ento, na no utilizao dos

  • 26

    artigos definidos e na anteposio do complemento indirecto ao complemento directo. Deste modo,

    mesmo que se verifiquem interferncias da LM dos sujeitos sobre a LP, estamos em crer que estas,

    em si, no constituiro obstculo comunicao. Trata-se, porventura, de preconceitos lingusticos,

    fundados sobre critrios sociolingusticos e econmicos (Bagno, 2000) dos sujeitos sobre a sua

    prpria LM, qui fruto de teorias antigas e infundadas que atribuam ao CCV o estatuto de um

    Portugus mal falado:

    Durante a poca colonial, o Crioulo era considerado por muitos como um Portugus mal

    falado ou, na melhor das hipteses, um dialecto do Portugus. Estas ideias arreigaram-se de tal maneira no imaginrio colectivo que ainda hoje prevalecem na mente de muitos portugueses e at de alguns cabo-verdianos. A ideia de Portugus mal falado radicava no preconceito, expresso por alguns autores, desde o sculo XIX, de que os falantes de Crioulo no eram capazes de imitar os portugueses. (Mateus, Pereira & Fischer 2006)

    2.2.4. Pronncia

    Quanto ao ltimo contedo gramatical que iremos abordar, a pronncia, podemos

    constatar que corresponde ao terceiro item mais mencionado no grupo dos cabo-verdianos (12%),

    ao quarto no grupo dos ucranianos (12%) e ao quinto no dos chineses (9%). , pois, interessante

    verificar a existncia de uma grande preocupao com o domnio do sistema fonolgico por parte

    da comunidade de falantes cuja LM geneticamente mais prxima da LP, o CCV em relao

    qual se vislumbrariam, partida, mais analogias com o idioma do pas de acolhimento. Analisemos,

    ento, quais as principais dificuldades dos trs grupos em relao a este item.

    Quanto aos falantes de Mandarim, o nico problema invocado nas entrevistas consiste na

    pronncia do som /R/ ( muito difcil, claro! Erre, logo no incio com aquele erre R.13).

    Como causa apresentada para o facto, uma das entrevistadas aponta, uma vez mais, a inexistncia,

    na sua LM, do referido som (normalmente ns no usamos rr e esta som no sai [] mesmo

    de origem; no d para fazer mais nada K.163-165). Efectivamente, o problema dos falantes de

    origem chinesa vai muito para alm da pronncia deste nico som, correspondendo, na realidade, a

    uma dificuldade em produzir consoantes vibrantes (/R/ ou /r/) ao nvel do aparelho fonador, por

    serem inexistentes na sua LM. Como a mesma entrevistada menciona: o som /R/ sai parece que de

    garganta! (K.159). Para alm desta dificuldade mencionada pelos sujeitos, poderamos acrescentar

    como potenciais dificuldades em LP a inexistncia, em Mandarim, das consoantes oclusivas e

    fricativas sonoras (/b/, /d/, /g/; /v/, /z/, /Z/), bem como das vogais nasais e dos ditongos nasais

  • 27

    (Mateus, Pereira & Fischer 2006). Estas dificuldades, que podem ou no causar obstculos em

    termos de comunicao, parecem, sobretudo, constituir factores de inibio para estes indivduos, os

    quais podem afectar o desenvolvimento de competncias no idioma do pas de acolhimento e

    condicionar a interaco com os portugueses, por exemplo.

    No que diz respeito aos entrevistados de origem ucraniana, trs dos indivduos entrevistados

    identificam a pronncia como uma dificuldade, tendo um especificado a dificuldade em pronunciar

    o som /R/, inexistente em Russo e Ucraniano, e dois referido os ditongos nasais. No primeiro caso,

    a entrevistada explicou que o sistema fonolgico da sua LM no contempla o som /R/, sendo este,

    inclusivamente, considerado um desvio em relao norma (Ns no temos; ns pensamos que

    isso defeito. [] L no fundo No sei explicar! Quando as crianas falam assim considera-se

    um defeito! Aqui o contrrio! V.88-92). Acrescentou que no dia-a-dia no se esfora por

    produzir este som, pois d mais importncia ao contedo do que pronunciao correcta das

    palavras. No caso dos ditongos nasais a mesma explicao apresentada: estes sons no existem na

    sua LM, sendo difcil aprender a pronunci-los de forma semelhante a um nativo. Ao que foi

    mencionado nas entrevistas podemos acrescentar que a pronncia e percepo das vogais

    particularmente problemtica para falantes eslavos, uma vez que em Portugus existem sons

    voclicos inexistentes nas suas LMs, como o caso de //, /e/ e //. Por outro lado, as diferenas ao

    nvel do sistema alfabtico tambm originam problemas de pronncia na leitura, bem como de

    ortografia: em Portugus, ao contrrio do que acontece em Russo, a cada letra pode corresponder

    mais do que um som e, alm disso, cada som pode ser representado por diferentes letras ou at por

    conjuntos de letras.

    Quanto aos informantes cabo-verdianos, e semelhana do que se verificou relativamente

    aos outros dois grupos, a principal dificuldade mencionada foi a da pronncia do som /R/, ficando

    subentendida, na interveno de uma das entrevistadas, que a causa do problema reside na ausncia

    deste som na sua LM, como podemos observar: so erres, o som diferente! A mim custa muito

    carregar nos erres depois que vim para aqui [Portugal] (M.252). Neste domnio, poderamos

    ainda invocar o sistema voclico do CCV como podendo estar na origem de algumas imprecises

    (resultado, por vezes, de hipercorreces) a nvel da pronunciao de alguns sons em LP,

    nomeadamente a abertura de algumas vogais que, no pas de acolhimento, so de pronncia (mais)

    fechada. A este nvel, importa destacar a preocupao manifestada pelos entrevistados em atingir

    um nvel de proficincia lingustica semelhante ao dos portugueses (A preocupao de falar um

    Portugus correcto; e mesmo eu sinto, portanto, a nvel, portanto, da minha pronncia que, ao

  • 28

    longo do tempo, melhorou bastante! Il.334). Muito embora estes aspectos no causem problemas

    de maior comunicao, esto, sem dvida alguma, e a par de muitos outros factores de ordem

    social, na origem de atitudes discriminatrias dos portugueses em relao a estes falantes. Com

    efeito, se verdade que em relao a este tpico gramatical que os ditos nativos se tornam

    particularmente intolerantes como refere Carl James:

    [native speakers] are at their most authoritative on matters of phonology, less so on morphology, less still on syntax, and least on semantics []. Phonetics waywardness [] is seen as a sign of helpless incompetence and just cause for derision (1998: 47)

    , tambm verdade que o nvel de intolerncia varia de acordo com o grupo em questo. Ao passo

    que os desvios produzidos (neste ou noutros domnios) por determinadas comunidades (por

    exemplo, falantes de origem inglesa ou francesa) so vistos como um sinal de exotismo ou de

    esforo comunicativo nas suas tentativas de aproximao aos interlocutores portugueses, os

    produzidos por outros grupos (nomeadamente os de origem africana) so, frequentemente,

    conotados com sentido pejorativo ou acolhidos como erro, como se como refere Mia Couto

    (1997) estivessem a desgastar a lngua. Estamos, novamente, no domnio do preconceito

    lingustico, anteriormente referido:

    O preconceito lingstico conseqncia dos preconceitos sociais. Em geral, exercido

    sobre as pessoas que sofrem mais estigmas na sociedade o analfabeto, o pobre, aqueles que no tm acesso escolarizao. Essas pessoas so acusadas de falar errado, de no saber falar, de estropiar a lngua. Quando se faz uma anlise mais refinada, do ponto de vista sociolgico, a gente percebe que h uma transferncia daquilo que a sociedade acusa a pessoa de ser para a lngua que ela fala. Ento, se a pessoa pobre, a lngua dela pobre. Se a pessoa vive numa regio considerada atrasada, a lngua dela vai ser considerada atrasada. (Bagno, 2005)

    2.3. Estratgias de Aprendizagem

    Para aprender Portugus a pessoa tem que fazer muito esforo. (D.244)

    Nesta seco, centrar-nos-emos, especificamente, nas estratgias de aprendizagem que os

    entrevistados julgam ser mais eficazes no processo de apropriao da LP, tendo como objectivo

    descrever o perfil de aprendizagem de cada uma das trs comunidades. Faremos, esporadicamente,

    referncia resposta a duas perguntas do questionrio uma sobre quais os exerccios15

  • 29

    facilitadores da aprendizagem da LP e outra sobre a existncia ou no de semelhanas entre a LM

    dos sujeitos e a LP (cf. Anexo 3 Quadro 2 e Anexo 4 Quadro 3). Como finalidade ltima,

    espera-se que os dados aqui apresentados possam constituir indcios pedaggicos orientadores das

    prticas de ensino do Portugus como Lngua No Materna a imigrantes destas nacionalidades.

    As trs comunidades referiram vrias estratgias (conjunto de operaes e recursos

    pedaggicos e/ou comunicativos) que utilizam com o objectivo de favorecerem a apropriao da

    LP. Partindo da tipologia apresentada por OMalley & Chamot (1990), citada tambm em Cyr

    (1998), procedemos categorizao das estratgias de aprendizagem mencionadas pelas trs

    comunidades, de acordo com a seguinte taxionomia: estratgias metacognitivas; estratgias

    cognitivas e estratgias scio-afectivas. Vejamos, em largos traos, o que se entende por cada uma

    delas:

    a) por estratgias metacognitivas entende-se a reflexo sobre o processo de aprendizagem, o que

    engloba a compreenso das condies que o favorecem, a planificao e a organizao das

    actividades, a auto-avaliao, a identificao das reas problemticas, o controlo ou a

    monitorizao das actividades de aprendizagem e a auto-correco;

    b) quanto s estratgias cognitivas, estas implicam uma interaco entre o aprendente e a LP, a sua

    manipulao mental e fsica e a aplicao de tcnicas especficas (ex.: a repetio de

    vocabulrio e sua memorizao, a tomada de notas, a traduo, a comparao com outras

    lnguas conhecidas, nomeadamente a LM, o uso de fontes potenciadoras de aprendizagem, tais

    como dicionrios, manuais, gramticas, media), com vista a resolver um problema ou

    executar uma tarefa de aprendizagem;

    c) por fim, as estratgias scio-afectivas implicam uma interaco com locutores nativos ou com

    pares com o intuito de favorecer a apropriao da LP e o controlo ou a gesto da dimenso

    afectiva, como a cooperao e a solicitao de apreciao/correco sobre a sua performance

    lingustica, bem como sobre o seu processo de aprendizagem.

    Apesar de, nas entrevistas, serem referidos os trs tipos de estratgias supracitados,

    podemos, com efeito, constatar que o peso atribudo a cada um varia consoante a comunidade a que

    os sujeitos pertencem.

    No que diz respeito aos informantes ucranianos, o principal aspecto a destacar reside no

    facto de eles se dedicarem por iniciativa prpria e de forma autnoma ao desenvolvimento de

  • 30

    competncias em LP, muitas vezes ainda antes da chegada a Portugal, aquando da deciso de

    emigrar (Comecei estudar Portugus quando eu ainda estava na Ucrnia, quando marido me

    disse que provavelmente vais para Portugal. Eu arranjei um livro e escrevi comecei aprender

    sozinha J.180). Este tipo de aprendizagem autnoma implica o recurso a diversas estratgias

    metacognitivas, uma vez que os indivduos planificam e organizam as actividades de aprendizagem

    e identificam as suas dificuldades. Com base nessa estruturao prvia do estudo, decidem que

    materiais usar e que exerccios realizar.

    Assim, no que se refere s estratgias cognitivas utilizadas por este grupo de aprendentes,

    destacamos as seguintes: o recurso a guias de conversao, dicionrios e gramticas (Eu estudei

    sozinha, pronto, peguei nos livros de gramtica e claro que andava a fazer os exerccios por

    escrito. V.148; trabalhei com dicionrio, estava a ler as palavras que no conhecia, estava a

    escrever no papelinho com traduo e assim trabalhei, trabalhei, trabalhei Ir.130); a

    rentabilizao dos seus repertrios lingusticos, nomeadamente atravs de estratgias de

    intercompreenso, tais como a transferncia, a traduo/retroverso e a comparao entre lnguas

    (na nossa lngua h muitas palavras de origem latina, muitssimos. Em Ingls tambm h aquelas

    palavras e tambm no sei como, mas na lngua ucraniana h palavras semelhantes ou muito

    parecidos com lngua portuguesa, por exemplo, palavra muro, que aquela parede

    J.158). Uma das caractersticas da comunidade ucraniana reside, ento, na capacidade de reflexo

    sobre as diferenas e semelhanas entre a LM e a LP tanto ao nvel lexical como gramatical 44%

    dos inquiridos diz, no questionrio, que considera haver semelhanas entre estas duas lnguas (cf.

    Anexo 4 Quadro 3). Ainda em relao s estratgias cognitivas, estes indivduos referem, embora

    com menos incidncia, a memorizao, nomeadamente no que concerne aquisio de novo

    vocabulrio (E no incio tambm se eu queria dizer qualquer coisa e no sabia as coisas

    elementares eu [] procurava as palavrinhas no dicionrio depois memorizava e no outro dia

    conseguia dizer o que eu queria Ir.146-148).

    Esta comunidade tambm valoriza muito as estratgias scio-afectivas, nomeadamente a

    interaco com locutores nativos, motivada essencialmente pela necessidade que sentem de se

    fazerem entender e pela vontade de aperfeioar a sua fluncia em LP (Sim, alm dos cursos

    tambm tive agora muitos conversar com muitos pessoas para aprefear a lngua, porque s nos

    livros pessoal no se consegue aprender lngua! Tem que sempre ir falar, ter um dilogo com os

    pessoas, para as pessoas conseguirem corrigir os erros que pessoal est a falar! D.26). A este

    propsito destacam-se as estratgias de solicitao de clarificao e/ou verificao (pedidos de

  • 31

    esclarecimento, de reformulao e correco), tal como mencionado neste ltimo excerto, assim

    como por uma outra entrevistada: todo o dia eu pedia [] s pessoas que, se eu falo mal, faz

    favor, tem que gritar um bocadinho e corrigir um bocadinho (Ir.118).

    No que se refere s competncias mencionadas aquando da pergunta sobre os exerccios

    facilitadores da aprendizagem, verificamos que os sujeitos atribuem igual importncia oralidade e

    leitura/escrita. A diminuta relevncia atribuda nos questionrios ao funcionamento da lngua

    (apenas 5% das respostas) contrariada nas entrevistas, em que os sujeitos manifestam realizar

    habitualmente exerccios gramaticais por iniciativa prpria, o que por si s parece ser indicador de

    que lhes conferem utilidade.

    No que diz respeito aos falantes de origem cabo-verdiana, as entrevistas apresentam poucas

    informaes sobre as estratgias e exerccios facilitadores da aprendizagem da LP, uma vez que

    importava explicitar outros aspectos, na altura considerados mais prementes em relao aos dados

    obtidos no questionrio16. Quanto aos dados obtidos nos questionrios, no nos permitem

    perspectivar uma preferncia, por parte dos sujeitos desta amostra, em relao a uma determinada

    competncia. Com efeito, para alm do nmero de no respostas a esta pergunta ser elevado (47%),

    as informaes dadas pelos restantes informantes distribuem-se de forma equilibrada pelas

    competncias orais e escritas (cf. Anexo 3 Quadro 2).

    Conseguimos identificar, ao longo das entrevistas, a referncia a algumas estratgias

    cognitivas, nomeadamente a comparao entre a LM e a LP, a qual favorecida no s pelo

    contexto de diglossia existente em Cabo Verde, como tambm, e sobretudo, pela proximidade

    gentica das duas lnguas em causa. Este aspecto , de resto, confirmado pelas respostas

    afirmativas, nos questionrios, de 57% dos inquiridos em relao existncia de semelhanas entre

    o CCV e a LP (cf. Anexo 4 Quadro 3). Para alm da comparao entre a LM e a LP, os sujeitos

    referem ainda, ao nvel das estratgias cognitivas, a traduo, a consulta de gramticas de LP e o

    uso de fontes potenciadoras de aprendizagem, tais como livros e meios de comunicao social:

    olha, tenho dificuldades [] e por causa disso comprei at uma gramtica! Comprei at uma

    gramtica mesmo para corrigir (Il.274-276); olha se tens problemas em exprimir, eu acho que

    um problema que fcil de combater lendo muito (Il.214); Agora, na Sic Notcias, est a

    passar um Campeonato da Lngua Portuguesa e h dias no Jornal da Noite estava um linguista a

    falar dos erros o trabalho dele escrever os erros que os profissionais, no s da comunicao

    social, mas, por exemplo, [] os comentadores falam no dia-a-dia []. E eu tenho esta

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    preocupao de, quer dizer, posso no falar bem, mas tento ver como que , portanto, estas

    dificuldades que eu tenho (Il.282-288).

    O outro grupo de estratgias referido pelo grupo de entrevistados consiste nas estratgias

    scio-afectivas, nomeadamente as que correspondem a pedidos de apreciao/correco sobre o seu

    desempenho. Na verdade, considerando que a lngua a prtica! (Il.186), este cabo-verdiano

    refere-se necessidade que sentia, sobretudo durante os primeiros tempos, de obter da parte dos

    seus colegas de escola um feedback em relao s suas produes orais: eu tinha sempre aquela de

    dizer assim: Oh, pessoal, quando eu cometer qualquer erro, no ? Qualquer erro, oh p, por

    favor ajuda-me a corrigir! (Il.330).

    Por fim, quanto aos falantes de origem chinesa, cumpre-nos, antes de mais nada, explicitar

    que as entrevistadas constituem casos de excepo em relao amostra do estudo. Com efeito,

    sendo uma delas leitora numa universidade e a outra uma estudante do ensino bsico, no s

    possuem motivaes de aprendizagem em relao LP distintas das dos restantes congneres em

    anlise, como tambm apresentam perfis de aprendizagem singulares. Uma das entrevistadas remete

    precisamente para esta questo ao afirmar, por um lado: h outra coisa que um factor muito

    forte: que os chineses pensam que no precisam de Portugus para viver! (K.148) e, por outro:

    Eu acho Portugus d muito jeito a mim! Pelo menos a mim d-me muito jeito! E eu gosto

    bastante lngua portuguesa! (K.169).

    Reportando-nos, ento, essencialmente s informaes veiculadas pelas duas entrevistadas,

    podemos constatar uma certa preferncia pelas estratgias scio-afectivas, designadamente a

    interaco com falantes nativos tendo em vista o desenvolvimento de competncias em Portugus.

    A este nvel destaca-se, sobretudo, no discurso de uma das entrevistadas, a referncia a pedidos de

    clarificao e/ou verificao quer em contexto escolar (Eu acho que muito mais fcil estar com

    mais atenes nas aulas do que estar aqui a ler os livros, porque l eu posso perguntar

    professora K.32; Eu tenho uma aula de conversao, vais l conversar com professora e s

    vezes quando tu precisas ela d-te apoio K.34) quer extra-escolar (Eu comecei mesmo por

    ouvir as pessoas a falar e depois tentar ser eles a explicar-me o que que quer dizer aquelas

    palavras ou aquela frase! K.140).

    No que se refere s estratgias cognitivas utilizadas, a segunda das entrevistadas,

    reportando-se especificamente ao contexto formal de aprendizagem, afirma no realizar um esforo

    intencional no sentido de optimizar a sua performance acadmica (sinceramente, eu no gosto de

    estudar o Portugus [] eu quase no estudo Portugus. Mesmo nos testes no; antes dos testes

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    no uma coisa que eu fao muito! K.34) e no gostar de realizar tradues (Eu no gosto

    traduzir as palavras K.140) nem exerccios gramaticais (eu no gosto dos exerccios com

    verbos K.42). No entanto, afirma recorrer a outras estratgias no sentido de desenvolver as suas

    competncias em LP (em contexto informal e formal). Destacam-se, a este nvel, o uso de fontes

    potenciadoras de aprendizagem, como os livros e os jornais (leio os livros, os jornais; de uma

    forma tambm ajuda bastante K.32) e a memorizao, particularmente a de tipo auditivo (Eu

    gosto de estar com ateno nas aulas K.32; Eu no gosto de estar a, olha, uma pessoa a falar

    eu vou ao dicionrio ver o que que significa; complica-se muito as coisas. Ainda por cima uma

    pessoa no se fixa a cada palavra! Naquele momento se calhar sim, mas depois esquece-se

    rapidamente! Mas, por exemplo, uma pessoa est a conversar com outro, tem de ser ou